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VYGOTSKY
LEV SEMIONOVICH
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Ministério da Educação | Fundação Joaquim Nabuco
Coordenação executiva
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier e Isabela Cribari
Comissão técnica
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier (presidente)
Antonio Carlos Caruso Ronca, Ataíde Alves, Carmen Lúcia Bueno Valle,
Célio da Cunha, Jane Cristina da Silva, José Carlos Wanderley Dias de Freitas,
Justina Iva de Araújo Silva, Lúcia Lodi, Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero
Revisão de conteúdo
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier, Célio da Cunha, Jáder de Medeiros Britto,
José Eustachio Romão, Larissa Vieira dos Santos, Suely Melo e Walter Garcia
Secretaria executiva
Ana Elizabete Negreiros Barroso
Conceição Silva
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Ivan Ivic
VYGOTSKY
LEV SEMIONOVICH
Tradução
José Eustáquio Romão
Organização
Edgar Pereira Coelho
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ISBN 978-85-7019-542-5
© 2010 Coleção Educadores
MEC | Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana
Esta publicação tem a cooperação da UNESCO no âmbito
do Acordo de Cooperação Técnica MEC/UNESCO, o qual tem o objetivo a
contribuição para a formulação e implementação de políticas integradas de melhoria
da equidade e qualidade da educação em todos os níveis de ensino formal e não
formal. Os autores são responsáveis pela escolha e apresentação dos fatos contidos
neste livro, bem como pelas opiniões nele expressas, que não são necessariamente as
da UNESCO, nem comprometem a Organização.
As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo desta publicação
não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCO
a respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região
ou de suas autoridades, tampouco da delimitação de suas fronteiras ou limites.
A reprodução deste volume, em qualquer meio, sem autorização prévia,
estará sujeita às penalidades da Lei nº 9.610 de 19/02/98.
Editora Massangana
Avenida 17 de Agosto, 2187 | Casa Forte | Recife | PE | CEP 52061-540
www.fundaj.gov.br
Coleção Educadores
Edição-geral
Sidney Rocha
Coordenação editorial
Selma Corrêa
Assessoria editorial
Antonio Laurentino
Patrícia Lima
Revisão
Sygma Comunicação
Revisão técnica
Jeanne Marie Claire Sawaya
Marta Kohl de Oliveira
Ilustrações
Miguel Falcão
Foi feito depósito legal
Impresso no Brasil
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Fundação Joaquim Nabuco. Biblioteca)
Ivic, Ivan.
Lev Semionovich Vygotsky / Ivan Ivic; Edgar Pereira Coelho (org.) – Recife:
Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.
140 p.: il. – (Coleção Educadores)
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7019-542-5
1. Vygotsky, Lev Semionovich, 1896-1934. 2. Educação – Pensadores – História. I.
Coelho, Edgar Pereira. II. Título.
CDU 37
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SUMÁRIO
Apresentação, por Fernando Haddad, 7
Ensaio, por Ivan Ivic, 11
A vida e a obra de Vygotsky, 12
Teoria do desenvolvimento mental
e problemas de educação, 15
Vygotsky atual, 30
Textos selecionados, 35
O problema e o método de investigação, 35
A linguagem e o pensamento da criança
na teoria de Piaget, 38
O desenvolvimento da linguagem na teoria de Stern, 41
As raízes genéticas do pensamento e da linguagem, 42
Estudo experimental
do desenvolvimento dos conceitos, 46
Estudo do desenvolvimento
dos conceitos científicos na infância, 60
Pensamento e palavra, 73
Cronologia, 125
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6
Bibliografia, 127
Obras de Vygotsky, 127
Obras sobre Vygotsky, 130
Obras de Vygotsky em português, 138
Obras sobre Vygotsky em português, 138
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7
O propósito de organizar uma coleção de livros sobre educa-
dores e pensadores da educação surgiu da necessidade de se colo-
car à disposição dos professores e dirigentes da educação de todo
o país obras de qualidade para mostrar o que pensaram e fizeram
alguns dos principais expoentes da história educacional, nos pla-
nos nacional e internacional. A disseminação de conhecimentos
nessa área, seguida de debates públicos, constitui passo importante
para o amadurecimento de ideias e de alternativas com vistas ao
objetivo republicano de melhorar a qualidade das escolas e da
prática pedagógica em nosso país.
Para concretizar esse propósito, o Ministério da Educação insti-
tuiu Comissão Técnica em 2006, composta por representantes do
MEC, de instituições educacionais, de universidades e da Unesco
que, após longas reuniões, chegou a uma lista de trinta brasileiros e
trinta estrangeiros, cuja escolha teve por critérios o reconhecimento
histórico e o alcance de suas reflexões e contribuições para o avanço
da educação. No plano internacional, optou-se por aproveitar a co-
leção Penseurs de l´éducation, organizada pelo International Bureau of
Education (IBE) da Unesco em Genebra, que reúne alguns dos mai-
ores pensadores da educação de todos os tempos e culturas.
Para garantir o êxito e a qualidade deste ambicioso projeto
editorial, o MEC recorreu aos pesquisadores do Instituto Paulo
Freire e de diversas universidades, em condições de cumprir os
objetivos previstos pelo projeto.
APRESENTAÇÃO
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8
Ao se iniciar a publicação da Coleção Educadores
*
, o MEC,
em parceria com a Unesco e a Fundação Joaquim Nabuco, favo-
rece o aprofundamento das políticas educacionais no Brasil, como
também contribui para a união indissociável entre a teoria e a prá-
tica, que é o de que mais necessitamos nestes tempos de transição
para cenários mais promissores.
É importante sublinhar que o lançamento desta Coleção coinci-
de com o 80º aniversário de criação do Ministério da Educação e
sugere reflexões oportunas. Ao tempo em que ele foi criado, em
novembro de 1930, a educação brasileira vivia um clima de espe-
ranças e expectativas alentadoras em decorrência das mudanças que
se operavam nos campos político, econômico e cultural. A divulga-
ção do Manifesto dos pioneiros em 1932, a fundação, em 1934, da Uni-
versidade de São Paulo e da Universidade do Distrito Federal, em
1935, são alguns dos exemplos anunciadores de novos tempos tão
bem sintetizados por Fernando de Azevedo no Manifesto dos pioneiros.
Todavia, a imposição ao país da Constituição de 1937 e do
Estado Novo, haveria de interromper por vários anos a luta auspiciosa
do movimento educacional dos anos 1920 e 1930 do século passa-
do, que só seria retomada com a redemocratização do país, em
1945. Os anos que se seguiram, em clima de maior liberdade, possi-
bilitaram alguns avanços definitivos como as várias campanhas edu-
cacionais nos anos 1950, a criação da Capes e do CNPq e a aprova-
ção, após muitos embates, da primeira Lei de Diretrizes e Bases no
começo da década de 1960. No entanto, as grandes esperanças e
aspirações retrabalhadas e reavivadas nessa fase e tão bem sintetiza-
das pelo Manifesto dos Educadores de 1959, também redigido por
Fernando de Azevedo, haveriam de ser novamente interrompidas
em 1964 por uma nova ditadura de quase dois decênios.
*
A relação completa dos educadores que integram a coleção encontra-se no início deste
volume.
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9
Assim, pode-se dizer que, em certo sentido, o atual estágio da
educação brasileira representa uma retomada dos ideais dos mani-
festos de 1932 e de 1959, devidamente contextualizados com o
tempo presente. Estou certo de que o lançamento, em 2007, do
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), como mecanis-
mo de estado para a implementação do Plano Nacional da Edu-
cação começou a resgatar muitos dos objetivos da política educa-
cional presentes em ambos os manifestos. Acredito que não será
demais afirmar que o grande argumento do Manifesto de 1932, cuja
reedição consta da presente Coleção, juntamente com o Manifesto
de 1959, é de impressionante atualidade: “Na hierarquia dos pro-
blemas de uma nação, nenhum sobreleva em importância, ao da
educação”. Esse lema inspira e dá forças ao movimento de ideias
e de ações a que hoje assistimos em todo o país para fazer da
educação uma prioridade de estado.
Fernando Haddad
Ministro de Estado da Educação
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11
LEV SEMIONOVICH VYGOTSKY
1
(1896 - 1934)
Ivan Ivic
2
A obra científica de Lev S. Vygotsky conheceu um destino
excepcional. Um dos maiores psicólogos do século XX, nunca
recebeu educação formal em psicologia. Morreu com 38 anos de
idade, consagrando senão uma dezena de anos a seu trabalho cien-
tífico e não pôde ver a publicação de suas obras mais importantes.
Entretanto, mesmo nessas condições, este Mozart da Psicolo-
gia (como o chamava o filósofo S. Toulmin) criou uma das teorias
mais promissoras desta disciplina. Mais de meio século após sua
morte, depois da publicação de suas obras principais, Vygotsky
tornou-se um autor de vanguarda: “Ele está certamente, sob mui-
tos aspectos, adiante de nosso próprio tempo”, segundo um de
seus melhores intérpretes (Rivière, 1984, p. 120).
Esse fenômeno, muito raro na história da ciência, pode ser ex-
plicado por dois fatores intimamente ligados: por um lado, a ampli-
tude e a originalidade da produção científica em um período relati-
vamente curto são provas da genialidade de Vygotsky; por outro, a
atividade de Vygotsky se desenvolveu em um período de transfor-
1
Este perfil foi publicado em Perspectives: revue trimestrielle d’éducation comparée.
Paris, Unesco: Escritório Internacional de Educação, v. 24, n. 3-4, pp. 793-820, 1994.
2
Ivan Ivic é doutor em psicologia, pela Universidade de Belgrado, em 1976. Foi interno do
Instituto Jean-Jacques Rousseau de Genebra, em 1971. Professor de Pedagogia Gené-
tica na Universidade de Belgrado desde 1960. Delegado da antiga Iugoslávia na Organi-
zação Mundial pela Educação da Pequena Infância e do Comitê de Educação da OCDE.
Fundador e redator-chefe da revista científica Psihologija e Ministro da Educação e da
Cultura da República Federal da antiga Iugoslávia, de 1992 a 1993.
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12
mações históricas dramáticas, como a ocorrência da Revolução de
Outubro, na Rússia.
No cerne do sistema psicológico vygotskyano, encontra-se uma
teoria do desenvolvimento mental ontogenético que é, também, uma
teoria histórica do desenvolvimento individual. Trata-se, portanto, de
uma concepção genética de um fenômeno genético, em que é possí-
vel tirar, sem dúvida, um ensinamento epistemológico. De fato, as
épocas históricas de mudanças revolucionárias parecem refinar a sen-
sibilidade do pensamento humano e a predispô-lo a tudo que diz
respeito à gênese, à transformação, à dinâmica, ao devir e à evolução.
A vida e a obra de Vygotsky
Lev Semionovich Vygotsky nasceu em Orsha, uma pequena
povoação da Bielorússia, em 17 de novembro de 1896. Após a
escola secundária (gymnasium), na cidade de Gomel, Vygotsky fez
seus estudos universitários em direito, filosofia e história em Mos-
cou, a partir de 1912. Durante seus estudos secundários e universitá-
rios, adquiriu excelente formação no domínio das ciências humanas:
língua e linguística, estética e literatura, filosofia e história. Aos 20
anos de idade, escreveu um volumoso estudo sobre Hamlet. Poesia,
teatro, língua e problemas dos signos e da significação, teorias da
literatura, cinema, problemas de história e de filosofia, tudo o inte-
ressava vivamente, antes de ele se dedicar à pesquisa em psicologia.
É importante notar que a primeira obra de Vygotsky, que o condu-
ziu definitivamente para a psicologia, foi Psicologia da arte (1925).
Parece-nos interessante estabelecer, aqui, um paralelo com Jean
Piaget. Nascido no mesmo ano em que ele e não tendo recebido
formação psicológica, tornou-se autor, como Piaget, de uma no-
tável teoria do desenvolvimento mental. Desde sua adolescência, e
ao longo de toda sua vida, Piaget se orientou para as ciências bio-
lógicas. Esta diferença de inspiração explica, talvez, a diferença de
dois paradigmas importantes na psicologia do desenvolvimento:
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13
o de Piaget, que acentua os aspectos estruturais e as leis essencial-
mente universais (de origem biológica) do desenvolvimento, en-
quanto o de Vygotsky insiste nos aportes da cultura, na interação
social e na dimensão histórica do desenvolvimento mental.
Após a universidade, Vygotsky retorna a Gomel, onde se de-
dica a atividades intelectuais muito diversificadas: ensina psicolo-
gia, começa a se preocupar com os problemas das crianças defici-
entes, continua seus estudos sobre teoria literária e da psicologia da
arte. Após os primeiros sucessos profissionais em psicologia (pa-
lestras em congressos nacionais), instala-se em Moscou, em 1924,
tornando-se colaborador do Instituto de Psicologia. É aí, durante
uma prodigiosa década (1924-1934), que Vygotsky, cercado por
um grupo de colaboradores apaixonados como ele pela elabora-
ção de uma verdadeira reconstrução da psicologia, cria sua teoria
histórico-cultural dos fenômenos psicológicos.
Ignorados por um longo período, os escritos essenciais de
Vygotsky, como suas atividades profissionais, foram redescobertos
muito recentemente e pouco a pouco reconstituídos. O leitor inte-
ressado pode, agora, encontrá-los nas seguintes obras: Levitin, 1982;
Luria, 1979, Mecacci, 1983; Rivière, 1984; Schneuwly e Bronckart,
1985; Valsiner, 1988; e, naturalmente, na antologia de textos de
Vygotsky, em seis volumes (Vygosky, 1982-1984).
Ao longo desse breve período de pesquisa, Vygotsky escreveu
cerca de duzentas obras, das quais se perdeu uma parte. A fonte
principal continua sendo suas Obras completas, publicadas em russo,
entre 1982 e 1984. Contudo, ainda que intitulada “Obras comple-
tas”, esta publicação não contém todas as obras que foram preser-
vadas. Muitos livros e artigos publicados anteriormente não foram
ainda re-editados.
A bibliografia mais completa dos trabalhos do pensador rus-
so, assim como a lista de traduções de suas obras e dos estudos
que lhe são dedicados, figura no sexto tomo das Obras completas e
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14
na obra de Schneuwly e Bronckart (id., ib.). Observe-se que algu-
mas apresentações de Vygotsky, particularmente em inglês, não
foram muito felizes e acabaram criando muitos mal entendidos. É
o caso particular da apresentação de sua obra mais importante,
mas terrivelmente mutilada, Pensamento e linguagem, publicada em
1962, sob o título Thought and language. Espera-se que as edições
das Obras completas, atualmente preparadas em diversos idiomas
(inglês, italiano, espanhol, sérvio-croata, etc.), ajudem os pesquisa-
dores a melhor captar o verdadeiro significado de suas ideias. Além
disso, os dados bibliográficos apresentados na versão original das
Obras completas, bem como os comentários que se encontram em
cada volume, facilitarão a reconstituição da gênese de suas ideias.
Esta reconstrução, entre outros resultados, tornará possível uma
interpretação mais fundamentada de seus pensamentos,
notadamente, no caso de formulações diferentes das mesmas ideias,
que figuram nas obras redigidas em diferentes momentos. De qual-
quer modo, para os leitores que não podem consultar os textos
em russo, permanecerá sempre uma dificuldade: tendo criado um
sistema teórico original, Vygotsky criou, também, uma terminolo-
gia suscetível de exprimir esta originalidade. Toda tradução arris-
ca-se, pois, de deformar, pelo menos parcialmente, suas ideias.
Entre elas, tentaremos analisar brevemente as que são perti-
nentes para a educação, deixando de lado as que tratam da
metodologia da ciência, da psicologia geral, da psicologia da arte,
das crianças deficientes, etc. Nosso estudo versará sobre dois pon-
tos: de um lado, as implicações pedagógicas de sua teoria da
ontogênese mental; de outro, a análise de suas ideias estrita e expli-
citamente pedagógicas.
Desnecessário dizer que as interpretações aqui apresentadas
são as do autor deste texto. Estudando, há um bom tempo, os
textos de Vygotsky, em lugar de repetir literalmente suas palavras,
tentarei captar o sentido profundo de suas ideias e apresentá-las
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em termos compreensíveis ao leitor não familiarizado com suas
obras. Depois, avançando um pouco além da simples apresen-
tação das ideias vygotskyanas, que tratam de problemas educacio-
nais, tentarei apresentar um esboço de sua aplicação na pesquisa
pedagógica e na prática educacional.
Teoria do desenvolvimento mental e problemas da educação
Se houvesse que definir a especificidade da teoria de Vygotsky
por uma série de palavras e de fórmulas chave, seria necessário
mencionar, pelo menos, as seguintes: sociabilidade do homem,
interação social, signo e instrumento, cultura, história, funções men-
tais superiores. E se houvesse que reunir essas palavras e essas fór-
mulas em uma única expressão, poder-se-ia dizer que a teoria de
Vygotsky é uma “teoria socio-histórico-cultural do desenvolvimento
das funções mentais superiores”, ainda que ela seja chamada mais
frequentemente de “teoria histórico-cultural”.
Para Vygotsky, o ser humano se caracteriza por uma sociabilidade
primária. A mesma ideia foi expressa por Henri Wallon, de um modo
mais categórico: ele [o indivíduo] é geneticamente social (Wallon, 1959).
À época de Vygotsky, tal princípio não passava de um postulado, uma
hipótese puramente teórica. Hoje, pode-se afirmar que a tese de uma
sociabilidade primária, em parte geneticamente determinada, tem quase
o estatuto de fato científico estabelecido em razão da convergência de
duas correntes de pesquisa: de um lado, as pesquisas biológicas do
tipo, por exemplo, das relativas ao papel da sociabilidade na
antropogênese, ou daquelas sobre o desenvolvimento morfofuncional
do bebê (está cada vez mais demonstrado que as zonas cerebrais que
regem as funções sociais, como a percepção do rosto, ou da voz
humana, conhecem uma maturação precoce e acelerada); de outro
lado, as pesquisas empíricas recentes sobre o desenvolvimento social
da primeira infância provam abundantemente a tese da sociabilidade
primária e precoce (por exemplo: Bowlby, 1971; Scheffer, 1971; Zazzo,
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16
1974 e 1986; Tronick, 1982; Lewis e Rosenbrum, 1974; Zaporozetz
e Lissina, 1974; Lissina, 1986; Ignjatoviç et al. [no prelo]).
Análises teóricas conduziram Vygotsky a defender teses muito
visionárias sobre a sociabilidade precoce da criança e a deduzir
delas consequências que o levaram à proposta de uma teoria do
desenvolvimento infantil. Vygotsky (1982-1984, v. IV, p. 281) es-
creveu, em 1932:
É por meio de outros, por intermédio do adulto que a criança se
envolve em suas atividades. Absolutamente, tudo no comporta-
mento da criança está fundido, enraizado no social. [E prossegue:]
Assim, as relações da criança com a realidade são, desde o início,
relações sociais. Neste sentido, poder-se-ia dizer que o bebê é um ser
social no mais elevado grau.
A sociabilidade da criança é o ponto de partida de suas interações
sociais com o entorno. Os problemas levantados pela psicologia da
interação social são, hoje, bem conhecidos, e é por isso que nos
limitaremos a evocar, brevemente, algumas particularidades da con-
cepção de Vygotsky. O ser humano, por sua origem e natureza, não
pode nem existir nem conhecer o desenvolvimento próprio de sua
espécie como uma mônada isolada: ele tem, necessariamente, seu
prolongamento nos outros; tomado em si, ele não é um ser com-
pleto. Para o desenvolvimento da criança, em particular na primeira
infância, os fatores mais importantes são as interações assimétricas,
isto é, as interações com os adultos, portadores de todas as mensa-
gens da cultura. Nesse tipo de interação, o papel fundamental cabe
aos signos, aos diferentes sistemas semióticos que, do ponto de vista
genético, têm, em primeiro lugar, uma função de comunicação, de-
pois uma função individual: eles começam a ser utilizados como
instrumentos de organização e de controle do comportamento in-
dividual
3
. E é precisamente o ponto essencial da concepção
vygotskyana de interação social que desempenha um papel constru-
3
Desenvolvemos estas ideias em uma monografia consagrada à origem do desenvolvi-
mento semiótico na criança (IVIC, 1978).
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tivo no desenvolvimento. Isto significa, simplesmente, que certas
categorias de funções mentais superiores (atenção voluntária, me-
mória lógica, pensamento verbal e conceptual, emoções complexas,
etc.) não poderiam emergir e se constituir no processo de desenvol-
vimento sem o aporte construtivo das interações sociais
4
.
Esta ideia conduziu Vygotsky a generalizações, cujo valor
heurístico está longe de ser superado, mesmo nos dias de hoje.
Trata-se da famosa tese sobre a “transformação de fenômenos
interpsíquicos em fenômenos intrapsíquicos”. Vejamos uma das
formulações desta ideia:
A mais importante e a mais fundamental das leis que explicam a gêne-
se, e para a qual nos conduz o estudo das funções mentais superiores,
poderia ser expressa assim: cada exemplo de conduta semiótica da
criança era, anteriormente, uma forma de colaboração social e é por isso
que o comportamento semiótico, mesmo nos estágios mais avança-
dos do desenvolvimento, permanece como um modo de funciona-
mento social. A história do desenvolvimento das funções mentais
aparece, pois, como a história do processo de transformação dos ins-
trumentos do comportamento social em instrumentos de organi-
zação psicológica individual (Vygotsky, 1982-1984, v. VI, p. 56).
O trabalho exemplar de pesquisa de Vygotsky, fundamentado
nessa ideia, versa sobre as relações entre o pensamento e a lingua-
gem no processo da ontogênese (que é, ademais, o tema central de
sua obra Pensamento e linguagem). Como sabemos, hoje, a capacida-
de de aquisição da linguagem pela criança é fortemente determi-
nada pela hereditariedade.
As pesquisas de Vygotsky demonstram que, mesmo nesse caso,
a hereditariedade não é uma condição suficiente, mas que é neces-
sária, também, a contribuição do contexto social, sob forma de
um tipo de aprendizagem específica. Segundo ele, esta forma de
aprendizagem nada mais é que o processo de construção em co-
mum no curso das atividades partilhadas pela criança e pelo adul-
4
Analisamos, em um texto recente, uma das interpretações possíveis desse papel
construtor das interações sociais (IVIC, in CRESAS, 1987).
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18
to, isto é, no âmbito da interação social. Durante essa colaboração,
o adulto introduz a linguagem que, apoiada na comunicação pré-
verbal, aparece, de início, como um instrumento de comunicação
e de interação social. No livro em questão, Vygotsky descreve as
sutilezas do processo genético, pelo qual a linguagem, na qualidade
de instrumento das relações sociais, se transforma em instrumento
de organização psíquica interior da criança (o aparecimento da lin-
guagem privada, da linguagem interior, do pensamento verbal).
Para nosso propósito, a exploração das implicações da teoria
do desenvolvimento para a educação, pode-se tirar uma série de
conclusões importantes. Primeiramente, podemos nos encontrar di-
ante de uma solução original para o problema da relação entre o
desenvolvimento e a aprendizagem: mesmo quando se trata de uma
função que é fortemente determinada pela hereditariedade (como é
o caso da linguagem), a contribuição do contexto social da aprendi-
zagem é, da mesma forma, construtivo e não se reduz, nem somen-
te ao papel de ativador, como no caso do instinto, nem somente ao
papel de estimulação do desenvolvimento, que não faz senão acele-
rar ou tornar mais lentas as formas de comportamento que apare-
cem sem esse aporte. A contribuição da aprendizagem deve-se ao
fato de que ela coloca à disposição do indivíduo um instrumento
poderoso: a língua. No processo de aquisição, este instrumento se
torna parte integrante das estruturas psíquicas do indivíduo (evolu-
ção da linguagem interior). Mas, há algo mais: as aquisições novas (a
linguagem), de origem social, entram em interação com outras fun-
ções mentais, o pensamento, por exemplo. Desse encontro, nascem
as funções novas, como o pensamento verbal. Estamos diante de
uma tese de Vygotsky que não foi ainda suficientemente assimilada e
explorada na pesquisa, mesmo no campo da psicologia contempo-
rânea: o essencial no desenvolvimento não está no progresso de
cada função tomada isoladamente, mas na mudança de relações
entre diferentes funções, tais como a memória lógica, o pensamento
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verbal, etc.; dito de outra maneira, o desenvolvimento consiste em
formar funções compostas, sistemas de funções, funções sistêmicas,
sistemas funcionais.
A análise de Vygotsky sobre as relações entre desenvolvimen-
to e aprendizagem, no caso da aquisição da linguagem, nos con-
duz a definir o primeiro modelo de desenvolvimento: em um
processo natural de desenvolvimento, a aprendizagem aparece como
um meio de reforçar esse processo natural, pondo à sua disposi-
ção os instrumentos criados pela cultura que ampliam as possibili-
dades naturais do indivíduo e re-estruturam suas funções mentais.
O papel dos adultos, como representantes da cultura no pro-
cesso de aquisição da linguagem pela criança e de apropriação por
ela de uma parte da cultura – a língua –, conduz à descrição de um
novo tipo de interação que é de importância capital na teoria de
Vygotsky. De fato, além da interação social nesta teoria, há tam-
bém uma interação com os produtos da cultura. É desnecessário
dizer que não se pode separar ou distinguir claramente estes dois
tipos de interação, que se manifestam, muitas vezes, sob a forma
de interação sociocultural.
Para explicitar essas ideias de Vygotsky, citaremos Meyerson e
sua obra de título muito significativo, As funções psicológicas e as obras
(1948). Sua ideia central é a seguinte: “Tudo o que é humano tende a
se objetivar e a se projetar nas obras” (p. 69). E a tarefa da psicologia
é “de pesquisar os conteúdos mentais nos fatos descritos da civiliza-
ção” (p. 14), ou “de discernir a natureza das operações mentais que
aí estão implicadas” (p. 138).
Analisando o papel da cultura no desenvolvimento individual,
Vygotsky desenvolve duas ideias análogas. No conjunto das aquisi-
ções da cultura, centraliza sua análise sobre aquelas que são destina-
das a comandar os processos mentais e o comportamento do ho-
mem. São os diferentes instrumentos e técnicas (incluindo as
tecnologias) que o homem assimila e orienta para si mesmo, para
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20
influenciar suas próprias funções mentais. Assim, cria-se um sistema
gigantesco de “estímulos artificiais e externos” pelos quais o ho-
mem domina seus próprios estados interiores. Encontramos, ain-
da em Vygotsky, mas sob uma maneira diferente, o fenômeno do
interpsiquismo: do ponto de vista psicológico, o indivíduo tem seus
prolongamentos, de uma parte, nos outros, e de outra, nas suas
obras e na sua cultura que, segundo Marx, é seu “corpo não orgâ-
nico”. Essa expressão de Marx é muito pertinente: a cultura é parte
integrante do indivíduo, mas ela lhe é exterior. Visto desta maneira, o
desenvolvimento humano não se reduz somente às mudanças no
interior do indivíduo, mas se traduz, também, como um desenvol-
vimento alomórfico
5
que poderia adotar duas formas diferentes:
produção de auxiliares externos enquanto tais; criação de instrumen-
tos exteriores que podem ser utilizados para a produção de mudan-
ças internas (psicológicas). Assim, excetuando os instrumentos cria-
dos pelo homem ao longo de sua história e que servem para domi-
nar os objetos (a realidade exterior), existe toda uma gama de instru-
mentos que, orientados ao próprio homem, podem ser utilizados
para controlar, coordenar, desenvolver suas próprias capacidades.
Esses instrumentos compreendem, para mencionar apenas
alguns, a língua escrita e falada (e toda a “galáxia Gutemberg”,
retomando a expressão de McLuhan), os rituais, os modelos de
comportamento nas obras de arte, os sistemas de conceitos cien-
tíficos, as técnicas que ajudam a memória ou o pensamento, os
instrumentos que reforçam a mobilidade ou a percepção hu-
mana, etc. Todos estes instrumentos culturais são “extensões do
homem” (McLuhan, 1964), isto é, prolongamentos e amplifica-
dores das capacidades humanas.
Para a antropologia cultural, descrições como essas podem
parecer triviais, mas, na ordem conceitual que rege a psicologia,
5
De alomorfia, do grego allómorphos, de forma diferente; passagem de uma forma para
outra, diferente, metamorfose (Dicionário Aurélio). Nota do tradutor.
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21
tradicionalmente marcada pela subjetividade, é raro que sejam le-
vados em conta os fatores culturais. E mesmo a antropologia cul-
tural, muitas vezes, se limita apenas ao aspecto da objetivação das
capacidades humanas nos produtos da cultura.
Para McLuhan, mais ainda e muito antes que para Vygotsky, o
que é importante são as consequências psicológicas, o impacto da
existência de tais instrumentos no desenvolvimento do indivíduo,
a interação do indivíduo com esses instrumentos.
Na análise dessas consequências, o ponto de partida de
Vygotsky é o ditado famoso de F. Bacon (que Vygotsky cita sem-
pre): Nec manus, nisi intellectus sibi permissus, multam valent: instrumentis et
auxilibus res perficitur [a mão e a inteligência humanas, privadas dos
instrumentos necessários e dos auxiliares, permanecem impoten-
tes; inversamente, o que reforça seu poder são os instrumentos e
os auxiliares oferecidos pela cultura].
Em primeiro lugar, a cultura criou um número crescente de
poderosos auxiliares exteriores (instrumentos, aparelhos, tecno-
logias) que sustentam os processos psicológicos. Desde os primei-
ros nós no lenço ou as marcas em uma peça de madeira a fim de
conservar as lembranças de certos acontecimentos até os podero-
sos bancos de dados informatizados ou as tecnologias modernas
da informação, os progressos no domínio da “tecnologia psicoló-
gica” são infinitos. Ao lado da memória ou da inteligência indivi-
dual e natural, existem uma memória e uma inteligência exteriores
e artificiais. Qual seria a eficácia de um europeu moderno privado
dessas tecnologias, deixado a si mesmo, “a mão e a inteligência
nuas”? E a psicologia poderia elaborar formulações sérias dos
processos mentais superiores sem contar com esses auxiliares ex-
ternos? A própria existência desses auxiliares muda a natureza do
processo que permanece no interior do indivíduo: para se con-
vencer disso, basta observar as mudanças nas operações aritmé-
ticas simples entre os que estão habituados a usar calculadoras de
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22
bolso. Os verdadeiros problemas da pesquisa são a análise das re-
-estruturações dos processos interiores diante desses auxiliares e
da interação das partes exteriores e interiores desses processos.
Além dos auxiliares externos, existe, no entanto, nas obras cultu-
rais, instrumentos psicológicos que podem ser interiorizados. Trata-
-se de todos os sistemas semióticos, práticas, procedimentos e técni-
cas conceituais dos meios de comunicação, operações e estruturas
de caráter intelectual que ocorrem em todas as aquisições culturais.
Vygotsky, aliás, como também McLuhan, não se limitava ao
nível superficial dessas aquisições. Ele buscava atingir os significados
ocultos e profundos. Esta tendência da análise se expressa na famo-
sa máxima de McLuhan: “o meio é a mensagem”. É, pois, o meio
que é o portador dos significados profundos. Poder-se-ia explicar
este enfoque pelo exemplo de um instrumento como a língua escrita
(os dois autores analisaram esse exemplo). O indivíduo (como tam-
bém o grupo cultural) que tem acesso à língua escrita não é simples-
mente alguém que possui um saber técnico a mais. A língua escrita e
a cultura livresca mudam profundamente os modos de funciona-
mento da percepção, da memória, do pensamento. A razão disso é
o fato de que este meio contém em si um modelo de análise das
realidades (análise em unidades distintas, linearidade e temporalidade
de organização dos pensamentos, perda de sentido da totalidade,
etc.) e das técnicas psicológicas, em particular, a ampliação do poder
da memória que, consequentemente, provoca as mudanças das rela-
ções entre a memória e o pensamento, etc. Assim, tendo acesso à
língua escrita, o indivíduo se apropria de técnicas psicológicas ofere-
cidas por sua cultura, que se tornam suas “técnicas interiores”
(Vygotsky toma emprestada, aqui, a expressão de Claparède). Desse
modo, um instrumento cultural é enraizado no indivíduo e torna-se
um instrumento individual, privado. Quando se pensa nas mudan-
ças tecnológicas modernas, poder-se-ia abrir um debate de uma
importância considerável: quais são as consequências da utilização
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das tecnologias intelectuais (termo mais pertinente, a meu ver, que a
palavra “informática”) modernas (computadores, banco de dados
informatizados, etc.) para os processos cognitivos do indivíduo?
A pesquisa exemplar de Vygotsky sobre a apropriação dos
instrumentos culturais que se tornam técnicas interiores diz res-
peito à formação de conceitos: estudos comparativos sobre os
conceitos experimentais, conceitos espontâneos e conceitos cien-
tíficos. Os resultados desta pesquisa são apresentados em sua
obra Pensamento e linguagem.
No âmago dessas pesquisas, encontra-se a aquisição dos siste-
mas de conceitos científicos – a aquisição mais importante ao lon-
go do período escolar. Na concepção de Vygotsky, o sistema de
conceitos científicos é um instrumento cultural portador, ele tam-
bém, de mensagens profundas e, ao assimilá-lo, a criança muda
profundamente seu modo de pensar.
A propriedade essencial dos conceitos científicos é sua estrutura,
o fato de serem organizados em sistemas hierarquizados (outras
estruturas possíveis são “redes”, “grupos”, “árvores genealógicas”,
etc.). Interiorizando essa estrutura, a criança amplia consideravelmente
as possibilidades de seu pensamento, desde que tal estrutura coloque
à sua disposição um conjunto de operações intelectuais (diferentes
tipos de definições, operações de quantificações lógicas, etc.). As
vantagens desta estrutura são evidentes quando ela é comparada às
estruturas práticas, por exemplo, as categorias como “móveis”, “rou-
pas”, etc.: se tenta-se, por exemplo, dar uma definição lógica ao
termo “móvel”, percebe-se, rapidamente, os limites das categorias
práticas ou das categorias fundadas nas experiências que não têm
estrutura formal de conceitos científicos. As vantagens que todas as
pessoas tiram ao se apropriar de instrumentos intelectuais tão pode-
rosos são, portanto, evidentes.
O processo de aquisição dos sistemas de conceitos científicos
torna-se possível no quadro da educação sistemática de tipo esco-
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24
lar. A contribuição da educação organizada e sistemática é, aqui,
essencial, comparada à aquisição da linguagem oral, em que a apren-
dizagem tinha um papel construtor, mas não requeria a presença
de adultos que dominassem a língua a não ser como parceiros nas
atividades comuns.
Isso nos conduz ao segundo modelo de desenvolvimento que
Vygotsky chamou de “desenvolvimento artificial”:
A educação pode ser definida como sendo o desenvolvimento arti-
ficial da criança. [...] A educação não se limita somente ao fato de
influenciar o processo de desenvolvimento, mas ela reestrutura de
maneira fundamental todas as funções do comportamento
(Vygotsky, 1982-1984, v. I, p. 107).
O ponto essencial é que a educação torna-se o desenvolvimen-
to: enquanto no primeiro modelo ela não passava de um meio de
reforçar o processo natural, aqui ela é uma fonte relativamente inde-
pendente do desenvolvimento. No quadro da teoria de Vygotsky,
poder-se-ia identificar diversos modelos de desenvolvimento – o
que ele explicou em várias ocasiões – se leva-se em conta o período
do desenvolvimento em foco, a natureza dos instrumentos culturais,
o grau de determinação hereditária das funções, etc.
Se se considera a multiplicidade e a variedade de instrumentos e
de técnicas culturais, que se pode ou não adquirir nas diferentes cul-
turas ou nas diferentes épocas históricas, poder-se-ia facilmente
conceituar as diferenças interculturais, ou históricas, no desenvolvi-
mento cognitivo tanto dos grupos, como dos indivíduos. À luz des-
sa concepção do desenvolvimento da inteligência humana, parece
paradoxal falar de “testes de inteligência sem cultura” (que se tor-
nam, nas palavras de Bruner, “testes sem inteligência”) ou pensar
que o único conceito científico possível da inteligência é aquele que a
reduz a indicadores, como os tempos de reação, o potencial elétrico
suscitado, etc. (como o faz Eysenck, em um artigo recente, de 1988).
A análise deste segundo modelo do desenvolvimento, denomi-
nado “desenvolvimento artificial”, cujo exemplo característico é o
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25
processo de aquisição dos sistemas de conceitos, conduziu Vygotsky
à descoberta da dimensão metacognitiva do desenvolvimento. De
fato, a aquisição de sistemas de conhecimentos com base em tal grau
de generalização; a interdependência dos conceitos em uma deter-
minada rede de conceitos que permite passar facilmente de um con-
ceito a outro e simplifica a execução das operações intelectuais; a
existência de modelos exteriores (nos manuais ou demonstrados
pelos educadores), permitindo a condução dessas operações, facili-
tam a tomada de consciência (ossoznanie em russo) e o controle
(ovladanie), pelo indivíduo, de seus próprios processos cognitivos. Este
processo de autorregulação voluntária pode ser facilitado pelo tipo de
aprendizagem (aprendizagem verbal, explicação de todos os passos
intelectuais, exteriorização da anatomia do processo de construção de
conceitos, construção de conceitos em comum, monitoramento do
processo de aprendizagem pelo adulto expert, etc.).
Nessas condições, o indivíduo poderia adquirir um conheci-
mento muito mais claro sobre seus próprios processos de conhe-
cimento, assim como o controle voluntário desses processos – o
que é a essência mesma dos processos metacognitivos. É necessário
dizer claramente: a obra de Vygotsky constitui a fonte histórica e
teórica mais importante para a conceituação e o estudo empírico
dos processos metacognitivos. As conquistas científicas de Vygotsky
nessa área são evidentes: em vez de considerar os processos
metacognitivos como puras técnicas práticas de autocontrole ou
como um problema isolado (é o caso, por exemplo, da mne-
motécnica), Vygotsky oferece um quadro teórico. Para ele, os pro-
blemas dos processos metacognitivos são integrados em uma teoria
geral do desenvolvimento das funções mentais superiores. Nessa
teoria, esses processos aparecem como uma etapa necessária, em
condições bem definidas. Por isso, eles têm importante papel na re-
estruturação da cognição em geral. Sua função, nesta re-estruturação,
ilustra da maneira mais nítida a concepção vygotskyana do desen-
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26
volvimento como processo de transformação das relações entre
funções mentais particulares. Nesse sentido, por exemplo, mesmo o
termo “metamemória” (Flavell e Wellman, 1977) é impróprio, pois
não se trata da intervenção das técnicas de memorização nas ativida-
des relativas à memória, mas da intervenção de processos de pensa-
mento tornados conscientes e voluntários. Trata-se, simplesmente,
de novas relações entre duas funções distintas.
Assim, ainda hoje, a teoria de Vygotsky é a única que oferece,
ao menos em princípio, a possibilidade de se conceituar, de modo
científico, os processos metacognitivos, que permite vincular essa
dimensão do desenvolvimento cognitivo ao desenvolvimento ge-
ral e compreender a origem dessa capacidade de o sujeito contro-
lar seus próprios processos interiores mediante o esquema de
Vygotsky já mencionado, que descreve a passagem do controle
exterior e interindividual para o controle intrapsíquico individual.
Concluiremos esta parte de nosso estudo com um esquema
das explorações possíveis da teoria de Vygotsky sobre o desenvol-
vimento mental na pesquisa e na prática pedagógicas. Do nosso
ponto de vista, seguem-se os pontos essenciais do esquema:
1. Nenhuma teoria psicológica do desenvolvimento confere
tanta importância à educação quanto a de Vygotsky. Para ele, a
educação não tem nada de externo ao desenvolvimento: “A escola
é o lugar mesmo da psicologia, porque é o lugar das aprendiza-
gens e da gênese das funções psíquicas”, escreveu acertadamente
J.-P. Bronckart (ver Schneuwly; Bronckart, 1985). É por isso que
esta teoria poderia ser eficientemente empregada para melhor com-
preender os fenômenos educativos – sobretudo seu papel no de-
senvolvimento –, para estimular pesquisas pedagógicas e para se
tentar aplicações práticas.
2. Graças à teoria de Vygotsky, direta ou indiretamente, todo
um conjunto de problemas novos relativos à pesquisa empírica e
de importância capital para a educação foi introduzido na psicolo-
gia contemporânea.
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As pesquisas sobre a sociabilidade precoce da criança (ver fontes
já citadas), campo da pesquisa em pleno desenvolvimento, contri-
buíram para uma melhor compreensão da primeira infância. So-
bre este ponto, aplicações práticas na educação de crianças já estão
em andamento.
As relações entre as interações sociais e o desenvolvimento
cognitivo fazem parte de temas característicos de Vygotsky e estão
em voga na psicologia contemporânea, na intersecção entre a psi-
cologia social e a psicologia cognitiva, com aplicações práticas evi-
dentes na educação (por exemplo: Perret-Clermont, 1979; Doise
e Mugny, 1981; Cresas, 1987; Hinde, Perret-Clermont e Stevenson-
Hinde, 1988; Rubcov, 1987; Wertsch, 1985a; Wertsch, 1985b).
As pesquisas atuais sobre a mediação semiótica, sobre o papel
dos sistemas semióticos no desenvolvimento mental, sobre o desen-
volvimento da linguagem são, evidentemente, extremamente in-
fluenciadas pelas ideias de Vygostsky (Ivic, 1978; Wertsch, 1983 etc.).
3. A teoria de Vygotsky é, histórica e cientificamente, a única
fonte significativa de pesquisa sobre os processos metacognitivos na
psicologia contemporânea. O papel desses processos na educação e
no desenvolvimento é de uma importância que não se pode subes-
timar. A ausência de pesquisas teóricas e empíricas, que poderiam,
não obstante, ser concebidas no quadro dessa teoria de forma muito
produtiva, é a única razão que explica que ainda não se tenha levado
em conta esses processos na educação. Entretanto, é certo que eles
estão na ordem do dia tanto na psicologia, quanto na pedagogia.
4. Uma matriz de análise e uma gama de instrumentos de pes-
quisa e de diagnóstico podem ser facilmente desenvolvidas a par-
tir das teses de Vygotsky sobre o “desenvolvimento artificial”, isto
é, sobre o desenvolvimento sociocultural das funções cognitivas.
É suficiente, para começar, inventariar os auxiliares externos, os
instrumentos e as “técnicas interiores” de que dispõem os indi-
víduos e os grupos sociais e culturais, para elaborar os parâmetros
pelos quais os indivíduos e os grupos podem ser comparados
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entre si. É claro que tais instrumentos, desenvolvidos em um quadro
teórico dessa natureza, eliminarão os perigos das interpretações
racistas e chauvinistas.
5. A partir dos dois modelos já mencionados neste artigo, toda
uma gama de formas de aprendizagem foram conceitualizadas a
partir das ideias de Vygotsky ou de ideias próximas às dele. Essas
formas compreendem, entre outras, a aprendizagem cooperativa,
a aprendizagem guiada, a aprendizagem fundada no conflito
sociocognitivo, a construção de conhecimentos em comum, etc.
(Doise e Mugny, 1981; Perret-Clermont, 1979; Stambak et al., 1983;
Cresas, 1987; Brown e Palincsar, 1986; etc.).
6. O surgimento recente das mídias audiovisuais modernas e
das tecnologias de informação, suas aplicações no ensino, seu papel,
em curto e longo prazos na vida das crianças levantam problemas
novos e sérios. Que instrumento será mais pertinente e mais útil
para as pesquisas sobre o impacto desses novos instrumentos cul-
turais para o ser humano do que uma teoria como a de Vygotsky,
que coloca, precisamente, no centro de suas preocupações, o pa-
pel dos instrumentos da cultura no desenvolvimento psicológico,
histórico e ontogenético? Esta teoria oferece um quadro conceitual
ideal para essas pesquisas, mas falta ainda um trabalho árduo para
ser completado para torná-la operacional na condução de pesquisas
empíricas
6
.
Se passarmos agora à crítica às ideias de Vygotsky, a primeira
coisa que vem em mente é que, sob diversos aspectos, sua teoria
permaneceu no estado de esboço, que ela nem foi suficientemente
elaborada, nem desenvolvida para ser operacional. Muito frequen-
temente, em particular, suas teses teóricas não são ilustradas ou
completadas por elaborações metodológicas apropriadas. Não se
poderiam imputar essas lacunas a Vygotsky, e seus discípulos fre-
6
Em uma tese defendida na Universidade de Belgrado, N Koraç (As mídias visuais e o
desenvolvimento cognitivo) demonstrou empiricamente como as especificidades do meio
em vídeo podem ser utilizadas para influenciar o desenvolvimento cognitivo da criança.
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29
quentemente se contentam em repetir suas teses, em vez de elaborá-
-las. Além disso, não é ele o culpado pelo fato de a psicologia
contemporânea ter desperdiçado seus esforços e seus recursos no
desenvolvimento de pesquisas inspiradas em paradigmas menos
frutíferos que os dele.
Tem sido criticada, com certa frequência, a distinção feita por
Vygotsky entre dois eixos do desenvolvimento mental (muito mis-
turados em sua obra) – o desenvolvimento natural (espontâneo,
biológico) e o desenvolvimento artificial (social, cultural). Concor-
damos com Liders
7
sobre a necessidade de se manter essa oposição,
que é sempre cientificamente produtiva, em vez de afirmar, gratui-
tamente, que todo desenvolvimento do ser humano é cultural.
Pensamos que toda reflexão crítica sobre a teoria vygotskyana
deve partir da ausência de crítica das instituições e dos “instrumen-
tos” sociais e culturais. Fascinado pelas contribuições construtivas da
sociedade e da cultura, Vygotsky não chegou a desenvolver uma
análise crítica, no sentido moderno do termo, dessas instituições.
O fato é que as relações sociais, quando perturbadas (no gru-
po social, no contexto próximo, na família), podem ser a fonte de
patogenias sérias, devidas, precisamente, à ação de mecanismos
descobertos por Vygotsky. Do mesmo modo, os “instrumentos”
culturais, sempre graças aos mecanismos de Vygotsky, não podem
ser apenas agentes de formação mental; eles contribuem igualmente
para o desenvolvimento geral, por exemplo, no caso da formação
de espíritos fechados, dogmáticos, estéreis, exatamente porque os
indivíduos tiveram interações com produtos da cultura que eram
portadores de instrumentos e de mensagens dessa natureza.
A análise crítica das instituições e dos agentes socioculturais –
incluindo uma crítica das instituições escolares – poderia contribuir
7
Em um texto sob a forma de tese, Liders renovou, com vigor, a ideia fundamental de
Vygotsky sobre os dois eixos do desenvolvimento (natural-artificial) em um volume em que
recolheu os processos verbais de uma conferência consagrada a Vygotsky. Ver Nauchnce
Tvorchestvo Bygotskovo i sovremenaya psihologia [A obra científica de Vygotsky e a
psicologia contemporânea], Moscou.
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30
para determinar as condições nas quais “os instrumentos”
socioculturais se tornam fatores de formação do desenvolvimento.
Vygotsky atual*
Na primeira parte deste texto, analisamos as consequências da
teoria do desenvolvimento de Vygotsky para a educação. No que
se segue, passaremos brevemente em revista suas ideias mais explí-
citas sobre educação. Consideramos, porém, que a análise que aca-
bamos de fazer é de importância capital na matéria.
Vygotsky foi, pessoalmente, muito engajado em atividades pe-
dagógicas. Ele era educador e diz-se que ele era muito bem dota-
do para a profissão. Membro de diferentes órgãos dirigentes da
educação nacional, ele foi levado a agir sobre problemas práticos
com os quais se confrontava o sistema educacional soviético da
época, incluído o da passagem do ensino “complexo” para o en-
sino por disciplinas escolares na escola primária. Ao longo de toda
sua vida, ele se interessou pela educação de crianças deficientes.
Daremos, aqui, algumas indicações sobre os problemas peda-
gógicos que dizem respeito às relações entre desenvolvimento e
aprendizagem, sobre o conceito de “zona de desenvolvimento
proximal” e sobre as especificidades da educação escolar formal.
O problema da relação entre desenvolvimento e aprendiza-
gem, para Vygotsky, era, em primeiro lugar, um problema teórico.
Uma vez que, na sua teoria, a educação estava muito ligada ao
desenvolvimento e que este ocorre no meio sociocultural real, suas
análises recaem, diretamente, sobre a educação escolar.
Já vimos que um dos modelos de desenvolvimento (modelo
II – “desenvolvimento artificial”) torna-se possível justamente graças
ao ensino escolar, com a aquisição dos sistemas de conceitos cien-
tíficos como núcleo desse tipo de educação.
8
No original, este tópico se chama: As ideias pedagógicas de Vygotsky. (N.do editor)
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Assim, para Vygotsky, a educação não se resume à aquisição de
um conjunto de informações; ela é uma das fontes de desenvolvi-
mento e ela própria se define como o desenvolvimento artificial da
criança. O papel essencial da educação é, pois, de assegurar seu de-
senvolvimento, proporcionando-lhe os instrumentos, as técnicas in-
teriores, as operações intelectuais. Em várias oportunidades, Vygotsky
fala da aprendizagem de diferentes tipos de atividades. Se, por exem-
plo, seu enfoque for aplicado na classificação usada na botânica,
poder-se-ia dizer que, para ele, o essencial não é o conhecimento das
categorias taxionômicas, mas o domínio do procedimento de clas-
sificação (definição e aplicação dos critérios de classificação, classifi-
cação dos casos limite ou ambíguos, produção de novos elementos
de uma classe e, antes de tudo, aprendizagem da execução das ope-
rações lógicas que ligam as diferentes classes entre elas, etc.
Tudo isso significa que Vygotsky atribuía a maior importância aos
conteúdos dos programas educacionais, destacando, sobretudo, os
aspectos estruturais e instrumentais desses conteúdos, cujo significado
evocamos o significado na análise das implicações da fórmula de
McLuhan, “o meio é a mensagem”. Nessa linha de pensamento, de-
vemos afirmar que Vygotsky não foi muito longe no desenvolvimen-
to dessas ideias interessantes. Nesse enfoque, pode-se considerar o
próprio estabelecimento escolar como uma “mensagem”, isto é, um
fator fundamental de educação, pois essa instituição, mesmo que se
faça abstração dos conteúdos que aí são ensinados, subtende uma
certa estruturação do tempo, do espaço e repousa sobre um sistema
de relações sociais (entre aluno e professor, entre os próprios alunos,
entre a escola e o entorno, etc.). De fato, o impacto da escolarização é
devido, em grande parte, a esses aspectos do “meio escolar”.
Por outro lado, vimos que Vygotsky pouco desenvolveu sua
crítica da educação escolar a não ser na linha de seu sistema de pen-
samento: a escola não ensina sempre sistemas de conhecimento, mas,
frequentemente, sobrecarrega os alunos com fatos isolados e des-
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providos de sentido; os conteúdos escolares nem comportam ins-
trumentos nem técnicas intelectuais e, muitas vezes, não há, na escola,
interações sociais capazes de construir saberes, etc. Enfim, Elkonin
(Elkonin e Davidov, 1966) tem razão quando reclama que Vygotsky
não deu a devida atenção aos métodos pedagógicos.
A noção vygotskyana de “zona de desenvolvimento proximal”
tem, de início, uma marca teórica. Na concepção sociocultural de
desenvolvimento, a criança não deveria ser considerada isolada de
seu contexto sociocultural, em uma espécie de modelo Robinson-
Crusoé-criança. Seus vínculos com os outros fazem parte de sua
própria natureza. Desse modo, nem o desenvolvimento da crian-
ça, nem o diagnóstico de suas aptidões, nem sua educação podem
ser analisados se seus vínculos sociais forem ignorados. A noção
de zona de desenvolvimento proximal ilustra, precisamente, esta
concepção. Esta zona é definida como a diferença (expressa em
unidades de tempo) entre os desempenhos da criança por si pró-
pria e os desempenhos da mesma criança trabalhando em colabo-
ração e com a assistência de um adulto. Por exemplo, duas crianças
têm sucesso nos testes de uma escala psicométrica correspondente
à idade de 8 anos; mas, com uma ajuda estandartizada, a primeira
não alcança senão o nível de 9 anos, enquanto a segunda atinge o
nível de 12; enquanto a zona proximal da primeira é de um ano a
da outra é de quatro anos.
Nessa noção de zona proximal, a tese da criança como ser soci-
al gera um aporte metodológico de grande significado, uma vez que
ele enfoca o desenvolvimento da criança no seu aspecto dinâmico e
dialético. Aplicada à pedagogia, essa noção permite sair do eterno
dilema da educação: é necessário esperar que a criança atinja um
nível de desenvolvimento particular para começar a educação esco-
lar, ou é necessário submetê-la a uma determinada educação para
que ela atinja tal nível de desenvolvimento? Na linha das ideias dialéticas
das relações entre processos de aprendizagem e de desenvolvimen-
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33
to que analisamos, Vygotsky acrescenta que este último é mais pro-
dutivo se a criança é exposta a aprendizagens novas, justamente na
zona de desenvolvimento proximal. Nessa zona, e em colaboração
com o adulto, a criança poderá facilmente adquirir o que não seria
capaz de fazer se fosse deixada a si mesma.
As modalidades de assistência adulta na zona proximal são
múltiplas: demonstrações de métodos que devem ser imitados,
exemplos dados à criança, questões que façam apelo à reflexão
intelectual, controle de conhecimentos por parte do adulto, mas,
também, e em primeiro lugar, colaboração nas atividades parti-
lhadas como fator construtivo do desenvolvimento.
O valor heurístico dessa noção de zona de desenvolvimento
proximal não foi totalmente explicitado. A natureza do conceito
teórico de criança como ser social se traduz em termos operacionais.
Ao contrário, sua aplicação exige muito mais audácia e, de fato,
desenvolve-se, atualmente, um enfoque novo da construção teóri-
ca e de instrumentos de diagnóstico fundamentado nessa noção.
Trata-se de estudar a dinâmica do processo de desenvolvimento
(não mais fundamentado nos resultados já obtidos) e as capaci-
dades das crianças (normais ou deficientes), a fim de se obter o
máximo aproveitamento da colaboração e do ensino oferecidos.
A segunda pista que poderia ser seguida na aplicação dessa
noção é a educação na família e na escola. Segundo as indicações
empíricas disponíveis, muitos pais orientam espontaneamente suas
intervenções pedagógicas precisamente para a zona proximal
(Ignjatovic et. al.). Levando-se em consideração a tese de Vygotsky,
que ele repetiu inúmeras vezes, de que a educação deve ser orien-
tada mais para a zona proximal, na qual a criança faz experiências
de seus encontros com a cultura, apoiada por um adulto – primei-
ramente, no papel de parceiro nas construções comuns, depois,
como organizador da aprendizagem –, a educação escolar pode-
ria ser considerada como um meio poderoso de reforço do de-
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34
senvolvimento natural, ou como uma fonte relativamente inde-
pendente. Entretanto, as referências à educação escolar que encon-
tramos na obra de Vygotsky devem ser consideradas, não como
descrições de realidades educacionais, mas como um projeto de
renovação da educação. A teoria formulada por Vygotsky, há mais
de meio século, tem tal potencial heurístico que ela pode ser, real-
mente, um instrumento da renovação da escola de hoje.
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35
TEXTOS SELECIONADOS
O problema e o método de investigação
8
É bastante desafiador separar conceitos que se considera fun-
damentais em um autor da monta de Vygotsky, não só por ser
Vygotsky, mas pelo fato de ter se tornado um fenômeno e objeto
de pesquisa no campo da psicologia, da educação e da filosofia,
hoje mundialmente reconhecido, por inúmeros pesquisadores nos
diversos campos do conhecimento humano.
Iniciamos este trabalho na condição de garimpeiros imersos a
uma mina repleta de preciosidades, que escolhem pela luminosidade
que estas preciosidades lhes causam no primeiro olhar, muito em-
bora saibam da grande dificuldade de se separar o bom do bom,
o ótimo do ótimo.
1. Temos plena consciência da inevitável imperfeição do pri-
meiro passo que tentamos dar com este trabalho dentro de uma
nova corrente. Mas achamos que ele se justifica porque nos faz
avançar no estudo do pensamento e da linguagem - se levarmos
em conta o estado em que essa questão se encontrava na psicolo-
gia quando iniciamos o nosso trabalho - e revela que o tema pen-
samento e linguagem é questão fulcral de toda a psicologia do
homem e leva diretamente o pesquisador a uma nova teoria psi-
cológica da consciência. Aliás, abordamos essa questão em apenas
8
Os trechos citados daqui até a próxima referência foram extraídos da obra A construção
do pensamento e da linguagem (2001).
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36
algumas palavras conclusivas do nosso trabalho, suspendendo a
pesquisa em pleno limiar (Vygotsky, p. 19).
1.1 O tema do pensamento e da linguagem situa-se entre
aquelas questões de psicologia em que aparece em primeiro pla-
no a relação entre as diversas funções psicológicas, entre as dife-
rentes modalidades de atividade da consciência. O ponto central
de todo esse problema é, evidentemente, a relação entre o pensa-
mento e a palavra. Todas as outras questões conexas são como
que secundárias e logicamente subordinadas a essa questão central
e primeira, sem cuja solução não se podem sequer colocar corre-
tamente as questões subsequentes e mais particulares. Entretanto,
por mais estranho que pareça, a psicologia moderna não tomou
conhecimento do problema das relações interfuncionais, razão pela
qual ele é novo para ela. Tão antiga quanto a própria psicologia, a
questão do pensamento e da linguagem foi menos trabalhada e
continua mais obscura precisamente na relação entre o pensamen-
to e a palavra. A análise atomística e funcional, que dominou na
psicologia científica durante todo o último decênio, redundou no
seguinte: funções psicológicas particulares foram objeto de análise
isolada; o método de conhecimento psicológico foi elaborado e
aperfeiçoado para o estudo desses processos isolados e particula-
rizados; ao mesmo tempo, a relação interfuncional e sua organiza-
ção em uma estrutura integral da consciência permaneceu sempre
fora do campo da atenção dos pesquisadores (p. 1).
1.2 Quem funde pensamento com linguagem fecha para si mes-
mo o caminho para abordar a relação entre eles e antecipa a impos-
sibilidade de resolver a questão. Contorna a questão em vez de
resolvê-la. À primeira vista, pode parecer que a teoria que mais se
aproxima do campo oposto e desenvolve a ideia de que pensamen-
to e linguagem são independentes entre si esteja em situação mais
favorável no tocante às questões aqui debatidas. Quem considera
linguagem uma expressão externa do pensamento, a sua veste, quem,
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37
como os representantes da Escola de Würzburg, tenta libertar o
pensamento de tudo o que ele tem de sensorial, inclusive da palavra,
e conceber a relação entre pensamento e palavra. Essa solução, parte
das mais diversas correntes psicológicas, sempre se vê impossibilita-
da não só de resolver, mas, até mesmo a levantar a questão, se não a
contorna, acaba cortando o nó em vez de desatá-lo. Ao decompor
o pensamento discursivo nos elementos que o constituem e que são
heterogêneos – o pensamento e a palavra –, esses estudiosos, depois
que estudam as propriedades puras do pensamento como tal, inde-
pendentemente da linguagem, e a linguagem como tal, independen-
temente do pensamento, interpretam a relação entre eles como uma
dependência mecânica puramente externa entre dois processos dife-
rentes. Poderíamos mencionar como exemplo as tentativas de au-
tores modernos, que procuram decompor o pensamento discur-
sivo nos seus constituintes com a finalidade de estudar a relação e a
interação entre esses dois processos (pp. 4-5).
1.3 Por isso, o significado pode ser visto igualmente como
fenômeno da linguagem, por sua natureza, e como fenômeno do
campo do pensamento. Não podemos falar de significado da pa-
lavra tomado separadamente. O que ele significa? Linguagem ou
pensamento? Ele é, ao mesmo tempo, linguagem e pensamento
porque é uma unidade do pensamento verbalizado. Sendo assim,
fica evidente que o método de investigação do problema não pode
ser outro senão o método da análise semântica, da análise do sen-
tido da linguagem, do significado da palavra. Nessa via é lícito
esperar resposta direta à questão que nos interessa – a da relação
entre pensamento e linguagem, porque essa relação mesma faz
parte da unidade por nós escolhida, e quando estudamos a evo-
lução, o funcionamento, a estrutura e o movimento dessa unidade,
podemos aprender muito do que nos pode esclarecer a questão
do pensamento e da linguagem, da natureza do pensamento
verbalizado (p. 10).
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38
1.4 Para concluir este primeiro capítulo, resta-nos apenas traçar,
nas linhas mais breves, o programa da nossa pesquisa. Nosso traba-
lho é uma investigação psicológica de um problema sumamente
complexo, que deveria ser constituído necessariamente de várias
pesquisas particulares de natureza teórica e crítico-experimental. To-
mamos como ponto de partida o estudo crítico da teoria do pensa-
mento e da linguagem, que marca o apogeu do pensamento psico-
lógico nessa questão e é, ao mesmo tempo, diametralmente oposto
ao caminho que escolhemos para analisar teoricamente o assunto.
Esse primeiro estudo deve nos levar à abordagem de todos os pro-
blemas concretos da moderna psicologia do pensamento e da lin-
guagem e colocá-los no contexto do conhecimento psicológico vivo
de nossos dias. Para a psicologia atual, estudar uma questão como
pensamento e linguagem significa, ao mesmo tempo, desenvolver
uma luta ideológica com as concepções teóricas opostas (p. 17).
A linguagem e o pensamento da criança na teoria de Piaget
1.5 Essa nova abordagem do pensamento infantil como pro-
blema qualitativo levou Piaget a uma atitude que se poderia cha-
mar de oposta à tendência antes dominante: a um caracterização
positiva do pensamento infantil. Enquanto a psicologia tradicional
costumava caracterizar negativamente o pensamento infantil, enu-
merando as suas lacunas e deficiências, Piaget procurou revelar a
originalidade qualitativa desse pensamento, mostrando o seu as-
pecto positivo. Antes, o interesse se concentrava no que a criança não
tem, o que lhe falta em comparação com o adulto, e determina-
vam-se as peculiaridades do pensamento infantil pela incapacida-
de da criança para produzir pensamento abstrato, formar concei-
tos, estabelecer vínculos entre os juízos, tirar conclusões, etc., etc.
Nas novas investigações, colocou-se no centro da atenção aquilo
que a criança tem, o que há no seu pensamento como peculiaridades
e propriedades distintivas.
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No fundo, o que Piaget fez de novo e grandioso é muito co-
mum e simples, como, aliás, acontece com muitas coisas grandes,
e pode ser caracterizado com o auxílio de uma tese antiga e banal,
que o próprio Piaget cita no seu livro com palavras de Rousseau: a
criança nada tem de pequeno adulto, e sua inteligência não é, de
maneira nenhuma, a pequena inteligência do adulto. Por trás dessa
verdade simples que, aplicada ao pensamento infantil, Piaget des-
velou e fundamentou com fatos, esconde-se uma ideia essencial-
mente simples: a ideia do desenvolvimento. Essa ideia simples dei-
ta uma luz grandiosa sobre todas as inúmeras páginas que Piaget
enriqueceu de conteúdo em suas pesquisas (p. 21).
1.6 Mas quem examina fatos o faz inevitavelmente à luz dessa
ou daquela teoria. Os fatos estão inseparavelmente entrelaçados com
a filosofia, sobretudo aqueles fatos do desenvolvimento do pensa-
mento infantil que Piaget descobre, comunica e analisa. E quem qui-
ser encontrar a chave desse rico acervo de fatos novos deve, antes
de tudo, descobrir a filosofia do fato, da sua obtenção e assimilação,
pois, sem isso, os fatos permanecerão mudos e mortos (p. 25).
1.7 A tese primeira e fundante que poderíamos apresentar como
ideia diretora de toda a nossa crítica poderia ser formulada da
seguinte maneira: achamos que é incorreta a própria colocação do
problema das duas diferentes formas de pensamento na psicaná-
lise e na teoria de Piaget. Não se pode contrapor a satisfação de
uma necessidade à adaptação à realidade; não se pode perguntar:
o que move o pensamento da criança - a aspiração de satisfazer as
suas necessidades interiores ou de adaptar-se à realidade objetiva,
uma vez que, do ponto de vista da teoria do desenvolvimento, o
próprio conceito de necessidade, quando se revela o seu conteúdo,
incorpora a concepção segundo a qual uma necessidade é satisfeita
através de certa adaptação à realidade (p. 68).
1.8 As necessidades de alimentos, de calor, de movimento,
formas básicas de adaptação, não são forças motrizes que deter-
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40
minam todo o processo de adaptação à realidade. Daí carecer de
qualquer sentido a contraposição de uma forma de pensamento,
que cumpre funções de satisfação de necessidades interiores, a outra
forma que cumpre funções de adaptação à realidade. A necessida-
de e a adaptação devem ser vistas necessariamente em sua unida-
de. É produto do desenvolvimento tardio a mesma separação da
realidade que se observa no desenvolvimento do pensamento
autístico, que procura na imaginação a satisfação de aspirações não
concretizadas em vida. O pensamento autístico deve sua origem
ao desenvolvimento do pensamento realista e ao seu efeito funda-
mental: o pensamento por conceitos. Mas Piaget toma de emprés-
timo a Freud não só a tese segundo a qual o princípio de prazer
antecede o princípio de realidade, mas, também, toda a metafísica
do princípio de prazer, que passa de momento auxiliar e biologi-
camente subordinado a princípio vital autônomo, a primo movens, a
motor primeiro de todo o desenvolvimento psicológico (p. 69).
1.9 Piaget afirma que os objetos não elaboram a mente da cri-
ança. Mas nós observamos que, em situação real, onde a linguagem
egocêntrica da criança está relacionada à sua atividade prática, onde
está ligada ao pensamento da criança, os objetos efetivamente ela-
boram a mente infantil. Objetos significam realidade, mas não uma
realidade que se reflete passivamente nas percepções da criança, que é
captada por ela e de um ponto de vista abstrato, e, sim, uma realidade
com a qual essa criança se depara no processo da sua prática.
Esse novo momento, esse problema da realidade e da prática
e o seu papel no desenvolvimento do pensamento infantil mudam
substancialmente, ao desenvolvermos a nossa análise e a crítica
metodológica das linhas básicas da teoria piagetiana (p. 72).
1.10 Não se pode emitir com mais clareza a ideia de que a
necessidade de pensamento lógico e o próprio conhecimento da
verdade surgem da comunicação da consciência da criança com
outras consciências. Como isto se aproxima, pela natureza filosó-
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41
fica, das doutrinas sociológicas de Durkheim e outros sociólogos,
que retiram da vida social do homem o espaço, o tempo e todo o
conjunto da realidade objetiva! Como se aproxima da tese de
Bogdánov, segundo a qual “a objetividade da série cívica é o alcan-
ce universal. A objetividade do corpo físico, com a qual nos depa-
ramos na nossa experiência, acaba sendo estabelecida com base na
mútua verificação e na concordância das enunciações de diferentes
pessoas. Em linhas gerais, o mundo físico é uma experiência soci-
almente combinada, socialmente harmonizada e socialmente or-
ganizada”. É difícil duvidar de que nesse ponto Piaget se aproxi-
ma de Mach, se lembramos a sua concepção de causalidade a que
já nos referimos. Falando do desenvolvimento da causalidade na
criança, Piaget estabelece o seguinte fato de suma importância: com
base na lei da tomada de consciência, estabelecida por Claparède,
ele mostra que a tomada de consciência vem depois de uma ação
e surge quando a adaptação automática esbarra em dificuldades.
Piaget supõe que, se nos perguntarmos como surge a noção de
causa, os objetivos, etc., então (pp. 84-85).
1.11 Quando a adaptação é automática, instintiva, o espírito não
toma consciência das categorias. A execução do ato automático não
apresenta ao nosso espírito nenhum problema. Não havendo difi-
culdade, não há necessidade, logo, não há consciência (p. 85).
O desenvolvimento da linguagem na teoria de Stern
1.12 A concepção puramente intelectualista da linguagem infantil e seu desen-
volvimento foi o que se manteve mais imutável, ganhou força, consoli-
dou-se e desenvolveu-se no sistema de Stern. Fora desse ponto, em
parte alguma se manifestaram com tamanha evidência as limitações, a
contraditoriedade (sic) interna, a inconsistência científica e a essência
idealista do personalismo filosófico e psicológico de Stern (p. 97).
1.13 Tudo o que sabemos sobre o perfil intelectual de uma
criança entre 1 ano e meio e 2 anos tem pouquíssimo a ver com a
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admissão de que nela se desenvolve uma operação intelectual su-
mamente complexa: a “consciência do significado da linguagem”.
Além do mais, muitas pesquisas e observações experimentais in-
dicam diretamente que o domínio da relação entre signo e signifi-
cado e o emprego funcional do signo surge na criança bem mais
tarde e é absolutamente inacessível a uma criança da idade admiti-
da por Stern. Como têm mostrado pesquisas experimentais siste-
máticas, o desenvolvimento do emprego do signo e as transições
para operações com signos (funções significativas) nunca são o
simples resultado de um único descobrimento ou intervenção por
parte da criança, nunca se realizam de um golpe, de uma vez; a
criança não descobre o significado da linguagem de uma vez para
toda a vida, como supõe Stern, quando tenta demonstrar que a
criança descobre apenas uma vez e em uma classe de palavras a
essência fundamental do símbolo (6, p. 194). Ao contrário, isto é
um processo genético sumamente complexo, que tem a sua “his-
tória natural de signos”, ou melhor, tem raízes naturais e formas
transitórias em camadas mais primitivas do comportamento (por
exemplo, o chamado significado ilusório dos objetos na brinca-
deira e, ainda antes, o gesto indicativo, etc.) e tem a sua “história
cultural de signos” dotada de uma série de mudanças quantitativas,
qualitativas e funcionais, de crescimento e metamorfoses, de dinâ-
mica e leis
9
(pp. 100-101).
1.14 É perfeitamente possível que semelhante concepção, es-
sencialmente metafísica e idealista (“monadologia”) do indivíduo,
não possa deixar de levar o autor à teoria personalista da linguagem.
As raízes genéticas do pensamento e da linguagem
1.15 O principal fato com que nos deparamos na análise gené-
tica do pensamento e da linguagem é o de que a relação entre esses
9
Para maiores detalhes sobre essa questão e todo o subsequente, veja-se o capítulo “As
raízes genéticas do pensamento e da linguagem”.
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43
processos não é uma grandeza constante, imutável, ao longo de
todo o desenvolvimento, mas uma grandeza variável. A relação en-
tre pensamento e linguagem modifica-se no processo de desenvol-
vimento tanto no sentido quantitativo quanto qualitativo. Em outros
termos, o desenvolvimento da linguagem e do pensamento realiza-
se de forma não paralela e desigual. As curvas desse desenvolvimen-
to convergem e divergem constantemente, cruzam-se, nivelam-se em
determinados períodos e seguem paralelamente, chegam a confluir
em algumas de suas partes para, depois, tornar a bifurcar-se.
Isto é correto tanto em termos de filogênese quanto de
ontogênese. Adiante tentaremos mostrar que, nos processos de
desintegração, de involução e mudança patológica, a relação entre
pensamento e linguagem não é constante para todos os casos de
perturbação, de retardamento, de inversão no desenvolvimento,
de mudança patológica do intelecto ou da linguagem, mas adquire
sempre uma forma específica que caracteriza precisamente um
dado tipo de processo patológico, para um dado quadro de per-
turbações e retardamentos (p. 111).
1.16 Contudo, na fonética dos chimpanzés, encontramos um
número tão grande de elementos sonoros, semelhantes à fonética
do homem, que se pode supor com segurança que a ausência de
uma linguagem “semelhante à do homem” no chimpanzé não se
deve a causas periféricas. Delacroix, que tem toda razão ao consi-
derar correta a conclusão de Köhler sobre a linguagem do chim-
panzé, afirma que os gestos e a mímica dos macacos não são
periféricos por algumas causas: não revelam o menos vestígio de
que eles expressem (ou melhor, signifiquem algo objetivamente,
isto é, que exerçam a função de signo) (15m p. 77) (pp. 115-116).
1.17 O chimpanzé é um animal social no mais alto grau, e seu
comportamento só pode ser efetivamente entendido quando ele se
encontra na companhia de outros animais. Köhler descreveu for-
mas extremamente diversificadas de “comunicação por linguagem”
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entre os chimpanzés. Em primeiro lugar, devem ser colocados os
movimentos emotivo-expressivos, muito nítidos e ricos entre os
chimpanzés (a mímica e os gestos, as reações sonoras). Depois vêm
os movimentos expressivos de emoções sociais (os gestos amisto-
sos, etc.). Mas até “os seus gestos”, diz Köhler, “assim como os sons
expressivos, nunca designam nem descrevem nada objetivo” (p. 116).
1.18 É preciso dizer francamente que as experiências de Köhler
(e menos ainda as de outros psicólogos, pesquisadores menos obje-
tivos) não permitem dar a essa questão uma resposta minimamente
definida. Suas experiências não levam a nenhuma definição nem res-
pondem, sequer hipoteticamente, qual o mecanismo da reação inte-
lectual. Entretanto, está fora de dúvida de que, independentemente
de como se conceba a ação desse mecanismo e de onde esteja loca-
lizado o “intelecto” - nas próprias ações do chimpanzé ou no pro-
cesso preparatório interno (processo cerebral psicofisiológico ou
muscular-intervencional) - , a tese da determinabilidade atual e não
da determinabilidade residual dessa reação continua em vigor, pois
fora da situação atual visual o intelecto do chimpanzé não funciona.
Neste momento só nos interessa essa questão (p. 125).
1.19 Quanto à linguagem característica do chimpanzé, gosta-
ríamos de salientar três pontos.
Primeiro: a relação da produção de sons com gestos emocio-
nais expressivos, ao tornar-se especialmente nítida nos momentos
de forte excitação afetiva do chimpanzé, não constitui nenhuma
peculiaridade específica dos antropoides; ao contrário, é antes um
traço muito comum aos animais dotados de aparelho fonador. E
essa mesma forma de reações vocais expressivas serve indubitavelmente
de base ao surgimento e desenvolvimento da fala humana.
Segundo: os estados emocionais, sobretudo os afetivos, re-
presentam no chimpanzé uma esfera de comportamento rica em
manifestações vocais, mas sumamente desfavorável ao funciona-
mento das reações intelectuais. Köhler menciona repetidamente
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45
que, nos chimpanzés, as reações emocionais e, sobretudo, a reação
afetiva destroem inteiramente a operação intelectual.
Terceiro: o aspecto emocional não esgota a função da lingua-
gem no chimpanzé, e isto também não representa uma particulari-
dade exclusiva da linguagem dos antropoides; também assemelha
a sua linguagem à linguagem de muitas outras espécies animais,
constituindo ainda uma raiz genética indubitável da função corres-
pondente da fala humana. A linguagem não é só uma reação ex-
pressivo-emocional, mas, também, um meio de contato psicoló-
gico com semelhantes
10
. Tanto nos chimpanzés de Yerkes e de
Learned quanto nos macacos observados por Köhler, essa função
da linguagem é óbvia. No entanto, essa função de ligação ou con-
tato não mantém nenhuma relação com a reação intelectual, ou
seja, com o pensamento do animal. Trata-se da mesma reação
emocional, que constitui uma parte evidente e indiscutível de toda
a síndrome emocional total, mas uma parte que tanto dos pontos
de vista biológico quanto psicológico exerce uma função diferente
daquelas exercidas pelas reações afetivas. O que essa reação menos
lembra é a comunicação intencional e consciente de alguma coisa
ou uma ação semelhante. Em essência, é uma reação instintiva, ou,
em todo caso, algo extremamente semelhante (p. 127).
1.20 Achamos, e os capítulos anteriores o mostraram com sufici-
ente clareza, que o pensamento verbal não é uma forma natural e inata
de comportamento, mas uma forma histórico-social, e por isso se
distingue basicamente por uma série de propriedades e leis específicas, que
não podem ser descobertas nas formas naturais do pensamento e da
linguagem. Mas a conclusão principal é a de que, ao reconhecermos o
caráter histórico do pensamento verbal, devemos estender a essa for-
ma de comportamento todas as teses metodológicas que o materialis-
10
Hempelmann reconhece apenas a função experimental da linguagem dos animais,
embora não negue que os sinais vocais de advertência etc., desempenham objetivamen-
te a função de comunicar (F. Henpelmann, Tierosycgikigue vin Standpunkte dês Biologen,
1926, S. 530).
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46
mo histórico estabelece para todos os fenômenos históricos na socie-
dade humana. Por último, devemos esperar de antemão que, em li-
nhas gerais, o próprio tipo de desenvolvimento histórico do compor-
tamento venha a estar na dependência direta das leis gerais do desen-
volvimento histórico da sociedade humana.
Com isso, o próprio problema do pensamento e da lingua-
gem ultrapassa os limites metodológicos das ciências naturais e se
transforma em questão central da psicologia histórica do homem,
ou seja, da psicologia social; ao mesmo tempo, modifica-se a pró-
pria abordagem metodológica do problema. Sem tocar na ques-
tão em toda a sua plenitude, achamos necessário analisar os seus
pontos fulcrais, aqueles mais difíceis em termos metodológicos po-
rém mais centrais e mais importantes para a análise do comporta-
mento do homem baseada no materialismo dialético e histórico.
Um estudo especial deverá analisar essa segunda questão do
pensamento e da linguagem, assim como outras questões que co-
mentamos de passagem e são atinentes à análise funcional e estru-
tural desses processos (p. 150).
Estudo experimental do desenvolvimento dos conceitos
1.21 Uma das conclusões principais a que nos levam os estudos
de Ach e Rimat é a rejeição de conceitos. Ach demonstrou que a
existência de associações entre esses e aqueles símbolos verbais, esses e
aqueles objetos, embora sólidas e numerosas, não é por si só suficiente
para a formação de conceitos. Suas descobertas experimentais não
confirmaram a velha concepção segundo a qual um conceito surge
por via puramente associativa mediante o máximo fortalecimento de
uns vínculos associativos correspondentes aos atributos comuns a um
grupo de objetos e o enfraquecimento de outros vínculos correspon-
dentes aos atributos que distinguem esses objetos (p. 156).
1.22 A principal deficiência da metodologia de Ach é o fato
de que, por intermédio dela, não elucidamos o processo genético
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de formação de conceito, mas apenas constatamos a existência ou
inexistência desse processo. A própria organização da experiência
pressupõe que os meios pelos quais se forma o conceito, ou seja,
as palavras experimentais que desempenham o papel de signos,
são dados desde o início, são uma grandeza constante que não se
modifica durante toda a experiência e, além do mais, o modo de
sua aplicação está antecipadamente previsto nas instruções. As pa-
lavras não exercem desde o início o papel de signos, em princípio
em nada diferem de outra série de símbolos que atuam na experi-
ência, dos objetos aos quais estão relacionadas. No intuito crítico e
polêmico de demonstrar que apenas uma relação associativa entre
palavras e objetos é insuficiente para que surja o significado, que o
significado da palavra ou o conceito não são equivalentes a uma
relação associativa entre o complexo sonoro e a série de objetos,
Ach mantém inteiramente a forma tradicional de todo o processo
de formação de conceitos, subordinado a um esquema que pode
ser expresso pelas palavras: de baixo para cima, de alguns objetos
concretos para poucos conceitos que os abrangem (p. 162).
1.23 Estudos superaram definitivamente a concepção mecanicista
da formação de conceitos, ainda assim não revelaram a efetiva natu-
reza genética, funcional e estrutural desse processo e se perderam na
explicação puramente teleológica das funções superiores; tal expli-
cação se restringe a afirmar que o objetivo cria, por si mesmo, com
o auxílio das tendências determinantes, uma atividade correspon-
dente voltada para um fim, e que em si mesmo o problema já con-
tém a sua solução (p.163).
1.24 O processo de formação de conceitos é irredutível às asso-
ciações, ao pensamento, à representação, ao juízo, às tendências
determinantes, embora todas essa funções sejam participantes obri-
gatórias da síntese complexa que, em realidade, é o processo de
formação de conceitos. Como mostra a investigação, a questão cen-
tral desse processo é o emprego funcional do signo ou da palavra
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48
como meio através do qual o adolescente subordina ao seu poder
as suas próprias operações psicológicas, através do qual ele domina
o fluxo dos próprios processos psicológicos e lhes orienta a ativida-
de no sentido de resolver os problemas que tem pela frente (p. 169).
1.25 A própria linguagem não se funde em vínculos puramen-
te associativos, mas requer uma relação essencialmente nova, efeti-
vamente característica dos processos intelectuais superiores entre o
signo e o conjunto da estrutura intelectual. Até onde se pode supor
com base no estudo da psicologia do homem primitivo e do seu
pensamento, a filogênese do intelecto, ao menos em sua parte his-
tórica, não revela aquela via de evolução que Thorndike admitia
existir entre as formas inferiores e as formas superiores, passando
pelo aumento quantitativo das associações. Depois dos célebres
estudos de Köhler, Yerkes e outros, não há porque esperar que a
evolução biológica do intelecto confirme a identidade entre pen-
samento e associação (p. 174).
1.26 A linguagem dos adultos também está cheia de resíduos
do pensamento por complexos. Na nossa linguagem, o melhor
exemplo que permite revelar a lei básica de construção desse ou
daquele complexo de pensamentos é o nome de família. Qualquer
nome de família, digamos “Petrov”, classifica os indivíduos de
uma forma que se assemelha em muito àquela dos complexos
infantis. Nesse estágio de seu desenvolvimento, a criança pensa,
por assim dizer, em termos de nomes de famílias; o universo dos
objetos isolados torna-se organizado para ela pelo fato de tais
objetos se agruparem em “famílias” interligadas.
Poderíamos expressar essa mesma ideia de outra maneira, di-
zendo que os significados das palavras nesse estágio de desenvol-
vimento podem ser melhor definidos como nomes de família
unificados em complexos ou grupos de objetos.
O mais importante para construir um complexo é o fato de ele
ter em sua base não um vínculo abstrato e lógico mas um vínculo
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49
concreto e fatual entre elementos particulares que integram a sua
composição. Assim, nunca podemos saber se determinada pessoa
pertence à família Petrov e pode ser assim chamada se, para tanto
nos baseamos apenas na sua relação lógica com outros portadores
do mesmo nome de família. Essa questão se resolve com base na
pertinência fatual ou na semelhança fatual entre as pessoas.
O complexo se baseia em vínculos fatuais que se revelam na
experiência imediata. Por isso ele representa, antes de mais nada,
uma unificação concreta com um grupo de objetos com base na
semelhança física entre eles. Daí decorrem todas as demais peculia-
ridades desse modo de pensamento. A mais importante é a se-
guinte: uma vez que esse complexo não está no plano do pensa-
mento lógico-abstrato mas no concreto-fatual, ele não se distingue
pela unidade daqueles vínculos que lhe servem de base e são esta-
belecidos com a sua ajuda (p. 180).
1.27 De modo diferente, cada elemento do complexo pode
estar vinculado ao todo, expresso no complexo, a elementos par-
ticulares integrantes da sua composição, às relações mais diversas.
No conceito, esses vínculos são basicamente uma relação do geral
com o particular e do particular com o particular através do geral.
No complexo, esses vínculos podem ser tão diversificados quanto
o contato diversamente fatual e a semelhança fatual dos mais di-
versos objetos, que estão em relação lógica e concreta entre si.
Em nossa investigação, observamos cinco fases básicas de sis-
tema complexo, que fundamentam as generalizações que aí sur-
gem no pensamento da criança (p. 181).
1.28 Para as crianças, nessa fase, as palavras deixam de ser
denominações de objetos isolados, de nomes próprios. Tornam-
-se nomes de família. Chamar um objeto pelo respectivo nome
significa relacioná-lo a esse ou àquele complexo ao qual está vin-
culado. Para ela, nomear o objeto nessa fase significa chamá-lo
pelo nome de família (p. 182).
Vygotsky_NM.pmd 21/10/2010, 09:5549
50
1.29 Se analisarmos atentamente essa última fase no desenvol-
vimento do pensamento por complexos, veremos que estamos
diante de uma combinação complexa de uma série de objetos
fenotipicamente idênticos ao conceito, mas que não são conceito,
de maneira nenhuma, pela natureza genética, pelas condições de
surgimento e desenvolvimento e pelos vínculos dinâmico-causais
que lhe servem de base. Em termos externos, temos diante de nós
um conceito, em termos internos, um complexo. Por isso o deno-
minamos pseudoconceito.
Em situação experimental, a criança produz um pseudocon-
ceito cada vez que se vê às voltas com uma amostra de objetos
que poderiam ter sido agrupados com base em um conceito abs-
trato. Consequentemente, essa generalização poderia surgir na base
de um conceito, mas, na criança, ela realmente surge com base no
pensamento por complexos.
Só o resultado final permite perceber que a generalização por
complexos coincide com a generalização construída com base no
conceito. Por exemplo, a criança escolhe para uma determinada
amostra – um triângulo amarelo – todos os triângulos existentes
no material experimental. Esse grupo poderia surgir com base no
pensamento abstrato. Essa generalização poderia basear-se no con-
ceito ou na ideia do triângulo. A análise experimental mostra, po-
rém, que a criança combinou os objetos com base nos seus vín-
culos diretos fatuais e concretos, em uma associação simples.
Ela construiu apenas um complexo limitado de associações; che-
gou ao mesmo resultado, mas por caminhos inteiramente diversos.
Esse tipo de complexo, essa forma de pensamento concreto
tem importância predominante sobre o pensamento real da crian-
ça, quer em termos funcionais, quer em termos genéticos. Por isso
devemos examinar mais detidamente esse momento crucial no
desenvolvimento de conceitos da criança, essa passagem que sepa-
ra o pensamento por complexos do pensamento por conceitos e,
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51
ao mesmo tempo, relaciona esses dois estágios genéticos da for-
mação dos conceitos (pp. 190-191).
1.30 Encontrar o limite que separa o pseudoconceito do verda-
deiro conceito é sumamente difícil, quase inacessível à análise fenotípica
puramente formal. A julgar pela aparência, o pseudoconceito tem
tanta semelhança com o verdadeiro conceito quanto a baleia com
um peixe. Mas se recorrermos à “origem das espécies” das formas
intelectuais e animais, o pseudoconceito deve ser tão indiscutivel-
mente relacionado ao pensamento por complexos quanto a baleia
aos mamíferos (p. 195).
1.31 Essa natureza serve como elo entre o pensamento por
complexos e o pensamento por conceitos. Combina esses dois gran-
des estágios no desenvolvimento do pensamento infantil, revela aos
nossos olhos o processo de formação dos conceitos infantis. Em
função da contradição nela contida, sendo ela um complexo, já con-
tém em si o embrião de um futuro conceito que dela medra. A
comunicação verbal com os adultos se torna um poderoso móvel,
um potente fator de desenvolvimento dos conceitos infantis. A pas-
sagem do pensamento por complexos para o pensamento por con-
ceitos se realiza de forma imperceptível para a criança, porque seus
pseudoconceitos praticamente coincidem com os conceitos dos
adultos. Desse modo, cria-se uma original situação genética que re-
presenta antes uma regra geral que uma exceção em todo o desen-
volvimento intelectual da criança. Essa situação original consiste em
que a criança começa antes a aplicar na prática e a operar com con-
ceitos que a assimilá-los. O conceito “em si” e “para os outros” se
desenvolve na criança antes que se desenvolva o conceito “para si”.
O conceito “em si” e “para os outros”, já contido no pseudoconceito,
é a premissa genética básica para o desenvolvimento do conceito no
verdadeiro sentido desta palavra.
Assim, o pseudoconceito, considerado como fase específica
no desenvolvimento do pensamento infantil por complexos, con-
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52
clui todo o segundo estágio e inaugura o terceiro estágio no desen-
volvimento do pensamento infantil, servindo como elo entre eles.
É uma ponte lançada entre o pensamento concreto-metafórico e
o pensamento abstrato da criança (pp. 198-199).
1.32 A conclusão básica do nosso estudo do desenvolvimento
dos conceitos no segundo estágio pode ser formulada da seguinte
maneira: a criança se encontra no estágio do pensamento por com-
plexos, concebe com o significado da palavra aqueles objetos gra-
ças aos quais se torna possível a compreensão entre ela e o adulto,
mas concebe a mesma coisa de modo diferente, por outro meio e
com o auxílio de outras operações intelectuais.
Se essa tese é efetivamente correta, pode ser funcionalmente
verificada. Isto significa que, se consideramos em ação os con-
ceitos dos adultos e os complexos das crianças, o traço diferen-
cial da sua natureza psicológica deve manifestar-se com toda evi-
dência. Se o complexo infantil difere do conceito, a atividade do
pensamento por complexos deve transcorrer de modo diferente
da atividade do pensamento por conceitos. Posteriormente, que-
remos cotejar brevemente os resultados da nossa análise com os
dados estabelecidos pela psicologia a respeito das peculiaridades
do pensamento infantil e do desenvolvimento do pensamento
primitivo em geral e, assim, levar à verificação funcional e ao
teste da prática as peculiaridades do pensamento por complexos
que descobrimos.
A primeira manifestação da história do desenvolvimento do
pensamento infantil, que neste caso nos chama a atenção, é a trans-
missão do significado das primeiras palavras infantis por via pura-
mente associativa. Se examinarmos quais os grupos de objetos e
como a criança os combina ao transmitir os significados das suas
primeiras palavras, descobriremos um exemplo misto daquilo que,
em nossos experimentos, chamamos de complexo associativo e
imagem sincrética (pp. 202-203).
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53
1.33 Assim, uma criança pode dizer antes tanto para antes como
para depois, ou amanhã para amanhã e ontem. Temos aqui uma
analogia perfeita com algumas línguas antigas – o hebraico, o chi-
nês, o latim –, em que uma palavra também indica, às vezes, o seu
oposto. Os romanos, por exemplo, tinham uma só palavra para
alto e profundo. Essa união de significados opostos em uma mes-
ma palavra só é possível como decorrência do pensamento por
complexos, em que cada objeto concreto, ao integrar o complexo,
não se funde com outros elementos desse complexo, mas conserva
toda a sua autonomia concreta (p. 205).
1.34 A história da evolução da nossa fala mostra que o meca-
nismo de pensamento por complexos, com todas as suas peculia-
ridades próprias, é o fundamento da evolução da nossa linguagem.
A primeira coisa que ficamos sabendo através da linguística moder-
na é que, segundo expressão de Peterson, devemos distinguir o sig-
nificado da palavra, ou expressão, do seu referente material, ou seja,
daqueles objetos que essa palavra ou expressão sugerem.
Pode haver um só significado e diversos referentes, ou signifi-
cados diversos e um só referente. Ao dizer “o vencedor de Jena”
ou “o derrotado de Waterloo”, estamos nos referindo à mesma
pessoa e, no entanto, o significado das duas expressões é diferente.
Existem palavras como, por exemplo, nomes próprios, cuja fun-
ção é nomear o referente. Assim, a linguística moderna distingue
significado e referencialidade material da palavra.
Aplicando isto ao pensamento infantil por complexos, pode-
mos dizer que as palavras da criança coincidem com as palavras
do adulto em sua referencialidade concreta, ou seja, referem-se
aos mesmos objetos, a um mesmo círculo de fenômenos. Entre-
tanto, não coincidem em seu significado.
Essa coincidência na referencialidade material e a discordância
do significado da palavra, que nós descobrimos como peculia-
ridade fundamental do pensamento infantil por complexos, é mais
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54
uma vez não exceção mas regra na evolução da linguagem. Quan-
do, anteriormente, resumimos o resultado principal das nossas in-
vestigações, afirmamos que a criança concebe como significado da
palavra o mesmo que o concebe o adulto, ou seja, concebe aqueles
referentes graças aos quais a comunicação se torna possível, mas
concebe o próprio conteúdo de modo bem diferente e por inter-
médio de operações intelectuais bem diferentes.
Essa mesma fórmula pode ser aplicada integralmente à história
da evolução e da psicologia da linguagem. Aqui encontramos a cada
passo a confirmação e prova atual que nos convence de que essa tese
está correta. Para que coincidam em sua referência material, é necessá-
rio que essas palavras sugiram o mesmo referente. Mas elas podem
indicar de modos diversos o mesmo referente (pp. 210 - 211).
1.35 Na fala das crianças surdas-mudas essa circunstância deixa
de valer, porque essas crianças não têm comunicação falada com os
adultos e, entregues a si mesmas, formam livremente os complexos
que são representados por uma mesma palavra. Graças a isto, as
peculiaridades do pensamento por complexos manifestam-se em
primeiro plano na linguagem delas com uma nitidez particular.
Na linguagem dos surdos-mudos, baseada em sinais, o ato de
tocar um dente pode ter três significados diferentes: “branco”,
“pedra” e “dente”. Todos os três pertencem a um complexo cuja
elucidação mais pormenorizada requer um gesto adicional de apon-
tar ou imitar, para se indicar a que objeto se faz referência em cada
caso. As duas funções de uma palavra são, por assim dizer, fisica-
mente separadas. Um surdo-mudo toca um gesto de arremesso,
indica a que objeto está se referindo nesse caso.
No pensamento do adulto também observamos, a cada pas-
so, um fenômeno sumamente importante: embora o pensamento
do adulto tenha acesso à formação de conceitos e opere com eles,
ainda assim nem de longe esse pensamento é inteiramente preen-
chido por tais operações (pp. 216-217).
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55
1.36 É verdade que no pensamento por complexos o papel da
palavra já se manifesta nitidamente. Esse pensamento, na forma como
o descrevemos, é inconcebível sem uma palavra que desempenhe a
função de nome de família e unifique grupos cognatos segundo a
impressão obtida a partir dos objetos. Neste sentido, ao contrário
de alguns autores, diferenciamos o pensamento por complexos –
enquanto um estágio determinado no desenvolvimento do pensa-
mento verbal – do pensamento concreto e não verbalizado, que
caracteriza as noções dos animais e que alguns autores, como Werner,
também denominam pensamento por complexos em função da
sua tendência peculiar para fundir impressões particulares.
Nesse sentido, aqueles autores tendem a equiparar os proces-
sos de condensação e deslocamento, na forma como estes se ma-
nifestam nos nossos sonhos, e a equiparar também o pensamento
por complexos ao pensamento dos povos primitivos
11
, que é uma
das formas superiores de pensamento verbal e produto de uma
longa evolução histórica do intelecto humano, bem como um an-
tecedente inevitável do pensamento por conceitos. Algumas auto-
ridades, como Volkelt, vão ainda mais longe e tendem a identificar
o pensamento por complexos emocionalmente semelhante das
aranhas ao pensamento verbal primitivo da criança.
Achamos que entre essas duas modalidades de pensamento existe
uma diferença de princípio, que separa o produto da evolução bio-
lógica, a forma natural de pensamento da forma historicamente
surgida de intelecto humano. Entretanto, reconhecer que a palavra
desempenha papel decisivo no pensamento por complexos não nos
leva, de maneira nenhuma, a identificar esse papel da palavra no
pensamento por complexos e no pensamento por conceitos.
11
“Essa modalidade primitiva de pensamento”, diz Krestschmer, “é designada tal qual o
pensamento por complexos... uma vez que os complexos de imagens que se transfor-
mam uns nos outros e integram coesos os conglomerados ainda ocupam aqui o lugar de
conceitos acentuadamente delimitados e abstratos (33, p. 83). Todos os autores são
concordes ao verem nesse tipo de pensamento um estágio figurado prévio no processo
de formação dos conceitos.”
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56
Para nós, ao contrário, a própria diferença entre o complexo e
o conceito reside, antes de tudo, em que uma generalização é o
resultado de um emprego funcional da palavra, enquanto outra
surge como resultado de uma aplicação inteiramente diversa dessa
mesma palavra. A palavra é um signo. Esse signo pode ser usado
e aplicado de deferentes maneiras. Pode servir como meio para
diferentes operações intelectuais, e são precisamente essas opera-
ções, realizadas por intermédio da palavra, que levam à distinção
fundamental entre complexo e conceito (pp. 226-227).
1.37 A conclusão mais importante de toda a nossa investiga-
ção é a tese basilar que estabelece: só na adolescência a criança
chega ao pensamento por conceitos e conclui o terceiro estágio
da evolução do seu intelecto.
Em nosso estudo experimental dos processos intelectuais do
adolescente, observamos que, com o avanço da adolescência, as
formas primitivas de pensamento - sincréticas e por complexos –
vão sendo gradualmente relegadas a segundo plano, o emprego
dos conceitos potenciais vai sendo cada vez mais raro e se torna
cada vez mais frequente o uso dos verdadeiros conceitos, que no
início apareciam esporadicamente.
Contudo, não se pode imaginar esse processo de substituição
de algumas formas de pensamento e de algumas fases de seu de-
senvolvimento como um processo puramente mecânico, acabado
e concluído. O quadro do desenvolvimento se mostra bem mais
complexo. Diversas formas genéticas coexistem como coexis-
tem na crosta terrestre os mais diversos extratos de diferentes
eras geológicas. Essa situação é antes uma regra que uma exceção
no desenvolvimento de todo o comportamento. Sabe-se que o
comportamento do homem não está sempre no mesmo plano
superior de sua evolução. As formas mais recentes na história hu-
mana convivem no comportamento humano lado a lado com as
formas mais antigas e, como mostrou muito bem P. Blonski, uma
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57
mudança de diferentes formas de comportamento em espaço de
vinte e quatro horas repete no fundo a multimilenar história do
desenvolvimento do comportamento.
O mesmo se justifica em relação ao desenvolvimento do pensa-
mento infantil. Aqui, mesmo depois de ter aprendido a operar com
forma superior de pensamento – os conceitos –, a criança não aban-
dona as formas mais elementares, que durante muito tempo ainda
continuam a ser qualitativamente predominantes em muitas áreas do
seu pensamento. Até mesmo o adulto está longe de pensar sempre
por conceitos. É muito frequente o seu pensamento transcorrer no
nível do pensamento por complexos, chegando, às vezes, a descer a
formas mais elementares e mais primitivas. Mas os próprios concei-
tos do adolescente e do adulto, uma vez que sua aplicação se restrin-
ge ao campo da experiência puramente cotidiana, frequentemente
não se colocam acima do nível dos pseudoconceitos e, mesmo ten-
do todos os atributos de conceitos do ponto de vista da lógica
formal, ainda assim não são conceitos do ponto de vista da lógica
dialética e não passam de noções gerais, isto é, de complexos.
Assim, a adolescência não é um período de conclusão, mas de
crise e amadurecimento do pensamento. No que tange à forma
superior de pensamento, acessível à mente humana, essa idade é
também transitória, e o é em todos os outros sentidos. Esse cará-
ter transitório do pensamento do adolescente torna-se sobretudo
nítido quando não tomamos o seu conceito em forma acabada,
mas em ação, e o fazemos passar por um teste funcional, uma vez
que essas formações revelam a sua verdadeira natureza psicoló-
gica na ação, no processo de aplicação. Ao mesmo tempo, quando
estudamos o conceito em ação descobrimos uma lei psicológica
de suma importância, que dá fundamento à nova forma de pensa-
mento e lança luz sobre o caráter do conjunto da atividade intelec-
tual do adolescente e sobre o desenvolvimento da personalidade e
da concepção de mundo desse adolescente.
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58
A primeira coisa que merece ser ressaltada neste campo é a
profunda discrepância que, no experimento, se manifesta entre a
formação do conceito e a sua definição verbal. Essa discrepância
se mantém em vigor não só no pensamento do adolescente, mas,
também, do adulto, mesmo em um pensamento às vezes suma-
mente evoluído. A existência de um conceito e a consciência desse
conceito não coincidem quanto ao momento do seu surgimento
nem quanto ao seu funcionamento. O primeiro pode surgir antes
e atuar independentemente do segundo. A análise da realidade fun-
dada em conceitos surge bem antes que a análise dos próprios
conceitos (p. 229).
1.38 No processo das nossas experiências, tivemos várias opor-
tunidades de observar como a função primária da palavra, que
poderíamos denominar função indicativa, uma vez que a palavra in-
dica determinado atributo, é uma função geneticamente mais pre-
coce que a função significativa, que substitui uma série de impres-
sões concretas e as significa. Uma vez que, nas condições do nosso
experimento, o significado de uma palavra inicialmente sem sen-
tido foi relacionado a uma situação concreta, podemos observar
como surge pela primeira vez o significado de uma palavra, quan-
do este significado é patente. Podemos estudar na forma viva essa
referência da palavra a determinados atributos, observando como
o percebido, ao destacar-se e sintetizar-se, torna-se sentido, signi-
ficado da palavra, conceito, depois como esses conceitos se am-
pliam e se transferem pra outras situações concretas e como pos-
teriormente são assimilados.
A formação dos conceitos surge sempre no processo de so-
lução de algum problema que se coloca para o pensamento do
adolescente. Só como resultado da solução desse problema surge
o conceito. Desse modo, os dados da nossa análise experimental
mostram que a questão da dupla raiz da formação dos conceitos
não foi corretamente levantada por Bühler.
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59
Em realidade, os conceitos têm dois cursos básicos por onde
transcorre o seu desenvolvimento.
Procuramos mostrar como a função de combinar e formar
um complexo de vários objetos particulares do nome de família,
por intermédio de objetos comuns a todo um grupo, ao desen-
volver-se, constitui a forma basilar do pensamento infantil por
complexos e como, paralelamente, conceitos potenciais que se
baseiam na discriminação de alguns atributos comuns formam o
segundo curso no desenvolvimento dos conceitos (p. 237).
1.39 De fato, se o conceito surge do juízo, isto é, de um ato de
pensamento, cabe perguntar o que distingue o conceito dos produ-
tos do pensamento concreto ou prático-eficaz. Mais uma vez a pa-
lavra central para a formação dos conceitos é omitida por Bühler na
análise dos fatores que participam da formação do conceito, e não
se compreende de que modo dois processos tão diferentes como o
juízo e a complexificação das noções levam à formação de conceitos.
Dessas premissas falsas Bühler tira inevitavelmente uma con-
clusão igualmente falsa, segundo a qual uma criança de 3 anos
pensa por conceitos e no pensamento de um adolescente não há
nenhum avanço essencial no desenvolvimento dos conceitos em
comparação com uma criança de 3 anos.
Enganado pelas aparências, esse pesquisador não leva em conta
a profunda diferença entre os vínculos dinâmico-causais e as rela-
ções que estão por trás dessa aparente semelhança externa entre
dois tipos de pensamento inteiramente diversos em termos gené-
ticos, funcionais e estruturais.
Os nossos experimentos nos levam a uma conclusão essenci-
almente distinta. Mostram como das imagens e vínculos sincréticos,
do pensamento por complexos, dos conceitos potenciais e com
base no uso da palavra como meio de formação de conceito sur-
ge a estrutura significativa original que podemos denominar de
conceito na verdadeira acepção desta palavra (pp. 238-239).
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60
Estudo do desenvolvimento dos conceitos científicos na infância
1.40 O desenvolvimento dos conceitos científicos na idade es-
colar é, antes de tudo, uma questão prática de imensa importância –
talvez até primordial – do ponto de vista das tarefas que a escola
tem diante de si, quando inicia a criança no sistema de conceitos
científicos. Por outro lado, o que sabemos sobre essa questão im-
pressiona pela pobreza. É igualmente grande a importância teórica
dessa questão, uma vez que o desenvolvimento dos conceitos cientí-
ficos – autênticos, indiscutíveis, verdadeiros – não pode deixar de
revelar no processo investigatório as leis mais profundas e essenciais
de qualquer processo de formação de conceitos em geral. Neste
sentido, surpreende que um problema que contém a chave de toda
a história do desenvolvimento mental da criança e parecia ser o ponto
de partida para o estudo do pensamento infantil quase não tenha
sido estudado até hoje, de sorte que a presente investigação expe-
rimental, que citamos reiteradamente neste capítulo e tem nestas pri-
meiras páginas a sua introdução, é praticamente a primeira experi-
ência de estudo sistemático da questão (p. 241).
1.41 Segundo dados da nossa pesquisa, a fraqueza dos concei-
tos espontâneos se manifesta na incapacidade para a abstração,
para uma operação arbitrária com esses conceitos, ao passo que a
sua aplicação incorreta ganha validade. A debilidade do conceito
científico é o seu verbalismo, que se manifesta como o principal
perigo no caminho do desenvolvimento desses conceitos, na insu-
ficiente saturação de concretude; seu ponto forte é a habilidade de
usar arbitrariamente a “disposição para agir”. O quadro muda na
turma IV, onde o verbalismo é substituído pela concretização, o que
se manifesta, também, no desenvolvimento dos conceitos espontâ-
neos, igualando as curvas do seu desenvolvimento (35) (p. 245).
1.42 Tolstoi sabe que, além da via escolástica, existem milhares
de outras vias para ensinar novos conceitos à criança. Ele só rejeita
uma: a do desenrolamento grosseiro imediato e mecânico do novo
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61
conceito pelas pétalas. Isto é verdadeiro. É indiscutível. Isto é con-
firmado por toda a experiência da teoria e da prática. Mas Tolstoi
dá importância exagerada à espontaneidade, ao acaso, ao trabalho
de um conceito e de uma sensibilidade vagos, ao aspecto interior
da formação dos conceitos, fechado em si mesmo, superestima
demais a possibilidade de influência direta sobre esse processo e
distancia exageradamente aprendizagem e desenvolvimento. Nes-
te caso, não nos interessa este aspecto equivocado do pensamento
de Tolstoi e o seu desmascaramento, mas um verdadeiro embrião
da sua tese que se resume no seguinte: é impossível desenrolar um
novo conceito pelas pétalas, o que é análogo à impossibilidade de
ensinar a criança a andar segundo as leis do equilíbrio. O que nos
interessa é a ideia que nos parece absolutamente verdadeira: o ca-
minho entre o primeiro momento em que a criança trava conheci-
mento com o novo conceito e o momento em que a palavra e o
conceito se tornam propriedade da criança é um complexo pro-
cesso psicológico interior, que envolve a compreensão da nova
palavra que se desenvolve gradualmente a partir de uma noção
vaga, a sua aplicação propriamente dita pela criança e sua efetiva
assimilação apenas como ele conclusivo. Em essência, procura-
mos exprimir anteriormente a mesma ideia quando dissemos que,
no momento em que a criança toma conhecimento pela primeira
vez do significado de uma nova palavra, o processo de desenvol-
vimento dos conceitos não termina mas está apenas começando.
Quanto ao primeiro aspecto, esta pesquisa, que teve por obje-
tivo verificar na prática do estudo experimental a probalidade e a
fecundidade da hipótese de trabalho desenvolvida neste artigo, mos-
tra não só as milhares de outras vias de que fala Tolstoi; mostra,
ainda, que o ensino consciente de novos conceitos e formas da
palavra ao aluno não só é possível como pode ser fonte de um
desenvolvimento superior dos conceitos propriamente ditos e já
constituídos na criança, que é possível o trabalho direto com o
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62
conceito do processo de ensino escolar. Mas, como mostra a pes-
quisa, este trabalho não é o fim, mas o início do desenvolvimento
do conceito científico, e não só não exclui os processos propria-
mente ditos de desenvolvimento como lhes dá uma nova orienta-
ção e coloca os processos da aprendizagem e desenvolvimento
em novas reações maximamente favoráveis do ponto de vista dos
objetivos finais da escola (pp. 249-251).
1.43 Ao mesmo tempo, Piaget comete erros que depreciam a
parte correta do seu raciocínio. Estamos interessados principalmen-
te em três momentos equivocados, inter-relacionados no pensamento
do estudioso suíço. Primeiro: paralelamente ao reconhecimento da
possibilidade de estudo independente dos conceitos infantis não es-
pontâneos, paralelamente à afirmação de que esses conhecimentos
têm profundas raízes no pensamento infantil, ainda assim Piaget ten-
de a uma afirmação oposta, segundo a qual só os conceitos espon-
tâneos da criança e as suas representações espontâneas podem servir
como fonte de conhecimento imediato da originalidade qualitativa
do pensamento infantil. Os conceitos não espontâneos da criança,
que se formaram sob a influência dos adultos que a rodeiam, refle-
tem não tanto as peculiaridades do pensamento infantil quanto o
grau e o caráter de assimilação das ideias dos adultos. Aqui Piaget
entra em contradição com sua própria ideia correta de que a criança,
ao assimilar um conceito, re-elabora-o, e nesse processo de re-ela-
boração imprime nos conceitos as peculiaridades específicas do seu
próprio pensamento. Entretanto, ele tende a vincular essa tese ape-
nas aos conceitos espontâneos, negando-se a reconhecer que ela
pode ser aplicada também aos conceitos não espontâneos. Nessa
conclusão absolutamente infundada reside o primeiro momento
equivocado da teoria de Piaget.
Segundo: o segundo equívoco da teoria decorre diretamente
do primeiro; uma vez reconhecido que os conceitos não espontâ-
neos da criança não refletem as peculiaridades do pensamento in-
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63
fantil como tal, que essas peculiaridades se encontram apenas nos
conceitos espontâneos, somos forçados a reconhecer (como o faz
Piaget) que entre os conceitos espontâneos e os não espontâneos
existe um limite intransponível, sólido e estabelecido de uma vez
por todas, que exclui qualquer possibilidade de influência mútua
de um grupo sobre o outro. Piaget apenas delimita os conceitos
espontâneos e os não espontâneos, sem perceber o que os une em
um sistema único de conceitos que se forma no curso do desen-
volvimento intelectual da criança. Ele vê apenas ruptura, mas não
vínculo. Por isso concebe o desenvolvimento dos conceitos como
mecanicamente constituído de dois processos particulares sem nada
em comum entre si, e que transcorre como que por dois canais
absolutamente isolados e divididos.
Terceiro: esses dois erros enredam inevitavelmente a teoria em
uma contradição interior que leva a este terceiro erro. Por um lado,
Piaget reconhece que os conceitos não espontâneos da criança não
refletem as peculiaridades do pensamento infantil, que esse privilé-
gio pertence exclusivamente aos conceitos espontâneos; neste caso,
ele tem de reconhecer que o conhecimento dessas peculiaridades
do pensamento infantil praticamente não tem nenhuma importân-
cia, uma vez que os conceitos não espontâneos são adquiridos
fora de qualquer dependência de tais peculiaridades. Por outro lado,
uma das teses básicas de sua teoria é o reconhecimento de que a
essência do desenvolvimento intelectual da criança está na sociali-
zação progressiva do pensamento infantil. Uma das modalidades
básicas e mais concentradas do processo de formação de concei-
tos não espontâneos é a aprendizagem escolar, logo, o processo
de socialização do pensamento mais importante para o desenvol-
vimento da criança, na forma em que se manifesta na aprendiza-
gem, acaba como que desvinculado do próprio processo interior
de desenvolvimento intelectual da criança. Por um lado, o conheci-
mento do processo de desenvolvimento interior do pensamento
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64
infantil carece de qualquer significado para explicar a sua socializa-
ção no curso da aprendizagem; por outro, a socialização do pen-
samento da criança, que ocupa o primeiro plano no processo de
aprendizagem, de modo algum está vinculada ao desenvolvimen-
to interior das noções e dos conceitos infantis (pp. 254-256).
1.44 A segunda tese equivocada de Piaget poderíamos contra-
por a seguinte hipótese mais uma vez de sentido oposto: no pro-
cesso de investigação, os conceitos científicos da criança, como o
seu tipo mais puro de conceitos não espontâneos, revelam não só
traços opostos àqueles que conhecemos da investigação dos con-
ceitos espontâneos, mas, também, traços afins a eles. O limite que
separa ambos os conceitos se mostra sumamente fluido, e no cur-
so real do desenvolvimento pode passar infinitas vezes para am-
bos os lados. O desenvolvimento dos conceitos espontâneos e
científicos – cabe pressupor – são processos intimamente interli-
gados, que exercem influências um sobre o outro. Por um lado –
assim devemos desenvolver as nossas hipóteses –, o desenvolvi-
mento dos conceitos científicos deve apoiar-se forçosamente em
um determinado nível de maturação dos conceitos espontâneos,
que não podem ser indiferentes à formação de conceitos científi-
cos simplesmente porque a experiência imediata nos ensina que o
desenvolvimento dos conceitos científicos só se torna possível
depois que os conceitos espontâneos da criança atingiram um ní-
vel próprio do início da idade escolar. Por outro lado, cabe supor
que o surgimento de conceitos de tipo superior, como o são os
conceitos científicos, não pode deixar de influenciar o nível dos
conceitos espontâneos anteriormente constituídos, pelo simples fato
de que não estão encapsulados na consciência da criança, não estão
separados uns dos outros por uma muralha intransponível, não
fluem por canais isolados mas estão em processo de uma interação
constante, que deve redundar, inevitavelmente, em que as generali-
zações estruturalmente superiores e inerentes aos conceitos cientí-
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65
ficos não resultem em mudança das estruturas dos conceitos cien-
tíficos. Lançamos essa hipótese com base no seguinte: indepen-
dentemente de falarmos do desenvolvimento dos conceitos es-
pontâneos ou científicos, trata-se do desenvolvimento de um pro-
cesso único de formação de conceitos, que se realiza sob diferen-
tes condições internas e externas mas continua indiviso por sua
natureza e não se constitui da luta, do conflito e do antagonismo
entre duas formas de pensamento que desde o início se excluem.
O estudo experimental, se tornarmos a antecipar os seus resultados,
confirma plenamente também essa hipótese (pp. 260-261).
1.45 Se é verdade que o pensamento da criança é ainda mais
original do que sua linguagem (e essa tese de Piaget nos parece
indiscutível), então devemos admitir necessariamente que as for-
mas mais elevadas de pensamento, inerentes à formação dos con-
ceitos científicos, devem distinguir-se por uma originalidade ainda
maior em comparação com aquelas formas de pensamento que
participam da organização dos conceitos espontâneos, e que tudo
o que Piaget disse a respeito dessas últimas também deve ser apli-
cável aos conceitos científicos. É difícil admitir a ideia de que a
criança assimilou mas não re-elaborou a seu modo os conceitos
científicos, que estes lhe chegaram imediatamente aos lábios da
forma mais tranquila. Tudo consiste em entender que a formação
dos conceitos científicos, na mesma medida que os espontâneos,
não termina mas apenas começa no momento em que a criança
assimila pela primeira vez um significado ou termo novo para ela,
que é veículo de conceito científico. Essa é a lei geral do desenvol-
vimento do significado das palavras, à qual estão igualmente su-
bordinados em seu desenvolvimento tanto os conceitos científicos
quanto os espontâneos. A questão é apenas uma: os momentos
iniciais em ambos os casos distinguem-se da maneira mais subs-
tancial. Para elucidar esse último pensamento, achamos de extrema
utilidade citar uma analogia que, como mostrarão o posterior de-
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senvolvimento da nossa hipótese e o curso da pesquisa, é algo
mais que simples diferença entre conceitos científicos e espontâ-
neos por sua própria natureza psicológica (p. 265).
1.46 Para estudar as complexas relações entre o desenvolvi-
mento dos conceitos científicos e dos espontâneos, é necessário
ter consciência da própria amplitude com que pretendemos de-
senvolver a nossa comparação. Cabe-nos elucidar o que caracteri-
za os conceitos espontâneos da criança na idade escolar.
Piaget demonstrou que o mais peculiar dos conceitos e do
pensamento em geral nessa idade é a incapacidade da criança para
conscientizar as relações que, não obstante, ela é capaz de utilizar
de modo espontâneo, automático e plenamente correto quando
isto não lhe exige uma tomada de consciência especial. O que im-
pede qualquer tomada de consciência do próprio pensamento é o
egocentrismo infantil. Seu reflexo do desenvolvimento dos con-
ceitos infantis pode ser visto a partir de um simples exemplo de
Piaget, que perguntou a crianças entre 7 e 8 anos o que significa a
palavra “porque” na seguinte frase: “Não vou amanhã à escola
porque estou doente.”A maioria das crianças respondeu: “Isto sig-
nifica que ele está doente”. Outras responderam: “Isto significa
que ele não irá à escola”. Para ser mais breve, essas crianças não
têm nenhuma consciência da definição da palavra “porque”, em-
bora consigam operar espontaneamente com ela.
Essa incapacidade para tomar consciência do próprio pen-
samento e a incapacidade dele decorrente de a criança tomar
consciência do estabelecimento de vínculos lógicos duram até os
11 anos, isto é, até o término da primeira idade escolar. Acriança
descobre sua incapacidade para a lógica das relações e a substitui
pela lógica egocêntrica. As raízes dessa lógica e as causas da difi-
culdade residem no egocentrismo do pensamento da criança até
os 7 ou 8 anos e na inconsciência gerada por esse egocentrismo.
Entre 7-8 e 11-12 anos essas dificuldades se transferem para o
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plano verbal, e então se refletem na lógica infantil as causas que
atuaram até esse estágio.
Em termos funcionais, essa falta de consciência do próprio pen-
samento se manifesta em um fato fundamental, que caracteriza a
lógica do pensamento infantil: a criança descobre a capacidade para
toda uma série de operações lógicas quando estas surgem do fluxo
espontâneo do seu próprio pensamento infantil: a criança descobre
a capacidade para toda uma série de operações lógicas quando estas
surgem do fluxo espontâneo do seu próprio pensamento, mas é
incapaz de executar operações absolutamente análogas quando se
exige que elas sejam executadas não de maneira espontânea, mas
arbitrária e intencional. Limitemo-nos mais uma vez a uma só ilus-
tração para elucidar outro aspecto do mesmo fenômeno da não
consciência do pensamento. Perguntaram a algumas crianças como
se devia completar a frase “Esse homem caiu da bicicleta porque...”
Crianças de idade inferior aos 7 anos ainda não conseguem resolver
essa frase. Nessa idade, as crianças frequentemente completam essa
frase da seguinte maneira: “Ele caiu da sua bicicleta porque caiu e
porque ficou muito machucado”; ou: “O homem caiu da bicicleta
porque estava doente, e por isso foi recolhido na rua”. Vemos que
crianças dessa idade não têm capacidade para um estabelecimento
intencional e arbitrário do vínculo causal, ao passo que, na lingua-
gem espontânea e arbitrária, usam o “porque” de modo plenamen-
te correto, consciente e proposital, de sorte que ela não é capaz de
tomar consciência de que a frase citada acima significa a causa da
falta à escola e não a falta ou a doença tomadas em separado, em-
bora a criança evidentemente compreenda o que significa essa frase.
A criança compreende as causas e as relações mais simples, porém,
não tem consciência dessa compreensão. Espontaneamente, ela usa
de maneira correta a conjunção “porque” mas não consegue aplicá-
-la de modo intencional e arbitrário. Desse modo, por via puramen-
te empírica, estabelece-se a dependência interna ou o vínculo entre
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68
esses dois fenômenos do pensamento infantil, a não consciência de
tal vínculo e a não arbitrariedade, a compreensão inconsciente e a
aplicação espontânea.
Por outro lado, ambas essas peculiaridades estão da forma
mais íntima ligadas ao egocentrismo do pensamento infantil e, por
outro, levam a toda uma série de peculiaridades da lógica infantil,
que se manifestam na incapacidade da criança para a lógica das
relações. Na idade escolar, até o seu término, dura o domínio de
ambos os fenômenos, e o desenvolvimento, que consiste na socia-
lização do pensamento, redunda em um desaparecimento gradual
e lento desses fenômenos, na libertação do pensamento infantil
das vias do egocentrismo.
Como isso acontece? De que modo a criança chega com len-
tidão e dificuldade a tomar consciência e a dominar o próprio pen-
samento? Para explicar isto, Piaget cita duas leis psicológicas que
propriamente não lhe pertencem mas nas quais ele baseia toda a sua
teoria. A primeira é a lei da tomada de consciência, formulada por
Claparède. Usando experiências bastante interessantes, Claparède
mostrou que a tomada de consciência da semelhança aparece na
criança bem depois da tomada de consciência da diferença.
De fato, a criança simplesmente se comporta de mesma for-
ma em relação a objetos que podem ser semelhantes entre si se ela
não sente necessidade de tomar consciência dessa unidade do seu
comportamento. Por assim dizer, ela atua por semelhança antes de
refletir sobre ela. Ao contrário, a diferença nos objetos cria a inabi-
lidade para adaptar-se. Que acarreta a tomada de consciência. Daí
Claparède tirou a lei que chamou de lei de tomada de consciência, que
estabelece: quanto mais usamos alguma relação tanto menos te-
mos consciência dela. Ou em outros termos: tomamos consciên-
cia apenas na medida da nossa incapacidade de adaptação. Quan-
to mais usamos automaticamente alguma relação, tanto mais difícil
é tomar consciência dela (pp. 272-275).
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1.47 Nos experimentos de Piaget, uma criança diz que uma bola
se dissolveu na água porque era pequena e, em outro, que ela se
dissolveu porque era grande. Se esclarecermos o que acontece no
nosso pensamento quando percebemos uma nítida contradição en-
tre os juízos gerais, compreenderemos o que está faltando ao pensa-
mento infantil para captar a contradição. Como mostra a nossa in-
vestigação, a contradição é percebida quando ambos os conceitos, a
respeito dos quais foi emitido o juízo contraditório, passam a inte-
grar a estrutura de um conceito único e superior situado acima deles.
É quando percebemos que emitimos sobre a mesma coisa dois
juízos opostos. Mas, ainda por força do atraso no desenvolvimento
das relações de generalidade, a criança ainda não tem a possibilidade
de combinar ambos os conceitos na estrutura única do conceito
superior, razão pela qual ela emite, do ponto de vista do próprio
juízo, dois juízos que se excluem mutuamente e não referem uma
mesma coisa, mas duas coisas únicas. Na lógica do seu pensamento,
só são possíveis entre os conceitos aquelas relações que sejam possí-
veis entre os próprios objetos. Os juízos da criança são de natureza
puramente empírica e constatatória (sic). A lógica da percepção ge-
ralmente desconhece a contradição. Do ponto de vista dessa lógica,
a criança emite dois juízos igualmente corretos, que são contraditó-
rios do ponto de vista do adulto; mas, do ponto de vista da criança
essa contradição existe para a lógica dos pensamentos mas não para
a lógica da percepção. Para confirmar que o seu enunciado é abso-
lutamente correto, a criança poderia basear-se na evidência e na
irrefutabilidade dos fatos. Nas nossas experiências, as crianças que
tentamos colocar diante dessa contradição respondiam frequente-
mente: “Eu mesmo vi”. Ela realmente viu que uma bola pequena se
dissolveu uma vez e uma grande se dissolveu outra. No essencial, o
pensamento contido no juízo dessa criança significa apenas o se-
guinte: eu vi a bola pequena se dissolver; eu vi a bola grande se
dissolver; o seu “porque”, que aparece em resposta à pergunta do
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experimentador, não significa essencialmente o estabelecimento de
uma dependência causal incompreensível para a criança, mas per-
tence à classe daqueles “porquês” inconscientes e imprestáveis ao
emprego arbitrário que encontramos na solução do teste de con-
clusão de frases interrompidas.
De igual maneira, a justaposição deve surgir inevitavelmente
onde existe o movimento do pensamento entre os conceitos su-
periores, pela medida de generalidade, e os inferiores. Os esque-
mas sincréticos são também expressões típicas do domínio dos
vínculos empíricos e da lógica da percepção no pensamento da
criança. Por isso a criança confunde o vínculo entre as suas impres-
sões com o vínculo entre os objetos (pp. 381-382).
1.48 Na mesma investigação, nós mesmos percebemos três fa-
lhas essenciais que, infelizmente, não conseguimos superar em nossa
primeira experiência, desenvolvida sob nova orientação. Primeira:
os conceitos das ciências sociais da criança foram tomados no as-
pecto mais genérico que específico. Eles nos serviram mais como
um protótipo de qualquer conceito científico em sentido geral que
como um tipo determinado e original de modalidade específica de
conceitos científicos. Isto se deveu ao fato de que, inicialmente, no
novo campo foi necessário delimitar os conceitos científicos e os
espontâneos, revelar o que é inerente aos conceitos científicos e os
espontâneos, revelar o que é inerente aos conceitos sociais enquanto
caso particular de conceitos científicos. Já as diferenças existentes
dentro de determinadas modalidades de conceitos científicos (arit-
méticos, conceitos das ciências naturais, das ciências sociais) não po-
diam tornar-se objeto de investigação antes que fosse traçada uma
linha demarcatória separando os conceitos científicos dos espon-
tâneos. Essa é a lógica da investigação científica: primeiro se desco-
brem os traços genéricos e demasiado amplos para um determi-
nado círculo de fenômenos, depois descobrem-se as diferenças es-
pecíficas dentro de cada círculo.
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Deve-se a essa circunstância o fato de que o círculo de concei-
tos, introduzidos na investigação, não representa nenhum sistema
de conceitos radicais básicos, constituintes da lógica do próprio
objeto; é mais provável que esse círculo tenha sido constituído de
uma série de conceitos particulares e diretamente desvinculados
entre si, que foram selecionados empiricamente com base no ma-
terial programático. Isso também explica o fato de que a investiga-
ção produz bem mais em termos de leis gerais do desenvolvi-
mento dos conceitos científicos, em comparação com os espontâ-
neos, que as leis específicas dos conceitos das ciências sociais en-
quanto tais: explica, ainda, que os conceitos das ciências sociais
foram objeto de comparação com os conceitos espontâneos reti-
rados de outros campos e não do mesmo campo da vida social.
Segunda falha que achamos evidente e está no trabalho é, mais
uma vez, a seguinte: estudo demasiado genérico, sumário, não di-
ferenciado e indivisível da estrutura dos conceitos, das relações de
generalidade inerentes a essa estrutura, e das funções que são de-
terminadas por essa estrutura e essas relações de generalidade.
Como, em decorrência da primeira falha do trabalho, a ligação
interna entre os conceitos das ciências sociais – essa questão suma-
mente importante do sistema de conceitos em desenvolvimento –
continuou sem a devida elucidação, de igual maneira a segunda
falha impediu fatalmente que se elaborasse a contento a questão
do sistema de conceitos, das relações de generalidade, central para
toda a idade escolar e a única capaz de lançar uma ponte entre o
estudo dos conceitos experimentais e sua estrutura e o estudo dos
conceitos reais com sua unidade da estrutura e das funções de
generalização, da operação de pensamento. Essa simplificação ine-
vitável nos primeiros momentos, que nós cometemos na própria
colocação da investigação experimental e foi ditada pela neces-
sidade de colocar o problema de forma mais restrita, provocou,
por sua vez, e em outras condições, uma simplificação inadmis-
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sível da análise daquelas operações intelectuais que nós introdu-
zimos no experimento. Por exemplo, nas tarefas que realizamos,
não dividimos as diferentes modalidades de dependências de cau-
sa e efeito – os “porquês” empíricos, psicológicos e lógicos, como
o fez Piaget –, que neste caso ficam em uma posição de superio-
ridade colossal – e isto, por si mesmo, levou à obnubilação das
fronteiras etárias dentro da idade escolar sumariamente tomada.
Mas tínhamos de perder conscientemente em sutileza e decompo-
sição da análise psicológica para termos alguma chance de ganhar
com precisão e definição da resposta à questão central: a do cará-
ter original do desenvolvimento dos conceitos científicos.
A terceira e última falha desse trabalho é, a nosso ver, a falta de
um minucioso estudo experimental das duas questões já referidas e
colocadas de passagem perante a investigação: a natureza dos con-
ceitos espontâneos e a estrutura do desenvolvimento psicológico na
idade escolar. A pesquisa não resolveu por via experimental nem
colocou como tarefa a ser resolvida no experimento o problema da
relação entre a estrutura do pensamento infantil, conforme descrita
por Piaget, e os traços essenciais que caracterizam a própria natureza
dos conceitos espontâneos, por um lado, e a questão do desenvolvi-
mento da tomada de consciência e da arbitrariedade a partir do
sistema emergente, questão central de todo o desenvolvimento inte-
lectual do escolar. Isto se deveu ao seguinte fato: para que passassem
por um mínimo de elaboração especial. Mas isto impediria inevita-
velmente que a crítica às teses básica de Piaget, desenvolvida no pre-
sente trabalho, fosse suficientemente respaldada pela lógica do ex-
perimento e, por isto, tivesse a devida contundência.
Abordamos tão minuciosamente as falhas evidentes deste tra-
balho porque elas nos permitem traçar todas as perspectivas bási-
cas que se abrem após a última página da nossa investigação; per-
mitem, ainda, estabelecer a única relação correta com esse trabalho
como o primeiro passo sumamente modesto em um campo da
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73
psicologia do pensamento infantil, que é infinitamente fecundo em
termos teóricos e práticos.
Resta-nos apenas dizer que, durante todo o processo de pes-
quisa, a nossa hipótese de trabalho e a investigação experimental se
constituíram de modo diferente ao que aparece aqui. No curso
vivo do trabalho investigatório, a questão nunca se representa como
em sua forma literária acabada. A construção da hipótese de tra-
balho não antecedeu a investigação experimental e esta não pôde
apoiar-se desde o início em uma hipótese definitivamente pronta.
Segundo expressão de Kurt Lewin, a hipótese e o experimento
são dois polos de uma totalidade dinâmica que se formaram, se
desenvolveram e cresceram juntos, fecundando-se mutuamente e
um fazendo o outro avançar.
Para nós, a prova mais importante da verossimilhança e da
fecundidade da nossa hipótese de trabalho são os resultados não
só combinados, mas totalmente únicos a que nos levaram a inves-
tigação experimental e a hipótese teórica que se constroem em
conjunto. Elas mostraram o que é o ponto central, o eixo básico e
a ideia condutora de todo o nosso trabalho: no momento da assi-
milação da nova palavra, o processo de desenvolvimento do con-
ceito correspondente não só não se conclui como está apenas co-
meçando. Quando está começando a ser apreendida, a nova pala-
vra não está no fim mas no início do seu desenvolvimento. Nesse
período ela é sempre uma palavra imatura. O gradual desenvolvi-
mento interno do seu significado redunda também no amadureci-
mento da própria palavra. Aqui, como em toda parte, o desenvol-
vimento do aspecto semântico é o processo básico e decisivo do
desenvolvimento do pensamento e da linguagem da criança. Como
diz Tolstoi, a palavra quase sempre está pronta quando o conceito
está pronto; isto quando se costumava supor que o conceito esti-
vesse sempre pronto quando a palavra estava pronta (pp. 390-394).
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74
Pensamento e palavra
1.49 Começamos o nosso estudo pela tentativa de elucidar a
relação interior entre o pensamento e a palavra nos estágios mais
primários do desenvolvimento filogenético e ontogenético. Des-
cobrimos que o início do desenvolvimento do pensamento e da
palavra, período pré-histórico na existência do pensamento e da
linguagem, não revela nenhuma relação e dependência definidas
entre as raízes genética do pensamento e da palavra. Desse modo,
verifica-se que essas relações, incógnitas para nós, não são uma
grandeza primordial e dada antecipadamente, premissa, fundamento
ou ponto de partida de todo um ulterior desenvolvimento, mas
surgem e se constituem unicamente no processo do desenvolvi-
mento histórico da consciência humana, sendo, elas próprias, um
produto e não uma premissa da formação do homem (p. 395).
1.50 Por último, desse mesmo ponto de vista, no funcionamen-
to do pensamento discursivo de um homem maduro não pode-
mos descobrir nada senão um movimento linear contínuo, que trans-
corre em uma superfície por vias associativas entre a palavra e o seu
significado e entre o significado e a palavra. A compreensão da lin-
guagem consiste em uma cadeia de associações, que surgem na mente
sob a influência das imagens semióticas das palavras. A expressão do
pensamento na palavra é um movimento inverso, pelas mesmas vias
associativas, dos objetos representados no pensamento às designa-
ções verbais desses mesmos objetos. A associação sempre assegura
esse vínculo bilateral entre duas representações: uma vez o casaco pode
lembrar o homem que o usa, outra vez a aparência do homem pode
fazer lembrar o seu casaco. Na interpretação da linguagem e na ex-
pressão do pensamento na palavra não há, consequentemente, nada
de novo e nada de específico em comparação a qualquer ato de
memorização e vinculação associativa (p. 401).
1.51 A completa eliminação das discrepâncias a favor da ex-
pressão geral indiscutivelmente correta só se atinge além da língua
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e de suas habilidades na matemática. Descartes parece ter sido o
primeiro a ver na matemática um pensamento derivado da lingua-
gem mas que a supera. Pode-se dizer apenas uma coisa: a nossa
costumeira linguagem coloquial, em razão das suas próprias vaci-
lações e discrepâncias de natureza gramatical e psicológica, vive
em uma situação de equilíbrio móvel entre os ideais da harmonia
matemática e fantástica e um movimento contínuo que chamamos
de evolução (pp. 415-416).
1.52 A linguagem interior é uma linguagem muda, silenciosa.
Esse é o seu principal traço distintivo. Mas é precisamente no sen-
tido do aumento gradual desse traço distintivo que se dá a evolu-
ção da linguagem egocêntrica. Sua vocalização declina até chegar a
zero, ela se torna uma linguagem muda. Mas assim deve ser neces-
sariamente se a concebemos como etapas geneticamente precoces
no desenvolvimento da linguagem interior. O tato de que esse tra-
ço se desenvolve gradualmente, de que a linguagem egocêntrica se
isola antes em termos funcionais e estruturais que em termos de
vocalização, sugere apenas o que tomamos por base da nossa
hipótese sobre o desenvolvimento da linguagem interior, isto é,
sugere que a linguagem interior se desenvolve através do enfraque-
cimento externo de seu aspecto sonoro, passando da fala para o
sussurro e do sussurro para a linguagem surda e, através do isola-
mento funcional e estrutural, da linguagem externa para a lingua-
gem egocêntrica e da egocêntrica para a interior (pp. 435).
1.53 O estudo da natureza psicológica da linguagem interior,
com a aplicação do método que tentamos fundamentar experi-
mentalmente, nos convenceu de que a linguagem interior não deve
ser vista como fala menos som, mas como uma função discursiva
absolutamente específica e original por sua estrutura e seu funcio-
namento, que, em razão de ser organizada em um plano inteira-
mente diverso do plano da linguagem exterior, mantém com esta
uma indissolúvel unidade dinâmica de transições de um plano a
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76
outro. A peculiaridade primeira e fundamental da linguagem in-
terior é a sua sintaxe absolutamente específica. Ao estudarmos a
sintaxe da linguagem interior na linguagem egocêntrica da criança,
notamos uma peculiaridade essencial que revela uma indiscutível
tendência dinâmica para o crescimento na medida em que se de-
senvolve a linguagem egocêntrica. Essa peculiaridade é a aparente
fragmentação e o abreviamento da linguagem interior em compa-
ração com a exterior (p. 445).
1.54 É possível, como diz Dostoievski, exprimir todos os pen-
samentos, sensações e até reflexões profundas com uma palavra.
Isto é possível quando a entonação transmite o contexto psicoló-
gico interior do falante, o único no qual é possível que a palavra
conscientizada seja entendida. Na conversa, ouvida por Dostoievski,
esse contexto consiste uma vez na negação mais desdenhosa, outra
vez na dúvida, uma terceira na indignação, etc. Pelo visto, só então o
conteúdo interno do discurso pode ser transmitido na entonação, o
discurso pode revelar a mais acentuada tendência para a abreviação,
e toda uma conversa pode desenvolver-se por meio de uma única
palavra (p. 455).
1.55 Para concluir a nossa investigação, não podemos deixar
de dizer algumas palavras sobre as perspectivas que se abrem além
do seu limiar. Nossa investigação nos leva inteiramente ao limiar
de outro problema mais vasto, mais profundo, mas grandioso que
o problema do pensamento – a questão da consciência. Tivemos
sempre em vista o aspecto da palavra que, como a outra face da
lua, continuou ignorada pela Terra e pela psicologia experimental.
Procuramos estudar a relação da palavra com o objeto, com a
realidade. Fizemos empenho de estudar experimentalmente a tran-
sição dialética da sensação para o pensamento e mostrar que, nes-
te, a realidade está refletida de modo diferente do que o que o está
na sensação, que o traço distintivo fundamental da palavra é o
reflexo generalizado da realidade. Com isto, abordamos um as-
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pecto na natureza da palavra, cujo significado ultrapassa os limites
do pensamento como tal e em toda a sua plenitude só pode ser
estudado em composição com uma questão mais genérica: a da
palavra e da consciência. Se a consciência, que sente e pensa, dis-
põe de diferentes modos de representação da realidade, estes re-
presentam igualmente diferentes tipos de consciência. Por isso, o
pensamento e a linguagem são a chave para a compreensão da
natureza da consciência humana. Se “a linguagem é tão antiga quanto
a consciência”, se “a linguagem é uma consciência prática que exis-
te para outras pessoas e, consequentemente, para mim”, se a “mal-
dição da matéria, a maldição das camadas móveis do espírito pai-
ra sobre a consciência pura”, então é evidente que não é um sim-
ples pensamento mas toda a consciência em seu conjunto que está
vinculada em seu desenvolvimento ao desenvolvimento da pala-
vra. Pesquisas eficazes mostram, a cada passo, que a palavra de-
sempenha o papel central na consciência e não funções isoladas.
Na consciência a palavra é precisamente aquilo que, segundo ex-
pressão de Feuerbach, é absolutamente impossível para um ho-
mem e possível para dois. Ela é a expressão mais direta da natu-
reza histórica da consciência humana.
A consciência se reflete na palavra como o sol em uma gota
de água. A palavra está para a consciência como o pequeno mun-
do está para o grande mundo, como a célula viva está para o
organismo, como o átomo para o cosmo. Ela é o pequeno mun-
do da consciência. A palavra consciente é o microcosmo da cons-
ciência humana (pp. 485-486).
1.56 À luz das conclusões genéticas, nossa investigação mostra
que, no essencial, a evolução que culmina no desenvolvimento dos
conceitos se constitui em três estágios básicos, e cada um destes se
divide em várias fases.
O primeiro estágio de formação do conceito, que se manifesta
com mais frequência no comportamento da criança de tenra idade,
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é a formação de uma pluralidade não informada e não ordenada, a
discriminação de um amontoado de objetos vários no momento
em que essa criança se vê diante de um problema que nós, adultos,
resolvemos com a inserção de um novo conceito. Esse amontoado
de objetos a ser discriminado pela criança, a ser unificado sem fun-
damento interno suficiente, sem semelhança interna suficiente e sem
relação entre as partes que o constituem, pressupõe uma extensão
difusa e não direcionada do significado da palavra (ou do signo que
a substitui) a uma série de elementos externamente vinculados nas
impressões da criança mas internamente dispersos.
Nesse estágio do desenvolvimento, o significado da palavra é
um encadeamento sincrético não enformado de objetos particula-
res que, nas representações e na percepção da criança, estão mais ou
menos concatenados em uma imagem mista. Na formação dessa
imagem cabe o papel decisivo ao sincretismo da percepção ou da
ação infantil, razão por que essa imagem é sumamente instável.
Como se sabe, na percepção, no pensamento e na ação a
criança revela essa tendência a associar, a partir de uma única
impressão, os elementos mais diversos e internamente desconexos,
fundindo-os em uma imagem que não pode ser desmembrada;
Claparède chamou essa tendência de sincretismo da percepção infan-
til, Blonski de nexo desconexo do pensamento infantil. Em outra passa-
gem, nós descrevemos esse fenômeno como uma tendência in-
fantil a substituir a carência de nexos objetivos por uma supera-
bundância de nexos subjetivos e a confundir a relação entre as
impressões e o pensamento com a relação entre os objetos. Evi-
dentemente, essa superprodução de nexos subjetivos tem enor-
me importância como fator de sucessivo desenvolvimento do
pensamento infantil, uma vez que é o fundamento para o futuro
processo de seleção de nexos que correspondem à realidade e
são verificados pela prática. O significado atribuído a alguma
palavra pela criança que se encontra nesse estágio de desenvolvi-
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mento dos conceitos pode, pela aparência, lembrar de fato o
significado dado à palavra pelo adulto.
Através de palavras dotadas de significado a criança estabe-
lece a comunicação com os adultos; nessa abundância de laços
sincréticos, nesses amontoados sincréticos de objetos desor-
denados, formados com o auxílio de palavras, estão refletidos,
consideravelmente, os laços objetivos, uma vez que coincidem
com o vínculo entre as impressões e as percepções da criança.
Por isso, em alguma parte, os significados das palavras infantis
podem – em muitos casos, especialmente quando se referem a
objetos concretos da realidade que rodeia a criança – coincidir
com o significado das mesmas palavras estabelecidos na lingua-
gem dos adultos.
Assim, a criança se encontra frequentemente no significado das
suas palavras com os adultos, ou melhor, o significado da mesma
palavra na criança e no adulto frequentemente se cruza no mesmo
objeto concreto e isto é suficiente para que adultos e criança se en-
tendam. Entretanto, são bem diferentes os caminhos que levam ao
cruzamento do pensamento do adulto e da criança, e mesmo onde
o significado da palavra infantil coincide parcialmente com o signifi-
cado da palavra adulta isto decorre psicologicamente de operações
bem diversas e originais, é produto da mistura sincrética de imagens
que está por trás da palavra da criança.
Por sua vez, esse estágio se divide em três fases, que tivemos
oportunidade de observar em todos os detalhes no processo de
formação dos conceitos da criança.
A primeira fase de formação da imagem sincrética ou amon-
toado de objetos correspondente ao significado da palavra, coinci-
de perfeitamente com o período de provas e erros no pensamento
infantil. A criança escolhe os novos objetos ao acaso, por intermé-
dio de algumas provas que se substituem mutuamente quando se
verifica que estão erradas.
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Na segunda fase, a disposição espacial das figuras nas condi-
ções artificiais da nossa experiência, ou melhor, as leis puramente
sincréticas da percepção do campo visual e a organização da
percepção da criança mais uma vez desempenham um papel
decisivo. A imagem sincrética ou amontoado de objetos forma-
-se com base nos encontros espaciais e temporais de determi-
nados elementos, no contato imediato ou em outra relação mais
complexa que surge entre eles no processo de percepção ime-
diata. Para essa fase continua sendo essencial que a criança não se
oriente pelos vínculos objetivos que ela descobre nos objetos,
mas pelos vínculos subjetivos que a própria percepção lhe su-
gere. Os objetos se aproximam em uma série e são revestidos de
um significado comum, não por força dos seus próprios traços
destacados pela criança mas da semelhança que entre eles se esta-
belece nas impressões da criança.
A fase terceira e superior de todo esse processo, que marca a sua
conclusão e a passagem para o segundo estágio na formação dos
conceitos, é a fase em que a imagem sincrética , equivalente ao con-
ceito, forma-se em uma base mais complexa e se apoia na atribuição
de um único significado aos representantes dos diferentes grupos,
antes de mais nada daqueles unificados na percepção da criança.
Desse modo, cada um dos elementos particulares da nova sé-
rie sincrética ou amontoado é o representante de algum grupo de
objetos anteriormente unificado na percepção da criança, mas to-
dos esses elementos juntos não guardam nenhuma relação interna
entre si e representam o mesmo nexo desconexo do amontoado
que os equivalentes dos conceitos nas duas fases antecedentes.
Toda a diferença, toda a complexidade consiste apenas em que
os vínculos que a criança põe na base do significado da palavra nova
são o resultado não de uma percepção única, mas de uma espécie
de elaboração biestadial dos vínculos sincréticos: primeiro, formam-
se os grupos sincréticos, de onde representantes particulares se sepa-
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ram para tornar a reunificar-se sincreticamente. Agora, por trás da
palavra infantil já não se esconde o plano, mas a perspectiva, a dupla
série de vínculos, a dupla estruturação dos grupos, mas essa dupla
série e essa dupla estrutura ainda não se sobrepõem à formação da
pluralidade desordenada ou amontoado.
Ao chegar a essa terceira fase, a criança conclui todo o primeiro
estágio no desenvolvimento dos seus conceitos, despede-se do
amontoado como de uma forma básica do significado das pala-
vras, e projeta-se ao segundo estágio que denominamos convencio-
nalmente de estágio de formação de complexos.
O segundo grande estágio no desenvolvimento dos conceitos
abrange uma grande variedade – em termos funcionais, estrutu-
rais e genéticos – do mesmo modo de pensamento. Este, como
todos os demais, conduz à formação de vínculos, ao estabeleci-
mento de relações entre diferentes impressões concretas, à unifi-
cação e à generalização de objetos particulares, ao ordenamento e
à sistematização de toda a experiência da criança.
Mas o modo de unificação dos diferentes objetos concretos
em grupos comuns, o caráter dos vínculos aí estabelecidos, a es-
trutura das unidades que surge à base desse pensamento e é carac-
terizada pela relação de cada objeto particular integrante do grupo
com todo o grupo, em suma, pelo tipo e modo de atividade, tudo
isso difere profundamente do pensamento por conceitos, os quais
se desenvolvem apenas na época da maturação sexual.
Não poderíamos melhor designar a originalidade desse modo
de pensamento a não ser denominando-o pensamento por complexos.
Isto significa que as generalizações criadas por intermédio desse
modo de pensamento representam, pela estrutura, complexos de
objetos particulares concretos, não mais unificados à base de vín-
culos subjetivos que acabaram de surgir e foram estabelecidos nas
impressões da criança, mas de vínculos objetivos que efetivamente
existem entre tais objetos.
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82
Se o primeiro estágio do desenvolvimento do pensamento se
caracteriza pela construção de imagens sincréticas, que na criança
são equivalentes dos nossos conceitos, o segundo estágio se carac-
teriza pela construção de complexos que têm o mesmo sentido
funcional. Trata-se de um novo passo a caminho do domínio do
conceito, de um novo estágio no desenvolvimento do pensamen-
to da criança, que suplanta o estágio anterior e é um progresso
indiscutível e muito significativo na vida da criança. Essa passagem
para o tipo superior de pensamento consiste em que, em vez do
“nexo desconexo” que serve de base à imagem sincrética, a crian-
ça começa a unificar objetos homogêneos em um grupo comum,
a complexificá-los já segundo as leis dos vínculos objetivos que ele
descobre em tais objetos.
Quando a criança passa a essa variedade de pensamento já su-
perou até certo ponto o seu egocentrismo. Já não confunde as rela-
ções entre as suas próprias impressões com as relações entre os ob-
jetos – um passo decisivo para se afastar do sincretismo – e caminha
em direção à conquista do pensamento objetivo. O pensamento
por complexos já constitui um pensamento coerente e objetivo.
Estamos diante de dois novos traços essenciais, que o colocam bem
acima do estágio anterior mas, ao mesmo tempo, essa coerência e
essa objetividade ainda não são aquela coerência característica do
pensamento conceitual que o adolescente atinge.
A diferença desse segundo estágio no desenvolvimento dos
conceitos em relação ao terceiro e último, que conclui toda a
ontogênese dos conceitos, consiste em que os complexos aí for-
mados são construídos segundo leis do pensamento inteiramente
diversas das leis do conceito. Nestas, como já foi dito, estão refle-
tidos os vínculos objetivos, mas refletidos por outro modo, dife-
rente daquele que ocorre nos conceitos (pp. 174 -179).
1.57 A segunda fase do desenvolvimento do pensamento por
complexo consiste em combinar objetos e impressões concretas das
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83
coisas em grupos especiais que, estruturalmente, lembram o que cos-
tumamos chamar de coleções. Aqui os diferentes objetos concretos se
combinam com base em uma complementação mútua, segundo al-
gum traço e forma, um todo único constituído de partes heterogê-
neas que se intercomplementam. São precisamente a heterogeneidade
da composição e a intercomplementaridade no estilo de uma coleção
que caracterizam essa fase no desenvolvimento do pensamento.
Na nossa experiência a criança apanha algumas figuras que
diferem da amostra pela cor, forma, tamanho ou outro indício
qualquer. Entretanto, não as apanha de forma caótica nem ao aca-
so, mas pelo indício de que são diferentes e complementares ao
indício existente na amostra que ela toma por base da combina-
ção. Daí resulta uma reunião de objetos diferentes pela cor ou pela
forma, representando uma coleção das formas básicas e das cores
básicas encontradas no material do experimento.
A diferença essencial entre essa forma de pensamento por com-
plexos e o complexo associativo consiste em não se incluírem na
coleção exemplares repetidos dos objetos que possuem o mesmo
indício. Entre os vários grupos de objetos reúnem-se como que os
exemplares únicos para representarem todo o grupo. Em vez de
associação por semelhança temos, antes, uma associação por con-
traste. É verdade que essa forma de pensamento frequentemente se
funde com a forma associativa acima descrita. Neste caso, obtém-se
uma coleção constituída com base nos traços diversos. Nesse proces-
so de coleção, a criança não mantém coerentemente o princípio que
tomara por base da formação do complexo, mas unifica, por via
associativa, os diferentes traços e faz de todos eles a base da coleção.
Essa fase longa e persistente do desenvolvimento do pensa-
mento infantil tem suas raízes muito profundas na experiência prá-
tica e direta da criança, e nesse pensamento a criança sempre opera
com coleções de objetos que se completam mutuamente, isto é,
opera com um conjunto. A entrada de objetos particulares na co-
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leção, a combinação de objetos que se intercomplementam – im-
portante em termos práticos, e integral e indivisível no sentido
funcional – é a forma mais frequente de generalização de impres-
sões concretas que a experiência direta ensina à criança. Um copo,
um prato e uma colher; um conjunto para almoço formado por
um garfo, uma colher, uma faca e um prato; a roupa que a criança
usa. Tudo isso constitui modelos de complexos-coleções naturais
que a criança encontra no seu dia a dia.
Daí ser perfeitamente natural e compreensível que em seu pen-
samento verbal a criança construa esses complexos-coleções, com-
binando os objetos em grupos concretos segundo o traço de
complementação funcional. Adiante veremos que também no pen-
samento do adulto, sobretudo nos doentes mentais, esses tipos de
formações por complexos, baseados na modalidade de coleção,
desempenham um papel de suma importância. É muito frequente
encontrarmos no discurso concreto do adulto o seguinte exem-
plo: quando ele fala de louça ou vestiário, não tem em vista tanto o
respectivo conceito abstrato quanto as respectivas combinações
de objetos concretos que formam a coleção.
Se as imagens sincréticas se baseiam principalmente nos vínculos
emocionais e subjetivos entre as impressões que a criança confunde
com seus objetos, se o complexo associativo se baseia na semelhan-
ça recorrente e obsessiva entre os traços de determinados objetos,
então a coleção se baseia em vínculos e relações de objetos que são
estabelecidos na experiência prática, efetiva e direta da criança. Po-
deríamos afirmar que o complexo-coleção é uma generalização dos
objetos com base na sua co-participação em uma operação prática
indivisa, com base na sua cooperação funcional.
Entretanto, neste momento, essas três diferentes formas de
pensamento não nos interessam em si mesmas mas apenas como
diferentes vias genéticas que conduzem a um único ponto: à for-
mação de conceito.
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Seguindo a lógica da análise experimental, após essa segunda
fase no desenvolvimento do pensamento infantil por complexos,
devemos colocar o complexo em cadeia, que também é uma
fase inevitável no processo de ascensão da criança no sentido do
domínio dos conceitos.
O complexo em cadeia se constrói segundo o princípio da com-
binação dinâmica e temporal de determinados elos em uma cadeia
única e da transmissão do significado através de elos isolados dessa
cadeia. Em condições experimentais, esse tipo de complexo costuma
estar representado da seguinte maneira: a criança escolhe para uma
determinada amostra um ou vários objetos associados em algum sen-
tido; depois continua a reunir os objetos concretos em um complexo
único, já orientada por algum traço secundário do objeto anterior-
mente escolhido, traço esse que está totalmente fora da amostra.
Por exemplo, se a amostra experimental é um triângulo ama-
relo, a criança pode escolher algumas figuras triangulares até que
sua atenção seja atraída pela cor azul de uma figura que tenha aca-
bado de acrescentar ao conjunto; passa, então, a selecionar figuras
azuis, por exemplo, semicirculares, circulares, etc. Mais uma vez
isto vem a ser suficiente para que ela examine o novo traço e passe
a escolher os objetos já pelo traço da forma angulosa. No pro-
cesso de formação do complexo ocorre o tempo todo a passa-
gem de um traço a outro. Assim, o significado da palavra se des-
loca pelos elos da cadeia complexa. Cada elo está unido, por um
lado, ao anterior e, por outro, ao seguinte, cabendo ressaltar que a
característica mais importante desse tipo de complexo consiste em
que pode ser muito diferente o caráter do vínculo ou o modo de
combinação do mesmo elo com o anterior e o seguinte.
Mais uma vez o complexo se baseia no vínculo associativo
entre elementos concretos particulares, mas agora esse vínculo
associativo não deve ligar necessariamente cada elo isolado com a
amostra. Cada elo, ao inserir-se no complexo, torna-se membro
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86
isônomo desse complexo como a própria amostra, e mais uma
vez, pelo traço associativo, pode tornar-se o centro de atração
para uma série de objetos concretos.
Aqui vemos com toda clareza o quanto o pensamento por com-
plexos é de natureza evidentemente concreta e figurada. Um objeto
que foi incluído por seu traço associativo não integra o complexo
como portador de um traço determinado que possa inseri-lo em
dado complexo. A criança não abstrai esse traço de todos os de-
mais. Ele não desempenha nenhum papel específico em compara-
ção com todos os outros. Aparece em primeiro plano por seu sen-
tido funcional, é igual entre iguais, é um entre muitos outros traços.
Aqui podemos sondar com toda a clareza tátil aquela peculia-
ridade essencial a todo o pensamento por complexos e que o
distingue do pensamento por conceitos: diferentemente dos con-
ceitos, no complexo não existe vínculo hierárquico nem relações
hierárquicas entre os traços. Todos os traços são essencialmente
iguais em seu significado funcional. Diferem essencialmente de todos
esses momentos na construção do conceito a relação entre o geral
e o particular, isto é, entre o complexo e cada um dos seus inte-
grantes particulares concretos, e a relação dos elementos entre si,
assim como a lei de construção de toda a generalização.
No complexo em cadeia o centro estrutural pode estar ausente.
Elementos concretos particulares podem estabelecer vínculos entre
si, evitando o elemento central ou a amostra. Por isso, podem não
ter nada em comum com os outros elementos, mas mesmo assim
podem pertencer a um complexo por terem um traço comum com
qualquer outro elemento que, por sua vez, está vinculado a um ter-
ceiro, etc. O primeiro e o terceiro elementos podem não ter ne-
nhum vínculo entre si, mas os dois estão vinculados ao segundo
cada um conforme o seu traço.
Por isso, estamos autorizados a considerar o complexo em
cadeia como a modalidade mais pura do pensamento por com-
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87
plexos, pois esse complexo é desprovido de qualquer centro, dife-
rentemente do complexo associativo em que existe um centro a
ser preenchido pela amostra. Isto significa que, no complexo
associativo, os vínculos entre os elementos particulares são estabe-
lecidos através de um elemento comum a todos, que forma o
centro do complexo, centro esse que não existe no complexo em
cadeia. Nele, o vínculo existe na medida em que é possível estabe-
lecer aproximações fatuais entre os elementos particulares. O final
da cadeia pode não ter nada em comum com o início. Para que
pertençam a um complexo, é suficiente que esses elementos este-
jam aglutinados, que vinculem os elos de ligação intermediários.
Por isso, ao caracterizar a relação entre um elemento particular
completo e complexo em sua totalidade, poderíamos dizer que, à
diferença do conceito, o elemento concreto integra o complexo
como unidade real direta com todos os seus traços e vínculos
fatuais. O complexo não se sobrepõe aos seus elementos como o
conceito se sobrepõe aos objetos concretos e que o integram. O
complexo se funde de fato aos elementos concretos que o inte-
gram e que estão interligados.
Essas fusão do geral com o particular, do complexo com o
elemento, esse amálgama psíquico, segundo expressão de Werner,
constitui o traço mais substancial do pensamento por complexos,
em geral, e do pensamento em cadeia, em particular. Graças a isto, o
complexo, inseparável de fato do grupo concreto de objetos que ele
combina e que se funde imediatamente nesse grupo direto, assume
com frequência um caráter altamente indefinido, como que diluído.
Os vínculos se transformam imperceptivelmente uns nos ou-
tros, assim como imperceptivelmente se modificam o caráter e o
tipo desses vínculos. Frequentemente, a semelhança distante, o mais
superficial contato entre os traços acaba sendo suficiente para a for-
mação de um vínculo fatual. A aproximação dos traços é estabelecida
amiúde não tanto com base em sua efetiva semelhança quanto na
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impressão vaga e distante de certa identidade entre eles. Surge aquilo
que, na análise experimental, designamos como quarta fase do de-
senvolvimento do pensamento por complexos ou complexo difuso.
Uma característica essencial distingue esse quarto tipo de com-
plexo: o próprio traço, ao combinar por via associativa os ele-
mentos e complexos concretos particulares, parece tornar-se difuso,
indefinido, diluído, confuso, dando como resultado um complexo
que combina através dos vínculos difusos e indefinidos os grupos
diretamente concretos de imagens ou objetos. Por exemplo, a cri-
ança escolhe para determinada amostra – um triângulo amarelo –
não só triângulos mas também trapézios, uma vez que eles lhe lem-
bram triângulos com o vértice cortado. Depois, os hexágonos os
semicírculos e, posteriormente, os círculos. Como neste caso se dilui
e se torna indefinida a forma tomada como traço básico, às vezes
também se diluem as cores quando o conjunto tem por base um
traço de cor difuso. Depois dos objetos amarelos a criança escolhe
objetos verdes, depois dos verdes, azuis, depois dos azuis, pretos.
Essa forma de pensamento por complexos, também suma-
mente estável e importante nas condições naturais de desenvolvi-
mento da criança, é interessante para a análise experimental por
revelar com notória clareza mais um traço extremamente impor-
tante do pensamento por complexos: a impossibilidade de definir
os seus contornos e a essencial ausência de limites.
Como o antigo clã bíblico que, sendo uma reunião familial
concreta de pessoas, sonhava com multiplicar-se e tornar-se incal-
culável como nas estrelas no firmamento e a areia do mar, de igual
maneira o complexo difuso no pensamento da criança é uma com-
binação familial de objetos que encerram possibilidades infinitas
de ampliação e incorporação, ao clã basilar, de objetos sempre
novos porém inteiramente concretos.
Se o complexo-coleção está representado na vida natural da
criança predominantemente por generalizações baseadas na seme-
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lhança funcional de objetos particulares, então o protótipo vital, o
análogo natural do complexo difuso no desenvolvimento do pen-
samento da criança são as generalizações que a criança produz
precisamente naqueles campos do seu pensamento que não se pres-
tam a uma verificação prática, em outros termos, nos campos do
pensamento não concreto e não prático. Sabemos que aproxima-
ções inesperadas, frequentemente ininteligíveis ao adulto, que sal-
tos no pensamento, que generalizações arriscadas e que passagens
difusas a criança descobre frequentemente quando começa a racio-
cinar ou pensar além dos limites do seu mundinho direto e da sua
experiência prático-eficaz.
Aqui a criança ingressa em um mundo de generalizações difusas,
onde os traços escorregam e oscilam, transformando-se imper-
ceptivelmente uns nos outros. Aqui não há contornos sólidos, e
reinam os processos ilimitados que frequentemente impressionam
pela universalidade dos vínculos que combinam.
Entretanto, basta uma análise suficientemente atenta pra se
perceber que esses complexos ilimitados são construídos de acor-
do com os mesmos princípios dos complexos concretos limita-
dos. Em ambos, a criança permanece nos limites dos vínculos
fatuais concretos e diretamente figurados entre os objetos particu-
lares. Toda a diferença consiste apenas em que esses vínculos se
baseiam em traços incorretos, indefinidos e flutuantes, na medida
em que o complexo combina objetos que estão fora do conceito
prático da criança (pp. 183 – 189).
***
1.58
12
Um fato surpreendente, e até hoje desprezado, é que as
pesquisas sobre o desenvolvimento do pensamento no estudante
12
Daqui até a próxima referência os textos foram retirados da obra VIGOTSKY, L. S.;
LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem (1988).
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90
costumam partir justamente do princípio fundamental desta teo-
ria, ou seja, de que este processo de desenvolvimento é indepen-
dente daquele que a criança aprende realmente na escola. A capaci-
dade de raciocínio e a inteligência da criança, suas ideias sobre o
que a rodeia, suas interpretações da causas físicas, seu domínio das
formas lógicas do pensamento e da lógica abstrata são considera-
dos pelos eruditos como processos autônomos que não são influ-
enciados, de modo algum, pela aprendizagem escola.
Para Piaget, trata-se de uma questão de método, e não de uma
questão referentes às técnicas que se devem usar para estudar o de-
senvolvimento mental da criança. O seu método consiste em atri-
buir tarefas que não apenas são completamente alheias à atividade
escolar, mas que excluem, também, toda a possibilidade de a criança
ser capaz de dar a resposta exata. Um exemplo típico que ilustra os
aspectos positivos e negativos desse método são as perguntas utili-
zadas por Piaget nas entrevistas clínicas com as crianças. Quando se
pergunta a uma criança de 5 anos por que o sol não cai, não só é
evidente que ela não pode conhecer a resposta certa, ou seria um
gênio, mas também que não poderia imaginar uma resposta que se
aproximasse da correta. Na realidade, a finalidade de perguntas tão
inacessíveis é precisamente excluir a possibilidade de se recorrer a
experiências ou conhecimentos precedentes, ou seja, a de obrigar o
espírito da criança a trabalhar sobre problemas completamente no-
vos e inacessíveis, para poder estudar as tendências do seu pensa-
mento de uma forma pura, absolutamente independente dos seus
conhecimentos, da sua experiência e da sua cultura.
É claro que esta teoria implica uma completa independência do
processo de desenvolvimento e do de aprendizagem, e chega até a
postular uma nítida separação de ambos os processos no tempo. O
desenvolvimento deve atingir uma determinada etapa, com a
consequente maturação de determinadas funções, antes de a escola
fazer a criança adquirir determinados conhecimentos e hábitos. O
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91
curso do desenvolvimento precede sempre o da aprendizagem. A
aprendizagem segue sempre o desenvolvimento. Semelhante concep-
ção não permite sequer colocar o problema do papel que podem
desempenhar, no desenvolvimento, a aprendizagem e a maturação
das funções ativadas no curso da aprendizagem. O desenvolvimen-
to e a maturação destas funções representam um pressuposto e não
um resultado de aprendizagem. A aprendizagem é uma superes-
trutura do desenvolvimento, e essencialmente não existem inter-
câmbios entre os dois momentos (pp. 103-104).
1.59 O fracasso da teoria da disciplina formal foi demonstrado
por diversas pesquisas que revelaram ter a aprendizagem em deter-
minado campo uma influência mínima sobre o desenvolvimento
geral. Por exemplo, Woddworth e Thorndike demonstraram que os
adultos, depois de determinado período de exercícios, podem ava-
liar com exatidão o comprimento de linha breve, mas que é difícil
que isso aumente a sua capacidade de avaliação quando as linhas são
maiores. Outros adultos, que aprendem a definir com exatidão a
área de determinada figura geométrica, enganam-se depois mais de
dois terços das vezes quando muda a figura geométrica. Gilbert,
Fracker e Martin demonstraram que aprender a reagir rapidamente
perante determinado tipo de sinal influi pouquíssimo sobre a capa-
cidade de reagir rapidamente perante outro tipo de sinal.
A resposta que os psicólogos ou os pedagogos puramente teóri-
cos costumam dar é que cada aquisição particular, cada forma especí-
fica de desenvolvimento, aumenta direta e uniformemente as capaci-
dades gerais. O docente deve pensar e agir na base da teoria de que o
espírito é um conjunto de capacidades – capacidade de observação,
atenção, memória, raciocínio, etc. – e que cada melhoramento de qual-
quer destas capacidades significa o melhoramento de todas as capaci-
dades em geral. Segundo esta teoria, concentrar a capacidade de aten-
ção na gramática latina significa melhorar a capacidade de atenção
sobre qualquer outro tema. A ideia é que as palavras “precisão”, “vi-
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92
vacidade”, “raciocínio”, “memória”, “observação”, “atenção”, “con-
centração”, etc. significam faculdades reais e fundamentais que mu-
dam segundo o material sobre o qual trabalham, que as mudanças
persistem quando estas faculdades se aplicam a outros campos, e
que, portanto, se um homem aprender a fazer bem determinadas
coisas, em virtude de uma misteriosa coneo, conseguirá fazer bem
outras coisas que carecem de todo o nexo com a primeira. As facul-
dades intelectuais atuariam independentemente da matéria sobre a
qual operam, e o desenvolvimento de uma destas faculdades levaria
necessariamente ao desenvolvimento das outras (p. 107).
1.60 Os métodos que permitem que a aprendizagem especi-
alizada influa sobre o desenvolvimento geral funcionam apenas por-
que existem elementos comuns materiais e processos comuns. So-
mos governados pelos hábitos. Daqui resulta que desenvolver o in-
telecto significa desenvolver muitas capacidades específicas e inde-
pendentes e formar muitos hábitos específicos, já que a atividade de
cada capacidade depende do material sobre o qual essa capacidade
opera. O aperfeiçoamento de uma função ou de uma atividade
específica do intelecto influi sobre o desenvolvimento das outras
funções e atividades só quando estas têm elementos comuns.
Como já dissemos, o terceiro grupo de teorias examinadas opõe-
se a esta concepção. As teorias baseadas na psicologia estrutural hoje
dominante – que afirma que o processo de aprendizagem nunca
pode atuar apenas para formas hábitos, mas que compreende uma
atividade de natureza intelectual que permite a transferência de prin-
cípios estruturais implícitos na execução de uma tarefa para uma
série de tarefas diversas – sustentam que a influência da aprendizagem
nunca é específica. Ao aprender qualquer operação particular, o aluno
adquire a capacidade de construir certa estrutura, independentemen-
te da variação da matéria com que trabalha e independentemente da
variação da matéria com que trabalha e independentemente dos di-
ferentes elementos que constituem essa estrutura.
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93
Esta teoria considera, portanto, um momento novo e essen-
cial, um novo modo de enfrentar o problema da disciplina for-
mal. Koffka adota a velha fórmula segundo a qual a aprendi-
zagem é desenvolvimento, mas ao mesmo tempo não considera
a aprendizagem como um puro e simples processo de aquisição
de capacidades e hábitos específicos e, também, que aprendiza-
gem e desenvolvimento sejam processos idênticos; postula, pelo
contrário, uma interação mais completa. Se, para Thorndike, apren-
dizagem e desenvolvimento sobrepõem-se permanentemente
como duas figuras geométricas que estejam uma sobre a outra,
para Koffka, o desenvolvimento continua referindo-se a um âm-
bito mais amplo do que a aprendizagem. A relação entre ambos
os processos pode representar-se esquematicamente por meio de
dois círculos concêntricos; o pequeno representa o processo de
aprendizagem e o maior, o do desenvolvimento, que se estende
para além da aprendizagem.
A criança aprende a realizar uma operação de determinado
gênero, mas ao mesmo tempo apodera-se de um princípio estru-
tural cuja esfera de ampliação é maior do que a de operação da
partida. Por conseguinte, ao dar um passo em frente no campo da
aprendizagem, a criança dá dois no campo do desenvolvimento; e
por isso aprendizagem e desenvolvimento não são coincidentes.
Dado que as três teorias que examinamos interpretam de ma-
neira tão diferente as relações entre aprendizagem e desenvolvi-
mento, deixemo-las de lado e procuremos uma nova e melhor
solução para o problema. Tomemos como ponto de partida o
fato de que a aprendizagem da criança começa muito antes da aprendizagem
escolar. A aprendizagem escolar nunca parte do zero. Toda a apren-
dizagem da criança na escola tem uma pré-história. Por exemplo, a
criança começa a estudar aritmética, mas já muito antes de ir à
escola adquiriu determinada experiência referente à quantidade,
encontrou já várias operações de divisão e adição, complexas e
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simples; portanto, a criança teve uma pré-escola de aritmética, e o
psicólogo que ignora este fato está cego.
Um exame atento demonstra que essa aritmética pré-escolar é
extremamente complexa, que a criança já passou uma aprendiza-
gem aritmética própria, muito antes de se entregar na escola à apren-
dizagem da aritmética. Mas a existência desta pré-história da apren-
dizagem escolar não implica uma continuidade direta entre as duas
etapas do desenvolvimento aritmético da criança (pp. 108-109).
1.61 Quando se estabelece a idade mental da criança com o
auxílio de teste, referimo-nos sempre ao nível de desenvolvimento
efetivo. Mas um simples controle demonstra que este nível de desen-
volvimento efetivo não indica completamente o estado de desen-
volvimento da criança. Suponhamos que submetemos a um teste
duas crianças, e que estabelecemos para ambas uma idade mental
de 7 anos. Mas, quando submetemos as crianças a provas poste-
riores, sobressaem diferenças substanciais entre elas. Com o auxí-
lio de perguntas-guia, exemplos de demonstrações, uma criança
resolve facilmente os testes, superando em dois anos o seu nível de
desenvolvimento efetivo, enquanto a outra criança resolve testes
que apenas superam em meio ano o seu nível de desenvolvimento
efetivo. Neste momento, entram diretamente em jogo os concei-
tos fundamentais necessários para avaliar o âmbito de desenvolvi-
mento potencial. Isto, por sua vez, está ligado a uma reavaliação
do problema da imitação na psicologia contemporânea.
O ponto de vista tradicional dá como certo que a única indi-
cação possível do grau de desenvolvimento psicointelectual da
criança é a sua atividade independente, e não imitação, entendida
de qualquer maneira. Todos os atuais métodos de medição refle-
tem esta concepção. As únicas provas tomadas em consideração
para indicar o desenvolvimento psicointelectual são as que a cri-
ança supera por si só, sem ajuda dos outros e sem perguntas-
guia ou demonstração.
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95
Várias pesquisas demonstraram que este ponto de vista é in-
sustentável. Experiências realizadas com animais mostraram que
um animal pode imitar ações que entram no campo de sua efetiva
capacidade potencial. Isto significa que um animal pode imitar
apenas ações que, de uma maneira ou de outra, se lhe tornam
acessíveis; de modo que, como demonstraram as pesquisas de
Köhler, a capacidade potencial de imitação do animal dificilmente
supera os limites da sua capacidade potencial de ação. Se um ani-
mal é capaz de imitar uma ação intelectual, isso significa que, em
determinadas condições, é capaz de realizar uma ação análoga na
sua atividade independente. Por isso, a imitação está extremamente
ligada à capacidade de compreensão e só é possível no âmbito das
ações acessíveis à compreensão do animal.
A diferença substancial no caso da criança é que esta pode
imitar um grande número de ações – senão um número ilimitado
– que supera os limites da sua capacidade atual. Com o auxílio da
imitação na atividade coletiva guiada pelos adultos, a criança pode
fazer muito mais do que com a sua capacidade de compreensão
de modo independente. A diferença entre o nível das tarefas reali-
záveis com o auxílio dos adultos e o nível das tarefas que podem
desenvolver-se com uma atividade independente define a área de
desenvolvimento potencial da criança.
Regressemos por um momento ao exemplo dado antes.
Estamos perante duas crianças com uma idade mental de 7 anos,
mas uma, de 9 anos, e a outra, apenas até um nível mental de 7 anos
e meio. O desenvolvimento mental dessas crianças é equivalente? A
sua atividade independente é equivalente, mas, do ponto de vista das
futuras potencialidades de desenvolvimento de desenvolvimento, as
duas crianças são radicalmente diferentes. O que uma criança é ca-
paz de fazer com o auxílio dos adultos chama-se zona de seu desen-
volvimento potencial. Isto significa que, com o auxílio deste méto-
do, podemos medir não só o processo de desenvolvimento até o
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96
presente momento e os processos de maturação que já se produzi-
ram, mas também os processos que estão ainda ocorrendo, que só
agora estão amadurecendo e desenvolvendo-se.
O que a criança pode fazer hoje com o auxílio dos adultos
poderá fazê-lo amanhã por si só. A área de desenvolvimento po-
tencial permite-nos, pois, determinar os futuros passos da criança
e a dinâmica do seu desenvolvimento e examinar não só o que o
desenvolvimento já reproduziu, mas também o que produzirá no
processo de maturação. As duas crianças que tomamos como exem-
plo demonstram uma idade mental equivalente a respeito do desen-
volvimento já realizado, mas a dinâmica do seu desenvolvimento é
inteiramente diferente. Portanto, o estado do desenvolvimento men-
tal da criança só pode ser determinado referindo-se pelo menos a
dois níveis: o nível de desenvolvimento efetivo e a área de desen-
volvimento potencial.
Este fato, que em si pode parecer pouco significativo, tem na
realidade enorme importância e põe em dúvida todas as teorias
sobre a relação entre processos de aprendizagem e desenvolvi-
mento na criança. Em especial, altera a tradicional concepção da
orientação pedagógica desejável, uma vez diagnosticado o desen-
volvimento. Até agora, a questão tinha se apresentado do seguinte
modo: com o auxílio dos testes pretendemos determinar o nível
de desenvolvimento psicointelectual da criança, que o educador
deve considerar como um limite não superável pela criança. Preci-
samente, este modo de apresentar o problema contém a ideia de
que o ensino deve orientar-se baseando-se no desenvolvimento já
produzido, na etapa já superada. (pp. 111-113)
1.62 Sabemos por uma grande quantidade de pesquisas – a
que no momento apenas podemos aludir – que o desenvolvimento
das funções psicointelectuais superiores na criança, dessas funções
especificamente humanas, formadas no decurso da história do
gênero humano, é um processo absolutamente único. Podemos
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97
formular a lei fundamental deste desenvolvimento do seguinte
modo: todas as funções psicointelectuais superiores aparecem duas vezes no
decurso do desenvolvimento da criança: a primeira vez, nas atividades coletivas,
nas atividades sociais, ou seja, como funções interpsíquicas; a segunda, nas ati-
vidades individuais, como propriedades internas do pensamento da criança, ou
seja, como funções intrapsíquicas.
O desenvolvimento da linguagem serve como paradigma de
todo o problema examinado. A linguagem serve como paradigma
de todo o problema examinado. A linguagem origina-se em pri-
meiro lugar como meio de comunicação entre a criança e as pes-
soas que a rodeiam. Só depois, convertido em linguagem interna,
transforma-se em função mental interna que fornece os meios fun-
damentais ao pensamento da criança. As pesquisas de Bolduina,
Rignano e Piaget demonstraram que a necessidade de verificar o pensa-
mento nasce pela primeira vez quando há uma discussão entre crianças, e só
depois disso o pensamento apresenta-se na criança como atividade interna, cuja
característica é o fato de a criança começar a conhecer e a verificar
os fundamentos do seu próprio pensamento. Cremos facilmente
na palavra – diz Piaget – mas só no processo de comunicação
surge a possibilidade de verificar e confirmar o pensamento.
Como a linguagem interior e o pensamento nascem do com-
plexo de inter-relações entre a criança e as pessoas que a rodeiam,
assim estas inter-relações são também a origem dos processos
volitivos da criança. No seu último trabalho, Piaget demonstrou
que a cooperação favorece o desenvolvimento do sentido moral
na criança. Pesquisas precedentes estabelecem que a capacidade da
criança para controlar o seu próprio comportamento surge antes
de tudo no jogo coletivo, e que só depois se desenvolve como
força interna o controle voluntário do comportamento.
Os exemplos diferentes que apresentamos aqui indicam um
esquema de regulação geral no desenvolvimento das funções
psicointelectuais superiores na infância, que, do nosso ponto de
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98
vista, se referem ao processo de aprendizagem da criança no seu
conjunto. Dito isto, não é necessário sublinhar que a característica
essencial da aprendizagem é que engendra a área de desenvolvi-
mento potencial, ou seja, que faz nascer, estimula e ativa na criança
um grupo de processos internos de desenvolvimento no âmbito
das inter-relações com outros, que, na continuação, são absorvi-
dos pelo curso interior de desenvolvimento e se convertem em
aquisições internas da criança.
Considerada deste ponto de vista, a aprendizagem não é, em
si mesma, desenvolvimento, mas uma correta organização da
aprendizagem da criança conduz ao desenvolvimento mental, ati-
va todo um grupo de processos de desenvolvimento, e esta ativa-
ção não poderia produzir-se sem a aprendizagem. Por isso, a apren-
dizagem é um momento intrinsecamente necessário e universal para
que se desenvolvam na criança essas características humanas não
naturais, mas formadas historicamente.
Tal como um filho de surdos-mudos, que não ouve falar à sua
volta, continua mudo apesar de todos os requisitos inatos necessá-
rios ao desenvolvimento da linguagem e não desenvolve as fun-
ções mentais superiores ligadas à linguagem, assim todo o proces-
so de aprendizagem é uma fonte de desenvolvimento que ativa
numerosos processos, que não poderiam desenvolver-se por si
mesmos sem a aprendizagem.
O papel da aprendizagem como fonte de desenvolvimento –
zona de desenvolvimento potencial – pode ilustrar-se ainda mais
comparando-se os processos de aprendizagem da criança e do
adulto. Até agora, atribuiu-se pouco relevo às diferenças entre a
aprendizagem da criança e a do adulto. Os adultos, como bem se
sabe, dispõem de uma grande capacidade de aprendizagem. Pes-
quisas experimentais recentes contradizem a afirmação de James
de que os adultos não podem adquirir conceitos novos depois
dos 28 anos. Mas até agora não se descreveu adequadamente o
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99
que diferencia de forma substancial a aprendizagem do adulto da
aprendizagem da criança.
À luz das teoria de Thondike, Jame e outros, a que se aludiu
antes – teorias que reduzem o processo de aprendizagem à for-
mação de hábitos – não pode haver diferença essencial entre a
aprendizagem do adulto e a da criança. A afirmação é superficial.
Segundo esta concepção, um mecanismo caracteriza a formação
de hábitos tanto no adulto como na criança; no primeiro, o pro-
cesso ocorre mais veloz e facilmente do que na segunda, e reside aí
toda a diferença.
Coloca-se um problema: o que diferencia aprender a escrever
à máquina, andar de bicicleta e jogar tênis em idade adulta, do
processo que se dá na idade escolar quando se aprendem a língua
escrita, a aritmética e as ciência naturais: cremos que a diferença
essencial consiste nas diversas relações destas aprendizagens com o
processo de desenvolvimento.
Aprender a usar uma máquina de escrever significa, na reali-
dade, estabelecer um certo número de hábitos que, por si sós, não
alteram absolutamente as características psicointelectuais do ho-
mem. Uma aprendizagem desse gênero aproveita um desenvolvi-
mento já elaborado e completo, e justamente por isso contribui
muito pouco para o desenvolvimento geral.
O processo de aprender a escrever é muito diferente. Algu-
mas pesquisas demonstraram que este processo ativa uma fase de
desenvolvimento dos processos psicointelectuais inteiramente nova
e muito complexa, e que o aparecimento deste processos origina
uma mudança radical das características gerais, psicolintelectuais
da criança; da mesma forma, aprender a falar marca uma etapa
fundamental na passagem da infância para a puerícia.
Podemos agora resumir o que dissemos e fazer uma formu-
lação geral da relação entre os processos de aprendizagem e de
desenvolvimento. Antes de o fazer, salientaremos que todas as
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100
pesquisas experimentais sobre a natureza psicológica dos pro-
cessos de aprendizagem da aritmética, da escrita, das ciências
naturais e de outras matérias na escola elementar demonstram
que o seu fundamento, o eixo em torno do qual se montam, é
uma nova formação que se produza em idade escolar. Estes
processos estão todos ligados ao desenvolvimento do sistema ner-
voso central. A aprendizagem escolar orienta e estimula processos
internos de desenvolvimento.
A tarefa real de uma análise do processo educativo consiste
em descobrir o aparecimento e o desaparecimento dessas linhas
internas de desenvolvimento no momento em que se verificam,
durante a aprendizagem escolar.
Esta hipótese pressupõe necessariamente que o processo de desen-
volvimento não coincide com o da aprendizagem, o processo de desenvolvimento
segue o da aprendizagem, que cria a área de desenvolvimento potencial.
O segundo momento essencial desta hipótese é a afirmação
de que aprendizagem e desenvolvimento da criança, ainda que di-
retamente ligados, nunca se produzem de modo simétrico e para-
lelo. O desenvolvimento da criança não acompanha nunca a apren-
dizagem escolar, como uma sombra acompanha o objeto que a
projeta. Os testes que comprovam os progressos escolares não
podem, portanto, refletir o curso real do desenvolvimento da cri-
ança. Existe uma dependência recíproca, extremamente complexa
e dinâmica, entre o processo de desenvolvimento e o da apren-
dizagem, dependência que não pode ser explicada por uma única
fórmula especulativa apriorística.
Cada matéria escolar tem uma relação própria com o curso
do desenvolvimento da criança, relação que muda com a passa-
gem da criança de uma etapa para outra. Isto obriga a re-examinar
todo o problema das disciplinas formais, ou seja, o papel e a impor-
tância de cada matéria no posterior desenvolvimento psicointelectual
geral da criança. Semelhante questão não pode esquematizar-se em
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101
uma fórmula única, mas permite compreender melhor quão vastos
sãos os objetivos de uma pesquisa experimental extensiva e variada
(pp. 114-117).
***
1.63
13
Arte como conhecimento.
No campo da psicologia, foi lançado um número excessivo
de teoria diversas, cada uma das quais explicava a seu modo os
processos da criação artística ou da percepção. Contudo, um nú-
mero irrisório de tentativas foi levado até o fim. Não dispomos
de quase nenhum sistema inteiramente concluído e com um mí-
nimo de reconhecimento geral na psicologia da arte. Aqueles au-
tores que, como Muller-Freienfels, tentam reduzir em um todo
único tudo o que de mais valioso foi criado nesse campo, pela
própria essência do assunto, estão condenados a uma sinopse
eclética dos mais diversos pontos de vista e concepções. Em sua
maioria, os psicólogos elaboraram, e de forma incompleta e frag-
mentária, apenas alguns problemas da teoria da arte que nos inte-
ressa, e ainda desenvolveram esse estudo amiúde em planos bem
diferentes e dissociados, de sorte que, sem qualquer ideia unificante
ou princípio metodológico, seria difícil fazer uma crítica sistemá-
tica de tudo o que a psicologia fez nesse sentido.
Só podem ser objeto do nosso estudo aquelas teorias psicoló-
gicas da arte que, em primeiro lugar, tenha constituído um mínimo
de teoria sistemática acabada e, em segundo, estejam no mesmo
plano com o estudo que estamos empreendendo. De outra forma
teremos de enfrentar criticamente apenas aquelas teorias psicológi-
cas que operam apoiadas no método objetivamente analítico, isto
é, que centram sua atenção na análise objetiva da própria obra de
13
Os textos daqui em diante foram retirados da obra VIGOTSKY, L. S. Psicologia da Arte
(2001).
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102
arte e, partindo dessa análise, recriam a psicologia que corresponde
a tal obra. Os sistemas baseados em outros métodos e procedi-
mentos aparecem em plano inteiramente diverso, e para verificar
os resultados do nosso estudo com o auxílio dos fatos e leis ante-
riormente estabelecidos teremos de aguardar os próprios resulta-
dos finais da nossa pesquisa, uma vez que só conclusões finais
podem ser comparadas a conclusões de outras pesquisas desen-
volvidas por via inteiramente diversa.
Graças a isto limita-se e restringe-se bastante o círculo de teo-
rias sujeitas a exames críticos e torna-se possível reduzi-las a três
sistemas psicológicos típicos e principais, que reúnem individual-
mente em torno de si uma infinidade de estudos particulares de
concepções descoordenadas, etc.
Resta ainda acrescentar que a própria crítica que adiante ten-
cionamos desenvolver deve, pelo próprio fim que se propõe,
partir do mérito puramente psicológico e da autenticidade de
cada teoria. Aqui não se levam em conta os méritos de cada uma
das teorias examinadas em seu campo específico, por exemplo,
na linguística, na teoria da literatura, etc.
A fórmula primeira e mais difundida com que depara o psicó-
logo ao enfocar a arte define a arte como conhecimento. Tendo
Humboldt como ponto de partida, esse ponto de vista foi brilhan-
temente desenvolvido por Potiebnyá e sua escola, e serviu de prin-
cípio fundamental de toda uma série de estudos fecundos desenvol-
vidos por ele. Essa mesma fórmula, um pouco modificada, aproxi-
ma-se muitíssimo da doutrina amplamente difundida e originária da
remota Antiguidade, segundo a qual a arte é o conhecimento da
sabedoria e tem como um dos seus fins principais pregar lições de
moral e servir de guia. O ponto de vista principal dessa teoria é a
analogia entre a atividade e o desenvolvimento da língua e a arte.
Em cada palavra, como mostrou esse sistema psicológico de
linguística , distinguimos três elementos básicos: primeiro, a forma
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103
sonora externa; segundo, a imagem ou forma interna; e, terceiro, o
significado. Aí se denomina forma interna o significado etimológico
mais aproximado da palavra, através da qual ele adquire a possibi-
lidade de significar o conteúdo nela inserido. Em muitos casos
essa forma interna foi esquecida e recalcada sob a influência do
significado da palavra em crescente expansão. Contudo, em outra
parcela de palavras é extremamente fácil localizar essa forma in-
terna, e o estudo etimológico mostra que, mesmo nos casos em
que só se mantiveram a forma externa e o significado, a forma
interna existiu e só foi esquecida do processo de evolução da lín-
gua. Assim, outrora rato significou “ladrão”, e só através da for-
ma interna esses sons conseguiram tornar-se significado de rato.
Em palavras como molokosós (fedekgi), tchernila (tinta para caneta),
konka (vagão), liótchik (aviador), etc., essa forma interna continua
clara até hoje, e é perfeitamente claro o processo de suplantação
da imagem pelo conteúdo da palavra em permanente expansão,
como é claro o conflito que surge entre a sua aplicação estreita
inicial e mais ampla posterior. Quando dizemos “trâmujei a va-
por” ou “tinta vermelho para caneta”, percebemos com toda cla-
reza esse conflito. Para compreender o significado da forma inter-
na, que desempenha papel essencialíssimo na analogia com a arte,
é de suma utilidade examinar um fenômeno como os sinônimos.
Dois sinônimos têm forma sonora diferente em um só conteúdo
graças unicamente ao fato de que a forma interior de cada uma
dessas palavras é totalmente diversa. Assim, as palavras luna e miêssiats
designam em russo a mesma coisa através de diferentes sons, gra-
ças ao fato de que, etimologicamente, a palavra luná designa algo
fantasioso volúvel, inconstante, caprichoso (alusão às fases da lua),
e miêssiats significa algo que serve para medir (alusão à mensuração
do tempo por fases).
Assim, a diferença entre as duas referidas palavras é meramen-
te psicológica. Levam a um único resultado, só que através de
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104
diversos processos de pensamento. Do mesmo modo, mediante
duas diferentes insinuações podemos fazer suposições sobre o
mesmo objeto, mas o caminho da suposição será sempre diferen-
te. Potiebnyá faz aí uma brilhante formulação, ao dizer: “a forma
interna de cada uma dessas palavras orienta de modo diferente o
pensamento...” [93, p. 146]
14
(pp. 31-34).
1.64 É sumamente importante observar que, neste sentido, a
referida teoria contraia frontalmente toda a tradição psicológica
na questão. Era comum os estudiosos excluírem quase inteiramen-
te os processos intelectuais do campo da análise estética. “Muitos
teóricos ressaltavam unilateralmente que a arte é um problema de
percepção ou fantasia, ou sensação, e opunha com tanta veemên-
cia a arte à ciência como campo do conhecimento que pode pare-
cer quase incompatível com a teoria da arte a afirmação de que os
atos intelectivos são parte do prazer artístico” [113, S. 180].
É assim que se justifica um daqueles autores ao incluir os pro-
cessos intelectivos na análise do prazer estético. Aqui o pensamento
é posto em relevo na explicação dos fenômenos da arte.
Esse intelectualismo unilateral manifestou-se com extrema bre-
vidade, e a segunda geração de pesquisadores teve de fazer corre-
ções essenciais na teoria do seu mestre, correções que, em termos
rigorosos, reduzem a nada tal afirmação do ponto de vista psicoló-
gico. Não foi outro senão Ovsiániko-Kulikovski que lançou a teoria
segundo a qual a lírica é uma modalidade absolutamente específica
de arte (cf. 79), que revela “uma diferença psicológica de princípio”
em face da epopeia. Ocorre que a essência da lírica não pode, absoluta-
mente, ser reduzida aos processos de conhecimento ao trabalho do
pensamento, contudo o papel determinante no vivenciamento lírico
é desempenhado pela emoção, emoção essa que pode ser separada
com absoluta precisão das emoções secundárias que surgem no pro-
cesso de criação científica filosófica. “Em toda criação humana há
14
Os colchetes indicam referências feitas no original de Vygotsky.
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105
emoções. Ao analisarmos, por exemplo, a psicologia da criação
matemática, encontramos sem falta uma específica ‘emoção mate-
mática’. Contudo nem o matemático, nem o filósofo, nem o natura-
lista concordam com que sua tarefa se resuma à criação de emoções
específica, ligadas à sua especialidade. Não denominamos atividades
emocionais nem a ciência nem a filosofia... As emoções desempe-
nham imenso papel na criação artística – por imagem. Aqui elas são
suscitadas pelo próprio conteúdo e podem ser de qualquer espécie:
emoções de dor, tristeza, compaixão, indignação, condolência, co-
moção, horror, etc., etc., só por si mesmas não são líricas. Mas a elas pode
juntar-se a emoção lírica – de fora, precisamente da parte da forma,
se dada obra de arte está revestida de forma rítmica, por exemplo,
de forma em verso ou de uma forma em prosa em que esteja
observada a cadência rítmica do discurso. Veja-se a cena da despe-
dida de Heitor e Andrômaca. Ao ler a cena, o leitor pode sentir uma
forte emoção e derramar lágrimas. Sem qualquer dúvida, essa emo-
ção, sendo como é suscitada pela comoção da própria cena, não
implica nada de lírico. Mas a tal emoção, suscitada pelo contudo,
incorpora-se o efeito lírico dos hexâmetros harmoniosos, e o leitor
ainda experimenta a mais uma emoção lírica suave. Esta foi bem
mais forte naqueles tempos em que os poemas homéricos não eram
livros de leitura, em que os rapsodos cegos cantavam tais cantos
fazendo-os acompanhar da cítara. Ao ritmo do verso incorporava-
se o ritmo do canto e da música. O elemento lírico aprofundava-se,
intensificava-se, e talvez tenha bloqueado esporadicamente a emo-
ção suscitada pelo conteúdo. Se o leitor ainda experimenta a mais
uma emoção em sua forma pura, sem qualquer mescla de emoção
lírica, é só transferir a cena para uma prosa desprovida de cadência
rítmica, imaginar, por exemplo, a despedida de Heitor e Andrômaca
narrada por Píssiemski. O leitor experimentará a autêntica emoção
de simpatia, compaixão, pena, e irá até derramar lágrimas – mas, no
fundo, aí nada haverá de lírico.” (79, pp. 173-175)... (pp. 34 38)
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106
1.65 Não sabemos o que faria Potiebnyá se continuasse o seu
trabalho, mas sabemos em que redundou o seu sistema, que seus
seguidores elaboraram consecutivamente: o sistema teve de ex-
cluir da fórmula do fundador quase mais da metade da arte e teve
de entrar em contradição com os fatos mais evidentes quando
quis preservar a influência dessa fórmula para a outra metade.
Para nós, é mais que evidente que as operações intelectuais, os
processos intelectivos que surgem em cada um de nós com a aju-
da e por motivação da obra de arte não pertencem à psicologia da
arte stricto sensu. São uma espécie de resultado, de efeito, de conclu-
são, de consequência da obra da obra de arte. E a teoria que co-
meça por esse efeito age, segundo expressão jocosa de Chklovski,
como o cavaleiro que pretende montar o cavalo pulando por cima
dele. Essa teoria erra o alvo e não elucida a psicologia da arte
como tal. Podemos nos convencer de que isto realmente ocorre
pelos seguintes exemplos: ao adotar esse ponto de vista, Valieri
Briússov afirmava que toda obra de arte leva, por método especí-
fico, aos mesmos resultados cognitivos que leva o processo de
demonstração científica. Por exemplo, o que experimentamos ao
lermos o poema de Puchkin O Profeta pode ser demonstrado tam-
bém por métodos científicos. “Puchkin demonstra a mesma ideia
por métodos da poesia, isto é, sintetizando noções. Uma vez que a
conclusão é falsa, deve haver erros também nas demonstrações.
De fato: não podemos aceitar a imagem do Serafim, não pode-
mos aceitar a substituição do coração por brasa... etc. A despeito
de todos os elevados artísticos do poema de Puchkin... só po-
demos percebê-lo sob a condição de adotarmos o ponto de vista
do poeta. ‘O Profeta’ de Puchkin já não passa de fato histórico, à
semelhança, por exemplo, da teoria da individualidade do átomo”
(22, pp.19-20). Aqui a teoria intelectual é levada ao absurdo, e por
isso não sobretudo evidentes as suas incongruências psicológicas.
Resulta que, se a obra de arte está na contramão da verdade cien-
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107
tífica, mantém para nós a mesma importância da teoria científica
falsa e abandonada. Só que, neste caso, 99 % da arte universal
seriam jogados fora e pertenceriam apenas à história.
Um dos magníficos poemas de Puchkin começa assim:
A Terra é imóvel: a abóbada do céu,
Tu a seguras, Criador,
Não cairão sobre a terra as águas,
E nem nos esmagarão.
Enquanto isso, cada aluno do curso primário sabe que a Terra
não é imóvel mas gira, de onde se conclui que esses versos não po-
dem ter nenhum sentido sério para um homem culto. Por que, então,
os poetas recorrem a ideias claramente falsas? Em pleno desacordo
com isto, Marx aponta como questão mais importante da arte a
elucidação das causas que levam a epopeia grega e as tragédias de
Shakespeare, produtos de épocas há muito passadas, a manterem até
hoje o sentido de norma e modelo inacessível, apesar de ter desapare-
cido há muito tempo para nós a base das ideias e relações em que elas
medraram. Só na base da mitologia grega pôde surgir a arte grega, e
no entanto ela continua a nos emocionar, embora essa mitologia tenha
perdido para nós qualquer sentido real exceto o histórico. A melhor
prova de que essa teoria opera, no fundo, com o momento
extraestético da arte é o destino do simbolismo russo, que em suas
premissas teóricas coincide inteiramente com a referida teoria.
As conclusões a que chegaram os próprios simbolistas fo-
ram magnificamente concentradas por Vyatcheslav Ivánov em
sua fórmula, que reza: “O simbolismo está situado fora das cate-
gorias estéticas,” (55, p. 154) Os processos intelectivos estudados
por essa teoria estão igualmente situados fora das categorias es-
téticas e fora das vivências psicológicas da arte como tal. Em vez
de nos explicar a psicologia da arte, elas mesmas precisam de
explicação, que só pode ser dada à base de uma psicologia da
arte cientificamente elaborada.
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108
Contudo, o mais fácil é julgar qualquer teoria pelas conclusões
extremadas, que se apoiam em um campo já totalmente diverso e
permitem verificar as leis descobertas com base na matéria dos fa-
tos de uma categoria bem diferente. É interessante observar, na te-
oria que criticamos, as conclusões apoiadas na história das ideologi-
as. À primeira vista, essa teoria se combina da melhor forma possí-
vel com a teoria da mutabilidade permanente da ideologia da soci-
edade em função da mudança das relações de produção. É como
se ela mostrasse com absoluta clareza como e por que muda a im-
pressão psicológica de uma mesma obra de arte, apesar de manter-
se inalterada a forma dessa obra. Uma vez que não se trata do
conteúdo que o autor inseriu na obra mas daquele que o leitor traz
de sua parte, é perfeitamente claro que o conteúdo dessa obra de
arte é uma grandeza dependente e variável, uma função do psiquismo
do homem social, e modifica-se com esse psiquismo. “O mérito do
artista não está no mínimum de conteúdo que ele imaginava ao criar,
mas em certa flexibilidade da imagem, na força da forma interna
para suscitar o mais variado conteúdo. O modesto enigma um diz
‘Deus, dê-me luz’, outro ‘Não permita Deus’, um terceiro diz ‘Pra
mim é tudo a mesma coisa (a janela, a porta, etc.)’ pode sugerir a
relação de diversos segmentos da população com o pregresso das
ideias política, ética e científica, e tal interpretação só será falsa se a
apresentarmos como significado objetivo do enigma e não como o
nosso estado pessoa por ele suscitado. Em um conto simples, um
pobre quis apanhar água do Savo para dissolver um gole de leite
que tinha na xícara, uma onda levou-lhe da xícara o leite sem deixar
vestígio, e ele disse: ‘Savo, Savo! Não se ofendeu mas me entristeceu.
Nesse conto, alguém pode imaginar estar vendo a implacável ação
espontânea e destruidora do fluxo dos acontecimentos mundiais, a
infelicidade de certas pessoas, o clamor arrancado do peito pelas
perdas irreversíveis e, do ponto de vista pessoal, imerecidas. É fácil
equivocar-se impondo ao povo outra interpretação, mas é eviden-
te que tais contos atravessam séculos, não pelo sentido literal que
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109
têm, mas pelo que neles pode ser inserido. Isto explica por que as
criações de gente e séculos obscuros podem preservar seu valor
artístico em tempos de intenso desenvolvimento e, ao mesmo tem-
po, o motivo pelo qual, a despeito da fictícia eternidade da arte,
chega o momento em que o aumento das dificuldades de interpre-
tação e o esquecimento da forma interna levam as obras de arte a
perderem o seu valor.” [93, pp. 153-154]
Pareceria, assim, que estaria explicada a mutabilidade histórica
da obra de arte. “Liév Tolstoi compara o efeito da obra de arte ao
contágio; aqui essa comparação esclarece particularmente a questão:
fui contagiado de tifo por Ivã, mas estou com o meu tifo e não com
o dele. E eu tenho o meu Hamlet, e não o Hamlet de Shakespeare.
Já o tifo é uma abstração necessária ao pensamento teórico e por ele
criada. Cada geração tem o seu Hamlet, cada indivíduo tem o seu
Hamlet” [38, p. 114] (pp. 43 - 46).
1.66 É fácil nos convencermos de que, pela própria natureza
psicológica da palavra, esta quase sempre exclui a representação
evidente. Quando o poeta diz “cavalo”, sua palavra não inclui nem
a crina esvoaçante, nem a corrida, etc. Tudo isso o leitor acrescenta
da sua parte e de forma totalmente arbitrária. Basta apenas aplicar
a tais acréscimos do leitor a célebre expressão “um mínimo”, e
veremos quão pouco esses elementos fortuitos, vagos e indefini-
dos podem ser objeto da arte. Costuma-se dizer que o leitor ou a
fantasia do leitor completa a imagem produzida pelo artista. Con-
tudo, Christiansen esclareceu brilhantemente que isto só ocorre
quando o artista permanece senhor do movimento da nossa fan-
tasia e quando os elementos da forma pré-determinam com ab-
soluta precisão o trabalho da nossa imaginação. Assim acontece
quando se representa em um quadro uma profundidade ou dis-
tância. Mas o pintor nunca representa o acréscimo arbitrário da
nossa fantasia. “A gravura representa todos os objetos em preto-
-e-branco, mas estes não têm tal aspecto; ao examinarmos uma
gravura, não ficamos com a impressão de objetos negros e bran-
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110
cos, não percebemos as árvores como vermelhas, os prados como
verdes, o céu com branco. Mas será que isto depende, como se
supõe, de que nossa fantasia completa as cores da paisagem em
uma representação por imagem, substitui o que a gravura efetiva-
mente mostra pela imagem de uma paisagem colorida com árvores
e prados verdes, flores multicores e céu azul? Acho que o pintor
agradeceria muito por semelhante trabalho dos profanos com sua
obra. A possível desarmonia das cores acrescentadas poderia ar-
ruinar-lhe o desenho. Contudo procurem observar a si mesmos:
talvez vejamos realmente cores; é claro que temos a impressão de
uma paisagem absolutamente normal, com cores naturais, mas
não a vemos, a impressão fica de fora da imagem.” (124, 95).
Em pesquisa minuciosa, que logo ganhou grande notoriedade,
Theodor Meyer mostrou com plenitude que o próprio material usado
pela poesia exclui a representação evidente e por imagem daquilo
que ela retrata, e definiu a poesia como “arte da representação ver-
bal não evidente” (153, S. IV).
Analisando todas as formas da representação verbal e do
surgimento das representações, Meyer chega à conclusão de que a
representatividade e a evidência sensorial não são propriedade psi-
cológica da emoção poética e que o conteúdo de toda descrição
poética está, pela própria essência, fora da imagem. Christiansen
mostrou o mesmo através de uma crítica e uma análise extrema-
mente perspicazes, ao estabelecer que “o fim da representação
concreta em arte não é a imagem sensorial do objeto mas a impressão
sem imagem do objeto” (124, p. 90), cabendo assinalar que seu méri-
to especial foi ter demonstrado essa tese para as artes plásticas, nas
quais essa tese esbarra nas maiores objeções.
“Porque criou raízes a opinião de que o objetivo das artes
plásticas é servir à visão, de que elas querem fornecer e ainda re-
forçar a qualidade visual das coisas. Então, será que também neste
caso a arte não tende à imagem sensorial do objeto mas a algo
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sem imagem quando cria um ‘quadro’ e ela mesma se denomina
plástica”? [124, p. 92] Contudo, a análise mostra que “também nas
artes plásticas, como na poesia, a impressão sem imagem é objetivo
final da representação do objeto...” (124, p. 97).
“Por conseguinte, em toda parte formos forçados a entrar em
contradição com o dogma que afirmava ser o conteúdo sensorial
em arte um fim em si mesmo. Distrair os nossos sentimentos não
constitui objetivo final na intenção artística. O principal em música é
o inaudível, nas artes plásticas, o invisível e o intangível” [124, p. 109];
onde a imagem surge de modo intencional ou casual, ela nunca pode
servir de indício de poeticidade. Referindo-se a essa teoria de
Potiebnyá, Chklovski observa: “Essa teoria tem por base a equação:
figuração é igual à poeticidade. Na realidade tal igualdade não existe.
Para que existisse, seria necessário aceitar que todo emprego simbó-
lico da palavra é forçosamente poético, ao menos no primeiro mo-
mento da criação de dado símbolo. Entretanto, é possível o empre-
go da palavra em seu sentido indireto, sem que surja aí imagem
poética. Por outro lado, as palavras empregadas em sentido direto e
unificadas em orações que não propiciam nenhuma imagem po-
dem compor uma obra em poesia, como, por exemplo, o poema
de Puchkin: ‘Eu vos amei: o amor, quem sabe, ainda.’ A figuração, a
propriedade simbólica não é o que difere a linguagem da poesia da
linguagem da prosa” [131, p. 4] (pp. 54 – 55).
1.67 Em nenhum exemplo a impotência da teoria intelectual se
manifesta com tamanha plenitude e clareza como nos resultados
práticos a que ele conduziu. No fim das contas é mais fácil verificar
qualquer teoria pela prática que ela mesma suscita. A melhor prova
do quanto essa ou aquela teoria conhece e compreende corretamen-
te os fenômenos que estuda é a medida em que ela domina esses
fenômenos. E, se atentarmos para o lado prático da questão, vere-
mos uma manifestação evidente da absoluta impotência dessa teoria
no domínio dos fatos da arte. Nem no campo da literatura ou do
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seu ensino, nem no campo da crítica social, nem, por último, no
campo da teoria e psicologia da criação ela criou nada que pudesse
mostrar que dominou essa ou aquela lei da psicologia da arte. Em
vez de criar uma história da literatura, criou uma história da
intelectualidade russa (Ovsiániko-Kulikovski), uma história do pen-
samento social (Ivánov-Razúmnik) e uma história do movimento
social (Pipin). Até nesses trabalhos superficiais e metodologicamente
falsos ela deformou igualmente a literatura, que lhe serviu de mate-
rial, e a história social que tentou interpretar com o auxílio dos fenô-
menos literários. Quando aqueles autores tentaram entender a
intelectualidade dos anos 20 do século XIX, a partir da leitura de
Ievguiêni Oniéguin, criaram uma impressão igualmente falsa de Ievguiêni
Oniéguin e da intelectualidade dos anos 20. É claro que em Ievguiêni
Oniéguin existem certos traços da intelectualidade dos anos 20 do
século passado, mas esses traços saíram de tal forma modificados,
transfigurados, completamente dos outros, colocados em uma rela-
ção inteiramente nova com todo o encadeamento de ideias, que à
base deles é tão impossível fazer uma noção exata da intelectualidade
daqueles anos 20 quanto escrever as regras e leis da gramática russa
com base na linguagem dos versos de Puchkin.
Seria um mau estudioso aquele que partido do fato de que
em Ievguiêni Oniéguin “refletiu-se a língua russa” tirasse a conclu-
são de que, na língua russa, as palavras se distribuem na medida
do iâmbico tetrâmetro e rimam as estrofes em Puchkin. Enquanto
não aprendemos a separar os procedimentos complementares
da arte, através dos quais o poeta re-elabora o material que tirou
da vida, continua metodologicamente falsa qualquer tentativa de
conhecer seja o que for através da obra de arte.
Resta mostrar o último: que premissa universal dessa aplicação
prática da teoria – a tipicidade da obra de arte – deve ser vista
com a maior dúvida crítica. De forma alguma o artista fornece
uma foto coletiva da vida, e a tipicidade nunca consiste forçosa-
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mente na qualidade a que ele visa. É por isso que quem, esperando
encontrar sempre na literatura russa essa tipicidade, tentar estudar
a história da intelectualidade russa, tomando como exemplo Tchatski
e Pietchórin, arrisca-se a limitar-se a uma compreensão inteiramente
falsa dos fenômenos estudados. Partindo de semelhante orienta-
ção da investigação científica, corremos o risco de atingir o obje-
tivo apenas uma vez em cada mil. E isto, melhor que quaisquer
considerações teóricas, diz da inconsistência da teoria cujas inten-
ções tomamos como alvo da nossa pontaria (pp. 57 – 58).
1.68 Leve Alento
Anatomia e “fisiologia” da narração. Disposição e composição. Caracte-
rística do material. Sentido funcional da composição. Procedimentos auxiliares.
Contradição emocional e destruição do conteúdo pela forma.
Passemos da fábula à análise da novela. Nesse organismo ar-
tístico infinitamente mais elevado e complexo, deparamos com a
composição do material do pleno sentido do termo e estamos
em condições bem mais propícias para empreender a análise do
que quando tratamos da fábula.
Podemos considerar que os elementos básicos de que se consti-
tui qualquer nova novela já foram suficientemente elucidados pelos
estudos morfológicos levados a cabo na poética europeia e entre
nós nos últimos decênios. Como se costuma fazer, é mais conveni-
ente definir como material e forma da narração os dois conceitos bá-
sicos com que nos ocorre operar quando analisamos a estrutura de
alguma narração. Como já dissemos, devemos entender por material
e forma da narração os dois conceitos básicos com que nos ocorre
operar quando analisamos a estrutura de alguma narração. Como já
dissemos, devemos entender por material tudo o que o poeta usou
como já pronto – relações do dia a dia, histórias, casos, o ambiente,
os caracteres, tudo o que existia antes da narração e pode existir fora
e independentemente dela, caso alguém narre usando suas próprias
palavras para reproduzi-lo de modo inteligível e coerente. Deve-
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mos denominar forma da obra a disposição desse material segundo
as leis da construção artística no sentido exato do termo.
Já esclarecemos que nunca se deve subentender por esses ter-
mos apenas a forma externa sonora, visual ou qualquer outra for-
ma sensorial que se abra à nossa percepção. Nessa interpretação, a
forma é a que menos lembra um invólucro externo, uma espécie
de casca de que se reveste o fruto. Ao contrário, a forma aqui se
manifesta como um princípio ativo de elaboração e superação do
material em suas qualidades mais triviais e elementares. No que se
refere ao conto e à novela, a forma e o material costumam ser
tomados ao campo de relações, eventos e acontecimentos huma-
nos, e se destacamos o próprio acontecimento que serviu de base
a uma narração obtemos o matéria dessa narração. Se falarmos da
ordem e da disposição das partes em que esse material é apresen-
tado ao leitor, de como esse material foi narrado, estaremos tratan-
do da forma. É preciso dizer que na literatura especializada não
há, até hoje, acordo nem uma terminologia global para a questão.
Chklovski e Tomachevski chamam de fábula o material da nar-
ração, os acontecimentos do cotidiano que lhe servem de base, e
denominam enredo a elaboração formal desse material. Outros au-
tores, como Pietrovski, empregam essas palavras justamente em
sentido contrário e entendem por enredo o acontecimento que
motivou a narração e por fábula a elaboração artística desse acon-
tecimento. “Eu me inclino a empregar o termo enredo no sentido
de matéria da obra de arte. Enredo é uma espécie de sistema de
acontecimentos e ações (ou um acontecimento único, simples e
complexo em sua composição) que se apresenta ao poeta numa
ou noutra forma, que, entretanto, ainda não é resultado do seu
próprio trabalho de criação poética individual. Concordo com
denominar fábula o enredo poeticamente elaborado” [85, 197].
Seja qual for a interpretação que se dê a essas palavras, é pelo
menos necessário delimitar os dois conceitos, e com isto concordam
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decididamente todos. Doravante manteremos a terminologia dos
formalistas, que, dentro da tradição da literatura, denominam fábula
precisamente o material que serve de base à obra de arte. A correlação
de material e forma na narração é, evidentemente, uma correlação de
fábula e enredo. Se quisermos saber em que sentido desenvolveu-se a
obra de um poeta, expressa na narração, devemos perquirir por que
procedimentos e com que fins a fábula, presente na narração, foi
reformulada pelo poeta e enformada em determinado enredo poé-
tico. Consequentemente, estaremos autorizados a equiparar a fábula a
qualquer material de construção da arte. Para a narração, fábula é o
mesmo que são as palavras para o verso, a gama para a música, as
cores em si para a pintura, as linhas para o gráfico. Para a narração, o
enredo é o mesmo que o verso para a poesia, a melodia para a mú-
sica, o quadro para a pintura, o desenho para o gráfico. Em outros
termos, aqui deparamos sempre com a correlação de determinadas
partes do material, e podemos dizer que o enredo está para a fábula
da narração como o verso está para as palavras que o compõem, a
melodia para os sons que a constituem, a forma para o material.
É preciso dizer que essa interpretação desenvolveu-se com as
maiores dificuldades porque, graças à surpreendente lei da arte,
pela qual é de praxe o poeta tentar uma elaboração formal do
material em um modo oculto ao leitor, as pesquisas ficaram muito
tempo sem a menor condição de distinguir esses dois aspectos da
narração e sempre se confundiram quando tentaram estabelecer
essas ou aquelas leis da criação e recepção da narração. Há muito,
porém, os poetas sabiam que a disposição dos acontecimentos na
narração, o modo pelo qual o poeta leva a sua fábula ao conheci-
mento do leitor e a composição da sua obra são um problema de
suma importância para a arte verbal. Essa composição sempre foi
objeto de extrema preocupação – consciente ou inconsciente – de
poetas e romancistas, mas só atingiu seu desenvolvimento genuíno
na novela, que se desenvolveu, indiscutivelmente, a partir da nar-
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ração. Podemos considerar a novela uma modalidade pura de obra
com enredo, que tem como objeto central a elaboração formal da
fábula e sua transformação em enredo poético. A poesia criou
toda uma série de formas muito sutis e complexas de construção
e elaboração da fábula, e alguns escritores tiveram nítida consci-
ência do papel e significado de tal procedimento. Como mostrou
Chklovski, isto foi atingido de modo mais consciente por Sterne.
Este mostrou com plena evidência os procedimentos da constru-
ção do enredo e no final do Trístram Shandy apresentou cinco grá-
ficos do desenrolar da fábula nesse romance. “Começo – diz ele –
a entrar com plena consciência no assunto, e não tenho dúvida de
que vou conseguir dar continuidade à história do tio Toby, como
à minha própria, de modo bastante linear” (pp. 177-179).
1.69 O que representa o conteúdo do conto ou o seu material
tomado em si, tal como é? O que nos sugere a síntese de ações e
acontecimentos que se destaca desse conto como sua fábula evidente?
Dificilmente poderíamos definir com mais clareza e simplici-
dade o caráter de tudo isso como pelos termos “sedimento da
vida”. Na própria fábula desse conto não há, decididamente, ne-
nhum traço claro e, se tomarmos esses acontecimentos em seu
sentido vital e cotidiano, estaremos diante da vida simplesmente
apagada, insignificante e sem sentido de uma colegial provinciana,
vida que remonta notoriamente a raízes podres e, em termos de
valoração da vida, dá uma flor podre e permanece inteiramente
estéril. Estaria essa vida, esse sedimento vital, sendo levemente ide-
alizada, até certo ponto enfeitada no conto, haveria aí alguma ate-
nuação dos seus aspectos sombrios e sua promoção à “pérola da
criação”, estaria o autor simplesmente a tingi-la de cores róseas,
como se costuma dizer? Será que ele, oriundo do mesmo tipo de
vida, encontra algum encanto essencial e beleza naqueles aconteci-
mentos ou é a nossa avaliação que diverge pura e simplesmente
daquela que o autor faz dos seus acontecimentos e personagens?
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Devemos dizer francamente que nenhuma dessas hipóteses se
justifica quando estudamos o conto. O autor, ao contrário, além de
não procurar empanar esse sedimento vital, ainda o desvela em toda a
sua narração, representando-o com uma clareza palpável, como se
nos permitisse tocá-lo, experimentá-lo, convencermo-nos por nós mes-
mos, pôr o nosso dedo na ferida da vida. Como é fácil mostrar, o
autor ressalta com uma força palpável o vazio, a falta de sentido, a
insignificância dessa vida. Vejamos o que ele diz da sua personagem
central: “sem que se percebesse consolidou-se a sua fama no colégio,
e já corriam boatos de que ela era fútil, de que não poderia passar sem
namorados, de que o colegial Chênchin estava loucamente apaixona-
do por ela, de que ela também parecia amá-lo, mas o tratava de modo
tão volúvel que ele havia tentado suicídio...” Eis outras expressões
grosseiras e duras que desvelam a verdade patente da vida, pelas quais
o autor fala da ligação dela com o oficial: “Mischérskaia o seduziu,
manteve relações com ele, jurou que se tornaria sua mulher, mas na
estação ferroviária, no dia do assassinato, ao despedi-lo para
Novotcherkassk, disse de repente que nunca lhe havia sequer passado
pela cabeça amá-lo, que todas aquelas conversas sobre casamento não
passavam de deboche dela com ele...” Ou vejamos com que impie-
dade o autor torna a mostrar a mesma verdade no registro do diário
de Ólia, que desempenha a cena da aproximação com Maliútin: “Ele
está com cinquenta e seis anos, mas ainda é muito bonito e anda sem-
pre muito bem vestido – só não gostei de ele ter vindo de capa –,
cheira a colônia inglesa, tem os olhos bem jovens e a barba toda
prateada elegantemente dividida em duas longas partes.
Em toda essa cena, na forma como está registrada no diário,
não há um único traço que nos possa insinuar o movimento de um
sentimento vivo e capaz de iluminar nem sequer um mínimo aquele
quadro pesado e desanimador que se forma no leitor com a leitura
do episódio. A palavra amor nem é mencionada, e parece não haver
palavra mais estranha e incompatível com aquelas páginas.
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Assim, o autor apresenta sem a mínima esperança e em um tom
turvo o material sobre a vida, as concepções, os conceitos, as vivências
e os acontecimentos a ela relacionados. Consequentemente, ele não
só não embeleza como ainda desvela e nos permite sentir em toda a
sua realidade a verdade que serve de base ao conto. Reiteramos:
tomada por esse aspecto, a essência do conto pode ser definida
como sedimento da vida, como água sedimentar da vida. Contudo,
não é essa a impressão deixada pelo conjunto do conto.
Não é por acaso que o conto se chama “Leve alento”, e não
precisamos nos deter muito nele com atenção especial para desco-
brirmos que a leitura nos deixa uma impressão que não pode ser
caracterizada senão, por assim dizer, como total oposto àquela
impressão que produzem os acontecimentos narrados, tomados
em si mesmos. O autor atinge precisamente o efeito contrário, e o
verdadeiro tema do seu conto é, evidentemente, o leve alento e
não a história de uma vida confusa de uma colegial de província.
Não é um conto sobre Ólia Mieschérskaia, mas sobre o leve alen-
to, seu traço fundamental é o sentimento de libertação, leveza, re-
núncia e absoluta transparência da vida, que não pode ser deduzi-
do de maneira nenhuma dos próprios acontecimentos que lhe ser-
vem de base. Em parte alguma essa duplicidade da narração se
apresenta com tamanha evidência como na história da preceptora
de Ólia Mieschérskaia, que guarnece toda a narração. Essa
preceptora – a quem o túmulo de Ólia Mieschérskaia comunica
uma admiração fronteiriça com o embotamento, que daria meia
vida só para não ver diante dos seus olhos aquela grinalda morta e
que, no fundo da alma, é feliz a despeito de tudo como o são
todos os apaixonados e imbuídos de um sonho ardente – súbito
dá um sentido e um tom inteiramente novos a toda a narração.
muito tempo ela vive de uma fantasia que lhe substitui a vida real,
e Búnin, com a impiedade implacável do verdadeiro poeta, nos
fala com toda clareza que essa impressão de leve alento que seu
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conto irradia é uma fantasia que lhe substitui a vida real. E, de fato,
aqui impressiona a ousada comparação que o autor estabelece. Ele
menciona sucessivamente três dessas fantasias que substituíram nessa
preceptora a vida real: a princípio, uma dessas fantasias foi o ir-
mão, sargento-mor pobre e sem nenhum destaque – essa é a rea-
lidade. A fantasia estava em viver ela na estranha expectativa de
que o seu destino iria mudar por um toque de mágica graças a ele.
Depois, passou a viver do sonho de que seria ela uma trabalhado-
ra ideal, mais uma fantasia a substituir-lhe a realidade. “A morte de
Ólia Mieschérskaia deixou-a dominada por um novo sonho”, diz
o narrador, incorporando inteiramente essa nova fantasia às duas
anteriores. Com esse procedimento ele volta a desdobrar inteira-
mente a nossa impressão e, fazendo toda a narração refratar-se e
refletir-se na percepção da nova heroína como em um espelho,
decompõe, como em aspecto, todos os seus raios. Sentimos com
plena clareza e experimentamos o estilhaçamento da vida nesse
conto, o que nele há de realidade e de fantasia. E daqui o nosso
pensamento passa por si mesmo e facilmente à análise que já fize-
mos da estrutura. A linha reta é a realidade encerrada nesse conto,
e a complexa curva da construção dessa realidade, com que sim-
bolizamos a composição da novela, é o leve alento. E conjectu-
ramos: os acontecimentos estão reunidos e encadeados de tal for-
ma que perdem o peso do vivido e o sedimento baço; estão me-
lodicamente entrelaçados e, em seu crescimento, em suas soluções
e mudanças parecem voltar as linhas que os prendem; libertam-se
daqueles laços comuns em que se nos apresentam na vida e nas
impressões sobre a vida; esquivam-se da realidade, fundem-se uns
aos outros como as palavras se fundem ao verso. Já arriscamos
formular uma conjectura e dizer que o autor traçou a curva com-
pleta do seu conto para destruir o sedimento baço da vida, fazer
dele transparência, leva-lo a esquivar-se da realidade e transformar
água em vinho como sempre o faz a obra de arte. As palavras de
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uma narração ou de um verso implicam o seu sentido simples, a
sua água, enquanto a composição, ao criar sobre essas palavras,
acima delas, um novo sentido, dispõe tudo isso em um plano bem
diferente e transforma a água em vinho. Assim, a história banal de
uma colegial de vida desregrada é aqui transformada no leve alen-
to do conto de Búnin (pp. 188-192).
1.70 A frase conclusiva, que antes denominamos catastrófica,
resolve esse final instável em dominante: a inesperada confissão jo-
cosa sobre o leve alento funde em um todo ambos os planos da
narração. E nem aqui o ator empana nem sequer o mínimo a reali-
dade e nem a funde com a invenção. O que Ólia Meschérkaia conta
à colega é jocoso no mais exato sentido da palavra, e quando repro-
duz as palavras do livro “bem, é claro, os olhos negros fervendo
como breu, palavra que estava escrita assim: fervendo como breu! –
os cílios negros com a noite...”, etc., tudo simples e exatamente jo-
coso. E esse ar real e verdadeiro – “escuta como eu suspiro” –
também o é, uma vez que pertence à realidade, é simplesmente um
detalhe jocoso dessa estranha conversa. Mas esta, tomada em outro
contexto, ajuda imediatamente o autor a fundir todas as partes dis-
persas da sua narração e em linhas catastróficas para, de repente,
diante de nós em uma concisão inusitada toda a história que vai desse
leve suspiro a esse vento frio da primavera no túmulo, e nós efetiva-
mente nos convencemos de que se trata da história do leve alento.
Poderíamos mostrar em detalhes que o autor se vale de toda
uma variedade de recursos auxiliares, que servem ao mesmo fim.
Apontamos apenas um procedimento mais notório e claro de en-
formação artística, vale dizer, a composição do enredo; é natural,
porém, que na elaboração da impressão que nos vem dos aconteci-
mentos, na qual achamos encerrar-se a própria essência do efeito da
arte sobre nós, cabe papel não só à composição do enredo como
também a toda uma série de outros momentos. Na maneira como
o autor narra esses acontecimentos, em que linguagem, em que tom,
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como seleciona as palavras, como constrói as frases, descreve cenas
ou faz uma breve exposição dos seus resultados, cita diretamente
diários ou diálogos das suas personagens ou simplesmente nos põe
a par dos acontecimentos transcorridos – em tudo isso também se
reflete a elaboração artística do tema, que tem significado igual ao
do procedimento que mencionamos e examinamos.
Entre outras coisa, é da maior importância a própria seleção dos
fatos. Para efeito de comodidade do raciocínio, começamos contra-
pondo a composição à disposição com o momento natural ao mo-
mento artificial, esquecendo que a própria disposição, isto é, a escolha
dos fatos sujeitos à enformação, já é um ato de criação. Na vida de
Ólia Miescherskaia houve milhares de acontecimentos, milhares de
conversas, a relação com o oficial implicou dezenas de peripécias,
Chênchin não foi o único em seus envolvimentos no colégio, mais de
uma vez ela soltou a língua com a diretora falando de Maliútin, mas,
por algum motivo, o autor escolheu tais episódios, abandonando mi-
lhares de outros, e nesse ato de escolha, de seleção, de corte do desne-
cessário já se manifestou, é claro, o ato criador. Como o pintor que, ao
pintar uma árvore, absolutamente não descreve, e nem pode descre-
ver cada folha separadamente, mas produz ora a impressão geral e
sumária em mancha, ora algumas folhas separadas, do mesmo modo
o escritor, ao escolher os traços de que necessita nos acontecimentos,
elabora intensamente e reconstrói a matéria vital. No fundo, come-
çamos a ultrapassar os limites dessa seleção quando passamos a esten-
der a esse material as nossas apreciações da vida.
Blek exprimiu magnificamente essa regra da criação em poema,
quando contrapôs, de uma lado:
Vida sem princípio nem fim
O acaso pilha a todos nós.
E, de outro:
Apaga os limites casuais
E verás: o mundo é belo.
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Em particular, costuma merecer atenção especial a organização
do próprio discurso do escritor, sua linguagem, a estrutura do rit-
mo, a melodia da narração. Na frase clássica inusitadamente tranquila
e pesada com que Búnin desenvolve a sua novela, estão contidos
todos os elementos e forças indispensáveis à realização artística do
tema. Posteriormente teremos de falar do importantíssimo signifi-
cado que tem a estrutura do discurso do escritor para a nossa respi-
ração. Fizemos toda uma série de registros da nossa respiração du-
rante a leitura de trechos de poesia e prosa de diferentes estruturas
rítmicas, em particular registramos integralmente a respiração du-
rante a leitura desse conto: Blonski tem toda razão ao dizer que, no
fundo, nós sentimos como respiramos, e é sumamente sintomático
para o efeito emocional de toda obra o sistema de respiração que
lhe corresponde. Ao nos obrigar a despender a respiração com ava-
reza, em pequenas porções, a retê-la, o autor cria facilmente um
campo emocional geral para a nossa reação, um campo de ânimo
melancolicamente retido. Ao contrário, quando nos força a lançar
fora de uma só vez todo o ar que temos nos pulmões e tornar a
preencher energicamente essa reserva, o poeta cria um campo emo-
cional bem diferente para a nossa reação estética.
Ainda teremos oportunidade de falar da importância que atri-
buímos àqueles registros da curva da respiração, e do que esses
registros ensinam. Contudo, parece-nos oportuno e muito significa-
tivo o fato de que, como mostra o registro pneumográfico, a nos-
sa própria respiração durante a leitura desse conto é um leve alento,
de que lemos sobre um assassinato, uma morte, um sedimento,
sobre todo o horrendo que esteve associado ao nome de Ólia
Mieschérskaia, mas, durante essa leitura, respiramos como se não
percebêssemos o horrendo, como se cada frase trouxesse a
elucidação e a solução desse horrendo. E, em vez de uma tensão
angustiante, experimentamos quase uma patológica leveza. Isto
marca, em todo caso, a contradição emocional, o choque de dois
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sentimentos contrários, que pelo visto constitui a admirável lei
psicológica da novela. Digo admirável porque fomos preparados
por toda a estética tradicional para uma compreensão dia-
metralmente oposta da arte: durante séculos os especialistas em
estética vêm afirmando a harmonia da forma e do conteúdo, di-
zendo que a forma ilustra, completa, acompanha o conteúdo e de
repente descobrimos que isto é o maior dos equívocos, que a for-
ma combate o conteúdo, luta com ele, supra-o, e que nessa contra-
dição dialética entre conteúdo e forma parece resumir-se o verda-
deiro sentido psicológico da nossa reação estética. Efetivamente
nos pareceu que, ao desejar representar o “Leve alento”, Búnin
devia ter escolhido o mais lírico, o mais sereno, o mais transparente
que pudesse encontrar nos acontecimentos, ocorrências e caracteres
do dia a dia. Por que ele não nos falou de um primeiro amor
transparente como o ar, puro e imaculado? Por que ele escolheu o
mais horrendo, grosseiro, pesado e turvo quando quis desenvolver
o tema do leve alento?
Parece que chegamos à conclusão de que na obra de arte há
sempre certa contradição subjacente, certa incompatibilidade in-
terna entre o material e a forma, de que o autor escolhe como que
de propósito um material difícil e resistente, desse que resiste com
suas propriedades a todos os empenhos do autor no sentido de
dizer o que quer. E quanto mais insuperável, persistente e hostil é o
próprio material, tanto mais aparenta estar pronto para o autor. E
aquele aspecto formal de que o autor reveste esse material não se
destina a desvelar as propriedades contidas no próprio material, a
desvelar a vida de uma colegial russa até o fim, em toda a sua
tipicidade e profundidade, a analisar e fixar os acontecimentos em
sua verdadeira essência, mas justamente ao contrário: destina-se a
superar essas propriedades, a fazer o horrendo falar a linguagem
do leve alento, o sedimento da vida em um ressoar sem-fim como
o vento frio da primavera (pp. 196 – 199).
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CRONOLOGIA
1896 - De uma próspera família judia, nasce, no dia 17 de novembro, em Orsha,
Bielorússia, Lev Semionovich Vygotsky.
1905 - Ocorre a revolta popular contra o czarismo russo, com a revolta do
encouraçado Potemkin, no Porto de Odessa. O incidente que é conside-
rado pelos historiadores especialistas no tema como um dos antecedentes
imediatos da Revolução Bolchevista.
1911 - Com 15 anos, Vygotsky entra, pela primeira vez, em uma escola. Antes
estudara as primeiras letras com tutores particulares.
1913 - Conclui o curso secundário e inicia, na Universidade de Moscou, o curso
de direito.
1914 - Interessado por história e filosofia, frequenta aulas na Universidade
Popular de Shanyavskii.
1915 - Aparecem os primeiros sintomas da tuberculose, doença que o mataria
precocemente.
1916 - Também interessado em literatura, paralelamente ao curso de direito,
analisa a obra máxima de Shakespeare em A tragédia de Hamlet, príncipe da
Dinamarca.
1917 - Explode a Revolução Bolchevista, terminando com a secular monarquia
czarista e alçando os seguidores de Karl Marx ao poder na velha Rússia,
capitaneados por Lenin e Trostsky. Vygotsky conclui seu curso de direito
na Universidade de Moscou. Retorna a Gomel, onde lecionara anterior-
mente.
1920 - O diagnóstico que confirma a tuberculose o leva a uma produção acele-
rada, premido pelo sentido da urgência de sua curta perspectiva de vida.
1924 - Retorna a Moscou, envolvendo-se em vários projetos, que acabaram por
torná-lo o verdadeiro fundador da escola soviética de psicologia, tendo
desenvolvido seus primeiros estudos na área em psicologia da arte. Em
uma Rússia emergida da Revolução, Vygotsky, com outros bolchevistas,
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tenta reescrever a psicologia e a teoria da educação com base no mate-
rialismo dialético.
1924 - Já conhecido e reconhecido, recebe convites para proferir palestras em
importantes centros. Realiza uma conferência no II Congresso de
Psiconeurologia de Leningrado, evento importante para a divulgação de
suas ideias. Convidado por Kornilov, em Moscou, inicia seu trabalho no
Instituto de Psicologia. Morre Lênin, e o poder é assumido por Stalin.
1925 - Escreve Psicologia da arte, mas a censura stalinista impede a publicação de
suas obras na Rússia. Inicia a organização do Laboratório de Psicologia
para Crianças Deficientes.
1929 - Transformação do Laboratório em Instituto de Estudos das Deficiências
que, após sua morte, tornou-se Instituto Científico de Pesquisas sobre
Deficiências, da Academia de Ciências Pedagógicas.
1934 - Morre, com apenas 37 anos, no dia 11 de junho. É publicado, pela
primeira vez, seu livro Pensamento e linguagem, na URSS.
1953 - Morre Stalin.
1956 - Tem início do processo de “desestalinização” da URSS por Nikita Kruchev.
1962 - A obra Pensamento e linguagem é publicada pela primeira vez no Ocidente
(Estados Unidos).
1982-1984 - São publicadas as Obras completas de Vygotsky, na URSS.
1984 - É publicada a coletânea “A formação Social da mente”, no Brasil.
1987 - É pulicado, no Brasil, o livro Pensamento e linguagem.
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Este volume faz parte da Coleção Educadores,
do Ministério da Educação do Brasil, e foi composto nas fontes
Garamond e BellGothic, pela Sygma Comunicação,
para a Editora Massangana da Fundação Joaquim Nabuco
e impresso no Brasil em 2010.
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