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CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MINAS GERAIS
Mestrado em Educação Tecnológica
Kellen Tarciana de Almeida
O ENSINO PRIMÁRIO AGRÍCOLA: O CASO DO INSTITUTO JOÃO
PINHEIRO EM MINAS GERAIS
(1909-1942)
Belo Horizonte (MG)
2009
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Kellen Tarciana de Almeida
O ENSINO PRIMÁRIO AGRÍCOLA: O CASO DO INSTITUTO JOÃO
PINHEIRO EM MINAS GERAIS
(1909-1942)
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em
Educação Tecnológica do Centro Federal de Educação
Tecnológica de Minas Gerais - CEFET-MG, para
obtenção do título de Mestre em Educação Tecnológica.
Orientador: Prof. Dr. Antônio de Pádua Nunes Tomasi
Co-orientador: Prof. Dr. Roger Andrade Dutra
Belo Horizonte (MG)
2009
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FICHA CATALOGRÁFICA (CEFETMG)
Kellen Tarciana de Almeida
O ENSINO PRIMÁRIO AGRÍCOLA: O CASO DO INSTITUTO JOÃO
PINHEIRO EM MINAS GERAIS
(1909-1942)
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação Tecnológica do
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais - CEFET-MG, em
06/11/2009, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação
Tecnológica, aprovada pela Banca Examinadora constituída pelos professores:
____________________________________________________
Prof. Dr. Antônio de Pádua Nunes Tomasi- CEFET/MG - Orientador
____________________________________________________
Prof. Dr. Roger Andrade Dutra- CEFET/MG- Co-orientador
____________________________________________________
Prof. Dr. Wellington de Oliveira - UFVJM
____________________________________________________
Prof. Dr. Irlen Antônio Gonçalves- CEFET/MG
____________________________________________________
Prof. Dr. Jerônimo Coura Sobrinho- CEFET/MG
“A invisibilidade não significa ausência”
Ao meu saudoso avozinho Mário. A alegria
do tio Edu. O cavaquinho do tio Lúcio. As
amigas Érika e Hilda.
AGRADECIMENTOS
A Deus que sempre foi pai e amigo fiel.
Aos meus pais Márcia e Tarcísio pelo amor, carinho e dedicação durante todos estes
anos. Aos irmãos companheiros Tarcísio e Mariana que estiveram sempre ao meu lado.
As minhas avós Alice e Dinorá e a tia Zana, pelas orações. Tenho certeza que com
minha força eu não conseguiria. Certamente elas buscaram ajuda espiritual para mim, e
aos meus tios e primos pelo incentivo e apoio, sempre.
Aos meus “meninos” Lucas, Maria Clara e Alessandra pelos sorrisos constantes.
A todos os professores que possibilitaram a minha caminhada da infância a idade
adulta.
Aos meus orientadores, professores Tomasi e Roger, que tornaram possível a
realização deste trabalho.
Aos professores Jerônimo Sobrinho, Wellington de Oliveira e Irlen Antônio.
Aos meus amigos de Mestrado pelos dias agradáveis de convívio, especialmente aos
amigos do coração Renata Grossi, Pimenta, Josué, Joselane, Sidney, Celeida, Corina e
Valéria pela dedicação e carinho. Aos amigos Amanda, Gislene e Pablo por seus
incentivos e amizade incondicional.
Aos colegas de grupo de estudo do NICHU, principalmente o professor Ewaldo Mello de
Carvalho.
Aos amigos do LaDEPH ( UNI-BH) pelo incentivo e o valioso acervo bibliográfico.
Aos amigos da Mocidade Espírita Eurípedes Barsanulfo pela amizade e cultivo dos
sonhos.
Ao Fábio, secretário do mestrado, pelo apoio necessário para realização deste trabalho.
Ao CEFET-MG pelo auxílio financeiro a esta pesquisa.
Enfim, a todos que passaram pela minha vida e os que ainda passarão.
“Venham até a borda, ele disse.
Eles disseram:
- Nós temos medo.
Venham até a borda, ele insistiu.
Eles foram.
Ele os empurrou... E eles voaram.”
( Guillaume Apollinaire)
2009
Fachada de um dos pavilhões do Instituto João Pinheiro
FIGURA1 - Fachada de um pavilhão do IJP
FONTE: Revista Illustração (1929)
RESUMO
Este trabalho propõe um estudo de caráter sócio-histórico do ensino infantil de ofícios
agrícolas no Instituto João Pinheiro (1909-1942), já que o mesmo estava direcionado ao
atendimento á “infância desvalida” para formação de trabalhadores rurais. Buscando
compreender de que forma o aprendizado de ofícios no ensino primário trouxe uma
nova concepção sobre o trabalho manual na sociedade brasileira, nosso primeiro
objetivo foi analisar a formação que os alunos do IJP receberam. O segundo é como o
Instituto organizou seus métodos de ensino escolar de maneira a aliar ensino primário e
profissional. O terceiro averiguar as novas relações estabelecidas com o trabalho
manual. Os recursos metodológicos utilizados foram a análise documental, bibliográfica
e imagens fotográficas. A reflexão sobre a utilização do conceito de História e de
memória na construção das trajetórias das Instituições escolares como perspectiva
análise. A primeira República necessitava de cidadãos disciplinados fisicamente e
moralmente para serem adequados como futuros trabalhadores. O ensino de ofícios foi
um dos instrumentos de integração do trabalhador nacional a sociedade moderna. Ou
seja, a educação escolar teria como uma de suas metas a formação de um aluno
organizado e disciplinado para a construção de uma nova nação democrata.
Palavras-Chave: Primeira República; trabalho agrícola infantil; Instituto João Pinheiro
ABSTRACT
The purpose of this research was to conduct a social-historical study about the teaching
for future rural workers at João Pinheiro Institute (1909-1942), since this institute had the
aim to educate poor children for rural work. The aim of this research was to analyze the
education that children from IJP received and tried to understand how the learning of a
profession brought a new conception about the manual work in Brazilian society. A
second aim was to analyze how this institute organized the teaching methods in order to
associate elementary school with the professional education. And the third aim was to
discover the new relationships established with the manual work. In this research were
used as methodological resources: analyze of documents, bibliographical references
and photographs. This research analyzed the history and memory’s concepts in the
construction of the trajectories of schools. The Brazilian First Republic needed citizens
disciplined physically and morally to work in the future. The teaching for rural workers
was an instrument of the national worker's integration in the modern society. The school
had as its goal an organized and disciplined student for the construction of a new
democratic nation.
Keywords: First Republic in Brazil; education for rural workers, João Pinheiro Institute
LISTA DE TABELAS
Tabela 1
Entrada de Alunos no IJP de acordo com a fundação dos
pavilhões.....................................................................................52
Tabela 2
Idade de Entrada dos meninos no IJP........................................55
Tabela 3
Evolução da Capacidade de Atendimento IJP............................57
Tabela 4
Profissão Exercida pelos pais no momento da internação
(1909-1934)................................................................................59
Tabela 5
Situação familiar dos meninos do IJP (1909-1934)....................59
Tabela 6
Distribuição dos trabalhos escolares..........................................69
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Fachada de um pavilhão do IJP.........................................................04
Figura 2
Figura2 Pavilhão Central ...................................................................47
Figura 3 Plantação ..........................................................................................63
Figura 4
Oficina de sapateiro ..........................................................................64
Figura 5 Exposição de produtos feitos nas oficinas ........................................65
Figura 6
Cinema do Instituto ...........................................................................73
Figura 7 Dia de Tiradentes .............................................................................74
LISTA DE SIGLAS
APCBH Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte
APM Arquivo Público Mineiro
CEFET-MG
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais
FG Fazenda Gameleira
IJP Instituto João Pinheiro
IE Instituições Educativas
RSI Relatório da Secretaria do Interior
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................12
Capítulo I
CENÁRIO HISTÓRICO POLÍTICO E EDUCACIONAL.............................16
1.
TRAJETÓRIA HISTÓRICA DO ENSINO AGRÍCOLA EM MINAS GERAIS
1.1 Educação agrícola mineira: O problema da mão de obra ...................17
1.2 O Ensino Agrícola Mineiro no governo João Pinheiro.........................27
1.3 Modalidades de Ensino Agrícola............................................................29
Capitulo II
CAMINHOS E RECURSOS METODOLÓGICOS......................................31
2.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
2.1
Investigações Bibliográficas e Documentais........................................32
2.1.1 Imprensa ....................................................................................................35
2.1.2 Imagens como memória ............................................................................37
2.2 O Historiador e as Fontes........................................................................42
2.3 Fundamentos Históricos das Instituições Educativas.........................44
Capitulo III
O INSTITUTO JOÃO PINHEIRO...............................................................46
3
O EDUCADOR LEON RENAULT .............................................................48
3.1
Educar e Regenerar: assistência à infância abandonada ...................50
3.2 Campo: teoria e prática ...........................................................................60
3.3 A Organização dos Estudos ...................................................................67
3.4 Disciplinamento e organização interna do Instituto ............................70
IV
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................76
V
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................80
ANEXO ..................................................................................................................87
12
INTRODUÇÃO
[...] O trabalho sempre influiu no processo educativo dos homens e na
configuração das instituições escolares. A relação escola-trabalho não se reduz
nem à preparação profissional nem à imediata qualificação de mão-de-obra, pois
existe uma complexa integração histórica entre o mundo do trabalho e a escola,
sem que cada uma perca suas especificidades e autonomia. (NOSELLA e
BUFFA, 2000, p.18)
Esta pesquisa busca analisar o Instituto João Pinheiro (IJP) e procura compreender de
que forma o aprendizado de ofícios no ensino primário trouxe uma nova concepção
sobre o trabalho manual, na sociedade mineira. O período estudado vai de 1909 a1942.
O IJP foi inaugurado no dia 09 de fevereiro de 1909, por meio do Ato nº2. 416. Este
estudo abrange o período que vai do início das atividades do IJP a1942, ano em que
ocorreram dois fatos marcantes na instituição: a mudança da denominação, de Instituto
João Pinheiro para Granja-escola João Pinheiro, e o desligamento da família Renault
da direção do educandário.
Neste estudo, buscou-se analisar as causas históricas que levaram o governo estadual
do Presidente
1
João Pinheiro
2
e o Senador Bueno Brandão a criarem e instalarem uma
instituição de ensino agrícola infantil, no município da Gameleira
3
, durante a primeira
década da república.
O IJP se destinava a ensinar práticas agrícolas a crianças carentes, transformando-as
em trabalhadores rurais. Com o crescimento da agricultura registrado na época, o
objetivo principal do Instituto era reconfigurar o trabalho manual e construir o perfil do
trabalhador do setor agrário.
O interesse da autora deste trabalho em pesquisar o IJP foi motivado pela relação que
ela iniciou com o Instituto, durante o período em que fez um curso de especialização
1
Na época estudada o título “Presidente do Estado” era utilizado para se referir ao Governador de Estado.
2
João Pinheiro da Silva (1860-1908) morreu quando exercia seu segundo mandato de Presidente do Estado de
Minas Gerais.
13
Lato Sensu em Educação Tecnológica, promovido pelo Centro Federal de Educação
Tecnológica (CEFET-MG). O programa da disciplina História da Educação Brasileira
aborda a História das instituições escolares mineiras e, dentre elas, o IJP.
O ingresso no curso de Mestrado em Educação Tecnológica e as disciplinas cursadas
com o professor Dr. Antônio de Pádua Nunes Tomasi e, além das discussões em sala
de aula sobre ofício, formação para o trabalho, habilidades e competências aliadas com
as aulas sobre educação brasileira, oferecida pelos professores doutores Irlen Antônio
Gonçalves e Carla Simone Chamon, tudo fez despertar mais profundamente o interesse
de estudar o cenário político, econômico e social em que o Instituto foi criado e
organizado.
A partir daí, iniciou-se uma pesquisa para verificar quais autores estudaram o IJP. O
Arquivo Público Mineiro (APM) – onde se encontra um diversificado acervo, como
cartas, relatórios, regulamentos, atestados dicos e fotografias e o Arquivo Público
da Cidade de Belo Horizonte (APCBH) com uma concentração de estudos sobre
Minas Gerais e Belo Horizonte – são importantes fontes de consultas.
Na busca de encontrar caminhos que levassem à compreensão do objeto de estudo,
percebeu-se que um dos grandes desafios dos governantes da primeira fase da
república foi a necessidade de romper com as tradições negativas do trabalho manual,
caracterizado como tarefa de escravos.
Com a economia republicana, predominantemente agrícola, notou-se a necessidade de
amenizar as antigas relações com o trabalho manual para o emprego de trabalhadores
livres nos campos. Interpretando Cunha (2000) a negatividade do trabalho manual
surgiu das relações de produção escravistas, que vigoraram por três séculos, no país.
No período Colonial, a força de trabalho livre o era incentivada para a realização de
atividades rurais, artesanato e manufatura, devido à necessidade de o homem livre
3
Na época estudada ,Gameleira ficava distante 8 km da Capital. Atualmente é um bairro da região oeste de Belo
Horizonte.
14
distinguir-se dos escravos, que exerciam as atividades de lavradores, carpinteiros,
pedreiros, ferreiros, tecelões, confeiteiros e, entre outros ofícios.
Para romper com a velha concepção do trabalho manual, os governos republicanos, do
Distrito Federal e até algumas instituições privadas registraram várias iniciativas para
oferecer às classes populares alguma preparação para o trabalho. Porém, com algumas
exceções, a característica marcante na maioria dessas iniciativas foi o assistencialismo.
De fato, havia poucas condições estruturais ou pedagógicas para formar os alunos para
alguma profissão. (BRANDÃO,1999).
No cenário nacional, Minas Gerais apresentava característica peculiar. A nova capital
foi inaugurada em 1897 nove anos após a abolição da escravatura neste período,
ocorreu a instituição do mercado de o de obra livre. Belo Horizonte foi planejada
para racionalizar os espaços a serem marcados pela higiene e pela ordem (SOUZA,
1994). A tarefa de educar para o trabalho era considerada árdua, em uma sociedade
em que, principalmente o trabalho manual era concebido de uma forma negativa, como
foi abordado. Assim, a criação da nova capital mineira foi uma forma de inserir novas
idéias liberais e uma nova ordem política, e de forças econômicas progressistas, que
caracterizam os valores republicanos de civilização, progresso e trabalho (PEREIRA,
2008, p.134). A atuação de filantropos e dos educadores foi intensa em relação à
organização das instituições, Belo Horizonte e, no caso particular desta pesquisa, em
relação ao IJP.
Para obter a marca de uma sociedade moderna, Belo Horizonte necessitou construir
uma nova relação com o trabalho manual e seu aprendizado. A partir dessa concepção,
surgiram questionamentos como: o contexto sócio-histórico da primeira fase da
república influenciou o ensino de ofícios agrícolas? De que modo o Instituto organizou
seus métodos de ensino escolar para aliar ensino primário e profissional?
São perguntas que surgiram para tentar compreender e dar norte a um problema: os
motivos que levaram os políticos republicanos a pensarem em educar a infância para o
15
trabalho.
Este trabalho foi divido em três capítulos: O primeiro é dedicado a analisar o Estado
republicano mineiro, e sua parceria com as classes produtoras agrárias e a busca para
construir um novo trabalhador rural, a partir da educação; o segundo capítulo aborda os
caminhos e recursos metodológicos adotados na pesquisa; o terceiro capítulo busca
evidenciar os métodos educacionais utilizados no IJP para aliar ensino primário e
profissional à busca de uma nova concepção de trabalho manual.
São inúmeras as possibilidades para analisar uma instituição escolar. Na confecção
deste trabalho, optou-se por uma análise interpretativa das fontes teóricas, documentais
e dos recursos iconográficos, na tentativa de reconstruir o processo de consolidação do
Instituto.
Outra proposta deste trabalho é convidar o leitor para uma reflexão sobre o processo de
consolidação do IJP, durante os trinta e três anos propostos no estudo.
16
CAPÍTULO I
CENÁRIO HISTÓRICO POLÍTICO E EDUCACIONAL
“Direcionar os homens, mulheres e crianças, livres ou libertos, donos apenas de
sua força de trabalho, para o trabalho regular da lavoura, das minas ou da
siderurgia, foi um problema colocado para as elites dirigentes mineiras ao longo
de todo século XIX. Se este problema, até 1888, não era dos mais prementes,
principalmente para os fazendeiros/agricultores, com a abolição ele se transforma
no grande problema da economia mineira.” (FARIA FILHO, 1990, P.79-80)
1. Trajetória histórica do ensino agrícola em Minas Gerais
Esta pesquisa está centrada no pressuposto de que o ensino agrícola, em Minas
Gerais, tem raízes no projeto de desenvolvimento mineiro, articulado pelo Estado e pela
elite agrária. O marco oficial da elaboração desse projeto econômico foi a realização do
primeiro Congresso Agrícola, Industrial e Comercial de MG, ocorrido em Belo Horizonte,
de 13 a 19 de maio de 1903.
O congresso foi um dos principais acontecimentos que proclamaram a instrução
agrícola como instrumento de organização do mercado de trabalho no campo. O evento
promoveu também a disseminação de inovações tecnológicas na agricultura e pecuária,
além da busca do desvirtuamento do preconceito que recaía sobre o trabalho manual,
conferindo-lhe um novo significado.
Acredita-se que a medida de revalorização do trabalho manual tenha sido uma
estratégia proposta pelo Estado, em parceria com as classes produtoras mineiras. Na
década inicial do período republicano, a transformação conceitual do trabalho foi um
dos principais obstáculos para a concretização do projeto de desenvolvimento
econômico de Minas Gerais. O trabalho manual deixava de ser eminentemente escravo
e passava a ser aceito como regime de trabalho livre.
17
Com essa premissa, busca-se entender o modo como os debates e os desdobramentos
do Congresso Econômico de 1903 influenciaram o processo de configuração do ensino
agrícola, no estado de Minas Gerais.
Como desdobramentos causados pela realização do Congresso de 1903, destacam-se
as exigências feitas pelos fazendeiros mineiros: a elaboração de uma constituição, o
estabelecimento de controle e repressão sobre os preconceitos em relação ao trabalho
manual e a instrução da mão de obra rural mineira por meio da disseminação do ensino
agrícola elementar (ou primário) prático.
No Congresso, foram apontadas sumariamente as principais modalidades da educação
agrícola disseminadas pelo Estado, em 1906. Destaca-se, nesse período, o
desempenho do governo estadual de João Pinheiro (1906-1908). O governador colocou
em prática a política econômica voltada para o desenvolvimento social e priorizou a
produção agrícola, a educação e a qualificação da mão de obra. O Estado fez
investimentos de vulto na infraestrutura de instituições de ensino agrícola e nas
modalidades de instrução elementar e prática. Isto foi considerado reflexo e
incorporação das exigências feitas pelos fazendeiros, por ocasião da realização do
Congresso.
A inauguração do IJP, em 1909, foi um marco da mudança de estratégia do governo
mineiro, mudança que, funcionando como incentivo e fortalecimento do trabalho agrário
fez do Instituto o modelo de educação infantil agrícola a ser seguido por todo o Estado.
1.1 Educação agrícola mineira: O problema da mão de obra
O problema da mão de obra em Minas Gerais e no território nacional agravou com a
abolição da escravatura. Era o trabalho escravo que alimentava a economia
agroexportadora do Brasil, desde os tempos coloniais.
A falta da força de trabalho passou a ser uma preocupação nacional. A elite ainda não
18
sabia o que fazer para reorganizar e substituir a mão de obra escrava. Cabe considerar
que, no país, a eliminação da escravidão foi o resultado do desgaste provocado no
regime escravo, causado pelas imposições das grandes potências mundiais da época.
O caso da Inglaterra é um exemplo do exercício dessas influências externas.
O projeto que as elites agrárias mineiras defenderam como proposta de transição para
o trabalho livre propunha um processo lento e gradual. As elites entendiam que era
necessário imprimir esse ritmo calmo para possibilitar a incorporação do próprio negro
(ex-escravo) ao processo de transformação de trabalho, por meio da educação ou da
qualificação profissional, a partir do ensino agrícola.
De acordo com Silva (2007, p.34), foi no bojo do congresso agrícola de 1878 que
ficaram evidentes as divergências entre as propostas de superação do sistema
escravista brasileiro, definida pelos senhores do capaulistas, mineiros e fluminenses.
Enquanto São Paulo apresentou uma proposta elaborada para conseguir a substituição
do braço escravo pelo braço do imigrante europeu, Minas Gerais e Rio de Janeiro
fizeram diferente.
A opção dos fazendeiros de Minas pelo trabalhador nacional, mineiro livre ou liberto,
ocorreu devido às características regionais e conforme a capacidade de transição de
regime escravo para o do trabalho livre que era apresentada por cada unidade da
federação. Além dos fatores de ordem econômica, acrescenta-se o fator de que Minas
possuía, naquela época, um número representativo de braços cativos ou de homens
livres e pobres – disponíveis para trabalhar nas lavouras do Estado. Entretanto, isto não
foi um facilitador para os acontecimentos que sucederam.
De acordo com Silva (2007), a política imigrantista estadual, que trouxe poucos
resultados para a lavoura, não repercutiu muito em Minas. Os fazendeiros não
esperavam encontrar tantas dificuldades advindas da escolha que fizeram pelo
elemento nacional como categoria de trabalhador destinado a compor o nascente
mercado de trabalho livre de Minas Gerais.
19
A instabilidade do trabalhador nacional se manifestou sob diferentes formas e mereceu
registro por parte dos fazendeiros. Os principais motivos identificados nessa área foram
a rotatividade de trabalhadores e a consequente migração para outras áreas, em busca
de melhores salários e condições de sobrevivência. O local mais procurado pelos
trabalhadores era o estado de São Paulo.
Contudo, houve quem atribuísse o grau de dificuldades da inserção do trabalhador
nacional nas áreas produtivas às consequências sociais do fim da escravidão. Durante
três séculos, as atividades manuais eram atribuídas somente ao trabalho escravo.
Diferenciavam o trabalho forçado do trabalho do homem livre. As resistências para
aceitar essa transição foram outro fator que dificultou a fixação do homem livre no
trabalho agrário.
Isso se explica, porque a ordem escravocrata no Brasil do século XIX, que descartou o
uso da mão de obra do trabalhador nacional livre, no período colonial, engendrou em
toda sociedade brasileira a decomposição social do trabalho, isto é, a sua
desvalorização. Como afirma Silva (2007, p.36), e ressalta que a tarefa dos negros no
sistema produtivo das lavouras, principalmente das lavouras cafeeiras, desde os
tempos coloniais no Brasil, teve, sobretudo, a marca da disciplina e da regularidade
conquistadas e conservadas pelos Barões do Império, o que ocorreu à custa da
humilhação e da degradação dos negros africanos.
Por isso, o chamado elemento nacional renegou o trabalho compulsório da produção
cafeeira, preferindo viver de uma economia de subsistência e da renda de poucos
trabalhos que prestavam esporadicamente a profissionais liberais ou comerciantes.
Refere-se ao mesmo trabalhador livre tido como mão de obra residual pelas elites do
país, durante os períodos colonial e imperial. Nesse contexto de preconceito e
dificuldades de adaptação, o trabalho assalariado regular e disciplinado, requerido
pelos campos mineiros e brasileiros, passou a ser negado no período da pós-
20
escravidão. Segundo atentou Kowarick,
[...] qualquer trabalho manual passa a ser considerado coisa de escravo e,
portanto, aviltante e repugnante. Não poderia ser diferente numa ordem em que o
elemento vivo que levava adiante as tarefas produtivas era morar, ou, quando e
quanto deveria trabalhar, e que, brutalizado por sorte de violências, o mais das
vezes morria em cativeiro (KOWARICK, 1994, p.43-44).
Em suma, a desvalorização do trabalho engendrada pela ordem escravocrata colocou o
elemento nacional à parte do trabalho manual, mergulhado em uma grande miséria e
marginalização social. Tal situação deu origem ao preconceito social, representado em
torno do trabalho manual como sendo uma atividade depreciativa, humilhante e
considerada apropriada somente para os escravos. Mesmo após a abolição da
escravatura, qualquer tipo de trabalho manual continuou a ser visto como compulsório e
aviltante.
Logo, pode-se deduzir que a instabilidade do trabalhador nacional enfrentada pela
lavoura mineira tem relação profunda com o valor negativo atribuído ao ato da atividade
manual tão degradada pelo escravismo do século XIX. As elites econômicas agrárias
de Minas clamaram ao governo estadual por instrumentos que fossem realmente
capazes de superar o problema da organização de mão de obra nacional mineira do
meio rural.
Por esse motivo, os agricultores apresentaram um perfeito conjunto de propostas e
estratégias para solucionar a questão. A necessidade de mudar a concepção do
trabalho manual passou a ser premente. E foi justamente no Congresso de 1903 que o
ensino agrícola foi anunciado como a principal medida para superar o problema da
(des)organização do mercado de trabalho no campo.
Numa sociedade marcada pelo regime cativo, o trabalho manual continuava a
representar socialmente um ato de humilhação e degradação humana. Como aborda
Silva, (2007) para mudar o quadro, foi dado o primeiro passo para solucionar o
problema da falta de mão de obra qualificada e disciplinada no campo: a noção de
21
trabalho vigente foi reelaborada. Com isso, foi possível imprimir aspectos positivos ao
ato produtivo manual.
No caso de Minas Gerais, a reordenação da sociedade em nível legal foi colocada em
discussão e contemplada durante o Congresso de 1903. Na ocasião, membros das
elites políticas e econômicas do Estado exigiram leis que reprimissem as resistências
dos trabalhadores nacionais e mineiros em relação à ordem do trabalho disciplinado
dos campos, assim como pela tese que defendia a constituição da força de trabalho, via
educação (FARIA FILHO, 1990, p. 87).
Durante a realização do congresso, duas diferentes teses foram propostas pelos
membros das classes produtoras mineiras, participantes. As duas, entretanto, eram
portadoras do mesmo propósito: incorporar o trabalhador nacional de Minas Gerais às
novas relações capitalistas impostas pelo nascente mercado de trabalho livre. Enquanto
o primeiro grupo defendia a formação da mão de obra por meio da repressão e controle
dos homens livres, o segundo grupo de agricultores e políticos mineiros defendia a
disseminação da instrução agrícola profissionalizante (SILVA, 2007, p.40)
Segundo Faria Filho, (1990) a tese que propunha o controle e a repressão do
trabalhador nacional mineiro contrário ao trabalho manual foi contemplada inúmeras
vezes no Congresso de 1903. Nesse sentido, algumas diferentes medidas foram
propostas, conforme o aspecto que se queria reprimir ou controlar. Dentre elas,
sobressaiu a questão do trabalho na documentação do Congresso Agrícola, Industrial e
Comercial, de 1903.
Uma proposta consistia no controle da identidade da própria pessoa, por meio do
registro dos dados pessoais, último emprego, etc. apontado em cadernetas. Este
procedimento ocorria o para os trabalhadores rurais, mas também para
aqueles dos centros urbanos [...]. (Idem, 1990, P.83).
O objetivo desse grupo de agricultores e políticos era controlar a identificação dos
indivíduos trabalhadores para reprimi-los, quando fosse necessário. Assim, as classes
produtoras agrárias e industriais poderiam manter os homens rebeldes que, desde o
22
período colonial, negaram-se a engrossar as fileiras do trabalho agrícola afastados
dos bons trabalhadores.
Outra medida proposta pelos congressistas foi o uso da força policial, caso viesse a
falhar a estratégia do controle da identidade dos trabalhadores. Silva (2007, p.40) O
grupo propunha que cada município montasse um corpo policial municipal para
combater o que era considerado a maior praga da época: a vadiagem dos homens
livres resistentes às ordens de disciplina e regularidade do trabalho rural e urbano.
Cada município destinaria verbas para formar e manter o corpo policial.
Então, o elenco da lógica repressiva deveria ser o controle do espaço e do tempo do
trabalhador não empregado (FARIA FILHO, 1990 p.84), para controlar os movimentos
do trabalhador ambulante. Sobre essa medida, afirmava Carlos Pereira de Forte -
ilustre pecuarista e redator do Congresso de 1903:
A um trabalhador não domiciliado no distrito não deve ser permitido, sem causa
justificada, permanecer neste por mais de oito dias desempregado; após a devida
advertência, desprezada esta, ele deve ser posto fora do distrito, proibindo-se-lhe
a entrada neste por um ou dois anos, sob pena de prisão correcional, que a lei
determinará em relação ao lugar e ao prazo onde deve ser cumprida. (JORNAL
MINAS GERAIS, 18 de março de 1903, [s/p] apud FARIA FILHO, 1990).
Os congressistas exigiam a criação de uma lei que proibisse os trabalhadores de
ocuparem terras devolutas, pertencentes ao estado de Minas Gerais. Os congressistas
perceberam que...
[...] ao longo do império e ainda no início do século XX, os trabalhadores
nacionais se encontravam para evitar o trabalho disciplinado da lavoura ou das
fábricas. Eles promoviam a ocupação e a utilização de terras pelo tempo que
achassem necessário [...]. (Idem, 1990, p 84).
De acordo com Silva, (2007, p. 41) concomitantemente, havia os agricultores que
defendiam a adoção de contratos entre patrões e empregados, almejando-se reprimir
qualquer natureza de abandono do trabalhador contratado. Essa estratégia estipulava
uma multa contratual imposta ao trabalhador, equivalente a um salário. A multa seria
paga pelo trabalhador ao patrão, caso o trabalhador o servisse assiduamente ao seu
23
fazendeiro empregador.
Apesar das medidas de repressão e controle desses trabalhadores os fazendeiros
acreditavam poder contar – e contavam efetivamente – com outro aliado: a organização
dos pares (FARIA FILHO, 1990, p. 85). Isto é, tanto agricultores quanto industriais, com
base numa associação ou mesmo como uma liga associativa, incumbiriam de não
empregarem os indivíduos oriundos de outras propriedades ou estabelecimentos, caso
os trabalhadores não tivessem cumprido o tempo de serviço celebrado com o ex-patrão.
Os congressistas consideravam a educação profissionalizante dos trabalhadores de
cada setor produtivo do Estado a melhor solução para o problema da organização do
trabalho nos campos. Naquela época, a lavoura era tratada como a mais importante
fonte geradora de riquezas de Minas Gerais.
Com base no relevante estudo realizado por Faria Filho (1990) em consonância Silva
(2007, p.42) ficou constatado que a proposta desses membros estava calcada num
princípio do ideal liberal republicano. O princípio da educação e da instrução técnica
profissional visava a imprimir, na mocidade da época, os valores sociais necessários
para garantir a organização do trabalho nos campos, nos comércios e nas indústrias
mineiras da época. A formação profissional agrária foi concebida como um instrumento
capaz de lapidar a ideia de positividade no ato produtivo do trabalho no campo.
A proposta da formação de mão de obra por meio da educação profissional, discutida
por Faria Filho, apresenta um importante elemento: essa proposta visa à formação dos
futuros trabalhadores mineiros, desde a infância. Por sua vez, os fazendeiros
acreditavam que a escassez de braços para a lavoura seria solucionada com a
formação elementar daqueles que seriam os lavradores de amanhã. O autor também
apontou o seguinte:
[...] Ao lado da defesa de uma maior aproximação entre a escola e a prática
cotidiana, ou melhor, das exigências cotidianas do trabalho disciplinado, outro
elemento que apareceu no congresso de 1903 foi a necessidade de criação de
colônias orfanológicas [...]. Em Minas Gerais, o Instituto João Pinheiro, criado em
24
1909, em Belo Horizonte, representou a primeira instituição do gênero fundada
pelo estado para criar e educar, nesta perspectiva [...]. (ibidem, p.89)
Mesmo envolvendo, em alguns momentos, os ideais de caridade e filantropia, a criação
do IJP, de resto, já defendida no Congresso de 1903, situava-se num plano mais amplo
de educação dos trabalhadores nacionais, suspeitos de representarem perigo. Neste
sentido, o menor abandonado – considerado um perigoso em potencial – deveria ser
conformado, desde cedo, aos valores da república do trabalho.
É a busca da moralização do indivíduo pela educação baseada na ideia de positividade
do trabalho. Para que isso fosse possível houve uma redefinição ideológica da noção
de trabalho, que passava a ser representado não mais como uma ação degenerativa e
aviltante, mas, conforme apontou a autora:
[...] como princípio instituinte do social. É fonte de riqueza e bem-estar, fonte de
aperfeiçoamento moral; razão de ser do homem e elemento definidor da sua
existência. O trabalho livre é o elo, a ponte para o mundo superior, civilizado,
moralizado, desenvolvido, assepético. É a expressão do bem comum [...].
(DUTRA, 1990, p. 30).
Desse modo, para a sociedade do trabalhador livre, origem do projeto liberal
republicano, criou o contexto social ideal para atender às exigências do
desenvolvimento capitalista brasileiro. (SALLES, 1986). Nessa sociedade, as ximas
de liberdade, igualdade e fraternidade serviram de mecanismo de mascaramento das
contradições sociais pertencentes ao movimento do capital.
De acordo com Silva (2007, p.43) a valorização do trabalho, as relações de produção
assumiram uma lógica capitalista, visto que o trabalho pilar fundamental da
construção da riqueza de um país ocupou no bojo do projeto político o significado de
trabalho pertencente ao pensamento liberal.
[...] O trabalho é compreendido pelo pensamento liberal como condição intrínseca
25
ao homem que, ao se desenvolver, possibilita a criação de bens morais, pois
recupera e eleva o sentido ético dos indivíduos e dos bens materiais. A
acumulação desses bens morais forma o cabedal de uma nação. (SALLES, 1986
p.42).
Além disso, Salles (1986 p.130) afirma que quando vinculou a condição de cidadão do
indivíduo nacional ao trabalho, o intuito do projeto político republicano foi instituir a
igualdade entre os homens, juridicamente e, principalmente, atribuir ao ato produtivo a
condição de pós-requisito para o exercício político e para o controle dos atos do estado
Essa situação explicitava a maneira como o direito de participação política do indivíduo
e de fiscalização das políticas de estado estava condicionado somente àqueles
indivíduos dispostos ao trabalho organizado e disciplinado. (SILVA, 2007, p.44) em
outras palavras, somente os trabalhadores que vendessem harmoniosamente a sua
força produtiva teriam acesso ao estatuto da cidadania. Desse modo, o vínculo da
cidadania ao trabalho era a condição perfeita para a efetivação do congresso e da
civilização do país, como ansiavam os republicanos de todas as regiões do Brasil e em
Minas Gerais.
[...] João Pinheiro, com sua convicção positiva, foi o principal idealizador dessa
política. Concebia para o estado uma missão pedagógica de educar a população
para o progresso. E, para isso, era preciso inverter prioridades. Em
consequência, dedicou-se a um esforço simultâneo de expandir o ensino primário
e de criar estabelecimentos de aprendizagem agrícola – fazendas-modelo e
campos de experiência e demonstração –, que se somavam ao serviço de
instrutores ambulantes, na divulgação de novas técnicas e do uso da
mecanização. Os sucessores de João Pinheiro, no governo, prosseguiam na
trilha que foi institucionalizada em 1911, com o Regulamento Geral do Ensino
Agrícola. (DULCI, 2005, p. 131).
Ainda é preciso esclarecer, todavia, a relação dos debates e dos desdobramentos do
Congresso de 1903 como propõe Silva, (2007, p.45) com o processo de configuração
do ensino agrícola mineiro, durante a Primeira República. A essência da questão está
em como essa discussão em torno da constituição da força de trabalho, via educação,
seria incorporada pelo Estado em sua política educacional, precisamente a partir da
gestão de João Pinheiro, em MG (1906-1908).
26
Em 1922, Faria defende uma tese em que ele propõe uma estrutura de periodização
sobre o quadro evolutivo do ensino agrícola mineiro, durante a Primeira República. É
com base nessa proposta que este estudo pôde apontar como o estado de Minas
passou a tratar a instrução agrícola de forma estratégica. A análise parte da segunda
gestão de João Pinheiro à frente do governo estadual.
A autora distinguiu duas fases na política do estado mineiro para estruturar e difundir a
educação agrícola técnico-profissional: a primeira vai de 1903 ano da realização do
congresso – marco inaugural da modalidade educativa como meio do trabalho no
campo. Acima de tudo, uma educação que fosse baseada na experiência dos
indivíduos, seria uma importante aliada à difusão de conhecimentos práticos. A
segunda, em 1920 ocorreu uma mudança de estratégia do governo mineiro no trato da
educação agrícola. Articulado por Arthur Bernardes, presidente de Minas Gerais,
mudanças estas que consistiram na valorização do ensino agrícola médio e superior,
até então realizado pela iniciativa privada, marcado pela criação da primeira Escola
Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa. (SILVA, 2007, p.46)
A proposta educativa de João Pinheiro buscava disseminar por todas as regiões de
MG as vantagens que a mecanização agrícola proporcionaria à lavoura mineira, com o
trabalho de professores itinerantes. Em pronunciamento ao congresso mineiro, em
1907, João Pinheiro explicaria aos Deputados da Assembléia Legislativa como a
economia estadual seria reorganizada, considerando o viés da educação elementar
técnico-profissional agrícola:
[...] Estas medidas vão dar imediatos resultados, e nelas estão a base da nossa
regeneração econômica, tanto para o produtor quanto para o estado, que da
agricultura tira a sua principal fonte de receita. O trabalho agrícola, pela vastidão
de seus recursos, pela sua extensa aplicação, pelo seu hábito generalizado em
toda a massa do povo, pela facilidade de sua aprendizagem, constitui a forma
simples e poderosa do trabalho nacional. É por ela que de se começar a
reorganização econômica do estado. (PINHEIRO, 1907 apud SILVA, 2007, p. 5).
27
É importante ressaltar que a política educacional desenvolvida pelo governo de João
Pinheiro em torno do ensino agrícola, a partir de 1906, está ligada ao fato de o
governador ter incorporado à sua plataforma política, de 1906 a 1908, as deliberações
decorrentes do Congresso de 1903. João Pinheiro foi o grande articulador político e o
principal autor das teses apresentadas e definidas no evento.
A seguir, serão demonstrados alguns dos passos dados pelo nascente estado
republicano mineiro, por meio de seus estadistas mais comprometidos com o interesse
da evolução da instrução agrícola, no estado.
1.2 O Ensino Agrícola Mineiro no governo João Pinheiro
O primeiro instrumento legal baixado por João Pinheiro para criar e regulamentar o
ensino técnico-profissional foi a Lei Estadual 444, de 2 de outubro de 1906. A Lei
definiu os critérios de avaliação de desempenho dos alunos e a metodologia que seria
aplicada no ensino de práticas agrícolas nas escolas primárias e nas fazendas-modelo
de Minas. Os alunos que se destacassem durante a formação básica seriam destinados
às fazendas-modelo para incrementarem a formação profissional em agricultura, por
meio de um curso que equivalia ao nível médio.
Para Dulci (2005, p. 127) Longe de refletir uma doutrina, a prioridade conferida à
agricultura resultava do diagnóstico realista que dava conta de que o setor primário era
o que apresentava maior capacidade de gerar empregos e atender as necessidades
básicas da população
A Lei 444 permitiu que João Pinheiro atendesse grande parte das deliberações do
Congresso de 1903. Além disso, o governador incorporou consideravelmente nessa Lei
o espírito projetado e apresentado pelo Deputado Francisco Mendes Pimentel ao
congresso mineiro, em 1896.
O projeto de Mendes Pimentel fora aprovado sob a Lei 203, de 18 de setembro de
28
1896, defendia o ensino cnico Primário (FARIA FILHO, 1990, p. 87). A aprovação do
projeto representou uma vitória para o grupo dos agricultores e políticos de Minas
Gerais, que defendiam a (re)organização da força de trabalho, pelo veio da formação
profissional em agricultura, de nível elementar e prático. (SILVA, 2007 p.49).
A principal característica desse projeto de educação profissional era a de preparar
jovens carentes para os ditames do nascente mercado de trabalho livre do campo. O
projeto também privilegiava a formação de crianças e de jovens na condição de
menores abandonados. Isso se justifica pelo fato de as elites políticas e econômicas
entenderem que, caso não fossem preparados adequadamente, os menores poderiam,
num futuro próximo, vir a se transformarem em trabalhadores vadios e indolentes, como
os que se negaram a servir o trabalho regular das lavouras mineiras, na pós-
escravidão.
Silva, (2007, p.50) afirma que é esse o esboço da educação profissional que as elites
políticas e econômicas ansiavam em materializar no Estado, a favor do
desenvolvimento agrário mineiro, desde 1896, e no transcorrer do Congresso
Econômico, de 1903. E foi a essência desse espírito que João Pinheiro buscou para a
Lei nº 444.
A morte de João Pinheiro, em outubro de 1908, ocorreu quando ele ocupava pela
segunda vez o cargo de presidente de Estado. De acordo com a autora:
[...] não inviabilizou, pelo menos nos períodos subsequentes, a execução de seus
planos. Ao contrário, o empenho das autoridades em programar o ensino agrícola
resultou numa profusão de leis e decretos, criando e normatizando
estabelecimentos destinados ao ensino agrícola. [...] A exemplo do que fizera em
1910, o presidente do Estado de Minas Gerais, Júlio Bueno Brandão aprovou o
decreto de 3356, de 11 de novembro de 1911, de regulamentação geral do
ensino agrícola do estado de Minas Gerais. O decreto vigorou até a década de
trinta (FARIA, 1992, p. 243).
O decreto para regulamentar o ensino agrícola de Minas Gerais norteou toda a política
para o setor educacional, durante a Primeira República, vigorando mais
especificamente em 1911, ano da sanção do decreto estadual, que autorizava o
29
regulamento legalmente até a década de 1930, o decreto tenha sido organizado pela
Secretaria de Agricultura do Estado, reestruturada um ano antes da edição do
regulamento.
1.3 Modalidades de Ensino Agrícola
O funcionamento dos Institutos e Aprendizados Agrícolas foi ratificado pelo
Regulamento Geral do Ensino Agrícola, de 1911. A proposta era transformar jovens e
crianças desprovidas de famílias em futuros lavradores. Com isso, além das atividades
de ensino, os estabelecimentos encarnaram o propósito do projeto de Mendes
Pimentel, que previu a criação de cursos técnico-profissionais para o ensino elementar,
mas assumiu também um caráter assistencialista.
Para Faria (1992), dos três institutos
4
estruturados pelo estado, de 1909 até 1911,
Instituto Dom Bosco, situado no município de Itajubá, Instituto Bueno Brandão, situado
no município de Mar da Espanha, deve-se destacar o Instituto João Pinheiro (IJP), pois
este estabelecimento foi criado em 1909, na capital mineira, para assumir a condição
de referência para as demais instituições dessa modalidade. A instituição deveria
solucionar concomitantemente duas questões: a do menor abandonado e a do
problema da desorganização do mercado de trabalho agropecuário.
Para os pesquisadores, o IJP foi a experiência de maior sucesso em Minas, no
transcorrer da Primeira República. E teve a sua estrutura acoplada à fazenda modelo
da Gameleira, localizada em Belo Horizonte. A associação da fazenda com a escola
contribuiu muito para a redução dos gastos de manutenção do IJP, que o que era
produzido na fazenda na sua maioria, agrícola –, era comercializado, e a renda era
revertida para o sustento do Instituto sua principal meta foi conceder a oportunidade a
crianças e jovens desvalidos da sorte, com idade entre 8 e 17 anos, transformando-os
em futuros lavradores mineiros.
4
Sobre os Institutos agrícolas criados em Minas Gerais de 1909-1911, ver FARIA (1992)
30
O Instituto sempre manteve plena sintonia com as exigências e necessidades das
elites, fornecendo mão de obra assídua e qualificada para o setor agrário e, acima de
tudo, ensinando os jovens a amar a terra e jamais a abandonar. É importante lembrar
que a efetivação dessa proposta espelhava fielmente a diretriz esboçada pelo
Congresso de 1903, em prol da superação do principal obstáculo à meta de
diversificação do sistema produtivo. (SILVA, 2007, p.54)
Como aponta o autor, as instituições de ensino agrícola elementar eram encarregadas
pelo Estado de também oferecerem assistência social às crianças e jovens carentes.
Paralelamente, ministravam o conteúdo do mesmo programa escolar previsto no
cronograma dos grupos escolares tradicionais. Mesmo oferecendo menor número de
vagas média de 45 , os jovens e crianças, que também eram menores
abandonados, permaneciam nos Aprendizados Agrícolas durante quatro anos.
Registrou-se também maior rotatividade nesses estabelecimentos com ensino agrícola,
uma vez que o havia a exigência de uma idade máxima como pré-requisito para o
ingresso e saída dos alunos.
O Estado registrou também a preocupação com a qualificação profissional dos
trabalhadores agrícolas ou dos futuros trabalhadores do campo para isso, foram criados
os Aprendizados Agrícolas com ensino agrícola elementar. A maior preocupação,
entretanto, residia na criação de mecanismos para a retenção desses indivíduos no
meio rural de Minas Gerais.
O próximo passo será conhecer a maneira pela qual o IJP incorporou a necessidade
vigente de formação de mão de obra nacional, incluindo a valorização do trabalho
manual e, principalmente, as motivações que levaram o Instituto a aprofundar nos
estudos sobre a orfandade infantil. Para que isso fosse possível o capítulo a seguir
aborda o caminho teórico-metodológico percorrido no trato das fontes suporte
fundamental para investigar o Instituto.
31
CAPÍTULO II
CAMINHOS E RECURSOS METODOLÓGICOS
“... a reflexão histórica se aplica hoje à ausência de documentos, aos silêncios da
história. [...] Falar dos silêncios da historiografia tradicional não basta; penso que
é preciso ir mais longe: questionar a documentação histórica sobre as lacunas
interroga-se sobre os esquecimentos hiatos, os espaços brancos da história.
Devemos fazer o inventário dos arquivos do silêncio, e fazer a história a partir dos
documentos e das ausências de documentos. A história tornou-se científica ao
fazer a crítica dos documentos a que se chama fontes.” (LE GOFF, 1994, P.109)
A relação trabalho-escola sempre se manteve em uma complexa integração histórica.
Desse modo, a criação do IJP, no decorrer da primeira década do século XX, é
compreendida por esta pesquisa como produto do contexto histórico em que foi criada.
Aquele período foi marcado pelo intenso movimento de ressignificar o trabalho manual
com viés da educação e da integração do trabalhador nacional, principalmente nas
atividades agrícolas, após a abolição da escravatura.
Para a reconstrução do objeto de estudo deste trabalho, foram utilizadas três propostas
teórico-metodológicas. A primeira se ocupa com as relações entre educação e trabalho.
A segunda, com a maneira de tratar os documentos oficiais e conceber a ampliação das
fontes. A terceira se ocupou em escrever a origem do IJP, numa perspectiva de análise
proposta pela História das Instituições.
32
2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
2.1 Investigações Bibliográficas e Documentais
As pesquisas em bibliografias e documentos foram os primeiros passos dados, depois
da escolha do tema de pesquisa abordado neste trabalho. Foram consultadas diversas
fontes documentais, como cartas, atestados dicos, Relatórios da Secretaria do
Interior, decretos, leis e fotos. O levantamento bibliográfico pautou pela busca de
autores que historiaram o IJP, como Faria Filho. Este capítulo propõe uma reflexão
sobre a importância das investigações documentais e bibliográficas para obter a
contextualização desejada.
A investigação escolheu a abordagem qualitativa, porque ela permite aprofundar em
fenômenos complexos. Segundo Minayo (1996) a abordagem qualitativa permite que os
sujeitos sejam revelados como indivíduos que possuem trajetórias singulares. Eles não
ficam restritos a serem representados em gráficos e tabelas. Outra base para a
abordagem qualitativa é defendida por Triviños (1987), quando alega que o pesquisador
dá ênfase também ao processo, além dos resultados e do produto.
Como uma primeira etapa para o desenvolvimento de uma pesquisa, a análise
bibliográfica serve para informar ao pesquisador se o tema já foi estudado, as respostas
publicadas, o lapso do tempo em que houve os estudos e os métodos utilizados na
pesquisa. O primeiro contato com pesquisas similares possibilita a problematização do
trabalho, a partir de referências publicadas. O objetivo é analisar as referências como
contribuições teóricas, procurando evitar que elas confundam os resultados obtidos na
investigação, com os que serão obtidos por meio deste trabalho.
uma diversidade de abordagens sobre as modalidades de pesquisa bibliográfica e
documental, apesar de as mesmas serem próximas. De um lado, Marconi E Lakatos,
(1992), chamam de fontes primárias as provenientes de órgãos que realizam
33
observações e fontes secundárias, as obras literárias em geral, como a imprensa
escrita.
Por outro lado, Bernardelli (2007, p.36) apud Chizzotti (1991) entende que documentos
5
primários são os originais; documentos secundários, as referências bibliográficas e
documentos terciários, a escrita sobre determinada bibliografia. Então, a pesquisa
documental está relacionada com fontes primárias, enquanto a pesquisa bibliográfica se
liga a fontes secundárias ou terciárias. Independentemente da técnica utilizada, tanto a
pesquisa bibliográfica quanto a documental são fundamentais para a produção do
trabalho científico.
A pesquisa documental tem o objetivo de identificar, em documentos primários,
informações que sirvam de base para responder às questões da pesquisa. Ela deve ser
utilizada, quando os seus conteúdos fornecem elementos fundamentais para a
investigação. Na abordagem de Lüdke e André (2007, p.38), os documentos não são
apenas uma fonte de informação contextualizada; eles criam um determinado contexto
e fornecem informações sobre o mesmo.
As autoras consideram documentos quaisquer materiais escritos que possam ser
usados como fonte de informação sobre o comportamento humano, como: leis,
regulamentos, normas, pareceres, cartas, memorandos, diários pessoais, jornais,
revistas, discursos, livros, arquivos, entre outros.
Conforme Lüdke e André (2007, p.39), a análise documental busca identificar
informações fatuais nos documentos, a partir de questões ou hipóteses de interesse.
Os documentos constituem também uma fonte poderosa de onde podem ser retiradas
evidências que fundamentem afirmações e declarações do pesquisador. Representam
uma fonte natural de informação.
5
A palavra documento vem do termo latino documentun, derivado de docere “ensinar,” que evoluiu para o significado
de “prova” e é amplamente utilizado no vocabulário legislativo no século XVII. O sentido moderno de testemunho
histórico data apenas do século XIX. (LE GOFF, 1994, p.536)
34
Para vero, 2000 (p.181), O documento é o ponto de partida para se conhecer o fato
histórico. Por intermédio dele, é possível revisitar o passado e reinterpretá-lo. A citação
abaixo expõe a relação entre fonte e pesquisador na visão da autora:
“O trabalho com as fontes documentais deve constituir para o pesquisador um
diálogo, permeado de questões, dúvidas e cujo resultado pretendido nem sempre
resulta de análises bem arrematadas. Embora tenha como preocupação tentar
responder as necessidades e conhecer os fatos para apreender a realidade histórica,
esse conhecimento não pode ser entendido como um dado definitivo e acabado.
Trata-se de um conhecimento produzido e, portanto em contínua
aproximação do
real, o que implica a possibilidade de ser revisto, acrescido e até substituído por
novos conhecimentos. Essa situação ocorre porque o que dá origem e força ao
empreendimento da pesquisa, com vistas à
produção do conhecimento, é a
necessidade que os homens têm de saber, de explicar, de entender os fatos e seu
próprio mundo” (ibidem).
O objetivo da investigação do percurso educativo do IJP é a busca de um novo olhar
sobre a Instituição e a relação que ela estabelece com a organização para promover o
trabalho infantil. Administrado pelo educador Leon Renault, a Instituição gerou uma
massa documental, que foi selecionada e analisada de acordo com a delimitação da
pesquisa.
Destaca-se a importância desses documentos como ricas fontes históricas para a
compreensão e o conhecimento escolar. Para Oliveira, 2002 os dados neles
disponibilizados podem propiciar uma investigação sobre as transformações ocorridas
no Instituto, ao longo do período estudado. Os aspectos considerados para essas
transformações são as características dos alunos, o conhecimento de sua organização
didática, pedagógica e educativa, bem como, o papel social da instituição no contexto
histórico da cidade de Belo Horizonte.
Para o desenvolvimento prático deste trabalho de caráter documental, iconográfico e
bibliográfico, a busca das fontes foi organizada, de acordo com as seguintes etapas: a
pesquisa e a localização, reunião, ordenação e análise de fontes documentais.
35
Os documentos oficiais relacionados com o IJP estão disponíveis para consultas no
APM. As consultas podem ser feitas manualmente e via Internet. As obras raras foram
microfilmadas e as microfichas também podem ser consultadas no APM. Há, ainda, um
banco de imagens produzidas entre 1909 e 1942, disponíveis para consulta no sítio
eletrônico. No acervo pessoal da pesquisadora
6
encontra-se o exemplar da revista
Illustração Brasileira de abril 1929.
O Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APCBH) concentra-se um grande
acervo de livros, dissertações e teses sobre o estado de Minas Gerais e a capital
mineira. Com registro do período colonial a os dias atuais, as obras proporcionam
diferentes leituras e olhares sobre a educação belo-horizontina e os ideais de uma
cidade planejada e republicana.
A composição da pesquisa bibliográfica discutida e abordada neste trabalho está
baseada na leitura da história das instituições escolares,
7
da memória, e da política
educacional. O estudo tomou por base o Relatório da Secretária do Interior, o
Regulamento e as imagens do IJP, além de Leis e Decretos. O acesso a fontes
diversificadas permitiu comparar visões e cenários sobre o Instituto.
As bibliografias impressas e as matérias da imprensa mineira com relatos e fotos do
IJP - foram analisadas e selecionadas para, auxiliarem na elaboração deste trabalho.
2.1.1 Imprensa
Os registros históricos da imprensa a respeito do IJP retratam, de forma clara e
didática, as fases por que passou o Instituto. Assim, a imprensa representa uma
importante fonte de informação sobre o IJP, porque o conteúdo das matérias permite
fazer contextualizações que enriquecem este trabalho.
6
A revista Illustração Brasileira pertence ao acervo da minha família.
7
Principalmente, na obra de FARIA FILHO pioneiro na pesquisa sobre o IJP.
36
Sendo assim, as fontes impressas no século XX são um importante meio de
compreensão do objeto de estudo deste trabalho. A adoção da memória da imprensa
belo-horizontina como fonte documental reforça as assertivas de Gonçalves Neto, 1997
(p.198)
“Historiar, nesse caso, toma uma amplitude maior do que aquela que
tradicionalmente se colocava. O uso apenas de documentação oficial, de dados
quantitativos, o levantamento de datas e personagens, tudo é importante, mas
precisa ser enriquecido, inoculado de uma nova dinâmica,
que permita ao historiador melhor recuperar as relações que os homens
estabeleceram entre eles em épocas passadas.
E mais,
Para isso é preciso que busquemos documentações que se "casem" com o
corpus teórico utilizado, enriquecendo a análise através da utilização de
descrições das medidas governamentais na área da educação, os atores
principais deste processo, em nível local e estadual, a ação da elite política local
e as relações de poder existentes, a ideologia vigente e o discurso que a justifica,
o cotidiano da escola, dos alunos, dos profissionais da educação, o ideal de
sociedade projetado, as funções explicitadas para a educação, os temas malditos
ou "esquecidos", a posição dos veículos de comunicação, etc. (ibidem).
A imprensa se constitui num ótimo observatório para se estudar, por possibilitar o
reconstruir da história, servindo de recurso para enriquecer as análises no campo da
história da educação, por veicular grande quantidade de informação nas áreas como
educação, política, economia e cultural Bernardelli (2007, p.42). Os jornais passaram a
ser porta-vozes das necessidades da população ou do desenvolvimento. Eles tomam a
bandeira da educação como instrumento de salvação do município em que se
encontrava, ou seja, a escola, o grupo escolar promoveria a civilização e o progresso.
Entretanto, é preciso estar atento para o fato de que a imprensa, em geral, é um
instrumento que na construção de identidades sociais, criando ideologias ou
representações sociais. A imprensa não será observada pela análise do discurso
37
escrito, porque não se acredita que haja imparcialidade nas produções jornalísticas.
Este trabalho deverá analisar os cenários em que foram produzidas as matérias sobre a
Imprensa Oficial, considerando as informações advindas das fontes documental,
bibliográfica e iconográfica.
O que se busca nas fontes impressas são suas singularidades detalhes ocorridos no
interior da instituição educativa. Aspectos como a abertura, comemorações de datas
cívicas, criação de cursos e, no caso do IJP, a construção de novos pavilhões, a
produção agrícola, o mero de alunos, etc. Ou seja, a imprensa faz a denúncia do
pensamento educacional, diante do contexto social, político e econômico vigentes no
período estudado.
2.1.2 Imagens como memória
A proposta de utilizar a imagem como memória, e destacando o seu valor como fonte
histórica, desencadeou inúmeros cuidados que os pesquisadores devem tomar, durante
uma análise. É o que evidencia Pereira (2008, p.73) apud Muad (1997). Sua exposição
sobre as relações entre história, iconografia e memória aborda o conceito de
iconografia, ressaltando a importância de ultrapassar o nível do descritivo das imagens
para o analítico iconológico ou semiótico. Para a autora, o processo decorre de uma
fundamentação teórico-metodológica de caráter transdisciplinar, que visa à inter-relação
conceitual de diferentes áreas das ciências humanas. Pereira (2008) aponta outro
imperativo metodológico: o recurso à intertextualidade, numa concepção globalizante
do social, recurso considerado fundamental para a interpretação das imagens visuais.
A autora afirma que à medida que “as fontes visuais não o passíveis de serem
interpretadas de forma autônoma. que se recorrer ao auxílio de outros textos que,
possibilitem ao historiador o controle da tessitura cultural da época a ser analisada.”
Este discurso é abordado pelos diversos autores como: Koehler, (2008); Morel e Barros,
38
(2003); e Burker (2004) que foram consultados para dar a sustentação teórica ao
trabalho.
A fotografia analisada como representação coletiva da memória foi apresentada pela
História Cultural, ao ser incorporado aos novos enfoques temáticos da historiografia. O
processo se deu quando a Escola dos Annales propôs ampliar a noção de documento
estabelecendo conexões com outros campos do conhecimento.
Na visão de Koehler (2008) esta ampliação abre campo para as representações sociais
e para o imaginário das sociedades pesquisadas, a partir do contato com as imagens,
como a fotografia. Esses elementos contribuem para a discussão sobre o significado
das imagens e suas formas.
Como exposto, a fotografia é vista pela Nova História como fonte para a história e
memória social, por meio da representatividade do imaginário social dos centros
urbanos e rurais, apresentadas de várias formas e por diferentes atores sociais, como
aponta Koehler (2008) para viabilizar a compreensão do meio rural no qual estava
inserido o Instituto João Pinheiro, além da análise documental, foram utilizadas na
pesquisa, fotografias produzidas no local, publicadas em álbuns, revistas e jornais que
estão disponíveis no APM ou no acervo pessoal da pesquisadora.
É interessante observar que Morel e Barros (2003) refletem nas páginas de Imagem e
Poder a fotografia como qualquer outra fonte de registro. Por si só, ela não constitui
uma fonte de informação precisa e completa. Os autores abordam que, isoladamente, a
fotografia é como um ínfimo fragmento da história, precisando interagir com outros
complementos ou fontes. A fotografia memorizou com fidelidade uma parcela da
realidade que se situava no campo da lente objetiva. Ressalta-se que, quando se
observa uma fotografia, torna-se precioso ter a consciência de que a interpretação do
real será forçosamente influenciada por várias interpretações anteriores o que traz um
fragmento real selecionado.
39
Para Burker (2004) os historiadores, atualmente, estão recorrendo às imagens como
uma fonte relevante e segura de investigação, principalmente quanto ao uso de
imagens como evidência histórica, pelo fato de poderem testemunhar visualmente
épocas e lugares em que foram utilizadas. Além de possuírem evidência histórica,
podem conter diversas informações e diferentes interpretações. O autor alerta que as
imagens não devem ser consideradas simples reflexões de suas épocas e lugares, mas
sim extensões dos contextos sociais em que elas foram produzidas.
Apesar da afirmação acima, no contraponto, Kossoy (1989, p.22), acrescenta que na
atualidade perdura o preconceito com a utilização da fotografia como documento de
pesquisa, apontando dois motivos que levaram a isto: o primeiro está ligado ao
aprisionamento do historiador à tradição escrita e às próprias dificuldades que o
pesquisador encontra, envolvendo a realidade fotográfica; o segundo são as diferentes
visões originadas pelas diversas interpretações dos pesquisadores e da necessidade
de outras fontes para complementar a pesquisa.
Em consonância, Kossoy (1989) Morel e Barros (2003) e Burke (2004), afirmam que
cabe ao pesquisador a atenção no estudo das fotos para não serem inventadas
realidades históricas. Uma vez tomadas como fontes que proporcionam diferenciadas
informações, deve-se levar em consideração o ponto de vista de quem as produziram,
questionando os objetivos de sua reprodução. Portanto, faz- se necessário o estudo da
linguagem contida na imagem.
A linguagem imagética tem utilizado a fotografia como objeto de estudo. As imagens
devem ser associadas a outros dados de pesquisa e a diferentes fontes para subsidiar
o pesquisador sobre o contexto sócio-histórico no qual estava inserida a imagem.
Assim, torna-se possível uma análise no grupo social específico em que esta pertencia.
É o que nos evidencia a citação:
“... a utilização da fotografia tem sido um procedimento vantajoso no registro da
história, através da linguagem imagética, embora o interesse dos pesquisadores
40
pela fotografia, tratando-a como objeto de estudo seja recente. [...] Destacamos
as pesquisas de Olga Von Simson (1998), em que chama a atenção para a
complementaridade dos suportes empíricos na reconstrução histórico-sociológica
de um determinado fenômeno ou processo. Ou seja, as fotografias devem ser
associadas a outros dados de pesquisa provenientes de diversas fontes.”
(PEREIRA, 2008. p.72).
É perceptível, na exposição acima, que as fontes visuais devem ser interpretadas com o
auxílio de outras fontes, como textos e livros que possibilitem ao pesquisador perceber
o contexto histórico e cultural do período analisado. Isto possibilita a compreensão da
imagem como texto e as fotografias do IJP passam a ser usadas para reconstruir uma
das histórias do Instituto.
É importante destacar que as imagens utilizadas como fontes ampliaram as noções de
documento, na categoria de fontes não escritas. As fotografias passam a ser
consideradas fontes concretas, oferecendo vida e representatividade ao passado.
Contudo, as imagens devem estar relacionadas com as respectivas representações e
significações dentro do contexto em que estão submersas.
De acordo com Kossoy (1989, p.22), toda fotografia tem sua origem a partir do desejo
de um indivíduo que se viu, de alguma forma, motivado a congelar em imagem um
aspecto dado do real, em determinado lugar e época. Para o autor, a fotografia se
constitui em três pontos essenciais para a sua realização: o assunto, o fotógrafo e a
tecnologia.
Desde então, passou-se a buscar métodos para a realização de pesquisas que utilizam
a imagem fotográfica. Ainda assim, muitas vezes os resultados se limitavam a análise
verbal. Para as autoras Oliveira e Tambara (2004) quando bem escolhidas, as
fotografias funcionam como manchetes de jornais diários, com a finalidade de sintetizar
ou ampliar o que o texto escrito exprimiu. Por ter caráter diferente da documentação
escrita, a imagem acaba servindo como mostruário do texto, ocultando informações e
interpretações próprias, alheias ou complementares ao texto escrito.
41
Ao utilizar a fotografia como fonte histórica, supõe-se que ela seja tratada como uma
mediação, ou produção social, cujo conhecimento não se esgota na aparência imediata
da imagem. Ciavatta e Alves, (2004, p.41), afirmam que a imagem fotográfica associa-
se à memória e introduz uma nova dimensão no conhecimento histórico conservador,
tradicionalmente obtido por meio da linguagem oral e, principalmente, da linguagem
escrita. Nesse sentido, afirma Oliveira e Tambara:
“A contextualização baseada em outras fontes é fundamental para que se possa
penetrar as concepções dos agentes implicados na criação do documento em
questão. A fotografia teria, portanto, uma face relacionada à realidade exterior (o
que se pode ver na foto) e outra, à realidade interior (passível de múltiplas
interpretações). Deve-se admitir que ela pode se prestar a utilizações
interesseiras, devido a sua credibilidade enquanto registro visual “neutro” dos
fatos. A fotografia contém elementos de representação do real, mas não é ele em
si. Deve-se estar ciente de que ela é uma construção elaborada cultural, estética
e tecnicamente.”
OLIVEIRA e TAMBARA, 2004 (p.245)
O simbolismo das formas e da arquitetura em uma cidade expressam no imaginário
social (KOEHLER, 2008 apud BACZKO, 1985, p.312). Estes espaços são apreendidos
também em suportes imagéticos na publicidade, nos meios de comunicação, nos
álbuns de fotografia, etc. e podem ser utilizados como fonte histórica.
Os historiadores da educação têm aderido à imagem fotográfica como fonte no registro
histórico das instituições educativas, na condição de espaços onde as práticas
escolares foram criadas e recriadas. Neste trabalho, o uso de imagens será evidenciado
no terceiro capítulo, quando as fotografias serão analisadas como fontes históricas em
constante diálogo com o contexto social, político e econômico em que foram
produzidas. Serão utilizadas ainda outras imagens com caráter ilustrativo, como as dos
pavilhões, que representam a arquitetura numa construção.
42
2.2 O Historiador e as Fontes
A palavra fonte significa o local onde vai beber, para saciar a sede. E este sentido
determinou a escolha deste termo para designar os documentos de que os
historiadores se utilizam, não apenas para conhecer um fato histórico, mas para
revisitar o passado e reinterpretá-lo sob uma nova ótica (FAVERO, 2000, p. 103).
Assim, como a água acaba com a sede dos seres vivos, a fonte alimenta o historiador e
possibilita a ele mergulhar no conhecimento.
A partir dos vestígios preservados pelo tempo, a história é construída e/ou reconstruída.
A relação do historiador com as fontes é uma das bases sobre as quais se edifica a
pesquisa histórica, pois as fontes são a matéria-prima básica do historiador,
indispensáveis para a reconstituição do passado. Segundo ABREU, 2006, esta é uma
construção do historiador. Portanto, faz parte da operação historiográfica. A autora
afirma que o ponto de partida de uma pesquisa não é a análise de um documento, mas
a formulação de um questionamento. Sendo assim, a problematização das fontes é
fundamental, porque elas não falam por si. São testemunhas ou vestígios que
respondem a perguntas que lhes são apresentadas.
De acordo com a autora, as perguntas que o pesquisador formula para o documento
são tão importantes quanto o próprio documento. Segundo a análise da autora, as
perguntas que o historiador faz ao documento lhe conferem o sentido. Estas afirmativas
são baseadas em Foucault (apud LE GOFF, 1984), quando afirma que os problemas da
história podem se resumir nas seguintes palavras: o questionar dos documentos. O
documento é resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da
época, da sociedade que o produziu e também das épocas sucessivas durante as quais
continuou a existir.
As fontes da história da educação e da escola são aquelas que provêm diretamente das
práticas escolares, mas muitos aspectos da escola de outras épocas estão registrados
em um universo mais amplo de fontes (LOPES &
GALVÃO, 2001, p. 79). A história da
43
escola e da educação pode ser escrita a partir da análise dos debates da legislação,
das normas, de regulamentos, da administração pública, da economia, do Estado, dos
políticos, dos atos, das resoluções, dos relatórios escritos apresentados pelo Secretário
do Interior para presidentes do Estado, inspetores escolares, regulamentos de
instrução, programas de ensino, entre outros.
Os historiadores têm ampliado o uso das fontes, incorporando a idéia de que a história
se faz por qualquer traço ou vestígio deixado pelas sociedades passadas. Daí a
utilização de diversas fontes para a escrita da história do Instituto João Pinheiro, tais
como: fotografias, inventários, discursos dos fundadores, pareceres médicos sobre
aptidão física da criança para educação no campo, conteúdos dirigidos a estudantes e
professores, espaços escolares, trabalhos manuais, desenhos, trabalhos em oficinas,
relatos de viajantes, revistas, correspondências, entre outros.
O professor e historiador Barbosa (1999, p.19) faz um convite para reflexão entre o
contexto em que a fonte estava inserida e no contexto de seu agente interpretador: o
historiador, Assim,
“O balanço dessa racionalização descritiva, uma síntese, portanto do que a fonte
nos fornece, consiste na interpretação obtida pelo historiador. Duas perspectivas
devem ser aqui “encaixadas”. A primeira é obter o ponto de vista daqueles
envolvidos na situação ou fato que a fonte nos concedeu. Entender o que eles
pensavam, sentiam e viviam, na situação que se está a interrogar. A segunda
perspectiva “corre ao contrário”, da não fornecida pelos contemporâneos da
fonte. Trata-se da própria interpretação que nós fazemos, enquanto aquele que
pesquisa, das informações contidas na fonte. Nesse sentido, a humildade do
pesquisador para buscar a inserção no tempo histórico da situação que quer
estudar é a melhor garantia para obter uma interpretação adequada, apesar da
disparidade das ambiências axiológicas dos atores históricos e do pesquisador.”
Para Barbosa, o fato histórico deve ser problematizado, quando assume a possibilidade
de explicação do real, no uso da fonte. Constitui-se assim o fundamento de uma leitura
bastante adequada da imagem, na sua interpretação e no estabelecimento
reconstrutivo do fato histórico. Para que isso ocorra é necessária a escolha do método.
A escolha dos métodos de abordagem implica no término da fase de
reconhecimento. [...] devemos finalmente escolher os meios que nos permitirão o
44
ataque definitivo. Estes meios são determinados pelos problemas captados pelo
procedimento heurístico. Portanto, há uma influência mútua entre a fonte e a
situação histórica de que ela nos dá informações. Só podemos captar esta situação
através desta fonte, nessa relação específica. (Utilizar outra fonte estabelece outra
relação). O método heurístico interroga aquela realidade que se quer recriar,
através do elemento possível, qual seja a fonte. Tal método combinado com o
procedimento hermenêutico nos permite formular as “perguntas corretas”, ou seja,
aquelas perguntas que podem efetivamente ser respondidas pela fonte de que se
trata. Ao conjunto correto de problemas levantados pelo uso de uma fonte chamam
os historiadores de “pertinência histórica”. (BARBOSA, 1999, p.19)
Sendo assim, o autor propõe a fazer a seguinte reflexão: “uma vez estabelecida a
escolha das fontes, além de interrogar-se a fonte sobre a situação, deve-se interrogar a
fonte sobre ela mesma, seu papel e intenções à época em foi elaborada sobre o fato ou
situação que agora veio a interessar. Quem elaborava a fonte? Para que ela se
destinava?” Compreende-se, portanto, que cabe ao historiador o cuidado com a sua
formação acadêmica. Ele deve se preocupar em ter uma base teórica consistente,
saber como obter as fontes, o tratamento lógico da sua problematização, a escolha
adequada dos métodos, hipóteses e possíveis resultados, que serão ou o obtidos no
processo de elaboração e resolução investigativa. Estas medidas o levarão a
conclusões seguras que, futuramente, poderão ser questionadas por outras pesquisas
e outros autores.
2.3 Fundamentos Históricos das Instituições Educativas
A história das instituições educativas (IE) tem tomado fôlego no contexto dos estudos
de história da educação no Brasil, inserindo-se num processo de renovação nesse
campo e constituindo-se como um novo campo temático da historiografia da educação
brasileira (GATTI JR, 2002, p. 19). Com base em Justino Magalhães, 1999, Gatti afirma
que a história das Instituições Educacionais investiga o que se passa no interior da
escola pela “apreensão daqueles elementos que conferem identidade à instituição
educacional, ou seja, daquilo que lhe confere um sentido único no cenário social do
qual fez ou ainda faz parte, mesmo que ela tenha se transformado no decorrer dos
tempos.” (GATTI JR, 2002, p. 20).
Assim, envolve descrições sobre o ciclo de vida das instituições - criação,
45
desenvolvimento, crises e extensão elementos da arquitetura, perfil de seus agentes,
envolvendo corpo docente, funcionários, apoio, perfil de alunos, projetos e propostas
pedagógicas, dentre outras. (WERLE; TRINDADE E MERLO, 2007, p.147).
Para o pesquisador Gatti Jr (2002), as construções de interpretação acerca da vida das
IE se beneficiaram com o intenso processo de renovação e ampliação das fontes
documentais, sobretudo dos avanços significativos dos estudos sobre representações
sociais, cultura escolar, elite, trabalho, grupos e classe sociais, bem como, da
constituição de tradições historiográficas mais sólidas nos campos da História Oral,
História da Imprensa, História do Pensamento Educacional, História das Ideias, etc.
Nesse sentido, Gatti Jr (2002), a História das Instituições Educacionais almeja dar conta
dos vários atores envolvidos no processo educativo, investigando aquilo que se passa
no interior das escolas, gerando um conhecimento mais aprofundado destes espaços
sociais destinados aos processos de ensino e de aprendizagem. Nesse Contexto,
Justino Magalhães defende que:
“Compreender e explicar a existência histórica de uma instituição educativa é sem
deixar de integrá-la na realidade mais ampla que é o sistema educativo,
contextualizá-la, implicando-a no quadro de evolução de uma comunidade e de
uma região, é por fim sistematizar e (re) escrever-lhe o itinerário de vida na sua
multidimensionalidade, conferindo um sentido histórico.” (GATTI JR, 2002 apud
MAGALHÃES, 1999)
Dessa forma, se faz necessário estudar as instituições escolares, visto que tal estudo
proporcionará conhecer as peculiaridades locais e institucionais. O próximo capítulo
evidenciará o passado do IJP ao viés do conhecimento histórico interpretativo
envolvendo o cotidiano da instituição. Cabe-nos discorrer sobre os sujeitos envolvidos
no processo de construção do modelo de ensino utilizado na Fazenda da Gameleira.
46
CAPÍTULO III
O INSTITUTO JOÃO PINHEIRO
“A assistência à infância desamparada é obra digna da mais carinhosa atenção
por parte de todos aqueles que sinceramente se interessam pelo futuro da
nossa gente. Empenham-se na formação de uma raça forte e pura, viril e
corajosa, tão de sentimentos cívicos como corpo, consciente de si mesma e
segura da finalidade com que poderá projetar-se no panorama histórico que
tem diante de si: o amanhã brasileiro.” (L. RENAULT, apud. D. RENAULT,
1974, p.45)
O discurso proferido evidencia o debate sobre a necessidade de pensar na infância
pobre do país, principalmente na primeira fase da República. A nova proposta, pelo
regime vigente, seria a educação para o trabalho, inserindo o ensino agrícola
alfabetizador e utilizando a vertente do trabalho como agente formador e educador. A
elite agrária mineira passa a disseminar o ensino agrícola.
O objetivo central deste capítulo não é apenas interpretar as motivações da escolha de
educar a infância para o trabalho agrícola, bem como as práticas pedagógicas
utilizadas no IJP que contribuíram para essa formação.
A análise privilegiará o papel exercido pelo educador e administrador Leon Renault. Ele
assumiu a tarefa de educar o novo perfil de trabalhador rural, num cenário com novas
configurações políticas, econômicas, sociais e culturais da população mineira,
esboçada pelo estado, durante o Congresso Agrícola, Industrial e Comercial Mineiro,
ocorrido em 1903.
Durante o congresso, ficou evidente a preocupação da elite agrária em instituir o ensino
agrícola para formar trabalhadores. Com isso, o Estado criou o Instituto João Pinheiro,
objetivando direcionar e atender as crianças denominadas desvalidas da sorte. O
objetivo do IJP era formar futuros trabalhadores para a agricultura e oferecer noções
básicas de profissões urbanas, além de trabalhar a formação do caráter da criança.
47
O educador Leon Renault se tornou o chefe do primeiro pavilhão e professor primário,
devido à experiência que acumulava como professor de Língua tria e diretor do
grupo escolar Cesário Alvim. No dia 28 de março de 1909data da inauguração do IJP
–, Renault é convocado oficialmente para dirigir a Instituição.
A escolha do campo para abrigar a sede do IJP foi pensada por seus idealizadores
8
.
Conforme consta do Regulamento, publicado em 1910
9
(p.11), aspectos fundamentais,
como o regime higiênico, estavam mais assegurados no IJP do que na própria cidade.
Com o impedimento do contato dos internos com a rua, causadora de vícios, a ação
educativa do trabalho agrícola era mais eficaz. O sistema de internato em pequenos
grupos garantia um ambiente familiar. Além disso, os trabalhos previam a conservação
do terreno da Fazenda Gameleira
10
. Em compensação, no terreno, a produção do
terreno era destinada ao consumo do internato.
A figura 2 mostra o Pavilhão Central, sede administrativa do IJP e moradia da família
Renault.
Figura2 Pavilhão Central
Fonte: Revista Illustração (1929)
8
Regulamento elaborado pelos mestres Francisco Mendes Pimentel, Artur Joviano, Aurélio Pires, Carlos Prates e
Leon Renault.
9
O Regulamento foi criado em 1909, mas somente em 1910 teve sua edição publicada na Imprensa Oficial.
10
O território do IJP e da Fazenda Gameleira atualmente encontra-se a Secretaria de Educação do Estado de Minas
Gerais e o Parque de Exposição da Gameleira.
48
“[...] casarão austero, imponente, dentro de suas linhas sóbrias, que ruirá anos
mais tarde à força das máquinas e das picaretas, para abrir caminho ao
seguimento da Avenida Amazonas rumo à Cidade Industrial.”
(RENAULT, D. 1974 p.53)
Segundo os relatos de Delso Renault, o pavilhão Central tinha duas finalidades
distintas. A primeira de sede administrativa, no pavimento térreo estava o escritório da
administração geral da escola, abrangendo os serviços de contabilidade e escrituração
e onde o Leon Renault atendia aos funcionários da casa e os próprios alunos. A
segunda de moradia da família Renault, no segundo pavimento dispunha de cinco
cômodos que serviam de dormitório, uma sala de refeições e um grande salão que
servia de espaço recreativo da família e seus convidados.
3. O Educador Leon Renault
“[...] é necessário que preparemos agricultores contentes com sua profissão e
não campônios com hábitos burgueses; operários manuais satisfeitos na sua
labuta e não obreiros envergonhados de sua tenda.”
(L. RENAULT, apud. D. RENAULT, 1974, p.121)
A participação de Leon Renault marcou a história do Instituto. Os ideais de republicano
e educador que defendia proporcionaram um grande impulso ao IJP. Leon Renault
tinha uma visão diferenciada sobre a educação e como deveria ser o ensino primário
agrícola. É necessário entender a diferença fundamental entre o ensino tradicional da
época e o destinado às crianças órfãs para tentar compreender qual o principal papel
da escola agrícola: se o de educar e/ou o de instruir.
Segundo a pesquisadora Jinzenji (2002)
11
o caráter fundamental do ensino destinado
às classes pobres da sociedade se pautava pela compreensão de que o papel da
escola não se limitava a instruir, mas também em educar. A discussão em torno do
ensino dirigido aos alunos pobres se refere predominantemente à formação do caráter
e de hábitos, pouco se destacando os aspectos referentes aos conteúdos de ensino.
Mesmo quando se discutem os procedimentos para a transmissão do conhecimento,
como nas discussões que envolvem os métodos de ensino, a preocupação com a
49
disciplina, a ordem e a obediência sobressaem, se comparadas com os conteúdos do
ensino. Em suma:
“Instruir e educar, seus significados e as instâncias às quais são atribuídas cada
uma das funções, passam por reconfigurações nesse processo de afirmação da
escola, na sociedade. Os discursos analisados apresentam, de forma bastante
consensual, a ideia de que, para o ensino das classes pobres, a escola teria,
sobretudo, o papel de educar.” ( JINZENJI, 2002, p.603)
Ao recorrer ao Dicionário Universal de Educação e Ensino, as palavras educação e
instrução aparecem sempre atreladas, sendo ressaltada a ideia de que a educação
deve ser dada pelos pais, desde os primeiros instantes de vida da criança. No que se
refere à distinção entre os conceitos, a finalidade da educação é a de desenvolver as
faculdades morais, enquanto a da instrução, a de enriquecer as faculdades intelectuais.
Pode se afirmar que o professor Leon Renault compartilhava da mesma concepção de
que, aos órfãos do IJP, cabia à educação; não à instrução. A fala de Renault
reproduzida abaixo confirma isso:
“Sempre os regulamentos que se organizam, sob pretexto de esmerada
educação intelectual, ficam acima da nossa instrução e isto, porque nunca se
procura adaptar o homem à sociedade, a moldar o órgão ao organismo o que
não pode ser alcançado senão pela disciplina da vontade, pela cultura do
sentimento, pela influência do exemplo e pela ão do trabalho. Os operários
instruídos, mas não educados no trabalho, reivindicam tumultuosamente
supostos direitos, tornando contínuos os embates entre o capital e o trabalho,
entenebrecendo os horizontes econômicos do século [...] formamos uma nova
classe de homúnculos de meias-letras e de meia-ciência, formada lentamente
nas escolas, daí surgindo um grande órgão social, sem a mínima função
correspondente: o proletariado intelectual, os frutos chochos, sem aptidão para a
vida e com desamor pelas ocupações manuais, incapazes, infeliz, perniciosos à
comunhão social.” (RENAULT. L apud. RENAULT, D, 1974, p.121-122 grifo meu)
É baseado nesse pensamento que Leon Renault permaneceu à frente do IJP durante
25 anos e, posteriormente, passar o cargo de administrador ao filho Áureo Renault, que
ali permanece até 1942. A seguir, resumiu-se em alguns pontos fundamentais este
ideal de educar do professor.
11
Percebemos que apesar de instaurada a República, o discurso de escolarização da Infância pobre permaneceu
semelhante ao do período Imperial. Ver JINZENJI, 2002
50
3.1 Educar e Regenerar: assistência à infância abandonada
“Assistido, educado a tempo na escola da honra e do trabalho, o menino desvalido
desabrochará no homem forte de corpo e de alma, aparelhado material e
moralmente para ser uma unidade no movimento de expansão civilizadora da
Pátria; operará economicamente pelo que ele próprio produz e pelo exemplo do
trabalho inteligente e remunerador; em vez de energia subversora, pesará ao
mesmo tempo como elemento conservador e progressista...” (RENAULT, 1928,
p.9)
Os fundadores do IJP acreditavam que a intervenção do Estado na educação das
crianças abandonadas pudesse contribuir para o problema do cidadão bem formado
com base na educação e no trabalho. O discurso proferido por Renault aponta para a
necessidade de incorporar o proletariado à nação. Segundo ele, é imprescindível
educar o operário na escola do trabalho e do cumprimento dos deveres cívicos.
A inserção da infância abandonada na caridade oficial do Estado objetiva que ela não
se contamine com a marginalidade, com a ociosidade, vícios e crimes que a cidade
proporciona. Assim expressado:
“o problema na sua múltipla complexidade, apresenta uma face da máxima
importância entre nós por toda parte. De todos os encargos e deveres de
assistência que o Estado e a iniciativa particular podem tomar sobre seus
ombros, nenhum se avantaja à educação daqueles, que ainda ao ensaiar os
primeiros passos no convívio dos homens, palmilharam os tenebrosos
caminhos do crime e do vício em geral daqueles que os espreitam, numa
cegueira inconsciente, à beira de algum atalho e a espera do momento oportuno
que lhes facilite o triste início. (MINAS GERAIS, 1910, p.464)
Tais palavras foram escritas pelo educador Leon Renault, extraídas do relatório enviado
para a Secretaria do Interior. Fica evidenciado que, para o professor, o socorro à
infância deve ser visto como prioridade, tanto para o Estado quanto para as
assistências particulares, atribuindo a eles o dever de “salvar” moralmente a infância.
Essa salvação sempre estará embutida no discurso de formação para o trabalho. O
trecho abaixo justifica a visão de Leon Renault:
“Se é desolador e injustificável o abandono a que se veem entregues, por falta de
um serviço regular e completo de assistência, não é menos desoladora, nem
menos injustificável, a triste situação desses pequenos seres tresloucados, que
triunfaram dos primeiros tropeços da existência por circunstâncias providenciais,
mas que, vitorioso nessa conquista física, não têm forças suficientes em grande
51
parte, porque na luta, as energias se lhes foram, para o abandono, vencer
moralmente os obstáculos dessa segunda e mais importante fase da vida
infantil”. (Idem.)
O abandono físico e moral dessas crianças as levariam à marginalidade. Contaminadas
pelos vícios, cresceriam marginais e não prestariam os serviços que a sociedade seria
capaz de oferecer, o que significa a perda de sua capacidade do trabalho produtivo. Um
dos meios para evitar os problemas citados foi a criação do IJP, que vinha com a
proposta de aliar a assistência social ao ensino agrícola, como definido por seus
fundadores:
“o fim do instituto é apoderar-se do menor em risco de perversão ou viciado e
transcorrido o período educacional, restituir à sociedade um homem sadio de
corpo e alma, apto para construir uma célula do organismo social, capaz de
prover à própria subsistência e de impulsionar a vida econômica nacional.
(REGULAMENTO, 1910, p.14)
O ideal de constituir o valor do trabalho pelo viés da educação primária agrária
possibilitaria a formação de trabalhadores disciplinados, organizados e aptos
fisicamente dentro dos moldes capitalistas. Além disso, possibilitaria a ressignificação
do trabalho manual. Percebe-se, nas citações anteriores, que não é dada nenhuma
outra opção à infância julgada abandonada, ela sempre será vista como “reprodutora”
do meio em que vive.
Logo, a criação do espaço escolar veio contribuir para a formação dos cidadãos e
futuros trabalhadores assalariados. Na abordagem de Faria Filho (1999, p. 51), o
ensino profissional primário passou pelo discurso de que a “missão civilizatória” da
instituição escolar estaria completa se conseguisse influenciar as trajetórias
profissionais dos futuros trabalhadores, não apenas por meio da instrução, mas,
principalmente, da educação pelo e para o trabalho.
Na concepção foulcaultiana, a escola se insere numa rotina de aprendizados e tarefas a
serem cumpridas. O indivíduo muito novo é adestrado para participar das diversas
instâncias do sistema de produção. O tempo de sua vida infantil é moldado dentro das
prerrogativas que deve realizar dentro e fora da escola. Seu caráter é moldado por meio
52
de um jogo de castigos e recompensas.
Consequentemente, durante o período de 1909 a 1934, foram assistidos no IJP 144
alunos
12
, com a principal característica da formação de trabalhadores agrícolas. A
prática diária nas oficinas para manutenção física do Instituto, adicionada à falta de mão
de obra de serviços, na capital mineira, possibilitou, contudo, ao aluno exercer mais de
um ofício, ressalvando-se que a principal formação é a de agricultor. A tabela 1
apresenta os números de alunos atendidos pelo IJP.
PERÍODO
N.º DE INTERNOS
1909
1910 a 1913
1914 a 1921
1922 a 1926
1927
1928 a 1929
1930 a 1932
1933 a 1934
12
25
36
43
04
10
10
04
TOTAL 144
TABELA 1 – Entrada de Alunos no IJP de acordo com a fundação dos pavilhões
Fonte: FARIA FILHO, 2001, p. 44 (Tabela adaptada)
Os alunos contidos na tabela 1 simbolizaram os ideais dos republicanos, que
idealizaram, na educação agrícola infantil, o fortalecimento da economia mineira e o
controle de subversores dos ideais republicanos. Tornaram-se homens de bem,
trabalhadores disciplinados, que amam a tria na ordem e no progresso. O IJP
representou o discurso das elites agrárias da missão civilizadora da instituição escolar.
O mundo da modernidade capitalista retira da criança a própria fala:
12
Estes dados foram extraídos dos prontuários existentes dos ex-alunos no APM, o que torna possível ter sido um
número maior – dentre os quais, alguns se tornaram chefes dos pavilhões, professores do IJP, sapateiros,
funcionários públicos, boiadeiro, marceneiro, lavradores entre outros.
53
“A própria acepção terminológica latina de “infância” vem de in-fans, que significa
sem linguagem. No interior da tradição metafísica ocidental, não ter linguagem
significa não ter pensamento, não ter conhecimento, não ter racionalidade.
(GALZERZNI, 2004, p.57)
A infância era vista como o momento de maleabilidade do caráter. Nesse sentido, o
exemplo é visto como o principal meio de inculcar nas crianças os hábitos desejados.
Apropriando desse discurso, o IJP construiu seu próprio universo escolar.
Até o presente momento, evidenciaram-se quatro motivos para a incorporação da
infância ao trabalho agrícola. O primeiro foi formar o futuro cidadão; o segundo, educá-
lo para que não perdesse a capacidade produtiva; o terceiro, influenciar a trajetória
profissional de acordo com a necessidade do mercado nacional. O quarto talvez o
mais importante –, atribuir valor ao trabalho manual. Como evidenciaremos na citação
abaixo o público alvo do instituto
“Ao Instituto João Pinheiro só serão recolhidos os menores abandonados material
ou moralmente; órfãos, crianças cujos progenitores forem privados dotrio
poder, ou cujos pais, pela situação de indigência, não possam cuidar da
educação dos filhos. (...) Se o Estado ainda não pode disseminar
estabelecimentos de ensino técnico primário e secundário, acessíveis a todas as
classes, incumbe-lhe começar por atender à necessidade mais premente: a
salvação dos pequeninos deserdados de todo amparo.
(REGULAMENTO, 1910, p.13)
É importante esclarecer que o IJP era um internato voltado somente para a educação
masculina. A idade mínima para o ingresso do aluno era de oito anos; a máxima, de 12,
e a permanência no estabelecimento, em média, até os 17 anos. Havia casos em que
era possível prolongar a permanência até os 21 anos. A delimitação da idade foi
justificada pelos idealizadores da Instituição, definindo que o início nos trabalhos
poderia ocorrer na primeira idade. Na segunda idade, os meninos não estavam ainda
viciados pelos males das ruas da cidade. Foi encontrado, contudo, um ofício enviado do
delegado de polícia para Leon Renault, solicitando a entrada
13
de um menor
13
No Relatório da Secretaria do Interior consta o exemplo de dois menores infratores, que mudaram com o ingresso
no IJP.
54
“vagabundo.
Delegacia de polícia da 1ª circunscrição da Capital – Belo Horizonte, 27 de
dezembro de 1909. Exmo. Sr. Dr. Diretor do Instituto João Pinheiro. [...] tenho a
honra de informar-lhe que o menor ........, antes de ser internado no
estabelecimento sob criteriosa direção de v. exc. vivia sob as vistas da polícia,
não pelos seus maus precedentes, mas porque andava constantemente em
companhia de indivíduos cuja conduta não era das mais abonadas. O referido
aluno, vagabundo incorrigível, foi por mais de uma vez detido nesta delegacia,
pela prática de pequenos furtos e outros delitos. São estas informações que, com
referência ao dito menor, posso prestar a v. exc. Saúde e Fraternidade. o
delegado de polícia, Oscar Paschoal. (MINAS GERAIS, 1910, p.475)
Esta carta foi incorporada ao Relatório da Secretaria do Interior (RSI), 1910, para,
posteriormente, Leon Renault justificar o investimento do Estado na instituição, quando
descreveu a trajetória desse menor aluno.
“São briosos, de bom proceder, trabalhadores e estimados dos companheiros.
Fatos como estes provam a necessidade que, ainda despendendo o dobro do
que despende, o Estado lucraria, porque muito mais do que isto custa à
comunhão social, um assassino, um vagabundo, um ladrão [...] O vivo presente
que manifestam os alunos pelo progresso e desenvolvimento da escola.” (op. cit)
Com seus exemplos, o educador Leon Renault reafirma que a educação primária
agrícola é o melhor investimento para diminuir a quantidade de menores infratores,
beneficiando a formação de alunos disciplinados e trabalhadores.
Ao comparar o critério de idade estabelecido para a entrada do menor no IJP, percebe-
se, na análise dos prontuários dos ex-alunos, um número significativo de alunos acima
da idade estabelecida, que, de acordo com Leon Renault, tinham dificuldades de se
adaptarem ao trabalho do campo, por estarem viciosos com a vida na cidade. Ao ler
a obra de Faria Filho (2001, p.45), o autor criou uma tabela aqui adaptada, com os
seguintes dados:
55
IDADE (ANOS)
N.º DE ENTRADAS
08
09
10
11
12
13
14
15
10
24
25
29
15
07
06
02
TOTAL 118
TABELA 2 – Idade de Entrada dos meninos no IJP
Fonte: FARIA FILHO, 2001, p. 45 (extraído dos prontuários dos ex-alunos)
A tabela 2 evidencia que os alunos de 13 a 15 anos totalizam 15 internos que estão
acima da idade máxima permitida pelo Regulamento. Na análise feita por Faria Filho
(2001), os dados expostos mostram que o número de crianças com idade superior a 12
anos era, na realidade, maior do que aqueles assim registrados. Muitas das certidões
de nascimento foram emitidas de acordo com que o responsável pela criança
declarava, ou seja, se estivessem interessados no ingresso do menor no IJP, poderiam
omitir a verdadeira idade da criança.
Com essa constatação, surge o questionamento de dois aspectos: o primeiro se refere
à idade máxima de ingresso 12 anos do aluno no Instituto. Fica claro que o é
interesse do Instituto educar quaisquer crianças abandonadas, principalmente as que
estejam contaminadas pelo meio. O ideal seriam aquelas que estivessem mais
adequadas aos todos de ensino do IJP. O segundo aspecto se refere às duas
citações anteriores, porque são exemplos que contradizem os interesses do IJP e
demonstram que as crianças precisavam ser guiadas. O discurso condicionante de que
o menor acima de 12 anos estivesse viciado não se encaixa nesse exemplo. Daí,
conclui-se que a educação pensada para o menor desvalido estava vinculada à sua
condição de dar o retorno esperado; no caso específico do IJP, obter a formação de
trabalhador agrícola.
56
No capítulo II do Regulamento do IJP (1910, p.28-29), especificamente no art. 8º, estão
pontuados os documentos necessários para a internação do aluno. 1) A internação
ocorrerá mediante despacho do Secretário do Interior, em requerimento do tutor ou
progenitor. 2) Certidão de idade, para comprovar a faixa etária estabelecida. 3)
Autorização do juiz de órfãos, acompanhada da declaração de pobreza da criança e
dos pais. 4) Certidão de vacina e atestado médico, garantindo estar o menino sem
moléstia contagiosa e apto para o trabalho intenso na lavoura.
Na análise do RSI (1910, p. 465), Leon Renault narra que um dos alunos
14
internos foi
excluído do IJP, por ser epilético, exclusão determinada por uma determinação do
então Secretário do Interior, Estevão Leite de Magalhães Pinto. Mais uma vez ficou
evidenciado que o menor não se enquadrou nos objetivos do IJP. A sua saída teve por
justificativa sua inaptidão ao trabalho braçal de lavoura.
Outra característica marcante da primeira fase da república era a preocupação médica
com a preservação da infância. De acordo com Rago
15
(1987, p.117), a apropriação
médica da infância foi feita pela Medicina na sua imposição como autoridade mais
competente para prescrever normas racionais de condutas e medidas preventivas de
caráter individual e coletivo, visando a produzir a nova família e o futuro cidadão. Em
todo o período estudado, houve contato com duas representações sobre a infância: na
primeira, a imagem da criança como ser inocente e, ao mesmo tempo, ameaçado pelo
mundo que a cerca; na segunda, a percepção de certas características infantis
indesejadas curiosidades, travessuras, inquietude e desobediência –, que deveriam
ser transformadas e adaptadas. Logo, conclui-se que a educação escolar tem dupla
função: proteger a infância das ameaças do mundo e educá-las aos moldes de um
adulto civilizado.
14
Não foi encontrado nenhum documento no APM que contivesse os atestados médicos de entrada, da consulta e
para onde foi este aluno, após sua exclusão do IJP.
15
Para maior profundidade do discurso médico sobre a infância ver RAGO, Luiza M. Do cabaré ao lar. 2ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra. 1987.
57
A comissão organizadora do IJP previa, no art.10º do Regulamento, que o Instituto teria
a capacidade de atender trezentos alunos. Mas, de acordo com Faria Filho (2001,
p.42), foram construídos oito pavilhões no IJP. Em 1909, finalizou-se o primeiro
pavilhão. Em 1933, foi finalizado o oitavo e último. O requerimento de ingresso poderia
ser feito em qualquer época do ano, desde que houvesse vagas disponíveis.
O autor aponta que, na primeira década de existência, o Instituto tinha a capacidade de
atender 90 alunos número que se elevou para 120, em 1922 –, ou seja, 30 além da
capacidade. O diretor Leon Renault, contudo, defendia um número mais restrito de
alunos por pavilhão. Ao longo do tempo, foram construídos os demais pavilhões para
atender à demanda de internos.
A tabela 3 demonstra a situação descrita acima.
ANO
PAVILHÃO
CAPACIDADE
ATENDIMENTO
1909
1910
BUENO BRANDÃO
MENDES PIMENTEL
30
60
33
--
1912 ---------------------- 60 75
1914 BIAS FORTES 90 90
1922 ARTHUR BERNARDES 120 --
1925 SABINO BARROSO 150 --
1927 CESÁRIO ALVIM 180 --
1929 ---------------------- 180 --
1931 ---------------------- 180 218
1932 LEON RENAULT 210 --
1933 OLEGÁRIO MACIEL 240 --
TABELA 3- Evolução da Capacidade de Atendimento IJP
Fonte: FARIA FILHO, 2001, p. 42
Um dos requisitos para ingressar no IJP era ser o menor desprovido da assistência
58
familiar. A pobreza era a justificativa mais utilizada pelos juízes, familiares, políticos e,
até mesmo, pelos amigos de Leon Renault. Esses argumentos podem ser vistos nas
cartas com pedido de internação de menores. Outras alegações eram utilizadas como
motivadoras da internação: enfermidade dos pais, necessidade do filho de ter uma
profissão, falta de obediência da criança, entre outros.
Todas as cartas consultadas estão disponíveis no APM. Nelas foram encontradas
justificativas encaminhadas ao diretor do educandário. Com base nas profissões dos
pais dos alunos, que solicitaram a entrada de seus filhos no IJP, percebem-se dois
grupos paternos distintos.
Representando a maioria, o primeiro grupo era composto por pessoas com trabalhos
modestos, como operários, serviçais domésticos, indigentes e prostitutas. O segundo
grupo era composto por fazendeiros, negociantes e hoteleiros, tratando-se, portanto, de
pais mais abastados. Considerando a tabulação feita por Faria Filho (2001, p.48) para a
análise das profissões, é importante ressalvar que, no período de 1909-1934, os
internos do pavilhão Cesário Alvim
16
eram os filhos dos pequenos lavradores e
comerciantes.
Este perfil levantado sobre as profissões dos pais dos internos reforça o discurso de
que o meio degenerador da família influi no comportamento do menor. Em todos os
documentos e discursos políticos levantados para esta pesquisa, não foi encontrado
nenhum voltado para edificação das famílias existentes, mas para a possível família
que tais crianças iriam formar.
16
O Pavilhão Cesário Alvim foi criado especificamente para atender os filhos dos pequenos proprietários e
comerciantes que poderiam custear as despesas da educação do menor.
59
PROFISSÃO
N.º PAIS
PORCENTAGEM
SERVIÇOS DOMÉSTICOS
OPERÁRIOS
PROSTITUTAS
INDIGENTES
OUTROS
05
02
02
02
07
27,8%
11,1%
11,1%
11,1%
38,9%
TOTAL 18 100%
TABELA 4- Profissão Exercida pelos pais no momento da internação (1909-1934)
Fonte: FARIA FILHO, 2001, p. 48 (extraído dos prontuários dos ex-alunos)
O grupo “Outros” era composto por categorias, como negociantes, verduristas,
hoteleiro, professor de bordado, trabalhador da Singer, fazendeiro, lavrador e alfaiate.
Um segundo parâmetro das condições de vida das crianças, quantificado por Faria
Filho (2001). Os números de órfãos só de pai, de mãe e de pai e mãe, além de não
órfãos.
SITUAÇÃO FAMILIAR N.º DE MENINOS
ÓRFÃO DE PAI
ÓRFÃO DE MÃE
ÓRFÃO DE PAI E MÃE
NÃO ÓRFÃO
57
10
28
28
TOTAL 123
TABELA 5 - Situação familiar dos meninos do IJP (1909-1934)
Fonte: FARIA FILHO, 2001, p. 49 (extraído dos prontuários dos ex-alunos)
A vida irregular da família representava um perigo concreto para o menor. O fato de
viver na rua significava desordem e criminalidade. Trata-se, portanto, de motivos
justificáveis para uma flexibilidade das normas do instituto, considerando-se o perfil de
interno para a entrada no IJP. O Estado republicano estava preocupado com as
60
possíveis influências negativas daqueles que conviviam com as crianças, refletindo-se
uma estratégia discursiva que busca desqualificar as famílias das classes pobres em
relação à educação dos filhos.
3.2. Campo: teoria e prática
“Assistido, educado a tempo na escola da honra e do trabalho, o menino
desvalido desabrochará no homem forte de corpo e de alma, aparelhado material
e moralmente para ser uma unidade no movimento de expansão civilizadora da
Pátria; operará economicamente pelo que ele próprio produzir e pelo exemplo do
trabalho inteligente e remunerador; em vez de energia subversora, pensará ao
mesmo tempo como elemento conservador progressista [...]” (INSTITUTO, 1919,
p.9)
A educação profissional oferecida aos menores consistiu no ensino prático da
agricultura e no de um ofício. O intuito capital da instituição era preparar lavradores,
permitindo, todavia, que eles tivessem a oportunidade de aprender outro ofício. A
seguir, se descrita a forma como eram ministrados os trabalhos realizados pelas
crianças, não se esquecendo de que se tratava de uma prática educativa.
A obrigatoriedade do ensino agrícola é determinada por diversos valores altamente
educativos, que vão do aprendizado de um ofício à aquisição de valores morais. Esses
valores são conseguidos a custa de muito trabalho. O trabalho na lavoura exige o
conhecimento da natureza e o respeito pelas leis naturais, favorecendo o
desenvolvimento físico do aluno, que lhe proporciona saúde e vida regular, paciente e
tranquila. O trabalho rural habitua o lado sério e grave da vida pela lição diária, de que
é digno de si e da sociedade aquele que amassa com o suor do rosto o pão que o
alimenta.
A prática proposta para a educação dos menores consistia em aliar conhecimento e
prática. Assim, a divisão do trabalho educativo foi pensada por Leon Renault de acordo
com a idade dos alunos e suas características físicas, como relatou ao Secretário do
Interior;
61
1. O trabalho manual: consistia na preparação do menor para o trabalho na oficina, no
qual permaneceria nos dois primeiros anos.
2. O trabalho agrícola: responsável pela formação de trabalhadores agrícolas em todos
os anos de internato.
3. O trabalho nas oficinas: pensado como complemento do trabalho agrícola, com
agricultores formados que apresentavam competências artesanais.
4. O trabalho interno: em cada pavilhão, os alunos eram responsáveis pela limpeza.
Na leitura do RSI, 1910, p.469, Leon Renault evidencia a diferença entre ensino manual
e trabalho manual. No primeiro, a criança é iniciada no mundo do trabalho
essencialmente educativo e prático para que possa adquirir qualidades como ordem,
paciência, método de observação, gosto e amor pelo trabalho manual. No segundo, a
criança tem ampla liberdade de ação. O trabalho manual não é feito de objetos a serem
copiados, mas que permitem aos alunos planejarem o papel e tirarem as medidas
necessárias para se tornarem produtivos.
O educador teve todo um critério para separar por idade, lidar com as atividades
manuais, a criança de faixa etária de 8 aos 9 anos não teria força física necessária para
manejar com segurança e sem perigo as ferramentas para o trabalho com o ferro.
Essas tarefas eram realizadas por alunos que estavam no terceiro ano de internato, na
instituição.
A cartonagem escolar cuja utilidade é questão vencida, não porque está
esse estudo especializado nos programas de nossa instituição primaria, como
principalmente porque reúne qualidades altamente pedagógicas, tem merecido
especiais cuidados, por satisfazer todos os requisitos de um bom trabalho
manual; exercita a vista e a mão da criança; fixa-lhe atenção, desenvolve-lhe a
inteligência, inspira-lhe o bom gosto dá-
-lhe agilidade e é proporcional às forças de um organismo em formação. Na
cartonagem escolar sistematizada como está, o professor assiste ao despertar
do gênio inventivo das crianças em variadas combinações de elementos
conhecidos; meios suficientes para tornar o ensino essencialmente
educativo, de conseguir habilidade manual pelo contínuo exercício na
execução e reprodução de um mesmo exemplar, de observar que se
fortifiquem e que são mais bem compreendidas e conservadas as noções de
geometria.” (RENAULT, 1910, p.469).
62
A partir dessa citação, observa-se que o ato educativo proposto por Renault busca a
valorização do trabalho manual, por meio do adestramento das mãos, incutindo hábitos
e atitudes. É importante evidenciar que o ensino manual é o primeiro momento de
adaptação do aluno no IJP, sendo necessário o aprendizado do exercício com as mãos,
pois elas serão utilizadas por todo período de educação do interno na atividade
constante com o fazer no campo. Como pode ser observado, o aprendizado agrícola é
realizado na prática constante.
Formar uma geração nova de operários que compreenda a razão de ser de
todas as operações realizadas no terreno, que conheça e saiba manejar os
instrumentos que a mecânica agrícola tem introduzido na prática rural, que
saibam como devem ser tratados o alimento, os animais de trabalho e os
destinados à reprodução, que seja capaz de utilizar inteligentemente todos os
detritos que possam concorrer para a formação de adubos; que tenham a
instrução elementar e profissional indispensável a qualquer homem, eis o fim que
visa ao instituto e que, creio firmemente, será atingido. [...] O ensino agrícola, o
que como já vai praticando aqui, tem grandes vantagens: produz resultados
decisivos, estuda-se, praticando e experimentando, arando a terra, plantando e
acompanhando todo o ciclo que percorre o vegetal.” (MINAS GERAIS, 1910,
p.471).
Os alunos tinham como tarefa o cuidado com os jardins, horticultura, pomicultura e a
criação de animais domésticos. Percebe-se o reflexo do congresso agrícola de 1903.
Na diversificação de cultivo do Estado de Minas Gerais, ressaltava-se a posição
geográfica e variedade do clima, quando se necessitava de pessoas capacitadas na
lida da terra, nas diferentes culturas, para que o Estado se tornasse o empório agrícola
do Brasil.
63
FIGURA 3- Plantação
FONTE: Revista Illustração (1929)
A imagem acima expõe uma parte cultivada nos terrenos da Gameleira e ao fundo o
armazém de estocagem dos alimentos. Os alunos eram responsáveis pela aragem da
terra para receber as sementes, na plantação, colheita e no ensacamento dos produtos.
A diversidade de plantação foi uma característica marcante no instituto cultivava-se
arroz, feijão, batata inglesa, amendoim, fumo, algodão, milho entre outros. Os alimentos
não consumidos internamente eram vendidos. O dinheiro arrecadado custeava as
despesas com as compras de aves e animais de tração e montaria.
Os trabalhos nas oficinas eram facultativos, sendo a necessidade de instalação deste
aprendizado justificada pelos fundadores:
“Conquanto o intuito capital da instituição seja preparar lavradores, é também
facultada a aprendizagem de um ofício, na conformidade de vocação manifestada
pelo aluno e para a eventualidade de o educando ser levado, pelas contingências
da vida, a preferir a cidade à roça; campônio ou habitante da cidade, ele estará
aparelhado para viver a custa de seu próprio trabalho.” (REGULAMENTO, 1910,
p.17).
Assim, para atender às necessidades, foram criadas oficinas de carpintaria, ferraria,
funilaria, sapataria, alfaiataria, entre outras. O aluno podia participar de cada
especialidade, conforme a vocação que ele apresentava. Segundo Faria Filho (2001,
64
p.97), apesar de o trabalho na oficina ser facultativo, ele era o preferido dos alunos,
porque, além de ser mais leve do que o cultivo agrícola era mais rentável. O retorno era
mais rápido, diferentemente da agricultura, que depende do tempo de cultivo de cada
alimento.
Figura4- Oficina de sapateiro
Fonte: Revista Illustração
Pode-se observar na imagem da oficina de sapateiro todo o equipamento da época
utilizado para a fabricação de sapatos como máquinas de costura, ferramentas, fôrmas
de sapatos com tamanhos diferentes do infantil ao adulto. As mesas e a altura dos
instrumentos de trabalho eram adequados ao tamanho dos alunos.
As escolhas realizadas por Leon Renault em determinadas oficinas eram baseadas em
seis itens. 1) o valor econômico da profissão, 2) a possibilidade de ser exercitado
individualmente, 3) a exploração do ofício no meio mineiro, 4) a praticidade da
montagem de uma tenda ou oficina particular, 5) a rapidez e facilidade de
aprendizagem, 6) a imediata utilização dos produtos oficiais. (RENAULT, D. 1974p.
187).
Percebe-se que o professor Leon Renault estava interessado no retorno rápido de
aprendizado e na utilização dos produtos. A produção ficava sempre exposta no
65
pavilhão central, para ser vista pelos visitantes ou nas feiras de artesanato, para futuras
vendas. A figura abaixo mostra uma dessas exposições:
FIGURA 5-Exposição de produtos feitos nas oficinas
FONTE: Revista Illustração(1929)
Estas exposições serviam também como fonte de divulgação da educação ofertada no
IJP. A qualidade e a diversidade de produtos feitos por seus jovens aprendizes eram
úteis a sociedade mineira. Ou seja, o esforço empregado em recuperar a orfandade
estava dando resultados positivos, a meta de torná-los cidadãos dignos ao poucos
estava sendo alcançada.
O trabalho Interno está relacionado com a manutenção dos pavilhões no dia a dia.
Tarefas domésticas realizadas pelos internos, tais como, passar, lavar, costurar a
própria roupa, entre outros. Essas atividades estão previstas no artigo 1 do
regulamento, que continha:
“... aos menores, ficará incumbido o asseio do prédio e dependências. A eles
caberão igualmente o serviço da copa, o auxílio na cozinha, na jardinagem,
horticultura e pomicultura, a lavagem o conserto da roupa.” (Idem, p.30)
A realização dos serviços internos era avaliada pelos fundadores do IJP como um
aprendizado modesto, simples e, muitas vezes, utilizado como castigo pelos chefes de
pavilhão.
66
Um dos cuidados tomados pelo IJP era ensinar aos alunos o valor do trabalho
assalariado, enfatizando-se que sua aquisição é conseguida por meio do trabalho
honesto (FARIA FILHO, 2001, p.101). O trabalho aborda a construção no imaginário
social das sociedades, da noção de que “tempo é dinheiro”, de que homem honrado
deve viver do trabalho assalariado. Isto foi um processo histórico, ao qual o trabalhador
foi sendo submetido ao longo da constituição do sistema capitalista. A remuneração dos
alunos vai depender do seu desempenho na lavoura ou nas oficinas, como pode ser
observado pelo Regulamento do Instituto:
“Dois anos depois de recolhido o menino ao Instituto, o seu trabalho na lavoura
e na oficina será avaliado quinzenalmente pelo diretor e pelos mestres de cultura e
de ofício. 70% do valor apurado com a venda da produção serão escriturados
como renda do estabelecimento, dando-se disto conhecimento ao aluno,
explicando-lhe que ele começa a prover a sua própria subsistência e a própria
educação [...] 15% formarão o pecúlio do asilado e serão recolhidos
trimestralmente à caderneta normativa da Caixa Econômica Estadual para socorrer
o educando nas primeiras necessidades de instalação do educando, na vida
prática, ao atingir a maioridade. 10% constituirão o fundo de reserva do Instituto
[...] o diretor terá o cuidado de tirar toda a vantagem educativa, comentando o fato
de o educando passar de assistido a assistente, cooperando para com a obra de
solidariedade humana que o salvou. 5% ficarão, desde logo, à disposição do aluno
para que ele tenha a impressão tangível de que ganho é resultado do esforço
individual. (Regulamento, 1910p. 21-22).
Como observado acima, o futuro trabalhador deve aprender o valor do trabalho como
meio de subsistência no mundo do capital. Aprender a importância da poupança, do
não desperdício, do aproveitamento do tempo, dos recursos disponíveis e de como não
gastar seu dinheiro sem critério.
O recebimento do salário estava condicionado à frequência no trabalho fosse ele
agrícola ou manual ao bom comportamento e ao volume de produção. O aluno era
avaliado individualmente, ou seja, era avaliado de acordo com as relações de trabalho
vigentes na primeira república.
De acordo com Foucault (1996), o corpo só se torna parte produtiva do trabalho quando
trabalha pelo sistema político dominante caracterizado pelo poder disciplinar. Assim
sendo, trabalha o corpo dos homens com intuito de manipular seus elementos, produz
seu comportamento, fabrica o perfil de homem necessário ao funcionamento da
67
sociedade. A sujeição do corpo ao tempo com o objetivo de produzir o ximo de
rapidez e o máximo de eficácia é possível com a articulação do corpo com o objeto a
ser manipulado.
3.3 A Organização dos Estudos
Neste item, ficará mais bem evidenciada a concepção de educar a infância de acordo
com os ideais do educador Leon Renault. O programa de ensino do IJP era baseado
no programa de ensino primário do Estado de Minas Gerais, adotado pela reforma João
Pinheiro de 1906. Nessa lei, as origens sociais e o destino esperado da instrução da
escola era fator determinante na escolha das disciplinas. No caso específico deste
estudo, as disciplinas oferecidas pelo IJP estavam baseadas na vida do campo, tanto
nos conteúdos, quanto na organização da grade escolar. Assim estava evidenciado
pelo Regulamento:
“Na execução do programa de cada uma das disciplinas, o professor terá sempre
em vista e como objetivo essencial que o preparo dos alunos seja destinado ao
trabalho profissional, agrícola e oficial. Assim; no ensino de leitura serão de
preferência usados na classe livros de assunto rural; em língua pátria, o aluno
fará a maior cópia de vocabulário peculiar à profissão, obtido nas suas
composições e nos livros manuseados em classe; as aplicações práticas do
ensino de aritmética versarão, quando possível, em cálculo de quantidade que
representem coisas da vida profissional; no ensino de geografia, será priorizada a
especialização sobre o conhecimento dos produtos industriais agrícola e extrativa
vegetal, zonas apropriadas a cada um deles, um valor comercial, etc. A história
pátria terá igualmente feição econômica para o conhecimento dos antecedentes e
evolução das principais culturas e raças de animais, habilitando o aluno a julgar o
passado, presente e futuro da indústria agropecuária - particularmente a de
Minas; as noções de química versarão especificamente no ensino prático de tudo
quanto possa aparelhar o educando para conhecer a terra, os adubos químicos,
forragem, dosagem desta, etc. As de física serão dadas de modo que o
educando se familiarize com uso e manejo dos aparelhos que o habituem a
conhecer as variações atmosféricas, probabilidades de mudança de tempo,
quantidade de chuva caída, etc. Além de hinos patrióticos, os alunos aprenderão
cânticos ao trabalho, à terra, à vida rural. (REGULAMENTO, 1910, p.49-50 grifo
nosso).
As disciplinas de formação intelectual eram extremamente reduzidas a conteúdos, ou
pior, limitavam o ensino a vocábulos, direcionados à agricultura, ou seja, a formação
intelectual encontrava-se em total subordinação à formação profissional. No Relatório
68
da Secretaria do Interior, o educador Leon Renault faz a ressalva de que, para atender
serviços mais urgentes da lavoura, muitas vezes foram sacrificadas as aulas de “ensino
intelectual”.
É nítido que o Instituto estava interessado na formação de profissionais agrícolas, bem
especializados. O ensino das primeiras letras era condicionado às necessidades do
saber fazer no campo, restringindo a capacidade intelectual do interno a sua força
braçal.
Consta do mesmo relatório que a aula de Educação Moral e Cívica era dada em toda a
parte, sob qualquer pretexto. A disciplina era oferecida ao professor para que ele
pudesse ministrar melhor os conselhos e ensinamentos. Eram disciplinas do programa
que não podiam ser pré-lecionadas em classe. Elas eram ministradas na ocasião
necessária, ao sentar-se à mesa com uma senhora.
Nos brinquedos, o cuidado com a higiene pessoal era aprendido e ensinado na prática.
No IJP, sempre prevaleceu a preferência do educador Leon Renault por educar ao
instruir, adaptar a criança à vida do campo, moldá-la às características necessárias a
um bom camponês.
Renault pregava que o mundo é governado principalmente pelo sentimento, pela
vontade, pelo caráter e, portanto, é preciso primeiro educar. A educação é que forma o
sentimento, disciplina a vontade, robustece o caráter.” (Renault. L apud. Renault
d,1974, p.122)
A tabela 6 mostra a distribuição do tempo escolar em horas diárias. Ficou evidenciado
no discurso de Renault que, na educação, aprende-se na prática e que o tempo é
dividido como a distribuição de serviços, destacando o trabalho agrícola e manual.
69
HORAS DIÁRIAS DISTRIBUIÇÃO DOS SERVIÇOS
5h30 às 6h Despertar - Asseio do corpo
6h às 6h30 Arrumação dos quartos - canto- café
6h30 às 9h Classe turma A; trabalho agrícola turma B
9h às 10h Almoço - recreio
10h às 12h30 Agricultura, turma A; trabalho manual, turma B
12h30 às 13h Café –canto- recreio
13h às 15h30 Agricultura turma A e B.
15h30 às 16h Jantar –canto- recreio
16h às 18h Recreio - cuidados com a horta e jardim
18h às 20h30 Classe turma B; trabalho manual, turma A
TABELA 6- Distribuição dos trabalhos escolares
Fonte: Relatório da Secretaria do Interior, 1910 p.476 (fonte adaptada)
A divisão das tarefas escolares em horários específicos foi pensada para possibilitar o
disciplinamento dos alunos quanto à distribuição do seu próprio tempo, ao cuidado com
o corpo, pela manhã, e à arrumação dos pertences pessoais. Os horários foram
impostos pelos idealizadores do IJP para adaptar o corpo da criança aos horários do
mundo capitalista que as aguardava na fase adulta.
Ao refletir sobre a composição da tabela 6, recorre-se a Foucault: percebe-se que essas
crianças foram “sequestradas”, por não possuírem o tempo de suas vidas e seus
corpos, os quais foram confiscados pela sociedade e moldados de acordo com a função
social que ocuparam dentro do sistema de produção proposto, na época, pelo
congresso agrícola de 1903.
70
3.4 Disciplinamento e organização interna do Instituto
A comissão organizadora do IJP preocupou em fazer do Instituto um local que seria o
mais próximo possível da realidade do campo e da vida do trabalhador rural comum do
interior mineiro. O trabalhador do campo era visto pelos republicanos com simplicidade
e modéstia. Tinham hábitos, alimentação, roupas modestas e moradia simples.
Acostumados com a vida simples, não estranhariam a vida no campo longe do Instituto.
Logo,
“para evitar esse perigosíssimo escolho da deturpação da obra de assistência
aos meninos desamparados, é imprescindível que a instalação material do
estabelecimento seja rigorosamente modesta, que do asilado agricultor se
aproxime o mais possível da vida comum da roça, que atmosfera que cerca o
aprendiz na oficina reproduzira o meio profissional da tenda explorada
industrialmente nas povoações do nosso Estado (REGULAMENTO,1910,p.20).
A república serviu de modelo para educar cívica, moral e disciplinarmente, tendo seus
moldes reproduzidos na hierarquização de uma República Federativa. Na leitura de
Faria Filho (2001, p.55), o autor apresenta a organização interna do IJP como uma
república em miniatura, devido à divisão organizacional de cada pavilhão, em que eram
compostos:
Primeiro, pela Presidência do Instituto, era cargo do diretor Leon Renault, o que
simboliza o Presidente da República. Auxiliado por três alunos que seriam os ministros
da Fazenda, da Justiça e do Exterior. Atribuições de cada cargo:
Ministro da Fazenda, responsável pelas contas da casa, comprar, executar
pagamentos e procurar reduzir os gastos.
Ministro da Justiça, responsável pelo policiamento do instituto, presidir os
julgamentos dos menores que ficam passíveis de qualquer pena.
Ministro do Exterior, responsável pela recepção dos visitantes no IJP, dar
explicações sobre a organização do Instituto e propor ao presidente do Instituto a
aquisição de materiais e ferramentas necessários para o estabelecimento.
71
Os quartos representavam os municípios; a soma dos quartos que compunham o
pavilhão seriam as unidades federativas ou Estadas; os conjuntos dos pavilhões
formariam a República Federativa.
O autor Faria Filho (2001, p.59) explica de que forma era organizada a votação no
instituto e quais requisitos cada aluno precisava ter para concorrer aos cargos. As
indicações dos ministros eram feitas pelos próprios alunos, por meio de votação
secreta, numa eleição direta. Para o aluno se candidatar ao cargo de ministro, era
necessário ter bom comportamento moral, boas notas e seu nome constar do quadro
de honra.
Na hora da eleição, os alunos candidatos estavam inscritos para os cargos a que
desejavam concorrer. Conforme Faria Filho, “cada um era chamado nominalmente
para depositar o voto na urna, na presença da comissão.” Os candidatos que
obtivessem o maior número de votos na soma dos pavilhões eram considerados eleitos.
Leon Renault afirmava:
“A organização da República Escolar, além de facilitar a disciplina, concorre para
incutir no espírito do menino o conhecimento de nossa organização social,
sentimento de dever e de respeito à autoridade que foi investida de funções, por
delegação dos colegas em eleições livres. ’’(Instituto, 1919p. 103).
Outra estrutura organizacional em que as crianças foram incluídas foi a família. Como
foi citado, o motivo do ingresso do aluno no IJP era a falta de estrutura familiar. Logo,
os pavilhões foram organizados para formar uma família, composta pelo chefe de
pavilhão, com sua esposa, filhos e os alunos internos. Os criadores do instituto
julgavam a família como lula mater da sociedade, a mais importante na educação
moral das crianças.
Esse núcleo familiar era tão importante que os chefes dos pavilhões, em determinado
momento como outros mestres passaram a ser recrutados entre os ex-alunos,
porque já estavam acostumados com o ritmo e a proposta do instituto Faria Filho (2001,
p.59). Na condição de visitante, o jornalista Estevão de Oliveira deixou registrado no
72
livro de visitas do instituto um ponto negativo na república em miniatura. Ele julgava
perigoso as crianças serem ministros. Ele acreditava que poderia alimentar ideias de
grandeza política naqueles que se preparavam pobremente pelo trabalho e tinham
educação modesta.
Apesar do discurso político de integração do trabalhador nacional à sociedade brasileira
como importante impulsionador da economia, percebeu-se que socialmente havia
papéis bem definidos sobre a função de cada um para o progresso do país.
Delso Renault (1974) relembra que seu pai, Leon Renault, ao ajudar a montar o
regulamento do instituto, pensou no espaço de lazer para os meninos internos. Foram
construídos campos de recreação, jogo de peteca, maré, malha, pingue-pongue e, para
os dias chuvosos, jogos de salão e leituras recreativas. Muitas vezes, Leon Renault
participava das brincadeiras;
Sua presença austera e respeitada na hora de impor disciplina se contrapõe à sua
figura, nos momentos de lazer; jovial e alegre, a participar dos jogos e brincadeiras
entre os chefes, mestres e alunos.” (RENAULT, D.1974,p.64)
Nos domingos e feriados, todos se reuniam em um só pavilhão para ouvirem ou
tocarem músicas, ouvirem “transcrições” pelo rádio e assistirem a uma sessão de
cinema, com projeção de fitas naturais
17
ou cômicas. A figura 4 traz a imagem da sala
de projeção do cinema.
73
Figura 6- cinema do Instituto
Fonte: Revista Illustração(1929)
Na década de 1920 o país vivia em um momento em que o rádio era o grande sucesso,
na década de 1930 ocorreu uma grande fusão do cinema nacional. Em Belo
Horizonte foi considerado um período de glamour. Nas salas, se reuniam intelectuais,
boêmios, além de importantes nomes da política, economia e administração mineira.
Vale ressaltar, no entanto, que possuir um cinema dentro do IJP caracterizava a
modernidade
As datas cívicas (fig.7) tinham como objetivo despertar nos alunos vultos veneráveis da
Pátria. Delso Renault, 1974, (p.101) descreve que, em 1922, Daniel de Carvalho,
Secretário de Estado da Agricultura, compareceu ao Instituto para prestigiar a
solenidade do Prêmio Francisco Sales ao melhor aluno do ano. A solenidade foi
organizada no salão de festas, onde também ficava o cinema (fig.4) do
estabelecimento. O Dia da Bandeira era comemorado todos os anos. O programa
estava incluído na formatura dos alunos e era simbolizado pela marcha. A figura 3
retrata a festa nacional no instituto: Dia de Tiradentes, considerado pela república um
mártir da história mineira e nacional.
17
As fitas naturais referiam-se ao cultivo de alimentos e sobre a criação de animais
.
74
Figura – Um Dia de festa no instituto
Figura7- Dia de Tiradentes
Fonte: Revista Illustração (1929)
Os ideais patrióticos que compunham o conviver dos alunos no seu dia a dia tinham o
objetivo de incutir nos pequenos valores patrióticos, amor à terra e integração nacional.
Em suma, conclui-se que, para o educador e administrador do Instituto, o caminho para
o progresso e civilização do Estado de Minas Gerais passava pela educação para o
trabalho, que é conquistado na prática. A educação ofertada pelo Estado às crianças
desamparadas seria viável pela maleabilidade do caráter infantil e pela inserção da
nova concepção de trabalhador capitalista. Esta era a garantia de capacidade
produtiva, influência na trajetória profissional, valorização do trabalho manual, além de
proporcionar a diminuição da marginalidade e das idéias subversivas. Além disso, a
educação primária agrária dos desvalidos passou a ser mais difundida no interior do
estado, colocando o homem rural como parte do progresso econômico.
A proposta da pedagogia moderna do campo que Leon Renault, em grande parte,
ajudou a consolidar no IJP, foi levada adiante com o filho Áureo Renault. Esta proposta
estava em total harmonia com os interesses sócio-econômicos, políticos e culturais das
75
classes produtoras do setor agrário mineiro e do Estado. Afinal, os sujeitos sociais
formados pelo Instituto fizeram do ensino agrícola o motor da economia estadual, a
partir da diversificação de produtos, fazendo com que Minas Gerais se destacasse o no
cenário agrícola brasileiro.
76
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas últimas décadas, a produção de conhecimentos no campo da História da Educação
sofre um intenso processo de reformulação teórico-metodológico, processo que criou
um campo rtil para o trabalho interpretativo, descritivo, de análise e de reflexão.
Assim, ao acompanhar as atuais alterações historiográficas, as pesquisas que se
iniciam, voltadas para o estudo das instituições escolares, mostraram-se extremamente
relevantes, porque surgem num contexto de profundas modificações no campo de
processo educacional. evidentes sinais de novos rumos na historiografia da
educação: ampliação dos objetos de estudo, tanto qualitativa quanto quantitativamente;
recuperação de memória na condição de receptáculo de tradições ideológicas e
experiências de vida.
O Instituto João Pinheiro foi criado para oferecer o curso de ensino agrícola primário
para crianças carentes mineiras. Inaugurado em 28 de março de 1909, foi dirigido pelo
educador Leon Renault, no período de 1909 a 1939. Depois disso, Áureo Renault
grande legislador do ensino e filho de Leon assumiu a administração do Instituto,
permanecendo à frente da instituição até 1942. O IJP tinha por objetivo a formação de
mão de obra especializada para atuar na lavoura.
A Instituição se destacou no cenário regional, desde a sua criação aa transformação
na Granja-escola João Pinheiro, na década de 1940. A instituição não poderia ficar
esquecida, especificamente no estudo de instituições escolares, porque deu enorme
contribuição para a História da Educação, em Belo Horizonte e em Minas Gerais. Desde
a sua inauguração, o IJP sempre mereceu destaque da Grande Imprensa e dos
poderes constituídos da época.
São inúmeras as possibilidades de analisar uma instituição escolar. A escolha do
Instituto João Pinheiro permitiu um rico aprendizado. O contato com as fontes teóricas,
com o acervo documental e os recursos iconográficos permitiu acompanhar todo o
77
processo de criação até a consolidação do Instituto. Dessa forma, a investigação
pretende contribuir para a nova significação das instituições na condição de espaço de
formação sociocultural. Tal aprofundamento possibilita a apreensão, o entendimento e a
obtenção de respostas e informações a respeito dos processos históricos que envolvem
o objeto de pesquisa. Com isso, a análise reduzida contribui para uma
macroabordagem, além de permitir inspirar, na prática, a almejada transformação com
ações empreendedoras. Pretendeu-se, aqui, remontar uma história interpretativa das
instituições escolares.
Todo objeto de estudo precisa estar contextualizado nas dimensões sociais, políticas,
econômicas, etc.. Por sua vez, essas dimensões devem estar relacionadas com os
fatos marcantes do cenário em que ocorre o registro histórico. Tal estrutura permite ao
pesquisador fazer projeções locais, regionais, nacionais e até internacionais a respeito
do tema de estudo. Decorre da análise do contexto político-econômico no período
que antecede a criação da Instituição, na fase de inauguração e nas relações que a
história do IJP estabelece com os eventos e o contexto social, político e econômico da
época. Destaca-se, nesse período, a realização do Congresso Agrícola e Industrial de
1903, que norteou o funcionamento e o crescimento do IJP.
A metodologia utilizada na elaboração deste trabalho aborda a análise historiográfica
interpretativa, utilizando diferentes obras de Michel Foucault para a análise do IJP. A
iconografia vem enriquecer as fontes teóricas, ao lado da análise das fontes
documentais e bibliográficas.
Assumem-se na pesquisa as categorias de instituições escolares, com a grande
contribuição de Faria Filho pioneiro no estudo do IJP e as categorias história e
memória. Foi empreendido grande esforço para iluminar o objeto com a teoria
estudada. O período pesquisado é alvo de vários estudos da História da Educação
nacional, e a intenção neste trabalho pretende contribuir com a História da Educação.
No início do século passado, as elites políticas mineiras necessitavam de uma estrutura
78
de formação de mão de obra livre assalariada para compor os quadros de
trabalhadores rurais e da nova sociedade urbano-industrial. Com uma diferente relação
entre trabalho e capital, baseada na venda e na oferta da força de trabalho, os
representantes dos fazendeiros mineiros no Congresso Agrícola de 1903 reclamavam
da falta e da rebeldia da mão de obra. Com essa constatação, propuseram ao Estado
promover a educação dos menores desvalidos, tornando-os bons trabalhadores.
O IJP foi criado para atender a criança desvalida da sorte, com o objetivo precípuo de
formar futuros trabalhadores para a agricultura, sem descuidar das profissões urbanas.
O ensino agrícola, mantido pelo Estado, visava também à formação do caráter da
criança. Além dos ensinamentos acadêmicos, o valor do trabalho prático diário
propiciava a formação do cidadão de bem. A filosofia era educar para o perder a
capacidade produtiva dos menores na fase adulta e permitir a construção do caráter e
de uma relação intensa com o trabalho manual.
A preocupação com o ensino do menor era uma prática constante no início do século.
Era necessário formar um mercado de trabalho para os novos tempos, sem a
escravidão, no qual o indivíduo tinha de oferecer sua força de trabalho. Os menores
pobres deviam receber uma educação para o trabalho. Ao mesmo tempo, eles
aprendiam que, com a venda da sua força de trabalho, conquistavam a condição de
receber um salário para mantê-los numa situação produtiva e confortável. Essa
condição lhes permitia, inclusive, contribuir para o sustento da própria família.
Percebeu-se na construção da pesquisa, que, com a introdução do trabalho agrícola no
ensino infantil, foi possível estabelecer uma nova relação com o trabalho manual,
extremamente necessária para o país, naquela época. Vivendo o período pós-
escravidão, a relação com a valorização do trabalho e a construção do homem rural
passaram a ser pré-requisitos para a retomada do desenvolvimento. O ensino que
prezava a educação moral e o aprender fazendo possibilitou uma geração de
profissionais agrícolas especializados. Os alunos formados no IJP estavam aptos para
vender a própria mão de obra. Saíam do Instituto dotados dos conhecimentos
79
necessários para a lida no campo.
A figura do professor Leon Renault, é um marco na história do IJP. Os ideais políticos e
pedagógicos do educador possibilitaram à fazenda da Gameleira se transformar num
dos poucos exemplos de educação primária agrícola bem-sucedida no país.
O IJP se transformou numa referência de sucesso, o que o coloca como parâmetro para
novas questões de pesquisas ligadas à História da Educação, inclusive para comparar
o histórico de outros institutos, que tentaram se estabelecer no país com propósitos
parecidos com os do Instituto João Pinheiro.
Outro aspecto relevante e propício a futuras pesquisas foi a própria evolução do IJP,
que se transformou na Granja-escola João Pinheiro, no início da década de 40. Na
oportunidade, a instituição imprimiu o caráter prático-industrial, num período em que o
setor agrário ainda carecia de mão de obra especializada. Configurou-se uma
estranha dicotomia no cenário socioeconômico da época, que priorizava o aspecto
tecnológico sem sequer ter conseguido suprir a força de trabalho.
80
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Horizonte Imprensa Oficial, 1927.
87
ANEXO
88
89
90
91
92
93
94
95
96
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