RESUMO
Esta dissertação investiga uma produção cultural contemporânea dirigida a crianças e jovens,
utilizando-se de referenciais teóricos dos Estudos Culturais em Educação, que possibilitam, entre outras coisas,
enxergar a educação para além dos limites da escola. O objeto desta pesquisa é o Complexo W.I.T.C.H,
expressão adotada para aludir a uma Revista, a uma coleção de Livros Secretos e a uma Série Animada,
denominados W.I.T.C.H., que originam a circulação de uma considerável gama de outros produtos e artefatos
correlatos. O objetivo da investigação foi o de mostrar que o Complexo, mediante um discurso que utiliza a
magia para encantar, seduzir e convocar as jovens garotas, vai governando suas vidas, colocando em ação
estratégias que operam como um tipo de pedagogia que ensina às jovens garotas muitas coisas, e tem como eixo
central mobilizá-las para o consumo de um imenso conjunto de ofertas.
O estudo focalizou vinte e quatro revistas das bruxinhas W.I.T.C.H., além de onze exemplares da
coleção de Livros Secretos que integram o Complexo. Procurou também olhar para a produtividade do
Complexo, com a intenção de evidenciar como um artefato está vinculado ao outro, operando articuladamente no
envolvimento das jovens meninas. No decorrer da pesquisa, aproximei-me de pessoas, de ambientes e de temas
que me ajudassem a pensar de diferentes maneiras o Complexo. Freqüentei as casas e mantive uma conversação
com duas jovens garotas − “minhas interlocutoras” − que me ajudaram a olhar para o objeto de estudo. Elas
apontaram muitos detalhes sobre o Complexo, contribuindo de diferentes formas para que eu pudesse entendê-lo
e mostrá-lo em operação, sendo participantes ativas desta investigação. Também fui a feiras de esoterismo e
conversei com pessoas que se diziam magos ou bruxas. Busquei no Orkut e suas comunidades formas de me
aproximar das fãs do Complexo, e visitei as várias comunidades das W.I.T.C.H. para ver o que circulava por elas.
Li livros de feitiçaria e magia, ou seja, tentei me aproximar de tudo que circula em torno dos temas que estavam
atiçando minha curiosidade e me ajudando a transformar o Complexo W.I.T.C.H. em um problema de pesquisa.
O embasamento teórico foi buscado em autoras e autores que problematizam questões referentes à
condição pós-moderna, às pedagogias culturais, ao consumo e às técnicas de si, como Zygmunt Bauman, Beatriz
Sarlo, Elizabeth Ellsworth, Naomi Klein, Juliet Schor, Susan Linn, Shirley Steinberg, Joe Kincheloe, George
Yúdice, Henry Giroux, Stuart Hall, Jorge Larrosa, Nikolas Rose, Marisa Vorraber Costa, entre outros.
Os resultados da pesquisa possibilitaram ver como as jovens garotas fãs do Complexo se encontram com
o que Rose (1998) denominou de expertise, na medida em que elas se apóiam em matérias das revistas ou em
recomendações dos Livros Secretos para solucionarem alguns “probleminhas”, sejam esses no momento de
encontrar com um menino e saber o que dizer e vestir para ele, seja para conviver de uma maneira mais
harmônica com seu irmão ou com sua família, seja na hora de estudar e fazer simpatias para ir bem em um prova
na escola. Ao mesmo tempo em que se divertem com os artefatos do Complexo, é possível aprender uma técnica
mágica e ainda descobrir coisas sobre o amor, a amizade, os meninos, o astral, etc. Pude constatar também a
eficiência do Complexo ao fazer as meninas envolverem-se nele, olhando para a forma como as convoca e
mobiliza no sentido de praticarem sobre si mesmas certas técnicas. Além disso, pude observar como o Complexo
ensina as jovens garotas a interessarem-se por questões relacionadas à beleza, à auto-estima e ao amor, bem
como a exercitarem-se em práticas nessa mesma direção. Elas aprendem táticas para vestir-se de acordo com
padrões propostos pelo Complexo e, sobretudo, de acordo com os gostos dos meninos. O complexo ensina as
meninas a lidarem com seus sentimentos, emoções, situações cotidianas que circundam a família, a escola, os
amigos e os amores. Tudo isso a partir das fórmulas mágicas, dos testes, das matérias propostas nas revistas, bem
como através das lições, ensinamentos e recomendações expressos nos Livros Secretos. Cada uma das jovens
garotas acaba aprendendo e agindo sobre si mesma de uma certa forma, pois recebem e interpretam essas lições
de modos e jeitos diferentes, conforme pude perceber em diferentes momentos e conversas que mantive com
minhas interlocutoras. Implícita e explicitamente, o Complexo convoca o tempo todo as jovens garotas ao
consumo.
Palavras-chave: Crianças e consumo, crianças e mídia, pedagogias culturais, tecnologias de si, subjetivação,
infância contemporânea, cultura infantil e consumo, infância e magia