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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO, ARTE E HISTÓRIA DA CULTURA
JANAINA DA SILVA AUGUSTO
JOSÉ ANTONIO LUTZENBERGER: TRAJETÓRIA DE VIDA, OBRA E
CONTRIBUIÇÃO PARA A CAUSA AMBIENTAL NO BRASIL
São Paulo
2010
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JANAINA DA SILVA AUGUSTO
JOSÉ ANTONIO LUTZENBERGER: TRAJETÓRIA DE VIDA, OBRA E
CONTRIBUIÇÃO PARA A CAUSA AMBIENTAL NO BRASIL
Dissertação apresentada à Universidade
Presbiteriana Mackenzie como parte das
exigências para a obtenção do título de
Mestre em Educação, Arte e História da
Cultura.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Petra Sanchez Sanchez
São Paulo
2010
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A923j Augusto, Janaina da Silva
José Antonio Lutzenberger: trajetória de vida, obra e contribuição
para a causa ambiental no Brasil / Janaina da Silva Augusto – São
Paulo, 2010.
178 f. : il. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e História da
da cultura) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São
Paulo, 2010.
Bibliografia: f. 126-133.
1. Trajetória da vida de Lutzenberger. 2. Ambientalismo.
3. Educação ambiental. I. Título.
CDD 378.8161
4
JANAINA DA SILVA AUGUSTO
JOSÉ ANTONIO LUTZENBERGER: TRAJETÓRIA DE VIDA, OBRA E
CONTRIBUIÇÃO PARA A CAUSA AMBIENTAL NO BRASIL
Dissertação apresentada à Universidade
Presbiteriana Mackenzie como parte das
exigências para a obtenção do título de
Mestre em Educação, Arte e História da
Cultura.
Aprovada em / /2010
BANCA EXAMINADORA
Prof.ª Dr.ª Petra Sanchez Sanchez
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof.ª Dr.ª Gilda Collet Bruna
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof.ª Dr.ª Maria Ines Zanoli Sato
Fundação Armando Alvares Penteado FAAP
5
Dedico esse trabalho a todos os mestres que
carinhosamente cativaram minha alma com seus
ensinamentos, especialmente à inesquecível Irene
Rosa Sabiá por despertar minha consciência para a
sinfonia da vida.
E ao meu querido companheiro Robson Cristie de
Moura, sempre presente e devotado, pois sem
amor eu nada seria.
6
AGRADECIMENTOS
À Prof.ª Dr.ª Petra Sanchez Sanchez, por contribuir significativamente para o
desenvolvimento desse trabalho. Pela parceria, paciência e apoio permanente
com suas sábias orientações.
Às Dr.
as
. Gilda Collet Bruna e Maria Inês Zanoli Sato, que muito colaboraram
com observações esclarecedoras e importantes indicações.
Ao Prof. Ivo Eduardo Roman Pons, pela oportunidade de realizar um estágio
dinâmico, participativo e com muito significado, através do curso de desenho
industrial na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Presbiteriana Mackenzie.
Ao Prof. Attílio Brunacci, pelas contribuições significativas para o
aperfeiçoamento do texto.
Ao amigo Francione Oliveira de Carvalho, pela motivação, carinho e presença
em todas as etapas de mudança em minha vida.
À querida amiga Fernanda Meireles, pela ajuda imprescindível e por fortalecer
permanentemente nossos laços de amizade.
Ao amigo João Martins, pelo companheirismo e cumplicidade.
A todos os entrevistados: Lilian Dreyer, Augusto César Carneiro, Celso Marques,
Jesus Delgado e Washington Novaes, que dedicaram seu tempo, com carinho e
atenção, para a realização desse trabalho.
À minha família, especialmente às minhas pequenas sobrinhas, que renovam meu
ânimo e despertam o que há de melhor em mim.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPES –,
pela bolsa de estudo concedida, e ao fundo Mackenzie de Pesquisa
Mackpesquia –, pelo apoio financeiro por meio da reserva técnica.
7
Por que eu sempre nado contra a corrente? Porque só assim se chega
às nascentes.
José Antonio Lutzenberger
A verdadeira, a mais profunda Espiritualidade consiste em sentir-nos
parte integrante deste maravilhoso e misterioso processo que
caracteriza Gaia, nosso planeta vivo: a Fantástica Sinfonia da
Evolução Orgânica que nos deu origem junto com milhões de outras
espécies. É sentir-nos responsáveis por sua continuação e
desdobramentos.
José Antonio Lutzenberger
8
RESUMO
Esta pesquisa procura conhecer a trajetória de vida do agrônomo e ambientalista
José Antonio Lutzenberger e com ela, avaliar sua contribuição para a causa
ambiental brasileira. A partir da análise do trabalho e das obras que desenvolveu
ao longo de seu percurso profissional, a pesquisa aponta as mudanças de
paradigmas do ambientalismo nacional. Identifica as características da origem
familiar, da formação e do desenvolvimento profissional, assim como o
pioneirismo na implantação da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente
Natural AGAPAN, expondo a importância das suas ações. Reconhece as suas
contribuições para o desenvolvimento de políticas públicas em prol do meio
ambiente durante a sua gestão como Secretário Especial do Meio Ambiente no
Governo de Collor de Mello. A investigação permite constatar a relevância da
sua luta contra a disseminação indiscriminada de agrotóxicos nas lavouras do
país, proposta pela “revolução verde”; coloca em evidência as conquistas para a
causa ambiental através da lei dos agrotóxicos e apresenta a agricultura ecológica
como alternativa para o modelo agroindustrial vigente. Observa as características
dos projetos de educação ambiental da Fundação Gaia, criada por Lutzenberger,
que se preocupa em propagar seus ensinamentos de respeito à vida e em
harmonia com a natureza.
Palavras-chave: Trajetória de vida de Lutzenberger. Ambientalismo. Educação
ambiental.
9
ABSTRACT
This research seeks to know the path of life of
agronomist and environmentalist
José Antonio Lutzenberger and with it valuate your contribution to the brazilian
environmental cause. From the analysis of the work and the handworks that he
made throughout his career, the research appoint to the change paradigms of
national environmentalism. Identify the features of family origin, of formation
and professional formation, as if the pioneerism in implantation of Associação
Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural - AGAPAN, explaining the importance
of their actions. Recognize their contributions to the development on public
politics in favor of the environment, in the time of their management as Special
Secretary Environment in the government of Fernando Collor de Mello. The
investigative allow find out the relevance of their struggle against the widespread
indiscriminate of agrotoxin in the plantations of the country, proposed by the
"green revolution", put in evidence the achievements for the environmental cause
across agrotoxin law and presents the way of agriculture ecologic as an
alternative to the prevailing agro-industrial model. Observe the features of the
draft environmental education of Fundação Gaia, created by Lutzenberger, which
worry about spreading his teachings of respect for life and with harmony with
nature.
Keywords: Lutzenberger’s path of life. Environmentalism. Environment
education.
10
SUMÁRIO
1
1.1
1.2
1.3
1.4
1.5
INTRODUÇÃO
...............................................................................................
JUSTIFICATIVA............................................................................................
HIPÓTESE......................................................................................................
OBJETIVOS DA INVESTIGAÇÃO.............................................................
REFERENCIAL TEÓRICO..........................................................................
CRITÉRIOS METODOLÓGICOS..............................................................
1.5.1 Roteiro das entrevistas.............................................................................
1.5.2 Conhecendo os entrevistados............................................................
11
25
27
27
28
33
35
37
2
2.1
2.2
2.3
2.4
2.5
CAPÍTULO 1 - JOSÉ ANTONIO LUTZENBERGER: A
TRAJETÓRIA DE VIDA DE UM AMBIENTALISTA.............................
A origem familiar e sua formação acadêmica..................................................
A BASF: do desafio à reação sob contra a proliferação dos agrotóxicos.......
O retorno ao Brasil e a fundação da Associação Gaúcha de Proteção ao
Ambiente Natural (AGAPAN).........................................................................
O envolvimento político e a defesa da causa ambiental no governo Collor de
Mello................................................................................................................
O fim da trajetória: o reconhecimento público das ações de Lutzenberger.....
41
41
45
50
60
72
3
3.1
3.2
3.3
CAPÍTULO 2 - EM DEFESA DA AGRICULTURA BIODINÂMICA....
Lutzenberger e a “revolução verde”.................................................................
As contribuições de Lutzenberger e da AGAPAN para a regulamentação da
Lei nº. 7.747/82 – Lei dos agrotóxicos.............................................................
Agricultura ecológica: uma alternativa sustentável..........................................
78
78
86
95
11
4
4.1
4.2
CAPÍTULO 3 - O LEGADO DE LUTZENBERGER................................
A importância da Fundação Gaia enquanto forma de perpetuação ideológica
dos fundamentos ambientais de Lutzenberger.................................................
4.1.1 O Rincão Gaia.........................................................................................
Os projetos de educação ambiental desenvolvidos pela Fundação Gaia..........
103
103
110
114
5
C
ONSIDERAÇÕES FINAIS
...............................................................................
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................
ANEXOS....................................................................................................................
121
126
134
12
1 INTRODUÇÃO
O interesse pelo presente estudo surgiu a partir de minha atuação no
campo de educação ambiental, pois sempre voltei meu trabalho às reflexões e
ações conscientes em relação ao meio ambiente. Por esse motivo, compreender
como o discurso ambiental surgiu e se desenvolveu no Brasil tornou-se
fundamental. Na busca dessa compreensão, fui cativada pela história de vida de
Lutzenberger, toda ela dedicada à discussão e análise das questões ambientais
que se avolumavam e que passaram a chamar a atenção de muitos brasileiros a
partir da década de 1970.
Durante estágio realizado no período da graduação, na Coordenadoria de
Educação Ambiental da Secretaria Estadual do Meio Ambiente de São Paulo,
orientada pela professora Irene Rosa Sabiá, pude perceber a multiplicidade dos
problemas ambientais que afetavam e continuam afetando - a sociedade
moderna. Diante desse quadro, o papel desse órgão do governo era formar
agentes multiplicadores conscientes de que tinham sobre si a responsabilidade de
transformar a sociedade, no que dizia respeito à proteção do meio ambiente. Era
uma tarefa que estava intimamente relacionada aos objetivos de várias entidades
ambientais do Estado de São Paulo. Procurando descobrir e compreender a
gênese do movimento ambiental brasileiro, comecei avaliar o significado da
Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural – AGAPAN –, fundada por
José Antonio Lutzenberger em 1971. Assim sendo, as informações sobre essa
entidade e sobre esse importante protagonista do ambientalismo foram a
motivação necessária para desenvolver essa pesquisa e levantar dados que
comprovassem suas contribuições e fizessem jus ao seu significado no
desenvolvimento de práticas ambientais, pautadas pela equidade e pelo
desenvolvimento sustentável. Aliás, essa preocupação com o desenvolvimento
sustentável se tornou uma expressão que entrou para o vocabulário ambiental
somente na década de 1990, com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992.
13
Minha formação na área de história sempre me impulsionou para o
entendimento dos contextos sociais de diferentes épocas, assim como de suas
respectivas mudanças. Tendo em mente que a dúvida era o ponto de partida para
o conhecimento, lancei-me a indagar sobre o momento histórico em que se
formou o movimento ambiental brasileiro, ressaltando a relevância de
Lutzenberger e sua contribuição para as práticas ambientais vigentes. Espera-se
que o produto final da pesquisa estabeleça um vínculo com a questão ambiental
do tempo presente e atinja os interesses da sociedade.
A análise da trajetória de vida de José Antonio Lutzenberger dialoga com
a formação das bases dos movimentos ambientais no Brasil, formação essa que
permite traçar um panorama de um agudo processo de expansão industrial na
época do governo militar. Através da apreciação das ações práticas, foram
estudadas as suas contribuições para o desenvolvimento de uma ética de caráter
ambiental, baseada na equidade e na valorização do homem e do meio ambiente.
Lutzenberger, em sua luta por uma agricultura regenerativa, corroborou a
efetivação do movimento ambiental com bases técnicas sólidas e bem
estruturadas. Com efeito, esse tipo de agricultura consiste em promover a
produção de alimentos saudáveis, a criação de ciclos fechados de geração de
insumos, a partir de resíduos, e sua aplicação no campo de práticas
conservadoras da natureza.
Intercalado a sua história de vida, pretende-se, ainda, conduzir uma
reflexão sobre a caminhada do ambientalismo, assim como compreender as
contribuições e o legado deixados por esse personagem. Isso porque sua
trajetória de vida também nos revela que ele esteve ainda intimamente
relacionado com questionamento da postura consumista – uma das características
da sociedade capitalista - como o combate ao uso indiscriminado dos agrotóxicos
e com busca de um equilíbrio entre o meio ambiente e o crescimento econômico.
Procurar entender as concepções e a gênese dos movimentos
ambientalistas incluiu também buscar os personagens centrais, que contribuíram
de forma significativa para estruturar esses movimentos. Nesse cenário,
encontra-se Lutzenberger que, além de sua competência técnica, proferia
14
discurso eloquente e incisivo, contemplado pela mídia que enfatizava de tal
modo a sua imagem, a ponto de fazer com que os problemas ambientais do Brasil
ganhassem projeção internacional.
É parte do entendimento da trajetória do ambientalismo – seja no Brasil ou
no exterior fazer uma análise do conceito de modernidade, o qual se inicia a
partir da Revolução Industrial, no século XVIII. Com efeito, esse período foi
marcado pelo advento de um avançado processo de industrialização, que acelerou
a intervenção direta do homem na natureza, o qual passou a explorar
intensivamente os seus recursos. Os efeitos e a repercussão desse fenômeno
socioeconômico que definiu a modernidade industrial são analisados por
Berman:
A experiência ambiental da modernidade industrial
anula todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe
e nacionalidade, de religião e ideologia: neste sentido,
pode-se dizer que a modernidade une a espécie
humana. Porém é uma unidade paradoxal, uma unidade
de desumanidade: ela despeja a todos num turbilhão de
permanente desintegração e mudança, de luta e
contração, de ambigüidade e angústia
(BERMAN,
1986, p. 15).
Uma das características dessa modernidade pode ser avaliada pelos
resultados negativos do desenvolvimento industrial. Na verdade, a modernidade
foi marcada por impactos profundos e acumulativos no meio ambiente. Esses
impactos se tornaram responsáveis pela crise que está assentada na relação do
“homem moderno” com a natureza.
A partir da segunda metade do século XX, o problema do meio ambiente
tornou-se alvo de preocupação dos setores da política, da economia e da
sociedade. Isso porque esses setores se deram conta da exploração descontrolada
dos recursos naturais, os quais, sendo processados pela indústria estavam
gerando uma intensa poluição e levando ao esgotamento de matérias-primas.
Estava em marcha acelerada um possível colapso do sistema produtivo e, o mais
importante, geraria um nível de poluição prejudicial à qualidade de vida das
pessoas e do meio ambiente. Nesse sentido, esse período passou a ser visto com
15
uma perspectiva crítica em relação aos impactos gerados pelo curso de uma
modernidade que se revelava danosa.
Como resultado dessa percepção crítica, evolui a ideia de que proteger o
meio ambiente e os recursos naturais é a principal maneira de suprir as
necessidades humanas, dentro de uma perspectiva sustentável. Daí resulta a
compreensão da importância das práticas de conservação dos bens que a natureza
nos proporciona, como forma de preservação e manter a vida humana.
É diante desse conceito de desenvolvimento que surgem as ações
coletivas, acompanhadas de discurso político em torno de questões
socioambientais. São ações que envolvem não criar processos industriais mais
racionais em relação aos limitados recursos da natureza, como também modelos
alternativos de produção, os quais começam a se manifestar através dos
movimentos que buscam conscientizar a respeito da gravidade do problema e;
assim os cidadãos conscientizados passam a transformar valores e instituições da
sociedade. Essas manifestações implicam um processo conflitivo em que a
questão ambiental se apresenta como campo estratégico e político heterogêneo,
“[...] onde se mesclam interesses sociais, significados culturais e processos
materiais que configuram diferentes racionalidades” (LEFF, 2001, p.72).
Esse raciocínio é compartilhado com o sociólogo espanhol Manuel
Castells (1999, p.143), para quem “o ambientalismo representa todas as formas
de comportamento coletivo que, tanto em seus discursos como em sua prática,
visam corrigir formas destrutivas do relacionamento entre o homem e o ambiente
natural”.
Ao analisar os movimentos ambientalistas, Castells (1999) deu ênfase a
cinco correntes com características particulares; elas coexistem ainda hoje e
podem ser identificadas em diferentes discursos e ações na proposta do
ambientalismo. O quadro a seguir compara as principais tipologias das vertentes
dos movimentos ambientais, que se desenvolveram ao longo de processos
históricos distintos.
QUADRO 1 – Tipologias dos movimentos ambientalistas
16
Tipo Meta Identidade Adversários
1. Preservação da Natureza
(defesa pragmática das causas
voltadas à preservação natural)
Preservação da
vida selvagem
Amantes da
natureza
Desenvolvimento
não controlado
2. Defesa da própria
comunidade (questionamentos
da escolha do despejo de
resíduos e falta de transparência
sobre o uso do espaço público)
Qualidade de
vida e saúde
Comunidade local
Agentes
poluidores
3. Contracultura (tentativa
deliberada de viver com base em
princípios e crenças alternativas)
Ecotopia O “ser verde” Industrialismo e
tecnocracia
4. Greenpeace
(foco centrado na preservação
dos recursos e seres do planeta)
Sustentabilidade
ambiental
Internacionalistas
na luta pela causa
ecológica
Desenvolvimento
global
desenfreado
5. Política verde
(estratégia específica para
ingressar no universo da política
em prol do ambiente)
Política de
conscientização
em relação ao
meio ambiente
Cidadãos
preocupados com
a proteção do
meio ambiente
Establishment (o
sistema) político
Fonte: Adaptado de CASTELLS (1999, p.143-4).
Segundo Castells (1999), o primeiro grupo abrange as instituições que se
identificam como amantes da natureza, militando basicamente contra o
desenvolvimento não controlado e tendo como objetivo a preservação da vida
selvagem. O segundo representaria os que têm sua identidade alicerçada na
comunidade local, visando à melhoria da qualidade de vida em sítios específicos,
lutando em geral contra agentes poluidores e demais problemas congêneres que
afetem diretamente uma comunidade. O terceiro tipo é talvez um dos que mais
tradicionalmente é vinculado à causa ambiental, sendo aquele que possui raízes
na contracultura da década de 1960, identificando-se com o “ser verde”, o
objetivo deste tipo de movimento ambiental é a “ecotopia”, vinculando revolução
cultural e ação ambiental, na medida em que muitos movimentos da
contracultura pregavam uma obediência completa unicamente às leis da natureza,
o que culminou na idealização de muitas “sociedades alternativas” com uma
utopia própria, isto é, um projeto definido a partir da relação com a natureza. A
quarta categoria, provavelmente a de maior alcance hoje, é a dos
internacionalistas na luta pela causa ecológica, pregando a sustentabilidade e
lutando contra o desenvolvimento global desenfreado, modalidade da qual se
evidencia o Greenpeace. E o último grupo, seria composto por aqueles que
17
preferem agir através da chamada “política verde” na criação dos Partidos
Verdes, baseados na identidade de cidadãos conscientes, almejando uma
oposição às instituições políticas tradicionais.
Cumpre acrescentar que o estudo dos movimentos ambientalistas
possibilitou verificar a ocorrência de mudança da postura ideológica dentro das
sociedades capitalistas industriais. De igual modo, permitiu traçar um panorama
retrospectivo de caráter político, social e econômico em determinadas épocas, a
partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano,
realizada em Estocolmo entre os dias 5 e 16 de junho de 1972. Desse evento
internacional nasceu a Declaração sobre Meio Ambiente Humano que serviu para
alertar os povos quanto à preservação e à melhoria do meio ambiente.
O processo histórico de formação desses movimentos tinha em seu bojo
uma base contestatória, uma vez que suas raízes ideológicas estavam contidas
nas ações de contracultura dos anos de 1960. Com efeito, nessa ocasião, o papel
principal era denunciar o mal-estar causado pelas sociedades industrializadas, as
quais extrapolavam os limites de produção e de consumo sem planejamento em
termos de consequências ambientais. Continham, também, raízes em um modelo
de progresso associado ao risco e à exploração desmedida e irracional dos
recursos naturais.
O questionamento do modelo implantado pelas sociedades ocidentais
desenvolvidas teve como contraponto um modelo de vida alternativa, que
procurava romper com os valores inseridos em uma postura típica das bases
sociais presente na década de 1960, como é possível verificar no seguinte
depoimento:
Com efeito, contesta-se o poder do Estado sobre os cidadãos, a dos
homens sobre as mulheres, a dos médicos sobre os pacientes, a dos
pais sobre os filhos, a das escolas sobre as crianças etc. (...) Os
movimentos de contracultura questionam o militarismo, o
consumismo, o valor do trabalho, e, sobretudo, a própria repressão
inerente à sociedade industrial moderna (SALEM, 1991, p. 65).
18
A vida alternativa e de caráter anticonsumista então proposta era voltada
para os valores da natureza e do convívio comunitário, e questionava o modelo
capitalista da sociedade industrial. Seus adeptos propunham que esse sistema
socialmente estruturado cedesse lugar à vivência coletiva, na qual os aspectos
afetivos tivessem domínio sobre os laços formais de controle social (VIOLA,
1987).
Todavia, é importante desmistificar a lenda de que a formação desses
movimentos estivesse ligada à subjetividade da contemplação da natureza. Na
verdade, seu valor contestatório ia muito além desse aspecto subjetivo. Com
efeito, nele prevalecia o discurso crítico em relação à sociedade ocidental
industrializada, traçando um novo panorama mundial. Tratava-se de um
panorama no qual o capitalismo ligado ao consumo exacerbado devia ser
questionado. Nessa circunstância, o meio ambiente passou a ser abordado de
forma amplamente consciente, possibilitando admitir uma relação holística do
homem e do meio que o cerca, em outros termos, uma visão considerando essa
relação como um “todo”, que dava a entender um movimento que procurava
superar a visão da natureza com se ela fosse divida em partes mecanicamente
integradas, como promoveu a visão cartesiana do mundo.
No decorrer da década de 1970, manifestou-se mais claramente a
necessidade de discutir práticas e promover mobilizações que evidenciassem o
mecanismo ecológico global, pois os impactos no meio ambiente foram se
tornando mais evidentes e as necessidades humanas a serem atendidas ficaram
cada vez mais urgentes (VIOLA e LEIS, 1992).
Os movimentos ambientalistas nasceram na contramão da organização do
Estado capitalista. Por isso, é importante evidenciar o papel desse Estado frente
aos movimentos oposicionistas e contestadores e às políticas ambientais
desenvolvidas para atender aos anseios sociais e às determinações propostas na
Conferência de Estocolmo (EVERS, 1983).
Na verdade, os interesses dos Estados capitalistas e dos grandes grupos
econômicos se revelaram antagônicos à formação dos movimentos
ambientalistas. Sendo assim, passa-se a discutir e a pressionar os governos,
19
reivindicando políticas públicas que dessem ênfase às questões embutidas no
conceito de desenvolvimento sustentável e uma ética voltada para a preservação
do meio ambiente.
Cumpre dizer que a trajetória desses movimentos ultrapassou as fronteiras
dos países desenvolvidos e se prolongou até a América Latina. Dessa maneira, a
sua criação no continente sul-americano e, especificamente, no Brasil se adaptou
à realidade dos múltiplos povos que nele vivem, visando solucionar os problemas
ambientais e específicos dos países sul-americanos em vias de desenvolvimento,
como assinala Viola e Leis:
A cultura ecológica elaborada no Norte (principalmente nos EUA) expressa
a experiência da desordem da biosfera no âmbito de sociedades capitalistas
avançadas e seria incorreto transferi-la sem mediações para o Sul. Esta
cultura tem uma visão conservadora da presente realidade do Terceiro
Mundo, com ênfase na preservação ambiental, e descuida da situação sócio-
política (e das raízes culturais) da cada país. A garantia para que o traço
conservador não acabe predominando no ecologismo do Terceiro Mundo
reside na possibilidade de este último desenvolver estruturas autônomas e
nutrir-se, simultaneamente, de sua própria experiência e da experiência
internacional (VIOLA e LEIS 1993, p.108).
No Brasil, a emergência da militância não foi um fenômeno isolado; ela
resultou de um amplo processo de mudanças políticas, econômicas e sociais, que
modernizaram o país na década de 1970, chamando atenção para as novas
questões ambientais da época.
Entretanto, os primeiros movimentos que surgiram eram de caráter
preservacionista e anteriores à década de 1970; remontam ao ano de 1958, data
de criação da Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza FBCN. Sua
origem se deveu ao pensamento de Alberto Tores, um dos políticos mais
influentes do período pré-republicano. Ele pregava a necessidade de “preservar
as fontes de riqueza ainda virgens e assegurar a conveniente conservação e
reparação das que estivessem em exploração”. Nesse período, essa entidade
debatia as implicações do modelo desenvolvimentista implantando por Juscelino
Kubistschek; buscava apresentar alternativas às propostas de desenvolvimento a
qualquer custo, anunciada por esse governante como a “saída para o país”. O
20
crescimento econômico acelerado tornou-se ponto de consenso das elites
brasileiras, desde que o presidente Juscelino o erigiu em ideologia dominante
através da palavra de ordem: "avançar 50 anos em 5" (ACOT, 1990).
Dentro do contexto dos impactos promovidos pela política
desenvolvimentista de Kubistschek, a FBCN considerava fundamental medidas
que acabassem com o uso descontrolado dos recursos naturais (URBAN, 2000).
Nesse sentido, a FBCN teve um papel decisivo na implantação de políticas
públicas nos períodos que se seguiram, como a elaboração do Código Florestal,
de 1965, no governo do general Castelo Branco, e também na concepção e na
criação de inúmeras unidades de conservação no Brasil sob a categoria de
Parques Nacionais, nessa mesma época.
É importante ressaltar que a questão ambiental preservacionista, na década
de 1960, foi debatida sob o signo da ditadura militar, quando os tecnocratas
abriam as portas do país para as indústrias de potencial poluidor, justificando
querer acabar com a miséria, a qual seria a principal poluição. Com isso,
procuraram atrair capitais estrangeiros para o país. Sob a ótica dessa política
oficial, os recursos materiais foram simplesmente reduzidos a um estoque de
matérias-primas e o homem a um mero fator de produção, formalizando um
modelo de sociedade capitalista de produção e de consumo (TRES, 2006).
Porém, o escasso reconhecimento da importância do desempenho da
FBCN no espaço blico, fez com que a década de 1970 fosse o marco
cronológico do processo de constituição do ambientalismo brasileiro; foi quando
começou a configurar as propostas provenientes do Estado, interessado nos
investimentos estrangeiros. Todavia, foi a época em que os investimentos seriam
feitos caso fossem adotadas medidas de preservação, com contrapartida que
surgiu pela pressão da sociedade civil (VIOLA e LEIS, 1992).
Algumas entidades como a Associação Gaúcha de Proteção ao
Ambiente Natural - AGAPAN, fundada em 1971 por José Antônio Lutzenberger
e Augusto César Carneiro passaram a questionar os hábitos da sociedade e o
consumo, assim como suas implicações para o meio ambiente. Nesse sentido, o
surgimento dos movimentos ambientalistas brasileiros refletia os anseios de
21
mudanças e a predisposição para solucionar problemas imediatos, que afetavam
diretamente a vida da sociedade e transmitiam, de igual modo, a preocupação
com a conscientização ativa, buscando a formação de cidadãos que atuassem em
defesa do meio ambiente.
A AGAPAN da década de 1970 coincidiu com o período de intensa
repressão política e social por parte do governo do general Emílio Garrastazu
Médici. Nesse panorama, as organizações da sociedade civil, em função de seus
objetivos e práticas, eram vistas como subversivas em relação ao governo militar;
suas ações de denúncia e de mobilização social eram atos heróicos para essa
época, uma vez limitados pela repressão das autoridades militares. Foi com esse
pano de fundo que o presidente Médici apostou no crescimento industrial, dando
ênfase à expansão da indústria automobilística iniciada por Juscelino, à
concessão de maior crédito ao consumidor e ao incentivo às exportações, sem
nenhuma consideração pelas consequências ambientais resultantes dessa política
oficial. Para isso, tomou empréstimos externos valendo-se do bom momento que
o mercado internacional usufruía. Nessa ocasião, os impactos ambientais
decorrentes dessa política desenvolvimentista foram questionados e criticados
por Lutzenberger em seus artigos e palestras.
Nesse sentido, discutir a formação do ambientalismo brasileiro passa pela
análise crítica do governo Médici a qual cerceava de forma direta e autoritária
qualquer perspectiva de caráter contestatório. Preocupando-se tão somente com o
desenvolvimento econômico alimentado por interesses financeiros internacionais,
o governo militar não admitia contestação de qualquer espécie.
Somente a partir de 1974, no período de governo do general Geisel, as
questões ambientais que perpassavam a sociedade civil e o Estado foram
discutidas de maneira mais sólida. Isso ocorreu através do II Plano Nacional de
Desenvolvimento (PND), que, pela Lei 6.151/74, criou a Secretaria Especial
do Meio Ambiente SEMA, assumida por Paulo Nogueira Neto, que nela
permaneceu por doze anos. Durante a sua gestão foi aprovada a Lei da Política
Nacional de Meio Ambiente (Lei 6.938/81), uma política pública considerada
um grande avanço para a causa ambiental, pois possuía caráter descentralizador,
22
propondo como instrumento o reconhecimento e estímulo à participação
organizada da sociedade (URBAN, 2000). Ao longo dos seus anos de
experiência na SEMA, Paulo Nogueira abriu o diálogo com os movimentos
ambientais, inclusive com José Lutzenberger, como é possível observar:
No começo, eu discutia muito com Lutzenberger, porque ele
tinha umas idéias diferentes, de fazer uma proteção mais
ampla, de mudar o estilo de vida das pessoas, que elas
voltassem a morar em pequenas comunidades. Acho que as
pessoas não querem morar em pequenas comunidades, mas ele
pensava assim, tanto que até hoje é um grande ideólogo, muito
respeitado por gente do mundo todo. [...] Tempos depois, o
Lutzenberger comentou com um amigo meu que ‘o Paulo
Nogueira não é tão ruim quanto eu pensava’. Para mim, esse
foi um grande elogio (URBAN, 2000, pp. 45/46).
Como referido antes, um dos precursores do ambientalismo no Brasil foi a
Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural. A atuação de
Lutzenberger considerado um dos fundadores da militância ambientalista no
Brasil se destacou pelo fato de considerar a proteção do meio ambiente como
uma necessidade urgente e atual. Isso porque, até então, os movimentos
ecológicos restringiam-se a uma postura conservacionista. A preocupação de sua
pioneira organização não governamental era irrestrita, abordando aspectos que
iam, por exemplo, desde a esfera da qualidade de vida até a difusão de uma nova
moral adequada aos princípios dos valores ecológicos (VIOLA e LEIS, 1992).
Entre as preocupações de Lutzenberger destacavam-se: a defesa da fauna e
da vegetação; o combate ao uso exagerado dos meios mecânicos na agricultura e
o combate à poluição causada pelas indústrias e pelos veículos; o combate ao uso
indiscriminado de inseticidas, fungicidas e herbicidas; o combate à poluição dos
cursos da água pelos resíduos industriais e domiciliares não tratados; o combate
às destruições irracionais da paisagem; a luta em prol da vida humana,
promovendo a ecologia como ciência de sobrevivência, e difundindo uma nova
moral ecológica. Estava, pois, sendo estabelecido um novo diálogo que se tornou
parte integrante da base do pensamento ambiental brasileiro, sendo responsável
pela influência em várias linhas ideológicas.
23
E sempre é bom lembrar que a década de 1970 pode ser considerada
precoce em estudos das dimensões dos impactos ambientais, causados pelo
crescimento exagerado de indústrias poluidoras e pela onda de consumo que se
avolumava. Nesse cenário, Lutzenberger, com seu tom irônico e privilegiada
eloquência, alertava para os perigos de um modelo de desenvolvimento
econômico e para as necessidades de enfrentar as questões ambientais globais.
Muitas vezes tido como radical, apocalíptico ou visionário, ele influenciou
de maneira decisiva o pensamento ambiental e a postura crítica das intervenções
humanas e industriais sobre o ambiente natural.
Em termos de meio ambiente,
a preocupação se intensificou a partir de
1973, com a crise mundial do petróleo. O fantasma nuclear – que pode ser
ilustrado com o acordo nuclear Brasil/Alemanha passou a rondar o discurso
sobre fontes de energia alternativa. A proliferação das indústrias de álcool
impulsionadas pela intensificação do plantio de cana-de-açúcar, as usinas
hidrelétricas e a contínua expansão industrial nacional, que ocasionaram
profundos impactos ambientais, passaram a ser denunciados por Lutzenberger
(CARNEIRO, 2003).
A partir de 1979, as entidades ambientalistas começaram a incorporar um
viés político-ideológico esquerdista. Foi nesse período que personagens como
Fernando Gabeira, retornaram do exílio, trazendo em sua bagagem uma nova
leitura do movimento ambiental. Houve, então, a multiplicação de associações
em defesa do território amazônico, as quais tiveram maior repercussão perante a
opinião pública internacional. Nesse contexto, evidenciou-se a marcante presença
de Chico Mendes, líder dos seringueiros, sindicalista no Estado do Acre e
defensor da sustentabilidade na região amazônica.
A observação dessa trajetória facilita analisar a formação do
ambientalismo nacional, a partir do qual começou a surgir uma maior
compreensão da emergência das questões ecológicas. As relações com o meio
ambiente tornaram-se questões mais pessoais e de cunho dialético, contando com
o envolvimento de vários segmentos da sociedade. A esse respeito:
24
A presença de fenômenos como Gabeira, Lutzenberger Pensamento
Ecológico cria um novo patamar de debate no movimento ecológico.
A posição ambientalista até esse momento predominando claramente
começa a ser criticada desde uma posição que enfatiza os vínculos
entre os desequilíbrios na relação sociedade/natureza e os
desequilíbrios no interior da sociedade (VIOLA, 1987, p. 95).
Na segunda metade da década de 1980, o Brasil saiu do regime de
ditadura e passou por uma considerável transformação, a partir do processo de
redemocratização política, como parte desse processo. A Constituição Federal de
1988 acompanhou essas transformações no sentido de ampliar os canais de
comunicação entre o Poder Público e as organizações ligadas à área ambiental.
Outro importante avanço para perspectiva ambiental foi a Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de
Janeiro em 1992, Lutzenberger, como secretário da pasta do Meio Ambiente do
Governo Collor, exerceu um papel importante na concepção e na elaboração
desse evento. Essa conferência internacional contribuiu de maneira significativa
para institucionalizar diretrizes para o desenvolvimento sustentável. De igual
modo, demonstrou em escala planetária a relevância do tema e chamou a
comunidade internacional à responsabilidade em relação à necessidade de ações
globais conscientes para a defesa ambiental.
Foi com a perspectiva de desenvolver ações de caráter ecológico que os
discursos e a práxis de Lutzenberger ganharam repercussão. Pode-se, assim,
afirmar que a trajetória desse ambientalista confunde-se com a história do
ambientalismo nacional.
Após estas sucintas considerações introdutórias, é preciso dizer que a
estrutura do trabalho compreende uma exposição que abrange a importância de
José Antonio Lutzenberger para a causa ambiental no Brasil, em uma relação
referente ao panorama do desenvolvimento do ambientalismo no país e no
mundo. Essa estrutura segue o padrão metodológico de pesquisa qualitativa e traz
a abordagem dos referenciais teóricos a serem utilizados no trabalho. No
primeiro capítulo, pretende-se contextualizar a análise biográfica desse
personagem que dialoga com o cenário ambiental nacional no seu
25
desenvolvimento histórico. o segundo capítulo refere-se à sua luta por uma
agricultura regenerativa e ecologicamente sustentável e seu trabalho para o
desenvolvimento de políticas públicas, que regulamentassem a utilização de
agrotóxicos nas lavouras do sul do país, com destaque para a Lei 7.747/82.
Nesse contexto, o terceiro capítulo registrará o seu legado transmitido pelas
práticas de educação ambiental desenvolvidas pela Fundação Gaia criada por
Lutzenberger –, que desenvolve um trabalho conforme os preceitos estabelecidos
por seu criador. O estudo termina com uma análise crítica, embasada nos dados
coletados e nas entrevistas realizadas sobre as contribuições do agrônomo,
ambientalista e político José Antonio Lutzenberger.
1.1 JUSTIFICATIVA
O eixo central da investigação será analisar a trajetória de vida de
Lutzenberger e sua respectiva influência no desenvolvimento do ambientalismo e
na multiplicação das práticas socioambientais no Brasil.
Nesse sentido, torna-se importante traçar as características do modelo de
desenvolvimento imposto pelo governo militar na década de 1970. Vinculado ao
cenário político desse período e às peculiaridades do chamado “milagre
econômico” da época, a análise da trajetória e da vida desse protagonista
permitirá compreender o lado sombrio do modelo de desenvolvimento
econômico mundial e suas implicações nos países subdesenvolvidos,
principalmente nas consequências nefastas para o meio ambiente. A ideologia do
crescimento acelerado e predatório chegou ao seu ápice durante a presidência do
general Médici, quando o governo brasileiro fazia anúncios nos jornais e nas
revistas dos países desenvolvidos, convidando as indústrias poluidoras a
transferirem-se para o Brasil, onde não teriam gastos com equipamento
antipoluente. Como parte dessa publicidade, a delegação brasileira na
Conferência Internacional do Meio Ambiente (Estocolmo, 1972) argumentava
que as preocupações com a defesa ambiental pretendiam na verdade, impedir o
crescimento industrial e as atividades econômicas do Brasil (VIOLA, 1987).
26
O Brasil acordou subitamente para a preocupação com os recursos
naturais o-renováveis com a crise do petróleo, em 1973. Entendeu-se, a partir
daí, que uma crise econômica poderia ser gerada pela utilização irracional dos
recursos não renováveis. Essa preocupação era a única ponte que unia o
movimento ecológico e setores da política econômica estatal. Porém, as três
alternativas desenhadas pelos setores políticos para a crise do petróleo foram
predatórias: opção nuclear em grande escala através do acordo com a Alemanha;
energia de biomassa através de uma de suas formas ecologicamente mais
perigosas, o álcool da cana-de-açúcar; aceleração na construção de grandes
usinas hidroelétricas, sem avaliar precisamente seu impacto ambiental, e pouco
considerando as usinas de médio e pequeno porte (mais apropriadas
ecologicamente) (BÔA NOVA, 1985).
Na mesma época, o governo militar incentivava a “revolução verdecomo
forma de aumentar a produtividade, visando à eliminação da fome e a expansão
da exportação dos produtos primários. o obstante, esse padrão produtivo
passou a apresentar tanto impactos ambientais profundos, como a salinização do
solo, a diminuição da biodiversidade e a contaminação dos alimentos, quanto
problemas sociais gerados pela mecanização da produção, tais como o êxodo
rural e a dependência tecnológica (GRAZIANO, 1996).
É nesse cenário que surge a figura de Lutzenberger. Através do seu
conhecimento técnico, demonstrava profunda percepção dos estragos ambientais,
suas causas e consequências. Como forma de estratégia contra a expansão da
degradação ambiental no país, em 1971 ajudou a fundar a Associação Gaúcha de
Proteção ao Ambiente – AGAPAN –, considerada como a primeira entidade
ecológica na luta pela preservação do meio natural.
Sem dúvida, seu trabalho não pode cair no esquecimento. Mesmo porque,
foi figura de proa no surgimento e na evolução do movimento ambiental
brasileiro.
Os desafios daquela ocasião permitem afirmar que ele não desenvolveu
um trabalho; ele cumpriu uma verdadeira missão.
27
1.2 HIPÓTESE
A iniciativa da pesquisa parte do pressuposto de que José Antonio
Lutzenberger e seu posicionamento frente às questões ambientais dos anos de
1970 lançaram novos paradigmas que nortearam a marcha dos movimentos
ambientalistas no Brasil. E como fator integrante desse paradigma, a perspectiva
da ética ambiental teve uma considerável evolução, devido ao fato de ter sido o
resultado de uma reflexão crítica sobre a sociedade da época e o meio que a
cercava.
Nesse entendimento, a questão norteadora da pesquisa é caracterizada da
seguinte maneira: Como a trajetória de vida, a estrutura política e o preparo
intelectual de José Antonio Lutzenberger contribuíram para o
desenvolvimento da causa ambiental no Brasil?
No entanto, o desdobramento da pesquisa deparou-se com outras questões,
às quais a investigação proposta se interligava de forma inseparável. São elas:
De que modo o discurso de Lutzenberger e as ações da Associação
Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, no contexto da problemática
ambiental brasileira no início da década de 1970, contribuíram para
desenvolver um conceito ético da causa ambiental nacional?
Quais as suas posições ideológicas para com a “revolução verde”, a
utilização indiscriminada de agrotóxicos e o desenvolvimento de uma
agricultura regenerativa?
De que forma a Fundação Gaia contribuiu para manter o legado de
Lutzenberger no desenvolvimento das práticas voltadas à educação
ambiental?
1.3 OBJETIVOS DA INVESTIGAÇÃO
Com base no pressuposto acima descrito, o estudo visa avaliar as
contribuições de José Antonio Lutzenberger voltadas para a evolução e para a
configuração da militância ambientalista e as práticas de educação ambiental.
28
Pretende-se, desse modo, mostrar a influência do seu discurso ideológico na
articulação dos movimentos que atuaram no Brasil, a partir da década de 1970.
Para uma análise mais apurada dos fatos, serão perseguidos os seguintes
objetivos específicos:
Avaliar a trajetória desse pesquisador, ambientalista, político e agrônomo,
através da análise de sua biografia, obra e produções literárias, a fim de
identificar os conceitos que influíram na evolução dos movimentos
ambientalistas no Brasil.
Discutir a posição de Lutzenberger frente à “revolução verde” e detectar
sua contribuição na criação de políticas públicas, que regularizaram a
aplicação de agrotóxicos na lavoura do país.
Destacar a sua influência na criação da AGAPAN e as conquistas dessa
entidade que contribuíram para o fortalecimento das práticas ambientais
no Brasil.
Analisar as propostas de educação ambiental inseridas na Fundação Gaia –
entidade ambiental criada por Lutzenberger –, que desenvolve projetos de
educação ambiental, e no desenvolvimento de programas de agricultura
ecológica.
1.4 REFERENCIAL TEÓRICO
O referencial teórico da pesquisa foi estabelecido a partir das concepções
sobre o conceito de meio ambiente estruturadas por Antonny Giddens, através da
obra intitulada
Modernização reflexiva (GIDDENS e LASH, 1997), que debate
as implicações da modernidade no espaço econômico e natural. O conceito de
meio ambiente está respaldado pelas colocações do geógrafo Milton Santos, por
meio da análise da obra Espaço e Método (SANTOS, 1992). A análise da
trajetória do movimento ambiental no Brasil será discutida a partir do estudo
realizado pelo autor Eduardo José Viola, segundo as discussões estabelecidas no
livro A evolução das políticas ambientais no Brasil, 1971-1991: do
29
bissetorialismo preservacionista para o multisetorialismo orientado para o
desenvolvimento sustentável (VIOLA, 1992).
No contexto da história de vida de Lutzenberger, a pesquisa expressa a
importância de interpretar conceitos específicos. Discute-se, assim, o
entendimento das concepções relativas ao meio ambiente, a partir da análise dos
princípios desenvolvidos por Anthony Giddens, como referido acima. Esse
sociólogo britânico analisa o surgimento do conceito de meio ambiente desde o
desenvolvimento dos determinantes econômicos da sociedade pós-moderna,
relacionados aos efeitos da modernidade.
É dentro da concepção exploratória do meio natural, no período moderno,
que se desenvolve o conceito de meio ambiente. Segundo Giddens (1997, p.97),
o conceito de meio ambiente, se comparado ao de natureza, aponta para uma
transição profunda: o meio ambiente é a natureza transfigurada pela ação
humana. Para ele, o conceito de meio ambiente surge quando a natureza é
dissolvida, referindo-se a sua completa socialização, através da exploração dos
recursos naturais para a manutenção da sociedade moderna e industrial.
De acordo com a posição desse sociólogo, o conceito de “natureza” diz
respeito a eventos ocorridos independentemente da ação humana. Já o conceito
de meio ambiente está inter-relacionado com os efeitos predatórios da
modernidade, que utiliza a natureza para suprir as necessidades da sociedade
industrial.
Dentro da concepção de meio ambiente, o surgimento dos estados
democráticos contribuiu para formar movimentos sociais embasados nas
reivindicações da sociedade moderna, como o movimento ecológico e o operário,
apesar de suas distinções. Esses pontos de vista podem ser verificados nas
afirmações de Giddens:
Os movimentos ecológicos, por exemplo, são uma resposta aos efeitos
dramáticos do impacto do industrialismo sobre o ambiente e não
simples epifenômenos do movimento operários (GIDDENS e LASH,
1997, p. 244).
30
Segundo Giddens (1997), outro fenômeno que se desenvolve na pós-
modernidade é o surgimento de movimentos democráticos com bases
contestatórias sociais. Nessa perspectiva, os movimentos democráticos não se
posicionam de maneira independente; eles também se relacionam entre si e
estabelecem conflitos entre seus objetivos e confluências diversas. Entre um dos
expoentes dos movimentos democráticos pós-moderno está ambientalismo, pois
seu surgimento reflete os anseios da sociedade que vem sendo afetada
sistematicamente pelos efeitos nocivos da degradação ambiental. Nesse sentido,
Giddens afirma que:
Ninguém duvida que em poucas décadas as ações humanas terão tido
um impacto muito maior sobre o mundo natural do que em qualquer
época anterior, e o ambientalismo, tendo sido uma preocupação
adicional, passará a ser algo que todos os observadores levaram a rio
(GIDDENS e LASH, 1997, p. 231).
Nesse contexto, a questão ambiental transpassa o âmbito dos movimentos
ecológicos preservacionista para se alastrar na esfera social, tornando-se um
ponto crucial da responsabilidade de todos.
O conceito de meio ambiente é trabalhado também pelo geógrafo Milton
Santos (1992), segundo o qual, a estrutura do meio ambiente pode ser
compreendida através do conceito de meio ecológico: o conjunto de complexos
territoriais que constituem a base física do trabalho humano. Dentro do
princípio de meio ecológico, também desenvolve o conceito de segunda natureza,
que seria aquela transformada pelo homem. Em relação à primeira natureza
(entendida como natural), ele afirma que ela deixou de existir desde que o
homem se transformou em ser social (SANTOS, 1992).
Esse autor avalia que a relação homem-natureza deve ser mediada tanto
pelas ideias, quanto pelo meio técnico-científico, visto que a natureza, na
atualidade, deve ser compreendida a partir de sua inserção na sociedade como
base da exploração dos seus recursos. A esse respeito, diz ele:
Na realidade, a natureza hoje é um valor, ela não é natural
31
no processo histórico. Ela pode ser natural na sua
existência isolada, mas no processo histórico, ela é social.
Quer dizer eu valorizo em função de sua história. Isso
ocorria antes, mas hoje é muito mais evidente. O valor da
natureza está relacionado com a escala de valores
estabelecida pela sociedade para aqueles bens que antes
eram chamados de naturais (SANTOS, 1992, p.18).
Outro aspecto de discussão proposto pela pesquisa é caracterizar
conceitualmente o movimento ambientalista nacional. Servimo-nos, então, de
Eduardo José Viola que analisa a formação dessa militância no Brasil em dois
períodos distintos. O primeiro compreende os anos de 1971 (ano de formação da
AGAPAN), indo até 1985. Ele se caracteriza pela etapa de formação do
ambientalismo como um movimento bissetorial constituído por: associações
ambientalistas e agências estatais de meio ambiente. São dois setores definidos
por uma relação simultânea, complementar e também contraditório, porque
possui um lado conflitivo e outro cooperativo. Este “conflito” surge do
questionamento recíproco entre agências de meio ambiente e entidades
ambientalistas, que pautam suas atuações na dinâmica socioambiental; ambas
confluem na definição da problemática ambiental recortada pelo controle da
poluição urbano-industrial e agrária e pela preservação dos ecossistemas naturais
(VIOLA e LEIS, 1992).
O segundo período corresponde à segunda metade da década de 1980. O
progressivo avanço da consciência ambiental dentro e fora do Brasil –, devido
à deterioração do meio ambiente, transformou o ambientalismo num movimento
multissetorial e complexo (VIOLA e LEIS, 1992), determinando a entrada de
novos atores, além de associações ambientalistas e agências estatais do meio
ambiente. Esses atores representam: o ambientalismo governamental, o
socioambientalismo, o ambientalismo dos cientistas, o ambientalismo
empresarial, o ambientalismo dos políticos profissionais, o ambientalismo
religioso, o ambientalismo dos educadores. Viola caracteriza esses setores da
seguinte forma:
- o ambientalismo governamental: as agências estatais do meio
32
ambiente no nível federal, estadual e municipal;
- o socioambientalismo: as organizações não governamentais,
sindicatos e movimentos sociais que têm outros objetivos
precípuos, mas incorporam a proteção ambiental como uma
dimensão relevante de sua atuação;
- o ambientalismo dos cientistas: as pessoas, grupos e instituições
que realizam pesquisa científica sobre a problemática ambiental;
- o ambientalismo empresarial: os gerentes e empresários que
começam a pautar seus processos produtivos e investimentos pelo
critério da sustentabilidade ambiental;
- o ambientalismo dos políticos profissionais: os quadros e
lideranças dos partidos existentes que incentivam a criação de
políticas específicas e trabalham para incorporar a dimensão
ambiental no conjunto das políticas públicas;
- o ambientalismo religioso: as bases e representantes das várias
religiões e tradições espirituais que vinculam a problemática
ambiental à consciência do sagrado e do divino;
- o ambientalismo dos educadores: da pré-escola, primeiro e
segundo graus, jornalistas e artistas preocupados com a
problemática ambiental e com a capacidade de influir diretamente
na consciência das massas (VIOLA, 1992, p.135).
A emergência de um movimento ambientalista complexo e multissetorial
rompeu o isolamento que caracterizava o bissetorialismo da fase anterior e,
consequentemente, afetou cada um desses setores, que passaram, a partir daquele
momento, a dialogar e a receber influências e demandas de atores com dinâmicas
mais profissionais.
Durante o período de 1986 a 1991, o movimento multissetorial se tornou
mais ativo, devido à criação de grupos ambientalistas que participavam
diretamente da conservação da flora e da fauna, da restauração ambiental e da
melhoria da qualidade de vida da população. Além disso, verificou-se maior
preocupação por parte da sociedade civil, o que refletiu em uma cobrança voltada
à iniciativa privada, no que dizia respeito a questões ambientais. O mesmo
aconteceu em relação aos programas do governo (Relatório sobre
Desenvolvimento Sustentável do Movimento do Meio Ambiente).
Por conseguinte, a partir do referencial teórico proposto por Giddens,
Milton Santos e Eduardo José Viola, a pesquisa analisa, através da trajetória do
ambientalista José Antonio Lutzenberger, o modo como ele percebia as questões
que envolviam o meio ambiente, assim como desenvolver uma análise sobre os
33
caminhos do ambientalismo nacional, mediante as referências do seu projeto
profissional.
1.5 CRITÉRIOS METODOLÓGICOS
Um estudo da bibliografia especializada será a fonte de informações, as
quais irão respaldar nosso ponto de vista sobre a formação do pensamento
político e ambiental da década de 1970. Esse estudo enfatizará a produção
bibliográfica de José Antonio Lutzenberger ao longo de sua carreira como
militante da causa ambiental. Outra fonte é a sua biografia oficial, Sinfonia
Inacabada (DREYER, 2004), que será de muita utilidade para se chegar aos
objetivos da pesquisa.
O estudo bibliográfico faz parte de uma abordagem metodológica própria
de pesquisa qualitativa como é o caso –, uma vez que se espera obter
informações de um período determinado e de uma realidade específica, que leva
a compreender os desdobramentos dos fatos tanto na sociedade da época quanto
na realidade contemporânea.
A pesquisa qualitativa tem por fundamento a existência de uma relação
dinâmica entre o mundo real e o sujeito. No caso em pauta, o sujeito-observador
é parte integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos,
atribuindo-lhes um significado; o objeto por seu lado, possui significados criados
pelos sujeitos em suas ações; não é, por conseguinte, um dado inerte ou neutro
(CHIZZOTTI, 2003).
Entre os vários métodos e técnicas de coleta e de análise de dados em uma
abordagem qualitativa, o trabalho baseia-se na análise de uma história de vida.
Através deste princípio norteador, pode-se captar o que acontece na intersecção
do individual com o social, pois a vida olhada de forma retrospectiva permite
obter uma visão total do conjunto.
De acordo com Camargo (1984), a utilização da história de vida
possibilita aprender a cultura “do lado de dentro”, constituindo um instrumento
valioso, uma vez que se coloca justamente no ponto de intersecções das relações
34
entre o que é exterior ao indivíduo e aquilo que ele traz dentro de si. Nesse
entendimento, a história de vida pode ser considerada como um importante
instrumento para analisar e interpretar um processo histórico, incorporando
experiências subjetivas que dialogam com os contextos sociais.
Visando constituir um trabalho pautado pela história de vida, e elaborada
de acordo com os objetivos propostos, foram utilizados os seguintes instrumentos
para a coleta de dados:
a) Levantamento de documentação pertinente à vida e à obra de Lutzenberger,
sujeito da investigação, tais como: Curriculum Vitae, fotografias, pesquisa em
arquivos de jornais, histórico de formação acadêmica, pesquisa bibliográfica
via Plataforma Lattes, entre outros.
b) Pesquisa de campo realizada na Fundação Gaia, em Porto Alegre (RS),
realizada no período de 19 a 25 de janeiro de 2010, com o objetivo de
conhecer e contextualizar as ações dessa instituição na promoção da educação
ambiental, nas campanhas de mobilização social e nas atividades de
consultoria, segundo os preceitos estabelecidos por Lutzenberger.
c) Diários com registros pessoais que auxiliaram a organização da coleta de
dados e informações gerais, apreendidas durante o processo da investigação,
para que as averiguações
fossem apresentadas de forma integral e coerente.
d) Análise da pesquisa no período que compreende o estudo sobre a trajetória de
vida de José Antonio Lutzenberger, a partir da formação da AGAPAN, em
1971, até o final da sua atuação como secretário especial do Meio Ambiente
no governo Collor de Mello, no ano de 1992, discutindo suas principais
contribuições para a causa ambiental dentro desse período.
e) Entrevistas semiestruturadas com alguns personagens centrais da trajetória de
José Antonio Lutzenberger, tais como: a jornalista Lilian Dreyer, sua biografa
oficial; Augusto César Carneiro, articulador e sócio da AGAPAN; José Celso
de Aquino Marques, atual membro do conselho diretivo da AGAPAN; Jesus
Manuel Delgado Mendez, amigo e colaborador de Lutzenberger; Washington
Novaes, jornalista e ambientalista.
35
1.5.1 Roteiro das entrevistas
O roteiro foi desenvolvido a partir dos objetivos e do referencial teórico
propostos pela investigação. A esse respeito, Maria Isaura Queiroz assinala que,
o referencial teórico é um ingrediente indispensável para que se proceda à coleta
dos relatos. Na verdade, se aceitarmos que os dados não falam por si, o
conhecimento do objeto exige um trabalho de construção por parte do
investigador, através de sua reflexão sobre as informações disponíveis
(QUEIROZ, 1983).
A elaboração de um roteiro de entrevistas, também permitiu escolher
pessoas que ajudaram a compor a história de vida de Lutzenberger. Mediante a
técnica de elaboração de um roteiro prévio para as entrevistas, é possível
selecionar pessoas cujas atitudes expressas revelem maior significado para os
propósitos da pesquisa, como indica Fernandes (apud KOSMINSKY, 1986, p. 3).
O questionário aplicado para os entrevistados foi dividido em quatro
distintos eixos temáticos:
1) Identificação dos aspectos pessoais da vida de José Antonio Lutzenberger
Nesse eixo, a ênfase recai sobre o levantamento das características pessoais
do sujeito de estudo e sobre a apuração
das informações a respeito do seu
relacionamento com a família e os amigos.
2) A relevância de sua obra Nesse item, procuramos saber quais as obras
literárias, as partes do trabalho de Lutzenberger e as ações desenvolvidas pela
AGAPAN apresentaram maior importância, segundo o ponto de vista dos
entrevistados.
3) O combate aos agrotóxicos – Esse eixo temático parte dos pressupostos
desenvolvidos por Lutzenberger na luta cultivada
em sua trajetória
profissional, em relação ao combate ao uso indiscriminado dos agrotóxicos,
contra a proliferação da “revolução verde” e em prol da elaboração de uma
legislação que regulamentasse a utilização e a comercialização de pesticidas
químicos. Portanto, procuramos colher a opinião dos entrevistados sobre a
relevância dessas ações.
36
4) A importância do legado de Lutzenberger através da Fundação Gaia
Essa última parte do roteiro interroga os entrevistados sobre a importância da
fundação criada por Lutzenberger e suas respectivas propostas para o
desenvolvimento de uma educação ambiental pautada na equidade e na
formação da cidadania.
O procedimento de divisão dos eixos temáticos nas entrevistas permitiu
que todos os entrevistados desenvolvessem seus depoimentos, a partir de
experiências vivenciadas. A padronização das questões aplicadas possibilitou
comparar os dados, sem que isso resultasse na inibição da autoexpressão
espontânea dos entrevistados.
As entrevistas foram realizadas entre os dias 18 de janeiro a 30 de março
de 2010. Todas elas gravadas em áudio e posteriormente transcritas, respeitando
cada uma das colocações desenvolvidas. Com certeza, o valor de todas as
opiniões emitidas é imensurável, tanto para compor a história de vida do objeto
de estudo, quanto para o entendimento das características sociais do momento
vivenciado. Segundo Queiroz (1983, p.162), devemos "compreender o social não
apenas, como o que se realiza por meio dos homens, mas como o que é vivido e
agido por eles! Isto é, o estudo do fato social humanizado encarado na sua matriz
que é o indivíduo criador e criatura do grupo".
O material resultante das entrevistas é o suporte para o trabalho, quando
parte delas aparecem no texto, os entrevistados são identificados por meio
números expressos nos questionários, com a devida identificação.
1.5.2 Conhecendo os entrevistados
A escolha dos entrevistados foi definida a partir da posição que eles
ocupavam no grupo social do objeto de estudo, do significado de suas
experiências e da relação estabelecida com Lutzenberger. Para o sociólogo
Florestan Fernandes, os critérios mais rigorosos se associam à combinação da
técnica da história de vida ao uso da entrevista, do questionário ou formulário
(FERNANDES apud KOSMINSKY, 1986, p. 34).
37
A primeira entrevista foi realizada no dia 18 de janeiro de 2010, com
Lilian Dreyer. Nascida em Estrela (RS), reside atualmente em Porto Alegre. É
formada em jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). Sua atividade profissional sempre envolveu comunicação e educação;
atuou em diferentes mídias e em organizações ligadas ao cooperativismo e ao
ambientalismo. Editou periódicos de cooperativas no interior do estado e para a
ONG Amigos da Terra, em Porto Alegre. Foi responsável pela edição de dois
livros de José Antonio Lutzenberger: Ecologia do Jardim ao Poder (1985) e
Gaia, o planeta vivo (1990), ambos pela editora L&PM de Porto Alegre. De
1994 a 1996, participou do Conselho Educativo da Cooperativa Ecológica
Coolmeia, quando foi eleita para o cargo de coordenadora geral do Conselho
Administrativo, em 1996, permanecendo na função até junho de 1999. Em 2004,
Lilian Dreyer lançou a biografia oficial de Lutzenberger, intitulada Sinfonia
Inacabada a vida de José Lutzenberger editora Vidicom. Atualmente, dirige a
Vidicom, que trabalha com recursos audiovisuais para a educação e o
desenvolvimento cultural.
A entrevista com Augusto César Cunha Carneiro ocorreu no dia 20 de
janeiro de 2010. Carneiro, foi amigo de Lutzenberger e um dos fundadores da
AGAPAN. Nascido em Porto Alegre, em 31 de dezembro de 1922, atuou
profissionalmente como contador, servidor da Justiça do Trabalho e advogado.
Ainda antes de se aposentar, no final da década de 1950, acompanhava as
crônicas do ecologista Henrique Roessler, por quem foi altamente influenciado.
Juntamente com o grupo de naturistas de Porto Alegre, formado por:
Lutzenberger, Juarez Zimmermam e Hilda Zimmermann, fundaram a AGAPAN,
em 1971. Em 1988, Carneiro ajudou Lutzenberger a criar a Fundação Gaia. Ele
também militou na Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza, núcleo
gaúcho, e é presidente da PANGEA – Associação Ambientalista. Em 2003,
lançou o livro A história do ambientalismo, pela editora Sagra Luzzato de Porto
Alegre.
José Celso de Aquino Marques concedeu a terceira entrevista em 21 de
janeiro de 2010. Nascido em Bento Gonçalves (RS), em 1944, Celso Marques
38
(como é conhecido) divide suas atividades entre a cátedra de filosofia no Colégio
de Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, e
a sua fazenda em São Borja (RS), a qual mantém a tradição da sua família. Do
seu contato com a colônia japonesa em São Paulo, onde iniciou seus estudos
universitários em Filosofia, inclinou-se para a especialização no pensamento
budista e no diálogo entre o Oriente e o Ocidente, focando a superação da crise
ecológica e a busca de um projeto novo para a civilização. Esse pensamento teve
forte influência de Lutzenberger. Desde 1972, milita na AGAPAN, tendo
presidido a entidade por três gestões sucessivas, de 1986 a 1993. Além de
professor e ambientalista, Celso Marques é escritor, músico e poeta.
O quarto entrevistado foi Jesus Manuel Delgado Mendez, que concedeu
entrevista no dia 8 de março de 2010. Natural da Venezuela, ele chegou ao Brasil
para graduar-se em Engenharia Agronômica pela Universidade Federal de Santa
Maria (RS), em 1975, período em que conheceu e se relacionou com
Lutzenbegerger. Influenciado por ele, fez o mestrado em Recurso Político e
Planejamento, pela Cornell University, Ithaca, NY-USA, em 1981. Realizou o
doutorado em Conservação de Recursos Florestais pela Escola Superior de
Agronomia Luis de Queiroz da Universidade de São Paulo, em Piracicaba, no
ano 2008. Atualmente, é professor adjunto da Universidade Federal do
Recôncavo da Bahia, responsável pelo componente de Conservação de Recursos
Naturais, com ênfase em Manejo de Áreas Silvestres. É também consultor
autônomo na área ambiental, especialmente em manejo de áreas protegidas e
unidades de conservação. É membro da UICN, União Internacional para a
Conservação, desde 1981; em 1993, foi nomeado instrutor nos programas de
capacitação de pessoal em Unidades de Conservação do Instituto Estadual de
Florestas (IEF), com a chancela da UFMG, Universidade Federal de Minas
Gerais. Muitos dos seus projetos envolvem planejamento participativo,
extensionismo rural, organização comunitária, desenvolvimento turístico e
política ambiental.
A última entrevista foi realizada no dia 16 de março de 2010, com
Washington Novaes, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da
39
Universidade de São Paulo e jornalista cinquenta e três anos. Foi repórter,
editor, diretor e colunista em várias das principais publicações brasileiras: Folha
de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil, Última
Hora, Correio da Manhã, Veja e Visão. Na televisão, foi, durante sete anos,
editor-chefe do Globo Repórter e editor do Jornal Nacional, da Rede Globo.
Comentarista de telejornais das Redes Bandeirantes e Manchete, além do
programa Globo Ecologia. Desempenhou a função de Secretário de Meio
Ambiente Ciência e Tecnologia do Governo do Distrito Federal, nos anos de
1991 e 1992. Tem vários livros publicados, entre eles Xingu (Brasiliense, 1985),
A quem pertence a informação (Vozes, 1997), A Terra pede água (Sematec/BSB,
1992) e A Década do Impasse (Editora Estação Liberdade, 2002). Promoveu a
consultoria do Primeiro Relatório Brasileiro para a Convenção da Diversidade
Biológica”, dos “Relatórios sobre Desenvolvimento Humano” da ONU, de 1996
a 1998, sistematizador da “Agenda 21 Brasileira Bases para a Discussão”.
Atualmente, é colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Popular (de
Goiânia, onde vive). Na TV Cultura de São Paulo é supervisor de Biodiversidade
e comentarista do programa Repórter Eco.
40
2 CAPÍTULO 1 JOSÉ ANTONIO LUTZENBERGER: A
TRAJETÓRIA DE VIDA DE UM AMBIENTALISTA
Nesse capítulo, pretende-se fazer uma análise a respeito da história de vida
de Lutzenberger, com o intuito de conhecer a sua origem familiar, a formação
acadêmica e o momento em que viveu. Analisar, também, o seu percurso ao
longo da trajetória profissional e política, intercalando com a observação de suas
contribuições para o desenvolvimento da causa ambiental no Brasil.
2.1 A origem familiar e sua formação acadêmica
José Antonio Kroeff Lutzenberger nasceu no dia 17 de dezembro de 1926,
em sua casa situada na cidade de Porto Alegre (RS), na Rua Felipe Camarão,
586, fruto do matrimônio de Emma Kroeff com Joseph Lutzenberger (DREYER,
2004). A análise de sua trajetória familiar permite avaliar a aquisição dos seus
princípios éticos e a valorização do território nacional.
A história familiar de Lutzenberger iniciou-se em 1920, quando o Brasil
restabeleceu relações diplomáticas com a Alemanha. Nesse mesmo ano, Joseph
Lutzenberger leu em um jornal da Alemanha o comunicado de uma oferta de
trabalho no exterior. O convite vinha de uma firma de engenharia no Brasil a
Weiss, Mennig e Cia –, sediada em Porto Alegre. Centenas de candidatos se
apresentaram para o emprego, mas ele foi selecionado. Joseph Lutzenberger
aceitou o emprego e assinou um contrato por cinco anos, trocando a sua antiga
pátria por um país novo, completamente desconhecido (LUTZENBERGER,
1978). O impacto da mudança para um continente distante e com hábitos e
costumes tão diversos foi muito grande. Segundo seu relato,
O mundo girou de tal maneira sob os meus pés que a
partir de então o Natal deslizou para o verão e
pentecostes para o inverno, meu latim e francês
converteram-se em português, a arte da arquitetura virou
prática de construção (...) até hoje com frequência eu
mesmo por instantes não me reconheço.
41
(LUTZENBERGER, 1978, p.204).
Então, Joseph Lutzenberger estabeleceu-se em Porto Alegre, em 1920.
Desenvolveu o ofício de arquiteto e designer de móveis e vitrais, além de se
tornar um importante ilustrador e pintor. Seu primeiro trabalho foi construir a
igreja São José, localizada em uma das ruas próximas ao centro da capital. Esse
trabalho permitiu a repercussão do seu nome como arquiteto.
Pouco tempo depois, o emigrante conheceu Emma Kroeff, também de
origem alemã e filha de um bem sucedido pecuarista da região, Jakob Kroeff
Filho. Após o casamento, estabeleceram-se na Rua Dona Theresa, onde o filho
José Antonio e suas duas irmãs Magdalena e Rosa Maria puderam ter uma
infância livre, em contato direto com a natureza do local e as belezas
paisagísticas da região, como o Rio Guaíba e o Morro da Polícia (DREYER,
2004). Os fatos da infância e da adolescência dos filhos foram cuidadosamente
documentados em diários ilustrados por Joseph Lutzenberger; retratava o
cotidiano de suas crianças e a formação de suas personalidades. O pai registrava
a afinidade do filho pela natureza e pelos animais, como é possível observar na
figura abaixo.
Figura 1 – Ilustração do diário pessoal de Joseph Lutzenberger para seus filhos, p. 7. Nanquim sobre papel, 1942.
Fonte: Fundação Gaia, 2008.
A infância de Lutzenberger, carinhosamente apelidado de Jolch pelo pai,
esteve muito relacionada com os cenários naturais de Porto Alegre, como se pode
verificar na descrição de Dreyer (2004):
42
Jolch passava horas caminhando pelas ruas e campos do
Bonfim e do Caminho do Meio, área ainda pouco habitada
que se estendia em direção à parte alta de Porto Alegre. Um
dos seus destinos favoritos era o parque da Redenção, uma
enorme área verde no coração do Bonfim [...] A Redenção
era para Jolch a própria encarnação da maravilha [...]
(DREYER, 2004, p.50).
A situação financeira da família permitiu seu desenvolvimento cultural e
José Antonio passou a frequentar o educandário bilíngue São José, em Porto
Alegre, falando fluentemente o alemão (já difundido em casa por seus pais).
Porém, com o advento da Segunda Guerra mundial, os idiomas alemão e italiano
tornaram-se proibidos no Brasil. Nesse ínterim, José Antonio desenvolve sua
habilidade linguística ao dominar o francês e o inglês. Mostrou-se ainda um
aluno dedicado e extremamente interessado, pois a curiosidade e o gosto pelos
livros foram amplamente incentivados dentro do seu contexto familiar.
Em 1940, fez o curso preparatório para o exame de admissão no Colégio
Hindenburg, conhecido atualmente como Colégio Farroupilha. Durante esse
período, ele desenvolveu o gosto pela química e a física, o que facilitou seu
ingresso no Colégio São Jacó, dos Irmãos Maristas, em regime de internato.
Lutzenberger não se adaptou à rígida disciplina imposta pela escola. Desse
modo, a conclusão do curso ginasial se deu no Colégio Rosário, ao mesmo tempo
em que cursava francês, na Aliança Francesa, e inglês, no Centro Cultural
Americano de Porto Alegre (DREYER, 2004).
No início de 1947, aos vinte e um anos, ingressou na Faculdade de
Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde sempre
demonstrou um espírito contestador, sendo visto como excêntrico por muitos
colegas do curso. Nesse período, foi fortemente influenciado pelo pensamento
libertário do escritor britânico Betrand Russel
1
(DREYER, 2004).
A pós-graduação ocorreu em 1951 na Lousiana State University, nos
Estados Unidos da América, com bolsa concedida pelo Institute of International
Education. Esse tempo de formação foi essencial para o seu aperfeiçoamento nas
1
Arthur Willian Bertrand Russel, (1872-1970), influente filósofo do século XX.
43
pesquisas em agricultura e em química. Logo após ingressar no curso de pós-
graduação, recebeu a notícia da morte do pai, por quem tinha uma profunda
admiração, no dia 2 de agosto de 1951 (DREYER, 2004).
A formação acadêmica de Lutzenbergerger contribuiu de forma
significativa tanto para o seu desenvolvimento intelectual, quanto para sua
atuação profissional como agrônomo. Os conhecimentos relacionados com a
atividade química do solo permitiram-lhe conhecer os efeitos negativos e
degenerativos da utilização dos agrotóxicos nas atividades agrícolas. Nasceu daí
a luta contra a utilização indiscriminada de agrotóxicos, o que perpassou pela sua
atuação profissional.
De volta para o Brasil, Lutzenberger casa-se com Annemarie Willm,
nascida na China e filha de alemães de descendência luterana. Em 1956, o casal
se estabeleceu nas imediações de Porto Alegre, onde Lutzenberger trabalhava na
Companhia Riograndense de Adubos (CRA), momento em que iniciou a sua
atuação profissional como agrônomo.
Lutzenberger por muitas vezes foi visto como uma pessoa gida, movido
pela impulsividade, dedicado ao trabalho, mas com pouca habilidade nas relações
pessoais. Sua personalidade forte, extremamente combativa e voltada para
apreciação dos valores culturais, foi desenvolvida pelos hábitos de sua origem
familiar e perpetuada através de suas filhas, durante o convívio com o pai. Elas o
descrevem como uma pessoa amorosa e muito carinhosa. Os relatos dos
entrevistados permitem verificar algumas dessas características:
A primeira coisa que fica muito forte nele era sua
impulsividade (apesar de embasado), se movia por
explosões. Ele tinha problemas de relacionamento
pessoal, ele frequentemente dava a impressão de ser uma
pessoa muito rígida, muito dura e isso era uma primeira
impressão, pois na medida em que se ia conhecendo
Lutzenberger, percebia-se que ele era muito emotivo,
muito carinhoso, a moda dele, pois ele não sabia
expressar isso muito bem, mas havia essa dificuldade
dele em dar com as emoções dele próprio e dos outros
também. [...] As filhas relatam que ele foi um grande
companheiro, nas viagens, pois ele contava histórias e
44
explicava as coisas
2
.
Sabemos que era pai carinhoso e exemplo de vida para
as filhas. Suas atividades e ativismo político ambiental
eram motivados por elas, inspiração permanente nos
seus pensamentos e palestras
3
.
As características da personalidade e da formação intelectual de
Lutzenberger podem ser consideradas como um dos fatores que marcaram a sua
atuação na causa ambiental no Brasil, pois com seus conhecimentos técnicos,
culturais e com seu carisma pessoal, atraiu a atenção da mídia e de inúmeras
pessoas para os problemas ambientais, sempre despertando a noção de urgência
na discussão e resolução dessas questões.
2.2 A BASF: do desafio à reação contra a proliferação dos agrotóxicos
Em função de seu preparo intelectual e técnico, e domínio de vários
idiomas, Lutzenberger recebeu o convite para trabalhar na BASF (Badische
Anilin & Soda Fabrik), atuando na área comercial da empresa, especificamente
voltada à exportação de adubos para a produção agrícola.
O período em que atuou como executivo da BASF possibilitou observar o
contexto cultural de diferentes países. É verdade que havia constatado, no
início de suas atividades, que o horizonte científico reservado aos executivos era
estreito e insatisfatório. Em depoimento ao jornalista João Batista Santafé
Aguiar, editor da revista Agir Azul e que conviveu com Lutzenberger na
AGAPAN - revela seu desconforto diante do conselho de um de seus superiores,
logo que chegou à Alemanha, segundo relata Teresa Urban:
Vejo que você se interessa por antropologia, filosofia, se
ocupa com matemática, biologia, história, história das
religiões; mas precisa ter consciência de que és homem de
adubo! Tem que se interessar por adubo! (URBAN,
2001, p. 77).
2
Entrevista n° 01, realizada com Lilian Dreyer, em 18 de janeiro de 2010.
3
Entrevista n° 04, realizada com Jesus Manuel Delgado Mendez, em 8 de março de 2010.
45
Foi como “homem de adubo” que trabalhou na Venezuela durante quase
sete anos. Além de ter tido a oportunidade de conhecer muito bem o país e seus
vizinhos, tinha tempo para estudar. Nesse país, conheceu Leon Croizat,
considerado até hoje uma das maiores autoridades mundiais em biogeografia.
Este botânico e biogeógrafo cunhou as bases da biogeografia vicariante
4
. Foi
também autor de uma das mais importantes frases proferidas na biogeografia:
life and earth evolve together “vida e Terra evoluem juntos” - (CROIZAT,
1964). Italiano de origem, mas erradicado na Venezuela, ele mostrou ao mundo
que a vida e o planeta são co-relacionados em sua história, ou seja, a história
geológica pode ajudar-nos a compreender a história dos organismos, assim como
a história dos organismos pode ajudar-nos a entender a história de nosso planeta.
Através dos princípios estabelecidos por Croizat, Lutzenberger pôde aprofundar
seus conhecimentos na área de biogeografia e de botânica e suprir a limitação do
horizonte profissional com outras atividades intelectuais (URBAN, 2001).
Em 1966, a BASF transfere Lutzenberger e sua mulher para Berlim, na
Alemanha, onde nasceu sua primeira filha Lilly Charlote. Em 1970,
estabeleceram-se em Marrocos, cidade em que o casal teve sua segunda filha,
Lara (DREYER, 2004).
No exercício de sua profissão nesse país, Lutzenberger percebeu a
gradativa mudança de postura da empresa, a qual passou a desenvolver
fungicidas e pesticidas à base de carbamatos e DDT, como forma de combater as
pragas da lavoura. Seus conhecimentos como agrônomo especialista em química
do solo permitiu compreender os efeitos extremamente nocivos da utilização
desses produtos.
É nesse momento que o poder inseticida do DDT descoberto em 1939
apresentava resultados parecendo anunciar as “pragas” nas lavouras, mas os
efeitos prejudiciais ao meio estavam se multiplicando. Se, por um lado, o uso de
4
Segundo Leon Crozait, a biogeografia vicariante é um estudo histórico que assegura que as distribuições
geográficas dos organismos são resultadas (pelo menos em parte), de uma inter-relação entre a evolução
biológica e a evolução física da superfície da Terra. Ela considera que, se a história da vida é paralela à
história da Terra, modelos congruentes de relações biológicas e geológicas podem ser obtidos.
46
pesticidas organoclorados apresenta uma eficácia de longa duração, por outro,
mostrava efeitos patológico de longo prazo para as comunidades bióticas
(ACOT, 1990).
É importante ressaltar, que na década de 1960, a bióloga Rachel Carson
lança o livro Primavera Silenciosa (1962), denunciando os efeitos perigosos do
DDT e de outros pesticidas na natureza e no organismo humano, como agente
cancerígeno. Na ocasião ela já afirmava:
De modo semelhante, as substâncias químicas difundidas sobre as
terras do cultivo, ou sobre florestas, ou sobre os jardins, fixam-se
por longo tempo no solo; dali, entram nos organismos vivos; passam
de um ser vivo a outro ser vivo; e inicia, uma cadeia de
envenenamentos e de mortes. Ou então, passam misteriosamente, de
uma área para outra, por via de correntezas subterrâneas, até que
emergem a flor do chão, a seguir, através da alquimia do ar e da luz
do sol, se combinam sob novas formas que vão matar a vegetação,
enfermar o gado e produzir males ignorados nos seres que bebem a
água dos poços outrora puros. Como Albert Schweitzer disse: “O
homem mal consegue reconhecer até mesmo os males da sua própria
criação” (CARSON, 1980, p.16).
Junto com o movimento ecológico que consolidou suas bases na década de
1960 e discutia questões sobre o meio ambiente, especialmente em relação à ação
humana (GONÇALVES, 2006), Rachel Carson criticou os chamados “biocidas”.
Estes, no dizer de Lago (1991, p.52), “que muitas vezes são bioacumuladores que
levam ao surgimento de doenças e até a morte dos indivíduos, devido ao uso
direto, através da alimentação, ou indireto, por meio de produtos como o mel,
quando produzido por abelhas que utilizaram o pólen de culturas contaminadas.
Ou, ainda, levam à morte insetos inócuos, insetos úteis, além de outros
organismos que integram os processos do solo”. A importância dos insetos,
então, é levada a questionamento por Carson e é mostrado que muitas vezes eles
são considerados criaturas “horrendas, malcheirosas, incômodas e, em geral,
nocivas, parasitárias ou veiculadoras de terríveis enfermidades”. Muitos desses
insetos já foram identificados. Dentre eles um grande número de insetos úteis
e indispensáveis aos homens (LAGO, 1991).
47
O livro de Rachel Carson causou muita polêmica; além de expor os
perigos do DDT, questionava a confiança cega da humanidade diante do
progresso tecnológico. Ao abordar a temática ambiental, verificando a causa
maior do problema, sua obra contribuiu para o início do movimento
ambientalista em âmbito mundial. Mesmo assim, ela foi duramente combatida
pelos setores produtivos agrícolas que caminhavam rumo à “revolução verde”.
Diante das evidências dos problemas causados pelo uso indiscriminado de
produto químico tóxico e cancerígeno nas lavouras e pela pressão que a empresa
exercia sobre seus técnicos na venda desses agrotóxicos, Lutzenberger
posicionou-se favorável às concepções discutidas por Rachel Carson, como é
possível verificar neste depoimento:
Então, a Rachel Carson para mim era um personagem
importante, uma pessoa pela qual eu tinha grande
admiração sem tê-la conhecido pessoalmente. Quando ela
escreveu este livro “Primavera Silenciosa”, eu tinha lido
três ou quatro livros dela, tudo muito bom, de grande
sensibilidade e profundidade. E eu fiquei profundamente
chocado com a maneira como a indústria química passou a
atacar esta mulher. Em vez de considerar o que ela estava
fazendo, passou a atacá-la.
5
O marco decisivo do fim da sua carreira na BASF foi uma conversa que
Lutzenberger teve com um produtor de maçãs na França:
- Um dia acompanhei um francês que cobria mais de cem
hectares de macieiras com um violento coquetel de
venenos. Era de espantar que aquela terra morta pudesse
produzir alguma coisa. Perguntei se ele não tinha medo. O
francês respondeu que não. Que não era ele quem comia as
maçãs. Para mim, que vendia o veneno, foi um choque tão
grande que me demiti e voltei para o Brasil (DREYER,
2004, p.102).
A partir dessa decisão, Lutzenberger entendeu que a BASF havia
modificado seu perfil de negócios, ampliando o campo de atividades para área
5
Depoimento concedido a João Batista Santafé Aguiar, jornalista da revista Agir Azul Sobre o início da
AGAPAN, 11de março de1986. Arquivo pessoal de Augusto Cesar Cunha Carneiro.
48
dos agrotóxicos, tornando-se difícil a conivência com esse processo, que para ele,
soava incoerente (URBAN, 2001).
Mesmo com a estabilidade econômica oferecida pelo cargo de executivo
de uma importante multinacional, ele decidiu mudar de vida, pediu demissão e
foi passar suas férias em Porto Alegre, no ano de 1970. Nessa oportunidade,
Lutzenberger decidiu voltar para o Brasil com a família e retomar as concepções
do naturismo, do qual tinha sido adepto durante o período em que residiu na
Europa. Sua surpresa foi perceber que as paisagens de Porto Alegre também
haviam sido modificadas pela ação depredatória do homem, assim como pelo
desenvolvimento da agricultura do arroz em larga escala. Esse momento decisivo
da vida de Lutzenberger foi discutido através do depoimento de um entrevistado:
Eu acho que foi o ponto de partida dele, esse tema que ele
conviveu durante o tempo em que era funcionário da BASF e
a revolução verde estava eclodindo, e o Lutz olhou para aquilo
e se horrorizou, devolvendo-o para ética que ele desenvolveu
ainda na infância e na juventude, onde havia a vontade de
praticar uma agricultura que promovesse, e não combatesse a
vida. E no tempo em que ele ainda trabalhava na BASF,
voltou para o Rio Grande do Sul e ficou bastante deprimido,
porque as várias espécies de aves que ficavam aqui no interior
haviam desaparecido praticamente todas, por causa das
lavouras de arroz que usavam venenos fortíssimos, e que hoje
estão banidos por causa da luta do Lutz e da AGAPAN. Sendo
seu grande “start” a campanha de descrédito que fizeram
contra a Rachel Carson, na época em que ele ainda era
estudante nos EUA, então começou a acompanhar a carreira
dela e ficou maravilhado com a “Primavera Silenciosa”
6
.
É possível verificar que as experiências vividas por Lutzenberger no
exterior, durante seu período como executivo da BASF, a sólida influência de
Rachel Carson e a ética desenvolvida durante sua formação, despertaram nele a
coragem de trocar a estabilidade no emprego e arriscar-se nas incertezas de uma
nova luta.
6
Entrevista n° 01, realizada com Lilian Dreyer, em 18 de janeiro de 2010.
49
2.3 O retorno ao Brasil e a fundação da Associação Gaúcha de Proteção ao
Ambiente Natural (AGAPAN)
De volta ao Brasil em 1970, Lutzenberger e a família passaram a residir na
antiga casa construída por seu pai, em Porto Alegre. Porém, a vista da cidade
não era mais a mesma devido à grande alteração causada pela implantação de
antenas de comunicação no Morro da Polícia, onde brincava quando criança
(DREYER, 2004).
Nessa ocasião, Lutzenberger assume uma postura atuante dentro das
concepções de preservação da natureza, influenciado, aliás, pelos movimentos
em prol da proteção ambiental que se lançavam nos EUA e na Europa. Reuniu-
se, assim, com o grupo de naturista de Porto Alegre, tendo à frente Augusto
César Carneiro, Antônio Heit, Juarez Romano Zimmerman e Hilda Zimmerman,
todos, segundo Augusto César Carneiro (2003), conscientizados pelo cronista
gaúcho da natureza, Henrique Luís Roessler. Esse pequeno grupo de gaúchos
naturistas já demonstrava preocupações com a devastação ambiental, que se
tornava cada vez mais visível no Rio Grande do Sul, como afirma Augusto César
Carneiro:
De 1963 a 1970, procurei me encontrar com pessoas que
julguei poderem se interessar pela natureza de forma ativa.
Nenhuma conseqüência, até que, em 1970, encontrei um grupo
de interessados com o qual mantive vários encontros até que
um deles disse que tinha encontrado um outro que, este sim,
era interessadíssimo e entendido nos problemas da natureza,
um verdadeiro mestre. Procurei imediatamente o homem
“certo”, que era Lutzenberger. Então foi tudo planificado para
se fundar uma verdadeira entidade de luta ambiental,
aproveitando o incentivo e o pulso inicial de Roessler. Da lista
dos convidados e fundadores, pessoas interessadas e
idealistas, inclusive vários ex-companheiros de Henrique
Roessler. Tão bem escolhidos, que a maioria inda permanece
na luta até hoje (CARNEIRO, 1993, p.5).
O papel de Roessler na conscientização desse grupo ambiental foi
fundamental. Roessler pode ser considerado como o maior guarda florestal do
Brasil. Trabalhava sem remuneração; contador de profissão virou fiscal federal
50
voluntário. Nomeado pelo Ministério da Agricultura, em 1937, foi muito além da
sua função. Fundou a primeira entidade de militância ecológica do Brasil,
panfletou para a defesa do meio ambiente. Deplorou a devastação dos recursos
naturais, perseguiu e puniu poluidores, caçadores e pescadores ilegais,
madeireiros e todo o tipo de assassinos da natureza. Ecologista antes da ecologia,
ele abriu caminho para o movimento ambiental no sul do país. Sua obra pode ser
considerada antecipatória. Foi ele que, dezesseis anos antes da criação da
AGAPAN, fundou a União de Proteção da Natureza (UPN). Fez isso em 1955,
bem antes que o movimento em defesa da fauna, da flora e do meio ambiente
ganhasse as ruas; antes mesmo que os governos, as empresas e as pessoas
tivessem interesse em associar suas imagens ao resguardo do meio ambiente;
antes do boom do terceiro setor; antes da ecologia virar griffe e ditar moda para
lucros financeiros. Resumindo, Roessler se antecipou e propagou o
ambientalismo antes do tempo (CENTENO, 2006).
Com o grupo formado e os princípios ideológicos estabelecidos a partir da
perspectiva de Roessler, em 27 de abril de 1971, na cidade de Porto Alegre, foi
fundada oficialmente a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural. O
discurso inaugural, intitulado Por Uma Ética Ecológica, foi publicando no jornal
porto-alegrense Correio do Povo, em 29 de agosto de 1971, destacando as
seguintes considerações:
Se quisermos sair da atual crise ecológica que a humanidade
trouxe sobre si mesma, e se não sairmos, não teremos futuro,
vamos precisar de uma moral mais ampla, mais completa, de
uma ética ecológica. Temos que aprender a ver o todo.
Temos que nos livrar deste velho preconceito ocidental, de
que o homem é o centro do universo, de que toda criação
esta aqui para nos servir, de que temos direito de usá-la e
abusá-la sem sentido algum de responsabilidade. Temos que
nos libertar da idéia de que outros seres têm sentido em
função da sua utilidade imediata para o homem. Nossa ética
terá que incluir toda criação. [...] temos que aprender a viver
dos juros de nosso capital (natural), não podemos comer o
capital. Se roermos a substância, acabaremos com nosso
próprio futuro e tornaremos impossível a vida de nossos
descendentes (BONES e HASSE, 2002, p.190).
51
Esse discurso teve uma grande repercussão, mesmo diante da implacável
censura do governo militar sobre os meios de comunicação. Essa circunstância
serviu de incentivo para Lutzenberger contribuir de maneira significativa, por
meio de seus artigos que discutiam as questões ambientais. Para ele, o homem
deveria tentar chegar a sistemas de equilíbrio dinâmico nas questões econômicas,
tecnológicas e políticas, o que impediria o crescimento ilimitado do consumo e o
esbanjamento dos recursos naturais. A moderação levaria a humanidade a gastar
somente o que pudesse ser reposto, escrevia ele.
A primeira diretoria da AGAPAN teve a seguinte composição: presidente,
José Antonio Lutzenberger; vice-presidente, Padre Clemente Steffen; secretário,
Augusto sar Cunha Carneiro; tesoureiro, Nicolau Campos. É necessário
destacar ainda a atuação de Antônio Tavares Quintas, amigo de Lutzenberger,
que muito contribuiu para a fundação da associação (BONES e HASSE, 2002).
A AGAPAN inicia então uma série de discussões, reuniões, palestras e
publicação de panfletos, o que demonstrava uma militância ativa. Em pouco
tempo, a entidade se tornou o movimento ambientalista mais radical do país
(BONES e HASSE, 2002).
Com sua sede instalada na Rua da Praia, centro de Porto Alegre, logo
demonstrou ter uma eficiente organização, com cadastro de sócios e cobrança de
mensalidades. Além disso, contava com o prestígio e a divulgação de
Lutzenberger, que, além de promover debates, palestras e reuniões, também
respondia às críticas, direcionava as denúncias dos sócios e organizava abaixo-
assinados. Enfim, a AGAPAN, desde seu início, tornou-se um local aberto à
defesa da natureza.
Viola já citado anteriormente, analisa a formação da AGAPAN como
sendo uma iniciativa de um grupo de combativos pioneiros, encabeçado pelo
engenheiro agrônomo José Lutzenberger, pelo fato de ter fundado a primeira
associação ecologista a surgir no Brasil e na América Latina. Antes da
AGAPAN, existiam alguns indivíduos que lutavam quase sozinhos pela proteção
da natureza. Entre eles se destaca o naturalista Henrique Roessler, de São
Leopoldo, que teve significativa atuação em todo Rio Grande do Sul, nas décadas
52
de 1950 e 1960 (ROESSLER, 1986). Pádua, ao destacar o surgimento da
questão ambiental dentro do contexto dos movimentos sociais, reafirma a
importância da AGAPAN como marco fundador da militância em prol do meio
ambiente no país:
Esse fenômeno de fermentação político-cultural (...) pode ser
também observado no movimento social mais explicitamente
relacionado com a política verde: o movimento ecológico. Este
movimento, no contexto brasileiro, é razoavelmente antigo e
bem sucedido. Seu marco fundador é de 1971, com a criação da
Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural
(AGAPAN). Antes disso existia a Fundação Brasileira para a
Conservação da Natureza, de 1958, (...). A AGAPAN, (...),
adotou uma postura agressiva que lhe trouxe notoriedade e
problemas com o regime autoritário. Na criação desta entidade
o fator exógeno também esteve presente. José Lutzenberger, seu
fundador, despertou para o problema ecológico fora do Brasil,
quando trabalhava para a empresa suíça Basf na venda de
agroquímicos para países africanos. (...) Seu livro de 1976,
Manifesto Ecológico Brasileiro, tornou-se o referencial teórico
do movimento, estando centrado numa crítica filosófica e
política radical, apesar de não-partidária (PÁDUA, 1998, p. 67).
Os pontos principais
do programa da AGAPAN estavam baseados tanto
na defesa da fauna e da vegetação, combatendo as destruições de belezas
paisagísticas, quanto na luta para salvar a humanidade da autodestruição,
promovendo a ecologia como ciência da sobrevivência e difundindo uma nova
moral ecológica (VIOLA, 1990).
A atuação dessa nova instituição encontrou muita dificuldade durante o
governo do general Médici. Naquela ocasião, o clima da repressão política que
dominava o país tornava quase heróica qualquer organização da sociedade civil
(ALVES, 1985). Em razão do seu discurso implacável, que repercutiu através da
mídia, Lutzenberger sofreu ações da censura, sendo chamado por rias vezes
para esclarecimentos à polícia política; nunca, porém, chegou a ser preso ou
indiciado (DREYER, 2004). No final da década de 1970, as condições de
atuação da AGAPAN melhoraram sensivelmente e ela tornou-se visível tanto na
sociedade gaúcha quanto no Brasil. Como parte desse processo, as lutas
ambientais promovidas por essa entidade ampliaram seu leque de discussões,
53
devido ao fato de Lutzenberger ter concebido o livro Fim do Futuro? Manifesto
ecológico brasileiro. Nessa publicação o conceito de ecologia é trabalhado como:
A ciência da Sinfonia da Vida é a ciência da
sobrevivência. Longe de ser uma especialização a mais,
entre outras tantas, a ecologia é uma generalização, ela é
a visão global das coisas, é a sinfônica do Mundo, a
visão do Universo como esquema racional integrado
(LUTZENBERGER, 1980, p.12).
A primeira edição dessa obra, em formato tabloide, vendeu nas bancas de
jornal doze mil exemplares; o restante, em torno de vinte mil exemplares,
também foi vendido rapidamente (URBAN, 2001). Com o Manifesto ecológico
brasileiro (1980a), Lutzenberger se revelou um dos primeiros ecologistas a
criticar o modelo de desenvolvimento vigente. Afirmava ele: “a ideia de
progresso, implica na substituição gradativa e mesmo a substituição total da
Ecosfera pela Tecnosfera, isto é, a substituição de tudo que é natural por algo de
artificial. Enquanto durarem estas concepções não poremos fim à demolição da
primeira na ânsia de construir a segunda”. O livro expressa também as primeiras
reflexões globais e sistemáticas sobre a crise ecológica brasileira produzida no
interior do movimento ecológico, tais como: as implicações do progresso
inconsequente, os perigos da agricultura empresarial em larga escala, a
devastação da Amazônia e a crítica ao projeto nuclear. Incluía também possíveis
soluções para o enfrentamento desses problemas (LUTZENBERGER, 1980a).
No ano de 1980, Lutzenberger lança o livro Pesadelo atômico, o qual
questiona o programa nuclear brasileiro, temática que começou a ser debatida
dentro do movimento ecológico (LUTZENBERGER, 1980b). Ele e a AGAPAN
elaboraram a crítica mais global e profunda sobre a forma de produção energética
e o padrão civilizatório, inspirando-se, para isto, no movimento contra as usinas
nucleares dos países desenvolvidos. O impacto da AGAPAN foi de tal ordem na
opinião pública gaúcha, que a Assembleia Legislativa aprovou uma emenda à
Constituição do Estado proibindo a construção de usinas nucleares. No caso da
crítica à política nuclear do governo brasileiro, o movimento ecológico contou
54
com aliados chaves na sociedade civil: a Sociedade Brasileira de Física e a
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (GIROTTI, 1984; ROSA,
1985).
Segundo Augusto César Carneiro - um dos articuladores da formação da
AGAPAN - orientação desse grupo ambiental era de vanguarda, sem
compromissos com o poder público ou com empresas poluidoras ou não
poluidoras (CARNEIRO, 2003). O surgimento dessa organização representou um
importante marco no cenário da causa ambiental não do Rio Grande do Sul,
mas também em todo o país. A esse respeito, Carneiro diz:
[...] desde o início por nossa iniciativa,
espontaneamente e sem plano, além das nossas
atividades estaduais e locais –, procuramos ajudar e
orientar por todo o país, de Norte a Sul, através de
conferências, viagens e entrevistas do Lutzenberger, de
livros aqui editados e, também através de propaganda
impressa da ideologia do ecologismo, que enviávamos
para todo o Brasil [...] (CARNEIRO, 2003, p.22).
Durante dez anos, eram realizadas reuniões semanais nas quais se
discutiam assuntos locais e de interesse imediato, como a defesa do Rio Guaíba,
a poda indiscriminada das árvores do centro de Porto Alegre, a luta contra a
poluição causada pela fábrica de celulose Borregaard ou debates sobre os temas
de ecologia contemporânea.
Quem dava ênfase às reuniões promovidas pela AGAPAN era
Lutzenberger, o primeiro presidente da entidade. Graças ao trabalho
administrativo do citado Augusto César Carneiro e à capacidade mobilizadora de
Lutzenberger, a entidade chegou a ter mais de mil associados com recursos
financeiros para se manter. A reputação das palestras de Lutzenberger,
extremamente didáticas e com muita informação, atraía um grande número de
pessoas. Em palestras realizadas às segundas-feiras, chegou-se a registrar mais
trezentos expectadores (URBAN, 2001).
As ações desenvolvidas pela AGAPAN ganharam repercussão nacional
através da mídia, especificamente pelos artigos de Lutzenberger publicados no
55
jornal Correio do Povo. Bones e Hasse definem dessa maneira a eloquência do
discurso de Lutzenberger e a sua aceitação por parte da sociedade:
Graças a artigos publicados aos domingos no Correio do Povo, passou
a receber convites para falar em cidades do interior. Visitou mais de 50
cidades do Rio Grande do Sul. Também viajou por quase todo o Brasil,
no principio, para falar sobre agrotóxicos. Deu aulas sobre ecologia em
cursos recém implantados em São Leopoldo e Porto Alegre e ministrou
cursinhos de formação técnica em agrotóxicos para agrônomos e
veterinários. Em suas conferências, combinando ensinamentos práticos
sobre a natureza e denúncias contra os destruidores do equilíbrio
ecológico, muitas vezes era aplaudido de pé. Mais convincente, mais
sincero e mais entusiasmado do que a maioria dos ecologistas
brasileiros que também faziam conferências, Lutzenberger sensibilizou
milhares de pessoas sobre a delicada cadeia da vida que envolve a
Terra, os crimes ambientais na Amazônia, o perigo dos agrotóxicos, os
riscos da energia atômica, entre outros assuntos (BONES e HASSE,
2002, P.201).
Diante da sua ousadia, a causa ambiental no Brasil ganhou visibilidade no
cenário nacional. Com efeito, Lutzenberger atuou de maneira decisiva na luta
contra a expansão dos chamados defensivos agrícolas”, contra a emissão de
poluentes no Rio Guaíba e também contra a poluição gerada pela empresa de
celulose Borregaard.
Exemplo de visibilidade nacional com repercussão internacional das ações
de Lutzenberger e da AGAPAN foi o fato de, no início da década de 1980, junto
com o documentarista Adrian Cowell, lançarem o documentário seriado A
Década da Destruição: o caminho do fogo (1987). O projeto com, roteiro de
Lutzenberger, ganhou a atenção do Congresso dos EUA, especificamente o
terceiro programa, intitulado Nas Cinzas da Floresta. Nesse programa, era
apresentado o paradoxo da política desenvolvimentista da região diante dos
profundos impactos na floresta. Nesse episódio, Lutzenberger percorre a floresta
enquanto ela está sendo derrubada e sugere alternativas ao desenvolvimento
irracional que assolava a região. Ele afirmava que o solo de Rondônia não
suportava a exposição direta ao sol e às chuvas, sem a cobertura vegetal, e
também se mostrava chocado com o ritmo acelerado da devastação na área:
56
Se você conserva a floresta, ela tem condições de alimentá-lo;
mas, se você derruba, o solo poderá tornar-se tão estéril que nada
mais crescerá ali. E se o desmatamento continuar neste ritmo, o
estado de Rondônia perderá toda sua floresta até 1990”
7
.
Nesse mesmo documentário, Lutzenberger lembra ainda que o Brasil
importa cerca de dois terços da borracha natural de que necessita. Entretanto, diz
ele, poderíamos facilmente ser autossuficientes se soubéssemos aproveitar
melhor a floresta existente.
Diante da repercussão internacional desse documentário, Lutzenberger foi
convidado para exibi-lo em seção especial no Congresso dos EUA. No seu
discurso intitulado Overdeveloped or misdeveloped countries (Países
superdesenvolvidos ou com baixo desenvolvimento), apresentado no
International Meeting of Parlamentarians, de Washington, em 30 de abril de
1990, responsabilizou o Banco Mundial pela destruição da Floresta Amazônica.
Com efeito, essa instituição financiava uma série de obras que geraram impactos
irreversíveis na região, como é possível verificar por este depoimento:
O que está acontecendo hoje na Amazônia talvez seja a pior
forma de imperialismo jamais verificada neste planeta. O sul
industrial do Brasil, aliado à tecnocracia global, encara a
Amazônia como um espaço vazio a ser ocupado para o seu
máximo proveito, sem nenhuma preocupação pelos habitantes
da floresta os índios, os seringueiros e outros. A floresta em
si, na medida em que não proporcione lucro imediato, é
encarada como um mero obstáculo a ser removido (DREYER,
2004, p. 233).
Lutzenberger (2009), dizia que os incentivos são quase sempre a
economia, uma péssima ecologia e grande injustiça social. Sabia ele que a visão
política do reflorestamento na Amazônia na década de 1970 era perfeitamente
tecnocrática. tinham acesso aos incentivos pessoas financeiramente fortes e,
de preferência, grandes empresas.
7
COWELL, Adrian. A década da destruição. Produção: Verbo Cit Filmes, 1987. Episódio 3: Nas cinzas
da floresta – apresentado por José Antonio Lutzenberger. Duração: 55 minutos.
57
Como resultado dessa apresentação em Washington, o Banco Mundial
cortou de forma significativa a emissão de recursos para fundamentar as obras de
integração na Amazônia (DREYER, 2004). O discurso de Lutzenberger no
Congresso dos EUA foi amplamente divulgado no Brasil e no exterior, abrindo
caminho para a exposição da causa ambiental. Foi, então, convidado para proferir
palestra sobre a ética nas questões que envolviam o meio ambiente de vários
países, graças às ações desenvolvidas por ele e seus combativos companheiros da
AGAPAN.
A AGAPAN teve um perfil mais abrangente do que as outras organizações
que lhe precederam, destacando-se pela ousadia em formular um programa de
promoção da ecologia e de questionamento dos impactos predatórios da poluição
causada pelas indústrias (VIOLA e LEIS, 1992). Os entrevistados também
enfatizam essa importância:
Foram contribuições pioneiras no Brasil. A AGAPAN, na mão
do Lutzenebrger, sempre foi diferente de todas as entidades
ambientais brasileiras no sentido de pioneirismo, porque
levantou os assuntos sobre a Amazônia, sobre o programa
nuclear e outros de maneira mais radical e necessária
8
.
Logo que eu conheci o Lutzenberger, fui convidado para
participar da AGAPAN e comecei a frequentar as reuniões
dessa entidade, e nessas reuniões iniciou-se a minha formação
como ecologista, pois a AGAPAN era uma espécie de
universidade informal onde era veiculado todo um conjunto de
informações muito importantes que não existiam em outros
setores da sociedade, então a AGAPAN funcionava como um
grupo de pessoas que constantemente, sob inspiração do
Lutzenberger, que se converteu em um centro de formação do
movimento ecológico no Rio Grande do Sul e também no
Brasil
9
.
Foi pioneiro da preocupação e das ações ambientais concretas,
sem maquiagem, sem propaganda. Foi a sua obra, em nome de
uma ONG combativa, que despertou milhares de pessoas para
a coleta seletiva, o paisagismo urbano, para o respeito aos
corpos aquáticos, zonas úmidas e bosques de todo tipo ao
redor do país. Foi buscar no exterior a pressão que requeria
nosso país continente, para reformular muita coisa em matéria
8
Entrevista n° 02, realizada com Augusto César Carneiro, em 20 de janeiro de 2010.
9
Entrevista n° 03, realizada com Celso Marques, em 21 de janeiro de 2010.
58
de relacionamento com a natureza
10
.
A AGAPAN teve um papel muito importante; na época da sua
criação, ela saiu na frente dos outros estados e isso se deve
exatamente à visão do Lutzenberger que teve uma influência
profunda no Rio Grande do Sul
11
.
As ações desenvolvidas pela AGAPAN foram de suma importância na
formação de opinião pública e força desencadeante de decisões governamentais.
Estas na verdade, encontraram na temática ambiental a possibilidade de continuar
estimulando a cidadania, por meio de alertas sobre a necessidade de luta contínua
pelos direitos do indivíduo e da coletividade.
2.4 O envolvimento político e a defesa da causa ambiental no Governo
Collor de Mello
Na década de 1990, Fernando Collor de Mello, o primeiro presidente
eleito após o período da ditadura, convidou José Antonio Lutzenberger para
assumir a Secretaria do Meio Ambiente (SMA), por sugestão de Carlos Chiarelli,
ministro da Educação nessa época. Essa secretaria ganhou ênfase nessa ocasião,
justamente porque atendia os interesses dos grupos ecológicos organizados e
também ia ao encontro das necessidades e do discurso ambiental que se
propagavam pelo mundo. O órgão trabalhava conjuntamente com o Instituto
Brasileiro para o Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA),
atuando nas questões de fiscalização dos impactos ambientais no território
nacional.
Quando Collor nomeou Lutzenberger como secretário com status de
ministro, em março de 1990, estava sinalizando uma nova responsabilidade
ambiental que o governo brasileiro pretendia assumir. A súbita conversão de
Collor para a causa ambiental explica-se pela necessidade de ganhar a confiança
da opinião pública dos países desenvolvidos para seu programa econômico
globalista-conservador. Com efeito, esse programa requeria como um de seus
10
Entrevista n° 04, realizada com Jesus Manuel Delgado Mendez, em 8de março de 2010.
11
Entrevista n° 05, realizada com Washington Novaes, em 16 de março de 2010.
59
elementos cruciais a vinda de novos investimentos estrangeiros ao país. No início
de 1990, o movimento ecológico tinha avançado extraordinariamente junto à
opinião pública dos países desenvolvidos; a popularidade do tema da proteção do
meio ambiente era muito alta (entre os três primeiros lugares em ordem de
prioridade, na maioria dos países) e as questões ambientais tinham ocupado o
lugar mais destacado na agenda da reunião do G7
12
em Paris (1989). Então, logo
depois de eleito, Collor percebeu de imediato que enfatizar a proteção ambiental
era provavelmente sua maior moeda de troca na nova parceria pretendida com o
Hemisfério Norte. Além disto, percebeu de igual modo que a escolha do Brasil
para sediar a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, a Rio 92, que tinha já sido feita pela Assembleia Geral da
ONU e efetuada poucos dias depois de sua eleição se apresentava como uma
grande oportunidade para projetar seu nome e seu governo no cenário
internacional (VIOLA, 1999).
Mesmo diante da pressão dos grupos ecológicos, que não aprovavam o
fato de a causa ambiental estar atrelada às discussões de promoção política,
Lutzenberger aceita o cargo porque via a possibilidade de atuar efetivamente
direcionando e estabelecendo políticas públicas em prol do meio ambiente.
Segundo Teresa Urban, o novo secretário achava que poderia influir realmente na
política federal para a defesa da causa ambiental. Segundo entrevista concedida,
Lutzenberger manifestou assim seu estado de espírito:
O Collor me ofereceu um espaço que eu não poderia em
consciência recusar. Quando o Collor me chamou, para mim foi uma
decisão difícil e mais dura da minha vida. Eu nunca quis ser governo.
[...] Ele me deu um espaço. Eu aproveitei esse espaço durante dois
anos. Durante esse tempo, inclusive aconteceu que grande parte do
movimento ambiental se virou contra mim queriam que eu falasse
com eles, que eu falasse todo o dia o que eu estava fazendo; ao
contrário, trabalhei principalmente atrás dos bastidores, falando o
mínimo possível. (URBAN, 2001, p. 85).
12
O G7: grupo internacional que reúne os chefes de Estado e de governo dos sete países mais
industrializados e desenvolvidos: Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Itália, Reino Unido, França e
Japão. Com a participação da Rússia, o G-7 transformou-se em G8.
60
Ficou evidente que a decisão tomada não foi fácil. Se o seu perfil ético
voltado para a luta ambiental tinha uma base de política ideológica, mas seu
comportamento rejeitava a política partidária. Participar de uma secretaria,
atrelado a um posicionamento divergente, seria, no mínimo, uma missão árdua e
possivelmente incoerente. Alguns dos entrevistados relatam a angústia sofrida
por Lutzenberger nesse período:
Eu e minha mulher na condição de amigos do Lutzenberger, quando
ele foi convidado para assumir a pasta do meio ambiente no governo
Collor, ele nos convidou para um jantar no restaurante Tirol, onde
perguntou o que nós achávamos sobre aceitar ou não o convite que o
Collor tinha feito para ele ser secretário. Eu naquele momento achei
até meio complicado de dar um conselho para ele, e coloquei o
seguinte: olha Lutz, a questão é que eu acho que tu assumindo o
cargo de secretário que o Collor está te acenando, tu vais correr
sérios riscos na tua própria carreira de ecologista, pois tu vais ser
criticado. Eu fiquei em uma grande dúvida, pois eu via
principalmente os aspectos negativos em ele assumir o cargo de
secretário do meio ambiente do Collor. Qual foi a resposta do Lutz:
eu acho o seguinte, se eu assumir no governo Collor eu vou ser
criticado pelo que eu fizer, seu eu não assumir eu também vou ser
criticado por ter sido convidado a assumir um cargo público e não
ter feito nada, então, em minha opinião eu não tenho opção, tanto
por um lado como pelo o outro eu não vou ser compreendido
13
.
Não foi por falta de aviso. Ele aceitou esse cargo por acreditar que
podia contribuir visivelmente com a causa e, quem sabe, por
confiança perante a postura de um presidente eleito que insistiu em
alimentar seu sonho de embaixador da ecologia. Foi obviamente um
erro. Mas como saber o desenlace sem intentá-lo. Ele teria morrido
por dentro se não pudesse descansar de pensar que talvez tinha que
ser esse o caminho para mudar o Brasil
14
.
O Diário Oficial da União (março, 1990) registra que Lutzenberger
assumiu o cargo de ministro do Meio Ambiente em 15 de março de 1990. A
pouca familiaridade com o jogo de interesses políticos fizeram-no deparar com
uma imensa burocracia, com o inchaço da máquina estatal e com diversos atos de
corrupção que se tornavam cada vez mais visíveis. Os excessos de protocolos
dentro do ambiente político o incomodavam profundamente, tanto que passou a
13
Entrevista n° 03, realizada com Celso Marques, em 21 de janeiro de 2010.
14
Entrevista n° 04, realizada com Jesus Manuel Delgado Mendez, em 8 de março de 2010.
61
trabalhar e despachar no Parque Nacional de Brasília, distante 20 km da Capital
Federal (BONES e HASSE, 2002).
Mesmo ocupando um cargo importante dentro do governo, Lutzenberger
não poupou críticas à política econômica que vinha sendo estabelecida. Afirmava
que o governo o era como credor privado, pois a empresas particulares não
podem confiscar poupanças
15
, aumentar impostos, diluir pela inflação o pouco
dinheiro que sobra no bolso do cidadão, mas os governos podem sempre
extorquir um pouco mais os seus povos (LUTZENBERGER, 2009).
Mesmo diante dessas discordâncias na esfera política, o seu trabalho na
Secretaria do Meio Ambiente deixou marcas importantes, pois conseguiu
significativas vitórias para a causa ambiental. Implantou o decreto que proibia a
concessão de qualquer subsídio internacional a projetos agropecuários que
implicassem em impactos ambientais na Amazônia. Na verdade, os incentivos
concedidos atendiam apenas aos interesses dos fazendeiros e empresários da
região. A relevância desse decreto freou a exploração desordenada da região
amazônica, mas feriu profundamente os interesses dos grupos dominantes, como
é possível verificar através do seguinte depoimento:
(...) em seguida de assinar essa resolução foi para Alemanha e
os EUA fazer conferências. Em uma das conferências feitas em
Nova Iorque, foi contado a ele sobre essas questões do
desmatamento, e alguém perguntou para o Lutzenberger se essa
situação poderia prejudicar as relações do Brasil com os
organismos internacionais ou com o Banco Mundial que tinha
projetos na Amazônia, ou poderia suspender a remessa de
dinheiro que vinha para o país. E ele falou: isso é muito bom,
porque é menos dinheiro para a corrupção na Amazônia e no
IBAMA
16
.
15
O episódio do confisco das cadernetas poupanças, criticado por Lutzenberger, refere-se ao plano
econômico estabelecido por ex-presidente Fernando Collor de Mello e sua ministra da economia Zélia
Cardoso de Mello, implantado no dia 15/3/1990, por meio da medida provisória 168/90 (depois
convertida na Lei 8.024/90), que institui o Plano Brasil Novo, ou Plano Collor I, como ficou
conhecido. O pacote econômico bloqueou todos os ativos financeiros que ultrapassassem a quantia de
NCZ$ 50 mil (cruzados novos) e os transferiu ao Banco Central na data de aniversário de cada
investimento.
16
Entrevista nº 05, realizada com Washington Novaes, em 16 de março de 2010.
62
Outra atuação de muita importância realizada foi a demarcação da reservas
dos índios Ianomâmis, através Portaria 580, de 15 de novembro de 1991,
assinada pelo ministro da Justiça Jarbas Passarinho e homologada pelo presidente
Fernando Collor. Com uma área de 96.650 km
2
, essa reserva está localizada na
fronteira do Brasil com a Venezuela e abrange parte dos Estados do Amazonas e
de Roraima. O processo de demarcação da reserva provocou as mais diversas
reações negativas, principalmente dos garimpeiros, grileiros e até mesmo
membros do governo que eram proprietários de terras na região. Ele mesmo dizia
(LUTZENBERGER, 2009, p.53): “a reação que se verificou contra a demarcação
de terra dos Ianomâmis, em 1991, demonstra quantos são os que, especialmente
em posição de poder administrativo, tecnocrático ou militar mantém
exatamente esta visão de mundo. Queixam-se por verem limitados em sua
expectativa de ampliação do vandalismo”. Porém, a importância do
reconhecimento dessa reserva é indiscutível dentro dos parâmetros da
preservação dos recursos naturais na região amazônica, conforme se verifica no
depoimento:
Lutzenberger trouxe grandes contribuições nesse período,
com a questão indígena na demarcação das terras dos
Ianomâmis, e quem acabou defendendo isso foi o ministro
Jarbas Passarinho, uma pessoa inclusive que ele havia
brigado. Ele trouxe a questão indígena a tona, também
nesse período foram criadas muitas áreas de preservação
ambiental através dos seus assessores
17
.
Durante o período como secretário, ele atuou com firmeza para bloquear
o projeto nuclear brasileiro. na década de 1980, o perigo nuclear espreitava o
Brasil e o mundo. Reportando-se aos riscos da energia nuclear, Lutzenberger
(1980b, p. 23) assim se expressou:
Se a poluição não-nuclear castiga os inocentes da atual
loucura nesta absurda sociedade de consumo, onde os que
mais pagam são os que menos consomem, a poluição
nuclear prepara castigo para quem viverá em sociedades que
17
Entrevista n° 01, realizada com Lilian Dreyer, em 18 de janeiro de 2010.
63
ainda nem se pode imaginar e até mesmo em épocas que da
atual talvez nem memória mais serão. Não somente os
efeitos genéticos hoje desencadeados o são em longo prazo
séculos ou milênios mas a longevidade dos poluentes
nucleares fará com que sejam desencadeados sempre novos
efeitos enquanto durarem estes poluentes no ambiente, no
caso do Césio 137 e do estrôncio 90, até 500 anos; no caso
do iodo 129, até 300 milhões de anos.
Com essa convicção, Lutzenberger esforçou-se para influenciar os
militares argentinos a assinarem um tratado de não proliferação de artefatos
nucleares. O Acordo Brasil-Argentina para o “Uso Exclusivamente Pacífico da
Energia Nuclear” foi celebrado em Guadalajara, em 18 de julho de 1991. Pelo
artigo I desse acordo, Argentina e Brasil igualmente assumiram, nesse ano o
compromisso de banir completamente as armas nucleares de seu território.
Reconheceram, ademais, a inexistência de distinção técnica entre explosivos
nucleares para fins pacíficos e os destinados ao emprego militar, abstendo-se, em
consequência, de realizar, fomentar, autorizar ou de participar de qualquer
maneira no teste, uso, fabricação, produção ou aquisição, por qualquer meio, de
qualquer dispositivo nuclear explosivo, enquanto persista a referida limitação
técnica (BONES e HASSE, 2002). A relevância desse procedimento foi
destacada pelos entrevistados:
Houve casos muito bons, como o enterro do projeto de energia
atômica e as aspirações para a fabricação da bomba.
Lutzenberger enfrentou alguns problemas ecológicos. Na
verdade, estou de acordo com tudo o que ele fez no governo
Collor
18
.
Outro ponto importante foi a questão nuclear que foi revista,
através do acordo com Argentina que junto com o Brasil
enterrou o programa nuclear para fins não pacíficos
19
.
Ainda no período em que esteve no governo, atuou na criação de
importantes unidades de conservação, como, por exemplo, o Parque da Serra
Geral, e implantou projetos de leis para a preservação da Mata Atlântica e pelo
18
Entrevista n° 02, realizada com Augusto César Carneiro, em 20 de janeiro de 2010.
19
Entrevista n° 01, realizada com Lilian Dreyer, em 18 de janeiro de 2010.
64
fim da caça predatória às baleias. Também assinou o Tratado da Antártida, que
concedia direitos à pesquisa científica na região. Como resultado imediato dessas
medidas, o presidente Collor tornou-se por alguns meses um homem confiável
para o establishment
ocidental (VIOLA, 1999).
Como secretário do Meio Ambiente, continuou coerente com sua postura
combativa frente ao processo de destruição ambiental destinado à expansão do
consumo desenfreado e irracional. Esse tema foi abordado por Lutzenberger em
discurso na Casa Branca, na presença de George Bush, presidente dos Estados
Unidos da América. Os princípios do desenvolvimento sustentável e do
compromisso dos países desenvolvidos com as questões ambientais foram pontos
fundamentais que partiram do discurso de Lutzenberger na Casa Branca e
inseriram-se como temáticas de discussão nas reuniões preparatórias para a
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento a
Rio 92. Como posteriormente aconteceu, esse evento mundial reuniu governo e
entidades não governamentais para o debate das questões ambientais (DREYER,
2004).
O abalo da sua atuação política foi marcado por uma matéria do jornal
Folha de S. Paulo, de 18 de março de 1992. A reportagem se baseou no conteúdo
de um vídeo no qual Lutzenberger denunciava o acordo estabelecido entre as
madeireiras da Região Norte do país e o IBAMA, que regularizava
indiscriminadamente a extração ilegal de madeira. A imprensa acusava o
secretário de ser conivente com o processo de corrupção estabelecido durante sua
gestão. Os grupos que foram prejudicados com a atuação do secretário
engrossavam o coro daqueles que queriam a sua renúncia.
Então, as denúncias de corrupção dentro do IBAMA tornaram-se públicas.
Alguns funcionários sentiram-se indignados por considerarem que as acusações
eram generalizadas e sem provas, o que motivou uma série de processos jurídicos
contra o secretário. O documento a seguir apresenta a defesa proferida por
Augusto César Carneiro, seu advogado na época, diante de um dos inúmeros
processos que Lutzenberger havia sofrido na época.
65
Figura 2 – Autos do processo 92.3196-0. Defesa de José Antonio Lutzenberger, 1992, p. 13.
Fonte: arquivo pessoal de Augusto César Carneiro.
Esses episódios criaram uma situação que se tornou insustentável. A esse
respeito, Lilian Dreyer cita o próprio Collor de Mello a propósito das atitudes de
Lutzenberger:
Tive que lutar contra múltiplas forças contrárias à atuação do
Lutzenberger recorda Collor. Os donos de garimpo, os madeireiros,
os industriais sem vontade de enfrentar o problema da poluição. Os
militares e os cientistas que ficaram ressentidos com a contenção do
programa nuclear. Quando levamos adiante a questão das reservas
ianomâmis e eu ficava muito impressionado com a destruição quando
sobrevoávamos as áreas, com o estrago que ali se fazia disseram que
queríamos criar uma nação independente do Brasil. (...) Não foi fácil
conseguir a demarcação das reservas (DREYER, 2004, p.321).
A própria mídia que reverenciava as ações ambientais de Lutzenberger,
durante esse período, fez uma série de reportagens apontando seu lado excêntrico
e extravagante, na tentativa de desmoralizá-lo.
66
A reportagem da revista Veja, de 9 de maio de 1990
20
, intitulada “Arauto
do Apocalipse”, relata a passagem do secretário por Washington em uma das
reuniões preparatórias para a Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento. A referida reportagem foi apresentada com
constantes tons de críticas. O texto pretendia deixar claro que o secretário
portava-se de maneira estranha e excêntrica. A crítica iniciou-se com o fato de o
secretário ter voltado ao Brasil por Porto Alegre e não por Brasília, além de
apresentá-lo como um homem genioso e cheio de pequenas manias. Em outra
reportagem da mesma revista, realizada em 11 de setembro de 1991
21
, as críticas
tornaram-se mais contundentes, afirmando que o secretário Lutzenberger reduzia
a questão ecológica a uma troca de insultos.
Outro ponto importante da queda de sua popularidade foram os constantes
embates políticos com alguns membros do alto escalão do governo, em especial
com Gilberto Mestrinho, governador do Estado do Amazonas. Mestrinho foi
acusado pelo secretário de ser conivente com a exploração da Amazônia exercida
pelas madeireiras e empresas multinacionais instaladas na região. Em resposta a
essa acusações, Gilberto Mestrinho afirmou em depoimento para a revista Veja,
na mesma matéria de 11 de setembro de 1991: “Ninguém leva o Lutzenberger a
sério neste país”. Lutzenberger verbalizava:
Os Mestrinhos da vida estão loucos para iniciar exportação
maciça. Assim, o fluxo material, o fluxo que realmente conta e
não podemos criar do nada, como fazemos com o dinheiro, o
fluxo dos recursos, das matérias-primas, também é unilateral:
predomina do movimento do Sul para o Norte
(LUTZENBERGER, 2009, p.117).
A onda de denúncias de corrupção se avolumava durante o governo
Collor. Assim sendo, Lutzenberger foi tendo suas ações limitadas, pois as
declarações contra o IBAMA e toda a campanha de descrédito o afetavam,
repercutindo desfavoravelmente. O presidente insistia na sua renúncia, mas
Lutzenberger temia que essa atitude soasse como culpa assumida. O desfecho da
20
“Arauto do Apocalipse”. Revista Veja, seção Administração. Edição 1.129, de 9/5/1990, pp. 34-35.
21
“Guerra dos babacas”. Revista Veja, seção Ecologia. Edição 1.199, de 11/9/1991, pp. 76-77.
67
trajetória política nesse governo foi narrado por Lutzenberger em entrevista
concedida a Bones e Hasse:
Um dia estávamos Collor e eu no gabinete do primeiro-ministro
da Áustria. Naquela época era o Branitski. Aí, o Collor, naquele
inglês todo enrolado dele, fez aquele discurso comum dos
terceiro-mundistas: “Nós somos um país pobre. Estamos
precisando da ajuda de vocês, países ricos”. eu fiquei (sic)
puto da vida, deixei eles falarem. Mas como ele sempre me dava
à palavra depois, olhei para trás para ver quem estava ali.
Sempre tem uns caras do Itamarati junto. Tinham dois deles
que sabiam inglês, mas não sabiam alemão. eu falei em
alemão, e disse para o primeiro-ministro: “Olha, nós brasileiros
temos um país incrivelmente rico. Vocês têm um território de 83
mil km
2
. O nosso território é de 8,5 milhões de km
2
, isto é, mais
de 100 vezes maior que o de vocês. O território de vocês, (sic)
metade é montanha gelada. pra fazer ski e ganhar um pouco
com o turismo. Aqueles lindos vales verdes de vocês são lindos,
frutíferos, mas têm oito meses de vegetação por ano. A maior
parte do Brasil, com exceção daqueles desertozinhos do
Nordeste, têm doze meses de vegetação por ano. Nós temos um
clima maravilhoso. Temos tudo quanto é recurso”. E o Collor
perguntando, não estava entendendo nada. E no fim eu disse:
“Mas nós somos um país muito pobre. Incrivelmente pobre. Não
se imagina como nós somos pobres em político decente”. na
saída, Collor me perguntou: “Lutz, por que o homem riu tanto?”
“Aí eu expliquei para ele o que tinha dito. O Collor deu uma
risada amarela, e três semanas depois me mandou embora”
(BONES e HASSE, 2002, p. 98).
Apesar dos pesares, são inegáveis as contribuições das ões realizadas
por Lutzenberger durante a sua atuação como secretário do governo Collor.
Paralelamente às iniciativas preparatórias para a referida Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, o discurso delineado por ele
sobre os problemas ambientais que afetavam o território brasileiro ganhou
visibilidade internacional ainda maior. Mesmo diante da pressão dos grupos
dominantes, da tecnocracia nacional e da sua pouca habilidade burocrática, seu
comprometimento com suas ideias e sua coerência com elas sempre foram sua
marca pessoal. Sobre o seu modo de agir como secretário do Meio Ambiente
alguns entrevistados evidenciam:
68
O Lutz tinha um perfil que não se encaixava com o estilo burocrata,
então eu acredito que ele não tinha os traços que não se enquadravam
com o exercício de uma função pública, burocrática e autoritária. Nessa
época eu era presidente da AGAPAN, e sofri uma pressão muito
grande de várias pessoas da própria entidade, que tinham uma visão
muito crítica em relação ao fato do Lutzenberger ter assumido um
papel governamental na época do Collor. Eu defendi a participação do
Lutzenberger no governo Collor para várias pessoas; muita gente não
sabe a barra que foi a defesa do Lutz, às vezes na mais completa
solidão e desacordo com várias pessoas que estavam comigo
22
.
Eu acho que o mais importante de tudo foi o que ele não conseguiu
fazer, que foi pioneirismo de tentar colocar a questão ecológica de
forma transversal, ou seja, ecologizar a administração do Brasil. A
passagem dele no governo deu base para se discutir de forma global e
política a questão ecológica
23
.
A substituição de Lutzenberger por José Goldemberg, em março de 1992,
já às vésperas da Conferência do Rio, precipitou o desmantelamento da tendência
política do governo em questões ambientais. Mantendo o elo com a comunidade
científica e o diálogo com os círculos internacionais do poder, o secretário
interino, em suas primeiras manifestações registradas pela imprensa, revelava
a face desenvolvimentista da nova política, mais coerente com o pensamento
liberal do presidente: "Goldemberg ressuscita a BR-364", é o título de matéria da
Folha de S. Paulo
24
. Na referida reportagem suas palavras apontavam apenas o
lado econômico da questão: "Não tenho nenhuma objeção de caráter ideológico
quanto à construção da BR-364. Serviria para escoar a produção, economizando
recursos". Com esse enfoque unidimensional, favorável ao governo de Rondônia,
ele entrava em choque com a União das Nações Indígenas, com o Conselho
Nacional de Seringueiros e com um grande mero de ONGs brasileiras e
estrangeiras (VIEIRA, 1992). Isso porque a expansão da rodovia foi responsável
por um grande impacto florestal na região. Tais posturas interferiram
negativamente nas conquistas do ex-secretário Lutzenberger.
22
Entrevista n° 03, realizada com Celso Marques, em 21 de janeiro de 2010.
23
Entrevista n° 01, realizada com Lilian Dreyer, em 18 de janeiro de 2010.
24
Goldemberg ressuscita a BR-364”. Folha de S. Paulo, cad. 4, 8/4/92, p.1.
69
Depois de se decepcionar com a experiência política vivida e com a
incapacidade do Poder Público frente aos problemas concretos da destruição
ambiental, Lutzenberger voltou para Porto Alegre em 1992, e dedicou-se a
desenvolver seus projetos na Fundação Gaia, no município de Pantano Grande
(RS). Porém, continuou extremamente atuante, proferindo palestras e oficinas em
várias partes do mundo, assim como recebendo diversas homenagens em
reconhecimento pelo seu trabalho.
2.5 O fim da trajetória: o reconhecimento público das ações de
Lutzenberger
A exteriorização dos seus conhecimentos teóricos e a repercussão da
mídia em torno do seu discurso fizeram com que os princípios em defesa do meio
natural ganhassem visibilidade internacional, razão pela qual contribuiu de modo
decisivo para estruturar o pensamento ambiental no Brasil.
O seu engajamento na militância em torno das questões ambientais lhe
rendeu várias honrarias internacionais, como a Medalha de Bodo-Mastein, da
Liga para o Meio Ambiente e Proteção da Natureza da Alemanha Ocidental, em
1981, e o The Right Livelihood Award
25
Prêmio Bem Viver –, recebido em
1988, conhecido como o Nobel Alternativo, concedido pelo governo da Suécia.
A propósito, o valor recebido foi aplicado no desenvolvimento da Fundação
Gaia. Diante desse reconhecimento, ganhou espaço em várias publicações
internacionais, como a Natur e a The Ecologist, consolidando o seu nome na
nova consciência ecológica do Brasil. Em 1991, foi concedido o título de doutor
honoris causa pela Universidade São Francisco, em Bragança Paulista (SP). Em
1995, tornou-se doutor honoris causa pela Universidade para Cultura Agrícola de
Viena. No ano de 2000, recebeu o título de professor visitante na Universidade
25
O The Right Livelihood Award, conhecido como prêmio Nobel Alternativo, foi criado em 1980 por um
filantropo sueco-alemão, o barão Jakob Von Uexkuell, com a intenção de promover a busca de soluções
práticas para os problemas do cotidiano da humanidade. O prêmio Nobel tradicional, no entender do
barão, havia se especializado demais e se afastado das questões que, de fato, preocupavam os povos ao
redor do planeta.
70
de Shandong, na capital da província de Jinan, República Popular da China
(DREYER, 2004).
A sua visibilidade fez com que os olhares da comunidade internacional se
voltassem para as questões do meio ambiente no território brasileiro,
principalmente para os impactos nos recursos florestais. As palestras sobre os
problemas ambientais nacionais e internacionais, os efeitos do desmatamento na
Amazônia, os riscos dos programas nucleares e, principalmente, a luta contra a
utilização dos agrotóxicos, geraram a credibilidade de grandes personalidades de
fora do Brasil. Urban, relata essa credibilidade a partir da carta que Lutzenberger
recebeu do professor Konrad Lorenz
26
, do Departamento de Etnologia da
Academia Austríaca de Ciência, em julho de 1976:
Muito estimado senhor Lutzenberger,
Meu amigo, o Sr. Heinrich Westphal (presidente da Sociedade de
Promoção da Ecologia de Munique), informou-me do empenho e da
coragem que o senhor vem se opondo à ameaça de catástrofe ecológica
no Brasil. O que vem acontecendo nesse país é, de fato, o que de mais
imediatista pode haver. Eu tenho uma velha definição que diz que a
economia não é não ecologia imediatista ou, inversamente, a longo
prazo a ecologia é a única economia correta. [...] É sua tarefa, como a
de todos nós fazer que os povos compreendam que essa forma de
realismo significa autodestruição (URBAN, 2001, p.81).
Em termos ecológicos, a visão crítica sobre modelo de desenvolvimento
tecnológico que se propagava podia ser entendida como algo pioneiro.
Pioneirismo não porque se posicionava contra os princípios da modernidade
tecnológica, mas, sim, contra os efeitos nocivos da utilização desses elementos
de forma inadequada. Para Lutzenberger (1980a), o homem deveria tentar chegar
a sistemas de equilíbrio dinâmico, que levassem em conta fatores econômicos,
tecnológicos e políticos. A conquista desse equilíbrio impediria o crescimento
irracional do consumo e o esbanjamento dos recursos naturais. A moderação
levaria a humanidade a gastar somente para atender às suas necessidades básicas
e o que pudesse ser renovável. Mais uma vez utilizando metáforas, numa
26
O zoólogo austríaco, Konrad Lorenz, foi o fundador da moderna Etologia, o estudo comparativo do
comportamento humano e animal, uma nova área de estudos científicos com profundas implicações para a
humanidade. Pelas suas descobertas recebeu o prêmio Nobel de Fisiologia, em 1973.
71
analogia econômica, ele decreta: “temos que aprender a viver dos juros de nosso
capital, não podemos comer o capital. Se roermos a substância, acabaremos com
nosso próprio futuro e tornaremos impossível a vida de nossos descendentes”.
Adepto do ecodesenvolvimento que concebia o crescimento econômico
não como meta, mas como meio. Esse princípio traria como consequência o tripé
do desenvolvimento: viabilidade econômica, prudência ecológica e justiça
social, Lutzenberger propagou suas ideias sobre os efeitos do desenvolvimento
anos antes da formulação do conceito de desenvolvimento sustentável,
estabelecido durante o evento da ONU em 1992, no Rio de Janeiro. A ênfase no
desenvolvimento sustentável aparentemente solucionador dos problemas
ambientais foi mais uma das tentativas que resultaram pouco significativas para
enfrentar os problemas reais. Por não ter critérios definidos para ser posto em
prática, nem mesmo tendo um significado explícito, abre possibilidade para
variadas interpretações. De acordo com Jickling (1992, p.5), esse termo, na
verdade, tem se tornado, para muitos, um “vago slogan suscetível de
manipulação”.
Em sua visão crítica sobre os efeitos do desenvolvimento e da utilização
racional da tecnologia foi reverenciada por vários autores, como Fritjof Capra
27
,
que afirmou que “Lutzenberger estava entre as raras pessoas no mundo,
infelizmente muito raras, com conhecimentos muito sólidos tanto em química e
física, quanto em ecologia”. Capra ouviu-o discorrer sobre os perigos da
biotecnologia e dos transgênicos muito antes que esses assuntos se tornassem
públicos (DREYER, 2004). Os dois tornaram-se amigos e mantiveram uma
relação de mútua admiração. Em sua primeira visita ao Brasil, ocorrida em
novembro de 1993, Capra teve a oportunidade de conviver e compartilhar
informações com Lutzenberger, como mostra a foto:
27
Físico e teórico de sistemas, o austríaco Fritjof Capra é autor de vários best-sellers, como O Tao da Física,
O Ponto de Mutação, Sabedoria Incomum, Pertencendo ao Universo e A Teia da Vida e As Conexões Ocultas:
Ciência para uma Vida Sustentável, todos publicados no Brasil. Capra é um dos diretores-fundadores do
Centro de Eco-Alfabetização de Berkeley, que promove a divulgação do pensamento ecológico e sistêmico nas
redes de educação primária e secundária, foi tema de documentários e vários artigos. Atualmente vive na
Califórnia.
72
Figura 3 – Lutenzenberger, Capra e Lara Lutzenberger em visita ao Parque Ecológico da Riocell, em
Guaíba (RS), novembro de 1993.
Fonte: Informativo da Fundação Gaia, ano II, n.º18, janeiro de 2003.
O seu posicionamento sempre coerente quanto à utilização da tecnologia
diante do pragmatismo do desenvolvimento industrial foi comentado pelos
entrevistados:
O Lutz tinha uma visão crítica sobre a tecnologia; ele dizia que a
tecnologia não é feita hoje para resolver os problemas da melhor
maneira, ele negava a questão da racionalidade tecnológica. Ele
dizia que a tecnologia hoje é feita para concentrar poder. Em
absoluto ele era contra a modernidade, ao contrário, o que os
ecologistas colocaram são os problemas que exigiriam o
redirecionamento tecnológico, inclusive na criação de tecnologias
mais inteligentes que as atuais. No Manifesto Ecológico
Brasileiro, está cheio de exemplos desse tipo. Quando o
Lutzenberger propõe energias alternativas, ele coloca o seguinte:
nós não queremos voltar para trás, nós estamos querendo ir para
frente. E o crescimento industrial está dentro de uma ideologia
que é totalmente defasada da realidade. O que a ecologia defende,
é que o homem não é o centro da natureza, ele é um ser vivo que
depende e é inseparável da própria natureza; isso significa que
ainda nós temos uma visão antropocêntrica do mundo; nosso
pensamento se coloca fora da natureza, com se o homem fosse
algo separado da natureza. Então, eu acho que essa visão de que a
proposta tecnológica do movimento ecológico remete ao
passadismo, é um completo equívoco
28
.
Alguns setores da sociedade se revoltaram diante da visão mais
abrangente dele de que é preciso, em cada empreendimento você
avaliar as repercussões e os custos e atribuir os custos a quem o
gera, e não para a sociedade toda. Ele, como todos os pioneiros,
28
Entrevista n° 03, realizada com Celso Marques, em 21 de janeiro de 2010.
73
sofreu por causa disso, sendo muito combatido inclusive; mas ele
nunca atacou o desenvolvimento
29
.
Sem muito esforço, é seguro afirmar que a expressiva trajetória de vida
desse ambientalista foi marcada por uma vida dedicada intensamente ao trabalho.
Por outro lado, entretanto, os poucos cuidados com sua saúde lhe renderam uma
série de problemas. Desse modo, ao completar 76 anos, estava com asma,
enfisema pulmonar e uma miocardiopatia primária dilatada. Mesmo assim,
porém, era incansável e não deixava de atender diversas solicitações de palestras
e consultorias dentro do Brasil. Sem se deixar abater, levou para a discussão
pública a questão das lavouras transgênicas que estavam se perpetuando no
país (DREYER, 2004). Nos últimos anos, Lutzenberger se envolvera
intensamente com a Fundação Gaia, criada por ele para auxiliar agricultores
interessados em formar cooperativas dedicadas à agricultura ecológica. Atenuou
sua presença na militância para dedicar-se mais ao trabalho pedagógico,
transmitindo conhecimentos adquiridos para pessoas simples que se mostrassem
sensíveis aos problemas ambientais. O agravo doença que lhe consumiu a saúde
nos últimos anos, levou-o a ter que se utilizar uma cadeira de rodas para fazer
passeios no sítio de Pantano Grande. Nessas circunstâncias, também culpava os
dois anos no governo Collor pelo estado de saúde que agora o deixava debilitado.
José Antonio Kroeff Lutzenberger faleceu no dia 13 de maio de 2002. Foi
sepultado na Fundação Gaia, sem o esquife de madeira, porque pediu para ser
enterrado em contato direto com a terra, pela qual lutou e defendeu durante boa
parte de sua vida. O fato foi noticiado em várias mídias nacionais e
internacionais, sendo que o jornal Zero Hora de Porto Alegre chegou a publicar
sete notícias a cerca do enterro e do cortejo. Publicou ainda depoimentos de
representantes do movimento ambientalista gaúcho, como Augusto César
Carneiro e Flávio Lewgoy, como registrado aqui:
A perda de José Lutzenberger foi sentida por todos os
gaúchos. Para Augusto Carneiro, um dos fundadores da
AGAPAN, o trabalho do ecologista não pode ser esquecido.
29
Entrevista n° 05 realizada com Washington Novaes, em 16 de março de 2010.
74
“Fundamos a entidade mais agitadora do Brasil”, definiu a
associação criada em 1971, ainda sob o regime de exceção no
país. Membro dos conselhos estaduais do Meio Ambiente e da
Saúde e ex-presidente da AGAPAN, Flavio Lewgoy disse que
não se encontrará paralelo no trabalho feito por Lutzenberger.
“Ele era considerado o fundador do movimento ambientalista
moderno” (“Sentimento de Luto domina os gaúchos”:
publicada em 15/5/2002, seção geral, p.3).
Seu legado está na fundação que concebeu e criou, como um amplo
projeto de educação ambiental segundo os preceitos da ecoagricultura, do
consumo responsável, da sustentabilidade, da ética e da cidadania, dentro da
visão holística que todos devem ter respeito ao meio ambiente.
Na perspectiva dessa trajetória emblemática, é possível compreender
como se alargou e se expandiu a visão ambiental em nosso meio, com a
multiplicação dos atores envolvidos e com a disseminação desse pensamento em
outras áreas e dinâmicas organizacionais. Essa visão estimulou o engajamento de
grupos socioambientais, científicos, dos movimentos sociais e empresariais, nos
quais o discurso holístico ambiental, respaldado por Lutzenberger, ter exercido
um papel muito relevante.
75
3 CAPÍTULO 2 - EM DEFESA DA AGRICULTURA ECOLÓGICA
Agrônomo por formação, sempre é bom lembrar que o ambientalista José
Antonio Lutzenberger dedicou parte de sua vida e de seu trabalho denunciando
os efeitos extremamente nocivos e cancerígenos da utilização dos agrotóxicos
nas lavouras do Brasil e do mundo. Esse seu ideal foi iniciado quando ainda
estava na BASF, e se efetivou no país através da sua trajetória como
ambientalista.
Este capítulo pretende mostrar então, a importância da posição de
Lutzenberger frente à chamada “revolução verdeno Brasil, assim como procura
evidenciar as suas ações de combate à utilização dos agrotóxicos e a sua luta para
o desenvolvimento de uma agricultura ecológica e, portanto, saudável.
3.1 Lutzenberger e a “revolução verde”
Após a Segunda Guerra Mundial, durante a década de 1940, as áreas
cultivadas aumentaram na proporção de atender uma maior demanda de
alimentos. Aumentaram também bem a definição da ocupação de campos por
apenas uma espécie vegetal nos países industrializados. Embora ainda fossem
poucas e pequenas as áreas que apresentavam esse tipo de exploração, procurava-
se, com isso, aumentar a produção agrícola. Essa prática criou condições para a
proliferação de pragas e doenças nos campos cultivados, tornando-os mais
dependentes dos praguicidas. Lutzenberger (1985) afirmava que os praguicidas e
a agroquímica, em geral, são resultados do esforço bélico das duas grandes
guerras mundiais. A chamada guerra química, realizada com o objetivo de
destruir as colheitas dos inimigos, gerou compostos chamados de herbicidas, do
grupo do ácido fenoxiacético, o 2,4-D e o 2,4,5 T MCPA. O DDT também surgiu
na segunda grande guerra, pois as tropas norte-americanas no Pacífico sofriam
muito com a malária, e esse composto químico era utilizado no seu combate. O
dicloro-difenil-tricloroetil passou a ser produzido em larga escala. De avião, esse
elemento químico era aplicado em paisagens inteiras, e as pessoas eram tratadas
76
com enxurradas de DDT. Depois da guerra, a agricultura serviu para dar vazão
aos enormes estoques e para manter as grandes capacidades de produção que
foram montadas.
Nesse período, a dependência por fertilizantes e pesticidas começou a se
difundir, buscando maximização da produção sob quaisquer custos (ROEL,
2002). A implantação da mecanização agrícola, que causa grandes impactos ao
ambiente, foi mais tardia, pois necessitava de culturas homogêneas as
chamadas monoculturas o que veio ocorrer a partir da “revolução verde”
(GONÇALVES, 2006).
A expressão “revolução verde” foi criada em 1966 nos EUA, apesar do
processo de modernização da agricultura que desencadeou esse modelo ter
ocorrido no final da década de 1940. Essa prática agrícola é caracterizada
fundamentalmente pela combinação de insumos químicos (fertilizantes,
agrotóxicos), mecânicos (tratores e implementos) e biológicos (sementes
geneticamente melhoradas), princípios esses, defendidos pelo agrobiologista
norte americano Norman Ernest Borlaug (GONÇALVES, 2006). É neste
momento também que a utilização de fertilizantes químicos baratos e abundantes
tornou-se uma das grandes conquistas da época (AMBROSANO et al., 2002).
Uma das principais justificativas para a difusão desse modelo de
produção agrícola baseava-se no argumento de proporcionar a solução para a
erradicação da fome no mundo, principalmente nos países tidos como
subdesenvolvidos. O primeiro país subdesenvolvido a adotar o pacote da
“revolução verde” foi o México. Onde o governo desenvolvia um programa de
pesquisa para melhoramento de trigo e milho, desde a década de 1930
(GOODMAN et al., 1990). A partir da cada de 1960, a pesquisa agrícola
adquiriu uma dinâmica internacional. Diversos centros de pesquisa, como a
IARCs – International Agricultural Research Centers – foram instalados em
vários países, contando com financiamentos do Banco Mundial, de fundações
sem fins lucrativos, como a Fundação Rockefeller e a Fundação Ford, bem como
de outras instituições de financiamento. Em 1971, foi criado o Consultative
Group on International Agricultural Research (CGIAR), agência que tem
77
dirigido os esforços de pesquisa dos vários centros envolvidos no melhoramento
genético (GOODMAN et al., 1990).
Cabe ressaltar que o trinômio tecnologia, biologia, química proposto
pela “revolução verde” e que atendia ao interesse das grandes companhias,
apresentou resultados alarmantes. Como mencionado anteriormente, Rachel
Carson, através das denúncias expressas no livro Primavera Silenciosa,
alertava para os efeitos cumulativos dos clorados, especialmente do DDT
(CARSON, 1980). Com a obra de Carson, os aspectos nocivos das práticas
intensivas da “revolução verde” passaram a ser identificados a partir da década
de 1960, e divulgados através da mídia e de publicações científicas. A utilização
de fertilizantes e de agrotóxicos começou a ser duramente criticada, em função
dos problemas causados pelo uso intensivo desses produtos, tais como:
intoxicação humana e animal; surgimento de pragas mais resistentes;
contaminação da água e do solo; erosão; salinização do solo (TIEZZI, 1988).
As denúncias apresentadas por Carson e pela comunidade científica,
aliadas à pressão dos primeiros grupos ecológicos, influenciaram, como reporta
McCormick (1992), na decisão do governo americano de proibir o uso do DDT
nos Estados Unidos. Essas denúncias sobre efeitos indesejáveis de tecnologias
como a dos pesticidas feriam, por certo, interesses das indústrias que se
beneficiavam de sua difusão, assim como as crenças daqueles que viam na
tecnologia a possibilidade de superar de problemas sérios, como a fome; é o caso
de Norman Ernest Borlaug, “pai” da “revolução verde” e prêmio Nobel da Paz
em 1970, que afirmou:
“Se for negado à agricultura o uso de produtos químicos
agrícolas por causa de uma legislação imprudente que está
sendo agora promovida por um grupo poderoso de lobistas
histéricos, os quais estão provocando o medo ao prever o
apocalipse para o mundo por meio do envenenamento químico,
o mundo estará condenado não por envenenamento químico,
mas pela fome” (MCCORMICK, 1992, p.38).
Nesse período, Lutzenberger atuava como executivo da BASF e observava
atentamente os rumos da “revolução verde”. Com efeito, seus conhecimentos
78
técnicos faziam-no admirar os avanços da química e da tecnologia, mas davam-
lhe condições de compreender perfeitamente os efeitos nocivos da utilização
indiscriminada dessa prática, como aponta o depoimento a seguir:
Ele próprio era um admirador dos avanços da química,
considerava-os uma das grandes conquistas do seu tempo, mas
era óbvio que a química na agricultura estava enveredando por
um caminho nefasto. Como a BASF limitasse as críticas a Rachel
Carson ao âmbito interno da organização e não estivesse
participando da campanha internacional contra ela, Lutzenberger
em 1962 tentou levantar uma discussão dentro da empresa sobre
os princípios da e na agricultura. Acreditando ser possível
conscientizar pessoas, conversou com superiores e colegas,
argumentou que seria inteligente dar atenção a esta obra, refletir
dentro da empresa sobre as denúncias do livro. Acabou no norte
da África como principal encarregado de abrir mercado para os
agroquímicos da indústria alemã (DREYER, 2004, pp. 100-101).
No Brasil, a revolução verde” materializou-se na década de 1970, em
pleno regime de ditadura. Sob a condução dos governos militares, foi implantado
um conjunto de medidas que visava principalmente à absorção das novas
tecnologias do padrão tecnológico difundido de modo a acarretar o aumento de
produção, e, criando assim, uma suposta e virtuosa associação com o crescimento
da renda familiar, gerando, portanto, o “desenvolvimento rural” (NAVARRO,
2001). Essas medidas eram associadas à propaganda militar sobre a prosperidade
vigente do país. A meta do crescimento agrícola
era efeito do chamado Plano
Nacional de Desenvolvimento PND e do Plano Nacional de Defensivos
Agrícolas – PNDA, lançados em 1975 (ROCHA, 1988).
Porém, o modelo agrícola defendido pela “revolução verde” e pelos
militares desenvolvia-se principalmente nas propriedades latifundiárias,
abastecendo as grandes indústrias e aumentando ainda mais a exportação dos
produtos primários. De acordo com Lutzenberger (1985), nesse período,
surgiram novos esquemas oficiais de aceleração da devastação, que em vez de
promover uma agricultura mais saudável e produtiva, promoviam a simples
ampliação da área plantada com a compra de maquinário excessivo, que não
correspondia ao interesse e à capacidade do agricultor.
79
A chegada da “revolução verde” ao nosso país trouxe para o cenário
agrícola brasileiro a proliferação da utilização indiscriminada dos agrotóxicos.
Primeiramente, esses produtos eram conhecidos como “defensivos agrícolas”,
palavra menos agressiva, que inspirava confiança e não possuía uma conotação
negativa (LUTZENBERGER, 1985); os agricultores desconheciam por completo
os efeitos tóxicos desses compostos.
De volta ao Brasil e com a fundação da AGAPAN, Lutzenberger tornou-
se um grande crítico da “revolução verde”, denominando-a de “agricultura de
rapina”. Sua crítica tinha por base os seus conhecimentos técnicos sobre os
perigos que a agroquímica poderia causar ao organismo humano. Tinha, então,
argumentos para denunciar que a expansão desse tipo de produção poderia
comprometer irremediavelmente a agricultura tradicional dos pequenos
produtores (LUTZENBERGER, 1980a). Em tom indignado, dizia, ainda, que a
“revolução verde”, em nenhum momento, atenderia o seu propósito de diminuir a
fome, mas promoveria uma grande crise ambiental.
O alto grau de mecanização, o cultivo das seleções genéticas de
alta produtividade, mas também a elevada exigência e
vulnerabilidade da chamada “Revolução Verde” e o uso intensivo
da agroquímica fazem com que estas formas de agricultura, no
consenso quase geral, sejam aceitas como um grande progresso,
única maneira de ainda alimentar as massas da avalanche
demográfica. Mas esta é outra mentira infame. Estes métodos
interessam à grande indústria, não à sobrevivência!
(LUTZENBERGER, 1980a, p. 23).
Com frequência, afirmava que a “revolução verde” combatia de maneira
implacável a sustentabilidade no campo que era promovida pelas comunidades
agrícolas familiares. De acordo com os seus conhecimentos, considerava que as
pequenas propriedades que se interligavam em comunidade com as propriedades
vizinhas, inclinavam-se naturalmente para a diversidade e a abundância, tanto na
formação da cultura social quanto da cultura agrícola (DREYER, 2004).
Juntamente com as ações desenvolvidas pela AGAPAN, Lutzenberger, de
maneira contundente, se mostrou pioneiro ao debater a questão dos agrotóxicos
80
através de palestras e denúncias. Um exemplo da dimensão dessas denúncias
pode ser expresso no episódio que ocorreu sete meses após a fundação da
AGAPAN, com a visita de Norman Ernest Borlaug ao Brasil. Através de
reportagem do jornal Folha da Tarde, de Porto Alegre, em 10 de dezembro de
1971, Lutzenberger atacou de maneira incisiva esse cientista e os impactos
ambientais gerados pela “revolução verde” (CARNEIRO, 2003). Sobre esse
episódio, Augusto César Carneiro declarou:
Nós tivemos a decepção de ver um principal órgão da nossa
imprensa no Brasil, defender o representante da “revolução
verde”, Norman Ernest Borlaug, homem que foi desmoralizado
por Lutzenberger com justeza
30
.
De igual maneira, ele alertava também as repercussões sociais implícitas
dentro da “revolução verde”, afirmando que no cerne desse processo, o agricultor
estava alienado em relação ao ambiente natural; dizia que as práticas da
agricultura moderna dependiam diretamente de um imenso complexo industrial,
o qual lhe fornecia os adubos, as sementes pré-selecionadas e pré-tratadas, os
inseticidas, os fungicidas e herbicidas. Tudo isso chega até o agricultor através de
um amplo aparelho comercial; então, aquilo que ele produz é engolido pelo
mesmo aparelho e a dependência se torna evidente, mediante a proliferação do
crédito bancário (LUTZENBERGER, 1985).
Carneiro (2003) registra que entre os anos 1971 e 1973, Lutzenberger
proferiu uma série de palestras na AGAPAN e em diversas instituições do Rio
Grande do Sul, nas quais alertava dos perigos significativos da expansão da
“revolução verde”, especialmente discutindo os efeitos do desenvolvimento da
agroquímica. Uma dessas conferências intitulada “A Insensatez da
Agroquímica” – foi realizada em 1972, na Sociedade da Agronomia do Rio
Grande do Sul. O texto base denuncia tanto os interesses escusos das grandes
multinacionais envolvidas na “revolução verde”, quanto os impactos
socioambientais dessa prática, como é possível observar neste texto:
30
Entrevista n° 02, realizada com Augusto César Carneiro, em 20 de janeiro de 2010.
81
Outro importante incentivo para a agroquímica é que ela se presta
tão bem para a corrupção. Levamos mais de vinte anos para dar-nos
conta do perigo que representa a introdução do DDT na biosfera.
Muitos dos danos até agora conhecidos são irreversíveis e não
sabemos o que está por vir. Assim mesmo a irresponsabilidade
continua. Apesar da proibição em vários países, ainda não fecharam
as fábricas de DDT. A Organização Mundial da Saúde das Nações
Unidas, em sua campanha antimalarial, compra DDT de fábricas que
não podem vender em seus próprios países. (...) Nos países
superindustrializados a pouca mão de obra ainda existente no campo
é bem paga e suas rendas aumentam com o incremento da técnica.
Na Colômbia ou no Irã, quando aparece o trator, a combinada e o
herbicida no campo, explode a favela na cidade. o agricultor que
era forte, o homem digno de crédito bancário, pode tirar proveito
das novas técnicas. O camponês e o peão perdem a corrida, e vão
para a cidade engrossar as massas amorfas de marginais. Naqueles
países onde ainda existe o camponês tradicional, apegado a terra,
com suas práticas milenares, a Revolução Verde está causando o
desmoronamento de estruturas sociais estáveis. O preço é o
descontentamento e a frustração das massas com consequente
instabilidade política (LUTZENBERGER, 1972, pp. 243-244).
Graças à atuação conjunta da AGAPAN e da Sociedade de Agronomia do
Rio Grande dos Sul, a distribuição dos princípios estabelecidos por Lutzenberger,
no texto em questão, atingiu todas as sociedades de agronomia do país. Em
consequência, várias entidades nacionais convidaram-no para fazer conferências
e explicar os problemas ligados aos agrotóxicos e à “revolução verde”
(CARNEIRO, 2003). A discussão sobre os efeitos nocivos dos químicos
agrícolas nos indivíduos e nos ecossistemas, assim como as vantagens
econômicas das indústrias ligadas à “revolução verde”, ganhou visibilidade e
importância nacional, segundo enfatiza o seguinte depoimento:
Inclusive o Norman Bourlaug, que foi prêmio Nobel, o
Lutzenberger o atacou pela imprensa desqualificando-o
completamente. Eu acho que se existe alguma luta, uma campanha
que se deve especificamente ao Lutzenberger, que serviria para
consagrá-lo definitivamente, foi à questão da agricultura. Porque o
Lutzenberger foi o primeiro a levantar a bandeira contra essa
agricultura que está ai, inclusive a própria forma como ele abordou
esse problema foi paradigmática até hoje. O texto dele “Insensatez
da Agroquímica”, onde ele coloca uma perspectiva crítica da
82
agricultura
31
.
Em sua campanha contra os agrotóxicos, Lutzenberger incluía também um
alerta aos efeitos mutagênicos, cancerígenos e teratogênicos devido à aplicação
direta de venenos como o DDT e a Dioxina
32
. Muitas vezes, a pulverização
destes químicos era realizada pelos boias-frias nos latifúndios monocultores,
resultando na contaminação direta do homem por esses agentes ou através dos
alimentos produzidos no campo, os quais recebiam altas dosagens de
agrotóxicos, como forma de eliminação das pragas.
Nessas contingências, a temática da proliferação dos agrotóxicos dentro da
dinâmica estabelecida pela “revolução verde”, passou a ser pauta de reflexão e
análise nos diferentes setores da sociedade brasileira. Segundo Lutzenberger
(1985), escreveu que a degradação do solo e a proliferação da monocultura, cada
vez mais envolvente, levaram nossa agricultura a uma situação de epidemia
perene, exigindo sempre mais venenos; obteve-se, assim, um ciclo diabólico:
quanto mais veneno, mais pragas, e, portanto, mais veneno. O rompimento desse
ciclo predatório imposto pela “revolução verde” poderia ocorrer quando os
governantes e os políticos entendessem a suma importância de contribuir para
elaboração de uma legislação efetiva, que enfatizasse os aspectos éticos e
regulamentasse de maneira adequada a utilização dos compostos agrícolas, assim
como, as relações de ordem socioeconômicas que deveriam ocorrer no meio
rural.
31
Entrevista n° 03, realizada com Celso Marques, em 21 de janeiro de 2010.
32
A dioxina é uma família de substâncias químicas que contém carbono, hidrogênio e cloro. Existem
diferentes formas de dioxinas, sendo a mais tóxica a 2, 3,7,8-tetraclorodibenzo-p-dioxina ou TCDD,
presente nos agrotóxicos clorados. Essa molécula é mais conhecida como a substância tóxica presente no
Agente Laranja arma química que teria sido a alternativa química à bomba atômica, empregada para o
término da guerra no Japão. Após a guerra, passa a ser utilizada como herbicida um de seus nomes
comerciais era Tordon. Na guerra do Vietnã essa substância retornou à origem: ser arma de guerra
(LUTZENBERGER, 1985).
83
3.2 As contribuições de Lutzenberger e da AGAPAN para a regulamentação
da Lei nº 7.747/82 – Lei dos agrotóxicos
Os agrotóxicos chegaram ao sul do país junto com a monocultura da soja,
do trigo e do arroz, associados à utilização obrigatória desses produtos para quem
pretendesse utilizar o crédito rural; ou seja, o financiamento bancário para a
compra de sementes e de outros insumos era liberado se o agricultor
comprasse também o adubo e o agrotóxico (ROCHA, 1988).
Foi nos anos de 1970 que os especialistas em agronomia como José
Lutzenberger e os técnicos da Associação de Agronomia e do Conselho de
Desenvolvimento Agropecuário do Rio Grande do Sul começaram a mobilizar
a opinião pública para os efeitos nocivos do uso indiscriminado de agrotóxicos.
Pleiteavam, então, a adoção de um receituário agronômico que regulamentasse a
venda de agrotóxicos no estado. Segundo Alves Filho (2002), em agosto de 1977,
o Ministério da Agricultura aprovou a Portaria 610, constituindo a comissão
de Defensivos Agrícolas, a qual reagiu de forma efetiva contra os argumentos
daqueles que se mobilizavam pela regulamentação do uso dos agrotóxicos, como
afirma o José Prado Alves Filho em seus estudos sobre os agrotóxicos no Brasil:
As reações de oposição às iniciativas de controle do uso
indiscriminado dos agrotóxicos no Rio Grande do Sul são
imediatamente desencadeadas como produto da ação da
Comissão de Defensivos Agrícolas, no sentido de restringir as
experiências levadas a efeito por aquele estado, na implantação
do receituário agronômico (ALVES FILHO, 2002, p. 115).
No ano seguinte, a referida Comissão de Defensivos Agrícolas, publicou a
Recomendação 01(figura abaixo), cujo texto apresentava uma série de
antagonismos entre os interesses das indústrias de agrotóxicos e da sociedade
civil, como mostra o documento:
84
Figura 4 – Recomendação 01 da Comissão de Defensivos Agrícolas, aprovada em 17 de outubro de 1978.
Fonte: ALVES FILHO, 2002, p.116.
A análise dessa recomendação deixa claro o interesse econômico
envolvido na não adoção de um receituário, para o controle da comercialização e
aplicação dos agrotóxicos, criando uma grande polêmica em torno da discussão
sobre esse assunto. Lutzenberger (1982) analisou detalhadamente as intenções
contidas nesse documento e se posicionou publicamente contra as
recomendações da Comissão, através do texto denominado “A Máfia dos
pesticidas”, publicado em 1980, no Jornal do Engenheiro Agrônomo, da
Associação dos Engenheiros Agrônomos do Estado de São Paulo (AEASP). As
suas argumentações sobre as recomendações foram sintetizadas no quadro a
seguir:
85
QUADRO 2: Resumo dos argumentos apresentados por Lutzenberger, no debate em do torno da
recomendação nº 01 da Comissão dos Defensivos Agrícolas.
Recomendação nº 01 do CDA Argumentação de Lutzenberger
“Considerando que, a simples receita agronômica,
não vai livrar o consumidor e o próprio agricultor
dos riscos de um uso não adequado do produtor”.
“... acaso isso é argumento para não usar uma medida
de segurança adicional?”
“Considerando que a fiscalização do comércio,
quanto à venda do produto com receituário, se
praticamente impossível”.
“... aqui eles estão reconhecendo a sua própria
irresponsabilidade. Como é que se atrevem
comercializar produtos como o Temik
33
, se eles
mesmos reconhecem que não possibilidade de
fiscalização?
“Considerando que os mecanismos de controle
onerarão o preço do produto”.
“... mais uma vez aquela preocupação. A saúde nunca
vale nada. O negócio é sempre o que importa...”
“Considerando que a própria receita será mais um
ônus para o agricultor”.
“... isso aqui é mentira muito grande. O agricultor que
usa o receituário aplica menos pesticida. Economiza
rios de dinheiro. Na maioria dos casos, o receituário é
gratuito e quando o agrônomo cobra... Então, o
Ministério está dizendo que a própria receita será mais
um ônus para o agricultor, quando a receita pretende
que ele economize, naturalmente ela é um ônus para as
multinacionais.”
“Considerando que a falta de técnicos
especializados em fitossanitários, em condições de
prescrever um receituário no tempo devido, (...) é
um fator limitante à adoção do processo”.
“... quer dizer que se não houver técnicos capazes de
fiscalizar, então vamos deixar de vender livremente...”
“Recomenda... as seguintes medidas: ...Não ser
restritivo de Crédito Agrícola”.
“... pois é justamente que nós conseguimos a
eficiência.”
“Recomenda... as seguintes medidas: ...Que todo
profissional de agronomia, devidamente registrado
no CREA, possa expedir receita”.
“... Nós tínhamos conseguido a exclusão dos
profissionais comprometidos com a indústria química.
É claro que o profissional que trabalha para a indústria
química está interessado no assunto. Eu não estou
chamando ele de corrupto, não. Na medicina, o
farmacêutico está proibido de dar receita, e o médico
está proibido de ser dono de farmácia. Isto é apenas
lógico! Nos pesticidas nós temos esta situação.”
Fonte: Adaptado de ALVES FILHO, 2002, p.117.
Diante da pressão da sociedade civil movida por argumentos técnicos
provando que o emprego indiscriminado de agrotóxicos provoca impactos ao
meio ambiente prejudicam a saúde humana, no ano de 1982, no Rio Grande do
Sul – estendendo-se ao restante do país – deu-se um amplo debate sobre a
necessidade de implantar de uma legislação que regulamentasse a
comercialização e a aplicação desses produtos. Esse fato provocou uma imensa
mobilização política por parte dos ambientalistas, destacando-se a participação
33
O produto Temik, ao qual Lutzenberger se refere, é um inseticida e acaricida. O princípio ativo do
Temik, o aldicarb, é um veneno agrícola de alta toxicidade responsável por inúmeras mortes. Sua
comercialização é liberada, apesar de a Anvisa o incluir na "relação de substâncias com ação tóxica sobre
animais ou plantas de uso permitido no Brasil, em atividades agropecuárias e produtos domissanitários",
com classes toxicológica I – extremamente tóxico.
86
de José Antonio Lutzenberger e da AGAPAN. Ambos denunciavam abertamente,
através de suas publicações, a utilização indiscriminada dos agrotóxicos nas
lavouras daquele estado e os efeitos extremamente nocivos dessa prática.
Dessa mobilização resultou a aprovação da Lei Estadual 7.747/82
34
publicada no Diário Oficial do Estado, em 22 de dezembro de 1982, e precedida
por dois decretos que tratavam do mesmo tema: o Decreto-Lei 30.787, de 22
de julho de 1982, dispondo sobre o uso de defensivos clorados no Rio Grande do
Sul, e o Decreto Lei 30.811, publicado em 23 de agosto de 1982, tornando
obrigatória a prescrição do receituário agronômico no comércio de agrotóxicos.
Segundo Ferrari (1986), juridicamente, no âmbito estadual, o Rio Grande do Sul
foi o pioneiro ao consagrar a expressão "agrotóxicos e outros biocidas" no artigo
1º, § 1º da Lei nº 7.747/82.
Alves Filho (2002) afirma que vários foram os avanços contemplados na
proposta de lei apresentada, em relação ao cenário de regulamentação, incipiente
até então, a saber:
1) Proibição de vendas, no estado do Rio Grande do Sul, de produtos importados
proibidos em seus países de origem.
2) Cadastramento dos comerciantes e distribuidores.
3) Direito de impugnação do cadastro por entidades associativas, legalmente
constituídas.
4) Ampliação do instrumento do receituário agronômico para outros produtos
biocidas, tais como os de uso veterinário.
5) O receituário agronômico somente seria válido se expedido por técnicos não
vinculados às empresas de produção, manipulação e comércio de agrotóxicos.
6) Possibilidade de realização de análises de resíduos solicitadas pelas
Comissões Técnicas da Assembleia Legislativa, visando esclarecer denúncias
de contaminações ambientais.
Essa lei que regulamentou o uso de agrotóxicos na esfera estadual foi
elaborada a partir de um colegiado composto por integrantes da sociedade civil e
34
Rio Grande do Sul - Leis (1982). Lei n° 7.747, de 22 de dezembro de 1982. Dispõe sobre o controle de
agrotóxicos e outros biocidas a nível estadual e outras providências. Diário do Estado, Porto Alegre,
22 de dezembro, p.1.
87
grupos ambientalistas, liderados por Lutzenberger e pelo agrônomo Jacques
Saldanha. Esse grupo organizou e liderou a opinião pública que se manifestava
pela aprovação da lei (CARNEIRO, 2003). O projeto de lei foi apresentado pelo
deputado Antenor Ferrari, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro, que
se perfilou ao lado de ecologistas (DREYER, 2004). Ferrari salienta a
importância dessa lei:
A lei dos agrotóxicos representou, antes de mais nada, a
consolidação e a ampliação dos espaços democráticos.
Surgiu num momento em que o país ainda passava por uma
situação política em que prevaleciam inúmeros mecanismos
de restrição à liberdade... A elaboração da Lei dos
Agrotóxicos, ocorre nesse contexto, por um coletivo de
representantes da sociedade civil, tendo sido uma das mais
ricas experiências democráticas no que se refere à prática
legislativa (FERRARI, 1985, p. 58).
Diante do estabelecido, puseram-se em conflito interesses econômicos,
representados pela Associação Nacional de Defensivos Agrícolas (ANDEF), que
alegava sua inconstitucionalidade. As entidades ambientalistas eram acusadas de
usar argumentos emocionais. Todavia, essas entidades respondiam que seus
argumentos se baseavam em legislações aplicadas internacionalmente e nas
experiências de técnicos renomados, como, por exemplo, Lutzenberger, que
desenvolveu suas atividades como agrônomo em vários países.
No entanto, era sentida a necessidade de práticas agrícolas sustentáveis
desenvolvidas em espaço local, apoiadas por uma legislação que se opusesse ao
padrão mecânico-químico vigente. As propostas de Lutzenberger sobre a
utilização de tecnologias brandas no desenvolvimento agrícola sempre
caminharam nesse sentido.
Mais tarde, verificou-se que a Lei Estadual 7.747/82 provocou uma
série de desdobramentos em outros estados brasileiros, os quais procuraram
abordar em suas legislações o tema sobre a utilização dos agrotóxicos com maior
propriedade, uma vez que no Brasil havia o Decreto Federal 24.114/34
denominado “Regulamento de Defesa Sanitária”, o qual deixava diversas
lacunas.
88
Com efeito, a lei gaúcha permitiu o desenvolvimento da Lei estadual
4.002/84, sobre a distribuição de produtos agrotóxicos e outros biocidas no
Estado de São Paulo, com as alterações da Lei n° 5.032/86. A Lei 7.827/83 do
Estado do Paraná, de 29 de dezembro de 1983, dispunha que a distribuição e a
comercialização no território do Estado do Paraná, de produtos agrotóxicos e
outros biocidas, ficavam condicionados ao prévio cadastramento perante a
Secretaria de Agricultura e Secretaria do Interior. Em Pernambuco, foi
promulgada a Lei n°9.465/84, de 08 de junho de 1984, que também propunha o
controle da distribuição, comercialização e utilização de produtos agrotóxicos.
No mesmo ano, o estado da Bahia estabeleceu a Lei n° 4.386/84, assinada em 15
de dezembro, a qual dispôs sobre os mesmos aspectos de regulamentação da
utilização de agrotóxicos, com alterações disposta na Lei 6.455/93. O efeito
pioneiro da lei do Rio Grande do Sul influenciou mais de quatorze estados
brasileiros para que adotassem uma legislação pertinente ao controle de
agrotóxicos.
Segundo as considerações de Alves Filho (2002), o processo de
elaboração de leis estaduais foi acompanhado de um amplo debate, associado a
diversas guerras judiciais desencadeadas por reações dos representantes das
empresas fabricantes de agrotóxicos, contrários à regulamentação. O principal
argumento das indústrias contra o processo de regulamentação estadual
relacionava-se com grau de dificuldade imposto pela situação de atendimento de
diferentes requisitos desenhados em cada estado, como fruto de leis estaduais.
Alves Filho (2002) ainda afirma que, apesar de a maior parte dos estados
terem legislações acerca dos agrotóxicos, observou-se nas leis do Rio Grande do
Sul e do Paraná maior “rigidez”, pois foi possível constatar uma atuação mais
eficiente por parte dos órgãos fiscalizadores, uma vez que foi possível verificar
diversas ações judiciais sobre o tema oriundas desses Estados. A esse respeito
Lutzenberger declarou:
Quando a sociedade se defende, prepara legislação, insiste na
obrigatoriedade de receita assinada por agrônomo não vinculado
com a indústria química, esta combate abertamente as medidas.
89
Assim, quando o parlamento estadual do Rio Grande dos Sul
aprovou unanimemente uma lei estadual de controle dos venenos, a
indústria entrou na Justiça estadual. Perdeu e foi ao Tribunal
Supremo, para argüir da inconstitucionalidade das leis estaduais,
que são 14. Ela conseguiu pressionar o governo anterior a
apresentar no Congresso um projeto de lei federal que esvaziaria as
leis estaduais. Felizmente, o novo Governo já retirou o projeto, que
não chegou a ser votado, pois foi bloqueado pro alguns ministros
conscientes. Agora, já iniciou a pressão sobre o novo Ministro da
Agricultura para que prepare projeto de lei favorável a ela
(LUTZENBERGER, 1985, p. 65).
Mesmo diante da guerra judicial travada pela indústria química, o governo
federal atendeu às demandas sociais e implantou na Constituição Federal de
1988, em seu artigo 225, §1º, V, o seguinte dispositivo:
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade
o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
§ Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao
Poder Público:
[...]
V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de
técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida,
a qualidade de vida e o meio ambiente.”
Depois que esse assuntou passou a ser tratado em âmbito constitucional,
constatou-se na época que a estratégia dos representantes das indústrias de
agrotóxicos, para fazer frente ao movimento crescente de regulamentação nos
diversos estados que criavam suas legislações, foi pressionar, promover e apoiar
as iniciativas do governo na proposição de uma lei federal sobre a matéria. A
esse respeito, Alves Filho esclarece o motivo dessa estratégia:
A visão dos representantes das indústrias de agrotóxicos, a
existência de uma legislação única a nortear os procedimentos
agregava mais racionalidade ao estabelecimento das regras a
serem impostas na questão (ALVES FILHO, 2002, p. 136).
90
Assim sendo, em 11 de julho de 1989, foi assinada a Lei Federal nº
7.802/89, considerada uma das mais avançadas do mundo. Ela se tornou, então,
um instrumento legal apto a controlar estas diversas atividades: utilização,
comercialização, transporte, armazenamento, importação e exportação dos
agrotóxicos, entre outras ações relacionadas com esses compostos uma vez
constituída dela resultaram de uma ampla mobilização popular e a veiculação na
imprensa de inúmeras denúncias sobre graves acidentes ocorridos com
agrotóxicos. De acordo com essa lei, tais produtos passariam também por
avaliação sob os aspectos ecotoxicológicos, ou seja, seria verificada a capacidade
de uma substância produzir efeitos tóxicos no meio ambiente. A Lei Federal no
seu artigo 2º, inciso I, seguiu claramente as orientações da Lei estadual
7.747/82, no sentido de tratar e definir os agrotóxicos como: os produtos e os
agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos
setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas,
nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou implantadas, e de outros
ecossistemas e também de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja
finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las
da ação danosa de seres vivos considerados nocivos.
Como enfatizada em páginas anteriores a Lei 7.747/82, foi assinada
com a finalidade de atender aos anseios da sociedade civil e dos grupos
ecológicos, diante da temática dos efeitos nocivos causados pela utilização
indiscriminada dos agrotóxicos. Seu pioneirismo é revelado pelas declarações
dos entrevistados:
Então, a lei dos agrotóxicos certamente ela aconteceu devido a
uma atuação do movimento ecológico e particularmente da
AGAPAN, que naquela época era a entidade que praticamente
existia quase que sozinha aqui em Porto Alegre. Outro aspecto
interessante, é que quando foi promulgada a lei dos agrotóxicos
imediatamente as câmaras de deputados de vários estados (mais
ou menos de uns nove estados), em questão de poucas semanas já
tinham também baixado leis sobre esse assunto
35
.
35
Entrevista n° 03, realizada com Celso Marques, em 21 de janeiro de 2010.
91
Eu estava na Venezuela quando essa lei foi aprovada. Os próprios
agrônomos declararam no Rio Grande do Sul, Lutzenberger
como agrônomo do ano, e a lei passou a funcionar. Mas quando
eu era estudante de agronomia em Santa Maria, eu tinha inúmeras
brigas com professores que defendiam o uso de pesticidas e
também discutia muito sobre isso com os meus colegas. Anos
depois, eu fiquei muito satisfeito, todos os meus colegas me
diziam que eu tinha razão sobre a questão da utilização dos
agrotóxicos. Não sei se essa lei chegou ao máximo possível de
eficiência, pois você sabe que o sistema tem seus meandros para
escapar, mas a importância dessa lei era evitar o uso
indiscriminado, porque qualquer “bobalhão” podia chegar em
alguma loja e comprar uma arma química para fazer o que ele
bem entendesse
36
.
Porém, cabe afirmar que as legislações vigentes enfrentaram a questão dos
agrotóxicos. Todavia, não resolveram efetivamente os danos cumulativos
causados pelos seus componentes químicos. Na verdade, atreladas à burocracia,
muitas vezes essas leis esbarravam na inoperância governamental, quando se
tratava de fiscalizar com eficiência o receituário agronômico, a aplicação do
produto e o descarte das embalagens. A esse respeito, Augusto César Carneiro
afirma:
Essa lei parecia tão bem encaminhada; o Lutzenberger contribuiu
com a parte teórica que era muito boa. Hoje eu vejo resultados
decepcionantes, mas nós não somos culpados disso
37
.
A legislação sobre agrotóxico, enfim, nasceu das lutas populares e do
engajamento ecológico de associações autônomas a exemplo da Associação
Gaúcha para Proteção ao Ambiente Natural. Lutzenberger, com seu discurso
politizado, mas sem cunho partidário, contribui de forma significativa para tentar
reduzir os impactos provocados pela agroquímica, lutando para que tudo fosse
realizado a partir dos trâmites legais e democráticos.
36
Entrevista n° 04, realizada com Jesus Manuel Delgado Mendez, em 8 de março de 210.
37
Entrevista n° 02, realizada com Augusto César Carneiro, em 20 de janeiro de 2010.
92
3.3 A agricultura ecológica: uma alternativa sustentável
Entende-se por agricultura ecológica
38
aquela que abrange um conjunto de
modelos alternativos em relação ao modelo agroindustrial de produção. Em seus
estudos, Lutzenberger (1985) discutia a importância dessa prática agrícola, pois
ela apresenta um sentido inequívoco, por estar de acordo com as leis da vida.
A agricultura ecológica remonta aos modelos associados à origem do
movimento alternativo, na década de 1960, na Europa, e vai até os modelos re-
significados em função dos movimentos ecológicos mais recentes. Canuto (1998)
afirma que esse nome dado à agricultura, historicamente denominada no Brasil
de agricultura alternativa, nasceu da necessidade de incorporar de uma dimensão
ecológica à produção. Esse modo afirmativo de apresentar-se traz consigo,
inseparavelmente, uma forma negativa, ou seja, vincula-se à ideia de recusar os
métodos e impactos da agricultura moderna (convencional ou da “revolução
verde”). Nesse sentido, o autor acentua que:
A Agroecologia se institui pela incorporação de uma
dimensão ecológica à produção agropecuária.
A Agroecologia se estabelece pela contraposição aos
princípios da agricultura moderna (CANUTO, 1998, p.
14).
Brandenburg (2002), por sua vez, demonstra que, mesmo antes da
chamada “revolução verde”, existia no Brasil a base necessária para o
desenvolvimento de uma agricultura alternativa. Porém, diz esse autor, que as
políticas públicas de incentivo à modernização agrícola brasileira promoveram a
marginalização de agricultores familiares; mesmo assim, acrescenta, mais tarde,
foram apoiados por ONGS, cujos objetivos dentre outros, eram de criar
alternativas ao modelo tecnológico convencional proposta pela “revolução
verde”. Nessa perspectiva, o autor também afirma que
uma das poucas
organizações que se manifestou claramente, questionando o uso indiscriminado
38
A agricultura ecológica também pode ser designada pelos seguintes termos: agricultura biodinâmica,
organobiológica e agricultura regenerativa. No desenvolvimento da pesquisa optou-se pelo termo
“agricultura ecológica”, por estar de acordo com os princípios terminológicos adotados por Lutzenberger.
93
de agroquímicos, foi a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural,
liderada por José Lutzenberger.
Nota-se, que os princípios estabelecidos pela agricultura ecológica
caminharam na contramão da organização agrícola estabelecida pela “revolução
verde”, na qual a macroprodução era gerada da combinação da necessidade de
maquinário pesado com implementos agrícolas e com insumos químicos. Nesse
sentido, está implícita também a ideia de que, através da compreensão sobre os
efeitos indesejáveis da utilização de recursos químicos e tecnológicos, os
agroecossistemas podem ser manipulados para produzir melhor, com menos
insumos externos, menos impactos negativos ambientais e sociais e mais
sustentabilidade (ALTIERI, 2004).
Como forma de oposição frente às práticas impostas pela “revolução
verde”, Lutzenberger definiu as bases da agricultura ecológica da seguinte forma:
A agricultura ecológica, partindo de uma visão sistêmica ou
unitária, Isto é, uma visão de conjunto, na qual a
propriedade agrícola é encarada como uma unidade
funcional, um organismo, por assim dizer, sabe que a
fertilidade do solo e a saúde da planta o fatores
inseparáveis. Portanto, a preocupação fundamental do
agricultor ecológico é manter e melhorar constantemente a
fertilidade natural do solo. Ele sabe que a fertilidade do
solo depende fundamentalmente da sua microvida... Em
agricultura ecológica, es fora de cogitação o uso de
herbicidas. A erva nativa o é encarada como inimigo a
ser erradicado, mas como auxiliar (LUTZENBERGER,
1985, pp. 74-75).
Lutzenberger (1985) defende que agricultura ecológica parte de uma visão
sistêmica, enquanto a agricultura convencional nas formas mais empresariais tem
uma visão estreita, sendo que os instrumentos dessa forma de produção são os
adubos minerais solúveis, os sintéticos e os agrotóxicos, que são venenos
fulminantes de fácil aplicação.
Os fundamentos científicos e teóricos da agricultura ecológica são
pautados pelas teses do cientista francês Francis Chaboussou que estudou as
plantas doentes pelo uso dos agrotóxicos. Lutzenberger chegou a conhecê-lo
94
pessoalmente, passando dois dias na propriedade desse pesquisador, em
Bordeaux, na França, trabalhando e trocando experiências (DREYER, 2004).
Chaboussou é responsável pela fundamentação da Teoria da Trofobiose.
Segundo essa teoria, o estado nutricional da planta é que parece determinar a
resistência ou suscetibilidade ao ataque de pragas e patógenos. Uma carência
nutricional resultante de um desequilíbrio na quantidade de macro e
micronutrientes pode provocar mudanças no metabolismo da planta, fazendo
com que os parasitas encontrem as substâncias solúveis necessárias para a sua
nutrição. Por outro lado, quando existe um equilíbrio nutricional na planta, um ou
mais elementos agem de forma benéfica no metabolismo, resultando num baixo
teor de substâncias solúveis nutricionais, não correspondendo às exigências
tróficas do parasita; as plantas, dessa forma, ficam menos atrativas ao ataque de
insetos e micro-organismos patogênicos (CHABOUSSOU, 1999).
Chaboussou (1999) afirma, ainda, que o desequilíbrio mineral do solo, a
utilização de adubos minerais solúveis e agrotóxicos interferem no processo
metabólico dos carboidratos, levando a planta a acumular, nos tecidos,
aminoácidos e açúcares redutores, tornando-as mais atraentes às pragas e ás
doenças.
Dialogando com a teoria proposta por esse cientista, a agricultura
ecológica não tem como objetivo combater os insetos e micro-organismo
presentes no meio natural, mas utilizar métodos agrícolas que visem à obtenção
de plantas saudáveis e bioquimicamente equilibradas. A esse respeito,
Lutzenberger afirmou:
Os camponeses tradicionais, com sua sabedoria ancestral,
sabiam que a praga não ataca a não ser as plantas que não
estão bem equilibradas. Por isso, eles procuravam obter
cultivos sãos através de um manejo adequado do solo, o que
incluía descanso da terra, compostagem de resíduos vegetais
e animais, adubação verde, adubação foliar, cobertura morta,
rotação de cultivos, plantas companheiras e muitas outras
práticas. Os agricultores biológicos modernos, com os
conhecimentos científicos de hoje, obtém resultados muito
melhores. raras vezes eles combatem diretamente as
pragas. Então, eles têm à sua disposição uma série de
defensivos naturais, não tóxicos, tais como cinza, talcos de
rochas, extratos herbais, caldos biológicos como soro de
95
leite, chorume de bios e outros inimigos naturais. A teoria
de Chaboussou também explica porque numa mesma planta
às vezes apenas algumas folhas, em geral as mais velhas, são
atacadas, outras não. Numa planta de abóbora ou pepino é
comum ver-se forte ataque de mildiú
39
nas folhas velhas,
enquanto que o resto da planta está limpo. Estas são as folhas
que estão sendo drenadas de seus nutrientes para serem
levados às folhas novas, nelas a proteólise
40
predomina sobre
a proteossíntese
41
. (...) A teoria de Chaboussou tem a grande
vantagem de ser facilmente verificável ou refutável a campo
e em laboratório. Por que ela continua ignorada?
(LUTZENBERGER 1983, pp. 3-4)
Em seu trabalho como ecologista e agrônomo, Lutzenberger (1985)
expunha diversos argumentos técnicos que evidenciavam os aspectos positivos,
socioambientais e econômicos da agricultura ecológica, em detrimento do
modelo agroindustrial proposto pela “revolução verde”. Esses aspectos foram por
ele à maneira de princípios apresentados da seguinte forma:
1) A agricultura ecológica trará uma importante contribuição para o controle da
poluição: os resíduos orgânicos descartados podem ser reaproveitados. O
próprio agricultor pode produzir para si o biogás com os resíduos sólidos e
fazer um adubo líquido de alta qualidade e valor fitossanitário.
2) A agricultura ecológica inverterá o êxodo rural: a agricultura ecológica
utiliza mais mão de obra e menos capital. Ela também dá ao pequeno produtor
a chance de enfrentar a concorrência do grande, fixando o homem em sua
terra.
3) Evita a compactação do solo: com o manejo orgânico do solo, o número de
tratamentos seria muito menor e poderia, então, ser feito com a tração animal.
Desaparecendo totalmente a perniciosa compactação do solo e diminuindo os
custos com maquinários.
39
O mildiú é uma doença causada pelo fungo Plasmopara halstedii, que se caracteriza por produzir
plantas anãs com manchas clorótias sobre as nervuras principais das folhas.
40
A proteólise caracteriza-se pelo processo de degradação, por digestão, das proteínas transformadas em
enzimas.
41
Segundo Chaboussou, a proteossíntese é um processo fisiológico pelo qual os aminoácidos livres são
reunidos em cadeias polipeptídicas (proteínas) nas plantas, estando relacionada com a ausência dos
elementos nutritivos e necessários ao crescimento do parasita.
96
4) Evita os processos erosivos e preserva a microvida do solo: um solo vivo é
muito mais resistente à erosão. Por isso, na agricultura ecológica não se faz
adubação com sais solúveis de nitrogênio, mas, além de promover a vida do
solo pela adubação orgânica, usam-se leguminosas que fixam gratuitamente o
nitrogênio do ar e o entregam à planta em forma continuada, homeopática, ou
em formas orgânicas que permanecem muito mais tempo no solo.
5) Prática sustentável: somente a agricultura ecológica é indefinidamente
sustentável, melhorando sempre a fertilidade do solo, gerando menos impacto
ao meio natural, ao homem e proporcionando renda.
É fato que as correntes que defendiam a agricultura moderna, sob o prisma
da “revolução verde”, viram no movimento da agricultura ecológica um
retrocesso histórico no avanço das forças produtivas. Para os críticos integrantes
dessas correntes, a agricultura ecológica não apresentaria perspectivas viáveis, do
ponto de vista socioeconômico em função da superioridade técnica do padrão
moderno. Porém, Lutzenberger (1985) respondia a esses argumentos afirmando
que a agricultura ecológica não significava, como querem seus detratores, uma
volta ao passado. Muito ao contrário, ela significava um passo à frente
importante, pois os atuais conhecimentos científicos permitiam fazer um trabalho
menos árduo, mais significativo e independente, garantia ele.
A esse respeito, Miklós (1999) acrescentava que a agricultura ecológica
incorpora a conservação ambiental, o compromisso social da agricultura em
relação aos produtores e consumidores, bem como a sustentabilidade ecológica
dos sistemas de produção. Por isso, dizia, é a que representa maior potencial para
atingir a tão almejada sustentabilidade na agricultura.
A importância desse modelo agrícola, defendido e aplicado em ações
práticas através da Fundação Gaia, é comentada por um dos entrevistados:
Então, eu vejo que a agroecologia hoje, que tem trezentas mil famílias
praticando uma agricultura regenerativa com estrutura ecológica, isso é
um fenômeno de uma magnitude enorme, particularmente a partir dos
ensinamentos do Lutzenberger e das outras pessoas que vieram depois.
Porque o Lutz como agrônomo, ele também teve uma atuação muito
grande e importante junto aos profissionais da agronomia, isso também é
97
um traço deixado pelo Lutz e pela sua formação profissional mesmo
42
.
O depoimento evidencia as contribuições de Lutzenberger na divulgação e
na implantação da agricultura ecológica como prática sustentável. Entre as suas
incontáveis produções que discutem os benefícios da prática agrícola ecológica,
destaca-se o documento a seguir:
Figura 5 – Texto original produzido por José Lutzenberger intitulado “Agricultura Ecológica” para o 1º
Curso de Agricultura Biológica, realizado em 1983 em Porto Alegre (RS).
42
Entrevista n° 03, realizada com Celso Marques, em 21 de janeiro de 2010.
98
Fonte: Arquivo pessoal de Augusto César Carneiro.
O documento aponta as propostas de Lutzenberger para a possibilidade de
desenvolver de um modelo agrícola pautado pelo equilíbrio, equidade e em favor
sustentabilidade. Os princípios da agricultura ecológica foram apresentados por
esse personagem, enquanto alternativa viável ao modelo agrícola extensivo,
químico, monocultor e predatório. Nesse sentido, a agricultura ecológica tornou-
se mais um paradigma pioneiro disseminado por Lutzemberger em seu trabalho
como ecologista.
99
4 CAPÍTULO 3 – O LEGADO DE LUTZENBERGER
Esse capítulo pretende discorrer sobre a perpetuação dos ideais de
Lutzenberger, discutindo-a em duas vertentes: as ações realizadas pela Fundação
Gaia, que atua na defesa de práticas sustentáveis e a educação ambiental, com
projetos desenvolvidos por essa entidade.
A Fundação Gaia nasceu da vontade de ampliar a luta ambiental disputada
pelo seu fundador. Tal ampliação consistia em promover ações voltadas para
consultoria ambiental, para desenvolvimento de projetos com ênfase na
agricultura ecológica e para atividades de educação ambiental.
Pretende-se analisar também como os princípios de ética ambiental
propostos por Lutzenberger se perpetuam através das diversas ações que foram
estabelecidas.
4.1 A Importância da Fundação Gaia enquanto forma de perpetuação
ideológica dos fundamentos ambientais de Lutzenberger
Lutzenberger apoiava a hipótese de Gaia, apresentada pelo pesquisador
britânico James Lovelock (1989). Essa hipótese teve o nome sugerido pelo
escritor inglês William Golding. Basicamente sustenta que a Terra não é um
mero conjunto de biomas, mas um sistema integrado, com intencionalidades e
espantosa capacidade de autorregulação. Lovelock criou este conceito na ocasião
em que investigava a possibilidade de existir vida em outros planetas, quando
trabalhava na NASA na década de 1960. A partir de seus estudos, concluiu que a
vida não podia ser dissociada do planeta Terra e, nesse percurso, Gaia toma as
feições de uma “entidade semi-imortal” capaz de se autorregular e de manter a
superfície da Terra num estado propício à sustentação e à continuação da vida
(LOVELOCK, 1989). Os princípios defendidos por este pesquisador estão
expressos dessa maneira:
Definimos a Terra como Gaia, porque se apresenta como
100
uma entidade complexa que abrange a biosfera, a atmosfera,
os oceanos e o solo; na sua totalidade, esses elementos
constituem um sistema cibernético ou de realimentação que
procura um meio físico e químico ótimo para a vida neste
planeta (LOVELOCK, 1989, p. 27).
A Teoria de Gaia nasceu a partir dos princípios mitológicos, nos quais
Gaia, filha do Caos, é representada pela Terra e auxilia seu pai na criação do
mundo (STEPHANIDES, 2001). Partindo do pressuposto mitológico, Lovelock
começou a trabalhar com a microbiologista norte-americana Lynn Margulis, que
estudava a produção e a remoção de gases por vários organismos, especialmente
bactérias do solo. Lovelock e Margulis apresentaram inicialmente a teoria
original como a ideia de que “a vida, ou a biosfera, regula ou mantém o clima e a
composição da atmosfera em um ótimo estado para si própria”. Ao afirmar suas
ideias, enunciaram “a noção da biosfera como um sistema adaptativo de controle
que pode manter a Terra em homeostase
43
[...]”. Eles, então, foram capazes de
identificar uma rede complexa de alças de retroalimentação que resultariam, de
acordo com sua teoria, na autorregulação do sistema vida-ambiente em nosso
planeta (LOVELOCK, 1989).
Diante da hipótese defendida por Lovelock, tornaram-se abundantes as
afirmações encontradas na literatura das ciências sociais que se encaminham no
sentido de questionar o rigor científico das suas afirmações. Porém, Leonardo
Boff (apud STARLING et al., 2008), compartilhando dos postulados
estabelecidos por Lovelock, nos diz que o sistema Gaia revela-se extremamente
complexo e de profunda clarividência, e que somente uma inteligência seria
capaz de calibrar todos estes fatores, remetendo a uma inteligência que excede
em muito a nossa. É dentro deste paradigma que o autor afirma:
Reconhecer o tal fato é um ato de razão e não significa
renúncia à nossa própria razão. Significa sim render-se
humildemente a uma inteligência mais sábia e soberana que
a nossa (BOFF, apud STARLING et al., 2008, p. 60).
43
Para Lutzenberger, a base da sobrevivência do sistema é o comportamento disciplinado em equilíbrio
autorregulado – a homeostase.
101
Lutzenberger, que era amigo de Lovelock (DREYER, 2004), traz parte
das ideias originais da Teoria de Gaia para compor seu referencial teórico sobre
as práticas ambientais pautadas pelo equilíbrio e pelo respeito à vida. As bases
dessa teoria foram discutidas por Lutzenberger da seguinte forma:
A Ecosfera não é um simples sistema homeostático,
automático, químico-mecânico. O Planeta Terra é um ser
vivo, um ente vivo com identidade própria, o único de sua
espécie que conhecemos. Se outras Gaias existem no
Universo, em nossa ou em outras galáxias, serão todas
diferentes. Um ser vivo tão destacado merece nome
próprio. O nome GAIA foi proposto por William Golding,
escritor, e lançado por Lovelock e Margulis. É o nome que
os antigos gregos, em sua cosmovisão bem mais holística
que a nossa, davam à deusa da Terra.
Tornou-se comum a imagem da Terra como uma
nave espacial. É uma figura boa diante da visão
convencional, na qual a Terra é apenas substrato ou palco
para a Vida, e a Vida, para nós Humanos, não passa de
recursos. Haja vista nossa atitude diante da Amazônia. Mas
a imagem da nave espacial engana. Uma nave tem
passageiros. Em GAIA não passageiros, tudo é e todos
somos GAIA. Usando outra imagem, não teria sentido dizer
que meu coração ou meu cérebro são passageiros meus
(LUTZENBERGER, 1990, p.27).
Na década de 1970, Lutzenberger utilizou a teoria de Lovelock e Margulis
como referencial teórico para consolidar as primeiras reivindicações promovidas
pela AGAPAN. O documento retratado a seguir demonstra a aplicação dessa
teoria para compor as bases da denúncia contra a degradação do estuário do Delta
Jacuí, localizado em Porto Alegre (RS):
102
Figura 6 – A Ecovisão do Estuário, documento original produzido por José Antonio Lutzenberger, abril de 1978.
Fonte: Arquivo pessoal de Augusto César Carneiro.
A partir das considerações, em torno dessas teorias, Lutzenberger defendia
que o caminho para reduzir os impactos na natureza estava no emprego de
tecnologias brandas e na conscientização do homem sobre o seu papel na
103
manutenção da vida, representando um caminho suave de adequação à Gaia. E
por acreditar que, por meio do viés educativo, seria possível regenerar Gaia dos
impactos provocados pelo homem, ele, no ano de 1987, criou a Fundação Gaia.
Essa entidade nasceu com o objetivo de fornecer elementos para que os
agentes sociais se colocassem em ressonância com a natureza. O estabelecimento
da fundação contou com o importante apoio de Augusto César Carneiro, que se
responsabilizou pelos trâmites legais para sua existência jurídica, além do
jornalista Batista Aguiar (DREYER, 2004). O capital necessário para a sua
estruturação
veio do prêmio de 25 mil dólares, recebido por Lutzenberger da
fundação sueca responsável pelo The Right Livehood (Prêmio Nobel
Alternativo).
Segundo o estatuto, a Fundação Gaia é uma entidade sem fins lucrativos,
reconhecida como de Utilidade Pública pelos governos municipal (Processo
D314346 2B), estadual (Processo 14751-12.00/93.8) e federal (Processo
18.455/93-57), compreendendo os seguintes objetivos (FUNDAÇÃO GAIA,
2009):
1) Promover o desenvolvimento ecológico socialmente justo; agricultura
regenerativa; prática, pesquisa, difusão e levantamento da memória
camponesa; tecnologias brandas com uso inteligente e sustentável dos
recursos.
2) Defender os sistemas naturais, comunidades florísticas e faunísticas,
ecossistemas ainda intactos; lutar pela regeneração; sempre que possível, lutar
contra a extinção de espécies e preservar os endemismos.
3) Defender a identidade cultural dos povos e minorias.
Com o entendimento desses objetivos, ficou claro que, o nascimento da
fundação está relacionado com necessidade de promover mudanças na percepção
da relação do ser humano com a Terra Gaia. E essas mudanças, então, seriam
feitas através da revisão de alguns paradigmas e da adoção de posturas que não
busquem uma visão mais ampla e sistêmica, como também que revisem em
profundidade até mesmo nossos conceitos de felicidade. E nessa visão sistêmica
estaria incluída uma ética ecológica, holística ou gaiana, que aproxime
104
novamente o homem do mundo natural, do qual o ser humano é apenas parte
(FUNDAÇÃO GAIA, 2009).
Lutzenberger viu na Fundação Gaia a oportunidade de desenvolver
projetos educacionais efetivos, que levassem em conta as suas concepções sobre
a utilização de tecnologias brandas nas interfaces da natureza que incluem a
agricultura ecológica, o manejo sustentável dos recursos naturais, a medicina
natural e o saneamento alternativo
44
. A partir desses pressupostos, a instituição
desenvolve suas ações tendo como base os seguintes eixos temáticos:
Biodiversidade: atua junto a proprietários rurais e outras ONGs na luta pela
preservação de ecossistemas ainda intactos. Através de seus consultores, oferece
estudos sobre a biodiversidade para empresas e institutos, como o levantamento
da biodiversidade dos hortos florestais e consultoria paisagística.
Tecnologias Brandas: desenvolvendo trabalhos de extensão agrícola, visando
difundir as tecnologias mais brandas, como a utilização de energia eólica e solar,
aproveitamento da biomassa e aplicação da agricultura ecológica e pecuária
ecológica.
Conscientização: contribui com projetos de educação ambiental, visando à
difusão da filosofia e da ética gaiana, promovendo questionamentos sobre os
padrões de consumo da sociedade atual; procura estimular práticas alternativas
para um desenvolvimento social e ecologicamente justas.
Consultoria Ambiental: com seus consultores, presta serviços de assessoria
aos governos dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Amazonas.
Atua também junto a prefeituras, propondo tecnologias alternativas para
problemas de saneamento, como a aplicação do saneamento ecológico.
A partir da sua saída da secretaria do Meio Ambiente do Governo Collor,
Lutzenberger dedicou-se inteiramente aos projetos e ações desenvolvidos pela
Fundação. Para realizar os projetos contou com o apoio de importantes expoentes
do movimento ambiental internacional. Entre eles, Fritjof Capra; Vandana Shiva,
44
O saneamento natural ou ecológico é um tratamento que separa as águas cinzas de águas negras
provenientes dos esgotos, utilizando plantas e ambiente aquático para a filtragem. Esse tipo de técnica
diminui o volume de esgoto urbano e reduz o consumo de água para irrigação de jardins, hortas, pomares,
etc. Assim, aproveita-se a mesma água por diversas vezes e para diversos usos.
105
militante ambientalista indiana; Gunter Pauli, mentor e presidente internacional
da ZERI – Zero Emissions Research Institute; Amory Lovins, presidente do
Rocky Mountain Institute, que desenvolve pesquisas em geração e conservação
de energias alternativas. Segundo folheto de divulgação da Fundação, esta
entidade tornou-se co-fundadora e passou a integrar a Earth Community Network
ECN (Rede pela Comunidade Terrestre). A Earth Community Network reúne
representantes contemporâneos mundiais, comprometidos com a sustentabilidade
planetária e tem como um de seus principais objetivos o fortalecimento e a
divulgação internacional de Centros de Referência em Sustentabilidade
(FUNDAÇÃO GAIA, 2009).
Sem dúvida, então, ficou patente que as ações desenvolvidas por essa
fundação ganharam reconhecimento internacional.
A importância da Fundação Gaia também foi reconhecida pelos
interlocutores de Lutzenberger aqui entrevistados através dos seus depoimentos:
A Fundação nasceu com ele e a ideia dele era algo muito
abrangente, era ser um centro de educação para a vida
sustentável. Ali é que ele iria desenvolver o seu lado
propositivo para a sociedade. Mas é claro que uma pessoa
dessa envergadura, quando ela parte, por mais que ela
tenha pulverizado milhares de pessoas o que ela era e sua
visão de mundo, vai ser muito difícil porque, ninguém
tem o preparo que ele tinha. Então, necessariamente, ela
mudou bastante suas características quando ele foi
embora; apesar disso, ela tem a importância de manter
uma proposta no ar sem cultuar sua personalidade,
continuando ser um centro de referência para aprofundar
várias linhas de pesquisa, mantendo a coerência com a
proposta do Lutzenberger
45
.
O legado do Lutzenberger que se concretiza na Fundação
Gaia, primeiro é um legado de competência, segundo é a
competência baseada na informação não em um discurso
vago. Quer dizer, o Lutzenberger era um homem muito
informado; baseava todas as suas discussões na
informação. O terceiro ângulo desse legado, eu creio que
é o de coragem – um homem que teve a coragem de
mudar completamente a sua vida, abandonando uma
45
Entrevista n° 01, realizada com Lilian Dreyer, em 18 de janeiro de 2010.
106
carreira onde poderia ter ficado muito rico
46
.
Esses dois testemunhos evidenciam que os conhecimentos técnicos e a
vivência da temática ambiental, dentro da sua trajetória de vida, foram pontos de
extrema importância para fundamentar as ões desenvolvidas pela Fundação
Gaia. A morte de Lutzenberger em maio de 2002 representou uma grande lacuna
para essa instituição. Atualmente, suas filhas, Lara e Lily Lutzenberger, dirigem
a fundação com o objetivo maior de perpetuar e ampliar a atuação na luta
ambiental, iniciada por seu pai.
4.1.1 O Rincão Gaia
O Rincão Gaia se caracteriza pela sede rural da Fundação Gaia, localizada
no município de Pantano Grande, a 120 km de Porto Alegre; possui uma área de
aproximadamente, 30 hectares. Rincão é uma expressão gaúcha que significa um
trecho de campanha onde há arroios e capões ou manchas de mato.
Segundo Lilian Dreyer (2004), a área do Rincão pertencia anteriormente a
Arnaldo Gueller, que tinha conexões com a antroposofia doutrina a respeito da
natureza espiritual do ser humano e interesse por métodos de produção
ecológica. Durante a comemoração do sexagésimo aniversário de Lutzenberger,
em dezembro de 1986, Gueller anunciou que estava disposto a doar a área para
que Lutzenberger pudesse dar existência material à Fundação Gaia.
Originalmente, na área era desenvolvida a atividade de extração de
basalto. Cabe lembrar que a extração mineral de basalto, realizada a céu aberto,
proporciona mudanças na topografia do terreno e uma completa alteração da sua
paisagem, consequentemente, causam impactos topográficos, vegetativos e
hídricos na área de influência direta do empreendimento. Nesse sentido, as
recomposições topográficas das áreas, a drenagem e o plantio de espécies
vegetais constituem medidas que minimizam ou recuperam esses impactos.
46
Entrevista n° 05, realizada com Washington Novaes, em 16 de março de 2010.
107
Além dos trâmites burocráticos para constituir a entidade, Lutzenberger
ainda teve que demover a intenção da prefeitura do município de Pantano Grande
que pretendia transformar o local em um lixão para a cidade (DREYER, 2004), o
que provocaria danos irremediáveis.
Após a aquisição da propriedade, Lutzenberger deu início ao processo de
recuperação paisagística do local. Os trabalhos iniciais consistiam em plantar no
ambiente, as espécies que pudessem se adaptar às condições já existentes e ajudar
a criar um meio para que o ciclo de reabilitação se desencadeasse, sendo
importante destacar que o terreno do Rincão, no início dos trabalhos de
reabilitação, possuía muitos resíduos de rocha sobre a terra, pouco material
orgânico e a incidência de sol causado pela devastação da vegetação (HOFF et
al., 2004). A foto abaixo mostra características da área do Rincão Gaia anterior
ao processo de regeneração ambiental.
Figura 7 – Área do Rincão Gaia antes do trabalho de reabilitação paisagística.
Fonte: Informativo da Fundação Gaia – Ano II n° 18, janeiro de 2003.
O trabalho de recuperação foi desenvolvido a partir dos conhecimentos
técnicos de Lutzenberger, tendo como base a regeneração natural dos ambientes
modificados, ou seja, deixar o crescimento livre da cobertura vegetal,
providenciar o florestamento
47
de espécies arbóreas, efetivar a fertilização do
solo por compostos provenientes das atividades agrícolas e introduzir as
pecuárias realizadas ecologicamente.
47
O termo florestamento foi utilizado, porque a área original do Rincão não possuía cobertura florestal
original. Durante o processo de recuperação do local, foram inseridas várias espécies de árvores nativas
da região e também eucaliptos, que serviram de barreira natural para o vento.
108
O Rincão é um exemplo de recuperação de áreas degradadas. A pesquisa
desenvolvida por Hoff et al. (2004), é a prova que, no lugar dos antigos buracos
das pedreiras existem hoje lagos que foram criados naturalmente, através das
águas da chuva que preencheram os espaços vazios. Onde havia uma cratera, por
exemplo, surgiu água e, com ela, peixes e algas trazidos, em grande parte, pelos
pássaros que povoam a região; em contato com outros lagos, eles levam em seus
bicos, penas ou nos pés as sementes e os alevinos que fizeram o povoamento,
permitindo aos poucos a reabilitação do local. Os lagos do Rincão são
responsáveis não pelo abastecimento de água dentro da propriedade, como
também são considerados importantes elementos paisagísticos e, futuramente
poderão proporcionar a exploração da pesca sustentável.
Cabe destacar que a regeneração do Rincão Gaia, iniciado por
Lutzembrerger, é um processo contínuo, na medida em que a natureza também
está incumbida de concluí-lo e proporcionar ao local uma condição ambiental
que seja favorável ao desenvolvimento da vida. Desde sua criação até os dias
atuais, o processo regenerativo da área foi significativo, como é possível
visualizar nas fotos que seguem.
109
Figura 8 – Área do Rincão após o processo de recuperação ambiental e paisagística.
Fonte: Pesquisa de Campo realizada em 24 de janeiro de 2010.
Cumprindo a missão da Fundação Gaia, o Rincão Gaia é também palco de
uma gama de atividades voltadas para o desenvolvimento da conscientização
ecológica e da educação ambiental, através dos seguintes programas:
Agricultura ecológica e pecuária ecológica: Dedica-se, em especial, ao
desenvolvimento da suinocultura e de produtos agrícolas cultivados de forma
orgânica e sustentável em termos ambientais.
Extensão rural:
Cursos e palestras visando à capacitação e à formação de
agricultores familiares como agentes multiplicadores da agricultura ecológica.
Educação ambiental: No Rincão Gaia ocorrem continuamente palestras,
seminários, vivências orientadas, trilha de interpretação ambiental e oficinas de
educação ambiental, com o objetivo de proporcionar formação de cidadãos
críticos e conscientes a respeito da temática ambiental. A importância e os
significados dessas ações serão discutidos posteriormente.
Nesse sentido, verifica-se o diálogo presente entre os objetivos expressos
na Fundação Gaia e a teoria desenvolvida por Lovelock e Margulis, pois a
reabilitação de Gaia, a Terra e mãe mitológica, contou com o auxílio precioso de
um dos seus filhos José Antonio Lutzenberger. Plenamente capacitado e com
uma visão ética, ajudou a reconstituir um espaço degradado e ainda promover
ações que perpetuem práticas holísticas e sustentáveis em relação ao meio
ambiente.
110
4.2 Os Projetos de educação ambiental desenvolvidos pela Fundação Gaia
Lutzenberger (1980a) afirmava que, fundamentalmente, a solução dos
problemas ambientais está na educação. Em função disso, ele corroborou a
elaboração de práticas de educação ambiental estabelecidas pela Fundação Gaia.
Foram práticas que estavam afinadas com os princípios críticos e participativos
na formação da cidadania atuante dentro das perspectivas ambientais.
Por oportuno, historicamente, os aspectos norteadores da educação
ambiental no mundo contemporâneo foram desencadeados a partir da
Conferência Intergovernamental sobre educação ambiental, realizada em Tbilisi
(Georgia, antiga URSS), em 1977. Seu objetivo principal era suscitar o
compromisso dos governos no sentido de instituir a educação ambiental como
área prioritária nas políticas nacionais (PELICIONI, 2005). Entre as diversas
propostas apresentadas por essa conferência, pode-se destacar:
A educação ambiental é resultado do redirecionamento e
articulação das diversas disciplinas e experiências
educativas que facilitam a percepção integrada do meio
ambiente, possibilitando uma ação mais racional e capaz de
atender às necessidades sociais.
Para o desempenho dessas funções, a Educação Ambiental
deveria sustentar uma ligação mais estreita entre os
processos educativos e a realidade, estruturando suas
atividades em torno dos problemas do meio ambiente em
comunidades concretas. (...) (IBAMA, 1997, p. 105).
Cabe lembrar que a influência de Tbilisi se fez notar na Lei 6.938/81,
que dispões sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, suas finalidades e
mecanismo de formulação e execução. A lei se refere, em um de seus princípios,
à educação ambiental em todos os níveis de ensino, inclusive a educação da
comunidade, a fim de capacitá-la para a participação ativa na defesa do meio
ambiente (PELICIONI, 2005). Nesse sentido, os desdobramentos dessa
influência culminaram com a adoção de uma legislação ambiental, expressa na
Constituição Federal (art. 225) e, finalmente, na promulgação da Lei
111
9.975/99, que dispõe sobre a Educação Ambiental e institui a Política Nacional
de Educação Ambiental. Dentre seus vários aspectos, a lei define a educação
ambiental como “o processo por meio dos qual o indivíduo e a coletividade
constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências
voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo,
essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade” (BRASIL, 1999).
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais PCNs (1998), o
trabalho de Educação Ambiental deve ser desenvolvido para ajudar a sociedade a
construir uma consciência global das questões relativas ao meio, e, desse modo,
assumir posições afinadas com os valores referentes à sua proteção e melhoria da
qualidade de vida. A proposta educacional definida por Lutzenberger para
Fundação Gaia é pautada por esses valores, pois dentro dessa concepção torna-se
essencial que todo o público atingindo pela educação ambiental possa atribuir
significado àquilo que aprende; trata-se de um significado que resulta do vínculo
que a sociedade estabelece entre o saber ambiental e a sua realidade cotidiana; ou
então, em termos de meio ambiente, a possibilidade de estabelecer vínculos entre
o que aprende e o que já conhece, e também da possibilidade de utilizar o
conhecimento em outras situações.
Segundo Hoff et al. (2004), a Fundação Gaia desenvolve uma proposta de
educação ambiental estabelecida na referida Lei Federal 9.975/99 e nos
Parâmetros Curriculares Nacionais, instituindo ações de educação ambiental
com caráter humanista, holístico e interdisciplinar. Para alcançar essas
finalidades, promove as seguintes atividades:
Assessorias em Educação Ambiental: Objetiva dar orientação e
acompanhamento aos projetos de educação ambiental em escolas, empresas,
comunidades, prefeituras ou grupos em geral.
Seminários sobre temas específicos: elaborados de acordo com a demanda do
grupo requerente.
Oficinas de Educação Ambiental: Direcionadas para a resolução prática de
problemas ambientais locais ou para aspectos metodológicos e filosóficos da
educação ambiental.
112
Cursos de Educação Ambiental Contínua: Permiti aos grupos atendidos a
vivência de metodologias utilizadas em educação ambiental, como dinâmicas de
grupo, jogos cooperativos, arte-educação, visualização criativa, atividades
práticas, de sensibilização e de integração.
Parâmetros Curriculares e a Educação Ambiental: Através de atividades
que permitem a reflexão e visualização de métodos para a introdução da
educação ambiental no ensino formal, à maneira de um tema transversal e
interdisciplinar.
Vivências Orientadas: Vivências no Rincão Gaia, com duração de uma
semana, incluindo atividades práticas relativas à agricultura ecológica, à criação
de animais, às plantas medicinais e à educação ambiental, sob orientação
permanente e com aprofundamento das bases teóricas e filosóficas que
fundamentam essas práticas.
Visitações ao Rincão Gaia: Propicia visualizar todo o trabalho de recuperação
feito no Rincão, além dos visitantes poderem participar de uma trilha de
interpretação ambiental.
Trilha de Interpretação Ambiental no Rincão Gaia: Visualização das
atividades desenvolvidas no local, como um exemplo vivo de ação ecológica e
cidadã.
Produção de Plantas Ornamentais: As plantas ornamentais cultivadas no
Rincão Gaia têm como principal característica ser bastante resistentes, não
necessitando, assim, de maiores cuidados, como é o caso das suculentas e dos
cactos, que são comercializados. Também são cultivadas outras plantas, como as
carnívoras,
sem fins comerciais e com o objetivo de educar para a vivência
ecológica e a recuperação paisagística dos espaços naturais.
Projeto Mostra Professor José Lutzenberger Escola amiga do meio
ambiente: Com início no ano 2000, tem como objetivo
ajudar a construir a
sustentabilidade ambiental nos espaços escolares do município de Garopaba
(SC), através de uma rede de 25 escolas, 4.500 alunos e 180 professores
empenhados em transformar o espaço da comunidade num ambiente mais
saudável e socialmente justo.
113
Projeto Ambiental Gaia Village: É um projeto com iniciativas em curso,
desenvolvido em sua sede e junto às diversas comunidades do município de
Garopaba, o projeto se expande pela construção e consolidação de redes e
parcerias com indivíduos, comunidades, organizações não governamentais e
órgãos de governos. As primeiras atividades foram materializadas no ano de
2000, com vistas aos paradigmas norteadores da educação ambiental.
Cabe lembrar que as ações educativas da Fundação Gaia se desenvolvem
de forma contínua e de acordo com as propostas elaboradas pela entidade; tem
como objetivo enfatizar o caráter interdisciplinar e participativo da educação
ambiental. Trata-se de uma metodologia que contribui para renovar o processo
educativo, uma vez que resulta em uma permanente avaliação crítica, favorece
adequação dos conteúdos à realidade local e provoca o envolvimento do cidadão
em ações concretas de transformação da sua própria realidade (FUNDAÇÃO
GAIA, 2009). Para realmente abordar a educação a educação ambiental com
essas características de modo a atingir seus objetivos, é preciso uma ampla gama
de métodos e, principalmente o preparo de educadores. Qualificar as ações de
educação ambiental desenvolvidas pela Fundação Gaia é uma tarefa complexa,
uma vez que, em geral, envolve grande dose de subjetividade. Entretanto, é
possível quantificar essas ações, como se pode observar pela repercussão dos
resultados obtidos pelo Projeto Gaia Village, conforme mostra o gráfico:
Figura 9 – Gráfico das ações realizadas pelo Projeto Gaia Village em 2008.
Fonte: Fundação Gaia – Relatório Anual 2008.
114
A leitura desses dados permite constatar a diversidade de ões que
envolvem educação ambiental, e o seu caráter interdisciplinar realizadas com a
comunidade escolar durante o ano letivo em de 2008. Essas atividades
contemplaram diversos personagens sociais, como alunos, pais, professores,
profissionais e a comunidade em geral; todos que compartilharam seus
conhecimentos, a ponto de estabelecer uma rede de trocas de ideias e experiência
e de estímulo à solidariedade (FUNDAÇÃO GAIA, 2009).
O caráter interdisciplinar e diverso da educação ambiental é referendado
pelos princípios do pensamento complexo de Edgar Morin (2007). Com efeito,
esse autor trabalha não só com as características individuais, mas também com os
antagonismos humanos, o que nos torna seres carregados de complexidade.
Nesse sentido, portanto a educação em geral e, de modo particular, a educação
ambiental, deve contemplar o acesso aos saberes das múltiplas áreas, incluindo a
interligação da visão sociedade/natureza.
Ainda em relação aos projetos de educação ambiental, torna-se importante
ressaltar que as ões desenvolvidas por Lutzenberger e que hoje estão
alicerçadas na Fundação Gaia realizada no início da sua trajetória como
ambientalista, eram desenvolvidas com as características de
interdisciplinaridade e da de diversidade. Os seus trabalhos de conscientização
sobre as podas de árvores, agricultura ecológica, preservação dos ecossistemas
naturais, utilização de tecnologias brandas, entre outros trabalhos fundamentais,
foram exemplos concretos de práticas educativas interdisciplinares, voltadas para
a formação crítica e consciente do cidadão. Os entrevistados validam as ações de
educação ambiental de Lutzenberger e da Fundação Gaia:
O Lutzenberger foi uma pessoa que sempre teve uma visão
pedagógica da questão ambiental e também ele enxergava alguns
problemas ecológicos em uma perspectiva educacional. (...)
Agora, a questão da poda de árvores tinha um alcance
educacional muito grande, porque à medida que proibia essa
prática que era generalizada não em Porto Alegre, mas em
todo o Rio Grande do Sul, essa ação teve um alcance pedagógico
muito grande porque as pessoas começaram a se dar conta,
porque se fosse realmente necessário fazer a poda, as árvores
deveriam já nascer com serrotes. O Lutzenberger tinha essa visão
115
de dimensões estratégicas do movimento, e tinha um “pé” nessa
questão pedagógica e educacional. A própria Fundação Gaia foi
concebida nessa ideia de ser um centro de educação e de
pesquisa
48
.
Bom, a educação ambiental é uma educação decisiva, e quanto
mais o tempo passa, mais você vai vendo que essa educação
ambiental tem que permear todas as áreas. Não para se fazer
de conta, que o meio ambiente é uma coisa isolada da economia,
da política, das questões culturais e sociais. Não; meio ambiente
está na base de tudo. Então, se você não tiver uma educação
ambiental competente, as pessoas vão crescer e seguir pela vida,
atuando como se isso fosse uma verdade, que meio ambiente é
uma coisa à parte. A educação tem que estar no centro e no
princípio de tudo, e isso pode ser considerado mais um legado do
Lutzenberger e da Fundação Gaia, essa visão sobre a educação
ambiental
49
.
É dentro da perspectiva desses dois depoimentos que os valores da
educação ambiental m seu referencial maior. Na verdade, como reflete Jacobi
(1997), a consciência da natureza, através de ações educativas, torna-se um
importante veículo de conscientização sobre os impactos do desenvolvimento
não planejado, a dilapidação dos meios naturais e a qualidade de vida no nosso
planeta. E acrescenta esse autor que a maior virtude da abordagem
interdisciplinar da educação ambiental, é que, além da incorporação definitiva
dos aspectos ecológicos no plano teórico, enfatiza a necessidade de inverter a
tendência autodestrutiva dos processos de desenvolvimento no seu abuso contra a
natureza.
Poderíamos enriquecer as reflexões de Jacobi com o pensamento de Edgar
Morin quando afirma:
A consciência de habitar, com todos os seres mortais, a mesma
esfera viva (biosfera): reconhecer nossa união consubstancial
com a biosfera conduz ao abandono do sonho prometéico do
domínio do universo para nutrir a aspiração de convivibilidade
sobre a Terra (MORIN, 2000, p. 76).
48
Entrevista n° 03, realizada com Celso Marques, no dia 21 de janeiro de 2010.
49
Entrevista n° 05, realizada com Washington Novaes, no dia 16 de março de 2010.
116
A herança que Lutzenberger deixou para a Fundação Gaia, foi uma
proposta de educação ambiental pautada pelos valores da conscientização de que
no organismo de Gaia nós, humanos, individualmente, somos como células de
um de seus tecidos (LUTZENBERGER, 1990).
117
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das reflexões realizadas no decorrer desse estudo, pudemos
constatar que vinculado ao cenário político nacional da década de 1970 e às
implicações do processo desenvolvimentista desencadeado nesse período, a
análise da trajetória vida de José Antonio Lutzenberger permite compreender os
impactos do modelo de crescimento econômico mundial e suas implicações nos
países subdesenvolvidos, principalmente as consequências predatórias para o
meio ambiente. Nessa ocasião, ele liderou a corrente ecológica do Rio Grande do
Sul, que se propôs a denunciar os efeitos e as repercussões de um padrão de
desenvolvimento pragmático, pautado pela exploração irracional dos recursos
naturais traduzida na degradação sistemática do meio ambiente.
Porém, cabe ressaltar o diferencial da tendência ecológica assumida por
Lutzenberger e pela AGAPAN. Com efeito, suas atividades extrapolaram o
patamar das denúncias e estabeleceram ações práticas no sentido de mudar
aquela realidade que se mostrava antinatureza. Para isso, fez-se necessário um
trabalho de conscientização ambiental nos vários personagens sociais que se
configuraram como agentes multiplicadores das questões relacionadas com o
meio ambiente. Essas ações convergiam para os princípios básicos da educação
ambiental, a qual busca promover a formação de uma consciência a um tempo
crítica e construtiva sobre as questões relativas à natureza, para que, assim, os
indivíduos assumam posições afinadas com os valores referentes à sua proteção e
à melhoria da qualidade de vida.
Dentro dessa perspectiva, é possível afirmar que Lutzenberger foi
responsável por um novo direcionamento do pensamento ecológico, que migrou
das bases conservacionistas de simples denúncias para um ambientalismo crítico,
embasado nas propostas de soluções para os problemas ambientais que afetavam
a vida do planeta e da humanidade. Segundo suas reflexões, o homem deveria
tentar chegar a sistemas de equilíbrio dinâmico, nos aspectos materiais, sociais e
político. Dentro desse panorama e a partir das discussões constituídas no
referencial teórico de Eduardo José Viola, foi também possível observar que a
118
trajetória da proposta ambiental de Lutzenberger migrou do movimento
bissetorial para o ambientalismo multissetorial. Esse processo foi marcado pelo
diálogo entre as várias esferas socioambientais que se articularam de maneira
mais intrínseca na busca da conscientização ambiental.
A leitura da vida de Lutzenberger permite afirmar que a base do seu
pensamento crítico e engajado foi alicerçada na influência familiar, que
estimulava e enriquecia a sua capacidade intelectual. Por outro lado, desde muito
jovem, ele sempre foi um grande admirador das paisagens do Rio Grande do Sul,
característica
que motivou sua luta contra a degradação das áreas naturais do seu
Estado, assim como, o fez assumir uma posição combativa contra os impactos
ambientais que afetavam diretamente toda a humanidade. De igual modo, sua
formação acadêmica contribuiu de forma significativa para respaldar suas
afirmações teóricas, durante seu trabalho como agrônomo e ambientalista. Todas
as denúncias e ações realizadas pela Associação Gaúcha para Proteção ao
Ambiente Natural possuíam sólidas argumentações técnicas, estruturadas pelos
conhecimentos adquiridos por ele, ao longo de sua formação cultural e da
vivência pessoal.
O seu período de trabalho como engenheiro agrônomo na multinacional
BASF pode ser considerado um divisor de águas da sua trajetória profissional.
Com efeito, ao mesmo tempo em que esse período contemplou aspectos
positivos, ou seja, ofereceu uma vivência cultural internacional, também foi
responsável pela compreensão dos efeitos devastadores da utilização dos
agrotóxicos nas lavouras. Essa compreensão o impulsionou a assumir uma
atitude de extrema coragem ao trocar uma carreira que lhe oferecia estabilidade
financeira, por uma vida marcada pelo risco de implantar uma nova visão
ambiental no Brasil, que, por sinal, vivia sob a égide da ditadura militar.
A partir dos autores, das entrevistas e dos artigos consultados, foi possível
perceber o pioneirismo da AGAPAN. Com atuação dos seus principais
articuladores Lutzenberger e Augusto sar Carneiro desenvolveu um novo
referencial dentro do ambientalismo nacional. As atuações iniciaram-se com uma
campanha contra a poda de árvores no inverno, em Porto Alegre. Nessa
119
oportunidade, o movimento ecológico gaúcho articulou uma série de discussões
sobre os problemas ambientais contemporâneos. Foi dessa maneira que a
eloquência de seu líder atraiu a mídia e projetou nacionalmente a temática
ambiental.
Entre as ões de vanguarda desencadeadas pela AGAPAN, está a
contribuição para a mobilização social em torno da discussão da legislação que
propunha a regularizar a comercialização e o emprego dos agrotóxicos no Rio
Grande do Sul, e que resultou na Lei 7.747/82. Essa conquista se tornou um
referencial na elaboração de legislações e políticas públicas em todo o país. Cabe
ressaltar que, apesar dos atuais problemas de fiscalização que impedem a
aplicação efetiva e rigorosa da lei, os conhecimentos técnicos agronômicos de
Lutzenberger contribuíram de forma significativa na ocasião para respaldar a
aplicação de uma legislação específica sobre os agrotóxicos. Nesse sentido, é
possível constatar o caráter socioambiental, político e educacional adotado pela
AGAPAN no contexto de suas ações.
O período em que Lutzenberger desempenhou a função de secretário
especial do Meio Ambiente, durante o governo de Fernando Collor de Mello,
como não poderia deixar de estar, também esteve intrinsecamente ligado ao
ambientalismo político. Com efeito, as políticas públicas desenvolvidas nesse
período foram extremamente relevantes para a abertura de inúmeras discussões
voltadas a assuntos como a destruição da floresta Amazônia, a questão indígena e
o programa nuclear brasileiro. Graças à figura desse importante personagem, o
discurso sobre os problemas ambientais do Brasil ganhou projeção internacional,
a ponto de influir na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992. Portanto, é possível
constatar o forte conteúdo político de suas ações ao longo de sua carreira como
ambientalista. Conteúdo político que nunca o identificou com alguma facção
partidária; como mostram todos os documentos, entrevistas e artigos que foram
utilizados nesta investigação
Cabe destacar ainda a relevância da sua luta frente à “revolução verde” e
aos perigos da disseminação dos agrotóxicos nas lavouras. Crítico feroz das
120
práticas da monocultura mecanizada e da proliferação desenfreada de agentes
químicos nas lavouras, Lutzenberger corroborou a ampliação do debate sobre os
danos à saúde, além de ter alertado para os efeitos sociais e econômicos das
práticas instituídas pela “revolução verde”. Na verdade, toda a base do seu
discurso combativo esteve atrelada aos seus conhecimentos técnicos e a um
referencial teórico extremamente sólido. Além disso, todas as suas denúncias
vieram precedidas de possibilidades alternativas, como a implantação de uma
agricultura com base ecológica, apesar das limitações competitivas que essa
prática estabelece em relação ao modelo agroindustrial.
Sem dúvida, sua luta se perpetua até os dias atuais, uma vez que seu
legado se materializou na Fundação Gaia, que entre outras atividades, desenvolve
uma sólida proposta de educação ambiental interdisciplinar, com o objetivo de
formar do ser humano integral, capaz de compreender Gaia como o grande
organismo vivo, e com ele viver harmoniosamente. O exemplo permanente de
respeito à harmonia da vida, culminando com atividades educacionais
permanentes, está na sede rural da Fundação, o Rincão Gaia. Graças à valiosa
contribuição de Lutzenberger, tornou-se um modelo concreto da capacidade
regenerativa da natureza, assim como demonstrou a possibilidade do convívio
sustentável do homem com seu meio natural.
Por fim, a pesquisa ofereceu dados para compreender o perfil profissional
e pessoal de José Antonio Lutzenberger. Dotado de significativa capacidade
intelectual e inestimável carisma para a mobilização social por causa da sua
eloquência, Lutzenberger exerceu decisiva influência no cenário ambiental
nacional. A esse respeito, inclusive, sua postura sempre foi marcada pela
coerência com suas convicções, sendo que a dedicação permanente ao trabalho e
à luta ambiental o afastou das relações pessoais, apesar de ser reconhecido como
uma pessoa dedicada à família. Vale lembrar que suas idiossincrasias pessoais
jamais se refletiram ou interferiram em sua trajetória profissional.
Nesse sentido, foi possível observar que os méritos do trabalho
desenvolvido por Lutzenberger, ao longo de sua trajetória de vida, foram também
mais amplamente reconhecidos internacionalmente. O que nos cabe hoje é
121
prestar uma reverência maior à missão daquele que nos despertou a sensibilidade
para compreender que o caminho para a convivência harmoniosa com a natureza
é possível.
122
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129
ANEXOS
1. ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA COLETA DE DADOS.
2. ENTREVISTAS REALIZADAS.
130
1. ROTEIRO DAS ENTREVISTAS PARA COLETA DE DADOS
Nº ________ Data _____/____/____
I. Dados do Entrevistado.
a. Nome completo:
b. Profissão:
c. Telefone / e-mail:
II. Sobre a pessoa de José Antonio Lutzenberger.
a. Você conheceu pessoalmente José Antonio Lutzenberger?
b. De que forma ocorreu a sua experiência pessoal com José Antonio
Lutzenberger?
c. Como você descreveria a pessoa de José Antonio Lutzenberger?
d. Segundo o seu ponto de vista, como era o relacionamento de Lutzenberger
com a família e os amigos?
e. O que Lutzenberger mais gostava de fazer nas horas de folga?
III. A obra e o trabalho desenvolvido por Lutzenberger.
a. Quais são as produções literárias de Lutzenberger que você considera mais
importantes?
b. Em sua opinião, quais foram os aspectos mais importantes do trabalho e das
ações de Lutzenberger em relação à preservação ambiental?
c. O que Lutzenberger pensava em relação ao crescimento industrial, à
sociedade e à preservação ambiental?
131
d. Em sua opinião, quais foram as principais contribuições de Lutzenberger e da
AGAPAN para a causa ambiental nacional?
e. Você conseguiria identificar uma tendência ou posicionamento político nas
ações praticadas por Lutzenberger, ao longo de sua trajetória como
ambientalista?
f. Qual a sua análise sobre o trabalho desenvolvido por Lutzenberger, durante
atuação como Secretário do Meio Ambiente do governo Collor?
g. Como você avalia a importância da obra de Lutzenberger para a causa
ambiental?
IV. Lutzenberger e a luta contra os agrotóxicos.
a. Como você descreveria a posição de Lutzenberger em relação à “revolução
verde”?
b. Como você analisa as contribuições de Lutzenbeger e da AGAPAN no
combate ao uso indiscriminado de agrotóxicos?
c. Em sua opinião, qual a importância da Lei 7.747/82, que regulamenta o
controle da utilização dos agrotóxicos no Rio Grande do Sul?
V. O legado de Lutzenberger.
a. Como você descreveria a importância de Lutzenberger para a Fundação Gaia?
b. Quais são as propostas de Educação Ambiental desenvolvidas por
Lutzenberger para a Fundação Gaia?
132
c. Como você analisa a importância do legado de Lutzenberger para as práticas
ambientais atuais?
133
2. ENTREVISTAS REALIZADAS
Entrevista nº 01. Data: 18/1/2010
I. Dados do Entrevistado.
a. Nome completo: Lilian Dreyer.
b. Profissão: Jornalista, escritora e autora da biografia de Lutzenberger, Sinfonia
Inacabada.
c. Telefone / e-mail: (51) 3224- 7014 – lilian@vidicom.com.br.
II. Sobre a pessoa de José Antonio Lutzenberger.
a. Você conheceu pessoalmente José Antonio Lutzenberger?
R.: Sim, na época em que eu estava na faculdade de jornalismo na URGS.
b. De que forma ocorreu a sua experiência pessoal com José Antonio
Lutzenberger?
R.: Os textos dele circulavam muito em forma de xerox, na época havia pouca
coisa publicada, talvez apenas o Pesadelo atômico que eu nem conhecia, e eu me
encantei. Quando eu vi aqueles textos, aquilo mexeu com a minha cabeça,
principalmente os que falavam sobre os pesticidas agrícolas. E ai eu tinha uma
pilha desses textos em mãos, e pensei: isso daria um livro muito legal, então
editei a minha maneira, selecionei, dei um título e bati na porta da casa dele, e
para minha surpresa ele achou ótima a ideia, acertamos com a editora LPN e saiu
do Jardim ao poder. E volta e meia qualquer assunto relacionado à edição de
livros ele me ligava, então a gente acabou mantendo esse contato. E ele era uma
pessoa muito acessível, embora ele tivesse uma cara muito feia, bravo como o pai
dele, gostava muito de conversar e a moda dele, era muito carinhoso.
c. Como você descreveria a pessoa de José Antonio Lutzenberger?
134
R.: É bem difícil talvez, é quase inextrincável ele não pregava aquilo que ele não
estivesse disposto a fazer, e não se dispunha a fazer algo que ele não pregasse,
ele realmente fazia o que dizia e dizia o que fazia, sendo sempre muito coerente.
A primeira coisa que fica muito forte nele era sua impulsividade (apesar de
embasado), se movia por explosões. Ele tinha problemas de relacionamento
pessoal, ele frequentemente dava a impressão de ser uma pessoa muito rígida,
muito dura e isso era uma primeira impressão, pois na medida em que se ia
conhecendo Lutzenberger, percebia-se que ele era muito emotivo, muito
carinhoso, a moda dele, pois ele não sabia expressar isso muito bem, mas havia
essa dificuldade dele em lhe dar com as emoções dele próprio e dos outros
também. E de resto, aparecem traços de quem era essa pessoa nos
relacionamentos com as mulheres dele (a esposa primeiro, depois sua
companheira Bete), ali aparecem as contradições, pois Lutz era de uma família
bem colocada socialmente, teve educação de alto nível, e eu acho que esse
conflito para assumir seu relacionamento com a Bete estava ligado ao fato de ser
mais jovem, não ter o seu mesmo nível de formação intelectual e pelas
atribulações que ele sofreu durante o período como ministro no governo Collor,
então ali ele claramente desistiu de sua pessoal. E quando finalmente Lutz pode
viver sua vida pessoal e amorosa, ele abriu mão novamente para poder se
engajar.
d. Segundo o seu ponto de vista, como era o relacionamento de Lutzenberger
com a família e os amigos?
R.: A gente trabalhava muito em mesa de bar, ele era muito disponível, não
mais, pois ele era muito solicitado aqui e no exterior. Ele não era de dizer a sua
formação que tinha, nem o que ele largou e o quanto ele era bem vindo em vários
ambientes desde a academia até governos no exterior, mas sabíamos que ele era
muito ocupado. Eu jamais pensaria em Lutzenberger como alguém que eu
pudesse falar coisas mais pessoais. Até mesmo porque quem convivia com Lutz
sabia que ele estava envolvido em uma briga de “cachorro grande”, então não
cabia desabafos pessoais como: briguei com o namorado, mas de resto poderia
135
ser discutido o que você quisesse, pois ele nunca tinha uma posição moralista,
nem autoritária apesar de rigoroso, nunca nos ofendia. Era o jeito do Lutz,
pronto! Teve uma época que nós discutimos religião, que era um assunto
cabeludo para ele, não porque ele tivesse alguma coisa contra qualquer religião, o
debate se tornava acalorado, mesmo quando ele ficava exaltado, pois ele defendia
suas posições. Eu não me lembro de única vez na vida que tivesse sido ofendida
por ele. Às vezes me sensibilizava a falta de habilidade emocional dele, mas
nunca me passou o fato que pudesse estar agredindo.
e. O que Lutzenberger mais gostava de fazer nas horas de folga?
R.: Ele dizia que era uma das raras pessoas que tinha a felicidade de considerar o
seu trabalho diversão. O trabalho para ele era um prazer. Ele preferiria talvez
ficar fazendo paisagismo e suas pesquisas, mas ele não se sentia autorizado em
fazer isso, pois ele percebia que aquilo que ele mais amava estava sendo
destruído e que se ele não fizesse alguma coisa tudo seria destruído, então ele
tinha essa noção de missão pessoal. O Lama Padma Santem (amigo de Lutz) me
deu essa visão: do Buda que tinha uma espada na mão e o livro em outra, e para
mim o Lutz era isso, pois ele tinha um profundo conhecimento e era combativo.
E o lazer dele era muito variado, o pessoal do Rincão tinha uma proximidade
social com ele, diferente do que eu tive, pois eles nadavam nus no lago. Ele
gostava muito de sair para tomar chope gostava de nadar (ele era um grande
nadador), era aventureiro, gostava de caminhar e explorar os locais e tinha um
profundo prazer em observar a natureza, os bichos. Gostava muito de viajar,
conversava muito com crianças, pois achava que elas ainda tinham um olhar
fresco sobre as coisas e estão abertas para a vida. As filhas relatam que ele foi um
grande companheiro, nas viagens, pois ele contava histórias e explicava as
coisas. Ele era uma pessoa que sabia se divertir, ele não gostava de futebol, não
sabia dançar, mas era uma pessoa muito vívida, gostava muito de comer bem,
gostava de ambiente simples e também dos requintados. Não dava muita bola
para roupa, mas estava sempre corretamente vestido. Gostava muito das questões
tecnológica e procurava estar sempre atualizado. Apreciava um bom carro, mas
136
seu critério era diferente, ele verificava se o motor seria durável e pouco
poluente. Era um profundo admirador da tecnologia, da biotecnologia também,
apenas criticava essa tecnologia se ela fosse utilizada enquanto instrumento de
dominação.
III. A obra e o trabalho desenvolvido por Lutzenberger.
a. Quais são as produções literárias de Lutzenberger que você considera mais
importantes?
R.: Certamente é a ideia que nós não somos donos da natureza, mas parte dela,
isso para mim foi um divisor de águas para mim, o resto do que ele produziu foi
consequência desse pensamento.
b. Em sua opinião, quais foram os aspectos mais importantes do trabalho e das
ações de Lutzenberger em relação à preservação ambiental?
R.: Eu acho que ele nasceu completamente mergulhado e vendo a ecologia como
uma questão política, ele nunca teve uma visão conservacionista. Ele sempre
defendeu que se não cuidássemos do conjunto, as peças iriam sucumbir. Ele
sempre foi altamente político, mesmo diante do período militar onde as garantias
individuais estavam suspensas, o professor Levi Goy (um dos fundadores da
AGAPAN) falava que eles eram os únicos críticos do regime tolerados pelos
próprios militares, pois o discurso deles não era facilmente decifrado. Eu não
vejo nenhum momento da AGAPAN ou do Lutzenberger que não fosse
politizado, até demais em alguns momentos na minha avaliação. Ele sempre foi
engajado politicamente, mas não partidariamente.
c. O que Lutzenberger pensava em relação ao crescimento industrial, à
sociedade e à preservação ambiental?
R.: Um homem com a visão de mundo que ele tinha e pela reverência que
possuía pela ciência que a entendia como a verdadeira aventura do espírito
humano. Ele acreditava que seria natural o homem se questionar e desenvolver
137
suas ferramentas, e um homem com sua inteligência não poderia ser contra esse
processo, apesar de pessoalmente ele ter uma inclinação para o meio natural
como forma de vida. Outra coisa que eu vejo nítida no Lutz, é que ele criticava
nossos modelos de progresso, mas ele nunca quis impor o modelo dele, ele
apenas refletia que coisas que dão certo e outras não. Ele era um grande da
vida comunitária, pois ele a comparava com um ecossistema auto-regulável. Sua
crítica estava na economia que estimula apenas o consumo, e isso é insustentável.
A sua maior crítica era sobre aquilo que era insustentável no progresso, e não o
progresso em si, muito ao contrário, ele era um grande admirador do progresso.
d. Em sua opinião, quais foram as principais contribuições de Lutzenberger e da
AGAPAN para a causa ambiental nacional?
R.: O que distinguiu a AGAPAN foi ela ter nascido com essa visão política e não
apenas conservacionista. Eu acho que AGAPAN e Lutzenberger podem ser
considerados um dos pioneiros até mundial em certos aspectos.
e. Você conseguiria identificar uma tendência ou posicionamento político nas
ações praticadas por Lutzenberger, ao longo de sua trajetória como
ambientalista?
R.: Ele não teve e nunca quis ter e de certa forma tinha até raiva, embora ele se
relacionasse com o espectro político ele nunca se filiou a partido algum. Ele era
avesso à política partidária. Apesar de viver rodeado por pessoas da esquerda,
talvez essa ligação devasse ao fato da combatividade, mas ele gostava de pessoas
bem intencionadas, independente do seu partido político.
f. Qual a sua análise sobre o trabalho desenvolvido por Lutzenberger, durante
atuação como Secretário do Meio Ambiente do governo Collor?
R.: Ele sofreu duras críticas nesse período, principalmente por pessoas que não o
conheciam e não sabiam das suas boas intenções. Muitas pessoas o avaliaram
pelos seus próprios parâmetros. Ele não foi para tirar vantagens, mas para mudar
algumas coisas que ele considerava urgente. Ele deixou transparecer o seu horror
138
com o movimento do universo político e partidário em Brasília, sendo que a sua
estratégia foi falar o mínimo possível e o movimento ambiental por sua vez,
cobrava dele o diálogo. Ele era um péssimo negociador, muito autocrático até;
ele tinha tanta certeza do que fazia que talvez tenha lhe faltado a capacidade de
negociar mais. Ele o tinha tendência para a diplomacia política. Essas pessoas
que o criticaram compraram a ideia da mídia que fez uma forte campanha contra
ele. Lutzenberger trouxe grandes contribuições nesse período, com a questão
indígena na demarcação das terras dos ianomâmis, e quem acabou defendendo
isso foi o Ministro Jarbas Passarinho, uma pessoa inclusive que ele havia
brigado. Ele trouxe a questão indígena à tona, também nesse período foram
criadas muitas áreas de preservação ambiental através dos seus assessores. Outro
ponto importante foi a questão nuclear que foi revista, através do acordo com
Argentina que junto com o Brasil enterrou o programa nuclear para fins não
pacíficos. Também a luta contra a exploração predatória das madeireiras e o
próprio questionamento em relação ao IBAMA. Eu acho que o mais importante
de tudo foi o que ele não conseguiu fazer, que foi pioneirismo de tentar colocar a
questão ecológica de forma transversal, ou seja, ecologizar a administração do
Brasil. A passagem dele no governo deu base para se discutir de forma global e
política a questão ecológica.
IV. Lutzenberger e a luta contra os agrotóxicos.
a. Como você descreveria a posição de Lutzenberger em relação à “revolução
verde”?
R.: Eu acho que foi o ponto de partida dele, esse tema que ele conviveu durante o
tempo em que era funcionário da BASF e a revolução verde estava eclodindo, e o
Lutz olhou para aquilo e se horrorizou, devolvendo-o para ética que ele
desenvolveu ainda na infância e na juventude, onde já havia a vontade de praticar
uma agricultura que promovesse e não combatesse a vida. E no tempo em que ele
ainda trabalhava na BASF, voltou para o Rio Grande do Sul e ficou bastante
deprimido, porque as várias espécies de aves que ficavam aqui no interior haviam
139
desaparecido praticamente todas por causa das lavouras de arroz que usavam
venenos fortíssimos, e que hoje estão banidos por causa da luta do Lutz e da
AGAPAN. Sendo seu grande start a campanha de descrédito que fizeram contra
a Rachel Carson, na época em que ele ainda era estudante nos EUA, então
começou a acompanhar a carreira dela e ficou maravilhado com a “Primavera
Silenciosa”.
b. Como você analisa as contribuições de Lutzenbeger e da AGAPAN no
combate ao uso indiscriminado de agrotóxicos?
R.: De novo foi extremamente corajoso. Olhando de fora como jornalista para
um grupo que não era grande e como eles conseguiram envolver personalidades
da política do Rio Grande do Sul. Foi uma luta linda! É uma história que
mereceria ser pesquisa e ter uma descrição toda própria, até como aula de
estratégia, porque eles foram muito combativos, direcionados, inteligentes e
conseguiram grandes vitórias, até de tirar os mercuriais e o DDT de circulação.
Eu não vejo nada parecido depois deles tão organizado, com coesão e capacidade
de luta em torno de algo que era de bem comum.
c. Em sua opinião, qual a importância da Lei 7.747/82, que regulamenta o
controle da utilização dos agrotóxicos no Rio Grande do Sul?
R.: Como eu disse, ela mereceria um estudo a parte para ser melhor contada. Foi
incrível a maneira que ele se articularam. A impressa daquela época considerou
essa lei uma vitória popular, as pessoas comuns apreciaram e concordaram com
essa lei, ficando totalmente popularizada, todos de uma forma geral participaram
dessa discussão. Foi uma das grandes conquistas deles.
V. O legado de Lutzenberger.
a. Como você descreveria a importância de Lutzenberger para a Fundação Gaia?
R.: A Fundação nasceu com ele e a ideia dele era algo muito abrangente, era ser
um centro de educação para a vida sustentável. Ali é que ele iria desenvolver o
140
seu lado propositivo para a sociedade. Mas é claro que uma pessoa dessa
envergadura, quando ela parte, por mais que ela tenha pulverizado milhares de
pessoas o que ela era e sua visão de mundo, vai ser muito difícil, porque ninguém
tem o preparo que ele tinha. Então, necessariamente ela mudou bastante suas
características quando ele foi embora; apesar disso, ela tem a importância de
manter uma proposta no ar sem cultuar sua personalidade, continuando ser um
centro de referência para aprofundar várias linhas de pesquisa, mantendo a
coerência com a proposta do Lutzenberger.
b. Como você analisa a importância do legado de Lutzenberger para as práticas
ambientais atuais?
R.: A questão da Amazônia que eu considero junto com as questões dos
agrotóxicos. A grande contribuição do Lutzenberger foi chamar a atenção para
Amazônia e para o Cerrado esses nossos grandes ecossistemas, e como era
importante para a gente resguardá-los, mudando o pensamento de
desenvolvimento dessas regiões, repensando o modo de colonização que vinha
sendo feito nesses lugares.
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Entrevista nº 02. Data: 20/1/2010
I. Dados do Entrevistado.
a. Nome completo: Augusto Cesar Carneiro.
b. Profissão: Advogado e ambientalista.
c. Telefone / e-mail: (51) 3224-7014
II. Sobre a pessoa de José Antonio Lutzenberger.
a. Você conheceu pessoalmente José Antonio Lutzenberger?
R.: Sim. Fundamos a AGAPAN na década de 1970.
b. De que forma ocorreu a sua experiência pessoal com José Antonio
Lutzenberger?
R.: Minha experiência pessoal com Lutzenberger se deu com o seu retorno para
Porto Alegre, ele tinha acabado de se demitir da BASF. Nós éramos adeptos do
naturismo e através desse princípio estabelecemos nossos primeiros contatos.
c. Como você descreveria a pessoa de José Antonio Lutzenberger?
R.: O Lutzenberger era uma pessoa muito sentimental. Era um defensor ferrenho
de todos os animais. Certa vez, ele entrou em confronto com o IBAMA por causa
da matança de cachorros de rua. Ele era uma pessoa muito sentimental, dava
importância para as pequenas coisas, era muito cuidadoso, era uma pessoa em
quem se podia confiar. Ele era uma pessoa boa.
III. A obra e o trabalho desenvolvido por Lutzenberger.
a. Quais são as produções literárias de Lutzenberger que você considera mais
importantes?
R.: O último trabalho, redigido pela LiLian (Dreyer), Garimpo ou Gestão, me
parece muito importante.
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b. Em sua opinião, quais foram os aspectos mais importantes do trabalho e das
ações de Lutzenberger em relação à preservação ambiental?
R.: Pela maneira que o Lutzenberger abordava as questões, todos os pontos eram
igualmente importantes, porque ele abordava de uma maneira muito completa e
necessária. Se não fossem realmente importantes, essas abordagens seriam
superficiais e pidas, de maneira que o levantamento das questões ambientais
era importante.
c. O que Lutzenberger pensava em relação ao crescimento industrial, à
sociedade e à preservação ambiental?
R.: O Lutzenberger achava que o crescimento industrial era prejudicial à
natureza na sua globalidade, porque o crescimento industrial não evidenciava a
preservação da natureza.
d. Em sua opinião, quais foram as principais contribuições de Lutzenberger e da
AGAPAN para a causa ambiental nacional?
R.: Foram contribuições pioneiras no Brasil. A AGAPAN, na mão do
Lutzenebrger, sempre foi diferente de todas as entidades ambientais brasileiras
no sentido de pioneirismo, porque levantou os assuntos sobre a Amazônia, sobre
o programa nuclear e outros de maneira mais radical e necessária.
e. Você conseguiria identificar uma tendência ou posicionamento político nas
ações praticadas por Lutzenberger, ao longo de sua trajetória como
ambientalista?
R.: Ele teve algumas visões erradas, principalmente no início quando ele era
simpatizante dos “catastrofistas”, os primeiros ecologistas que não sabiam que
viriam leis ambientais que prorrogariam a vida no planeta. Porque se os
caminhos tivessem sido fechados, a vida seria impossível na Terra, pois as
liberdades seriam dadas aos industriais para ocupar desde os centros das cidades
até as áreas naturais, e não teríamos de onde sair vida natural. Lutzenberger
143
acreditava que os parques são uma fonte de vida, apesar de ele achar que esses
parques não resistiriam e a vida teria que ser preservada, dentro e fora do parque.
Eu estou de acordo, acho que os parques devem ser respeitados a sua maneira.
f. Qual a sua análise sobre o trabalho desenvolvido por Lutzenberger, durante
atuação como Secretário do Meio Ambiente do governo Collor?
R.: Houve casos muito bons, como o enterro do projeto de energia atômica e as
aspirações para a fabricação da bomba. Lutzenberger enfrentou alguns problemas
ecológicos. Na verdade, estou de acordo com tudo o que ele fez no governo
Collor.
g. Como você avalia a importância da obra de Lutzenberger para a causa
ambiental?
R.: Foi muito grande a importância de Lutzenberger, porque deu uma feição
diferente ao movimento ambiental no Rio Grande do Sul e no Brasil. Seus
pronunciamentos teóricos eram originais, viajando o Brasil e o mundo
divulgando a causa ambiental.
IV. Lutzenberger e a luta contra os agrotóxicos.
a. Como você descreveria a posição de Lutzenberger em relação à “revolução
verde”?
R.: Nós tivemos a decepção de ver um principal órgão da nossa imprensa no
Brasil, defender o representante da “revolução verde”, Norman Ernest Borlaug,
homem que foi desmoralizado por Lutzenberger com justeza. Norman foi
comemorado este ano em um evento qualquer, através da folha do meio ambiente
de Brasília, que é o nosso principal órgão da imprensa ambiental, lastimo e nada
mais posso fazer. O Lutzenberger tinha toda a razão em combater esse crime.
b. Como você analisa as contribuições de Lutzenbeger e da AGAPAN no
combate ao uso indiscriminado de agrotóxicos?
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R.: Foi pioneiro, um pouco útil, porque até hoje eu vejo o uso de agrotóxico, com
resultados parciais, mas completamente válido.
c. Em sua opinião, qual a importância da Lei 7.747/82, que regulamenta o
controle da utilização dos agrotóxicos no Rio Grande do Sul?
R.: Essa lei parecia tão bem encaminhada; o Lutzenberger contribuiu com a parte
teórica que era muito boa. Hoje eu vejo resultados decepcionantes, mas nós não
somos culpados disso.
V. O legado de Lutzenberger.
a. Como você descreveria a importância de Lutzenberger para a Fundação Gaia?
R.: A fundação Gaia foi uma criação do Lutzenberger, exclusiva dele, em virtude
das injunções políticas e ecológicas do momento em que ela foi criada, porque o
Lutzenberger o podia ficar dependente da AGAPAN. Ele não podia ficar
obedecendo a AGAPAN quando ele tinha uma posição pioneira, diferente, bem
embasada, variada e baseada na prática. O Lutzenberger não teve posições
irresponsáveis, e essa fundação reflete isso.
b. Quais são as propostas de Educação Ambiental, desenvolvidas por
Lutzenberger, para a Fundação Gaia?
R.: A educação ambiental foi apresentada pelo Lutzenberger, com o grande
trabalho dele contra as podas das árvores. Trabalhos práticos esses, com o
paisagismo, palestras e as lutas ambientais ativas e não só de conversa.
145
Entrevista nº 03. Data: 21/1/2010
I. Dados do Entrevistado.
a. Nome completo: Celso Marques.
b. Profissão: Professor de filosofia,
membro do conselho da AGAPAN e
ambientalista.
c. Telefone / e-mail: (51) 3224-6904 –
celsodaruma@yahoo.com.br.
II. Sobre a pessoa de José Antonio Lutzenberger.
a. Você conheceu pessoalmente José Antonio Lutzenberger?
R.: Eu conheci o Lutzenberger em 1972, logo após que eu voltei de São Paulo, e
eu li uma reportagem dele em um jornal do sindicato dos professores de Porto
Alegre, e encontrei com um amigo, Juarez Fonseca, que era jornalista, comentei
a respeito dessa reportagem, e ele me apresentou a pessoa que tinha feito essa
entrevista com o Lutzenberger, e obtive o endereço e fui a casa dele.
b. De que forma ocorreu a sua experiência pessoal com José Antonio
Lutzenberger?
R.: O que me impressionou muito é que o Lutzenberger se revelou uma pessoa
incomum, notável e fora de série. Eu me lembro que ele tinha em seu escritório
um cacto que era alimentado por uma luz de uma planta acima dele e que ele
tinha dois guaraxains que moravam em uma espécie de poleiro, e o
Lutzeneberger fumava naquela época. E eu me lembro dele desmanchando uma
guimba de cigarro e passava na cara do guaraxaim e o bicho fechava os olhos e
parecia em estado de graça com aquele cheiro do fumo. Eu me lembro que o Lutz
era uma pessoa pouco conhecida naquela época e ele tinha muito tempo e era
muito generoso, então tínhamos longas conversas, ele dava o seu tempo com
muita atenção e ele era um professor, um mestre mesmo no sentido de se colocar
na posição de ensinar as pessoas e convertê-las para a questão ecológica.
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c. Como você descreveria a pessoa de José Antonio Lutzenberger?
R.: Ele era extremamente disponível, o que o tornava muito cativante. O Lutz era
uma pessoa muito carismática. Ele vivia vinte e quatro horas por dia aquilo que
ele acreditava que era o mais importante. Então, eu acho impossível dissociar o
Lutz e a sua personalidade da forma como ele se relacionava com a gente.
III. A obra e o trabalho desenvolvido por Lutzenberger.
a. Quais são as produções literárias de Lutzenberger que você considera mais
importantes?
R.: O Manifesto Ecológico Brasileiro, em minha opinião, pode ser considerado
como uma reunião de políticas públicas em prol ao meio ambiente.
b. Em sua opinião, quais foram os aspectos mais importantes do trabalho e das
ações de Lutzenberger em relação à preservação ambiental?
R.: O Lutzenberger inaugurou uma nova forma de ativismo político, pois quando
começou o movimento ecológico, ele saiu fora do paradigma clássico que era
ficar na denúncia, sem apresentar alternativas concretas para aquilo que era
denunciado, então ele dizia que também havia sido um tecnocrata, ele andava
sempre com uma máquina de calcular no bolso, era uma pessoa muito prática,
então esse ativismo político, que foi apresentado de uma maneira muito nova, era
que o Lutz mostrava um problema e logo em seguida a solução. Ele não ficava
simplesmente na denúncia, pois se ficasse apenas na denúncia as questões
ecológicas o teriam nenhuma credibilidade. Então, o Lutz teve esse mérito,
pois ele introduziu uma forma de luta política extremamente original, e que é
essa forma de propor um problema e uma solução também.
c. O que Lutzenberger pensava em relação ao crescimento industrial, à
sociedade e à preservação ambiental?
R.: O Lutz tinha uma visão crítica sobre a tecnologia; ele dizia que a tecnologia
não é feita hoje para resolver os problemas da melhor maneira; ele negava a
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questão da racionalidade tecnológica. Ele dizia que a tecnologia hoje é feita para
concentrar poder. Em absoluto ele era contra a modernidade; ao contrário, o que
os ecologistas colocaram são os problemas que exigiriam o redirecionamento
tecnológico, inclusive na criação de tecnologias mais inteligentes que as atuais.
No Manifesto Ecológico Brasileiro, está cheio de exemplos desse tipo. Quando o
Lutzenberger propõe energias alternativas, ele coloca o seguinte: nós não
queremos voltar para trás, nós estamos querendo ir para frente. E o crescimento
industrial está dentro de uma ideologia que é totalmente defasada da realidade. O
que a ecologia defende, é que o homem não é o centro da natureza, ele é um ser
vivo que depende e é inseparável da própria natureza; isso significa que ainda
nós temos uma visão antropocêntrica do mundo; nosso pensamento se coloca
fora da natureza, com se o homem fosse algo separado da natureza. Então, eu
acho que essa visão de que a proposta tecnológica do movimento ecológico
remete ao passadismo, é um completo equívoco.
d. Em sua opinião, quais foram as principais contribuições de Lutzenberger e da
AGAPAN para a causa ambiental nacional?
R.: Logo que eu conheci o Lutzenberger, fui convidado para participar da
AGAPAN e comecei a freqüentar as reuniões dessa entidade, e nessas reuniões
iniciou-se a minha formação como ecologista, pois a AGAPAN era uma espécie
de universidade informal onde era veiculado todo um conjunto de informações
muito importantes que não existiam em outros setores da sociedade, então a
AGAPAN funcionava como um grupo de pessoas que constantemente, sob
inspiração do Lutzenberger, que se converteu em um centro de formação do
movimento ecológico no Rio Grande do Sul e também no Brasil. Inclusive
naquele tempo estávamos no período da ditadura militar e a imprensa logo em
seguida descobriu que a questão ecológica não se enquadrava muito bem em um
paradigma da esquerda e da direita até então vigente naquele período, que essa a
ecologia era uma coisa nova que não se definia muito bem, mas que de certa
maneira, essa discussão ajudasse a vender jornal. Então, o fato é que a impressa
começou a divulgar muito a questão ecológica e o Lutzenberger tinha um acesso
148
à impressa, pois ela era muito mais aberta e menos burocratizada, havendo uma
receptividade maior e uma concorrência entre os jornais da época, então esses
fatores contribuíram para a divulgação da fase pioneira do movimento ecológico.
Aqui no rio Grande do Sul, eu me lembro que o Lutzenberger ia seguidamente às
redações dos jornais, seja na Companhia Caldas Júnior ou na Redação da Zero e
mantinha um contanto muito intenso com os jornalistas, e isso teve uma
influencia muito grande na forma como a imprensa do Rio Grande do Sul
começou a tratar com frequência a questão ecológica, fato que praticamente não
existia em outros lugares do Brasil.
e. Você conseguiria identificar uma tendência ou posicionamento político nas
ações praticadas por Lutzenberger, ao longo de sua trajetória como
ambientalista?
R.: Na época da formação da AGAPAN nós estávamos naquele período da
ditadura militar e é evidente que a questão ambiental incomodava muita gente,
pois os interesses contrariados existiam, o governo, através dos órgãos de
segurança, chamaram o Lutzenberger para depor. Mas o Lutzenberger tinha uma
visão naquela época muito crítica em relação ao comunismo, na perspectiva
ecológica, e ele também conhecia os países comunistas, pois ele tinha estado
em Cuba, estudado sobre a URSS e ele tinha uma visão muito crítica do próprio
comunismo existente, inclusive em uma perspectiva política que também
apresentava problemas ambientais tão ou mais graves do que no próprio
capitalismo. Então, ele chegava aos órgãos de segurança, no DOPS ou no SNI,
ele se manifestava com toda franqueza que não era comunista, e que tinha
grandes críticas ao comunismo. Então, eu acho que esse aspecto tenha sido
importante no sentido de que ele não sofreu propriamente perseguições por parte
do governo militar. Agora também tem outro aspecto, é que ele de uma certa
maneira colocou a questão ecológica numa perspectiva que era crítica e ia além
dessa polaridade entre esquerda e direita, que fazia parte da cultura política da
época e que até hoje faz parte. Sobre a questão partidária, tem um fato que nunca
foi divulgado, é que nessa sala em o que nós estamos, quando ia ser fundado o
149
Partido Verde, o Alfredo Sirkis veio a Porto Alegre para contatar a AGPAN, no
sentido de conseguir apoio para a criação do Partido Verde. A partir disso, nós
fizemos uma reunião do conselho superior da AGAPAN aqui na minha casa, e
nessa reunião nós discutimos essa questão de um partido que tomasse a questão
ambiental como sua principal bandeira de luta, e nós chegamos a um consenso de
que a questão ecológica transcendia as divisões partidárias, e consequentemente
querer vincular a questão ecológica à bandeira de um partido político seria uma
forma de desvirtuar o próprio sentido da luta ecológica. Transformar uma luta
que implica em um novo projeto de civilização, em uma luta de um partido, por
outro lado, o Lutzenberger teve uma grande participação na formação do Partido
Verde, e teve muita ajuda desse partido na consolidação da Fundação Gaia.
Então, o Lutzenberger não tinha essa ingenuidade política que pessoas pensam,
poderia até parecer mesmo, mas na verdade ele tinha uma experiência política
bastante complexa e sofisticada. Eu acho que a perspectiva que o Lutzenberger
tinha da política era um aspecto do anarquismo, porque ele considerava que o
papel do Estado na civilização atual era perverso, e o papel dos políticos não era
proativo, mas sim meramente reativos, e toda a lógica que se estabelece na
cultura da política partidária, o Lutz via isso dentro de uma perspectiva muito
crítica, mas ele sabia que um ponto fundamental, seria um dia ter um Estado que
tivesse uma natureza completamente diferente do atual. E por isso, que a maior
parte das pessoas que o criticavam não entendiam a amplitude desse pensamento.
f. Qual a sua análise sobre o trabalho desenvolvido por Lutzenberger, durante
atuação como Secretário do Meio Ambiente do governo Collor?
R.: Eu e minha mulher na condição de amigos do Lutzenberger, quando ele foi
convidado para assumir a pasta do meio ambiente no governo Collor, ele nos
convidou para um jantar no restaurante Tirol, onde perguntou o que nós
achávamos sobre aceitar ou não o convite que o Collor tinha feito para ele ser
ministro. Eu naquele momento achei até meio complicado de dar um conselho
para ele, e coloquei o seguinte: olha Lutz, a questão é que eu acho que tu
assumindo o cargo de ministro que o Collor está te acenando, tu vais correr sérios
150
riscos na tua própria carreira de ecologista, pois tu vais ser criticado. Eu fiquei
em uma grande dúvida, pois eu via principalmente os aspectos negativos em ele
assumir o cargo de secretário do meio ambiente do Collor. Qual foi a resposta do
Lutz: eu acho o seguinte, se eu assumir no governo Collor eu vou ser criticado
pelo que eu fizer, seu eu não assumir eu também vou ser criticado por ter sido
convidado a assumir um cargo público e não ter feito nada, então na minha
opinião eu não tenho opção, tanto por um lado como pelo o outro eu não vou ser
compreendido. Acontece que o Lutz tinha uma coisa que eu critiquei durante
muitos anos, eu considerava quase como ingenuidade, em tentar converter os
“bandidos”, ele dizia assim: se um mafioso te da a oportunidade de te escutar um
pouquinho, tu não pode perder essa oportunidade, tu tem que tentar converter ele,
acreditar que ele pode mudar, dar um voto de confiança. Com o correr do tempo
eu fui percebendo que na realidade, o Lutz era uma pessoa que estava iniciando
um movimento de lhe dar com os problemas, e esse tipo de atitude que parecia
ingênua, na verdade era uma maneira mais sábia do que a postura dualista,
ofensiva e preconceituosa. O Lutz tinha atitude de proselitismo com relação, por
exemplo, aos militares, pois ele chegava e colocava a questão ecológica para
eles, acreditando que as forças armadas poderiam desenvolver um trabalho muito
importante na questão da proteção a Amazônia ligada com a soberania nacional e
a defesa da territorialidade brasileira. Eu acho que ele teve uma atuação muito
importante em relação à questão nuclear, no que diz respeito ao programa nuclear
brasileira, na questão da demarcação das terras indígenas dos ianomâmis, ele teve
atuações importantes em termos internacionais, porque o Lutzenberger fez uma
série de filmes e documentários que duraram dez anos, chamado “A década da
destruição”, conheceu e trabalhou com Chico Mendes. O Lutz tinha um perfil
que não se encaixava com o estilo burocrata; então eu acredito que ele não tinha
os traços que o se enquadravam com o exercício de uma função pública,
burocrática e autoritária. Nessa época eu era presidente da AGAPAN, e sofri uma
pressão muito grande de várias pessoas da própria entidade, que tinham uma
visão muito crítica em relação ao fato do Lutzenberger ter assumido um papel
governamental na época do Collor. Eu defendi a participação do Lutzenberger no
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governo Collor para várias pessoas; muita gente não sabe a barra que foi a defesa
do Lutz, às vezes na mais completa solidão e desacordo com várias pessoas que
estavam comigo.
IV. Lutzenberger e a luta contra os agrotóxicos.
a. Como você descreveria a posição de Lutzenberger em relação à “revolução
verde”?
R.: Inclusive o Norman Bourlaug, que foi prêmio Nobel, o Lutzenberger o
atacou pela imprensa desqualificando-o completamente. Eu acho que se existe
alguma luta, uma campanha que se deve especificamente ao Lutzenberger, que já
serviria para consagrá-lo definitivamente, foi a questão da agricultura. Porque o
Lutzenberger foi o primeiro a levantar a bandeira contra essa agricultura que está
ai, inclusive a própria forma como ele abordou esse problema foi paradigmática
até hoje. O texto dele “Insensatez da agroquímica”, onde ele coloca uma
perspectiva crítica da agricultura. Um dos temas mais recorrentes das nossas
conversas era que a questão ambiental era um problema de tal amplitude, que nos
obrigaria a repensar completamente todo o processo da civilização, e um aspecto
que está vinculado a isso, é algo que ele falava e ficou ecoando na minha cabeça:
a invenção da agricultura foi um passo que talvez tenha sido fatal. O modo de
agricultura que se institucionalizou em larga escala como na Mesopotâmia ou no
Egito, que tinha todo a sua ordem social calcada em cima da administração com
base no sistema de irrigação. Essa agricultura que foi a base de todo o sistema
social, marcado pela divisão de classes. Até hoje, o tipo de reação que os
governos e o empresariado apresentam em relação à questão ecológica, e pautada
em uma visão muito superficial, pois o problema começa na urbanização que está
vinculado a utilização intensiva da agricultura. Então, sobre o problema
civilizatório o “buracocostuma ser mais embaixo do que em geral as pessoas
são capazes de perceber.
152
b. Como você analisa as contribuições de Lutzenbeger e da AGAPAN no
combate ao uso indiscriminado de agrotóxicos?
R.: Eu acho que toda a agroecologia talvez tenha sido o movimento mais
vitorioso que nós temos nessa luta iniciada pelo Lutzenberger. Então, eu vejo que
a agroecologia hoje, que tem trezentas mil famílias praticando uma agricultura
regenerativa com estrutura ecológica, isso é um fenômeno de uma magnitude
enorme, particularmente a partir dos ensinamentos do Lutzenberger e das outras
pessoas que vieram depois. Porque o Lutz como agrônomo, ele também teve uma
atuação muito grande e importante junto aos profissionais da agronomia, isso
também é um traço deixado pelo Lutz e pela sua formação profissional mesmo.
c. Em sua opinião, qual a importância da Lei 7.747/82, que regulamenta o
controle da utilização dos agrotóxicos no Rio Grande do Sul?
R.: Essa é uma das razões, por exemplo, que em uma avaliação que fizemos na
época e que eu acho que continua até hoje em pleno vigor, que nós encaminhos
isso na Assembléia Legislativa através de um projeto de lei que foi aprovado na
época do governo Geisel, sendo considerado até inconstitucional por alguns
juristas, mas que basicamente dizia o seguinte: nós aqui no Rio Grande do Sul
não queremos centrais nucleares sem que se realize um plebiscito popular que
aprove a instalação de centrais nucleares, isso foi votado na Câmara. A lei dos
agrotóxicos também, que foi o deputado Antenor Ferrari que fez uma carreira
vinculada à questão ambiental, chegou a ser secretário da saúde e presidente da
Fundação Estadual de Proteção Ambiental FEPAM, ele era uma pessoa muito
ligada a AGAPAN e levou essa luta adiante. Então, a lei dos agrotóxicos
certamente ela aconteceu devido a uma atuação do movimento ecológico e
particularmente da AGAPAN, que naquela época era a entidade que praticamente
existia quase que sozinha aqui em Porto Alegre. Outro aspecto interessante, é que
quando foi promulgada a lei dos agrotóxicos imediatamente as câmaras de
deputados de vários estados (mais ou menos de uns nove estados), em questão de
poucas semanas tinham também baixado leis sobre esse assunto. Hoje nós
vemos o seguinte, que todas as exigências relativas à questão dos agrotóxicos,
153
dos receituários agronômicos, etc., hoje eles perderam muito sua eficácia porque
a burocracia e sistemática da liberação se revelaram muito ineficaz, porque não
adianta fazer leis se não o existe o sentido de cumprimento da lei, s somos um
país que tem uma legislação extremamente bem feita e abrangente na parte
ambiental, mas nós o temos uma cultura política de cumprimento à lei, tanto
que nós estamos vivendo uma situação de retrocesso nas conquistas que foram
feitas pelo movimento ecológico na dimensão legal.
V. O legado de Lutzenberger.
a. Como você descreveria a importância de Lutzenberger para a Fundação Gaia?
R.: Eu acho que a Fundação Gaia foi à realização de um sonho que o Lutz
acalantou e foi também uma decorrência de um conjunto de questões que
entraram na vida dele. A Fundação Gaia é uma realização importante do
Lutzenberger até no sentido de estar vinculado também à questão da sua própria
sobrevivência econômica, porque de alguma maneira a Fundação Gaia foi uma
forma para ele conseguir profissionalizar o trabalho dele como ambientalista e
como educador.
b. Quais são as propostas de Educação Ambiental, desenvolvidas por
Lutzenberger, para a Fundação Gaia?
R.: O Lutzenberger foi uma pessoa que sempre teve uma visão pedagógica da
questão ambiental e também ele enxergava alguns problemas ecológicos em uma
perspectiva educacional, por exemplo, na primeira vitória do Lutz e da AGAPAN
em Porto Alegre com a primeira legislação ambiental proibindo a poda de
árvores. Agora, a questão da poda de árvores tinha um alcance educacional muito
grande, porque à medida que proibia essa prática que era generalizada não em
Porto Alegre, mas em todo o Rio Grande do Sul, essa ação teve um alcance
pedagógico muito grande porque as pessoas começaram a se dar conta, porque se
fosse realmente necessário fazer a poda, as árvores deveriam já nascer com
serrotes. O Lutzenberger tinha essa visão de dimensões estratégicas do
154
movimento, e tinha um “pé” nessa questão pedagógica e educacional. A própria
Fundação Gaia foi concebida nessa ideia de ser um centro de educação e de
pesquisa.
c. Como você analisa a importância do legado de Lutzenberger para as práticas
ambientais atuais?
R.: Às vezes nós da AGAPAN nos sentimos mais fiéis ao legado do
Lutzenberger do que a própria Fundação Gaia, porque nós achamos que a
Fundação Gaia às vezes uns passos na direção de ser usada pelo setor que
pretende fazer reflorestamento no Rio Grande do Sul. Eu tive a oportunidade de
assistir um encontro que foi realizado no Plaza São Rafael, organizado pelas
grandes madeireiras do Rio Grande do Sul, onde colocaram as filhas do
Lutzenberger a tia Vasconcelos no sentido de serem usadas. A AGAPAN
nunca entrou nessa, pois nunca aceitamos financiamento de ninguém. Nós somos
uma entidade pobre, com um nome e um currículo invejável até hoje, mas nós
somos uma entidade que não aceita patrocínio de poluidor de forma alguma por
princípio. Nesse sentido, nós temos uma posição mais radical e de certa forma
mais coerente com o Lutz.
155
Entrevista nº: 04. Data: 08/3/2010
I. Dados do Entrevistado.
a. Nome completo: Jesus Manuel Delgado Mendez.
b. Profissão: Engenheiro agrônomo, atualmente professor Adjunto da
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB.
c. Telefone / e-mail: (014) 3223-9780; (075) 9120-4262 – Jesusd@uol.com.br.
II. Sobre a pessoa de José Antonio Lutzenberger.
a. Você conheceu pessoalmente José Antonio Lutzenberger?
R.: Sim. Foi em maio de 1973.
b. De que forma ocorreu a sua experiência pessoal com José Antonio
Lutzenberger?
R.: Ele era um dos palestrantes num Curso de Ecologia, dentro dos programas de
extensão curricular da Universidade Federal de Santa Maria, RS. Sua atitude
humana durante a palestra e sua forma categórica de enfrentar os problemas
ambientais, fez lhe perguntar como eu poderia iniciar
um trabalho como o dele na
Venezuela, meu país de origem. Ao saber que eu era venezuelano e sabendo que
ele tinha vivido oito anos da sua vida na Venezuela, me convidou para que o
visitasse na sua casa na Jacinto Gomes, 39, em Porto Alegre. Esse foi o começo
de uma longa relação de amizade, admiração e lealdade que mudou minha vida e
conduz ainda meu andar pela vida. Meu primeiro encontro foi em julho desse
mesmo ano de 1973 e a imagem mais marcante desse dia foi o seu choro, com a
Larinha de quatro anos no seu colo, me dizendo que tudo o que lhe preocupava
era o mundo que ela herdaria. Ao saber da minha idade, 21 anos, invejou a
possibilidade de ele querer voltar aos 21 para mudar a sua vida.
c. Como você descreveria a pessoa de José Antonio Lutzenberger?
156
R.: Um homem que dentro do seu idealismo era um turbilhão de boas ideias para
a humanidade. Incapaz de fazer mal alguém propositadamente, ele era um leão
que defendia o futuro de todos nós, se expondo ao sacrifício pessoal e de sua
família em nome da sociedade, se economizar energia ou palavras dilacerantes
para todo e qualquer homem ou instituição que ferisse os princípios que ele
defendia. Era um eterno insatisfeito, inquieto intelectualmente, bem informado,
culto e mais do que tudo, puro! Autêntico, quixotesco, daqueles que a
humanidade necessita para defender as causas perdidas e dizer ao mundo que
desperte, pois o amanhã poderá ser melhor. Incompreendido, frustrado e fácil de
enganar. Apunhalado pelas costas durante a sua passagem por Brasília.
Descartado pela ingrata memória dos brasileiros. Enaltecido por todos aqueles
que conviveram com ele o suficiente para entender as suas ansiedades. Um
Mestre. Meu espelho de decisão, força, honestidade e romantismo. Um
enamorado da Vida.
d. Segundo o seu ponto de vista, como era o relacionamento de Lutzenberger
com a família e os amigos?
R.: Sabemos que era pai carinhoso e exemplo de vida para as filhas. Suas
atividades e ativismo político ambiental era motivado por elas, inspiração
permanente nos seus pensamentos e palestras. O problema era a sua ausência
prolongada e o desprezo na preocupação de aumentar a sua renda familiar, o que
trazia discussões com a esposa. Lutz era um drogadicto da causa e não negava
convites. Era conhecido em todo o país e no exterior, o que o levava fora do lar
em longas jornadas. Sua ausência era sentida, imagino. Muito parecido com
todos aqueles que nos apaixonamos por “causas perdidas”.
e. O que Lutzenberger mais gostava de fazer nas horas de folga?
R.: Folga? Acredito que não era fácil ele diferenciar o que era folga do que era
trabalho, pois adorava o que fazia. Ler era necessário para quem conhecia com
facilidade sete línguas. Seus jardins em miniatura, os mesmos que me inspirariam
anos mais tarde com meus cactos e suculentas, ocupavam seu tempo de folga.
157
Imagino que isso mudou muito quando se cria o Canto Gaia, em Pântano Grande,
RS, onde teria oportunidade de ampliar seu prazer de observação e fuçar. O
tempo e ele eram aliados, pois seu temperamento inquieto de formiga e sua
noção de curto tempo para salvar o planeta lhe impediam não fazer nada. Tempo
livre não é a expressão correta para o que a pergunta quer saber.
III. A obra e o trabalho desenvolvido por Lutzenberger.
a. Quais são as produções literárias de Lutzenberger que você considera mais
importantes?
R.: Ética para a Sobrevivência e o Fim do Futuro, obra que eu mesmo ajudei a
revisar antes da sua publicação, primeiro em papel jornal, e depois em forma de
livro. Ainda pude acompanhar a tradução desse livro ao espanhol, feita por nosso
comum amigo Arturo Eichler, também da Venezuela.
b. Em sua opinião, quais foram os aspectos mais importantes do trabalho e das
ações de Lutzenberger em relação à preservação ambiental?
R.: Ele alertou a todos num momento em que o país se encontrara em uma das
épocas mais tenebrosas do Brasil. Milhares de jovens foram motivados a estudar
Ecologia e anos depois posicionar-se em todas as profissões sobre a
“terraplanagem cultural” a qual estávamos sendo submetidos. Ele foi o porta voz
dos ambientalistas e estudiosos do mundo que pesquisavam e escreviam sobre o
desastre ambiental mundial que se avizinhara. Falar de ambientalismo hoje
parece comum, mas quando se é pioneiro com todos os fatores contrários a você
(sem o respaldo econômico, sem se esconder atas de cargos públicos e
academicismo barato, ser um exemplo e contribuir transforma-se em trabalho
hercúleo. Hoje, pode se dizer que ele é o promotor no Brasil da Agro-ecologia,
defensor exíguo da agricultura familiar e da tecnologia suave (soft), ou
tecnologia intermediária. Ele foi o porta voz no país das preocupações
internacionais e ao mesmo tempo o auto-falante da voz escondida de um país
mergulhado num modelo econômico míope ou cego. Seu melhor trabalho foi ter
158
resistido sem quebrar seus princípios. Seu maior erro: ter acreditado que perto
das zonas de poder poderia mudar as coisas. Como o Alquimista de Coelho, ele
provou que a mudança está dentro de cada um e o apenas no próximo ao
poder. Como todo artista, ingênuo e genial na sua obra.
c. O que Lutzenberger pensava em relação ao crescimento industrial, à
sociedade e à preservação ambiental?
R.: Sobre o crescimento, seja no lugar que fosse, ele sabia que os sistemas, para
serem funcionais, não necessitam crescer ilimitadamente. Portanto, o crescimento
pretendido reinante no sistema da época e até hoje procurado, não tem futuro no
discurso de Lutz. Não pode alimentar-se um sistema com pacotes de energia cada
vez mais crescentes. A Eficiência energética e as leis universais afins
entendem o equilíbrio. Era assim que Lutz questionava o crescimento industrial.
Em relação à Sociedade mostrava-se preocupado porque seria ela que pagaria a
conta por todo o desmando perseguido pelo primeiro, o crescimento industrial.
Alertava sempre em nome da Humanidade, da Sociedade, como se fosse um ente
compacto, concreto e com ouvidos. A preservação ambiental a defendia por
considerá-la essencial ao progresso. Passou boa parte da sua vida tentando
descontrair aos seus oponentes para eu entendessem que preservar os sistemas
naturais era equivalente a manter viva a fonte da riqueza, tão necessária ao
desenvolvimento social e econômico que tentaria alcançar o equilíbrio nos
próximos 50 ou 100 anos. Tentou sempre avisar que nossa criatividade era a que
estava em tela de juízo, pois seria ela a que encontraria caminhos para evitar
colapsos, falta de empregos, melhorar a distribuição de renda, sem que isso
significasse crescimento ilimitado das atividades econômicas.
d. Em sua opinião, quais foram as principais contribuições de Lutzenberger e da
AGAPAN para a causa ambiental nacional?
R.: Foi pioneiro da preocupação e das ações ambientais concretas, sem
maquiagem, sem propaganda. Foi a sua obra, em nome de uma ONG combativa,
que despertou milhares de pessoas para a coleta seletiva, o paisagismo urbano,
159
para o respeito aos corpos aquáticos, zonas úmidas e bosques de todo tipo ao
redor do país. Foi buscar no exterior a pressão que requeria nosso país continente
para reformular muita coisa em matéria de relacionamento com a natureza. Eu
diria também que sem ele saber, obrigou a todos os que o contradiziam na
academia, a pesquisar e a contestá-lo; os obrigou a sair do microscópio para ver o
mundo que os rodeava. Deu o estopim que a juventude necessitava para fazer da
causa ambiental uma nova causa para lutar, isso recém saído do movimento
social dos anos 1960 e 1970, algo perdido para os brasileiros sob governo militar.
Sobre a AGAPAN, enquanto ele formou parte ativa, mostrou o que era uma
ONG ambientalista e como pode-se influir no seu estado de nascimento. Sem
Lutz, AGAPAN passou a ser igual às demais, guardadas as devidas proporções e
pedindo desculpas aos seus dirigentes posteriores.
e. Você conseguiria identificar uma tendência ou posicionamento político nas
ações praticadas por Lutzenberger, ao longo de sua trajetória como
ambientalista?
R.: Nenhuma. Lutz atacava qualquer posição que fosse irracional em relação à
natureza. Entendia os partidos políticos como entidades que, independentemente
das suas bandeiras e convicções poderiam entender sua obrigação para as leis
naturais. Podemos dizer que sua vocação pela política não passava de querer que
os tomadores de confiança não fizessem barbaridades que ele tivesse que
combater depois, pois ele não teria “rabo preso”.
f. Qual a sua análise sobre o trabalho desenvolvido por Lutzenberger, durante
atuação como Secretário do Meio Ambiente do governo Collor?
R.: Não foi por falta de aviso. Ele aceitou esse cargo por acreditar que podia
contribuir visivelmente com a causa e, quem sabe, por confiança perante a
postura de um presidente eleito que insistiu em alimentar seu sonho de
embaixador da ecologia. Foi obviamente um erro. Mas como saber o desenlace
sem intentá-lo. Ele teria morrido por dentro se não pudesse descansar de pensar
que talvez tinha que ser esse o caminho para mudar o Brasil. Sua segurança
160
ficaria novamente em segundo plano. Seria seu último intento pelo país como um
todo. Eu cheguei a comentar com ele o estado de animo contra o Lutz Ministro
que imperava no IBAMA, na época que ele descobrira falcatruas entre
desmatadores e a própria instituição. Confesso que fiquei até magoado por ele
não ter me chamado para ajudá-lo nessa gigantesca tarefa. Mas eu acho que
ambos teríamos sido esmagados, cada um na sua devida proporção. Seu fracasso
é o fracasso de um Governo corrompido. Seus erros foram os de um servidor da
Pátria que doa sua alma por uma causa perdida. O Brasil perdeu.
g. Como você avalia a importância da obra de Lutzenberger para a causa
ambiental?
R.: Seu papel está disseminado em cada conceito, causa e luta ambiental deste
país. Não pode identificar-se onde está a obra dele, pois a sua energia foi
distribuída como as moléculas dos átomos de 4,5 bilhões de anos estão
distribuídos em todos nós, sem saber se são das pedras, dos corais ou dos
elefantes que jazem nas savanas africanas desde tempos passados. O mundo não
mudou aparentemente, mas o meu mudou e muito. E assim eu ajudei a mudar o
mundo de muitas pessoas. E se em cada uma das suas palestras alguém mudou,
pode ter certeza de que se espalhou como pólvora... E sabemos a função da
pólvora!
IV. Lutzenberger e a luta contra os agrotóxicos.
a. Como você descreveria a posição de Lutzenberger em relação à “revolução
verde”?
R.: Ele imediatamente detectou a sua falha. A revolução verde durou
aproximadamente dois anos na boca de todos os agrônomos como a panacéia da
guerra contra a fome. O Lutzenberger sabia que isso era ridículo então, ele
criticava as bases dessa revolução verde e foi quando ocorreu sua maior
inspiração para a promoção da agricultura biodinâmica. E o Lutz me estimulou a
fazer o mestrado nos EUA na área de biodinâmica. Mas para ele, a revolução
161
verde foi um fracasso desde o primeiro dia, mas ele se deu conta de que o mundo
favoreceria agricultores como esses míopes, depredadores e cheios de insumo,
porque era isso que o sistema queria naquela época. Até o Prêmio Nobel deram
para o Borlaug.
b. Como você analisa as contribuições de Lutzenbeger e da AGAPAN no
combate ao uso indiscriminado de agrotóxicos?
R.: Eu acho que foi um passo muito interessante, foi colocar a ordem na casa,
mas esse tipo de coisa é o que a economia odeia, pois a venda de rios produtos
foi afetada. O Lutz e a AGAPAN queria moralizar o uso, chamar a atenção para
essa questão, mas esse país continua consumindo agrotóxico, triplicou a
produção, acabou com ecossistema em nome da soja.
c. Em sua opinião, qual a importância da Lei 7.747/82, que regulamenta o
controle da utilização dos agrotóxicos no Rio Grande do Sul?
R.: Eu estava na Venezuela quando essa lei foi aprovada. Os próprios agrônomos
declararam, no rio Grande do Sul, Lutzenberger como agrônomo do ano, e a lei
passou a funcionar. Mas quando eu era estudante de agronomia em Santa Maria,
eu tinha inúmeras brigas com professores que defendiam o uso de pesticidas e
também discutia muito sobre isso com os meus colegas. Anos depois eu fiquei
muito satisfeito, todos os meus colegas me diziam que eu tinha razão sobre a
questão da utilização dos agrotóxicos. Não sei se essa lei chegou ao máximo
possível de eficiência, pois você sabe que o sistema tem seus meandros para
escapar, mas a importância dessa lei era evitar o uso indiscriminado, porque
qualquer “bobalhão” podia chegar em alguma loja e comprar uma arma química
para fazer o que ele bem entendesse.
V. O legado de Lutzenberger.
a. Como você descreveria a importância de Lutzenberger para a Fundação Gaia?
162
R.: Eu acho que o Lutzenberger ficou um pouco decepcionado com a forma que
as ONGs estavam funcionando, e a AGAPAN chegou a um momento que ela
também perdeu o seu rumo, ao perder um pouco da presença do seu líder, como
todas as instituições que estão centralizadas na pessoa, elas passam por esse tipo
de situação. Então, quando a AGAPAN não completa a organização do
pensamento do Lutz, e ele ávido por criar coisas. Ele queria paz, criando uma
organização onde ele pudesse ver as coisas do lado positivo, e canalizar todos os
recursos que poderiam vir do exterior, para fazer coisas simpáticas a ele,
inclusive se dedicar um pouco mais a agricultura biodinâmica. Então, o Rincão
Gaia nasce talvez para ele voltar a nascer, e aquela experiência em Brasília foi
tão frustrante, que a Fundação Gaia foi à melhor ilha para ele poder desembarcar.
b. Quais são as propostas de Educação Ambiental, desenvolvidas por
Lutzenberger, para a Fundação Gaia?
R.: Eu não conheço a ações de educação ambiental da Fundação, apenas um
pouco superficialmente, através dos relatos da Lara.
c. Como você analisa a importância do legado de Lutzenberger para as práticas
ambientais atuais?
R.: O desenvolvimento da consciência ambiental deve-se a vários personagens
da nossa história, principalmente Jose Antonio Lutzenberger. A base do seu
discurso ambiental era o amor pela vida, a agroecologia foi sua linha de ação,
mas ele influenciou o pensamento e a vida de inúmeras pessoas, inclusive a
minha. Ele conseguiu reconhecimento internacional e no meio ambiental, mas o
meio acadêmico precisa fazer as suas idéias que foram extremamente pioneiras e
marcantes.
163
Entrevista nº 05. Data: 16/3/2010
I. Dados do Entrevistado.
a. Nome completo: Washington Novaes.
b. Profissão: Jornalista e diretor de biodiversidade da TV Cultura.
c. Telefone / e-mail: (62) 3205-1104 – wlrnovaes@uol.com.br.
II. Sobre a pessoa de José Antonio Lutzenberger.
a. Você conheceu pessoalmente José Antonio Lutzenberger?
R.: Sim, ainda na década de 1970.
b. De que forma ocorreu a sua experiência pessoal com José Antonio
Lutzenberger?
R.: Foi quando ele deixou aquele trabalho o trabalho que fazia em empresa
multinacional que vendiam defensivos químicos (agrotóxicos), se convencendo
que aquele era um mau caminho e abandonou aquilo e começou a fazer uma
pregação aqui no Brasil e em outros lugares. E ele tinha muita facilidade para
isso, inclusive ele falava muito bem o alemão, falava inglês e ele começou a
164
fazer muitas conferências no mundo. Mas, em 1991/1992 eu fui secretário do
meio ambiente e tecnologia do Distrito Federal, então eu passei a conviver um
pouco com ele, enquanto o Lutzemberger ocupava a secretaria federal, e
discutíamos algumas coisas, ele ajudou na questão do lixo no Distrito Federal. E
ele tinha algumas teses, como por exemplo, que não se deveria cortar a vegetação
(o capim) nas áreas preservadas do Distrito Federal, pois segundo ele interrompia
o ciclo de vida, e eu achava se não houvesse o corte poderia haver uma
proliferação de ratos que afetaria a população. Nós também convivemos um
pouco nas discussões da proposta brasileira da Agenda 21, que foi discutida na
Rio 92, então foi um momento de bastante convívio e troca de ideias. E eu
convivi um pouquinho com ele logo depois da sua saída da secretaria nacional do
meio ambiente, ficamos um pouco mais distantes, pois ele estava no Rio Grande
do Sul.
c. Como você descreveria a pessoa de José Antonio Lutzenberger?
R.: Eu creio que em primeiro lugar, ele era uma pessoa muito honesta e
consequente com o pensamento dele. Levava para a prática o que ele pensava
você pode ver isso desde a questão de ter deixado uma carreira brilhante de
executivo em uma empresa multinacional nessa área de insumos químicos, no
momento que ele se convenceu que aquilo o era um bom caminho em termos
ambientais, e assim ele renunciou essa carreira e foi atrás da suas questões. Ele
era uma pessoa muito consequente, e, isso inclusive acabou custando à carreira
na área política.
III. A obra e o trabalho desenvolvido por Lutzenberger.
a. Quais são as produções literárias de Lutzenberger que você considera mais
importantes?
R.: Eu acho que o pensamento todo dele, de ter sido um pioneiro nas questões
ambientais no Brasil, porque meio ambiente não é uma questão isolada, pois está
em tudo que o ser humano faz e tem repercussões em todas as áreas. O que o
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Lutzenberger fez foi avaliar essas repercussões e tomar decisões a partir daí, seja
na questão energética, da agricultura, industrial, na repercussão que existe em
torno dos recursos naturais e hídricos. Isso foi uma visão pioneira e muito
importante que está na obra dele.
b. Em sua opinião, quais foram os aspectos mais importantes do trabalho e das
ações de Lutzenberger em relação à preservação ambiental?
R.: Eu acho que realmente é essa visão que se convencionou chamar de holística,
porque o meio ambiente está em tudo, não é uma questão isolada. Ele trabalhou
nessa direção, seja no governo, nas suas atividades pessoais ou profissionais, ele
tentou colocar essa visão e também no diagnóstico preliminar brasileiro que foi
feito para a Eco 92, influenciando a atuação brasileira nessa conferência, seja na
convenção do clima e da biodiversidade e da Agenda 21 global.
c. O que Lutzenberger pensava em relação ao crescimento industrial, à
sociedade e à preservação ambiental?
R.: Alguns setores da sociedade se revoltaram diante da visão mais abrangente
dele de que é preciso, em cada empreendimento você avaliar as repercussões e os
custos e atribuir os custos a quem o gera, e não para a sociedade toda. Ele, como
todos os pioneiros, sofreu por causa disso, sendo muito combatido, inclusive;
mas ele nunca atacou o desenvolvimento.
d. Em sua opinião, quais foram as principais contribuições de Lutzenberger e da
AGAPAN para a causa ambiental nacional?
R.: A AGAPAN teve um papel muito importante; na época da sua criação, ela
saiu na frente dos outros estados, e isso se deve exatamente pela visão do
Lutzenberger que teve uma influência profunda no Rio Grande do Sul.
e. Você conseguiria identificar uma tendência ou posicionamento político nas
ações praticadas por Lutzenberger, ao longo de sua trajetória como
ambientalista?
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R.: O Lutzenberger nunca foi partidário, ele sempre foi um homem muito
político, com uma atuação política muito forte, mas sem nenhum viés partidário.
Ele fazia as coisas de acordo com o pensamento dele, com a visão política maior
que ele tinha, mas não com uma visão partidária.
f. Qual a sua análise sobre o trabalho desenvolvido por Lutzenberger, durante
atuação como Secretário do Meio Ambiente do governo Collor?
R.: Uma grande questão que apareceu nesse período foi a briga dele para acabar
com os incentivos fiscais para o desmatamento na Amazônia, porque as empresas
recebiam, podendo descontar dos seus impostos os gatos para comprar terras na
Amazônia, desmatar e fazer ali principalmente criação de gado, isso custou uma
briga muito séria do Lutzenberger que acabaria resultando, alguns anos depois,
na própria saída dele do governo. Eu me lembro que uma vez ele me contou que
depois de ter conseguido cancelar os incentivos fiscais para o desmatamento na
Amazônia, como se continuava desmatando muito ilegalmente, ele então, baixou
uma portaria proibindo o IBAMA de realizar o transporte de madeira, e isso
provocou um grande problema para os desmatadores que começaram a se fazer
um barulho enorme, e ele em seguida de assinar essa resolução foi para
Alemanha e os EUA fazer conferências. Em uma das conferências feitas em
Nova Iorque, foi contado a ele sobre essas questões do desmatamento, e alguém
perguntou para o Lutzenberger se essa situação poderia prejudicar as relações do
Brasil com os organismos internacionais ou com o Banco Mundial que tinha
projetos na Amazônia, ou poderia suspender a remessa de dinheiro que vinha
para o país. E ele falou: isso é muito bom, porque é menos dinheiro para a
corrupção na Amazônia e no IBAMA. E quando ele voltou, encontrou um
tumulto aqui, pois alguém gravou o seu discurso e os funcionários do IBAMA
estavam indignados, achando que ele tinha generalizado essa questão da
corrupção. E esse fato deu origem a uma série de problemas maiores, o próprio
ministro da casa civil Jorge Bornhausen, grande defensor das madeireiras, disse
que ele se demitiria caso o Lutzenberger permanecesse no governo.
167
g. Como você avalia a importância da obra de Lutzenberger, para a causa
ambiental?
R.: Eu acho que até hoje ele é atualíssimo. Se as pessoas lerem o pensamento do
Lutzenberger e as coisas que estão sendo publicadas, as visões que dele tinha
sobre a economia, a razão tecnológica, da incorporação de todos os fatores e
cálculos que se fazem na economia, isso é atualíssimo, não perdeu nada para a
atualidade, é uma pessoa que continua cujo pensamento é muito forte ainda hoje.
IV. Lutzenberger e a luta contra os agrotóxicos.
a. Como você descreveria a posição de Lutzenberger em relação à “revolução
verde”?
R.: Ele sempre encarou essa questão da “revolução verde”, no sentido de se
encontrar modos de viver, produzir e consumir compatíveis com as
possibilidades do nosso planeta, esse era o centro do pensamento dele que está
até hoje.
b. Como você analisa as contribuições de Lutzenbeger e da AGAPAN no
combate ao uso indiscriminado de agrotóxicos?
R.: Nessa questão eu também acho que o Lutz foi um pioneiro, pois na época que
esse tema não estava na pauta brasileira, ele veio com toda a informação que
trazia da passagem dele como diretor de uma empresa que comercializava
agrotóxicos. Então, ele tinha forte todas as informações sobre as consequências
do uso desmedido dos agrotóxicos na produção e na comercialização, e que havia
caminhos alternativos. Essa é outra discussão atual e que está sem solução, e
mais uma vez o pensamento dele continua atualíssimo.
c. Em sua opinião, qual a importância da Lei 7.747/82, que regulamenta o
controle da utilização dos agrotóxicos no Rio Grande do Sul?
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R.: Eu não tenho um conhecimento muito profundo sobre essa lei, mas foi
exatamente por influência dele e é um avanço que foi feito na época, mas eu não
tenho muito presente os termos dessa lei.
IV. O legado de Lutzenberger.
a. Como você descreveria a importância de Lutzenberger para a Fundação Gaia?
R.: O legado do Lutzenberger que se concretiza na Fundação Gaia, primeiro é
um legado de competência, segundo é a competência baseada na informação não
em um discurso vago. Quer dizer, o Lutzenberger era um homem muito
informado; baseava todas as suas discussões na informação. O terceiro ângulo
desse legado, eu creio que é o de coragem um homem que teve a coragem de
mudar completamente a sua vida, abandonando uma carreira onde poderia ter
ficado muito rico.
b. Quais são as propostas de Educação Ambiental desenvolvidas por
Lutzenberger para a Fundação Gaia?
R.: Bom, a educação ambiental é uma educação decisiva, e quanto mais o tempo
passa, mais você vai vendo que essa educação ambiental tem que permear todas
as áreas. Não para se fazer de conta, que o meio ambiente é uma coisa isolada
da economia, da política, das questões culturais e sociais. Não; meio ambiente
está na base de tudo. Então, se você não tiver uma educação ambiental
competente, as pessoas vão crescer e seguir pela vida, atuando como se isso fosse
uma verdade, que meio ambiente é uma coisa à parte. A educação tem que estar
no centro e no princípio de tudo, e isso pode ser considerado mais um legado do
Lutzenberger e da Fundação Gaia, essa visão sobre a educação ambiental.
c. Como você analisa a importância do legado de Lutzenberger para as práticas
ambientais atuais?
R.: É um homem que manteve essa coerência, além da coragem, em tudo que fez
ao preço que tiver. Eu acho que ele era um homem exemplar, um homem a frente
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do seu tempo. Ele trabalhou todas essas questões no Brasil, muito antes delas se
tornarem mais conhecidas e discutidas. Então, o Lutzenberger é uma figura
exemplar nessa história do Brasil.
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