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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS
ÉTNICOS E AFRICANOS
VERUSKA BARREIROS GONÇALVES
MODA AFRO-BAIANA: COMUNICAÇÃO E IDENTIDADE ATRAVÉS DA
ESTÉTICA AFRO
SALVADOR – BA
2008
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VERUSKA BARREIROS GONÇALVES
MODA AFRO-BAIANA: COMUNICAÇÃO E IDENTIDADE ATRAVÉS DA
ESTÉTICA AFRO
Dissertação de Mestrado apresentada à
Universidade Federal da Bahia como requisito
para a obtenção do título de Mestre na área de
Estudos Étnicos e Africanos.
Professor Orientador: Dr. Cláudio Pereira
SALVADADOR – BA
2008
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Biblioteca do CEAO – UFBA
G635 Gonçalves, Veruska Barreiros.
Moda afro-baiana: comunicação e identidade através da estética afro / por Veruska
Barreiros Gonçalves. - 2008.
124 f.
Orientador : Profº Dr. Cláudio Pereira
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, 2008.
1. Moda - Bahia. 2. Negros – Identidade racial. I. Pereira,
Cláudio.
II. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas.
III. Título.
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS
ÉTNICOS E AFRICANOS
VERUSKA BARREIROS GONÇALVES
MODA AFRO-BAIANA: COMUNICAÇÃO E IDENTIDADE ATRAVÉS DA
ESTÉTICA AFRO
Esta dissertação foi julgada aprovada, em sua forma
final, para a obtenção do título de Mestre pelo Programa
de Pós-graduação em Estudos Étnicos e Africanos da
Universidade
Federal da Bahia.
Aprovada em 11/12/2008.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________________
___
Prof. Dr. Cláudio Pereira (Orientador)
Universidade Federal da Bahia - UFBA
___________________________________________________________________________
___
Prof.ª Dra. Renata Pitombo Cidreira
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB
___________________________________________________________________________
___
Prof.ª Dra. Ângela Figueiredo
Universidade Federal da Bahia - UFBA
Dedico este estudo:
aos meus amados pais, Edson e Cleuma;
Ao meu querido marido, Francisco;
Aos meus irmãos, Vanessa e Cleudson;
e à todos os grandes amigos.
AGRADECIMENTOS
Foram muitos os que me ajudaram a concluir este trabalho.
Meus sinceros agradecimentos...
... à Deus, base da minha vida, onde busquei forças para concluir minha dissertação;
... à minha família pela confiança, incentivo, apoio, força e amor;
... ao meu marido, Francisco, pela paciência, amor e incentivo;
... aos meus amigos que me deram apoio nas horas difíceis e transmitiram energia positiva;
... a Alline e Paula por todos os momentos que vivemos nessa caminhada;
... à Roberta, Xanda e Adriana Dumas que me ajudaram mostrando as possibilidades desse
trabalho quando ainda era apenas uma sementinha;
... à CAPES que me proporcionou subsídios para que pudesse realizar meus estudos;
... ao meu orientador Cláudio Pereira por aceitar a orientação deste estudo e conduzir seu
desenvolvimento com muita sabedoria, paciência e atenção;
...às professoras Ângela Figueiredo e Renata Pitombo pelas valiosas sugestões na banca de
qualificação;
... aos amigos do Mestrado pela troca de experiências e amizade;
... à direção e professores do CEAO que me ensinaram, proporcionaram cursos e
conhecimentos;
... à todos os produtores de moda da Bahia: Negra Jhô, Dete Lima, Valéria Kavesky, Angola
Fashion, Projeto Axé, entre outros. Que vocês continuem brilhando;
“As únicas pessoas que realmente mudaram a
História foram os que mudaram o pensamento
dos homens a respeito de si mesmos”.
(Malcolm X)
RESUMO
Nesse trabalho vamos analisar cultura, identidade e estética negra a partir da produção de uma
modaafro baiana” em Salvador, cidade conhecida pela forte tradição assentada nas matrizes
culturais de origem africana, que indicam tendências à formação de posturas identitárias,
estético-políticas que evocam um pertencimento e privilegiam a ancestralidade. O nosso
objetivo é analisar se essa moda realmente existe, qual o seu papel na construção da
identidade e das características étnico-raciais, se ela reafirma e difunde a cultura negra neste
momento histórico. O estudo da apropriação da moda no processo identitário da afro-
baianidade é analisado dentro dos parâmetros de afirmação e comunicação. Vamos abordar
sobre a identidade africana criada dentro do contexto baiano e as implicações dessa cultura na
sociedade através da criação da moda afro-baiana, da valorização da estética negra no
contexto de Salvador, e da importância da moda como articuladora de sociabilidades
específicas através da história. Identificamos produtores e matrizes culturais de moda afro na
cidade, analisando quem são esses produtores, como se constrói essa moda, em que cenário se
desenvolve, o que essa moda quer comunicar, e quais as implicações e transformações
ocorridas com o negro na cultura baiana. O negro está sempre recriando e reinterpretando as
formas de expressão estética, e o uso dessa estética pode se dar por questões políticas, pela
beleza da indumentária ou por um processo de identificação. Concluímos que as roupas
asseguram uma identidade, diferindo grupos, e os baianos adotam a moda afro valendo-se de
uma orientação moderna e contemporânea e da representação de uma África mítica criada por
sujeitos que vivem em centros urbanos ocidentais de onde retiram a sua imagem da negritude.
Essa moda evoca sinalizações, é apoiada por uma determinação ideológica, está
paulatinamente se desenvolvendo, mas ainda não atingiu um grande mercado consumidor.
.
Palavras-chave: 1. Moda. 2. Identidade. 3.Bahia.
ABSTRACT
In this study we will examine culture, identity, black aesthetics from the production of a
"African Bahia" fashion in Salvador, a city known for its strong cultural tradition settled in
the matrix of African origin, which indicates trends to the formation of postures identity,
aesthetic-policies that evoking belonging and privilege to ancestry. Our goal is to examine
whether that fashion really exists what its role in building the identity and characteristics of
ethnic-racial, if it reaffirms and disseminates the black culture in this historic moment. The
study of the appropriation of fashion in the process of identifying african-baianidade is
analyzed within the parameters of expression and communication. We will tackle on African
identity created within the context of Bahia and the implications of the culture in society
through the creation of fashion african-Bahia, the recovery of the black aesthetic in the
context of Salvador, and the importance of fashion as articulating the specific sociability
through history. We have identified native producers and cultural matrix of african fashion in
the city, who are considering these producers, as this fashion is built, in which scenario, what
this fashion wants to communicate, and what are implications and changes for the black
people to the black culture in Bahia. The black people from Bahia is always recreating and
reinterpreting the aesthetic forms of expression, and the use of aesthetics african takes place
either on political issues, by the beauty of clothing or by a process of identity. We concluded
that the clothes provide an identity, differing groups. And the Bahian adopt the african fashion
based on a modern and contemporary guidance and representation of a mythical Africa
created by subjects who live in urban centers from where Westerners withdraw its image of
blackness. This style which evokes signs, is supported by an ideological determination, and it
is gradually developing, but has not yet reached a large consumer market.
Keywords: 1. Fashion. 2. Identity. 3. Bahia.
LISTA DE FIGURAS
Ilustração 1 - Moda de Lino Villaventura ............................................................................ 36
Ilustração 2 - Moda de Alexandre Herchovitch ....................................................................37
Ilustração 3 - Trançadeira no Pelourinho ............................................................................ 50
Ilustração 4 - Indumentária de Baiana 1(Pelourinho)........................................................... 56
Ilustração 5 - Indumentária de Baiana 2 .............................................................................. 57
Ilustração 6 - Irmandade da Boa Morte ............................................................................... 67
Ilustração 7 - Jóia Lúcia Lima (Deusa de Ébano).................................................................68
Ilustração 8 - Catálogo H. Stern ...........................................................................................69
Ilustrações 9 -Negra Jhô........................................................................................................74
Ilustração 10 – Funcionária no salão de Negra Jhô...............................................................74
Ilustração 11 – Acessórios utilizado nos penteados afro......................................................75
Ilustração 12 – Visão do salão de Negra Jhô .......................................................................75
Ilustração 13 – Vista da frente do salão de Negra Jhô......................................................... 76
Ilustração 14 – Decoração do salão negra Jhô......................................................................76
Ilustração 15 - Dete Lima ................ .................................................................................. 81
Ilustração 16 – Dete Lima fazendo torço em modelo.......................................................... 82
Ilustração 17 - Deusa de Ébano 2008.................................................................................. 82
Ilustração 18 – Modelo com acessórios do Ilê Aiyê ............................................................82
Ilustração 19 – Dançarinas do Ilê se maquiando................................................................. 83
Ilustração 20 – Indumentária da banda do Ilê Aiyê..............................................................83
Ilustração 21 – Figurino feminino do Ilê Aiyê......................................................................84
Ilustração 22 – Recpcionistas da Noite da Beleza Negra .....................................................84
Ilustração 23 – Modelos de roupa afro-baiana na Noite da Beleza Negra ...........................85
Ilustração 24 – Loja Didara ..................................................................................................89
Ilustração 25 – Goya Lopes na fábrica em Cosme de Farias ...............................................89
Ilustração 26 – Produtos confeccionados por Goya Lopes ..................................................90
Ilustração 27 – Bolsas e camisas da loja Didara...................................................................90
Ilustração 28 – Modelo de camisa masculina.......................................................................91
Ilustração 29 – Modelo de roupa feminina...........................................................................91
Ilustração 30 – Vestidos da Soudam & Kavesky..................................................................95
Ilustração 31 – A estilista Valéria Kavesky..........................................................................95
Ilustração 32 – Loja Soudam & Kavesky.............................................................................96
Ilustração 33 – Modelos com roupas da Soudam & Kavesky .............................................96
Ilustração 34 – Loja Angola Fashion ...................................................................................100
Ilustração 35 – Tecidos Africanos........................................................................................100
Ilustração 36 – Roupa feminina da loja Angola Fashion ....................................................101
Ilustração 37 – Roupa masculina da loja Angola Fashion ..................................................101
Ilustração 38 – Tecidos africanos em exposição ................................................................102
Ilustração 39 – Decoração da loja Angola Fashion ............................................................102
Ilustração 40 – Josué: Proprietário da loja Angola Fashion................................................103
Ilustração 41 – Purificação: Proprietária da loja Angola Fashion ......................................103
Ilustração 42 – Oficina de corte e costura do projeto Axé..................................................108
Ilustração 43 – Estampas desenvolvidas pelo Projeto Axé.................................................108
Ilustração 44 – O passo-a-passo da costura no Projeto Axé...............................................109
Ilustração 45 – Modelos de roupas confeccionados com produtos reciclados...................110
Ilustração 46 – Oficina de Serigrafia - Projeto Axé...........................................................111
Ilustração 47 – Oficina de Serigrafia II – Projeto Axé ......................................................111
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO............................................................................................................13
ASPECTOS METODOLÓGICOS......................................................................................18
1. TRANÇANDO MODA..................................................................................................21
1.1 Contextualizando Moda.................................................................................................21
1.1.1 A Moda na Contemporaneidade.................................................................................25
1.2 Moda, cultura e comunicação........................................................................................27
1.3 A Comunicação através da moda e do corpo................................................................30
1.4 Moda, Cultura e Identidade...........................................................................................32
2. ESTÉTICA E IDENTIDADE NEGRA NA BAHIA ................................................ 34
2.1 A Estética Afro no cenário brasileiro........................................................................... 34
2.2. Identidade Étnica..........................................................................................................38
2.2.1 Conceito de raça.........................................................................................................41
2.3. O corpo negro como emblema étnico...........................................................................43
2.3.1 O negro e a estética do cabelo....................................................................................47
2.3.2 O negro brasileiro nos meios de comunicação...........................................................50
2.3.3 O negro brasileiro e o mercado de consumo..............................................................52
2.4.A Influência da estética africana ..................................................................................55
3. A MODA AFRO-BAIANA..........................................................................................59
3.1. “Moda Afro”: A Arte como porta voz de uma identidade..........................................59
3.1.1 Legados da África no Brasil.................................................................................... 61
3.1.2 A cidade Salvador e suas implicações na aparência do negro baiano...................... 63
3.2. A arte das jóias de crioula e dos balangandãs..............................................................65
4. OUVINDO AS VOZES DA ESTÉTICA NEGRA.....................................................70
4.1. Negra Jhô: Cabelos afros como identidade.................................................................70
4.2. Dete Lima e a moda afro cultural proposta pelo Ilê Aiyê...........................................77
4.3 Goya Lopes: uma designer afro de sucesso..................................................................86
4.4 Soudam & Kavesky:moda afro associada à moda urbana ...........................................92
3.3.5 Loja Angola Fashion: a importação de elementos africanos para a Bahia................97
3.3.6 Modaxé: uma moda produzida para a educação......................................................104
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................112
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................117
13
APRESENTAÇÃO
A Bahia é o Estado conhecido no Brasil e no mundo pela forte tradição assentada nas
matrizes artísticas e culturais de origem africana. E Salvador se tornou um centro de cultura
negra, por possuir elementos culturais (como a capoeira, as comidas típicas, a dança, a
música, o vestuário) que remetem ao continente africano e atrai turistas de todo o mundo.
Esses turistas vêm em busca de uma África na Bahia e juntos com os baianos, dialogam,
trocam experiências e idéias.
Nesse trabalho, vamos analisar e enfocar questões relacionadas à identidade, estética
negra e comunicação a partir da produção de uma moda “afro baiana” no contexto de
Salvador. Uma cidade onde a maioria da população é negra e ensaia formas de
comportamento que indicam tendências à formação de posturas identitárias, estético-políticas
que evocam um pertencimento e privilegiam a ancestralidade africana.
O termo “afro” é empregado nesse trabalho como uma característica que descreve objetos
que remetam a uma africanidade ou que se imaginam serem usados na África, e que
legitimem uma africanidade no Brasil. É usado para determinar coisas que foram construídas
no Brasil, mas que remete à África, foi recriada e ressignificada na tentativa de produzir uma
africanidade.
O estilo afro através de elementos como os búzios, as tranças, os dread locks (tranças
rastas) ornamentam as cabeças dos negros da cidade. Estes utilizam uma linguagem própria e
afirmam politicamente a libertação social do povo negro. A cultura negra de Salvador se
insere no contexto da cultura negra mundial também como criadora e exportadora de símbolos
étnicos negros.
A cidade preserva a memória e transforma de maneira criativa, as influências e a herança
africana. Podemos notar em suas ruas, o uso de roupas e adornos que remetem a um estilo
africano. A partir daí levantamos a hipótese de que amoda afro” vem crescendo e definindo
uma linguagem. O mais interessante é que ela es sendo usada não somente pelos negros,
mas por pessoas que se identificam com ela. um intercâmbio de identidade social. Essa
identidade é vista aqui como um processo de se tornar”, um processo dinâmico, fator de
pertencimento. Isso fez com que eu despertasse para a pesquisa sobre essa temática, algo tão
presente hoje na Bahia.
É exatamente o papel da moda sobre a própria formação de uma identidade
afrodescendente o centro desta pesquisa. Analisando a comunicação feita através da moda
14
afro, mostrando a reafirmação da cultura negra, da identidade e das características étnico-
raciais.
O campo da moda no Brasil esem franco processo de consolidação. Isso não difere na
Bahia. Por isso, nosso objetivo é a constituição de um estudo sobre a moda afro-baiana
presente em Salvador e curiosamente tão pouco explorada. O uso dessa moda seria uma forma
de construir uma identidade? Podemos afirmar que existe uma moda brasileira atualmente? E
uma moda afro-baiana? O que seria essa chamada “moda afro-baiana?” Ela surge no contexto
brasileiro? A moda vem cumprindo o seu papel de difusora de culturas? Qual a análise que
fazemos da identidade do negro na sociedade transmitida através da moda? Por que a estética
negra passou a ser valorizada atualmente?
O estudo é muito delicado e complexo, uma vez que, questionamentos se realmente
existe uma moda brasileira e, ainda mais em particular, uma moda genuinamente baiana. Para
isso, partiremos do conceito do que seria moda.
Na época em que fazia minha graduação em jornalismo, participei de um grupo de
pesquisa sobre moda regional que despertou a minha paixão pela temática de moda. Quando
vim morar em Salvador, observei o grande número de pessoas que faziam uso de uma estética
africana, seja através das roupas ou dos cabelos. Isso despertou em mim a curiosidade, e após
conhecer o Programa Multidisciplinar em Estudos Étnicos e Africanos (POSAFRO) fui
desenvolvendo meu projeto. Então, o trabalho nasceu com o projeto de dissertação
apresentado ao programa, onde questiono se uma moda afro-baiana e qual a aceitação
dessa moda, e se essa aceitação modifica as relações sociais; Se é possível identificar uma
conquista estético-política no contexto cultural soteropolitano. Nele, vamos abordar a questão
do significado do vestuário e da moda para a ressignificação da identidade. E tentar demarcar
um horizonte teórico-metodológico que servirá de entrelaçamento ente moda, cultura e
sociedade.
No estudo analisamos a produção de moda afro, o uso que as pessoas fazem dessa moda,
em Salvador, como forma de identidade. As leituras estão baseadas nos fundamentos da
relação: identidade, moda e etnicidade. O conceito de “moda afro-baiana” será utilizado
quando indicar que o sujeito faz uso de elementos que remetam à África, seja através das
cores utilizadas na produção dessa moda, seja através dos tecidos, dos adornos, da construção
dessa imagem.
15
A cultura negra se tornou um patrimônio e os afro-brasileiros passaram a valorizar
aspectos culturais e físicos da raça. Influenciados com o movimento da Negritude
1
houve uma
revalorização das raízes culturais. A estética e a moda afro se difundem com o movimento
Black Power
2
, que traz conseqüências positivas, também no Brasil, na forma do negro se
aceitar fisicamente. “As mulheres negras deixaram de espichar o cabelo a ferro e as cores da
Mama África viraram coqueluche no vestuário, mesmo fora do carnaval”. (CORREIO DA
BAHIA, 1999, p. 115). Houve a redescoberta da estética negra.
Partimos da hipótese de que as roupas, o vestuário, asseguram uma identidade, permitindo
que um grupo seja diferente do outro. A moda e a indumentária dividem grupos ao mesmo
tempo em que identificam valores comuns no seu interior. A comunicação e construção da
identidade destes grupos caracterizam o sentido cultural.
A moda afro-baiana conseguiu demarcar uma identidade na Bahia? Ela consegue se fazer
presente, ser usada por muitos negros, fazer assimilações a uma moda africana, na tentativa de
buscar a sua história, as suas características e sua identidade. Acreditamos que a moda
adotada liga-se a certo comportamento e personalidade, funcionando como um processo de
identificação de pessoas e grupos. Podemos viver diversas identidades ao mesmo tempo, por
isso ela não pode ser demarcada e sim vivenciada. Vamos tentar avançar justamente no estudo
da moda como um processo de identidade. Analisando a comunicação feita através da moda
afro-baiana, mostrando a reafirmação da cultura negra, e das características étnico-raciais.
Procuro trazer novas investigações teórico-metodológicas para este campo do saber,
compreendendo o impacto e o alcance da moda na sociedade contemporânea e destacando a
importância da moda como articuladora de sociabilidades específicas através da história.
O estudo da apropriação da moda no processo identitário da afro-baianidade é analisado
dentro dos parâmetros de afirmação e comunicação, identificando matrizes culturais da moda
afro e produtores dessa moda, analisando suas implicações na cultura baiana, bem como,
compreendendo o impacto e o alcance da moda afro-baiana na sociedade através de uma
identificação e análise das transformações ocorridas em relação ao negro.
1
O conceito de Negritude é desenvolvido pelo senegalês Léopold Sédar Senghor sendo difundido inicialmente
também por Aimé Césaire, Damas, Sainville e Maugée. Seria uma definição ao conjunto dos valores culturais do
mundo negro. O movimento da Negritude foi um movimento literário e político que surgiu com o objetivo de
recuperar a dignidade e personalidade do homem africano e, como um movimento propulsor da descolonização
da África. Eles queriam combater a discriminação, dando ênfase à reflexão sobre a condição do negro. Mas
foram criticados de veicular um essencialismo negro. O movimento da negritude conseguiu difundir suas idéias e
até hoje ajuda a influenciar a auto-estima do negro.
2
Movimento entre pessoas negras em todo o mundo, principalmente nos Estados Unidos, no final dos anos 60 e
início dos anos 70. O movimento enfatizava orgulho racial e criação de instituições culturais e políticas negras
para promover interesses coletivos. Com esse movimento as pessoas passavam a se assumir enquanto negras,
assumindo também suas características fenotípicas.
16
A julgar pela pequena produção acadêmica brasileira no setor da moda, observa-se uma
carência teórico-metodológica centrada na especificidade da moda contemporânea e ainda da
sistematização de novos dados que mostram o seu impacto na sociedade.
Isso remete a urgência que é a tarefa proposta pelo estudo: a construção da moda
contemporânea como forma de comunicação e de identidade.
Para fundamentar meu aporte, trabalhamos autores que ajudaram a amadurecer a idéia da
moda como cultura. A exemplo, temos Malcolm Barnard, autor do livro “Moda e
Comunicação” (2003). Ele aborda a moda como comunicação de identidades de classes, e
gêneros sexuais e sociais e trabalha a visão de teóricos e conceitos que compreendem a moda
como um fenômeno moderno e pós-moderno, abordando a questão dos papéis sociais,
ideologias, poder e gênero, e cultura. Renata Pitombo Cidreira, através do seu livro “Os
sentidos da Moda” (2005) ajudou a ampliar o estudo da moda na cultura contemporânea
abordando a questão do consumo e da comunicação, e da dimensão simbólica.
Para trabalhar a questão da estética e do corpo negro a autora Nilma Lino Gomes no livro
“Sem perder a raiz: corpo e cabelo como símbolos da identidade negra” (2006) foi de suma
importância. Ela fala do corpo e do cabelo considerados símbolos da identidade negra no
Brasil. O corpo e o cabelo possuem um caráter simbólico, político e identitário. A autora
trabalha a questão do racismo ambíguo e do mito da democracia racial que vivemos. Fala da
recriação e reinterpretação que o negro passa como forma de expressão estética e identitária
negra.
Raul Lody em seus livros Cabelos de Axé: identidade e resistência” (2004) e Jóias de
Axé: fios de contas e outros adornos do corpo: a joalheria afro brasileira” (2004) ajuda a
analisar e interpretar a estética negra, cabelos e as jóias usadas pelos negros desde a
escravidão. Ele trata da identidade cultural, o sentimento de pertença a uma cultura através da
interação do passado e as práticas sociais do presente.
O trabalho de Ângela Figueiredo foi de fundamental importância para a visão do mercado
de cosmético para os negros e do espaço na mídia que os negros têm, através do livro “Novas
Elites de Cor” (2002) e dos artigos “Cabelo, cabeleira, cabeluda e descabelada: Identidade,
consumo e manipulação da aparência entre os negros brasileiros (2002) e Fora do jogo: A
experiência dos negros na classe média brasileira” (2004) contribuiu com a questão do
consumo e a expectativa do negro brasileiro, além de trabalhar a questão de gênero.
A visão que temos da nova identidade negra como algo manipulável, onde o consumo é
fator determinante se originou da leitura do livro do antropólogo Lívio Sansone “Negritude
17
sem Etnicidade: o local e o global nas relações raciais e na produção cultural negra do Brasil”
(2004). Foi de grande utilidade para discutirmos a questão da identidade negra.
O trabalho de Patrícia Pinho “Reinvenções da África na Bahia” (2004) contribuiu bastante
para analisar como a Bahia recria a África e suas heranças. Ela aborda sobre a identidade
africana criada dentro do contexto baiano e as implicações dessa cultura na sociedade.
No decorrer do curso no Programa, as disciplinas foram muito importantes para formar a
idéia sobre estudos étnicos e as leituras de grandes teóricos contribuíram para a maturidade da
dissertação. No curso trabalhamos a Teoria das Relações Étnicas e Raciais que tratou de
temas como etnicidade, cultura, etnia, raça e racismo, ideologia étnica e as questões étnicas e
raciais na Bahia nos planos conceitual, etnográfico e histórico. As leituras de Anthony Smith,
Geertz, Frederik Barth contribuíram para a visão que tenho atualmente. A disciplina
Seminário de Metodologia e Prática da Pesquisa trabalhou textos relacionados aos estudos
étnico-raciais e africanos com teóricos como Pierre Bourdieu, Ramón Grasfoguel, além de
trabalhar a metodologia nas ciências humanas. Trabalhamos em