Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS
FLORESTA, AGRICULTURA E CIDADE:
TRANSFORMAÇÕES AMBIENTAIS E SOCIAIS NA ILHA DE SANTA CATARINA NO
SÉCULO XIX.
SUSANA CESCO
2009
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
Susana Cesco
Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em
História Social, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Doutora em História Social.
Orientador: Prof. Dr. José Augusto Pádua
Rio de Janeiro
2009
FLORESTA, AGRICULTURA E CIDADE:
TRANSFORMAÇÕES AMBIENTAIS E SOCIAIS NA
ILHA DE SANTA CATARINA NO SÉCULO XIX.
ads:
3
FLORESTA, AGRICULTURA E CIDADE:
TRANSFORMAÇÕES AMBIENTAIS E SOCIAIS NA ILHA DE SANTA CATARINA NO
SÉCULO XIX.
Susana Cesco
Orientador: Prof. Dr. José Augusto Pádua
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em História Social, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro - IFCS/UFRJ, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Doutora em História Social.
Aprovada por:
Presidente: Prof. Dr. José Augusto Pádua - UFRJ
Profª. Dra. Fania Fridman - UFRJ
Prof. Dr. Marcos Bretas da Fonseca - UFRJ
Profª. Dra. Eunice Sueli Nodari - UFSC
Prof. Dr. Rogério Ribeiro de Oliveira - PUC/RJ
Suplente: Profª. Dra. Maria Beatriz de Mello e Souza - UFRJ
Suplente: Profª Dra. María Verónica Secreto de Ferreras - UFF
Rio de Janeiro
2009
4
Cesco, Susana.
Floresta, Agricultura e Cidade: Transformações ambientais e sociais na
Ilha de Santa Catarina no século XIX / Susana Cesco - Rio de Janeiro:
UFRJ/PPGHIS-IFCS, 2009.
xvii, 258f.: il.; 31cm.
Orientador: José Augusto Pádua
Tese (Doutorado) - UFRJ/IFCS/Programa de Pós-graduação em
História Social, 2009.
Referências Bibliográficas: f. 236 -258.
1. História Ambiental. 2. Agricultura e desenvolvimento urbano. I.
Pádua, José Augusto. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto
de Filosofia e Ciências Sociais. III. Floresta, Agricultura e Cidade:
Transformações ambientais e sociais na Ilha de Santa Catarina no século
XIX.
5
FLORESTA, AGRICULTURA E CIDADE:
TRANSFORMAÇÕES AMBIENTAIS E SOCIAIS NA ILHA DE SANTA CATARINA NO
SÉCULO XIX.
Susana Cesco
Orientador: Prof. Dr. José Augusto Pádua
Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em História
Social, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - IFCS/UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Doutora em História Social.
O século XIX marcou um processo de intensas transformações na Ilha de Santa
Catarina, onde se localizava a cidade de Nossa Senhora do Desterro, capital de Santa Catarina, ao
sul do Brasil. Momento de reconhecimento das potencialidades econômicas e ambientais locais,
de ocupação e consolidação da colonização européia iniciada meio século antes, é nesse período
que a população da Ilha redesenha seus espaços sociais e culturais e também impõe um novo
ritmo nas transformações ambientais.
A partir daí ocorre uma redefinição nos “usos” dados à floresta, ao mar e à terra da Ilha.
O que até então era uma vila distante, passa a ser um ponto estratégico na ocupação das fronteiras
do Brasil. Esse território insular, com fronteiras naturais definidas, tem no século XIX intensas
mudanças que vão da derrubada da floresta para uso local, passando por um crescimento agrícola
significativo com exportação de excedentes para outras regiões do Brasil, ponto mais importante
para uso da Real Armada portuguesa, a um grande crescimento urbano.
Fazendo uso de um amplo acervo documental do período em questão, buscou-se analisar
esse processo de transformação da Ilha de Santa Catarina dando ênfase a três aspectos
6
considerados basilares da questão ambiental local: A floresta, a agricultura e o crescimento
urbano. Esse trabalho de análise das transformações da natureza e de suas influências na vida de
uma sociedade em um espaço em constante transformação permite uma leitura de novos ângulos
da história local, considerando a questão ambiental como elemento essencial.
Palavras-chave: transformação ambiental, insularidade e crescimento urbano.
Rio de Janeiro
2009
7
FOREST, AGRICULTURE AND CITY:
AMBIENT AND SOCIAL TRANSFORMATIONS IN THE ISLAND OF SANTA CATARINA
IN CENTURY XIX.
Susana Cesco
Orientador: Prof. Dr. José Augusto Pádua
Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de s-graduação em História
Social, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - IFCS/UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Doutora em História Social.
The nineteenth century marked a process of intensive changes in the Saint Catharine’s
island, where it was located the city of Nossa Senhora do Desterro, the capital of Santa Catarina,
in southern Brazil. Period of recognition of the economic and environmental potentialities sites,
the occupation and consolidation of European colonization started a half century before, it is also
in this period that the island’s population redesigns their social and cultural spaces and imposed a
new rhythm in environmental changes.
From this moment a shift occurs in the "usage" given to the forest, to the sea and to the
land of the island. What was so far just a distant village, started to become a strategic point in the
occupation of Brazil’s border. This island territory, which has a defined natural’s boundaries, had
in the nineteenth century severe changes ranging from felling of forests for local use and, more
importantly, for the Portuguese Royal Navy use, a significant agricultural growth with surpluses
exportation to others Brazil’s regions and a large urban growth.
Using a great deal of documents from the period at issue, sought to examine this
transformation process of Saint Catharine’s island emphasing three basal points about the local
8
environmental issue: The forest, the agriculture and the urban growth. This analytic work of the
changes in the nature and of their influences on the life of a society in a space in constant
transformation allows a reading from new angles of the local history, considering the
environmental issue as an essential element.
Keywords: environmental change, island and urban growth.
Rio de Janeiro
2009
9
AGRADECIMENTOS
Definitivamente escrever uma tese não é fácil. A ilusão inicial de trabalhar apenas com
o tema que gostamos sede lugar ao trabalho árduo e, acima de tudo, solitário. São quatro anos de
pesquisa, de rascunhos e dúvidas que muitas vezes me fizeram questionar minha capacidade de
realizar o trabalho. Agora, com tudo pronto, agradeço as muitas pessoas e instituições que
durante esses quatro anos contribuíram para que esse doutorado fosse concluído com êxito.
Inicialmente gostaria de agradecer aos professores e funcionários do Programa de Pós-
graduação em História Social da UFRJ com quem tive a oportunidade de conviver e aprender
muito, especialmente aos professores: Professor Dr. Manolo Florentino, professor Dr. João Luiz
Fragoso, Professor Dr. Marcos Bretãs da Fonseca, a então Professora Drª. Beatriz Catão Cruz
Santos e do Programa de Pós-graduação em Planejamento Urbano a professora Drª. Fania
Fridman. Estendo meus agradecimentos a muitos funcionários da UFRJ como as secretárias do
PPGHIS, os responsáveis pelas bibliotecas do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, do
Departamento de Geografia e do Planejamento Urbano onde passei tantas horas. O mesmo sobre
a Biblioteca Nacional, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Arquivo Histórico do Exército,
Arquivo Nacional, Real Gabinete Português de Leitura, Arquivo Público do Estado de Santa
Catarina, Arquivo Municipal de Florianópolis, Fundação Franklin Cascaes e Biblioteca
Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina.
Durante os dois últimos anos de doutorado contei com o apoio financeiro da FAPERJ
através de uma bolsa de estudos a quem agradeço. Agradeço também à CAPES pela concessão da
bolsa PDEE e a Università degli Studi di Firenze que me recebeu para a realização desse estágio,
aos funcionais do Departamento de Ciência e Tecnologia Ambiental Florestal e especialmente ao
professor Mauro Agnoletti, pela receptividade e auxílio durante os meses em que estive em
Firenze.
10
Ao Professor José Augusto Pádua, pela orientação e pela liberdade e segurança que
me deu para escrever a tese.
Aos amigos da Universidade Federal de Santa Catarina de quem recebi o apoio
indispensável quando da elaboração do projeto de doutorado que me trouxe ao Rio de Janeiro. À
professora Eunice Nodari que plantou a semente dessa tese e que além de idéias sempre ajudou
com sua amizade.
À Helenice Andrade, amiga de todas as horas, paciente e comprometida com meus
projetos. Sempre disposta a ler e dar sua contribuição.
À Diogo Cabral, amigo e colega de pesquisas, estudos e conversas.
À “minha nova e grande família” no Rio de Janeiro, sempre me apoiando e
incentivando, agradeço especialmente à Hortensia Monteiro Corrêa que com sua força e
generosidade me acolheu em sua vida.
À Geni e Darlan, minha família de sangue, de amor e de lutas, meu porto seguro e com
quem compartilho os sonhos e as conquistas.
À Yuri Corrêa Araújo por sua ajuda lendo e dando sugestões desde a pesquisa até as
considerações finais dessa tese. Pelos momentos alegres que me proporcionou e por seu ombro
amigo que secou tantas lágrimas. Obrigada por seu companheirismo e por seu amor.
11
SUMÁRIO
LISTA DE ILUSTRAÇÕES ................................................................................................ xiii
LISTA DE QUADROS ......................................................................................................... xv
LEGENDA ........................................................................................................................... xvii
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 18
Capítulo I
F
F
O
O
R
R
M
M
A
A
Ç
Ç
Ã
Ã
O
O
E
E
T
T
R
R
A
A
N
N
S
S
F
F
O
O
R
R
M
M
A
A
Ç
Ç
Ã
Ã
O
O
D
D
A
A
I
I
L
L
H
H
A
A
D
D
E
E
S
S
A
A
N
N
T
T
A
A
C
C
A
A
T
T
A
A
R
R
I
I
N
N
A
A
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
2
2
9
9
1.1 Açorianos e Madeirenses em uma nova ilha ........................................................................ 29
1.2 Colonização Programada e Insularidade .............................................................................. 44
1.3 Imigração e Povoamento ...................................................................................................... 47
1.4 Uma Ilha e seus elos com o Continente ................................................................................ 51
1.5 Importação e Exportação ...................................................................................................... 57
1.6 Conceitos e Instrumentos da História Ambiental Ilhoa ........................................................ 61
Capítulo II
A QUESTÃO FLORESTAL ..................................................................................................... 79
2.1 Leis para o Brasil: entre o legal e o usual ............................................................................. 79
2.2 Uma história da floresta na Ilha de Santa Catarina: os fundamentos ................................... 91
2.3 Olhares sobre a floresta da Ilha de Santa Catarina no século XIX ..................................... 108
2.4
Usos e Abusos: a transformação florestal da Ilha de Santa Catarina no século XIX
.................................................................................................................................................... 118
12
Capítulo III
A QUESTÃO AGRÍCOLA ...................................................................................................... 123
3.1 Legislação no século XIX: permanências, rupturas e contradições ................................... 123
3.2 A propriedade de terras durante o século XIX .................................................................. 132
3.3
Evolução da agricultura no século XIX .............................................................................. 138
3.4 Agricultura e “Progresso” na Ilha ........................................................................................ 154
3.5 Do campo para a cidade: resultados da agricultura na Ilha de Santa Catarina .................. 173
Capítulo IV
A QUESTÃO URBANA .......................................................................................................... 177
4.1 Meio Ambiente e Saúde Pública no Processo de Urbanização de Desterro ....................... 177
4.2 Do Global ao Local: questões de salubridade no Brasil ..................................................... 186
4.3 O Desenho Urbano ............................................................................................................. 192
4.4 O Mapeamento da Insalubridade em Desterro ................................................................... 204
4.5 Espaço e Sociabilidade no processo de urbanização de Nossa Senhora do Desterro ......... 215
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 228
REFERÊNCIAS E FONTES ................................................................................................... 235
13
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
(Ilustração 01) Planta da Costa da ilha de Santa Catarina, anexo ao ofício relatando a situação das
defesas da Ilha de Santa Catarina de autoria de Roberto Soares, escrevendo a bordo da Nau Sto
Antonio, no momento na costa catarinense. 21 de novembro de1776. Acervo: Arquivo Nacional.
Diversos códices 1612-195 (cód.798) ................. ........................................................... p. 39
(Ilustração 02) Vida Comercial nas proximidades do antigo Mercado Público de Desterro,
fronteiro à praça. Acervo: Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina ...................... p. 55
(Ilustração 03) Planta Topográfica da Cidade do Desterro, levantada por ordem e na presidência
da Província de Santa Catarina, por Alfredo D’Escragnolle Taunay, pelo engenheiro major
Antonio Floriano Pereira do Lago e Carlos Othom Schlappal, 1876. Detalhe referente ao centro
de Nossa Senhora do Desterro. Acervo Arquivo Histórico do Exército, setor de cartografia
.................................................................................................................................................. p. 56
(Ilustração 04) Vue de la cöte du Brèsil vis à vis de l`Ile de Stª Catherine (Brèsil). Desenho de
Louis Choris (21,8 cm x 26,8 cm) In:
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE SANTA
CATARINA. Ilha de Santa Catarina: Relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX.
Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina, Assessoria Cultural, 1979. Prancha V p. 248
................................................................................................................................................ p. 115
(Ilustração 05) Foto de satélite da Ilha de Santa Catarina. Consultado em 06/01/2009
http://www.cdbrasil.cnpm.embrapa.br/sc/htm ...................................................................... p. 191
(Ilustração 06) Planta Topographica da Cidade do Desterro Levantada por Ordem e na
Presidência da Província de Santa Catharina do Ilmo. Exmo. Snr. Dor. Alfredo D’Escragnolle
Taunay pelos Engenheiros Major Dor. Antonio Florêncio Pereira do Lago e Carlos Othom
Sehleppal. Anno de 1876 (08.01.1686 Acervo: Arquivo Histórico do Exército). Observação: A
planta compreende somente a parte edificada e sujeita à décima urbana
............................................................................................................................................... p. 192
(Ilustração 07) Mapa de Desterro baseado na Planta Topographica da Cidade do Desterro
Levantada por Ordem e na Presidência da Província de Santa Catharina do Ilmo. Exmo. Snr. Dor.
Alfredo D’Escragnolle Taunay pelos Engenheiros Major Dor. Antonio Florêncio Pereira do Lago
e Carlos Othom Sehleppal. Anno de 1876 (08.01.1686 Acervo: Arquivo Histórico do Exército)
VEIGA, Eliane Veras da. Processo histórico de mutação da paisagem urbana da área central de
Florianópolis: 1850-1930. Florianópolis, 1990. Mestrado em História UFSC; ALMEIDA,
Luciana Cristina de. “Nossa Senhora do Despejo” O lixo e a imundície em Nossa Senhora do
14
Desterro no fim do Império. (décadas de 1850, 1860 e 1870). 2003. Florianópolis. Monografia
em História. Universidade do Estado de Santa Catarina .................................................. p. 205
(Ilustração 08) Mapa de Desterro baseado na Planta Topographica da Cidade do Desterro
Levantada por Ordem e na Presidência da Província de Santa Catharina do Ilmo. Exmo. Snr. Dor.
Alfredo D’Escragnolle Taunay pelos Engenheiros Major Dor. Antonio Florêncio Pereira do Lago
e Carlos Othom Sehleppal. Anno de 1876 (08.01.1686 Acervo: Arquivo Histórico do Exército).
VEIGA, Eliane Veras da. Processo histórico de mutação da paisagem urbana da área central de
Florianópolis: 1850-1930. Florianópolis, 1990. Mestrado em História UFSC; ALMEIDA,
Luciana Cristina de. “Nossa Senhora do Despejo” O lixo e a imundície em Nossa Senhora do
Desterro no fim do Império. (décadas de 1850, 1860 e 1870). 2003. Florianópolis. Monografia
em História. Universidade do Estado de Santa Catarina ..................................................... p. 211
15
LISTA DE QUADROS
(Quadro 01) Rezumo Geral de toda a população pertencente ao Governo da Ilha de Santa
Catharina, formado pelos mapas que derão os officios de cada hum dos Distritos do mesmo
Governo. Em 1º de janeiro de 1796. Acervo Biblioteca Nacional, Seção de Manuscritos, conjunto
documental 3,3,17 ............................................................................................................p. 41-42
(Quadro 02) Mapa das Embarcações que entrarão, e sahirão do porto da Capitania de Santa
Catharina no anno de 1815. Autoria: Luiz Mauricio da Silveira. Santa Catharina, 7 de janeiro de
1817. Acervo Biblioteca Nacional, Seção de Manuscritos, conjunto documental I, 31,29,18
................................................................................................................................................... p. 54
(Quadro 03) Tabela anexa ao relatório do Presidente da Província de Santa Catarina Antero José
Ferreira de Brito em 1841. In: www.crl.edu/content/brazil/scat.htm Consultado em 02/08/2008
.................................................................................................................................................. p. 58
(Quadro 04) Tabela anexa ao relatório do Presidente da Província de Santa Catarina Antero José
Ferreira de Brito em 1841. In: www.crl.edu/content/brazil/scat.htm Consultado em 02/08/2008
.................................................................................................................................................. p. 59
(Quadro 05) Tabela retirada da “Relação das qualidades de Madeiras da Ilha de Santa Catharina,
que podem servir para construção de Imbarcações grandes e pequenas” elaborada por Joaquim
Correa dos Santos no Rio de Janeiro 3 de setembro de 1798 ...................................... p. 102-103
(Quadro 06) Mappa da quantidade de gêneros e efeitos que se exportão anualmente na Ilha de
Santa Catharina, 1796. Acervo BN (códice 3,3,17) ............................................................. p. 156
(Quadro 07) Tabela anexa ao Ofício de João Alberto de Miranda Ribeiro ao Conde de Resende,
apresentando relatório sobre a Ilha de Santa Catharina e demais distritos de sua jurisdição, com
dados estatísticos. Desterro, 17 de novembro 1797. Acervo Biblioteca Nacional: Original, 2 doc.
130p. (códice 3,3,17) ............................................................................................................ p. 157
(Quadro 08) Produção de Santa Catarina em 1808. Nota atribuída à Thomas Antonio de Vila
Nova Portugal, governador de Santa Catarina, acompanhada de um plano de defesa do seu litoral,
de autoria de Félix José de Matos, Durante a Guerra da Cisplatina. Desterro 1819. Acervo: BN,
Códice (II - 35,32,18 nº39) ................................................................................................... p. 158
(Quadro 09) Produção de Santa Catarina em 1819. Nota atribuída à Thomas Antonio de Vila
Nova Portugal, governador de Santa Catarina, acompanhada de um plano de defesa do seu litoral,
16
de autoria de lix José de Matos, Durante a Guerra da Cisplatina. Desterro 1819. Acervo: BN,
Códice (II - 35,32,18 nº39) ............................................................................................ p. 158-159
(Quadro 10) Brasil Repartição dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, 1860.
Relatório da Repartição dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/agricultura.html.consultado em 12-03-08 .................. p. 162
(Quadro 11) Informações contidas no Relatório do Presidente da Província, Falla dirigida à
Assembléia Legislativa Provincial de Santa Catarina em 25 de março de 1874 pelo Exmo. Sr.
Presidente da província, dr. João Thomé da Silva. Cidade de Desterro, typ. De JJ Lopes, 1874
................................................................................................................................................ p. 164
(Quadro 12) Ocupação dos escravos na Ilha de Santa Catarina no ano de 1872. Fonte:
CARDOSO, Fernando Henrique. Negros em Florianópolis: relações sociais e econômicas.
Insular: Florianópolis, 2000 .................................................................................................. p. 172
17
LEGENDA
Quintaes: Antiga medida brasileira de massa, equivalente a quatro arrobas (cerca de 60 kg).
Arroba: Antiga unidade de peso usada em Portugal, Espanha e países da América do Sul,
equivalente a um quarto de quintal, ou seja, 14,688 kg. Atualmente, quando referida, é em geral
arredondada para 15 kg.
Braças: Medida de comprimento correspondente a dois braços abertos ou 2,2 metros.
Litros: Antiga medida equivalentae a doze onças que era uma medida de peso que representa a
décima sexta parte da libra e cujo valor é 30,549 g.
Alqueires: Antiga medida para secos equivalente a quatro quartas ou 36,27 litros (em Lisboa
13,8 litros, no Brasil entre 12,5 e 13,8 litros).
Léguas: Essa medida pode variar de acordo com o período ou o local de seu emprego. Para esse
texto consideramos a medida de légua de sesmaria, que equivale, aproximadamente, a 6,6
quilometros.
Datas: Porção de terras. Do latin, feminino de datus, de dare, dar.
18
INTRODUÇÃO
Originalmente, o presente trabalho pretendia ser uma analisa da Lei de Terras de 1850 e
suas conseqüências para Ilha de Santa Catarina, especialmente de que forma a propriedade da
terra, que passou a ser uma mercadoria de compra e venda, influenciou a devastação florestal e as
práticas agrícolas na segunda metade do século XIX. Com o decorrer da pesquisa percebi, no
entanto, o quanto as questões envolvendo terras, matas e agricultura eram mais amplas e
envolviam também a porção urbana da Ilha.
A partir dessa constatação o recorte temporal ampliou-se e recuou, procurando inserir-se
no período designado pela historiografia como “Brasil Império” e um pouco antes, os últimos
anos do “Período Colonial”. Isso basicamente circunscreveu a análise a um período de pouco
menos de um século - últimos anos do século XVIII até o final do Império, no século XIX. Tal
ampliação foi uma necessidade, pois, para entender as mudanças da Ilha de Santa Catarina, a
partir da Lei de Terras, foi fundamental uma análise do período anterior a essa lei, elencando
problemas e motivos que podem ter levado a elaboração da mesma e de outros textos legais sobre
o tema.
Esse caminho de retorno foi direcionado pelos próprios documentos encontrados no
decorrer da pesquisa e se deu em todos os ângulos da análise, uma vez que a sincronia da relação
floresta, agricultura e cidade é uma constante no texto, especialmente pelo objeto de estudo ser
uma ilha. Conseqüentemente, delimita-se fronteiras físicas e, ao mesmo tempo, hibridiza-se
fronteiras sociais e culturais dentro do território em questão.
Usando o espaço restrito de uma ilha e os limites naturais” impostos pela insularidade,
podemos perceber com mais clareza pontos que em outros lugares ficariam mais dispersos ou
diluídos e, talvez de forma ainda mais contundente, o entrelaçamento de questões que
normalmente são tratadas de forma isolada pela história. No caso da Ilha de Santa Catarina as três
19
questões que são tratadas no decorrer desse texto como as bases formadoras das feições
sociais, culturais, econômicas e ambientais do local, durante e após o século XIX, são a floresta, a
agricultura e a cidade, em todos os seus aspectos e transformações. A divisão da abordagem foi
uma opção para podermos aprofundar mais cada uma das questões, porém a idéia central do
trabalho é de que o mesmo seja um prisma, em que se observe, um de cada vez, os três ângulos –
floresta, agricultura e cidade – de um mesmo objeto - a Ilha no século XIX.
Em síntese, é um estudo regional, no qual grandes temas históricos foram examinados
pelo prisma da história local. Neste, importantes questões, como a indústria madeireira ou a
produção e aclimatação de espécies exóticas, que geraram paisagens altamente devastadoras e
lucrativas como os canaviais e os cafezais aqui mesmo no Brasil, são considerados, mesmo que
indiretamente, em sua relação com a história da Ilha. Essa realidade desencadeou ações locais
como a maior ou menor produção de farinha de mandioca para exportação ou a extração de
madeira.
Esse, que para muitos historiadores é um período de análise longo, foi primordial para o
desenvolvimento do trabalho, pois a proposta é a de ser um estudo das transformações ambientais
e suas conseqüências sociais em uma região e a relação com seus habitantes. Trabalhar com um
período de longa duração ponto bastante comum em trabalhos de história ambiental
possibilita a ampliação do ângulo de visão em que se pode ver um ato isolado, como uma lei ou
decreto, sair do papel, transformar-se, adaptar-se a uma realidade local e influenciar, de
determinadas maneiras, a vida em sociedade ou o desequilíbrio causado pela exploração
descontrolada de uma planta ou animal.
A pesquisa de momentos políticos distintos, estratégias de colonização “inovadoras” - no
caso da Ilha de Santa Catarina foi inovadora para os padrões portugueses - e visões diferentes dos
atributos da natureza permitiram que se reconstituísse uma linha temporal do período proposto,
analisando questões sociais e ambientais locais da Ilha, nosso “objeto de estudo”.
20
Considerando que os grandes sistemas sociais e culturais elaborados no curso da
história terminaram, inevitavelmente, por promover amplas conseqüências sobre o ambiente
vivido, não menos do que sobre os homens, verificamos que os modelos de colonização e
ocupação do território brasileiro seguiram essa máxima. A política portuguesa para o sul do
Brasil, especificamente, poderia ter gerado modelos mais amenos de ocupação da terra, pois
estimulava a pequena propriedade, ao contrário dos grandes latifúndios monocultores, que
transformavam grandes áreas antes cobertas de uma fauna e flora diversificada em “tapetes” de
um mesmo produto exótico. O resultado, no entanto, ao menos no que tange a devastação
florestal, não diferiu muito.
As várias etapas da devastação da Mata Atlântica, que cobria praticamente todo o litoral
do Brasil, inclusive a Ilha de Santa Catarina, foram mudanças ambientais causadas basicamente
em cinco séculos de ocupação. Elas manifestaram efeitos, muitas vezes inconscientes,
provenientes de escolhas e de visões políticas que buscavam outros fins que não a devastação
pura e simples. Essa inconsciência foi fruto do desconhecimento da floresta que se estava
ocupando e transformando e de como ela reagiria a uma intervenção tão repentina. Não podemos
esquecer que a Mata Atlântica é muito diferente das conhecidas florestas européias dos
colonizadores. A devastação desenfreada não era vista como um problema, pois se desconhecia a
dificuldade e demora da regeneração da mata. Quando as madeiras nobres começaram a rarear é
que soou o sinal de alerta. A situação é similar a uma analogia que Maquiavel descreve em O
Príncipe
1
ao dizer que o mal é fácil de curar e difícil de reconhecer no princípio, mas com o
passar do tempo, não sendo no início conhecida e medicada a doença, torna-se fácil de
reconhecê-la e difícil de curá-la. O mal causado à Mata Atlântica foi tardiamente reconhecido.
Seguindo a premissa de que em história ambiental é necessário ampliar o período de
análise para compreender mais profundamente causas e efeitos, nos propomos aqui a questionar
1
MACHIAVELLI, Nicolò. O Príncipe. 31 ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999., p 33.
21
alguns pontos da história tradicional escrita sobre a Ilha. Essa ampliação do foco vai ao
encontro das palavras de John McNeill, ao se referir às grandes mudanças ecológicas do final do
século XIX e XX:
em termos ecológicos, a situação atual se diferencia enormemente de qualquer
status duradouro e mais “normal” que tenha caracterizado o mundo no curso da
história do homem; para o dizer no curso da história da Terra. Se pudéssemos
viver 700 ou 7000 anos entenderíamos simplesmente na base da experiência e
da memória. Mas para seres que vivem uns 70 anos ou pouco mais é necessário
o estudo do passado, recente e remoto para chegar a conhecer aquilo que entra
no campo das possibilidades e do que é possível ser duradouro.
2
O trabalho também discute e justifica a insatisfação com a historiografia tradicional que
através de relatos grandiosos sobre “heróis” colonizadores passa uma idéia incompleta da história
local. Uma das lacunas está na ausência do fator ambiental e sua devida importância na
constituição econômica, social e política da Ilha.
Sendo assim, a proposta deste texto é reconstruir e analisar a história da Ilha de Santa
Catarina no século XIX, explorando o papel da natureza na tomada de atitudes, nas mudanças
sociais e culturais, na agricultura e no desenvolvimento urbano. Tal abordagem da história,
designada como história ambiental, nada mais é que uma análise da relação do homem com a
natureza nos locais por ele habitados e modificados. Considera-se que as enormes mudanças
ecológicas verificadas desde o século XIX, e especialmente no XX, indicam que a história
também é o estudo do ambiente, uma vez que o homem é parte da natureza que ele transforma.
As questões globais analisadas em âmbito regional, proposta deste trabalho como
assinalado acima, possibilitam a identificação, entre permanências e rupturas, de uma
continuidade; por exemplo, nos métodos de extração da madeira, na preparação dos terrenos para
a agricultura, na secagem dos pântanos e na derrubada das árvores ou nas queimadas. Por outro
lado, verificamos, entre outras especificidades de viver em uma ilha, uma relação nova com o
2
McNEILL, John R. Something New Under the Sun. An Environmental History of the Twentieth-
Century World. New York: Norton, 2000., p. 461.
22
mar e com as praias, especialmente na segunda metade do século XIX. Esses tópicos, quando
unidos e questionados como fazendo parte de um universo maior de transformações, trazem à
tona a estreita ligação entre homem e meio ambiente e a idéia de progresso da época.
Isso nos permite perceber a dicotomia problemática entre o campo e a cidade em um
espaço em que tais elementos convivem diariamente, sendo estreito o percurso dos alimentos
produzidos no campo e consumidos na cidade. As distâncias são pequenas e confundem-se a
ponto de estarem “diluídas” no dia-a-dia das pessoas, por vezes tornam-se elementos
imperceptíveis. Também pode ser entendida como uma insatisfação com os limites, que no caso
da Ilha de Santa Catarina é mais de ordem política que geográfica ou cultural, uma vez que esses
estão em interação constante, especialmente na primeira metade do século XIX. Essa formação
híbrida da atual “cara” da Ilha, que consegue conciliar em um mesmo espaço a floresta, a cidade
e a agricultura também é um dos focos dessa análise.
O marco inicial da última década do século XVIII, dentro do critério explicitado acima,
referiu-se à publicação da carta régia assinada pela rainha Dona Maria I no ano de 1797, na qual
indicava uma preocupação maior com o mapeamento das riquezas vegetais da então colônia. De
acordo com o texto, a Coroa requisitava a propriedade total, não das espécies de “madeiras de
lei”, mas de todas as árvores existentes na faixa de 10 léguas (aproximadamente 66 quilômetros)
da costa e das margens de “rios que desemboquem imediatamente no mar, e por onde em
jangadas se possam conduzir as madeiras cortadas até as praias”.
3
Essa medida afetava
diretamente a Ilha de Santa Catarina, menos por sua aplicação real, que se seguida literalmente,
transformaria a Ilha em propriedade exclusiva da Coroa; porém por uma maior observação do
desflorestamento, tanto por parte dos políticos locais como de viajantes estrangeiros ou dos
próprios ocupantes das terras.
3
Carta Régia de 13 de março de 1797, Apud. SOUZA, Paulo Ferreira de. Legislação Florestal. Rio de
Janeiro: Diretoria de Estatística da Produção, 1934., p.20-21.
23
Esses últimos anos do século XVIII foram prolíficos em matéria de leis para a
conservação das matas do Brasil. O enfoque continuava sendo preponderantemente utilitarista,
mas novas idéias de preservação já começavam a surgir. Aliado à isso, o crescimento comercial e
a redefinição dos espaços urbanos e rurais na Ilha, principalmente em meados do século XIX,
foram desencadeadores de uma grande metamorfose em hábitos e costumes dos homens, no
meio-ambiente e nas práticas cotidianas. A própria noção de progresso deixou de estar associada
unicamente à necessidade de “limpar” a terra de suas matas para o povoamento e para o
desenvolvimento agrícola e urbano. Passaram por debates políticos ou pela imprensa local
questões como o controle da poluição, potabilidade de água e necessidade de espaços
arborizados, esses sim os novos sinônimos de progresso de grandes cidades da Europa e dos
Estados Unidos no século XIX.
Para essa análise procurou-se coligir as principais fontes de história catarinense, muitas
delas já longamente citadas em trabalhos anteriores de autores tradicionais e outras, novas
referências e documentos que, através da história ambiental, podem ser lidos como peças
fundamentais no quebra-cabeça” da história local. Legislação colonial e imperial, manuais
agrícolas, falas e relatórios de governadores e presidentes de província, cartas e tabelas de
exportação e importação aliaram-se à mapas urbanos e rurais da Ilha, mapas de cobrança da
décima urbana, documentos referentes à indústria madeireira e construção naval, além de dados
sobre vegetação, solo e clima o a dimensão das informações que foram analisadas e cujo
resultado está sendo apresentado.
A proposta de desenvolvimento do texto opta por “separar” a floresta das áreas agrícolas e
da cidade. A floresta é colocada como uma questão a ser analisada, bem como a agricultura e a
urbanização, porém não está de modo temporal, geográfico e social isolado na história da Ilha de
Santa Catarina. Também, não acreditamos que a floresta como “floresta” e como “reserva de
recursos” tenha tido um único momento de exploração que quando encerrado deu lugar à
24
agricultura ou à áreas urbanas, apenas a “separamos” de outros dois pontos considerados
balizas da história ambiental local: agricultura e urbanização, por questões metodológicas.
O texto inicia com a apresentação do objeto e a análise teórica do tema e da área em que
ela se insere, ou seja, a história ambiental. Os conceitos mais importantes usados no decorrer do
trabalho - muitas vezes adaptados a cada uma das disciplinas que os utilizam -são analisados do
ponto de vista da história e da temporalidade em questão, o século XIX. Também buscamos tratar
da formação das características sociais e ambientais da Ilha de Santa Catarina no início desse
século e como essas mesmas características foram adquirindo novos contornos nas décadas
seguintes. Partindo da imigração açoriana e madeirense e do processo de instalação dessas
pessoas em uma porção do território brasileiro afastado da sede administrativa, observamos a
constante interação dessa nova população com a natureza local e as conseqüências desse modelo
de ocupação baseado na pequena propriedade agrícola familiar.
Quem eram essas pessoas, a faixa etária e como foi o contato com a natureza local
também são pontos abordados na tentativa de compreender suas futuras ações de transformação
ambiental e seu relacionamento com o continente fronteiro e com locais mais distantes através do
porto e da entrada e saída de produtos, embarcações e pessoas. Compreendidos os fatores da
formação da nova sociedade da Ilha e formado esse “cenário” entramos na análise específica do
que foi designado no decorrer da pesquisa como “vetores de transformação da Ilha de Santa
Catarina”: a floresta, a agricultura e a cidade.
A Ilha de Santa Catarina, povoada escassamente até meados do século XVIII, longe,
praticamente isolada da capital da colônia, era coberta de florestas que sofreram, como toda a
faixa de Mata Atlântica brasileira, com o desmatamento desordenado. O Brasil demorou a
elaborar e aplicar uma legislação específica sobre o tema das florestas, tanto sobre sua exploração
como sua preservação, e quando o fez foi uma tentativa, se não de corrigir ao menos amenizar, o
problema da escassez de madeiras para a manutenção da frota naval portuguesa.
25
Porém, é importante não generalizar a dinâmica desse processo de transformação, que
passa pelos usos atribuídos à madeira nesses diferentes períodos da história e no grau de
ocupação humana nas áreas de Mata Atlântica e na Ilha de Santa Catarina em especial. A riqueza
madeirável local e a maneira como foi utilizada está diretamente relacionada à forma como foi
percebida. A madeira, o componente dessa paisagem entendido como recurso rentável, não era o
objetivo principal dos colonizadores da Ilha e por isso sua derrubada era apenas um passo a mais
para chegar a uma roça de mandioca ou de milho, ou outro qualquer produto agrícola. Essa era a
função para a qual a maioria desses habitantes estava destinada desde a chegada ao local como
imigrantes. Tais madeiras, quando extraídas, se dessem lucro seria muito bom, mas essas pessoas
não eram madeireiros.
A legislação sobre o tema proporcionou certo controle, ao menos na teoria, na exploração
das matas. Estava definido o uso atribuído às melhores peças de madeira e, conseqüentemente, do
que os habitantes locais poderiam dispor. Esse fato, aliado à facilidade da derrubada, provocou
uma grande devastação nos mangues da Ilha, especialmente nos localizados próximos à vila e
depois cidade de Nossa Senhora do Desterro, para uso nas caieiras e engenhos. A derrubada era
fato nas proximidades da maioria das vilas e cidades do Brasil. O segundo capítulo dedica-se a
analisar esse vetor do processo de transformação da local desde os anos finais do século XVIII e
o século XIX. Somando a isso, a releitura de correspondências entre políticos locais e o Vice Rei,
leis, decretos, mapas e livros de receita e despesas entre outros documentos, contribuíram para
agregar a natureza à história da região. Essa tarefa de rever documentos e obras tem a importante
função de lançar mais luz a um processo peculiar de transformação da paisagem e da vida social
desse ponto do Brasil que foi uma parcela pequena de uma indústria madeireira insipiente em
todo o território brasileiro nos séculos XVIII e XIX, mas que é, certamente, uma parcela da
história da devastação da Mata Atlântica brasileira baseada na noção de progresso vigente.
26
Outro vetor desse processo de transformação é a agricultura. Longamente analisada,
estudada e possivelmente, uma das áreas de maior interesse de políticos e intelectuais do Império.
Essa área produziu textos, livros e cartilhas com orientações para preservação e melhor
aproveitamento das matas, rios e, especialmente, da terra para fins agrícolas.
Buscando analisar esses documentos, associando-os a textos e correspondências oficiais,
mapas de produção, exportação e importação da Ilha, o terceiro capítulo apresenta um panorama
das técnicas agrícolas, produtos e produtores dessa área do Brasil, tida muitas vezes como
laboratório de novos cultivos. Também se aborda a terra do ponto de vista político e econômico,
a questão das sesmarias no início do século e dos lotes comprados na segunda metade do XIX. A
terra como substrato natural, rica em nutrientes e apta a produzir determinados grãos e como os
agricultores locais lidaram com isso, são outros aspectos também analisados.
Por fim, o quarto capítulo trata da ordenação do espaço urbano iniciado com o século
XIX, mas que teve um desenvolvimento mais significativo em sua segunda metade. Nas colônias
portuguesas como nas espanholas ou inglesas esse ordenamento seguiu regras de desenho e
disposição de prédios e praças. No mundo lusitano, especificamente, essas normas eram as
Ordenações do Reino. A princípio as Ordenações Afonsinas, depois as Manuelinas e, a partir de
1603 as Filipinas, promulgadas durante a união das coroas portuguesa e castelhana. Essas
permaneceram em vigor por mais tempo, mantendo alguns de seus aspectos durante o Império
até princípios da República.
Porém, no que tange as questões de ordenamento físico citadino nas cidades brasileiras,
essas ordenações, segundo Marx, tiveram um caráter lacônico e até dispersivo, em muitos casos
pode-se dizer que eram genéricos
4
, o consideravam peculiaridades geográficas ou ambientais
de cada local e por isso eram muitas vezes adaptadas. Coube mais diretamente às Posturas
Municipais o desenho das diversas facetas da paisagem urbana brasileira, em especial nos dois
4
MARX, Murilo. Cidade no Brasil terra de quem? São Paulo: Nobel; Edusp, 1991., p. 35.
27
primeiros culos de colonização. Posteriormente, e em especial com a elevação de freguesias
a vilas, os cuidados mudaram. É difícil, no entanto, não considerar as feições “espontaneamente”
adquiridas pela vizinhança com capelas, irmandades, foreiros, e outros elementos dos
aglomerados populacionais coloniais.
A Igreja, porém, que centraliza a vida citadina, funciona também como órgão
de descentralização. Quando a competição por espaços na vizinhança da matriz
se extrema, e a cidade cresce, é sempre ao da nova capela que se inicia o
desdobramento de novas áreas. A cidade então se divide em paróquias ou
freguesias, designações eclesiásticas que definem a dominância na Igreja na
vida colonial.
5
Esses elementos e a relação dos “novos” aglomerados urbanos, em especial a vila e depois
cidade de Nossa Senhora do Desterro, com a natureza local são o objetivo desse capítulo. Onde a
cidade instalou-se, como e com que custos para homens e meio ambiente. O que se transformou e
o que foi destruído para a criação desse novo elemento que é o homem da cidade, percebido em
construções, documentos, monumentos e comportamentos.
Esses elementos, somados às novidades em termos arquitetônicos, que chegaram em
Desterro no século XIX, como os sobrados, que antes eram raros, ou as latrinas nas propriedades
mais ricas, demonstram os primeiros passos mais palpáveis do processo de urbanização da
cidade. Outras questões como a iluminação pública com lampiões no terceiro quartel do século e
o abastecimento de água potável com carroças, também no mesmo período, dão a dimensão da
metamorfose urbana sofrida por Desterro ao adquirir contornos de cidade, mesmo que minúscula,
e deixa sua faceta de vila agrícola para trás.
Levando em conta essas abordagens, tenta-se explorar como, no caso da Ilha de Santa
Catarina, a natureza é colocada a “serviço” de projetos sociais, econômicos e políticos, fazendo
uma análise das relações que esses projetos estabelecem com esse espaço, aqui entendidos ao
5
MARX, Murilo. Cidade no Brasil terra de quem? São Paulo: Nobel; Edusp, 1991., p. 35.
28
mesmo tempo como realidade biofísica e produção cultural da ação humana.
6
Essa abordagem
permitirá entender a ocupação da Ilha pela agricultura e pela cidade e suas conseqüências não
ambientais, mas no que diz respeito às práticas sociais e às culturas locais.
Esses vetores, quando bem separados e explicados permitem uma compreensão unificada
e profunda a observação e compreensão de diferentes ângulos de um mesmo prisma - do
conjunto que é a sociedade e a natureza da e na Ilha de Santa Catarina no século XIX, que oscilou
entre devastação e progresso, mas que foi, na verdade, um constante processo de transformação.
6
ARRUDA, Gilmar. Cidades e Sertões. Bauru: EDUSC, 2000., p. 136.
F
F
O
O
R
R
M
M
A
A
Ç
Ç
Ã
Ã
O
O
E
E
T
T
R
R
A
A
N
N
S
S
F
F
O
O
R
R
M
M
A
A
Ç
Ç
Ã
Ã
O
O
D
D
A
A
I
I
L
L
H
H
A
A
D
D
E
E
S
S
A
A
N
N
T
T
A
A
C
C
A
A
T
T
A
A
R
R
I
I
N
N
A
A
Praticamente, os homens conhecem o
ambiente em função do proveito que dele
tiram, e nele vêem apenas o que nele
procuram.
1
1.1
Açorianos e Madeirenses em uma nova ilha.
O século XIX foi um período de intensas mudanças para o Brasil e não menos para
a Ilha de Santa Catarina. O pequeno povoado, colonizado por açorianos e madeirenses, que
iniciou o século cercado de matas e com algumas roças para a produção de bens de primeira
necessidade foi mudando gradativamente. Ainda no período colonial doaram-se diversas
sesmarias na Ilha e com a proibição dessa prática após a independência, muitas foram as
posses de terrenos. O conseqüente processo de transformação ambiental foi percebido pela
derrubada das matas locais, o surgimento de novas freguesias no interior da Ilha e também
pelo crescimento da cidade de Nossa Senhora do Desterro.
Antes disso, essa porção do território brasileiro era habitada originalmente por
índios tupi-guaranis, porém, esses indígenas não são mencionados como habitando a Ilha
desde o final do século XVII, a não ser pelos índios que vieram com Dias Velho quando o
povoado de Nossa Senhora do Desterro foi fundado oficialmente. Em relato de Henrique da
Silva Fontes isso ocorreu quando esse paulista chegou, por volta de 1673, acompanhado de
1
BRUN, Bernard; LEMONNIERS, Pierre; RAISON, Jean-Piere; RONCAYOLO, Marcel.
Enciclopédia Einaudi. Ambiente. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1989. v. 8.,
p. 22.
I
I
30
“cento e tantos homens de sua administração para fazer povoação onde melhor sítio
descobrisse (...) e descobriu as excelentes terras da Ilha de Santa Catarina”.
2
Pontualmente, no que diz respeito à Ilha, a Floresta Ombrófila Densa (FOD)
3
era a
formação vegetacional original. Dentro dessa formação que inclui manguezais, praias,
dunas e restingas, cerca de ¾ da cobertura vegetal eram de florestas. Mais especificamente,
o território da Ilha de Santa Catarina de 423 km² tinha, originalmente,
90% de sua área coberta por vegetação nativa, sendo 74% desta
vegetação composta de Mata Atlântica, 9% de manguezais e 7% de
vegetação de praia, duna e restinga. O restante era ocupado por dunas
sem vegetação (4%) e por lagoas (6%).
4
Quanto à sua ocupação, até por volta de 1711, Nossa Senhora do Desterro possuía
147 moradores, em sua maioria pescadores de origem lusa – número que não inclui
escravos e índios.
5
Nesse período o território do Brasil estava dividido em sesmarias
6
e
freguesias
7
, essas eram ligadas à jurisdição de vilas maiores. Após 1726, a então Freguesia
2
FONTES, Henrique da Silva.(1965). In: PEREIRA, Nereu do Vale (org.). Memória Histórica da
Irmandade do Senhor Jesus dos Passos. 1997., p. 25, v. 1. OBS: Segundo Lucas Boiteux arrolou,
baseado em inventário de Dias Velho, vieram com ele 142 índios e 25 escravos negros. In:
BOITEUX, Lucas Alexandre. Notas para a História de Santa Catarina. Florianópolis: Livraria
Moderna, 1912.
3
Mata Atlântica stricto sensu, localizada no litoral até a Serra Geral, do Mar e do Espigão.
GUERRA, Miguel P. et. al. “Exploração, manejo e conservação da araucária (Araucaria
angustifolia). In: SIMÕES, Luciana L., LINO, Clayton F. (Org.) Sustentável Mata Atlântica: a
exploração de seus recursos florestais. São Paulo: Ed. SENAC, 2002. p. 86.
4
Centro de Estudos Cultura e Cidadania. Uma cidade numa Ilha: relatório sobre os problemas
sócio ambientais da Ilha de Santa Catarina – CECA – Florianópolis: Insular, 1996., p. 42.
5
CABRAL, Oswaldo Rodrigues. Memória histórica, authentica, sincera, pictoresca e
sentimental da Villa, depois cidade de Nossa Senhora do Desterro da ilha de Sancta
Catharina, dos casos raros alcunhada: memória. Florianópolis: UFSC, 1971. 2v.
6
Sesmaria é um pedaço de terra devoluta ou cuja cultura foi abandonada e que era doada a um
sesmeiro sob condição de que ela fosse aproveitada com construção de benfeitorias e produção
agrícola. Era propriedade do rei de Portugal e doada em nome da Ordem de Cristo, sua origem
remonta a uma tradição medieval e era regida pelas Ordenações Manuelinas e, posteriormente,
Filipinas. Vigorou no Brasil até 1823 quando foi extinta para, depois de 27 anos, em 1850, dar lugar
à posse de terra por compra e venda.
7
Freguesia era o distrito de uma paróquia. No caso da Ilha de Santa Catarina freguesias eram
comunidades que surgiram em torno de igrejas ou capelas no interior da Ilha, o equivalente
aproximado aos atuais bairros do município de Desterro.
31
de Nossa Senhora do Desterro é elevada à vila e Capital da Capitania de Santa Catarina,
separando-se da jurisdição da Vila de Laguna que até aquele momento era a vila mais
importante da Capitania. Nesse período inicia-se, por parte de Portugal, uma maior
preocupação com a colonização da área, que devido a sua distância do Rio de Janeiro,
capital da colônia, estava mais distante também das leis e sujeita a invasões inimigas. Nesse
caso a ameaça vinha da Espanha, profundamente interessada no local por ser ponto
estratégico ao sul das Américas. Uma vez que as terras fossem colonizadas seriam mais
dificilmente invadidas.
A fundação de vilas no período colonial era autorizada por cartas régias, as mesmas
que impunham algumas obrigações às novas maras Municipais, dentre elas a obrigação
de cercá-las e de definir os planos urbanísticos a serem adotados. Em 1738 chegou à Ilha o
Brigadeiro José da Silva Paes e deu-se a construção da Casa de Governo e de quatro
fortalezas, além da promoção de um alistamento de açorianos que quisessem emigrar para
essa parte do Brasil.
É preciso lembrar que os séculos XIV, XV e XVI, naquele arquipélago, foram
seguidamente sujeitos a todo tipo de desastres naturais como vulcanismo, terremotos e
maremotos, além de surtos de peste bubônica e outras epidemias. Já no final do século XVI,
mais especificamente no ano de 1593, a agricultura foi grandemente prejudicada por
questões climáticas. Poderia ter sido esse o ponto culminante nos problemas locais do
século, porém, em 1599 e 1600 houve um surto de peste bubônica que dizimou o
arquipélago, especialmente a ilha Terceira que teve mais de sete mil mortos. Os culos
XVII e XVIII não foram diferentes no que tange às bruscas transformações ambientais que
forçosamente colocaram em eminência um reordenamento social. Em 1744, um ciclone
tropical causou grandes estragos que culminaram, no ano de 1745-46, com um mau ano
agrícola, provocando fome generalizada. A emigração passou a ser condição de
32
sobrevivência e o alvará régio oferecendo benefícios para quem o fizesse foi
providencial. O alistamento efetivou-se em 31 de agosto de 1746 quando D. João V
determinou que se afixassem nas Ilhas dos Açores e da Madeira o edital que abria as
inscrições para quem quisesse emigrar. De acordo com o texto,
atendendo as representações dos moradores das Ilhas dos Açores, que
tem pedido mandar tirar de o número de casais que for servido, e
transportá-los à América, donde resultará às ditas Ilhas grande alívio em
não ver padecer os seus moradores, reduzidos aos males em que trás
consigo a indigência em que vivem.
8
Além disso, o edital ressaltava o grande benefício que resultaria ao Brasil, que os
imigrantes iriam cultivar terras ainda não exploradas.
9
Pobres, miseráveis, subempregadas
nas mais variadas funções, muitas vezes pouco ou nada relacionadas à agricultura
compunham as famílias que vieram para a Ilha de Santa Catarina. Entre 1748 e 1756
chegam quase cinco mil açorianos e madeirenses à Desterro.
10
Esses deveriam cumprir a
obrigação de ter, os homens não mais de 40 anos e as mulheres não mais de 30. Outro
procedimento seguido durante a inscrição desses futuros emigrantes foi, segundo Piazza, a
anotação, “além dos nomes, a naturalidade, a idade, a profissão, a estatura, a cor do cabelo,
a cor da pele, o formato do rosto, a cor dos olhos, a forma do nariz e da boca, a forma da
barba, e estado civil e se casado o nome da mulher e a filiação desta”.
11
A instalação na Ilha se daria em lotes previamente demarcados e, de acordo com os
editais de convocação, os novos habitantes receberiam
uma espingarda, duas enxadas, um enxó, um martelo, um facão, duas
facas, duas tesouras, duas verrumas e uma serra com sua lima e
8
CABRAL, Oswaldo R. Os açorianos. Florianópolis: Imprensa Oficial do Estado de Santa
Catarina, 1950., p. 15
9
Edital de 31 de agosto de 1746 de autoria de D. João V. In: CABRAL, Oswaldo. História de
Santa Catarina. 3. ed. Florianópolis: Lunardelli, 1987.,p. 72.
10
Ibid., p.73.
11
PIAZZA, Walter F. A Epopéia Açorico-Madeirense. Florianópolis: Lunardelli, 1992., p. 22.
33
travadeira, dois alqueires de sementes, duas vacas e uma égua, e no
primeiro ano farinha para o sustento, assim dos homens como das
mulheres, mas não as crianças que não tiverem 7 anos e, aos que tiverem
até os 14, se lhes dará quarta e meia de alqueire para cada mês. Se dará a
cada casal um quarto de légua em quadro para principiar as suas culturas,
sem que se lhes levem direitos nem salários algum por esta sesmaria. E
quando, pelo tempo adiante tiverem família com que possam cultivar
mais terra, o poderão pedir ao governador do distrito.
12
Quase um ano depois, em 9 de agosto de 1747, uma provisão régia determinava os
cuidados que o governador da Ilha, o Brigadeiro Joda Silva Paes, deveria ter com os
colonos. Mesmo afirmando, no Edital de 1746, que na Ilha de Santa Catarina “a fertilidade
da terra, a abundância de gados e a grande quantidade de peixes conduzem muito para a
comodidade e fartura desses novos habitantes”,
13
a autoridade real ressaltava a importância
de tratar bem os colonos. Foi destacada a necessidade de acolhê-los e agasalhá-los, além de
instalá-los “na Ilha como terras adjacentes, desde o Rio São Francisco do Sul até o Serro de
São Miguel, nos altos da Serra do Mar, e no sertão correspondente a este distrito, com
atenção porém que se não dê a justa razão de queixa aos espanhóis confinantes”.
14
Dificilmente podemos averiguar hoje o cumprimento de todas essas incumbências
por parte da Fazenda Real, mas podemos ter uma idéia ao analisarmos as reclamações da
Câmara referentes à falta de dinheiro para contratar pessoas capazes para efetuar as
demarcações dos lotes e o quanto isso foi feito de maneira irregular. Muitas vezes, a
legitimação da posse, através de uma carta de sesmaria, ocorria muitos anos após a
ocupação da terra, gerando alguns conflitos de limites com vizinhos.
O povoamento “programado” por açorianos e madeirenses com o objetivo de
ocupar a Ilha de Santa Catarina e afastar possíveis investidas de outros Impérios sobre esse
12
Edital de 31 de agosto de 1746 de autoria de D. João V. In: CABRAL, Oswaldo. História de
Santa Catarina. 3. ed. Florianópolis: Lunardelli, 1987., p.73.
13
Ibid., p 74.
14
PORTUGAL. Provisão Régia do Rei D. João V, de 9 de agosto de 1747. Cópia da Provisão Régia
In: www.buratto.net/sc-gen/acorianos.html. Consultado em 22/01/2009.
34
porto estratégico, foi reforçado pela tradição portuguesa de sesmarias. Tradição que
remonta ao período medieval, no qual as terras estavam sob o domínio da Coroa, do rei, da
nobreza, do clero, ou outras ordens monásticas; eram propriedades alodiais ou eram terras
comunais administradas pelos conselhos locais.
15
É na distribuição das terras dos
Conselhos que está a origem do sistema sesmarial que aliado à uma variante da Enfiteuse
16
grego-romana tentava coibir excessos nas apropriações de terras.
17
Das sesmarias no Brasil
exigia-se o cultivo da terra em um tempo determinado, sendo que, o não cumprimento
dessa condição poderia tornar o domínio da gleba novamente comunal. “A origem do nome
sesmaria está ligada à organização territorial dos Conselhos. Para melhor distribuir os
casais, passou-se a dividir as terras dos Conselhos em ‘sesmos’, ou sextas partes”.
18
No caso do Brasil, as sesmarias eram doadas através das donatarias e capitanias
hereditárias desde 1534
19
, sendo que as glebas só eram distribuídas à cristãos e que
“possuíssem condições de aproveitá-las e de pagar o dízimo as ordens religiosas, aos
‘amigos’ do Rei e funcionários da Câmara”.
20
15
ABREU, Maurício. A Apropriação do território no Brasil Colonial. In: CASTRO, I. E.; GOMES,
P. C. C. & CORREA, R. L. (orgs). Explorações Geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1997. pp. 197-245.
16
A enfiteuse (ou aforamento) é um contrato de alienação territorial que divide a propriedade de um
imóvel em dois tipos de domínio: o domínio eminente, ou direto, e o domínio útil, ou indireto. Ao
utilizar um contrato enfitêutico o proprietário de pleno direito de um bem não o transfere
integralmente a terceiros. Apenas cede seu domínio útil, isto é, o direito de utilizar o imóvel e de
nele fazer benfeitorias, retendo, entretanto, para si o domínio direto, a propriedade em última
instância. Em troca do domínio indireto que lhe é repassado, o outorgado aceita uma série de
condições que lhe são impostas, e obriga-se também a pagar uma pensão anual (ou foro) ao
proprietário do domínio direto, razão pela qual transformava-se em foreiro deste último. Não
cumprindo o foreiro as condições do contrato, o domínio útil reverte ao detentor do domínio direto.
In: ABREU, Maurício. A Apropriação do território no Brasil Colonial. Op.cit., p.201.
17
Ibid., p. 200.
18
Ibid., p. 202.
19
FRIDMAN, Fania. Donos do Rio em Nome do Rei: uma história fundiária da cidade do Rio
de Janeiro. Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed.: Garamond, 1999.,p.125.
20
Ibid., p. 125-126.
35
Com relação à Ilha de Santa Catarina, as doações de sesmarias ainda se davam no
início do século XIX, muitas vezes em resposta a pedidos antigos que ficaram perdidos nos
meandros burocráticos da época. Em registro na Diretoria de Geografia e Terras de 16 de
maio de 1806 o Tenente de Infantaria e Secretário do Governo local, ThoFrancisco de
Souza Coutinho, descrevia uma sesmaria no norte da Ilha:
Faço saber aos que esta minha carta de sismaria virem que atendendo a
representar-me Manoel Espindola de Veiga, cazado morador da vargem
pequena do Rio Ratones Distrito da Freguesia de Nossa Senhora das
Necessidades que elle se achava de posse de duzentas braças de terras de
frente em hum triângulo que acabava em um ponto agudo com duzentas e
cincoenta de fundo na sua maior extensão, as quaes depois se verificou
pela medição achar-se cento, e setenta, e cinco braças em quadro; cujas
terras lhe foram dadas por conta da data que lhe pertencia como cazal
donvivo das Ilhas dos Assores, que se achavam devolutas no lugar
denominado o Moquém da dita margem, confrontando a sua frente com
terras de Manoel Antonio Santiago, correndo os fundos atte as vertentes
do Morro, Extremando pela parte Leste com Manoel de Espindola,
espelha do Oeste com Francisco dos Santos, correndo a Linha da Frente a
Nordeste quarta de Leste, como tudo constava da Certidão do
Demarcador de 8 de maio do corrente anno.
21
Essa, como as outras sesmarias concedidas na Ilha de Santa Catarina, continha em
sua carta de registro, condições de “uso” da terra e do que havia sobre ela, tais como
promover o cultivo, construir benfeitorias, caminhos nas testadas de pontes e servidão
pública, não podendo suceder na posse dessa data de terra pessoa eclesiástica ou religião.
22
Além dessas obrigações, não faziam parte de qualquer data minas ou qualquer metal que
por acaso se descobrisse, sendo reservados à Coroa também os “paus reaisexistentes nas
terras.
23
21
Registro de hua Sismaria de Manoel Espindola da Veiga. De folhas 189 a 190v. do livro
“Registro de Sesmarias”, de 1753 a 1806, n.201. vol. 1º - Diretoria de Geografia e Terras. In:
RIHGB, 1º Semestre 1943, p. 149.
22
FRIDMAN, Fania. Donos do Rio em Nome do Rei. Op.cit., p.126.
23
Ibid., 149.
36
A concessão de sesmarias nesse período podia ser feita apenas pelos
governadores e capitães-generais. Tal disposição impedia que os capitães mores e os
governadores subalternos fizessem doações, exceto por disposição especial que lhes
conferisse tal poder. Foi o que ocorreu com o governador de Santa Catarina que fez
concessões de terras com tamanho equivalente a um quarto de léguas em quadro autorizado
por provisão de 9 de agosto de 1747.
24
Segundo o autor, “a extensão da sesmaria, por seu turno, não havia de exceder, no
máximo, de três léguas, e nalgumas capitânias era, até, fixada em uma légua, e noutras,
ainda, somente em meia légua”.
25
Foi o que aconteceu em Santa Catarina e deveu-se à idéia
da implantação de pequenas propriedades. A terra correspondente a um quarto de légua em
quadro era concedida a cada casal açoriano ou madeirense para principiar sua cultura. De
acordo com as indicações da Fazenda Real as terras deveriam ser distribuídas em locais
próprios para fundar novas freguesias com uma média de 60 casais.
26
Essa indicação dos
locais de sertão para as doações foi, em casos como o do Rio de Janeiro, ordenada ao
Capitão-General pela carta Régia de 23 de fevereiro de 1713 que declarava que as
sesmarias na cidade deviam ser concedidas pela Câmara.
27
Isso ocorria devido à cobrança
da décima urbana. Esse imposto incidia sobre os terrenos circunscritos ao que a Câmara
Municipal definia como área urbana e era ela que demarcava e fiscalizava as concessões e
que cobrava o tributo.
As primeiras descrições do desenho urbano de Desterro mostram certo
“acanhamento” de proporções, mas seus autores, geralmente viajantes e naturalistas
24
LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil sesmarias e terras devolutas. Fac-
Símile da 4ª edição, 1990., p. 43.
25
Ibid., p.45.
26
CABRAL: Os Açorianos., Florianópolis: Imprensa Oficial do Estado de Santa Catarina, 1950., p.
15.
27
LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil. Op.cit. p. 43.
37
estrangeiros, apontam as potencialidades locais para o progresso, apesar de alguns
possíveis empecilhos (esse tema será abordado mais detalhadamente no capítulo IV). Nessa
linha de observações, Cabral diz que
Dom Pernetty, acompanhante de Bougainville, contou, em 1763, quinze
anos após o início do transporte dos povoadores, e a sete do seu término,
150 casas no Desterro, das quais duas eram de sobrado. havia uma
botica e uma ferraria, embora ainda não tivessem surgido as de comércio.
Vinte anos depois, La Perouse calculou em 400 as moradias da vila
28
.
Com a efetivação dessa colonização da Ilha de Santa Catarina, com imigrantes de
origem lusa, o estado português ficou mais tranqüilo no que diz respeito ao perigo
estrangeiro. Na tentativa de reforçar as defesas, foram construídas fortalezas. Como observa
Soares em relatório de 1776, o estado das defesas da Ilha impossibilita qualquer tentativa
de invasão bem sucedida. Devido à importância estratégica como último ponto de defesa
do sul do Brasil
fortificou-se, e fechou o dito Porto da parte do Norte, e Entrada dele com
quatro Fortalezas: A primeira he a de São Jose na Ponta Groça: A segunda
a de Santa Cruz na Ilha de Anhatomirim: A terceira a de Santo Antonio na
Ilha Grande dos Ratones: E a quarta a da Ilha dos Ratones Pequena. Na
parte mais estreita do dito porto projetou o Brigadeiro José Custódio a
Construção de uma Fortaleza na Terra Firme fronteira da Vila; e outra na
Ponta da mesma Vila para também fechar por esta parte o referido Porto às
Embarcações Pequenas armadas em Guerra, que podião entrar pela Barra
do Sul [...] na parte sul se fortificou baterias com o número de noventa
peças e mais duas fortalezas.
29
Esse excesso de zelo por parte da Coroa portuguesa não impediu que, poucos meses
depois que esse relato foi expedido, se desse uma invasão espanhola a conhecida invasão
de 1777. Porém, é suficiente para percebermos a crescente importância atribuída à Ilha de
28
CABRAL. Os Açorianos. Op.cit. p. 15.
29
SOARES, Roberto. Ofício relatando a situação das defesas da Ilha de Santa Catarina, escrito
a bordo da Nau Sto Antonio, na costa catarinense em 1776. Acervo: Biblioteca Nacional.
38
Santa Catarina, muito mais como um local estratégico e fronteira nesse momento, e
posteriormente, no início do século XIX, como cidade e centro produtor e consumidor.
No que se refere à população, podemos ter uma idéia mais precisa da situação a
partir de um relatório minucioso com os dados estatísticos da Ilha e demais distritos de sua
jurisdição, datado de 20 de dezembro do ano em 1796, apresentado por João Alberto de
Miranda Ribeiro, então Governador, em resposta a pedidos oficiais do Vice Rei, o Conde
de Rezende. Principiando por uma descrição geográfica o texto menciona as freguesias e
suas localizações:
A extensão da Ilha de Santa Catarina, cituada a altura de 27 graus e 40
min de Latitude Sul, e em 37 graus de Longitude, segundo a mais geral
opinião he de 10 legoas de Norte a Sul, que o seu maior cumprimento.
(...) No meio da Ilha de Santa Catharina, está cituada a Villa Capital de
Nossa Senhora do Desterro, ficando-lhe para o Norte a freguesia de
Nossa Senhora das Necessidades, e para a parte leste a freguesia de
Nossa Senhora da Conceição da Lagoa.
30
Ao Sul da Ilha ainda encontrava-se o Ribeirão, sendo essas as freguesias locais,
composta por uma população de 10.038 pessoas contando-se homens e mulheres brancos,
escravos e foros pardos e pretos e os militares então lotados na Ilha. Somando-se a esse
número a população dos demais distritos que estavam sob a administração da Ilha de Santa
Catarina e de seu então Governador João Alberto de Miranda Ribeiro, a saber: Freguesia de
São Miguel, Freguesia de São José, Freguesia de Enseada do Brito, Villa de Laguna, Villa
30
RIBEIRO, João Alberto de Miranda. Ofício ao Conde de Rezende, apresentando relatório sobre
a Ilha de Santa Catharina e demais distritos de sua jurisdição, com dados estatísticos. Desterro, 17
de novembro 1797. Acervo Biblioteca Nacional: Seção de Manuscritos, conjunto documental
7,4,31.
39
Nova e Villa do Rio São Francisco, a população total no ano de 1796 era de 24.892.
31
(Ilustração 01) Planta da Costa da ilha de Santa Catarina, anexo ao ofício relatando a situação
das defesas da Ilha de Santa Catarina de autoria de Roberto Soares, escrevendo a bordo da
Nau Sto Antonio, no momento na costa catarinense. 21 de novembro de1776. Acervo Arquivo
Nacional.
31
RIBEIRO, João Alberto de Miranda. Rezumo Geral de Toda a População Pertencente ao
Governo da Ilha de Santa Catharina, Formado pelos mappas que derão os officios de cada
hum dos Distritos do mesmo Governo. de Janeiro de 1796. Acervo Biblioteca Nacional: Seção
de Manuscritos, conjunto documental 7,4,31.
São João Batista do Rio Vermelho Lagoa da Conceição
Nossa Senhora do Desterro São Fran
cisco de Paula de Canavieiras
Ribeirão Santíssima Trindade
São José da Terra Firme Santo Antônio das Necessidades
40
Anexo ao citado documento, o quadro número 01 apresenta em detalhes a
quantidade de pessoas de acordo com cada faixa etária, condição social e sua distribuição
na Ilha. A partir desses dados verificamos que o número de foros era substancialmente
pequeno frente aos escravos e que esses eram, em sua grande maioria, pretos e não pardos.
Também fica clara a maioria de escravos do sexo masculino, aproximadamente o dobro que
do sexo feminino. Aliás, esses eram designados como “maxos ou meas”, tal qual animais
ou objetos e não masculino ou feminino como os homens e mulheres brancos.
Quanto aos números da população economicamente ativa, percebemos uma
equivalência entre homens e mulheres, o que pode indicar a forte presença de casais com
um número pequeno de filhos - as crianças de até sete anos somavam 718 apenas em Nossa
Senhora do Desterro, seguido por 605 entre 7 e 15 anos. Considerando que o número de
fogos registrado na vila era de 666 temos aproximadamente duas crianças com idade
inferior a 15 anos por cada um dos fogos da capital, quantidade baixa para a época. Não
podemos esquecer o fato de que nesse período crianças com idade superior a 7 anos já eram
economicamente ativas para a família, apenas variando a escala de contribuição.
Os números de homens e mulheres são parecidos em todas as freguesias da Ilha
nesse momento, o mesmo ocorrendo com o número de filhos por fogos. Fato semelhante
ocorre com os pardos (homens e mulheres) e pretos (homens e mulheres), cujos números
são parecidos. É importante ressaltar que quando se refere aos negros ou pardos, escravos
ou não, o Governador não faz referência às crianças ou qualquer outra faixa etária, são
simplesmente escravos. A maior discrepância se observa no número de escravos pretos. Os
homens são maioria em todas as freguesias da Ilha, alcançando mais que o dobro do
número de escravas nas freguesias da Lagoa, Necessidades e o José. na freguesia de
São Miguel a quantidade de escravos pretos homens superava em mais de quatro vezes o
número de mulheres e na freguesia do Ribeirão era três vezes maior.
41
As informações desse relatório foram requisitadas pelo Ministro Souza Coutinho
ao Vice Rei, que as devia repassar ao Governador, e eram as seguintes: a descrição física do
território, aspectos demográficos como a composição racial da população e o número de
nascimentos, casamentos e mortes; a relação quali-quantitativa da produção econômica,
especificando-se o que era exportado e importado; a relação de impostos pagos e a
arrecadação real nos últimos três anos; a relação dos gastos efetuados pelo governo com a
especificação das despesas com Exército e Marinha, administração da Justiça e Fazenda; o
estado da tropa regular e auxiliar, a qualidade e quantidade de oficiais, soldados e
armamentos; propostas para as promoções militares e, por fim, observações quanto à
introdução de possíveis novas culturas e melhoramentos da Fazenda Real. O quadro 01 traz
os números populacionais apresentados pelo Governador João Alberto de Miranda Ribeiro
ao Vice Rei, juntamente como o relatório solicitando informações detalhadas sobre a Ilha e
demais distritos de sua jurisdição. Através dele podemos observar de forma mais global -
apesar dos eventuais erros de cifras que podem ter ocorrido por parte dos informantes do
Governador - a distribuição da população pelas freguesias e as diferenças quantitativas
entre brancos e negros.
Sexo Masculino Sexo Feminino Fôrros Escravos Notícias das alterações
que sucederam no anno
de 1795.
Pardos Pretos
Classes
Fogos
De 1 até 7 annos
De 7 até 15 annos
De 15 até 6
0 annos
De 60 annos p/ cima
Somão
De 1 até 7 annos
De 7 até 14 annos
De 14 até 40 annos
De40 annos p/ cima
Somão
Somão todas as classes
Pardos
Pardas
Pretos
Pretas
Maxos
Fêmeas
Maxos
Fêmeas
Total existente nos Distritos
Nascidos
Mortos
Cazados
Vindos para o Distrito
Auzentes
Vª Capital
de N. S. do
Desterro
666
365
308
404
79
1156
353
297
583
253
1496
2652
32
43
15
20
119
87
433
356
3757
237
201
49
-
30
42
Distrito do
Ribeirão
160
108
84
149
26
367
77
75
138
56
366
733
-
-
3
1
12
7
217
67
1040
-
-
-
7
18
Freguesia
da Lagoa
329
234
179
287
55
755
210
153
308
123
794
1549
4
5
4
7
5
5
236
101
1916
90
41
17
2
46
Freguesia
das
Necessidad
es
439
287
253
373
60
973
310
236
356
173
1073
2048
8
13
4
2
11
4
248
109
2447
109
28
14
7
76
Freguesia
de São
Miguel
450
282
239
383
77
981
263
186
354
164
967
1948
5
1
3
13
24
19
598
147
2758
119
57
25
9
29
Freguesia
de São José
389
236
165
355
68
824
221
148
328
146
843
1667
2
3
4
3
12
12
268
120
2091
108
45
13
-
18
Freguesia
da Enseada
do Brito
196
105
102
169
22
398
98
90
163
83
434
832
-
-
5
-
7
5
199
43
1091
40
25
3
-
42
Freguesia
da Laguna
369
310
274
406
83
1073
283
257
478
224
1242
2315
38
49
13
12
46
60
441
229
3203
186
69
18
113
102
Villa Nova
242
111
80
185
38
414
143
82
180
96
501
915
2
1
7
7
4
6
117
50
1109
54
12
8
33
27
Villa do
Rio S.
Francisco
776
497
391
733
92
1713
431
355
786
275
1847
3560
60
59
3
4
116
115
310
226
4453
158
68
40
29
41
Somão
4216
2535
2075
3444
600
8654
2389
1879
3696
1603
9565
18.219
151
174
61
69
356
320
3067
1448
23.865
1101
546
187
200
436
(Quadro 01) Rezumo Geral de toda a população pertencente ao Governo da Ilha de Santa
Catharina, formado pelos mapas que derão os officios de cada hum dos Distritos do mesmo
Governo. Em 1º de janeiro de 1796. Acervo Biblioteca Nacioanl, Seção de Manuscritos,
conjunto documental 3,3,17.
As atividades de assentamento e ocupação territorial realizaram-se em grande parte
por colonos livres. Mas a participação de escravos africanos não foi irrelevante, apesar de
ter sido menor do que se observou em várias outras regiões do país. Os dados oficiais,
contidos no quadro do governador João Alberto de Miranda Ribeiro mostram isso. Por
outro lado, a presença escrava era importante, pois não se pode ignorar que, em um
território restrito como a Ilha de Santa Catarina, cuja população e sistema de distribuição de
terras privilegiavam a pequena propriedade e o trabalho familiar, um quinto de sua
43
população, estimada em 1820 em 12.000 indivíduos oficialmente ou 14.000 pelos
cálculos locais, era de escravos. Vinte anos depois, a fala do Presidente da Província A. J.
Ferreira de Brito em de março de 1841, registra, para a Ilha de Santa Catarina, 19.368
indivíduos, sendo 15.032 livres e 4.336 escravos.
32
A reavaliação da tão enraizada idéia de que o sul do Brasil teve uma escravidão
praticamente insignificante abre um precedente para que, junto dela, outras teorias sejam
questionadas e analisadas por novos ângulos. A exploração madeireira e a agricultura que,
mesmo periférica, foi importante para a manutenção de regiões monocultoras que não
produziam o suficiente para seu próprio consumo pode ser tomada como exemplo. Isso
considerando o fato de estarmos falando de uma ilha de pequenas proporções se comparada
a esses aglomerados de grandes fazendas monocultoras.
1.2
Colonização Programada e Insularidade.
Para analisar a relação do homem com as ilhas e mares é necessário, segundo
Diegues, “uma boa dose de pluralismo metodológico”.
33
É importante perceber a
construção da idéia de insularidade e as relações de troca com o mar do ponto de vista do
imaginário popular e científico na antiguidade, até as grandes navegações no século XV.
Além disso, a comparação com o período posterior possibilita uma melhor apreensão da
relação dos homens com as ilhas e os mares e, com isso, possivelmente, tem-se uma idéia
mais clara dos mitos e símbolos ligados a elas.
32
FERREIRA DE BRITO, A. J. Falla do presidente da Província de Santa Catharina em de
março de 1841. In: www.crl.edu/content/brazil/scat.htm Consultado em 02/08/2008.
33
DIEGUES, Antônio Carlos. Ilhas e Mares simbolismo e imaginário. São Paulo: Hucitec,
1998., p. 18.
44
O estudo das ilhas sempre foi uma recorrente dos trabalhos da etnologia e,
segundo Augé, está relacionado à idéia de espaço insular como lugar por excelência, onde
cultura, sociedade e espaço coincidem.
34
As ilhas são um mundo em miniatura onde os
contornos são bem definidos e as fronteiras entre a cultura de ilhéus e não ilheis
igualmente.
35
Essas características de espaço e recursos limitados atuam diretamente na
produção e reprodução de recursos econômicos, sociais e simbólicos e certamente
influenciaram as idéias portuguesas de transferir populações entre ilhas dos Açores e
Madeira para a Ilha de Santa Catarina. O mesmo havia sido feito antes no Maranhão,
que em 1647, recebeu cinqüenta famílias açorianas de Santa Maria. Dois anos depois
chegaram mais cem famílias. Todos se instalaram em São Luís, também uma ilha.
36
Tais considerações também são importantes ao estudarmos a imigração açórico-
madeirense para o sul do Brasil, que se deu por volta da metade do século XVIII e foi
resultado de um projeto de Portugal para desafogar aquelas ilhas da superpopulação e da
fome que as estavam assolando. Essa imigração e as diferenças de ilhas oceânicas para
ilhas costeiras e, especialmente, o desenvolvimento ou não de práticas sociais e simbólicas
ligadas à maritimidade, também são relevantes para uma melhor análise das
transformações ambientais e sociais de nosso objeto de estudo no decorrer do século XIX.
A ocupação da Ilha de Santa Catarina tem semelhanças com outras ilhas no
Atlântico e costa oeste da África, especialmente no que tange às questões ambientais,
apesar dos séculos que separam a colonização das mesmas. Segundo Grove, tais ocupações
foram parte de um novo tipo de expansão européia que teve início com as grandes
34
AUGÉ, M. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas:
Papirus, 1992., p. 47.
35
DIEGUES, Antônio Carlos. Ilhas e Mares – simbolismo e imaginário. Op. cit., p.27.
36
CORREA, Silvio Marcus de Souza e BUBLITZ, Juliana. Terra de Promissão: Uma Introdução à
Eco-História da Colonização do Rio Grande do Sul. Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo
Fundo; Santa Cruz do Sul: Ed. Universidade Santa Cruz do Sul, 2006.,p. 48.
45
navegações. Esse modelo deveu-se em muito as novas tecnologias de navegação e
puderam ser percebidos no Arquipélago dos Açores, nas Ilhas Canárias e na Madeira,
colonizadas por espanhóis e portugueses. Os resultados foram radicais, florestas e povos
indígenas foram dizimados.
37
Ainda segundo Grove, essas ilhas tiveram as conseqüências
trágicas da ocupação européia mais rapidamente percebidas por seu território ser restrito e
a pior conseqüência foi a escassez de água. Um dos causadores desse problema ambiental
foi a lavoura de cana-de-açúcar, em especial nas Ilhas Canárias. Outro ponto observado
nessas ilhas após o desflorestamento foi a queda na precipitação de chuvas. Isso permitiu,
desde o final do século XV, de acordo com Grove, uma associação perigosa entre a
vulnerabilidade dos territórios colonizados com a intervenção estrangeira.
38
O novo mundo, apesar desses conhecimentos climáticos e ambientais
adquiridos, ainda era associado ao paraíso terrestre ou à Arcádia, e nesse mesmo campo do
imaginário estavam as Ilhas. O homem do Renascimento ligou as ilhas à idéia de mundos
em miniatura, como o purgatório de Dante Alighieri na obra Divina Comédia, na qual uma
ilha no oceano meridional era lugar onde havia a possibilidade de redenção.
39
Outro
exemplo disso foi a designação de “ilhas afortunadas” atribuída, a principio, às Canárias e
à Madeira.
No caso específico das ilhas dos Açores e da Madeira, possessões Portuguesas
ocupadas e colonizadas desde o início do século XV, as práticas e costumes construídos
em relação ao mar e a terra ilhoa dão a medida do grau de tensão dessa população com
fenômenos naturais como maremotos, terremotos e erupções vulcânicas. Observa-se
também a preocupação em relação à superpopulação decorrente do território restrito e da
37
GROVE, Richard H. Green Imperialism: Colonial Expansion, Tropical Edens and the
origins of Environmentalism, 1600-1860. New York: Cambridge University Press, 1996. p., 29.
38
GROVE, R. Green Imperialism. Op.cit., p. 30-31.
39
Ibid., p.33.
46
instabilidade do mar para o comércio e abastecimento de alimentos e como esses fatores
influenciaram a decisão de emigrar para o “novo mundo”.
Certamente há, em alguma medida, a noção de identidade ilhoa nessas
populações, essa identidade não quer dizer, no entanto, isolamento social e não determina
a persistência ou diferença em práticas e organizações sociais em ilhas
40
. Por outro lado, o
isolamento insular tem grande influência sobre os mecanismos biológicos não humanos e,
de acordo com o tamanho do território emerso, resultam no empobrecimento ou maior
fragilidade das associações vegetais e animais e maiores riscos de extinções. O
conhecimento desses fatos e a vivência deles por parte de populações ilhoas como os
açorianos e os madeirenses, teriam, teoricamente, construído uma noção de preservação da
fauna e da flora insulares para “uso futuro”, que vivenciaram as conseqüências do
desequilíbrio. Porém, o foi o que se percebeu na Ilha de Santa Catarina com a chegada
desses imigrantes no século XVIII.
São dessas ilhas que, depois de anos sucessivos de intempéries, maremotos e
terremotos, saíram os primeiros colonizadores “organizados” para o sul do Brasil. Eram
conhecedores dos problemas de sua terra natal, mas não os associaram à nova terra que,
apesar de ser também uma ilha, estava longe das situações extremas de carência de terras
para agricultura, como o exaurimento dessas mesmas terras e, conseqüentemente, de
espécies vegetais importantes para a nutrição da população. Essa escassez de terras e
alimentos em decorrência da superpopulação que não permitiu um tratamento mais
racional da terra, através do descanso ou rotação de culturas, poderia ter agido como um
alerta às pessoas. No entanto o que se viu foi um tratamento da terra, da fauna e da flora
que seguiu a mesma linha de “aproveitamento” que gerou a fome nos Açores e Madeira.
40
DIEGUES, A. Ilhas e Mares. Op.cit., p. 62.
47
Se nos questionarmos sobre os motivos disso podemos levantar diversas
hipóteses como: o estímulo da própria Coroa para a derrubada da mata que seria usada
para construção naval as melhores madeiras e para o uso dos próprios imigrantes, uma
vez que a madeira era a base para quase tudo, desde casas, móveis, carroças, até a lenha
para os alimentos e aquecimento. Outro ponto era o estímulo de Portugal obrigação
imposta aos colonos na maioria das vezes para o desenvolvimento da agricultura a partir
da aclimatação de plantas exóticas e da produção de plantas locais como a mandioca. Esse,
aliás, foi, certamente, um dos principais motivos para a derrubada da mata que na verdade
estava associada à “limpeza” da terra para fins agrícolas ou a fundação de vilas e cidades.
Por fim, outro ponto importante é o mito da natureza inesgotável, baseado na
fronteira natural sempre aberta para o avanço da exploração econômica. Segundo dua,
“os colonizadores portugueses, acostumados às limitações ecológicas de sua região de
origem, viam a Mata Atlântica como um universo que jamais se consumiria”.
41
Essa
também era a realidade da Ilha de Santa Catarina que por sua extensão de 423 km² e por
ser coberta de mata era vista como um grande território disponível para o avanço da
produção e da urbanização, minimizando a importância do cuidado ambiental.
1.3
Imigração e Povoamento
Um mesmo local pode ser tantas vezes retratado, descrito e analisado que às vezes
pensamos estar diante de histórias de locais completamente distintos, quando na verdade
estamos apenas conhecendo a mesma história de outros pontos de vista. Algo parecido com
o que Chartier descreve na obra Formas e Sentido. Cultura Escrita: entre distinção e
41
PÁDUA, José Augusto. Um sopro de Destruição - pensamento político e crítica ambiental no
Brasil escravista (1786-1888). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002., p.73.
48
apropriação, ao analisar a representação, em 1668 na França, de “Le mari confondu” de
George Dandin, pelo grupo de teatro de Molière. O espetáculo em questão foi encenado
duas vezes. A primeira para a corte de Luiz XIV, no palácio de Versalhes, a segunda para o
povo, na festa de Santo Humberto. As impressões e relatos parecem apontar para dois
enredos totalmente diversos, mas encontrava-se a diferença nos olhos que a assistiram e a
interpretaram. Enquanto para a corte o texto era uma comédia de costumes leve,
entremeada de dança e música, para o povo era uma crítica social forte e instigante.
42
Enfim, a história de Santa Catarina passa, muitas vezes, por essa dicotomia. O que
predominou, especialmente na historiografia que aqui chamaremos de tradicional e que se
estendeu do início do século XX até a década de 1970, são os relatos grandiosos e
enaltecedores da terra e da gente que a ocupou e desbravou. Eram pessoas de origem
européia, primeiro os açorianos na Ilha e outros pontos da costa, posteriormente italianos,
alemães e poloneses no interior do Estado. A história tradicional relata muitas vezes sem
questionar ou analisar mais profundamente quem era essa gente e o que fez dessa terra, ou
mais, por que saíram de seus países de origem; em quais condições e sob quais promessas
do governo português.
Títulos grandiosos como A Epopéia Açórico-madeirense ou Memória histórica,
authentica, sincera, pictoresca e sentimental da Villa, depois cidade de Nossa Senhora do
Desterro da ilha de Sancta Catharina, dos casos raros alcunhada: memória, o primeiro de
Walter Piazza e o segundo de Oswaldo Rodrigues Cabral, foram durante muitos anos as
referências únicas da história catarinense. Ainda hoje são importantes, especialmente no
que se refere aos documentos usados como fontes e muitas vezes citados na íntegra por
seus autores, documentos que já se perderam em muitos casos. Por isso, a partir da releitura
desses livros podemos identificar até novas variáveis da história local, como a floresta, o
42
CHARTIER, Roger. Formas e Sentido. Cultura escrita: entre distinção e apropriação.
Campinas, SP: Mercado das Letras, 2003., p. 97-98.
49
mar, o mangue e outros elementos que foram tão importantes na definição do que a Ilha
de Santa Catarina tornou-se no decorrer do século XIX. A natureza foi por muito tempo
tratada apenas como cenário onde se encenava a construção de uma província próspera por
homens fortes e muitas vezes de imagem ilibada, sem considerar a influência que esse
“cenário” teve na tomada de decisões políticas, nas práticas sociais e culturais e no rumo do
progresso almejado.
Nesses exemplos, assim como outros que facilmente poderíamos citar, está
sempre presente uma forte carga de heroísmo, grandiosidade dos personagens - humanos ou
não - e de progresso, algo como a imagem de vencedores. Mas, se olharmos mais
profundamente, percebemos que o que esses colonizadores venceram foram, basicamente,
as dificuldades impostas por uma floresta diferente das européias e por isso era vista como
ameaçadora, além de seu potencial ainda ser desconhecido. Porém, essas pessoas foram
orientadas a “domar” a mata e transformá-la, dando lugar à ordem e a criação de um ethos
mais próximo do modelo europeu, familiar a todos.
O “heroísmo” estava em sair de sua terra natal e instalar-se em um local
desconhecido, diferente e, frente a tudo isso, progredir. Agravado pelo fato de que essas
pessoas, especialmente os açorianos e madeirenses que chegaram à Ilha em meados do
século XVIII, dificilmente terem consciência ou terem sido informados das dificuldades
que encontrariam. Aliás, essa é uma característica das colonizações programadas, em
especial no Brasil. Isso também ocorreu com os colonos livres que emigraram para as
fazendas de café de São Paulo e para o interior no Rio Grande do Sul, no século XIX, e
para os migrantes do próprio oeste de Santa Catarina no início do século XX.
43
Essas
43
Para conhecer mais sobre esse tema ler: NODARI, Eunice; CESCO, Susana; WERLE, Márcio;
CARVALHO, Miguel M.X. As Florestas do Sul do Brasil na Imprensa Alemã e a Atração de
Imigrantes. In: DREHER, Martin N.; RAMBO, Arthur B.; TRAMONTINI, Marcos J. (org.).
Imigração e Imprensa. São Leopoldo: Instituto Histórico de São Leopoldo/EST Edições, 2003;
CESCO, Susana. Migração e desmatamento no Alto Uruguai Catarinense: uma releitura da
50
pessoas vinham com promessas de um lote de terra já demarcado, ferramentas de
trabalho para iniciar sua lavoura, animais como bois, cavalos, galinhas, cabras, etc. e
mantimentos para os primeiros períodos após a instalação, em especial farinha de
mandioca. Nesse ponto as reclamações sempre foram muitas e iam desde a falta de
legalização dos lotes até o total abandono e descaso das autoridades locais para com os
imigrantes. Descaso que se refletia no não cumprimento das promessas acima listadas, o
que deixava essas pessoas à mercê da própria sorte em uma terra desconhecida e com
recursos ignorados, cuja experimentação foi a base do conhecimento adquirido. Essa
inexistência de uma preocupação ambiental no campo político deve-se em parte, segundo
Correa e Bublitz, à necessidade de alterações ambientais quando a colonização era
entendida como “a domesticação da natureza local pela colonização européia”.
44
Sobre o
sul do Brasil, especificamente, “o insignificante contingente de colonos europeus e o baixo
nível tecnológico disponível durante os séculos XVII e XVIII promoveram alterações
ecológicas de baixa intensidade”.
45
As obras acima citadas, e outras dessa dita história tradicional, trataram, em sua
maioria, o imigrante como um herói desbravador que simplesmente saiu da Europa,
enfrentou dificuldades na viagem e sofreu com as promessas falsas dos agentes de
imigração que mantinham essas pessoas presas por contratos rigorosos. Os imigrantes
ficavam com altas dívidas de transporte e instalação e na maioria das vezes eram obrigados
a trabalhar para quitar o débito o que impedia que, ao menos nos primeiros anos, o dinheiro
ganho com o trabalho agrícola fosse empregado em melhorias para o próprio colono e sua
relação homem x floresta no início do século XX. Florianópolis, 2003. Monografia História -
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC; DEAN, Warren. Rio Claro um Sistema
Brasileiro de Grande Lavoura 1820-1920. São Paulo: Paz e Terra, 1977.
44
CORREA, Silvio Marcus de Souza e BUBLITZ, Juliana. Terra de Promissão: Uma Introdução à
Eco-História da Colonização do Rio Grande do Sul. Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo
Fundo; Santa Cruz do Sul: Ed. Universidade Santa Cruz do Sul, 2006.,p. 35.
45
Ibid.,p. 44.
51
família. No entanto, tais obras raramente mencionam que essas pessoas, ao menos no
quesito dificuldades de sobrevivência, eram experientes. A Europa da qual eles saíram
não era tão próspera como podemos eventualmente imaginar e essas pessoas não saíram de
como desbravadores corajosos e destemidos. Na realidade eram pessoas pobres,
desempregadas, vítimas da superpopulação e da baixa produção agrícola, algumas ainda
podiam ser prostitutas, mendigos ou criminosos. Enfim, a maioria era sim composta de
famílias, outros não, porém a totalidade era de pessoas em busca de condições de vida
melhores do que as que tinham em seu país de origem. Raros foram os ricos que vieram
para colonizar a Ilha de Santa Catarina.
1.4
Uma Ilha e seus elos com o Continente
De acordo com Florentino e Fragoso “de 1799 a 1822, os registros manuscritos de
entradas de embarcações no porto do Rio de Janeiro indicam que o abastecimento de
farinha de mandioca provinha do sul da Bahia, de zonas do litoral fluminense como Cabo
Frio e Itaguaí e, majoritariamente de Santa Catarina”.
46
Assim pode-se dizer que, em fins
do século XVIII e na primeira metade do século XIX, as saídas de produtos de Santa
Catarina, e em especial do porto de Desterro, no caso de embarcações de menor tonelagem,
representavam uma quantidade considerável.
Tal fato é também relatado por Laura Machado Hübener, além de apontar as escalas
de oscilações de entrada e saída de produtos do porto de Desterro, explicando que a
importância deste porto estava relacionada com o desempenho de sua função de escoadouro
46
FLORENTINO, Manolo e FRAGOSO, João. O arcaísmo como projeto: Mercado Atlântico,
Sociedade Agrária e Elite Mercantil no Rio de Janeiro, c.1790-c.1840. Rio de Janeiro:
Diadorim, 1993., p. 62.
52
da maior parte da produção da Província, em especial da litorânea. Estas relações o
tornaram intermediário mais do comércio do litoral médio-sul da Província do que do
litoral norte. Para Desterro convergiam as embarcações que faziam o comércio de pequena
cabotagem.
47
Esse pequeno comércio pode ser percebido também se consultando registros
iconográficos da época, que retratam o grande movimento que a praça do mercado tinha em
dias de feira, quando canoas, pessoas e mercadorias de todas as freguesias se misturavam,
muitas delas vindas para descarregar produtos destinados à exportação, outras para
abastecer o comércio local.
48
No final do século, entre 1880 e 1885, Desterro era o porto
mais importante na Província, com 36% do total de exportações.
49
Segundo Hübener, o número de pessoas envolvidas em atividades marítimas chegou
a 16% da população de Desterro. Ainda em 1874, nada menos do que 1.125 pessoas eram
registradas como “empregados na vida do mar”. Dentre esses, chama a atenção o mero
de “patrões de hiates” que era de 125.
50
Eram eles os responsáveis pelo transporte de
materiais entre os portos da Ilha, como Sambaqui, Ribeirão ou São José da Terra Firme,
com Desterro ou até viagens mais longas entre outros portos do litoral. Transportavam
desde vegetais produzidos por moradores das freguesias do interior da Ilha até carne
provinda do continente. Eram verdadeiros atravessadores que ajudavam a abastecer o
mercado de Desterro.
47
HÜBENER, Laura Machado. O comércio na cidade de Desterro no século XIX. Florianópolis:
Ed. da UFSC, 1981., p. 77.
48
LIMA, Débora da Rosa Rodríguez. A abordagem ambiental no processo de desenvolvimento
urbano de Florianópolis. São Paulo, 2002. Dissertação (Mestrado) - FAUUSP., p. 76.
49
ALMEIDA, Luciana Cristina de. “Nossa Senhora do Despejo” O lixo e a imundície em Nossa
Senhora do Desterro no fim do Império. (décadas de 1850, 1860 e 1870). Florianópolis, 2003.
Monografia em História. Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis - UDESC., p. 46-
47.
50
SILVA, João Thomé da. Falla dirigida à Assembléia Legislativa da Província de Santa
Catharina em 21 de março de 1875 pelo exm. Sr, Presidente da Província. Cidade do Desterro: Typ.
De J.J. Lopes, 1875.
53
Essas pessoas trabalhavam no carregamento e descarregamento de dezenas de
embarcações anualmente. Toda a produção destinada à exportação deixava o porto de
Desterro em embarcações cujos nomes variavam de acordo com seu modelo e capacidade:
galeras barcos de guerra movidos à remo e velas; bergantins ou fragatins embarcações
ligeiras de dois mastros cada; sumacas - pequenas embarcações de dois metros e dois
mastros cada; escunas embarcações velozes com dois mastros e velas cada; hiates
barcos pouco maiores que canoas que eram usado no transporte de cargas pequenas e
médias; lanxas e charruas - grandes navios para transporte.
O movimento de entrada e saída do porto era considerável e mostra o quão estreito
era o contato da Ilha e sua população com o continente. O fato de estarmos falando de uma
ilha nesse caso não apresenta o “isolamento” que poderíamos esperar. Os habitantes locais
conviviam com os do continente e com eles efetuavam trocas, o “isolamento” imposto pela
insularidade é mais efetivo quando diz respeito a terras e a possibilidade de ampliação das
fronteiras físicas da Ilha. O quadro 02, retirado do relatório do Governador Luiz Mauricio
da Silveira em 1815 indica a quantidade de cada uma dessas embarcações que entraram e
saíram do porto de Desterro naquele ano, dando uma idéia do movimento no início do
século XIX.
54
(Quadro 02) Mapa das Embarcações que entrarão, e sahirão do porto da Capitania de Santa
Catharina no anno de 1815. Autoria: Luiz Mauricio da Silveira. Santa Catharina, 7 de janeiro
de 1817. Acervo Biblioteca Nacional, Seção de Manuscritos, conjunto documental I, 31,29,18.
Em Relatório de 1837, o Presidente da Província indicava um aumento significativo
na entrada e saída de embarcações no porto local. “Entraram na cidade 265 embarcações, e
sahiram 263, sendo destas 226 Nacionais, e 9 de portos estrangeiros, 109 para portos do
Império, e 108 para os da Província, e 40 para estrangeiros”.
51
O mercado fronteiro ao porto, ou onde esse foi construído, era o centro de
convergência de canoas e carroças de vendedores dos mais variados produtos, desde
alimentos até escravos, animais ou serviços. O que a princípio eram tabuleiros dispostos ao
ar livre pelas ruas centrais em volta da praça que por ordem governamental teve que ser
transferido e aglomerado em um espaço construído e delimitado. Essas medidas de
“ordenação e embelezamento” da porta de entrada da capital da Província de Santa Catarina
ocorreram com certa agilidade em função da visita do Imperador e da Imperatriz à Ilha em
1845.
O novo prédio, onde o até então comércio ambulante instalou-se, foi concluído em
1851 e funcionou por 45 anos quando foi demolido para a construção do atual prédio do
Mercado nos anos de 1896 a 1898.
52
Na ilustração 02 o prédio construído em meados do
século XIX encontra-se no lado direito da foto e a partir dele podemos observar a intensa
51
Relatório do Presidente da Província José Mariano de Albuquerque Cavalcante, 1837., p. 16. In:
www.crl.edu/content/brazil/scat.htm Consultado em 02/08/2008.
52
CABRAL, O. R. História de Santa Catarina. Op.cit., p. 126.
Galeras
Bergantins
Sumacas
Escunas
Hiates Lanxas Somão
Entrarão em
todo o anno
6
32
45
10
5
71
169
Sahirão 6
28
55
5
6
70
170
Ficarão no porto -
4
-
5
-
1
10
55
circulação de pessoas e como funcionava a chegada das carregados hiates e canoas com
mercadorias em frente à praça.
(Ilustração 02) Vida Comercial nas proximidades do antigo Mercado Público de Desterro,
fronteiro à praça. Acervo: Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina.
Na lateral direita do Mercado, ao lado da Praça central da capital, ficava a
Alfândega, prédio onde se dava o registro da entrada e saída de mercadorias e escravos e
por onde a economia de Desterro pode ser medida. Esse prédio explodiu em 24 de abril de
1866. Até essa data toda a entrada e saída de produtos da Ilha ocorriam em frete à praça,
local por onde passavam todos os habitantes.
Isso transformou a área em ponto de encontro de escravos, vendedores e
trabalhadores pobres, poluindo” o local fisicamente e figuradamente, segundo algumas
autoridades e a imprensa local. Nesse momento os espaços de convívio das pessoas ditas
“de bem” estavam sendo demarcados socialmente e o fato de na praça da cidade
encontrarem-se escravos e trabalhadores do porto era um mau que deveria ser corrigido.
Apenas oito anos depois da explosão de 1866 se iniciou a construção do novo
prédio em local mais afastado do centro, no prolongamento da Rua do Príncipe. Essa rua,
“em alguns pontos, não possuía a dupla fileira de casas, havendo apenas uma, de frente para
56
a praia. Assim, depois da primeira quadra (...) eram baldios os terrenos onde se construiu
a nova Alfândega e o novo Mercado”,
53
à direita daquela, posteriormente, em 1896.
A ilustração 03 corresponde ao centro urbano de Desterro de 1876.
(Ilustração 03) Planta Topográfica da Cidade do Desterro, levantada por ordem e na
presidência da Província de Santa Catarina, por Alfredo D’Escragnolle Taunay, pelo
engenheiro major Antonio Floriano Pereira do Lago e Carlos Othom Schlappal, 1876.
Detalhe referente ao centro de Nossa Senhora do Desterro.
Acervo Arquivo
Histórico do Exército, setor de cartografia.
Legenda:
J Alfândega
J’ Trapiche da Alfândega
9 Rua do Príncipe
i Trapiche público
K Mercado
t’ Terreno próprio geral
16 Rua do Ouvidor
17 Rua da Paz
b+ Igreja de São Francisco.
As quadras bem definidas e ocupadas por construções são um demonstrativo de que
Desterro já tinha novas e relevantes proporções como cidade. As igrejas, e prédios públicos
administrativos misturavam-se à sobrados residenciais e lojas. O dia-a-dia dessa nova vida
53
CABRAL, O. R. História de Santa Catarina. Op.cit., p. 127.
57
urbana podia ser acompanhado, inclusive, pela imprensa escrita, que deu os primeiros
passos na década de 1830, e nesse período já tinha uma circulação importante.
1.5
Importação e Exportação
O século XIX foi um período de oportunidades comerciais em escala global. Não
que elas não ocorressem antes, mas a expansão econômica européia do período possibilitou
a ampliação dos mercados tanto para matérias-primas quanto para alimentos. Para uma
Europa muito povoada, com solos desgastados por séculos pela agricultura, nada mais
interessante que importar produtos tropicais do Brasil. Somando-se ao açúcar exportado
pelo Brasil anteriormente, o café e outros produtos entraram fartamente na Europa. Dentre
esses produtos também estava a madeira.
Com sua economia baseada quase totalmente na agricultura, grandes regiões
agrícolas com produtos que visavam o mercado externo desenvolveram-se no Brasil. A
cana-de-açúcar e depois o café, em especial, foram as molas propulsoras do
desenvolvimento do nordeste açucareiro - Pernambuco e Recôncavo baiano - e do sudeste
cafeicultor - Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo - respectivamente.
Conseqüentemente o abastecimento de bens de consumo para essas regiões era
complementado por outras, uma vez que não era economicamente inteligente desviar
braços escravos dessas lavouras altamente lucrativas para produzir alimentos variados para
o consumo dos próprios escravos e dos patrões. Segundo Mariléia Caruso, ecoando as
palavras de Taunay em seu livro Manual do Agricultor Brasileiro, era aconselhado que os
alimentos para consumo fossem produzidos nas próprias fazendas para evitar desperdício
de verbas com a compra dos mesmos. Com essa prática, os excedentes poderiam ser
58
dirigidos para os mercados urbanos.
54
Apenas posteriormente, na segunda metade do
século XIX, é que a prática de comércio interprovincial se efetivou e cresceu.
Isso possibilitou um relativo desenvolvimento do comércio interno com fins de
abastecimento de determinadas regiões por outras que eram monocultoras e exportadoras.
No caso de Santa Catarina, o comércio ocorria basicamente com o porto do Rio de Janeiro
devido às restrições que determinavam isso, posteriormente, o porto da capital poderia
repassar mercadorias para outros portos do Brasil ou do exterior. Essa restrição retardou o
crescimento comercial de Desterro.
na década de 1830 havia um comércio exportador e importador entre Desterro e
portos estrangeiros e do império, sendo que o montante movimentado entre Desterro e
portos do Império era consideravelmente superior, como indicado no quadro 03:
Importação Gêneros de produção
nacional vindos dos
portos do Império
Mercadorias
estrangeiras importadas
dos portos do Império
Mercadorias
estrangeiras
importadas de portos
de fora do Império
Total
Em 1837 –
1838
69:332$350 404:936$811 56:314$323 530:583$484
Em 1838 –
1839
41:107$620 373:272$260 54:349$975 468:729$855
Em 1839 –
1840
67:970$107 359:328$257 63:795$498 491:093$862
Exportação
Para portos do Império Para portos Estrangeiros Total
Em 1837 –
1838
141:554$663 73:583$108 215:137$771
Em 1838 –
1839
210:669$479 82:583$489 293:252$968
Em 1839 –
1840
190:903$491 49:633$711 240:537$202
(Quadro 03) Tabela anexa ao relatório do Presidente da Província de Santa Catarina
Antero José Ferreira de Brito em 1841. In: www.crl.edu/content/brazil/scat.htm
Consultado em 02/08/2008.
54
CARUSO, M.M.L. O desmatamento da Ilha de Santa Catarina de 1500 aos dias atuais.
Florianópolis: Ed. da UFSC, 1983., p.12.
59
Os valores acima se referem aos preços dos produtos e sobre alguns desses ainda
incidiam os impostos sobre exportação que eram chamados de dízimos e variavam em
porcentagem se o destino fosse um porto nacional ou estrangeiro. Esses produtos eram:
Produtos exportados para portos do Império Quanto paga %
Peixe salgado 5%
Madeira e lenha 10%
Cal 10%
Couro 20%
Produtos exportados para portos Estrangeiros Quanto paga %
Couro 13%
Madeira e lenha 3%
Aguardente 3%
Cal 3%
(Quadro 04) Tabela anexa ao relatório do Presidente da Província de Santa Catarina
Antero José Ferreira de Brito em 1841. In: www.crl.edu/content/brazil/scat.htm
Consultado em 02/08/2008.
De acordo com Débora Lima, o porto de Desterro teve uma descontinuidade em
suas atividades e uma queda de importância inversamente proporcional ao aumento dos
calados dos navios. Isso se deu
em virtude de suas condições físicas, pois, à medida que se afasta do
estreito em direção ao norte, justamente no canal de navegação, verifica-
se uma acentuada diminuição de profundidade, sendo este baixio
denominado Tabuleiro. Este Tabuleiro era, um verdadeiro impasse, nas
marés baixas, aos navios que demandavam aquele porto, tornando assim
secundária a posição hidrográfica da capital catarinense em relação aos
outros portos salientes da costa sul, como Santos, Paranaguá, São
Francisco e Rio Grande.
55
Essas condições obrigaram, com o passar das décadas durante o século XIX, navios
de grande porte a transportar suas cargas para embarcações menores para que suas
mercadorias chegassem ao porto para serem vendidas. Tal processo de transporte encarecia
55
LIMA. Débora da Rosa Rodrigues. A abordagem ambiental no processo de desenvolvimento
urbano de Florianópolis. Op.cit., p. 76.
60
o produto. As embarcações pequenas circulavam em grande número e remavam ou
velejavam diariamente entre as praias de Desterro e os grandes navios mercantes ou de
guerra, nacionais ou estrangeiros, ali fundeados. O calado desses navios não lhes permitia
chegar ao porto de Desterro e freqüentemente ficavam nos ancoradouros de Santa Cruz e
Sambaqui.
56
Esses dados sobre o porto, o mercado e especialmente o que era comerciado nele
são indicativos da importância das características do ambiente local para a definição do
desenho social e econômico da Ilha. Solo, clima e vegetação dimensionaram as
possibilidades de aclimatação de plantas, crescimento urbano e riqueza madeirável,
características próprias de uma área de Mata Atlântica, predominante na região. Por
conseguinte, a análise da história local passa, obrigatoriamente, pelo encontro do homem
com esse mundo natural e o resultado de tal contato, que provocou destruição e criação,
mas, sobretudo transformação durante todo o período analisado.
Restringindo a análise para o recorte geográfico ilhéu devemos considerar, além da
cobertura vegetal, do solo e do clima, o fato de ser uma ilha e todas as implicações sociais e
ambientais que dele advêm. A constituição dessa paisagem e as mudanças impostas a ela
passam pelo questionamento do próprio conceito de “paisagem” e de outros termos que
constantemente são usados em textos de geógrafos, historiadores ambientais, biólogos e
outros profissionais que, justamente por conta disso, podem cair em uma superficialidade
e/ou homogeneidade de entendimento.
56
Ibid., p.76.
61
1.6
Conceitos e Instrumentos da História Ambiental Ilhoa
Segundo Donald Worster, a história ambiental faz parte de um processo de
ampliação de investigação histórica que vem ocorrendo desde o século XIX. A história dos
grandes homens e dos Estados tem dado espaço à história econômica, social, cultural e do
cotidiano. A história ambiental propõe outra ampliação, incorporando a presença da
natureza aos estudos sobre as sociedades de modo geral, a partir da relação entre suas
estruturas biofísicas, modos de produção e formas culturais.
57
A história ambiental é um
novo elo nessa corrente investigativa, um elo que procura ir mais fundo em sua análise,
chegando à própria natureza,
rejeita a premissa convencional de que a experiência humana se
desenvolveu sem restrições naturais (...) [e] é parte de um esforço
revisionista para tornar a disciplina da história muito mais inclusiva em
suas narrativas do que ela tem tradicionalmente sido.
58
Seu objetivo não é de cunho puramente biológico, ecológico ou geográfico, ao
contrário, sempre foi “aprofundar o nosso entendimento de como os seres humanos foram,
através dos tempos, afetados pelo seu ambiente natural e, inversamente, como eles afetaram
esse ambiente e com que resultados”.
59
Enfim, a história ambiental trata, basicamente, do
papel e do lugar da natureza na vida humana e de como os humanos reagem a determinadas
características da natureza.
Quando definimos a inserção desse trabalho no campo da história ambiental e,
especificamente, ao designarmos dessa forma o tipo de abordagem, não estamos propondo
um estudo de ecologia ou de geografia. A proposta é de um estudo da interação das práticas
57
WORSTER, Donald. Para fazer história ambiental. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 4. n. 8,
1991., p. 198.
58
Ibid., p. 198.
59
Ibid., p. 200.
62
culturais de uma sociedade situada no tempo e no espaço - o século XIX e a Ilha de Santa
Catarina com a natureza local, onde as relações sociais se expressam concretamente,
modificando o espaço vivido. Por conta disso, a interdisciplinaridade é importante uma vez
que o próprio objeto requer um enfrentamento de temas que vão da história florestal e das
paisagens à agricultura e urbanização, inseridas em um amplo quadro de história social e
ambiental.
De fato, quando delimitamos uma área geográfica para estudar sob a ótica da
história ambiental, mesmo sendo uma analise histórica stritu sensu, trabalhamos com um
recorte territorial mais circunscrito, pois, se considerarmos que uma grande extensão abarca
diversos ecossistemas e por sua vez diferentes formas de relação homem-ambiente,
conseqüentemente as respostas dos homens para as situações ambientais encontradas serão
também muito diversas. É nesse contexto que analisamos as questões humanas em sua
relação com o meio.
Associado a isso, a constante transformação do ambiente, muitas vezes de forma
destruidora, está diretamente ligada à necessidade de consumo das comunidades humanas.
A percepção do que é eleito como recurso por uma sociedade pode dar a medida e o foco da
devastação. Em função disso, o próprio conceito de “recursos naturais” precisa de uma
análise que determine o que se depreende dele, uma vez que sofreu profundas mudanças ao
longo de diferentes tempos e lugares. Refinar os conhecimentos disponíveis sobre florestas,
rios e outros elementos biofísicos em sua interação necessária com as populações humanas
também possibilita um entendimento mais amplo das transformações históricas de uma
área, aproximando as variáveis sociais, econômicas, culturais e ambientais.
É isso que Martin Melosi fez quando, ao analisar a cidade industrial do início do
século XX, a definiu como um reflexo da revolução econômica do século XIX,
63
especialmente na Europa e nos Estados Unidos.
60
Essa revolução propiciou um
desenvolvimento significativo no abastecimento e no desperdício de água além da
disposição do lixo. Isso associou a transformação econômica à transformação física das
cidades.
É no século XIX que as grandes cidades conhecem a eletricidade e com isso há uma
melhoria espetacular nas comunicações e no transporte. Ato contínuo, essas mesmas
cidades se expandem. Essas novas ferramentas e tecnologias propiciaram mudanças
urbanas que não foram mais freadas por barreiras geográficas ou ambientais. Também
influenciaram os novos desenhos urbanos no que tange a instalação de zonas comerciais,
industriais e residenciais nas cidades.
61
Ainda segundo Melosi essas questões aceleraram
problemas sanitários urbanos que pioraram com as alterações nos cursos dos rios ou
novos contornos em baias - casos esses que em certo grau podem ser percebidos no
processo de urbanização de Nossa Senhora do Desterro no século XIX .
62
Tal crescimento,
especialmente de grandes áreas urbanas, atingiu as esferas física, tecnológica, comercial e
industrial e redimensionou o impacto desses aglomerados urbanos sobre o meio ambiente,
principalmente sobre a poluição do ar, água e solo.
Essa percepção das questões ambientais, especialmente urbanas, estreitamente
ligadas às questões políticas e econômicas possibilita uma melhor observação de pontos
relevantes para trabalhos de história ambiental, muitas vezes “diluídos” em leis, manuais
agrícolas, posturas municipais e outros documentos históricos, lançando mais luz sobre o
tema.
60
MELOSI, Martin V. Cities, Tecnical Systems and the Environment. In: Environment History
Review. V. 14, n. 1-2, Spring/summer 1990., p.45.
61
Ibid., p. 47.
62
Ibid., p. 48.
64
No caso da Ilha de Santa Catarina, como o restante do atual território brasileiro, o
desmatamento vinha acontecendo muito tempo, bem antes da colonização européia.
Extração de madeira, queimadas, enfim, muito se perdeu da riqueza natural da Mata
Atlântica e pouco ficamos sabendo de muitas espécies que não existem. “Através do
saber vagamente rememorado dos indígenas, transmitido com dificuldade a caboclos e
africanos fugidos do período colonial, algumas espécies da Mata Atlântica haviam
adquirido nomes e alguns deles tinham se associado a usos”.
63
Porém, com a colonização
portuguesa a intensidade dessa transformação aumenta. A princípio, com a extração do pau-
brasil e depois com os engenhos de cana, as grandes fazendas de café, as áreas de
mineração e pastagem, a agricultura e, finalmente, as cidades. Todo esse processo se deu na
maioria das vezes em meio à ignorância quanto ao que se estava destruindo. Relativamente
poucas eram as espécies vegetais e animais estudadas até o final do século XVIII. Além
disso, segundo Dean,
esses fragmentos de conhecimento empírico quase o tiveram aplicação
comercial. (...) Toda essa complexidade estava sendo destruída antes que
a inteligência humana pudesse compreendê-la. No fim do século XVIII,
contudo, o interesse científico europeu estava começando a se voltar mais
sistematicamente para o mundo natural, além de suas fronteiras.
64
O interesse português mais efetivo verificado em fins do século XVIII se deve, em
parte, a baixa arrecadação do quinto real sobre ouro e diamantes nessa época e a
necessidade de ampliar seus mercados ultramarinos que estavam sendo assediados pela
produção das colônias tropicais de outras potências européias. Essa “ressurreição da
economia imperial exigia frota ampliada, produção colonial mais eficiente e diversificada,
melhor infra-estrutura colonial e talvez maior integração econômica no interior das próprias
63
DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São
Paulo: Companhia das Letras, 1996., p. 134.
64
Ibid.,p. 134.
65
colônias, pelo menos naqueles setores que sustentavam o comércio exportador”.
65
Isso só
se daria com a abertura de caminhos, pesquisas sobre qualidade das plantas e
principalmente ocupação e exploração efetiva justamente da área de Mata Atlântica.
Tal processo de transformação ia ao encontro da idéia de progresso presente no
discurso de políticos e pensadores do Brasil do século XIX. A referência a progresso estava
vinculada a um modelo rural modernizado, com máquinas, tecnologias e produtos químicos
que pudessem contribuir para um crescimento agrícola ordenado. De acordo com Pádua,
“essa agricultura modernizada não era vista como fonte de destruição ambiental, mas sim
como o caminho mais direto para a salvação do território e para a construção de um país
efetivamente civilizado”.
66
Essa noção de progresso “supunha conservação e uso correto do
mundo natural que, por sua vez, fazia sentido no contexto desse progresso. A natureza
[passa] a ser vista como um objeto político, um recurso essencial para o avanço social e
econômico do país”.
67
Os princípios do período no que se refere às florestas,
especificamente, eram semelhantes à idéia de Braudel ao dizer que
riqueza florestal se incorporada na economia, na presença de uma
multidão de intermediários, pastores que conduzem os seus rebanhos, [...]
lenhadores, carvoeiros, carreteiros, todo um povo selvagem [...] com o
ofício de explorar, utilizar, destruir. A florestavale se for utilizada
68
.
Nesse sentido, a duplicidade da idéia de progresso é palpável e implica, por um lado
um objetivo ou, pelo menos, uma direção e, por outro, um juízo de valor. É essencial
definirmos quais os critérios e valores em que se assentou a idéia de progresso nesse
período da história da Ilha de Santa Catarina, para com isso compreendermos os usos
65
DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira.
Op.cit., p. 135.
66
PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição. Op.cit., p. 19.
67
Ibid., p. 28.
68
BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo, séculos XV-XVIII. As
estruturas do cotidiano: o possível e o impossível. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p.331.
66
atribuídos à natureza local sob a ótica positiva dos homens que a realizaram. Podemos
afirmar, no entanto, sem o risco de um equívoco, que uma das coisas associada à idéia de
‘progresso’, nesse momento, é o progresso científico e tecnológico, especialmente na área
agrícola.
Praticamente na origem de todas as acelerações da ideologia do
progresso um salto das ciências e das técnicas. Isto aconteceu no
século XVII, no XVIII e no século XX. A segunda é a ligação entre o
progresso material e a idéia de progresso. É a experiência do progresso
que leva a acreditar nele, a sua estagnação é em geral seguida de uma
crise de tal idéia.
69
Esse domínio de novas técnicas e tecnologias estava diretamente ligado à idéia de
controle da natureza. O caminho que levava ao progresso passava necessariamente pela
transformação da natureza ou pela presença perceptível e modificadora do homem. Isso
pode ser observado nas palavras de José Augusto Drummond, quando mostra que
quase todas as paisagens elogiadas pelos escritores clássicos e
contemporâneos amantes da natureza são na verdade jardins, áreas rurais
criadas e manejadas pelos humanos e como o homem ocidental ama as
paisagens que ele mesmo controla e constrói, forma nada sutil de gostar de
si mesmo. Quanto à natureza selvagem, intocada, incontrolável, ele tem
pavor ou um apetite insaciável de controlar, domesticar, civilizar.
70
Nesse ponto da análise das transformações da Ilha de Santa Catarina outro conceito
entra em debate: a paisagem. Seu significado é entendido de formas muito diversas pela
geografia, pela história, pela biologia e por tantas outras disciplinas que usam esse conceito.
A começar pelo próprio uso quase “indiscriminado” do termo que cobre desde espaços
urbanos até rurais ou selvagens. A falsa unanimidade em torno de paisagem, de acordo com
Blanc-Pamard e Raison, deve-se à liberdade de uso sem contestação, sem ao menos a
69
LE GOFF, Jacques. Progresso. In: Einaudi. Região. Portugal: Imprensa Nacional, Casa da
Moeda, 1986.v.1, p.341.
70
DRUMOND, José Augusto. A História Ambiental: temas fontes e linhas de pesquisa. In: Revista
de Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.4, n.8, p, 190., p.190.
67
interrogativa: “você está vendo o que eu estou vendo?”. Basicamente, os autores indicam
que o essencial sobre a paisagem não reside no seu aspecto exterior, mas em reduzir a
problema o que se vê.
71
Para Dubost, a dimensão do termo paisagem passa pela compreensão e apropriação
de elementos como território, sítio, espaço, natureza/campanha. Todos esses elementos, no
entanto, devem ser somados ao ponto de vista do observador, pois a paisagem comporta um
filtro e deve-se considerar o risco de ver a paisagem não como um reflexo do conteúdo real
de um determinado espaço, mas como a realidade por si só.
72
Por isso, é importante ver na
paisagem os elementos concretos que permitem decifrar a relação da sociedade local com a
natureza. Essa percepção deve considerar os elementos pertencentes realmente a uma
paisagem, seja ela florestal, rural ou urbana. Talvez em função dessa dúvida em definir ou
delimitar sobre o que abrange, o termo paisagem tem sido aplicado acompanhado de um
qualificativo como ‘paisagem agrária’, ‘paisagem urbana’, ‘paisagem florestal’. O que não
facilita sobremaneira sua compreensão.
A maioria das definições relaciona paisagem com organização ou arranjo do espaço,
porém, de acordo com Paul Claval a paisagem não pode ser entendida simplesmente como
a interação do homem com a natureza em um determinado lugar, ela é sim uma forma
intelectual na qual diferentes grupos culturais a percebem e a interpretam, construindo os
seus marcos e significados nela.
73
O termo paisagem já aparecia em algumas obras importantes como Cosmos de
Alexander von Humboldt, Geografia Comparada de Carl Ritter ou ainda Antropogeografia
71
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. História das Paisagens. In: CARDOSO, Ciro Flamarion;
VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História. Rio de Janeiro. Campus, 1997., p.147.
72
DUBOST, Françoise. La Problématique du Paysage.In: État des Lieux.Études Rurales. N. 121-
124, Paris, IHESS, Janvier-décembre, 1991., p, 222.
73
CLAVAL, Paul. A geografia cultural. Florianópolis: UFSC, 1999.,p. 420.
68
de Friedrich Ratzel. O termo foi empregado com algumas variantes interpretativas para
transcrever dados sobre áreas distintas do planeta e, segundo Schier, não são independentes.
Paisagens são, em quase todas as abordagens dos séculos XIX e XX,
entidades espaciais que dependem da história econômica, cultural e
ideológica de cada grupo regional e de cada sociedade e, se
compreendidas como portadoras de funções sociais, não são produtos,
mas processos de conferir ao espaço significados ideológicos ou
finalidades sociais com base nos padrões econômicos, políticos e
culturais vigentes.
74
Entre tantas definições de paisagem, a maioria delas da geografia, e considerando as
variáveis indicadas por Schier, Carl Sauer apresenta uma que contempla um universo maior
de análises, extrapolando o campo da geografia. Em seu artigo A morfologia da paisagem,
Sauer conceitua a paisagem
como um organismo complexo, resultado da associação de formas que
podem ser analisadas. Constitui-se de elementos materiais e de recursos
naturais disponíveis em um lugar, combinados às obras humanas
resultantes do uso que aquele grupo cultural fez da terra. Não se trata
apenas de adição de elementos, mas de uma interdependência, sujeita
também à ação do tempo.
75
Ainda de acordo com Carl Sauer “a paisagem tem uma forma, uma estrutura, um
funcionamento e uma posição dentro de um sistema, e este sistema está sujeito a
desenvolvimento, transformação, aperfeiçoamento”.
76
Por isso, ao tratarmos especialmente
de questões florestais é temerário referirmo-nos ao processo de derrubada de uma área de
floresta simplesmente como destruição uma vez que é necessário que ocorra uma abertura
das áreas de mata para que haja adaptação humana, vida em sociedade nos padrões atuais.
Sociedades não se formam em meio à floresta, mas sim em clareiras, pequenas, grandes ou
74
SCHIER, R. A. Trajetórias do conceito de paisagem na geografia. In: R. RA’E GA, Curitiba, n.
7, p. 79-85: Editora UFPR, 2003.
75
SAUER, O. A morfologia da paisagem. In: MAXIMIANO, L. A. Considerações sobre o conceito
de paisagem. In: R. RA´E GA, Curitiba, n. 8, p. 83-91: Editora UFPR, 2004.
76
SAUER, O. A morfologia da paisagem. Op.cit., p.83.
69
gigantescas. Ao estudarmos esses espaços que definimos como parte de uma mesma
paisagem, é essencial considerar as dimensões social, econômica e cultural, além de seu
aspecto visual, entendido como um cenário onde aparecem os resultados dos eventos
naturais e sociais.
A idéia de paisagem nas sociedades contemporâneas, efetivamente, é permeada pela
presença humana, uma vez que, de acordo com Leo Waibel, nós sempre enxergamos a
paisagem em perspectiva,
77
como conceito qualitativo para o caráter conjunto de lugares
semelhantes, com ênfase à fisionomia e à fisiologia de determinada área.
78
Ou seja, é o
olhar do observador que qualifica a paisagem. Soma-se a isso o fato de que a maioria das
paisagens é percebida por seus ângulos utilitários, sejam eles ligados a habitat, alimentos e
toda uma gama de recursos cujas possibilidades de apropriação e transformação em um
determinado território passam pelos conhecimentos do homem. Esses recursos só são
efetivados quando se juntam ao saber fazer - transformação de uma substancia bruta/natural
em um bem material cuja utilidade é reconhecida por um grupo social.
A natureza foi por muito tempo pensada em oposição ao homem ou à cultura.
Segundo Francisco Carlos Teixeira da Silva isso tem origem no final do século XVIII e
fortalece-se no século XIX com o idealismo e o romantismo alemães, que distanciaram
Natur de Kultur.
79
Essa transformação do enfoque sobre a paisagem cede espaço ao
entendimento de que a natureza não mais é um dado externo e imóvel, mas como um
produto de uma prolongada atividade humana.
80
77
ETGES, Virgínia Elizabeta. Geografia Agrária – a contribuição de Leo Waibel. Santa Cruz do
Sul: EDUNISC, 2000., p. 89.
78
Ibid., 91.
79
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. História das Paisagens. In: História. Ed Campus: Rio de
Janeiro, 1997., p. 204.
80
Ibid., p. 204
70
O diferencial importante que devemos reter na história da paisagem é a
noção de conjunto, sistêmica, marcada por padrões possíveis de
comparação. Não se trata de uma história econômica de uma região ou seu
retrato como na geografia -, nem tampouco de um processo de
urbanização ou de esvaziamento de uma cidade, embora esses elementos
devam estar presentes. Trata-se de uma visão de conjunto, do enlace de
múltiplas variáveis, em uma duração sempre longa.
81
Desse ponto de vista, procuraremos abordar as questões de imigração,
desmatamento e urbanização na área assinalada de acordo com o contexto de temporalidade
e sociedade em que foram promovidas, para compreender as apropriações e construções de
conceitos e termos usados quando se faz referência à região em questão e as transformações
impingidas à sua natureza. Natureza aqui entendida como o conhecimento cultural da terra
e das criaturas vivas existentes nela, num nível de observação a olho nu.
Era o que as pessoas observavam sem o uso de telescópios ou
microscópios, sentiam, cheiravam e fixavam na memória, pensando nelas
como experiências diretas com o mundo ao redor delas. A existência de
um ‘mundo natural’, separado da sociedade, as idéias de ‘experiência
direta’ e observações a olho nu, e a construção mental que delas
resultavam o assentadas e teorizadas como qualquer coisa produzida
pelos filósofos, mesmo que as hipóteses não sejam tão claramente
articuladas.
82
Nesse sentido o conceito de “natureza” aproxima-se do de “ambiente”, porém, um
conceito fechado é muito difícil e certamente encontrará barreiras de definição de uma
disciplina à outra que o use, no entanto concordamos que
o determinismo do ambiente não é linear: esta ou aquela sua
característica o implica necessariamente esta ou aquela instituição ou
prática social. Por um lado, o fenômeno social pelo qual uma
comunidade actua sobre o ambiente ou se lhe adapta não é apenas uma
simples resposta a um problema ecológico; faz também parte integrante
do conjunto de um sistema social. Em especial, o fato de um grupo social
81
Ibid., p. 205.
82
DUNLAP, Thomas R. Nature and the English diaspora: environment and history in the United
States, Canada, Australia, and New Zeland. In: NODARI, Eunice; CESCO, Susana; WERLE,
Márcio; CARVALHO, Miguel M.X. As Florestas do Sul do Brasil na Imprensa Alemã e a Atração
de Imigrantes. In: DREHER, M. N.; RAMBO, A.B.; TRAMONTINI, M. J. (org.) Imigração e
Imprensa. São Leopoldo: EST Edições, 2003. p. 164.
71
assumir um fenômeno ecológico deve ser compatível com a própria
organização desse mesmo grupo. Por outro lado, o processo estabelecido
entre uma comunidade humana e o seu ambiente é dialético: toda a
prática social tende a modificar (ou adaptar-se a) um ecossistema do qual
faz parte o grupo que a exprime. As relações homem-ambiente são
recíprocas, e os fenômenos de feedback são a regra, e não a exceção.
83
Essa adaptação/modificação é resultado de pressões sofridas pelas comunidades
humanas em seu esforço de ocupação de novos e distintos espaços e variam de acordo com
as possibilidades oferecidas pelo ambiente que estão ocupando naquele momento. Além de
serem mais ou menos impactantes de acordo com seu grau de desenvolvimento tecnológico
e econômico. As comunidades que migram, como foi o caso de alguns grupos que
ocuparam a Ilha de Santa Catarina, levam consigo a lembrança de seu local de origem e
tentam recriá-lo, ao menos os itens que a memória os leva a crer serem bons. As diversas
implicações sociais das relações com o ambiente são muito claras quando se consideram as
respostas que as várias comunidades dão a um mesmo tipo de problema”.
84
Isso pode ser
percebido na imigração entre ilhas que, a princípio, parecia ideal e resolvia boa parte dos
problemas de adaptação dessas comunidades. No entanto, independente de serem ilhas,
eram espaços totalmente diferentes. Solo, plantas, animais e clima eram diversos,
independentes de estarem cercados pelo mar.
Com o povoamento programado do sul do Brasil, tópico da política pombalina de
ocupação da fronteira, e no caso específico da Ilha de Santa Catarina, ponto estratégico e de
longa disputa com a Espanha, a natureza foi “usada” da forma que os então novos
habitantes entendiam como mais apropriada, qual seja, com o que eles traziam da Europa
em termos de saberes e práticas, desconsiderando ou desconhecendo as particularidades de
83
BRUN, Bernard; LEMONNIERS, Pierre; RAISON, Jean-Piere; RONCAYOLO, Marcel.
Enciclopédia Einaudi. Ambiente. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1989. v. 8.,
p. 21.
84
BRUN, Bernard; LEMONNIERS, Pierre; RAISON, Jean-Piere; RONCAYOLO, Marcel.
Enciclopédia Einaudi. Op. Cit., p. 25.
72
uma floresta totalmente diferente da européia. Como conseqüência, novos usos foram
aplicados à “natureza” local e essas novas ações provocaram reações diversas que se
converteram em profundas alterações geopolíticas e também ecológicas.
Os limites impostos pela insularidade criaram uma fronteira “definitiva” no que diz
respeito à exploração de recursos naturais, à transformação de áreas de mata em áreas
agricultáveis ou à ocupação humana. Esse fator teve influência nos usos dados às terras da
Ilha e, aliado a outras características geográficas locais, foram importantes no que diz
respeito à dinâmica das alterações ambientais, especialmente as decorrentes das práticas
agrícolas. Também influenciaram a maneira como os habitantes locais viveram esse
processo e adaptaram ou readaptaram seus costumes e práticas.
Apesar dessa estreita relação entre homem e meio ambiente devemos atribuir o peso
devido a cada uma dessas transformações e, como Fredrik Barth sugeriu, devemos assumir
[...] um ponto de vista que não confunda os efeitos das circunstâncias
ecológicas sobre o comportamento com os efeitos da tradição cultural,
tornando possível a separação desses fatores e a investigação dos
componentes culturais e sociais não-ecológicos que agem no sentido da
criação de diversidade.
85
Ainda de acordo com Barth, é ingênuo acreditar que cada tribo e cada povo mantêm
sua cultura através de uma indiferença hostil com relação a seus vizinhos. Isolamento social
e geográfico o são fatores que mantêm a diversidade cultural.
86
Barth também defende
que as formas culturais aparentes exibem efeitos da ecologia.
Não me refiro ao fato de que elas refletem uma história de adaptação ao
meio ambiente; em um sentido mais imediato, elas também refletem as
circunstancias externas às quais os atores têm que se acomodar. Seque
as mesmas pessoas, com os mesmos valores e idéias, não adotariam
diferentes padrões de vida e institucionalizariam diferentes formas de
85
BARTH, Fredrik. O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro:
Contra Capa Livraria, 2000., p. 31.
86
BARTH, Fredrik. O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Op.cit., p. 26.
73
comportamento, se postas diante de oportunidades diferentes
oferecidas por ambientes distintos?
87
A busca de um entendimento para esse processo de resignificação de espaços passa,
necessariamente, pelos próprios conceitos de espaço que os colonizadores traziam consigo,
em especial os açorianos e demais colonizadores de origem européia. É importante ressaltar
que seus objetivos eram ocupar lotes em uma colonização planejada e torná-los produtivos
no menor tempo possível. Essa, aliás, era a regra dos contratos de concessão de terras até
1822, ano de sua suspensão. Terras sem produção e benfeitorias em dois anos voltariam a
ser devolutas, logo percebemos certa urgência em limpar a terra e mostrar ocupação. Esses
fatores podem ter direcionado a maneira de tratar a terra e sua cobertura vegetal. Se a
floresta não era importante para a Coroa entenda-se que essa falta de interesse ocorria
pela floresta enquanto floresta e não enquanto madeira a ponto de sua derrubada e a
transformação do terreno em solo agricultável ser uma regra, seria anacrônico cobrar dos
imigrantes uma “consciência ecológica”.
Claro está que esses imigrantes trouxeram em sua bagagem cultural práticas bem
definidas de exploração florestal limpar a terra para agricultura, construção, vestuário,
alimentação. Tais práticas eram corriqueiras, sejam eles agricultores emigrados ou
estreantes no ramo que, pelas más condições da terra natal, chegaram à então colônia em
resposta aos interesses da Coroa. A idéia de implantar um modelo de ocupação baseado em
pequenas propriedades de agricultura familiar foi bem aceita, pois um dos problemas mais
palpáveis enfrentados por essas pessoas, especialmente os oriundos das ilhas oceânicas de
Portugal, era a falta de terra, especialmente de terra fértil.
Vindo também de uma realidade insular acreditou-se, talvez, em uma adaptação
mais simples. Porém, paravam as semelhanças. Ilhas sim, mas o arquipélago dos Açores
87
Ibid., p. 30.
74
tinha uma considerável distância do continente eram ilhas oceânicas ao passo que a
Ilha de Santa Catarina era costeira e o contato de seus habitantes com o continente fronteiro
era praticamente diário. O isolamento se dava no âmbito da terra e da possibilidade de
expansão. A Ilha não era uma fronteira aberta. Aliás, o conceito de fronteira é muito
importante para o desenvolvimento dessa analise. A idéia, universalmente difundida, de
fronteira como linha que separa duas regiões diferentes pode ser questionada, pois as
constantes idas e vindas dos moradores de uma ou várias regiões os coloca em contato
cultural e social entre si, tornando a fronteira uma abstração que não tem existência real
fora do mapa geográfico. Como afirma Diegues,
a fronteira tem, portanto, no fim de contas, pressupostos sociais e não
geográficos, é muito mais o contorno político de uma área natural. Ela
depende da consciência do grupo que tende a isolar-se, e é tanto mais
sólida quanto mais profundas são as diferenças entre esse grupo e o seu
vizinho.
88
O entendimento desse ponto lança luz sobre os três vetores de transformação que
iremos abordar nesse trabalho. A floresta, a agricultura e a cidade não são separadas no
tempo e no espaço em parte alguma do Brasil do século XIX, tampouco na Ilha de Santa
Catarina. Sem grandes propriedades rurais, a apropriação de áreas de floresta de acordo
com a necessidade de expansão áreas que em momentos anteriores eram tidas como
inóspitas ou improdutivas era corriqueira. A Ilha era composta pela pequena cidade de
Nossa Senhora do Desterro, como núcleo urbano único do local durante todo o século XIX,
além das minúsculas sedes de freguesias que dividiam a noção de aglomerado urbano, rural
e selvagem - representados aqui pela cidade, pela propriedade rural e pela mata. Muitas
vezes esses espaços não tinham limites definidos, outras, “apropriavam-se” de
características não suas como as chácaras e sítios que pagavam décima urbana por estarem
88
DIEGUES. Ilhas e mares. Op.cit., p. 27.
75
na área doada pela coroa à Câmara Municipal, ou casas de “veraneio” em pontos tidos
como rurais. Também o podemos desconsiderar as indicações da necessidade de plantar
árvores no cleo urbano, feitas por viajantes estrangeiros como Saint-Hilaire,
89
ato de
remediação da anterior devastação recomendação concretizada nas praças, nos passeios
públicos e jardins botânicos.
A historiografia ambiental brasileira tem explorado bastante os relatos de viajantes e
naturalistas de um modo geral, algo compreensível se considerarmos que através desses
relatos, muitos em formato de crônica,
90
chegaram até nós as primeiras informações sobre a
cobertura vegetal do Brasil. Esse conjunto de transformações desenha e redesenha as
fronteiras políticas e econômicas de uma determinada região. O tema da fronteira, nesse
sentido, é importante para processos de construção territorial através de migração e
colonização. Como afirma David Arnold,
a idéia de fronteira que avança é uma das principais formas na qual os
historiadores se propuseram a conceituar o processo de interação e
conflito entre dois conjuntos de pessoas culturalmente distintos e as
idéias e as práticas ambientais que representam.
91
Não se trata, por certo, de replicar as idéias de Frederick Jackson Turner
92
quando
escreveu sobre o avanço da fronteira norte-americana para o Oeste. Com uma posição
influenciada pelo darwinismo social, o autor trata o “avanço” dessa fronteira e a
transformação radical desse ambiente como um processo homogêneo e uma “conseqüência
natural” da superioridade dos colonizadores de origem européia. Uma visão mais
89
SAINT-HILAIRE, Auguste de Viagem a Curitiba e Santa Catarina. Belo Horizonte; Ed.
Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1978., p. 175.
90
Ver, entre outros, ROSSATO, Luciana. A Lupa e o Diário: história Natural, viagens
científicas e relatos sobre a Capitania de Santa Catarina (1763-1822). Tese de doutoramento
inédita. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005.
91
ARNOLD, David. La naturaleza como problema histórico: el medio, la cultura y la expanción
de Europa. México: Fondo de Cultura Económica, 2000., p. 95.
92
TURNER, Frederick Jackson. The frontier in American History, New York, 1953, p. 01.
76
diferenciada e refinada do tema das fronteiras, inclusive no caso dos Estados Unidos,
deveria incluir a produção de uma variedade de “fronteiras ecológicas”, pois os
colonizadores trazem consigo novas tecnologias, novas espécies e novos usos para a
“natureza” local, provocando profundas alterações geopolíticas e mudanças ambientais. A
própria gica desse avanço se funda na desqualificação das paisagens culturais locais,
culminando na idéia de “terra livre”, um espaço vazio” para a ocupação e o uso da terra
nos moldes da Europa.
93
Segundo Schama, os fundadores do moderno ambientalismo, Henry David Thoreau
e John Muir, acreditavam que
a natureza selvagem estava em algum lugar no coração do Oeste
americano, esperando que a descobrissem, e que seria o antídoto para os
venenos da sociedade industrial. Os “ermos bravios”, contudo, eram,
naturalmente, produto do desejo da cultura e da elaboração da cultura,
tanto quanto qualquer outro jardim imaginado.
94
Esse amplo universo de conceitos, cujos significados muitas vezes se cruzam ou, em
determinadas disciplinas, se confundem, não devem ser vistos separadamente, pois no caso
dessa tese eles são elementos que compõem as três faces floresta, agricultura e cidade -
do objeto de estudo; como um prisma. Também são os instrumentos que usamos para
enfocar de maneira conjunta esses três ângulos. A separação dos mesmos em capítulos é
puramente analítica e não um “fatiamento” delas, pois entendemos que essas variáveis
precisam ser analisadas em conjunto para alcançarmos a real dimensão do problema.
Outro ponto importante é que a proposta vai além de uma história florestal ou de
uma história agrária, pontos que muitas vezes são taxados como “pertencentes ao campo da
história ambiental”. A cidade, sua construção, seu sítio, seu dia-a-dia, as maneiras com que
93
ARNOLD, David. La naturaleza como problema histórico. Op. cit., p. 98.
94
SCHAMA, Simon. Paisagem e Memória. São Paulo: Companhia da Letras, 1996., p. 17.
77
os recursos do ambiente são utilizados, os valores atribuídos a determinados lugares e o
próprio desenho urbano são áreas de interesse da história ambiental, especialmente em uma
Ilha onde os limites impostos pela insularidade são mais palpáveis que outros limites
naturais como uma montanha ou um mangue.
Não é uma afirmação de isolamento, uma vez que as pessoas, mesmo vivendo em
uma ilha, em especial uma ilha costeira, têm constante contato com o continente, os limites
entre terra e mar são fronteiras definitivas, basicamente, no que se refere, por exemplo, à
ampliação de terras para além dos limites da ilha. Não estamos considerando os aterros que
podem ampliar as áreas emersas, pois, apesar do primeiro plano de aterro para a Ilha ser de
1846 e constar nos arquivos do Exército, esses só começam no final século XIX.
Estamos falando sim da história gerada a partir desse fato muito relacionado à
insularidade e pensamos que essa história é integrada (floresta, agricultura e cidade). Em
outros ambientes pode ser confundida” uma vez que os limites possíveis de aumento de
áreas agrícolas ou urbanas são maiores. Em uma ilha esses elementos necessariamente
interagem mais e, muitas vezes, os limites se confundem ou deixam de existir. É o caso, por
exemplo, quando o morador de uma área tida como rural não é um agricultor e se desloca
para a cidade para trabalhar.
Desse ponto de vista não podemos simplesmente tratar da derrubada da floresta
primária que cobria a Ilha de Santa Catarina como degradação. Como foi considerado
anteriormente, uma sociedade não se constitui em meio a mata e quando o espaço é mais
restrito percebe-se isso com mais clareza. Uma mesma área foi adaptada para dar lugar a
uma comunidade, para isso suas matas foram derrubadas de acordo com as necessidades
dessas pessoas, sejam eles moradores ou seus administradores em nome da Coroa lusa.
Nessas áreas, agora despidas de suas matas, formaram-se campos agrícolas e áreas
urbanizadas. Para as circunstâncias do período em que a produção de alimentos era
78
necessária para a manutenção dos novos moradores essa foi a melhor solução, ou seja,
não foi uma destruição. Provavelmente apenas podemos questionar se poderia ter sido
menos agressiva.
Como resultando dessa mistura de natureza, tempo histórico, pessoas, política e
economia, o que temos efetivamente são, muito mais que destruição ou construção,
transformações de espaço, paisagem, fronteiras e da própria noção de insularidade.
A
A
Q
Q
U
U
E
E
S
S
T
T
Ã
Ã
O
O
F
F
L
L
O
O
R
R
E
E
S
S
T
T
A
A
L
L
Com a colonização açorita e madeirense a
Ilha de Santa Catarina e o continente
fronteiriço começaram a florescer
vantajosamente e as encostas dos montes e
os vales humosos a cobrirem-se de pomares
e hortas. Por toda a parte ouviam-se as
pancadas fortes dos machados ferindo o rijo
cerne das árvores collossaes, o ruído
metálico das enxadas limpando a terra
virgem.
1
2.1
Leis para o Brasil: entre o legal e o usual.
O Brasil enquanto colônia de Portugal foi regido por leis, decretos, alvarás e
ordenações elaborados no reino e aqui aplicados. Aa transferência do governo português
para o Brasil em 1808, as decisões sobre a colônia, ao menos ao nível formal, tinham
Lisboa como centro. Órgãos como o Desembargo do Paço e a Casa de Suplicação ou o
Conselho de Fazenda e a Mesa de Consciência e Ordens Portuguesas elaboravam as regras
na então colônia, além de fazerem cumprir os tratados e decretos reais. Durante esse
período, a legislação voltada para a questão florestal no Brasil ganhou contornos mais
definidos. O cunho dessas leis não era, certamente, preservacionista, o interesse era
econômico e o objetivo do controle na extração de algumas espécies era a manutenção das
mesmas para exploração futura.
1
BOITEUX, Lucas Alexandre. Notas para a História Catharinense. Typ. a vapor da Livraria
Moderna. Florianópolis, 1912., p. 226-227.
I
I
I
I
80
Observando a história da legislação colonial, notamos períodos de variação nas
atividades legislativas, o mesmo acontece com os esforços para colocar essas leis em
prática. Podemos identificar desde o início da colonização portuguesa três períodos
importantes nesse emaranhado campo da elaboração e aplicação de leis:
entre o começo da ocupação efetiva do território, em 1532, quando as
cartas de sesmarias já interditavam o acesso dos concessionários ao pau-
brasil, até a incorporação da coroa portuguesa pela dinastia espanhola,
em 1580; da restauração até o final do século XVII, período marcado por
um esforço normativo numa etapa de consolidação do poder dos
Bragança; e, finalmente, as últimas três décadas do período colonial,
quando, num contexto de decadência imperial e crise financeira pós-ciclo
da mineração, tenta-se arrochar o pacto colonial, o que se expressa no
plano florestal pela tentativa de monopolização régia de todas as matas à
borda do mar e de todos os rios navegáveis (1797).
2
O regimento do pau-brasil, de 1605, é considerado a primeira lei específica desse
gênero. No Brasil, é uma espécie de primeiro vislumbre de política ambiental aplicada à
colônia. Foi a primeira vez, em cem anos de ocupação, que a natureza era percebida como
esgotável e passível de extinção. Possivelmente algumas espécies haviam sido degradadas
ou até extintas nesse mesmo período, mas é apenas quando o atingido é o produto que mais
gerava renda ao reino, até aquele momento, que medidas de controle passaram a fazer parte
do horizonte desses legisladores portugueses.
O tratamento dado ao Brasil no que tange a leis, decretos e regulamentações
assume outras características após a morte de D. José, em 1777, quando D. Maria assume o
trono e o Marquês de Pombal abdica do cargo. A rainha permanece no posto até 1792
quando é declarada mentalmente instável e lugar na administração dos negócios do
Estado a seu segundo filho, D. João. É em parte de sua administração como príncipe
regente que Rodrigo de Souza Coutinho atuou como Secretário de Estado da Marinha e
2
CABRAL, D. C.; CESCO, Susana. Árvores do rei, florestas do povo: A instituição das 'madeiras-
de-lei' no Rio de Janeiro e na Ilha de Santa Catarina no século XVIII. Luso-Brazilian Review.
v.44, n. 2. 2007., p. 51.
81
Domínios Ultramarinos de Portugal e com ele, ou sob sua influência, alguns decretos
sobre território e recursos naturais do Brasil foram promulgados.
Entre eles, a carta régia de 1797 foi uma medida mais efetiva no que tange
classificação, avaliação e mapeamento da flora brasileira. Até então, relatos e desenhos
“eram esforços amadores que não contradizem a suposição de que as autoridades
portuguesas, pelo menos em dois séculos e meio, não se preocuparam muito com a
impressionante biota da esplêndida colônia que havia caído em suas mãos”.
3
Durante a atuação de Souza Coutinho como ministro, desencadeou-se uma série
de medidas de estímulo à pesquisas de naturalistas luso-brasileiros sobre a fauna e flora da
colônia. Ordens como a compilação de uma flora do Império inteiro e a criação de uma
editora especializada em traduzir e editar textos sobre agricultura tropical fizeram de Souza
Coutinho um dos nomes importantes na tradição brasileira de pensamento e crítica
ambiental.
4
O documento tratado aqui como carta régia de 1797, que foi promulgado em 13
de março desse ano, é uma carta em que a rainha D. Maria I declarava ser propriedade de
sua “Real Coroa todas as matas e arvoredos que estão à borda da costa, ou de rios
navegáveis”.
5
Por meio desse instrumento legal, a Coroa requisitava a propriedade total,
não das espécies de “madeiras de lei”, mas de todas as árvores existentes na faixa de 10
léguas (aproximadamente 66 quilômetros) da costa e das margens de “rios que
desemboquem imediatamente no mar, e por onde em jangadas se possam conduzir as
3
DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São
Paulo: Companhia das Letras,1996., p. 101.
4
Para saber mais sobre esse tema, ver PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição -
pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista (1786-1888). Rio de Janeiro, Jorge
Zahar Editor, 2002.
5
Carta Régia de 13 de março de 1797 apud SOUZA, Paulo Ferreira de. Legislação florestal. Rio
de Janeiro: Diretoria de Estatística da Produção, 1934, p.20-21.
82
madeiras cortadas até as praias”.
6
Essa medida vinha em resposta à escassez de madeira
adequada para construção naval ou, mais especificamente, pela atividade de extração das
madeiras abundantes e de alta qualidade da costa brasileira ter sido mal administrada. Isso
só poderia ser explicado, de acordo com Warren Dean, pelo atraso nos métodos de extração
e pela indústria naval portuguesa estar concentrada em Portugal, pouco ou nada sendo
construído na costa brasileira, uma vez que, “por mais de dois séculos, a maior parte da
madeira própria para navios oceânicos era enviada aos estaleiros reais de Lisboa. Embora a
construção de barcos fosse comum por toda a costa brasileira, existe pouco registro de
navios oceânicos antes do século XVIII”.
7
Aliás, um dos aspectos mais significativos do
recurso à floresta no universo europeu foi a construção naval, e com a expansão européia a
partir do século XV, só intensificou o processo. Segundo Vieira, “até 1862, altura em que
se atingiu a idade do ferro, a madeira foi a matéria prima da construção naval”.
8
Esses últimos anos do século XVIII foram prolíficos em matéria de leis para a
conservação das matas do Brasil. O enfoque continuava sendo preponderantemente
utilitarista, mas novas idéias de preservação começavam a surgir. É nesse período que se
cria o cargo de Juiz Conservador, que era o aplicador das penas previstas em lei. Ainda no
ano de 1797 surgiram advertências governamentais sobre a necessidade de tomar todas as
preocupações para a conservação das matas do Brasil para evitar que fossem destruídas.
9
O problema da terra e da natureza no Brasil nunca deixou de ser discutido. Foi no
século XIX, porém, que recebeu maior atenção. A chegada da família Real em 1808 teve
conseqüências diretas sobre a questão das terras e das matas do Brasil. Foram tomadas
6
Carta Régia de 13 de março de 1797 apud SOUZA, Paulo Ferreira de. Op.cit., p. 21.
7
DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira., Op.cit.,
p. 150.
8
VIEIRA, Alberto. História e Eco-História. Repensar e Reescrever a História Econômica da
Madeira. In: História e Meio Ambiente. O impacto da Expansão Européia. Funchal: Centro de
Estudos da História do Atlântico/Secretaria Regional do turismo e Cultura, 1999., p.90.
9
Regimento do Pau-brasil, 12 de dezembro de 1605.
83
medidas administrativas como a datada de 9 de abril de 1809 que prometia liberdade aos
escravos que denunciassem contrabandistas de pau-brasil ou urbanísticas, como o decreto
de 3 de agosto de 1817 que proibia o corte de árvores nas áreas que circundavam o rio da
Carioca e no trajeto do aqueduto de Santa Teresa no Rio de Janeiro para preservar a água
da cidade. Essas foram algumas das intervenções diretas na preservação florestal do
Império, mesmo que tais atitudes viessem ao encontro apenas de uma necessidade de criar
reservas para exploração futura e não de um objetivo preservacionista. Essa preocupação
não material - ligada diretamente à importância financeira da fibra lenhosa - não foi uma
determinação única para a preservação das matas, mas serviu como estímulo.
A preocupação existia devido à madeira ter sido, por muito tempo, matéria-prima
e combustível para grande parte das atividades humanas. Leis e decretos de proteção desse
importante produto justificavam-se por ele ser indispensável e até insubstituível no
processo de produção de muitos bens de primeira necessidade. Madeira era necessária para
gerar o fogo que aquecia e cozinhava alimentos, para a construção de moradias, para o
fabrico de telhas, tijolos, cimento, ferro, chumbo e vidro. Somando-se a isso sua
importância como árvore, na cobertura e fertilização natural do solo a ser usado para
agricultura e, também, como matéria prima para a construção de carros, carroças, pontes,
curtir couros e tantos outros préstimos.
As leis de proteção das florestas - que eram na verdade protetoras da madeira, um
produto de alto valor e que não tinha substituto à altura nesse momento - não foram
privilégios dos monarcas portugueses. No início do seu reinado Elizabeth I (1533 - 1603)
tentou, através de um decreto, proibir a venda de navios fabricados na Inglaterra a
estrangeiros. No mesmo ano o Parlamento também promulgou uma lei para proteger a
84
madeira usada na construção naval, evitando seu uso como combustível.
10
Semelhante à
legislação portuguesa aplicada ao Brasil, essa lei proibia a venda e o corte da madeira para
combustível de áreas até 22 km da margem do mar ou dos rios Tamisa, Severn, Wye,
Humber, Tyne, Tees, Trent, ou qualquer outro rio, arroio ou curso d’água, usados
comumente por barcos.
11
O valor da fibra lenhosa é inquestionável e foi, como já citado, insubstituível até o
início do século XX para muitos fins. Outro fato importante era o esgotamento das reservas
européias desse material, cuja escassez era percebida em alguns locais ainda no século
XV e início do XVI. Por isso, quando, em 1420, a Ilha da Madeira começou a ser
colonizada pelos portugueses ocorreu um desmatamento descontrolado que gerou sérios
problemas ambientais em algumas décadas. Posterior ao inicial desmatamento e semelhante
ao que ocorreu com a Ilha de Santa Catarina, deu-se a implementação da agricultura, sendo
que o produto de interesse português plantado foi a cana-de-açúcar. Antes da cana, em
especial nos Açores, cultivou-se plantas corantes e depois culturas tradicionais como o
milho, o trigo e vinhedos. De todos esses, no entanto, a cana-de-açúcar foi a que mais
consumiu madeira, seja pela derrubada das matas para seu plantio ou pela lenha necessária
ao cozimento.
Em 1494, a indústria açucareira de Madeira precisava de cerca de sessenta
mil toneladas de madeira apenas para ferver cana. Quatro dos dezesseis
engenhos que funcionavam na Ilha consumiam oitenta mil cargas de
madeira por ano, transportadas por animais. Os proprietários dos engenhos
transportavam a maior parte do seu combustível pelos rios durante a
estação das chuvas. Na época seca, os lenhadores subiam os morros e
montanhas para cortar as árvores. Quando as chuvas começavam, eles
retornavam aos locais onde as haviam cortado e rolavam as toras, que
desciam pelo principal rio da Madeira. O rio ficava atravancado de troncos.
12
10
PERLIN, John. História das Florestas - a importância da madeira na história da civilização.
Rio de Janeiro: Ed. Imago, 1992., p. 193.
11
Ibid., p. 193.
12
Ibid., p. 266.
85
As características climáticas da Ilha da Madeira eram semelhantes às do Brasil,
especialmente as condições de cultivo da própria cana-de-açúcar. A conseqüência dessa
produção agrícola descontrolada foi o desflorestamento. De acordo com Richard Ligon, em
passagem pela Ilha da Madeira, a mesma estava tão “queimada pelo sol que não se pode ver
nada verde”.
13
Essa devastação ocorreu em apenas 240 anos de ocupação portuguesa. A
devastação florestal naquela ilha não teve como conseqüência apenas o “fim” de uma
reserva de matéria prima; as conseqüências foram muito mais graves, como o assoreamento
do rio mais importante da Ilha que era usado para transportar madeira no século XV e era
considerado insignificante por viajantes que por passavam em meados do XIX. Antes de
chegar a esse extremo, ainda em meados do século XVIII, a falência dos recursos naturais
e, conseqüentemente, a falência agrícola e a alimentar provocaram preocupação à Coroa
portuguesa que estimulou a emigração para sua outra colônia, o Brasil,
14
rica em terras e
matas virgens e carente de braços para transformar e “civilizar”.
No entanto, a dimensão dessa floresta e as implicações de sua derrubada
desenfreada e sem planejamento não foram postas em questão por muito tempo e o mesmo
pode-se dizer sobre os estudos a respeito da mesma. No caso do Brasil, a floresta manteve-
se à parte da historiografia por muito tempo. Era o cenário e mesmo quando a história era
sobre a destruição do cenário ela nunca passou de uma coadjuvante. Segundo Warren Dean,
“a história florestal corretamente entendida é, em todo o planeta, uma história de
exploração e destruição. O homem reduz o mundo natural à paisagem”.
15
Porém esse autor,
estudioso contumaz da Mata Atlântica, não dimensiona algo que, de nosso ponto de vista, é
13
LIGON, Richard apud PERLIN, John. História das Florestas - a importância da madeira na
história da civilização. Op.cit., p. 272.
14
PIAZZA. A Epopéia Açórico-Madeirense. Co-Edição: Editora da UFSC, Editora Lunardelli,
Florianópolis, 1992.
15
DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira.
Op.cit., p. 23.
86
fundamental: o homem não vive no meio da floresta, na melhor das hipóteses vive em
clareiras na mata.
A formação e fixação de grupos humanos, mesmo que pequenos, acarreta para a
sua instalação em determinado local a adaptação do mesmo. Isso se dá com a “limpeza” do
terreno, livrando-o de árvores e outras plantas, possibilitando a construção de moradias e a
produção de alimentos, sejam eles provenientes da agricultura em pequena escala ou da
criação de animais domésticos. Essas atividades aumentam em escala de acordo com o
tamanho ou crescimento desse grupo de pessoas e, conseqüentemente, a área a ser
transformada expande-se. A conservação total de uma floresta como a Mata Atlântica fica
inviabilizada com a presença humana. O próprio Dean admite que: mesmo habitada por
populações humanas tribais, ou mesmo desconhecedoras do ferro, a Mata Atlântica sofreu
destruição por fogo, extinções de animais e transferências de plantas que jamais saberemos
em sua totalidade, isso antes da chegada dos Europeus. Posteriormente, os portugueses,
imprevidentemente, “destruíram uma considerável realização cultural: [...] a capacidade dos
habitantes nativos de sobreviver em seu meio”.
16
E com essa destruição destruíram também
um incalculável “estoque” de conhecimento sobre a Mata Atlântica, acumulado por esses
mesmos nativos durante centenas de anos
No entanto, aborda-se a devastação da Mata Atlântica como transformação e não
como pura destruição, uma vez que o processo de derrubada da floresta foi um aspecto
necessário da história da ocupação. Não se contesta o fato de que houve excessos, erros,
enfim, um claro uso desordenado e destrutivo dos recursos naturais do bioma da Mata
Atlântica, mas o enfoque de transformação possibilita uma abordagem menos
“preconceituosa” dessa relação homem versus mundo natural.
16
DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira.
Op.cit., p. 83.
87
A Mata Atlântica, em si mesma, foi percebida como riqueza pela coroa
portuguesa no final do século XVIII, no contexto do declínio das rendas com a extração do
ouro nas Minas Gerais. E também pela preocupação iluminista com conhecimento e uso
racional do mundo natural, que em Portugal teve como marco a obra de Vandelli e seus
discípulos, como Souza Coutinho. Essa nova dimensão que a natureza alcança para o olhar
português se reflete na vontade de alguns membros da elite de conhecer a colônia para
melhor explorá-la e ocupá-la. Na esteira desse conhecimento estavam a busca de novas
fontes de renda, a avaliação acerca das doenças tropicais e os melhores locais para a
fundação de cidades.
Os nomes que nesse período contribuíram para o conhecimento e uso racional da
natureza brasileira também são os “responsáveis pela construção de um modelo
interpretativo da paisagem nacional”,
17
sem, no entanto ter um caráter preservacionista,
uma vez que intelectuais e autoridades no período viam no Brasil uma potência que poderia
exportar uma variada gama de produtos, tendo para isso que expandir a transformação de
suas terras cobertas de florestas em áreas agrícolas, pecuaristas ou urbanizadas. Mesmo
considerando que a devastação tenha sido intensa desde a chegada européia, ainda no
século XIX grande parte do território era florestal ou de campos, enfim, áreas desocupadas
ou devolutas.
Essa civilização emergente em formação era diferente em cada ponto do grande
território e essas diferenças eram, em grande medida, influenciadas pelo mundo natural,
desde seus hábitos alimentares até as atribuições e usos dados à natureza. Isso pode ser
percebido ao analisarmos a própria constituição das florestas tropicais do “novo mundo”
que, diferente das do velho mundo”, carecem de dominância. Lá, as florestas são
17
VALLE, Cid Prado. Natureza tropical e imagem nacional no Império Brasileiro. Rio de
Janeiro, 2001. Doutorado em História IFCS-PPGHIS. Universidade Federal do Rio de Janeiro., p.
53.
88
uniformes, “vastas formações com umas vinte árvores diferentes, ou uma dúzia, ou
apenas espécie única”.
18
O mesmo não se pode dizer das florestas tropicais, cuja variedade
de espécies vegetais e animais cria um ecossistema tão complexo que se torna difícil
compreendê-lo e catalogá-lo. Segundo Dean, esse inventário está além de nossos recursos
atuais ou do futuro próximo. Aqui as árvores do dossel não são encontradas em arvoredos
puros, em muitos casos como estratégia de preservação, evitando a proliferação de
parasitas. Em vez disso são dispersas, cada hectare não contendo mais que umas poucas
dúzias ou até espécies isoladas. Por isso, quando a floresta tropical é destruída, as perdas
em termos de diversidade, complexidade e originalidade são incalculáveis.
19
Essa característica é ponto importante quando o tema são as madeiras reservadas
pela Coroa para construção naval. Em cada área da costa do Brasil as madeiras que tinham
préstimos do interesse de Portugal só eram reconhecidas pela experiência. Talvez em
função disso Shawn Miller chama a atenção para a vacuidade da legislação madeireira, que
não explicitava quais espécies eram reservadas à Coroa de fato, no entanto, esse autor
parece acreditar no cumprimento da legislação por parte da população e autoridades, fato
até certo ponto risível em se tratando do Brasil. Aliás, essa legislação brasileira sobre o
tema sempre foi muito esparsa e composta de documentos desconexos e muitas vezes
contraditórios. Podemos inclusive comprovar tal fato pelos decretos diferenciados dirigidos
às diferentes capitanias e posteriores províncias, ponto que reforça o argumento de não
existir uma lista de madeiras ditas de lei aplicável para todo o Brasil. O que existia eram
qualidades arbóreas de caráter local-regional, isto é, cada capitania ou mesmo cada distrito
tinha a sua lista particular de espécies cuja exploração era interditada à iniciativa privada. A
origem do termo “madeiras-de-lei”, que remonta aos reclamos de exclusividade da Coroa
18
DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira.
Op.cit., p. 22.
19
Ibid., p. 23-30.
89
portuguesa sobre algumas essências nobres, em meados do século XVII, foi mudando de
significado ao longo do tempo, deslocando-se de sua acepção puramente jurídica para
outra, mais ampla, ligada à qualidade da madeira.
20
Na verdade,
fiéis à velha tradição colonial lusa da confusão e verborragia jurídica, os
reclamos estatais por madeira eram realizados à base de cartas régias e
alvarás que, volta e meia, aportavam à mesa dos vice-reis interditando o
acesso dos particulares a essa ou aquela árvore. O conjunto desses
documentos esparsos, desconectados e, muitas vezes, contraditórios, era
o que, na verdade, constituía a legislação florestal portuguesa.
21
Além disso, o alcance jurídico das leis e decretos que visavam preservar algumas
espécies arbóreas tidas como preferenciais para a construção naval da real armada
portuguesa era bem menor do que Miller acreditava e a política de implementação desses
dispositivos legais muito mais flexível do que supôs o historiador norte-americano.
Entendemos, portanto, que o que deve ser analisado nesse ponto é muito mais a relação
entre os textos legais e as práticas de gerenciamento florestal, as quais se consubstanciavam
nas operações madeireiras, direta ou indiretamente, administradas pela Coroa, que o texto
legal em si. Em um território tão extenso e tão distante dos olhos governamentais como o
Brasil as relações e negociações cotidianas devem necessariamente ser levadas em conta
em detrimento das fontes legislativas privilegiadas por Miller.
22
É preciso considerar que
ordens reais esparsas sobre a conservação das madeiras de valor naval eram editadas desde
meados do século XVII, quando foram proibidas sesmarias em áreas de reserva dessa
matéria-prima. Desde então o corte de madeira tornou-se uma indústria real e formalmente
supervisionada por guardas-mores e administradores que, no entanto, pouco ou nada
fizeram para controlar a devastação. Apenas entre 1795 e 1799, o então Ministro Rodrigo
20
CABRAL, D. C.; CESCO, Susana. Árvores do rei, florestas do povo... Op.cit., p. 51-52.
21
Ibid., p. 69.
22
MILLER, Shawn W. Fruitless Trees: Portuguese conservation and Brazil’s colonial timber.
Stanford: Stanford UP, 2000, p. 9.
90
de Souza Coutinho emitiu ordens mais específicas no sentido de preservar essas
madeiras tão importantes para a Real Armada Portuguesa.
A autorização para cortar madeiras boas para a construção naval,
denominadas como pau real ou madeira de lei, estava reservada aos
governadores, que eram auxiliados por juízes conservadores”,
exclusivamente encarregados da fiscalização, regulamentação e
autorização. As sesmarias em área de reserva naval deveriam ser
canceladas e indenizadas por concessões de terras em outros lugares.
Essas espécies de madeira de maior valor na construção naval deveriam
ser vendidas exclusivamente para os estaleiros reais a preços fixados pelo
governador.
23
A importante relação entre o legal - o texto oficial das leis e decretos - e o usual -
o que se praticava realmente como sendo costume - também deve ser observado na análise
de outros documentos, ainda mais quando o objeto é a natureza e o lugar que essa natureza
ocupa na vida humana. No caso específico deste estudo da Ilha de Santa Catarina, procura-
se dar conta da construção de um ambiente novo, que nada mais é que a transformação do
que ali havia, e que comumente entende-se como algo “dado” pela natureza, em um espaço
habitado e civilizado e com a mesma natureza domesticada. Isso, segundo Worster,
expressa cultura e é nesse ponto que a analise das transformações ambientais da Ilha
expressam também mudanças culturais.
24
Por isso é possível fazer uma analise histórica a partir da variável ambiental. Em
um espaço geográfico definido, em um determinado recorte temporal, as ações e reações de
comunidades humanas ali instaladas, para com o ambiente ocupado, são resultados de
experiências e características cio-culturais. Esse é o caso da ilha da Santa Catarina no
século XIX.
23
DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira.
Op.cit., p. 151.
24
WORSTER, Donald. Para Fazer História Ambiental. Revista de Estudos Históricos, Rio de
Janeiro, vol. 4, n. 8, p. 198-215, 1991.
91
2.2
Uma história da floresta na Ilha de Santa Catarina: os fundamentos.
A Ilha de Santa Catarina, povoada escassamente até meados do século XVIII,
longe, praticamente isolada da capital da colônia e com uma extensão territorial de 423
km², tinha a Floresta Ombrófila Densa como formação vegetacional original. Os
ecossistemas presentes na Ilha de Santa Catarina são
a vegetação de restinga que ocorre quase exclusivamente nas planícies
costeiras, em solos formados por sedimentos marinhos (areia); (...) a
floresta das planícies quaternárias ocorrem em um solo de transição entre
as áreas de restinga e a Floresta Ombrófila Densa, possuindo muito mais
semelhança com essa última, apesar de apresentar menor número de
espécies. Essa floresta foi a mais destruída pela agricultura.
25
Esse local, pouco explorado, com portos naturais protegidos e uma vila de
pequenas proporções “apta” para a ocupação, colonização e aproveitamento, ficou mais
conhecido quando, nos anos finais do século XVIII e início do XIX, sob a administração do
Governador João Alberto de Miranda Ribeiro,
26
sofreu um escrutínio no que tange às suas
potencialidades econômicas e naturais, ou melhor, às possibilidades de transformar as
potencialidades naturais em econômicas. Nesse período, através da rica correspondência do
governador com o então Vice Rei, Dom José Luiz de Castro, o Conde de Rezende, que
esteve à frente do governo do Brasil de 1790 a 1801, pode-se mapear e analisar o processo
de desmatamento na Ilha, as práticas agrícolas implantadas e o desenho populacional local.
Essas informações fazem parte do conjunto documental que engloba a carta régia de 1797 e
o relatório elaborado por João Alberto de Miranda Ribeiro no mesmo ano, em resposta ao
25
WORSTER, Donald. Para Fazer História Ambiental. Op.cit., p. 85-86.
26
João Alberto de Miranda Ribeiro nasceu em Olivença, Portugal e foi governador da Capitania de
Santa Catarina de 08 de julho de 1793 a 18
de janeiro de 1800, quando faleceu em domínio do
cargo. Depois de alguns curtos governos militares o cargo foi ocupado pelo Coronel Joaquim
Xavier Curado, vindo de Goiás.
92
Vice Rei, que solicitava notícias sobre as potencialidades do território sob sua
administração e um plano para uma melhor utilização desses recursos, em especial a
madeira e os produtos agrícolas.
As informações fornecidas através de correspondência oficial dessas autoridades,
entre vários pontos, enfatizam a variedade e a qualidade das madeiras existentes nessa
porção do território brasileiro. Aliado a isso, estava a facilidade de exploração da mesma,
tendo em vista a acessibilidade de portos para seu escoamento e transporte e o fato de os
habitantes locais, fixados em terras sob a forma de sesmarias, terem por contrato a
incumbência de reservar as melhores madeiras para a Coroa Portuguesa. Essa prática era
comum e foi encontrada em muitas cartas de doações de terras, sob o título de sesmarias, na
Ilha de Santa Catarina no século XIX, mais precisamente até 1823. Exemplo disso é a
concessão feita pelo Governador Joaquim Xavier Curado a Manuel Dutra Garcia de
uma data de terras de duzentas e vinte braças de frente e quatrocentas e
sessenta e uma de fundos, pelo lado Oeste, e pelo Leste com quatrocentas
e trinta e uma, fechando a linha de fundo da parte Norte com duzentas e
cinqüenta braças de extensão [...] no lugar vulgarmente chamado
Costeira do Ribeirão. [...] e não compreenderá desta Data Vieiro
*
ou
Minas de qualquer gênero de Metal que nelas se descobrir, reservando
também os Paus Reais e faltando quaisquer das ditas clausulam por
serem conformes as reais ordens e as que dispõem a lei e foral da
Sesmaria, ficará privado desta.
27
Efetivamente, as transformações ambientais destrutivas foram aceleradas com a
chegada “repentina” de muitas pessoas provindas do Arquipélago dos Açores e da Ilha da
Madeira, porém um interesse mais concreto na preservação ou separação das matas que
poderiam ou não ser usadas livremente se deu pela carência de madeiras nobres para a
*
Veio de ouro.
27
CURADO, Joaquim Xavier. Registro de uma Sesmaria de Manoel Dutra Garcia, Funriel da
Cavalaria de milícias e actual Tesoureiro dos Rendimentos da nova igreja de Nossa Senhora da
Lapa do Distrito do Ribeirão. Nossa Senhora do Desterro, 28 de abril de 1804. Acervo APESC.
93
construção naval, atividade que se ficasse ameaçada por falta de matéria-prima colocaria
em risco a própria soberania portuguesa. É nesse momento, no apagar das luzes do
século XVIII que a legislação portuguesa que ordenava o corte de madeiras em terras
brasileiras promoveu uma eleição de qualidade dentro das florestas que ainda cobriam o
Brasil e, entre elas, a Ilha de Santa Catarina. Nessa eleição, os grandes prêmios – as
madeiras reservadas ou, posteriormente designadas como “madeiras de lei” não mais
poderiam ser usadas pela população local para suas caieiras, engenhos, habitação ou
qualquer outra utilidade a que estavam vinculados, deveriam sim ser destinados a fins mais
nobres como a construção de navios de guerra para a Real Armada Portuguesa.
Embora as disposições legais de ordenação do território fossem freqüentemente
burladas e os relatórios que deveriam ser produzidos pelos governadores para atender as
exigências da carta régia de 1797 nem sempre fossem feitos ou feitos com correção, as
instruções quanto ao escrutínio das potencialidades econômicas da natureza e da sociedade
locais foram diligentemente cumpridas, particularmente pelo governador de Santa Catarina,
resultando na produção de documentos sobre a quantidade, qualidade, localização e
disponibilidade das principais madeiras locais, juntamente com tabelas de exportação desse
e de outros produtos agrícolas implantados nos locais que ocuparam as áreas de floresta
desmatada. Aliás, a Carta gia serviu como indicativo de complementações a serem
feitas pelo dito governador, uma vez que o Conde de Rezende, em carta ao Ministro
Rodrigo de Souza Coutinho em três de dezembro de 1797, afirma já estar de posse de
algumas relações que lhe foram dirigidas pelo governador da Ilha de Santa Catarina e
outros oficiais incumbidos de, a seu pedido, fazer uma visita aos territórios da dita capitania
e produzir um relatório, muito antes da Carta Régia ser editada.
28
28
CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro Setecentista: a vida e a construção da cidade da
invasão francesa até a chegada da corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004., p. 257.
94
O projeto oficial de extração de madeiras na Ilha de Santa Catarina apenas
acentua-se quando o Conde de Rezende, seguindo as disposições da citada carta régia,
solicita ao Governador da Ilha e dos demais Distritos de sua Jurisdição, um relatório sobre a
qualidade e quantidade de madeiras de construção e viabilidade de tal empreendimento. O
primeiro ofício registrado sobre o tema partiu do Vice Rei na data de 16 de maio de 1797 e
solicitava ao governador informações na forma de relações e mapas de oito itens, a saber:
Descrição geográfica e topográfica, limites e confins com outras Capitanias, estradas de
comunicação existentes e dos mapas em seu poder; Estado da população,
quantificando brancos, negros e pardos em cada cidade ou lugar, além de falecimentos,
nascimentos e casamentos; Relação exata, na medida do possível, dos produtos
exportados e importados pela Capitania; 4º Relação circunstanciada do que os povos pagam
ao Soberano, Igreja, culto público, etc.; Mapas e relações das despesas da Capitania,
estado das tropas regular e auxiliar, qualidade e quantidade de oficiais e soldados e estado
das fortalezas e munições; Anualmente mandar para a Secretaria de Estado a renovação
das propostas de promoções militares e Remeter anualmente as observações sobre novas
culturas e possibilidades de expansão do comércio.
29
Esses pedidos de informações que, possivelmente, foram encaminhados a todos os
governadores foram seguidos de outros ainda no ano de 1797, como o ofício datado de 18
de setembro em que era solicitado ao governador, de forma sigilosa, “hum Mapa da
extração de todos os gêneros que no ano de 1792 sahirão dessa Ilha”,
30
com declaração da
quantidade, nomes dos portos para onde foram enviados, preço médio e valor total. O Vice
Rei prevenia que seriam necessárias as mesmas informações para os anos posteriores, de
29
CONDE DE REZENDE. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em 16/05/1797.
Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.
30
CONDE DE REZENDE. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em 18/09/1797.
Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.
95
1793 a 1796 e do ano em curso 1797, por fim, solicitava o envio mensal de uma relação
da farinha e demais gêneros de primeira necessidade existentes nos domínios do
governador.
Existia aqui uma dificuldade no cumprimento das ordens, especialmente a última
delas, uma vez que a correspondência entre o Rio de Janeiro e as demais Capitanias era
feita por navios que estivessem de passagem entre ambos os portos e cujos capitães fossem
considerados de confiança. Isso geralmente demorava alguns meses para acontecer como
acusam as respostas do governador com alusão as datas de recebimento.
No que tange às madeiras, o primeiro ofício do Vice Rei para o governador com
conteúdo específico data de 27 de outubro de 1797 e inicia com a sugestiva afirmação de
que o “corte e prontificação das madeiras chamadas de construção” era tema que, em
função da conjectura atual, merecia mais atenção.”
31
O tom desse documento está na
recomendação de envio
não nas avultadas remessas de taboados de Tapiunhoam, Peroba e
Vinhático, mas também hu’a exata informação dos lugares em que
matas e arvoredos da quella qualidade; de modo de as conservar e
promover a sua cultura; e dos sítios mais aptos para se estabelecerem os
cortes das que forem precisas para a referida marinha.
32
A importância do tema se reflete nas providências que o Vice Rei se propõe a
tomar, certamente guiado por instruções da Coroa e do Ministro de Assuntos Ultramarinos.
O Conde de Rezende se propunha a enviar uma verba anual para estabelecer cortes de
madeira na Ilha e demais domínios de Santa Catarina. Para tal, solicitava uma relação
individual dos lugares mais cômodos para o estabelecimento dos cortes baseados na
abundância de madeiras e facilidade de sua exportação. Outro dado solicitado era se existia
31
CONDE DE REZENDE. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em 27/10/1797.
Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.
32
Ibid.
96
a possibilidade de, nos portos locais, se construírem embarcações capazes de transportar
essas madeiras para Lisboa ou se, do contrário, poder-se-iam carregar os ditos taboados
fora da barra. Aliado a isso questionava sobre a existência na cidade de alguns construtores,
aos quais seriam pagos soldos para tal.
33
O tema das madeiras estava tão em alta que pelo visto o próprio Vice Rei estava
sendo cobrado para obter informações sobre o mesmo. Também o fato de até então não ter
recebido respostas do governador fizeram-no reforçar o pedido em 03 de dezembro de
1797. Nesse novo ofício ele ordena que o governador ponha em prática o reconhecimento
das matas em que logo se deve estabelecer serrarias, apenando para este fim todos aqueles
trabalhadores que forem precisos”.
34
O conde ressaltava a economia que se deveria fazer
em tal empreendimento, sugerindo inclusive o uso dos soldados que não fossem necessários
para o serviço diário, para esse trabalho com as madeiras. Esses soldados receberiam
pagamento por isso além do seu soldo regular. Para viabilizar os trabalhos o conde
mandaria todas as ferramentas que se fizessem necessárias.
Para finalizar o ofício o Vice Rei lembrava que ainda aguardava as informações
solicitadas no ofício de 27 de outubro de 1797 e não poderiam ser deixadas de lado em
função do presente ofício. Ambas eram prioridades. Essas cobranças do Vice-Rei para com
o governador possivelmente eram reflexos das cobranças do Rei e ministros para com ele
próprio. Uma rede de homens que, no desempenho de suas funções políticas e diante da
necessidade de apresentar resultados, deparava-se com questões que seriam mais facilmente
resolvidas pela experiência de roceiros ou bandeirantes. Esses conhecimentos e
reconhecimentos de árvores, caminhos e gêneros agrícolas careciam da opinião de
33
CONDE DE REZENDE. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em 27/10/1797.
Op. cit.
34
CONDE DE REZENDE. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em 03/12/1797.
Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.
97
“assessores locais”, dos mais rudes e simples, que eram consultados antes da elaboração
de relações de madeiras ou de produção agrícola. Aliado a isso encontrava-se a
instabilidade do cargo de governador que muitas vezes durava um ou dois anos, algumas
vezes meses, período não suficiente para se inteirar dos assuntos dos predecessores e para
conhecer as potencialidades de seus domínios, o que poderia ser um desestímulo para a
realização desses levantamentos que não eram simples, pois dependiam de uma rede de
funcionário e informantes.
A primeira informação diretamente ligada a esse tópico se em fevereiro de 1798,
quando, a pedido do governador, Valentim Antonio Vilela envia a relação da farinha e da
lenha consumida pelos armazéns reais, fortalezas, prisões, praças avulsas e reformadas e
índios a serviço da Ribeira. A farinha totalizou um consumo de 5.658 alqueires por ano e a
lenha 5.448 feixes por ano. É importante lembrar que há dois anos, de acordo com tabela do
governador, exportou-se 28.333 alqueires de farinha de mandioca. o custo do consumo
de lenha alcançava 280$000 mensal e 3.360$000 anual para a Fazenda Real.
35
Se
analisarmos esses dados comparativamente, percebemos que apenas o consumo de farinha
por parte dos homens da ribeira, fortalezas, prisões, enfim, sob responsabilidade do
governo, era superior a 1/6 das exportações desse produto pela Capitania. Essa cota de
manutenção era uma obrigação dos agricultores locais, que deveriam receber do governo
por esses produtos, o que muitas vezes não acontecia. Daí compreende-se a redução na
própria produção de farinha na região, que a quantidade destinada às tropas era uma
porcentagem da produção total. Menos produção, menor a parcela dada à manutenção das
tropas. O mesmo ocorria com a lenha.
36
35
VILELA, Valentim Antônio. Ofício do Capitão da Fragata Cisne ao Governador João Alberto de
Miranda Ribeiro com Relação de consumo em 26/02/1798. Acervo: APESC.
36
RIBEIRO João Alberto de Miranda. Ofício ao Conde de Rezende, apresentando relatório sobre a
Ilha de Santa Catharina e demais distritos de sua jurisdição, com dados estatísticos. Desterro, 17 de
novembro 1797. Acervo Biblioteca Nacional: Original, 2 doc. 130p. (códice 3,3,17).
98
Em 20 de março de 1798, o governador de Santa Catarina enviou as primeiras
providências tomadas em resposta aos ofícios do Vice Rei. O mesmo se mostrou satisfeito e
enviou novas solicitações, especialmente no que se refere aos jornais pagos aos artífices,
carpinteiros e toda a sorte de trabalhadores a serem envolvidos nos trabalhos. A regra era
sempre pagar o mínimo possível.
Em outra resposta, em oficio datado de 22 de março de 1798, o Governador afirma
que
depois de bastantes, averiguações tenho podido alcançar, que talvez seja
quanto baste, para dar inicio aos bem fundados projetos de V. Exª, não só
sobre o corte das Madeiras, que pretende mandar estabelecer nesta Ilha,
mas ainda para a construção de algumas embarcações que na mesma se
fabriquem proporcionadas para as conduzirem deste porto para o de
Lisbôa. Posso segurar a V. Exª, que tenho encontrado bastantes lugares,
com todas as comodidades, e circunstancias necessárias para se
construírem as referidas embarcações de onde estas ao depois de feitas
sem que se possa temer o menor prejuízo, se podem lançar do estaleiro
ao Mar, e da mesma forma serem carregadas pela Barra a fora sem
embaraço algum. Pelo que diz respeito ao corte e condução das madeiras
para o Estaleiro (segundo as informações que se me tem dado) não será
muito dificultoso.
37
O Conde de Rezende enfatiza em ofício de 03 de setembro de 1798 que o
governador deve coibir o que chama de liberdades dos moradores, que dispunham
livremente das madeiras das áreas de mata em suas posses. Essa prática deveria ser
totalmente vetada não só no que se refere às madeiras “proibidas” como todas as que se
julgarem próprias para a construção de embarcações e para aduelas ou qualquer outro
destino importante à Fazenda Real.
Por ser ponto estratégico nas rotas de navegação sul-americanas dos séculos XVIII e
XIX e ponto intermediário entre Buenos Aires e Rio de Janeiro, a Ilha também possuía
portos acessíveis para o escoamento da madeira, aliado aos baixos preços da extração e o
alto lucro obtido na chegada tanto no Rio de Janeiro como em Lisboa. A madeira era um
37
RIBEIRO, João Alberto de Miranda. Ofício ao Conde de Rezende Vice Rey e Capitão General de
Mar e Terra do Estado do Brasil. Villa do Desterro 22 de março de 1798. Acervo: APESC.
99
grande negócio para a Fazenda Real Portuguesa e na costa catarinense era encontrada
em seu litoral pouco desbravado, diferente do Sudeste e Nordeste cujas porções litorâneas
estavam de muito tomadas por grandes plantações e a madeira e lenha para o
abastecimento já vinha muito do interior, dificultando o escoamento.
Além dessa facilidade, poder-se-ia construir embarcações para o transporte dessa
madeira na própria Ilha. Em carta de 12 de agosto de 1800, o Engenheiro Intendente da
Marinha José Caetano de Lima reafirma ao Vice Rei Conde de Rezende informações que o
Governador João Alberto de Miranda Ribeiro havia fornecido um ano. O engenheiro
relata a existência de lugares com todas as comodidades para se construírem as ditas
embarcações,
38
outro facilitador do empreendimento, uma vez que tudo se resolveria
localmente: matéria-prima, mão-de-obra e transporte.
A construção das embarcações para a Fazenda Real ficaria a cargo do Construtor
Agostinho Francisco que estava atuando na Ilha em construções particulares. Se essa idéia
fosse aprovada, seria necessário que o Vice Rei enviasse planos e riscos de embarcações
vindos de Lisboa, reafirmação que era um empreendimento real e cuja responsabilidade
sobre tal era da Coroa, materiais locais só a madeira e a mão-de-obra. O restante do
material necessário à construção, como ferragens, também viriam de Lisboa ou do Rio de
Janeiro. De posse dos tais desenhos, o construtor faria as alterações necessárias e indicadas
pelo Vice Rei no que se refere ao aumento ou diminuição dos tamanhos das embarcações.
Em outro ofício, de 11 de abril de 1798, o governador relata que
Hoje mesmo mandei oito machados para o mato deitar abaixo todas as
perobas for possível enquanto favorecer este corte o minguante da lûa em
que estamos: e para a semana que vem mando as serras para serrarem a
taboa de como no referido officio 17 digo a V. Exª. Aqui não
tapinhõas, nem vilnhoties ou para melhor dizer são todos raros esses
38
LIMA, José Caetano de, Engenheiro Intendente da Marinha. Carta ao Senhor Dom Rodrigo de
Souza Coutinho, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios
Ultramarinos. Rio de Janeiro, 12 de agosto de 1800. Acervo: APESC.
100
paos, que com muita dificuldade se encontra hum, ou dous, depois de
se ter caminhado pelo mato hum grande espaço de terreno. O mestre
construtor de quem eu falei a V. Exªa no meu officio 11, me afirma,
que as melhores madeiras que há nesta Ilha para a construção dos navios,
são a Massaranduba, a Canela burra, e ainda a preta, e havendo destas
três qualidades e quantidade suficiente, me parece que se deviam
aproveitar, porque ainda que não excedão a Peroba, e as outras que não
como diz o referido construtor, basta igualarem para ficarem
admiraveis.
39
No início do século XIX, a extração de madeira na Ilha de Santa Catarina,
especialmente louro preto, cedro vermelho, óleo vermelho, canela preta, ipê, peroba
vermelha, canela burra e massaranduba, eram destinados exclusivamente à construção
naval da frota da Real Armada Portuguesa. Essas madeiras foram indicadas em 1798 como
preferenciais por Agostinho Francisco da Silva e Simplício Jozé Rodrigues, mestres
construtores da Ribeira, no Rio de Janeiro, consultados sobre o tema pelo Vice Rei o Conde
de Rezende.
Essa nascente “indústria madeireira” na Ilha de Santa Catarina tinha outra vantagem
para a Fazenda Real. As espécies acima indicadas não faziam parte das ditas madeiras
reservadas, posteriormente chamadas “madeiras de lei” e seria lucrativo retirá-las das terras
concedidas em sesmaria em que a obrigatoriedade de produzir e construir benfeitorias em
prazo de dois anos não se tivesse cumprido. O interesse da coroa não era desalojar de todo
esses “proprietários”, que quanto mais ocupado o território menor o risco de invasão e
ocupação estrangeira, porém, poder-se-ia tirar proveito das eventuais irregularidades, uma
vez que as madeiras não reconhecidas como reservadas ou de lei, deveriam ser pagas aos
ocupantes legais do terreno em caso de extração por parte do governo. De acordo com João
Alberto de Miranda Ribeiro
39
RIBEIRO, João Alberto de Miranda, Governador da Ilha e dos demais Distritos de sua Jurisdição.
Ofício ao Conde de Conde de Rezende Vice Rey e Capitão General de Mar e Terra do Estado do
Brasil. Villa do Desterro 11 de abril de 1798. Acervo: APESC.
101
Estas ultimas madeiras sabe V. Exª muito bem que não são
reservadas: por isso elas podem ser logue que V. Exª assim o ordene, ou
pelos menos elas se podem cortar sem que se paguem aos donos das
terras que as produzem: porque Sua Magestade lhes deo gratuitamente as
terras, com a condição de as cultivarem dentro de certo tempo limitado, e
claro está, que tendo faltado a esta condição, até parece que a posse não
deve ter validade alguma. Finalmente eu me persuado que logo que Sua
Magestade caresa de Madeiras de qualquer qualidade que elas sejão, as
deve mandar cortar, sem que pela sua Real Fazenda as mande pagar
áqueles mesmos vassalos, a quem concedeo as terras.
40
Outra vantagem era que os próprios ranchos e seleiros construídos para a estocagem
da madeira, próximos aos embarcadouros, “todos se fazem com hua grande economia, de
sorte que a maior despeza será a da telha, que custa 8000$000 réis o milheiro”.
41
A ausência de algumas espécies e a presença de outras não descritas, mas indicadas
por madeireiros e mestres construtores locais, serviu, na Ilha de Santa Catarina, para que o
governador chamasse a atenção do Vice Rei para o quão vantajoso seria explorar essas
madeiras localizadas em sesmarias cujos proprietários não tivessem cumprido o prazo legal
de dois anos para construção de benfeitorias e cultivo da terra. Sendo essas madeiras de alto
valor naval e estando os sesmeiros na ilegalidade, não seria necessário pagar-lhes por essas
madeiras, sob a ameaça de desapropriação das terras que voltariam a ser devolutas,
possibilitando mais lucros à Fazenda Real. As madeiras apontadas pelo governador nesse
caso eram a massaranduba (Mimusops elata), a canela burra (Ocotea urbaniana) e a canela
preta (Laurinia atra).
42
De acordo com as inspeções de engenheiros navais, relatórios de juízes
conservadores ou simplesmente por indicação de qualidade feita por mestres construtores
escolhidos pela Coroa, designavam-se as espécies mais apropriadas para a construção
40
RIBEIRO, João Alberto de Miranda. Ofício ao Conde de Conde de Rezende Vice Rey em 11 de
abril de 1798. Op.cit.
41
RIBEIRO, João Alberto de Miranda. Ofício ao Conde de Rezende Vice Rey e Capitão General de
Mar e Terra do Estado do Brasil. Villa do Desterro a 5 de junho de 1798. Acervo BN.
42
RIBEIRO, João Alberto de Miranda. Ofício ao Conde de Rezende, datado de nº 17 de 11 de abril
de 1798. Op.cit.
102
naval. Em âmbito nacional as madeiras mais importantes eram: sucupira (Pterodon
amarginaturs), canela (Ocotea catarinensis Mez), canjarana (Cabralea canjerana),
jacarandá (Nissolia legalis), araribá (Centrolobium robustum), pequi (Caryocar
braisiliensis Camb), jenipaparana (Gustavia Augusta L.), peroba (Aspidosperma
ramiflorum), urucurana (Hyeronima Alchorneoides Fr. All.) e vinhático (Plathymenia
reticulata).
43
Essa lista, que não era oficial e nem apontava todas as madeiras boas para
construção naval, era um apontamento geral de algumas das árvores, sendo que os nomes
poderiam mudar de acordo com as especificidades regionais. Uma lista produzida com base
nas indicações de mestres construtores da Ilha de Santa Catarina foi enviada ao Vice Rei
pelo governador em sua correspondência oficial. Nela, indicava-se, entre as de maior valor
local, a tapinhoã (Mezilaurus navalium), que era classificada em primeiro lugar porque
resistia aos parasitas marinhos.
Além dessa, de acordo com Joaquim Correa dos Santos, mestre construtor do Rio de
Janeiro, as madeiras da Ilha de Santa Catarina que poderiam servir para construção de
embarcações grandes e pequenas e para quais pontos dessas embarcações, eram as
seguintes:
Louro Preto: He especial Madeira para taboados de costado, alcaixas e convêz para
toda a qualidade de Embarcações; assim como tambem serve para
taboado de forro, e aduélas para túneis e Pipas: esta Madeira, he com
preferência ás mais para este efeito.
Sedro
Vermelho:
Pode servir para taboados de costado, alcaixas e convêz. E tambem se
pode fazer alguns toros grossos para as Figuras das Naus, como tambem
para as obras mortas da Popa e da Prôa.
Óleo Vermelho:
Póde muito bem servir para mastriações, e taboado da mesma forma
43
RIBEIRO, João Alberto de Miranda. Ofício ao Conde de Rezende, datado de nº 17 de 11 de abril
de 1798. Acervo BN. Obs: as referências usadas para obtenção dos nomes científicos das plantas
são: LORENZI, Henri. Árvores Brasileiras: manual de identificação e cultivo de plantas
arbóreas nativas do Brasil. Nova Odessa, São Paulo: Editora Plantarum, 1992., e
www.umbuzeiro.cnip.org.br. Consultado em 08/09/06.
103
asima.
Arribá: hûa excelente Madeira para taboado de costado, alcaixas e convêz, e
para cavernas, brasos, Aporturas, curvas, busardos, vãos, e latas.
Canela Preta: boa qualidade de Madeira, serve muito bem para cavernas, brasos,
aporturas, curvas, busardas, Latas, vãos; e taboado de costado e forro.
Caboré: Pode muito bem servir para cavernas, brasos, aporturas, curvas, busardos;
e maôns de sintas.
Cabriûna: Pode muito bem servir da mesma forma asima.
Ipê: superior a todas as mais: serve para toda a Madeira de construção;
assim como taboado para as obras de terra, e tambem se pode fazer
taboado de costado para o fundo das Naus, e mais em barcasoens.
Alicurana: Serve muito bem para cavernas, brasos, curvas, e busardas: a saber, que
há de ser vermelha.
Peroba
Vermelha:
hua excelente Madeira, serve para toda a Construção de embarcações
grandes, e pequenas,assim como tambem serve para taboado de costado.
Canela Burra: Pode servir para taboado de forro, costado, alcaixa, e convêz.
Massaranduba: Pode servir para Cavernas, brasos, curvas, maons de sinta, e busardas.
Guaraparim: Serve muito bem para Cavernas, curvas e brasos.
(Quadro 05) Tabela retirada da “Relação das qualidades de Madeiras da Ilha de Santa
Catharina, que podem servir para construção de Imbarcações grandes e pequenas” elaborada
por Joaquim Correa dos Santos no Rio de Janeiro 3 de setembro de 1798.
sob o governo de Joaquim Xavier Curado, que assumiu após a morte de João
Alberto de Miranda Ribeiro em 1800, o Conde de Rezende reforça as disposições sobre a
madeira e manda embarcar tudo o que estiver pronto desse material e também aquele que
possa servir para reparos.
44
O mesmo se repete no ano seguinte já com D. Fernando José de
Portugal como Vice Rei. É também nesse ano que o novo Vice Rei pede que o Governador
siga as orientações enviadas por ele e mande construir uma embarcação. A lista dessas
madeiras e seus cortes tinha 74 itens, ou seja, 74 tipos de cortes de madeira em quantidade
diferentes para a construção de uma Nao. A observação final indicava que os paus não
deveriam ser de morarema devido a pouca duração e também usar pouca madeira amarela.
Quanto à extração de madeira das propriedades privadas, empreiteiros eram
enviados pelo governo com tal função. Dificilmente as madeiras não selecionadas eram
44
CONDE DE REZENDE, Vice Rey e Capitão General de Mar e Terra do Estado do Brasil. Ofício
ao governador da Capitania de Santa Catarina Joaquim Xavier Curado. Rio de Janeiro a 14 de junho
de 1801. Acervo BN.
104
poupadas de danos, pois não existia uma preocupação real com isso, o mesmo pode-se
dizer das árvores de menor porte que muitas vezes eram derrubadas na esteira das maiores e
ficavam pelo chão como lixo. No caso de derrubada das “madeiras reservadas” por parte
dos proprietários, era necessária uma autorização prévia.
45
Em Santa Catarina essa informação sobre construção naval ainda fazia parte do
relatório do presidente da Província João Carlos Pardal, em 1838, quando afirmava no
tópico ‘indústria fabril’ “a construção de poucos navios de mais de cem toneladas, e de
outros de menor porte”.
46
Ainda de acordo com o mesmo presidente da Província, as
madeiras, abundantes nas matas catarinenses, não concorriam para o aumento da indústria
comercial por falta de uma inspeção mais rigorosa e presidida por “homens científicos”,
apesar de que, de acordo com Pardal, este ramo de comércio ainda seguia algum
desenvolvimento.
Essas indicações de uso, qualidade e proibições sobre as madeiras seguem noções e
juízos de valor totalmente ligados à época em que estão sendo elaborados. Por isso, a
dinâmica desse processo de transformação passa pelos usos atribuídos à madeira nesses
diferentes períodos da história e o grau de ocupação humana em cada local, no caso na Ilha
de Santa Catarina. Tal riqueza madeirável local e a forma como foi utilizada está
diretamente relacionada à forma como foi percebida. Uma paisagem tem um variado
número de componentes e, dentre eles, cada cultura entende por “recurso” algo diferente.
Depreende-se que “a paisagem natural é, portanto, o sistema de orientação simbólica de um
povo e a sua projeção simbólica na sociedade”.
47
Para a população média da Ilha de Santa
Catarina do início do século XIX essas madeiras eram recursos, mas de uso restrito para
45
DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. Op.
cit., p.153.
46
PARDAL, João Carlos. Relatório do Presidente da Província de 1838.,p. 16.
47
CENCINI, Carlo. Il Paesaggio come Patrimônio: I Valori Naturali. In: Bolletino della Società
Geografica Italiana. Roma – Serie XII, vol. IV (1999), p. 290.
105
eles como agricultores – função para a qual a maioria desses habitantes estava destinada
desde a chegada ao local como imigrantes. Essas madeiras, quando extraídas, se dessem
lucro seria muito bom, mas era a agricultura que ocuparia seu lugar, seu objetivo maior. Por
isso o fim dado à floresta não era tão importante. A idéia de desenvolver, planejadamente,
uma indústria madeireira fazia parte do universo dos administradores portugueses, para os
habitantes locais a madeira e sua derrubada eram fases do processo de transformação da
terra em solo agricultável.
Enfim, a Ilha de Santa Catarina entra no século XIX com certo controle, ao menos
na teoria, da exploração de suas matas. Estava definido o uso atribuído às melhores peças
de madeira e, conseqüentemente, do que os habitantes locais poderiam dispor. Nesse
ínterim entram as especificidades locais e a experiência empírica que situa a floresta como
importante em pontos que o dia-a-dia pode delimitar. Surgem então ferramentas, como
os textos legais para criar novas fronteiras de uso desses elementos. Em Desterro
identificou-se, possivelmente depois de muitas experiências e erros, que essas mesmas
matas tinham outra função importante que não estava sendo respeitada. Por conta disso, o
capítulo sétimo do código de posturas do município de 1845 conta de questões ligadas
ao desmatamento e sua estreita relação com o abastecimento de água. O texto do capítulo I
desse código declarava que
os que derrubarem mattas nos lugares onde passem nascentes de agoa
para as fontes publicas, ou ahi fazerem roçadas incorrerão na pena de 15$
reis de condemnação. Os que lançarem immundicies nas sobreditas
nascentes incorrerão nas mesmas penas, e no dobro reincidindo. Não
tendo, porem com que pagar, sofrerão por cada mil reis um dia de
prizão.
48
48
Código de Posturas da Câmara Municipal da Capital da Província de Santa Catarina.
Nossa Senhora do Desterro, 10 de maio de 1845. Artigo 71., p. 226.
106
Outros artigos desse mesmo código de posturas referem-se à punições aplicadas
a crimes que envolvessem a floresta. Dentre eles destacam-se o artigo 131 que proibia o
corte de madeiras na beira das estradas e caminhos, exceto nos lugares úmidos, não para
maior conforto dos viajantes como para evitar que as derrubadas danificassem os caminhos.
o artigo 53 definia multa de 8$000 réis aos que queimassem matas ou retirasse madeiras
em campos baldios ou logradouros públicos abertos.
49
Paralelo à extração de madeiras consideradas nobres e cujo destino primeiro era a
construção naval e, posteriormente, habitações, móveis, pontes e carros, um outro
ecossistema sofreu grande degradação na Ilha de Santa Catarina e no Brasil, de modo geral:
os mangues. Compostos de árvores de menor porte e mais fácil extração, cuja casca era rica
em tanino e, geralmente, localizados próximos dos centros urbanos, uma vez que esses se
concentravam na costa, os mangues eram uma “reserva” acessível e rica e sua exploração,
até a segunda metade do século XIX, ainda era vista como altamente benéfica, uma vez que
mangue era sinônimo de doenças e miasmas para as populações em suas proximidades.
Segundo Arthur Soffiati, a reação inicial dos europeus quanto aos mangues foi de
desprezo e afastamento por este apresentar semelhanças com os pântanos de seu continente,
considerados insalubres e povoados de entes malignos. Progressivamente, porém, as
camadas sociais dominantes descobrem o seu valor como excelente fornecedor de madeira,
lenha e tanino.
50
A percepção da utilidade dos mangues vem do saber indígena e popular,
repassado aos europeus e consolidado desde os primeiros anos de colonização. Esse saber,
se não levava ao reconhecimento dos mangues como ecossistema e com ele todas as suas
49
Código de Posturas da Câmara Municipal da Capital da Província de Santa Catarina.
Op.cit., artigos 53 e 131.
50
SOFFIATI NETTO, A. Manguezais e conflitos sociais no Brasil Colônia. In: II Encontro da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade, 2004, Indaiatuba.
Anais do II Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e
Sociedade. Indaiatuba: ANPPAS, 2004., p. 10.
107
peculiaridades, sua flora e fauna e a importância de preservar, ao menos ampliava a
percepção de suas possibilidades e indicava sua diversidade, como pode ser constatado
quando André João Antonil, ao falar dos mangues, os classifica como brancos e vermelhos,
sendo o carvão obtido com a lenha do mangue branco, dos cajueiros, das aroeiras e das
gameleiras o melhor para fazer decoada “porque os paus fortes fazem mais carvão do que
cinza, e a lenha miúda pouca cinza e sem força”.
51
Assinala ainda que o mangue é um
bom fornecedor de barro para olarias.
Tal utilidade e importância somada à manutenção da produtividade pesqueira do
litoral, como berçário de inúmeras espécies de peixes, na estabilidade geomorfológica
costeira, limitando a erosão marinha e a morfogênese, demandou legislação apropriada,
especialmente no que se refere ao mangue vermelho.
Contrariamente às disposições de preservação dos mangues, o código de Posturas
do Município de Desterro de 1845, em seu capítulo 1, artigo 74 fala do uso dos mangues e
indica que
todo aquele que embaraçar a tirada de lenha dos mangues onde o povo
deste Município está em uso de tiral-a, sem que tenha mostrado, à
Autoridade competente, que taes mangues lhe pertencem por afforamento
ou qualquer outro titulo, sera multado em 12$000 reis, para despesas do
conselho, e no duplo em caso de reincidência, alem da pena de
desobediente.
52
Esse fato, aliado à facilidade da derrubada provocou uma grande devastação
também nos mangues da Ilha, especialmente os localizados próximos à Desterro, para uso
nas caieiras e engenhos. Essa derrubada era fato nas proximidades da maioria das vilas e
cidades do Brasil. Relatórios governamentais indicavam que “não existia mais madeira
adequada por muitas léguas nas proximidades das vilas maiores [...] em Campos, as toras
51
ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas. São Paulo:
Melhoramentos/Brasília: INL, 1976., p. 117.
52
Código de Posturas da Câmara Municipal da Capital da Província de Santa Catarina. Nossa
Senhora do Desterro, 10
de maio de 1845. Capítulo 1, artigo 74.
108
tinham de ser arrastadas de três a nove quilômetros até a costa”.
53
Na Ilha os mangues
do Itacorubi e Ressacada foram reduzidos consideravelmente. Sua utilidade não era
percebida como extrapolando a extração das cascas ricas em tanino e das madeiras baixas e
de fácil exploração. Além do mais, a eles eram atribuídos boa parte dos miasmas da vila e a
derrubada de sua vegetação os exporia ao sol e, ato contínuo, secaria seus lodaçais e
eliminaria os mosquitos e o mau cheiro. Mais uma vez o legal passou à margem do usual.
2.3
Olhares sobre a floresta da Ilha de Santa Catarina no século XIX.
Relatos de viajantes eram uma forma de literatura largamente difundida e
apreciada na Europa. Essa Europa, calcada no cientificismo, respeitava e acreditava nas
informações fornecidas por essas pessoas que eram, em sua grande maioria, cientistas nas
áreas de botânica, zoologia e medicina, entre outras, vinculados a fundações ou Jardins
Botânicos europeus e conhecidos por outros estudos de ciência natural. Tais textos eram
comuns no período em questão e traziam aos olhos europeus as imagens da longínqua
América, oficialmente ocupada e administrada por nações européias. As viagens,
patrocinadas por reis, políticos e outros nobres eram compostas por cientistas, desenhistas,
que ajudavam na composição das obras com suas imagens detalhadas e exuberantes da
flora e fauna locais; por guias que eram muitas vezes índios “mansos” ou caboclos e
colonos conhecedores dos caminhos e mistérios das matas.
Essas pessoas, comumente chamados de naturalistas, eram uma resposta aos
novos interesses europeus por informações sobre o novo mundo, aliado ao interesse político
em mapear o novo continente, ampliar conhecimentos e apropriar-se de novos recursos
53
DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira.
Op.cit., p. 152.
109
econômicos. Esses interesses, presentes nas pesquisas de tais naturalistas, podem ser
ilustrados pelas palavras de August de Saint-Hilaire ao justificar sua expedição ao Brasil:
“prestar à ciência e a seu país informações importantes sobre a flora e a fauna do Brasil,
contribuindo para enriquecer o herbário do Museu de Paris e descobrir plantas próprias à
tintura para serem introduzidas na Guiana Francesa”.
54
Eram esses homens os responsáveis pelos diversos olhares lançados sobre a Ilha
de Santa Catarina. E é preciso que, ao lermos e analisarmos seus textos, retenhamos na
memória que suas concepções são as concepções da época, influenciadas por obras
científicas de autores como Lineu e Buffon, mas também pela estupefação com a
exuberância de uma natureza diferente, de uma terra rica e em nada parecida com os solos
europeus, revolvidos por tantos séculos. E, acima de tudo, pela reação ao contato com
essa natureza. Contato visual, ctil, sonoro e olfativo. Tudo era diferente, os pássaros, os
insetos, seus sons e sabores, e para descobrir a “utilidade” disso tudo - seja ela uma
utilidade econômica, cultural ou científica - precisou, necessariamente, passar pela
experimentação. Basicamente, essas viagens foram grandes laboratórios de como esses
homens europeus reagiram à natureza do novo mundo, e seus textos devem ser lidos como
tal e analisados da mesma forma.
A partir dessas considerações, podemos ampliar a percepção sobre os relatos dos
muitos viajantes que estiveram na Ilha de Santa Catarina no século XIX, a começar por
Adam Johann von Krusenstern, que aportou em 1803. Chefe de uma expedição russa
composta por dois navios comprados na Inglaterra pelo Czar Alexandre I em 1802, o grupo
era composto também por cientistas alemães como o astrônomo Horner e os naturalistas
54
SAINT-HILAIRE apud OLIVEIRA, Paulo Rogério Melo de. O Naturalista e os Selvagens: a
visão de Saint-Hilaire sobre os índios Guarani no Rio Grande do Sul. Florianópolis: Dissertação
de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. CFH/UFSC. 1996. p. 25.
110
Tilesius e Langsdorff. A estada em Santa Catarina estendeu-se por cinco semanas em
decorrência de avarias no mastro de um dos navios. No período, o governador de Santa
Catarina era o Coronel Joaquim Xavier Curado, que se prontificou a ajudar a expedição
russa de todas as formas possíveis. Além de abastecer os navios de água e comida e trocar o
mastro por “uma das excelentes madeiras locais” - cuja única dificuldade de obter, segundo
o próprio Krusenstern, era o transporte da mesma para fora da mata - fizeram-se
experiências astronômicas, desenhos e pinturas da Ilha e um relato do próprio capitão.
A opinião do autor era que a Ilha de Santa Catarina, apesar de sua posição
estratégica, tinha suas vantagens subestimadas por Portugal, sendo “talvez aquela que
menos tem atraído atenção do governo português”.
55
Segundo Luciana Rossato, os
viajantes que vinham para a América já tinham um conhecimento prévio da fauna e da flora
adquirido pela leitura de outros autores, além de debates que empreendiam sobre a natureza
e os homens americanos, o que era “enriquecido” com a própria imaginação desses
visitantes.
56
As informações de Krusenstern, que não conhecia todo o Brasil para balizar e
comparar suas informações, corroboram o fato de que esse tipo de relato de viagem era
muito difundido na Europa e lido pelos próprios viajantes - talvez como material
informativo - antes de suas viagens. Ele cita as informações fornecidas por Frezier como as
primeiras sobre a Ilha e as reforça. Também menciona Anson, Lazier de Bouvet, que esteve
na Ilha em 1738, e La Perouse - citado como infortunado - em 1785.
O capitão do segundo navio da expedição de Krusenstern, Urey Lisiansky,
também fez um relato sobre sua passagem pela Ilha de Santa Catarina. Em um texto
55
KRUSENSTERN, Adam Johann von. In: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE SANTA
CATARINA. Ilha de Santa Catarina -Relato de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e
XIX. Assessoria Cultural, 1979. , p. 149.
56
ROSSATO, Luciana. A Lupa e o Diário: História Natural, viagens científicas e relatos sobre
a Capitania de Santa Catarina (1763-1822). Tese de Doutorado. Porto Alegre: Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, 2005., p. 114.
111
bastante técnico no que diz respeito à navegações e questões náuticas, sobressaem
pontos pertinentes a nossa análise. A princípio Lisiansky diz estar seguindo as orientações
de Anson, apesar de não as considerar inspiradoras de total confiança. O navio comandado
por ele, que teve o mastro trocado, contou com a madeira da Ilha para tal e a usada
era uma de cor vermelha, cujo tronco muito alto e resistente, forneceu-
nos um mastro da melhor qualidade, servindo até para um navio de
guerra. Essa madeira, apesar de não ser tão clara e flexível como o pinho,
é bastante resistente. Para compensar a inconveniência de seu peso,
mandei encurtar esse mastro, passando a ter quatro pés de altura. Existem
duas outras espécies dessa madeira, uma branca e outra preta, mas
nenhuma delas se presta para mastro, por ser uma pesada demais e a
outra muito frágil.
57
Essas madeiras possivelmente eram canelas e faziam parte do leque de produtos
“cultivados” nessa parte do Brasil, segundo o autor. Além de outras madeiras de construção
havia também algodão, café e arroz na Ilha. O porto era bom, mas as exportações, segundo
o capitão, eram restritas, proibidas de serem feitas para outro lugar que não o Rio de
Janeiro. O motivo alegado em correspondências do Vice-Rei para o governador era a
necessidade de abastecer a maior cidade do Império, prioritariamente.
O médico Georg von Langsdorff esteve em Santa Catarina em 1803 com a mesma
expedição russa de Krusenstern. Permaneceu mais tempo que o restante da tripulação, até
fevereiro de 1804, dedicou-se a estudos botânicos e se iniciou como colecionador da fauna
e flora brasílica. Quando, em 1813, chegou ao Rio de Janeiro como Cônsul Geral da Rússia
seus estudos cresceram e suas coleções também, como a de borboletas que era de,
aproximadamente, 1600 espécies. Durante sua vida publicou alguns títulos sobre história
natural e organizou, em 1825, uma expedição ao interior do Brasil. No momento dessa
viagem à Santa Catarina os domínios de seu Governador estendiam-se do Rio Grande à São
57
LISIANSKY, Urey. In: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE SANTA CATARINA. Ilha de
Santa Catarina -Relato de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX. Op.cit., p. 161.
112
Paulo. Por outro lado o comércio do porto era restrito ao Rio de Janeiro, como
citado.Langsdorff registrou que, antes de iniciar as explorações, estava
excitado por tão belas imagens de minha fantasia, mal podia aguardar o
retorno do sol para visitar a região paradisíaca. Confesso que minhas
idéias eram exageradas e tensas, mas apesar disto, quanto mais eu me
aproximava da terra, a realidade excedia minha expectativa.
58
A imagem corrente era de um Novo Mundo no sentido literal das palavras. Um
lugar diferente da cansada Europa, um local de natureza exuberante e bela, pródiga no
que se refere às ofertas de alimento, terras e riquezas minerais. Esse lugar exigia muito
menos trabalho para resultados agrícolas iguais ou superiores aos europeus e criaram o
“pré-conceito” de habitantes ociosos e lascivos, que não desenvolveram a cultura do
trabalho enobrecedor. No entanto, lugares diferentes visitados por esses viajantes e
naturalistas, criavam impressões também diferentes. Os relatos da Ilha de Santa Catarina
parecem indicar que ela é mais admirada, pois é menos solitária, vê-se o céu e, na pior das
hipóteses, existe, no mar e nos navios atracados na baia próxima, um elo com outras
pessoas, com outras civilizações. Isso se diferencia, por exemplo, dos relatos de Tschudi
sobre o interior de Minas Gerais, indicado como assustador, onde “o olhar que se dirige
para o alto não encontra o azul do céu [...] não caminhos em seus entrelaçamentos
intransponíveis [...] a exuberância da floresta e suas paisagens encantadoramente belas
enganam com quadros de uma fantasia ilusório olhar que se regala com elas”.
59
Tschudi
ainda diz que apesar de deslumbrante a floresta não era compatível com a vida humana.
60
Ambas as áreas eram cobertas de Mata Atlântica, a Ilha certamente mais ocupada que o
58
LANGSDORFF, Georg Heinrich von. In: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE SANTA
CATARINA. Ilha de Santa Catarina -Relato de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e
XIX. Op.cit., p. 162.
59
DUARTE, Regina Horta.Olhares Estrangeiros. Viajantes no vale do rio Mucuri. In: Revista
Brasileira de História. Viagens e Viajantes. Nº 44, vol. 22., p. 281.
60
Ibid., p. 283.
113
interior de Minas Gerais, mesmo assim pode-se comparar as reações dos autores dos
relatos e estimar as possibilidades de desenvolvimento das mesmas.
na Ilha, Langsdorff ressalta a importância e abundância de muitas frutas como
laranjas, limões, limas, bananas, abacaxis, pêssegos, melões doces, melancias, figos, cocos,
raízes comestíveis como batatas e principalmente mandioca, além de amendoim.
61
Os
animais domésticos também são apontados como relevantes para a economia doméstica,
uma vez que todos os moradores os possuíam. Bois, vacas, porcos, cavalos, marrecos,
gansos e galinhas espalhavam-se por propriedades, sítios e quintais e eram parte da dieta
local muito mais que peixes, os quais tinham períodos determinados de pesca e dificuldade
para serem pescados em grande quantidade e para serem comercializados devido à
dificuldade de armazenamento, especialmente nos meses quentes.
Muitos foram os viajantes europeus que estiveram na Ilha de Santa Catarina, antes
e durante o século XIX. Dentre eles Frézier (1712), Shelvocke (1719), Betagh (1719),
Anson (1740), Pernetty (1763), La Peróuse (1788), Simple Lisle (1797), John Mawe
(1807), Golovnin (1808), Porter (1812), Kotzebue (1815), Chamisso (1815), Choris (1815),
Duperrey (1822), Lesson (1822), Seidler (1825), Trachsler (1828), além de Sanit Hilaire em
1822.
62
Os textos seguem uma linha descritiva como esse de René Primeverè
Lesson, que
descreve a Ilha como:
Florestas espessas, frondosas, impenetráveis muitas vezes, atapetam as
montanhas; [...] o naturalista que visita este litoral com os olhos
exclusivamente habituados à criação das zonas temperadas da Europa
[...]. Somente algum tempo depois é que ele se habitua a este luxo de
vegetação e ao brilhante adorno dos pássaros ou dos répteis que pululam
sobre este solo fecundo.
63
61
LANGSDORFF, Georg Heinrich von. In: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE SANTA
CATARINA. Ilha de Santa Catarina -Relato de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e
XIX. Op.cit., p. 174.
62
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE SANTA CATARINA. Ilha de Santa Catarina. Relato de
viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX. Op.cit.
63
LESSON, Renè P. In:
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE SANTA CATARINA. Ilha de Santa
Catarina: Relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX. Op. cit. p. 271.
114
Os comentários dos viajantes sobre a Ilha de Santa Catarina, em especial,
versavam sobre seus dois extremos - o bem e o mal. Palavras como as de Pernetty que
afirmava ser o ar insalubre e a terra repleta de bosques onde o sol não penetrava serem os
causadores da palidez dos habitantes brancos da Ilha
64
, contrapunham-se ao outro extremo,
onde estavam os mesmos bosques ricos em madeiras nobres, repletos de plantas aromáticas,
cujo perfume era levado pelo vento por léguas mar adentro
65
. Certamente esses relatos
contribuíram para levar ao conhecimento português o potencial madeireiro das florestas de
sua colônia. Também partiram desses cientistas sugestões como a drenagem de pântanos e
mangues para amenizar um dos maiores males dos trópicos, os insetos.
Adalbert von Chamisso e Louis Choris estiveram na Ilha em 1815 com a
expedição de Kotzebue, que ali estivera doze anos antes com Krusenstern. O primeiro,
literato e filósofo, dedicou-se às ciências naturais e quando de sua estada nessa parte do
Brasil escreveu um relato com suas impressões de viagem. Dizia-se assustado pela
gigantesca e copiosa abundância da natureza orgânica e “quando se navega pelo canal que
separa a Ilha de Santa Catarina da terra firme, crê-se estar entrando no país da natureza
livre”.
66
Ao descrever uma caminhada pela Ilha, afastando-se da área urbanizada, fala de
um chão inteiramente coberto por uma vegetação selvagem. Caso queira
penetrar lateralmente na espessa escuridão da floresta, abandonado o
caminho estreito, encontra-se uma frente intransponível, tornando
impossível o acesso ao cume da montanha. Quase todas as formas
64
PERNETTY, Antoine Joseph. In:
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE SANTA CATARINA.
Ilha de Santa Catarina: Relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX. Op.cit., p.
86.
65
LANGSDORF, Georg Heinrich von. In:
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE SANTA
CATARINA. Ilha de Santa Catarina: Relatos de viajantes estrangeiros nos culos XVIII e
XIX. Op.cit., p 173.
66
CHAMISSO, Adalbert von. In:
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE SANTA CATARINA. Ilha
de Santa Catarina: Relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX. Op.cit., p.249.
115
arquitetônicas da botânica estão comprimidas na floresta em rica
variação.
67
Semelhante ao relato de seu colega, Choris fala da sensação de se “estar sendo
levado ao meio de uma natureza ainda selvagem”, onde somente aos s das montanhas
percebemos o trabalho dos homens recentemente estabelecidos ali”.
68
Junto desse relato, o
desenhista Choris apresenta algumas pranchas onde a natureza local foi registrada com
todas as suas cores e exuberância, como na imagem abaixo. Que é assim descrita:
A costa meridional do Brasil é muito alta; as montanhas erguem-se em
anfiteatro além da beira do mar, sem chegar a um ponto onde cesse a
vegetação; de maneira que, revestidas de um verde muito rico, sob um
clima temperado e de uma suavidade extrema, elas oferecem, em todas as
estações, um panorama deslumbrante.
69
(Ilustração 04) Vue de la cöte du Brèsil vis à vis de l`Ile de Stª Catherine (Brèsil). Desenho
de Louis Choris – (21,8 cm x 26,8 cm) In:
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE SANTA
67
Ibid. p. 250
68
CHORIS, Louis. In:
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE SANTA CATARINA. Ilha de Santa
Catarina: Relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX. Op.cit.,. p. 259.
69
Ibid., p. 261
116
CATARINA. Ilha de Santa Catarina: Relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII
e XIX. Prancha V. Op.cit., p. 248.
O século XIX é, nesse sentido, o período de relativo rompimento com a tradição
romântica que projetava na natureza características humanas e criava seres e plantas
fantásticos. Inicia-se um maior domínio, adquirido pelo conhecimento, pela prática
taxionômica como as sucessivas visitas desses viajantes e naturalistas, que publicavam suas
memórias e desenhos.
De acordo com Rossato, o interesse predominante das expedições científicas ao
Novo Mundo era, basicamente, científico no período por ela analisado
A motivação para sair da Europa não era o interesse comercial ou a busca
de riquezas materiais, como muitos dos viajantes que os antecederam ou
mesmo contemporâneos seus. Enquanto os viajantes dos primeiros
séculos da colonização da América estavam presos às narrativas
maravilhosas e à exacerbada religiosidade do período, os cientistas
viajantes do final do século XVIII e do século XIX estavam imbuídos de
um espírito mais científico e investigativo.
70
Contrariamente, consideramos que os custos dessas expedições eram elevados
demais para serem justificados apenas pelo interesse científico. Pensamos, porém, que no
período analisado pela autora sobre a Ilha de Santa Catarina - final do século XVIII e início
do XIX - por mais que o ideal cientificista estivesse presente nesses homens e até em seus
financiadores, a própria idéia de natureza ainda era muito ligada à noção de utilidade. Em
uma Europa desgastada, de solos revolvidos séculos, de embates entre cercamentos e
terras comunais, a possibilidade de encontrar um éden, um laboratório a céu aberto,
diferente, sim, da natureza conhecida e domesticada do Velho Mundo, mas, acima de
tudo, “totalmente à disposição” desse Velho Mundo, era uma riqueza. Se viagens de
estudos e reconhecimentos de novas espécies da fauna e da flora possibilitassem a criação
70
ROSSATO, Luciana. A Lupa e o Diário: História Natural, viagens científicas e relatos sobre
a Capitania de Santa Catarina (1763-1822). Op.cit., p. 17.
117
de novas fontes de alimento, madeiras - lembremos que a madeira era a principal
matéria prima de embarcações e fonte de energia calórica - ou até “reservatórios” para um
futuro incerto de população em constante crescimento, tanto melhor. A natureza não tinha
porque ser estudada se não para ser usada, e esse uso poderia dividir-se em várias áreas,
desde jardins para o deleite dos nobres, ou madeiras novas para a construção de navios até
para jardins botânicos como o Jardin des Plantes de Paris, cujo objetivo era a adaptação de
plantas tropicais em situações climáticas diversas das suas originais, visando o
desenvolvimento agrícola europeu e das colônias européias.
Além desse sentido de utilidade, a noção de civilização é aqui entendida como
uma característica européia do período, que se tentava aplicar às novas regiões coloniais e
pós-coloniais. Vale ressaltar que a idéia de natureza não é um conceito fechado, apesar de
haver, segundo Worster, um consenso de que “natureza” designa o mundo não-humano, o
mundo que nós não criamos originalmente.
71
Por outro lado o “ambiente social” ou, como é
mais comumente conhecido, o “cenário” no qual os humanos interagem na ausência da
natureza, e os próprios humanos, não são percebidos como “parte da natureza”. Essa
dicotomia entre homens e natureza serviu também como ponto enaltecedor do Brasil
oitocentista, pois,
eleita a natureza como signo da nação, apoiada em nossos padrões
românticos, tornava-se também um elemento central da inserção do
Brasil entre as nações civilizadas, não apenas pela sua grandeza
distintiva, relacionada às matas virgens, selvagens e tropicais, mas
também pela sua preservação e domesticação, o que conferia um outro
atributo à natureza, o da civilização.
72
71
WORSTER, Donald. Para Fazer História Ambiental. Revista de Estudos Históricos. Op.cit., p.
201.
72
Relatório do Ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Rio de Janeiro: Typografia
Perseverança, 1864., p.97. In: HEYNEMANN, Cláudia. Floresta da Tijuca. Natureza e
civilização. Coleção Biblioteca Carioca. Rio de Janeiro, 1995., p. 44.
118
Por fim, podemos ler nos textos desses viajantes naturalistas, e agora de forma
literal, informações relevantes que descrevem, ainda nas primeiras décadas do século XIX,
uma floresta exuberante e com muito a oferecer aos portugueses e aos novos “brasileiros”.
Indicavam, também de forma literal, uma necessidade premente de “cuidar” dessa riqueza
natural, pois um dia poderia, se não acabar, ao menos se tornar mais pobre em dádivas aos
humanos.
2.4
Usos e Abusos: a transformação florestal da Ilha de Santa Catarina no
século XIX.
Em contraste com os europeus que haviam colonizado a América temperada os
quais, com efeito, haviam encontrado florestas e árvores que eram bastante semelhantes
àquelas que eles haviam deixado para trás os portugueses depararam-se, no processo de
ocupação do território, com uma flora que lhes era nova em grande medida. Transformar
esses elementos em recursos úteis à economia e à sociedade luso-brasileira foi um processo
extremamente lento. A seleção de madeiras para qualquer aplicação requeria a consideração
de muitos fatores e demoravam-se algumas décadas no método de tentativa e erro até que a
espécie certa para um determinado emprego fosse encontrada, além disso, a variedade de
espécies vegetais e o pequeno número de indivíduos de uma mesma espécie em uma
determinada área constituem os aspectos mais notáveis das florestas pluviais tropicais.
As madeiras da Ilha de Santa Catarina, reservadas ou não, foram largamente
utilizadas para os mais diversos fins. Não se diferenciando da Europa no que diz respeito
aos usos básicos da população. Desterro usava madeiras para construção de habitações,
igrejas, pontes, móveis, veículos e tantos outros usos corriqueiros que não poderiam ter
substitutos a altura. Mesmo as construções de alvenaria ou pau-a-pique demandavam
119
madeiras, pois os tijolos e telhas eram feitos em fornos abastecidos de lenha. Evidente
que as espécies usadas para esses diferentes objetivos variavam de acordo com o poder
aquisitivo das pessoas e com os préstimos e qualidades atribuídas à madeira.
Os préstimos das madeiras variavam muito. Massarandubas e canelas ornavam
casas mais abastadas como a casa do Governador e quem sabe de outros ricos locais. O
mangue branco era uma melhor matéria-prima para o carvão. O mangue vermelho era a
base - mais especificamente as cascas das árvores desse mangue - de fornecimento de
tanino para curtumes. Motivo pelo qual como indicado anteriormente gerou uma legislação
voltada à sua preservação, legislação essa que não chegou especificamente à Santa Catarina
nesse período, possibilitando que os ricos mangues que, em sua maioria localizavam-se ao
norte e ao sul da vila de Desterro, fossem também explorados para fins de combustível de
engenhos de farinha. Aliás, esse foi o fim de muita madeira da Ilha de Santa Catarina.
Por conta disso consideramos que efetivamente existiu uma indústria madeireira
na Ilha de Santa Catarina, porém é preciso dimensionar seu tamanho e importância em
relação às restrições de tamanho da própria Ilha que, conseqüentemente, restringia também
a disponibilidade de madeira sobre seu território.
Podemos concluir que, com o passar das décadas do século XIX, muita
experiência foi adquirida, especialmente pelos moradores da Ilha. A lei de terras de 1850
encarregara-se, em nível formal, de normatizar a ocupação territorial no Brasil e, na Ilha,
local já delimitado pelo mar, a necessidade de “aproveitar melhor” a terra passou a ser mais
palpável. A agricultura tão estimulada no inicio do século e uma das grandes responsáveis
pela transformação de áreas de floresta - que davam lugar à campos cultivados e
domesticados pelo homem - passa a dividir essa função com a expansão urbana. Desterro
não é mais o único aglomerado urbano significativo da Ilha, as freguesias do interior
também crescem no ritmo do crescimento populacional. Nesse compasso, crescem as casas,
120
ampliam-se áreas construídas e, para se fazer isso, continua-se a utilizar a matéria-prima
florestal. Floresta essa que não era mais a mesma de 60 ou 70 anos atrás. Pontos antes tidos
como de difícil acesso, desvalorizados para a agricultura por serem íngremes ou
pantanosos, abriam os braços para casas comerciais e sobrados residenciais. O morro do
Antão nas costas do hospital de caridade, a praia de fora, um pouco afastada do centro,
todos já haviam sido ocupados pela nova vida urbana florescente em diferentes graus.
Uma nova percepção, surgida talvez da experiência, indicava novos atributos à
floresta e um ponto que passou a ser também constantemente destacado pela imprensa e por
autoridades locais era o bom uso da água e sua necessária ligação com a preservação de
áreas de mata. Exemplo disso deu-se em 1860, quando a Câmara pedia que se tomassem
providências para diminuir o desmatamento do morro que envolve a cidade, pois ele seria a
causa da crescente escassez de água que afligia a população. Foi nesse mesmo ano que se
iniciou o comércio de água em Desterro.
73
O código de posturas de Desterro do final do século XIX, mais precisamente
1888, também destinava ações objetivando a preservação florestal. Acreditamos que essas
atitudes se deram em resposta aos problemas observados nas últimas décadas, que
testemunharam uma queda preocupante na área verde da Ilha. Esse Código Municipal de
Posturas, elaborado pouco mais de 40 anos depois do anterior, que era de 1845, tinha um
capítulo dedicado á “Hygiene e saúde pública” e um sub-capítulo que versava sobre as
“mattas e vallas”. Independente do cumprimento ou não das disposições do código aliás,
pouco realmente se fez, haja vista a cobertura florestal atual da Ilha de Santa Catarina -
proibiu-se o corte do mangue nos terrenos pantanosos ou alagadiços, exceto os existentes
nas margens dos rios navegáveis, para desobstruí-los - essa foi uma mudança importante se
73
ALMEIDA, Luciana Cristina de. “Nossa Senhora do Despejo” O lixo e a imundície em Nossa
Senhora do Desterro no fim do Império. (décadas de 1850, 1860 e 1870). Florianópolis, 2003.
Monografia em História. Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis - UDESC., p. 69.
121
compararmos esse código ao anterior. A proibição da derrubada das matas e capoeirões
no morro à leste da cidade estendia-se para uma área de 50 braças para o lado da cidade e
20 braças para o lado oposto. O não cumprimento dessas normas implicava em uma multa
de 20$000 a 30$000 réis. Também era proibido extrair madeira ou lenha de qualquer
qualidade na mata fronteira à cidade.
74
Claro está que, no último quartel do século XIX, havia problemas de falta de
lenha e madeira no entorno da cidade de Desterro e eram necessárias leis e punições para
normatizar a continuidade na exploração desse material. O código de posturas também
proibia o corte de árvores, a fabricação de carvão e queimadas às margens de rios até a
distância de 40 metros,
75
outro indicativo da necessidade de preservar a cobertura florestal
das margens ou o que sobrou dessa cobertura foi reiterada depois de, aproximadamente,
100 anos. Por outro lado, Vieira da Rosa indica, em 1905, a existência, ainda, de matas
virgens em morros e várzeas da Ilha,
76
o centro da cidade, segundo João Ribeiro de
Almeida, em 1864, era totalmente desarborizado, e isso, se remediado, poderia evitar
muitos males
nem ao menos uma alameda se depara em Desterro [...] o que custaria o
plantio e conservação de algumas dezenas de árvores frondosas, nas
praias e praça? [...] E entretanto que somma de benefícios de que se deixa
de tirar proveito! Seria lindo e utilíssimo. As plantações na opinião do
illustre Mr. Chevreud constituem um meio de tornar salubre e purificar o
solo, pois que as árvores não podem crescer sem que neles sorvão os
materiais alteráveis, causa próxima ou remota da infecção.
77
74
Código de Posturas da Câmara Municipal da Capital da Província de Santa Catarina. Nossa
Senhora do Desterro, 22 de outubro de 1888. Título 3º, capítulo 1; arts.: 49, 50, 51 e 52.
75
Código de Posturas da Câmara Municipal da Capital da Província de Santa Catarina. Nossa
Senhora do Desterro, 22 de outubro de 1888. Título 3º, capítulo 3, artigo132, parágrafo 1º.
76
VIEIRA DA ROSA. Chorografia de Santa Catharina. Florianópolis,: Typ. Da livraria Moderna.
Paschoal Simone, 1905., p. 182. Acervo IHGB.
77
RIBEIRO DE ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da Ilha
de Santa Catarina e em particular da cidade de Desterro. Desterro: Typ. de JJ. Lopes, 1864., p.
77. Acervo IHGB.
122
A Ilha de Santa Catarina, apresentada não mais um tapete verde de matas
intransponíveis, aparecia em descrições no final do século XIX e início do século XX,
como nas palavras do padre Vicenzi, que dizia que, ainda da baia, se podia ver as colinas
matizadas de verde mas “notava-se, aqui e acolá, nas alturas menos íngremes, e não as mais
elevadas, bonitos pedaços de terras, cuidadosamente cultivada”.
78
Essas palavras reforçam
a imagem de uma Ilha diferente da encontrada pelos naturalistas estrangeiros no início do
século XIX, mas também indicam que essas mudanças ainda estavam em andamento. Os
problemas que no início do período imperial iam da exploração madeireira e da
“necessidade” de ampliação da área urbana alcançando chácaras e tios nos arrabaldes de
Desterro, agora estavam concentrados na emergência do controle do desmatamento nos
morros do entorno da cidade para evitar problemas de abastecimento de água e no controle
do desmatamento e da coleta de lenha, novamente em áreas próximas à cidade, devido à
escassez. Aquela floresta imensa, apesar das proporções geográficas da ilha serem
limitadas, estava reduzida e localizada nos morros mais elevados e em pontos de mais
difícil acesso, alguns desses locais eram no interior da Ilha, graças às ruas e caminhos
precários.
Desterro era uma importante cidade, palco de embates políticos e cujas lutas
anteriormente travadas para domesticar as matas e extrair riquezas do solo por elas coberto
eram temas do passado, apesar de um passado não tão distante. A extração de madeira
para a Real Armada Portuguesa, que rendeu tantos documentos, cartas e relatos, aliados ao
desenvolvimento da agricultura com seus manuais e estímulos para a aclimatação de
plantas exóticas, cedia espaço à questões de caráter político-administrativo, essa sim a
nova “vocação” de Desterro, logo depois Florianópolis.
78
VICENZI, Jacomo. Uma viagem ao Estado de Santa Catharina em 1902. Nictheroy: Tip.
Amerino, 1904., p. 14. Acervo IHGB.
A
A
Q
Q
U
U
E
E
S
S
T
T
Ã
Ã
O
O
A
A
G
G
R
R
Í
Í
C
C
O
O
L
L
A
A
3.1
Legislação no século XIX: permanências, rupturas e contradições.
É a partir de 18 de setembro de 1850, com a lei 601, conhecida como “Lei de
Terras”, que parte do território do Império do Brasil passa a figurar como mercadoria. Com
a sugestiva designação de dispor sobre as terras devolutas do Império, e acerca das que
são possuídas por título de sesmaria sem preenchimento das condições legais, bem como
por simples título de posse mansa e pacífica; e determina que, medidas e demarcadas as
primeiras, sejam elas cedidas a título oneroso, assim para empresas particulares, como
para o estabelecimento de colônias de nacionais e de estrangeiros, autorizado o Governo a
promover a colonização estrangeira na forma que se declara”
1
, pretendia-se mudar uma
arraigada tradição de posse e doação, cujo critério era, basicamente, a vontade do doador.
Poder-se-ia argumentar que a lei proporcionaria uma distribuição maior de terra,
uma vez que não mais precisaria comprovar posses e escravos para cultivá-la, bastava
apresentar o dinheiro. O que se viu, porém, foi a repetida concentração de terras nas mãos
dos antigos grandes donos de sesmaria. Quem já muito tinha, ainda mais poderia comprar.
O dispositivo de designar terras para empresas particulares ou para
estabelecimento de colônias, também dividiu com mãos particulares uma incumbência que
até então era do Governo do Estado. Antes da Lei de Terras, que abria o leque para
1
Título da Lei 601, de 18 de setembro de 1850. Coleção de Leis do Império do Brasil, Rio de
Janeiro, Tomo 11, parte 1ª, secção 44. Brasil.
I
I
I
I
I
I
124
particulares colonizarem áreas adquiridas por tulo oneroso, isso era feito através de
leis provinciais ou, mais raramente, por particulares em suas sesmarias. Um dos primeiros
casos desse tipo em Santa Catarina foi autorizado pela lei de 05 de maio de 1833, que
determinava o estabelecimento de duas colônias nos rios Itajahy Grande e Mirim. De
acordo com o relatório do presidente da Província de 1851, essas colônias possuíam
então, entre estrangeiros e nacionais, “72 fogos com 347 pessoas [...] 62 cazas de moradia,
21 engenhos de mandioca e 11 de canna”.
2
Na Ilha também se estabeleceram colônias ao norte da barra da capital, como a da
Piedade, com 150 colonos e, de acordo com informações que foram remetidas ao Governo
Imperial, 129 pessoas no fim de abril de 1848. Hoje a população se acha reduzida a 105.
3
Segundo o presidente da Província, a colônia estava em decadência e pouco produzia
devido à qualidade do terreno, e ele considerava o empreendimento um erro,
especialmente pela escolha desse terreno, tido como árido e cansado.
No que se refere à legislação brasileira anterior a essa lei que passaremos a
designar apenas como ‘Lei de Terras’,
a primeira forma que assumiu o ordenamento jurídico das terras
brasileiras foi a do regime de concessão de sesmarias. As concessões de
sesmarias, entretanto, não representaram o resultado de um processo
interno de evolução de formas anteriores de apropriação. Resultaram da
transposição para as terras descobertas de um instituto jurídico existente
em Portugal.
4
O solo era distribuído gratuitamente somente àqueles que possuíssem condições de
aproveitá-lo e pagar os foros pelo mesmo. Essas condições eram verificadas de acordo com
2
COUTINHO, João José. Falla do Presidente de Província dirigida à Assembléia Legislativa de
Santa Catarina, 1º de março de 1851., p. 9. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.
3
Ibid., p. 10.
4
SILVA, Lígia Osório. Terras Devolutas e Latifúndio efeitos da lei de 1850. Campinas/São
Paulo: Ed. da Unicamp, 1996., p.21.
125
o número de escravos possuídos e capacitados para a produção.
5
Tal determinação, que
significava uma estreita relação entre disponibilidade da terra e mão-de-obra, estendeu-se a
todos que solicitavam sesmarias, gerando uma considerável concentração de terras nas
mãos de poucos.
6
Em contrapartida, pequenos colonos ficavam impedidos de ter acesso à
terra e tinham que trabalhar como meeiros ou arrendatários.
7
Essa observação feita por
Fleiuss tem um caráter crítico por ir contra suas idéias de aproveitamento das terras do
Brasil. Essa prática perpetuava as grandes propriedades e limitava as possibilidades de
pequenos colonos tornarem-se proprietários/possuidores de uma porção de terras.
As cláusulas que estipulavam obrigações às pessoas que recebiam terras tinham,
entre seus itens principais, a obrigação de, mesmo antes de tomar posse, medir e demarcar
as ditas terras e notificar os confrontantes. Esses vizinhos eram avisados para que no futuro
não houvesse contestação de limites por parte dos mesmos. Outros pontos importantes eram
conservar nas matas as árvores tapinhoans e perobas, que poderiam ser cortadas para a
construção de naus para o Rei, além de construir caminhos e pontes e reservar meia légua
nas margens dos rios para logradouro público.
8
As informações sobre as posses de terras e o ordenamento das mesmas dão um
salto quali-quantitativo a partir da Lei de Terras. O registro das posses gera um mero de
dados e uma riqueza de informações que, literalmente, criaram um retrato de boa parte da
ocupação e divisão dos terrenos do Brasil. Essa lei, no entanto, foi regulamentada por
um decreto quatro anos depois de sua publicação.
5
FRIDMAN, Fania. Donos do Rio em Nome do Rei: uma história fundiária da cidade do Rio
de Janeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.: Garamond, 1999., p. 126.
6
Ibid., p. 126.
7
FLEIUSS, Max. História Administrativa do Brasil. ed. São Paulo, Caieiras, Rio de Janeiro e
Recife: Cia Melhoramentos de São Paulo, 1925., p. 17.
8
FRIDMAN, Fania. Donos do Rio em Nome do Rei: uma história fundiária da cidade do Rio
de Janeiro. Op. cit., p. 126
126
Nesse sentido, o Decreto de número 1.318, de 30 de janeiro de 1854, que
regulamentou a Lei de Terras foi muito importante. Em seus artigos 14, 15 e 16, definia que
Art. 14. O Inspetor é o responsável pela exatidão das medições; o
trabalho dos Agrimensores lhes será, portanto submetido; sendo por ele
aprovado, procederá a formação dos mapas de cada um dos territórios
medidos. Art. 15. Destes mapas fará extrair três cópias, uma para a
Repartição Geral das Terras Públicas, outra para o Delegado da Província
respectiva e outra que deve permanecer em seu poder: formando afinal
um mapa geral do seu distrito. Art. 16. Estes mapas serão acompanhados
de memoriais, contendo as notas descritivas do terreno medido e todas as
outras indicações, que deverão ser feitas em conformidade do
Regulamento Especial das medições.
9
Também é nesse momento que se estimula a fixação de pessoas de origem
nacional, especialmente em áreas de fronteira, para atuarem como “marcos” do território,
sinais de ocupação das terras por nacionais ou portugueses. No artigo , a lei define que
“ficam proibidas as aquisições de terras devolutas por outro título que não seja o de
compra. Excetuam-se as terras situadas nos limites do Império com países estrangeiros em
uma zona de 10 léguas, as quais poderão ser concedidas gratuitamente”,
10
a princípio, para
esses nacionais, com o objetivo de ocupar o território.
Eram consideradas terras devolutas, de acordo com a Lei de Terras, em seu artigo
3º, parágrafos 1, 2, 3 e 4s:
§1. As que não se acharem aplicadas a algum uso público nacional,
provincial, ou municipal. § 2. As que não se acharem no domínio
particular por qualquer título legítimo, nem forem havidas por sesmarias
e outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não incursas em
comisso por falta do cumprimento das condições de medição,
9
BRASIL, Decreto 1.318, de 30 de janeiro de 1854. Manda Executar a lei 601 de 1850. Coleção de
Leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, Tomo 17, parte 2ª, secção 6. Artigos 14, 15 e 16.
10
BRASIL, Lei 601, de 18 de setembro de 1850. Dispõe sobre as terras devolutas do Império, e
acerca das que são possuídas por título de sesmaria sem preenchimento das condições legais, bem
como por simples título de posse mansa e pacífica; e determina que, medidas e demarcadas as
primeiras, sejam elas cedidas a título oneroso, assim para empresas particulares, como para o
estabelecimento de colônias de nacionais e de estrangeiros, autorizado o Governo a promover a
colonização estrangeira na forma que se declara. Coleção de Leis do Império do Brasil, Rio de
Janeiro, Tomo 11, parte 1ª, secção 44. Brasil. Artigo 1.
127
confirmação e cultura. § 3. As que não se acharem dadas por
sesmarias, ou outras concessões do Governo, que, apesar de incursas em
comisso, forem revalidadas por esta Lei. § 4. As que não se acharem
ocupadas por posses, que, apesar de não se fundarem em título legal,
forem legitimadas por esta Lei.
11
Para cumprir esse trecho da lei referente às terras públicas a própria Lei de Terras
estabeleceu a criação da Repartição Geral das Terras Públicas, cujas atribuições foram
regulamentadas pelo decreto 1.318, de 30 de janeiro de 1854, em seu artigo 3:
§ 1. Dirigir a medição, divisão, e descrição das terras devolutas, e prover
sobre a sua conservação. § 2. Organizar um Regulamento especial para as
medições, no qual indique o modo prático de proceder a elas, e quais as
informações, que devem conter os memorais, de que trata o Art. 16 deste
Regulamento. § 3. Propor ao Governo as terras devolutas, que deverão ser
reservadas: 1., para a colonização dos indígenas; 2., para a fundação de
Povoações, abertura de estradas, e quaisquer outras servidões, e assento de
Estabelecimentos Públicos. § 4. Fornecer ao Ministro da Marinha todas as
informações, que tiver acerca das terras devolutas, que em razão de sua
situação, e abundância de madeiras próprias para a construção naval,
convenha reservar para o dito fim. § 5. Propor a porção de terras medidas,
que anualmente deverão ser vendidas. § 6. Fiscalizar a distribuição das
terras devolutas, e a regularidade das operações da venda. § 7. Promover a
colonização nacional e estrangeira. § 8. Promover o registro das terras
possuídas. § 9. Propor ao Governo a fórmula, que devem ter os títulos de
revalidação e de legitimação de
terra.
12
Não aceitar as disposições dessa comissão implicava, de acordo com a lei, penas
de prisão até três meses e multa de até 200$000 réis.
Quem já era ocupante quando da promulgação da Lei de Terras tinha sua situação,
na maioria das vezes, legalizada. Isso se deu especialmente em função da suspensão da
doação de sesmarias em julho de 1822, tornando a posse o único modo de aquisição de
terras até 1850. Nesse intervalo de tempo muitas terras foram simplesmente ocupadas e
cultivadas, fazendo com que, com a nova lei, essas pessoas as requeressem como sendo
11
Decreto 1.318, de 30 de janeiro de 1854. Op. cit., artigo 3.
12
Decreto 1.318, de 30 de janeiro de 1854. Op. cit., artigo 3.
128
suas quase trinta anos depois. A justificativa usada era os longos anos de ocupação e a
produtividade dessas terras.
No artigo 5, § 4. da mesma lei, define-se, no entanto, que “os campos de uso
comum dos moradores de uma ou mais freguesias, municípios ou comarcas [rossio]
13
serão
conservados em toda a extensão de suas divisas, e continuarão a prestar o mesmo uso,
conforme a prática atual, enquanto por lei não se dispuser o contrário”.
14
Essa disposição só
vinha reforçar longas tradições como o pasto de animais em terrenos públicos e vazios,
caça e coleta de frutos em terrenos que não eram privados ou retirada de lenha e madeira,
especialmente de mangues e áreas próximas à vilas e cidades. Tal indefinição constante na
própria Lei de Terras explica, em parte, as dúvidas e práticas ilegais que persistiram por
tantos anos na distribuição de terras no Brasil, tanto que “a solicitação de datas e a sua
concessão prossegue até fins do Império. O aforamento de glebas continua penetrando
mesmo a república, que vai praticamente extingui-lo com o Código Civil de 1917”.
15
Não é difícil constatar que essas práticas pesaram muito na devastação ambiental,
em especial no caso dos mangues vizinhos às áreas urbanas, que foram, em grande parte,
destruídos antes da metade do século XIX. A prática de derrubada de mangues para fins
domésticos - lenha para fogões, caieiras, etc - ou para curtumes e secagem de áreas tidas
como produtoras de umidade e doenças era amparada por lei - na Ilha de Santa Catarina
fazia parte do código de posturas do município - e, associada à indefinição das fronteiras,
13
Ao se criar uma vila seguiam-se algumas exigências, como a de estipular localizações de prédios
como casa de câmara e cadeia e pelourinho. Era a partir destes que se definia o termo da vila, que
não era, de forma alguma, claro ou bem demarcado no que se refere a logradouros públicos, áreas
comuns da vila ou mesmo de seu rossio. Essa área servia a distintos propósitos, que poderiam
resumir-se em sua utilização por parte de todos os moradores para pasto de animais, para coleta de
madeira ou de lenha, para algum plantio, bem como constituía uma reserva para a expansão da vila,
seja prevendo novas sessões de terra, seja a abertura dos correspondentes caminhos e estradas, ruas
ou praças. In: MARX. Murillo. Cidade no Brasil Terra de Quem? São Paulo: Studio Nobel,
1991., p. 69.
14
Lei 601 de 18 de setembro de 1850. Op.cit., artigo 5.
15
MARX, Murillo. Cidade no Brasil: Terra de Quem? São Paulo: Edusp/Studio Nobel, 1991., p.
118.
129
tornou-se ainda mais desmedida. A doação de novas terras para agricultura, por sua vez,
sem critérios de preservação de matas teve como conseqüência um avanço para terras
virgens e o abandono de terras cansadas pelo uso exaustivo ou mau uso dos recursos do
solo.
A lei 601, mesmo depois de aprovada e considerado seu impacto no campo, não
teve como seu efeito “a distribuição mais ampla das mesmas [terras], quiçá almejada pelo
poder central, porém, e muito ao contrário, redundou num reforço das características de alta
concentração delas nas mãos de muito poucos”.
16
Um exemplo dessa “transgressão” foram
os lotes de tamanho superior a mil hectares, definidos pelo governo para a venda e que
indicavam que o destino não era a pequena propriedade, em muitos casos isso comprovou-
se no final do século XIX e início do XX, quando algumas dessas terras foram repassadas
para empresas colonizadoras com o objetivo de as retalhar e vendê-las para imigrantes,
17
prática percebida no oeste de Santa Catarina, sudoeste do Paraná e noroeste do Rio Grande
do Sul.
18
Para efetivar essa divisão do terreno em lotes a mata era devastada e suas
madeiras aproveitadas, ficando o solo livre para os novos colonizadores, o que transformou
a paisagem em um grande “mosaico” de culturas.
Tal fato chocava-se com o disposto no artigo 12 do decreto 1.318 de 30 de janeiro
de 1854, em que se definia que
as medições serão feitas por territórios, que regularmente formarão
quadrados de seis mil braças de lado, subdivididos em lotes, ou
quadrados de quinhentas braças de lado, conforme a regra indicada no
16
MARX, Murillo. Cidade no Brasil: Terra de Quem? Op. cit., p. 119.
17
Ibid., p. 109.
18
Para mais detalhes sobre o tema ver: CESCO, Susana. Migração e Desmatamento no Alto Vale
do Uruguai:uma releitura da relação homem x florestas no início do século XX. Florianópolis,
2003. Conclusão de Curso Graduação em História. Universidade Federal de Santa Catarina;
NODARI, Eunice S. A Renegociação da Etnicidade no Oeste de Santa Catarina (1917-1954).
Porto Alegre, 1999. Doutorado em História PUC-RS; CESCO, Susana. Desmatamento e Migração
no Alto Vale do Rio do Peixe: discussões sobre “progresso” e transformação ambiental.
Florianópolis, 2005. Mestrado em História. Universidade Federal de Santa Catarina.
130
art. 14. da Lei n. 601, de 18 de setembro de 1850, e segundo o modo
prático prescrito no Regulamento Especial, que for organizado pela
Repartição Geral das Terras Públicas.
19
A política de legalização da propriedade de terras pós 1850 abria a possibilidade
de modificar o sistema de agricultura do país, que até então era pautado pela “fronteira
aberta”, móvel e predatória. Teoricamente, a partir do momento em que a terra passava a ter
um valor monetário, a ampliação das propriedades restringia-se e a necessidade de
aproveitar melhor o solo aumentava. Esse aproveitamento já era discutido em muitos
manuais agrícolas e em discursos e artigos de membros da Sociedade Auxiliadora da
Indústria Nacional e iam desde a adubação do solo, passando pela rotação de culturas e o
pousio, até outras técnicas. Tudo isso não seria viável se o objeto fossem as grandes
monoculturas, mas tornava-se uma boa idéia quando se tratava de pequenas propriedades
familiares, ideal de colonização do sul do Brasil.
Quando da promulgação da Lei de Terras, os posseiros ficaram obrigados, de
acordo com o artigo 11
a tirar títulos dos terrenos que lhes ficarem pertencendo por efeito desta
lei, e sem eles não poderão hipotecar os mesmos terrenos, nem aliená-los
por qualquer modo. Estes títulos serão passados pelas Repartições
provinciais que o Governo designar, pagando-se 3$000 de direitos de
Chancelaria pelo terreno que não exceder de um quadrado de 300 braças
por lado, e outro tanto por cada igual quadrado que de mais contiver a
posse; e além disso 4$000 de feitio, sem mais emolumentos ou selo.
20
Os proprietários de terras ficavam obrigados também, após a nomeação dos Juízes
Conservadores que coordenariam as demarcações e após o prazo estipulado pelo presidente
da Província, a medir as terras adquiridas por posses sujeitas à legitimação, ou por
sesmarias, ou outras concessões que estejam por medir e sujeitas à revalidação, marcando
maior ou menor prazo, segundo as circunstâncias do Município, e o maior ou menor
19
Decreto 1.318 de 30 de janeiro de 1854. Op. cit., artigo 12.
20
Lei 601, de 18 de setembro de 1850. Op. cit., artigo 11.
131
número de posses, e sesmarias sujeitas à legitimação, e revalidação, que
existirem. No artigo 33 ficava definido que os prazos marcados poderiam ser prorrogados
pelos mesmos presidentes, se assim o julgarem conveniente, e neste caso a prorrogação
seria válida a todos os possuidores do município em mesma situação.
21
Ainda segundo o texto da lei, o artigo 12 estipulava que o Governo podia reservar
terras devolutas que julgasse necessárias, desde que seu “uso” fosse: 1., para a colonização
dos indígenas; 2., para a fundação de povoações, abertura de estradas, e quaisquer outras
servidões, e assento de estabelecimentos públicos e 3., para a construção naval. Esse último
item refere-se às terras possuidoras de florestas ricas em madeiras próprias para a
construção naval, que eram “controladas” por outros dispositivos legais. No artigo 13 o
mesmo Governo assumia a responsabilidade de organizar por freguesias o registro das
terras possuídas, sobre as declarações feitas pelos respectivos possuidores, impondo multas
e penas àqueles que deixarem de fazer nos prazos marcados as ditas declarações, ou as
fizerem inexatas”.
22
Posterior à Lei de Terras, o regulamento 1.318, de 1854, determinava que os
possuidores de terras deveriam registrá-las em um prazo fixado por lei. E para facilitar esse
processo o mesmo deveria ser feito nas paróquias onde essas terras estavam localizadas.
Tais registros ficaram conhecidos como “Registros de Vigários” e eram muito simples,
relatavam, na forma de declaração, o nome da terra possuída; designação da freguesia em
que estava situada; o nome particular da situação, se o tiver; sua extensão, se for conhecida,
e seus limites”.
23
21
Decreto 1.318 de 30 de janeiro de 1854. Op. cit., art. 32 e 33.
22
Lei 601, de 18 de setembro de 1850. Op. cit., artigos 12 e 13.
23
MOTTA, Márcia M. M. Nas Fronteiras do poder: conflito e direito à terra no Brasil do
século XIX. Rio de Janeiro. Arquivo Público do Rio de Janeiro, 1998., p. 161.
132
Posteriormente, o órgão criado pelo governo Imperial para reger esse processo
de medição e legalização foi a “Repartição Geral das Terras Públicas”, subordinada ao
Ministério da Agricultura do Império. Cada província teve nomeado um juiz comissário de
medição e, depois, criaram-se cargos e funções como: diretor, fiscal tesoureiro, oficiais,
amanuenses e porteiros-arquivistas. A atribuição do juiz comissário era autorizar as
medições e as demarcações das terras registradas nas paróquias. Os juízes poderiam
realizar esse serviço caso esse fosse requisitado pelo ocupante da terra.
24
A Repartição Geral de Terras Públicas e as demais repartições provinciais foram
extintas em 1861, quando foi criado o Ministério de Agricultura, Comércio e Obras que
absorveu as funções da repartição. Outro órgão com funções parecidas foi criado em 1874
sob o nome de Registro Geral e Estatística das Terras Públicas, que pouco ou nada fez para
justificar seu nome e logo foi extinto. Apenas em 1876 um órgão foi criado e perdurou até o
final do Império: a Inspetoria de Terras e Colonização.
Enfim, a Lei de Terras foi, em âmbito oficial, uma importante iniciativa para
regulamentar a propriedade de terras no Brasil, que há muito tempo estava sendo baseada
em relações de amizades e interesses. No entanto, não foi de imediato que as novas regras
regaras saíram do papel e entraram no dia-a-dia das pessoas de um território tão vasto e
com cantos tão afastados dos olhos da justiça. Para entender melhor essas dificuldades de
aplicação da lei é preciso analisar o processo que levou a ela e a situação da propriedade da
terra antes dela.
3.2
A propriedade de terras durante o século XIX.
Até 1822, a doação de sesmarias na Ilha e no continente se dava,
preferencialmente, para lotes agrícolas nas diferentes freguesias. No ano de 1822, com a
24
CAVALCANTE, José Luiz. A Lei de Terras de 1850 e a reafirmação do poder básico do Estado
sobre a terra. Histórica - Revista Eletrônica do Estado de São Paulo. N.2, junho 2005.
133
proibição da doação de terras sob designação de sesmarias, muitos habitantes da Ilha de
Santa Catarina ficaram sem opção de posse de terras. Em 1841, o presidente da Província
Antero José Ferreira de Brito ainda apontava os transtornos causados por essa lei que
prejudicava, ainda naquele momento, famílias de lavradores. Nas palavras de Brito, tanto
“na Ilha como em todo o litoral do continente, vêem-se apinhados centenas de homens
trabalhando a terço, e consumindo-se para tirarem a custo sua subsistência de terras a
muito esterilizadas”.
25
Isso ao mesmo tempo que avistavam-se vastos terrenos férteis que
não podiam ser roteados pela incerteza da posse legal no futuro. Essas incertezas, causadas
pela proibição legal dessa prática no ano de 1822, não impediram que ocorressem
ocupações, legalizadas posteriormente, e expansões de sesmarias já tidas por direito.
No entanto, a presidência da Província tinha, baseada na Legislação Provincial e
na lei nº 11 de 1835 especificamente, ampla faculdade de conceder a empreendedores terras
para a fundação de colônias, sendo também autorizada a fundação por conta do Governo da
Província. As primeiras colônias da Província, criadas por essa lei, foram as das margens
do Rio Itajay-mirim e do Rio Tijucas Grande no continente e os empreendedores
responsáveis por elas eram Wels Pedrick & Gonçalves e Demaria & Schutel,
respectivamente. Segundo a Presidência da Província, em 1841, depois desses últimos não
houve mais interessados nesse tipo de empreendimento. Curiosamente, essa lei provincial,
13 anos após a proibição das sesmarias, atuava com regras muito semelhantes. As doações
eram feitas na forma de grandes porções de terras a pessoas chamadas de empreendedores
que, por sua vez, as dividiam em lotes para serem entregues às famílias de imigrantes com
finalidade agrícola. As regras eram tão semelhantes ao sistema sesmarial que os lotes não
distribuídos aos colonos, em um prazo de 4 anos, seriam considerados devolutos. Ainda
referente a esse tema, em 1840 em seu relatório anual, o presidente da Província sugeria
25
BRITO, Antero Jozé Ferreira de. Relatório do Presidente da Província de Santa Catarina em
1841., p. 9 e 10. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.
134
que a colônia deveria ter sempre terras medidas e demarcadas para serem dadas aos
colonos que se apresentassem, sendo condição primordial para isso a exclusão absoluta de
escravos. Até um cálculo foi feito para tal, supondo uma comissão permanente medindo e
demarcando terras, com 10 ou 15 homens empregados, e um oficial, seriam necessários até
3:000$000 réis anuais para as despesas.
26
Mesmo com essa lei, que de certo modo passava por cima da resolução 76 de 17
de julho de 1822, que extinguia a doação de sesmarias no território do Brasil, a formação de
colônias não foi tão significativa até a metade do século XIX. Para agravar a situação e
desestimular empreendedores, algumas colônias não prosperavam e sua população inicial
diminuía. Além disso, os primeiros anos de criação não eram acompanhados por nenhum
“fiscal”, o que só agravava as coisas, ainda de acordo com o presidente da Província.
27
Antes disso podem ser encontrados os registros de sesmarias dos mais diversos na
Ilha de Santa Catarina. No Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC - foram
consultados registros de 1796 a 1823, ou seja, um ano depois da proibição das doações.
Anterior ao Período Imperial, os pedidos eram feitos ao Governador da Ilha que, em
resposta, se positiva, redigia uma “carta de sesmaria”. É o caso de uma, datada de
18/04/1805, que estabelecia as marcações de uma nova sesmaria solicitada pelo Capitão
Miguel Francisco da Costa, morador da Lagoa da Conceição. Segundo a carta, o capitão
estava de posse de 41 braças de terras de frente e 200 de fundo em um lugar chamado Rio
Tavares, o qual solicitava legalização de posse; essas terras eram oficialmente devolutas.
De acordo com o texto do Governador, o requerente queria que lhe concedessem “as
26
ANDREA, Francisco José de Souza Soares de. Relatório do Presidente da Província de Santa
Catarina em 1840., p. 34. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.
27
BRITO, Antero Jozé Ferreira de. Relatório do Presidente da Província de Santa Catarina em
1841., p. 9 e 10. Op. cit. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.
135
mencionadas terras que se achavam devolutas nas frentes de outras que poçuhia por
compra”.
28
O requerente era apontado como apto para cultivar as terras.
Outra concessão atendida foi feita pelo Governador Dom Luiz Maurício da
Silveira ao Capitão de Cavalaria Miliciana do Distrito da Freguesia da Lagoa que
para seu melhor estabelecimento e suplemento de sua numerosa família
me pedia que (...) lhe concedesse sessenta e quatro braças de terras de
frente com sessenta e oito de fundo, pello lado Norte e sessenta pello Sul
que se achavam devolutas no lugar denominado Caxoeira do Rio
Tavares.
29
Todas essas concessões faziam referência à lei portuguesa de sesmarias do ano de
1747, que obrigava ao solicitante atendido a construção de caminhos e testada de pontes e
estivas onde se fizesse necessário, além da proibição de repasse dessas terras para pessoa
eclesiástica ou Religião resquício, talvez, do acúmulo de bens dos jesuítas, verificado
quando de sua expulsão, bens dos quais foram espoliados e reservar qualquer mina ou
viveiro de qualquer metal e os paus reais para a Coroa.
As duas doações acima citadas referem-se aos moradores de freguesias do interior
da Ilha que queriam aumentar ou oficializar suas posses. a solicitação de Domingos José
no ano de 1808 é diferente. O mesmo era um morador urbano da Vila de Desterro que
alegava, na solicitação, não ser possuidor de uma légua sequer para sustentar sua numerosa
família por meio da agricultura. Seu pedido de terras referia-se a 17 braças de terras de
frente e 3/9 de fundo na Costeira do Ribeirão, solicitação que, segundo ele, não prejudicaria
terceiros.
30
Os termos da doação são idênticos aos anteriores, o que diferencia essa sesmaria
é que ela seria a propriedade agrícola de uma família da cidade e que, provavelmente, seria
28
CURADO, Joaquim Xavier. Registro de uma Sesmaria do Capitão Miguel Francisco da
Costa. Acervo n. 1, Estante n. 8E. APESC., fl 145v. 18/04/1805.
29
SILVEIRA, Dom Luiz Maurício da. Registro de huma Sísmaria do Capitão de Cavalaria
Miliciana Miguel Francisco da Costa. Acervo n. 1, estante 8E. APESC, fl. 50 e 51, 1807.
30
SILVEIRA, Dom Luiz Maurício da. Registro de huma Sísmaria de Domingos José, cazado,
morador nesta Vila. Desterro, 1808. Acervo n. 1, estante 8E. APESC, fl. 152-153.
136
cultivada por agregados ou meeiros, repassando ao proprietário uma parte dos produtos
ou lucros da colheita.
Outro pedido de sesmaria, que parece objetivar a construção de uma “casa de
praia”, é o de Bernardo Francisco Tavares, anspeçado
31
do Regimento de Linha da Praça de
Desterro. A área solicitada era de duas braças de terras devolutas nas marinhas da Praia de
Fora.
32
A lei de 1747, especificamente para Santa Catarina, foi importante quando da
vinda dos casais açorianos em meados do século XVIII. Como todos esses casais tinham a
promessa de ganhar um lote para instalarem-se, teoricamente, a lei das sesmarias
oficializaria com mais praticidade essa posse, porém não foi o que aconteceu. Exemplo
disso é uma solicitação de sesmaria do ano de 1810, feita por Francisco da Roxa Cota,
morador da Vila de Desterro, em que o solicitante afirma que o pedido nada mais era que a
oficialização do lote ganho por seus pais, casal açoriano que chegou à ilha em 1753, e cuja
posse ainda não era oficial. Segundo Francisco, seu falecido pai Antonio Cota Vieira foi um
dos açorianos vindos para povoar a região e a ele foi concedido, pelo então governador
Manoel Escudeiro Ferreira de Souza, o equivalente a ¼ de gua de terra em quadro para
seu estabelecimento na Serraria da Freguesia de São José, tal lote havia sido “medido e
demarcado em hum retângulo de trezentas braças de frente com mil oito centos setenta e
cinco de fundo, pelo demarcador Antonio Gonçalves Pereira”.
33
A primeira concessão foi datada de 02/11/1753, a segunda de 08/11/1753, não
havendo contestação pelos vizinhos. A posse foi ratificada em 1780, confirmada a primeira
31
Antigo posto militar acima do soldado e sob ordens do cabo.
32
SILVEIRA, Dom Luiz Maurício da. Registro de huma Concessão de Bernardo Francisco
Tavares, 1810. Acervo n. 1, estante 8E. APESC, fl. 128 verso.
33
SILVEIRA, Dom Luiz Maurício da. Registro de Sesmaria de Francisco da Roxa Cotta,
morador nesta Vila de Desterro, 04/01/1810. Acervo n. 1, estante 8E. APESC, fl. 129.
137
medição. A carta de sesmaria oficial ainda não havia sido redigida em 1810. Nesse ano,
o presidente da Província, Dom Maurício da Silveira, concedeu
por Sesmaria, em nome de Sua Alteza Real, como o herdeiro de Antonio
Cotta Vieira cazal do numero vindo para povoar esta ilha em observância
da Real Ordem de nove de agosto de mil setecentos e quarenta e sete e do
Real Decreto de vinte e dois de junho de mil oitocentos e oito ao
mencionado Francisco da Roxa Cotta as contempladas trezentas braças
de terra de frente com mil oitocentas setenta e cinco de fundo.
34
Porém não eram apenas lotes de terras na Ilha de Santa Catarina, ou em terra
firme, que eram dados em sesmaria. Em 30/04/181, o presidente da Província, respondendo
ao pedido do provedor da Fazenda, concede em sesmaria a Ilha do Arvoredo, ilha costeira
vizinha à Ilha de Santa Catarina. Essa porção de terra no litoral catarinense era reclamada
para, segundo o solicitante, instalar uma fazenda. A ilha possuía meia gua de
comprimento e ¼ de légua de largo.
35
Por tudo isso se percebe a dimensão dos problemas oficiais no que se refere à
posse de terras no Brasil e a importância da Lei de Terras. o parece exagero dizer que
muitos pontos do Brasil eram terras de ninguém, ou pior, de vários proprietários que não se
entendiam quanto aos limites. Em um território tão vasto, com tantos proprietários,
posseiros, imigrantes e tantas categorias de ocupantes, ficava difícil fiscalizar e cobrar
impostos ou mesmo criar políticas de incentivo à agricultura ou preservação da floresta,
além, é claro, das questões ligadas à mão-de-obra livre ou escrava.
Todos esses conflitos relacionados à posse de terras e ao seu aproveitamento, bem
como de seus recursos, no Brasil e na Ilha de Santa Catarina especificamente, merecem
34
SILVEIRA, Dom Luiz Maurício da. Registro de Sesmaria de Francisco da Roxa Cotta. Op.
cit.
35
SILVEIRA, Dom Luiz Maurício. Doação de sesmaria à João Prestes Barreto da Fontoura.
30/04/1811. Acervo n. 1, estante 8E. APESC, fl. 161.
138
uma observação mais detalhada que possa lançar luz sobre pontos por tanto tempo
turvos e ampliar as possibilidades de compreensão de suas causas e conseqüências.
3.3
Evolução da agricultura no século XIX.
Considerando toda a legislação que, de certa forma, estava ligada à questão da
terra e da agricultura, assim como outros documentos que podem pautar o tema, esta análise
sobre agricultura na Ilha de Santa Catarina propõe uma abordagem diferente da de tantos
textos produzidos. Procuramos acrescentar outro elemento à questão, ampliando o leque
de “fatores condicionantes” da agricultura no século XIX - não deixando de olhar para
momentos anteriores, como o século XVIII, que amalgamaram o cenário”. Esse novo
elemento, que vem somar-se à falta de crédito, à mão-de-obra escrava, à inserção de
imigrantes e à monocultura, é a floresta e a necessidade de derrubá-la. A agricultura exigia
terra limpa e esse é um fator importante do processo de derrubada das matas para receber as
sementes, nem tampouco o trabalho que isso significou, além dos custos de animais,
equipamentos e mão-de-obra.
Como em tantos estudos sobre a agricultura, os documentos aqui analisados são
leis e decretos relacionados ao tema, manuais agrícolas e dados econômicos de produção,
exportação e importação. Além desses, foram pesquisados e relacionados à atividade
agrícola os relatórios sobre extração de madeira, análises geográficas sobre qualidade do
solo e relevo, questões como vegetação predominante, animais locais e domesticados e
idéias de viajantes estrangeiros sobre o tema agricultura em um país tropical, onde, a
princípio, acreditava-se que plantando tudo dava.
Esses documentos, no âmbito do Brasil, permitem um entendimento mais
profundo de temas tão analisados, como os canaviais no nordeste, os cafezais no sudeste,
139
o ouro e mais tarde a pecuária em Minas Gerais, além de experiências de pequenas
propriedades produtoras de bens de primeira necessidade no sul. Somando-se ao fator
econômico, aos mercados estrangeiros, ao fator político, seus barões do café e senhores de
engenho, existe a questão do meio ambiente, do clima, da vegetação e da qualidade do solo.
No caso do sul do Brasil, especificamente da Ilha de Santa Catarina, algumas
características, especialmente o clima, foram um estímulo para o tipo de ocupação que se
concentrou em lotes e agricultura familiar, visando o abastecimento de alimentos.
O desenvolvimento de atividades agrícolas iniciou-se com a derrubada da densa
floresta que cobria a área, passando pela limpeza do terreno, secagem de áreas pantanosas,
adaptação de culturas ao clima e ao terreno acidentado, em muitos casos, abertura de
estradas e, talvez um dos mais relevantes, conviver e negociar com a condição natural de
ser agricultor em uma ilha. Isso tinha ligação direta com suas relações de exportação e
importação, com o continente fronteiro e com locais distantes, via oceano.
É importante ressaltar o papel da lavoura de subsistência no Brasil agro-exportador
de cana ou de café. O prestígio e o dinheiro agregado aos grandes monocultores faziam
com que, segundo Dean, esses agissem com imprudência e desviassem a maior parte do
trabalho de seus escravos para essa tarefa, “forçando-os a comprar colheitas de subsistência
de vizinhos. Na verdade, os preços de gêneros alimentícios se elevaram mais depressa que
os dos exportáveis”.
36
Essa compra por vezes era feita em locais mais distantes que se
“especializaram” nesse tipo de lavoura, como no caso de Desterro com sua farinha de
mandioca.
Um olhar menos romântico dos imigrantes e colonizadores da Ilha, que por tantos
anos foram descritos pela historiografia como desbravadores e heróis, também é
fundamental para compreender porque muitas tentativas redundaram em erro. Essa área de
36
DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São
Paulo: Companhia das Letras,1996., p. 209.
140
colonização programada, com pequenas propriedades e agricultura familiar - sem
esquecer-se do braço escravo a ser analisado posteriormente - recebeu sua primeira leva de
imigrantes em meados do século XVIII e tentou espalhá-los pela Ilha com o intuito de
fundar freguesias caracteristicamente agrícolas. Visando a produção de alimentos que
abasteceriam toda a Ilha e seus excedentes exportados, contou com muitas pessoas que não
eram agricultores em seu país de origem ou que estavam em uma espécie de fuga de sua
terra natal devido à superpopulação e a falta de alimentos. Aliado a isso estava o fato de
que essas pessoas receberam muitas promessas por parte do governo de facilidades de
instalação na nova terra, e muitas dessas promessas não foram cumpridas. Outro ponto de
extrema importância e que não foi considerado por imigrantes e governantes era a diferença
gigantesca do local de origem para o novo lar. Terra, cobertura vegetal, animais, clima. O
exemplo desses primeiros imigrantes provenientes do Arquipélago dos ores e da Ilha da
Madeira é claro, vinham de ilhas sim, mas oceânicas, e instalaram-se em uma ilha costeira.
Sua terra de origem estava superpovoada, assolada por vulcanismo, maremotos e cansada
por séculos - porém nem tantos séculos assim - de uma agricultura que apenas tirava da
terra e não devolvia nada em forma de técnicas e tecnologias de melhoria do solo. Aqui,
deparam-se também com o quase isolamento, a distância de vizinhos e a longuíssima
distância da corte, o que gerava um isolamento político administrativo ainda maior.
Realmente foram desbravadores, mas certamente sem o “glamour” tantas vezes retratado
pela historiografia tradicional. Essa imagem de força e heroísmo também foi atribuída a
alguns políticos como o Brigadeiro José da Silva Paes, o governador no período da
chegada dos açorianos e madeirenses. Piazza o retrata como homem que “a tudo, enquanto
esteve à frente da capitania da Ilha de Santa Catarina, deu a melhor atenção”.
37
Difícil crer
que as providências tomadas pelo governo tenham sido tão eficientes, haja vista as
37
PIAZZA, Walter F. A Epopéia Açoriana (1748/1756). Cópia Mimeografada. Acervo Biblioteca
Central - Universidade Federal de Santa Catarina, 1992., p. 13.
141
reclamações feitas justamente sobre a falta dos itens prometidos e a própria demarcação
dos lotes. Por conta disso, a afirmação de Piazza, possivelmente embasada, sem
questionamentos, em documentos ou relatos, de que houve problemas já na distribuição das
terras, “como o de se contentarem com muito menos, por quererem ficar mais pertos huns
dos outros, o que não conseguiram se o tivessem de tomar cada um o que vossa majestade
lhe mandar”,
38
é dúbia. Para pessoas que emigraram justamente pela falta de terras para
cultivar e pela fome, tal atitude seria, no mínimo, controversa. Talvez o que tenha ocorrido
tenha sido que o povoado da vila de Desterro era tão pouco servido de infraestrutura que os
imigrantes preferiam ficar em lotes mais próximos do centro da vila a pontos isolados, sem
estradas, de difíceis acessos e ainda mais distantes dos olhos do Estado. Quando da
indicação de formar novas freguesias no interior da Ilha, as dificuldades enfrentadas pelos
novos moradores eram bem palpáveis. Muitas vezes era mais prático o deslocamento de
pessoas, mercadorias e animais até o centro da Vila por mar que por terra.
Do ponto de vista agrícola, a ocupação e transformação da paisagem local foi bem
característica, tendo esse, relativamente, pequeno território sido palco de variadas culturas
agrícolas, algumas puramente experimentais. Por ser uma ilha e, conseqüentemente, possuir
uma fronteira territorial definida - sem considerarmos aterros, por exemplo - as noções de
controle de território e de sua ocupação pareceram mais fáceis para os governantes. Porém,
a divisão da Ilha de Santa Catarina em lotes privilegiou alguns em detrimento de outros
tantos, e a distribuição e o desenho geográfico local foram adquirindo contornos pela
experiência do dia-a-dia, plantando, colhendo, desmatando, muito mais que por
determinações oficiais. A “estrada” foi sendo construída com o caminhar.
Ao invés de receber um lote demarcado, muitas vezes ocupava-se uma porção de
terras por anos ou décadas e só depois essa era regularizada. O mesmo quando nos
38
PIAZZA, Walter F. A Epopéia Açoriana (1748/1756). Op. cit., p. 13.
142
referimos ao recebimento de grãos e animais para iniciar a cultura, promessas do
governo que demoraram ou sequer foram cumpridas. Tudo isso passava por um processo de
“negociação” com o ambiente local, na maioria das vezes, optando-se por produzir
mandioca e outros produtos da terra cuja experiência indicava sucesso ao aventurar-se
em novidades cuja praticidade de produção ainda era duvidosa. A agricultura da Ilha
emprestou características das grandes lavouras e as associou ao cotidiano e às necessidades
locais, criando feições próprias e diferenciando-se, em muitos pontos, do que Sérgio
Buarque de Holanda entendia ser o padrão brasileiro. De acordo com esse autor, existe uma
diferença entre “agrícola” e “rural”. A primeira estaria associada às atividades diretas, à
pequena propriedade e ao trabalho familiar; diferente da segunda, cuja preocupação e
cuidado com a terra inexistiam. Era uma associação direta ao latifúndio e ao trabalho
escravo. Para Holanda, os portugueses instalaram no Brasil uma “civilização de raízes
rurais” e não “agrícola”.
39
Essas observações, baseadas nas técnicas de produção e equipamentos empregados
na lavoura, somaram-se a muitos textos que, por longos anos, descreveram o atraso dos
métodos agrícolas, a rusticidade e o despreparo daqueles que eram os responsáveis pelo
progresso do Brasil. Aliás, o próprio conceito de progresso entra em xeque aqui. Não usar
arado, praticar a coivara, avançar e devastar a floresta a cada poucos anos, com a
justificativa de esgotamento do solo, foram constantes por vários séculos no Brasil,
especialmente nas áreas dedicadas à agricultura. Podemos nos questionar se faltavam
conhecimentos científicos ou faltava a idéia de que fosse necessário ou possível um
aprimoramento técnico.
39
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26 ed. São Paulo: Cia das Letras, 1995., p. 49.
143
Fazendo uma analogia ao tema, ao analisar as condições para o avanço da
ciência na Idade Média, Febvre
40
enfatiza que, sem deixar de marcar a carência dos
“instrumentos” mentais necessários, faltava aos homens da época os instrumentos materiais
e a linguagem necessária para expressar os resultados observados, os instrumentos e a
linguagem científica.
Para observar, nada mais tinham que os dois olhos (...) feita a
observação, como medí-la (...) como a ciência não tem ferramentas,
também não tem linguagem. (...)As técnicas, aliás, os métodos de
cálculo estavam longe ainda de estar uniformizados. (...) Métodos
oscilantes, símbolos insuficientes.
41
Ato contínuo dessa realidade é a experimentação, tentativas e erros até o acerto. A
referência à idade Média de Febvre pode ser adaptada à colonização das terras do Brasil e a
sua utilidade e transformação nesses séculos de ocupação européia. O que acreditava-se ser
permanentemente fértil a princípio, posteriormente descobre-se que se esgota se não for
bem utilizado. A realidade do esgotamento do solo tão conhecida da Europa desse período
não era impossível no Brasil, o que diferenciava esse processo eram o tempo de fertilidade
do solo, as técnicas aqui empregadas e as culturas. A fertilidade inesgotável não existia e o
Brasil não era o paraíso terreal. Continuava sendo necessário trabalhar, e muito, para
produzir por muito tempo.
Considerando que era na agricultura que se obtinha alimento, dinheiro, poder,
enfim, era na agricultura que se baseavam as relações sociais, em especial nos lugares mais
isolados do Brasil, característica da Ilha de Santa Catarina, era preciso transformar o local
em área agrícola. Essa era a indicação dada aos habitantes locais, especialmente por
políticos e intelectuais.
40
FEBVRE, Lucien. Os apoios da irreligião: as ciências? In: O problema da descrença no século
XVI - A religião de Rabelais. Lisboa, Editorial-Inicio, s.d.
41
MENASCHE, Renata. O guia de Friedric von Weech - Impressões de um imigrante alemão
no Brasil do século XIX. In: Estudos Sociedade e Agricultura. 5, novembro 1995. pp. 132 - 140.
144
As idéias da fertilidade do solo nasceram, em parte, pela observação da
floresta que os portugueses encontraram ao chegar no Brasil. As árvores enormes, das mais
variadas espécies e espalhadas por todos os lugares eram interpretadas como um indicativo
da qualidade do solo. Aliás, segundo Sérgio Buarque de Holanda, para os teólogos da Idade
Média o mundo ideal, o paraíso terreal não era uma fábula, já fazia parte dos primeiros
estudos cartográficos e da busca de peregrinos. Para esses homens europeus,
Enquanto no Velho Mundo a natureza avaramente regateava suas dádivas
repartindo-as por estações e só beneficiando os previdentes, os diligentes,
os pacientes, no paraíso americano ela se entregava de imediato em sua
plenitude, sem a dura necessidade - sinal de imperfeição - de ter de apelar
para o trabalho dos homens. Como nos primeiros dias de criação, tudo
aqui era dom de Deus não era obra do arador, do ceifador ou do
moleiro.
42
A terra brasileira vista como tão rtil, e aos poucos percebida como gigantesca,
era uma possível fonte para abastecer uma Europa cansada. As florestas por si
revelavam-se ricas fontes de madeira, corantes e frutos. Derrubando-as, aproveitar-se-iam
as terras que, se até então abrigavam e forneciam nutrientes para árvores tão grandes,
fariam maravilhar a agricultura.
Com o objetivo de instruir esses ocupantes de terras novas, muitos textos foram
elaborados e circularam em jornais ou revistas. Manuais agrícolas, discursos sobre as
vantagens de determinadas plantas ou relatórios de produtividade, eram comuns no século
XIX. Estímulos para novas propostas de implantação de produtos também existiram e
configuraram-se com premiações, que em alguns casos eram oferecidas, ou com a
oportunidade da divulgação de experiências produtoras, que chegaram a freqüentar
exposições agrícolas internacionais.
42
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso. São Paulo, Brasiliense; Publifolha, 2000., p.
Prefácio X e XI.
145
Um desses exemplos é o Manual do Agricultor Brasileiro de Carlos Augusto
Taunay, que o inicia deixando claro que seu objetivo é traçar uma linha de trabalho e
práticas agrícolas para o Brasil, e não elaborar um completo guia de técnicas e produtos
para um território tão extenso e diversificado.
Taunay aponta os três princípios básicos para uma produção agrícola satisfatória.
Os pontos a serem considerados são “a escolha do local e qualidade dos terrenos. O local
deve ser sadio, regado de águas, e ter comunicações fáceis, por mar ou por terra, com o
mercado onde os produtos acham extração”.
43
Depois, outra característica fundamental para
aquele que quer ser um produtor agrícola é a qualidade dos terrenos e sua conseqüente
fertilidade para a lavoura. O autor, também um proprietário de terras e produtor de café em
um sítio no Rio de Janeiro, acreditava que na ausência de algum desses itens era fácil não
haver lucros para o agricultor, sendo a primeira condição a ser levada em conta a do “local,
uma vez que o solo brasileiro era todo fértil”.
44
No quarto capítulo do manual do agricultor brasileiro o autor versa sobre a
administração de uma propriedade e o que deve e pode ser nela produzido, levando-se em
conta as condições de localização e solo, além de fazer um levantamento da adequação de
determinados produtos para locais específicos:
Somente um grande capitalista pode adquirir um engenho; que a lavoura
dos mantimentos e do café ocupa a classe mediana e pobre dos
lavradores de beira-mar e das serras; que o algodão e fumo são culturas
mais próprias aos sertanejos, bem como a criação dos gados; que os
cereais convêm às províncias meridionais; que o cacau é cultura por
agora limitada a província do Pará; que a cultura do anil, do chá,
cochonilha, ópio, canela, pimenta, cravo e outras muitas, achando-se
abandonadas, ou, tendo sido praticadas, formam novos ramos da
indústria, que o geral dos agricultores não estão em posição de ensaiar.
45
43
TAUNAY, Carlos Augusto. Manual do Agricultor Brasileiro. Org. MARQUESE, Rafael de
Bivar. São Paulo: Cia das Letras, 2001., p. 42-43.
44
Ibid., p. 43.
45
Ibid., p. 83-84.
146
Inclusive, esses últimos produtos eram indicados em vários relatórios de
presidentes de Província como ideais para serem produzidos na Ilha de Santa Catarina. O
local foi muitas vezes tido como um “laboratório” para a produção de novas plantas e em
alguns casos como o do anil, o governo forneceria as sementes e se responsabilizaria pela
compra das primeiras safras, estimulando a produção e garantindo o lucro do produtor até
que ele se auto-sustentasse.
Outros textos seguiam a mesma linha de raciocínio, indicando a necessidade de
aprimorar a indústria agrícola, como o relatório do presidente da Província de Santa
Catarina em 1840. Nesse, o administrador dizia que não existia uma indústria agrícola na
Província, que “cada um faz o que seu pai fazia, e planta o que tem visto plantar, e
ajuntando a isso alguma indolência, fica completo o quadro”.
46
A sugestão de Andrea são
prêmios do governo para os agricultores que mais produziam e que usavam técnicas
inovadoras.
47
Outro texto de conteúdo semelhante é o do Chanceller da relação do Maranhão,
conselheiro Antônio Rodrigues Velloso de Oliveira, escrito em meados do século XIX. Um
pequeno livro, em resposta a um ofício de Sua Alteza Real, clamando por mais obras desse
gênero, intitulado Memória sobre a Agricultura no Brasil, no qual se propunha fornecer
informações sobre o “requerimento junto aos lavradores, rendeiros do Brasil”.
48
Essa Memória teve cópia oferecida ao IHGB pelo sócio Cezar Augusto Marques e
foi publicada em 1873 na revista do Instituto. Nela o Conselheiro desenvolve idéias sobre
tamanho de lotes e sesmarias, mão-de-obra e culturas que obteriam sucesso no Brasil.
Implícito no texto está um projeto de “progresso” e desenvolvimento da nação, baseado em
46
ANDREA, Francisco José de Souza Soares de. Relatório do Presidente da Província em 1840.,
p. 27. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.
47
Ibid., p.27.
48
OLIVEIRA, Antonio Rodrigues Veloso de. Memória sobre a Agricultura no Brasil. In: RIHGB,
1873., p. 93.
147
pequenos lotes arrendados a terceiros por grandes fazendeiros proprietários de
sesmarias, em trabalho livre familiar e estímulo, por parte do Estado, para a cultura de
produtos como linho, cânhamo, trigo e outros. Segundo Oliveira a primeira questão que se
apresenta quando da colonização de um país
é sem duvida a divisão das terras, que formam a sua integridade, ou a
quarta parte, que se deseja habitar, e cultivar: esta divisão serve de
origem e fundamento à posse pacífica, e ao domínio, que os tranqüiliza,
excita neles o amor ao trabalho e recompensa: faltando uma e outra
cousa, os mesmos colonos se julgam estrangeiros na própria terra.
49
Seguindo esse raciocínio, o autor defendia a manutenção das grandes sesmarias de
terras, pois, “com o tempo se hão de dividir em glebas, já por vendas parciaes, já por morte
dos possuidores, á proporção de seus respectivos herdeiros”.
50
Porém, essa divisão através
das parcerias seria muito mais interessante a todos, pois atenderia uma demanda imediata
que era a de ocupar e cultivar terras livres e, com esse cultivo, pagar tributos ao Estado.
Além do sistema de parcerias não significar perda de propriedade para os fazendeiros.
Como exemplo do sucesso desse sistema de cultivo é apresentado o caso das Ilhas dos
Açores e Madeira, conhecidas do autor. Nesse caso, de acordo com Oliveira, a povoação, a
cultura e a indústria se teriam avantajado muito se as terras não estivessem monopolizadas
por grandes morgados
51
sem que nem as emphyteuses pudessem aumentar o número de
proprietários. Essa idéia é semelhante ao sistema de pequenos lotes coloniais desenvolvido
em Santa Catarina no que se refere à cultura e ocupação, excetuando-se a questão da
propriedade oficial das terras.
49
OLIVEIRA, Antonio Rodrigues Veloso de. Memória sobre a Agricultura no Brasil. Op. cit., p.
93.
50
Ibid., p. 93.
51
O termo morgado define o caráter de sucessão de uma propriedade de terra, em que esta pode
ser deixada em herança ao filho mais velho e não pode se dividida ou alienada.
148
Por outro lado, na própria Ilha da Madeira existiam exemplos opostos, em que
pequenos terrenos de baixo valor quando entregues a pobres caseiros, fornecendo-lhes os
meios para sobreviver e investir nos primeiros anos, logo tornavam-se produtivos e
passíveis de cobrança da meação ou outro qualquer sistema de parceria. Aliás, tal idéia de
isenção de pagamento dos tributos sobre produção nos primeiros anos da fixação do
agricultor em determinado lote era uma das bandeiras do Conselheiro, que acreditava ser
esse o estímulo decisivo para o apego dos arrendatários a terra e a dedicação necessária
para muito produzir. O valor de um lote de terra era grande, menos financeiramente do que
como local de subsistência. Importante também era a ocupação de áreas e a legalização
delas, especialmente depois da Lei de Terras, momento em que o tema voltou a estar sob os
holofotes. Isso pode ser percebido em Aviso do Governo de 10 de abril de 1858, no qual se
estabelecia que a posse de terra por pessoa pobre fosse legitimada por conta do Governo.
Porém, baseados no próprio edital real que estimulava a saída dos excedentes de população
pobre dos Açores e Madeira podemos concluir que poucos foram os casos, como o exemplo
citado pelo Conselheiro Oliveira, em que pequenos lotes eram dados a caseiros pobres
nessas ilhas.
Como o tema das posses ficou em pauta por longos anos, no final do período
imperial ainda havia “preocupação” governamental com isso. Em 1886 o então ministro da
agricultura Antônio da Silva Prado apresentou à Câmara
um projeto que previa que ‘as posses mansas e pacíficas adquiridas por
ocupação primária ou havidas do primeiro ocupante, que se achem
cultivadas ou com princípio de cultura ou morada habitual’ devem ser
legitimadas, porém, não se entenderá por principio de cultura o simples
roçado, derrubadas ou queimadas de matas.
52
52
PETRONE, Maria Tereza Schorer. Aspectos da rede fundiária em São Paulo no século XIX. O
problema das posses., p. 17 - 18. In: Anais da Semana de Estudos de História Agrária.
Universidade Estadual Paulista, 1982.
149
Essa teoria tinha razão de ser. Também houve outra em que o autor falava da
ociosidade dos soldados e da necessidade desses soldados desenvolverem a atividade de
lavradores, sendo para tanto destinado a cada regimento de tropa de linha um terreno
conveniente, o autor indicava uma légua quadrada.
Esta última idéia ressalta uma realidade preocupante, que no caso das tropas da
Ilha de Santa Catarina se estendia por décadas, desencadeando também um problema de
produção percebido ainda em finais do século XVIII. O fato de os soldados, que eram em
número considerável na Ilha desde então, dedicarem-se exclusivamente a defesa e serem
apenas consumidores, aliado ao atraso dos soldos da tropa, prática aparentemente
corriqueira em muitos períodos - um exemplo é o ano de 1797, quando o atraso chegou a 82
meses -, transformou-se em uma das causas indicadas pelo então governador local da
decadência da agricultura da Ilha e também de problemas no comércio. Como conseqüência
desse problema que persistiu por longos anos, ainda está no relatório do governador,
naquele mesmo ano, a falta de dinheiro da Fazenda Real para o pagamento aos lavradores
pelas farinhas que todos os anos lhes tomavam, para o sustento da tropa, provocando temor
nesses produtores,
eles estão geralmente tão possuídos deste receio, pela experiência da que
se lhe deve, dos annos antecedentes, que vão plantando muita pouca,
além daquela que lhe é necessário para o seu gasto: Eu tenho disto
mesmo uma prova convincente, sempre que mando fazer a arrolação das
sobreditas farinhas; a qual não se consegue nunca, sem muitas
dificuldades, ameasas, e as vezes castigos.
53
Isso fez com que os lavradores deixassem de aumentar suas plantações, à medida
do que cada um deles faria se pudesse exportar livremente. Somando-se a isso, a instituição
53
RIBEIRO, João Alberto de Miranda. Ofício ao Conde de Resende, apresentando relatório sobre
a Ilha de Santa Catharina e demais distritos de sua jurisdição, com dados estatísticos. Desterro, 17
de novembro 1797. Acervo Biblioteca Nacional: Original, 2 doc. 130p. (códice 3,3,17).
150
do dízimo,
54
que era um ônus sobre dez por cento da produção da terra, tirava mais uma
fatia do bolo dos agricultores, que não precisavam ser os proprietários dessa terra para
pagar o tributo, uma vez que ele incidia sobre a produção e não sobre a terra.
55
Além da questão dos tributos e do que era necessário para que o terreno fosse
considerado ocupado (construção de benfeitorias, limpeza do terreno, e culturas), outro
ponto que demandava preocupação tanto por parte do governo como dos proprietários das
terras era também um dos grandes problemas do Brasil no século XIX: a mão-de-obra, livre
e escrava. Uma solução para o problema era, claramente, a imigração de colonos livres
europeus, experiência concretizada com sucesso em alguns pontos do Rio Grande e do
litoral de Santa Catarina. Isso queria dizer também a possibilidade de estimular a pequena
propriedade, freando as imensas plantations do nordeste e sudeste.
Na capital do Brasil, ainda durante o século XIX, inclusive antes da proibição do
tráfico escravo em 1850, muitas eram as pessoas favoráveis à criação de núcleos coloniais.
Porém, de acordo com Emília Viotti da Costa, isso estava fadado ao insucesso,
basicamente, em função do trabalho escravo, enraizado na nossa sociedade, e da raridade da
emigração espontânea para o Brasil, os emigrantes geralmente preferiam os Estados
Unidos.
56
Uma das primeiras tentativas de trazer imigrantes foi feita pelo governo paulista,
ainda em 1827, com alemães instalados no Rio Negro, hoje Paraná. Já pautadas por
contratos essas pessoas somaram-se a outras nos anos seguintes. E além de se instalarem
54
O Rei português exercia tanto o domínio temporal como o espiritual sobre terras conquistadas.
Isso explica porque as terras brasileiras eram isentas de foro, por não pertencerem à senhorios e
sujeitas ao pagamento de dízimos a Deus, ou seja, à Ordem de Cristo, o que equivale dizer a Coroa.
55
ABREU, Maurício. A apropriação do território no Brasil colonial. In: Castro, I. E.; CORRÊA, R.
L.; GOMES, Paulo César C.. (Org.). Explorações Geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1997, v., p. 197-245., p. 210.
56
COSTA, Emília Viotti da Costa. Da Senzala à Colônia. São Paulo: Liv. Ciências Humanas, 1982
(1966)., p. 70.
151
em colônias deveriam, segundo o contrato, trabalhar na estrada de ferro de Santos.
57
Sem resultados significativos a idéia pereceu e só ressurgiu anos depois com um dos
precursores de uma das idéias mais interessantes de substituição da mão de obra escrava
nesse período: o senador Vergueiro, que, tendo como laboratório suas próprias fazendas e a
principio por sua conta e depois com recursos do governo, trouxe os primeiros colonos para
trabalhar no interior paulista.
O sistema de parceria do senador Vergueiro
58
foi uma iniciativa particular que
promoveu a primeira experiência de parceria no Brasil que visava à fixação de colonos nas
fazendas em substituição ao trabalho escravo. A experiência iniciou ainda antes do fim do
tráfico quando veio o primeiro grupo de colonos portugueses em 1840. A tentativa não deu
certo, mas, anos depois, o mesmo Vergueiro fez nova tentativa, agora com suíços e alemães
e subvencionado pelo governo. A idéia chamou a atenção de muitos, porém não era viável
em longo prazo para os colonos que deveriam pagar o custo de sua vinda e da família com
as rendas do trabalho em parceria. No entanto, o sistema não rendia tanto quanto o
planejado e, aliado aos juros, tornava-se quase impossível a quitação da dívida.
59
Referindo-se especificamente à Santa Catarina, o mais conhecido texto em forma
de “guia” para imigrantes é o Guia de instruções aos imigrantes para a província de Santa
Catarina sul do Brasil escrito por Hermann Bruno Otto Blumenau, antes da vinda dos
primeiros imigrantes para sua conia em Santa Catarina em 1850. O guia, direcionado a
todos os possíveis emigrantes, tinha um foco mais definido nos agricultores, objetivo maior
da colônia.
57
COSTA, Emília Viotti da Costa. Da Senzala à Colônia. Op. cit., p. 67.
58
A parceria buscava encontrar um regime de transição entre escravidão e trabalho livre. In:
SILVA, Lígia Osório. Terras Devolutas e Latifúndio – efeitos da lei de 1850. Op.cit., p. 106.
59
Ibid.,p. 79 - 80.
152
De acordo com o Dr. Blumenau, a emigração seria mais favorável aos
agricultores, pois naquela região ainda desocupada interior de Santa Catarina as terras
teriam baixo custo e eram aptas a produção de diversas espécies.
60
Com um texto mais
realista quanto às condições locais e procurando apresentar prós e contras da emigração
para seus conterrâneos, o Dr. Blumenau indicava que
inicialmente, a agricultura serviria apenas como subsistência.
Posteriormente, o excedente poderia ser investido nas melhorias da
propriedade. As riquezas dos agricultores estariam na sua propriedade, nas
suas plantações, no seu gado e nas madeiras de lei. Por esse motivo seria
difícil garantir uma grande reserva de capitais.
61
Mesmo sendo um guia específico para a colônia Blumenau, distante
aproximadamente 140 km da Ilha de Santa Catarina, usamo-lo como referência
especialmente em função das características semelhantes da colonização do sul do Brasil,
baseada nas pequenas propriedades rurais. Somando-se a isso, há as semelhanças
ambientais, que nos dão uma idéia mais clara do processo de instalação de agricultores e
como a terra era inicialmente trabalhada. De acordo com o Guia, o primeiro passo seria a
derrubada e queimada da mata para o plantio inicial que seria de milho, cana-de-açúcar e
feijão. Após um período de três ou quatro anos os tocos e raízes remanescentes poderiam
ser removidos, pois já estariam podres, podendo então ser trabalhada com arado, reduzindo
a força empregada pelo colono e sua família.
62
Posterior a isso, deveria plantar-se batata, arroz, criar-se porcos e gado bovino.
Todos dariam lucro, mas dificilmente tornariam o colono rico em curto prazo. Mais
conselhos vinham na forma de uma lista de ferramentas indispensáveis e que deveriam ser
60
TEIXEIRA DOS SANTOS, Manoel Pereira Rego. Textos do Dr. Blumenau: o papel do agricultor
no Guia de instruções aos futuros imigrantes para a província de Santa Catarina sul do Brasil., PP
350 – 356. In: DREHER, M. N.; RAMBO, A. B; TRAMONTINI, M. J. (org.) Imigração e
Imprensa. São Leopoldo – RS: EST Edições/Instituto Histórico de São Leopoldo, 2004.
61
Ibid., p. 353.
62
Ibid., p. 353.
153
trazidas da Europa, pois as fornecidas no Brasil eram de baixa qualidade, o mesmo no
que se refere às sementes, essas, porém, devido aos preços mais elevados no Brasil.
63
Aparato semelhante e passos semelhantes foram comuns a todos os novos
habitantes das colônias de Santa Catarina e do interior da Ilha. Por fim, e com
características próximas aos outros autores, em especial a Taunay, André Rebouças escreve
uma obra em 1883, também dedicada à agricultura, porém uma agricultura mais
mecanizada, do final do século XIX. O autor apresenta sugestões de técnicas, culturas,
solos e clima para cada Província do Império. A obra reforça a idéia, já largamente
exemplificada aqui, de que o que faltava para a agricultura do Brasil eram novas técnicas e
tecnologias e o que ainda mantinha o atraso e rusticidade eram latifúndios e a escravidão.
Para Santa Catarina, André Rebouças indica a produção de seda por seu vasto mercado e
alto preço. Em 1873, calculou-se a seda em 40 a 50 francos, 14$ a 16$, a libra, ou seja, 40
vezes maior que o do café, ao alto preço de 11$200 por arroba.
64
Além dessa cultura que
poderia ser feita por meninos, mulheres e inválidos sem dificuldades, indicava também a
criação de gado no planalto de Lages. No que se refere à cana-de-açúcar Rebouças encontra
nela a maior manifestação da crise agrícola do momento (1874) e aconselha a restrição de
sua cultura às áreas onde melhor se adapta. Diferente do café que aconselhava a expansão.
Ainda em relação à cana, dizia ser necessário o aperfeiçoamento de todos os detalhes de sua
produção.
65
Esses exemplos de textos sobre agricultura, escritos em momentos diferentes do
século XIX e aplicáveis a pontos distintos do território brasileiro, têm uma mesma linha de
raciocínio que indica um lugar comum no setor agrícola do Brasil: atraso, tanto de cnicas
63
TEIXEIRA DOS SANTOS, Manoel Pereira Rego. Textos do Dr. Blumenau. Op. cit., p. 354.
64
REBOUÇAS, André. Agricultura Nacional. 2 ed. Recife:Fundação Joaquim Nabuco, 1988., p.
92.
65
Ibid., p. 93 – 147.
154
e tecnologias quanto de mão-de-obra. As indicações para a solução desses problemas,
especialmente na Ilha de Santa Catarina, não parecem, a princípio, de difícil aplicação, no
entanto sempre esbarraram na burocracia e em costumes já de muito enraizados.
O primeiro passo rumo ao “progresso” havia sido dado com o desenvolvimento
da idéia de pequenas propriedades agrícolas e familiares, os próprios limites físicos da Ilha
impediam grandes porções de terra a um único senhor, freando o modelo de grandes
plantations exportadoras. Outro ponto relevante foi o evidente estímulo governamental para
a ocupação e transformação desse território em uma área agrícola, marco de uma fronteira
importante não no início como no decorrer de todo o culo XIX. Somando a isso seu
porto e seu reduzido número de escravos, se comparado ao das regiões sudeste e nordeste
do Brasil, indicavam que esse poderia ser um local “mágico”, um exemplo que deu certo no
aproveitamento do rico solo brasileiro.
Se olharmos atentamente o desenvolvimento da agricultura na Ilha, penso ser
possível um vislumbre desse “sucesso”. As matas foram derrubadas e aproveitadas, sim, e a
agricultura foi fundamental durante todo o século XIX, com uma evidente decadência
durante sua segunda metade, especialmente seu último quartel, reação quase inconsciente
do desenvolvimento agrícola do continente fronteiro e do processo de urbanização que
ocupou muitas áreas antes dedicadas ao cultivo. No entanto, essas transformações e
substituições também podem ser entendidas no âmbito desse processo, uma vez que esse foi
o “progresso” que se almejava.
3.4
Agricultura e “Progresso” na Ilha.
Apesar de sua extensão ser de 423 Km², ou seja, pequena se comparada à extensão
do Brasil, ou mesmo às posses de algumas famílias do nordeste e sudeste quando das
155
maiores doações de sesmarias nos séculos XVII e XVIII, a ocupação total da Ilha de
Santa Catarina e sua transformação em local habitado e produtivo - leia-se desmatada, com
plantações agrícolas e núcleos urbanos como Desterro e demais freguesias - intensifica-se
no século XIX. Até o início do XIX, a Ilha era um pequeno porto ao sul do território, ainda
colonial, do Brasil. Nas décadas seguintes, com o desmatamento e o aproveitamento das
madeiras ilhoas para a real armada portuguesa e com o estímulo à produção agrícola por
parte dos imigrantes que se instalaram algumas décadas antes, as feições da Ilha mudam.
Um núcleo urbano que inicia um claro processo de crescimento como capital da Capitania e
um porto com uma movimentada navegação de cabotagem, ligando, a ainda pequena,
Nossa Senhora do Desterro com o resto do Brasil são alguns dos elementos que
contribuíram para as grandes transformações da Ilha nesse período.
A noção de progresso era a de transformar da maneira mais rápida possível essa
terra dadivosa, presente de Deus. Talvez outra forma de definir progresso para o período
esteja nas palavras de Boiteux ao descrever o choque positivo provocado pela vinda dos
imigrantes açorianos e madeirenses ainda em meados do século XVIII:
Com a colonização açorita e madeirense a Ilha de Santa Catarina e o
continente fronteiriço começaram a florescer vantajosamente e as
encostas dos montes e os vales humosos a cobrirem-se de pomares e
hortas. Por toda a parte ouviam-se as pancadas fortes dos machados
ferindo o rijo cerne das árvores collossaes, o ruído metálico das enxadas
limpando a terra virgem. Apareceram as primeiras attafonas, os engenhos
de assucar e farinha. As vargens cobriam-se de canaviaes, e roças de
milho; largos trechos de terra iam sendo aproveitados carinhosamente na
cultura de legumes e frutas. (...) Fundaram-se teares e os primeiros
tecidos de linho e algodão começaram a ser usados pela totalidade dos
habitantes, chegando mesmo a serem exportados para o Rio de Janeiro e
Rio Grande do Sul.
66
Essa descrição produz na mente uma imagem forte da ocupação e transformação
da paisagem da Ilha de Santa Catarina. Era a idéia de que a “civilização” e o “progresso”,
66
BOITEUX, Lucas Alexandre. Notas para a História Catharinense. Florianópolis: Typ. a vapor
da Livraria Moderna, 1912., p. 226-227.
156
conceitos que na época eram sinônimos de “limpar” a terra, construir benfeitorias para
beneficiar a produção agrícola e lucro financeiro, já era realidade. A “dominação” e
transformação das áreas de florestas, incultas do ponto de vista agrícola e mercantil, era um
sinal que o tão almejado progresso estava chegando e que a Ilha tornar-se-ia um local
próspero e desenvolvido.
Esse processo é percebido, no âmbito oficial, em relatórios e falas de políticos
locais apresentando os resultados agrícolas da Ilha. Desde os últimos anos do culo XVIII
essas informações são comuns. De acordo com relatório do Governador local de 1797,
produzia-se na Ilha, no ano anterior, com vista à exportação, os seguintes produtos e
quantidades:
Alqueires
Pipas
Melado
Assucar
Arrobas
Quintais
Duzias
Betas de
Imbé
Peixe
Seco
Pipas
Restias
Caixões
Exportação
Farinha de mandioca
Arroz com casca
Arroz pilado
Milho
Feijão
Favas
Trigo
Água Ardente
Pipas
Barris
Potes
Arrobas
Caixas
Teixos
Gravatá
Barba de Baleia
Taboado
Grandes
Pequenas
centos
Milheiros
Centos
Azeite de Peixe
Cebolas
Cola de Baleia
Da própria
Ilha de
Santa
Catarina e
Freguesias
mais
próximas da
terra firme
28.333
2725
1090
1822
1585
30
-
35
1
30
41
662
10
34
-
820
127
-
-
-
-
-
2888
-
8
(Quadro 06) Mappa da quantidade de gêneros e efeitos que se exportão anualmente na Ilha de
Santa Catharina, 1796. Acervo BN (códice 3,3,17).
Esses mesmos produtos já tinham, ainda em finais do século XVIII e inicio do
XIX, boas possibilidades de beneficiamento na própria Ilha ou no continente fronteiro. O
número de estabelecimentos como engenhos e fábricas já era grande mesmo nessa época, se
157
levarmos em conta a distância de Desterro dos maiores centro consumidores, ou
justamente em função dessa característica, que obrigava os habitantes locais a se auto-
sustentarem também nessa área. De acordo com o quadro 07, apenas na Ilha de Santa
Catarina e na freguesia de São Miguel da Terra Firme, fronteira a Ilha, existiam 540
engenhos de mandioca e 117 de aguardente.
Engenho de
assucar
Fabrica de
Assucar
Engenho de
Aguardente
Engenho de
Mandioca
Engenho de
Pilar Arroz
Atafona de
moer trigo
Cortume de
couros
Vila Capital N. S. Desterro - 12 23 87 - 17 9
Distrito do Ribeirão 1 11 29 51 2 7 -
Freguesia da Lagoa - 10 28 101 - 32 5
Freguesia das Necessidades - 5 22 111 - 11 2
Freguesia de São Miguel 1 5 15 190 2 44 6
(Quadro 07) Tabela anexa ao Ofício de João Alberto de Miranda Ribeiro ao Conde de
Resende, apresentando relatório sobre a Ilha de Santa Catharina e demais distritos de sua
jurisdição, com dados estatísticos. Desterro, 17 de novembro 1797. Acervo Biblioteca
Nacional: Original, 2 doc. 130p. (códice 3,3,17).
Novos dados sobre a produção e exportação de Santa Catarina, das décadas de
10 e 20 do século XIX, também são encontrados em nota atribuída a Tomás Antonio de
Vilanova Portugal, Governador de Santa Catarina, acompanhada de um plano de defesa de
seu litoral. Esse livreto, datado de 1819, apresenta os números comparativos para os anos
de 1808 e 1819, ano da redação do citado texto. Os primeiros são dados de produção e
exportação e seus respectivos valores referentes aos principais produtos, sendo que as
informações para 1819 são mais extensas, citando inclusive produtos de pequena
relevância.
158
Produção de Santa Catarina em 1808:
Alqueires
Quintas
Medidas
Centos
Duzias
Milhar
Restias
Farinha
Feijão
Trigo
Milho
Algodão
Arroz
Assucar
Linho ordinario
Melaço
Aguardente
Couros
[ilegível]
Alhos
Peixe Salgado
Peixe Seco
Cebolas
Produzido
196389
8692
3529
8853
1018
4153
813
258
7272
70824
1486
960
10751
1264
22158
9468
Exportado
89606
1710
1893
2030
144
3447
560
52
6368
70289
1131
457
6907
1085
12184
6255
* E outros gêneros pequenos como: [ilegível], gravatá, amendoim, anil, linho cânhamo.
(Quadro 08) Produção de Santa Catarina em 1808. Nota atribuída à Thomas Antonio de Vila
Nova Portugal, governador de Santa Catarina, acompanhada de um planode defesa do seu
litoral, de autoria de Félix José de Matos, Durante a Guerra da Cisplatina. Desterro 1819.
Acervo: BN, Códice (II - 35,32,18 nº39).
A produção da Ilha de S. Catarina vale........................................ 185:320$852
O consumo vale ........................................................................... 70:286$856
A exportação vale ........................................................................ 108:342$096
Produção de Santa Catarina em 1819:
Produção Consumo Exportação
Algodão 884,16 res** 824,16 res 60,00 res?
Assucar 1319,2 arrobas 128 arrobas 898,2 arrobas
Tabaco 21 17 4
Salgados 81,85 78 3,85
Arroz 8:694 arrobas 1:859,3 arrobas 6:834,1 arrobas
Goma 115 77 38
Madeira 1.322 dúzias 303 dúzias 1.019 dúzias
Couros 2.541 centos 38 centos 2.503 centos
159
Caffé 451 res
218 res
233 res
Tanados 4002,10 centos 801,10 centos 3201 centos
Linho ordinário 168 res 138 res 30 res
Aguardente 82:020 medidas 33:260 medidas 48:760 medidas
Avaliação
aproximada em
cruzados
210$722 72$925 137$797
Farinha 222:211 alqueires 115: 327 alqueires 106:389 alqueires
Feijão 9:798 alq. 6:619 alq. 3:179 alq.
Milho 18:331 alq. 8:212 alq. 10:119 alq.
Favas 3:216 alq. 729 alq. 2:487 alq.
Trigo 1:542 alq. 1:112 alq. 430 alq.
Sevada 70 alq. 30 alq. 40 alq.
Mendoim 2:372 alq. 963 alq. 1:409 alq.
Melaço 13240 medidas 1358 medidas 11888 medidas
Gravatá* 214 res 154 res 60 res
Betas de Imbé
grandes
24 dúzias 1 dúzia 23 dúzias
Betas de Imbé
pequenas
170 dúzias 2 dúzias 168 dúzias
Cebolas 15:628 restias 5:443 restias 9:985 restias
Alhos 10:334 restias 5:377 restias 4:954 restias
Peixe Salgado 1035 res 814 res 221 res
P. Salgado 70572 milheiros 17116 milheiros 53456 milheiros
Avaliação em
Cruzados
354:998 197:154 154:817
* Nome comum de várias plantas da família das Bromeliáceas, que dão frutos ácidos em
cachos.
** A designação “res”, atribuída ao café, algodão, gravatá, peixe salgado e linho ordinário
refere-se à quintaes.
(Quadro 09) Produção de Santa Catarina em 1819. Nota atribuída à Thomas Antonio de Vila
Nova Portugal, governador de Santa Catarina, acompanhada de um plano de defesa do seu
litoral, de autoria de Félix José de Matos, Durante a Guerra da Cisplatina. Desterro 1819.
Acervo: BN, Códice (II - 35,32,18 nº39).
Não temos os dados totais de produção para 1796/97, apenas os de exportação que,
relativamente à farinha de mandioca, principal produto da Ilha e freguesias próximas, é de
28.333 alqueires. Considerando que a produção em 1808 foi de 196.389 alqueires e a
exportação de 89.606, ou seja, 45%; em 1819 a produção foi de 222.211 alqueires e a
exportação de 106.389, ou seja, 48%, podemos calcular, seguindo os índices dos anos
160
posteriores como média para o ano de 1796/97, uma produção em torno de 43.000
alqueires.
Essa exportação que rivalizava em quantidade com o consumo interno, ficando em
uma média de 50% no caso da farinha de mandioca, não se repete em outros produtos de
consumo como o feijão, o trigo e o milho cuja produção no ano de 1808 foi de: Feijão
8.692 alqueires; trigo 3.529 alqueires e milho 8.853 alqueires. Em 1819 foi de: Feijão 9.798
alqueires; trigo1.542 alqueires e milho 18.331 alqueires. Esses números são uma tendência
na Ilha, sendo expressivo o crescimento do milho e a queda do trigo também, aliás, o trigo
deixará de estar presente na região poucos anos depois.
Outro produto que visou claramente o mercado exportador foi o couro com 76% do
produzido sendo exportado em 1808 e 98% em 1819. As madeiras, 77% do que foi
oficialmente produzido foi exportado, indicando que as demandas da Europa e da própria
corte no Rio de Janeiro ainda predominavam, restando para os moradores locais pouco mais
de 20% do total produzido oficialmente.
As décadas seguintes, mais especificamente entre os anos de 1830 e 1850, Laura
Hübener descreve, no contexto nacional, como um momento de definição do café como
grande produto exportador brasileiro, gerando um crescimento mais palpável no comércio
interno. “A partir daí, a produção de gêneros passa a se beneficiar indiretamente com a
expansão das exportações. Encontrando dentro do Império um mercado capaz de absorver
seus excedentes de produção, alguns setores da economia de subsistência expandiram suas
atividades”.
67
No que tange à Santa Catarina, as exportações nesse período tiveram uma
tendência de aumento e no ano financeiro de 1849-50 a Província exportou em torno de
67
HUBENER, Laura Machado. O Comércio na Cidade de Desterro no século XIX.
Florianópolis. Ed. da UFSC, 1981., p. 12.
161
504.000 alqueires de farinha, seu principal produto na balança comercial. Desses,
Desterro foi a responsável por 59,06%, ou seja, 297.160 alqueires do total da província.
Esses números indicam a forte tendência de alta na exportação desse produto que trinta
anos antes era de pouco mais de 100.000 alqueires. Ainda sobre a mandioca, a maior
produção deu-se devido, principalmente, à facilidade de seu cultivo que não demandava
grande cuidado e se adaptava bem à maioria dos terrenos. Soma-se a isso o fato da
mandioca não estar vinculada a nenhum tipo de sazonalidade, como a cana-de-açúcar e o
café.
68
Segundo Hebe Mattos, a mandioca
apesar de não se constituir em uma cultura permanente, possui a
característica de poder ficar até dois anos sem ser colhida após o seu
amadurecimento, podendo portanto, ser literalmente armazenada na
própria terra, colhida em função das necessidades do produtor. Seu
plantio e sua conservação durante o período de amadurecimento são
extremamente simples. As covas podem ser abertas até com um pau,
plantando-se em estacas de 15 a 20 centímetros com dois ou três olhos de
broto. A primeira capina é feita quando começam a brotar os novos
pés, repetindo-se a operação duas ou três vezes após o crescimento.
Depois que cresce, pouco sofre com a vegetação estranha. Seu
amadurecimento leva oito a 18 meses.
69
O trabalho com a farinha de mandioca era, na Ilha, basicamente familiar. Segundo
Penna, “pela análise de alguns inventários observamos que os proprietários de engenhos
utilizavam uma quantidade diminuta de escravos na produção da farinha. O engenho era um
bem de família e grande parte do trabalho era efetuado pela própria família do produtor”.
70
Laura Machado Hübener fala de um considerável aumento na produção desse produto entre
os anos de 1860 e 1879, devido à Guerra do Paraguai e à necessidade de abastecer as
68
BARICKMAN, B. J. Um contraponto baiano açúcar, fumo, mandioca e escravidão no
Recôncavo, 1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003., p. 91.
69
CASTRO, Hebe Maria Mattos de. Ao sul da história. Lavradores pobres na crise do trabalho
escravo. São Paulo: Brasiliense, 1987., p. 84.
70
PENNA, Clemente Gentil. Escravidão, Liberdade e os arranjos de trabalho na Ilha de Santa
Catarina nas últimas décadas de escravidão (1850-1888). Florianópolis, 2003. Mestrado em
História Universidade Federal de Santa Catarina., p. 45.
162
tropas. O período chamado pela autora de “miniboom” estendeu-se até os anos de 1880,
beneficiado pela grande lavoura cafeeira paulista que sufocou a produção de bens de
consumo para usar a terra para o café, tendo que importar produtos de primeira
necessidade, entre eles a farinha de mandioca, cuja produção também aumentou na Ilha
para suprir a demanda local.
71
Os números de produção da década de 1850, feitos por Francisco Carlos de Araújo
Brusque, presidente da província, em relatório apresentado no ano de 1860, indica as
diferenças quantitativas no quadro de exportação durante toda a década claramente. A
farinha de mandioca supera em mais de 90% a exportação do milho, segundo produto na
lista de exportação local.
Exportação da Província de Santa Catarina na década de 1850.
Farinha de
mandioca
Gomma
Feijão
Favas
Milho
Farinha de milho
Arroz
Amendoin
Batatas Inglesas
Açucar
Annos
Alqueires Sacc. Alqueires Arroba
s
1850-1851
1851-1852
1852-1853
204.166
397.835
295.875
1.951
2.998
3.285
8.800
15.768
12.288
8.818
7.916
4.651
19.550
9.244
23.177
38
148
12
14.651
8.194
4.980
9.582
7.231
10.286
2.908
3.974
2.160
852
5.792
6.960
1853-1854
1854-1855
1855-1856
383.166
406.594
396.289
3.923
3.948
9.330
17.379
24.816
16.771
5.040
14.420
7.980
13.365
28.637
26.811
16
79
-
8.648
6.873
11.455
12.907
13.752
11.837
1.250
1.423
-
1.056
872
1.092
1856-1857
1857-1858
1858-1859
487.224
485.310
533.309
9.731
9.700
4.828
27.731
34.964
11.541
9.955
10.387
24858
25.744
49.758
73.694
103
144
60
6.115
12.908
7.882
6.296
11.668
15.429
-
30
-
25
299
2.426
Total dos
9 annos
3.589.766 49.694 170.058 94.025 271.980 600 81.706 98.988 11.74
5
19.374
Termo
médio por
triênio
1° Triênio 299.292 2.744 12.285 7.128 17.990 66 9.275 9.033 3.014 13.604
2° Triênio 395.349 5.733 19.633 9.146 22.937 32 8.992 12.832 891 3.020
3° Triênio 501.947 8.086 24.745 15.066 49.732 102 8.968 11.131 10 2.750
Somma 1.195.588 16.563 56.695 31.340 90.659 200 27.253 32.996 3.915 6.458
(Quadro 10) Brasil Repartição dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas,
1860. Relatório da Repartição dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/agricultura.html.consultado em 12-03-08
71
HÜBENER, Laura Machado, O Comércio da Cidade do Desterro no século XIX. Op. Cit., p.
94.
163
Essa tabela indica que a alta nas exportações realmente foi significativa do início
para a metade do século XIX, em especial na farinha de mandioca, mas também no milho
(com alta de aproximadamente 1.000%) e no feijão, cuja exportação cresceu mais de 600%.
O trigo sumiu das tabelas de exportação e, ainda de acordo com o presidente, não existia
mais cultura de trigo na província em 1860. Nesse mesmo relatório, o presidente da
Província qualifica como baixa a produção de derivados da cana-de-açúcar como
aguardente e melaço, assinalando um declínio preocupante.
Em tempo remoto consta que existiam 286 fábricas de assucar, entre
grandes e pequenas, tendo começado essa indústria em 1779. Já em 1797
esse número tinha diminuído e não ia além de 256. Em 1810 apenas
houve a produção de 8.115 medidas de melaço, em 1812 fabricarão-se
63.241 medidas de aguardente e 7.118 de melaço, nada constando
oficialmente acerca da produção de assucar. De 1839 em diante
encontrão-se dados que revelarão o renascimento desta indústria, mas
sempre em estado de oscilação.
72
Quatorze anos depois os registros do então presidente João Thomé da Silva
apontam como produtos locais apenas mandioca, milho, feijão, arroz, amendoim, fava,
araruta, batata inglesa, café, fumo, cana, gravatá, erva mate, anil, gengibre, algodão e
linho.
73
Desses, o produto que continuou representando a maior renda da Província foi a
mandioca, cuja exportação oscilou nesse período entre 12.305.942,03 e 29:060.503,29 litros
anuais. Não podemos esquecer que os anos anteriores a que o presidente da Província
refere-se o os da Guerra do Paraguai, momento em que Santa Catarina mais vendeu
farinha.
72
BRUSQUE, Francisco Carlos de Araújo. Relatório do Presidente da Província, 1860., p. 27.
Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.
73
SILVA, João Thomé da. Falla dirigida à Assembléia Legislativa Provincial de Santa Catarina
em 25 de março de 1874. Cidade de Desterro: Typ. De JJ Lopes, 1874.
164
Ainda em relatório de 1874 a exportação de farinha de mandioca e de outros
dos mais importantes produtos da Ilha nos cinco últimos triênios, de acordo com o
presidente foi de:
Exportação da Província entre os anos de 1858 a 1873
Annos
Mandioca
Milho
Feijão
Arroz
Amendoim
Fava
Araruta (kilos)
Batata Inglesa
Café (kilos)
Fumo
(quantidade)
Cana (assucar)
Aguardente
kilos litros kilos
1858–61
1° triênio
59:512.214,97
2:454.654,79
776.054,62
659.823,84
507.562,38
755.903,07
190,9024
17.191,98
14.360,6800
451,313
charutos
15.756,7904
8.294,792
1861-64
2° triênio
46:223.757,45
2:875.231,71
1:028.508,39
628.123,86
416.597,22
511.261,92
2.232,0896
362,70
16.256,0736
32,766
51.719,8655
41.324,882
1864-67
3° triênio
69:993.138,83
4:516.993,26
938.159,82
827.753,94
436.575,68
695.948,76
4.126,4288
435,24
4.713,8208
148.533
99.909,7920
18.735,156
1867-70
4° triênio
72:591.249,07
5:497.190,01
539.008,47
1:212.215,94
268.107,84
669.471,66
4.552,2880
834,21
5.827,8656
666,602
130.621,2960
47.458,136
1870-73
5° triênio
48:995.003,07
3:872.294,01
547.604,46
2:759.494,04
310.725,09
434.006,82
14.816,9632
1.414,53
14,6848
451,315
212.591,8496
184.050,620
(Quadro 11) Informações contidas no Relatório do Presidente da Província, Falla dirigida à
Assembléia Legislativa Provincial de Santa Catarina em 25 de março de 1874 pelo Exmo. Sr.
Presidente da província, dr. João Thomé da Silva. Cidade de Desterro, typ. De JJ Lopes, 1874.
165
Fica claro através dos números que houve um significativo crescimento no que
se refere, especialmente, à farinha de mandioca no período da Guerra do Paraguai – final da
década de 1860 e isso se estendeu até o início da década de 1880. O período foi de
aumento do consumo de alimentos no sul do Brasil e como conseqüência os preços
subiram. Dados coletados por Hübener indicam que do ano financeiro de 1866-67 para
1867-68, a exportação catarinense cresceu 65%, havendo nesse último exercício quase que
um equilíbrio na balança comercial”.
74
no ano de 1885, final do período imperial, o
presidente da Província Francisco Joda Rocha apontava como produtos predominantes a
farinha de mandioca, a erva mate e o arroz, além da madeira.
75
Uma taxa alta de exportação
não ficou restrita apenas aos anos da Guerra do Paraguai, apesar deste ter sido o ápice, em
outros momentos de crises regionais do Brasil, Santa Catarina serviu como abastecedora,
como
em 1884-85 encontramos outro grande momento da exportação de
farinha chegando a quantia de 1.017,776 alqueires. O fenômeno repetiu-
se; uma seca acompanhada da peste que assolou novamente o nordeste do
país exigiu a maior demanda do produto. O montante exportado nesse
exercício provocou escassez do gênero para o próprio consumo local. (...)
Fenômeno igual e pelo mesmo motivo ocorreu no exercício de 1878-79,
de 448.487 alqueires em 1874-75 para 1.206,458 alqueires, isto é
251,09% de aumento.
76
Quanto à produção da farinha na Ilha, nunca houve um investimento significativo
na melhoria da produção, o que manteve os custos em um mesmo patamar. O processo era
muito simples, sendo dividido em etapas. Primeiro a colheita e transporte das raízes para o
engenho, que era um galpão na maioria das vezes de pau-a-pique, onde ficavam os cochos
para armazenamento da mandioca ralada e cevada; prensas nas quais era extraído o ácido
74
HÜBENER, Laura Machado, O Comércio da Cidade do Desterro no século XIX. Op. cit., p.
47.
75
ROCHA, Francisco José da. Relatório do Presidente da Província à Assembléia Legislativa,
1885. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.
76
HÜBENER, Laura Machado, O Comércio da Cidade do Desterro no século XIX. Op.cit., p.
84.
166
cianídrico, tachos de cobre, peneiras e fornos, onde, sobre fogo controlado, a farinha era
torrada. O trabalho de descascar, ralar e cevar a mandioca em geral cabia às mulheres.
Depois a polpa era prensada e a prensa era movida por tração animal ou pela força dos
escravos. Por fim, era torrada e peneirada.
77
Antes desse aumento importante da produção e exportação da farinha, o produto
era de suma importância para os habitantes locais, sendo um dos primeiros alimentos
consumidos pelos imigrantes, além de também abastecer os soldados lotados nas fortalezas
da Ilha. Os produtores de farinha eram obrigados legalmente a passar para as tropas uma
porcentagem de suas farinhas, as quais seriam pagas através dos soldos desses soldados.
Outro produto que foi ganhando espaço no cenário agrícola de Santa Catarina é o café, que
sequer aparecia nas estatísticas de produção de 1797 e 1808. Em 1819 surge com uma
produção de 451 quintaes e no ano de 1838 é elogiado pelo presidente da Província como
sendo um gênero que em poucos anos saiu do desconhecimento para uma boa produção,
com esperança de tornar-se um dos principais ramos da agricultura catarinense.
78
Na contramão desse crescimento estava a indústria têxtil - basicamente algodão e
linho. Essa produção, que em épocas de maior isolamento comercial da Ilha era importante,
pois produzia boa parte dos tecidos consumidos localmente para os mais variados fins,
desde vestuário a usos domésticos, estava quase desaparecendo por não poder concorrer
com os tecidos estrangeiros que chegam ao mercado com preços incomparavelmente
inferiores”.
79
Como solução para tal problema, o presidente, no ano de 1840, sugeria
77
VÁRZEA, Virgílio. Santa Catarina A Ilha. Florianópolis: Lunardelli, 1985 (1900)., p. 183 -
190.
78
PARDAL, João Carlos. Relatório do Presidente da Província de Santa Catarina em 1838., p.
11. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.
79
Ibid., p. 16.
167
protecionismo por parte do governo, o que aumentaria o valor de revenda dos
produtos.
80
Segundo o próprio presidente da Província, em 1841, a lista dos gêneros e
mercadorias que mais avultavam as importações contava com tecidos de algodão, lã,
linho e seda, além de “carnes salgadas e secas, ferragens, farinha de trigo, louças e
quinquilharias”.
81
Paralelo às atividades comerciais, desenvolveu-se também em Desterro a atividade
artesanal, que supria as necessidades locais. Na segunda metade do século XIX, por volta
de 1860, algumas oficinas se atribuíam o nome de “fabricas” e publicavam anúncios em
jornais locais. A intensificação da atividade artesanal se deve ao aumento da população da
cidade de Desterro nesse período e, conseqüentemente, ao crescimento da área urbana,
criando certas necessidades de consumo que puderam ser satisfeitas através da exploração
dos recursos econômicos locais.
Outro ponto em que a Ilha precisou se adaptar foi na questão do gado e da carne.
No caso de Desterro, a carne que abastecia a cidade vinha das freguesias do interior da Ilha,
de áreas no entorno da cidade e também do continente fronteiro. O gado, em 1838, também
vinha de mais distante, de acordo com fala do governador, vinha de Lages pela nova
estrada do Trombudo.
82
Outro dado relevante é o registro de nove curtumes instalados
apenas na vila de Desterro, número que demonstra a entrada significativa de gado vacum na
Ilha, além do criado localmente. Além desses, havia mais sete curtumes para o
beneficiamento de couros em freguesias do interior da Ilha, dos quais cinco na Lagoa e dois
nas Necessidades. No cenário nacional, por exemplo, o beneficiamento e exportação do
couro ocorriam de forma significativa desde o início do século XVIII, como demonstram as
80
ANDREA, Francisco José de Souza Soares de. Relatório do Presidente da Província de Santa
Catarina em 1838., p. 27. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.
81
BRITO, Antero José Ferreira de. Relatório do Presidente da Província de Santa Catarina em
1841., p. 18. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.
82
PARDAL, João Carlos. Relatório do Presidente da Província em 1838, Op. cit., p. 11.
168
exportações do produto no ano de 1709 em que o Brasil embarcou 110 mil peles para
Lisboa.
83
Além disso, o gado era usado para transporte e os proprietários eram obrigados
por lei a ceder alguns de seus animais para o transporte de madeira das proximidades de
suas terras ao porto ou aos galpões de estocagem. Muitos proprietários se dirigiam ao
governador ou ao Vice-Rei para conseguir isenção dessa obrigação que lhes custava tempo
e dinheiro e não tinha retorno financeiro algum.
Essa questão da entrada de gado na Ilha sempre foi tema de debates calorosos. O
fato de a Ilha não ter um abatedouro público se devia às dificuldades na entrada de gado do
continente na Ilha, o que sempre gerou reclamações. O abatedouro público foi construído
no continente fronteiro à Ilha, no lugar conhecido como Estreito. Do ponto de vista do
presidente da Província, que em 1838 já havia consultado engenheiros e estava em busca de
mais sugestões para resolver o problema, a travessia do estreito de águas que separava a
Ilha do continente em pequenas canoas, como era praticado, colocava a vida dos
passageiros em risco eminente em ocasiões de ventos fortes e mar cevado, o mesmo
ocorrendo aos animais cavalares e ao gado para consumo, que sofria toda sorte de maus
tratos e chegava ao matadouro cansado, o que, ainda segundo o presidente, era danoso à
carne.
84
Tanto a produção de gado quanto diversos outros trabalhos na Ilha estiveram
relacionados ao projeto de pequenas propriedades familiares, o que, em tese, coibia o
trabalho escravo e a própria contratação de trabalhadores brancos livres, uma vez que se
baseava no trabalho dos próprios membros da família ocupante da terra. No entanto, o
trabalho escravo foi relevante para Santa Catarina, e mesmo não sendo predominante deve
83
DEAN, Warren. A ferro e fogo. Op. cit., p. 92.
84
PARDAL, João Carlos. Relatório do Presidente da Província de Santa Catarina em 1838.
Op.cit., p. 38.
169
ser analisado como tal e não como insignificante ou inexistente, como já foi tratado pela
historiografia.
Quantitativamente, o setor agrícola da economia foi o que mais absorveu a mão-
de-obra escrava, o mesmo pode-se dizer da exploração madeireira que estava diretamente
ligada a isso, uma vez que o trabalho na lavoura iniciava com a derrubada da mata e
limpeza do terreno para plantar. Apesar da característica da Ilha ser de pequenas
propriedades rurais cultivadas por trabalhadores livres, em geral o próprio dono do lote e
sua família ou arrendatários, as plantações de mandioca e de cana-de-açúcar, quando
efetuadas em propriedades de porte médio, utilizavam mão-de-obra escrava e, mesmo
pequenos proprietários, quando podiam, compravam escravos. Langsdorff escreve que “no
início do século XIX, [...] a riqueza dos agricultores da Ilha contava-se pelo número de
escravos que eles possuíssem e que aos escravos cabia o amanho do solo e toda a sorte dos
mais rudes trabalhos”.
85
Mas é provável que no fim da primeira e início da segunda metade do
século tenha aumentado o número de escravos ocupados na agricultura.
Com a intensificação da exploração da cana-de-acçúcar, os agricultores
médios, que possuíam mais escravos, puderam prosperar em suas
empresas agrícolas.
86
É nesse período também que ocorre a Guerra do Paraguai e que a Ilha intensifica
sua produção de farinha para abastecer os grandes centros nacionais e a região em guerra.
É preciso, então, saber quais os tipos de trabalho foram desenvolvidos na Ilha e
quais as influências destes trabalhos no regime escravista local. Se por um lado não
produzia açúcar para exportação, sabemos que, por outro, a Ilha estava integrada ao
mercado de abastecimento interno e produzia farinha de mandioca, aguardente e gêneros
85
CARDOSO, Fernando Henrique e IANNI, Octávio. Cor e Mobilidade Social em Florianópolis:
Aspectos das relações entre negros e brancos numa comunidade do Brasil Meridional. São
Paulo: Cia Editora Nacional, 1960., p. 67.
86
Ibid., p. 70.
170
alimentícios. Era característica da região a presença de pequenas e médias propriedades
fundiárias, parte delas empregando pequenos plantéis de escravos, a maior parte de 1 a 5.
Além disso, percebe-se também o emprego de escravos em uma série de atividades
urbanas, de caráter doméstico ou mais especializado.
Uma análise comparativa de dois períodos da Ilha e suas mudanças populacionais
e ligadas a trabalho e mão-de-obra podem melhor dimensionar isso. Em 1797 o número de
fogos na Ilha de Santa Catarina, que contava com apenas quatro núcleos populacionais -
Vila de Nossa Senhora do Desterro, Distrito do Ribeirão, Freguesia da Lagoa e Freguesia
de Santo Antônio das Necessidades - era de 1.594. Sessenta e nove anos depois as
Freguesias aumentam, decorrência da subdivisão das primeiras. Em 1866 o cenário era
bem diferente. São João Batista do Rio Vermelho desmembra-se de Santo Antônio das
Necessidades em 1832 ou 1833, São Francisco de Paula de Canasvieiras, também um
desmembramento de Santo Antônio das Necessidades, em 1834 e Santíssima Trindade
desmembrada de Nossa Senhora do Desterro em 1838. Nesses 69 anos, o número de fogos
aumentou para 4.326, sendo que apenas Desterro pulou de 666 para 1.356 fogos. Isso
significa um aumento populacional de 6.982 brancos livres para 16.016. O número de
escravos pardos e pretos subiu de 2.017 para 3.416, apesar da proibição do tráfico já vigorar
há 16 anos. A população total da Ilha (brancos, pardos e pretos) subiu de 9.160 para 21.399
pessoas. Em Desterro o número subiu de 3.757 para 6.474. O aumento populacional foi
mais significativo no interior da Ilha, onde as Freguesias da Lagoa, do Ribeirão e das
Necessidades aumentaram sua população de 1.916 para 3.025, 1.040 para 2.712 e 2.447
para 2666, respectivamente. Esses meros devem considerar os desmembramentos
171
sofridos que deram origem às freguesias do Rio Vermelho, Canasvieiras e Trindade,
que no ano de 1866 contavam com 1.656, 2.641 e 1.925 pessoas respectivamente.
87
Os registros de 1797 não dão conta do mero de pessoas envolvidas em
atividades específicas, apenas enumerando os estabelecimentos. Os dados de 1866 dão
conta da existência de 108 empregados públicos, dos quais 100 apenas em Desterro, 204
comerciantes, 27 proprietários - todos em Desterro - , 2.733 lavradores e 334 artistas.
Apesar do mapa que inclui a porção considerada urbana de Desterro e que consta do
imposto chamado de Décima Urbana” incluir áreas de chácaras e sítios ainda no ano de
1876, aparentemente esses locais eram quase exclusivos de lazer, uma vez que o número de
lavradores registrados em Desterro no ano de 1866 era de apenas 9. Diferente das
freguesias do interior da Ilha como Lagoa e Canavieiras que tinham mais de 600 lavradores
cada uma e as demais registravam mais de 300 cada. Seguindo a tendência de uma cidade
em expansão, Desterro possuía a grande maioria dos comerciantes, 141 de um total de 204,
e de artistas - aqui incluídos sapateiros, ferreiros, etc - 262 de um total de 334. Outro fator
diferenciador do campo e da cidade na Ilha de Santa Catarina em 1866 é a declaração de
renda dos moradores. Na capital a renda se concentra entre os que ganham de 100 a
500$000 e de 500 a 1.000$000, havendo alguns com renda superior a isso, chegando a
20.000$000, enquanto nas freguesias do interior a renda, em sua grande maioria, ficava
entre 100 e 500$000, com raros recebendo mais que isso.
88
Segundo dados de Cardoso para o ano de 1872, o mero de escravos na Ilha de
Santa Catarina era de 2.934, cifra que representava uma queda de aproximadamente 15%
em relação a 1866. Desse número nenhum escravo estava ocupado com a lavoura na cidade
87
BASTOS, Aureliano Cândido Tavares. Mappa da população da Província de Santa
Catharina (1886). Col. Tavares Bastos. Secretaria da Policia de Santa Catharina, 4 de
Abril de 1867. Acervo: BN. I - 3,34,13 (Manuscritos).
88
BASTOS, Aureliano Cândido Tavares. Mappa da população da Província de Santa Catharina
(1886). Op.cit.
172
de Desterro, porém é de 725 o número de escravos lavradores espalhados pelas
freguesias da Ilha.
89
No quadro 12, a seguir, aparecem as ocupações declaradas dos escravos na Ilha de
Santa Catarina no ano de 1872.
SEXO DO ESCRAVO
OCUPAÇÃO
MASCULINO
FEMININO
TOTAL
Artistas 21 0 21
Marítimos 35 0 35
Pescadores 25 0 25
Comerciantes 2 0 2
Operários em madeiras 40 0 40
Operários em edificações 56 0 56
Operários em Vestuário 3 0 3
Operários em Chapéus 6 0 6
Operários em Calçados 17 0 17
Canteiros 15 0 15
Operários em tecidos 0 46 46
Costureiras 0 57 57
Criados e Jornaleiros 82 25 107
Domésticos 161 915 1.076
Lavradores 699 26 725
Sem profissão 381 322 703
Total 1.543 1.391 2.934
(Quadro 12) Ocupação dos escravos na Ilha de Santa Catarina no ano de 1872. Fonte:
CARDOSO, Fernando Henrique. Negros em Florianópolis: relações sociais e econômicas.
Insular: Florianópolis, 2000.
Podemos observar a partir do quadro 12 que a cidade absorveu grande parte da
mão-de-obra escrava de Desterro. Além dos lavradores que provavelmente localizavam-se
nas franjas da cidade e em áreas mais afastadas, os operários em madeira, pescadores e
marítimos, um número significativo de escravos se dedicava a trabalhos notadamente
89
CARDOSO, Fernando Henrique. Negros em Florianópolis: relações sociais e econômicas.
Insular: Florianópolis, 2000.
173
urbanos envolvendo comércio, vestuário e edificações, esse, a propósito, um setor em
franco desenvolvimento. Novos espaços e novos trabalhos configuram-se e a tendência de
aumento consolida-se. A Ilha vai cedendo espaço aos novos costumes urbanos, entre eles a
compra de produtos agrícolas de outros locais, especialmente do continente fronteiro.
3.5
Do campo para a cidade: resultados da agricultura na Ilha de Santa
Catarina
Fato é que o progresso da agricultura significou devastação florestal, primeiro
porque as terras do Brasil eram, em sua maioria, cobertas de floresta e nenhuma civilização
e se desenvolvem em meio à mata cerrada, é necessário abrir clareiras. Essas clareiras
avançaram Brasil adentro e deram lugar não só a aglomerados populacionais, mas a grandes
plantações.
Desde o principio a floresta foi percebida como um empecilho ao desenvolvimento
agrícola e, para tanto, era mister derrubá-la. Empregaram-se as mais variadas técnicas até
que a prática ensinou a esses homens como desmatar de forma mais eficiente. Da derrubada
das árvores ao fogo que limpava o terreno, chegando aos grandes canaviais e cafezais,
muitos capítulos da história do Brasil foram escritos. Além dos manuais agrícolas e outras
idéias de estímulo à produção analisadas anteriormente, é interessante notar que as opiniões
políticas da primeira metade do século XIX sobre a agricultura na Ilha de Santa Catarina e
restante da Província são muito mais dados baseados em observações de terceiros que
balizadas por parâmetros de análise mais consistentes adquiridos através da prática. Cada
presidente da Província, naturalista, ou visitante dava sua opinião. em 1840, o presidente
Francisco José de Souza Soares de Andréa fazia uma forte crítica à indústria agrícola local
174
que afirmava não existir propriamente, dois anos depois a agricultura é considerada
estacionária em relatório de outro presidente.
Certo é que houve altos e baixos na produção agrícola e culturas foram sendo
substituídas por outras de acordo com a demanda ou o próprio reconhecimento das
potencialidades do solo e do clima. No entanto, a Ilha de Santa Catarina entra em uma
curva descendente de produção mais perceptível no último quartel do século XIX,
semelhante ao que se deu no cenário nacional. O início do declínio da agricultura em
termos nacionais, ou mais precisamente, o momento da identificação de uma crise na
produção, ocorreu em meados da década de 70 do século XIX, quando,
após um período razoavelmente longo do crescimento contínuo da grande
lavoura de exportação, que se confundiu com a expansão do café
começaram a aparecer sinais evidentes de uma crise.(...) Uma atmosfera
de temor quanto ao futuro disseminou-se entre políticos, proprietários e
publicistas, pois o edifício social e político da monarquia erguia-se sobre
aquela atividade econômica.
90
Segundo Pádua, é nesse momento que o Ministério de Estado dos Negócios da
Agricultura, Comércio e Obras Públicas decidiu convocar um "Congresso Agrícola", cujo
objetivo era "obter informações seguras, esclarecimentos indispensáveis para firmar
opinião que seja o móvel de suas deliberações".
91
Deveriam participar e opinar sobre
melhoramentos e problemas os próprios agricultores.
Na realidade, os problemas na agricultura do Brasil eram tão claros que faziam
parte das propostas de debate do Congresso Agrícola antes dele começar e antes de se ouvir
os participantes. O tema base era a falta de braços e capitais para o trabalho agrícola,
90
PÁDUA, José Augusto. "Cultura esgotadora": agricultura e destruição ambiental nas últimas
décadas do Brasill Império. In: Estudos Sociedade e Agricultura, 11, outubro 1998: 134-163.
91
Ibid., p. 134.
175
intensificado sobremaneira com a lei do Ventre Livre em 1871 e a visível
insustentabilidade da escravidão.
Não podemos descrever a queda da produção agrícola da Ilha de Santa Catarina
como um “movimento natural”, porém esse fenômeno de retração parece consistente com o
processo de transformação ilhéu. No caso da Ilha de Santa Catarina o final do século XIX
trás uma queda ainda maior das atividades agrícolas, pois o continente fronteiro cresce em
população e produção a ponto de tornar mais barato e vantajoso a compra de produtos
dessas novas colônias. Por outro lado a população urbana de Desterro cresce e ocupa áreas
que antes eram da agricultura. Nossa Senhora do Desterro, capital da Província, adquire
ares, se não mais cosmopolitas, ao menos mais urbanos e de centro administrativo, que
compra produtos agrícolas de fora, deixando para as freguesias do interior da Ilha uma face
mais rural e de subsistência.
Sem considerar a atual, e tão propalada, “vocação turística” da Ilha, a posição de
capital política e administrativa da Província já garantia um relativo crescimento urbano por
conta dos funcionários que ali se instalavam, especialmente a partir da segunda metade do
século XIX. As pequenas propriedades familiares também não poderiam produzir em
grande escala para uma população em constante aumento. Os limites com o mar em um
momento de crescimento do transporte ferroviário e rodoviário, que se intensificou no final
daquele século, também devem ser computados como fatores. Enfim, muito mais do que
uma fase que se finalizava e dava lugar à outra, essa urbana e com mais longevidade, as
atividades agrícolas da Ilha cederam lugar a novos costumes, novos usos e a uma nova
176
importância atribuída à vida rural, como refúgio da vida urbana. O rural na Ilha não
deixou necessariamente de existir, ele foi, sim, resignificado e deixou de ser puramente o
trabalho na terra.
A
A
Q
Q
U
U
E
E
S
S
T
T
Ã
Ã
O
O
U
U
R
R
B
B
A
A
N
N
A
A
No tempo em que seu solo ainda se achava
coberto de florestas sombrias, um denso nevoeiro
envolvia a Ilha de Santa Catarina. Emanações
insalubres elevavam-se da terra humida em que
apodreciam montões de detritos e inúmeros
vegetais. Nuvens de mosquitos obscureciam o ar e
os navegantes que aportavam a essa Ilha
arriscavam-se a contrair febres e dysenterias
1
Quando de minha viagem, o clima de Santa
Catharina era bem saudável e deverá sel-o agora
muito mais, desde que restos de baleias (Pizarro,
Memória Histórica IX) não apodrecem, como
outrora, nas angras que recortam o litoral da
ilha. Não exaggeremos, entretanto, a salubridade
do clima de Santa Catharina; as dysenterias
grassam ali com freqüência e parece que não são
raros os casos de morphéia.
2
4
4
.
.
1
1
M
M
e
e
i
i
o
o
A
A
m
m
b
b
i
i
e
e
n
n
t
t
e
e
e
e
S
S
a
a
ú
ú
d
d
e
e
P
P
ú
ú
b
b
l
l
i
i
c
c
a
a
n
n
o
o
p
p
r
r
o
o
c
c
e
e
s
s
s
s
o
o
d
d
e
e
u
u
r
r
b
b
a
a
n
n
i
i
z
z
a
a
ç
ç
ã
ã
o
o
d
d
e
e
D
D
e
e
s
s
t
t
e
e
r
r
r
r
o
o
Desde o século XIX a história urbana vem se formando com contribuições das
mais variadas áreas como a arquitetura, a geografia, a economia, a sociologia e outras.
Desse leque de produções textuais e teorias passamos por autores importantes como
Szrmrecsanyi, que lançou um debate importante para a análise do urbano no Brasil,
questionando: já que a polaridade rural-urbano era totalmente separada, quem construiu o
rural e o urbano no Brasil? Segundo Fridman, Szrmrecsanyi analisa e “atribui o impulso de
constituição inaugural do país a uma classe urbana, a burguesia comercial lusitana que
1
ANSON. Apud. SAINT-HILAIRE, Auguste de Viagem a Curitiba e Santa Catarina. Belo
Horizonte; Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1978., p. 176.
2
Ibid., p. 176.
I
I
V
V
V
178
‘volta-se para o campo’, ao invés de ‘volta ao campo’, pois essa burguesia não se
ruralizou”.
3
Outros como Oliveira Viana com sua teoria ferrenha do anti-urbano colonial,
do homem amante da solidão e da degeneração das cidades,
4
e Aroldo de Azevedo com sua
classificação dos diferentes tipos de povoados, passando pelas aldeias indígenas e vilas
fortificadas e reconhecendo nelas um “plano”, além de reconhecer nos engenhos cidades
em miniatura, a importância das fazendas de gado e de café em serem pontos de
convergência que geraram centros urbanos, assim como o que ele chamou de “bairro rural”,
decorrente de um caminho ao longo do qual se instalam sítios.
5
Esses são alguns entre os
que abordaram e analisaram o tema da construção das cidades no Brasil colonial e imperial.
Para além dessa análise está a discussão acerca do formato, de um planejamento
ou não do espaço urbano português comparativamente ao espanhol. O modelo espanhol
tinha por base um código chamado “Leyes de las Índias” de 1573, que estipulava desenhos
geométricos para as cidades, como, por exemplo, Buenos Aires. O caso português parece
não ter seguido essas normas, ao menos na maioria das vezes. As cidades formaram-se a
partir de vilas que, em geral, surgiram no entorno de igrejas e capelas. Por conta desse
planejamento inicialmente inexistente, em muitos casos, as cidades tomaram formas que
passavam ao largo dos ideais de urbanismo, em geral seguindo os contornos geográficos.
No entanto, não objetivando analisar pontualmente o tema entendemos que alguns textos
são importantes para percebermos a dimensão e o lugar das vilas e cidades do Brasil para os
3
SZRMRECSANYI. Apud. GOMES, M. A. F. ; Pineiro, E.P. ; FRIDMAN, F. ; Andrade, C.R.M. ;
TEIXEIRA, M. ; Almandoz, A. ; SILVA, L. O. ; SUTCLIFFE, A. ; Zucconi, G. ; Brandão, C.A.L. .
Breve história do debate sobre a cidade colonial brasileira. In: Pinheiro, Eloisa Petti; Gomes, Marco
Aurelio A. de Filgueiras. (Org.). A cidade como história. 1 ed. Salvador: Editora da Universidade
Federal da Bahia, 2005, v. 1, p. 43-72.
4
OLIVEIRA VIANA. Evolução do Povo brasileiro. Rio de Janeiro, J. Olímpio, 1956.
5
AZEVEDO, Aroldo de. Vilas e cidades do Brasil colonial: ensaio de geografia urbana
retrospectiva. São Paulo: EDUSP, 1965.
179
portugueses. Uma dessas obras é A cidade Colonial, de 1961, onde Nelson Omegna
afirma que a função da cidade colonial portuguesa era a de
assegurar, tanto do ponto de vista estratégico quanto da política
econômica ou eclesiástica, os interesses mercantilistas dos senhores da
metrópole. A vila era dotada de uma vasta interlândia ou zona rural para
garantir-lhe o sustento, possuía nomes de santos para ‘cristianizar a
paisagem’.
6
Também contribuinte dessa discussão está Nestor Goulart Reis Filho,
especialmente em Evolução do Brasil (1500/1720), no qual busca evidenciar através de
mapas e desenhos um planejamento regular lusitano.
7
As últimas duas décadas têm
apresentado discussões atuais, releituras de obras clássicas e novas teorias sobre o projeto
urbanístico português dos séculos XVI, XVII e XVIII. Autores como Fania Fridman,
Murilo Marx, Beatriz Siqueira Bueno, Maurício de Almeida Abreu, Roberta Dalson e
Maria Helena Flexor entre outros, ampliaram o leque de questionamentos, e trouxeram à
luz, tópicos até então esquecidos ou tratados isoladamente, fazendo o esforço de
correlacioná-los. Pontos como as grandes parcelas de solo urbano em mãos de ordens
religiosas (majoritariamente adquiridas por doações) entraram em debate, além do quanto
isso desviou ou direcionou o surgimento de novos bairros e o “espalhamento” dos núcleos
urbanos. Tudo isso possibilitou uma revisão em idéias que não davam margem para um
estudo dos pontos positivos e inteligentes do urbanismo português, uma vez que se
solidificaram e permaneceram por muito tempo como verdades. Exemplo disso são idéias
como as de Sérgio Buarque de Holanda ao referir-se aos portugueses e aos espanhóis:
As cidades que os portugueses construíram na América não são produto
mental, não chegam a contradizer o quadro da natureza, e sua silhueta se
enlaça à linha da paisagem. Nenhum rigor, nenhum método, nenhuma
providência, sempre esse significativo abandono que exprime a palavra
6
OMEGNA, Nelson. A cidade Colonial. São Paulo: Ebrasa, 1961.
7
GOULART REIS Filho, Nestor. Evolução do Brasil (1500/1720). São Paulo: Pioneira/EDUSP,
1968.
180
‘desleixo’ palavra que o escritor Aubrey Belle considerou tão
tipicamente portuguesa como ‘saudade’ e que, no seu entender, implica
menos falta de energia do que uma íntima convicção de que ‘não vale a
pena...’
8
Palavras como essas criaram na imaginação do leitor desavisado a imagem de um
espanhol norteado pela razão, seguindo um plano régio e “ladrilhando” cidades por toda a
porção espanhola da América, ao passo que o português, de forma totalmente aleatória,
semeava pontos de urbanização por sua imensa e desorganizada colônia. Nem tanto ao mar,
nem tanto a terra. Nem os espanhóis eram tão retilíneos que não cediam às imposições
geográficas, nem os portugueses eram tão desleixados que deixavam seus domínios ao léu.
E alguns textos do culo XIX já indicavam que o fato de as ruas de Desterro terem
direções irregulares não era devido ao desleixo da fundação como também à ondulação
do terreno.
9
Como já vimos, autores durante todo o século XX, e especialmente nos últimos
anos, têm analisado a lógica portuguesa de urbanização. Se forem pontos de vista já
superados ou tentativas de reinterpretar e encontrar a lógica das vilas e cidades portuguesas,
certo é que Holanda e os outros autores com preocupações na história urbana do Brasil são
nossa conexão para um questionamento acerca da dinâmica ambiental que influenciou ou
não o desenho e os posteriores planos das vilas portuguesas, em especial Nossa Senhora do
Desterro.
Esses planos urbanísticos eram importantes, pois além da distribuição de prédios
públicos, praças e a própria localização do núcleo urbano como estratégia de defesa contra
possíveis inimigos, visavam controlar um problema que cresceu junto com as cidades no
8
HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. (1936) 19º ed. Rio de Janeiro: JoOlympio,
1987., p. 76.
9
TAUNAY, Alfredo D’Escragnolle. Planta Topographica da Cidade do Desterro Levantada por
Ordem e na Presidência da Província de Santa Catharina do Ilmo. Exmo. Snr. Dor. Taunay Alfredo
D’Escragnolle pelos Engenheiros Major Dor. Antonio Florêncio Pereira do Lago e Carlos Othom
Sehleppal. Anno de 1876 (08.01.1686 Acervo: Arquivo Histórico do Exército).
181
século XIX em todo o Brasil: a falta de saneamento básico. A instalação das cidades, na
maioria das vezes, procurou considerar os ambientes tidos como saudáveis e propícios ao
seu desenvolvimento em todo o mundo. As preocupações com a saúde pública e sua relação
com o meio ambiente já vinham de longa data e podem ser vistos em textos como o de
Gaspar Casal, médico do rei espanhol Fernando VI, em 1762, referindo-se às epidemias que
afetaram as Astúrias nos anos de 1719 e 1749,
haciendo memoria de las diversas causas, que los autores asignan a la
ictericia (ya descubiertas por observaciones, y ya por disecciones
anatómicas) tengo por verosímil que, así en una, como en otra epidemia,
tuvieron mucho influjo los ábregos, que en ambas constituciones del
tiempo persistieron sobre los demás vientos (...).
10
Tal afirmação é um exemplo da importância atribuída ao clima, ao solo, às águas,
enfim, ao meio ambiente, recorrente nos trabalhos da área médica nos século XVIII e XIX.
Sob o título de Geografias e Topografias Médicas, realizou-se, desde o final do século
XVIII, uma série de estudos em que foram discutidas a origem e a proliferação de
epidemias e sobre causas de mortalidade. Esses textos tinham como base determinadas
concepções médicas que consideravam a gênese e a evolução das enfermidades como
fortemente definidas pelo clima e pelo meio local.
11
Dado que entre os higienistas dos séculos XVIII e XIX era generalizada uma
concepção da enfermidade como produto social, nos estudos de tipo epidemiológico é
muito freqüente encontrar informações abundantes sobre o meio geográfico, econômico e
social em que se desenvolveram as doenças estudadas.
12
É também no fim do século XVIII
que o médico aproxima-se do político, desempenhando um papel importante no
10
CASAL, G. 1762, 235-236. In: URTEAGA, Luis. Miseria, Miasmas y Microbios. Las
Topografías Médicas y el Estudio del Medio Ambiente en el siglo XIX. Barcelona: Revista Geo
Critica, n.29, set. 1980.
11
Ibid., p. 235 – 236.
12
Ibid., p. 235 – 236.
182
ordenamento das cidades e de vários locais públicos e influenciando comportamentos
coletivos como a lavagem das ruas ou o traçado de certos bairros. Junto com essas
mudanças surgiram novas instituições como as comissões de salubridade encarregadas de
inspecionar manufaturas, oficinas e estabelecimentos tidos como produtores de miasmas.
13
Essas idéias se evidenciam com a medicina européia do século XVIII, que renovou
a tradição de Hipócrates inaugurada com o livro Dos ares, das águas e dos lugares, dando
origem a uma corrente higienista que prestou especial atenção ao meio natural e sua
possível relação com os problemas patológicos. As idéias de Hipócrates sobre a relação das
questões ambientais com a saúde pública serviram como uma base que justificou e orientou
os primeiros trabalhos que determinaram um novo desenho dos espaços urbanos. “Foram
esses princípios que orientaram os higienistas do culo XVIII ao início do século XIX e
que foram responsáveis por mudanças tanto na estrutura física dos espaços da cidade como
nas habitações e nos costumes dos indivíduos”.
14
Também é decorrente dessa teoria a
valorização do consumo de água pura para ingestão e para banhos, o que originou os
sistemas de abastecimento nas cidades por meio de aquedutos e o valor terapêutico dos
banhos de mar. De acordo com Vigarello, a maior parte das topografias médicas do final
do século XVIII em diante associa saúde à mobilização da água, escorrendo pelas cidades,
por valas e canais e limpando-a, bem como promovendo a correção do ar.
15
Versuch einer allgemeinen medicinish-praktischen Geographie, de Ludwig Finke,
escrita em 1792, é considerado o marco inicial dos estudos de geografia médica na era
13
VIGARELLO, Georges. O limpo e o Sujo: a higiene do corpo desde a idade Média. Ed.
Fragmentos: Lisboa, 1985., p. 134.
14
EDUARDO, A. R. B. ; FERREIRA, A. L. A. . As Topografias Médicas no Brasil do início do
século XX. Aportes históricos ao estudo da relação meio ambiente e sociedade (o caso de Natal-
RN). In: Angela Ferreira, George Dantas. (Org.). Surge et Ambula. A construção de uma cidade
moderna (Natal, 1980-1940). Natal: EDUFRN, 2006, v. 1, p. 137-151.
15
VIGARELLO, Georges. O Limpo e o Sujo... Op. cit., p.121.
183
moderna.
16
Primeiramente, acreditando em uma causa única para as doenças, o grupo
de médicos encabeçados por Finke e conhecidos como sistematizadores” passam, no
final do século XVIII,
a afirmar que a busca da causa única não respondia mais à complexidade
do mundo, retomando assim a leitura dos gregos de uma nova
perspectiva, no que começou a se denominar empirismo neo-hipocrático.
Acreditavam estes cientistas que uma rigorosa observação do mundo
poderia levar ao entendimento das causas das doenças.
17
Esse redirecionamento das concepções das causas das doenças é perfeitamente
compreensível neste período da história européia, em que a expansão colonialista abre
portas para novas observações quanto à adaptação dos europeus em outras terras.
Com um caráter marcadamente determinista, as idéias de saúde desse período
estavam ligadas às idéias de geografia, espaço e território. Nessa época de expansão
colonialista, em que novas doenças eram identificadas à medida que lugares com diferentes
climas
,
solos, relevos, paisagens botânicas e zoogeográficas, hidrografias eram ocupados,
teorias e pesquisas de médicos e higienistas eram associadas ao discurso do determinismo
geográfico. Tal teoria é sintetizada por Bousquat e Conh da seguinte forma:
o espaço, como sinônimo de meio ambiente sico, determina as
possibilidades de construção da sociedade humana. Por outro lado, na
medicina, o mesmo período consolidou a afirmação dos agentes
biológicos (oriundos do meio físico) como explicativos das doenças. E
foi exatamente a junção dessas duas afirmações em uma só que pode ser
sintetizada como espaço/meio físico, que, com seus agentes biológicos,
levaria à existência das doenças em uma determinada sociedade.
18
16
BOUSQUAT, Aylene; COHN, Amélia. A dimensão espacial nos estudos sobre saúde: uma
trajetória histórica. In: História, Ciências, Saúde - Manguinhos. v.11 n.3. Rio de
Janeiro set./dez. 2004. p. 4.
17
Ibid., p. 4.
18
Ibid., p. 7.
184
Tal síntese, que possui analogia com a clássica tríade ecológica de Leavell &
Clarck
19
, em que o meio é percebido como um recipiente que facilita ou não o contato entre
pessoas, ou hospedeiros, e agentes etiológicos, evoca uma melhor definição de “espaço”
que abrange essas questões. Para tanto, a idéia de Czeresni e Ribeiro, que escrevem sobre a
relação lugar versus epidemia, amplia nossa apreensão do tema. Para os autores:
o lugar pode ser compreendido como topos em que se um
acontecimento. Nessa perspectiva, o espaço constitui-se e distingue-se
dos corpos no momento da vivência concreta dos fenômenos, através de
uma interface que se configura no decorrer da própria experiência. O
vínculo entre corpo e espaço não se apresenta claramente, pois o
processo de emergência das ciências foi também o de fragmentação do
modo de pensar o homem e as suas relações. No contexto da elaboração
dos conceitos científicos, o espaço foi concebido, segundo os mais
diferentes pontos de vista, como algo anterior, que existe independente
da constituição dos seres que o habitam.
20
Esses ramos da história natural, ligados ao conhecimento médico, agregaram
informações de estudos anteriores, relacionados ao clima e aos fenômenos meteorológicos,
desenvolvidos especialmente na Inglaterra em fins do século XVII, por Robert Boyle e
John Locke
21
. Posteriormente, em fins do século XVIII, aquelas que ficaram conhecidas
como ciências ambientais (climatologia, meteorologia, geologia e topografia) associam-se
profundamente à medicina, pois, teoricamente, se bem aplicadas, permitem controlar
epidemias. Apesar de haver um pretenso respeito pelas leis da natureza”, essa mesma
natureza quando se tornava ameaçadora poderia e deveria ser controlada. A secagem de
pântanos, o desmatamento, o represamento de rios, tudo isso eram formas de “ordenar” o
ambiente que, apesar de ser bom, era desconhecido.
19
LEAVELL, S. & CLARCK, E. G. Medicina Preventiva. São Paulo: McGraw-Hill, 1976.
20
CZERESNIA, Dina; RIBEIRO, Adriana Maria. O conceito de espaço em epidemiologia: uma
interpretação histórica e epistemológica. In: Cadernos de Saúde Pública. v.16 n.3. Rio de
Janeiro jul./set. 2000. p. 3.
21
EDLER, Flávio C. De olho no Brasil: A geografia médica e a viagem de Alphonse Rendu. In:
História, Ciência, Saúde – Manguinhos, V. VIII (suplemento), 925-43, 2001.
185
De acordo com Maria Stella Bresciani, “a intervenção técnica na cidade
participa de um movimento de conhecimento que partiu da circulação da doença e da
observação dos corpos doentes para a modificação do meio físico em que a doença
aparece”.
22
Essas propostas e intervenções surgem no início do século XIX e voltam-se,
quase exclusivamente, à questão das doenças e à promoção de maneiras para evitá-las,
especialmente as epidemiológicas. Os novos saberes decorrentes desses estudos
materializaram-se em aparelhos e técnicas para verificação da pureza das águas e do ar,
entre outras, além de propostas intervencionistas como a do médico francês Parent
Duchatelet que, por volta de 1840, propunha regulamentar práticas nocivas como:
[...] assegurar a captação de águas usadas de maneira a evitar o acúmulo
de águas estagnadas e os córregos poluídos pelos detritos industriais e
humanos, destruir o costume de amontoar homens e animais num mesmo
cômodo, bem como o hábito promíscuo de pais e filhas, irmãos e irmãs
dormindo num mesmo quarto ou cama, e, enfim, evitar tudo o que
pudesse exalar miasmas contaminadores da saúde e degradar pela
moral o comportamento das pessoas.
23
Tais estratégias de controle da natureza eram vistas também como avanços na área
médica, uma vez que as teorias médicas e os próprios médicos que estavam falando do
Brasil nessa época eram europeus ou formados pelas escolas européias. Isso está de acordo
com o momento que é de um “amplo intercâmbio comercial, aliado à política colonialista
européia, [que] fez emergir o problema, ao mesmo tempo prático e teórico, de se
compreender porque certas doenças estariam circunscritas a determinadas regiões do globo,
enquanto outras tinham ali um impacto diferenciado e um padrão de endemicidade
22
BRESCIANI, Maria Stella. Permanência e Ruptura no estudo das cidades. In: FERNANDES,
Ana; GOMES Marco Aurélio A. F. (orgs). Cidade e História Modernização das Cidades
Brasileiras nos séculos XIX e XX., p. 14.
23
Ibid., p. 16.
186
distinto”.
24
Essas observações eram comprovadas ou refutadas em análises diretas dos
locais em estudo, ou seja, viagens científicas de pesquisa ou ainda por meio de autoridades
médicas locais.
25
Também é nesse momento que a palavra higiene ocupa espaço nos
manuais de saúde. Higiene torna-se um ramo específico do saber médico e qualifica não
mais “saúde (hygeinos significa em grego o que é são), mas o conjunto dos dispositivos e
dos saberes que favorecem a sua conservação”.
26
A mudança de status da medicina no que
tange a higiene, pode ser percebida pelo aparecimento de novas instituições “como as
comissões de salubridade, criadas no tempo do Império e encarregadas de inspecionar
localmente manufaturas, oficinas, estabelecimentos produtores de miasmas diversos”.
27
4.2
Do Global ao Local: questões de salubridade no Brasil
Textos relacionados a esse tema surgiram no Brasil desde fins do século XVIII e,
especialmente, ao longo do século XIX, da pena de viajantes e naturalistas. Além de
escrever sobre os tipos humanos da terra, da flora e da fauna, esses textos e desenhos
continham descrições e comentários sobre doenças e relacionavam possíveis formas de cura
ou motivos de agravamento das mesmas. Tal conexão entre viagens e idéias médicas do
período é uma importante fonte para analisarmos a construção das cidades, das habitações
e, mais diretamente, as questões de saúde, saneamento básico e meio ambiente.
Se considerarmos que as cidades brasileiras tiveram muitos elementos de sua
construção inspirados em cidades européias, ou ao menos idealizados dessa forma (praças,
24
EDLER, Flávio C. De olho no Brasil: A geografia médica e a viagem de Alphonse Rendu.
Op.cit., p. 7.
25
EDLER, Flávio C. De olho no Brasil... Op. cit., p. 9.
26
VIGARELLO. O limpo e o Sujo... Op. cit., p. 134.
27
Ibid., p. 134.
187
prédios públicos, igrejas, entre outros) entende-se a preocupação médica existente, fato
comum na Europa nesse período. Um dos principais focos da atenção de políticos e
urbanistas no Brasil do século XIX estava voltado a uma “adaptação” do meio ambiente em
caso de necessidade, para uma melhor adaptação social dos habitantes, muitos vindos da
própria Europa.
No Brasil, o surgimento da ideologia da higiene ocorre, de acordo com Sidney
Chalhoub, paralelamente à idéia de controle das “classes perigosas”, que, grosso modo,
eram compostas por pessoas que “claramente optaram” por “ganhar a vida” através de
meios escusos ou que, mesmo trabalhando não conseguiam acumular capital, vivendo na
pobreza, o que pressupunha um mal trabalhador.
28
Uma vez definido isso, é feita por parte
dos políticos e higienistas do período,
29
uma associação imediata de “classes perigosas”
com “doenças contagiosas”. Essa associação de idéias fez agravar os possíveis
problemas provocados por tais indivíduos. O que até então era problema para organização
do trabalho e manutenção da ordem pública passa a ser também problema de saúde
pública.
30
Os intelectuais-médicos da época voltaram-se com vigor ao problema produzindo
muitos textos e indicando muitas soluções para a questão. Um ponto comum à maioria,
senão a todos, foi o “diagnóstico de que os hábitos de moradia dos pobres eram nocivos à
sociedade, e isto porque as habitações coletivas seriam focos de irradiação de epidemias,
além de, naturalmente, terrenos férteis para a propagação de vícios de todos os tipos”.
31
28
CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril: cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Cia
das Letras, 1996., p. 22.
29
Ibid., p. 22. Especialmente o período pós-abolição que provocou uma onda de preocupação por
parte das autoridades no que se refere às moradias e ao trabalho dessa nova classe de livres pobres e
moradores da cidade, mas que já acontecia há algumas décadas.
30
Ibid., p. 29.
31
Ibid., p. 29.
188
No caso do Rio de Janeiro, os cortiços são vistos como uma ameaça às
condições higiênicas da cidade e para controlá-los e a seus moradores, são tomadas
medidas que envolvem a vigilância policial, o controle de entrada e saída dos
freqüentadores e regras com relação ao despejo do lixo e das matérias fecais
32
. Esses
expedientes não só não tiveram o efeito esperado, muito em função da impossibilidade de
controlar sua aplicação, como geraram um sério problema que passou da forma das
moradias para o espaço, o local das habitações populares. Na Bahia, um grupo de médicos
que se organizou e criou um periódico, em 1866, a Gazeta Médica da Bahia (1866-1915), à
margem da Faculdade de Medicina existente na antiga capital do Brasil colônia, discutiu e
desenvolveu idéias em torno da incidência e propagação das patologias vistas por eles
como nativas, típicas de uma região tropical. Jaime Larry Benchimol, em artigo intitulado
A instituição da microbiologia e a história da saúde pública no Brasil, aborda o tema,
ressaltando as diferenças nas pesquisas desse grupo de médicos aos do Rio de Janeiro,
especialmente:
Enquanto estes encaravam o progresso como imitação da ciência e das
instituições européias, os tropicalistas baianos investigavam a
singularidade das doenças nos trópicos, a influência do clima sobre as
raças e sobre a geração ou multiplicação de miasmas e germes. Queriam
saber se os europeus podiam se aclimatar nesse ambiente adverso e se era
possível neutralizá-lo com políticas sociais progressistas e condutas
médicas e higiênicas racionais. A busca de patologias e, por
conseqüência, de uma medicina nacional implicava a refutação da crença
de que os trópicos eram irremediavelmente malsãos, degenerativos,
impermeáveis à civilização européia.
33
Essa suposta diferença e irredutibilidade de modelos teóricos, questionada por
Edler
34
ao afirmar que os médicos do Rio de Janeiro também estavam imbuídos da mesma
32
CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril... Op. cit., p. 30-31.
33
BENCHIMOL, Jaime Larry. A instituição da microbiologia e a história da saúde pública no
Brasil. In: Ciência e saúde coletiva. vol.5 no.2 Rio de Janeiro 2000.
34
EDLER, F.C. A constituição da medicina tropical no Brasil oitocentista: da climatologia à
parasitologia médica. Tese de doutorado. Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro (mimeo), 1999.
189
preocupação em criar um conhecimento original sobre as doenças tropicais, aumenta os
questionamentos que fazemos sobre as influencias do meio para a propagação das doenças
e confirma a grande atenção prestada pelo pensamento médico ao meio ambiente. Partindo
dessa consideração da grande influência do entorno ambiental e do meio social no
desenvolvimento das enfermidades, procurou-se explorar o tema em sua aplicabilidade ao
caso da Ilha de Santa Catarina, especialmente relacionando-o aos problemas do espaço
urbano da cidade de Nossa Senhora do Desterro como a limpeza e a salubridade.
Se no Rio de Janeiro, capital do Império e depois da República, os problemas
relacionados à ocupação/trabalho das classes pobres e perigosas desenvolveu-se pari passu
às preocupações médicas e saneadoras, em Desterro não foi diferente. Considerando o
desenho da cidade e sua dinâmica de crescimento, os pontos críticos no que se refere à
habitação dos pobres e focos de doenças eram muito próximos ao centro da cidade e,
conseqüentemente, da habitação dos mais ricos. A identificação desse problema já vinha do
início do século XIX e foi motivadora das primeiras leis municipais sobre o tema
salubridade, mesmo que a idéia de salubridade não fosse a mais apropriada de acordo com
os preceitos atuais de higiene. Prova disso é que, em 1830 a Câmara Municipal aprovou a
lei que determinava que o lixo urbano fosse depositado na praia, nos rios e no mar junto
com os esgotos, para evitar que os detritos se acumulassem nas ruas. Leis semelhantes
destinadas a resolver o mesmo problema também foram promulgadas no Recife e no Rio de
Janeiro, onde o destino das águas servidas era assunto espinhoso e de difícil solução. A
questão, que afetava a todos, era tratada de maneira semelhante em todas as casas de
Desterro, do Rio de Janeiro ou de Recife. As fezes e dejetos eram acumulados em barris em
algum canto das casas e, quando estavam cheios, eram recolhidos por escravos que os
transportavam e os despejavam no mar ou em rios e pântanos no entorno da cidade. Era na
190
cabeça que os escravos conduziam essa mal cheirosa carga e, segundo Manuela Arruda
dos Santos,
esses barris eram chamados de tigres” e os seus condutores, de
“tigreiros”. Talvez o nome fosse uma alusão à coragem dos carregadores
ou, quem sabe, à imagem desagradável das barricas que, ao transbordar,
espalhavam fezes nos corpos dos escravos e dos negros de ganho, numa
combinação que lembrava a pelagem dos tigres. Existem versões que
afirmam que o apelido foi dado porque, ao avistar os negros levando
barris de dejetos, os transeuntes, com medo de ficarem sujos, afastavam-
se rapidamente, como se fugissem de um animal selvagem.
35
Essas figuras tentaram ser controladas por uma legislação sem muito efeito por
longos anos. Horários e locais de despejo eram recomendados, lançamentos desses
materiais pelas janelas dos sobrados eram proibidos porém, apenas em 1877 houve o
primeiro pedido de concessão para um serviço de remoção de lixo, águas servidas e
matérias fecais em Desterro. A atividade seria desempenhada por particulares e paga pela
Câmara Municipal que não tinha funcionários para tal função. O serviço, que seria
desempenhado quase que totalmente por escravos, ficava a cargo de um particular que se
responsabilizaria por recolher em carroças os ditos dejetos, conduzindo-os a locais mais
distantes do centro da cidade, poupando, se não as narinas, ao menos os olhos dos
transeuntes desse desagradável transporte. Nesse período algumas novas casas já tinham em
seu espaço construído uma latrina, sendo que essa poderia ser edificada em qualquer ponto
do terreno, desde que não promovesse prejuízo aos vizinhos com mau cheiro ou despejos.
36
Esses problemas quanto ao fim dado aos dejetos urbanos estendeu-se por todo o
século XIX, em várias cidades do Brasil. Mesmo o rudimentar transporte em carroças não
resolveu o problema que antes circulava pelas ruas nos horríveis “tigres” e em Desterro
35
SANTOS, Manuela Arruda dos. Cuidado com o tigre! In: Revista de História da Biblioteca
Nacional. Edição 31, abril de 2008. Consultado em http://www.revistadehistoria.com.br
36
MOURA, Antonio Ribeiro. Manual do Edificante do proprietário e do inquilino ou novo
tratado dos direitos e obrigações. Rio de Janeiro, 1858. Acervo: Biblioteca Particular de Cândido
Mendes de Almeida.
191
mesmo essa tentativa de melhoria demorou a se efetivar e somente em 1884 o primeiro
serviço de coleta de lixo e matérias fecais, através de direito concedido a coletores
particulares que faziam uso de carroças puxadas por burros, aconteceu. O destino desses
materiais continuava sendo o mar. Somente muito mais tarde, em princípios do século
XX, em 1910, sob governo republicano, é dada concessão para implantação de uma rede de
esgotos na Capital de Santa Catarina. As obras o iniciadas em 1913 e inauguradas no dia
07 de setembro de 1916. Basicamente constava de um sistema composto por três bacias (do
Centro, da Praça São Sebastião e da Praça São Luiz) e estação de tratamento próxima ao
Forte Santana. Para a demanda de energia foi construída a Usina de Maruim com chegada
de força elétrica por cabos submarinos.
37
Ou seja, o saneamento básico, ou a falta dele, em Desterro assemelhou-se a tantas
outras cidades brasileiras, inclusive maiores e, teoricamente, mais estruturadas para
resolver o problema. Parece ter sido difícil no século XIX cobrar tributos das pessoas com a
justificativa de construir obras de saneamento que, além de estarem invisíveis aos olhares
cotidianos, precisavam transpor a sólida barreira do costume. No entanto, o crescimento
populacional mais intenso é fato, na segunda metade do XIX, em todo o Brasil. Talvez em
cidades menores como Desterro isso se torna mais palpável no último quartel desse século
mas é um fenômeno que não pôde ser ignorado por políticos e higienistas da época. Esse
aumento refletiu-se em uma saturação dos métodos tradicionais de despejo e os “modernos”
sistemas de esgoto, com canos e descargas, tornaram-se questão de saúde pública e bem
estar social.
37
RAMOS, Àtila. O Abastecimento de água de Florianópolis. Consultado em 18/10/2005.
http://www.casan.com.br/comp_hist_saneamento.htm.
192
4.3
O Desenho Urbano
A Ilha de Santa Catarina possui uma forma alongada que acompanha o litoral.
Com comprimento médio de 54 km e largura de 18 km. Seu litoral é bastante recortado e
seu relevo montanhoso e descontínuo. A imagem abaixo é uma foto de satélite atual e
apresenta a localização da Ilha em relação ao continente fronteiro e o núcleo urbano de
Desterro.
(Ilustração 05) Foto de satélite da Ilha de Santa Catarina. Consultado em 06/01/2009
http://www.cdbrasil.cnpm.embrapa.br/sc/htm
193
O ponto circulado em amarelo na imagem acima corresponde a cidade de
Nossa Senhora do Desterro na segunda metade do século XIX e aparece em detalhe na
imagem abaixo. Os contornos diferenciam-se em função dos aterros que ampliaram a faixa
de terra da Ilha.
(Ilustração 06) Planta Topographica da Cidade do Desterro Levantada por Ordem e na
Presidência da Província de Santa Catharina do Ilmo. Exmo. Snr. Dor. Alfredo D’Escragnolle
Taunay pelos Engenheiros Major Dor. Antonio Florêncio Pereira do Lago e Carlos Othom
Sehleppal. Anno de 1876 (08.01.1686 Acervo: Arquivo Histórico do Exército). Observação: A
planta compreende somente a parte edificada e sujeita à décima urbana.
No que se refere ao desenho urbano, a cidade de Desterro, capital da Província de
Santa Catarina, com sua posição insular, segue o desenho das cidades e vilas portuguesas
que foram instaladas no Brasil desde o século XVI. Uma praça central de onde saiam as
ruas que formavam quadras regulares eram alteradas apenas por acidentes geográficos que
não pudessem ser adaptados.
194
Característico também eram os fortes que cercavam essas cidades e vilas e
serviam como limites e defesas contra invasões de estrangeiros ou, no princípio da
colonização, de ataques indígenas. Isso pode ser constatado ao analisarmos um documento
de 1776 em que o autor revela, em forma de relatório, o estado das defesas da Ilha e, em
decorrência disso, a impossibilidade de qualquer tentativa de uma invasão estrangeira ser
bem sucedida. Devido à importância estratégica como último ponto de defesa do sul do
Brasil, edificou-se, ao norte da Ilha, quatro fortalezas; na parte mais estreita entre a Ilha e o
continente construiu-se uma fortaleza em cada margem; na parte sul foram fortificadas
baterias com o número de noventa peças e mais duas fortalezas.
38
Embora esse excesso de zelo por parte da Coroa portuguesa não viesse a impedir
que, poucos meses depois desse ofício ser expedido, se desse a conhecida invasão de
fevereiro de 1777, em que a força naval espanhola invadiu com sucesso a Ilha de Santa
Catarina e as autoridades locais e parte das tropas fugiram para o continente. A questão foi
resolvida ainda no mesmo ano, quando, em outubro, foi assinado o Tratado de Santo
Ildefonso e a Ilha volta ao domínio português.
39
Sua mera existência é suficiente para
percebermos a estrutura programada de construção de uma cidade em local estratégico
como foi o caso de Desterro. A “construção” da cidade dentro da área doada à comarca
municipal pela Coroa contou com o dispositivo de doação das sesmarias de chão, que se
constituíam de um lote no núcleo urbano para se construir casa e quintal. Essas doações de
chão não estavam sujeitas ao pagamento de dízimos, pois os mesmos incidiam sobre
produção e não sobre terra.
40
38
SOARES, Roberto. Ofício relatando a situação das defesas da Ilha de Santa Catarina, escrito
a bordo da Nau Sto Antonio, na costa catarinense em 1776. Acervo: Biblioteca Nacional.
39
História de Santa Catarina – Invasão Espanhola. Consultado em 25/01/2009.
http://www.sc.gov.br/conteudo/santacatarina/historia/paginas/07espanhois.html.
40
ABREU, Maurício. A apropriação da terra... Op.cit., p. 218-219.
195
A Ilha de Santa Catarina entra no século XIX com uma população aproximada
de 10.036 pessoas de acordo com o último relatório sobre o tema feito no século XVIII,
mais especificamente no ano de 1796. Dessas, 3.759 residiam na Vila e Capital de Nossa
Senhora do Desterro; 1.040 no Ribeirão; 1.916 na Freguesia da Lagoa; 2.447 na Freguesia
das Necessidades e os restantes eram soldados do Regimento da Ilha. Desse total 2.017
eram escravos pardos e pretos.
No que tange ao processo de urbanização, Desterro cresce a partir de quadras
demarcadas tendo como centro a praça e a catedral. Essa dinâmica sofreu interrupção
quando o crescimento deparou-se com as chácaras maiores, situadas em localidades como
Trindade e Saco dos Limões,
41
assim como outras regiões de agricultura.
42
Essa área,
representada pela ilustração 06, correspondia à Décima Urbana de Nossa Senhora do
Desterro. A Décima era uma taxa equivalente ao percentual de 10% sobre todas as formas
de rendimento dos súditos reais e era imposta, geralmente, quando Portugal estava
ameaçado ou em guerra. No Brasil essa cobrança
só veio a ocorrer após a chegada da Corte, quando o Príncipe Regente D.
João, três meses após instalação da família real no Rio de Janeiro, e
estabeleceu por meio do alvará de 27 de junho de 1808. [...] Restringiu-a,
no entanto, aos imóveis situados no perímetro urbano das ‘cidades, vilas
e lugares notáveis situados à beira-mar’.
43
41
Segundo Cavalcanti e baseado nos levantamentos feitos pelos lançadores da décima urbana no
Rio de Janeiro, o Imóvel rotulado como chácara possuía testada que ultrapassava a de um terreno
urbano e, via de regra, além da ‘casa da vivenda’, possuía outros prédios para senzala, cocheira,
estrebaria, telheiro, depósito e outras construções como curral, ou olaria, ou engenho de farinha, ou
fabrica de anil, etc. In: CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro Setecentista: a vida e a
construção da cidade da invasão francesa até a chegada da corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.,
p. 264.
42
ROSA, Vieira da Rosa. Chorografia de Santa Catarina. Typ. da Livraria Moderna. Paschoal
Simone: Florianópolis, 1905.
43
CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro Setecentista. Op.cit., p. 259.
196
Saint-Hilaire, ao escrever Viagem a Província de Santa Catharina (1820),
quando retornou à Europa em finais da década de 1840, faz descrições que mais parecem
uma pintura renascentista ao invés do duro dia-a-dia de pequenos agricultores ou moradores
de uma Província distante da capital do Império do Brasil. Talvez o fato de ter passado
pouco tempo em terras catarinenses contribuiu para uma visão romantizada do lugar, visto
como um paraíso pouco explorado com nesse texto:
Num raio de cerca de uma légua ao redor da cidade, os caminhos são
largos, e quase todos planos e cobertos de areia. No campo tudo é
animado; a todo instante encontram-se lavradores, como nos arredores das
cidades européias, e os aspectos variam a cada momento. Ora, avistam-se,
através dos ramos das árvores, as águas do canal e os morros que se elevam
ao longe; ora, a cidade, ou a capella do menino Deos, ou os morros que
orlam as margens da baia; aqui, uma chácara serve de perspectiva; mais
além, apparece um sítio pitoresco contornado de bananeiras e laranjeiras
cobertas de frutas. As plantações são feitas com menos symetria ainda que
em outras regiões do Brasil; não encontram-se duas laranjas ou dois pés de
mandioca plantados na mesma linha. Mas, essa desordem, que, aliás attesta
o desleixo dos lavradores, produz na paisagem effeitos agradáveis,
podendo-se comparar a Ilha de Santa Catharina a um vasto jardim
inglês.
44
Relatos semelhantes também partiram de Krusenstern e Langsdorff ao escreveram
sobre a Ilha no início do XIX, como visto anteriormente, e outros, como Fleiuss, sobre
Minas Gerais, que retratam o extremo oposto dessa paisagem bucólica, em que a mata é
intransponível e seria impossível viver em paisagens tão selvagens. Com uma leitura que
considere essas variáveis e indique a dose de cautela que devemos ter ao interpretar obras
semelhantes, textos como esses são de uma riqueza de informações relevantes para esse
trabalho.
A partir dessas observações, configura-se que foi em meados do século XIX que
se presenciou um novo e significativo surto de “progresso” na Ilha de Santa Catarina, onde
se localizava a cidade de Nossa Senhora do Desterro. Momento de crescimento do
44
SAINT-HILAIRE. Viagem á Província de Santa Catharina. Op.cit., p. 159-161. (grifo meu).
197
continente fronteiro com a instalação de colônias agrícolas de origem européia,
45
é
nesse período que Desterro apresentou um representativo crescimento populacional,
agrícola e urbano e, com esse, um expressivo desenvolvimento comercial. Também é por
volta de meados do século XIX que a administração municipal de Desterro forma a
outras preocupações relacionadas à ordem pública, como as ruas que, até 1843, não traziam
indicação de seus nomes. Nesse ano a presidência da Província mandou demarcá-las com
letras pintadas diretamente nas paredes. O mesmo se fez com a numeração das casas, porém
não surtiu o efeito esperado. Em 1866 o governo instituiu o sistema de placas numeradas e
o número de casas computado no centro de Desterro foi de 1.350. Essa medida de
demarcação por placas foi revogada pelo presidente da Província sob o argumento de que
seria menos eficiente que o método anterior.
46
Tais questões de urbanização e desenho
urbano, além das analises do mundo natural e do grau de desenvolvimento local, foram
pontos em que os viajantes estrangeiros deixaram suas observações. Essas memórias de
viagens, interessantes sim, mas muitas vezes extravagantes e deturpadas, servem mais
como “ponte” para conhecermos a “idéia” que os europeus aqui de passagem tinham do
Brasil do que propriamente da “realidade” urbana.
É a partir daí que entendemos que também ocorreram redefinições nos atributos de
lugares públicos, como nos “usos” dados ao mar e às praias da Ilha de Santa Catarina, por
exemplo. O que até então era local de pesca e ponto de despejo do lixo urbano, passa a ter
um caráter de saúde e lazer. O crescimento urbano e o enclausuramento” da cidade que
voltava suas casas para a rua e restringia o acesso à natureza, transformam as praias e
outros tantos pontos tidos como naturais em refúgios dessa nova vida urbana.
45
Foi em meados do século XIX que se fundam colônias com imigrantes de origem européia em
alguns pontos da Província de Santa Catarina, como Blumenau em 1850.
46
CABRAL, Oswaldo Rodrigues. História de Santa Catarina. 3. ed. Florianópolis: Lunardelli,
1987., p. 140.
198
As praias passam a figurar como locais de passeio e reabilitação, desde que
devidamente saneadas e tratadas. Por esse e outros exemplos percebe-se que o crescimento
do núcleo urbano levou muito em conta a “dominação” do que era entendido como natureza
selvagem. Isso poderia ser feito com a contenção de miasmas, o aplainamento de morros e
a drenagem de charcos, canalização de rios e a limpeza das praias. Tentativa de manter o
que há de “bom” na natureza por perto, mas com uma fronteira definida.
O valor terapêutico do mar tem, segundo Corbin, sua pré-história na Europa do
setecentos. Na “lógica de uma medicina dos contrários, fazia parte da tradição mergulhar
brutalmente nas ondas as vítimas de hidrofobia; nas praias, ouvia-se de vez em quando o
grito de raivosos contidos pelos braços vigorosos de banhistas benévolos”.
47
Essa visão
terapêutica do mar sedesenvolvida pelos médicos do século XIX, que, no máximo, irão
restringir os horários de sol a pino ou locais próximos a encontros de água doce com água
salgada, para que essa não perdesse suas propriedades curativas. Tudo isso, afirma Corbin,
se porque a invenção da praia acompanha a descoberta das virtudes da água do mar. A
climatologia neo-hipocrática inspira os médicos tanto quanto a antiga balneoterapia. A
figura da praia salubre constitui desde então um volumoso capítulo da topografia médica
que se forma no Ocidente”.
48
Essa importância do mar também pode ser observada no
século XIX no Nordeste brasileiro. Os rios que antes cortavam os ricos e férteis solos da
região e eram locais de lazer das famílias abastadas da região, por onde canoas circulavam
com mercadorias e pessoas também cedeu lugar aos encantos do mar. Segundo Gilberto
Freire,
Pouca gente acredita que o passado dos rios do nordeste tenha sido tão
bonito e tão ligado á nossa vida sentimental. Mas foi. A água nobre é
hoje a do mar - esse mar nuns lugares tão azul e noutros o verde que
banha as areias do Nordeste. Yemanjá mesma não é adorada pelos
47
CORBIN, Alan. O Território do Vazio: a praia e o imaginário ocidental. São Paulo: Cia da
Letras, 1989., p. 77.
48
Ibid., p. 82.
199
pretos de xangô na água dos rios mas principalmente na água do mar.
E entretanto faz pouco mais de um século que essas praias illustres não
eram sinão immundicie. Faz pouco mais de um século que nellas se
fazia atirar o lixo e o escremento das casas; se enterar negro pagão; se
deixar bicho morto;se abandonar esteira de bexiguento ou lençol de
doente da peste.
49
Em Desterro, especialmente na primeira metade do século XIX, as praias ainda
eram locais exclusivos de despejos, o que não era visto como um problema por autoridades
e moradores, desde que fossem seguidas algumas regras, uma vez que a praia até então não
havia sido associada à saúde, era sim um ponto limiar entre terra e mar, uma fronteira entre
o habitável e o desconhecido, pendendo mais para este. Prova disso é o Código de Posturas
Municipal que, ainda em 1830 cuida de promulgar leis sobre o modo de dispor das
“immundicies”, indicando que “as águas sujas que pudessem exhalar miasmas pútridos e
infectar o ar não fossem lançados à rua, mas, juntamente com os detritos dos cortumes, para
não infectar a atmosfera, jogados no mar”.
50
Muito lentamente essas práticas vão se
alterando. Em fala de 1849, o então presidente da Província Severo Amorim do Valle
justifica a necessidade imediata de transferir a
sujíssima cadeia que ficava nos térreos da Câmara, da praça que
ostentava as mais importantes edificações da cidade, sendo rodeada das
mais belas propriedades [e que] dela saem diariamente despejos que o
lançados na mesma praia que faz frente esse edifício [o novo Mercado] e
onde aporta o peixe, a carne e todos os generos comestíveis.
51
Aliado a isso, o código de posturas de 1845 indicava algumas proibições e
multas relacionadas à higiene. Como o artigo 15, capítulo que estipula multa de 4$ réis
49
FREYRE. Gilberto. Nordeste: aspectos da influencia da canna sobre a vida e a paizagem do
Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1937., p.67.
50
CABRAL, O.R. Memória histórica, authentica, sincera, pictoresca e sentimental da Villa,
depois cidade de Nossa Senhora do Desterro da ilha de Sancta Catharina, dos casos raros
alcunhada: memória. Florianópolis: UFSC, 1971. v. 1., p. 169.
51
VALLE, Severo Amorin. Falla do Presidente de Província dirigida à Assembléia Legislativa de
Santa Catarina, 1º de março de 1849. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.
200
para os que prejudicarem, de qualquer forma, as fontes públicas. Em caso de
reincidência a multa seria dobrada. Outro artigo com termos semelhantes era o número 20,
capítulo 2º, que proibia qualquer curtume nos limites da cidade.
52
Mais tarde, em 1864, João Ribeiro de Almeida em seu Ensaio sobre a
salubridade, estatística e pathologia da ilha de Santa Catarina..., já associava, diretamente,
questões de saúde ou doença com saneamento e higiene. Um dos pontos mais debatidos
pelo autor é a associação da água poluída de riachos e fontes com as doenças da
população.
53
Nos anos seguintes novas regras surgiram para “controlar” a insalubridade de
Desterro e algumas delas vem no Código de Posturas municipal de 1888. Em seu 54,
capítulo 2º, “permitia lançar a praia [o lixo] a qualquer hora; as águas servidas e as fezes, só
a noite, das 10 horas até o alvorecer, as 5”.
54
Essas medidas tinham função muito mais de
poupar os olhos que, propriamente, amenizar ou resolver o problema da poluição. Quando
se restringia os horários noturnos do despejo de matérias fecais preservam-se as pessoas
(não os escravos, pois eles eram os responsáveis pelos despejos) de ver o fato ocorrendo e
não as praias e o mar desses dejetos. Outro ponto importante diz respeito ao cheiro, pois se
acreditava muito mais em contaminação por odores que por contato, os tão propagados
miasmas.
A segunda metade do século XIX é um período em que novas teorias sobre
contaminação e doenças começam a tomar corpo. Os miasmas ainda o temidos, mas
surgem também as preocupações com a contaminação pelo contato físico. Desterro foi
profícua em críticas sobre o saneamento básico e os problemas de um processo de
52
Código de Posturas da Câmara Municipal da Capital da Província de Santa Catarina.
Nossa Senhora do Desterro, 10 de maio de 1845. Artigos 15 e 20, capítulo 2º., p. 212-213.
53
RIBEIRO DE ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da Ilha
de Santa Catarina e em particular da cidade de Desterro. Desterro: Typ. de JJ. Lopes, 1864., p.
41
54
Código de Posturas da Câmara Municipal da Capital da Província de Santa Catarina.
Nossa Senhora do Desterro, 10 de maio de 1845. Artigos 54, capítulo 2º., p. 14.
201
urbanização sem controle ou sem preocupação com a natureza. O jornal O Argos em
matéria de 09 de janeiro de 1862 faz uma crítica veemente às autoridades desterrenses
sobre o estado da praia do Mercado; lamentando-se por saber que está a “clamar no
deserto”, o jornal questiona a Polícia Municipal na pessoa do Fiscal da capital sobre o
porquê de não tomar providências no caso da citada praia, “onde o público transita desde o
romper do dia até quase o escurecer (em abundância as matérias fecais) de mistura com
arêa; as exalações fétidas que ali se respiram o excessivamente incomodas”.
55
Até que
ponto as críticas do jornal eram dirigidas ao problema da poluição ou, ao invés disso, à
pessoa do Fiscal da capital não podemos saber, mas o fato de uma questão sócio-ambiental,
ligada ao saneamento básico, ser tema de reportagens é significativo para percebermos as
mudanças de mentalidade que vinham ocorrendo, ao menos em alguns segmentos da
sociedade.
Essa “nova” qualidade atribuída às praias traz à tona uma característica da cidade
de Desterro e de muitas outras cidades litorâneas do Brasil nesse período. Os problemas
ligados à falta de são motivo de preocupação para muitos habitantes locais e visitantes
ocasionais especialmente a partir da segunda metade do século XIX. Essa preocupação
tomou a forma de um ensaio escrito por João Ribeiro e Almeida, Primeiro Cirurgião da
Armada, baseado em relatório sobre o estado sanitário da província, de 30 de setembro de
1863 e publicado em 1864. Sob o título de Ensaio sobre a salubridade, estatística e
pathologia da Ilha de Santa Catharina e em particular da cidade de Desterro, o autor
demonstra uma bem fundada preocupação acerca das conseqüências das práticas anti-
higiênicas tão comuns à população da cidade de Nossa Senhora do Desterro.
Atribuindo às “condições naturais” de uma ilha muitos dos problemas de
insalubridade, o autor reconhece certo grau de verdade nas palavras um tanto quanto
55
CABRAL. O. R. Memória histórica..., Op.cit. p. 174.
202
exageradas do então presidente da Província de Santa Catarina, Dr. João José Coutinho,
quando, em sua fala de 1854, dizia que “a cidade de Desterro é inteiramente imprópria para
habitação humana”.
56
Diferente da maioria dos autores desse período, João Ribeiro de Almeida contraria
a idéia de que os miasmas são os responsáveis maiores pelas doenças. Usando como base
os obituários de 01 de julho de 1862 até 30 de junho de 1863 e uma lista de doenças que
causaram mortes nesse ano, elaborou uma ligação entre a sujeira espalhada pela cidade,
resultado do hábito comum de ver a rua como ponto de descarte do que não tem mais uso
de móveis velhos à restos de comida e águas sujas - com as doenças.
Segundo o autor, o contágio se dava pelo contato desses dejetos com a água usada
para beber, cozinhar, lavar roupas e limpar as casas, do próprio contato das pessoas com a
sujeira, aliada a maus hábitos de higiene pessoal, muito mais que pelo mau cheiro da
cidade, que já nem era percebido pela população, tão acostumada esta estava. Somando-se a
isso, questionava se a quantidade e a qualidade dos alimentos consumidos em Desterro era
suficiente e apropriada, além de um levantamento do consumo de pão e carne únicos
possíveis de serem controlados devido aos registros de entrada e saída do Mercado Público
e do abatedouro municipal - e uma crítica à impossibilidade de saber da circulação de
outros bens de consumo locais em virtude da fiscalização efêmera sobre as carroças e
canoas que rodavam entre a cidade e o campo e entre os portos próximos.
Porém, o texto não descarta algumas pré-condições geográficas e climáticas como
sendo um estímulo” à proliferação de alguns males. O fato de se tratar de uma ilha traz
56
COUTINHO, João José. Falla do Presidente de Província dirigida à Assembléia Legislativa de
Santa Catarina, 1º de março de 1854. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.
203
consigo o que o autor chama de “qualidade da athmosfera marítima”.
57
De acordo com
Ribeiro de Almeida,
é devido em grande parte, a isso, que a humidade é tão considerável na
Ilha e particularmente na cidade de Desterro, a ponto de impregnar tudo,
objetos inanimados ou seres vivos, em lugar recluso ou ao ar livre.
Semelhante estado hygrometrico não pode deixar de contribuir
poderosamente para a produção de moléstias.
58
Além da “atmosfera”, os solos da Ilha, por sua propriedade “argilosa e por uma
camada pouco considerável de terra vegetal; o sub-solo é sempre granítico (...) devendo-se
assim prestar-se bem mal a infiltração das águas, as quaes por isso mesmo estagnarão”.
59
Essa constatação por parte do autor serve como justificativa para o grande número
de “affecções palustres” registradas nos moradores da Lagoa da Conceição. Outra
conseqüência dos malefícios causados pela água estagnada está no artigo 16, capítulo 2º, do
Código de Postura da Câmara Municipal de Desterro de 1845, que “determina aos
proprietários o prompto dessecamento dos pântanos, que existião em seus terrenos...”,
60
do
contrário poderiam ocorrer também acidentes com animais como os registrados entre a
rua do Passeio e a do Matto Grosso onde existia um imenso pântano.
Essa instrução aos proprietários também foi adotada, gradativamente, pelas
autoridades locais no que se refere aos pântanos e charcos da cidade. A facilidade da
extração de madeiras desses locais pela proximidade do centro urbano e o transporte para
os cortumes e engenhos da área, contribuíram par a expansão da cidade caso da região da
Praia de Fora e da Praia do Menino Deus, respectivamente ao norte e ao sul da cidade,
originalmente locais pantanosos. No caso dos aterros, tão comuns em áreas urbanas
57
RIBEIRO DE ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da Ilha
de Santa Catarina ... Op. cit., p. 34.
58
RIBEIRO DE ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da Ilha
de Santa Catarina ... Op. cit., p. 34.
59
Ibid., p. 38.
60
Ibid., p. 39.
204
litorâneas como o Rio de Janeiro, Desterro tem seu primeiro plano de aterro registrado
em mapas do Exército em 1846 e referia-se a área que ia da praça central rumo ao sul, até a
altura da praia do menino Deus, demonstrando, apesar de o projeto não ter se
concretizado até a última década do século, as “necessidades” de expansão urbana.
4.4
O Mapeamento da Insalubridade em Desterro
Paralelamente ao desenvolvimento de uma “consciência higienista” sobre o meio,
práticas de higiene relacionadas ao corpo também se aprimoraram e se modificaram.
Anteriormente, durante os séculos XVI e XVII, a limpeza corporal de imersão estava
associada ao perigo. Isso se deu em função da crença de que a pele era permeável e a água
seria um facilitador da penetração dos ares infecciosos e com eles de doenças,
especialmente a peste que assolava a Europa nesse período.
É que, além do temor dos contatos, muitos outros medos em jogo
entre outros, os medos de uma fraqueza dos invólucros corporais. Trata-
se de denunciar a porosidade da pele como se inúmeras aberturas se
tornassem possíveis, as superfícies sendo frágeis e as fronteiras
duvidosas. Além da simples recusa das contigüidades, impõe-se uma
imagem muito específica do corpo: o calor e a água apenas engendrariam
fissuras, e a peste, enfim, bastaria introduzir-se por elas.
61
Apenas no final do século XVII, o banho começa a ser indicado como tratamento
medicinal em alguns casos. Segundo Vigarello, foi durante o século XVIII que,
vagarosamente, a água foi reintroduzida na limpeza corporal, que até então era baseada na
esfregação e no uso de pós. A imersão também passou a ser aplicada, porém, o novo
costume se restringia à elite. Era uma novidade. A nova prática tinha funções variadas,
61
VIGARELLO. O limpo e o Sujo... Op. cit., p. 110.
205
enquanto o banho quente teria efeito relaxante, a água fria reforçaria os sculos e os
vigores físicos.
62
Enquanto o banho frio começa a ser visto como terapêutico, as águas doces e
salgadas eram encaradas de formas diferentes. Textos como de Gilberto Freyre
indicavam tal variação: “o banho salgado é costume recente da fidalguia e da burguesia
brasileira que, nos tempos coloniais e nos primeiros tempos da independência, deu
preferência ao banho de rio. ‘Praia’ queria dizer então imundície. O rio é que era nobre”.
63
Porém, mesmo a água doce apresentava problemas. Em Desterro, a água usada
pela população provinha de três fontes: Fonte do Campo do Manejo, Fonte da Carioca e
Fonte da Palhoça. A água utilizada para beber, cozinhar, limpeza de casas e corpos vinha
dessas fontes. Muitas das doenças contraídas pelos moradores da Ilha também provinham
delas. A poluição das águas era uma realidade, apesar de algumas tentativas legais de
prevenção como o artigo 86 do Código de Posturas Municipal de 1845, em que eram
proibidos banhos nas praias e nas fontes, sob pena de multa aos livres e encarceramento aos
escravos que assim o fizessem. As fontes localizavam-se da seguinte forma: fonte da
Carioca nos fundos da cidade, à 6 (seis) braças da Rua da Carioca; fonte do Campo do
Manejo, localizada à oeste dos pés do Morro do Antão e a fonte da Palhoça que localizava-
se detrás do bairro da Figueira.
As três fontes eram formadas por olhos d’água que davam origem a rios e córregos
da Vila, como o Riacho da Pedreira e o Rio da Fonte Grande. Eram os primeiros pontos de
coleta de água que, seguindo seu curso, era usada para lavagem de roupas, construção de
chafarizes, limpeza das casas, o trato dos animais e demais necessidades da população.
62
ALMEIDA, Luciana Cristina de. “Nossa Senhora do Despejo” O lixo e a imundície em Nossa
Senhora do Desterro no fim do Império. (décadas de 1850, 1860 e 1870). 2003. Florianópolis.
Monografia em História. Universidade do Estado de Santa Catarina.
63
FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos. 12ª ed. – Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 224.
206
(Ilustração 07) Mapa de Desterro baseado na Planta Topographica da Cidade do
Desterro Levantada por Ordem e na Presidência da Província de Santa Catharina do
Ilmo. Exmo. Snr. Dor. Alfredo D’Escragnolle Taunay pelos Engenheiros Major Dor.
Antonio Florêncio Pereira do Lago e Carlos Othom Sehleppal. Anno de 1876
(08.01.1686 Acervo: Arquivo Histórico do Exército); VEIGA, Eliane Veras da.
Processo histórico de mutação da paisagem urbana da área central de Florianópolis:
1850-1930. Florianópolis, 1990. Mestrado em História UFSC; ALMEIDA, Luciana
Cristina de. “Nossa Senhora do Despejo” O lixo e a imundície em Nossa Senhora do
Desterro no fim do Império. (décadas de 1850, 1860 e 1870). 2003. Florianópolis.
Monografia em História. Universidade do Estado de Santa Catarina.
Obs: A linha pontilhada que acompanha o litoral corresponde ao atual contorno da Ilha
devido aos aterros.
Localização aproximada da Fonte do Campo do Manejo.
Localização aproximada da Fonte da Palhoça.
Localização aproximada da Fonte da Carioca.
Linha aproximada do primeiro projeto de aterro de Desterro em 1846.
Informação retirada da “Planta do Litoral da cidade de Desterro desde Rita Maria até a
Fonte do Menino
Deos”.(Acervo: AHEx)
207
Em artigo do jornal O Conciliador Catarinense de 17 de novembro de 1849, é
transcrito o relatório apresentado ao Presidente da Província pelo Capitão de engenheiros
João de Souza Mello e Alvin sobre as fontes públicas de Desterro. Mello e Alvin,
encarregado de executar um processo de nivelamento e ordenação dos cursos e olhos
d’água que abasteciam as fontes, fez uma descrição do estado em que encontrou tais fontes
e realizou testes de pureza de água. Os testes eram três: prova de dissolução de sabão,
cozimento de legumes em tempo considerado bil e chapa de cobre em que se analisavam
as manchas produzidas por pingos de água das fontes.
A situação de cada fonte descrita por Mello Alvin era a seguinte:
(...) Fonte do Campo do Manejo: esta fonte, que foi construída pelo
engenheiro civil Carpineti no anno de 1844, he provida por três veios
d’água que correm doze palmos pouco mais ou menos abaixo, do nível
do [mutilado] tendo origem no sobredito morro do signal. A agoa he
tirada por meio de uma bomba de roda, que exige não pequeno esforço;
na atualidade, porém, creio que por falta de torneiras, ou por outro
qualquer desconcerto, ninguém se serve dela. (...) Fonte da Carioca: Foi
edificada essa pelo referido Carpineti no anno de 1842,em uma baixada
nos fundos da cidade, e he alimentada por uma grande porção de olhos
d’agoa que estão pouco abaixo da superfície do terreno. A fonte está
situada a 6 braças ao norte da Rua da Carioca, que he a ultima que corre
na direção paralela a da praia que lhe fica ao sul. A sua arquitetura he
muito semelhante a do campo do manejo, e assim também as dimensões,
e como naquela, um pantano que a cerca e um riacho que a atravessa
(...) Ainda como na outra quem faz subir a agoa he uma bomba de roda,
cuja manivela esta da parte de fora entre duas torneiras, que, tendo
desaparecido, a actual Câmara mandou substituir por duas calhas de
madeira que igualmente já o existem. (...) a operação da chapa de
cobre foi favorável a pureza da agoa porquanto as gotas nella derramadas
deixaram leves indícios da sua existência. (...) Fonte da Palhoça: Por
detrás do bairro da Figueira, no lugar chamado – Palhoça – foi construída
essa fonte no anno de 1831, pelo cidadão Floriano José Vilella. Está
situada 40 braças ao Norte da rua do Senado, e consta de duas peças.
Depósito d’agoa e caixa de distribuição. [obras mal feitas segundo Mello
Alvim](...) Pela experiência que procedi tanto na agoa da caixa como na
do deposito, que he de nascente, conclui como sendo a agoa desta e
daquella, péssima (...).
64
64
MELLO ALVIN, João de Souza. Relatório apresentado ao Sr. Presidente de Província pelo Sr.
Capitão de engenheiros João de Souza Mello Alvin sobre as fontes públicas desta Capital. Jornal O
Conciliador Catarinense. 17 de novembro de 1849, pág. 02,03 e 04 col:01. Acervo Biblioteca
Nacional.
208
A conclusão do dito engenheiro foi de que “as agoas das três fontes publicas de
que se servem os habitantes desta capital, não são rigorosamente potáveis; e faltando-lhe
essa qualidade essencial, fácil hé reconhecer, o quanto devem ser prejudiciais a saúde”.
65
A questão da água é longamente discutida também por Ribeiro de Almeida. E um
dos tópicos que mais merecem destaque é o referente aos rios do centro da cidade. São três
os rios que correm no perímetro urbano de Desterro, dois deságuam na Praia de Fora, na
Baía Norte e um deságua na praia do ‘Menino Deos’, na Baía Sul. Este, chamado Fonte
Grande, em todo o seu curso serve de lavadouro publico. Tal fato é o causador de boa parte
da poluição do riacho e dos miasmas e doenças relacionadas à água contaminada na cidade
de Desterro. Para usar as águas do riacho em suas lavagens de roupas,
se torna preciso represar suas águas minguadas (...) fazendo-se um sem
número de pequenos charcos, em cuja superfície existe uma crosta (com
reflexos metálicos as vezes) proveniente da enorme quantidade de
materiais de toda a espécie, resultante da lavagem e dos despejos que se
fazem nas margens ou no próprio riacho. Essas matérias ficão em
suspensão ou em dissolução, o que torna as águas escuras e asquerosas.
66
Essas represas feitas pelas lavadeiras eram rompidas e as águas se renovavam
apenas em dias de enxurradas, “quando o mar remonta o curso do riacho” da Pedreira, o
que, segundo o autor, era tão ruim quanto a estagnação, haja vista a crença corrente de que
a mistura de água doce e salgada não era bom ou higiênico. Esse mesmo riacho foi
canalizado em seu trecho final pouco antes da ponte do Vinagre, para
“evitar inundações quando ele se assoberba com as chuvas; são essas águas
negras, lodosos e nauseabundas (...) vem desaguar na praia do Menino
Deos, praia que na vazante fica descoberta em grande extensão,
65
MELLO ALVIN, João de Souza. Relatório apresentado ao Sr. Presidente de Província pelo Sr.
Capitão de engenheiros João de Souza Mello Alvin sobre as fontes públicas desta Capital. Jornal O
Conciliador Catarinense. Op. cit., p. 2, 3 e 4.
66
RIBEIRO DE ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da Ilha
de Santa Catarina ... Op. cit., p. 41.
209
apresentando um fundo lodoso e infecto (...) [provocando]
decomposição dos sulfatos alcalinos da água do mar existente no lodo pelas
matérias orgânicas e formação do acido hydro-sulfurico, bem caracterizado
por seu fétido particular.
67
Essa realidade de rios urbanos responsáveis pelo abastecimento da cidade era
grave em Desterro, pois toda a porção central à oeste da Ilha, ponto onde se fundou a vila,
era banhada por rios de pequena vazão, dificultando a renovação das águas exceto em
dias de chuvas fortes. Existiam alguns rios e a Lagoa do Peri que apesar de serem
importantes fontes de água doce estavam localizadas em pontos mais afastados da Ilha e
nunca foram usados para suprir a escassez em função da ausência de obras de canalização
para tal. Em Desterro no século XIX usava-se apenas a água que estava próxima, se doce
para beber ou lavar roupas águas provenientes dos rios e córregos, - se salgada para
despejo de materiais inservíveis - água do mar , poluída ou não.
Os problemas de saneamento e falta de condições para a habitação são reforçados
ao se constatar de onde vem a água para o abastecimento da cidade. Os três chafarizes
públicos eram vistos como depósitos de água estagnada e, conseqüentemente, focos de
muitas enfermidades. Em relatório à Assembléia Provincial, na abertura de seus trabalhos
em 26 de março de 1871, o presidente da Província apresenta os mesmos chafarizes como
um dos grandes problemas da cidade:
é bem sensível a falta de boa água potável nesta Capital (...) Ainda
recentemente demonstraste a consideração em que tendes o bem estar de
vossos concidadãos a respeito de parte de suas necessidades, adotando a
lei 632 de 10 de maio de 1870, pela qual ficava a Presidência da
Província autorizada a conceber privilégio, a quem melhores condições
oferecesse para a construção de chafarizes. Apesar disso nada se há feito;
apenas se apresentou o Doutor Otaviano da Rocha, solicitando de meu
antecessor o privilégio, pretensão que foi logo retirada pelo mesmo, o
tendo até hoje nada solicitado. Em tal conjuntura, pois, julgo que deveis
autorizar a presidência a conceder esta empresa a outro que a isso se
proponha, pela maneira que mais convier aos interesses públicos, porém
67
RIBEIRO DE ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da Ilha
de Santa Catarina ... Op. cit., p. 41.
210
sem prejuízo do empresário; podendo conceder-se-lhe faculdade para
introduzir pennas d’água em casas particulares, repartições públicas, nos
chafarizes ou pilastras, mediante uma taxa correspondente à porção
d’água consumida, não sendo sujeita a taxa as pessoas indigentes.
68
Para piorar a situação, em 1860, se indicava o perigo de falta de água até para
abastecer os chafarizes já existentes e novas idéias de melhorias foram lançadas nos anos
posteriores, ao menos no campo teórico. Naquele ano a Câmara solicitou a tomada de
medidas
para diminuir o desmatamento do morro que envolve a cidade, pois ele
seria a causa da crescente escassez de água que afligia a população. Foi
nesse mesmo ano que o comércio de água se iniciou em Desterro. O
líquido era recolhido bem cedinho, em fontes particulares. Era coletado
por uma ou duas pessoas sem que o fundo da fonte fosse muito revolvido
e os sedimentos contidos no fundo sujassem a água. Somente em 1880 é
que se falou pela primeira vez em canalizar a distribuição de água.
Entretanto, a proposta de encanamento não foi levada adiante e, em 1887
ainda se vendia água pelas ruas.
69
Depois desse processo de coleta da água, ela era colocada em barris e transportada
em carroças pela cidade, sendo entregue de porta em porta aos interessados. O problema da
falta d’água preocupava os governantes vários anos, como mostra o relatório do
presidente da Província em 1849 que relata uma seca no ano anterior que atingiu todas as
fontes da cidade, inclusive poços particulares e o manancial do morro do Antão que
abastecia as carroças que vendiam água pelas ruas. Para prevenir o problema e impedir que
ele se repetisse foram solicitadas mais verbas para a construção de nova fonte.
70
68
GOUVÊA, Joaquim Bandeira de. Relatório que o Exmo. Sr. Presidente da Província de Santa
Catharina Dr. Joaquim Bandeira de Gouvêa dirige a Assembléia Legislativa Provincial no acto de
abertura de sua cessão ordinária de 26 de março de 1871. Jornal A Província: Folha Politica e
Noticiosa. Nº 37, anno 01 - pág. 01, col. 01 e 02. Acervo: Biblioteca Nacional.
69
ALMEIDA, L. C. “Nossa Senhora do Despejo” O lixo e a imundície em Nossa Senhora do
Desterro no fim do Império. (décadas de 1850, 1860 e 1870). Op.cit., p. 69-70.
70
VALLE, Severo Amorim do. Falla do Presidente de Província dirigida à Assembléia Legislativa
de Santa Catarina, 6 de março de 1849., p. 46-47. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd.
08/03/07.
211
Não a falta de água causava preocupações, mas também sua drenagem
quando as chuvas caiam com mais força pela cidade. Charcos podiam ser vistos nas ruas de
Desterro, pessimamente empedradas e que serviam como embaraço para curso das águas
pluviais. Até meados do século XIX, poucas ruas eram calçadas como o Beco do Quartel, A
Ponte do Vinagre e a Rua Áurea. Tal questão é repetidamente abordada por jornais locais
como O Despertador que, em matéria intitulada Reparos urgentes em Ruas, de 20 de
fevereiro de 1863, aludindo ao “dever de velar pelo bem público”, chama a atenção da
Câmara Municipal para o mau estado das ruas e pontes da cidade. Além de referências aos
problemas causados pelos espinhos das cercas estarem muito altos e dificultarem a
passagem, especialmente de transeuntes a cavalo, ou ao “desbarrancamento da estrada que
vai ter na freguesia de SS da Trindade (...) feito pelas últimas chuvas, o qual obstruindo a
vala lateral represa as agoas, e faz com que transbordem e deteriorem o transito”.
71
Essas
“observações” dirigidas pela imprensa à Câmara Municipal tinham por vezes um tom
irônico, como o parágrafo final da citada matéria que dizia achar conveniente a pronta
execução desses reparos caso contrário as ruínas irão aumentar e a Câmara terá despesas
maiores. Tais observações e críticas do jornal poderiam e talvez quisessem levar os leitores
a pensar que o descaso por parte dos administradores era tanto que a Câmara Municipal não
promoveu as obras de reparo da dita rua por desconhecimento sobre a possibilidade de o
problema aumentar.
Essa situação consegue ser pior em três bairros da cidade, a Toca, a Pedreira e
a Figueira, locais onde eram encontradas casas que, segundo Almeida, “eram inferiores as
senzalas dos pretos de certas fazendas”.
72
Indicados n a ilustração 08, esses bairros
71
Reparos urgentes nas Ruas. O Despertador. Desterro, 20 de fevereiro de 1863, nº11, p. 01.
Acervo: Biblioteca Nacional.
72
RIBEIRO DE ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da Ilha
de Santa Catarina ... Op. cit., p. 71
212
estavam localizados na parte sul, norte e leste de Desterro, ou seja, o centro da cidade
era cercado por pontos críticos no que se refere a focos de doença e problemas sociais, uma
vez que seus moradores eram desempregados ou subempregados, escravos de ganho,
negros forros e com toda sorte de pessoas pobres.
(Ilustração 08) Mapa de Desterro baseado na Planta Topographica da Cidade do
Desterro Levantada por Ordem e na Presidência da Província de Santa Catharina do
Ilmo. Exmo. Snr. Dor. Alfredo D’Escragnolle Taunay pelos Engenheiros Major Dor.
Antonio Florêncio Pereira do Lago e Carlos Othom Sehleppal. Anno de 1876
(08.01.1686 Acervo: Arquivo Histórico do Exército). VEIGA, Eliane Veras da.
Processo histórico de mutação da paisagem urbana da área central de Florianópolis:
1850-1930. Florianópolis, 1990. Mestrado em História UFSC; ALMEIDA, Luciana
Cristina de. “Nossa Senhora do Despejo” O lixo e a imundície em Nossa Senhora do
Desterro no fim do Império. (décadas de 1850, 1860 e 1870). 2003. Florianópolis.
Monografia em História. Universidade do Estado de Santa Catarina.
A Toca, assinalada no mapa acima por um círculo vermelho, estava situada na
encosta da montanha do Menino Deos e na praia que a circundava e era formada por
pescadores em sua maioria, o que agravava a situação, pois
213
na praia vê-se a cada passo immundicies, como nos outros dois bairros,
acrescendo detritos de peixes e de plantas marinhas, que vêm presas às
redes e atiradas depois à praia. Este bairro habitado por gente dada ao
trabalho, mas pouco amiga do aceio, é dizimado por todas as epidemias
que aqui apparecem.
73
A situação se agravava pela existência de uma vala ou canal que cortava o bairro e
tinha seu nascedouro no alto da montanha, sendo águas imundas e fétidas.
74
O caso do bairro da Pedreira é semelhante, porém pior, segundo o mesmo autor.
Circundado em azul na ilustração 08, era cortado pelo arroio da Fonte-grande e atingia o
ápice da sujeira a partir da Rua do Vigário até o mar.
O que ahi se é realmente inaudito; por toda a parte montes de lixo
estratificado; lagos de ourina podre em alguns pontos (na beira de um
riacho!); aqui e ali cadáveres dispersos de cães, gatos, ratos, galinhas e
em períodos mais ou menos avançados de putrefação; restos de tudo,
objetos putrescíveis ou não, tudo ahi se encontra (...).
75
Tal característica ou costume de jogar animais mortos por locais tidos como
isolados ou, no caso acima, em locais habitados por pessoas miseráveis, é corroborado pelo
trecho final do capítulo sobre águas de João Ribeiro de Almeida, quando o autor diz não ter
visto cadáveres de cavalos no bairro da Pedreira, mas tal fato era verificado “no caminho
que a Fortaleza de Sant’Anna, conduz à Praia de Fora; [onde] nuvens de urubus
esvoaçavam em torno, quando algum viandante aproximando-se os fazia largar a presa.”
76
O terceiro bairro citado por esse autor como sendo crítico em termos de higiene é a
Figueira, assinalado em amarelo na ilustração 08, que além de ser passagem das águas que
73
RIBEIRO DE ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da Ilha
de Santa Catarina ... Op. cit., p. 72 – 73.
74
RIBEIRO DE ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da Ilha
de Santa Catarina ... Op. cit., p. 73.
75
Ibid., p. 74.
76
Ibid., p. 74.
214
vem da fonte da Palhoça é o ponto de “habitação de grande parte das meretrizes da mais
baixa classe”
77
de Desterro, fazendo do riacho depositário de todas as imundices
provenientes dessa vizinhança.
Conseqüência dessas práticas de higiene pública eram as epidemias e moléstias
que se registravam na população local. Apenas no ano de estudo dos obituários citados pelo
autor, verificaram-se mortes por anemia, tétano, asma, tuberculose, sífilis, varíola, gripe,
coqueluche, meningite cérebro-espinhal e disenteria, esta última havia sido a causadora
de uma onda de mortes há alguns anos em Desterro.
78
E todas essas doenças tinham relação
direta ou indireta com a salubridade dos locais de moradia dessa população.
Que a situação, em meados do século XIX, era, no mínimo, instável quanto à
saúde pública, especialmente quanto à epidemias, era claro para o autor como para
jornalistas e viajantes estrangeiros, porém, o que não era aceito era o descaso e, muitas
vezes, desleixo por parte da administração da cidade. Exemplo disso são os
questionamentos do mesmo Ribeiro de Almeida sobre a inexistência de uma alameda de
árvores sequer em toda a cidade de Desterro. O fato de ser uma prática de baixo custo e
manutenção apenas deixa o autor mais indignado, pois “o que custaria o plantio e
conservação de algumas dezenas de árvores frondosas nas praias e praças?”.
79
Para
corroborar essa afirmação o autor se remete à Mr. Chevreud, cuja tese é de que “as
plantações (...) constituem um meio de tornar salubre e purificar o solo, pois que as árvores
não podem crescer sem que neles sorvão os materiais alteráveis, causa próxima ou remota
da infecção”.
80
Essa observação do autor já é uma referência aos passeios públicos e
jardinas botânicos existentes em muitas cidades européias e também no Rio de Janeiro, que
77
RIBEIRO DE ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da Ilha
de Santa Catarina ... Op. cit., p.. 75.
78
Ibid., p. 40.
79
Ibid., p. 77.
80
Ibid., p. 77.
215
seriam uma espécie de “pulmão” para essas cidades devastadas e urbanizadas ao
extremo e que perceberam a necessidade de algum contato com a natureza em sua forma
mais primitiva quando a tinham destruído, tendo que se valer de meios artificiais para
obtê-la.
muito mais tarde, por volta de 1896, quando o Mercado é retirado da Praça e
transferido para um local mais afastado, é que a vista da praia fronteira fica aberta e o local
recebe menos despejos. Aliado aos melhoramentos feitos no trapiche de desembarque do
porto que havia sido construído em 1874 e de um primeiro aterro nessa área frontal, o local
passou a ser área de recreio para famílias da cidade.
81
4.5
Espaço e Sociabilidade no processo de urbanização de Nossa Senhora do
Desterro.
É na segunda metade do século XIX que a cidade de Nossa Senhora do Desterro
passa por um processo de redefinição nos “usos” dados ao mar e às praias da Ilha de Santa
Catarina. Até então,
homens iam e vinham da pescaria e mulheres extraíam os moluscos e
crustáceos necessários à alimentação da família. O mar era, portanto,
lugar de trabalho. Ia-se à praia em busca da alimentação necessária à
sobrevivência, não para fins de banho de mar.
82
Esse novo
caráter de saúde e lazer seguia o exemplo do que vinha ocorrendo na
Europa, vagarosamente desde o início do século XVIII. Uma grande mudança após um
longo período de medos e precauções relacionados à água que surgiram ainda no século
XVI, quando a peste assolou o continente e costumes como o dos banhos públicos foram
81
CABRAL. Memória histórica..., Op.cit. p. 176-177.
82
FERREIRA, rgio L. O Banho de Mar na Ilha de Santa Catarina. Florianópolis: Ed. das
Águas, 1998. p. 20.
216
suprimidos. Com o crescimento urbano e o “enclausuramento” das cidades as casas
voltavam-se para a rua, criando muros imaginários ou não, que as isolavam das áreas ainda
“não dominadas” da natureza. Porém, isso despertou nessas populações urbanas a busca por
refúgios bucólicos, afastados dos odores e da “opressão” da cidade. As praias e outros
tantos pontos tidos como naturais tornaram-se, gradativamente, refúgios da nova vida
urbana, além de prováveis fontes de cura.
As mudanças no século XIX fizeram com que a idéia de que locais hoje
habitualmente vistos como blicos” e com fins conhecidos, tivessem seus conceitos e
atribuições definidos e ressignificados pela população de Desterro de um modo geral.
Jornais, Posturas Municipais, leis e decretos impulsionaram essas mudanças sociais, além
de agirem como mecanismos de controle e definição do que se podia ou não fazer em
determinados locais. Criou-se a idéia de cidade e capital de Província, centro convergente
de pessoas, idéias e novos costumes, e com isso normas que as pessoas e a cidade deveriam
seguir.
Para tanto, entende-se que houve um processo de redefinição de usos de locais
como praças, ruas e praias. Freqüentar a praça em horas tardias, circular pelas ruas sem
destino definido, ir às praias, não eram hábitos das pessoas ricas ou senhoras de família,
mais do que isso, não era um hábito “nobre”, como conseqüência, ao menos em parte, as
ruas eram precárias para os pedestres, a praça mal cuidada e escura e as praias locais de
despejos. Segundo Maria Alexandre Louzada, é importante considerar que não se está
perante qualidades intrínsecas do espaço, pois que essas qualidades são o resultado de
construções sociais e o produto de usos sociais”.
83
A idéia de “socialização” desses espaços
públicos estimulou algumas medidas tomadas em Desterro, especialmente após a metade do
83
LOUZADA, Maria Alexandre. “A rua a taberna e o salão: elementos para uma geografia histórica
das sociabilidades lisboetas nos finais do Antigo Regime”. In: VENTURA, Maria da Graça A.
Mateus (coord) Os espaços de sociabilidade na Ibero-América (séc. XVI-XIX). Lisboa: Edições
Colibri, 2004. p. 96.
217
século XIX, no que concerne a infraestrutura e dinamização dos possíveis locais de
encontro de “pessoas de bem” que viviam em uma cidade em crescimento e em contato
com as novidades do mundo. Esse contato, essa circulação de pessoas também era
considerado, segundo o médico Lima Santos em texto abordando o tema publicado no
Diário de Pernambuco em 1855, um hábito de higiene em vários pontos do Brasil.
Enaltecendo os hábitos dos Pernambucanos, comparativamente, o médico chamava a
atenção dos moradores da Bahia do Rio de Janeiro, especialmente os homens ricos, que os
sinais de distinção estavam no pouco se expor, ou no raro sair de casa. Isso era, ainda
segundo o autor, ruim para o corpo e para suas energias e contrário ao seu enrijecimento,
difícil em um clima tão quente e úmido.
84
Sennet considera que a palavra público” adquiriu o seu significado moderno no
século XVIII: “a vida pública passou a designar a vida social passada fora da família e dos
amigos chegados, o domínio público de contato entre conhecidos e estranhos”.
85
Isso foi
muito influenciado por novos códigos de civilidade e pelo impacto de instituições como a
polícia e a Igreja.
86
Essa afirmação de novas regras de comportamento foi moldada no
Brasil no século XIX para a vinda da família real com o crescimento urbano em torno da
corte. A nova regra de civilidade da sociedade patriarcal foi transferir o engenho para a
cidade na forma de sobrados suntuosos de frente para a rua. As regras do convívio elegante
passaram a incluir idas ao teatro, caminhadas nos novos passeios públicos inclusive das
mulheres – ou tomar a fresca na praia em horários apropriados em que o sol não castigasse.
84
LIMA SANTOS. Apud. FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos. 9 ed. Rio de Janeiro:
Record, 1996., p. 39, 40.
85
SENNETT, Richard. Carne e Pedra: O corpo e a cidade na civilização ocidental. Ed. Record,
RJ - SP, 1997.
86
LOUZADA, Maria Alexandre. A rua a taberna e o salão: elementos para uma geografia
histórica das sociabilidades lisboetas nos finais do Antigo Regime”. Op.cit., p. 96.
218
As praias que até então recebiam os despejos de lixo e águas sujas, além dos
corpos de animais, passam a figurar como locais de passeio e reabilitação, desde que
saneadas e tratadas. O crescimento da cidade levou muito em conta a dominação” da
natureza selvagem com a contenção de miasmas, o aplainamento de morros, a drenagem de
charcos, a canalização de rios e a limpeza das praias. Os ambientes suburbanos, tais como
sítios e chácaras, eram usados largamente como refúgios para a pressão das grandes
cidades na Europa e, no caso do Brasil, isso também já ocorria no Rio de Janeiro. A praia
veio somar-se a esses locais e passa a ser também em Desterro, em fins do século XIX,
como nessas outras cidades, um local de contato com a natureza em estado mais puro.
Pode-se comprovar isso com o surgimento das casas de praia ou, na própria cidade, das
casas com a frente voltada para o mar. Essas casas com caráter predominantemente urbano
localizavam-se especialmente na Praia de Fora, local distante do centro de Desterro, ligado
a esse pela Rua Esteves nior. Essa praia era ponto de encontro de famílias que além de
uma casa no centro da cidade possuíam propriedades na área que, geralmente, eram
compostas por chácaras ou sítios. As residências voltadas para o mar eram freqüentadas,
principalmente, no verão.
A iluminação da praça central, atual Praça XV de Novembro, e de ruas adjacentes
por lampiões, também na segunda metade do século XIX, foi outra medida tomada com o
intuito de “melhorar” locais da cidade, numa tentativa de ressignificar espaços. Tal medida
foi defendida na Câmara e em alguns veículos de imprensa como necessária para a melhor
circulação de pessoas e mercadorias e possíveis contatos e conversas entre elas, não
necessitando para isso esperar pelas noites de lua cheia. Aliás, a questão da iluminação
pública foi largamente discutida pela Imprensa, especialmente no que se refere ao
cumprimento ou não dos contratos de arrendamento. Esses contratos eram oferecidos em
editais públicos e arrematados geralmente por comerciantes locais que usavam escravos
219
para executar os serviços e os mantinham com verbas que a Câmara destinava para esse
fim. Geralmente, os arrematantes reclamavam das baixas verbas destinadas aos serviços.
Em 1853, a iluminação pública de Desterro ficou a cargo de Manoel Alves da Costa e teve
algumas alterações designadas pela Câmara com o intuito de abarcar um novo item da lista
de problemas urbanos que se tornava primordial: segurança. De acordo com o jornal
“Correio Catharinense” de 09/02/1853, a Iluminação Pública passou a compor-se de “65
lampiões, colocados nas esquinas ou nos lugares, onde prestando mais claridade facilitão o
trânzito do povo e da polícia”.
87
Dois anos depois o presidente da Província assinava
a contratação do Serviço de Iluminação a gaz com Vicente Nery por três
annos pela quantia de 5:600$000 reis annual, sendo os primeiros quatro
meses feita com azeite. A illuminação a gaz é por sem duvida mais
acceiada; não dão porem os lampiões atuaes tanta luz, como os antigos de
azeite, e se mais clara se acha hoje a illuminação he isso devida a limpeza
dos vidros, que se não embação como os antigos com o fumo do azeite.
88
O mesmo processo de melhoramento se deu com a praia fronteira ao Mercado que,
além de ponto de comércio, era o porto de entrada da cidade, como tal fazia-se necessário,
ao menos, torná-lo transitável. Para tanto, quando o Mercado foi reconstruído em um ponto
mais afastado da praça, em 1896, a vista da praia fronteira ficou aberta e a raia passou a
receber menos despejos, isso, aliado aos melhoramentos feitos no trapiche de desembarque
do porto que havia sido construído em 1874 e de um primeiro aterro nessa área frontal,
“capacitaram” o local a ser área de recreio para famílias da cidade.
89
Essas obras executadas eram apenas uma pequena parte da relação de obras
apontadas como necessárias para a cidade no que se refere ao estado sanitário e asseio. O
jornal Correio Catharinense listou esses problemas e os divulgou em seu 14 de
87
Iluminação Pública. Correio Catharinense jornal commercial, noticioso e literário, Nossa
Senhora do Desterro, 09 de fevereiro de 1853. Nº 13, p. 01, colunas 2 e 3. Acervo BN.
88
Falla do Presidente de Província. O Conservador, Nossa Senhora do Desterro, 08 de maio de
1855. Nº321, p. 03, coluna 03.
89
CABRAL, O.R. Memória histórica... Op.cit., v. 1.,p. 176-177.
220
16/02/1853, baseado no ofício de 24/02/1852 do presidente da Província. Entre as obras
estavam melhoramentos nas fontes da Palhoça, da Carioca e do Campo do Manejo com o
escoamento das águas que sobravam dessas fontes e se estagnavam em alguns locais da
cidade; encanamento das águas do Rio Fonte Grande e terrenos lactantes em toda a sua
extensão; encanamento por meio de valas das águas que nascem no fundo das chácaras e
que fazem frente à Rua do Passeio; desaguamento dos charcos localizados em terrenos
particulares do centro da cidade nominados no ofício -; dessecamento por meio de aterro,
em toda sua extensão da marinha, desde Sta Bárbara até a Rua da Toca e multiplicação dos
depósitos de água. Nesse ponto o ofício ressalta que a Câmara pode conseguir isso
fazendo
grandes depósitos ou tanques na falda do Morro do Antão, de sorte que
deságüem seguindo um curso, por meio de encanamento lido até tocar
perto da Rua do Vigário, onde facilmente se pode construir um
receptáculo, que sirva para chafariz, e se aproveitem as sobras das águas
para um lavadouro público.
90
Ainda faziam parte da lista o cercamento de terrenos não ocupados por muros
para evitar o acúmulo de lixo e imundices; mudança para local mais afastado da cidade do
hospital militar de Sta Bárbara; remoção do cemitério público para o lado sul da cidade ou
para leste; construção de uma cadeia ou remoção da atual, sendo indicado próximo ao
Campo do Manejo como local ideal e construção de alguns pequenos cais para despejos das
imundices, que eram jogadas nas ruas pelas janelas de algumas casas muitas vezes, como
alude reportagem de 1865
Despejos - A pedido da respectiva vizinhança, chamamos a atenção do
Sr. Fiscal desta cidade para que faça cessar o despejo de águas fedorentas
que se faz no largo do Palácio. Essas águas, segundo se diz, são deitadas
fora de um grande barril ou pipa que o morador da casa a que se alude,
90
Relação das obras mais necessárias n’esta cidade para melhorar seu estado sanitário, acceio, etc. a
que se refere o ofício da presidência de 24/02/1853. Correio Catharinense jornal commercial,
noticioso e litterario, Desterro, 16/02/1853. Nº 14, p. 01, colunas 1, 2 e 3. Acervo: BN.
221
conserva no pátio. Contra abusos semelhantes praticados em outros
largos e ruas temos tido muitos pedidos e reclamações
91
.
Isso continuava acontecendo, apesar de dez anos antes, quando de uma epidemia
de cólera que assustou a cidade, a Câmara ter construído três trapiches de madeira para que
os tigres fossem despejados o mais distante possível mar adentro; e, por fim, a reportagem
indicava a necessidade urgente do melhoramento das estradas do município.
92
Com relação ao último item da lista acima, o problema perdurou por longo tempo
e era quase um problema generalizado em Desterro. Vez ou outra, jornais noticiavam o fato
e reclamavam da falta de providências da Câmara. O Despertador, dez anos depois de o
problema ser oficialmente identificado e terem-se apontado soluções em documento oficial,
apresentou uma reportagem sob o título “Reparos Urgentes nas Ruas”, em que
chamou a tenção da Câmara Municipal desta cidade para o mal estado em
que se achão duas pontes na rua da Imperatriz, por cujo motivo está ella
quase intransitável. Os espinhos das cercas lateraes por muito altos,
tombam para a rua, e embaraçam o trânsito em diferentes lugares, A ponte
da rua do Mato –Grosso, na descida da aldeia do Dutra em frente dos
terrenos do falecido Caminha, e do Servita muito necessita de reparo pelo
estado ruinoso em que está. As cercas se conservam de modo que os galhos
dos espinhos se cruzam, e sem grande precaução dos transeuntes a cavalo,
não conseguem passar sem arranhões na cara ou rasgões no facto. Em
frente dos terrenos de Freitas Gomes, na estrada que vai ter na freguesia de
SS Trindade tem um desbarrancamento feito pelas últimas chuvas, o qual
obstruindo a vala lateral, repreza as agoas, e faz com que transbordem e
deteriorem o transito.
93
Sobre o cemitério, até 1841 o convencional era os sepultamentos no corpo das
igrejas ou o emparedamento nas mesmas por se tratar de edifício sagrado construído em
91
O MERCANTIL, Desterro, 18/06/1865. Apud MORGA, A . E. Práticas Afetivas Femininas em
nossa Senhora do Desterro no Século XIX. São Paulo, 1995. 186p. Dissertação (Mestrado em
História Social) - Universidade de São Paulo, SP., p. 70.
92
Relação das obras mais necessárias n’esta cidade para melhorar seu estado sanitário, acceio, etc. a
que se refere o ofício da presidência de 24/02/1853. Correio Catharinense jornal commercial,
noticioso e litterario, Desterro, 16/02/1853. Nº 14, p. 01, colunas 1, 2 e 3. Acervo: BN. op.cit.
93
LOPES J. R.. Reparos Urgentes em Ruas. O Despertador. Desterro, 20 de fevereiro de 1863.
11, Editorial, p. 01, coluna 01. Acervo: Biblioteca Nacional.
222
solo que também tinha esse caráter, daí a importância de ter a última morada nesse
local. Porém, nesse ano ocorreu uma epidemia que foi chamada de “febre cerebral” e cuja
causa foi atribuída aos miasmas provenientes dos corpos enterrados nas igrejas e que eram
aspirados pela população. O presidente da Província proibiu, em junho daquele ano, os
enterros de cadáveres no corpo das igrejas ou em catacumbas, sendo que os mesmos
deveriam ser sepultados no cemitério público, instalado no Morro do Vieira.
94
A cadeia
também era vista como um disseminador em potencial de odores e miasmas que poderiam
prejudicar os moradores locais e provocar epidemias, ainda mais por que muitas de suas
janelas haviam sido fechadas para aumentar a segurança e, conseqüentemente, impediu a
renovação eficiente dos ares de seu interior.
95
Esse argumento de transformar o centro da cidade em local “freqüentável” por
pessoas ditas “de bem” foi critério para influenciar a mudança de local da construção do
novo prédio da Alfândega que explodiu em 24 de abril de 1866. As discussões atrasaram o
início das obras da nova Alfândega em oito anos.
96
Esse ponto de entrada e saída de
produtos na Ilha e de sua fiscalização era local de trabalho de escravos e de toda a sorte de
“homens brutos”, portanto, era interessante que fossem afastados do centro e da praça para
que, desta forma, tais locais pudessem ser “melhorados”.
Essa constante construção e reconstrução da cidade como urbes” e como
“Civita”, como espaço e como política, é um ponto importante das “práticas” sociais de
Desterro, pois, de acordo com Omegna, isso se inscreve na própria idéia de cidade, que
não seriam as casas, as cabanas, os armazéns. É um espaço para as casas,
as famílias, mas é mais ainda, é a área para o ajuntamento civil, para os
comícios populares, para os câmbios da riqueza, para as decisões dos
94
ALMEIDA, L. C. Nossa Senhora do Despejo... Op.cit., p. 69-70.
95
Ibid., p. 70.
96
CABRAL. O.R. Memória histórica... Op.cit., p. 176-177.
223
órgãos do poder público, para os convívios humanos. A polis para a
vida política.
97
Quando nos referimos a essa cidade (urbes) e locais específicos na mesma, como
praças e ruas, estamos analisando a construção da idéia de espaço público, que não é uma
qualidade intrínseca do espaço.
98
Esse controle dos espaços era uma atuação que restringia os direitos tradicionais
de presença e de uso para formar e limitar a sua apropriação privada, transformando-as de
acordo com a nova noção de espaço público urbano.
99
Tal ordenação dos espaços públicos
passa pela definição do que são e para quem são destinados, como
órgãos essenciais à vida urbana [que] são a rua, a praça, o templo, o
mercado, o foro, o circo, o theatron (literalmente, “o logar em que se
olha... e se é olhado”), isto é, a cidade são os canais que levam o homem
à presença dos outros homens, e os recintos para todas as formas de
convivências que aplacam a angústia de ser só, a estreiteza de ser
particular e curam a sensação da insuficiência da casa, do círculo
doméstico e dão a oportunidade a que cada homem faça de sua vida uma
tangente de outras vidas.
100
Outra qualidade do espaço, segundo Simmel, “consiste em dividi-lo em partes para
o aproveitamento prático, partes que se consideram como unidades e tanto por causa
como por efeito disso estão rodeados de limites”.
101
Sempre concebemos o espaço que
um grupo social ocupa, seja ele um bairro, um Passeio Público ou praça como uma unidade
expressa e sustentada por tal grupo, é o grupo que faz o lugar e é feito por ele. Quando nos
referimos aos motivos da iluminação da Praça de Desterro estamos confirmando a idéia
97
OMEGNA, Nelson. A cidade colonial. 2 ed. EBRESA, Brasília, 1971. p. 08.
98
LOUZADA, Maria Alexandre. “A rua a taberna e o salão: elementos para uma geografia
histórica das sociabilidades lisboetas nos finais do Antigo Regime”. Op. cit., p. 96.
99
Ibid., p. 105.
100
OMEGNA, Nelson. A cidade colonial. Op.cit., p. 80.
101
SIMMEL, Georg. Sociologia: Estúdios sobre lãs formas de socialización. V.II. Madri: Biblioteca
de la Revista de Occidente, 1977. p. 649-650.
224
corrente da época que, ainda de acordo com Simmel, esse espaço, se freqüentado por
“pessoas de bem”, tornar-se-ia bom e bem visto por todos, portanto, seria freqüentável por
todos que não ferissem as novas normas de conduta, ou seja, esse novo local estava vetado
para trabalhadores e escravos.
102
O princípio “público” designa algo que é de todos ou ao menos que pode ser
usufruído por todos. Quando se cerceia a freqüência de escravos ou, mais ainda, de
trabalhadores do porto na Praça de Desterro ou a cerca com grades como ocorreu em fins
do século XIX, se está separando a idéia de cidadãos, se está atribuindo valores a pessoas e
com isso, designando o que umas e outras podem fazer. Isso é uma clara forma de, no
âmbito social, exercer um tipo de função policial. Essa criação de limites é,
comparado con la naturaleza, [...] arbitrario, aun en el caso de las islas;
pues en principio, el mar puede ser también objeto de posesión.
Precisamente, el no depender del espacio natural pone de relieve el poder
formal de la cohesión social y la necesidad interna que satisface por la
determinación precisa del límite físico, una vez puesto. Por esa razón,
acaso sea mayor la conciencia de la delimitación, no frente a los llamados
límites naturales (montañas, ríos, mares, desiertos), sino justamente
frente a los mites meramente políticos, que no hacen sino trazar una
línea geométrica entre los vecinos.
103
Esses limites que Simmel classifica como “acontecimentos espirituais ou
sociológicos”, quando transformados em linhas do espaço, sua relação mutua adquire
claridade. Isso pode ser algo negativo ou positivo, mas nunca deixa de ser rígido. Tal
claridade, segurança e rigidez “no les son dadas cuando la coincidencia o separación de las
fuerzas y derechos no se ha proyectado aún en forma sensible, y se halla, por tanto, por
decirlo así, en estado naciente”.
104
102
SIMMEL, Georg. Sociologia. Op. cit., p. 650.
103
Ibid., p. 650
104
Ibid., p. 654.
225
Esses limites também podem ser observados através de normas, regras de
conduta ou normatização do espaço urbano. Além da ordenação das ruas com nomes que
designavam atividades e que, segundo Gilberto Freyre, tinham um caráter sindicalista ou
medievalista, indicando negócios como Rua dos Ourives” ou Rua da Quitanda” ou
procedências como “Rua dos Judeus” ou “Rua dos Ciganos”. A numeração das casas
também é um exemplo dessa normatização e, de acordo com Simmel,
significa la fijación espacial, propiamente dicha, de los individuos,
haciendo que estos puedan encontrarse con un procedimiento
mecânico.”
105
Essa ordenação espacial, que remonta da tradição medieval
de dar nomes próprios às casas, “produce una sensación de
individualidad local, evoca la idea de su pertenencia a un mundo espacial
‘cualitativamente’ determinado.
106
Ainda referindo-se a Desterro, podemos analisar a redefinição de usos ou hábitos
locais ao observarmos as mudanças nas posturas municipais no que se refere aos despejos.
A própria palavra postura que, de acordo com Murillo Marx, sempre foi usada, no âmbito
das cidades, como sinônimo de ordenação do espaço e das pessoas, defina horários para tal
prática.
Tal decisão respondia as críticas da imprensa local sobre o saneamento básico e os
problemas de um processo de urbanização sem controle ou sem preocupação com a
natureza. O jornal O Argos, em matéria de 09 de janeiro de 1862, fez uma crítica veemente
às autoridades desterrenses sobre o estado da praia do Mercado. O jornal questiona a
polícia municipal na pessoa do Fiscal da capital sobre o porquê de não tomar providências
no caso da citada praia.
107
105
SIMMEL, Georg. Sociologia. Op. cit., p. 667.
106
Ibid., p. 666.
107
CABRAL. Memória histórica... Op.cit., p. 174.
226
Essas constantes separações e entrelaçamentos da cidade como espaço físico e
da cidade como “teatro” social observado em Desterro, em especial em sua área central que
definia o centro da capital da Província de Santa Catarina, é um reflexo das construções do
espaço público urbano que, no Brasil, e mais especificamente em Santa Catarina, ocorre no
século XIX. Diferente das cidades européias ou mesmo do Rio de Janeiro, que tinham
conceitos definidos, e redefinidos corriqueiramente, sobre espaços físicos e suas funções
sociais no âmbito do urbano.
A antes rural e praticamente isolada cidade passa a ter um porto mais
movimentado e com isso um comércio em crescimento. Exportações de café, amendoim,
açúcar e, principalmente, farinha de mandioca para o Rio de Janeiro e Províncias do Prata
traziam, além de dinheiro, informações e novos costumes. Surgiram sobrados na Rua
Augusta (atual João Pinto), na Rua do Príncipe (atual Conselheiro Mafra) e na Praça
Central. A Desterro do último quartel do século XIX tinha seu centro assobradado, sua
praça arborizada e harmoniosa, convidativa para passeios. Outros espaços de lazer foram
sendo construídos como o Teatro Santa Isabel em 1875, a Biblioteca Pública, o Atheneo
Provincial, além de cafés e confeitarias que eram pontos de encontros e conversas. Os
limites urbanos de Desterro contavam, em 1876, com oito igrejas, seis sobrados
particulares e sete edifícios térreos também particulares, sete edifícios provinciais e
municipais (um desses era o cemitério católico), sendo dois deles sobrados, dois hospitais,
um cemitério evangélico, duas lojas maçônicas e 1.751 prédios urbanos, sendo desses 126
sobrados e 1.625 térreos.
108
Nesse mesmo mapa o autor enumerou setenta ruas, becos,
108
TAUNAY, Alfredo D’Escragnolle. Planta Topographica da Cidade do Desterro Levantada
por Ordem e na Presidência da Província de Santa Catharina do Ilmo. Exmo. Snr. Dor. Alfredo
D’Escragnolle Taunay pelos Engenheiros Major Dor. Antonio Florêncio Pereira do Lago e Carlos
Othom Sehleppal. Anno de 1876. Op. cit.
227
travessas e largos no perímetro urbano de Desterro, além de oito chácaras, um engenho,
uma fábrica de sabão e um estaleiro.
109
Somando-se a isso havia os avanços industriais e mecânicos que levaram
iluminação para as ruas e praça e um comércio que atraia pessoas, muitas delas senhoras de
“boa família” que passaram a andar pelas ruas. Enfim, os espaços urbanos passaram a ser
espaços de socialização. A vida saiu de dentro das casas e foi para a rua e para a praça.
Uma grande “rua de mão dupla”, em que pessoas moldavam os espaços e eram moldadas
por eles, os ressignificando e sendo por eles ressignificadas.
109
Ibid.
228
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta tese buscou analisar, sob a ótica da história ambiental, o surgimento de práticas
e experiências vinculadas ao desenvolvimento de novas relações entre humanos e não
humanos, trabalhados muitas vezes e por longo tempo como elementos opostos e
separados. Não raro, e por muitos anos foi assim, os historiadores não perceberam ou não
desenvolveram seus trabalhos considerando a presença do meio ambiente na construção dos
espaços urbanos, no desenvolvimento da agricultura e em muitos hábitos sociais. Essa
ampliação nas investigações históricas designada de “história ambiental”, segundo Worster,
incorpora a presença da natureza na vida das sociedades, estudando a interação entre
estruturas biofísicas, modos de produção e formas culturais.
110
A natureza ou tudo que não é produto direto da ação humana também tem
influência nas decisões tomadas, uma vez que o solo, o clima ou o fornecimento de água
são alguns dos alicerces de uma sociedade e ela se forma em locais onde esses itens são
favoráveis ou em contrário, quando existe tecnologia para adaptá-los.
Essa também foi uma característica da formação da sociedade na Ilha de Santa
Catarina. O local de instalação da vila e depois cidade de Nossa Senhora do Desterro era
um ponto estratégico de defesa portuguesa ao sul do Brasil e essa condição geográfica
privilegiada foi o primeiro passo para a criação de uma comunidade. Foram considerados
também outros elementos como o melhor local da Ilha para a instalação da vila, qual seja o
mais próximo do continente, com fácil abastecimento de água potável, de lenha e madeira,
além de ser plano e aprazível na medida do possível. Diferente de algumas opiniões que
indicavam o local como um paraíso, a Ilha também tinha características consideradas
110
WORSTER, Donald. Para fazer história ambiental. Estudos Históricos. Op. cit., p. 198.
229
problemáticas para o “florescimento” de uma cidade como os mangues próximos que,
apesar das madeiras fáceis de serem derrubadas e utilizadas, também eram focos do que era
considerado o grande mal do período: os miasmas causadores de doenças. Essa e outras
características entendidas como negativas demandou um longo processo de adaptação e
transformação da natureza local com a adequação de muitas áreas para os padrões tidos
como ideais ou minimamente aceitáveis para a sobrevivência e progresso de uma sociedade
civilizada.
Ao considerarmos as limitações e influências ambientais impostas pela
insularidade percebemos com mais clareza a relação mantida entre o homem e o meio
natural nessa constante adaptação e readaptação, sendo essa a linha que procuramos seguir
no desenvolvimento do trabalho. A própria divisão do texto em três grandes temas que,
apesar de fazerem parte de um mesmo conjunto analítico, foram estudados e apresentados
de forma separada na tentativa de lançar vários focos de luz sobre um mesmo objeto,
trazendo a tona novos ângulos de observação.
A partir disso consideramos o desmatamento, o aproveitamento das madeiras
extraídas, a terra limpa e a produção agrícola e os núcleos urbanos em constante
crescimento, como partes de um grupo de projetos e idéias de civilização que ultrapassaram
as questões econômicas ou políticas que visavam a ocupação estratégica do território e a
extração de recursos desse mesmo território. A amplitude da questão do desmatamento em
primeiro lugar, reside no fato de compreendermos a riqueza cultural da Mata Atlântica que
estava sendo devastada. Muito mais do que espécies vegetais e animais, a Mata Atlântica
era permeada de símbolos e utilidades que lhe foram atribuídos durante séculos por
diversas populações indígenas que nela viveram e dela tiraram muitas de suas referências
culturais. Além da destruição da flora e da fauna, o impacto da instalação de vilas e cidades
nas clareiras obrigatoriamente abertas na mata para recebê-las, implicou na destruição de
230
muitas informações sobre espécies, clima, solo e a própria sobrevivência dos grupos
humanos que a habitavam. Porém, muito mais que aquilo que foi destruído para
produção de açúcar, café ou farinha de mandioca, no caso específico da Ilha de Santa
Catarina, para a urbanização ou mesmo para o próprio aproveitamento da madeira,
procurou-se analisar o que foi construído a partir desse processo que, creio deva ser mais
corretamente entendido como uma transformação. Hábitos, alimentos, arquitetura, animais,
enfim, o dia-a-dia foi permeado pelas reações do ambiente frente à ocupação humana e essa
dinâmica, esse caminho de mão dupla é que nos leva à história da Ilha de Santa Catarina.
Penso que o entendimento dessas transformações ambientais locais como fazendo
parte de um processo social e cultural, além de econômico e/ou político, amplia o
entendimento da historia ilhoa. Certo é que tais transformações foram parte das causas e
das conseqüências da colonização e dos ideais de progresso do período.
Esse “processo civilizador” tinha a Europa como horizonte almejado, no entanto,
a “modernidade” não suplantou os recursos naturais brasileiros, ainda considerados nossa
maior riqueza e dos quais se deveria dispor com mais sabedoria, idéia recorrente entre
intelectuais brasileiros desde o século XVIII, segundo Pádua. Isso vinha associado em
textos, leis e à críticas ao mau aproveitamento dos recursos naturais brasileiros, prática que
parecia ser uma “repetição” do exemplo europeu que, em decorrência do “apenas tirar da
terra sem nada devolver”, provocou o que entendia-se ser o esgotamento do solo e a
carência de novas áreas virgens.
O paradigma de progresso passava, necessariamente, por transformações
econômicas e sociais, aliás, era um progresso seletivo e voltava-se muito mais para a
modernização do campo que da cidade ou da indústria. Nesse sentido, as questões
ambientais raramente foram debatidas de forma individual, ao contrário, faziam parte de
análises mais amplas, em que a agricultura, a política e as conseqüências econômicas destas
231
davam o tom. Ainda segundo Pádua, “os problemas ambientais estavam inseridos no
conjunto dos problemas estruturais que afetavam o país”.
111
O fato de trabalharmos com o espaço restrito de uma ilha e considerarmos os
limites “naturais” no que tange à expansão de área cultivável ou urbanizada e de cobertura
florestal, deixou mais definidos os pontos de analise e seu entrelaçamento, mostrando que
nenhum deles esteve isolado no tempo e no espaço. Considerando esses pontos, passamos
por questões como a fortificação da Ilha contra invasões estrangeiras e a colonização
programada por emigrantes europeus no primeiro capítulo, a real ocupação do território e
sua divisão em lotes coloniais no segundo, o desenvolvimento da agricultura e o
crescimento urbano e comercial nos capítulos três e quatro respectivamente, separando
esses elementos e realizando uma reavaliação de alguns conceitos a muito repetidos da
colonização local.
Não é propriamente um modelo para a análise dos acontecimentos, mas a intenção
durante toda a pesquisa foi ressaltar alguns elementos que creio, devem, necessariamente,
fazer parte dos estudos sobre a história local e que não constaram das opções metodológicas
dos historiadores por muito tempo. Entre eles o papel das florestas no processo de
transformação social e cultural de uma região, além dos valores atribuídos aos recursos
naturais, qual o grau das intervenções humanas na natureza local e as influências dessa
natureza na sociedade.
Observando novos ângulos de um mesmo prisma espero ter conseguido
dimensionar melhor a natureza ilhoa e o processo de transformação dela durante o período
em questão. Esses ângulos analisados separadamente são em verdade a mesma coisa: “a
história da Ilha de Santa Catarina no século XIX”. Porém, vistos individualmente,
111
PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição - pensamento político e crítica ambiental no
Brasil escravista (1786-1888). Op.cit., p. 283.
232
permitiram uma analise mais ampla e, justamente por isso, pode-se chegar a conclusão
que floresta, agricultura e cidade são facetas do mesmo objeto.
Ainda falando da natureza local, os próprios usos que lhe foram atribuídos
esclarecem muito das necessidades da época e dos conceitos de progresso, paisagem e
cultura. Podemos observar essas novas práticas analisando as primeiras tentativas de
povoamento, o edital de convocação de imigrantes no arquipélago dos ores e na Ilha da
Madeira e a instalação de imigrantes de origem européia. Essas pessoas, vindas com o
objetivo de ocupar e transformar a terra em uma nova e “controlada” porção do território do
Brasil, fonte de renda e recurso para a coroa portuguesa adaptaram o novo ambiente a suas
necessidades e se adaptaram a muitas características desse mesmo ambiente. A partir disso
percebemos que o corte indiscriminado da floresta, o dessecamento e a derrubada de
mangues - cujo objetivo era controlar focos de mosquitos e doenças além de facilitar a
extração de madeiras nessas áreas -, a agricultura e a urbanização local não podem ser
vistos somente sob seu aspecto político/econômico, como a ocupação e aproveitamento de
um território português, uma “reserva” a ser administrada e da qual se deveria retirar o
máximo possível em termos ambientais e político-estratégicos.
O resultado dessa pesquisa também evidencia que ainda muito que ser dito
sobre essa região e, especialmente sobre a natureza local e a relação dos homens com ela.
Mais que encerrar um debate, minha intenção foi mostrar que a história da Ilha de Santa
Catarina, como “outras histórias”, careceram, durante muito tempo, de aspectos como as
florestas, e de uma análise das relações dos “antigos” (índios e primeiros colonizadores) e
dos “novos” (colonizadores açorianos e madeirenses e de novas moradores vindos do
sudeste do Brasil) habitantes da região com essa floresta. Essas respostas dos novos
habitantes do Brasil frente à natureza encontraram variáveis em cada ponto da colônia na
233
medida em que estas dependem da forma como a cultura desses novos imigrantes foi
ajustada.
O resultado desse processo interagiu com os ideais de colonização do reino
português para a colônia, estritamente relacionado com a idéia de ocupação do território e
crescimento, em busca do progresso almejado. A dinâmica relacional não pendeu
totalmente para o ponto objetivado apesar de quase naturalmente ter ido nessa direção. O
choque normal entre cultura e natureza - quando essas são tão diferentes como os
imigrantes europeus e sua nova terra - não inibiu o avanço da primeira sobre a segunda e
em algumas décadas transformou a paisagem da Ilha de Santa Catarina.
Para que esse novo código cultural/ambiental em comum (imigrantes europeus e
natureza americana) fosse construído foi necessária a elaboração de estratégias de
dominação da natureza, essa dominação incluía várias etapas que iam desde a derrubada da
floresta até a implementação da agricultura e a urbanização da vila de Desterro. Foram
esses pontos que, abordados no decorrer do texto, mostraram que em nenhum momento a
floresta, a agricultura e a cidade estiveram isolados ou atuaram de forma independente, ao
contrário, foram se construindo e transformando durante todo o século XIX em um mesmo
e restrito espaço ilheo.
Portanto, pelo desenvolvimento da indústria madeireira, da agricultura, o
crescimento urbano, enfim, este novo modo de vida em uma nova terra resultou em uma
nova paisagem, fruto do processo de ocupação, dos novos hábitos, estilos, gostos e práticas
de convivência social. E tudo isso pôde ser percebido revendo e acrescentando opiniões a
alguns tão “usados” e citados documentos históricos como leis, ilustrações, balanços
comerciais, mapas, correspondências e relatórios e olhando para o objeto sempre
considerando a natureza e sua influencia direta e indireta na vida dos homens. Isso permitiu
que fossem reconhecidas as diferentes respostas sociais e culturais em termos de adaptação
234
e mudança ambiental na Ilha de Santa Catarina. Ficando aqui atestada uma dinâmica
sócio-ambiental muito mais complexa do que uma simples colonização e aproveitamento
de recursos naturais, onde elementos humanos e naturais se interpenetram e se
transformaram ao invés de se excluírem, possibilitando o surgimento de uma cultura local
com novos hábitos, novas necessidades e novos lugares, perfeitamente integrados no tempo
e no espaço.
235
REFERÊNCIAS E FONTES
ABREU, M. A. A apropriação do território no Brasil colonial. In: Castro, I. E.; CORRÊA,
R. L.; GOMES, Paulo César C.. (Org.). Explorações Geográficas. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1997.
ACOSTA, Virginia Garcia (coord). Historia e desastres em America Latina. Colômbia:
LA RED/ CIESAS, 1996., vol I.
ACOT, Pascal. História da Ecologia. 2 ed. São Paulo: Campus, 1990.
AGNOLETTI M. et.al., Il Piano Strategico Nazionale di Sviluppo Rurale , Documento
Tematico "Paesaggio", allegato a: Architettura del Paesaggio, 15, Novembre 2006.
AGNOLETTI M. Il Paesaggio agro-forestale toscano, strumenti per l’analise, la
gestione e la conservacione. Firenze: ARSIA, 2002.
AGNOLETTI M. Il Parco del paesaggio ruraleappeninico de Moscheta. Pisa: Ed.
Pacini, 2007.
AGNOLETTI M., Maggiari G., La valutazione dell'impatto sul paesaggio e sul patrimonio
storico, architettonico e archeologico (The evaluation of the impact on landscape and
cultural heritage of windmill farms), in: Regione Toscana, Linee Guida per la
Valutazione dell'Impatto Ambientale degli Impianti Eolici, Firenze, 2004.
AGNOLETTI M., Osservazioni sulle dinamiche dei boschi e del paesaggio forestale
italiano fra il 1862 e la fine del secolo XX, Società e Storia , n. 108, 2005, 377-396.
AGNOLETTI M., Segherie e foreste nel Trentino dal medioevo a nostri giorni ,
Collana monografie etnografiche trentine, Museo di San Michele All'Adige, San Michele
All'Adige, 1998.
AIRES DE CASAL. Corografia Brasileira, Instituto Nacional do Livro, coleção de obras
raras, edição fac-simile da de 1817. Imprensa Nacional, Rio de janeiro, 1947.
ALMEIDA COELHO, Manoel Joaquim d’, Memória Histórica da província de Santa
Catharina. Typ. de J.J. Lopes, Santa Catarina, 2 ed. 1877.
ALMEIDA, Luciana Cristina de. “Nossa Senhora do Despejo” O lixo e a imundície em
Nossa Senhora do Desterro no fim do Império. (décadas de 1850, 1860 e 1870).
Florianópolis, 2003. Monografia em História. Universidade do Estado de Santa Catarina,
Florianópolis - UDESC.
ALVARENGA, Otávio Melo. Teoria e prática do direito agrário no Brasil. Rio de
Janeiro, Ed. Esplanada e Consagra, 1979.
AMARAL, Luiz. História Geral da Agricultura Brasileira, no tríplice aspecto, política,
social e econômica. 2ed. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1958.
ANAIS - XI Seminário sobre atualidades e perspectivas florestais - 1984.
236
ANALLI, Giovani. Firenze. 7 ed. Roma: Ed. Laterza, 2002.
ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas. São
Paulo: Melhoramentos/Brasília: INL, 1976.
ARAÚJO, Hermetes Reis de. A invenção do litoral: reformas urbanas e reajustamento
social em Florianópolis, 1986. Dissertação, PUC/SP.
ARAÚJO, Hermetes Reis de. A produção da intimidade. Revista Catarinense de História,
Florianópolis, SC, n. nº I, 1990.
ARAÚJO, Hermetes Reis de. A Saúde Pública como fonte de pesquisa para a História
Social em Santa Catarina. Ágora Revista da Associação dos Amigos do Arquivo Público
do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, v. 8, p. 21-25, 1988.
ARNOLD, David. La naturaleza como problema histórico: el medio, la cultura y la
expanción de Europa. México: Fondo de Cultura Económica, 2000.
ARRUDA, Gilmar. Cidades e Sertões. Bauru: EDUSC, 2000.
AUGÉ, M. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade.
Campinas, Papirus, 1992.
AZEVEDO, Aroldo de. (cood.) A cidade de São Paulo. Estudos de Geografia Urbana.
São Paulo. Cia Editora Nacional, 4 vol., 1958.
AZEVEDO, Aroldo de. “Embriões de cidades brasileiras”. Boletim Paulista de Geografia,
v.25, 1957, p.31-69.
AZEVEDO, Aroldo de. Vilas e cidades do Brasil colonial: ensaio de geografia urbana
retrospectiva. São Paulo: EDUSP, 1965.
AZEVEDO, Francisco Antônio de. Manual de Agricultura Elementar precedido de
algumas considerações sobre agricultura e lavoura do Brasil. Rio de Janeiro: Typ.
Provincial, 1875.
BARICKMAN, B. J. Um contraponto baiano açúcar, fumo, mandioca e escravidão
no Recôncavo, 1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
BARTH, O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contra
Capa Livraria, 2000.
BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira,1984.
BECK, A. A utilização dos recursos do mar através da história”. In: LEDO, B. (org.) O
mar e seus recursos. Florianópolis, Ed. Da UFSC, 1980.
BENCHIMOL, Jaime Larry. A instituição da microbiologia e a história da saúde pública no
Brasil. In: Ciência e saúde coletiva. vol.5 no.2 Rio de Janeiro 2000.
237
BENCHIMOL, Jaime Larry. Pereira Passos: um Haussmann tropical A renovação
urbana da cidade do Rio de Janeiro no início do século XX. Rio de Janeiro: Secretaria
Municipal de Cultura, Turismo e Esportes, Departamento Geral de Documentação e
Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1992.
BIAGIOLI, Giuliana. L’Agricoltura e la popolazione in Toscana all’inizio
dell’Ottocento. Pacini Editori, 1975.
BLANCH-PAMARD, Chantal; RAISON, Jean-Piere. Paisagem. In: Einaudi. Região.
Portugal: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1986.v.8, p.138-161.
BOITEUX, Henrique. Madeiras de Construção de Santa Catarina. IHGSC,
Departamento Estadual de Estatística de Santa Catarina, Publicação nº. 27, 1942.
BOITEUX, Lucas Alexandre. Notas para a História Catharinense. Typ. a vapor da
Livraria Moderna. Florianópolis, 1912.
BORGES, Maria Eliza Linhares. História e fotografia. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
BOSSLE, Ondina Pereira. História da Industrialização Catarinense. 2 ed. Florianópolis:
FIESC, 1988.
BOUSQUAT, Aylene; COHN, Amélia. A dimensão espacial nos estudos sobre saúde: uma
trajetória histórica. In: História, Ciências, Saúde-Manguinhos. v.11 n.3. Rio de
Janeiro set./dez. 2004.
BRANDÃO, J. Ilhas Desconhecidas: notas e paisagens. Lisboa, Aillaud e Bertrand, 1926.
BRANDÃO, J. Os pescadores. Lisboa, Bibl. Ulisséia de Autores Portugueses, 1923.
BRAUDEL, Fernand. “Há uma geografia do Indivíduo biológico?” In: Escritos sobre
História. São Paulo, 1992.
BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo, séculos XV-XVIII.
As estruturas do cotidiano: o possível e o impossível. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
BRESCIANI, Maria Stella. Metrópoles: as faces do monstro urbano(as cidades no século
XIX). In: Revista Brasileira de História, n. 8 e 9, 1985.
BRESCIANI, Maria Stella. Permanência e Ruptura no estudo das cidades. In:
FERNANDES, Ana; GOMES, Marco Aurélio A. de Filgueiras (org.). Cidade & História;
modernização das cidades brasileiras nos culos XIX e XX. Salvador: MAU/UFBa,
1992.
BRITO, Paulo José Miguel de. Memória Política sobre a Capitania de Santa Catarina.
Lisboa, Academia Real das Ciências, 1829. (Acervo Fundação Franklin Cascaes).
BRUN, Bernard; LEMONNIERS, Pierre; RAISON, Jean-Piere; RONCAYOLO, Marcel.
Enciclopédia Einaudi. Ambiente. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional-Casa da Moeda,
1989. v. 8.
BURKE, Peter. A Escrita da História: novas perspectivas. São Paulo: UNESP,1992.
238
BURKE, Peter. Testemunha Ocular: história e imagem. Bauru, SP: EDUSC, 2004.
CABRAL, D. C.; CESCO, Susana. Árvores do rei, florestas do povo: A instituição das
'madeiras-de-lei' no Rio de Janeiro e na Ilha de Santa Catarina no século XVIII. Luso-
Brazilian Review. , v.44, n. 2., p.50 - 86, 2007.
CABRAL, Diogo de Carvalho and CESCO, Susana Notas para uma história da
exploração madeireira na Mata Atlântica do sul-sudeste. Ambient. soc., Jun 2008,
vol.11, no.1, p.33-48. ISSN 1414-753X
CABRAL, O. R. Nossa Senhora do Desterro: casas, sobrados e chácaras. Porto: Typ. da
Livraria Simões Lopes, [19- ].
CABRAL, O. R. Nossa Senhora do Desterro: notícias I. Florianópolis: Imprensa da
Universidade Federal de Santa Catarina, 1971.
CABRAL, O.R. Memória histórica, authentica, sincera, pictoresca e sentimental da
Villa, depois cidade de Nossa Senhora do Desterro da ilha de Sancta Catharina, dos
casos raros alcunhada: memória. Florianópolis: UFSC, 1971. 2v.
CABRAL, Oswaldo R. Os açorianos. Florianópolis: Imprensa Oficial do Estado de Santa
Catarina, 1950.
CABRAL, Oswaldo Rodrigues. História de Santa Catarina. 3. ed. Florianópolis:
Lunardelli, 1987.
CAMPOS, N. Terras Comunais na Ilha de Santa Catarina. Florianópolis, Ed. UFSC.
CARDOSO, Fernando Henrique e IANNI, Octávio. Cor e Mobilidade Social em
Florianópolis: Aspectos das relações entre negros e brancos numa comunidade do
Brasil Meridional. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1960.
CARDOSO, Fernando Henrique. Negros em Florianópolis: relações sociais e
econômicas. Insular: Florianópolis, 2000.
CARLOS, Ana Fani. O consumo do Espaço. In: Novos Caminhos da Geografia. São
Paulo: Contexto, 2001.
CARNEIRO, José Fernando. “Interpretação da Política Imigratória brasileira”, Digesto
Econômico, nº 45 e 46, agosto-setembro de 1948.
CARUSO, M.M.L. O desmatamento da Ilha de Santa Catarina de 1500 aos dias atuais.
Florianópolis: Ed. da UFSC, 1983.
CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial. Rio de
Janeiro: Campus, 1980.
CARVALHO, José Murilo de. Teatro das Sombras: a política imperial. Rio de Janeiro,
Ed. Vértic/Iuperj, 1988.
239
CASAZA, A.J. Sistemas de restauracion y conservacion de los recursos forestales
nativos en el manejo de cuencas hidrograficas. Buenos Aires: Secretaria de Recursos
Naturales y Ambiente Humano, 1996. 27p.
CASCAES, F. O fantástico na Ilha de Santa Catarina. Florianópolis, Ed. Da UFSC,
1989.
CASTRO, Hebe Maria Mattos de. Ao sul da história. Lavradores pobres na crise do
trabalho escravo. São Paulo: Brasiliense, 1987.
CASTRO, Luiz Meireles de Canto. Memória sobre as ilhas dos Açores e principalmente
sobre a Terceira. Imprensa de Mme. Huzaerd, Lisboa, 1834.
CAVALCANTE, João Barbosa Uchoa. Constituição Federal Brasileira. Comentários.
Rio de Janeiro: Typ. Sapopemba, 1902.
CAVALCANTE, José Luiz. A Lei de Terras de 1850 e a reafirmação do poder básico do
Estado sobre a terra. Histórica - Revista Eletrônica do Estado de São Paulo. N.2, junho
2005.
CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro Setecentista: a vida e a construção da cidade da
invasão francesa até a chegada da corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
CENCINI, Carlo. Il Paesaggio come Patrimônio: I Valori Naturali. In: Bolletino della
Società Geografica Italiana. Roma – Serie XII, vol. IV (1999).
CENTRO de Estudos Cultura e Cidadania. Uma cidade numa Ilha: relatório sobre os
problemas sócio ambientais da Ilha de Santa CatarinaCECA Florianópolis: Insular,
1996.
CERTEAU, M. de. A invenção do cotidiano. Rio de Janeiro: Vozes, 1999, 2v.
CESCO, Susana. Desmatamento e Migração no Alto Vale do Rio do Peixe: discussões
sobre progresso” e transformação ambiental. Florianópolis, 2005. Dissertação.
Mestrado em História. Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.
CESCO, Susana. Migração e Desmatamento no Alto Vale do Uruguai: uma releitura
da relação homem x florestas no início do século XX. Trabalho de Conclusão de Curso
Graduação em História. UFSC, 2003.
CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril: cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo:
Cia das Letras, 1996.
CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.
CHARTIER, Roger. Formas e Sentido. Cultura escrita: entre distinção e apropriação.
Campinas, SP: Mercado das Letras, 2003.
CHRISTOFOLETTI, A. (org.) Geografia e meio ambiente no Brasil. São Paulo: Ed.
Hucitec, 1995.
240
CLAVAL, Paul. A geografia cultural. Florianópolis: UFSC, 1999.
COELHO, Manoel Joaquim D’Almeida. Memória Histórica da Província de Santa
Catharina. Santa Catharina – Typ. De J.J. Lopes, 1877.
CONSELHO NACIONAL DA RESERVA DA BIOSFERA DA MATA ATLANTICA
(São Paulo, SP). Recursos florestais da mata atlântica. São Paulo, 1999. 32p.
CORBIN, A. O Território do Vazio: a Praia e o Imaginário Ocidental. São Paulo, Cia
das Letras, 1989.
CORBIN, Alain. Saberes e odores: o olfato e o imaginário social nos séculos XVIII e
XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
CORREA FILHO, Virgílio. Processo de aquisição de terras devolutas no Brasil durante o
período colonial. In: Estudos de História Americana. México, 1948.
CORRÊA, Carlos Humberto. História da Cultura Catarinense: O Estado e as Idéias. v.
1. Florianópolis: Editora da UFSC/ Diário Catarinense, 1997.
CORREA, Silvio Marcus de Souza e BUBLITZ, Juliana. Terra de Promissão: Uma
Introdução à Eco-História da Colonização do Rio Grande do Sul. Passo Fundo: Ed.
Universidade de Passo Fundo; Santa Cruz do Sul: Ed. Universidade Santa Cruz do Sul,
2006.
CORREA, Silvio Marcus de Souza e BUBLITZ, Juliana. Terra de Promissão: Uma
Introdução à Eco-História da Colonização do Rio Grande do Sul. Passo Fundo: Ed.
Universidade de Passo Fundo; Santa Cruz do Sul: Ed. Universidade Santa Cruz do Sul,
2006.
COSTA, Emília Viotti da Costa. Da Senzala à Colônia. o Paulo: Difusão Européia do
Livro, 1974.
COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à Republica: momentos decisivos. 3 ed. o
Paulo: Brasiliense, 1985.
CRONOM, W. Changes in the Land: Indians, Colonists and the Ecology of New
England. New York, 1983.
CROSBY, Alfred. Imperialismo Ecológico. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
CRUZ, Olga. A Ilha de Santa Catarina e o continente próximo: Um estudo de
geomorfologia costeira. Florianópolis: Editora da UFSC, 1998.
CUNHA, Euclides da. Os sertões. São Paulo: Editora Cultrix, 1975.
CZERESNIA, Dina; RIBEIRO, Adriana Maria. O conceito de espaço em epidemiologia:
uma interpretação histórica e epistemológica. In: Cadernos de Saúde
Pública. v.16 n.3. Rio de Janeiro jul./set. 2000.
241
D’ASSUNÇÃO, Antonio Rodrigues Veloso. “Memória sobre a Agricultura no Brasil”.
In: RIHGB, 1873., p. 93.
DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira.
São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
DEAN, Warren. Rio Claro um Sistema Brasileiro de Grande Lavoura 1820-1920. São
Paulo, Paz e Terra, 1977.
DIAS, Carlos Malheiros (dir.). História da colonização portuguesa do Brasil, Porto,
1924, 3 vols.
DIEGUES, A. C. & NOGARA, P. Nosso lugar virou parque. São Paulo, NUPAUB-USP,
1994.
DIEGUES, A. Povos e Mares: por uma sócio-antropologia marítima. São Paulo,
NUPAUB-USP, 1995.
DIEGUES, Antonio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo: Hucitec,
1996.
DIEGUES, Antonio Carlos. Pescadores, camponeses e trabalhadores do mar. São Paulo:
Ática, 1983.
DIEGUES, Antônio Carlos. Ilhas e Mares simbolismo e imaginário. São Paulo:
Hucitec, 1998.
DREHER, M. N.; RAMBO, A.B.; TRAMONTINI, M. J. (org.) Imigração e Imprensa.
São Leopoldo: EST Edições, 2003.
DRUMOND, José Augusto. A História Ambiental: temas, fontes e linhas de pesquisa.
Revista de Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, p. 177-197, 1991.
DRUMOND, José Augusto. Devastação e Preservação Ambiental no Rio de Janeiro: os
parques nacionais do Estado do Rio de Janeiro. Niterói: Eduff, 1997.
DUARTE, Regina Horta.Olhares Estrangeiros. Viajantes no vale do rio Mucuri. In: Revista
Brasileira de História. Viagens e Viajantes. Nº 44, vol. 22., p. 281.
DUBOST, Françoise. La Problématique du Paysage.In: État des Lieux.Études Rurales.
N. 121-124, Paris, IHESS, Janvier-décembre, 1991., p, 222.
DUNLAP, Thomas R. Nature and the English diaspora: environment and history in the
United States, Canada, Australia, and New Zeland.
EDLER, Flávio C. A constituição da Medicina tropical no Brasil oitocentista. Tese:
Doutorado em Medicina, UERJ, 1999.
242
EDLER, Flávio C. As reformas do ensino médico e a profissionalização da
medicina na corte do Rio de Janeiro 1854-1884. Dissertação: Mestrado em Letras, USP,
1992.
EDLER, Flávio C. De olho no Brasil: A geografia médica e a viagem de Alphonse Rendu.
In: História, Ciência, Saúde – Manguinhos, V. VIII (suplemento), 925-43, 2001.
EDUARDO, Anna Rachel Baracho ; FERREIRA, Angela Lúcia A. . As topografias
médicas no Brasil do início do século XX: Aportes históricos ao estudo da relação meio
ambiente e sociedade (O caso de Natal-RN). In: Angela Lúcia Ferreira; George Dantas.
(Org.). Surge et Ambula: A construção de uma cidade moderna (Natal, 1890-1940).
Natal, RN: EDFURN, 2006, v. , p. 137-154.
EDUARDO, Rosemari Pozzi. As madeiras de Santa Catarina 1930 - 1974. Dissertação
(mestrado) Universidade Federal do Paraná - Curitiba, 1974.
ENCICLOPÉDIA EINAUDI,
ETGES, Virgínia Elizabeta. Geografia Agraria a contribuição de Leo Waibel. Santa
Cruz do Sul: EDUNISC, 2000.
FAYET, A.C.de C. Dimensões da política florestal no Brasil: aspectos produtivos e
ambientais. Curitiba, 1994. Dissertação Mestrado, Universidade Federal do Paraná. 125p.
FEBLES, G.J.; RUIZ, T.E. Los arboles y arbustos en el agroecosistema. Agricultura
Orgânica, Cuba, v.2, n.3, p.7-1, 1996.
FEBVRE, Lucien. O Problema da Descrença no Século XVI: a religião de Rabelais.
Paris/Lisboa: Éditions Albin Michel/Editorial Inicio, 1970.
FEITOZA, L.R. A instabilidade dos ecossistemas, as florestas e a proteção inadvertida
do ambiente pelo homem brasileiro. Cariacica: EMCAPA, 1980.
FERNANDES, R. O Conselheiro Jobim e o espírito da medicina do seu tempo. Ed.
Senado Federal, 1982.
FERREIRA, Sérgio Luiz. O Banho de Mar na Ilha de Santa Catarina Florianópolis:
Ed. das Águas, 1998.
FINAZZI-AGRÒ, E. “A invenção da Ilha: tópica literária e topologia imaginária na
descoberta do Brasil”. In: Rascunhos de História, n° 5, Rio de Janeiro, PUC, 1993.
FLEIUSS, Max. História Administrativa do Brasil. ed. o Paulo, Caieiras, Rio de
Janeiro e Recife: Cia Melhoramentos de São Paulo, 1925., p. 17.
FLEXOR, Maria Helena. Cidades e Vilas Pombalinas no Brasil do culo XVIII. In:
Reunião anual SBPH, 1996, Rio de Janeiro. Anais da XV Reunião SBPH. Curitiba:
SBPH, 1995. p. 109-115.
FLORENTINO, Manolo e FRAGOSO, João. O arcaísmo como projeto: Mercado
Atlântico, Sociedade Agrária e Elite Mercantil no Rio de Janeiro, c.1790-c.1840. Rio
de Janeiro: Diadorim, 1993.
243
FLORES, Maria Bernardete Ramos. Povoadores da Fronteira: os casais açorianos
rumo ao sul do Brasil. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2000.
FRAGA, M. V. G. A questão florestal ao tempo do Brasil-Colônia. Anuário Brasileiro
De Economia Florestal 3: 93. 1960.
FREIRE, Felisberto. A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil
interpretada pelo Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro, Tipografia Batista de
Souza, 1913.
FREUND, Gisèle. La fotografía como documento social. 8 ed. Barcelona: GG Mess
Media, 1993.
FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala, 26 ed., Rio de Janeiro: Record, 1989.
FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da influência da a sobre a vida e a paisagem do
Nordeste do Brasil. Rio de Janeiro, 1985.
FRIDMAN, Fania. Donos do Rio em Nome do Rei: uma história fundiária da cidade do
Rio de Janeiro. Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed.: Garamond, 1999.
FROEHLICH, José Marcos. Gilberto Freyre, a história ambiental e a ‘rurbanização’. In:
História, Ciências, Saúde — Manguinhos, vol. VII(2): 281-301, jul.-out. 2000.
GARCIA, Carla Laner. Emanações perniciosas moralidade corrosiva: os
desdobramentos do discurso científico no centro urbano de Nossa Senhora de
Desterro (1831-1864). Florianópolis, 2006. Dissertação. Mestrado em História.
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.
GARCIA, Paulo. Terras devolutas, Belo Horizonte, Ed, da Livraria Oscar Nicolai, 1958.
GEERTZ, C. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Livros Técnicos, 1989.
GIDDENS. Anthony. A Constituição da Sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1984.
GOMES, M. A. F. ; Pineiro, E.P. ; FRIDMAN, F. ; Andrade, C.R.M. ; TEIXEIRA, M. ;
Almandoz, A. ; SILVA, L. O. ; SUTCLIFFE, A. ; Zucconi, G. ; Brandão, C.A.L. . Breve
história do debate sobre a cidade colonial brasileira. In: Pinheiro, Eloisa Petti; Gomes,
Marco Aurelio A. de Filgueiras. (Org.). A cidade como história. 1 ed. Salvador: Editora da
Universidade Federal da Bahia, 2005, v. 1, p. 43-72.
GOULART REIS Filho, Nestor. Evolução do Brasil (1500/1720). São Paulo:
Pioneira/EDUSP, 1968.
GRAMSCI, A. Concepção Dialética da História Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira,1995.
GROSSELI, Renzo Maria. Vencer ou Morrer - Camponeses Trentinos (vênetos e
lombardos) nas florestas brasileiras. Santa Catarina 1875 - 1900. Florianópolis: Ed. Da
UFSC, 1987.
244
GROVE, Richard H. Green Imperialism: Colonial Expansion, Tropical Edens and
the origins of Environmentalism, 1600-1860. New York: Cambridge University Press,
1996.
GUERRA, Miguel Pedro; SILVEIRA, Vanildo; REIS, Maurício Sedrez dos e
SCHNEIDER, Lineu. Exploração, Manejo e Conservação da Araucária. In: SIMÕES,
Luciana Lopes e LINO, Clayton Ferreira (org.). Sustentável Mata Atlântica: a
exploração de seus recursos florestais. São Paulo: Editora SENAC, 2002.
HEYNEMANN, Claúdia. Floresta da Tijuca. Natureza e civilização. Coleção Biblioteca
Carioca. Rio de Janeiro, 1995.
HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1984.
HOCHMSN, G. A. A Era do Saneamento: as bases da política de saúde pública no
Brasil. Hucitec – ANPOCS, São Paulo, 1998.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Prefácio” a Thomas Davatz, Memórias de um colono
no Brasil (1850), São Paulo, Ed. Itatiaia/Edusp, 1980.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso. São Paulo, Brasiliense; Publifolha,
2000.
HOLANDA, Sérgio Buarque. Caminhos e fronteiras. Rio de Janeiro: José Olympio, 1957.
HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. (1936) 19º ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1987.
HÜBENER, Laura Machado, O Comércio da Cidade do Desterro no século XIX.
Florianópolis: Editora da UFSC, 1981.
HUNT, Lynn. A Nova História Cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
IANNI, Octavio. Origens Agrárias do Estado Brasileiro. São Paulo: Brasiliense, 1984.
ILHA DE SANTA CATARINA. Relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e
XIX. Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina, Assessoria Cultural, 1979.
JOVCHELEVICH, P.; CANELADA, G.V.M. Sustentabilidade do manejo agroflorestal por
populações tradicionais. Agricultura Sustentavel, Jaguariuna, v.1,n.1, p.33-43, jan./abr.
1997.
JUNQUEIRA, Messias. “Formação Territorial do país” in: Encontros da UNB: Terras
Públicas do Brasil-Documento, Brasília, ed, da UNB, 1978.
KLEIN, R.M. Aspectos dinâmicos da vegetação do Sul do Brasil. Sellowia; Anais
Botânicos do Herbário “Barbosa Rodrigues”, Itajaí, (36):5-54, 1984.
KLEIN, R.M. Espécies raras ou ameaçadas de extinção no Estado de Santa Catarina.
Estudos de Biologia, Curitiba, n. 31, p. 3-9, 1993.
245
KLEIN, R.M. Mapa Fitogeográfico do Estado de Santa Catarina, elaborado por
Roberto Miguel Klein – Herbário “Barbosa Rodrigues”- Itajaí-SC, 1978/ Universidade
Federal de Santa Catarina – Florianópolis-SC. 1978, p.22.
KOSSOY, Boris. A Fotografia com Fonte Histórica: introdução à pesquisa e
interpretação das imagens do passado. Museu da Indústria, Comércio e Tecnologia de
São Paulo - SICCT, 1980.
KOSSOY, Boris. Origem e expansão da fotografia no Brasil: século XIX. Rio de
Janeiro: FUNARTE, 1980.
KOSSOY, Boris. Realidade e ficção na trama fotográfica. 2 ed. São Paulo: Ateliê
Editorial, 2000.
LABRA, M. E. O movimento sanitarista dos anos 20: da conexão sanitária
internacional à especialização em saúde pública. Dissertação: Mestrado. Escola
Brasileira de Administração Pública, FGV, 1985.
LACAZ, C. S. Vultos da medicina Brasileira. São Paulo: Pfizer, 1966.
LACERDA, Manuel Linhares de. Tratado das terras do Brasil, Rio de Janeiro, Ed. Alba,
1960, 2 volumes.
LAGO, Paulo Fernando. Santa Catarina: a transformação dos espaços geográficos.
Florianópolis: Verde Água produções Culturais, 2000.
LE GOFF, Jacques. Progresso. In: Einaudi. Região. Portugal: Imprensa Nacional, Casa da
Moeda, 1986.v.1.
LEAVELL, S. & CLARCK, E. G. Medicina Preventiva. São Paulo: McGraw-Hill, 1976.
LEFF, Enrique. Vetas y Vertietes de la História Ambiental Latinoamericana. In: Varia
História. Belo Horizonte, nº 33, Janeiro, 2005.
LEITE, Miriam Lifchitz Moreira e FELDMAN-BIANCO, Bela. Desafios da Imagem:
fotografia, iconografia e vídeo nas ciências sociais. Campinas: Papirus, 1996.
LEVI-STRAUSS, C. Estructuralismo y Ecologia. Madri, 1996.
LIMA, Débora da Rosa Rodríguez. A abordagem ambiental no processo de
desenvolvimento urbano de Florianópolis. São Paulo, 2002. Dissertação (Mestrado) -
FAUUSP.
LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil sesmarias e terras devolutas.
Fac-Símile da 4ª edição, 1990.
LORENZI, Henri. Árvores Brasileiras: manual de identificação e cultivo de plantas
arbóreas nativas do Brasil. Nova Odessa, São Paulo: Editora Plantarum, 1992.
LOSADA, Janaina Zito. "Desejos e Melancolias: Uma História da Idéia de Natureza no
Brasil, 1839-1870." Universidade Federal de Petrópolis. 1998.
246
LOUZADA, Maria Alexandre. “A rua a taberna e o salão: elementos para uma
geografia histórica das sociabilidades lisboetas nos finais do Antigo Regime”. In:
VENTURA, Maria da Graça A. Mateus (coord) Os espaços de sociabilidade na Ibero-
América (séc. XVI-XIX). Lisboa: Edições Colibri, 2004.
MACHADO, Lia Osório. Origens do Pensamento Geográfico no Brasil: meio tropical,
espaços vazios e a idéias de ordem. In: CASTRO, Iná Elias (org.). Geografia: conceitos e
temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.
MACHIAVELLI, Nicolò. O Príncipe. 31 ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999., p 33.
MAESTRI, M. Os senhores do Litoral: a conquista portuguesa e a agonia tupinambá
no litoral brasileiro (séc. XVI). Rio Grande do Sul, UFRGS/Ed. Da Universidade, 1994.
MAIA, Altir de Souza. “Arrecadação de terras blicas” in: Encontros da UNB, Brasília,
Ed. da UNB, 1978.
MARX, Murillo. Cidade no Brasil Terra de Quem? São Paulo: Edusp/Studio Nobel,
1991.
McNEILL, John R. Qualcosa di nuovo dotto il sole. Storia dell’ambiente nel XX secolo.
Biblioteca Einaudi, Torino, 2002.
MELOSI, Martin V. Cities, Tecnical Systems and the Environment. In: Environment
History Review. V. 14, n. 1-2, Spring/summer 1990. pp.45-64.
MENASCHE, Renata. O guia de Friedric von Weech - Impressões de um imigrante alemão
no Brasil do século XIX. In: Estudos Sociedade e Agricultura. 5, novembro 1995.
MENDONÇA, Nadir Domingues. “A propriedade rural no processo de urbanização na
zona da campanha rio-grandense in: A propriedade rural, vol III, Anais do VIII
Simpósio Nacional de professores de história, São Paulo, 1976.
MILLER, Shawn W. Fruitless Trees: Portuguese conservation and Brazil’s colonial
timber. Stanford: Stanford UP, 2000.
MIRANDA, E. E. de. Água na natureza, na vida e no coração dos homens. Campinas,
2004. Disponível em: <http://www.aguas.cnpm.embrapa.br>. Acesso em: 17 jan. 2006.
MONTEIRO, Nuno G. F. “A Consolidação da Dinastia de Bragança e o Apogeu do
Portugal Barroco: centros de poder e trajetórias sociais”. In: TENGARRINHA, José (org.).
História de Portugal. São Paulo: Unesp, 2000.
MORAES, Laura do Nascimento Rótolo. Cães, vento sul e urubus: higienização e cura
em Desterro/Florianópolis (1830-1918). Porto Alegre, 1999. 332 f. Tese (Doutorado em
História) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
MOREIRA, Paulo. Terras devolutas. São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 1939.
MORGA, Antônio Emílio. Práticas Afetivas Femininas em nossa Senhora do Desterro
no Século XIX. São Paulo, 1995. 186p. Dissertação de Mestrado em História Social) -
Universidade de São Paulo, USP.
247
MOTTA, Márcia M. M. Nas Fronteiras do poder: conflito e direito à terra no Brasil
do século XIX. Rio de Janeiro. Arquivo Público do Rio de Janeiro, 1998.
MOTTA, Márcia. Movimentos sociais nos oitocentos: uma história em (re) construção. In:
Estudos Sociedade e Agricultura, 16 de abril 2001: 113 - 128.
MOURA, Antonio Ribeiro. Manual do Edificante do proprietário e do inquilino ou
novo tratado dos direitos e obrigações. Rio de Janeiro, 1858. Acervo: Biblioteca
Particular de Cândido Mendes de Almeida.
MUSSOLINI, G. O cerco da tainha na Ilha de o Sebastião”. In: Revista e Sociologia,
7(3), 1945.
NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. (Grandes nomes do Pensamento Brasileiro). Rio de
Janeiro: Nova Fronteira; São Paul: Publifolha, 2000.
NAVARRO, Z. Manejo de recursos naturais e desenvolvimento rural. Porto Alegre:
UFRGS, 2001. 32p.
NAVARRO, Z. Manejo de recursos naturais e desenvolvimento rural. Porto Alegre:
UFRGS, 2001.
NISBET, R. História das Idéias de Progresso. Brasília: Instituto Nacional do Livro; Ed.
Da UNB, 1980.
NODARI, Eunice Sueli. A Renegociação da Etnicidade no Oeste de Santa Catarina
(1917-1954). 1999. Tese Doutorado em História - Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul. Porto Alegre.
NODARI, Eunice; CESCO, Susana; WERLE, Márcio; CARVALHO, Miguel M.X. As
Florestas do Sul do Brasil na Imprensa Alemã e a Atração de Imigrantes. In: Seminário
Nacional: Imigração e Imprensa. São Leopoldo, 2003.
NUNES, José Castro. As constituições estaduais do Brasil. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro,
1922, 2 vol.
OLIVEIRA VIANA. Evolução do Povo brasileiro. Rio de Janeiro, J. Olímpio, 1956.
OLIVEIRA, Antonio Rodrigues Veloso de. Memória sobre a Agricultura no Brasil. In:
RIHGB, 1873., p. 93.
OLIVEIRA, M. V. N. d', ed. Manejo florestal em áreas de reserva legal para pequenas
propriedades rurais. Rio Branco: Embrapa Acre, 2002. 27p. (Embrapa Acre. Sistemas de
produção, 2).
OMEGNA, Nelson. A cidade colonial. 2 ed. EBRESA, Brasília, 1971.
PÁDUA, José Augusto. "Cultura esgotadora": agricultura e destruição ambiental nas
últimas décadas do Brasill Império. In: Estudos Sociedade e Agricultura, 11, outubro
1998: 134-163.
248
PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição - pensamento político e crítica
ambiental no Brasil escravista (1786-1888). Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2002.
PARK, Robert Ezra. A cidade: sugestões para a investigação do comportamento humano no
meio urbano. In: VELHO, Otávio Guilherme. O Fenômeno Urbano. 2 ed. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1973.
PASCUAL, F. J. (s.d.) Atropologia Marítma, história, ecologia organización social y
cambio económico. Madri, Minist. de Pesca, Agricultura y Alimentation. (Serie
Recopilaciones bibliográficas; 01).
PEDRO, Joana M. Mulheres honestas e mulheres faladas: uma questão de classe.
Papéis sociais femininos na sociedade de Desterro/Florianópolis – 1800-1920. São
Paulo, 1992. 301p. Tese Doutorado em História - Universidade de São Paulo, SP.
PELUSO JUNIOR, V.A. Aspectos geográficos de Santa Catarina. Florianópolis:
FCC/UFSC, 1991.
PENNA, Clemente Gentil. Escravidão, Liberdade e os arranjos de trabalho na Ilha de
Santa Catarina nas últimas décadas de escravidão (1850-1888). Florianópolis, 2003.
Dissertação Mestrado em História - UFSC.
PEREIRA, J. O. de Lima. Da propriedade no Brasil, Dão Paulo: Casa Duprat, 1932.
PEREIRA, J.A.; MAINIERI, C. Madeiras do Brasil. Anuário Brasileiro de Economia
Florestal, Rio de Janeiro, v.9, n.9, p.339-498, 1957.
PEREIRA, Nereu do Vale (org.). Memória Histórica da Irmandade do Senhor Jesus dos
Passos. 1997., p. 25, v. 1.
PERLIN, John. História das Florestas - a importância da madeira na história da
civilização. Rio de Janeiro: Ed. Imago, 1992.
PETRONE, Maria Tereza Schorer. Aspectos da rede fundiária em São Paulo no século
XIX. O problema das posses., p. 17 - 18. In: Anais da Semana de Estudos de História
Agrária. Universidade Estadual Paulista, 1982.
PIAZZA, W.F. A mandioca e sua farinha (aspectos culturais da Ilha de Santa
Catarina. Florianópolis: Faculdade Catarinense de Filosofia, 1956. 40p. Tipo: FL (FOL
6415/00)
PIAZZA, Walter F. A Epopéia Açoriana (1748/1756). Cópia Mimeografada. Acervo
Biblioteca Central - Universidade Federal de Santa Catarina, 1992., p. 13.
PIAZZA, Walter Fernando. A Colonização de Santa Catarina. 2 ed. rev, aum.
Florianópolis: Lunardelli, 1988.
PIRES, A. “A identidade cultural dos Açores”. In: Anais da 2ª Semana de Estudos
Açorianos. Florianópolis, Ed. da UFSC, 1989.
PIRES-O'BRIEN, M.J.; O'BRIEN, C.M. Ecologia e modelamento de florestas tropicais.
Belém, PA: FCAP, 1995. 400p.
249
PONTING, Clive. Uma história Verde do Mundo. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1995;
PRADO JR, Caio. A questão agrária. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1979.
PRADO, P. Retratos do Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 1997.
RAMOS, Átila. O Abastecimento de água de Florianópolis.
http://www.casan.com.br/comp_hist_saneamento.htm. Consultado em 18/10/2005.
REBOUÇAS, André. Agricultura Nacional. 2 ed. Recife:Fundação Joaquim Nabuco,
1988.
REGO, R. L. Natureza, cultura, artifício e paisagem: o desenho da arquitetura
moderna brasileira e a construção da paisagem antropica. Acta Scientiarum, Maringá,
v. 24, n. 6, p. 1809-1818, dec. 2002.
REIS FILHO, Nestor Goulart. Evolução do Brasil (1550/1720). São Paulo: Livraria
Pioneira Editora e Edusp, 1968.
REIS, A.; REIS, M.; MANTOVANI, A. Inventário para caracterização de estágios
sucessionais na vegetação catarinense. Joinvile: Ed. Da UFSC, 1986.
REITZ, Raulino. Madeiras do Brasil. Florianópolis: Lunardelli, 1979.
RÉMOND, Renè. Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, Fundação
Getúlio Vargas, 1996.
RIBEIRO DE ALMEIDA, João. Ensaio sobre a salubridade, estatística e pathologia da
Ilha de Santa Catarina e em particular da cidade de Desterro. Desterro: Typ. de JJ.
Lopes, 1864.
RIBEIRO, Márcia Moisés. As ciências dos trópicos: a arte médica no Brasil do séc.
XVIII. São Paulo: Hucitec, 1997.
RINALDI, R. R.; LIMA, G. S. Unidades de conservação: estratégia de proteção da mata
atlântica. Ação Ambiental, Viçosa, v. 6, n. 25, p. 12-14, maio/jun. 2003. Tipo: AP
RODRIGUEZ, E. La cobertura vegetal como medida de la conservacion de suelos.
Agricultura Organica, Cuba, v.4, n.1, p.19-20, 1998.
ROLNIK, Raquel. A cidade e a Lei Legislação, Política Urbana e Territórios na
cidade de São Paulo. São Paulo: FAPESP/ Studio Nobel, 1997.
ROOSEVELT, Theodore. Através do Sertão do Brasil, com ilustrações de Kermit
Roosevelt e tradução de Conrado Erichsen. Rio de Janeiro: Cia Editora Nacional, 1944.
ROSA, V. & TRIGO, S. “Algumas reflexões sobre a Açorianidade”. In: Anais da
Semana de Estudos Açorianos. Florianópolis, Ed. da UFSC, 1989.
ROSA, Vieira da Rosa. Chorografia de Santa Catarina. Typ. da Livraria Moderna.
Paschoal Simone: Florianópolis, 1905.
250
ROSSATO, Luciana. A lupa e o diário: História Natural, viagens científicas e
relatos sobre a Capitania de Santa Catarina (1763-1822). Porto Alegre, 2005.
Doutorado em História Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS.
RUGENDAS, Johan Moritz. Viagem Pitoresca através do Brasil (por) João Maurício
Rugendas. 8 ed – Belo Horizonte; Ed. Itatiaia, Ed. da Universidade de São Paulo, 1979.
RUSSEL-WOOD, A. J. R. Escravos e Libertos no Brasil Colonial. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2005.
SAID, E. W. Cultura e Imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995
SAINT-HILAIRE, August de. Viagem a Curitiba e Santa Catarina. Belo Horizonte,
Itatiaia; São Paulo, Editora da USP, 1974.
SANTA CATARINA. Secretaria da Agricultura e Abastecimento. Estudo a delimitação
e implantação do Distrito Florestal do Estado de Santa Catarina. Florianópolis, 1975.
SANTAELLA, Lúcia; NÖTH, Winfried. Imagem, Cognição e Semiótica. São Paulo:
Iluminuras, 2001.
SANTOS, Manuela Arruda dos. Cuidado com o tigre! In: Revista de História da
Biblioteca Nacional. Edição 31, abril de 2008. Consultado em
http://www.revistadehistoria.com.br
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo; razão e emoção. 2 ed. São
Paulo: Hucitec, 1997.
SAUER, O. A morfologia da paisagem. In: MAXIMIANO, L. A. Considerações sobre o
conceito de paisagem. R. RA´E GA, Curitiba, n. 8, p. 83-91, 2004. Editora UFPR.
SCHAMA, Simon. Paisagem e Memória. São Paulo: Companhia da Letras, 1996.
SCHEFFER, Rafael da Cunha. Tráfico interprovincial e comerciantes de escravos em
Desterro, 1849-1888. Florianópolis, 2006. Dissertação Mestrado em História -
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.
SCHERER-WARREN, I. Movimentos sociais rurais e o meio ambiente. Florianópolis:
UFSC, 1991. 25p. Trabalho apresentado no Quarto Encontro Regional do PIPSA SUL,
Florianópolis, SC
SCHIER, R. A. Trajetórias do conceito de paisagem na geografia. R. RA’E GA, Curitiba,
n. 7, p. 79-85, 2003. Editora UFPR., p. 82.
SCHITT, José Eduardo da Silveira. A titularidade das terras situadas na ilha de Santa
Catarina. In. OAB revista. Setembro-outubro, 2000.
SCHMITT, Jean-Claude. El historiador y las imágenes. Relaciones. México. Michocan,
1999, v.XX., p.22.
SCHWARCZ, Lilia M. (org.) digo de bom-tom: ou regras da civilidade e de bem
viver no século XIX. São Paulo: Cia das Letras, 1997.
251
SENNETT, Richard. Carne e Pedra: O corpo e a cidade na civilização ocidental. Ed.
Record, RJ - SP, 1997.
SERENI, Emílio. Storia del paesaggio agrário italiano. Editori Laterza, 1961.
SIEMENS, Alfred H. Extrayendo ecología de algunos documentos novohispanos de la
época temprana. In: MERTÌNEZ, B. G. y JÁCOME, A. G.(compiladores). Estudios sobre
historia y ambiente en America I. El Colegio de México y Instituto Panamericano de
Geografía y Historia, 1999.
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. História das Paisagens. In: CARDOSO, Ciro
Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História. Rio de Janeiro. Campus, 1997.
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. História das Paisagens. In: História. Ed Campus:
Rio de Janeiro, 1997.
SILVA, José Luiz Werneck da. “A Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional”, Matriz
do Instituto Histórico, in: Origens do IHGB, Rio de Janeiro, 1989.
SILVA, Lígia Osório. Terras Devolutas e Latifúndio efeitos da lei de 1850. Ed. da
Unicamp, 1996.
SIMMEL, Georg. A metrópole e a vida mental In: VELHO, Otávio Guilherme. O
Fenômeno Urbano. 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973.
SIMMEL, Georg. Sociologia: Estudios sobre las formas de socialización. V.II. Madri:
Biblioteca de la Revista de Occidente, 1977.
SOFFIATI NETTO, A. A. Manguezais e conflitos sociais no Brasil Colônia. In: II
Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade,
2004, Indaiatuba. Anais do II Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Ambiente e Sociedade. Indaiatuba: ANPPAS, 2004.
SONTAG, Susan. Ensaios sobre a fotografia. Rio de janeiro: Arbor, 1981.
SORIANO-SIERRA, E.; SIERRA DE LEDO, B., ed. Ecologia e gerenciamento do
manguezal de Itacorubi. Florianópolis, SC: FEPEMA/UFSC-CCB/NEMAR, 1998. 408p.
(FEPEMA, 3). Tipo: LV (577.698) (S714e)
TAGLIARI, P.S.; FRANCO, H. Florestas que dão lucro rápido. Agropecuária
Catarinense, Florianópolis, v.6, n.1, p.22-29, mar./maio 1993. Tipo: AP
TAUNAY, Affonso d’Escragnolle. Santa Catharina Colonial. Capítulos da história do
Povoamento. São Paulo: Imprensa Oficial, 1936.
TAUNAY, Carlos Augusto. Manual do Agricultor Brasileiro. Org. MARQUESE, Rafael
de Bivar. São Paulo: Cia das Letras, 2001., p. 42-43.
TEIXEIRA DOS SANTOS, Manoel Pereira Rego. Textos do Dr. Blumenau: o papel do
agricultor no Guia de instruções aos futuros imigrantes para a província de Santa Catarina
sul do Brasil., PP 350 – 356. In: DREHER, M. N.; RAMBO, A. B;
252
THEODORO, S.H. (Org.). Conflitos e uso sustentável dos recursos naturais. Rio de
Janeiro: Garamond, 2002. 344p. Tipo: LV (338.9) (T388c)
THOMAS, Keith. O Homem e o Mundo Natural. o Paulo: Companhia das Letras,
1989.
TURNER, Frederick Jackson. The frontier in American History, New York, 1953, p. 01.
URTEAGA, Luis. Miseria, Miasmas y Microbios. Las Topografías Médicas y el Estudio
del Medio Ambiente en el siglo XIX. Barcelona: Revista Geo Critica, n.29, set. 1980.
VALLE, Cid Prado. Natureza tropical e imagem nacional no Império Brasileiro. Tese
de Doutorado em História. IFCS-PPGHIS. UFRJ, 2001.,p53.
VÁRZEA, V. Mares e Campos. Florianópolis, Fundação Catarinense de Cultura, 1994
(edição fac-similar).
VÁRZEA, Virgílio. Santa Catarina A Ilha. Florianópolis: Lunardelli, 1985 (1900)., p.
183 - 190.
VASCONCELLOS, José Marcelino Pereira de. Livros das Terras. 1ª, e ed., Rio de
Janeiro, Ed. Laemmert, 1856, 1860 e 1885.
VAZQUEZ, Pedro Karp. Fotógrafos alemães no Brasil do culo XIX. São Paulo.
Metalivros, 2000.
VEIGA, Eliane Veras da. Processo histórico de mutação da paisagem urbana da área
central de Florianópolis: 1850-1930. 1990. 513f. Dissertação (Mestrado em História) -
Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Ciências Humanas.
VICENZI, Jacomo. Uma viagem ao Estado de Santa Catharina em 1902. Nictheroy:
Tip. Amerino, 1904., p. 14. Acervo IHGB.
VIEIRA DA ROSA. Chorografia de Santa Catharina. Florianópolis,: Typ. Da livraria
Moderna. Paschoal Simone, 1905., p. 182. Acervo IHGB.
VIEIRA, Alberto. História e Eco-História. Repensar e Reescrever a História Econômica da
Madeira. In: História e Meio Ambiente. O impacto da Expansão Européia. Funchal:
Centro de Estudos da História do Atlântico/Secretaria Regional do turismo e Cultura,
1999., p.90.
VIGARELLO, Georges. O limpo e o sujo: uma história de higiene corporal. São Paulo:
Martim Fontes, 1996.
VIOLA, E.J.; LEIS, H.R. ; SCHERER-WARREN,I ; GUIVANT, J.S. ; VIEIRA, P.F. ;
KRISCHKE, P.J. Meio ambiente, desenvolvimento e cidadania: desafios para as
ciências sociais. São Paulo: Cortez; Florianópolis: UFSC, 1995. 220p.
VIVAN, J.L. Agricultura e florestas: princípios de uma interação vital. Rio de Janeiro:
AS-PTA ; Guaíba, RS: Agropecuária, 1998. 207p. Tipo: LV (634.99) (V855a)
253
WAINER, Ann Helen. Legislação Ambiental Brasileira: Subsídios para a História
do Direito Ambiental. Rio de Janeiro, Brasil: Forense. 1991.
WEBER, Max. Conceito e categorias de cidade. In: VELHO, Otávio Guilherme. O
Fenômeno Urbano. 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973.
WERNECK, L. P. Lacerda. Idéias sobre colonização, 2 ed., Rio de Janeiro, Laemmert,
1865.
WIED-NEUWIED, Maximiliano de. Viagem ao Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo:
Edusp, 1989. In: SOFFIATI, Arthur. Manguezais e conflitos sociais no Brasil Colônia.,
p.19.
WILLIAMS, Raymond. O Campo e a Cidade: na história e na literatura. São Paulo: Cia
da Letras, 1989;
WORSTER, Donald. Nature’s Economy: a history of ecological ideas. 2 ed: Cambridge
University press, 1994.
WORSTER, Donald. Para Fazer História Ambiental. Revista de Estudos Históricos, Rio
de Janeiro, vol. 4, n. 8, p. 198-215, 1991.
ZURITA, M.M.D. Las practicas agricolas y el medio ambiente. Madrid: MAPA, 1990.
Relatos de viajantes:
AVÉ-LALLEMANT, Robert. Viagens pelas províncias de Santa Catarina, Para e
São Paulo (1858). Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da USP, 1980.
CHAMISSO, Adalbert von. In:
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE SANTA CATARINA.
Ilha de Santa Catarina: Relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX.
Op.cit., p.249.
CHORIS, Louis. In:
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE SANTA CATARINA. Ilha de
Santa Catarina: Relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX. Op.cit.,. p.
259.
DUPERREY, Louis Isidore. Ilha de Santa Catarina: Relatos de Viajantes Estrangeiros
nos Séculos XVIII e XIX. Co-edição Editora Lunardelli. Florianópolis, 1996.
KRUSENSTERN, Adam Johann von. In: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE SANTA
CATARINA. Ilha de Santa Catarina - Relato de viajantes estrangeiros nos séculos
XVIII e XIX. Assessoria Cultural, 1979. , p. 149.
LANGSDORFF, G.H. von. Ilha de Santa Catarina: Relatos de Viajantes Estrangeiros nos
Séculos XVIII e XIX. Editora da UFSC. Co-edição Editora Lunardelli. Florianópolis,
1996.
254
LESSON, René Primère. Ilha de Santa Catarina: Relatos de Viajantes Estrangeiros
nos Séculos XVIII e XIX. Co-edição Editora Lunardelli. Florianópolis, 1996.
LISIANSKY, Urey. In: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE SANTA CATARINA. Ilha de
Santa Catarina -Relato de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX. Op.cit., p.
161.
PERNETTY, Antoine Joseph. Ilha de Santa Catarina: Relatos de Viajantes Estrangeiros
nos Séculos XVIII e XIX. – Co-edição Editora Lunardelli. Florianópolis, 1996.
SAINT-HILAIRE, Auguste de Viagem a Curitiba e Santa Catarina. Belo Horizonte;
Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1978.
Documentos originais:
ANDREA, Francisco Jode Souza Soares de. Relatório do Presidente da Província de
Santa Catarina em 1840., p. 34. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.
ANDREA, Francisco José de Souza Soares de. Relatório do Presidente da Província de
Santa Catarina em 1838., p. 27. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.
BRASIL, Decreto 1.318, de 30 de janeiro de 1854. Manda Executar a lei 601 de 1850.
Coleção de Leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, Tomo 17, parte 2ª, secção 6.
Artigos 14, 15 e 16.
BRASIL, Lei 601, de 18 de setembro de 1850. Coleção de Leis do Império do Brasil, Rio
de Janeiro, Tomo 11, parte 1ª, secção 44. Brasil. Artigo 1.
BRITO, Antero JoFerreira de. Relatório do Presidente da Província de Santa Catarina
em 1841., p. 9 e 10. Op. cit. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.
Carta Régia de 13 de março de 1797, apud SOUZA, Paulo Ferreira de. Legislação
florestal. Rio de Janeiro: Diretoria de Estatística da Produção, 1934.
Carta Régia de 13 de março de 1797, Apud. SOUZA, Paulo Ferreira de. Legislação
Florestal. Rio de Janeiro: Diretoria de Estatística da Produção, 1934., p.20-21.
CARTAS DE LEI, ALVARÁS, DECRETOS E CARTAS RÉGIAS. In:
www.camara.gov.br/Internet/InfDoc/conteudo/colecoes/legislação/leginp_D.pdf;
www2.camara.gov.br/legislação/publicacoes/doimperio/colecao1/html.
CAVALCANTE, Jo Mariano de Albuquerque. Relatório do Presidente da Província,
1837., p. 16.
Código de Posturas da Câmara Municipal da Capital da Província de Santa Catarina.
Nossa Senhora do Desterro, 10 de maio de 1845.
Código de Posturas da Câmara Municipal da Capital da Província de Santa Catarina. Nossa
Senhora do Desterro, 22 de outubro de 1888. Título 3º, capítulo 1; arts.: 49, 50, 51 e 52.
255
CONDE DE REZENDE, Vice Rey e Capitão General de Mar e Terra do Estado do
Brasil. Ofício ao governador da Capitania de Santa Catarina Joaquim Xavier Curado. Rio
de Janeiro a 14 de junho de 1801. Acervo BN.
CONDE DE REZENDE. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em
16/05/1797. Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.
CONDE DE REZENDE. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em
18/09/1797. Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.
CONDE DE REZENDE. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em
27/10/1797. Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.
CONDE DE REZENDE. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em
03/12/1797. Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.
COUTINHO, João José. Falla do Presidente de Província dirigida à Assembléia Legislativa
de Santa Catarina, 1º de março de 1851., p. 9. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd.
08/03/07.
COUTINHO, João José. Falla do Presidente de Província dirigida à Assembléia Legislativa
de Santa Catarina, de março de 1854. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd.
08/03/07.
CURADO, Joaquim Xavier. Registro de uma Sesmaria de Manoel Dutra Garcia, Funriel
da Cavalaria de milícias e actual Tesoureiro dos Rendimentos da nova igreja de Nossa
Senhora da Lapa do Distrito do Ribeirão. Nossa Senhora do Desterro, 28 de abril de 1804.
Acervo APESC.
CURADO, Joaquim Xavier. Registro de uma Sesmaria do Capitão Miguel Francisco da
Costa. Acervo n. 1, Estante n. 8E. APESC., fl 145v. 18/04/1805.
Edital de 31 de agosto de 1746 de autoria de D. João V. In: CABRAL, Oswaldo. História
de Santa Catarina. 3. ed. Florianópolis: Lunardelli, 1987.,p. 72.
FERREIRA DE BRITO, A. J. Falla do presidente da Província de Santa Catharina em
1º de março de 1841. In: www.crl.edu/content/brazil/scat.htm Consultado em 02/08/2008.
História de Santa Catarina Invasão Espanhola. Consultado em 25/01/2009.
http://www.sc.gov.br/conteudo/santacatarina/historia/paginas/07espanhois.html.
LIMA, Jo Caetano de, Engenheiro Intendente da Marinha. Carta ao Senhor Dom
Rodrigo de Souza Coutinho, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e
Domínios Ultramarinos. Rio de Janeiro, 12 de agosto de 1800. Acervo: APESC.
PARDAL, João Carlos. Relatório do Presidente da Província de Santa Catarina em
1838., p. 11. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.
PORTUGAL, Tomás Antonio de Vilanova Portugal, Governador de Santa Catarina, Nota
acompanhada de um plano de defesa de seu litoral, de autoria de Félix José de matos,
durante a Guerra da Cisplatina. Desterro, 1819.
256
PORTUGAL, D. Fernando José de. Oficio do Vice Rei ao Governador de Santa
Catarina Joaquim Jose Curado. 7-09-1802. APESC
PORTUGAL, D. Fernando José de. Oficio do Vice Rei ao Governador de Santa Catarina
Joaquim Jose Curado. 23-12-1802. APESC
PORTUGAL. Provisão Régia do Rei D. João V, de 9 de agosto de 1747. Cópia da Provisão
Régia In: www.buratto.net/sc-gen/acorianos.html. Consultado em 22/01/2009.
RAMOS, Àtila. O Abastecimento de água de Florianópolis.
http://www.casan.com.br/comp_hist_saneamento.htm. Consultado em 18/10/2005.
REBOUÇAS, André. Madeiras do Brasil, pesos específicos das principais madeiras do
Brasil. Publicação Oficial, 1877. Acervo BN.
Regimento do Pau-brasil, 12 de dezembro de 1605.
Registro de hua Sismaria de Manoel Espindola da Veiga. De folhas 189 a 190v. do livro
“Registro de Sesmarias”, de 1753 a 1806, n.201. vol. - Diretoria de Geografia e Terras.
In: RIHGB, 1º Semestre 1943, p. 149.
REI D. JOÃO V. Provisão Régia de 9 de agosto de 1747. Comunicou aos habitantes das
ilhas dos Açores que a Coroa oferecia uma série de vantagens aos casais ilhéus que
decidissem emigrar para o litoral do sul do Brasil.
Relatório do Ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Rio de Janeiro:
Typografia Perseverança, 1864., p. 8.
Relatório do Presidente da Província José Mariano de Albuquerque Cavalcante, 1837., p.
16. In: www.crl.edu/content/brazil/scat.htm Consultado em 02/08/2008.
REZENDE, Conde de. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em
16/05/1797. Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.
REZENDE, Conde de. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em
18/09/1797. Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.
REZENDE, Conde de. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em
27/10/1797. Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.
REZENDE, Conde de. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em
03/12/1797. Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina - APESC.
REZENDE, Conde de. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro. Acervo:
Arquivo Público do Estado de Santa Catarina. APESC. 16/12/1798.
REZENDE, Conde de. Ofício ao Governador João Alberto de Miranda Ribeiro em
22/12/1797. Acervo: Arquivo Público do Estado de Santa Catarina. APESC.
REZENDE, Conde de. Vice Rey e Capitão General de Mar e Terra do Estado do Brasil
Ofício ao governador da Capitania de Santa Catarina Joaquim Xavier Curado. Rio de
Janeiro a 14 de junho de 1801.
257
RIBEIRO João Alberto de Miranda. Ofício ao Conde de Rezende, apresentando
relatório sobre a Ilha de Santa Catharina e demais distritos de sua jurisdição, com dados
estatísticos. Desterro, 17 de novembro 1797. Acervo Biblioteca Nacional: Original, 2 doc.
130p. (códice 3,3,17).
RIBEIRO, João Alberto de Miranda, Governador da Ilha e dos demais Distritos de sua
Jurisdição. Ofício ao Conde de Conde de Rezende Vice Rey e Capitão General de Mar e
Terra do Estado do Brasil. Villa do Desterro 11 de abril de 1798. Acervo: APESC.
RIBEIRO, João Alberto de Miranda, Governador da Ilha e dos demais Distritos de sua
Jurisdição. Ofício ao Conde de Conde de Rezende Vice Rey e Capitão General de Mar e
Terra do Estado do Brasil. Villa do Desterro 22 de março de 1798. Acervo: APESC.
RIBEIRO, João Alberto de Miranda. Ofício ao Conde de Rezende Vice Rey e Capitão
General de Mar e Terra do Estado do Brasil. Villa do Desterro a 5 de junho de 1798.
Acervo BN.
RIBEIRO, João Alberto de Miranda. Rezumo Geral de Toda a População Pertencente
ao Governo da Ilha de Santa Catharina, Formado pelos mappas que derão os officios
de cada hum dos Distritos do mesmo Governo. de Janeiro de 1796. Acervo Biblioteca
Nacional: Seção de Manuscritos, conjunto documental 7,4,31.
ROCHA, Francisco José da. Relatório do Presidente da Província à Assembléia
Legislativa, 1885. Pesquisado em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.
SILVA, João Thoda. Falla dirigida à Assembléia Legislativa da Província de Santa
Catharina em 21 de março de 1875 pelo exm. Sr, Presidente da Província. Cidade do
Desterro: Typ. De J.J. Lopes, 1875.
SILVA, João Thomé da. Falla dirigida à Assembléia Legislativa Provincial de Santa
Catarina em 25 de março de 1874. Cidade de Desterro: Typ. De JJ Lopes, 1874.
SILVA, João Thomé. FALLA dirigida à Assembléia Legislativa da Província de Santa
Catharina em 21 de março de 1875. Cidade do Desterro Typ. De J.J. Lopes, 1875.
SILVEIRA, Dom Luiz Maurício da. Registro de huma Concessão de Bernardo
Francisco Tavares, 1810. Acervo n. 1, estante 8E. APESC, fl. 128 verso.
SILVEIRA, Dom Luiz Maurício da. Registro de huma Sísmaria de Domingos José,
cazado, morador nesta Vila. Desterro, 1808. Acervo n. 1, estante 8E. APESC, fl. 152-153.
SILVEIRA, Dom Luiz Maurício da. Registro de huma Sísmaria do Capitão de
Cavalaria Miliciana Miguel Francisco da Costa. Acervo n. 1, estante 8E. APESC, fl. 50
e 51, 1807.
SILVEIRA, Dom Luiz Maurício da. Registro de Sesmaria de Francisco da Roxa Cotta,
morador nesta Vila de Desterro, 04/01/1810. Acervo n. 1, estante 8E. APESC, fl. 129.
SILVEIRA, Dom Luiz Maurício. Doação de sesmaria à João Prestes Barreto da
Fontoura. 30/04/1811. Acervo n. 1, estante 8E. APESC, fl. 161.
258
SOARES, Roberto. Ofício relatando a situação das defesas da Ilha de Santa Catarina de
autoria de Roberto Soares, escrevendo a bordo da Nau Sto Antonio, no momento na costa
catarinense. 21 de novembro de1776. Acervo: Arquivo Nacional.
TAUNAY, Alfredo D’Escragnolle. Planta Topographica da Cidade do Desterro
Levantada por Ordem e na Presidência da Província de Santa Catharina do Ilmo. Exmo.
Snr. Dor. Taunay Alfredo D’Escragnolle pelos Engenheiros Major Dor. Antonio Florêncio
Pereira do Lago e Carlos Othom Sehleppal. Anno de 1876 (08.01.1686 Acervo: Arquivo
Histórico do Exército).
VALLE, Severo Amorim do. Falla do Presidente de Província dirigida à Assembléia
Legislativa de Santa Catarina, 6 de março de 1849., p. 46-47. Pesquisado em
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd. 08/03/07.
VILELA, Valentim Antônio. Ofício do Capitão da Fragata Cisne ao Governador João
Alberto de Miranda Ribeiro com Relação de consumo em 26/02/1798. Acervo: APESC.
www.umbuzeiro.cnip.org.br. Consultado em 08/09/06.
Relatos de jornais:
FALLA do Presidente de Província. O Conservador, Nossa Senhora do Desterro, 08 de
maio de 1855. Nº321, p. 03, coluna 03.
GOUVÊA, Joaquim Bandeira de. Relatório que o Exmo. Sr. Presidente da Província de
Santa Catharina Dr. Joaquim Bandeira de Gouvêa dirige a Assembléia Legislativa
Provincial no acto de abertura de sua cessão ordinária de 26 de março de 1871. Jornal A
Província: Folha Politica e Noticiosa. 37, anno 01 - pág. 01, col. 01 e 02. Acervo:
Biblioteca Nacional.
Iluminação Pública. Correio Catharinense – jornal commercial, noticioso e literário,
Nossa Senhora do Desterro, 09 de fevereiro de 1853. 13, p. 01, colunas 2 e 3. Acervo
BN.
LOPES, José R. Reparos Urgentes em Ruas. O Despertador. Desterro, 20 de fevereiro de
1863. Nº 11, Editorial, p. 01, coluna 01. Acervo: Biblioteca Nacional.
MELLO ALVIN, João de Souza. Relatório apresentado ao Sr. Presidente de Província pelo
Sr. Capitão de engenheiros João de Souza Mello Alvin sobre as fontes públicas desta
Capital. Jornal O Conciliador Catarinense. 17 de novembro de 1849, pág. 02,03 e 04
col:01. Acervo Biblioteca Nacional.
Relação das obras mais necessárias n’esta cidade para melhorar seu estado sanitário, acceio,
etc. a que se refere o ofício da presidência de 24/02/1853. Correio Catharinense jornal
commercial, noticioso e litterario, Desterro, 16/02/1853. 14, p. 01, colunas 1, 2 e 3.
Acervo: BN.
Reparos urgentes nas Ruas. O Despertador. Desterro, 20 de fevereiro de 1863, nº11, p. 01.
Acervo: Biblioteca Nacional.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo