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(...) não se pode escrever se não se permanece senhor de si perante a morte, se não se
estabeleceram com ela relações de soberania. (...) Por que a morte? Porque ela é o
extremo. Quem dispõe dela, dispõe extremamente de si, está ligado a tudo o que pode, é
integralmente poder (BLANCHOT, 1987: p.90).
Sob este prisma, o dramaturgo, ator e poeta francês Antonin Artaud viveu igualmente o extremo da
proximidade com a morte, experimentando um estado de soberania diante dela – conseqüentemente,
diante de si mesmo – ao dispor da escrita como artifício de resistência durante os nove anos de
internação em diversos hospícios da França (ele freqüentou, de 1937 a 1946, Le Havre, Sotteville-
les-Rouen, Sainte-Anne, Ville-Evrard e Rodez). Diagnosticado como esquizofrênico, alternando
fases lúcidas e outras marcadas por um contato quase nulo com a realidade, Artaud distancia-se
bastante de Lima Barreto no prognóstico médico. A uni-los, a literatura da urgência, uma tentativa
de resgate da identidade que se consolidou como inscrição capaz de ir além das técnicas de controle
corporal no hospital psiquiátrico. No caso específico dos esquizofrênicos, funcionou como um
S.O.S., uma ferramenta útil na tentativa de compreensão de si, na recuperação de um eu
radicalmente partido, de um pensamento cindido – para usar expressão próxima à etimologia da
esquizofrenia (do grego, alma fendida). No caso de Lima Barreto, fortaleceu a escrita de si e
rearrumou o pensamento perturbado por delírios alcoólicos.
Autor de uma linguagem da violência, mentor do Teatro da Crueldade, Artaud pretendeu levar a
fronteira loucura/morte ao limite, ao conceber um teatro que atuasse como a peste, colocando o
homem diante dos seus conflitos à base do terror:
O teatro deslancha o conflito, libera forças, dispara possibilidades e, se são negras tais
possibilidades, não se culpe a peste, e nem o teatro, mas a vida. (...) Ele convida o
espírito a um delírio que exalta energias e, pode-se ver, resumindo, que do ponto de
vista humano, a ação do teatro, como a da peste, é salutar, pois, levando os homens a se
enxergarem tais como são, faz caírem as máscaras, descobre a mentira, a frouxidão, a
baixeza, a “tartufaria”. Ela sacode a inércia asfixiante da matéria que invade até os
dados mais claros dos sentidos e, revelando às coletividades de poderes obscuros, a sua
força oculta, convida-as a que tomem, frente ao destino, uma atitude heróica e superior
a que jamais chegariam sem isto. [Le théâtre dénoue le conflit, dégage des forces,
déclenche des possibilités et, si ces possibilités sont noires, ce n’est pas la faute de la
peste ou du théâtre, mais de la vie. (...) Il invite l’esprit à un délire qui exalte les