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suas categorias derivam-se principalmente do estudo de Kant. Insatisfeito com as
categorias aristotélicas, por considerá-las mais lingüísticas do que lógicas, e entendendo
que as categorias kantianas são extraídas da análise lógica da proposição – o que, de certa
maneira, também pode se aplicar a Hegel –, sendo, assim, materiais e particulares e não
formais e universais, Peirce passa a dedicar-se a “dar à luz as categorias mais universais de
todas as experiências possíveis” (Santaella, 2005:6). Como único pressuposto e ‘unidade
experienciável’, considerou o fenômeno (phaneron), isto é, tudo aquilo que aparece à
mente.
“Tento uma análise do que aparece no mundo. Aquilo com o qual estamos
lidando não é metafísica, é lógica, apenas. Portanto, não perguntamos o que
realmente existe, apenas o que aparece a nós em todos os momentos de nossas vidas.
Analiso a experiência, que é a resultante cognitiva de nossas vidas passadas, e nela
encontro três elementos. Denomino-as Categorias. (...) Lembre-se, apenas, mais uma
vez e de uma vez por todas, que não pretendemos significar qual seja a natureza
secreta do fato mas, simplesmente, aquilo que pensamos que ela é. Algum fato
existe.” (CP 2.84).
Há pelo menos dois artigos historicamente significativos referentes às categorias. O
primeiro foi escrito em 1867, quando Peirce contava seus 28 anos. O artigo, chamado ‘Por
uma nova lista de Categorias’, foi resultado de dois anos de estudo intenso. Desconfiado da
insistência da tríade, Peirce labutou sobre elas durante quase treze anos, até escrever um
novo e mais completo artigo, intitulado ‘Um, Dois, Três: Categorias fundamentais do
pensamento e da natureza’. A partir daí, Peirce dedicaria mais trinta anos a comprovações
empíricas sobre as categorias (ou modo pelas quais às coisas apresentam-se à consciência,
como Ge-Stell
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), em vários ramos do conhecimento. Por fim, Peirce formalizaria uma
terminologia para elas: Primeiridade, Secundidade, Terceiridade.
A primeira está aliada às idéias de acaso, indeterminação, frescor, originalidade,
possibilidade, espontaneidade, potencialidade, qualidade, ‘presente’, imediato, mônada;
a segunda, à idéia de força bruta, ação-reação, conflito, ‘passado’, esforço, resistência,
díada; e é a terceira categoria fenomenológica que irá corresponder plenamente à
definição de signo genuíno como processo relacional a três termos, que implica mediação e
processo, crescimento contínuo (Santaella, 2005:8). As categorias não são estanques ou
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Utilizo a expressão alemã Stell, Ge-stell, segundo o seu sentido heideggeriano e a partir dos desdobramentos
de Lacoue-Labarthe (2000:63-68). A expressão é de difícil tradução, mas a podemos entender principalmente
como radical de palavras ligadas à ‘instalação’ (Darstellung, apresentação, exposição; Vorstellung,
Representação; Gestalt, Idéia; Herstellen, produção, instalação; Aufstellen, ereção). Ge-stell costuma ser
traduzida como ‘armação’, nos textos de Heidegger sobre a técnica (1997, 2001), mas, como diz Lacoue-
Labarthe, a questão não é saber como traduzir Ge-stell, e sim saber como ela funciona e para que serve
(2000:64). Heidegger a relaciona a uma estátua (ou estela) erigida num templo, que, no sentido da Poiésis,
“deixa aparecer no desvelamento o que está presente” (1997:67). Lacoue-Labarthe a relaciona fortemente à
figura, à Gestalt, mas, igualmente, ao que ‘está de pé’, ‘stands’, ao ereto, estável, estático (:72, 73). Ao erigir-se
(stell), o signo instala-se e produz (herstell) desvelamento, ao mesmo tempo possibilita dissimulação (verstell) e,
sobretudo, apresenta-se (darstell), muito mais do que representa (vorstell).