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esplêndido, é verdade, mas pelo menos de maneira a poder viver nele mais uma vez”
87
. Logo
depois, acrescentará que “A formação delirante, que presumimos ser o produto patológico, é,
na realidade, uma tentativa de restabelecimento, um processo de reconstrução”
88
.
Em “Neurose e psicose” (1924/1996), Freud salienta que a neurose resulta de um
conflito entre o eu e o isso, enquanto a psicose é resultado de um distúrbio cujo conflito se
deu entre o eu e o mundo externo. Para Freud, “[...] o delírio se encontra aplicado como um
remendo no lugar em que originalmente uma fenda apareceu na relação do eu com o mundo
externo” (1924/1996: 169)
89
. Alusivo ao seu estudo sobre as memórias de Schreber, Freud
ainda acrescentará nesse texto o seguinte:
Se essa condição (o conflito com o mundo externo) não é muito mais
patente daquilo que agora discernimos, isso se deve ao fato de que, no
quadro clínico da psicose, os fenômenos dos processos patogênicos
estão amiúde recobertos por aqueles de uma tentativa de cura ou de
uma reconstrução, os quais se superpõem a eles.
90
Em seu artigo “A perda da realidade na neurose e na psicose” (1924/1996)
91
, Freud
ressalta que tanto na neurose como na psicose, quando a doença é desencadeada, há um abalo
no campo da realidade do sujeito. Freud aponta que, com o adoecimento psíquico, o sujeito
tentará se rebelar contra a realidade, quer ele esteja na neurose ou na psicose ou seja, há, em
ambos os casos, uma perda da realidade. E dirá ainda que:
[...] a diferença inicial se expressa no desfecho final: na neurose, um
fragmento da realidade é evitado por uma espécie de fuga, ao passo que na
psicose, a fuga inicial é sucedida por uma fase ativa de remodelamento; na
neurose, a obediência inicial é sucedida por uma tentativa adiada de fuga. [...]
a neurose não repudia a realidade, apenas a ignora, a psicose a repudia e tenta
substituí-la.
92
Assim, nesse mesmo artigo sobre a perda da realidade na neurose e na psicose, Freud
ressalta que, na neurose, o sujeito ignora a realidade sem, no entanto, repudiá-la. Entretanto, é
possível verificar que, mesmo na neurose, há inúmeras tentativas de substituir uma realidade
desagradável por outra, o que só pode acontecer por intermédio do mundo de fantasia que o
neurótico cria para si, afastando-se, portanto, do fragmento da realidade sentida como
intolerável. Na psicose, o dano causado ao eu tentará ser reparado com o repúdio da realidade
através da tentativa de substituí-la por outra. Freud assinala que, no caso da psicose, a
reparação da perda da realidade se dará “[...] não às expensas de uma limitação da realidade –
87
Freud, S., op, cit., AE, v. XII, p.65; ESB, v. XII, p. 78.
88
Freud, S., op.cit., AE, v. XII, p. 65; ESB, v. XII, p. 78.
89
Freud, S., “Neurose e psicose”, AE, v. XIX, p.155; ESB, v. XIX, p. 169.
90
Freud, S., op. cit., “Neurose e psicose”, AE, v. XIX, p.157; ESB, v. XIX, p. 169.
91
Freud, S., “A perda da realidade na neurose e na psicose”, AE, v. XIX; ESB, v. XIX.
92
Freud, S., “A perda da realidade na neurose e na psicose”, AE, v. XIX, p. 195; ESB, v. XIX, p. 207.