
66
falas técnicas de sanitaristas e urbanistas, a voz emergente da publicidade, reclames e
propagandas, falas do teatro de revista, a crônica policial
85
e a crônica de costumes, revistas
de tipos, modas e personalidades
86
, discursos da academia, além da produção literária,
científica e ficcional, estariam dialogizando entre si, constantemente, mas, também
disputando com determinação a primazia do enunciado que diz da coisa em si, segundo
interesses de indivíduos, de grupos, de classe, de campo e de qualquer outra síntese
construtivista metodológica que a rasura identificaria como metafísica ou efeito de verdade,
análise de um suposto real dado.
O cancioneiro popular no período especificado soma-se ao escopo discursivo, como máquina
discursiva, mas, principalmente, como um efeito que quer também especificar efeitos sobre
efeitos, diria Derrida, metáfora de metáfora. E derivar, disseminar tanto no entre de si (alteres
entre si: BR, RF, CM) quanto no entre que especifica a diferença contaminada, espaçamento,
do campo cancioneiro popular e do contexto em que se localizam os discursos da elite, altere
mais evidente do cancioneiro popular. O faz, não para dizer a coisa no mundo, a cidade, a
urbanidade, a modernidade, a identidade nacional, mas para participar do jogo, do embate, do
conflito, este sim de ordem estritamente política. Jogo que constantemente se re-inaugura,
segundo contingências, elegendo e preterindo pensamentos e formas que expressam esta ou
aquela economia de dominados, dominadores, sujeitos, alteres, campos, contextos etc. Enfim,
sistematizando modos de pensar em que, respondendo à lógica de mecanismos
disseminadores, torna possível ao cancioneiro popular, em dado momento contingente, atuar
de forma violenta por dentro do contexto político.
As metáforas de metáforas, resultados parciais do jogo, especificam percepções cotidianas na
sociedade belle-epoqueana (manifestações, conflitos, festas, crimes, costumes, modas,
práticas de habitação, trabalho, consumo, lazer e circulação), especificam modos de percepção
e construção como resultados parciais e circunstanciais de efeitos em movimento. Efeitos que,
85
Houve uma série de crônicas dessa natureza, bastante divulgada, conhecida por Os Mistérios do
Rio, de Benjamin Costallat e inspirada nos Mistérios de Paris de Alexandre Dumas. Essa série se
reproduziu em inúmeras publicações no Brasil que procuravam interpretar o lado obscuro das
cidades, gerando diversas versões, sempre amplificando a atmosfera noir e metropolitana de
imagética européia.
86
Vale acrescentar que no mesmo período multiplicaram-se revistas como “A Lanterna”, de 1901, “O
Malho”, de 1902, “Fon-Fon” e “Tico-Tico”, de 1905, “Careta”, de 1908, que também propõem
dialogicamente, tipos, personagens e questões relativas a conflitos de ordem ideológica especificados
pela eleição de aspectos da identidade nacional, da modernidade, da tradição e do urbano, este
último, sintetizado na construção imagética da cidade moderna, cujo moto-contínuo é surpreendido e
interrompido por datas cívicas e religiosas, festejos, modas de vitrine, reclames, costumes, conflitos,
manifestações e múltiplos acontecimentos que atravessam a rotina dos citadinos.