Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
O COMPLEXO W.I.T.C.H.
acionando a magia para formar garotinhas nas redes do consumo
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
MESTRANDA: CAMILLE JACQUES PRATES
ORIENTADORA: PROFª MARISA VORRABER COSTA
CANOAS
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
CAMILLE JACQUES PRATES
O COMPLEXO W.I.T.C.H.
acionando a magia para formar garotinhas nas redes do consumo
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade
Luterana do Brasil (PPGEDU/ULBRA) como
requisito parcial à obtenção do título de Mestre
em Educação.
Linha de Pesquisa
Estudos Culturais em Educação
Orientadora
Profª Drª Marisa Vorraber Costa
CANOAS
2008
ads:
Dedico esta dissertação ao meu amigo,
companheiro, confidente e amor
Maurício. Para meus pais, eternos
incentivadores e ao meu irmão, para que
siga percorrendo o caminho em busca de
mais saber(es).
AGRADECIMENTOS
Foram muitos encontros e desencontros durante os dois anos desta pesquisa.
Neste período, muitas pessoas fizeram parte de alguma forma da minha vida.
Algumas deixaram suas marcas e contribuíram, mesmo que sem perceber, para que
este trabalho fosse escrito. Meus alunos e alunas, os papais e as mamães deles, são
algumas pessoas que, mesmo sem serem citadas, podem ser vistas no decorrer do
texto. Meu afilhado, com quem pratiquei uma espécie de “laboratório”, convivendo
diariamente comigo, ensina-me e mostra-me cada dia uma nova lição. A muitas
pessoas sou grata: aos meus colegas e professores deste curso, sobretudo. De
antemão, aproveito para agradecer também àquelas pessoas que não terão seus
nomes impressos nas páginas que seguem, mas que, de uma forma ou de outra,
também participaram e me auxiliaram a escrever e pensar esta pesquisa.
Porém, algumas pessoas acompanharam passo a passo meus momentos de
angústia, de alegria e inúmeros outros sentimentos que fizeram parte desta trajetória
de pesquisa. A essas quero agradecer explicitamente.
A meu esposo, que abriu mão de prioridades pessoais em vista das minhas e
fez do meu sonho o seu. Que teve que me ouvir falar da pesquisa, mesmo quando
não estava entendo nada, que suportou as crises de estresse e muitas vezes de choro,
tendo que conviver em meio às minhas revistas, livros e talismãs sem poder tocar em
nada da minha organização desorganizada. Que teve de “segurar as pontas” da casa
em todos os sentidos, inclusive, como secretário do lar. E que, apesar disso tudo,
nunca deixou de estar ao meu lado. Muito obrigada!
À minha mãe, que pacientemente escutava com atenção os parágrafos e mais
parágrafos que lia para ela, só para ver se faziam sentido. Que me propiciou
momentos e ambientes tranqüilos de estudo. Que me substituiu no trabalho por
incontáveis dias, atendendo a todas as demandas. Que, sempre carinhosa, atendeu
minhas necessidades, mesmo que isso significasse cansar-se em dobro. Muito
obrigada!
A meu mano, que nesta pesquisa foi ouvinte, conselheiro, palpiteiro, office
boy, discutindo comigo diversos assuntos, colocando-se no papel de leitor e trazendo
dúvidas pertinentes, meu companheiro de sempre! Que ficou fascinado por todo o
processo de se fazer pesquisa e resolveu seguir meus passos. Muito obrigada!
A meu pai, um orgulhoso dos filhos, um bobo enrustido, de jeito “durão”, mas
sempre sábio e querendo o melhor para nós. De quem herdei a vontade de estudar.
De quem algumas vezes senti raiva, por estar sempre marcando de cima quando o
assunto era escola. Hoje agradeço por ter sido assim. Pelo incentivo aos estudos e
pela cobrança que me fez procurar novos e desafiadores objetivos. Muito obrigada!
À minha Dinda e meu Dindo, que em muitos momentos abandonei em função
dos estudos, mas que nunca deixaram de se importar, de me telefonar, de me ajudar,
etc. Não me esqueci de vocês! Muito obrigada!
A meus amigos e minhas amigas, que tiveram que ouvir muitos “’não” aos
convites que me fizeram para festas, aniversários, chimarrões no parque, etc.
Também agradeço pela paciência, pela compreensão, principalmente, por não terem
deixado de ser meus amigos e que, mesmo sabendo a resposta, ligavam para fazer
os convites.
Às minhas amigas Suani e Ana Solange, colegas do Mestrado, que se
transformaram em marcas importantes na minha vida. Agradeço pelo apoio, pela
alegria, pelos almoços divertidos e discussões sobre nossas pesquisas. Agradeço pela
hospitalidade quando me receberam em suas casas, pelo carinho e amor quase
materno. É graças ao incentivo e insistência de vocês, que hoje posso trocar
experiências com minha amada orientadora. Vocês sabem o que isso significa! Muito
obrigada!
À Carolzinha, amiga do peito, devo boa parte da pesquisa. Todos os
agradecimentos do mundo não contemplariam o que gostaria de dizer neste
momento. Muito obrigada!
À minha orientadora Marisa, como a chamo em minha casa minha musa
inspiradora –, não tenho vergonha de falar e de mostrar o quanto a admiro, enquanto
pessoa, enquanto pesquisadora e intelectual, enquanto mulher. Nunca vou me
esquecer da aula inaugural, no dia 10 de março de 2006, quando ela recém havia
retornado de uma temporada de estudos em Portugal e, eloqüentemente, falava-nos
sobre as questões de consumo imbricadas na escola. Era tanta vivacidade, tanta
vontade, tanta sabedoria que pairava no auditório em que se encontravam os alunos
e alunas recentemente ingressados no Mestrado, que saí dali apaixonada pelo tema e
pela professora. Pensava, dia e noite, o quanto queria que ela fosse minha
orientadora! Hoje agradeço a Deus por ter atendido o meu pedido, por ter me dado
forças para concluir minha pesquisa. E agradeço muito, mas muito mesmo, do fundo
do meu coração, à Marisa.
Marisa dosou adequadamente a professora, a pesquisadora, a mãe, a
orientadora e muitas outras das identidades que assumiu para fazer esta pesquisa
dar certo. Fez-me sentir à vontade em nossos encontros, ora se colocava como
orientadora, ora como amiga. Ensinou-me muitas coisas, não só como fazer pesquisa,
mas também como ver o mundo sob outra ótica, com novas lentes e com alegria.
Nossas trocas não se restringiram apenas às acadêmicas, foram também familiares,
de mulher para mulher, de amiga para amiga. Ah! Ensinou-me também a gostar de
frutos do mar e, acima de tudo, a fazer uma paella deliciosa!
Marisa, muito obrigada! Pensei em uma palavra que pudesse sintetizar meus
sentimentos por você e a achei dentro de mim, guardadinha no lado esquerdo do
peito: Carinho!
Você é longitude e latitude, um conjunto de
velocidades e lentidões entre partículas não
formadas, um conjunto de afectos não
subjetivados. Votem a individuação de um
dia, de uma estação, de um ano, de uma vida
(independentemente da duração); de um
clima, de um vento, de uma neblina, de um
enxame, de uma matilha (independentemente
da regularidade). Ou pelo menos você pode
tê-la, pode consegui-la (DELEUZE &
GUATTARI apud ROSE, 2001, p. 141).
RESUMO
Esta dissertação investiga uma produção cultural contemporânea dirigida a crianças e jovens,
utilizando-se de referenciais teóricos dos Estudos Culturais em Educação, que possibilitam, entre outras coisas,
enxergar a educação para além dos limites da escola. O objeto desta pesquisa é o Complexo W.I.T.C.H,
expressão adotada para aludir a uma Revista, a uma coleção de Livros Secretos e a uma Série Animada,
denominados W.I.T.C.H., que originam a circulação de uma considerável gama de outros produtos e artefatos
correlatos. O objetivo da investigação foi o de mostrar que o Complexo, mediante um discurso que utiliza a
magia para encantar, seduzir e convocar as jovens garotas, vai governando suas vidas, colocando em ação
estratégias que operam como um tipo de pedagogia que ensina às jovens garotas muitas coisas, e tem como eixo
central mobilizá-las para o consumo de um imenso conjunto de ofertas.
O estudo focalizou vinte e quatro revistas das bruxinhas W.I.T.C.H., além de onze exemplares da
coleção de Livros Secretos que integram o Complexo. Procurou também olhar para a produtividade do
Complexo, com a intenção de evidenciar como um artefato está vinculado ao outro, operando articuladamente no
envolvimento das jovens meninas. No decorrer da pesquisa, aproximei-me de pessoas, de ambientes e de temas
que me ajudassem a pensar de diferentes maneiras o Complexo. Freqüentei as casas e mantive uma conversação
com duas jovens garotas “minhas interlocutoras” que me ajudaram a olhar para o objeto de estudo. Elas
apontaram muitos detalhes sobre o Complexo, contribuindo de diferentes formas para que eu pudesse entendê-lo
e mostrá-lo em operação, sendo participantes ativas desta investigação. Também fui a feiras de esoterismo e
conversei com pessoas que se diziam magos ou bruxas. Busquei no Orkut e suas comunidades formas de me
aproximar das fãs do Complexo, e visitei as várias comunidades das W.I.T.C.H. para ver o que circulava por elas.
Li livros de feitiçaria e magia, ou seja, tentei me aproximar de tudo que circula em torno dos temas que estavam
atiçando minha curiosidade e me ajudando a transformar o Complexo W.I.T.C.H. em um problema de pesquisa.
O embasamento teórico foi buscado em autoras e autores que problematizam questões referentes à
condição pós-moderna, às pedagogias culturais, ao consumo e às técnicas de si, como Zygmunt Bauman, Beatriz
Sarlo, Elizabeth Ellsworth, Naomi Klein, Juliet Schor, Susan Linn, Shirley Steinberg, Joe Kincheloe, George
Yúdice, Henry Giroux, Stuart Hall, Jorge Larrosa, Nikolas Rose, Marisa Vorraber Costa, entre outros.
Os resultados da pesquisa possibilitaram ver como as jovens garotas fãs do Complexo se encontram com
o que Rose (1998) denominou de expertise, na medida em que elas se apóiam em matérias das revistas ou em
recomendações dos Livros Secretos para solucionarem alguns probleminhas”, sejam esses no momento de
encontrar com um menino e saber o que dizer e vestir para ele, seja para conviver de uma maneira mais
harmônica com seu irmão ou com sua família, seja na hora de estudar e fazer simpatias para ir bem em um prova
na escola. Ao mesmo tempo em que se divertem com os artefatos do Complexo, é possível aprender uma técnica
mágica e ainda descobrir coisas sobre o amor, a amizade, os meninos, o astral, etc. Pude constatar também a
eficiência do Complexo ao fazer as meninas envolverem-se nele, olhando para a forma como as convoca e
mobiliza no sentido de praticarem sobre si mesmas certas técnicas. Além disso, pude observar como o Complexo
ensina as jovens garotas a interessarem-se por questões relacionadas à beleza, à auto-estima e ao amor, bem
como a exercitarem-se em práticas nessa mesma direção. Elas aprendem táticas para vestir-se de acordo com
padrões propostos pelo Complexo e, sobretudo, de acordo com os gostos dos meninos. O complexo ensina as
meninas a lidarem com seus sentimentos, emoções, situações cotidianas que circundam a família, a escola, os
amigos e os amores. Tudo isso a partir das fórmulas mágicas, dos testes, das matérias propostas nas revistas, bem
como através das lições, ensinamentos e recomendações expressos nos Livros Secretos. Cada uma das jovens
garotas acaba aprendendo e agindo sobre si mesma de uma certa forma, pois recebem e interpretam essas lições
de modos e jeitos diferentes, conforme pude perceber em diferentes momentos e conversas que mantive com
minhas interlocutoras. Implícita e explicitamente, o Complexo convoca o tempo todo as jovens garotas ao
consumo.
Palavras-chave: Crianças e consumo, crianças e mídia, pedagogias culturais, tecnologias de si, subjetivação,
infância contemporânea, cultura infantil e consumo, infância e magia
ABSTRACT
This dissertation investigates a contemporary cultural production targeted at children and young people,
drawing on theoretical references in the Cultural Studies in Education, which, among other things, enables one to
see out-of-school education. This research object is W.I.T.C.H. Complex, an expression used to refer to a
magazine, a collection of Secret Books and a comic strip, which gave way to a set of related products and
artefacts. This investigation is designed to show that, by way of a discourse using the magic to enchant and allure
young girls, W.I.T.C.H. Complex governs their lives, enacting strategies that work as a kind of pedagogy
teaching this girls many things, and its focal point is to engage them to consume a huge set of products.
The study has focused on 24 sorceress magazines and eleven books of the Secret Books making up the
W.I.T.C.H. Complex It has also sought to look at W.I.T.C.H. Complex productivity, aiming at showing how an
artefact is associated to another one, operating articulately in young girls’ involvement. During the research, I
came near to people, environments and topics to help me to think in different ways about W.I.T.C.H. Complex I
was at the homes of two girls my interlocutors’ and talked to them, and they helped me to look at the
object of study. They showed me many details about the W.I.T.C.H Complex., contributing in different ways for
me to manage to understand it and show it in operation, so that they played an active role in this investigation. I
have also visited esoteric fairs and talked with people who call themselves wizards or witches. I have searched
on the Orkut and its communities ways for me to come close to W.I.T.C.H. Complex fans and visited many
W.I.T.C.H. communities to see what would circulate there. I’ve read magic and witchcraft books, that is, I’ve
tried to come close to everything relating to subjects that might increase my curiosity and help me to make
W.I.T.C.H. Complex a research problem.
We have drawn on Zygmunt Bauman, Beatriz Sarlo, Elizabeth Ellsworth, Naomi Klein, Juliet Schor,
Susan Linn, Shirley Steinberg, Joe Kincheloe, George Yúdice, Henry Giroux, Stuart Hall, Jorge Larrosa, Nikolas
Rose, Marisa Vorraber Costa, fundamental writers who work on issues relating the postmodern matter, cultural
pedagogies, consumer culture and technologies of the self.
The research results enabled us to ser how young female W.I.T.C.H. Complex fans encounter what Rose
(1998) has called ‘expertise’, as they rest on magazine articles or recommendations from the Secret Books to
solve some ‘small problems’, whether when meeting a boy and knowing what to dress and tell him, or living
together with her brother or family, or when studying to succeed in an exam in school. While they amuse
themselves with W.I.T.C.H. Complex artefacts, it is possible to learn a magic and things about love, friendship,
boys, etc. I have also noted W.I.T.C.H. Complex ability to make girls engage with it, looking at the way how it
calls on and articulates them as to perform particular technologies on themselves. Furthermore, I have noted how
W.I.T.C.H. Complex teaches the young girls to be interested in issues relating to beauty, self-esteem and love, as
well as doing exercise for this. They learn tactics to dress according to patterns proposed by W.I.T.C.H. Complex
and above all according to what boys enjoy. The W.I.T.C.H. Complex teaches girls to deal with their feelings,
emotions, everyday situations surrounding family, school, friends and love affairs. All this from magic formulas,
tests, magazine articles, as well as lessons, teachings, recommendations in the Secret Books. Each young girl
ends up learning and acting upon herself in a particular way because each receives and read these lessons in
different ways, as I have noticed it in different moments and conversations with my interlocutors. Implicitly and
explicitly the W.I.T.C.H. Complex calls on the young girls to consume all the time.
Keywords: Children and consumption, children and media, cultural pedagogies, technologies of the self,
subjectification, contemporary childhood, kinder culture and consumption, childhood and magic
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Menina vestindo uniforme Rebelde ................................................................... 29
Figura 2 – Detalhes do uniforme Rebelde ........................................................................... 29
Figura 3 – Capas da Revista N. 1 – Edição Brasileira ........................................................ 32
Figura 4 – Capas das revistas W.I.T.C.H. dos meses de janeiro a abril de 2006 ................... 36
Figura 5 – Capas das revistas W.I.T.C.H. dos meses de maio a agosto de 2006 ................... 37
Figura 6 – Capas das revistas W.I.T.C.H. dos meses de setembro a dezembro de 2006 ....... 38
Figura 7 – Capas das revistas W.I.T.C.H. dos meses de janeiro a abril de 2007 ................... 39
Figura 8 – Capas das revistas W.I.T.C.H. dos meses de maio a agosto de 2007 ................... 40
Figura 9 – Capas das revistas W.I.T.C.H. dos meses de setembro a dezembro de 2007 ....... 41
Figura 10 – Seção Cartas (W.I.T.C.H., n. 47, jan. 2006, p. 04) ........................................... 42
Figura 11: Seção Bate-Papo (W.I.T.C.H., n. 68, out. 2007, p. 5) ......................................... 43
Figura 12: Seção Esô (W.I.T.C.H., n. 51, maio 2006, p. 29) ................................................ 45
Figura 13: Seção TesteComo você encara o amor? (W.I.T.C.H., n. 64, jun. 2007, p.
06)........ ............................................................................................................................. 47
Figura 14: Seção Matéria Básica (W.I.T.C.H., n. 52, jun. 2006, p. 16) ............................... 48
Figura 15: Seção Novo e Fofo (W.I.T.C.H., n. 54, ago. 2006, p. 11) .................................... 50
Figura 16: Seção Tchau, mesada (W.I.T.C.H., n. 54, ago. 2006, p. 25) ............................... 51
Figura 17: Seção Garota Esperta (W.I.T.C.H., n. 63, maio 2007, p. 17) ............................. 53
Figura 18: Seção Olha Aí (W.I.T.C.H., n. 63, maio 2007, p. 14 e 15) .................................. 54
Figura 19: Seção Vestiário (W.I.T.C.H., n. 64, jun. 2007, p. 17) ......................................... 56
Figura 20: Seção S.O.S. Saúde (W.I.T.C.H., n. 67, jun. 2007, p. 12) ................................... 58
Figura 21: Seção Espelho Meu (W.I.T.C.H., n. 63, jun. 2007, p. 10 e 11) ............................ 60
Figura 22: Seção Horóscopo (W.I.T.C.H., n. 47, jan. 2006, p. 31) ...................................... 62
Figura 23: Seção Horóscopo (W.I.T.C.H., n. 47, fev. 2006, p. 32 e 33) ............................... 64
Figura 24: Seção Horóscopo (W.I.T.C.H., n. 47, fev. 2006, p. 34 e 35) ............................... 65
Figura 25: Seção Horóscopo (W.I.T.C.H., n. 48, fev. 2006, p. 32 e 33) ............................... 67
Figura 26: Seção Horóscopo (W.I.T.C.H., n. 52, jun. 2006, p. 34) ...................................... 68
Figura 27: Seção Horóscopo (W.I.T.C.H., n. 50, abr. 2006, p. 32 e 33) ............................... 70
Figura 28: Seção Horóscopo (W.I.T.C.H., n. 50, abr. 2006, p. 32 e 33) ............................... 71
Figura 29: Seção Horóscopo (W.I.T.C.H., n. 60, fev. 2007, p. 30 e 31) ............................... 72
Figura 30: Seção Horóscopo (W.I.T.C.H., n. 63, maio 2007, p. 30 e 31) ............................. 72
Figura 31: W.I.T.C.H. em formato Pocket, brinde do McDonald’s ...................................... 75
Figura 32: Minhas alunas exibindo os brindes que conquistaram no McDonald’s ............... 75
Figura 33: Livros Secretos ................................................................................................. 77
Figura 34: Livros Secretos ................................................................................................. 78
Figura 35: Livros Secretos ................................................................................................. 78
Figura 36: Livros Secretos ................................................................................................. 79
Figura 37: Dedos Verdes – Livro da Edelbra ...................................................................... 80
Figura 38: Na próxima (W.I.T.C.H., n. 50, abr. 2006, p. 66) ............................................... 82
Figura 39: Cadernos, fichário e bloco de carta .................................................................... 83
Figura 40: Agenda telefônica, caderno de notas e Post-it .................................................... 83
Figura 41: Caixa com cadarço das W.I.T.C.H. .................................................................... 84
Figura 42: Amuleto – Coração de Kandrakar ..................................................................... 84
Figura 43: Pedras de Energia .............................................................................................. 84
Figura 44: Transfer adesivo para aplicar em roupas............................................................ 84
Figura 45: Colar com pingente W.I.T.C.H. ......................................................................... 85
Figura 46: Bloco para anotações com as bruxinhas impressas nas folhas ............................ 85
Figura 47: Pingente para celular ......................................................................................... 85
Figura 48: Brinco das W.I.T.C.H. ....................................................................................... 85
Figura 49: Runas Mágicas .................................................................................................. 86
Figura 50: Minidiário ......................................................................................................... 86
Figura 51: Brinco das W.I.T.C.H. ....................................................................................... 86
Figura 52: Adesivo para unhas da Copa do Mundo de Futebol ........................................... 86
Figura 53: Vela do amor: aroma Patchuli ........................................................................... 87
Figura 54: Bonecas (Will) para pendurar no pescoço .......................................................... 87
Figura 55: Oráculo ............................................................................................................. 87
Figura 56: Chaveiro da Irma - Elemento água .................................................................... 87
Figura 57: Batom W.I.T.C.H. – Hay Lin ............................................................................. 88
Figura 58: Incensário ......................................................................................................... 88
Figura 59: Cinto ................................................................................................................. 88
Figura 60: Porta-retrato ...................................................................................................... 88
Figura 61: Tome nota (Livro Secreto: 100 magias para saber mais sobre o amor) ............ 104
Figura 62: Seção Boys (W.I.T.C.H., n. 59, jan. 2007, p. 12 e 13)........................................ 105
Figura 63: Coração de Kandrakar (Livro Secreto: 100 magias para sobreviver na
escola)........ ...................................................................................................................... 107
Figura 64: A mãe incentiva Will (W.I.T.C.H. Collection , n. 01, abr. 2005, p. 34) .............. 108
Figura 65: Seção Sala de Aula (W.I.T.C.H., n. 67, set. 2007, p. 30) ................................... 113
Figura 66: Detalhe (Quem ajudou?) .................................................................................. 113
Figura 67: Seção Esô (W.I.T.C.H., n. 48, fev. 2006, p. 30 e 31) ......................................... 114
Figura 68: Detalhe (Quem ajudou?) .................................................................................. 115
Figura 69: Seção Matéria Básica (W.I.T.C.H., n. 70, dez. 2007, p. 08 e 09) ...................... 117
Figura 70: Frases que iniciam com o pronome você Recorte da Seção Boys (W.I.T.C.H., n.
60, fev. 2007, p. 18) ......................................................................................................... 118
Figura 71: Frases no imperativo Recorte da Seção Boys (W.I.T.C.H., n. 60, fev. 2007, p.
18).. .................................................................................................................................. 118
Figura 72: Seção Boys (W.I.T.C.H., n. 60, fev. 2007, p. 18) ............................................... 118
Figura 73: Seção Teste (W.I.T.C.H., n. 48, fev. 2006, p. 06) .............................................. 120
Figura 74: Resposta “C” da Seção Teste (W.I.T.C.H., n. 48, fev. 2006, p. 06) .................... 121
Figura 75: Textos retirados, respectivamente, da coleção Livros Secretos: 100 magias para
aumentar a autoconfiança, p. 22 e 23; e 100 magias para conquistar milhões de amigos, p. 74
e 75 – Edelbra, 2003. ........................................................................................................ 122
Figura 76: Will refletida em uma vitrine transformada em W.I.T.C.H. (W.I.T.C.H. Collection,
n. 01, abr. 2005, p. 28) ...................................................................................................... 124
Figura 77: Banho no qual Irma brinca e manipula a água (W.I.T.C.H. Collection, n. 01, abr.
2005, p. 23) ....................................................................................................................... 125
Figura 78: Irma pensa em um vestido azul e... (W.I.T.C.H. Collection, n. 01, abr. 2005, p.
25)........ ............................................................................................................................ 125
Figura 79: ...todos de seu armário mudam para esta cor (W.I.T.C.H. Collection, n. 01, abr.
2005, p. 25) ....................................................................................................................... 126
Figura 80: Taranee controlando o fogo (W.I.T.C.H. Collection, n. 01, abr. 2005, p. 45) ..... 127
Figura 81: Cornélia e seu desejo (W.I.T.C.H. Collection, n. 01, abr. 2005, p. 29) ............... 127
Figura 82: Quarto se arrumando sozinho (W.I.T.C.H. Collection, n. 01, abr. 2005, p.
30).................................................................... ................................................................ .....128
Figura 83: Hay Lin mostrando às amigas o desenho (W.I.T.C.H. Collection, n. 01, abr. 2005,
p. 30) ................................................................................................................................ 129
Figura 84: Produto anunciado durante intervalo de um desenho animado .......................... 147
Figura 85: Seção Espelho Meu (W.I.T.C.H., n. 51, maio 2006, p. 28) ................................ 149
Figura 86: Seção Este planeta é seu! (W.I.T.C.H., n. 63, maio 2007, p. 05) ....................... 151
Figura 87: Seção Este planeta é seu! (W.I.T.C.H., n. 67, set. 2007, p. 09) .......................... 152
Figura 88: Continuação da matéria Seção Este planeta é seu! (W.I.T.C.H., n. 67, set. 2007, p.
09) .................................................................................................................................... 153
Figura 89: High School Musical e suas aparições nas revistas ........................................... 154
Figura 90: Texto retirado da coleção Livros Secretos W.I.T.C.H.: 100 magias para conhecer
melhor os meninos irmãos, amigos, namorados e outros... Edelbra, 2003, p. 07 e
09............ ............................................................................................... .......................... 162
Figura 91: Texto retirado da coleção Livros Secretos W.I.T.C.H.: 100 magias para conhecer
melhor os meninos – irmãos, amigos, namorados e outros... – Edelbra, 2003, p. 09. ......... 164
Figura 92: Texto retirado da coleção Livros Secretos W.I.T.C.H.: 100 magias para conhecer
melhor os meninos irmãos, amigos, namorados e outros... Edelbra, 2003, p. 10 e 11......
......................................................................................................................................... 165
Figura 93: Texto retirado da coleção Livros Secretos W.I.T.C.H.: 100 magias para conhecer
melhor os meninos – irmãos, amigos, namorados e outros... – Edelbra, 2003, p. 12. ......... 166
Figura 94: Capa da Revista W.I.T.C.H., n. 49, mar. 2006 .................................................. 168
Figura 95: Hay Lin de aparelho ........................................................................................ 168
Figura 96: Cornélia ........................................................................................................... 169
Figura 97: Will e sua mãe ................................................................................................. 169
Figura 98: Irma e sua família ............................................................................................ 170
Figura 99: Taranee e sua família ....................................................................................... 171
Figura 100: Cornélia e sua família ..................................................................................... 171
Figura 101: Hay Lin e sua família ..................................................................................... 171
Figura 102: Recortes das chamadas mais interessantes Seção Boys ................................... 174
Figura 103: Recorte das chamadas mais interessantes Seção Testes ................................... 175
Figura 104: Chamadas mais interessantes Seção Testes ..................................................... 176
Figura 105: Recortes das chamadas mais interessantes Seções Espelho Meu e S.O.S
Saúde....... ................................................................................................................... ....... 177
Figura 106: Recortes das chamadas mais interessantes Seção Vestiário ............................. 178
Figura 107: Recortes das chamadas mais interessantes Seções Olha aí e Fã-Clube ........... 179
SUMÁRIO
CAPÍTULO I
ENCANTAMENTO E CONSUMO NO COMPLEXO W.I.T.C.H. - Sobre o objeto de
estudo, a problematização e os caminhos investigativos ............................................................ 17
1. Apresentando o Complexo W.I.T.C.H. ............................................................................. 17
a) Folheando a Revista ..................................................... ......................................... 31
b) Assistindo à Série Animada .......................................... ......................................... 73
c) Invadindo os Livros Secretos .................................................................................. 76
d) Desencantando os “presentes” ................................................................................ 81
2. Inventando um caminho investigativo .............................................................................. 88
CAPÍTULO II
FORMAR-SE NA CULTURA DA MÍDIA E DO CONSUMO - Sobre as ferramentas teóricas...
................................................................................................................................................................ 95
1. Centralidade da cultura e pedagogias culturais ................................................................. 95
2. Construindo o próprio eu - Tecnologias de si ................................................................. 102
3. Aprendendo a ser garotinha de um certo tipo .................................................................. 110
4. Estratégias para encantar jovens meninas ....................................................................... 116
CAPÍTULO III
UMA ROMÂNTICA MAGIA ENREDANDO GAROTAS NO CONSUMO .............................. 133
1. Magia, romance e garotas ............................................................................................... 133
2. A magia como estratégia interpeladora ........................................................................... 141
3. A mística do consumo .................................................................................................... 145
4. Aprendendo com as grandes corporações ....................................................................... 157
CAPÍTULO IV
NAS TRAMAS DO COMPLEXO W.I.T.C.H.: CINCO BRUXINHAS AJUDANDO A MOLDAR
SUBJETIVIDADES ........................................................................................................................... 160
1. A título de conclusão - Sobre garotas de certo tipo, jovens bruxinhas e witches que
conheci. ............................................................................................................................. 180
REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 183
APÊNDICES .................................................................................................................... 190
ANEXOS ......................................................................................................................... 194
Capítulo I
ENCANTAMENTO E CONSUMO NO COMPLEXO W.I.T.C.H. - Sobre o objeto de
estudo, a problematização e o caminho investigativo
1. Apresentando o Complexo W.I.T.C.H.
Inicio este trabalho justificando a escolha do título O Complexo w.i.t.c.h. acionando
a magia para formar garotinhas nas redes do consumo –, que foi pensado e repensado para
que pudesse expressar o foco desta pesquisa. Considero este comentário inicial uma
introdução não só ao tema, mas também ao tipo de problematização que orienta toda a
investigação. O que a compõe, de que se trata e por que chamar de “Complexo” os artefatos
da marca W.I.T.C.H. será explicado posteriormente. Primeiramente, gostaria de expor de que
forma estou entendo alguns termos que usarei freqüentemente. Quando menciono
“formando”, por exemplo, me refiro à construção das subjetividades das garotinhas, à
formação de sujeitos de certo tipo, cujas subjetividades vão sendo moldadas através do
Complexo.
Quando uso o termo “redes”, é justamente para que se imagine uma rede composta de
fios, de tramas; algo que se entrelaça e enlaça, tal qual a rede usada pelo pescador para fisgar
o peixe. Utilizo o termo “redes” para mostrar como os sujeitos são capturados por elas. Eles
podem até escapar por entre suas malhas, mas, pelo fato de passarem pela rede, tornam-se
diferentes daqueles que não se enredaram nela. O termo “redes” pode ser lido também como
um circuito que compreende empresas e produtos dedicados a atrair um certo público-alvo
para o consumo.
O “consumo” aparece na pesquisa mostrando como as redes empresariais, que
produzem artefatos para diferentes públicos e para variados usos e aplicações, utilizam-se de
estratégias astutas e insidiosas para induzir à aquisição dos mesmos. Quando se fala em
consumo, é quase inevitável se falar da descartabilidade, pois os sujeitos desejam algo e, logo
que o adquirem, passam a desejar novos objetos e o recentemente comprado cai
imediatamente na obsolescência. Sarlo (1997) denominou esses consumidores de
colecionadores às avessas, pois a preocupação maior é a de colecionar “atos de compra”, de
aquisição de objetos. Ela argumenta que o colecionador tradicional “conhece o valor de
mercado de seus objetos” (p.27) e que o colecionador às avessas
sabe que os objetos que adquire desvalorizam assim que ele os agarra. O
valor desses objetos começa a erodir-se e então enfraquece a força magnética
que brilho aos produtos quando estão nas vitrines do mercado: uma vez
adquiridas, as mercadorias perdem sua alma; (...) o desejo não tem um objeto
com o qual possa conformar-se, pois sempre haverá outro objeto chamando
sua atenção. (p. 27)
Justificada a escolha do tulo e o que seus termos significam para mim, passo a um
pequeno desabafo, por julgar importante registrar os sentimentos que permearam esta
pesquisa e esta pesquisadora.
Dentre todas as atividades implicadas no Mestrado estudar, pesquisar, freqüentar
aulas deparo-me com a mais difícil de todas, aquela que envolve o processo da escrita. Não
o escrever qualquer coisa, mas escrever algo que faça sentido e que, acima de tudo, tente
trazer algumas possíveis respostas às tantas perguntas que tenho me feito desde que me vi
envolvida com a pesquisa em educação.
São tantas questões, tantas lentes teóricas, tantas e tantas noites com a cabeça no
travesseiro pensando nos problemas de pesquisa que, em certos momentos, a pane cerebral é
algo inevitável. Tem-se uma porção de coisas escritas e lidas, uma montanha de dados
coletados, mas no fundo a impressão é de que não se tem nada. Confusa, eu?! Sim! Mas é
justamente para emergir desta confusão que vejo a necessidade de colocar no papel as idéias
que vão e vêm.
Escrever as tais duas páginas, solicitadas por minha orientadora, relatando o que
pretendia com esta pesquisa foi uma tarefa que se arrastou por um semestre, ou até mais.
Porém, chegou a hora de escrevê-las, e escrever mais de duas páginas foi o objetivo principal.
Foi este objetivo que me levou à escrita de minha proposta de pesquisa. Talvez hoje, depois
de ter passado pela banca de qualificação do projeto, sinta-me mais à vontade para redigir a
dissertação, talvez ainda o, mas o fato é que vivemos de experiências e sempre que tenho
que arriscar algo, lembro-me de uma frase de Francis Bacon que li algum tempo em uma
agenda escolar. Diz assim: “A experiência é uma professora severa, porque o teste
primeiro e a lição depois”. Ou seja, só aprendemos com nossos erros.
Minha empreitada não foi fácil, pois olhar para as imbricações entre educação e
esoterismo é algo no mínimo pouco usual. Quando as pessoas indagam-me sobre meu
trabalho de pesquisa no Mestrado, duas coisas são inevitáveis. A primeira é o espanto, por se
tratar de um assunto incomum, e a segunda é a pergunta: mas, afinal, o que tem isso a ver com
a Educação?
Minha pesquisa volta-se para um complexo mercantil cujo eixo principal é uma
Revista
1
denominada W.I.T.C.H. (palavra que na língua inglesa significa bruxa),
acompanhada por uma série de desenho animado com o mesmo nome, que originam a
circulação de uma quantidade imensa de outros produtos e artefatos correlatos, motivo pelo
qual, para ser mais precisa, optei por empregar a denominação Complexo W.I.T.C.H.
2
. Tenho
coletado dados, refletido e tentado compreender como opera esse Complexo, dirigindo as
garotas para o consumo. Tenho percebido que ele vem cativando e envolvendo garotinhas
muito jovens, principalmente convocando-as para o consumo de artigos esotéricos e também
para práticas desse tipo. O foco principal desta pesquisa volta-se para esse processo de
enredamento das jovens garotas pelo Complexo W.I.T.C.H.. Ao mesmo tempo em que elas se
interessam pelo tema do desenho animado e da Revista, vão sendo dirigidas para o consumo
de um incontável número de outros artefatos, e também moldando suas condutas de acordo
com os preceitos, regras, receitas, lições, dicas, modelos, etc. que circulam em todo o
Complexo.
Entendo que o tipo de esoterismo que compõe o eixo central do Complexo invoca o
misticismo, a bruxaria, a feitiçaria; e o fascínio que tudo isso exerce acaba levando as garotas
a desejarem e adquirirem todo o tipo de produtos a ele relacionados. No acionamento do
Complexo W.I.T.C.H., destacam-se as estratégias para induzir ao consumo de certos objetos e
produtos, bem como para sugerir e cultivar certas preferências, visões de mundo e modos de
ser. O eixo central da interpelação do Complexo W.I.T.C.H. é a magia.
Todo o Complexo W.I.T.C.H., com suas revistas, manuais de auto-ajuda e de conduta,
diários, talismãs, brindes insólitos, como pedras, amuletos e diversos outros artefatos, acaba
por se transformar em um caminho para o consumo acionado pelo fascínio da narrativa
interpeladora da magia. Essas jovens garotas gostam de bruxas por um motivo ou outro, e
gostam de praticar as mágicas e feitiços sugeridos pelos artefatos do Complexo. Consomem os
artefatos esotéricos para concretizarem as práticas sugeridas em meio a sentimentos confusos
que mesclam sedução, crença, curiosidade, fascínio e diversão. Consomem, junto com isso,
também inúmeros outros objetos relacionados ao Complexo.
Um pouco do espanto, creio, pode ser sanado após esta breve explanação. Mas caberia
estudar este tipo de objeto no Mestrado em Educação? O que podem ter em comum Educação
1
Toda vez que referir a Revista, a Série Animada, a História em Quadrinhos e aos Livros Secretos W.I.T.C.H. o
farei com as iniciais em letra maiúscula, para diferir de qualquer outra revista, série animada, etc. que não seja da
marca W.I.T.C.H...
2
O Complexo W.I.T.C.H. ora aparecerá denominado apenas como Complexo, para tanto, sempre que utilizar
somente a palavra Complexo, a usarei em itálico, para diferir dos demais significados que podem ser dados à
palavra.
e esse Complexo que aciona o consumo invocando a magia? A inspiração teórica que me
embasa é a dos Estudos Culturais, permitindo-me articular distintos campos e temas. Lanço
mão das abordagens dos Estudos Culturais que me possibilitam ver a Educação para além dos
limites da escola, como algo inscrito na cultura. Desta forma, tomo a Educação numa
perspectiva mais ampla, como um processo mais complexo e plurifacetado do que o escolar.
Considero a Educação como algo que atravessa a cultura e não se somente na escola, na
família e na igreja, mas também na mídia, nos grupos em que estamos inscritos e em tantas
outras instituições e práticas. O fato de que o conjunto de experiências que as pessoas
acumulam dentro da sociedade a que pertencem também deve ser levado em conta quando se
pensa em Educação, mostra que essa ultrapassa amplamente os muros da escola. Atualmente,
muitas coisas estão sendo pensadas e escritas sobre isso, e procurarei aprofundar essas
questões durante o trabalho reflexivo, justificando minhas escolhas até o momento.
Meu Mestrado em Educação e, sobretudo, o Programa de Pós-Graduação do qual faço
parte, não estão voltados para temas que pensem capacitação de professores, currículo escolar
e práticas escolares, exclusivamente. Sem querer dizer que esses temas não mereçam atenção,
o que quero mostrar aqui é que não em torno desses temas move-se a Educação e muito
mais pode ser dito e pensado em relação a ela.
Um exemplo de Educação para além da escola é a mídia, que tem sido uma
competente professora; percebe-se isso nas crianças que, cada vez mais cedo, chegam à escola
capacitadas a realizarem certas leituras, muito antes de passarem por um processo escolar de
alfabetização. hoje um certo alfabetismo televisivo que parece preceder o alfabetismo
escolar. Steinberg e Kincheloe (2004) mencionam que “as organizações que criaram este
currículo cultural não são educacionais, e sim comerciais, que operam o para o bem social
mas para o ganho individual”. Ainda tratam das questões de consumo e mídia, argumentando
que “padrões de consumo moldados pelo conjunto de propagandas das empresas capacitam as
instituições comerciais como professoras do novo milênio” (p. 15).
O que tento mostrar também com este trabalho é que as pedagogias culturais nos
cercam por todos os lados, e que praticamente tudo que vemos, ouvimos, assistimos, lemos,
expõem-nos a um certo tipo de pedagogia da cultura. Não aprofundarei essas questões acerca
das pedagogias culturais neste momento, pois no Capítulo II tratarei com mais detalhes deste
tema que merece atenção, tendo em vista o foco da pesquisa. Porém, esta breve explanação
responde, mesmo que minimamente, a pergunta: mas, afinal, o que tem a ver isto com a
Educação?
Até aqui, a impressão do leitor poderia ser a de que foi muito simples chegar a este
objeto de pesquisa, ou então que ele estava pré-moldado quando comecei o Mestrado.
Engana-se quem imagina isso. Iniciar a busca por um tema de pesquisa que me apaixonasse
foi uma movimentação um tanto confusa e angustiante. Passei por questões sobre legislação
educacional e educação infantil, e também cheguei a pensar em pesquisar a adultização da
infância”, porque as crianças parecem-se ou tentam ao máximo parecerem-se com adultos.
Percebi, no entanto, que esses ainda não eram focos aos quais eu desejasse dedicar-me
durante dois anos de estudo. Minha intenção na dissertação de Mestrado era ampliar o leque
de conhecimentos acerca de outros assuntos que fugissem um pouco do que tratei durante
minha vida acadêmica ainiciar o Mestrado. A educação infantil, por eu estar engajada nela
até hoje, sempre foi meu objeto principal de interesse, porém sentia necessidade de dedicar-
me a novos desafios. Enfim, pensava que sair do foco da educação infantil para outro me
obrigaria a aprimorar minha face investigadora. Teria que ler e pesquisar sobre outros
assuntos, teria que me expor a novos saberes e ampliar meus olhares sobre a educação.
Foi durante conversa com uma das minhas colegas que surgiu uma boa idéia, que
girava em torno de consumo e mídia, mas envolvia também aspectos da cultura
contemporânea que eu percebia implicados na vida das crianças da escola de educação infantil
na qual trabalho. Comecei a perceber como as paixões por determinados personagens,
brinquedos, etc. passavam rapidamente, num tempo quase que impossível de acompanhar. Foi
aprofundando minhas reflexões acerca dos Estudos Culturais e, principalmente, sobre
consumo, mídia e pedagogias culturais, que comecei a perceber como a mídia ditava a
velocidade com que essas “ondas” chegavam, dominavam as crianças e rapidamente
desapareciam, substituídas por outras.
Meus alunos e alunas, com idades entre seis meses e seis anos, levam para a escola
uma série de artefatos decorados com imagens de personagens como Batman, Homem
Aranha, Hello Kitty, Polly, etc. Esses personagens aparecem nos adereços de cabelo, estampas
das roupas, dos cadernos, das mochilas, entre outros dos mais variados tipos. Até mesmo a
agenda escolar ganha figuras e adesivos dos personagens preferidos. Nota-se que as crianças
vivem um tempo de volatilidade, no qual os valores que agregam às coisas o muito
diferentes dos que, por exemplo, eu agregava quando tinha a idade em que meus alunos e
alunos encontram-se.
Lembro-me de que possuía duas prateleiras onde costumava guardar minhas bonecas.
Escolher com qual brincaria era uma dúvida que sempre me acometia no momento das
brincadeiras. Parecia que, escolhendo uma, não dava importância para as demais e isso não
era verdade. Amava cada uma delas com muita devoção. Era minha a função de arrumá-las
nas prateleiras, cuidar para mantê-las sempre limpas, sem poeira e com seus vestidos em dia.
Minha mãe, de tempos em tempos, tirava suas roupinhas e lavava-as; o varal com aquelas
roupas em miniaturas para mim parecia imenso, como se aquelas roupas fossem das minhas
filhas mesmo. Esse cuidado hoje pode parecer exagero, mas o era, pelo menos para mim.
Sabia a dificuldade que meus pais passavam para que cada uma daquelas bonecas fossem
parar nas minhas prateleiras. Talvez também tenha sido por isso que demorei tantos anos para
conseguir me desfazer delas. Posso dizer que isso ocorreu cerca de uns cinco anos e ainda
mantenho algumas mais especiais guardadas ou expostas na casa da minha madrinha, que
dedica os mesmos cuidados que eu e minha mãe possuíamos com as – hoje – “relíquias”.
Com esta pequena história, quero mostrar que parece que as crianças dos tempos
atuais perderam esse carinho por seus objetos, brinquedos, materiais escolares, etc. O que
noto hoje é que a aquisição desses artefatos é mais fácil, e se os pais não podem adquirir um
brinquedo original, certamente conseguem encontrar um simulacro pela metade do preço. As
crianças estão sufocadas por montanhas de brinquedos, de jogos, de todas as espécies e
marcas. O bombardeio direcionado a elas é fantástico e vem sendo estudado.
A explosão do marketing voltado para as crianças hoje é direcionada de
maneira precisa, refinada por métodos científicos e lapidada por psicólogos
infantis resumindo, é mais penetrante e importuna do que nunca. (...) Na
média, uma criança assiste a cerca de 40 mil comerciais ao ano somente na
televisão. (LINN, 2006, p. 25)
Esses dados me levam a crer que as crianças nem têm o tempo necessário para se
apegarem aos brinquedos. Mal acabam de ganhar aquele que sonhavam” e já surgem outros
atrativos, outras novidades sendo lançadas. Ou seja, aquela boneca conquistada no Dia da
Criança, que chora e que faz xixi como um nede verdade, já não é mais a preferida, a mais
atual, pois no mercado uma mais tecnologicamente interessante, que além de chorar e
fazer xixi, também pronuncia mais de dez frases, e é essa que a garotinha deseja e pedirá para
o Papai Noel trazer de Natal. Logo, logo, a que ganhou no Dia da Criança será esquecida,
perderá a graça e será deixada de lado. Bauman (2007) afirma que “a sociedade de consumo
consegue tornar permanente a insatisfação. Uma forma de causar esse efeito é depreciar e
desvalorizar os produtos de consumo logo depois de terem sido alçados ao universo dos
desejos do consumidor” (p. 106).
Ainda sobre a descartabilidade e a facilidade de desprendimento aos objetos desejados,
Momo (2006) afirma que
ser consumidor na sociedade de consumo requer uma série de capacidades,
como a de esquecimento e não de aprendizado. É necessário o manter o
desejo por muito tempo em um único objeto, sendo capaz de facilmente
perder o interesse por ele ao ser instigado por um novo desejo de consumo.
(p.83)
Entendo e percebo nas crianças e pais, que vejo chegar todos os dias na escola de
educação infantil onde atuo, o quanto é difícil não se emaranhar nessa rede de consumo, bem
articulada e planejada para fisgá-los. A própria Linn (2006) aponta que “é difícil, para pais e
crianças, resistir às campanhas de marketing abrangentes, bem financiadas, intermináveis e
praticamente impossíveis de evitar” (p.46).
Bauman (2001) descreve com acuidade isso que hoje nos assusta tanto, essas
mudanças bruscas por gostos e desejos das crianças e não delas. Ele explica que vivemos
num tempo quido, fluido, no qual o ter sobressai-se ao ser e o consumo desenfreado vai se
transformando em uma forte característica das sociedades pós-modernas. Bauman (2001)
invoca a metáfora dos fluidos para explanar, com mais nitidez, o que vem a ser o pós-
moderno e para explicar as mudanças constantes.
Os fluidos se movem facilmente. Eles “fluem”, “escorrem”, “esvaem-se”,
“respingam”, transbordam”, “vazam”, “inundam”, “borrifam”, “pingam”;
são “filtrados”, “destilados”; diferentemente dos sólidos, não são facilmente
contidos – contornam certos obstáculos, dissolvem outros e invadem ou
inundam seu caminho. (BAUMAN, 2001, p. 8, grifos do autor)
Hoje o consumo começa antes mesmo do bebê nascer; quando a e descobre a
gravidez é bombardeada com uma série de dicas e conselhos sobre o que comprar, onde
comprar, para que comprar, justificando que, quando seu bebê nascer, tudo deve estar pronto.
Os bebês que chegam à escola de educação infantil na qual trabalho vêm de casa
mergulhados nesse mar do consumo, em que as próprias mães se encarregam de consumir por
eles e com eles os artefatos que a mídia oferece. São lençóis, mamadeiras, bicos, babeiros,
brinquedos, pratos, copos, toalhas, produtos para o cuidado da higiene dos bebês, etc., que
levam impressos os Looney Tunes, os Babies Disney, a Hello Kitty, o time de futebol
preferido dos pais. Schor (2004)
3
narrou sua experiência em relação a esse fato, quando seu
primeiro filho nasceu, em 1991. Percebendo uma “mercantilização da infância”, mencionou
que “os rituais padronizados de preparativos para um bebê estavam centrados em escolhas de
consumo. Que marca de carrinho e cadeirinha para o carro? Que personagens para decoração
3
Todas as citações de Juliet Schor foram traduzidas do inglês por Ricardo Uebel.
do quarto do bebê? Realmente é necessária uma câmera de vídeo?” (p. 11). Demonstrando
como as mães preocupam-se antes mesmo de o bebê nascer com o que vai ser consumido por
ele, Linn (2006) discute essas questões dos bebês de marca, e comenta que não são os bebês
que pedem as marcas, e sim as mães introduzem o consumo desde muito cedo na vida das
crianças. Linn (2006) ainda mostra que as crianças desenvolvem um tipo de sentimento
positivo em relação às marcas que lhes são apresentadas, e associam-nas a outros produtos
licenciados e relacionados a elas, de cereais a bichinhos de pelúcia. A autora continua
argumentando que “viagens ao supermercado serão acompanhadas de gritos de alegria toda
vez que os vir [os personagens] nas caixas de cereal e de desapontamento se o cereal não for
parar no carrinho de compras” (p.70). Engana-se quem pensa que os bebês não possuem suas
preferências, que são construídas social e culturalmente. Tempos atrás, fui ao shopping com
meu afilhado, que na época tinha um ano e três meses de idade, comprar um tênis para ele, e
fiquei perplexa quando, ao tentar experimentar modelos de tênis, ele tentava, ao mesmo
tempo, calçar um tênis com luzes que se acendiam a cada batida do solado. Ele se agarrava a
esse modelo com luzes incandescentes, mas como não havia seu tamanho, tive de comprar
outro e ele teve de aceitar. Estava certa, contudo, de que na nossa próxima ida ao shopping, a
reação dele seria diferente e provavelmente teria que ceder às suas vontades, para que não
destoasse em meio a sua turma na escola de educação infantil que freqüentava, e não
ficasse de fora da onda”, sentindo-se excluído do grupo por não possuir este ou aquele
artefato. Tenho observado que esse é um sentimento muito forte entre as crianças
identificam-se e inscrevem-se em um grupo pelas coisas que possuem, vestem ou comem.
Schor (2004) diz que “os mundos sociais das crianças são cada vez mais construídos em torno
do consumo, uma vez que as marcas e produtos passaram a determinar quem está “dentro”e
“fora”, quem é “legal”e quem não é, quem merece ter amigos ou status social” (p. 11, grifos
da autora).
Logo em seguida a esse acontecimento que narrei, sucederam-se datas festivas como
Dia da Criança e Natal. Como eu previa, a mídia com suas estratégias havia capturado
meu afilhado, hoje com um ano e onze meses, e seu interesse estava voltado a todo e qualquer
artefato que tivesse estampado o Homem-Aranha. Acreditem, um ano e onze meses! Ele pede
e chama pelo “Honem-Anhanha”, embora nem saiba pronunciar corretamente o nome do
super-herói. Schor (2004) afirma que "a criança americana típica está hoje imersa no mercado
de consumo em um grau que menospreza qualquer experiência. Com um ano de idade, está
assistindo aos Teletubbies e comendo alguma coisa de seus 'promo partners' Burger King e
McDonald's. Aos dezoito meses, crianças já conseguem reconhecer os logotipos, e antes de
ser comemorado o segundo aniversário, estão pedindo os produtos de acordo com o nome
da marca" (p. 19, grifos da autora).
A idolatria de meu afilhado ao personagem era tanta que não tínhamos coragem de dar
algum presente com uma estampa diferente. O resultado disso foi um cesto de brinquedos
contendo, pelo menos, três bonecos do Homem-Aranha, camisetas do personagem, sunga de
praia, boneco que canta o tema do filme e dança, boné, escova de dentes, ventilador de teto e
inúmeros outros artefatos relacionados ao personagem. Dei-me conta de que a mídia não
havia somente o capturado, mas que eu, meu esposo, seus pais, todos nós estávamos
enredados em uma teia que nos fazia consumir artefatos relacionados ao personagem adorado
por ele. Fomos fisgados, e agora?! O que fazer?
Parei para pensar e percebi que se não o presenteássemos com os artefatos do seu
personagem preferido, outros artefatos, de outros personagens, entrariam para nossa cesta de
compras. Neste momento, me imaginei dentro da loja de brinquedos onde compro os
presentes dos inúmeros aniversários infantis para os quais sou convidada e também os
presentes dos meus afilhados. Eu a descreveria da seguinte maneira: é dividida em duas
partes: meninas e meninos. No lado das meninas, bonecas que falam, que cantam, que
dançam, que imitam nenês; maquiagens da Hello Kitty e das Meninas Super Poderosas;
sapatinhos de cristal imitando os da Cinderela; máquinas fotográficas e inúmeros outros itens
da Polly; muitos brinquedos relacionados às Princesas; casas fantásticas, barcos, carros,
danceterias ambulantes da Barbie e de suas amigas e uma prateleira abarrotada com muitos,
mais muitos bonequinhos e bonecões de pelúcia de incontáveis personagens de filmes
infantis, desde o Procurando Nemo até Carros. No lado dos meninos, vejo carros, desde as
miniaturas até os enormes, à fricção, de controle remoto, etc., os que levam a marca Hot
Wheels prevalecem. Bonecos com múltiplas funções dos personagens mais famosos, como:
Batman, Homem-Aranha, Super Homem, Wood, Buzz Lightyear, Sr. Cabeça de Batata, Star
Wars e outras centenas de brinquedos que encheriam páginas e páginas deste trabalho. Porém,
cada brinquedo, em sua maioria, traz consigo a marca de algum personagem famoso. Assim,
tornam-se mais atrativos e fáceis de serem comercializados, pois estão na mídia e chamam a
atenção das crianças e dos pais. Sobre essa divisão da loja entre meninas e meninos, Schor
(2004) narra queapesar dos esforços de aumentar a consciência quanto à função dos
brinquedos na reprodução de estereótipos de nero não saudáveis, as principais cadeias de
lojas de brinquedos ainda fazem a separação por gênero” (p. 44).
E agora, que fazer? Cheguei à conclusão de que não mais o que se possa fazer; não
como fugir do consumo provocado pelas mídias que nos rodeiam. Estamos todos
enredados, de uma forma ou de outra. Somos todos convocados irrecorrivelmente para sermos
consumidores. Bauman (2007) fala do abandono da nossa identidade de produtores por outra,
de consumidores. Ele narra que a identidade produtivista seria “aquela que sustenta a
conjunção dos muitos impulsos, intuições e propensões diferentes que contém e eleva o todo
agregado ao status de plano de vida coerente” e que a identidade consumista “consiste antes
de tudo na negação enfática da virtude da procrastinação, e da adequação e conveniência de
retardar a satisfação” (p. 110).
Assumindo essa identidade de consumidores, que vivem e convivem em uma
sociedade do consumo, tornamo-nos o que Bauman (2007) denominou de uma sociedade de
consumidores” (p. 109). Ele segue dizendo que essa é uma sociedade que “‘interpela’ seus
membros basicamente, ou talvez aexclusivamente, como consumidores; e uma sociedade
que julga e avalia seus membros principalmente por suas capacidades e sua conduta
relacionadas ao consumo” (p. 109, grifo do autor).
Uma situação presenciada por quem vai a shoppings e supermercados comumente são
cenas de crianças esperneando porque os pais não querem levar determinada mercadoria.
Certa vez, presenciei uma dessas cenas, que acentuou meu interesse por tais questões,
principalmente porque envolvia não o poder da dia, mas também questões relacionadas
aos limites que os pais estão deixando de dar aos filhos em função de inúmeros fatores, que
não vêm ao caso debater aqui. A mãe foi levar a filha pequena para a escola, de manhã, e a
criança chorava compulsivamente. Fui perguntar o que acontecia, por que ela não queria ficar,
e a mãe respondeu que ela não estava chorando por causa da escola, mas sim porque uma
amiga de turma possuía um tênis da Barbie e ela não. A mãe, com toda a paciência, tentava
justificar que não tinha condições de comprar o tênis naquele momento, mas a menina insistia
e não parava de chorar. Em resumo, a cena durou quase trinta minutos, e então a mãe pegou a
filha pela mão, foi até uma loja próxima da escola e comprou o tênis da Barbie. A menina
voltou feliz da vida, ingressou escola adentro calçando seu tênis cor-de-rosa da Barbie e a
mãe foi trabalhar, talvez infeliz, por ter perdido a batalha no interior da cultura da mídia e do
consumo.
Todos esses acontecimentos, experiências e leituras fizeram-me, aos poucos, enxergar
como a mídia, aliada a estratégias de marketing, pode, a partir de articulações muito
inteligentes e instigantes, apresentar novas formas de ser às crianças e jovens
contemporâneos. Tendo em vista que o material que analiso neste estudo foi criado pela
Disney Company, trago, como exemplo, as diversas mídias que a Disney coloca no mercado,
capturando crianças, jovens e adultos, tornando-os consumidores ativos de seus produtos e
marcas. Geralmente, a empresa usa, para capturar esses consumidores, estratégias
interpelativas que estejam ligadas a algo que chame a atenção de cada público ao qual o
“produto” é destinado. No caso dos parques temáticos da Disney World, a fantasia, a ilusão, a
magia e o sonho de poder viver, mesmo que momentaneamente, como se estivesse num
desenho ou filme. Por alguns minutos, você pode sentir-se Cinderela, Indiana Jones, Buzz
Lightyear ou Aladdin; você escolhe o que quer viver e sonhar, tudo vai depender da idade que
tem. Há programas diferentes para diferentes idades e também para gêneros distintos. O fato é
que você sonha e a Disney realiza; são eles próprios quem se designam “realizadores de
sonhos”
4
. Giroux (2003a) a Disney a partir de um olhar que traz uma imagem paternalista,
“descomprometida” e inocente, imagem essa que ela faz questão de manter. Penso que as
estratégias utilizadas por grandes corporações, tais como a que cito no momento, possuem
objetivos definidos e sempre relacionados com as cifras que podem ser arrecadadas. Giroux
(2003a), quando fala da Disney, ainda menciona que:
Por trás do apelo ideológico à nostalgia, aos bons tempos e ao “lugar mais
feliz sobre o globo”, existe o poder institucional e ideológico de um
conglomerado multinacional que exerce uma enorme influência social e
política. (p. 136, grifos do autor)
A partir disso, podemos perceber que não somente a Disney, mas as inúmeras
empresas multinacionais, que aqui chamo de grandes corporações, estão a todo o momento
pensando no que fazer e como fazer para capturar-nos e levar-nos ao consumo. Essas
corporações querem mais do que simplesmente vender seus produtos e sua marca aos
consumidores, elas “buscam estabelecer um vínculo de lealdade às marcas de seus produtos e
serviços que vá do ‘berço ao túmulo’”(LINN, 2006, p. 21, grifo da autora).
Steinberg e Kincheloe (2004) consideram as organizações corporativas, como
mencionei anteriormente, como professoras do novo milênio, que através da fantasia e do
desejo da criança, e por que não dizer dos jovens e dos adultos, vão criando uma perspectiva
na sociedade que mistura “ideologias de negócio e valores de livre mercado” (p.15). As
grandes corporações têm liberdade para produzir qualquer tipo de cultura infantil que gere
lucro, segundo Steinberg e Kincheloe (2004). As propagandas a que assistimos na televisão,
que não se limitam mais aos espaços destinados aos “comerciais”, e hoje ganham as novelas e
os filmes explicitamente, estão impregnadas de ideologias e tentam não somente vender
4
Dado retirado do site <http://disneyland.disney.go.com/disneyland/es_US/home/home?name=HomePage >
Acessado em 16 set. 2007.
produtos, mas vender também uma imagem corporativa que se mostre preocupada com as
problemáticas sociais e que visaria ao bem-estar da família, vinculando essa imagem às
melhores causas possíveis, sempre em prol da sociedade. Linn (2006) narra uma passagem em
seu livro Crianças do Consumo: a infância roubada que traduz nitidamente esse sentimento
em relação às grandes corporações.
Sob um pretexto de um Fórum de Programação Amiga da Família, grandes
anunciantes, incluindo McDonald’s, Coca-Cola, Kellogg’s e General Mills,
doam dinheiro para o desenvolvimento de programas “amigos da família”. O
Fórum aparenta concentrar seus esforços para influenciar a criação de
programas do horário nobre livres de conteúdo violento ou sexual. Uma de
suas criações, Gilmore Girls, recebeu alguma aclamação crítica e foi
considerado um programa que poderia ser popular sem conter violência ou
sexo. A Kellogg’s, um membro do Fórum, era um dos principais
patrocinadores do seriado. Adivinhe o que as garotas Gilmore comem no
café-da-manhã? Pop Tarts da Kellogg’s. Diante da epidemia de obesidade
infantil, quanto as práticas publicitárias de empresas como a Kellogg’s,
General Mills, Coca-Cola e McDonald’s são amigos das família? Será que
alguma corporação no marketing direcionado às crianças é realmente amiga
da família? (p. 192)
As grandes corporações habilitam-se de forma quase que imperceptível e inocente a
vender opinião pública, a moldar identidades e subjetividades e a credenciar e legitimar suas
ideologias e práticas, formando sujeitos de certo tipo e inclinando-os ao consumo de
diferentes artefatos. Klein (2002), ao falar sobre o marketing da identidade, as políticas de
identidade como um alimento para a indústria corporativa em que, segundo Ann Powers
(apud KLEIN, 2002, p. 138), “um movimento genuíno evoluiu para uma enorme farra de
compras, onde as garotas o encorajadas a pegar nas prateleiras qualquer identidade que seja
mais adequada para elas”. Mendelsohn (apud KLEIN, 2002, p. 138) ainda continua dizendo
que algumas identidades, citando como exemplo a gay, foram reduzidas a um conjunto de
opções de produtos.”
Um exemplo de uma identidade vendida nas prateleiras recentemente, e que rendeu
um lucro inestimável aos seus idealizadores, foi a Rebelde
5
, que dominou as escolas, as ruas,
as lojas de brinquedos, as livrarias, etc. O que começou por uma novela virou uma banda que
explodiu mundo afora com turnês que lotaram estádios de futebol ou qualquer espaço onde se
apresentassem. Esse fenômeno midiático não demorou a chegar às ruas, às escolas e a fazer
história na vida das crianças e jovens. Por onde quer que se andasse, era possível avistar
5
Rebelde é uma telenovela produzida pela rede mexicana Televisa, exibida no Brasil pelo SBT (Sistema
Brasileiro de Televisão), de agosto de 2005 até dezembro de 2006. Dados retirados do site
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Rebelde>. Acessado em 15 out. 2007.
alguma criança ou adolescente vestindo o “uniforme” Rebelde, composto por camisa branca,
gravata vermelha e saia plissada para meninas e calça jeans para os meninos. No final do ano
de 2006, passeando por um shopping de Porto Alegre, cruzei com uma família e a garotinha
de três anos de idade estava vestida com um simulacro do uniforme Rebelde. Não hesitei,
parei-os, expliquei o direcionamento dos meus estudos e pedi autorização para tirar uma foto
da garota, que simpaticamente fez até pose. Segue a foto e o detalhe da gravata e da camisa
com personagens da novela estampados.
Figura 1: Menina vestindo uniforme Rebelde
6
Figura 2: Detalhes do uniforme Rebelde
7
Segurar a “onda” nas salas de aula foi algo quase impossível. No meu caso, as
meninas e os meninos de três a cinco anos chegavam enlouquecidos querendo contar o que
haviam visto no episódio da noite anterior de Rebelde, algo que levou as professoras a
assistirem à novela para poderem conversar sobre ela com as crianças
8
.
Bem, mas como cheguei ao Complexo W.I.T.C.H.? Foi a mesma colega do Mestrado
que citei anteriormente quem relatou que sua filha, com nove anos de idade na época, e suas
colegas de escola da mesma faixa etária –, eram fãs incondicionais de um grupo formado
por cinco garotas chamado W.I.T.C.H.. Esse grupo havia sido apresentado às meninas através
6
Nas fotos apresentadas nas figuras 1 e 2 há uma tarja encobrindo o rosto da menina. Isso se justifica por ter sido
a foto feita informalmente em um shopping. Nas próximas imagens de crianças que ilustram a dissertação não
esta tarja devido a mesma ter sido autorizada pelos pais, por escrito (conforme termo de consentimento
informado – anexo 1).
7
As fotos das Figuras 2 e 3 foram tiradas pela autora deste trabalho.
8
O fenômeno midiático e mercantil Rebelde foi analisado na dissertação de Douglas Moacir Flor, intitulada A
convocação para o consumo nas pedagogias culturais – circuitos e teias do Complexo Rebelde.
de uma revista da Editora Abril, trazida pela avó de uma delas quando de uma viagem ao Rio
de Janeiro. Foi a partir deste momento que as meninas se uniram e resolveram montar um
grupo que imitasse as W.I.T.C.H..
Fui buscar maiores informações dialogando com a filha da colega. Marcamos um
encontro para conversarmos mais sobre o tema, e ela me contou inúmeros fatos, coisas que ela
havia feito partindo das idéias propostas pela Revista, roupas que imitou a partir das
dicas de moda. Também mencionou que gostava de ir dormir na casa de uma amiga do grupo
só para ficarem fazendo até altas horas da noite os testes que acompanham as revistas
mensalmente, e que já enfeitou seus cadernos conforme sugeriu a Revista do mês de março de
2006 que era dedicada à volta às aulas. Além dessa disponibilidade para uma conversa, ela
me emprestou uma série de artefatos que incluía algumas edições das revistas das bruxinhas
W.I.T.C.H., cadernos com as bruxinhas estampadas nas capas e folhas, uma caixa de madeira
feita por ela mesma com uma gravura das W.I.T.C.H. na tampa e, dentro desta caixa, uma
série de brindes que ela havia conquistado com a aquisição da assinatura da Revista. Foi a
partir disso que levei a proposta de estudo para o grupo de pesquisa, que considerou o
material e o tema muito promissores e com inúmeros aspectos que poderiam ser explorados,
analisados, estudados.
No início, cheguei a pensar que acabaria investigando questões relacionadas à bruxaria
e, sendo assim, fui atrás de materiais, livros, filmes, tudo o que pudesse me ajudar a entender
um pouco melhor o tema que estudaria. Assisti a filmes como Da Magia à Sedução, A
Feiticeira, Feitiço da Lua, As Bruxas de Salém, As Brumas de Avalon, As Bruxas de
Eastwick, entre outros que me indicavam. E os assistia para ver se podiam contribuir de
alguma forma para a minha pesquisa. Debrucei-me sobre livros de magia, feitiçaria e bruxaria
para tentar aproximar-me um pouco do misticismo e da obscuridade que as envolve. Li parte
do Martelo das Feiticeiras
9
e outros livros que tratam de diferentes tipos de bruxaria, desde
magia negra à prática Wiccana
10
. Porém, no decorrer da pesquisa, com as discussões em sala
9
O livro serviu como um manual oficial da Inquisição para a caça às bruxas. Foi elaborado pelos inquisidores
Kramer & Sprenger, em 1484, para julgar as bruxas na Alemanha. Cf. Ref. Bibliográfica.
10
Em consulta à Wikipedia, encontrei os seguintes dados sobre prática wicanna Wicca é uma religião Neopagã
fundamentada nos cultos da fertilidade que se originaram na Europa Antiga. O Bruxo inglês Gerald B. Gardner
impulsionou o renascimento do culto na Wicca, junto com outros bruxos, em meados dos anos 40 e 50. Embora
essa fundação tenha ocorrido provavelmente na década de 1940, foi revelada publicamente em 1954, quando
da época da sanção da última das leis contra a Bruxaria na Inglaterra. Vale lembrar que a Wicca não é uma
religião criada por Gardner, mas sim ressurgida da sobrevivência da Bruxaria adaptada ao mundo de hoje, o que
chamamos de Bruxaria Moderna. Desde seu renascimento, várias tradições da Wicca surgiram, algumas se
afastando consideravelmente dos conceitos da década de 50. A tradição que segue os ensinamentos e práticas
específicas, conforme estabelecidos por Gardner, é denominada Tradição Gardneriana. Além dela, muitas outras
tradições da Wicca se desenvolveram e também existem muitos praticantes que não pertencem a nenhuma
de aula e com as contribuições do grupo de pesquisa, comecei a perceber que eu mesma tinha
sido atraída pelo fascínio misterioso da bruxaria, mas havia algo além da bruxaria implicado
nos materiais que estava a observar, recolher e problematizar. A bruxaria deixava de ser o
foco principal, mas sem ser excluída da pesquisa. O que passei a enxergar no material estava
relacionado à forma como as corporações – envolvidas no processo de criação do Complexo
utilizavam a bruxaria como algum tipo de “chamariz” para atrair as jovens garotas para o
consumo. Quando comecei a olhar os materiais, a partir desta perspectiva, foi que me dei
conta de que a bruxaria, seus mistérios, suas mágicas e ilusões eram o que encantava as
jovens garotas, quer dizer, a invocação da magia em todas as suas formas era apenas uma
estratégia de marketing, mas, ao mesmo tempo, algo que causava uma imensa e poderosa
produtividade do Complexo. Foi a partir deste momento que comecei a entender a estratégia
que acionava o Complexo W.I.T.C.H. e tudo a ele relacionado e que, conseqüentemente,
comecei a considerar instigante e desafiador procurar mostrar como ele operava.
Portanto, o objeto desta pesquisa é o que denominei de Complexo W.I.T.C.H. e sua
produtividade. Com a pesquisa, quero mostrar a forma como o Complexo opera para levar as
jovens meninas ao consumo, através de suas estratégias e tecnologias da subjetividade, postas
em prática para movimentar os milhões de dólares do Complexo.
a) Folheando a Revista
A origem do Complexo é uma Revista chamada As bruxinhas W.I.T.C.H., criada em
2001, por Valentina Di Poli, da Disney Italiana
11
. Em março de 2002, foi lançada a edição
brasileira, mais uma das inúmeras publicações de sucesso da Editora Abril
12
.
tradição estabelecida, mas criam a sua própria forma de culto (ecléticos) aos Antigos Deuses, denominando-se
Bruxos Solitários. Estes podem, contudo, participar dos Sabbats e Esbbats com outros bruxos. É importante
frisar que a Wicca o é uma religião mantida ininterruptamente desde a Antigüidade, mas ela tem bases em
crenças e rituais antigos.” Dados retirados do site <http://pt.wikipedia.org/wiki/Wicca>. Acessado em 11 dez.
2007.
11
A Disney é uma grande corporação com sede em 27 países, entre eles o Brasil, os Estados Unidos, a Alemanha
e a Itália. As bruxinhas W.I.T.C.H. foram criadas na produtora italiana e atingiram todos os países onde a Disney
mantém escritório. Algumas informações retiradas do site < http://www.disneyinternational.com>. Acessado em
02 abr. 2008.
12
Fundada em 1950, no Brasil, por Victor Civita, a Editora Abril atualmente publica mais de 340 títulos.
Sediada em São Paulo, é hoje presidida por Roberto Civita, filho do fundador. É uma das empresas de maior
influência nos grupos de comunicação da América Latina e atende a praticamente todos os segmentos de público
e integra diversas mídias. É detentora dos direitos para publicação e utilização de personagens da Walt Disney e
um dos seus pontos fortes, quando da fundação, foi o gibi O Pato Donald. Hoje publica muitos periódicos de
sucesso, entre eles as revistas Veja, Superinteressante e Nova Escola. Informações retiradas do site
<www.abril.com.br>. Acessado em 26 out. 2006.
Na Revista As bruxinhas W.I.T.C.H., as jovens
meninas podem encontrar diferentes lições e ensinamentos
sobre diversos temas. Elas vão desde sugestões de beleza a
lições de como escolher o melhor animal de estimação. A
seguir, mostro algumas seções e os assuntos que cada uma
delas aborda, já que elas se mantêm iguais em praticamente
todas as edições, podendo mudar o nome da seção por um
outro semelhante, mas com pouca alteração do seu conteúdo.
Algumas seções ora aparecem em uma edição e ora em
outra, não mantendo um rigor. Para melhor visualização,
organizei os dados referentes às seções no quadro
Distribuição de seções por edição, apêndices 1, 2, 3 e 4.
Utilizo a seguir as edições de número 48 e de número 62, a primeira do ano de 2006 e
a segunda do ano de 2007, para mostrar como não uma preocupação por parte da editoria
da Revista em manter uma freqüência rigorosa das sões. Penso que isso, de certa forma,
torna a leitura mais agradável e permite que os temas variem a cada mês, sendo cada edição
sempre diferente da outra. Desta maneira, as meninas têm acesso a diferentes assuntos e
podem folhear a Revista sem uma ordem que as obrigue a ler determinada matéria em
detrimento de outra. Elas nem mesmo necessitam seguir uma ordem cronológica, determinada
pelas páginas e, talvez por isso, a leitura das revistas aparente ser mais divertida do que a
leitura das histórias em quadrinhos, como narrou uma das minhas interlocutoras. Esta
estratégia aproxima-se do que Gerzson (2004) menciona ao comentar os sentimentos de quem
folheia uma revista:
encantamento, descontração, hábito sejam algumas traduções possíveis para
o sentimento que acomete quem começa a folhear uma revista e encontra
nela imagens coloridas, textos redigidos com talento, palavras distribuídas
com sutileza, matérias sobre muitos assuntos, capazes de seduzir e abstrair o
pensamento do leitor. O virar das páginas, das folhas, sem precisar seguir a
ordem estabelecida pela numeração das páginas e sem perder a compreensão
do texto, oferece um passeio aos olhos e ao raciocínio. O relaxamento
proporcionado pelo hiato da leitura de revista pode alterar a percepção,
proporcionar outras informações e movimentar as concepções do leitor no
momento da interação com o texto. (p. 54)
Para que possamos perceber como não uma rigorosidade entre as seções das
revistas, e que as matérias não são pré-requisitos umas das outras, apresento a seguir as seções
Figura 3: Capa da Revista n° 1
Edição Brasileira
que acompanham as revistas, cujas edições são as de n. 48, de fev. de 2006, e de n. 62, de abr.
de 2007, mostrando as chamadas das matérias referidas em cada um dos exemplares.
Edição n. 48, de fev. de 2006
Seção Cartas Uma das cinco cartas enviadas para esta edição diz o seguinte: Meninas!
13
Eu
adoro vocês e sou superfã da Cornélia. Quero perguntar uma coisa: sou BV [sigla que significa Boca
Virgem] e BVL [sigla que significa boca virgem de língua] e pretendo deixar de ser aos 13 ou
14 anos. Estou fazendo a coisa certa? Maria Carolina D. Fantoni, 11 anos, Itapetininga – SP.
A bruxinha Taranee responde: Hello, Maria Carol! Muito bacana você gostar da gente!
Sobre o primeiro beijo: eu acho que não uma idade exata para acontecer. Não é algo que dê para
planejar com hora marcada. Depende de você conhecer o menino certo, ficar a fim dele e ele a fim de
você. Portanto, não encane tanto com isso, ok? Boa Sorte! Taranee. (p. 04)
Seção Teste Você é superconectada? Será que você consegue viver sem MSN, e-mail, Orkut e
celular? Faça o teste e descubra como isso tudo afeta a sua vida! (p. 06)
Seção Sala de Aula Ano novo, escola nova – Você vai encarar uma nova escola e está morrendo de
medo? Siga as nossas dicas e não sofra por causa disso! (p. 08)
Seção Tchau, mesada É um barato! Garimpamos os materiais escolares mais descolados e que
custam menos de R$ 20! (p. 10)
Seção Espelho Meu Make para todas as horas – Dez itens que não podem faltar no kit de
maquiagem de uma garota prevenida. (p. 12)
Seção Boys Missão: falar com um menino Se você está de olho naquele garoto supergatinho, mas
não sabe como puxar papo com ele, leia passo a passo as dicas das witches! (p. 16)
Seção Matéria Básica Matrículas abertas Conheça alguns cursos bacanas e cheios de
personalidade que você pode fazer em 2006! (p. 18)
Seção Feito em Casa Caderno chacoalhante Na volta às aulas, decore a capa do seu caderno de
um jeito diferente e, melhor, exclusivo! (p. 21)
Seção Vestiário Uniforme fashion! A gente ensina você a não deixar o seu estilo de lado... na hora
de usar o uniforme! (p. 22)
Seção Garota Esperta Superestrela! Com vocês, Bianca Jhordão, vocalista da banda Leela. (p. 26)
Seção PetsPet-socorro – Como socorrer seu gato ou cachorro caso ele se machuque. (p. 28)
13
Para diferir os textos de minha autoria dos que retirei da revista, quando estes aparecerem no decorrer da
pesquisa, usarei uma fonte diferente da utilizada comumente e os colocarei em itálico.
Seção Esô Escrita reveladora A forma como você escreve pode dizer muita coisa sobre a sua
personalidade... (p. 30)
Seção Horóscopo Com as datas das trocas de fases da Lua do mês, as previsões de cada
signo do zodíaco para fevereiro e ainda O perfil da original aquariana, em foco a atriz Mischa
Barton, que interpreta a personagem Marissa no seriado de TV O.C.. (p. 32-34)
Seção HQ A renúncia Parte 2 (nesta seção, parte da trama das cinco bruxinhas é
apresentada em forma de histórias em quadrinhos). (p. 35-64)
Edição n. 62, de abr. 2007
Seção Bate-papo Um dos cinco bate-papos desta seção refere o seguinte: Hy, girls! Preciso
de uma ajuda da Corny [apelido da bruxinha Cornélia] Reparei que, ultimamente, cada vez que
tomo banho, meu cabelo cai bastante. Acho superchato e já nem sei mais o que fazer. Você pode me dar
umas dicas? Mariana Lima, por e-mail.
Cornélia responde: Oi, Má! Primeiro, observe se eles estão mesmo caindo ou quebrando.
Lembre que é normal perder em média uns 100 fios por dia. Pintar ou fazer escova progressiva (aquela
feita para alisar o cabelo) podem deixar os fios enfraquecidos e quebradiços. Se não for o caso, confira
então como vai sua alimentação (temos boas dicas na página 17). Se você levar em conta isso tudo e
mesmo assim a queda exagerada persistir, então é melhor procurar um dermatologista. Beijos de sorte!
Cornélia. (p. 04)
Seção Esô No ritmo da Lua Cada fase lunar pode influenciar sua vida de várias maneiras.
Inspire-se nestas dicas e olhe para o céu de um jeito diferente! (p. 05)
Seção Teste Que tipo de esportista você é? Responda às nossas perguntas e descubra qual é o seu
pique na hora dos exercícios físicos. (p. 06)
Seção Matéria Básica Missão: dividir o quarto... numa boa! O que fazer para evitar brigas e
manter uma convivência bacana entre irmãos. (p. 08)
Seção Novo e FofoParece um cachorrinho, mas... (p. 10)
Seção Olha O fim de Harry Potter Witch comenta os sete principais segredos do timo e
último livro da saga! (p. 12)
Seção Vestiário Com que roupa eu vou? Na hora de se arrumar, fique ligada. Escolher calcinha e
sutiã adequados é importante! Witch mostra os looks superlegais e ensina a usar o underwear a seu
favor. (p. 14)
Seção S.O.S. SaúdePara não errar mais! Às vezes, acabamos comendo mal sem perceber. Aprenda
a evitar as principais armadilhas do dia-a-dia que não são legais para a saúde. (p. 17)
Seção Espelho Meu Pinte legal! Não adianta escolher um esmalte bacana se as unhas estiverem
malcuidadas. Saiba como fazer para ter mãos cheias de estilo. (p. 18)
Seção Boys Acerte com ele! Testamos as técnicas mais usadas para chamar a atenção de um
menino. Veja os resultados! (p. 20)
Seção HQO último Segredo (trata-se de parte da trama apresentada em forma de histórias em
quadrinhos referente às cinco bruxinhas). (p. 21-79)
Seção Horóscopo Previsões da Lua para o mês A Lua faz magia! 02/04 Cheia em Libras:
Você tem dado atenção às amigas? 10/04 Minguante em Capricórnio: Anote datas importantes na
sua agenda. 17/04 – Nova em Áries: Período de novidades, alto-astral e mudanças. 24/04 Crescente
em Leão: Corra atrás dos seus sonhos. Ainda na mesma seção as previsões do mês para cada
signo do zodíaco. (p. 80-81)
Após mostrar como não preocupação em encadear uma Revista à outra a partir de
suas seções, ou seja, seguir a mesma ordem de seções em cada edição, passo a folhear
algumas revistas para apresentá-las. Comento algumas seções que mais me chamaram a
atenção.
Minha intenção é apresentar algumas seções da Revista, para que o leitor possa ter
uma breve noção do que trato, uma vez que provavelmente muitos não a conheçam. O tempo
todo lido com um artefato midiático que utiliza muitos recursos visuais em seus textos para
conversar, ensinar e articular-se com suas leitoras. Por esta razão, minha pesquisa apresenta
muitas gravuras, fotos e recortes das revistas e dos demais artefatos correspondentes ao
Complexo. Inicio mostrando, a seguir, as capas das revistas que analiso. Elas oferecem uma
visão panorâmica do estilo editorial e contribuem para que o leitor seja introduzido ao
“universo” da publicação.
Figura 4: Capas das revistas W.I.T.C.H. dos meses de janeiro a abril de 2006
14
14
As imagens das figuras 5 a 10 foram capturadas dos seguintes sites:
<http://jovem.abril.uol.com.br/witch/galeria/2006.shtml> e
<http://jovem.abril.uol.com.br/witch/galeria/2007>.shtml. Acessados em 02 abr. 2008.
Figura 5: Capas das revistas W.I.T.C.H. dos meses de maio a agosto de 2006
Figura 6: Capas das revistas W.I.T.C.H. dos meses de setembro a dezembro de 2006
Figura 7: Capas das revistas W.I.T.C.H. dos meses de janeiro a abril de 2007
Figura 8: Capas das revistas W.I.T.C.H. dos meses de maio a agosto de 2007
Figura 9: Capas das revistas W.I.T.C.H. dos meses de setembro a dezembro de 2007
A Revista W.I.T.C.H. inicia com uma pequena seção em formato de “carta das
leitoras” que, neste caso, é chamada de Bate-Papo. Até a edição n. 48, de fev. de 2006, a
seção chamava-se Cartas e possuía ícones que remetiam à idéia de correspondência
(envelopes de carta e selos). Atualmente, os ícones remetem à idéia de internet, possuem
quadros em formatos de janelas com ícones que aludem ao maximizar, minimizar, fechar e
enviar, típicos do computador. As meninas ainda se correspondem através de cartas, mas a
maioria utiliza o e-mail para enviar suas dúvidas, sugestões e elogios às bruxinhas. Nesta
seção, as meninas dirigem suas questões para uma W.I.T.C.H. específica e são as próprias
bruxinhas que respondem às meninas. Nas próximas ginas, serão apresentados exemplos
das seções Cartas e Bate-Papo das revistas.
Figura 10: Seção Cartas (W.I.T.C.H., n. 47, jan. 2006, p. 4)
Figura 11: Seção Bate-Papo (W.I.T.C.H., n. 68, out. 2007, p. 5)
Na seção Esô, lições esotéricas são passadas às garotas. Também é incentivado o uso
de incensos, velas, amuletos e oráculos, e práticas como o Feng Shui
15
são ensinadas, tudo
para que as garotas fiquem por dentro do universo místico e esotérico, e possam, segundo a
Revista, conviver melhor consigo mesmas e com aqueles que as cercam. Percebe-se isso
quando o Complexo interfere na busca por uma autoconfiança, melhoria da auto-estima, nas
diversas e diferentes propostas de mostrar poções, amuletos, etc. para melhorar o astral, a
sorte, o relacionamento com a irmã mais nova, por exemplo. Matérias que lidam com esses
temas na seção Esô, a título de ilustração, são: Grafologia: sua escrita revela quem você é!
16
;
Arrume seu quarto pelo Feng Shui e atraia só energias positivas
17
; Nome revelador: entre no mundo da
Numerologia e veja que segredos seu nome pode revelar sobre sua personalidade
18
; boas energias!
Esqueça os rituais complicados. Basta seguir setes passos básicos para atrair energias do bem para sua
vida
19
; No ritmo da Lua Cada fase lunar pode influenciar sua vida de várias maneiras. Inspire-se
nestas dicas e olhe para o céu de um jeito diferente!
20
; Saiba como Vênus influencia sua vida
sentimental
21
. Nessas matérias, o consumo aparece implicado quando é sugerido às meninas
que use óleos com essências de vez em quando para relaxar e harmonizar o ambiente. Que tal
algumas gotas de lavanda em um potinho com água?”
22
ou então “Ouça música com atenção: preste
atenção na melodia, na letra e aproveite melhor a música, etc.)
23
. Para concretizar qualquer uma
dessas práticas, elas precisam adquirir os “ingredientes”, nos casos referidos os óleos e um cd.
Em visita a uma loja de produtos esotéricos, em um shopping da capital, pude perceber
a existência desses óleos e também de cds com músicas apropriadas para um relaxamento, o
que indica que as garotas, ao procurarem por um determinado produto, podem acabar levando
outros por, talvez, terem aprendido com os ensinamentos da Revista. Apresento a seguir uma
das matérias citadas.
15
Segundo a Revista W.I.T.C.H. n. 51, de maio de 2006, p. 29, Feng Shui é uma arte milenar chinesa que estuda
as energias de um ambiente e como usá-las a nosso favor.
16
W.I.T.C.H., n. 48, fev. 2006, p. 30
17
W.I.T.C.H., n. 51, maio 2006, p. 29
18
W.I.T.C.H., n. 52, jun. 2006, p. 30
19
W.I.T.C.H., n. 54, ago. 2006, p. 30
20
W.I.T.C.H., n. 62, abr. 2007, p. 05
21
W.I.T.C.H., n. 64, jun. 2007, p. 14
22
W.I.T.C.H., n. 51, maio 2006, p. 30
23
W.I.T.C.H., n. 54, ago. 2006, p. 31
Figura 12: Seção Esô (W.I.T.C.H., n. 51, maio 2006, p. 29)
A seção Teste difere bastante quanto aos temas apresentados em cada edição da
Revista, mas geralmente aborda questões relacionadas aos garotos ou é utilizada para que as
garotas confiram se estão informadas sobre determinados assuntos, tal como: Você sabe tudo
sobre Rebelde?
24
, Que tipo de amiga é você?
25
, Você sabe cuidar de um cão?
26
, Com que Witch você se
parece?
27
, Descubra que tipo de aluna você é!
28
, Descubra como anda sua auto-estima
29
, etc. As
repostas aos testes, quase em sua maioria, iniciam com a frase: “Você é...” e então vão
descrevendo como a garota que responde é ou deveria ser. Trata-se de uma espécie de exame
– expresso na frase Conheça-se melhor fazendo este teste revelador!
30
– que ajuda a moldar
atitudes e modos de ser, conforme mostra o teste a seguir. (Fig. 13)
31
24
W.I.T.C.H., n. 55, set. 2006, p. 30
25
W.I.T.C.H., n. 56, out. 2006, p. 08
26
W.I.T.C.H., n. 51, maio 2006, p. 08
27
W.I.T.C.H., n. 55, set. 2006, p. 06
28
W.I.T.C.H., n. 57, nov. 2006, p. 06
29
W.I.T.C.H., n. 60, fev. 2007, p. 06
30
W.I.T.C.H., n. 64, jun. 2007, p. 06
31
Algumas figuras serão inseridas na página seguinte ao texto, para que o leitor possa visualizá-la com qualidade
própria para a leitura, que a intenção das mesmas é mostrar o texto, a disposição e os efeitos gráficos, pois
tudo isso acaba também – de certa forma – interpelando as jovens garotas.
Figura 13: Seção
Teste
-
Como você encara o amor?
(
W.I.T.C.H.
, n. 64, jun. 2007, p. 06)
A seção Matéria Básica oferece um suporte afetivo-emocional para as meninas,
trazendo exemplos e conselhos de relacionamentos entre amigas, meninos, família, escola,
etc. Também trata de assuntos relacionados ao cotidiano das garotas. As chamadas das
matérias são assim:
Deixe seu fotolog muito mais bacana com as dicas de uma especialista
32
,
Descubra como dividir o quarto com seu irmão ou irmã numa boa
33
, Meus pais se separaram, e
agora?
34
, Não caia nessa! Zoar alguém pela internet pode ter conseqüências graves
35
,
etc. A figura
14, a seguir, mostra isso.
32
W.I.T.C.H., n. 66, ago. 2007, p. 14
33
W.I.T.C.H., n. 62, abr. 2007, p. 18
34
W.I.T.C.H., n. 52, jun. 2006, p. 16
35
W.I.T.C.H., n. 47, jan. 2006, p. 16
Figura 14: Seção
Matéria Básica
(
W.I.T.C.H.
, n. 52, jun. 2006, p. 16)
A seção Novo e Fofo é um shopping visual, no qual se encontram sugestões sobre o
que comprar, onde comprar e os preços de cada item (os valores variam em média de R$ 5,00
a R$ 200,00). Esta mesma seção é denominada, em algumas edições, Tchau, mesada!,
indicando, de modo muito mais direto, o propósito de ela estar ali. Em ambas as seções, é
nítida a convocação ao consumo, ainda mais quando é colocado um coração com a inscrição
Witch amou! (como mostra a figura 15), direcionando ainda mais o foco dos olhares e
interesses das garotas, pois se as Witches amaram, é muito provável que as leitoras também
vão amar e desejar adquirir aquele artefato.
Nestas seções também são sugeridas modas e identidades-modelo, como estilo
roqueira, estilo romântica, estilo esotérica, etc. Ensina-se como e com o que as meninas
devem se vestir, o que levar para a escola, o que é mais descolado” para usar e arrumar os
cabelos. também sugestões de objetos para decoração de seus quartos, etc. Além de trazer
tudo isso às garotas, o Complexo, em meio às suas matérias, apresenta para elas as marcas de
grandes corporações, tais como: Natura e All Star (que podem ser conferidas na figura 15, a
seguir), Nívea, Adams, Faber-Castell, Grendene, Mondaine, Contém 1g, Foroni, etc. Todas
essas marcas aparecem nas seções que abordei acima. Em outras seções, muito mais
corporações surgem, inclusive como anunciantes na Revista.
Em algumas edições da Revista, ambas as seções estão presentes no mesmo exemplar,
como no caso a seguir (Figs. 15 e 16).
Figura 15: Seção Novo e Fofo (W.I.T.C.H., n. 54, ago. 2006, p. 11)
Figura 16: Seção Tchau, mesada (W.I.T.C.H., n. 54, ago. 2006, p. 25)
A seção Olha e a seção Garota Esperta costumam ser mais “culturais”, oferecendo
sugestões de livros, filmes, bandas, músicas, entrevistas com atores e matérias diversas sobre
produtos midiáticos que estão em voga. Já vieram encartadas na Revista matérias sobre Harry
Potter, As crônicas de Nárnia, X-Men, MTV Brasil, Hilary Duff, entre outros.
Nesta seção, vejo o consumo implicado na promoção dos artefatos que são trazidos até
as garotas como “coisas culturais para se fazer”, como ir ao cinema, ao teatro, etc. Falam das
estréias dos filmes, dos lançamentos “da hora” de DVD’s, de CD’s, livros, etc., além de
mostrarem os galãs e as atrizes mais famosos do show business. Promovem cantores, bandas
musicais e, como mencionei, atores famosos, através de entrevistas ou reportagens. São
matérias que narram como é a vida de um pop star, que tratam de fazer com que personagens
que foram famosos um dia reapareçam contando o que andam fazendo de suas vidas e os
motivos de terem desaparecido da cena artística. Também trazem as agendas de
apresentações, em caso de bandas e cantores. Isso pode ser constatado nas figuras 17 e 18, a
seguir.
Figura 17: Seção Garota Esperta (W.I.T.C.H., n. 63, maio 2007, p. 17)
Figura 18: Seção Olha Aí (W.I.T.C.H., n. 63, maio 2007, p. 14 e 15)
A seção Vestiário, apresentada na figura 19, a seguir, traz conselhos sobre moda e
também indica onde comprar e os valores das peças (que variam entre R$ 15,00 e R$ 300,00
e, geralmente, são de marcas famosas).
Nesta seção, mesmo que a marca do que é indicado o apareça na matéria, é possível
encontrá-las no final do exemplar, que trata de colocar um pequeno quadro chamado Onde
achar, em que eles indicam onde as garotas podem adquirir os artefatos exibidos em cada
matéria. Porém, geralmente, as meninas podem contemplar as sugestões de vestuário seguidas
de suas marcas e preços (Fig. 19), ficando mais fácil escolher e desejar o que querem e o que
podem comprar.
Como citei, as marcas das grandes corporações vêm implícitas e explícitas nesta seção.
A seguir, listo algumas delas: Index, Olympikus, Adidas, Rainha, Dijean, Reebok, Melissa,
C&A, Carrefour, Pakalolo, Americanas, Marisa, Riachuelo, Azaléia, Lee, Lado Avesso,
Renner, Colcci, Diadora, Dzarm, Dopping, Cristófoli, etc.
Figura 19: Seção Vestiário (W.I.T.C.H., n. 64, jun. 2007, p. 17)
A seção S.O.S. Saúde trata de alimentação, hidratação do corpo, cabelos, celulite,
depilação, unhas, etc., trazendo uma série de informações e esclarecimentos para as leitoras.
O consumo e a promoção das marcas também estão relacionados às questões de saúde
e beleza. Figuras coloridas dos produtos exibidos na matéria são expostas para que as meninas
encantem-se com eles e sejam chamadas a consumi-los. Desde o creme dental da Hello Kitty
ao anti-séptico bucal da Colgate, indicados para melhorar o hálito, até desodorantes Rexona e
Nívea, indicados para as meninas cuidarem do suor, são apresentados a elas, o que pode
acabar levando-as a simpatizarem mais com determinadas marcas em detrimento de outras,
até por serem sugeridas pelo Complexo e mostradas de forma muito criativa e de acordo com
suas idades.
A figura 20, a seguir, traz ensinamentos de como as garotas devem agir quando têm
cólicas ou de como fazer para evitá-las. Nos exemplares de edições anteriores e posteriores,
também são apresentadas a marcas famosas de absorventes como Carefree e Intimus Day.
Figura 20: Seção S.O.S Saúde (W.I.T.C.H., n. 67, jun. 2007, p. 12)
A seção Espelho Meu orientações sobre maquiagem, sobre que roupa usar em
determinadas ocasiões, entre outras. As matérias giram em torno dos seguintes assuntos: Como
cuidar da pele no frio
36
, Cabelo preso está em alta: faça penteados simples e modernos
37
, Tire sua
dúvida sobre blush
38
, Como manter as unhas bonitas e bem-cuidadas
39
, Multiplique seu kit de
maquiagem: 5 produtos viram 10!
40
, etc. Ver um pouco disso na figura 21, que segue.
É uma seção dedicada a mostrar às garotas lições de beleza, e vende (mesmo que
implicitamente) produtos relacionados ao setor de cosméticos, como mousses para o cabelo e
gloss da L’oreal, demaquilantes da Neutrogena, base facial, sabonetes e esfoliantes da Natura,
máscara para cílios e sombras da Avon, esfoliantes corporais da Nívea e do O’Boticário,
sabonetes faciais da Claude Bergère, da Johnson’s, óleos de banho da Racco, hidratantes da
Lux e do O’Boticário, além de uma série de produtos destinados ao tratamento das acnes, das
unhas, dos cabelos, etc.
36
W.I.T.C.H., n. 66, ago. 2007, p. 10
37
W.I.T.C.H., n. 64, jun. 2007, p. 10
38
W.I.T.C.H., n. 63, maio 2007, p. 10
39
W.I.T.C.H., n. 62, abr. 2007, p. 18
40
W.I.T.C.H., n. 61, mar. 2007, p. 12
Figura 21: Seção Espelho Meu (W.I.T.C.H., n. 63, jun. 2007, p. 10 e 11)
Depois de tantas indicações, sugestões, orientações, informações, prescrições e,
principalmente, por se tratar de uma Revista que mobiliza muito a afetividade, o emocional, o
místico, etc., seria quase uma incongruência se o horóscopo o aparecesse. É na seção
Horóscopo que surgem as previsões para o futuro. Na Revista de janeiro de 2006 (edição n.
47), a previsão aparece mais detalhada do que as das próximas edições desse mesmo ano,
talvez por se tratar das Previsões para 2006. Nesta seção, as garotas contam com um quadro que
traz o perfil do signo em destaque no mês. Neste caso, como a edição é de janeiro, pode-se
conhecer um pouco mais sobre O perfil da objetiva capricorniana. O perfil narra como é a pessoa
nascida naquele signo em relação aos seguintes itens: Você é, Seu quarto, No seu blog, Profissão
do futuro, Sua melhor amiga, Fuja das pessoas que, O garoto dos seus sonhos, Numa boa com seus
pais, Matéria-bomba, Na sala de aula e No dia do seu aniversário. A seção mostra ainda a data de
aniversário de uma personalidade famosa, sua idade e alguma novidade sobre essa pessoa. Se
for um ator, um filme que estrea, por exemplo. Confira tudo isso na figura 22, a seguir.
Figura 22: Seção Horóscopo (W.I.T.C.H., n. 47, jan. 2006, p. 31)
Nesta seção, ainda da mesma edição (n. 47 de jan. 2006), as meninas podem conferir o
regente do ano e os dias em que haverá mudanças de fases da Lua. Em cada signo do zodíaco,
podem-se encontrar dados, prescrições e orientações sobre como proceder e várias áreas da
vida de cada pessoa: com os meninos, com seu look, com a galera, na escola, em casa e na
internet. Ela oferece ainda às leitoras uma Magia da sorte, que pode ser na forma de uma
simpatia, de indicação para usar uma cor de roupa ou acessório para um dia em que se precise
de mais sorte (como um dia de prova, por exemplo), ou ainda sugestões mágicas como
carregar uma nota de dinheiro para garantir um ano mais rico, acender um incenso para atrair
boas energias ou ter um bom sonho, ou ainda escolher um amuleto para carregar consigo. Por
fim, traz Dicas dos astros. Cada quadro com a previsão zodiacal tem cor diferente,
representando os elementos da natureza. Os de cor vermelha representam os signos do fogo;
os de cor azul, os signos do ar; os de cor verde, os signos da terra e os de cor verde-água
representam os signos da água. Confira nas figuras 23 e 24, a seguir.
Figura 23: Seção Horóscopo (W.I.T.C.H. , n. 47, fev. 2006, p. 32 e 33)
Figura 24: Seção Horóscopo (W.I.T.C.H. , n. 47, fev. 2006, p. 34 e 35)
Nos exemplares de fevereiro e março de 2006 (edições n. 48 e n. 49), como podemos
verificar na figura 25, a seguir, cada signo do zodíaco traz previsões astrais sobre Seu par (fala
sobre o lado amoroso), sobre seu Look, sobre a Galera, Dicas dos astros e os melhores dias do
mês para a menina aproveitar. Também é possível encontrar os dias em que haverá mudanças
de fases da Lua, e ao lado de cada signo zodiacal, um símbolo que indica Muita sorte, De
bem com a família, Vai se apaixonar, Fique na sua, Perigo na escola ou Cuidado com a vaidade. As
cores dos quadros também estão relacionadas com os elementos da natureza que representam
cada signo, como mencionado anteriormente. Ainda nestas edições, também é possível
conferir o perfil do signo em destaque nos meses de fevereiro e março, sendo,
respectivamente, O perfil da original aquariana e O perfil da intuitiva pisciniana.
Figura 25: Seção Horóscopo (W.I.T.C.H. , n. 48, fev. 2006, p. 32 e 33)
a partir da Revista de abril de 2006 (edição n. 50) até a de dezembro de 2007
(edição n. 70), a seção Horóscopo apresentou um novo formato. Não se pode mais contemplar
o perfil do signo em destaque no s, mas as garotas podem encontrar o signo do mês e suas
relações com o amor. Esse é o caso da edição n. 52 de jun. 2006, que traz orientações sobre
Gêmeos e o amor e Como conquistar um geminiano? Ainda se pode conferir os Geminianos
famosos, pois a Revista apresenta algumas personalidades famosas e suas datas de aniversário.
Confira na figura 26, a seguir.
Figura 26: Seção Horóscopo (W.I.T.C.H. , n. 52, jun. 2006, p. 34)
Quanto à parte que se refere às previsões sobre cada signo zodiacal, não mais itens
como anteriormente (Seu par, Look, Na escola, etc.), pois a astróloga dá orientações mais gerais.
Para alguns signos, ela refere maior cuidado na vida familiar, em outros na área do amor, para
outros ainda fala sobre os melhores dias do mês para tomar decisões sobre a paquera, etc. O
único item que aparece no final da previsão é chamado de Não pise na bola e traz alguma lição
para a garota, como esta para o signo de Leão: descuidar do visual nas férias é crime. Corte as
pontas do cabelo e não deixe o esmalte descascar.
41
Ou esta outra para o signo de Escorpião: seja tão
doce e gentil com seus pais quanto você é com seus amigos.
42
As cores de cada quadro no qual é
narrada a previsão mantêm-se diferentes com o objetivo de ligar cada signo ao seu elemento
da natureza. Porém, os símbolos que indicavam Muita sorte, De bem com a família, Vai se
apaixonar, etc., mudaram também. Continuam sendo seis, mas não se relacionam com os
anteriormente citados; agora eles são representados da seguinte forma: caderno (refere-se à
escola), bola (refere-se ao esporte), sapo (refere-se à amizade), coração (refere-se ao amor),
batom (refere-se à beleza) e amuleto com o Coração de Kandrakar
43
(refere-se ao astral). Em
cada signo, dois ou mais desses símbolos aparecem mensalmente. Confira na figura 27, a
seguir.
41
W.I.T.C.H., n. 59, jan. 2007, p. 30
42
W.I.T.C.H., n. 67, set. 2007, p. 30
43
Coração de Kandrakar: é um medalhão que “contém a força da natureza” (GNONE, 2005, n. 01, p. 52). É o
Coração de Kandrakar que possui as forças para transformar as cinco meninas em bruxas. Quando as meninas
estão perto de algum dos doze portais que levam à muralha e forças do mal abrindo a passagem ou tentando
fazer mal às bruxinhas, ele se acende, como forma de um aviso. É nesta hora que a protetora do Coração de
Kandrakar deve usá-lo para que suas amigas recebam os seus poderes e transformem-se em bruxas.
Figura 27: Seção Horóscopo (W.I.T.C.H. , n. 50, abr. 2006, p. 32 e 33)
no que se refere às fases da Lua, pude observar que, entre as edições de n. 50, de
abr. de 2006, até a edição de n. 70, de dez. de 2007, as fases da Lua ganharam três formas
diferentes de ser mostradas às garotas. Da edição n. 50 de abr. de 2006 até a edição n. 59 de
jan. de 2007, o que aparecia para as meninas eram
Rituais para as fases da Lua.
Neles, as
leitoras podem encontrar variadas lições sobre como agir em determinado mês e situação,
como se relacionar com os amigos, tudo isso a cada virada de fase da Lua. Como mostra a
figura 28, a seguir.
Figura 28: Seção Horóscopo (W.I.T.C.H., n. 50, abr. 2006, p. 32 e 33)
Entre as edições de n. 60, de fev. de 2007, e de n. 62, de abr. de 2007, o que as garotas
podem apreciar são as magias que a Lua faz a cada fase, e o quadro recebe o nome de
A Lua
faz magia!
Aqui as leitoras o chamadas a observar que as fases da Lua mexem com as
pessoas, levando-as a tomar atitudes diferentes em cada período, aproximando-as ou
afastando-as, tornando-as mais solidárias ou mais egoístas, mais carinhosas ou mais
rancorosas, etc. Confira na figura 29, a seguir, isso que menciono.
Figura 29: Seção Horóscopo (W.I.T.C.H. , n. 60, fev. 2007, p. 30 e 31)
A partir da edição n. 63, de maio de 2007, até a edição n. 70, de dez. de 2007, as fases
da Lua ganham um quadro chamado
Atitudes para as fases da Lua!
Neste quadro, as meninas
recebem lições de como devem agir em decorrência das mudanças das fases lunares. A cada
mudança, uma atitude sugerida em relação ao amor, à amizade, à escola, à família, etc.
Como mostra a figura 30, a seguir.
Figura 30: Seção Horóscopo (W.I.T.C.H. , n. 63, maio 2007, p. 30 e 31)
Após uma breve exposição de algumas seções que compõem a Revista, sigo
trabalhando nas descrições de outros artefatos que formam o Complexo. Passando, a seguir, a
debruçar-me sobre a Série Animada.
b) Assistindo à Série Animada
Apesar de o focalizar a Série Animada em minhas análises, considero importante
apresentá-la para que o leitor desta pesquisa conheça os artefatos que compõem o Complexo
W.I.T.C.H.. O fato de não contemplá-las nas análises decorre do restrito tempo de duração do
Mestrado, insuficiente para abarcar todos os itens do Complexo. Penso que para analisar a
Série Animada deveria percorrer outros caminhos, que me levariam a estudar um pouco mais
o campo dos desenhos animados, dos animes, dos mangás, de suas formas de produção, etc., o
que exigiria mais leituras e poderia atrasar o término da dissertação. Assim, incluo uma
exposição sobre a Série Animada para mostrar a variedade do Complexo e o que o compõe.
A Série Animada foi exibida no Brasil pelo canal Jetix
44
, diariamente no horário das
11h da manhã, até o final do mês de março de 2008
45
. Com a exibição restrita a um canal
fechado de televisão, o acesso às bruxinhas através da Série foi um tanto difícil para quem não
possuía televisão por assinatura. Segundo a Associação Brasileira de TV por Assinatura
(ABTA), em todo Brasil, apenas 3,8%
46
da população possui televisão a cabo, o que
representa cerca de 13 milhões de pessoas, sendo que a população brasileira ultrapassa 180
milhões de habitantes, de acordo com levantamentos do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE)
47
, em 2006. Isso aponta o baixo percentual de acesso da população a redes
de televisão pagas.
A própria ABTA menciona que:
Com base nos Estudos Marplan, aplicando-se uma análise de
correspondência, é possível perceber, de forma visual, os
diferenciais de cada meio em termos de classe social. Pode-se
constatar que o diferencial da TV por assinatura está no
consumo das classes mais altas. (ABTA, 2007)
44
Canal da rede de TV a Cabo, que opera na América Latina e em algumas partes da Europa, anteriormente
conhecido como Fox Kids. Em outubro de 2001, o canal foi vendido à Disney, que operou com o nome da Fox
até outubro de 2004. O canal concentra-se em programas infantis, principalmente de aventura e ão, como
Power Rangers, Os Padrinhos Mágicos, As Tartarugas Ninjas, Digimon, Beyblade, W.I.T.C.H., etc. Informações
retiradas do site <http://pt.wikipedia.org/wiki/Jetix>. Acessado em 20 dez. 2006.
45
Apesar de ter buscado informações sobre quando estreou a série animada no canal Jetix, não as encontrei.
46
Dados retirados do site <http://www.abta.org.br/site/content/midia/images/MidiaFatos2005-2006-Port-
English.pdf>. Acessado em 28 maio 2007.
47
Dados retirados do site <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/pesquisas/default.shtm> e
<http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=207>. Acessados em 28
maio 2007.
No dia 31 de outubro de 2006 dia do Halloween a Série W.I.T.C.H. estreou na
Rede Globo de Televisão
48
, no programa TV Xuxa, no horário das 10h30min. Foi um
acontecimento marcante, pois as W.I.T.C.H. ganharam grande visibilidade ao ingressarem na
programação da rede aberta de TV.
Logo após o lançamento da Série na TV aberta, a rede de fast food McDonald’s tratou
de expor em suas vitrines as cinco bruxinhas mais famosas do momento em formato pocket.
As meninas andavam com as W.I.T.C.H. a tiracolo, para cima e para baixo, dependuradas em
suas mochilas, em seus chaveiros, no pescoço como amuletos, etc. Foi uma explosão que se
deu da noite para o dia. A febre foi tão grande que, em poucos dias, três das cinco
personagens estavam esgotadas, como relataram as alunas da escola de educação infantil
em que trabalho. As bruxinhas, antes pouco conhecidas, passaram a ocupar um lugar de
destaque na mídia e no dia das crianças. A seguir, incluo fotos dos brindes da campanha
W.I.T.C.H. do McDonald’s, parte integrante do MC Lanche Feliz, em novembro de 2006 e de
minhas alunas exibindo os brindes que ganharam:
48
Segundo Maior (2006), a Rede Globo de Televisão é a mais influente emissora brasileira. Fundada em 1965,
por Roberto Marinho, e dirigida por ele até 2003, é uma empresa que faz parte das Organizações Globo.
Taranee Irma Cornélia
Hay Lin Will
Figura 31: W.I.T.C.H. em formato Pocket, brinde do McDonald’s
49
Figura 32: Minhas alunas exibindo os brindes que conquistaram no McDonald’s
49
As fotos das figuras 31 e 32 foram tiradas pela autora deste trabalho.
Quando iniciei esta pesquisa, preocupava-me o fato de as W.I.T.C.H. serem pouco
conhecidas, menos populares do que outros personagens que entram diariamente nas casas das
crianças através da “telinha”. Porém, bastou um “empurrãozinho” midiático e corporativo
para que, em menos de uma semana, as W.I.T.C.H. fossem a “onda” do momento.
Em abril de 2007, depois de concluída a exibição da primeira temporada completa da
Série Animada, a Rede Globo deixou de transmiti-la. Minhas indagações voltaram à tona: por
que motivo a Série teria deixado de ser exibida? Pensei, em princípio, que seria por não ter
agradado ao público, levando em conta que uma das meninas com quem tenho conversado
sobre as W.I.T.C.H. relatou que não gostava de assistir ao desenho porque teria pouco em
comum com a Revista. Fui então buscar dados de audiência para verificar se esse seria um dos
motivos para justificar o encerramento da transmissão, porém o encontrei nada disponível
gratuitamente a respeito. Dados como esses, do Instituo Brasileiro de Opinião Pública e
Estatística (IBOPE), precisam ser pagos para serem acessados. Somente assinantes ou quem
encomenda a pesquisa têm acesso a eles. Deixei de lado essa busca e percebi que talvez fosse
mais um dos desenhos animados que entram e saem da programação o tempo todo, a fim de
quem sabe dar lugar a outros. Foi o caso da série animada As Três Espiãs Demais, que saiu
do ar quando as W.I.T.C.H. entraram na programação e logo depois de poucos meses
retornou. Em resumo, é difícil ter acesso às lógicas empresariais que orientam a programação
ou os porquês dessas séries entrarem e saírem repentinamente de exibição. O fato é que até
agora as cinco bruxinhas W.I.T.C.H. não regressaram à programação da rede aberta de TV
brasileira.
c) Invadindo os Livros Secretos
Os Livros Secretos W.I.T.C.H., publicados pela Editora Edelbra
50
, são pequenos livros,
com dimensões aproximadas de 13 x 20 cm, que as meninas podem carregar facilmente para
todo lugar aonde o. São livros de leitura fácil e rápida, que não precisam seguir uma ordem
quanto ao número das páginas. As meninas podem ir das narrativas aos testes sem se
preocuparem com a seqüência e sem perderem o “fio da meada”. Esta coleção é composta por
50
A Editora Edelbra foi fundada em 1974, iniciou sua trajetória vendendo livros de porta em porta. Atualmente,
é uma gráfica e editora e tem publicado mais de mil títulos, muitos com licenciamento da Disney, como é o caso
dos Livros Secretos W.I.T.C.H. e de outros títulos com histórias das cinco bruxinhas. Dados retirados do site
<http:// www.edelbra.com.br>. Acessado em 23 dez. 2006.
onze Livros Secretos que visam a dar dicas sobre diferentes assuntos para as meninas. Eles
possuem linguagem de um diário e contam parte do dia das bruxinhas. Nos Livros Secretos,
as W.I.T.C.H. dialogam e refletem umas com as outras em sintonia com o assunto proposto
para as leitoras, pois cada Livro traz um tema diferente para ser debatido. Os Livros Secretos
são compostos pelos seguintes títulos: 100 magias para saber mais sobre o amor, 100 magias
para conquistar milhões de amigos, 100 magias para guardar segredos, 100 magias para
sobreviver na escola, 100 magias para ter um supergrupo, 100 magias para se divertir nas
férias, 100 magias para conhecer melhor os meninos, 100 magias para conviver bem com
seus pais, 100 magias para aumentar a autoconfiança, 100 magias para conviver bem com
seus irmãos e 100 magias para criar seu próprio estilo. Apresento a seguir as capas de alguns
deles. (Figs. 33, 34, 35 e 36)
Figura 33: Livros Secretos
51
51
As fotos das figuras 33 a 36 foram tiradas pela autora deste trabalho.
Figura 34: Livros Secretos
Figura 35: Livros Secretos
Figura 36: Livros Secretos
Além desta série de leitura denominada Livros Secretos, outros livrinhos da mesma
editora que contam histórias das vidas e aventuras das cinco bruxinhas, como: Dedos Verdes,
De A a W.I.T.C.H., Música Alucinante, Fogo Falso, W.I.T.C.H.: uma história, W.I.T.C.H.:
tudo sobre Taranee, Na escola com as W.I.T.C.H., W.I.T.C.H.: Coração de Salamandra,
W.I.T.C.H.: a imperatriz cruel; agregando mais livros do que apenas os da coleção de Livros
Secretos, que custam entre R$ 19,90 e R$ 34,90. Esses livros não integram a série Livros
Secretos e não serão analisados. Por estar interessada em ver os processos de subjetivação a
partir do Complexo, utilizo os onze Livros Secretos que me proporcionam maiores subsídios
para análise, pois esses lidam com os sentimentos das garotas em relação a uma série de
assuntos, tais como: relacionamento entre meninos e meninas, convivência entre irmãos,
amor, escola, etc. A seguir, exponho a capa de um dos livrinhos mencionados acima. (Fig.
37).
Figura 37: Dedos VerdesLivro da Edelbra
A todo o momento, os Livros Secretos interpelam as meninas, dando-lhes orientações
e prescrições sobre como elas devem agir a cada situação cotidiana. Vejo-os como manuais
que prescrevem formas de viver em consonância com o que cada garota precisa em
determinado momento, pois os dias de fragilidade na escola, de fragilidade na amizade, de
fragilidade no amor. As respostas e soluções para isso são, geralmente, encontradas nos
Livros, que tentam dar conta de discutir todos os assuntos tidos como importantes quando se
tem a idade das jovens garotas (8-13 anos). Observa-se já uma estratégia utilizada pelo
Complexo, que parece sugerir formas de agir e de ser na busca de solução para determinado
problema, ou ainda de fazer com que as garotas acabem encontrando alguma carência,
detectada nos testes e diversos diálogos reflexivos que as bruxinhas mantêm entrem si,
analisando desde o comportamento masculino ao desconforto que é ouvir o despertador tocar
de manhã cedo para ir à escola.
d) Desencantando os “presentes”
Agendas, cadernos, estojos, diários, marca-páginas, blocos de nota, Post-it, cadernetas,
papéis de carta o alguns dos artefatos que acompanham as leitoras e fãs de W.I.T.C.H. na
escola, em casa e com as amigas, itens esses todos produzidos pela Gráfica Foroni
52
. Dados
místicos, livro das atitudes, runas mágicas, mini-tarô, diário de bolso, faixa para os cabelos,
etc. são alguns dos brindes que as garotas recebem da Editora Abril. Eles vão desde acessórios
(batom, brincos, pulseiras, colares, blush, etc.) a objetos para compor o visual do quarto
(mini-xícara, porta-celular, incensário, etc.) e ainda materiais escolares (borracha espaguete,
bloco de anotações, cola glitter, etc.), que cercam as meninas em casa, na escola, com o grupo
de amigas, etc., e alguns elas podem levar consigo para diferentes espaços.
Suponho que as meninas que aderem à marca W.I.T.C.H. acabam vinculando-se à
imagem que lhes é transmitida através dos artefatos que circulam pelo Complexo, e o
adotando um estilo de vida místico, gico. Os objetos, geralmente, vêm impregnados de
características que o tempo todo remetem à magia, aos rituais mágicos.
O Complexo vai ajudando a compor uma identidade na qual estão implicados todos os
artefatos e significados que oferece a partir do momento em que as garotas começam a
usufruir desses significados e artefatos. As jovens aprendizes de bruxinhas fazem uso de todos
os brindes que recebem, e arrisco a dizer que talvez tão interessante para elas quanto ler a
Revista e os Livros Secretos, bem como assistir à Série Animada, seja utilizar os brindes,
operar com eles, aprimorar-se em certas práticas, dedicar-se ao aperfeiçoamento de si mesmas
e aguardar ansiosas o brinde que virá no próximo mês. Isso porque, ao final de cada Revista,
há o que posso chamar de seção denominada Na próxima. Nela aparece um resumo da
próxima edição da Revista, sintetizando o que ocorrerá na trama da História em Quadrinhos,
pincelando as dicas que receberão destaque, além de é claro! anunciar o próximo
brinde. (Fig. 38)
52
A Foroni trabalha com lincença da Disney e produz inúmeros artefatos de acordo com os desenhos animados
em voga, tais como: Carros, Disney Classics, W.I.T.C.H., etc. Atua no mercado gráfico desde 1924. Dados
retirados do site <http://www.foroni.com.br/empresa.asp>. Acessado em 23 de dez. 2006.
Figura 38: Na próxima (W.I.T.C.H. , n. 50, abr. 2006, p. 66)
A menina candidata à bruxinha usa o pingente que ganhou de brinde da Revista com a
sigla W.I.T.C.H. que, para leigos, pode apenas parecer um simples colar com a inscrição
“bruxa” em inglês, não passando de um enfeite, um acessório. Porém, essa menina também
usa os brincos com o símbolo da força da natureza, o chaveiro com o símbolo da água ou o
chapéu de bruxa; joga runas mágicas, as dicas do oráculo, acende no seu quarto uma vela
aromática que equilibra o ambiente, e essas condutas vão as identificando com as bruxinhas.
Seguindo as orientações da Revista e dos Livros Secretos, ela ainda vai procurar manter uma
horta com chás e ervas, vai criar um espaço para energizar suas pedras e cristais, vai adquirir
um incensário e logo saberá qual o poder dos aromas em relação a cada situação. Ela não
descuidará da beleza e utilizará sabonetes de fragrâncias diferentes para cada dia
dependendo de como ele foi; usará batom, tatuagens de unhas, elásticos para o cabelo,
pulseiras, cadarços personalizados W.I.T.C.H., etc. Isso mostra que, como mencionei alguns
parágrafos acima, os artefatos a todo momento lembram a magia, trazem o místico para a vida
das garotas, e elas acabam compondo um estilo de vida a partir do uso que fazem de cada
brinde, de cada objeto, de cada ritual e prática. A seguir, insiro imagens (Figs. 39 e 40) de
alguns produtos da Editora Foroni e fotos de alguns dos brindes que acompanham a Revista.
Figura 39: Cadernos, fichário e bloco de carta
53
Figura 40: Agenda telefônica, caderno de notas e Post-it
53
As imagens das figuras 39 e 40 foram capturadas do site <www.edelbra.com.br>. Acessado em 26 out. 2006.
Figura 41: Caixa com cadarço das W.I.T.C.H.
54
Figura 42: Amuleto – Coração de Kandrakar Figura 43: Pedras de Energia
Figura 44: Transfer adesivo para aplicar em roupas
54
As figuras 41 até a 60 são fotos feitas pela autora deste trabalho.
Figura 45: Colar com pingente W.I.T.C.H.
Figura 46: Bloco para anotações com as bruxinhas impressas nas folhas
Figura 47: Pingente para celular Figura 48: Brinco das W.I.T.C.H.
Figura 49: Runas Mágicas
Figura 50: Minidiário Figura 51: Brinco das W.I.T.C.H.
Figura 52: Adesivo para unhas da Copa do Mundo de Futebol
Figura 53: Vela do amor: aroma Patchuli
Figura 54: Bonecas (Will) para pendurar no pescoço
Figura 55: Oráculo
Figura 56: Chaveiro da Irma - Elemento água
Figura 57: Batom W.I.T.C.H. – Hay Lin
F
igura 58: Incensário
Figura 59: Cinto
Figura 60: Porta-retrato
2. Inventando um caminho investigativo
Mariângela Momo (2007), em sua tese intitulada dia e consumo na produção de
uma infância pós-moderna que vai à escola, nos faz pensar o quanto “cada época instaura e
fortalece determinadas metodologias de pesquisa” (p. 159). Além disso, mostra-nos que as
formas de pesquisar de cada época contribuem para configurar o mundo no qual estão
inscritas” (p. 159). Com isso, penso que nós que vivemos sob a condição pós-moderna,
estamos modificando nossos modos de fazer pesquisa.
O envolvimento com a pesquisa e a própria sensibilidade – conceito que Momo (2007)
também discute quando fala sobre as Sensibilidades Pós-Modernas faz com que nos
mostremos nela, com que deixemos impressas nossas marcas.
Procuro aqui expor os caminhos investigativos percorridos para a elaboração da
pesquisa, caminhos esses que se esboçaram com os Estudos Culturais, nos quais muitas
concepções são repensadas e transformadas a partir de novas leituras e formas de enxergá-las.
Os Estudos Culturais partem do pressuposto de que as verdades podem ser colocadas em
suspeita e vistas a partir de novos ângulos e perspectivas. Colocá-las em foco e repensá-las,
questioná-las, problematizá-las, é uma das movimentações primordiais para o
desenvolvimento de qualquer pesquisa dentro dos Estudos Culturais. Isso o significa que
esta pesquisa e esta forma de pesquisar sejam inovadoras. Pelo contrário, foi com as pesquisas
e com os estudos de muitos autores e colegas envolvidos com os Estudos Culturais que
escrevi esta dissertação. Portanto, faço minhas as palavras de Momo (2007), quando escreveu
que
meus caminhos são compostos pelos caminhos de outros (autores,
orientadora, banca examinadora, colegas, professores). Todos esses “outros”
não estão aqui presentes em forma de texto cunhado no papel. Aliás, mais de
uma vez li um livro inteiro sabendo que provavelmente não transcreveria
dele, (...), uma frase. No entanto, esses outros” estão aqui presentes
indiretamente, que me fizeram pensar, sentir, problematizar, ajudando-me
a inscrever esta tese [esta dissertação] em determinado contexto de
inteligibilidade, datado, localizado e possível. (p. 161, grifos da autora)
Durante este tempo que hoje somam dois anos em que freqüentei aulas, fiz leituras
e participei de seminários e discussões sobre os Estudos Culturais, o que mais ouvi foi a idéia
de que não deveríamos cristalizar o pensamento, que deveríamos abrir os olhos e enxergar o
que está bem na nossa frente, mas que as lentes que usávamos não nos deixavam ver, num
exercício constante de descoberta e redescoberta.
Foi importante e crucial o movimento de estranhar o familiar tarefa nada
trivial e, com certeza, nem sempre bem-sucedida. Felizmente, creio que
nunca tive idéias onipotentes e equivocadas de estudar amigos e conhecidos
como se fossem formigas. Havia uma consciência da dificuldade de
desnaturalizar noções, impressões, categorias, classificações que constituíam
minha visão de mundo. (VELHO, 2003, p. 15, grifos do autor)
Os Estudos Culturais também nos abrem portas para o sentimento de estranheza, e tal
sentimento nos leva muitas vezes a sermos, como refere Vasconcelos (1992), em demasia
opinativos, preconceituosos, pois começamos a ver coisas que achamos estranhas e fechamo-
nos para elas. O que penso que a autora quer nos dizer quanto a isso é que o pesquisador deve
estar aberto, pois numa pesquisa não se encontra somente aquilo que se deseja, mas também
muitos fatos que nos indignam, chocam-nos e são eles que, muitas vezes, nos fazem pensar.
Disseram-me a mesma coisa: observa, escuta com todos os teus sentidos;
tenta compreender, esquece os teus preconceitos, esquece que és
“especialista”, esquece as tuas idéias sobre “como deveria ser”, assume a tua
ambigüidade (...) Vinha-me a memória o verso do nosso Eugênio de
Andrade: “Despe-te, não outro caminho”. (VASCONCELOS, 1992, p.
31, grifos da autora)
Tentei durante esta pesquisa aproximar-me das pessoas, dos ambientes, dos temas que
me ajudassem a pensar de diferentes maneiras o Complexo. Freqüentei as casas das jovens
garotas que me ajudaram a olhar para as cinco bruxinhas, fui a feiras de esoterismo e
conversei com pessoas que se diziam magos ou bruxas, busquei no Orkut e suas comunidades
formas de me aproximar das fãs do Complexo, e muitas vezes visitei as comunidades somente
para ver o que estava acontecendo e ficar por dentro das discussões que teciam sobre as
W.I.T.C.H.. Li livros de feitiçaria e magia, ou seja, fiz de tudo para tentar entender e me
aproximar do que circula em torno dos temas que atiçavam minha curiosidade e ajudavam-me
a transformar o Complexo W.I.T.C.H. em um problema de pesquisa.
Todo este movimento ajudou-me no processo de construção de novas perspectivas
acerca do material que estudo. Procurei seguir as experiências de Velho (2003), quando narra
suas pesquisas etnográficas e ensina-nos que o pesquisador deve procurar manter uma
perspectiva de familiaridade e estranhamento, de proximidade e distância, traduzindo muito
bem o que citei acima, sobre aproximar-me das pessoas envolvidas no tema pesquisado, dos
materiais que posso utilizar para a pesquisa. A importância de estar envolvida com a pesquisa,
transforma-a em prazer e deixa de ser um fardo carregado, sobre os ombros, a passos lentos.
Com isso, lembro-me de outra coisa que aprendi durante este curso: procurar construir um
objeto de pesquisa pelo qual me apaixonasse, para que eu me sentisse animada a seguir com
ele por dois anos, para que eu mantivesse com ele uma relação amorosa e não tivesse coragem
de largá-lo em alguma etapa mais dura que eu viesse a atravessar.
Buscar um foco, um objeto de estudo, algo que eu pudesse investigar sem cansar-me
foi o que fiz desde o começo do curso. Foi então que, como descrevi no primeiro capítulo,
cheguei às W.I.T.C.H. através de uma colega de aula. Olhando para os materiais que me foram
emprestados pela filha desta colega, juntamente com meu grupo de pesquisa, surgiu um
turbilhão de idéias. Idéias essas que me fizeram dar voltas e voltas, tornando-se para mim o
momento mais difícil de toda a pesquisa: fazer o recorte dos focos que gostaria de trabalhar,
sabendo ainda que, após a qualificação, esses mesmos focos recortados poderiam ser
ampliados ou reduzidos.
Quando se compõe um objeto de estudo, muitas coisas aparecem e fazer as escolhas é
algo difícil. Talvez isso tenha me feito demorar mais do que o esperado para começar a
escrever. Porém, em conjunto com minha orientadora e com o grupo de orientação, os
pensamentos começaram a fluir e a pesquisa começou a tomar forma. Foi possível focar
melhor os objetivos e o que eu desejava olhar no material que tinha em mãos.
Pré-definidos os focos de pesquisa, que versavam sobre pedagogias culturais, técnicas
de si e a magia como uma estratégia que interpela ao consumo e ensina a ser sujeito de certo
modo, iniciei um trabalho de escrita mais organizado, que começou de vez a dar vida ao
projeto desta pesquisa. Voltei meus olhares primeiramente para as revistas das bruxinhas
W.I.T.C.H.. Mas, vasculhando-as, acabei conhecendo mais do que uma Revista de
entretenimento para jovens garotas. Cheguei a um complexo mercantil que faz circular uma
gama imensa de produtos e artefatos correlatos, como citei no Capítulo I, fazendo-me ver que
não poderia trabalhar apenas com as revistas, mas sim com uma rede de artefatos.
Nesta pesquisa, procuro refletir e mostrar como opera este Complexo que dirige jovens
garotas para o consumo, através de uma estratégia cativante e envolvente que invoca a magia.
Meninas que, depois de capturadas, deixam de se interessar apenas pela magia e buscam
seguir todas as recomendações mencionadas pelo Complexo, tornando-se, desta forma,
vorazes consumidoras não só de artefatos, como roupas, cosméticos, bijuterias, materiais
escolares, produtos esotéricos, produtos anunciados dentro da Revista pelos patrocinadores,
mas especialmente de estilos e modos de ser.
O Complexo preocupa-se em usar a magia como uma estratégia para atrair as garotas;
que, depois de conquistadas, acabam se tornando suas fãs. Isso geralmente ocorre a partir do
primeiro contato com a Revista e estende-se posteriormente aos demais artefatos correlatos ao
Complexo, como a Série Animada, Livros, etc. Noto que muito do que é abordado no
Complexo foge da alçada mágica, pois família, escola, amor, moda, entre outros temas, são
também preocupações do Complexo. São temas sobre os quais as jovens garotas gostam de
debater, de saber mais e, no Complexo, acabam encontrando a “ajuda” necessária para
solucionar alguns pequenos contratempos cotidianos.
Porém, a magia apenas serve como “chamariz” para atrair as garotas, como venho
mencionando até aqui. Atraídas para o Complexo, ele pode passar a versar sobre temas que
nada tenham a ver com a magia, sem correr o risco de perder as s. Um exemplo disso é a
edição n. 68, de out. 2007. Ela o menciona a magia, nem ao menos traz alguma poção
mágica para que as garotas possam tentar fazer em casa. Ela simplesmente versa sobre moda,
sobre animais de estimação, sobre o melhor perfume para cada garota e sobre como salvar as
notas na escola. Nesta edição, percebi também que vieram poucas páginas de “revista”, o que
mais deu volume à edição 68 foi a História em Quadrinhos. Enquanto a Revista traz vinte
páginas de entretenimento, a História em Quadrinhos traz 59 páginas de história.
Meu objeto de estudo foi muitas vezes questionado. A possibilidade de se trabalhar
com Educação analisando nossa cultura, nosso cotidiano, os objetos, as ações e uma série de
coisas que nos cercam soa muito estranho para muitas pessoas que ainda não conseguem
desvencilhar-se da idéia de Educação como sendo coisa de sala de aula e da escola. Confesso
que algumas vezes duvidei se conseguiria justificar minhas intenções de pesquisa,
principalmente quando se tratava de explicar para um grupo que não estava imerso nas
propostas dos Estudos Culturais. Minha pesquisa volta-se para a análise de um artefato
cultural inscrito na pós-modernidade e, se explicar o que eram os Estudos Culturais era
difícil, imaginem explicar a fusão deste com a pós-modernidade. Porém, creio que com os
estudos realizados aprendi a justificar, de forma viável, minhas intenções, e é sobre pós-
modernidade que escrevo um pouco, para tentar mostrar que esta pesquisa faz sentido e que
não se trata de devaneio. Quero mostrar um pouco que há, sim, uma Educação que ocorre fora
dos limites da escola, e o tipo de formação que ela propicia, discussão essa que introduzi no
início deste Capítulo.
Estamos modificando a forma de sermos humanos, que nos foi imposta durante
séculos, e isso faz com que o essencialismo desabe. Existe uma desqualificação da obsessão
pelas essências. Os contornos do mundo pós-moderno começam a se esboçar e vivemos em
um tempo de fragmentação política, de fragmentação do sujeito, da cultura. Surge uma nova
era, uma era da volatilidade, da fruição, da espetacularização.
A produção de mercadorias como um todo substitui hoje “o mundo dos
objetos duráveis” pelos “produtos perecíveis projetados para a obsolescência
imediata”. (...) Num mundo em que coisas deliberadamente instáveis são a
matéria-prima das identidades, que são necessariamente instáveis, é preciso
estar constantemente em alerta; mas acima de tudo é preciso manter a
própria flexibilidade e a velocidade de reajuste em relação aos padrões
cambiantes do mundo “lá fora”. (BAUMAN, 2001, p. 100, grifos do autor)
A descartabilidade não só dos objetos é uma das características do pós-moderno. De
certa forma, a magia também funciona assim, é mutável, pois, como cito mais adiante, ela se
modifica constantemente e, com o passar do tempo, vai ganhando novas roupagens. Na era
pós-moderna, o mesmo ocorre com as identidades. Elas são descartadas a todo o momento;
tudo deriva da moda, da onda” do momento. Bauman (2001, p. 98, grifos do autor) chega a
mencionar a possibilidade de “‘ir às compras’ no supermercado das identidades”, tamanho o
grau de volatilidade desta era. O consumo desenfreado se torna um tipo de lazer, alavancando
o mercado corporativo e fazendo com que as empresas façam jorrar produtos de todos os
tipos, que se encaixem com as identidades buscadas. Hoje posso ser estudante, jovem e gostar
de assistir a Rebelde, comprar tudo relacionado ao grupo. Amanhã, deixo de lado o Rebelde e
posso ser estudante, jovem e gostar de assistir a High School Musical
55
, assim como posso
gostar de Rock and Roll agora e daqui a alguns dias gostar de Reggae, pois minhas colegas
gostam e é o que toca no rádio. Porém, a cada nova mania”, “febre”, “onda”, as crianças,
jovens e adultos consomem os produtos correlatos.
O Complexo W.I.T.C.H. inscreve-se neste tempo e traz consigo essa característica
volátil e descartável que espetaculariza a magia ao mesmo tempo que controla a vida das
jovens garotas. Nesta conjuntura, o Complexo constitui-se num rico, fascinante e envolvente
artefato cultural, que coloca em circulação discursos que vão forjando certos tipos de
identidades, regulando a vida das meninas e levando-as ao consumo de diversos artigos.
Como no Complexo muitos artefatos estão incluídos, tive que selecionar apenas alguns
para esta pesquisa. Analiso 24 exemplares que compreendem os meses de janeiro de 2006 até
dezembro de 2007 e a coleção contendo onze Livros Secretos das W.I.T.C.H..
Para minhas análises, retorno aos materiais selecionados a todo o momento. Manuseá-
los quase que diariamente foi a forma que encontrei de explorá-los melhor e formular
questões que, às vezes, escapam a um primeiro olhar. Também desta forma me sentia mais à
vontade para escrever sobre eles, explicá-los e mostrá-los.
São objetivos da pesquisa mostrar a magia como estratégia para convocar ao consumo;
a composição do Complexo W.I.T.C.H. e seus modos de operação; como se a relação das
garotas com o Complexo e como ele opera na interpelação para o consumo, ou seja, o que ele
ensina às garotas e como essas se engajam em certas práticas de si.
55
High School Musical é um filme-musical produzido pela Disney Channel Original Movie e dirigido por Kenny
Ortega, que conta a história de dois adolescentes que se conhecem e descobrem a paixão em comum pela
música. HSM é a sigla utilizada para se falar no filme, tal como RBD para os Rebeldes. O HSM está em sua
segunda produção. Informações retiradas do site <http://pt.wikipedia.org/wiki/High_School_Musical>. Acessado
em 12 dez. 2007.
Capítulo II
FORMAR-SE NA CULTURA DA MÍDIA E DO CONSUMO - Sobre as
ferramentas teóricas
1. Centralidade da cultura e pedagogias culturais
Para se falar em centralidade da cultura, é necessário realizar um exercício que requer
uma compreensão, mesmo que mínima, dos temas que circundam os Estudos Culturais em
Educação. Para se estudar a cultura, hoje, é necessário desprender-se de certos conceitos e
significados ainda circulantes em diferentes meios escolares e acadêmicos. Tanto que um dos
primeiros questionamentos feitos a mim na entrevista para a seleção ao ingresso no Mestrado
foi se eu estaria disposta a trabalhar com outras visões e deixar um pouco de lado o que eu
havia aprendido até então no curso de Pedagogia. Entendi com isso que deveria armazenar em
alguma parte de mim aqueles conhecimentos anteriormente apreendidos, mas não os jogar
fora. Deveria olhar de uma outra maneira para eles e dar um novo sentido para aquilo que fora
visto até ali.
Muitos poderiam pensar, então: de que serviu a faculdade? Contudo, não se trata,
como mencionei anteriormente, de jogar fora conhecimentos passados. Os Estudos Culturais
possibilitaram-me aprender mais sobre o que eu havia estudado na faculdade. Fizeram-me
aprender a duvidar, a questionar teorias dadas como definitivas, acabadas e verdadeiras. Os
Estudos Culturais me abriram os olhos para um novo jeito de pensar sobre educação e sobre
cultura. Creio que seja uma das poucas linhas de pesquisa na qual se é cercado de colegas
procedentes de diferentes áreas, desde a Saúde Coletiva, a História, o Jornalismo, a Medicina
até o Design e a Educação Física. Com isso, participei de aulas com ricas discussões que me
mostraram como a cultura enreda-nos por todos os lados, independentemente do grau de
escolaridade ou da área escolhida, pois cada colega se situava em um lugar especial da cultura
e pretendia focalizar um aspecto diferente dela.
Nos Estudos Culturais, o mais importante é ver como as coisas se constituem, como
operam e não realizar julgamentos acerca da cultura, do que é certo ou errado, falso ou
verdadeiro. É difícil conceber exatamente o que sejam os Estudos Culturais, até porque as
pesquisas que se inscrevem nesta perspectiva pretendem problematizar, refletir, tensionar “os
panoramas intelectuais e acadêmicos em que estão implicadas tanto as velhas e consagradas
disciplinas como os movimentos políticos, práticas acadêmicas e modos de investigação (...)”
(COSTA, SILVEIRA e SOMMER, 2003, p. 43). Uma das visões que apontam as
possibilidades de concepção dos Estudos Culturais em Educação é a de que eles seriam
Um partilhamento de entendimentos, de conceitos-chave e “formas de olhar”
(...). Entretanto, isso soa um tanto parcial e inexato, uma vez que não se trata
apenas de “partilhar”, “apropriar-se” ou “utilizar”; as “lentes” dos EC parece
que vêm possibilitando entender de forma diferente, mais ampla, mais
complexa e plurifacetada a própria educação, os sujeitos que ela envolve, as
fronteiras. De certa maneira, pode-se dizer que os Estudos Culturais em
Educação constituem uma ressignificação e/ou uma forma de abordagem do
campo pedagógico em que questões como cultura, identidade, discurso e
representação passam a ocupar, de forma articulada, o primeiro plano da
cena pedagógica. (COSTA, SILVEIRA e SOMMER, 2003, p. 54, grifos dos
autores)
Sobre a cultura, Hall (1997) nos convida a atentar para a sua centralidade e acena para
sua característica interpelativa. Com isso nos mostra que a cultura constitui nossas formas de
ser e, inclusive, de ver e explicar o mundo. Fala ainda sobre uma “revolução cultural”,
mostrando que a cultura a partir do século XX assumiu um papel central, e que a linguagem
com seus códigos e significados acaba dando sentido às nossas ações, formando as
representações e constituindo as culturas. A centralidade da cultura, segundo ele, indica a
“forma como a cultura penetra em cada recanto da vida social contemporânea” (Hall, 1997, p.
22). A cultura é o próprio processo da formação da identidade, constitui os sujeitos e as
práticas sociais. Para Hall (1997), nossas identidades são formadas culturalmente. Com isso,
ele quer mostrar que devemos enxergar as identidades como sendo
construídas no interior da representação, através da cultura, não fora delas.
Elas são o resultado de um processo de identificação que permite que nos
posicionemos no interior das definições que os discursos culturais
(exteriores) fornecem ou que nos subjetivemos (dentro deles). Nossas
chamadas subjetividades são, então, produzidas parcialmente de modo
discursivo e dialógico. (p. 26)
Desta forma, e ainda me apropriando das idéias de Hall (1997) sobre a centralidade da
cultura e a “revolução cultural”, entendo a cultura como algo que:
Não pode mais ser estudada como uma variável sem importância, secundária
ou dependente em relação ao que faz o mundo mover-se; tem de ser vista
como algo fundamental, constitutivo, determinando tanto a forma como o
caráter deste movimento, bem como a sua vida interior. (p. 23)
Neste trabalho, tratarei mais adiante sobre identidades, mas não me aprofundarei no
tema, pois a questão central não versa sobre identidades especificamente, mas sim sobre a
cultura da mídia, o consumo e estratégias de compor novos sujeitos; e para dar início ao tema
que gostaria de prioritariamente focar, trago para o texto uma citação de Giroux (2003, p. 90),
que diz o seguinte:
o papel da cultura da mídia, incluindo o poder dos meios de comunicação de
massa, com seus massivos aparatos de representação e sua mediação do
conhecimento, é central para compreender como a dinâmica do poder, do
privilégio e do desejo social estrutura a vida cotidiana de uma sociedade.
Em outras palavras, partindo da visão do autor citado acima e também da perspectiva
de Steinberg e Kincholoe (2004), nós somos aquilo que consumimos e a constituição das
identidades anda, lado a lado, com esta idéia de que o que é veiculado na mídia em pouco
tempo passa a fazer parte de uma cultura e impregna uma sociedade, fazendo-a desejar ser e
ter o que, por exemplo, o artista preferido da TV tem ou é. Trata-se de uma questão de como a
mídia captura seu público-alvo, constituindo-o como sujeitos, fazendo-os comer, vestir, ler
isto ou aquilo.
Além disso, é notável a forma como as novas tecnologias têm invadido nosso dia-a-
dia, e esse é o meio de identificarmos como a cultura pós-moderna vem ganhando lugar em
nossa cultura. E em parte, um pouco da fluidez e da volatilidade citadas anteriormente estão
vinculadas a essa idéia, pois os fatos acontecem muito rapidamente, as informações nos são
passadas quase instantaneamente.
A compressão tempo-espaço, como denomina Harvey (1989) –, introduz
mudanças na consciência popular, visto que vivemos em mundos
crescentemente múltiplos e o que é mais desconcertante “virtuais”. A
mídia encurta a velocidade com que as imagens viajam (...) É especialmente
aqui que as revoluções da cultura em nível global causam impacto sobre os
modos de viver, sobre o sentido que as pessoas dão à vida, sobre suas
aspirações para o futuro sobre a “cultura” num sentido mais local. (HALL,
1997, p. 17, grifos do autor)
Será a partir dessas reflexões que abordarei, mais adiante, a regulação e a constituição
de subjetividades, pois o Complexo opera sobre as garotinhas constituindo-as como
consumidoras, como garotas de um certo tipo, através de um complexo midiático poderoso
que atua tanto no âmbito da cultura como no da subjetividade.
O que me tem feito olhar para o Complexo W.I.T.C.H. é o fato de procurar
compreender e mostrar como esse opera e acaba dirigindo garotas para o consumo. Tenho
percebido que a forma escolhida para cativar e envolver jovens garotas, incentivando-as ao
consumo de artigos esotéricos e outros bem distintos, explora a magia. Como mencionei
anteriormente, ao mesmo tempo em que elas se interessam pelo tema do desenho animado e
da Revista, vão sendo dirigidas para o consumo de um sem número de outros artefatos, e
também moldando suas condutas de acordo com as prescrições que circulam em todo o
Complexo.
Will, Irma, Taranee, Cornélia e Hay Lin as iniciais destes nomes formam a palavra
W.I.T.C.H. são cinco garotas, personagens de uma narrativa que originou uma Revista
voltada ao entretenimento de jovens meninas, cuja parte final inclui uma trama em forma de
História em Quadrinhos. leitoras que gostam mais da primeira parte da Revista e há
aquelas que preferem a leitura dos quadrinhos. Como tudo no Complexo W.I.T.C.H., há
muitas ofertas para as jovens garotas leitoras; quem o se agrada de uma coisa pode optar
por inúmeras outras. Foi por este motivo que meu trabalho não se volta apenas para a Revista
como foco de análise, mas visa a olhar também para o que envolve as cinco garotas acima
mencionadas, para mostrar a produtividade implicada no Complexo em um primeiro
momento. Foi esta razão que me levou a adotar, para este conjunto de artefatos que levam a
marca W.I.T.C.H., a denominação de Complexo W.I.T.C.H..
Para esta pesquisa, como citei anteriormente, selecionei 24 revistas publicadas no
período de janeiro de 2006 a dezembro de 2007 e a coleção chamada Livros Secretos,
composta por onze exemplares. Porém, mostrarei também outros artefatos do Complexo, por
julgar importante e interessante apresentar a multiplicidade de ofertas de diversos e diferentes
objetos que o compõem. Durante este trabalho, adotei a nomenclatura Complexo para referir-
me o à Revista, mas à Série Animada de televisão, aos Livros Secretos das W.I.T.C.H. e
aos demais artefatos, tais como brindes (que acompanham a Revista e que descrevi no
Capítulo anterior), cadernos, agendas, etc.
Também perceberão que os termos jovens garotas, jovens meninas e jovens leitoras
aparecerão recorrentemente, uma vez que o público-alvo da Revista e demais artefatos são
meninas de 10 a 14 anos
56
. O que tenho percebido durante minhas pesquisas, porém, é que
apesar de o endereçamento do Complexo ser para determinada faixa-etária, ele acabou
56
Dados retirados do site <http://publicidade.abril.com.br/homes.php?MARCA=56>. Acessado em 27 out. 2006.
atingindo um alvo que talvez não tenha sido previsto, que foi o caso das minhas alunas de
educação infantil, entre três e seis anos de idade. As duas meninas que são minhas
interlocutoras nas conversas sobre o Complexo também se encontram fora da faixa-etária
visada pelos produtores da Revista. No início da pesquisa, uma estava com oito e a outra com
nove anos de idade.
Levando em conta a proposta de públicos-alvos que geralmente são utilizados por
revistas, programas de televisão, eventos musicais, etc., e que podem alcançar seus alvos, ou
também errá-los, é que trago para a discussão o conceito de endereçamento, muito utilizado
nos estudos de cinema, e trabalhado por Ellsworth (2001) quando pensa “como uma
educadora sobre pedagogia” (p.11). Ela entende modos de endereçamento como um evento,
enxergando-os fora dos estudos de cinema e levando-os para a educação. Ela ainda menciona
que o modo de endereçamento não é visível, algo que esteja explícito e que os produtores de
filmes e, neste caso, os produtores do Complexo W.I.T.C.H. também, consideram as
narrativas, os tipos de discurso a serem utilizados na produção deste ou daquele material.
(...) seu acabamento e sua aparência final são feitos à luz de pressupostos
conscientes e inconscientes sobre “quem” são seus públicos, o que eles
querem, (...) o que eles temem e quem eles pensam que o, em relação a si
próprios, aos outros e às paixões e tensões sociais e culturais do momento.
(ELLSWORTH, 2001, p.14, grifos da autora)
Um projeto grandioso como o Complexo W.I.T.C.H. certamente foi pensado e
estudado para atingir determinado público. Ouso dizer que aspectos desde a classe social, o
sexo, a idade, o tema, etc. foram analisados para que seus produtos chamassem a atenção do
público desejado. Portanto, parto do entendimento de que um endereçamento consciente e
que, inclusive, o “psicológico”, como trabalham Linn (2006) e Schor (2004), deste público do
Complexo foi imaginado ou pesquisado para que fossem abordados assuntos que
interessassem às jovens garotas e as prendessem numa trama que as levaria a querer mais, a
comprar mais revistas, a assistir à Série Animada, a consumir todo artefato que se
relacionasse com o produto. Tudo com a finalidade única de gerar lucros e não, como
podemos pensar, ao olhar para o Complexo pela primeira vez, que ele serve apenas como
entretenimento ou como algum tipo de “auto-ajuda” para as garotas.
E, assim, os produtores de filmes fazem muitas suposições e têm muitos
desejos conscientes e inconscientes sobre o tipo de pessoa para a qual seu
filme é endereçado e sobre as posições e identidades sociais que seu público
deve ocupar. E essas suposições e esses desejos deixam traços intencionais e
não intencionais no próprio filme. Para algumas escolas de estudo do
cinema, um filme é composto, pois, não apenas de um sistema de imagens e
do desenvolvimento de uma história, mas também de uma estrutura de
endereçamento que está voltada para um público determinado e imaginado.
(ELLSWORTH, 2001, p. 16)
A citação anterior pode nos ajudar a pensar no endereçamento da multiplicidade de
artefatos. Penso na substituição de filmes por qualquer outro produto da cultura,
principalmente a midiática um desenho animado, uma revista, um seriado, um reality show.
Tudo é construído e pensado de forma a captar determinado público, atingir determinado alvo.
As grandes corporações envolvidas na produção deste Complexo, como se diria popularmente,
não dariam um ponto sem nó.
Outra questão que me chama a atenção relacionada ao endereçamento diz respeito ao
gênero sexual ao qual a Revista W.I.T.C.H., e supostamente todo o Complexo, são dedicados
exclusivamente às garotas. Inclusive as matérias e todo o marketing são criados para elas,
excluindo o sexo masculino, exceto quando se trata de falar sobre eles, os gostos e
preferências dos meninos, o que chama a atenção dos meninos em uma garota, etc. As
matérias endereçadas às garotas que tratam sobre os meninos são encontradas na seção Boys
e, às vezes, na seção Teste ou Matéria Básica e possuem as seguintes chamadas: Aposte (ou
não) num rolo de férias!
57
, Perca a timidez e puxe papo com os meninos!
58
, As armadilhas que as
meninas caem depois de um fora!
59
, Como você conquista um menino?
60
, W.I.T.C.H. esclarece as suas
principais dúvidas sobre meninos!
61
, Garotas contam por que é legal ter meninos como amigos
62
,
Testamos as técnicas mais usadas para chamar a atenção dos meninos!
63
, Que tipo de menino faz a sua
cabeça?
64
, É amor ou amizade?
65
, Eles contam o que fazer quando amizade e paquera se misturam
66
,
etc. A partir dessas menções que a Revista faz ao sexo masculino, como tendo que o conhecer
para agradá-lo e tratando esse tema como uma Matéria Básica, como o próprio nome da seção
sugere, podemos pensar na questão de que as meninas, desde pequenas, o educadas para
“ser para o homem”, assunto que ampliarei nas análises.
57
W.I.T.C.H., n. 47, jan. 2006, p. 12 e 13
58
W.I.T.C.H., n. 48, fev. 2006, p. 16 e 17
59
W.I.T.C.H., n. 51, maio 2006, p. 17 e 19
60
W.I.T.C.H., n. 52, jun. 2006, p. 06 e 07
61
W.I.T.C.H., n. 57, nov. 2006, p. 14 e 15
62
W.I.T.C.H., n. 61, mar. 2007, p. 08 e 09
63
W.I.T.C.H., n. 62, abr. 2007, p. 20
64
W.I.T.C.H., n. 43, maio 2007, p. 06 e 07
65
W.I.T.C.H., n. 66, ago. 2007, p. 06 e 07
66
W.I.T.C.H., n. 69, nov. 2007, p. 08 e 09
Contudo, buscando informações no site de relacionamento Orkut, pude observar
centenas de comunidades dedicadas às bruxinhas e, entre elas, uma comunidade chamada
W.I.T.C.H. - Meninos também gostam. Nesta comunidade, que conta com nove membros, a
descrição inicial, escrita pelo fundador da comunidade, diz o seguinte: “olha axo um
preconceito meninos tambem gostam de witch vamo lutar po esse direito”
67
. O que notei nas
conversas com outros membros da comunidade, e questionando as meninas com quem troco
impressões sobre o Complexo, é que os meninos se interessam pelos Quadrinhos e também
pela Série Animada, mas não gostam da Revista porque as matérias não são dedicadas aos
seus interesses. Os garotos se identificam com os personagens masculinos, que começaram a
aumentar na segunda temporada da Série Animada e dos Quadrinhos, pois os mesmos se
envolvem em inúmeras aventuras juntamente com as bruxinhas e isso pode ser um dos
grandes atrativos para os meninos, que – geralmente – se interessam por narrativas que
contenham aventuras, ação e lutas. Porém, são poucos os meninos fãs do Complexo,
provavelmente porque aborda poucos assuntos que os possam interessar.
Alguns dos personagens masculinos que aparecem na Série Animada e nas histórias
em quadrinhos são:
- Sr. Collins: que é professor de História do Instituto Sheffield.
- Oráculo: é a pessoa que escolheu e revelou às W.I.T.C.H. sua missão. Seu nome verdadeiro é
Himerish e ele está na maior parte da trama pensativo e tranqüilo. É um tipo de mentor;
sempre que surge uma questão das bruxinhas, ele acaba dando respostas enigmáticas às
guardiãs e isso, muitas vezes, faz com que elas se irritem com ele.
- Caleb: é o líder de uma rebelião contra o Príncipe Phobos. É muito corajoso e leal ao seu
povo. Sempre que pode, ajuda muito as bruxinhas a realizarem seu trabalho de guardiãs. Em
Meridian, é ele o guarda-costas de Elyon. Também demonstra um carinho mais especial por
Cornélia.
- Matt: é um dos garotos da trama, assim como o citado recentemente Caleb. Ele faz parte de
uma banda, chamada Cobalt Blue, e corresponde à paixão que Will sente por ele.
- Peter: é o irmão mais velho de Taranee, adora jogar basquete e surfar. É um irmão muito
carinhoso e prestativo, sempre ajuda Taranee no que pode. Foi ele quem bancou o “cupido”
para que a irmã conseguisse conquistar Nigel. Também é um dos pretendentes de Cornélia e
as amigas de Taranee estão sempre dando em cima dele.
67
Citação retirada do site <http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=25556100 >. Acessado em 20 ago
2007.
- Martin: é um menino muito desengonçado, não é bonito e na escola possui poucos que o
querem como amigo. É apaixonado pela Irma e vive correndo atrás dela, porém ela sempre
desdenha dele.
Do grupo dos vilões, fazem parte:
- Príncipe Phobos: que é o irmão de Elyon e durante anos governou Meridian como um
verdadeiro tirano. Usando a magia para o mal, mergulhou Meridian na escuridão e escravizou
todos seus habitantes.
- Lord Cedric: é o maior e mais fiel dos seguidores do Príncipe Phobos e líder de suas tropas.
Ele aparenta ser um homem alto e loiro, mas é capaz de assumir a forma de um lagarto
humanóide gigante. Após Príncipe Phobos perder o trono para Elyon, ele e as tropas foram
presos.
outros vilões que aparecem na narrativa, mas esses são os principais. Os demais
são temporários e, às vezes, modificam-se a cada número dos Quadrinhos ou da Série
Animada.
68
2. Construindo o próprio eu – tecnologias de si
Dentre inúmeras outras questões, a que venho considerando primordial para discussão
neste trabalho, e à qual volto meu olhar boa parte do tempo, são as práticas e a imersão das
jovens garotas na bruxaria através da mídia. O que chama minha atenção é como práticas
antes segregadas e incomuns tornaram-se estratégia e objeto de consumo na sociedade
contemporânea. É quase impossível ir a algum shopping center, por menor que ele seja, e não
encontrar uma loja de produtos voltados ao esoterismo. Cristais, fontes, incensos, bruxinhas,
gnomos, duendes, anéis, roupas, amuletos, tudo que gire em torno desse universo cabalístico e
mágico pode ser encontrado nestas lojas.
Voltando a falar do Complexo, percebo na Revista e nos Livros Secretos, que as
matérias e narrativas que orientam também interpelam as jovens leitoras, convocando-as a
serem consumidoras de diversos tipos de produtos, usando como estratégia os conselhos e as
mais diferentes prescrições. De maneira sutil, ambos acabam, de certa forma, sugerindo e
oferecendo elementos que contribuem para forjar um estilo de vida, já que as meninas/leitoras
68
Para sintetizar os personagens que aparecem na trama das cinco bruxinhas realizei a leitura de algumas
histórias em quadrinhos, principalmente as da W.I.T.C.H. Colletion (2005), onde toda a primeira temporada está
narrada. Também usei como ferramenta o site <http://pt.wikipedia.org/wiki/W.I.T.C.H.>. Acessado em 26 out.
2006 e 17 mar. 2008.
começam a praticar os diversos rituais que envolvem a crença na magia. Essas meninas
passam a se enxergar nas personagens e desejam ser e ter os mesmos poderes. Isso acontece,
por exemplo, quando a Revista questiona: Com qual das W.I.T.C.H. você se parece?. Refiro-me
aqui a um teste proposto pela Revista para revelar a personalidade da leitora e compará-la a
uma das bruxinhas.
A regulação dentro do que abordei acima vai se dando de diferentes formas. Na
Revista, podemos visualizá-la em diversas seções, desde aquelas em que as leitoras aprendem
a investir sua mesada (Seções Tchau, Mesada e Novo e Fofo) até os testes para revelar
diferentes facetas sobre elas mesmas. Na seção Bate-Papo, que possui características de uma
seção de cartas das leitoras, as meninas enviam perguntas para as bruxinhas, que são
respondidas por uma pessoa como eu, como você, e não por uma bruxa e, muito menos, por
quem as meninas pensam ser: as W.I.T.C.H.. Cheguei a pensar em afirmar que as W.I.T.C.H.
não existem, mas como poderia fazer isso se aqui estarei o tempo todo falando nelas,
pensando nelas, questionando-as e admirando-as por aquilo que fazem e pelo poder que
exercem sobre as jovens meninas. Sendo assim, de uma forma real ou imaginária, elas passam
a existir, estão presentes, e habitam a vida e a imaginação das garotas que são suas fãs. Não há
como as leitoras não acreditarem firmemente que estão consultando as bruxinhas, buscando
conselhos sobre vida em família, amorosa, escolar, etc.
Tendo em mente que no interior da cultura o tempo todo estamos sendo interpelados,
quando as garotas adotam as W.I.T.C.H. como um estilo de vida e transformam-se em leitoras
assíduas de suas narrativas e aventuras, vão se constituindo como sujeitos de um certo tipo e
sendo conduzidas e reguladas pela leitura das matérias impressas na Revista, na História em
Quadrinhos e também na Série Animada. Vão também adquirindo certos hábitos e
incorporando-os aos seus modos de ser e de agir. São convidadas ao consumo de diferentes
artefatos, como os esotéricos, as roupas, as maquiagens, os perfumes, os acessórios, os
produtos que circulam fora da Revista, dos Quadrinhos e da Série Animada (DVD’s,
cadernos, papéis de carta, etc.).
Valendo-me das teorizações de Rose (2001), não quero dizer que a Revista e os
componentes do Complexo planejem todas estas ações que mencionei acima, mas que a
interpelação e a regulação vão ocorrendo nas relações que elas mantêm com o exterior, unidas
ao Complexo. Ou seja, suponho que todas estas construções e a regulação das garotas o
ocorrendo a partir de sua inserção no Complexo e também a partir de suas carências e das
promessas de tentar preenchê-las e resolvê-las, oferecidas pelos artefatos. As meninas, ao
tentarem parecer com as bruxinhas, buscam seguir suas prescrições à risca. Observe algumas
recomendações que estão na seção Tome Nota, do Livro Secreto 100 magias para saber mais
sobre o amor, a seguir, figura 61.
Figura 61: Tome nota (Livro Secreto: 100 magias para saber mais sobre o amor)
Ao segui-las ou notá-las nos garotos, já estão sendo governadas, subjetivadas pelo
Complexo. Porém, esta subjetivação não ocorre somente a partir da interpelação, ela acontece
principalmente porque as garotas aceitam e assujeitam-se, querem seguir as lições mostradas
no Complexo pelas bruxinhas e aplicam-se para isso. Veja no quadro a seguir (Fig. 62) como
as meninas aprendem a se vestir conforme o certo e o errado para eles. Inclusive, os próprios
consultores da reportagem foram os meninos. Conforme detalhe da figura 62.
Figura 62: Seção Boys (W.I.T.C.H. , n. 59, jan. 2007, p. 12 e 13)
Detalhe da Figura 62
Para mostrar estes processos de enredamento e subjetivação das meninas através do
Complexo, utilizo duas ferramentas foucaultianas a produção de subjetividade e as
tecnologias do eu. Utilizo-os a partir das idéias de Larrosa (1994). Esses conceitos são muito
produtivos para minhas análises.
Segundo Larrosa (1994), “Foucault define as tecnologias do eu como aquelas nas
quais um indivíduo estabelece uma relação consigo mesmo” (p. 56). Desta forma, passo a
enxergar os Livros Secretos das W.I.T.C.H., os amuletos, as pedras e cristais, as matérias da
Revista e os assuntos nela abordados, os brindes que acompanham as revistas, os episódios da
Série Animada, entre outros inúmeros artefatos que compõem o Complexo, como auxiliares
estratégicos na formação de um certo tipo de sujeito. O Complexo emprega uma estratégia que
gerencia a vida das jovens garotas em diversos âmbitos de sua existência. Âmbitos esses que
vão desde o escolar ao familiar, passando pelo emocional e o estético, chegando a atingir os
mais íntimos pensamentos e desejos das meninas que participam ativamente e se deixam guiar
pelo Complexo.
As matérias, textos e reportagens apresentados no Complexo freqüentemente são
relacionados aos cuidados com a auto-estima, com a estética e com o sentimento, com o lado
afetivo-amoroso. Como é o caso da orientação a seguir, retirada do Livro Secreto 100 magias
para sobreviver na escola, que narra no capítulo dois, especificamente a história do
primeiro dia de aula das bruxinhas em um curso opcional de Informática, do Instituto
Sheffield. Então, o Coração de Kandrakar alguns ensinamentos. Confira a seguir na figura
63:
Figura 63: Coração de Kandrakar (Livro Secreto: 100 magias para sobreviver na escola)
Se pararmos para refletir acerca das lições da figura 63 e de outros ensinamentos
passados às meninas até aqui, observaremos que um assunto está intrinsecamente relacionado
ao outro, pois se estudo bem com a auto-estima, logo isso se reflete no sentimental e no
estético e vice-versa. Trata-se de uma inclinação para o cuidado consigo mesmo. Segundo
Larrosa (1994), Foucault atribuiu a esses cuidados de si mesmo o conceito de tecnologias do
eu, definindo-as como tecnologias
que permitem aos indivíduos efetuar, por conta própria ou com a ajuda de
outros, certo número de operações sobre seu corpo e sua alma, pensamentos,
conduta, ou qualquer forma de ser, obtendo assim uma transformação de si
mesmos com o fim de alcançar certo estado de felicidade, pureza, sabedoria
ou imortalidade. (FOUCAULT apud LARROSA, 1994, p.56)
O Complexo W.I.T.C.H. se preocupa em oferecer às garotas orientações para cuidarem
de si mesmas. Ele trata de cercar a vida das meninas, oferecendo-lhes soluções e prescrições
para diversos tipos de situações que envolvem tanto aspectos físicos como psíquicos. Para
isso, reveste-se de estratégias e ampara-se em especialistas que embasam suas sugestões.
Muitas vezes, em meio ao Complexo as lições estão ocultas e surgem no dia-a-dia das
bruxinhas, como é o caso de um trecho da História em Quadrinhos, no qual a mãe de Will
orientações para ela, com a intenção de melhorar sua auto-estima. Confira a figura 64:
Figura 64: A mãe incentiva Will (W.I.T.C.H.Collection , n. 01, abr. 2005, p. 34)
A cultura midiática recorre a diversas e diferentes estratégias para governar a vida nas
sociedades, direcionando-as a diversificados interesses e objetivos. Segundo Steinberg e
Kincheloe (2004),
podemos começar a montar as complexas e muitas vezes ambíguas maneiras
com que as ações corporativas modificam a conduta das crianças, as formas
com que a propaganda e sua promoção do hedonismo infantil produzem uma
ética de prazer e uma redefinição da autoridade. (p. 27)
Sobre essas estratégias para governar a vida partindo de pressupostos da cultura, Hall
(1997) relata como exemplo uma empresa que tenta atuar sobre as subjetividades de seus
empregados a fim de que eles modifiquem suas condutas, produzindo desta forma novos tipos
de sujeitos que ajam de acordo com os preceitos e necessidades da corporação. Ele menciona
que, através desse tipo de regulação,
ao invés de constranger as condutas, comportamentos e atitudes dos
empregados pela imposição de um regime externo de controle social, busca
levar os empregados subjetivamente a regularem-se a si mesmos. A
estratégia é alinhar as motivações e aspirações pessoais e subjetivas de cada
sujeito às motivações da organização, redefinir suas habilidades e
capacidades conforme especificações pessoais e profissionais da empresa,
internalizar objetivos organizacionais como suas próprias metas. Isso
configura a aplicação do que Foucault denominou as “tecnologias do eu”
para a construção de si mesmo”. (HALL, p. 43, 1997, grifos do autor)
No caso do Complexo, percebo na Revista e nos Livros Secretos que a forma adotada
para prender a atenção das jovens garotas e regular suas condutas é a da autolegitimação, que
invoca discursos de profissionais conceituados, colocando como certo o que eles ditam.
Segundo Costa (2004), “a mídia invoca a palavra de autoridades científicas para orientar os
(as) adolescentes e para credenciar suas prescrições” (p. 81). Penso que isso faz com que a
maioria das garotas, aficionadas ao Complexo, confiem e sigam à risca suas prescrições,
conforme conversas informais que mantive com algumas delas.
O Complexo mobiliza as garotas fazendo uso de uma romântica magia para que se
envolvam numa teia que as envolve com precisão e, aos poucos, sem que elas percebam, e
sem sofrimento algum, vai regulando seus modos de ser, suas vidas. Ele ensina às jovens
garotas a se entenderem melhor, a se perceberem e a se relacionarem com os outros a partir de
construções que parecem ser descobrimentos de si mesmas. Porém, faz com que de certa
forma tornem-se dependentes dele, pois elas acabam atrelando sua rotina de vida às
prescrições e modelos do Complexo, e isso faz com que as jovens garotas sintam-se bem-
sucedidas e autoconfiantes.
Essa dependência que o Complexo suscita, acaba por atrelar a vida das jovens garotas
aos preceitos relativos a vários temas, como ciclo menstrual, maquiagem, meninos,
horóscopo, amizade, gente famosa, etc. –, sobre os quais geralmente jovens garotas têm
dúvidas, inseguranças e gostam de debater e ler. Tenho enxergado o Complexo como um
lugar de poder, que oferece prazer, vai ensinando muitas coisas às meninas, ao mesmo tempo
em que direciona suas vidas e molda suas condutas. Entendo esse poder como algo que se
exerce mediante acionamento de certa tecnologia de si, no qual as garotas vão aprendendo e
construindo coisas sobre elas mesmas, incorporando práticas e modos de ser aos quais elas
aderem e que são ativados a partir do Complexo.
Voltarei a essa construção do próprio eu ao ampliar as análises, mais adiante, pois
um foco voltado à discussão das práticas desenvolvidas pelo Complexo que me ajudará a
ver e mostrar melhor as técnicas de si em funcionamento.
3. Aprendendo a ser garotinha de um certo tipo
No vocabulário pedagógico esse conjunto de palavras amplo,
indeterminado, heterogêneo e composto pela recontextualização e o
entrecruzamento de regimes discursivos diversos utilizam-se muitos
termos que implicam algum tipo de relação do sujeito consigo mesmo.
Alguns exemplos poderiam ser “autoconhecimento”, “auto-estima”,
“autocontrole”, “autoconfiança”, “autonomia”, auto-regulação” e
“autodisciplina”. (LARROSA, 1994, p. 38, grifos do autor)
Pensando com Larrosa (1994), entendo que a constituição das subjetividades se na
conexão entre os discursos e as práticas por eles instituídas. É aí que o sujeito “se constitui no
que é” (p. 40). Sendo assim, a partir do momento em que o Complexo vai narrando uma série
de formas de sobreviver na escola”, de ser uma pessoa “autoconfiante” ou ainda de como se
dar bem com um irmão mais velho, por exemplo, ele vai dizendo o que convém ou o ser
praticado e vai contribuindo para moldar a conduta das garotas. Faz isso também quando
categoriza tipos de atitudes corretas ou não em seus testes, sejam eles para descobrir se você é
capaz de ter um animal de estimação, sejam para saber se você está agindo certo para
conquistar o menino que escolheu.
Para ajudar-me a pensar essas questões, recorri ao ensaio de Larrosa (1994) sobre as
tecnologias do eu, no qual ele desenvolve essa ferramenta foucaultiana em suas conexões com
a Educação:
É nesse sentido que se pode utilizar a obra de Foucault (...): não porque
implique uma teoria diferente do que é a pessoa humana como sujeito, como
capaz de certas relações reflexivas de si mesma, mas porque mostra como a
pessoa humana se fabrica no interior de certos aparatos (pedagógicos,
terapêuticos,...) de subjetivação. (LARROSA, 1994, p. 37)
Vejo o Complexo W.I.T.C.H. como uma certa modalidade de aparato pedagógico
implicado nesse processo de construção de um sujeito de certo tipo. Considero-o como uma
pedagogia cultural e entendo-o como um artefato cultural que opera sobre a vida das garotas,
mediando esse processo de constituição e de composição de subjetividades e identidades em
que estão implicadas experiências de si.
O Complexo vai criando normas, vai dizendo como as coisas são ou como devem ser,
estabelecendo parâmetros e fazendo com que as meninas sigam estas normas para que o
pareçam fora daquilo que é aceito. Mesmo que proponha isso ludicamente, as meninas vão se
moldando segundo certos padrões de convívio social, certas maneiras de ser e de agir, certas
formas de se vestir, etc., e isso traz conseqüências para suas vidas. Imaginemos que uma
dessas meninas não se encaixe na linha proposta pelo Complexo, independentemente do
motivo, ela corre o risco de cair fora da “turma” com a qual se identifica e a qual pertence.
Lembro-me de que, quando estava na série, todas as amigas do meu grupo
assinavam a Revista Capricho
69
e meu pai achava um desperdício pagar por aquelas
bobagens”. Bobagens que, para mim, eram importantes, pois permitia que eu participasse das
conversas do grupo, caso contrário, enquanto as meninas ficavam debatendo sobre os assuntos
da Revista, eu poderia apenas ouvir, completamente por fora. Minha melhor amiga, quando
terminava de ler seu exemplar, emprestava-me. Contudo, a novidade já havia passado e a hora
do recreio que servia para o debate da Revista também. Restava-me o consolo de realizar os
testes e ler o horóscopo do mês. Mesmo não sendo excluída, eu me sentia alijada dos assuntos
tratados.
69
Revista Capricho é um periódico mensal da Editora Abril, destinado ao público feminino de faixa-etária entre
dez e vinte anos. Possui uma tiragem nacional atual de aproximadamente 78.000 exemplares. Dados retirados do
site <http://publicidade.abril.com.br/geral_perfil_leitor.php>. Acessado em 14 nov. 2007.
Voltando ao Complexo, vejo que ele sugere formas de ser, de agir, de vestir, etc. que
são seguidas pelas meninas, até mesmo para dar-lhes a impressão de estarem seguras em uma
sociedade que cobra dos sujeitos magreza, beleza, saúde, etc. Porém, nada disso ocorre no
Complexo de forma o explícita. Para pensar sobre isso convém considerar o que Larrosa
(1994) diz:
Não se trata de apresentar um conjunto de preceitos e normas de conduta que
as crianças deveriam aprender e obedecer. Tampouco se trata de modelar
disposições ou hábitos. Nem sequer de doutrinar em uma série de valores.
Uma vez que se trata de práticas centradas na aquisição, nelas não se ensina
explicitamente nada. Entretanto, se aprendem muitas coisas. (p. 45)
Desta forma, as meninas vão aprendendo a interpretar-se, mas sempre seguindo os
preceitos e propostas sugeridos pelo Complexo, tendo em vista que elas o têm como um tipo
de conselheiro, uma vez que é ali que elas encontram as orientações e sugestões de que
precisam, sem ter que falar ou perguntar para algum adulto, como os pais ou algum
especialista. No Complexo, especialistas aparecem em todas as seções, dispensando conversas
pessoais e o constrangimento de ter de fazer perguntas íntimas, seja para um ginecologista,
seja para um psiquiatra ou nutricionista. As garotas vão se constituindo a partir de indicações
que circulam no Complexo e são interpretadas da forma como melhor lhes convier, tornando o
Complexo um tipo de dispositivo que produz e regula não só suas identidades, mas suas vidas.
Rose (1998) tem discutido, em seus trabalhos, a expertise que vem dominando a
sociedade contemporânea. Videntes, conselheiros, gurus, hoje tem surgido uma legião de
especialistas que dizem entender da psique humana e saber revelar o melhor caminho a ser
seguido, a melhor atitude a ser tomada, tentando solucionar problemas de todas as ordens e
prevenindo para que tais problemas o ocorram. Essas pessoas diagnosticam dificuldades e
prescrevem soluções. Nas revistas, nos programas televisivos, na internet, em toda parte
alguém para aconselhar e tentar opinar sobre a vida dos outros. As garotas envolvidas no
Complexo encontram-se com essa expertise no momento em que se apóiam nas matérias das
revistas, como a que possui a chamada Operação Salva-notas (edição n.68, de out. 2007), que
versa sobre o tempo que ainda resta para entender a matéria complicada da escola e escapar
da recuperação. A reportagem é de Viviane Biondo, mas quem ajudou na matéria foram Ana
Cássia Maturano e Nádia Bossa, psicólogas e psicopedagogas, e Ana Maria D’Alessandra,
psicóloga, e ainda contou com o auxílio do Colégio Montessori Santa Terezinha. Ao final da
reportagem, aparece um quadro intitulado Lições de Sucesso, com meninas dando dicas de
como fugir da recuperação. Observe isso na figura 65 abaixo, e confira no detalhe (Fig. 66) os
profissionais especializados que ajudaram na matéria.
Figura 65: Seção Sala de Aula (W.I.T.C.H., n. 67, set. 2007, p. 30)
Figura 66:
Detalhe
(Quem ajudou?)
Outra matéria interessante chama-se Escrita reveladora (edição n. 48, de fev. 2006), e
mostra que a forma como as meninas escrevem pode revelar aspectos de suas personalidades.
A reportagem é de Marcela Lamounier e quem ajudou foi o engenheiro, grafólogo, perito
grafotécnico José Bosco. Abaixo, confira a matéria (Fig. 67) e no detalhe, a seguir, (Fig.68) o
especialista consultado.
Figura 67: Seção Esô (W.I.T.C.H., n. 48, fev. 2006, p. 30 e 31)
Figura 68: Detalhe (Quem ajudou?)
Outro exemplo que mostra como são variados os temas debatidos na Revista, aborda
as fases da Lua. A reportagem com o título No ritmo da Lua (edição n. 62, de abr. 2007) fala de
como cada fase lunar pode influenciar a vida das meninas de várias maneiras. Ela foi
produzida por Emerson Agune e quem ajudou foi a astróloga Sandra Perin.
Como tenho observado, parece que as meninas costumam ter as bruxinhas como
representantes daquilo que é correto e bom, dando um outro sentido para o que é ser uma
bruxa. Portanto, acabam praticando seus conselhos devido a essa imagem inventada nas
histórias narradas na Revista, nos Quadrinhos e na Série Animada. Os Livros Secretos, como
mencionei anteriormente, aparecem em forma de diário, contando um pouco da rotina de cada
uma das bruxinhas, e passando a idéia de que elas são como as leitoras, que estudam, gostam
de andar na moda, paqueram os meninos e têm, de vez em quando, seus “probleminhas”. E
é então que entra em cena um repertório de prescrições e conselhos que mostram como é
possível superar os contratempos do cotidiano.
Ao seguir os conselhos sugeridos pelo Complexo, as garotas vão praticando certas
“técnicas do eu” que Rose (1998) definiu da seguinte forma:
as formas pelas quais nós somos capacitados, através das linguagens, dos
critérios e técnicas que nos são oferecidos, para agir sobre nossos corpos,
almas, pensamentos e conduta a fim de obter felicidade, sabedoria, riqueza e
realização. Através da auto-inspeção, da autoproblematização, do
automonitoramento e da confissão, avaliamos a nós mesmos de acordo com
critérios que nos são fornecidos por outros. Através da auto-recuperação, da
terapia, de técnicas de alteração do corpo e da remoldagem calculada da fala
e da emoção, ajustamo-nos por meio das técnicas propostas pelos experts da
alma. (ROSE, 1998, p. 43, grifo do autor)
O Complexo lança mão de uma união sutil e conveniente entre o público-alvo –
garotas de 8-13 anos de idade e a romântica magia. Quero dizer, mobiliza o interesse das
meninas por magia para, com isso, conduzir seus modos de viver. Porém, volto a repetir: tudo
ocorre de forma muito sutil. Na verdade, tudo é prazeroso, pois está ligado ao entretenimento.
As meninas podem, ao mesmo tempo em que se divertem, aprender uma técnica mágica e
ainda descobrir coisas sobre o amor, a amizade, os meninos, o astral, etc.
Na matéria O jogo do oráculo: jogue as pedras e descubra o que o futuro lhe reserva!
70
, elas
têm que se propor a montar o tabuleiro que acompanha a Revista para depois, com as
pedras/cristais que vieram acompanhando o tabuleiro, aprender a jogar e assim poder ter uma
visão do futuro sobre amor, família, amigos, saúde e sorte.
Não há como fugir, nem como ignorar esses processos. E se eu tivesse uma filha nesta
faixa-etária, dificilmente conseguiria impedi-la de participar de algum evento que se tornasse
mania, pelo contrário, suponho que a deixaria participar para ela não se sentir excluída do que
é considerado normal, a “onda do seu grupo. Meyer (apud ROSE, 1998, p. 34, grifos do
autor) mostra que a estimulação das subjetividades é favorável no sentido de que vai
maximizando as capacidades intelectuais e que elas são “fundamentais para a produção de
indivíduos que estejam ‘livres para escolher’, cujas vidas se tornam válidas na medida em que
estão imbuídos com sentimentos subjetivos de significativo prazer”.
4. Estratégias para encantar jovens meninas
Retomando algumas idéias de Ellsworth (2001), citadas no Capítulo 1, suponho que o
público-alvo ao qual o Complexo é endereçado compõe-se de garotas de classe dia a alta.
Essa hipótese se apóia no próprio valor da Revista, que no começo desta pesquisa, em 2006,
era de R$ 6,95 (cada) e atualmente é de R$ 7,95 (cada). A assinatura de um ano custa R$
95,40 e a de dois anos, R$ 190,80. Outro dado que me levou a essa suposição foram as
temáticas abordadas, assuntos relacionados a internet, celulares, MP3, compra de acessórios e
roupas de valores geralmente bem elevados.
Fortalece essa hipótese o que aparece na Seção Tchau, Mesada (edição n. 54, de ago.
2006), na qual as meninas encontram uma matéria denominada Roupas para celular e iPod A
moda é vestir seu telefone e seu tocador de música com roupas fofas como essas! Ela traz uma série de
70
W.I.T.C.H., n. 60, fev. 2007, p. 20
modelos das roupas para os aparelhos mencionados, e as mesmas têm preços que ficam entre
R$5,00 e R$ 72,00.
Outra reportagem que mostra com maior nitidez essa afirmação que fiz quanto ao
segmento social a que se destina o Complexo está na edição n. 70, de dez. 2007, na Seção
Matéria Básica, chamada de Viagem para a escola Fazer curso de férias no exterior é cada vez
mais comum. Vale pelo idioma que se aprende, pelo contato com a cultura de outro povo e, claro, vale
também pela diversão! Esta reportagem traz rias informações sobre cursos de férias
(intercâmbio), o que são, quanto custam, quanto as garotas devem levar para gastar, o que
devem levar nas malas e onde se hospedar. Além de trazer relatos de experiências de três
meninas: uma de 11 anos que foi para Nelson (Canadá) e se hospedou em uma casa de
família, outra de 15 anos que foi para Malibu (E.U.A) e ficou em um alojamento da própria
escola e outra garota, também de 15 anos, que viajou pelo convênio do curso de inglês para a
Califórnia (E.U.A).
Parte da chamada da matéria diz que fazer curso de férias no exterior é cada vez mais
comum. Porém, creio que deva ser comum para filhos de famílias com elevado poder
aquisitivo, já que tais programas são muito caros. Essa reportagem da Revista W.I.T.C.H.
corrobora minhas suposições quanto ao público-alvo, e ainda mostra formas de convocação
para o consumo impregnadas nas matérias. Elas, ao mesmo tempo que sugerem, orientam,
ensinam e também vendem. Uma evidência desse caráter mercantil são os nomes das agências
de viagens ao final da matéria. (Fig. 69)
Figura 69: Seção Matéria Básica (W.I.T.C.H., n. 70, dez. 2007, p. 08 e 09)
Em sua pesquisa, na qual analisou as representações de juventude produzidas pelo
jornal Kzuka, Marques (2007) olhou como esse particular artefato cultural produz, pela
utilização de estratégias discursivas e representacionais, significados que configuram modos
de ser "jovem". No caso do Complexo W.I.T.C.H., diversas estratégias também são utilizadas
para configurar modos de ser “jovens garotas”. Eis mais uma estratégia que o Complexo
utiliza para atrair, capturar, enredar e encantar as jovens meninas.
Uma das estratégias observadas refere-se à linguagem utilizada pelas revistas e pelos
Livros Secretos. A impressão que se tem ao ler e analisar mais atentamente estes artefatos é a
de que eles dialogam com a leitora, como se fossem totalmente direcionados para uma pessoa
em particular, ou como se tivessem sido produzidos especialmente para uma determinada
leitora, além de serem escritos exclusivamente para o público feminino. Como podemos
verificar nas figuras 70, 71 e 72, a seguir.
Percebemos, no detalhe da figura 70 acima, a Revista conversando com a leitora e o
direcionamento pessoal quando inicia suas frases com o pronome você” e quando utiliza
algumas frases no imperativo (Fig. 71) seja honesta, responda, veja –, como a matéria
Figura 70: Frases que iniciam com o
pronome você. Recorte da Seção Boys
(W.I.T.C.H., n. 60, fev. 2007, p. 18)
Figura 71: Frases no imperativo.
Recorte da Seção Boys (W.I.T.C.H., n.
60, fev. 2007, p. 18)
Figura 72: Seção Boys (W.I.T.C.H., n. 60, fev. 2007, p. 18)
exibida acima, da Seção Boys (edição n. 60, de fev. 2007, Fig. 72), que traz um teste com a
seguinte chamada: Você paga mico na frente de um menino? Seja honesta: toda garota paga! Então,
responda às perguntas e veja se a sua reação ao mico ajuda ou atrapalha uma paquera.
Matérias das revistas, encontradas geralmente na Seção Teste, como a da edição n. 48,
de fev. 2006, que questiona: Você é conectada? Será que você consegue viver sem MSN, e-mail,
Orkut e celular? Faça o teste e descubra como isso tudo afeta a sua vida! (Fig. 73), além de apontar
para o aspecto discutido anteriormente, referente à classe social do público ao qual se destina
a Revista – porque nem todas as meninas desta idade possuem um computador, ou se
possuem, nem sempre têm uma conexão para a internet, e também nem todas têm um celular
também deixa transparecer as inúmeras “ordens”, o tom direto e particular. Indica
igualmente como algo que muitas vezes pode ser considerado supérfluo (pelo menos não a
ponto de afetar a vida das meninas), acaba sendo apresentado para as garotas como algo de
suma importância, assim começando a projetar um certo tipo de menina, vinculada às novas
tecnologias e parecendo ser incapaz de viver longe de um celular ou de um computador. Isso
me leva a pensar que muitas meninas que não possuem os artefatos mencionados começam a
desejá-los ou até mesmo os adquirem, indicando uma forma de convocação para o consumo.
Figura 73: Seção Teste (W.I.T.C.H., n. 48, fev. 2006, p. 06)
Ainda sobre a Figura 73, coloquei-me no lugar de uma menina pobre e imaginei que
esta marcaria mais a letra “c”, pois geralmente essas meninas não possuem celular,
computador com internet, etc. Vejam o que essa consoante traz como resposta às jovens
leitoras, na figura 74, a seguir:
Figura 74: Resposta “C” da Seção Teste (W.I.T.C.H., n. 48, fev. 2006, p. 06)
Imaginando-me ainda no lugar da menina pobre, a resposta acima me fez pensar que
não possuir um computador conectado à rede mundial é considerado coisa de outro mundo,
coisa de garota atrasada. Acredito que, apesar de ser uma “febre” entre as crianças e jovens
de hoje, o computador não atrai a todos da mesma forma. Minhas interlocutoras divergem
quanto ao tempo que permanecem em frente ao computador. Apesar de ambas gostarem
muito de “navegar” na internet, uma passa pouco tempo, já a outra, sempre que tem tempo
livre, fica direto no computador. Nem por isso a que passa menos tempo é uma garota
“desconectada”, pelo contrário, ela é muito ligada! Ligada à música, às amigas, à família, etc.
Portanto, vejo que, além de indicar que ser vidrada no mundo cibernético-tecnológico é o
modelo desejável, esse tipo de teste parece que acaba transformando as que não são ou em
pessoas infelizes, por não se sentirem à vontade frente às novas tecnologias, ou orientando-as
para o universo cibernético, pois, se todas as garotas normais são aficionadas, elas também
devem ser.
O Complexo utiliza outras estratégias além das citadas acima, mas a que mais me
chama a atenção e a que se tornou um dos eixos de análise desta pesquisa refere-se à
construção do próprio eu e aos cuidados consigo que o Complexo enseja às suas leitoras. São
estratégias de governo que utilizam os saberes técnicos dos experts e a invenção de uma gama
de técnicas que tentam agir sobre as jovens meninas. No caso do Complexo, essas técnicas
podem ser constatadas quando as garotas fazem uso dos Livros Secretos para aprender sobre
Cinco maneiras de levantar o astral de uma amiga ou Cinco conselhos para colocar um freio na
prepotência, como mostra a figura 75.
Figura 75: Textos retirados, respectivamente, da coleção Livros Secretos: 100 magias para aumentar a
autoconfiança, p. 22 e 23, e 100 magias para conquistar milhões de amigos, p. 74 e 75 – Edelbra, 2003.
Em relação aos cuidados, controle e conhecimento de si mesmo, Rose (2001a) mostra
algumas formas com as quais é possível enxergar outros eventos em funcionamento, levando-
nos a perceber como muitas vezes articulamos essas práticas e técnicas sobre nós mesmos
sem que sejam conscientes, pois nos foram dadas como naturais, como é o caso de escrever
em um diário, comum entre meninas da idade que o Complexo se dirige. Rose (2001a) afirma
que:
As tecnologias do eu tomam a forma da elaboração de certas técnicas para a
conduta da relação da pessoa consigo mesma, por exemplo, ao exigir que a
pessoa se relacione consigo epistemologicamente (conheça a si mesmo),
despoticamente (controle a si mesmo) ou de outras formas (cuide de si
mesmo). Elas são corporificadas em práticas técnicas particulares (confissão,
escrever diários, discussões de grupo, o programa de doze passos dos
Alcoólicos Anônimos). E elas são sempre praticadas sob a autoridade real ou
imaginada de algum sistema de verdade e de algum indivíduo considerado
autorizado, seja esse teológico e clerical, psicológico e terapêutico, ou
disciplinar e tutelar. (ROSE, 2001a, p. 41)
A seguir, passo a apresentar um pouco da trama que envolve a história das bruxinhas
W.I.T.C.H., com a finalidade de continuar mostrando algumas dessas estratégias.
As personagens principais o as cinco meninas que apresentei anteriormente Will,
Irma, Taranee, Cornélia e Hay Lin –, que moram na cidade de Heatherfield
71
e se conhecem
na escola, o Instituto Sheffield, onde ficam amigas. Porém, o que elas não sabiam é que seus
destinos já estavam traçados, pois elas seriam escolhidas para uma missão especial: proteger a
Terra das forças do mal. Recebem a notícia de Yan Lin, a de Hay Lin, que lhes o
Coração de Kandrakar – um talismã que reúne os quatro elementos (terra, ar, fogo e água) e é
a fonte de energia que libera a magia das meninas, transformando-as em poderosas bruxinhas.
Kandrakar é um lugar fora do tempo e do espaço, lugar onde se ergue o templo da
Congregação. Para entender que lugar é este Kandrakar –, preciso reproduzir uma breve
história.
O universo era um só, um imenso reino controlado pela natureza, um reino
que durou até que espíritos e criaturas conheceram o mal, e aquele mundo se
dividiu entre os que queriam paz e aqueles que viviam pela dor dos outros e,
para separar as duas partes, foi criada a muralha. A maldade e a injustiça
foram banidas para a zona mais escura do metamundo. Antes de se dividir
para sempre o universo deu vida à fortaleza de Kandrakar, no centro do
infinito onde os espíritos e as criaturas mais poderosas velam pelo mundo,
vivem os protetores da muralha. (GNONE, 2005, n. 01, p. 51, grifos da
autora)
As W.I.T.C.H. devem proteger a muralha para evitar que o mundo seja dominado pelas
forças do mal. Cada uma delas possui um poder relacionado com as forças da natureza.
71
Nome que significa campo de urzes: arbusto silvestre de flores coloridas.
Will é a protetora do Coração de Kandrakar e é a catalizadora de todos os elementos,
podendo assim aumentar seus poderes sempre que necessário. Ela soube dos seus poderes
quando viu a sua imagem refletida e transformada na vitrine de uma loja a caminho de casa,
ao voltar da escola, conforme figura 76, a seguir.
Figura 76: Will refletida em uma vitrine transformada em W.I.T.C.H. (W.I.T.C.H. Collection , n. 01, abr.
2005, p. 28)
Vários acontecimentos foram aos poucos revelando a todas as bruxinhas que elas eram
donas de um dom especial. Will, por exemplo, viu sua imagem transformada no espelho antes
de ir para a festa de Halloween da escola junto com as amigas. Passou de uma menina esguia
e desajeitada a acinturada, com seios empinados e cabelos esvoaçantes. Junto com seus
poderes, dominou a prática de conversar com os eletrodomésticos e, mesmo quando sem
energia elétrica, ela consegue fazê-los funcionar. Em sua casa, cada um deles ganhou um
nome especial (a geladeira é o James, a televisão é o Billy, a impressora é a Mildred, o
computador é Jorge, etc.). Com incentivo de Matt (aluno do Instituo Sheffield, da oitava
série), rapaz por quem é apaixonada, acabou adotando como animal de estimação um esquilo.
Ela o salvou de um ataque da turma do Uriah (os meninos maus e “bobões” do colégio), que
estão sempre aprontando e se metendo em confusão, apesar de Nigel (o menino bom e
covarde da turma) estar sempre querendo mostrar a Uriah e Samson (outro integrante da
turma) que nada do que ele idealiza (as maldades) é necessário.
Irma, por sua vez, possui o poder do elemento água, e é capaz de magias
extraordinárias. Descobriu seu poder após brincar com a água da banheira durante o seu
banho (Fig. 77) e, ao sair, pensou na cor de um vestido que queria usar para ir à festa de
Halloween. De repente, seu armário estava magicamente repleto de vestidos na cor que havia
imaginado, como aparece nas figuras 78 e 79.
Figura 77: Banho no qual Irma brinca e manipula a água
(W.I.T.C.H. Collection , n. 01, abr. 2005, p. 23)
Figura 78: Irma pensa em um vestido azul e... (W.I.T.C.H. Collection , n. 01, abr. 2005, p. 25)
Figura 79: ...todos de seu armário mudam para esta cor
(W.I.T.C.H. Collection , n. 01, abr. 2005, p. 25)
Irma é a mais engraçada das cinco bruxinhas. Está sempre bem-humorada e faz piada
de tudo, mesmo quando a situação é mais séria. Implica muito com a Cornélia e se irrita
facilmente com as coisas que ela faz e diz, principalmente com seu jeito mais “fresco”; outra
pessoa que a tira do sério é Martin, um menino que é apaixonado por ela, mas é muito
desajeitado e sempre aparece na trama deixado de lado por todos. Ele es sempre dando
apelidos pouco comuns para Irma, o que a irrita mais ainda, tais como: meu repolhinho,
minha batatinha, biscoitinho, etc. Seu animal de estimação é uma tartaruga e em seu quarto
podemos encontrar uma série de fotos de cantores coladas nas paredes.
Taranee é a que domina o elemento fogo, e notou seus poderes durante um incêndio
que ocorreu na festa de Halloween na escola, quando conseguiu sozinha controlar as chamas,
como se pode observar na figura 80, a seguir. Ela possui um estilo mais despojado, intelectual
e seus cabelos têm corte e cor diferentes. Um substantivo empregado pelas próprias amigas
em uma passagem da História em Quadrinhos é a generosidade, pois ela está sempre disposta
a ajudar todos. Na escola, sua matéria favorita é matemática. Tem um irmão mais velho e eles
são muito unidos.
Figura 80: Taranee controlando o fogo (W.I.T.C.H. Collection , n. 01, abr. 2005, p. 45)
Cornélia, que possui o dom do elemento terra, é capaz de criar buracos na parede e de
mover objetos de lugar com a força do pensamento. Soube de seus poderes quando desejou
que seu quarto se arrumasse sozinho e isso aconteceu, conforme figuras 81 e 82.
Figura 81: Cornélia e seu desejo (W.I.T.C.H. Collection , n. 01, abr. 2005, p. 29)
Figura 82: Quarto se arrumando sozinho (W.I.T.C.H. Collection , n. 01, abr. 2005, p. 30)
De todas as W.I.T.C.H., Cornélia é a mais “estouradinha”, apesar de realista. Foi a que
levou mais tempo para aceitar que possuía poderes e que havia sido contemplada com a
importante tarefa de proteger a Terra das forças do mal. Na trama, ela aparece em diversos
momentos duvidando da magia e desacreditando de poderes paranormais. Possui uma
convivência agitada com a irmã menor, que está sempre querendo “bisbilhotar” o seu quarto.
Sua característica é o gosto pela patinação artística, em seu quarto muitas medalhas e
troféus conquistados através do esporte, além de muitos ursos de pelúcia.
Hay Lin completa o grupo das W.I.T.C.H.. Ela domina o elemento ar e é a única que
pode voar. A bruxinha é responsável por zelar pelo mapa que sua aentregou-lhe, contendo
os doze portais que levam à muralha, e por onde os inimigos tentam passar para dominar
Kandrakar. Percebeu que tinha poderes ao desenhar o Coração de Kandrakar antes mesmo
de tê-lo visto (Fig. 83). Sua família é dona do restaurante chinês Dragão de Prata. Sua
característica mais marcante é o dom de desenhar. Em seu quarto, aparecem uma mesa para
desenhos, tintas, papéis e pincéis.
Figura 83: Hay Lin mostrando às amigas o desenho (W.I.T.C.H. Collection , n. 01, abr. 2005, p. 30)
O nome do grupo foi escolhido após a a (Yan Lin, que também foi guardiã da
muralha) de Hay Lin ter dado a notícia de que as meninas seriam guardiãs de Kandrakar.
Decidiram por W.I.T.C.H., que corresponde às iniciais de seus nomes (Will, Irma, Taranee,
Cornélia e Hay Lin), como mencionei em outro momento. Quem sugeriu o nome foi Hay
Lin. No princípio, elas acharam o nome sem nexo, pois não sabiam, e nem pensavam que
eram bruxas; não tinham idéia dos poderes que haviam recebido, mas, no desenrolar da
história, foram aprendendo a lidar com os mesmos e a dominá-los.
As W.I.T.C.H. são estudantes, como foi mencionado (Irma, Taranee e Hay Lin
estudam na sétima série B e Will e Cornélia na oitava série B). Além do compromisso com a
escola, com a família e com os amigos, as cinco bruxinhas são heroínas que salvam o mundo
das forças do mal quase que diariamente. Afora isso, são meninas que possuem poderes
sobrenaturais e ainda conseguem levar uma vida como qualquer outra garota da sua idade.
Vão à escola, à praia, a festas, namoram, etc. As bruxinhas encontram-se na mesma faixa-
etária à qual se dirige o Complexo. Assim, torna-se fácil dialogar com as fãs, pois os
sentimentos das bruxinhas identificam-se com os das meninas que as apreciam e as seguem.
As W.I.T.C.H. passam por contratempos típicos de garotas da sua idade, como por
exemplo trocar de cidade em função do trabalho dos pais, tendo assim que se adaptar a uma
nova vida, a uma nova escola, a novos amigos; ter discussões com os irmãos; demonstrar
preocupação com a beleza, com as coisas da moda; ou ficar ansiosa também com a conquista
de um menino, com a aproximação de um paquera. Com isso, as meninas, s do Complexo,
identificam-se e encontram na narrativa um mundo familiar, interessante para elas porque
compartilham maneiras de lidar com tudo isso, aprendendo, assim, como se comportar, quais
condutas adotar, etc.
As cinco garotas bruxas dividem-se entre a família, a escola, os poderes mágicos, os
amigos, os amores, os seres surreais e maléficos (que tentam destruí-las) e, mesmo assim, não
perdem o charme, a alegria. E mais: com isso, conquistam uma legião de fãs. Fãs que ficam
alucinadas com o universo proposto pela trama W.I.T.C.H., que encanta e fascina, fazendo
desejarem ser um pouco parecidas com as bruxinhas. O fato é que as meninas não desejam ser
as W.I.T.C.H. somente por causa dos poderes mágicos, e sim porque elas são bem-sucedidas
na escola, com os meninos, e conseguem resolver, com uma habilidade incrível, os
“probleminhas” do dia-a-dia, se considerarmos as idades que têm. Desta forma, resolvendo
esses contratempos cotidianos, é que acabam ensinando às jovens fãs muitas condutas a serem
imitadas.
Tudo o que relatei faz da trama que envolve as bruxinhas uma narrativa fascinante que
interpela as garotas e leva-as a aproximarem-se do Complexo por diversas razões. Em muitos
momentos, elas conseguem ver-se nele; vivem um pouco da trama cotidianamente em suas
casas, na escola, etc. E é assim que a narrativa vai, paulatinamente, moldando-se ao universo
de experiências que vão constituindo e instituindo os modos de ser das garotinhas.
O Complexo vai construindo uma narrativa em que estão implicados elementos que
fazem parte da realidade das garotas. Ao mesmo tempo, ele institui novas realidades, novas
idéias e novos comportamentos que passam a fazer parte do processo de constituição das
subjetividades, da fabricação de sujeitos. Esse processo vai se dando a partir do enredamento
das meninas nas tramas do Complexo, o que vai ajudando a moldar suas identidades,
mesclando ensinamentos sobre o mundo e a forma de se viver nele. O Complexo ensina,
sobretudo, a ser um certo tipo de menina, perfeitamente encaixada nas sociedades de hoje.
Woodward (2000, p. 55) menciona que “as posições que assumimos e com as quais nos
identificamos constituem nossas identidades” e isso se verifica, muitas vezes, ficando
explícita a identificação das meninas com o Complexo, com a forma de vida das personagens
narradas por ele.
Tudo no Complexo gira em torno de um eixo magia e consumo. O Complexo utiliza
a estratégia de entrar na vida das meninas através da magia, porém não é somente através dela
que ele incute suas dicas, conselhos, ensinamentos e prescrições. O Complexo utiliza-se de
assuntos que giram em torno do universo feminino para concretizar sua estratégia de
composição de novas formas de ser sujeito um sujeito consumidor; debatendo sobre
diferentes temas e abordando-os sobre diversos pontos de vista, podendo desta forma
corresponder às várias expectativas das garotas.
Quando o Complexo passa a ser um “consultor” que ajuda a solucionar os diversos
contratempos que uma garota da idade à qual ele se destina possa passar, ele entra em uma
zona muito íntima das jovens meninas. Ele vai além do mágico para capturar definitivamente
suas fãs e integrá-las ao seu universo de consumo. E é, principalmente, através das
prescrições, lições, dicas e “ordens” que ele oferece às jovens leitoras, que as mesmas
submetem-se a ele, enredando-se em sua inescapável teia que seduz e faz consumir.
Para concretizar suas estratégias e atrair as jovens meninas, o Complexo W.I.T.C.H.
invoca o emocional e o psicológico das garotas. Com a promessa de ajudá-las, ele vai
constituindo uma rede e nela muitos artefatos surgem (como já mostrado anteriormente) para
entrar em ação e “salvá-las” de seus “problemas”. Linn (2006), que é professora de psiquiatria
da Escola Médica de Harvard, em seu trabalho discute a questão de os profissionais da área
da psicologia e psiquiatria estarem envolvendo-se com grandes corporações, principalmente
as que vendem às crianças, buscando encontrar, entender e dominar os gostos, as atitudes e
saber o que faz sucesso entre elas com o objetivo primeiro de anunciar bem, com isso atingir
o público-alvo e fazê-lo consumir. Ela diz que:
Existem muitos da nossa profissão que ajudam empresas a anunciar de
maneira bem-sucedida para crianças, empregando rotineiramente os
princípios e os métodos da psicologia infantil - da teoria do desenvolvimento
às técnicas de diagnóstico. (...) Os temas que os interesses comerciais
retiraram de seus trabalhos, contudo, também servem de alicerce para o que
a indústria publicitária chama de segmentação, ou alvo de marketing. (LINN,
2006, p. 47)
Entendo que essa maneira como o Complexo aciona o psicológico para envolver as
garotas, fazendo delas suas fãs fiéis, é uma estratégia eficaz e produtiva. Atingir o lado
psicológico se mostra como uma astuta forma de conduzir a vida das meninas, direcionando-
as para determinados focos, trabalhando a partir de seu interior, que, uma vez moldado, passa
a agir e a pensar independentemente do Complexo. É a própria regulação instalada na vida das
jovens garotas na prática.
Capítulo III
UMA ROMÂNTICA MAGIA ENREDANDO GAROTAS NO CONSUMO
1. Magia, romance e garotas
Nas sociedades predominantemente patriarcais que caracterizaram a época medieval, e
com traços ainda visíveis nas sociedades contemporâneas, a influência e a atuação da mulher
era reduzida ao âmbito doméstico. As mulheres eram prometidas a seus maridos e deviam
casar-se virgens. Se isso fosse infringido, corriam risco de morte. O casamento foi uma das
formas que a Igreja Católica encontrou para pregar a moral cristã, pois no século IV, segundo
Muraro (2005), o cristianismo foi oficialmente denominado como a religião oficial do
Ocidente e a vida deveria passar a basear-se nas doutrinas cristãs.
Uma das maneiras que se encontrou para manter as mulheres longe dos clérigos foi a
de associá-las a uma imagem do mal. Isso começou a ser instituído a partir da própria imagem
de mulher narrada na Bíblia. Para os cristãos, Deus criou o mundo sozinho em sete dias, logo
depois criou o homem, a sua imagem e semelhança (perfeito), e por último, criou a mulher,
que surgia de parte do homem (mais precisamente da costela de Adão). Houve um tempo em
que a mulher chegou a ocupar um lugar sagrado, como na mitologia Grega, por exemplo, na
qual se narra que o universo teria sido criado por uma Grande Mãe Gaia ou a Mãe
Terra, como conta Muraro (2005).
Gaia seria a personificação da Terra como elemento gerador das raças
divinas. Nascida imediatamente após o Caos primordial, ela originou sozinha
Urano (o Céu), que a cobre, as montanhas e Ponto (o Mar). (KURY, 1992,
p.159)
Segundo Muraro (2005), na mitologia chinesa também podemos perceber a presença
da mulher como fundamental para o equilíbrio da vida, nos deuses Yin e Yang, que
representam respectivamente o masculino e o feminino e que governavam juntos. Ainda
segundo ela, onde se possa notar o papel da mulher como importante, como é o caso do
mito africano que deu origem ao Candomblé, no qual a entidade Nanã Buruquê é representada
dando à luz a todos os orixás.
Porém, ainda segundo Muraro (2005), depois do segundo milênio a.C., não se viu mais
registros de divindades mulheres. Para ela, as mitologias Persa, Meda e Cristã são nítidos
exemplos de que as deusas deram lugar a deuses que criavam o mundo sozinhos, através de si
próprios, e a mulher apareceria em segundo plano e, no caso do cristianismo, transformada em
personificação do pecado e da tentação.
Esses relatos acerca das mitologias mostram algumas das transformações das visões
sobre as mulheres. Mostram também que, desde o surgimento de uma nova forma de se
entender a concepção da origem do mundo, protagonizada pelos homens/deuses, a mulher
carrega consigo mistérios e lendas que faziam com que os homens a temessem.
Alguns mistérios giravam em torno dos sintomas e efeitos provocados pela natureza
feminina, que faziam com que os homens as entendessem como, no mínimo, “estranhas”.
Afinal, era a mulher que gerava a vida em suas entranhas, tinha as ancas largas para carregar
um ser dentro de seu útero, sangrava de tempos em tempos, e tudo isso fazia com que ela
ganhasse uma imagem assustadora e incompreendida devido à limitação de conhecimentos da
época medieval. Para a crença da época, que se apoiava nos conceitos éticos e morais cristãos,
assim como ora ela podia dar à luz, ora poderia se personificar no demônio. O feminino era
visto, ao mesmo tempo, como algo sagrado e diabólico, algo que poderia ser relacionado com
a concepção da vida, a sexualidade e o pecado, por isso coberto de assustadores mistérios.
A mulher, partindo do ponto de vista exposto acima, é tida, segundo Muraro (2005),
como tentadora e traz com ela a descendência de Eva a mulher criada por Deus para viver
com Adão no paraíso, segundo as histórias bíblicas. Descendência essa que surge impregnada
de luxúria, gula, sexualidade, sensualidade, etc. Porém, um dos argumentos que mais
complementa minhas reflexões acerca desses atributos femininos está intimamente ligado a
uma questão política. Entendo que todos esses mitos e lendas criados acerca das mulheres,
principalmente na Idade dia, constituíram estratégias da Igreja Católica para controlar as
mulheres e a população. Eles colaboraram para construir uma imagem da mulher como algo
negativo, algo que poderia, em certos momentos e aspectos, tornar-se ameaçador para os
homens. Essas crenças e posições foram sendo repassadas pela cristã para uma população
governada por discursos que pregavam uma certa moral a respeito de homens e mulheres,
ensinando-as a ser, desde o berço até a vida adulta, submetidas aos interesses masculinos.
Nesses interesses estavam compreendidas as lidas domésticas, o cuidado com os filhos e
velhos, além de muitas vezes – em determinados lugares –, serem as responsáveis pela
agricultura que sustentava a família, enquanto o papel dos maridos e demais homens era o de
prover os fundos que sustentavam a família em outras esferas que fugissem da alçada
doméstica. Toda essa visão contribuía para a representação da mulher como submissa aos
homens e à cristã, revertendo esse discurso de submissão a um outro, que representava o
esmero em busca da devoção, que deveria ser feminina e destinada à família, à maternidade e,
muitas vezes, essa devoção poderia ser entendida como um ato de amor. Porém, aos nossos
olhos, hoje, toda essa submissão aos homens e à Igreja pode parecer absurda. Contudo, se
deixarmos um pouco de lado nossos pensamentos e educação recebida pela sociedade atual e
submergirmos, minimamente, na época discutida, veremos que as mulheres nem sempre se
importavam por serem vistas ou tratadas de tal forma, ou até se importavam, mas o pouco
conhecimento e a imposição social faziam com que aceitassem tais condições, a mesmo
para não serem punidas.
Um trecho que expressa essa submissão imposta pela Igreja e pela sociedade durante
séculos pode ser encontrado nas palavras bíblicas reproduzidas a seguir.
I Timóteo, 2.11-15: <<A mulher deve ouvir a instrução em silêncio, com
espírito de submissão. Não permito que a mulher ensine, nem que se arrogue
autoridade sobre o homem, devendo permanecer em silêncio. Pois o
primeiro a ser criado foi Adão, depois Eva. E não foi Adão que se deixou
iludir, e sim a mulher que, enganada, se tornou culpada de transgressão.
Contudo ela poderá salvar-se, cumprindo os deveres de mãe, contanto que
permaneça com modéstia na fé, na caridade e na santidade.>>
(BARRACHINA, 2006, p. 54)
Todas estas representações (mitológicas, lendárias, cristãs, etc.) sobre as mulheres na
Idade Média serviram para transformar a bruxaria e a Inquisição em uma batalha contra o
feminino. Elas podem servir de exemplo histórico para relacionar os modos como as mulheres
foram compreendidas e representadas e como sofreram através dos séculos, apenas por serem
mulheres. Para justificar de forma mais nítida essa afirmação, é que discuto a seguir, com o
auxílio das reflexões de Barrachina (2006), Caro Baroja (2006), Barros (2001) e Eliade
(1978), a forma como a imagem da mulher colou-se à da bruxa/bruxaria.
Na época medieval, tudo o que era referente ao feminino significava escuridão e
morte. A Lua, representante do solstício de inverno, é um elo fortíssimo com essa idéia.
Costumava-se mencionar que as bruxas oravam para a Lua e dela tiravam suas forças –
geralmente relacionadas ao mal. No Solstício de Verão, a fertilidade e as colheitas eram
festejadas. Devia-se orar e pedir aos deuses proteção e força. Segundo Barrachina (2006), o
nascimento do Sol coincide com o Solstício de Verão – momento de luz, de vida, de alegria
inclusive o próprio nascimento de Jesus consta como sendo relacionado a esse Solstício. Por
outro lado, no Solstício de Inverno coincidem os nascimentos dos deuses relacionados com a
morte, com as trevas. Segundo a crença nos Solstícios, a mulher está relacionada com o
Solstício de Inverno devido ao homem enfraquecer e tornar-se indefeso durante o período
noturno, podendo assim ser facilmente dominado e capturado pelas magias e feitiços. Mas
onde entram as bruxas nesta história? Quem eram e o que representavam essas figuras?
As bruxas eram sacerdotisas, magas, curandeiras, parteiras e, segundo Barros (2001) e
Eliade (1978), as bruxas medievais não passavam de camponesas que possuíam um saber
intenso sobre chás e ervas medicinais, que tanto podiam curar quanto matar. Com essas
mesmas ervas, elas criavam métodos abortivos e contraceptivos, e isso fazia com que elas
pudessem explorar livremente sua sexualidade, o que, para a época, era considerado além de
pecado, crime. Elas eram consideradas hereges pelas autoridades da Igreja Católica, por
possuírem uma cultura pré-cristã, que acreditava em deuses e deusas pagãs e não em Jesus
Cristo.
As bruxas praticavam rituais noturnos, segundo Barrachina (2006) e Baroja (2006),
chamados de Sabatts geralmente ocorridos nos Solstícios
72
e nos Equinócios
73
. Também
realizavam os Esbás
74
, que seriam pequenas reuniões dos covens
75
para discutir assuntos
locais ou para diversão. Nos Sabatts elas dançavam e cantavam nuas sob a luz do luar,
praticavam rituais de magia em devoção à Lua. O nu estaria ligado às energias, à purificação
do corpo e da alma, não com orgias, como a maioria das pessoas imagina e como,
principalmente, a Igreja pregou. A Igreja entendia os Sabatts como sacrifícios em nome do
demônio, nos quais animais eram mortos e as mulheres mantinham relação sexual com
diferentes homens. Na maioria das vezes, esses homens cobriam seus rostos com máscaras
72
Para solstício, o site Wikipedia refere o seguinte: “O solstício ocorre duas vezes por ano: na noite mais longa e
no dia mais longo. Quando o solstício ocorre no inverno significa que esse dia é o menor do ano e a noite é a
mais longa. Quando ocorre no verão significa que é o maior dia e a menor noite do ano. Em astronomia, solstício
é o momento em que o Sol, durante seu movimento aparente na esfera celeste, atinge o seu maior afastamento
em latitude, da linha do equador. Os solstícios ocorrem duas vezes por ano: em 21 de dezembro e em 21 de
junho”. Informações retiradas do site < http://pt.wikipedia.org/wiki/Solst%C3%ADcio>. Acessado em 04 abr.
2008.
73
Em pesquisa ao site Wikipedia, encontrei a seguinte denominação para equinócio: “em astronomia, equinócio
é definido como um dos dois momentos em que o Sol, em sua órbita aparente (como vista da Terra), cruza o
plano do equador celeste (a linha do equador terrestre projetada na esfera celeste). Mais precisamente é o ponto
onde a eclíptica cruza o equador celeste. Os equinócios acontecem em março e setembro, as duas ocasiões em
que o dia e a noite duram o mesmo tempo.” Informações retiradas do site
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Equin%C3%B3cio>. Acessado em 04 abr. 2008.
74
“Esbá é uma reunião mensal que se realiza treze vezes ao ano durante a lua cheia, que recebe o nome de esbá.
Geralmente no esbá trocam-se idéias, realizam-se rituais especiais, agradecem-se à Deusa e ao Deus, realizam-se
trabalhos de cura e proteção.” Dados retirados do site < http://www.casadobruxo.com.br/textos/magia93.htm>.
Acessado em 04 abr. 2008.
75
Covens, segundo o site <http://www.casadobruxo.com.br/textos/magia93.htm>, acessado em 04 abr. 2008, são
“pequenos grupos de pessoas (...) Um coven possui 13 membros (na maioria das tradições existentes admite-se
14 membros, sendo o décimo-quarto o mais novo do grupo, responsável por preparar os incensos, acender o
fogo, colher ervas e outras pequenas tarefas. O coven é dirigido por uma Alta Sacerdotisa e/ou um Alto
Sacerdote que gerenciam os trabalhos de adoração à Deusa, os trabalhos mágicos e cerimônias como os sabás e
esbás”. Para maiores explicações sobre cada um dos rituais sabatts, sugiro que se entre no site indicado.
para não serem identificados e futuramente punidos. A seguir, cito uma declaração atribuída a
uma bruxa de Toulouse sobre os Sabatts:
Ana Maria de Georgel e Catalina, mulher de Delort, ambas de Toulouse, e
de idade avançada, têm dito em suas confissões jurídicas que desde os vinte
anos são afilhadas ao numeroso exército de Satanás, entregando-se a ele,
tanto nesta como em outra vida. Que discretamente e sempre na noite de
sexta para sábado, tem assistido ao Sabatt, que se celebrava ora em um lugar,
ora em outro. Que ali, em companhia de homens e mulheres sacrílegos como
elas, se livravam de todo tipo de excessos, cujos detalhes causam horror.
(CARO BAROJA, 2006, p. 123, tradução minha)
Parte dessas mulheres freqüentadoras de Sabatts, curandeiras, parteiras, etc., até
mesmo as que manifestassem algum tipo de comportamento estranho ao esperado pela
sociedade da época, eram acusadas de heresia, bruxaria, julgadas e, na maior parte das vezes,
eram condenadas a morrer na fogueira. Estima-se que milhões de pessoas foram mortas
durante a inquisição e queimadas nas fogueiras acusadas de heresia, dentre as quais muitas
eram mulheres, geralmente livres da dependência dos homens, ou então, artistas, livres-
pensadores, etc. O pensamento que a sociedade possuía em relação a bruxas e bruxarias
traduz-se nas palavras de Tritémio:
De um inimigo que nos ameaçar com armas poderemos defender-nos, fugir e
ocultar-nos. Contra as bruxas, pelo contrário, de nada servem escudos ou
armas, nem portas, nem trancas: elas atravessam tudo e tudo se abre à sua
passagem. As bruxas são as criaturas mais daninhas e os inimigos mais
encarniçados que temos à face da Terra, não sendo por isso, injustificado,
condená-las à fogueira. (TRITÉMIO apud BARRACHINA, 2006, p. 57)
Barrachina (2006) relata que nos tempos de perseguições e fanatismos, principalmente
transcorridos no período da Idade Média, tudo o que o se encaixava com a religião cristã
passou a ser considerado expressão do mal. Acredita-se que tenha sido a própria Igreja a
introduzir a figura do demônio nas práticas pagãs, passando, a partir de então, a serem
consideradas práticas de bruxaria. Dentro dessa visão da Igreja, podemos entender a bruxaria
como intimamente ligada ao demônio. A Igreja, com seu poder, instituía suas leis e o povo
havia de aceitar, caso contrário, corria o risco de ser punido de alguma forma, desde
pagamento de impostos até a fogueira. Porém, foi na Idade Média que a bruxaria difundiu-se e
tornou-se alvo da Igreja. Caçar as bruxas era um ofício primordial. A intenção era varrer as
práticas que fossem contra a filosofia da Igreja, e foi assim que se iniciou um longo processo
inquisitorial, e uma onda de fanatismos e de injustiças proliferou, sobretudo na Europa.
Barrachina (2006) tenta nos mostrar como as coisas, tidas como “naturais” nas práticas de
bruxarias não passam de invenções que a própria Igreja fez questão de espalhar, que até hoje
estão presentes em diversas culturas, e, inclusive, foram incorporadas em algumas seitas como
se fosse assim desde sempre.
A caça às bruxas e a caça às feiticeiras, segundo Barrachina (2006), foram realizadas
de formas distintas, pois ainda que a bruxaria e a feitiçaria apareçam como duas práticas
similares, não são iguais. Para os inquisidores, ambas possuíam características diferentes. Nas
práticas de bruxaria, entendia-se que o pacto com o demônio era imprescindível, enquanto na
feitiçaria as práticas mais comuns eram a utilização dos esconjuros e a elaboração de poções e
rezas, mas que não consistiam em pactos com o mal. Sendo assim, os castigos também eram
diferentes para uma e para outra: quando a acusação era de bruxaria, as penas eram cruéis
como relatado anteriormente –, incluindo a pena de morte; a feitiçaria, no entanto, era julgada
como um mal menor.
O próprio cinema já tratou inúmeras vezes do tema envolvendo bruxas e bruxaria, às
vezes de forma histórico-documental, outras de forma cômica ou literária, e colaborou de
certa maneira para mostrar as narrativas que envolvem esse tema misterioso da magia. Um
dos filmes que mostra um pouco das perseguições é As Bruxas de Salém, de Nicholas Hytner,
lançado nos Estados Unidos no ano de 1996. O filme procura apresentar um pouco como as
bruxas eram vistas em meados do século XVII e como as pessoas eram citadas como hereges
e julgadas como tal. A bruxaria e as bruxas eram intrinsecamente ligadas ao demônio,
segundo a crença da época, a qual a Igreja fazia questão de manter. As crenças moviam as
pessoas, nada era materialmente comprovado, tudo advinha de fama pública ou do que o povo
dizia. Uma simples acusação era o bastante para que o acusado ou a acusada fossem
perseguidos, julgados, presos, enforcados ou até mesmo queimados. As pessoas confessavam
coisas que não viram (no caso, de ter tido contato com forças demoníacas) e não fizeram (no
caso, de servir ao demônio), com a promessa de não serem mortas, e ainda acusavam outras.
Isso criava um círculo, em que um acusava o outro para ser esquecido ou libertado. Quando
tentavam ir contra as acusações (que significava, para muitos, ter honra e admitir apenas a
verdade que nunca adorou ou serviu ao demônio), eram castigadas e ninguém nelas
acreditava. Os crentes imaginavam que o próprio demônio era quem estava dominando aquela
pessoa para que mentisse e continuasse viva, a fim de proliferar a maldade. Mencionar a frase
“que o diabo o carregue!”, hoje tão comum, era um indício de pacto com o satã e levava à
cadeia, ao julgamento e a à fogueira. Uma coincidência como uma carroça carregando
toras de madeira que despencassem e que tivesse alguém olhando naquele momento (como
mostra uma cena do filme As Bruxas de Salém) –, era considerado feitiço, como se quem
olhou as tivesse derrubado com suas forças satânicas. Essa é uma das famosas e inúmeras
histórias relatadas no cinema, do que aconteceu com os perseguidos.
Porém, as idéias sobre bruxaria começaram a se modificar a partir do século XVIII, no
raiar da era das luzes”, quando as perseguições haviam praticamente desaparecido. O
racionalismo científico emergente simplesmente minou essas crenças. No racionalismo, o
conhecimento é condicionado à razão. Os fatos não oferecem suficientes critérios de certeza e,
por isso, não são considerados saberes. O fato é que, até hoje, crenças e magias levantam uma
série de dúvidas e nunca conseguiram ser comprovadas através da Ciência, que realizou
diversos estudos sobre variadas formas de magia e não obteve comprovação, como muitos
esperavam.
no século XXI, as idéias sobre bruxaria são outras, bem diferentes das narradas até
então. Hoje podemos dizer que uma liberdade de expressão, não encontrada o facilmente
em épocas passadas, que permite aos seres humanos optarem por quais crenças se interessam
mais, quais delas condizem com suas filosofias e formas de vida. A bruxaria, nos dias de hoje,
pode ser considerada uma opção religiosa. Demanda acreditar em uma filosofia, participar de
reuniões, manter um grupo de pessoas que compartilhem das mesmas idéias e é por essa razão
que hoje ela está dividida em muitos tipos de bruxaria, que não convém agora listar – mas um
bom exemplo seria a crença wicanna (que mais adiante é mencionada).
A bruxaria acompanhou as mudanças dos tempos, e hoje considero as bruxas pós-
modernas, capazes de possuírem uma loja que comercialize idéias e artefatos acerca das suas
crenças, em pleno shopping center. Olhando alguns filmes, antes de iniciar esta pesquisa, com
a intenção de encontrar materiais que subsidiassem minhas reflexões acerca de bruxas,
bruxarias, de História, etc., cheguei ao filme A Feiticeira, lançado em 2005 e dirigido por
Nora Ephro. Ocorreu-me o pensamento que esse seja um bom retrato do que vem a ser a
versão pós das velhas bruxas. A seguir comento um pouco sobre ele, pois o mesmo sugere
uma boa e atualizada versão das bruxas.
O filme inicia mostrando uma visão panorâmica de uma cidade, como se alguém
estivesse sobrevoando Los Angeles, e sugere que quem o faz é a Feiticeira. Afinal, como nos
contaram, bruxas utilizam como “meio de transporte” a vassoura, o que faz pensar que é ela
quem está sobrevoando a cidade utilizando o objeto. Esse filme é completamente o oposto do
citado As bruxas de Salém. Quando se olha para os cenários, por exemplo, em A Feiticeira,
tudo é muito claro, limpo; o céu é sempre azul; ela é meiga e veste tons de cor pastel. no
outro filme, o dia é sempre acinzentado; as pessoas possuem aspecto de sujas, animais como
galinhas, cavalos, etc., vivem no meio delas. Podemos ter uma visão de como seria um
cenário medieval e um pós-moderno assistindo a esses filmes. Mas não vou me ater aos
detalhes, pois o objetivo não é analisar os filmes. Apenas os trago para ajudar-nos a enxergar
as diferenças entre as épocas (medieval e contemporânea).
Isabel Bigelow é a Feiticeira, interpretada por Nicole Kidman. Ela vai fazendo com
que a visão prévia que temos sobre bruxas (geralmente feias, com uma verruga no nariz,
vestindo quase sempre roupas em tons escuros, etc.) seja aos poucos desconstruída. O
contrário pode ser vislumbrado em Isabel, pois é uma bruxinha linda e carismática, além de
transparecer um certo tipo de inocência, pois se mostra durante a trama como uma jovem
sonhadora, que vive em busca do verdadeiro amor. Ela é uma bruxa que vontade de
apertar, de abraçar, de tão graciosa.
Além de todas as qualidades de Isabel, ela ainda deseja ser normal”, segundo suas
próprias palavras. Ela deseja deixar de ser feiticeira, casar-se, ter uma família, etc. Seu pai
(Nigel Bigelow, interpretado por Michael Caine), também feiticeiro, não concorda com isso e,
em uma conversa, ela diz a ele: “Sua vida é só gratificação imediata, papai.”, tentando
justificar por que gostaria de deixar a magia de lado e levar uma vida como qualquer outra
mulher, suar no calor, ter os cabelos bagunçados ao vento, etc. Porém, Isabel não consegue
com facilidade livrar-se da magia. Promete sempre que será a última vez que a usará, mas
continua fazendo uso dela até o final do filme.
Pensando na frase utilizada pela Feiticeira, questionei-me diversas vezes: mas o que é
a gica senão imediatismo? Ou seja, basta pensar e concretizar. O fato de que tudo o que se
queira torna-se realidade nos a noção de que é muito fácil a vida da feiticeira. Mas, não
apenas neste filme, como em outros aos quais assisti, nem sempre se é feliz assim, pois essa
vida oferece seus prós e contras, e uma feiticeira também possui sentimentos que muitas vezes
devem ser reprimidos pelo simples fato de serem diferentes e terem de conviver com essas
diferenças. Em A Feiticeira, questões interessantes são levantadas. Por exemplo, como uma
pessoa “normal” poderia casar-se com uma bruxa? Um humano não aceitaria que sua amada
fosse uma bruxa e esse é um dos temas centrais do filme e da série original Bewitched, com
Elizabeth Montgomery no papel de Feiticeira, que foi exibida na televisão norte-americana
entre 1964 e 1972
76
.
Por outro lado, o pai de Isabel justifica o fato de ser feiticeiro dizendo: “Você pode ser
o que quiser, toda a mulher quer ser uma feiticeira”. É neste momento que começo a chegar
76
Segundo o site <www.adorocinema.com.br>. Acessado em 26 out. 2006.
no assunto que queria abordar: ser bruxa/feiticeira é algo que atualmente mexe com a
imaginação feminina, e por que não dizer humana. Ter a sensação de poder, de ter e ser o que
quiser e quando quiser, manipular a sua vida e de outras pessoas, para que as coisas sempre
saiam da forma desejada e esperada. E essa estratégia de mostrar a magia como algo que
soluciona problemas de imediato é vendida facilmente nos dias de hoje, tanto através dos
filmes, das literaturas, como na mídia em geral. A fórmula de venda a entender que se
tornar uma feiticeira pode resolver quase todos os problemas das mulheres e, ainda mais, do
mundo. Como se num passe de mágica, num estalar de dedos, com uma vara de condão ou
uma poção fantástica, a vida pudesse ser bem melhor; como se pudéssemos obter tudo que
sonhamos através da magia.
O mesmo ocorre com as meninas envolvidas com o Complexo, que em muitos
momentos e narrativas podem perceber um tom de imediatismo nas lições, como é o caso de
uma matéria (edição n. 54, de ago. de 2006, p. 29) que diz assim: Missão de paz – Você gosta de
um menino e suas amigas o suportam o cara? Aprenda agora a lidar com esse problema! Como se
em apenas uma matéria, de uma única gina, as meninas se habilitassem a lidar com as
complexas questões que envolvem o tema sugerido e se tornassem experts no assunto ou, no
mínimo, menos inseguras. O fato é que parece que as jovens garotas dificilmente conseguem
abrir mão dos ensinamentos do Complexo. Suponho que elas fiquem tão encantadas com a
narrativa apresentada pelo Complexo W.I.T.C.H. que dificilmente conseguem desenredar-se
dele; tornam-se fãs incondicionais e desejam ser, no mínimo, parecidas com uma das cinco
bruxinhas, sendo capazes de conciliar “perfeitamente” escola, família, amigos, amores, etc. O
imediatismo surge como outra estratégia utilizada pelo Complexo para seduzir as meninas e
fazê-las pensar que necessitam dele para resolver seus contratempos cotidianos.
Aproveitando que falo acima sobre estratégias, acho oportuno mostrar com um pouco
mais de detalhes como o Complexo mobiliza essas estratégias com o intuito de capturar as
jovens garotas a ponto de conseguir moldar suas condutas de vida.
2. A magia como estratégia interpeladora
Quando iniciei esta pesquisa, imaginava que fosse analisar um material que lidava em
sua grande parte com magia e bruxaria e que, então, esse seria o foco que deveria enfatizar em
minhas análises. Porém, o que percebi, no decorrer do trabalho, foi que a magia não era
central no Complexo, apenas uma coadjuvante que servia de isca para atrair as jovens garotas
para o consumo das mercadorias do Complexo.
Fiquei perguntando-me por que a magia seria o caminho escolhido para se chegar até
essas jovens garotas e comecei a dar-me conta de que, na literatura romântica, em uma
história onde uma bruxa, geralmente, um príncipe encantado que salva a princesa da
bruxa.
Os fatores encantamento e envolvimento pelo místico, pelo misterioso, também podem
ser elementos que ajudam a tornar atraente o Complexo. Afinal, a magia teoricamente
consegue dar conta de quase tudo, consegue resolver os problemas afetivos, financeiros,
espirituais, etc. na magia uma tendência ao imediatismo, como mencionei anteriormente.
O que é pedido agora, logo será realizado, em um passe de mágica, algo bastante adequado às
condições da vida pós-moderna.
Desde o começo da pesquisa, perguntava-me o que fazia as meninas se aproximarem
do Complexo e acredito que esse considerável contingente de garotas que se apaixonam pelas
W.I.T.C.H. o faz motivado pela curiosidade, pelo mistério, pelo medo. O fato é que elas
acabam sendo envolvidas, quando se trata de magia. Conversando com colegas e outras
pessoas do meu círculo de relações, pude perceber como elas ficam encantadas quando
exponho meu tema de pesquisa, principalmente se começo falando da bruxaria e da magia, e
se mostro alguns artefatos do Complexo.
Noto também que a aproximação do Complexo ocorre devido a uma tendência
contemporânea que leva as pessoas, cada vez mais, a buscarem novas formas de aliviar o
stress do dia-a-dia. Nossa sociedade tem se mobilizado em busca de qualidade de vida.
Muitas vezes, a busca das pessoas por manterem-se bonitas, magras e saudáveis acaba sendo
concretizada nas terapias alternativas e no esoterismo.
Chegar em casa, acender um incenso que atraia sorte e dinheiro, tomar um banho que
acalma com rosas e sais, passar um creme corporal energizante, entre outras práticas
naturalizadas no cotidiano de muitos, podem parecer que não, mas são, em algum aspecto,
uma forma de feitiçaria, de magia. Trata-se de invocar algo mágico. Cromoterapia,
aromaterapia, numerologia, reiki, shantala, etc., são alguns dos tratamentos alternativos que
envolvem o consumo de produtos esotéricos. Se você ainda não praticou nenhum desses
rituais citados, deve ter ouvido falar deles. O Complexo trata de envolvê-los em certos
momentos, e as garotas acabam se tornando, pouco a pouco, adeptas de práticas e rituais
esotéricos, os quais vão sendo incorporados quase imperceptivelmente aos seus
cotidianos. Como, por exemplo, nas matérias das revistas que seguem.
Na edição n. 51, de maio de 2006, o brinde que acompanhou a Revista foram as
Pedras Esotéricas. As garotas puderam contemplar as dicas de Como usar seu presente esô de
um jeito poderoso! O brinde era composto por cinco pedras de energia (ágata de fogo, quartzo
rosa, ônix, ágata verde e ágata rosa). Na matéria estavam descritos os poderes que cada pedra
era capaz de transmitir às jovens leitoras, e também sugeridos os melhores momentos para
usar as pedras e suas energias. Além de ensinar às meninas como energizá-las depois de
algum tempo de exposição a outras energias (não tão positivas).
A edição da Revista de n. 53, de jul. de 2006, uma Receita da sorte. Diz que Com a
ajuda da Teimancia, você pode beber um chá e ainda ler a sua sorte na xícara! A reportagem explica
que a Teimancia é a arte de fazer adivinhações por meio de borras de chá. É uma tradição antiga,
usada por imperadores chineses e faraós para tomar decisões importantes. Hoje, é um oráculo
conhecido por muita gente e qualquer um pode fazer em casa. (W.I.T.C.H., n. 53, de jul. de 2006, p.
30). Nesta matéria as garotas aprendem o todo de leitura da Teimancia, além do que
significa algumas borras de chá, já que, segundo a própria reportagem, existem mais de
cinqüenta símbolos que ajudam a ler as borras e que ali eles ensinavam apenas os mais
comuns relativos a leituras sobre questões de amor, amizade, meninos e astral. As meninas
ainda são incentivadas a consumir os chás, pois para realizar o ritual são necessários alguns
objetos, como xícara, pires, e chás.
Além de todos as táticas utilizadas pelo Complexo, as mulheres geralmente são
mais interessadas por poções mágicas, misticismo, etc. Parece que são formadas e conduzidas
para isso desde as brincadeiras realizadas na escola de contar as letras dos nomes e fazer
algumas simpatias para verificar se o menino que gostamos corresponde ao amor sentido, até
as inúmeras simpatias dedicadas a Santo Antônio e outros santos. Conversando com uma
amiga, que é praticante do umbandismo, a maioria das mulheres e também dos homens
procuram a casa de Umbanda para fazer “trabalhos” e conquistar o sexo oposto. Ela concluiu
mencionando o que eu imaginava, que na maioria das vezes o as mulheres que mais
procuram.
poucos dias fui em uma festa de aniversário de uma amiga na qual era possível
consultar uma taróloga. Ela estava sentada em um canto do salão, utilizava uma mesa redonda
e uma toalha com mbolos do zodíaco. Sua roupa era simples (calça jeans e blusa comum),
porém usava muitos anéis com cristais de energia. Não hesitei e fui consultá-la, achei um
barato! Fiquei observando, e a maioria das mulheres da festa fez o mesmo sem receio. Outras
somente olhavam de longe e perguntavam às que tinham ido como era, o que ela falava, etc.
De repente, avistei um homem consultando a taróloga e mostrei ao meu marido, ainda disse
para ele ir também, que era bem interessante. Sua reposta foi rápida e direta “Eu não! Isso é
coisa de mulher!”. E esse é o pensamento da maioria dos homens, pois, por incrível que
pareça, aquele foi o único homem da noite a consultá-la.
Sei de homens que são como magos e um bom retrato disso é o escritor Paulo Coelho,
mas logo que se fala em bruxaria e magia é a imagem feminina que vem imediatamente à
mente.
Certas crenças acabam ficando, na sua grande maioria, com as mulheres, pois,
geralmente, são elas que acreditam nas fases da Lua, e só cortam os cabelos na fase crescente.
São elas que recorrem a simpatias para arrumar namorado, para entrar bem um novo ano. São
as mulheres que acendem em suas casas incensos aromatizantes. Se pararmos para pensar,
essas práticas simples, recém citadas, podem ser consideradas práticas mágicas, pois mexem
com elementos da natureza, com poderes místicos e com as crenças de cada um.
Por que o Complexo teria como público-alvo as meninas? Essa é outra questão sobre a
qual penso muito, pois nas histórias em quadrinhos e no desenho animado meninos, vilões
e mocinhos (como, por exemplo, Uriah e sua turma, Matt por quem Will é apaixonada e os
grandes vilões Príncipe Phobos e Cedric). Pensei que não existissem meninos interessados no
Complexo, mas vasculhando o Orkut, encontrei uma comunidade de meninos que dizem
gostar das W.I.T.C.H.. Não há dúvidas de que a Revista trata de entreter as garotas e é
explicitamente voltada para o público feminino. Contudo, as histórias em quadrinhos e os
desenhos animados chamam a atenção também dos meninos. Quem sabe também não se
interessam por aquilo que as meninas estão pensando e discutindo sobre eles? Então, por que
não abrir o leque e colocar alguma seção que trouxesse para dentro do Complexo os garotos
também?
Novamente, volto àquela questão que versa sobre a magia e o feminino. Suponho que
o Complexo se aproveita da associação histórica entre mulheres e bruxas para capturar as
meninas através de um romantismo ligado à bruxaria. Não é à toa que um dos assuntos mais
discutidos nas revistas são os relacionamentos entre meninos e meninas; sempre há uma pauta
para se falar dos meninos e não apenas em meninos. Quem sabe talvez não seja por esse
interesse e envolvimento das mulheres pelo místico que J.K. Rowling, criadora do sucesso
Harry Potter, escolheu narrar suas histórias com um bruxo como personagem principal. As
meninas naturalmente sentir-se-iam atraídas pela narrativa e os meninos foram atraídos por
ser Harry Potter um bruxo.
O que me ocorre é que o romantismo e a magia estão muito próximos. As meninas fãs
do Complexo, na faixa-etária em que se encontram, sonham com um príncipe encantado. Não
só elas, parece que boa parte das mulheres ainda sonha encontrar um príncipe, e é por essa via
que o Complexo segue. Quantas histórias narram que um beijo romântico desfaz um
encantamento ou então que uma linda donzela, ao beijar um sapo, transforma-o em um
príncipe, libertando-o do feitiço de alguma bruxa. Isso mostra essa aproximação entre
romantismo e bruxaria, e é nesse nível que a magia é trabalhada no Complexo, num nível leve,
superficial e romanceado. E foi a partir dessas percepções, que passei a ver que não no
Complexo um “mistério da magia” e, sim, um “romantismo da magia” que envolve as
meninas. O Complexo opera como uma pedagogia cultural que ensina coisas para as garotas, e
que, ao fazer isso, também forma sujeitos de um certo tipo, neste caso, com o objetivo de
fazer com que as meninas, pela via da magia, tornem-se garotas consumidoras dos produtos
do Complexo. O fato é que tanto o Complexo como as garotas não levam muito a rio essas
coisas de magia e bruxaria; elas servem apenas como um “chamariz”.
Ao esmiuçar as táticas dessa pedagogia cultural, será possível mostrar um certo tipo de
tecnologia do eu funcionando, e também algumas dimensões de um processo de subjetivação
que vai formando consumidores. É assim que entro em um campo que é discutido por
Foucault, e, conforme mencionei antes, meu embasamento teórico busca apoio nas reflexões
que Larrosa faz, a partir desse autor, para tentar mostrar esses tipos de tecnologias de si em
operação no Complexo e nas práticas das garotinhas.
3. A mística do consumo
Penso que o fato de o Complexo W.I.T.C.H. ser tão bem-sucedido na regulação da vida
das garotas ocorre devido à faixa-etária à qual ele se dirige. Muitos autores e autoras (Klein,
2002; Schor, 2004; Linn, 2006; Steinberg e Kincheloe, 2004) têm ressaltado também o
enorme investimento em pesquisa por parte das grandes corporações midiáticas para saber o
que atrai, o que agrada, o que gosta de ouvir, de comer, de ler, etc., cada público. Klein (2002)
trata desse assunto em um de seus trabalhos e chama essa estratégia de marketing da
identidade, no qual os profissionais do marketing e os produtores de mídia investem pesado
com a finalidade de dar vida e novos formatos às “imagens da cultura”. Empresas
especialistas em caçar tendências, chamadas de cool hunting, segundo Klein (2002), são
ícones fortes no mercado de trabalho da sociedade contemporânea. Klein (2002) ainda
menciona que “as empresas de bens de consumo somente sobreviveriam se construíssem
impérios corporativos em torno de ‘identidades de marca’” (p.136, grifo da autora).
Por sua vez, Schor (2004) aponta que
A proliferação de especialistas em crianças é tornada viável por uma
inundação de pesquisas geradas pela indústria. Companhias têm criado um
grande número de levantamentos, pesquisas de opinião pública e outros
instrumentos de pesquisa. Tornaram-se antropólogos, utilizando métodos
etnográficos que escrutinam os detalhes mais íntimos da vida da criança.
Marqueteiros estão fazendo videoteipes de crianças em seus espaços
privados, fornecendo análise profunda de rituais da vida cotidiana. Estão
indo às ruas, às lojas e até mesmo às escolas para observar e gravar. Os
pesquisadores estão pagando adultos que as crianças confiem, tais como
treinadores, clérigos e gente que trabalhe com jovens, para arrancar deles
informações. On-line, oferecem dinheiro, produtos e prêmios diretamente às
crianças em troca de informações que possam ser vendidas ao consumidor.
(p. 21)
No caso dessa pesquisa, a identidade que as grandes corporações buscam atingir é a
infantil. Durante os estudos, pude perceber que, para essas grandes empresas, a infância
aparece como um campo lucrativo, como se, de certa forma, ela fosse mais suscetível a cair
nas armadilhas de marketing das grandes corporações. Schor (2004) ainda cita que “as
crianças tornaram-se condutos do mercado de consumo para dentro dos lares, o elo entre os
anunciantes e a bolsa da família” (p. 11). Ainda poucos dias um pai da escola de educação
infantil onde trabalho me contou que é muito engraçada a cena que ocorre todos os dias
quando ele e o filho chegam em casa. Seu filho vai para o quarto assistir ao canal da
Discovery Kids e ele e a esposa ficam pela casa e volta e meia escutam um grito que diz
assim: “Pai, pai, vem ver... é esse que eu quero!”. O que está passando na TV? Entre um
desenho e outro ou em meio aos intervalos dos mesmos, esse menino está sendo metralhado
por propagandas dos Hot Wheels, dos Power Rangers, etc. Seu grito refere-se ao grande
desejo de possuir um daqueles objetos que está sendo exibido pelo comercial, porém, como o
próprio pai relatou, o interesse despertado é por quase todos os artefatos divulgados pelas
corporações fabricantes de brinquedos. Isso mostra que suas estratégias são eficazes no que
concerne a atingir as crianças e que acabam atingindo os pais, porque a criança sabe
exatamente o que quer de aniversário, de Dia da Criança, de Natal, etc.
Durante as férias, aventurei-me uma manhã a assistir a desenhos animados na TV
Globo. Ficamos eu e meu marido perplexos diante das inúmeras e repetidas propagandas
vendendo brinquedos às crianças. Havia propagandas que nem esperavam o próximo intervalo
para serem repetidas. Era apresentada uma vez e, mal acabava, começava novamente. Jogos,
bonecas, carrinhos e pistas de corridas fantásticas eram expostas na TV. A velocidade rápida
com que propagandas são narradas me chamou a atenção, afinal, em trinta segundos é preciso
mostrar as maravilhas que cada brinquedo é capaz de fazer e não deixar escapar nenhum
detalhe, pois todos são importantes para chamar a atenção das crianças e capturá-las. Imagine
uma pista de corridas de carrinhos de ferro, na qual, no meio do percurso, um imenso
gorila que ameaça engolir os carrinhos e apenas os garotos ágeis e espertos conseguiriam
passar por ele sem serem devorados. Tudo isso dito e mostrado em apenas trinta muito bem
sucedidos segundos de comercial. Confira, a seguir, o brinquedo, na figura ilustrativa. (Fig.
84)
Figura 84: Produto anunciado durante intervalo de um desenho animado
As estratégias e jogadas de marketing o inúmeras e muitas vezes passam
despercebidas por nós. Quem nunca viu uma propaganda na TV e foi interpelado por ela,
pensando em adquirir o que foi exibido? Quem consegue ir ao shopping sem gastar um único
real, mesmo que seja o valor cobrado pelo estacionamento? As estratégias estão aí, evidentes
por toda parte, na maioria das vezes, nos capturam e nos levam ao consumo de algo. Um
exemplo de “jogada de marketing”, amplamente utilizada por grandes corporações, é a
preocupação com o aquecimento global”. Inúmeras empresas vêm agregando às suas marcas
selos de compromisso com a natureza e a preservação do meio ambiente. Se você não tem
como plantar uma árvore, anda de carro todos os dias consumindo combustível e liberando
gases danosos à camada de ozônio, não tem tempo para separar o lixo que produz em sua
casa, pode sentir sua culpa amenizada se comprar um produto da marca Ypê
77
, por exemplo,
pois como o slogan da propaganda diz, Compre Ypê! A gente planta árvores para você!
78
.
A promessa é a de “ajudar a melhorar o mundo sem você gastar nada mais com isso”. Para
77
A Ypê é uma empresa surgida no ano de 1950, atua nos segmentos de limpeza da casa, cuidados com a roupa
e higiene corporal. Maiores informações em: <www.florestaype.com.br>. Acessado em 27 jul. 2007.
78
Comercial exibido nas emissoras de televisão brasileira no ano de 2007. Maiores detalhes e vídeo do
comercial no site <http://www.florestaype.com.br>. Acessado em 27 jul. 2007.
isso,todo um discurso que a empresa cria e adere à sua marca a fim de levar o consumidor
a adquirir seus produtos.
No Complexo, este tipo de marketing aparece na seção intitulada Este planeta é seu!.
Das 24 revistas analisadas, três edições trazem esta seção, com matérias relativas ao meio
ambiente. Mostro-as a seguir.
A edição n. 51, de maio de 2006, traz uma entrevista com uma garota de treze anos
que fundou uma Organização Não-Governamental (ONG) com a intenção de preservar o
meio ambiente. A matéria é intitulada Não teremos outra chance e, por ser curta, apresento-a a
seguir na figura 85.
Figura 85: Seção Espelho Meu (W.I.T.C.H., n. 51, maio 2006, p. 28)
Relativamente a essas estratégias de marketing, muito recorrentes na cultura
contemporânea, Yúdice (2004, 2004a) teoriza quando trata da conveniência da cultura. No
livro com este título, ele argumenta que a cultura, na sociedade pós-moderna, passou a ser um
bem consumível, uma mercadoria. Comenta que “a cultura se transformou na própria lógica
do capitalismo contemporâneo, uma transformação que, segundo Rifkin (apud Yúdice, 2004,
p. 35) está desafiando muitos de nossos pressupostos básicos a respeito do que constitui a
sociedade humana’”. (Yúdice, 2004, p. 35). O investimento na cultura como forma de criar
sujeitos consumidores, segundo ele, fez com que essa se tornasse uma “propulsora do
desenvolvimento do capital” (p. 35).
Em suma, o termo conveniência da cultura pode ser entendido, a partir do que Yúdice
(2004) refere, como sendo a cultura um recurso utilizado para outros fins, neste caso, com a
finalidade de levar cidadãos a consumir. Momo (2007) ainda menciona que “ser produtivo
requer consumir, ser ainda mais produtivo diz respeito a se consumir o que tem retorno
social” (p.87). Ainda segue afirmando que “se o consumo pode ser problemático, inventam-se
outras formas de consumir para resolver o problema do próprio consumo” (p. 88).
Com os exemplos que dei acima, estou querendo mostrar como a cultura de
preservação ambiental se tornou algo que hoje pode ser consumido. As empresas agregam às
suas marcas discursos que vendem cartões para abastecer nos postos de gasolina, roupas
ecológicas confeccionadas a partir de certos materiais que agridem menos a natureza,
sandálias para crianças que ajudam instituições envolvidas com a preservação, etc. Costa
(2007) diz que, cada vez mais, estamos consumindo o outro” como prática de cidadania.
Sobre esse consumo do “outro”, ela narra o seguinte:
Eis que surgem as camisetas, pulseiras, bonés e bandanas para cabelo
anunciando que você está engajado na luta contra o ncer infantil, de
mama, a Sida, o fumo, a discriminação aos gays, a exploração sexual de
meninas. Em cada uma destas campanhas, de certa forma, também consome-
se o ‘outro’. (COSTA, 2007, p. 07).
Na Revista, edição n. 63, de maio de 2007, o assunto debatido na seção Este planeta é
seu! vem a complementar o assunto que discuti até aqui. Com a reportagem, as jovens leitoras
podem aprender a consumir “corretamente” e o necessário. A matéria chamada Consumir por
quê? As escolhas que fazemos podem ajudar a salvar o planeta, mostra às garotas que, apesar de ser
muito bom ir ao shopping e fazer compras, elas devem ter um certo cuidado para comprar
apenas o que necessitam, com a intenção de evitar desperdícios. A matéria ensina as meninas
a consumirem, porém sem desperdiçar, e exemplos que abrangem desde quando as
meninas vão ao mercado fazer compras com os pais, até a economia de energia em casa.
Acompanhe a reportagem na figura 86, a seguir.
Figura 86: Seção Este planeta é seu! (W.I.T.C.H., n. 63, maio 2007, p. 05)
Na edição n. 67, de set. de 2007, a matéria é dedicada a mostrar e ensinar às garotas as
principais conseqüências do aquecimento global. A reportagem pode ser vislumbrada nas
figuras 87 e 88, a seguir, denominada O futuro da Terra em perigo!
Figura 87: Seção Este planeta é seu! (W.I.T.C.H., n. 67, set. 2007, p. 09)
Figura 88: Continuação da matéria Seção Este planeta é seu! (W.I.T.C.H., n. 67, set. 2007, p. 09)
Ainda mencionando a temática abordada por Yúdice (2004), entendo a conveniência
da cultura como o uso da cultura enquanto recurso para se atingir algum fim, seja ele qual for.
Hoje, inúmeras corporações (por exemplo, Globo, Bradesco, Sesi, etc.) utilizam as narrativas
acerca da responsabilidade social, da arte, da educação, etc. para fins lucrativos, ou seja, fica
mais fácil vender seus produtos quando colados a discursos que sensibilizam o público-alvo.
O mesmo ocorre com o McDonald’s, como tematizarei mais adiante.
Retornando à mística do consumo que envolve o Complexo W.I.T.C.H., gostaria de
referir minha surpresa quando uma das minhas interlocutoras, que me ajudam a olhar e
entender o Complexo, chamou-me por telefone dizendo que era para eu olhar bem para as
últimas revistas das bruxinhas. Ela me dizia que “algo de muito estranho” havia no
aparecimento constante do High School Musical (HSM) nas edições. Pediu insistentemente,
em um tom que mesclava indignação e denúncia, que eu reparasse que quando eles o
estavam nas entrevistas, na capa, nos informes publicitários, eles davam um jeito de
mencionar o musical HSM , em um teste ou em outra parte da Revista. Devo confessar que
fiquei de “queixo caído” quando a escutei ao telefone. Como sua mãe é nossa colega do
Mestrado e discute temas parecidos com o meu, questionei-a para saber se algo havia dito a
sua filha sobre isso. Se ela quem havia alertado a menina para essa questão, e ela me disse que
nunca mencionou nada em casa. Que, inclusive, W.I.T.C.H. é um assunto secreto em casa, ela
não pode nem abrir a Revista que chega em casa lacrada por um saco preto e muito menos lê-
la, porque isso explicitaria os assuntos que sua filha teria interesse, como por exemplo,
garotos. Que W.I.T.C.H. e o que acontece nesse universo são temas apenas discutidos entre
sua filha e as amigas, mas jamais com ela. A seguir mostro algumas das propagandas do HSM
que aparecem nas revistas.
Figura 89: High School Musical e suas aparições nas revistas
Em relação à figura 89, antes apresentada, observe que coloquei sobre as imagens
alguns números, para que você acompanhe quando o HSM apareceu nas revistas W.I.T.C.H..
Veja a seguir.
1 – Contracapa da Revista, edições n. 63 e n. 64, respectivamente de maio e jun. de 2007.
2 Seção Príncipe, edição n. 59, de jan. de 2007. Perfil do ator Zac Efron que interpreta o
Troy em HSM.
3 Seção Fã-clube, edição n. 67, de set. de 2007. Matéria intitulada Elas arrasam! Witch
comenta os CDs das cantoras que estão bombando e indica as músicas que você não pode deixar de
ouvir. Uma das cantoras indicadas é a Ashley Tisdale, que interpreta a Sharpay no musical.
4 Seção Olha aí, edição n. 66, de ago. de 2007. Matéria que traz muitas dicas, detalhes, etc.
sobre o musical, principalmente alerta para o lançamento do HSM 2 e o que vai acontecer no
novo musical.
5 Capa da edição n. 68, de out. de 2007. Matéria que traz muitas indicações, detalhes, etc.,
chamada de High School Mania: todo mundo ligado na estréia do segundo filme da galera do East
High.
Comecei a refletir sobre o que minha interlocutora me trouxera, e percebi que era de
certa forma uma declaração de que ela estava se dando conta de que o Complexo estava
tentando incentivá-la a consumir HSM, afinal ele é a mania do momento, como a própria
edição n. 68, de out. de 2007, o intitulou. Ainda me instigou perguntando: “tu não acha
estranho que o HSM também seja da Disney assim com as W.I.T.C.H.?”. Nem sabia quase o
que lhe falar, tamanha minha perplexidade diante da situação em que me encontrava. Fiquei
eufórica e impressionada com a sensibilidade da minha pequena ajudante de pesquisa.
Seguindo sua orientação, olhei atentamente para esse fenômeno, e percebi então que se tratava
de uma forma de cruzar as marcas (apesar de o HSM ser da Disney), fazer algo do tipo “venda
casada”.
Seguindo uma das dicas da banca, que me fez ver que Linn (2006) havia se dado
conta disso muito antes de mim, fui buscar suas reflexões sobre a questão do cruzamento das
marcas, sobre achar dentro de um artefato de uma grande corporação uma propaganda ou uma
promoção de outra grande corporação. Sobre isso, Linn (2006) comenta o seguinte:
Hoje, megacompanhias como Viacom, Disney ou Time Warner podem
possuir vários canais de televisão, estações de rádio, provedores de serviço
de Internet, parques temáticos, gravadoras de discos e/ou editoras todas
elas fazendo propaganda cruzada umas das outras, bem como anunciando
alimentos, brinquedos, livros, roupas e acessórios. Algumas corporações
gigantes controlam muito do que as crianças comem, bebem, vestem, lêem e
brincam todos os dias. Por meio de endossos e acordos de licenças,
personagens de desenhos animados, cantores pop, ídolos do esporte e astros
do cinema são hoje ícones de junk food, brinquedos, roupas e todo acessório
que se possa imaginar. Há também o fenômeno em crescimento acelerado da
exposição de produto ou merchandising: a inclusão de propagandas de
produtos em pontos de encontro, cenários e acessórios dentro de filmes e
programas televisivos. (p. 26)
No Complexo percebo muitas marcas que se cruzam, umas patrocinam e divulgam as
outras. Como é o caso das que aparecem nas edições das revistas que analiso. Nas revistas
esses cruzamentos o mais comuns do que nos demais artefatos que compõem o Complexo.
Algumas dessas grandes corporações mencionei anteriormente, à medida que ia
desenvolvendo a pesquisa e percebendo-as inscritas no Complexo.
Em algumas matérias das mesmas edições citadas acima, também aparecem os
cruzamentos das marcas. Elas são indicações feitas pela Revista, como mostrei no Capítulo 1,
e que, de certa forma, ajudam a vender, pois sugerem às garotas as marcas indicadas. A seguir
menciono algumas das corporações mais conhecidas e que aparecem freqüentemente nas
matérias da revistas, seguindo-se alguns produtos que elas expõem às garotas: Abril (revistas,
álbuns, cadernos, gibis, etc), Riachuelo (loja de departamento), C&A (loja de departamento),
Melissa (sandálias, chinelos, etc.), Marisa (loja de departamento), Americanas (loja de
departamento), LG, Samsung, Motorola, Nokia, Gradiente e Sony-Ericsson (celulares), Canal
Boomerang (filmes, desenhos, séries teens, etc.), Mattel (brinquedos), Avon (cosméticos),
Contém 1g (cosméticos), Maybelline (cosméticos), O Boticário (cosméticos), Renner (loja de
departamento), Grendene (sandálias e tênis), Intimus Day Teen (absorvente diário), Colcci
(roupas e acessórios), Carrefour (supermercado), Nike (tênis), Canal Jetix (desenhos
animados), Vide Bula, Dopping, Dzarm, Diritmia (roupas de grife com custo muito elevado),
Lupo (meias), Roxy e Billabong (marcas de roupas e acessórios de surf shop), etc.
A partir da visualização dessas marcas e de tudo o que até aqui foi comentado, fica
mais tido como o Complexo envolve as jovens meninas em uma rede que convoca ao
consumo, e como mencionei em alguns momentos da pesquisa, não de produtos esotéricos
como eu imaginava no começo desse trabalho, mas produtos que abrangem diversos setores
de suas vidas.
É a partir da mística da magia que as meninas chegam até o Complexo, porém não o
objetos gicos e místicos que elas consomem. São as grandes corporações as maiores
responsáveis por introduzir as marcas e seus artefatos na vida das jovens meninas. A mídia
forma aliados, na qual uma corporação se apóia na outra, na qual uma marca se une à sua
concorrente e a anuncia junto com seu produto e assim enreda a todos na busca do prazer do
ato de comprar, do ato de ter o que a última moda dita, etc. Do Complexo fazem parte
“corporações gigantes”, como mencionou Linn (2006), que vão dirigindo a conduta de vida
das garotas, ensinado-as e enredando-as cada vez mais.
4. Aprendendo com as grandes corporações
Por tudo o que vimos até agora, podemos considerar que o Complexo não se sustenta
sozinho. envolvido nele uma série de estratégias comerciais, além de corporações que a
ele se dedicam. Em geral, são grandes corporações que abrangem diversos países, como a
Disney e o McDonald’s, facilitando, desta forma, a proliferação do Complexo em variados
pontos do mundo e, sobretudo, garantindo seu sucesso. Creio que em cada país elas contem
com o suporte de outras grandes corporações. Aqui no Brasil, por exemplo, o Complexo conta
com o apoio da Rede Globo de Televisão e da Editora Abril, além das outras empresas
(Editoras Foroni e Edelbra), mas que não se encaixam no perfil de multinacionais. Imagino
que devam existir outras corporações dedicadas a produzir artefatos relacionados ao
Complexo, mas as que observei e coloco em pauta no momento o as citadas acima. É
importante observar, em se tratando de consumo e grandes corporações, tal como afirma
Steinberg e Kincheloe (2004), que essas grandes empresas possuem a liberdade de produzir
inúmeros tipos e formas de pedagogias culturais, desde que essas gerem lucros e coloquem
em voga o nome da corporação, que geralmente virá associado ao bem-estar social e familiar.
Todos os artefatos do Complexo W.I.T.C.H., bem como as corporações empresariais
que produzem a cadeia que visa a capturar as garotas, podem ser consideradas como
professoras, promotoras de pedagogias culturais que, para além da escola, educam as crianças
em diversas instâncias e criam em nossa sociedade cada vez mais novos currículos culturais.
O que ainda me chama mais a atenção é que nenhuma dessas corporações apresentadas até
aqui possui características explicitamente educacionais, mas sim, como salientam Steinberg e
Kincheloe (2004), são corporações cujo objetivo principal é de cunho comercial e o objetivo
são as “cifras” que, quanto maiores, melhores. O que percebi no decorrer da pesquisa é que,
justamente para matizar um pouco desse caráter comercial, as grandes corporações têm
instituído propostas pedagógicas nas vendas, promoções, propagandas e objetivos de seus
artefatos, justificando os porquês de crianças e jovens adquirirem tais produtos, e ainda
mostrando o que as crianças e jovens podem desenvolver de habilidades e saberes a partir do
seu consumo. Neste caso, a pedagogia dirigida a causas nobres é invocada e empregada como
mais uma estratégia de marketing.
O McDonald’s é um bom exemplo dos usos desta pedagogia comercial, que ensina
como fazer algo, consumindo seus produtos. Compra-se um lanche do McDonald’s e, na
caixa que traz o lanche, encontramos informações nutricionais, dicas de saúde, jogos
“pedagógicos”, etc. Na bandeja em que é servido o lanche, a cada mês, a temática de
discussão é uma. Já pude observar campanhas sobre preservação ambiental, curiosidades
sobre a Copa do Mundo de Futebol, números de doações arrecadadas no Mc Dia Feliz
(quando toda a renda de vendas de Big Mc’s é revertida em doações para instituições em todo
o Brasil), dicas de amor, de humor, entre outros. Aparentemente, todas as campanhas
“pedagógicas” do McDonald’s parecem ter uma finalidade de colaboração com a sociedade.
O que não percebemos, no entanto, é o que citei anteriormente sobre os ganhos de associar a
marca da empresa a uma “boa ação”, ou seja, “associar a imagem do McDonald’s com os
melhores interesses das crianças e legitimá-los como uma empresa que tem um coração, uma
organização que jamais faria algo que não fosse para os melhores interesses da família”
(STEINBERG e KINCHELOE, 2004, p. 29). O que muitas pessoas não sabem é que junto
com essa imagem de “boa ação”, o McDonald’s vai arrecadando milhões e milhões de dólares
para reverter não apenas em “caridade”. Para avaliar a importância que o McDonald’s confere
a finalidades nobres e boas ações, basta considerar o que Steinberg e Kincheloe (2004)
mencionam, que: “Ray Kroc exigia que os empregados do McDonald’s não colocassem suas
famílias no topo de suas listas de prioridades se tinham esperanças de galgar degraus na
hierarquia da corporação Kroc” (p. 29). Não se trata aqui de criar uma imagem demonizadora
sobre o McDonald’s, mas de mostrar que associar a imagem da empresa a uma causa nobre
gera lucros extraordinários e envolve as pessoas no consumo.
Percebo que o Complexo W.I.T.C.H. conseguiu criar uma cadeia da qual é quase
impossível escapar. O que antes era apenas uma publicação e uma Série Animada de televisão
destinada a um público de classe média a alta, exclusivamente feminino, ganhou amplitude e,
ao entreter, é muito competente em ensinar a consumir.
O Complexo firmou boas parcerias, com corporações de diversos segmentos e de
grande porte, como fui mostrando no decorrer da pesquisa e sigo a mostrar.
Capítulo IV
NAS TRAMAS DO COMPLEXO W.I.T.C.H. – Cinco bruxinhas ajudando
a moldar subjetividades
Nas tramas do Complexo W.I.T.C.H., as jovens garotas se deparam com uma vasta
produção de dicas, conselhos, orientações, lições e ensinamentos, que aparecem de diferentes
formas e apresentações. Eles vão surgindo no decorrer da leitura da Revista e dos Livros
Secretos, na assistência aos desenhos animados, algumas vezes na leitura das histórias em
quadrinho, no uso e na apreciação dos brindes que acompanham a Revista, tais como, o Livro
das Atitudes
79
.
Um dos desafios propostos pelo Livro das Atitudes chama-se Eu me amo. O Livro
orienta assim: Este é o desafio para o fim de semana. Se voo sorteou durante a semana, escolha
outra página. Este dia é só seu. Cuide bem de seu corpo. Só coma coisas saudáveis, faça uma
caminhada ou umas voltas de bicicleta. Trate do cabelo e da pele e deixe as unhas bonitas. As
meninas acabam fazendo uso de algumas dessas lições para aumentar a auto-estima, melhorar
a forma física ou incrementar a beleza. Neste caso o conselho esrelacionado à estética, é o
próprio cuidado consigo mesma; ele vai aparecer em diversas instâncias dos ensinamentos,
percorrendo, como já mencionei anteriormente, aspectos físicos e psíquicos.
As lições aparecem, geralmente e como já citei anteriormente, no imperativo. Como se
fossem ordens, dizendo o que as leitoras devem fazer e como devem fazer, passo a passo, se
quiserem ser conforme o que é recomendado. Na matéria Ano novo, escola nova, da edição n.
48, de fev. 2006, a chamada da reportagem questiona: Você vai encarar uma nova escola e está
morrendo de medo? Siga as nossas dicas e não sofra por causa disso! (grifo meu).
Em meio ao Complexo, a coleção de sete Livros Secretos vai dar às garotas uma
seqüência de orientações e articulá-las com maneiras que elas podem utilizar em diversas
situações do dia-a-dia. As narrativas dos Livros Secretos aparecem em forma de diário e
diálogos entre as amigas bruxinhas e ensinam as garotas a lidar com questões da rotina diária
de uma menina. Dizem respeito aos relacionamentos com professores, namorados e irmãos,
abordam assuntos de família, e tratam também de auto-estima e autoconfiança.
Cada Livro Secreto traz 100 magias que, ao mostrar como lidar com inúmeras
situações cotidianas comuns, fazem as garotas se reconhecerem nas narrativas e se
79
O Livro das Atitudes consiste em um pequeno livro, com dimensões de aproximadamente 5 cm x 6 cm, que
traz uma explicação denominada Como Usar. Diz o seguinte: É simples. Você abre em qualquer página e encontra um
desafio, que deve ser vencido por você. Mesmo que o desafio pareça difícil, insista com ele até ultrapassá-lo. Isso vai ajudar
você a detectar suas dificuldades. (Trecho retirado do Livro das Atitudes)
identificarem com as tramas, aventuras, lugares e personagens, podendo facilmente adotar
para si as lições sugeridas. Desta forma, elas colocam em prática o que Rose (2001) chama de
subjetivação, pois as leitoras moldam-se e constituem-se adotando um estilo W.I.T.C.H. para
suas formas de viver e de ver a vida, de solucionar seus contratempos e de portarem-se frente
às situações difíceis e aos problemas da rotina. Elas acabam adotando esse estilo e
solucionando situações complicadas na escola, com os meninos, etc., até mesmo sem
precisarem recorrer aos livros, revistas e outros artefatos do Complexo, pois a linguagem, as
práticas, os jeitos de ser e de agir sugeridos pelas lições embutidas nos artefatos, de certa
forma, são incorporadas às suas vidas sem que elas se dêem conta disso. As meninas reagem
às situações automaticamente, sem descolarem-se do Complexo. Como explica Rose (2001):
A subjetivação é, assim, o nome que se pode dar aos efeitos da composição e
da recomposição de forças, práticas e relações que tentam transformar ou
operam para transformar o ser humano em variadas formas de sujeito, em
seres capazes de tomar a si próprios como os sujeitos de suas práticas e das
práticas dos outros sobre eles. (p. 143)
Os Livros Secretos, assim como toda a gama de ensinamentos produzida pelo
Complexo, acabam por operar sobre a vida das garotas, em umas com mais e em outras com
menos efetividade, mas, mesmo que minimamente, eles promovem algum tipo de
transformação que leva as garotas a praticarem rituais sobre si próprias, consigo próprias ou
até mesmo sobre as amigas. Pude constatar isso na conduta de uma das meninas, minha
interlocutora, que aplicava nas amigas os testes das revistas, ou seja, além de praticar o ritual
sugerido pela Revista consigo mesma, ainda o aplicava com as amigas, multiplicando seu
poder.
Para que se entenda melhor como se estruturam os Livros Secretos e como eles se
apresentam às jovens garotas, vou descrever uma pequena passagem do livro chamado 100
magias para conhecer melhor os meninos: irmãos, amigos, namorados e outros... e mostrar
algumas coisas que ele traz em seu conteúdo.
O texto a seguir se passa no Instituto Sheffield (escola das bruxinhas). A inicial antes
do diálogo indica a bruxinha que fala: W é a Will, I é a Irma, T é a Taranee, C é a Cornélia e
H é a Hay Lin. Acompanhe.
Figura 90: Texto retirado da coleção Livros Secretos W.I.T.C.H.: 100 magias para conhecer melhor os
meninos – irmãos, amigos, namorados e outros... – Edelbra, 2003, p. 07 e 09.
80
Nesse texto, as meninas discutem o comportamento dos meninos, mostrando-se
preocupadas em entendê-los, que para conquistá-los elas devem primeiro conhecê-los. Na
idade em que as garotas adeptas ao Complexo encontram-se, algumas se inclinam a achar os
meninos chatos, feios, bobocas (segundo narrativas das minhas interlocutoras), enquanto
80
A imagem ao fundo do texto foi retirada da capa da Revista W.I.T.C.H., n. 56, de out., 2006.
Meninos: um mundo desconhecido?
Vida de Bruxinha
Segunda de manhã – no Instituo Sheffield, durante o intervalo
T: Ei, Irma, por que esta cara? Qual é o problema?
H: Alguém roubou o seu lanche?
C: Se fosse algo assim tão sério, ela estaria soltando fumacinha!
W: Dê um tempo, Cornélia...pare com isso!
C: Opa! Desculpe, Irma...eu estava só brincando.
I: Tudo bem, eu não estou brava – só estou num dilema...
T: Você está com algum problema?
I: Não, não. Eu estava só pensando...como os meninos são estranhos! Eu nunca vou conseguir entender
esses caras.
H: e por que você está dizendo isto?
I: Eu acabei de ver o Martin junto com o Tommy Deety e olhem só, eles estavam rindo e dando tapinhas
nas costas um do outro como se fossem superamigos...
W: E qual é o problema disso?
I: Eu sempre achei que eles se odiassem! Sabe como é: eles jogam juntos no time de basquete, mas fora
isso eles não têm absolutamente nada em comum...Tommy é um sucesso, ao passo que o Martin não
consegue nem mascar chiclete e caminhar ao mesmo tempo...ele é um desajeitado total! Vocês
lembram do jogo de ontem? Os dois passaram o tempo todo se xingando em quadra.
H: Mas, tem um esporte em que o Martin é campeão...
T: Sim, seguir os passos de sua amada pela cidade. Ele é melhor do que qualquer detetive!
I: Chega de piadinhas! Por que vocês não usam as cabeças para algo útil e me ajudam com essa
história...
C: Ajudar você com o quê?!
I: A entender os meninos, Cornélia! Eu daria qualquer coisa para descobrir o que aqueles dois estavam
discutindo tão animadamente hoje de manhã...
H: Agora há pouco eu vi os dois na quadra de basquete treinando cestas.
C: Então é óbvio: o Tommy estava ajudando o Martin e ensinando a ele alguns truques de basquete.
Quando Hay Lin ouve esta explicação, fica de boca aberta.
...E continua a história...
outras já começam a entrar na fase dos namoricos, das paqueras e querem falar das qualidades
e beleza dos garotos. Uma comparação oportuna pode ser feita entre minhas duas
interlocutoras. Ambas possuem onze anos; uma delas acha o comportamento dos meninos
ridículo, como ela mesma define, e quando perguntada sobre qual deles é o mais bonito e se
algum interesse afetivo em relação a algum, ela se mostra indiferente e com certa rejeição
ao sexo oposto. O que mais a atrai no Complexo, pela ordem de preferência, são os brindes, os
testes das revistas e poucas páginas dos Livros Secretos.
Minha outra interlocutora é diferente. Ela aponta os meninos mais “gatinhos”, gosta
de se arrumar para os garotos, curte as tramas das histórias das cinco bruxinhas quando
aparece um romance entre os personagens, adora a Seção Que mico! e os testes das revistas.
Pertencem a ela os Livros Secretos que analiso e foi através do empréstimo dos mesmos que
pude ter acesso a esse rico material. Ela adora a leitura dos mesmos e das Histórias em
quadrinhos. Poderia arriscar dizer que ela é a mais capturada pelo Complexo, a mais enredada,
enquanto a outra não se preocupa muito se perder um número da Revista ou a exibição de um
episódio da Série Animada, etc.
Prosseguindo na apresentação do conteúdo do Livro Secreto, logo abaixo do texto que
apresentei anteriormente, aparece um quadro chamado O coração de Kandrakar diz que...
(Conforme figura 91, a seguir)
Figura 91: Texto retirado da coleção Livros Secretos W.I.T.C.H.: 100 magias para conhecer melhor os
meninos – irmãos, amigos, namorados e outros... – Edelbra, 2003, p. 09.
Neste caso, as meninas aprendem a lidar com esses sentimentos de estranheza em
relação ao sexo oposto. O Coração de Kandrakar diz que esse é um sentimento comum entre
meninas e meninos e, logo em seguida, ensina como fazer em relação a essa confusão
sentimental que abate as garotas e os garotos dessa idade. Esta parte dos Livros sempre
aparece com a mesma apresentação, como se o Coração de Kandrakar funcionasse como um
oráculo, respondendo a consultas e orientando as jovens meninas, além de inspirar muita
confiança, ou seja, o que ele diz tende a ser o mais correto a ser seguido. Outro item que
aparece logo após as lições do Coração de Kandrakar o as Magias. Veja a figura 92 a
seguir.
Figura 92: Texto retirado da coleção Livros Secretos W.I.T.C.H.: 100 magias para conhecer melhor os
meninos – irmãos, amigos, namorados e outros... – Edelbra, 2003, p. 10 e 11.
As magias, intituladas de Cinco conselhos para... o soluções e atitudes que cada
uma das bruxinhas adotam para enfrentar a questão em debate (neste caso, os meninos).
Nestes conselhos, estão impressas também um pouco das características de cada uma das
W.I.T.C.H.. Como, por exemplo, a Irma é a mais engraçada e costuma fazer piada das
situações que enfrenta, até das mais sérias. E como podem ver no quadro acima, seu conselho
demonstra esse senso de humor. Neste sentido, a seção também ensina que nem todas as
pessoas agem da mesma forma diante das situações.
Outra seção do Livro promete trazer soluções divertidas para todas suas dúvidas; ela
se chama Sorriso de Bruxinha. Confira na figura 93, a seguir.
Figura 93: Texto retirado da coleção Livros Secretos W.I.T.C.H.: 100 magias para conhecer melhor os
meninos – irmãos, amigos, namorados e outros... – Edelbra, 2003, p. 12.
Neste quadro, elas fazem charadas acerca do tema em debate, mas o que percebi neste
caso foi uma ridicularização do sexo oposto. Como se os garotos não tivessem sensibilidade e
não se importassem com as coisas. Entendi esse espaço, neste Livro Secreto especificamente,
como um espaço para falar dos meninos, fazer graça sobre eles sem que eles saibam disso.
Por isso é chamado de Livro Secreto, porque supostamente ninguém mais, além das próprias
meninas, poderia lê-lo. Esta parte do Livro Secreto vai formando a opinião e o pensamento
das jovens meninas sobre comportamento, gostos, sentimentos, etc. dos meninos, ao mesmo
tempo em que elas vão sendo formadas para eles, para serem de um jeito acessível aos
garotos. À medida que se divertem com as supostas características deles, aprendem também a
conhecê-los e a moldar-se para atraí-los.
Percebi que cada W.I.T.C.H. possui sua própria opinião, e uma reação diferente acerca
de cada tema abordado pelo Complexo, e tanto os livros como as revistas e as histórias em
quadrinhos nos mostram isso. Cada uma delas soluciona suas questões de uma maneira. O
fato de elas possuírem características diferentes, tanto físicas, quanto emocionais, já é um
fator que faz com que as leitoras se identifiquem mais com uma do que com outra. Isso
permite que as meninas leitoras busquem as soluções apontadas por sua W.I.T.C.H. preferida,
o que refina a possibilidade de identificação.
Tal afirmação pode ser justificada no momento em que observamos as Seções Cartas
e Bate-papo, nas quais as leitoras encaminham cartas e e-mails a determinada personagem e
esperam a resposta da sua W.I.T.C.H. do coração. Como mostra a Seção Bate-papo, da edição
n. 51, de maio de 2006. Quem enviou o e-mail foi a leitora Brenda Luiza Matos Laurentino,
11 anos, de Jaboticabal, SP. Ela diz o seguinte: Garotas! Minhas unhas eram muito curtas,
comecei a ler a revista Witch e segui as dicas da Cornélia para deixá-las compridas. Elas cresceram e
estão lindas! Cornélia responde à leitora: Hi, Brenda! Fico superfeliz por ter te ajudado! Está vendo
como minhas dicas são tiro e queda? Continue cuidando bem das suas unhas. Assim elas ficarão
sempre saudáveis e bonitas. Beijos! Neste exemplo, podemos verificar o que mencionei sobre as
garotas enviarem as perguntas à sua W.I.T.C.H. preferida, e ainda nos mostra como elas
acabam mesmo seguindo as orientações da sua W.I.T.C.H. do coração, e das demais também.
Algumas leitoras deixam mais explícita a preferência ou identificação com
determinada personagem, como verifiquei em algumas edições da Revista, nas Seções Cartas
e Bate-papo, confira. Hello, bruxinhas! Adoro vocês e me identifico com a Will. (...)
81
; Meninas! Eu
adoro vocês e sou superfã da Cornélia. (...)
82
; Oiê, witches! Sou fã de vocês e adoro a Irma! (...)
83
; Olá,
witches! Eu adoro todas vocês, mas gosto mais da Cornélia, pois me acho parecida com ela . (...)
84
. As
meninas declaram seu amor pelas bruxinhas e uma delas inclusive menciona que gosta mais
de uma bruxinha porque se acha parecida com ela, e isso é bem comum entre as garotas, que
se identificam com personagens, em geral, em vista de seu tipo físico. Eu mesma e as
meninas, minhas interlocutoras, brincamos que sou a Will, por causa da cor dos cabelos da
personagem que são ruivos como os meus, e ambas se identificam com a Cornélia, apesar de
elas nunca confessarem e “jurarem de junto” que não, por causa do seu jeito perua”,
fashion.
81
W.I.T.C.H., n. 47, jan. 2006, p. 04
82
W.I.T.C.H., n. 48, fev. 2006, p. 04
83
W.I.T.C.H., n. 49, mar. 2006, p. 04
84
W.I.T.C.H., n. 50, abr. 2006, p. 05
Esta questão da aparência física chamou-me a atenção desde o começo desta pesquisa,
pois, de imediato, pude perceber que seria muito fácil que diversas meninas se identificassem
com as personagens. A identidade delas foi projetada seguindo o que chamo de politicamente
correto, ou seja, cada uma possui um perfil que podemos encontrar facilmente em nossa
sociedade atual (Fig. 94). Não é um grupo composto somente por meninas loiras ou negras, e
muito menos apenas magras e lindas. Cada uma delas possui um corpo diferente, uma mais
“cheinha”, uma bem magra, uma mais desproporcional, etc. Por exemplo, a Will é branca e
possui cabelos ruivos curtos; a Irma o chega a ter um tom de pele completamente branco e
possui cabelos castanhos; a Taranee é negra e possui os cabelos roxos e bem curtos; a
Cornélia tem a pele bem clara e é loira de olhos azuis, cabelos compridos e bem lisos; a Hay
Lin é oriental e branca, olhos puxados e cabelos pretos (quase azuis de tão pretos) muito lisos.
Outro detalhe é que em algumas imagens, ela aparece usando aparelho ortodôntico. Veja no
detalhe da figura 95, a seguir.
Figura 94: Capa da Revista W.I.T.C.H., n. 49, mar. 2006 Figura 95: Hay Lin
de aparelho
85
85
Recorte da capa da revista W.I.T.C.H., n. 54, ago. 2006
85
Voltando a tratar do assunto das preferências das leitoras que
as direcionam a seguir as lições de determinada bruxinha, uma das
minhas interlocutoras declarou que gostaria de ser Cornélia
86
(como
mencionei anteriormente). Quando perguntei por que, ela me
respondeu que é porque gosta do jeito da bruxinha. Acredito que seja
porque também a Cornélia tem irmã, e vive pequenos contratempos
cotidianos, como a irmã entrar em seu quarto sem permissão, ou usar
algo que seja dela. Também pode ser porque a Cornélia faz um estilo
mais glamoroso, anda sempre com os cabelos bem lisos, maquiada,
tem um humor que oscila entre o irônico e o inteligente, e essas
características podem chamar mais a atenção da menina. A bruxinha
Cornélia é loira, tem olhos azuis e essa minha jovem amiga é morena.
Creio que a relação observada entre as vivências da personagem na
trama e as dessa menina, motivam-na a buscar as fórmulas
apresentadas por Cornélia para enfrentar o dia-a-dia, e penso que deve
acontecer o mesmo com outras leitoras e fãs do Complexo.
Para melhor expor as características de Cornélia, e também das outras bruxinhas,
passo a descrever a seguir aspectos que particularizam cada uma das personagens, desde o seu
âmbito de vida familiar até algumas de suas preferências e gostos. Como as garotas fãs do
Complexo acabam adotando uma bruxinha de sua preferência e acreditando que isso ocorra
em função das características pessoais de cada uma delas, creio que seja importante apresentar
estas descrições.
Will
87
mora com sua mãe, Susan Vandom, consultora da
empresa Simultech. Elas residiam em outra cidade, não
mencionada na trama. Mudam-se para um apartamento na zona
residencial de Heatherfield, contra a vontade de Will, que chega à
cidade bastante descontente e sem perspectivas de fazer novos
amigos. Em diversos momentos da história, ela discute com sua
mãe, mas logo se entendem, pois a mãe é carinhosa e
compreensiva. Tímida e sensível, nos primeiros dias em que
freqüenta a oitava “B” do Instituto Shefield, identifica-se com uma
86
Figura 96: Cornélia – Recorte da W.I.T.C.H. Collection , n. 02, abr. 2005, p. 26
87
Figuras dos números 97 ao 101 foram retiradas do site <www.disney.com.br/witch>. Acessado em 26 out.
2006.
Figura 97: Will e
sua mãe
colega, chamada Taranee, uma vez que está perdida nos corredores da escola, e esta a auxilia.
No decorrer da trama, percebo que, na escola, sua matéria preferida é Biologia e que pratica
natação. Gosta de todo o tipo de objetos em formato de /sapo; seu quarto tem diversos
adereços relacionados a esse anfíbio (como mencionei em outro momento); seu animal de
estimação é um esquilo que ela encontrou no parque perto da sua casa. Como ele é muito
danado e bagunceiro, os dois vivem brigando. Will demonstra, durante a trama, ser bem
arrojada quando o assunto é tecnologia. Entende de internet e possui um celular. Porém, Will
tem auto-estima baixa, sempre falando mal de seu corpo, de suas roupas e, por essa razão,
adora andar de calças jeans e tênis. Peculiaridade: o pai de Will nunca apareceu na trama; a
mãe criou Will sozinha, já que era divorciada.
Irma mora num chalé com seu pai, sua mãe e seu irmão
mais novo. Tom Lair, seu pai, sargento da polícia do departamento
central de Heatherfield, é um profissional bem conceituado,
experiente e meticuloso. Dentre suas características pessoais, a
serenidade perante sua família e a resolução de situações
cotidianas são as que mais chamam a atenção na história. Anna
Bannister, mãe de Irma, dona de casa, aparecendo na narrativa
sempre como uma “mãe modelo”, pacificadora e mediadora das
discussões em família, tem como uma de suas principais
características a ironia. O irmão de Irma, Christopher, vive aprontando
confusão e isso causa um conflito constante entre ambos, já que Irma acaba sempre se
vingando e se saindo vencedora das disputas com o irmão. Irma estuda na sétima “B”, do
Instituto Shefield. Sua disciplina preferida é Geografia; seu animal de estimação é uma
tartaruga chamada Lattuga. Em inúmeros capítulos da trama, percebe-se que não gosta de
praticar esportes e que seu hobby é ouvir música. Instintiva, generosa e espontânea, apresenta-
se sempre disposta a ajudar. Sempre de bom humor e fazendo micagens constantemente,
perde a graça e a paciência quando o assunto é sua amiga Cornélia, que a deixa “estressada”,
e Martin (que é apaixonado por ela). Irma é o tipo da garota com aversão ao sexo oposto,
como citei anteriormente, fato que ocorre com freqüência em algumas meninas dessa faixa-
etária. Peculiaridade: essa parece ser a família “perfeita”.
Taranee mora com sua e, seu pai e seu irmão numa casa situada em uma aldeia à
beira-mar. Sua mãe, Theresa Robson Cok, uma bem-sucedida juíza do tribunal de
Heatherfield, procura manter Taranee debaixo de seu olhar protetor e disciplinador. Seu pai,
Lionel Cok, primeiro trabalhava como advogado e depois atua como psicólogo e consultor no
Figura 98: Irma e
sua família
Figura 100: Cornélia e
sua família
mesmo tribunal que Theresa. É um pai que conversa bastante com
seus filhos, extremamente compreensivo e sempre defende
Taranee nas discussões com a mãe. Seu irmão, Peter Lancelot
Cok, é mais velho e muito bonito, por isso as amigas de Taranee
estão sempre “dando em cima” dele. Surfista, jogador de basquete,
é sempre o centro das atenções. Mantém com Taranee uma relação
de proteção e cumplicidade. Taranee estuda na sétima “B” do
Instituto Shefield, adora matemática, música, basquete, mas,
principalmente, fotografia. Tranqüila, porém distraída e muito reflexiva, pensa duas vezes
antes de tomar qualquer atitude e mantém um estilo intelectual. Peculiaridade: família cuja
mãe possui uma renda salarial maior que a do pai, mas isso não interfere no relacionamento
do casal. Como a de Irma, parece uma família “perfeita”. A mãe de Taranee é branca e o pai,
negro, sugerindo uma família inter-racial.
Cornélia mora com sua mãe, seu pai e sua irmã, num
apartamento, em um bairro da classe nobre de Heartherfield. Seu
pai, Harol Hale, é diretor do Central Credit, o mais importante
banco da cidade e faz qualquer coisa pela filha. Sua mãe,
Elizabeth Landon, é restauradora de móveis e casas e possui
muito orgulho de sua família. Lílian Hale é a irmã mais nova de
Cornélia, que está sempre querendo brincar com ela e chateando-
a devido a seu ritmo acelerado e ao espírito bagunceiro. Cornélia
estuda na oitava “B” no Instituto Shefield e sua matéria predileta
é História. É uma garota tranqüila e, às vezes, mostra-se, na
narrativa, racional em excesso. Seu animal preferido o os gatos, apesar de não possuir
nenhum bicho de estimação; seu esporte predileto é a patinação no gelo e é vidrada em roupas
de marca. Peculiaridade: mais uma vez, parecem fazer parte de uma família “perfeita”.
Hay Lin é filha única e mora com seu pai, sua mãe e sua avó,
num apartamento sobre o restaurante da família Dragão de Prata”.
Seu pai, Hen Lin, é gerente do restaurante e é um homem afetuoso e
protetor. Porém, quando sua mulher ausenta-se do restaurante e não
o ajuda no atendimento, ele fica perdido. Sua mãe, Joan Lin,
administradora do restaurante da família, é tranqüila e prática, está
sempre contando a Hay Lin as lendas orientais que aprendeu quando
Figura 99: Taranee
e sua família
criança. Yan Linb a avó quando jovem, era uma das protetoras da muralha. Possui uma
relação intensa com a sua neta e é um elo muito importante de ligação na trama da história das
W.I.T.C.H.. Hay Lin estuda na sétima “B” do Intituo Shefield, é uma menina querida por
todos, sonhadora e distraída, porém sincera e compreensiva. Adora a disciplina de desenho,
está sempre fazendo desenhos de roupas e ama ficção científica. Peculiaridade: Hay Lin é
filha única e a avó mora junto com a família. No início da trama, sofre com a morte da avó e
suas amigas a apóiam.
Após apresentar, mesmo que resumidamente, um pouco das características de cada
bruxinha e, sobretudo, de suas famílias, volto a tratar da questão de como o Complexo
consegue estabelecer uma conexão direta com as jovens leitoras em certos momentos, como
nas Seções Cartas e Bate-papo. As meninas sentem-se à vontade para conversar com as
bruxinhas, desabafam, pedem conselhos, elogiam, solicitam que matérias sejam trazidas à
Revista. Observa-se uma acentuada e intensa interatividade, o que não ocorre com os Livros
Secretos, já que esses, em meio às suas tramas, enredos e diversões, apresentam lições às
garotas. Nos Livros Secretos, o tom da narrativa é mais prescritivo, direto, do tipo faça isso,
não faça aquilo, etc.
Levando em consideração essas lições e prescrições, mobilizei-me para tentar
entender, mostrar e descrever o tipo de garotas que o Complexo apresenta. Que tipo de jovens
meninas ele está ajudando a formar? Como leva as meninas a serem de certo tipo? Como
consegue mobilizá-las e motivá-las a praticarem seus rituais e, ainda, chegar ao ponto de fazê-
las praticar sobre si próprias certas ações? Que tipo de menina as W.I.T.C.H. constroem em
meio às histórias, às tramas, aos brindes, aos testes, etc.?
Para me ajudar a refletir sobre como o Complexo, com todas as suas estratégias,
consegue enredar as jovens meninas e, principalmente, para mostrar como os artefatos da
cultura ajudam-nos a entender e enxergar coisas que muitas vezes passam despercebidas, e
ainda me motivar a buscar as respostas para as perguntas que fiz acima, invoco para o texto o
pensamento de Costa (2000, p. 04), que diz que
as perguntas que começamos a formular, a partir das perspectivas pós-
modernas de análise que admitem a linguagem e a cultura como
constitutivas, têm nos impelido a investigar os artefatos culturais e as formas
como operam não apenas na constituição de visões de mundo, mas na
constituição de sujeitos.
Em seu texto, Costa (2000) comenta uma pesquisa que realizou sobre as regularidades
enunciativas da revista Nova Escola, visando a mostrá-la operando na produção de
subjetividades femininas. Utilizou, para isso, como aparato estratégico, “imagens, textos
escritos, ilustrações, cartuns, fotografias, entrevistas, cartas, depoimentos, crônicas
humorísticas, etc.” (p. 06). Costa (2000), em sua análise, mostra como essas estratégias são
importantes e eficazes para capturar e enredar os sujeitos, produzindo-os a partir daquilo que
o artefato esboça para eles.
Segundo esses trechos retirados das reflexões de Costa (2000) sobre os sujeitos e as
subjetividades, fica cada vez mais nítido que o Complexo consegue operar na construção de
um sujeito, de certo tipo de menina.
O Complexo forma meninas que, desde muito cedo, preocupam-se com assuntos e
temáticas que, até pouco tempo atrás, apenas interessavam as mais velhas.
As jovens garotas são levadas a debater, a refletir, imergidas em temas que discutem
amizade, beleza, estética, amor, economia, internet (Orkut, MSN, etc.), tecnologias em geral,
moda, saúde, animais de estimação e assuntos diversos.
Com tudo que observei, pude perceber que o Complexo, mediante suas inúmeras
estratégias e utilizando a magia como um “chamariz”, constrói jovens garotas preocupadas em
agradar os meninos, em se preparar para eles, em saber como e quando acontece o primeiro
beijo e como devem agir quando isso acontecer, em saber o que eles pensam sobre elas e
sobre as técnicas de sedução feminina, se as mesmas são certas e eficazes. Selecionei algumas
das chamadas mais interessantes entre as 24 revistas que analisei e organizei-as no quadro que
segue. Ele também nos ajuda a observar a imensa gama de assuntos relacionados aos
interesses das meninas em relação aos meninos. Veja, a seguir, figura 102:
Figura 102: Recortes das chamadas mais interessantes Seção Boys
88
São jovens garotas que se testam o tempo todo, a partir de temas propostos pelo
próprio Complexo. Buscam se conhecer melhor através das dicas e lições trazidas após os
testes. Esses relacionam vários temas de interesse de jovens meninas, lidam com um conjunto
de assuntos que mesclam amizade, tecnologia, consumo, amor, animais de estimação,
personalidades famosas, escola, auto-estima, etc. Para reunir as variadas temáticas, segue
abaixo um quadro com as chamadas de alguns testes dos assuntos exemplificados acima.
Confira a figura 103, a seguir.
88
As figuras do número 102 ao 107 são recortes de chamadas que foram retirados das edições das revistas
W.I.T.C.H. analisadas nesta pesquisa.
Figura 103: Recorte das chamadas mais interessantes Seção Testes
As jovens leitoras aprendem a gastar suas mesadas “corretamente” e são conduzidas a
isso. Sabem onde e o que comprar, além dos valores de cada item que desejam possuir. A
seguir, na figura 104, modelos da Seção Novo e Fofo e Tchau, mesada!, nas quais vários
acessórios e produtos são mostrados às garotas com a intenção de que elas os consumam e os
utilizem a partir das orientações que são passadas nestas seções.
Figura 104: Chamadas mais interessantes Seção Testes
Sabem maquiar-se sem a ajuda de ninguém, são capazes de montar um supervisual
com maquiagem, cabelo, unhas, depilação, banho relaxante, etc., um serviço completo. Tudo
graças aos ensinamentos passados pelo Complexo. As jovens garotas vão crescendo e, junto,
levando para suas vidas condutas que as fazem ser mais ou menos dedicadas em relação à
beleza, em relação à vaidade e a uma série de itens que envolvem o cuidado de si mesmas. Na
figura 105, a seguir, estão as chamadas de algumas matérias que indicam esse cuidado com a
vaidade e com um modelo projetado pelo Complexo.
Figura 105: Recortes das chamadas mais interessantes Seções Espelho Meu e S.O.S Saúde
Elas se vestem de acordo com o último grito” da moda, sempre comprometidas em
não errar, não parecerem ridículas, mas estão sempre fashions e atuais, o que também pode
ser considerado um cuidado de si, uma preocupação com a beleza. Acompanhe a figura 106, a
seguir, reunindo algumas matérias da Seção Vestiário.
Figura 106: Recortes das chamadas mais interessantes Seção Vestiário
Escolheram o animal de estimação com a ajuda e a orientação do Complexo e as que já
possuíam, cuidam dos mesmos seguindo os princípios dispostos no Complexo. Jovens garotas
que estão por dentro dos lançamentos musicais, do cinema, de livros, etc., que conhecem a
vida, o perfil, a história de rios artistas, cantores, escritores, desde que famosos. Confira na
figura 107, que segue:
Figura 107: Recortes das chamadas mais interessantes Seções Olha aí e Fã-Clube
A partir de tudo o que foi visto, discutido e mostrado até o momento sobre o
Complexo, suponho que as jovens meninas, a partir de todas as estratégias, narrativas e
artefatos apresentados pelo Complexo W.I.T.C.H., vão sendo construídas e moldando suas
vidas a partir dos formatos apresentados, e que esses discursos acabam configurando-se como
uma importante pedagogia, uma pedagogia da cultura, que tem formado milhares de sujeitos,
enredando-os no circuito do consumo. Consumo de diferentes e diversos itens, como foi
questionado nesta pesquisa, e vejo também esta pedagogia consumindo os sujeitos,
enredando-lhes por todos os lados a partir das táticas do marketing com foco nas suas
identidades.
1. A título de conclusão – Sobre garotas de um certo tipo, jovens bruxinhas e
witches que conheci
Quem este filme pensa que você é?
(ELLSWORTH, 2001, p. 13)
Inicio esta “conclusão” com um questionamento que Ellsworth (2001) fez em seu
trabalho, no qual discutiu os modos de endereçamento, e convido o leitor deste trabalho a
realizar um exercício já feito anteriormente em outro momento. A partir de uma citação de
Ellsworth (2001), substitua a palavra filme por Complexo. Convido-o a fazer esse exercício,
pois foi assim que comecei a pensar sobre esta questão. Afinal, quem este Complexo pensa
que são essas garotas? Ou talvez, até seja melhor perguntar: como o Complexo pensa essas
jovens meninas? Quem são essas garotas de certo tipo que o Complexo parece formar?
Ellsworth (2001) diz que “os filmes, assim como as cartas, os livros, os comerciais de
televisão, são feitos para alguém. Eles visam e imaginam determinados públicos” (p. 13,
grifos da autora). Isso me faz pensar que o Complexo conhece o público que possui e idealiza
as promoções dos produtos e marcas, os testes, as matérias sobre família, escola, meninos,
etc., imaginando o público que atingem e sabendo, talvez, que também acabam atingindo um
outro público não pensado inicialmente.
Com isso, comecei a pensar que talvez o leitor pudesse ter ficado curioso em saber
quem e como são “as garotas de certo tipo” que mencionei durante todo o tempo em meu
texto. Apesar de o ser este o foco principal desta pesquisa, mas sim, mostrar como o
Complexo W.I.T.C.H. opera na formação de uma garota, considerei interessante falar um
pouco dessas jovens meninas com as quais tive contato, seja via internet (Orkut e MSN),
pessoal (minhas interlocutoras fãs do Complexo), seja com a editora da Revista, ou seja
através das inúmeras formas mediante as quais procurei aproximação do artefato que analisei.
Penso que falar delas é também uma forma de abordar a questão da identidade hoje.
Observei, no decorrer da pesquisa, que as meninas a que o Complexo se dirigia, especialmente
a Revista, iam se modificando. Delineando uma característica acentuada da condição pós-
moderna na qual estamos inscritos, confirmam-se assim as idéias de Hall (2005) sobre uma
identidade instável, descentrada e fragmentada, sempre em movimento e em constantes
mudanças. Sobre a identidade como “uma ‘celebração móvel”: formada e transformada
continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos
sistemas culturais que nos rodeiam” (HALL apud HALL, 2005, p. 13).
Vislumbrei um certo tipo de garotas com identidades fluidas e que, segundo Bauman
(2001), podem ser pensadas como sujeitos que “não fixam o espaço e nem prendem o tempo”,
que “não se atêm muito a qualquer forma e estão constantemente prontos (e propensos) a
mudá-la” (p. 08). São jovens meninas que hoje podem ser fãs das witches, mas que amanhã
transformam-se em “peruas” fashions, consumistas assumidas e adotam o estilo das Três
Espiãs Demais “três garotas espertas, corajosas, belas, encantadoras, namoradeiras,
consumistas... e, ao mesmo tempo, estudantes prosaicas e heroínas espetaculares”.
(IGNÁCIO, 2006, p. 87). Porém, garotas que se mantêm preocupadas com o corpo, com a
beleza, com namorados, com o status social, com a escola, com os amigos, com a família, etc.
As bruxinhas do Complexo possuem muitas coisas em comum com as garotas Espiãs, e as
meninas convocadas por elas também.
Essas jovens garotinhas são de certo tipo, são fissuradas por moda, mas não qualquer
moda. São aficionadas por magia, mas do tipo implícito nas práticas que o Complexo as
orienta a exercerem sobre si, como a de saber escolher o melhor perfume para cada ocasião, a
fragrância que combina com ela, como saber equilibrar tais e tais tons na hora de maquiar-se
para a festa, para o passeio no shopping, etc. um pouco de alquimia nas práticas às quais
as meninas são introduzidas, como por exemplo, quando elas são orientadas a preparar um
banho relaxante com determinados sais e aromas específicos para aquele momento. Quando
são levadas a cultuar e a energizar os cristais que adquiriram para equilibrar o ambiente em
que vivem. Quando realizam certas simpatias ou poções para saírem-se bem nas provas ou no
encontro com “aquele” garoto. Observa-se, contudo, em meio a todas essas experiências e
preferências, a proeminência das ações dirigidas para e pelo consumo.
Parece que o jovens meninas que usam anéis, brincos, chaveiros, colares, que
remetem à magia e a características de uma bruxa. Contudo, mudam a toda hora, a todo
momento, dependendo das sugestões que o Complexo traz. Garotas que ora se vestem com
estilo roqueira, ora com estilo romântico, ora com estilo surfista, etc. Que gostam de Rebelde,
de High School Musical, de Harry Potter e de qualquer outro artista, seriado, cantor que o
Complexo lhes apresentar. São garotas fissuradas pela cultura da mídia e do espetáculo.
É um certo tipo de garota interpelada por um poder que é exercido pela via da magia,
do místico, mas sobretudo, do prazer, pois não se trata de um poder que as obriga a gostar de
tudo que é proposto, não é um poder coercitivo, mas convocatório e hedonista. Um poder, que
como mencionam Steinberg e Kincheloe (2004), es “misturado com desejo” que, ainda
segundo eles, “produz um coquetel explosivo” (p. 21). Continuam narrando um poder que se
transforma numa “colonização do desejo”. Neste caso, o Complexo apresenta uma série de
artefatos de consumo às meninas e elas gostam da maior parte das coisas sugeridas pelo
Complexo, por essa razão as compram, as seguem e as praticam sobre si e consigo mesmas.
Fazem isso e submetem-se a esse poder porque ele faz com que se sintam mais bonitas, mais
seguras.
Como narrei no decorrer da pesquisa, minhas interlocutoras gostam de reunirem-se
para realizar os testes propostos nas revistas. Uma delas aguarda ansiosa os brindes da edição
seguinte e os utiliza fervorosamente, como se eles a trouxessem força, poder, a própria magia.
O Complexo mobiliza minhas pequenas interlocutoras no sentido de esperarem sempre uma
novidade a cada exemplar que chega em casa ou nas bancas, e suponho que o mesmo ocorra
com as demais garotas envolvidas com ele.
Ele convoca ao consumo de diversos e diferentes artefatos, como mencionei muitas
vezes, e minhas interlocutoras mostraram-me isso quando uma delas pediu que sua mãe
comprasse os ingredientes para a preparação de uma poção que atrairia bons fluidos; outra
quando narrou que chegou a passar frio em um aniversário porque não poderia deixar de se
vestir como estava na Revista, já que tinha em casa quase todos os modelitos” sugeridos e
que sua mãe apenas precisou comprar uma meia arrastão para ficar igual ao da matéria.
Por tudo isso, acabei percebendo que o Complexo oferece um universo hedonista,
desejável, e elas se envolvem em tudo isso por “curtição”, para não ficarem de fora da “onda”
do momento, para serem garotas do seu tempo e fruírem intensamente essa condição.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARTIBANI, Francesco. W.I.T.C.H.. Extra: a conclusão da aventura Kandrakar versus
Arkhanta. São Paulo: Editora Abril, n. 1, set. 2006.
. W.I.T.C.H.. Collection. São Paulo: Abril, n. 3, maio 2005.
. W.I.T.C.H.. Collection. São Paulo: Abril, n. 5, julho 2005.
BARROS, Maria Nazareth Alvim de. As Deusas, as Bruxas e a Igreja: Séculos de
Perseguição. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2001.
BARRACHINA, Emílio Ruiz. Bruxos, Reis e Inquisidores. Lisboa: Verso da Kapa, 2006.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
. Vida líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
BLOCK, Alan A.. Lendo revistas infantis: cultura infantil e cultura popular. In: STEINBERG,
Shirley; KINCHELOE, Joe L. (Orgs.) Cultura Infantil: a construção corporativa da infância.
Trad. George E. J. Bricio. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004, p. 239-255.
CANCLINI, Néstor García. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da
globalização. Rio de Janeiro: editora UFRJ, 1999.
CARO BAROJA, Julio. Las brujas y su mundo. Madrid: Alianza, 2006.
CONNEL, Robert W. Políticas de masculinidade. Educação & Realidade, Porto Alegre, v.
20, n.2, jul./dez. 1995, p.185-206.
COSTA, Marisa Vorraber. Sujeitos e subjetividades nas tramas da linguagem e da cultura. In:
CANDAU, Vera Maria (org.) Cultura, linguagem e subjetividade no ensinar e aprender. Rio
de Janeiro: DP&A, 2000. (X Endipe)
. Ensinando a dividir o mundo; as perversas lições de um programa de
televisão. Revista Brasileira de Educação. Campinas, n° 20, p. 71-82, maio/jun./jul./ago
2002.
. A pedagogia da cultura e as crianças e jovens das nossas escolas. A Página,
Lisboa, ano 12, 127, Outubro 2003, p. 34. Disponível em:
<http://www.apagina.pt/arquivo/Artigo.asp?ID=2703>. Acessado em 15 jul. 2007.
. Estudos culturais: para além das fronteiras disciplinares. In: COSTA, Marisa
Vorraber. (Org.). Estudos culturais em educação: mídia, arquitetura, brinquedo, biologia e
literatura. Porto Alegre: UFRGS, 2004.
. Consumir o “outro” como prática de cidadania. A Página. Lisboa, ano 16,
163, Janeiro 2007, p. 07. Disponível em:
<http://www.apagina.pt/arquivo/Artigo.asp?ID=5088>. Acessado em 16 abr. 2008.
COSTA, Marisa Vorraber; SILVEIRA, Rosa Hessel; SOMMER, Luís Henrique. Estudos
culturais, educação e pedagogia. Revista Brasileira de Educação, Porto Alegre, 23,
Maio/Jun/Jul/Ago 2003, p. 36-61.
DU GAY, Paul et. Doing cultural studies: the story of the sony walkman. London: Sage,
1997.
ELIADE, Mircea. História das Crenças e Idéias Religiosas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
ELLSWORTH, Elizabeth. Modos de endereçamento. In: SILVA, Tomaz Tadeu. (Org.) Nunca
fomos humanos: nos rastros do sujeito. Belo Horizonte: Autêntica, 2001, p. 09-76.
ENNA, Bruno. W.I.T.C.H.. Collection. São Paulo: Abril, n. 6, agosto 2005.
. W.I.T.C.H.. Collection. São Paulo: Abril, n. 4, junho 2005.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da língua portuguesa. 3.ed. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
FLOR, Douglas Moacir. A convocação para o consumo nas pedagogias culturais: circuitos e
teias do Complexo Rebelde. Dissertação de Mestrado. ULBRA: Canoas, 2007.
FOUCAULT, Michel. Tecnologias del yo. In: FOUCAULT, Michel. Tecnologias del yo y
otros textos afines. Barcelona: Paidós Ibérica, 1990, p. 45-94.
GARDNER, Gerald. O significado da bruxaria: uma introdução ao universo da magia. Trad.
Lya Valéria Grizzo Serignolli. São Paulo: Madras, 2004.
GERZSON, Vera Regina Serezer. Educação nas revistas: a mídia como dispositivo da
governamentalidade neoliberal os discursos sobre Educação nas revistas Veja, Época e Isto
É. Proposta de tese de doutorado. UFRGS: Porto Alegre, 2004.
GINZBURG, Carlo. História Noturna: decifrando o Sabá. São Paulo: Cia das Letras, 1991.
. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Cia das Letras,
1989.
GIROUX, Henry A. Praticando estudos culturais nas faculdades de educação. In: SILVA,
Tomaz Tadeu da (org.) Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em
educação. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 85-102.
. Memória e pedagogia no maravilhoso mundo da Disney. In: SILVA, Tomaz
Tadeu da (org.) Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em
educação. Petrópolis: Vozes, 2003a, p. 132-158.
. Os filmes da Disney são bons para o seu filho? In: STEINBERG, Shirley;
KINCHELOE, Joe L. (Orgs.) Cultura Infantil: a construção corporativa da infância. Trad.
George E. J. Bricio. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004, p. 89-108.
GNONE, Elisabetta. W.I.T.C.H.. Collection. São Paulo: Editora Abril, n. 1, março 2005.
. W.I.T.C.H.. Collection. São Paulo: Abril, n. 2, abril 2005.
HALL, Stuart. A centralidade da cultura: nota sobre as revoluções culturais no nosso tempo.
Educação & Realidade. 22 (2) : Jul/dez. 1997, p. 15-46.
. A identidade cultural na pós-modernidade. 10.ed. DP&A: Rio de Janeiro,
2005.
IGNÁCIO, Patrícia. Aprendendo a consumir com Três Espiãs Demais. Dissertação de
Mestrado. ULBRA: Canoas, 2007.
JACOBY, Sissa; RETTENMAIER, Miguel. Além da plataforma nove e meia: pensando o
fenômeno Harry Potter. Passo Fundo: UPF, 2005.
KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. São Paulo: EDUSC, 2001.
KINCHELOE, Joe L.. Esqueceram de mim e Bad to the Boné: o advento da infância pós-
moderna. In: STEINBERG, Shirley; KINCHELOE, Joe L. (Orgs.) Cultura Infantil: a
construção corporativa da infância. Trad. George E. J. Bricio. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2004, p. 55-86.
. McDonald’s, poder e crianças: Ronald Mcdonald (também conhecido como
Ray Kroc) faz tudo por você. In: STEINBERG, Shirley; KINCHELOE, Joe L. (Orgs.)
Cultura Infantil: a construção corporativa da infância. Trad. George E. J. Bricio. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2004, p. 387-412.
KLEIN, Naomi. O patriarcado se apavora: o triunfo do marketing de identidade. In: KLEIN,
Naomi. Sem logo: a tirania das marcas em um planeta vendido. Trad. Ryfa Vinagre. 2.ed. Rio
de Janeiro: Record, 2002, p.131-152.
. O bombardeio da marca: franquias na era da supremacia. In: KLEIN, Naomi.
Sem logo: a tirania das marcas em um planeta vendido. Trad. Ryfa Vinagre. 2.ed. Rio de
Janeiro: Record, 2002, p.153-166.
KRAMER, Heinrich; SPRENGER, James. O martelo das feiticeiras. 18. ed. Trad. Paulo
Fróes. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2005.
KURY, Mario da Gama. Dicionário de mitologia grega e romana. 2.ed. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1992..
LARROSA, Jorge. Tecnologias do eu e educação. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). O
sujeito da educação: estudos foucaultianos. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 35-86.
LINN, Susan. Crianças do consumo: a infância roubada. São Paulo: Instituto Alana, 2006.
LOURO, Guacira Lopes. Produzindo sujeitos masculinos e cristãos. In: VEIGA NETO,
Alfredo (Org.). Crítica pós-estruturalista e educação. Porto Alegre: Sulina, 1995, p.83-108.
MAIOR, Marcel Souto. Almanaque TV Globo. Rio de Janeiro: Globo, 2006.
MARQUES, Cíntia Bueno. Pedagogia do Kzuka: um estudo sobre a produção de identidades
jovens na mídia. Dissertação de Mestrado. ULBRA: Canoas, 2007.
MOMO, Mariangela. Mídia e consumo na produção de uma infância pós-moderna que vai à
escola. Tese de Doutorado. UFRGS: Porto Alegre, 2007.
MURARO, Rose Marie. Introdução histórica. In: KRAMER, Heinrich; SPRENGER, James.
O martelo das feiticeiras. 18. ed. Trad. Paulo Fróes. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2005,
p.05-17.
PANNIELLO, Gianluca. W.I.T.C.H.. Collection. São Paulo: Abril, n. 7, setembro 2005.
ROSE, Nikolas. Governando a alma: a formação do eu privado. In: SILVA, T.T. (Org.)
Liberdades Reguladas. Rio de Janeiro: Vozes, 1998, p. 30-45.
. Inventando nossos eus. In: SILVA, Tomaz Tadeu. (Org.) Nunca fomos
humanos: nos rastros do sujeito. Belo Horizonte: Autêntica, 2001, p. 139-204.
. Como se deve fazer a história do eu. Educação & Realidade, Porto Alegre,
v.26, n.1, jan/jul 2001a, p. 33-57.
SARLO, Beatriz. Abundância e pobreza. In: SARLO, Beatriz. Cenas da vida pós-moderna:
intelectuais, arte e vídeo-cultura na Argentina. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1997, p. 13-
52.
SCHOR, Juliet B. Born to Buy. The commercialized child and the new consumer culture.
New York: Scribner, 2004.
STEINBERG, Shirley; KINCHELOE, Joe L.. Sem segredos: a cultura infantil, saturação de
informação e infância pós-moderna. In: STEINBERG, Shirley; KINCHELOE, Joe L. (Orgs.)
Cultura Infantil: a construção corporativa da infância. Trad. George E. J. Bricio. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2004, p. 11-52.
THOMPSON, Kenneth. Estudos culturais e educação no mundo contemporâneo. In:
SILVEIRA, Rosa Maria Hessel (Org.). Cultura, poder e educação: um debate sobre estudos
culturais em educação. Canoas: ULBRA, 2005, p. 15-38.
VASCONCELOS, Teresa Maria Sena de. Onde pensas tu que vais? Senta-te! Etnografia
como experiência transformadora. Educação, Sociedade e Cultura. Lisboa, n. 6, p. 23-46,
1992.
VEIGA-NETO, Alfredo. Educação e governamentalidade neoliberal: novos dispositivos,
novas subjetividades. In: BRANCO, Guilherme Castelo; POTOCARRERO, Vera. Retratos de
Foucault. Rio de Janeiro: Nau, 2000, p. 179-217.
VELHO, Gilberto. O desafio da proximidade. In: VELHO, Gilberto; KUSCHNIR, Karina.
(Orgs.). Pesquisas urbanas: os desafios do trabalho antropológico. Rio de Janeiro:Jorge Zahar
Editor, 2003, p. 11-19.
WALKERDINE, Valerie. O raciocínio em tempos pós-modernos. Educação & Realidade,
Porto Alegre, v. 20, n.2, jul./dez. 1995, p. 207-226.
WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In:
SILVA, Tomaz T. da (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais.
Petrópolis: Vozes, 2000. p. 7-72
WORTMANN, Maria L. C.. Harry Potter para além da magia e da bruxaria. A Página,
Lisboa, ano 16, 168, Junho 2007, p. 07. Disponível em:
<http://www.apagina.pt/arquivo/Artigo.asp?ID=5424>. Acessado em 10 ago. 2007.
YÚDICE, George. A conveniência da cultura. In: YÚDICE, George. A conveniência da
cultura: usos da cultura na era global. Belo Horizonte: UFMG, 2004, p. 25-64.
. Produzindo a economia cultural a arte colaboradora do insite. In: YÚDICE,
George. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2004a, p.449-459.
ZOPPAS, I. C.; TODESCHINI, C. R.; WORTMANN, M. L. C.. Harry Potter: magia, ciência,
tecnologia articuladas na literatura para a produção de uma infância/adolescência ciborgue.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA, Canoas/RS, v. 3, p. 217-226, 2004.
REFERÊNCIAS FILMOGRÁFICAS
BEBÊ DE ROSEMARY, O. Direção de Roman Polanski, Produção de William Castle e Dona
Holloway, Roteiro de Roman Polanski, baseado em livro de Ira Levin. EUA: Paramount
Pictures, 1968.
BEWITCHED. Direção de William Asher, EUA: Columbia Pictures Television, 1964 a 1972.
248 episódios. De 1964 a 1966 em preto e branco e de 1967 a 1972 color.
BRUMAS DE AVALON, As. Direção de Uli Edel, Produção de Gideon Amir e Bernd
Eichinger, Roteiro de Gavin Scott, baseado em livro de Marion Zimmer Bradley. EUA:
Warner Bros. / TNT / Stillking Films / Constantin Film Production GmbH / Wolper
Organization, 2001.
BRUXAS DE EASTWICK, As. Direção de George Miller, Produção de Neil Canton, Peter
Guber e Jon Peters, Roteiro de Michael Cristofer, baseado em livro de John Updike. EUA:
Warner Bros. / Guber-Peters Company / Kennedy Miller Productions, 1987.
BRUXAS DE SALÉM, AS. Direção de Nicholas Hytner, Produção de Robert A. Miller e
David V. Picker, EUA: 20th Century Fox, 1996. 1 dvd (123 min), color.
FEITICEIRA, A. Direção de Nora Ephron, Produção de Lucy Fisher, Penny Marshall e
Douglas Wick, Roteiro de Nora Ephron, baseado em estória de Delia Ephron e Adam McKay
EUA: Columbia Pictures Corporation / Red Wagon Productions / Bewitched, 2005. 1 dvd (90
min), color.
FEITIÇO DA LUA, O. Direção de Norman Jewison, Produção de Norman Jewison e Patrick
J. Palmer, Roteiro de John Patrick Shanley. EUA: MGM, 1987.
FILHA DA LUZ. Direção de Chuck Russell, Produção de Mace Neufeld, Roteiro de Thomas
Rickman, Clifford Green e Ellen Green, baseado em livro de Cathy Cash Spellman. EUA:
Paramount Pictures / Icon Entertainment International, 2000.
MAGIA À SEDUÇÃO, Da. Direção de Griffin Dunne, Produção de Denise Di Novi, Roteiro
de Robin Swicord, Akiva Goldsman e Adam Brooks, baseado em livro de Alice Hoffman.
EUA: Warner Bros. / Village Show Productions, 1998.
SITES PESQUISADOS
ABRIL. Publicidade. Disponível em:
<http://publicidade.abril.com.br/homes.php?MARCA=56>. Acesso em: 27 out. 2006.
ABRIL. Publicidade. Disponível em:
<http://publicidade.abril.com.br/geral_perfil_leitor.php>. Acesso em: 14 nov. 2007.
ABTA. Mídia e Images. Disponível em:
<http://www.abta.org.br/site/content/midia/images/MidiaFatos2005-2006-Port-English.pdf>.
Acesso em: 28 maio 2007.
EDELBRA. Artigos. Disponível em: <http:// www.edelbra.com.br>. Acesso em: 23 dez.
2006.
FORONI. Artigos. Disponível em: <http://www.foroni.com.br/empresa.asp>. Acesso em: 23
dez. 2006.
GRENDENE. Empresa. Disponível em:
<http://www.grendene.com.br/www/company/company.aspx?language=0>. Acesso em: 12
dez. 2007.
IBGE. Notícias. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/pesquisas/default.shtm>. Acesso em: 28 maio 2007.
IBGE. Notícias. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=207>.
Acesso em: 28 maio 2007.
IPIRANGA. Empresa. Disponível em:
<http://www.ipiranga.com.br/cbpiVideos.jsp?cod=sobr,vide&filterpub=2007&filterins=2007
>. Acesso em: 12 dez. 2007.
MC DONALD’S.
<http://www.mcdonalds.com.br/institucional/pdfs/mconomics/2005/mconomics_2005_port.p
df>. Acesso em: 30 abr. 2007.
ORKUT. Comunidades. Disponível em:
<http://www.orkut.com/community.aspx?cmm=25556100 >. Acesso em: 20 ago. 2007.
RODRIGUES, Edson. A feiticeira. Disponível em:
<http://retrotv.uol.com.br/feiticeira/index2.html>. Acesso em: 10 maio 2006.
SIMÕES, Cátia C. Bewitched. Filmes e críticas. Disponível em:
<http://www.c7nema.net/site/html/modules.php?name=Sections&op=viewarticle&artid=177>
Acesso em: 15 jun. 2006.
TERRA. Letra da música de introdução da série animada W.I.T.C.H.. Disponível em:
< http://musica.terra.com.br/>. Acesso em: 21 dez. 2006.
WIKIPEDIA. Artigos. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Disney >. Acesso em: 20
dez. 2006.
WIKIPEDIA. Artigos. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/W.I.T.C.H.>. Acesso em:
20 dez. 2006.
WIKIPEDIA. Artigos. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Mcdonald%27s>. Acesso
em: 20 dez. 2006.
WIKIPEDIA. Artigos. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Jetix>. Acesso em: 20
dez. 2006.
WIKIPEDIA. Artigos. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Wicca>. Acesso em: 11
dez. 2007.
WIKIPEDIA. Artigos. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/High_School_Musical>.
Acesso em: 12 dez. 2007.
ULTRA. História. Disponível em: <http://www.grupoultra.com.br/>. Acesso em: 12 dez.
2007.
XUXA. Empresa. Disponível em:
<http://xuxaproducoes.globo.com/XuxaProd/0,18529,3178,00.html>. Acesso em: 12 dez.
2007.
YOUTUBE. Vídeos. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=pskROJ_esU4>.
Acesso em: 12 dez. 2007.
YOUTUBE. Vídeos. Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=caT9JZZkEoQ>.
Acesso em: 12 dez. 2007.
APÊNDICE N° 1 Distribuição de Seções por Edição
SEÇÕES REVISTA N° 47 REVISTA N° 48 REVISTA N° 49 REVISTA N° 50 REVISTA N° 51 REVISTA N° 52
Jan-06 Feb-06 Mar-06 Apr-06 May-06 Jun-06
Cartas
X X
Bate-papo
X X X X
Teste
X X X X X X
Que mico!
X X X X
Top Witch
X X X
Sala de Aula
X X
Espelho Meu
X X X X X
Mundo Witch
X
Witchdica
X
Boys
X X X X
Príncipe
X
Novo e fofo
Tchau, mesada
X X X X X X
Matéria Básica
X X X
Feito em casa
X X
Vestiário
X X X X X X
S.O.S. Saúde
X X
Fã-clube
X X X
Garota Esperta
X X X
Olha aí
X X X X X
Este planeta é seu
X
Pets
X X X
Esô
X X X
Seu brinde
X
Hoscopo
X X X X X X
HQ
X X X X X X
Distribuição de seções por edição - Primeiro Semestre 2006
APÊNDICE N° 2 Distribuição de Seções por Edição
SEÇÕES REVISTA N° 53 REVISTA N° 54 REVISTA N° 55 REVISTA N° 56 REVISTA N° 57 REVISTA N° 58
Jul-06 Aug-06 Sep-06 Oct-06 Nov-06 Dec-06
Cartas
Bate-papo
X X X X X X
Teste
X X X X X X X X X XX
Que mico!
X X X X X X
Top Witch
Sala de Aula
X X
Espelho Meu
X X X X X X
Mundo Witch
X
Witchdica
X X X
Boys
X X X X X
Príncipe
Novo e fofo
X X X X
Tchau, mesada
X X X X
Amizade
X
Matéria Básica
X X
Feito em casa
X
Vestiário
X X X X X X
S.O.S. Saúde
X
Era uma vez
X
Fã-clube
X X X
Garota Esperta
X
Olha
X
Este planeta é seu
Pets
X X
Esô
X X X
Seu brinde
Muito prazer
X
Hoscopo
X X X X X X
HQ
X X X X X
* Nos quadros que possuem dois "X" é porque as seções se repetem na mesma edição.
Distribuição de seções por edição - Segundo Semestre 2006
APÊNDICE N° 3 Distribuição de Seções por Edição
SEÇÕES REVISTA N° 59 REVISTA N° 60 REVISTA N° 61 REVISTA N° 62 REVISTA N° 63 REVISTA N° 64
Jan-07 Feb-07 Mar-07 Apr-07 May-07 Jun-07
Cartas
Bate-papo
X X X X X X
Teste
X X X X X X
Que mico!
X
Top Witch
Sala de Aula
X X
Espelho Meu
X X X X X X
Mundo Witch
X
Witchdica
X
Boys
X X X X
Príncipe
X
Novo e fofo
X X
Tchau, mesada
X X X
Matéria Básica
X X X X
Feito em casa
X X
Vestiário
X X X X X X
S.O.S. Saúde
X X
Fã-clube
Garota Esperta
X
Olha aí
X
Este planeta é seu
X
Pets
X X
Esô
X X
Seu brinde
X
Hoscopo
X X X X X X
HQ
X X X X X X
Distribuição de seções por edição - Primeiro Semestre 2007
APÊNDICE N° 4 Distribuição de Seções por Edição
SEÇÕES REVISTA N° 65 REVISTA N° 66 REVISTA N° 67 REVISTA N° 68 REVISTA N° 69 REVISTA N° 70
Jul-07 Aug-07 Sep-07 Oct-07 Nov-07 Dec-07
Cartas
Bate-papo
X X X X X X
Teste
X X X X X X
Que mico!
Top Witch
X
Sala de Aula
X X
Espelho Meu
X X X
Mundo Witch
Witchdica
X X
Witch na rede
X
Boys
X X X
Príncipe
X
Novo e fofo
Tchau, mesada
X X
Amizade
X X
Matériasica
X X
Feito em casa
X
Vestiário
X X X X X X
S.O.S. Sde
X
Era uma vez
Fã-clube
X X
Garota Esperta
X
Olha aí
X X X X
Este planeta é seu
X
Pets
X
Esô
X
Seu brinde
Muito prazer
Hoscopo
X X X X X X
HQ
X X X X X X
Distribuição de seções por edição - Segundo Semestre 2007
ANEXO N° 1 – Termo de Consentimento Informado
UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO
O projeto de pesquisa que realizo neste momento, como mestranda do Programa de Pós
Graduação em Educação da Universidade Luterana do Brasil, intitulado Complexo w.i.t.c.h.
acionando a magia para formar garotinhas nas redes de consumo, investiga como o
Complexo mediante um discurso que utiliza a magia para encantar, seduzir e convocar as
jovens garotas, vai governando suas vidas, colocando em ão estratégias que operam como
um tipo de pedagogia que ensina às jovens garotas muitas coisas, e têm como eixo central
mobilizá-las para o consumo de um imenso conjunto de ofertas. Para tanto, com autorização e
consentimento do responsável farei uso na investigação de fotografias de algumas crianças
que gostam dos objetos do Complexo e das crianças e seus pertences no ambiente escolar.
Comprometo-me a respeitar os valores éticos que permeiam esse tipo de trabalho,
efetuando pessoalmente as fotografias e utilizando-as apenas para ilustrar a dissertação e
artigos relacionados a ela a serem publicados, bem como, se for o caso, para apresentação de
palestras e comunicações em congressos sobre o tema pesquisado.
Como pesquisadora responsável por esta pesquisa, comprometo-me a esclarecer
devida e adequadamente qualquer dúvida ou necessidade de informação que o participante ou
seus responsáveis venham a ter em relação à pesquisa, ou sempre que julgarem necessário,
através dos telefones (051) 3475.1238 ou pelo endereço eletrônico [email protected]
Após ter sido devidamente informado de todos os aspectos desta pesquisa e ter
esclarecido todas as minhas dúvidas:
Eu _____________________________________________________, R.G. sob nº
________________, concordo que ________________________________, sob minha
responsabilidade e guarda, participe do projeto de pesquisa.
________________________________________________________
Assinatura dos Pais ou Responsável
________________________________________________________
Assinatura da Pesquisadora
Camille Jacques Prates
(Graduada em Pedagogia pelo UNILASALLE, Mestranda do PPGEDU/ULBRA)
Canoas, ____ de _____________ de 2008.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo