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do que o ser consciente; e o ser dos homens é o seu processo de vida real. E,
se, em toda a ideologia, os homens aparecem de cabeça para baixo como em
uma câmera escura, esse fenômeno decorre de seu processo de vida
histórico, exatamente como a inversão dos objetos na retina decorre de seu
processo de vida diretamente físico.
Ao contrário da filosofia alemã, que desce do céu para a terra, aqui é da terra
que se sobe ao céu. Em outras palavras, não partimos do que os homens
dizem, imaginam ou representam, tampouco do que eles são nas palavras, no
pensamento, na imaginação e na representação dos outros, para depois se
chegar aos homens de carne e osso; mas partimos dos homens em sua
atividade real, é a partir de seu processo de vida real que representamos
também o desenvolvimento dos reflexos das repercussões ideológicas desse
processo vital. E mesmo as fantasmagorias existentes no cérebro humanos
são sublimações resultantes necessariamente do processo de sua vida
material, que podemos constatar empiricamente e que repousa em bases
materiais. Assim, a moral, a religião, a metafísica e todo o restante da
ideologia, bem como as formas de consciência a elas correspondentes,
perdem logo toda a aparência de autonomia. Não têm história, não têm
desenvolvimento; ao contrário, são os homens que, desenvolvendo sua
produção material e suas relações materiais, transformam, com a realidade
que lhe é própria, seu pensamento e também os produtos de seu pensamento.
Não é a Consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a
consciência.
A Ideologia Alemã representa a revolução filosófica do marxismo, pois demonstra que a idéia
parte da história – contrariamente ao idealismo, que via o primado da idéia sobre a história. A
consciência é um produto social, ela também é condicionada pelo “ser”, pela existência
material do homem. Assim, do ponto de vista do materialismo histórico, há o primado do
ser
. Neste sentido, Bottigelli diz que:
A consciência está estreitamente ligada ao ser, nas condições materiais em
que o homem vive e que modifica com a sua ação. O seu conteúdo vai-se
transformando à medida que o sistema de relações (de produção material,
sociais, etc.) e a natureza das necessidades do homem se transformam. A um
certo nível de desenvolvimento produz-se então a divisão entre o trabalho
material e o intelectual, que consagra a própria divisão do trabalho.
Assim, a concepção de que a filosofia trafega no plano da “pura idealidade”, que
supostamente não teria qualquer relação com a história, com as relações sociais entre as
classes sociais, é a mais pura expressão da divisão do trabalho material e do trabalho
intelectual. A aparência de autonomia do trabalho intelectual é genuína expressão da divisão
do trabalho, e esta, por sua vez, é a mais cabal manifestação da sociedade dividida em classes.
Daí “os intelectuais, a quem coube o papel de produtores no domínio do pensamento podem,
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 18-20
BOTTIGELLI, Émile. A gênese do socialismo científico... p. 176-7
Idem, p. 176-7