
128
no meio das pessoas lá embaixo, [...]” (ABREU, 1996, p. 142), Santiago deixa o tal
homem, pega Pérsio pelo braço, e saem dali, entram no carro e vão embora.
Chegando à porta do edifício em que Pérsio mora, Santiago não aceita o convite
para entrar. Sozinho, Pérsio sobe pelo elevador, entra em seu apartamento
157
. Pérsio
demonstra certo incômodo com a solidão, mas, ao mesmo tempo, não consegue se
envolver emocionalmente; revela certa amargura diante da facilidade do sexo, mas, ao
mesmo tempo, não consegue vislumbrar outro tipo de vida; vive entre a naturalidade do
desejo homoerótico e a clandestinidade do mesmo; frequenta o gueto, apesar de
desprezá-lo; busca o seu lugar, mas não se sente pleno em lugar nenhum. Mas Santiago
muda de ideia, volta, bate a campainha do apartamento de Pérsio e: “Provaram um do
outro no colo da manhã” (ABREU, 1996, p. 154). E a novela termina, com a seguinte
frase: “E viram que isso era bom” (ABREU, 1996, p. 154).
“Pela noite”, como tantas narrativas do escritor Caio Fernando Abreu, consegue
mesclar a voz do narrador com as vozes de seus personagens, que enveredam por fluxos
de consciência, revelando uma angústia profunda, como se não existisse nada além
daquele mundo interior. Nessa novela, o desejo homoerótico e o afeto são discutidos na
relação entre os personagens Pérsio e Santiago, afeto que vai se desenvolvendo durante
toda a noite até culminar na realização do desejo, um desejo mesclado à angústia, à
solidão, ao medo, à insatisfação, à busca de um sentido para a existência.
Dois homens, com histórias diferentes, com percepções diferentes da vida.
Santiago, introspectivo, alimenta a relação do seu desejo homoerótico com o afeto. Já
Pérsio, extrovertido, não acredita no amor e apresenta certa dificuldade em lidar com o
próprio desejo. Depois de tantos anos vivendo uma relação estável com outro homem,
Santiago, no contato com o gueto, parece querer fugir da solidão; mas descobre que o
gueto é frio e solitário também, que o desejo não iguala ninguém; enquanto Pérsio foge
de si mesmo, do seu desejo, demonstrando certa dificuldade em relacionar-se não só
afetivamente, mas também sexualmente; o gueto, que ele tanto critica, é também o lugar
em que ele se esconde. Os dois personagens têm algo em comum, além do desejo
157
“Parado na porta, um impulso breve de voltar, tornar a descer pelo elevador, [...], sair para as
ruas, não era longe, quatro, cinco quadras, um café na esquina, outra bebida talvez, uma cerveja,
rebater todas, qualquer um, o primeiro, ao acaso, uni-duni-tê, como é seu nome, o que você faz,
chupa-dá-come?, quanto você cobra, só da cintura para baixo, paraplegia às avessas, nada de
beijos, lambeções, macho, sei, sei, examinar o volume apertado pelas calças justas como quem
compra carne, talvez apalpar, mas quem garante que é de primeira?, depois esconder a carteira,
a chave, o creme, a camisinha, a porra, a grana, pausa, banho, banho longo, trocar lençóis,
Neocid nos pentelhos” (ABREU, 1996, p. 149).