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Nesta dissertação, preocupar-nos-emos em utilizar os termos “homossexual” e
“gay” com sentidos diferentes, apesar de que, na atualidade, são usados comumente
para expressar uma mesma coisa. Portanto, quando usarmos a palavra “homossexual”,
estaremos fazendo referência a um período de tempo anterior aos anos 1960/ 1970.
Assim, usaremos a palavra “gay” para indicar períodos a partir de 1960/ 1970, quando a
expressão “gay”
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passa a ocupar espaço. No entanto, quando estivermos nos referindo a
uma identidade, podemos estar falando tanto de uma identidade homossexual quanto de
uma identidade gay, dependendo do período a que estivermos nos referindo, já que a
identidade homossexual, neste trabalho, estará mais relacionada a uma identidade
patológica, historicamente construída, e a identidade gay estará diretamente vinculada a
uma identidade politicamente valorizada, associada ao chamado “orgulho gay”.
Por muito tempo, (des)valorizou-se o indivíduo homoeroticamente inclinado
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,
definido por diversas e, muitas vezes, pejorativas classificações, tais como: “sodomita”,
“invertido”, “homossexual”
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, “gay”, “bicha”, “viado” etc., como se esses indivíduos
tivessem características específicas, fossem mesmo uma “espécie” diferente de todas as
outras. Agora, acreditamos, devemos colocar os holofotes não mais sobre o sujeito nem
sobre o objeto do desejo; mas sobre o próprio desejo homoerótico, que, destituído de
sujeito, pode ser livremente sentido, independentemente de qualquer identidade.
É preciso entender que o “masculino” e o “feminino” independem do desejo
sexual, não é o desejo que traça os contornos do “masculino” e do “feminino”. O desejo
homoerótico não está, necessariamente, associado a um corpo masculino feminilizado
nem tampouco a um corpo feminino masculinizado. Assim, um homem feminilizado ou
uma mulher masculinizada não têm, obrigatoriamente, de sentir desejo homoerótico, da
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Segundo Jagose (1996, p. 72), “in the 1960s, liberationists made a strategic break with
‘homosexuality’ by annexing the word ‘gay’, thus redeploying a nineteenth-century slang term
which had formerly described women of dubious morals”. Ou seja, “nos anos 1960, os
liberacionistas fizeram uma quebra estratégica com a ‘homossexualidade’, anexando a palavra
‘gay’, retomando assim uma gíria do século XIX que antigamente descrevia mulheres de moral
duvidosa” (JAGOSE, 1996, p. 72, tradução nossa).
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A tese Discursos sobre a homossexualidade no contexto clínico: a homossexualidade de dois
lados do espelho, de Maria Gabriela Martins de Nóbrega Moita, constante nas Referências deste
trabalho, traz um histórico muito interessante sobre a evolução da questão homossexual/
homoerótica no contexto ocidental.
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“Károly Maria Kertbeny, em correspondência trocada com Ülrichs, usa pela primeira vez, em
Maio de 1868, as expressões homossexual e heterossexual. No ano seguinte, esta designação
aparece pela primeira vez a público, num folheto anónimo, proclamando liberdade para as
sanções legais para os homens homossexuais na Prússia” (MOITA, 2001, p. 77, grifos no
original).