A poesia saiu enfim; e tal contentamento produziu no poeta que foi logo fazer ao padrinho
uma grande revelação.
– Leu hoje o Correio Mercantil, meu padrinho? perguntou ele.
– Homem, tu sabes que eu só lia os jornais no tempo em que era empregado efetivo.
Desde que me aposentei não li mais os periódicos...
– Pois é pena! disse Tinoco com ar frio; queria que me dissesse o que pensa de uns
versos que lá vêm.
– E de mais a mais versos! Os jornais já não falam de política? No meu tempo não
falavam de outra coisa.
– Falam de política e publicam versos, porque ambas as coisas tem entrada na imprensa.
Quer ler os versos?
– Dá cá.
– Aqui estão.
O poeta puxou da algibeira o Correio Mercantil, e o velho Anastácio entrou a ler para si a
obra do afilhado. Com os olhos pregados no padrinho, Luís Tinoco parecia querer adivinhar as
impressões que produziam nele os seus elevados conceitos, metrificados com todas as liberdades
possíveis do consoante. Anastácio acabou de ler os versos e fez com a boca um gesto de enfado.
– Isto não tem graça, disse ele ao afilhado estupefato; que diabo tem a lua com a
indiferença dessa moça, e a que vem aqui a morte deste estrangeiro?
Luís Tinoco teve vontade de descompor o padrinho, mas limitou-se a atirar os cabelos para
trás e a dizer com supremo desdém:
– São coisas de poesia que nem todos entendem, esses versos sem graça, são meus.
– Teus? perguntou Anastácio no cúmulo do espanto.
– Sim, senhor.
– Pois tu fazes versos?
– Assim dizem.
– Mas quem te ensinou a fazer versos?
– Isto não se aprende; traz-se do berço.
Anastácio leu outra vez os versos, e só então reparou na assinatura do afilhado. Não havia que
duvidar: o rapaz dera em poeta. Para o velho aposentado era isto uma grande desgraça. Esse, ligava
à idéia de poeta a idéia de mendicidade.
Tinha-lhe pintado Camões e Bocage, que eram os nomes literários que ele conhecia, como
dois improvisadores de esquina, espeitorando sonetos em troca de algumas moedas, dormindo nos
adros das igrejas e comendo nas cocheiras das casas grandes. Quando soube que o seu querido Luís
estava atacado da terrível moléstia, Anastácio ficou triste, e foi nessa ocasião que se encontrou com
o Dr. Lemos e lhe deu notícia da gravíssima situação do afilhado.
– Dou-lhe parte de que o Luís está poeta.
– Sim? perguntou-lhe o Dr. Lemos. E que tal lhe saiu o poeta?
– Não me importa se saiu mau ou bom. O que sei é que é a maior desgraça que lhe podia
acontecer, porque isto de poesia não dá nada de si. Tenho medo que deixe o emprego, e fique aí
pelas esquinas a falar à lua, cercado de moleques.
O Dr. Lemos tranqüilizou o homem, dizendo-lhe que os poetas não eram esses vadios que ele
imaginava; mostrou-lhe que a poesia não era obstáculo para andar como os outros , para ser
deputado, ministro ou diplomata.
– No entanto, disse o Dr. Lemos, desejarei falar ao Luís; quero ver o que ele tem feito,
porque como eu também fui outrora um pouco versejador, posso saber se o rapaz dá de si.
Luís Tinoco foi ter com ele; levou-lhe o soneto e a ode impressos, e mais algumas produções
não publicadas. Estas orçavam pela ode ou pelo soneto. Imagens safadas, expressões comuns,
frouxo alento e nenhuma arte; apesar de tudo isso, havia de quando em quando algum lampejo que
indicava da parte do neófito propensão para o mister; podia ser ao cabo de algum tempo um
excelente trovador de salas.