entendemos que fronteiras são muito mais do que ambivalência, pois são
também dotadas de uma certa ambiguidade. Com isto queremos dizer que se
presume neste conceito de fronteira uma promessa de superação dos seus
elementos constitutivos e a produção de um terceiro: ser fronteira é produzir
algo mais, é ser um plus, é ser mais ainda do que a soma de partes. É
produzir um novo, específico, distinto das partes constitutivas. Uma nova
identidade, portanto, fenômeno cultural surgido da integração entre
elementos, cada qual com as suas características, dando surgimento a um
outro ser, original. (PESAVENTO, 2006, p. 11).
A construção da América Latina, ao longo do tempo, configurou-se como
consequência do processo de povoamento que aconteceu por meio da conquista da
América, com a substituição dos povos nativos pelos colonizadores europeus, os quais,
durante trezentos anos, organizaram o espaço latino-americano de modo a suprir as
necessidades das economias metropolitanas. A América Latina apresenta fatores que lhe
conferem unidade e que lhe possibilitam a configuração como uma região, pois, em
meio à diversidade espacial, há elementos comuns como a colonização originária,
predominantemente, da Península Ibérica, a aniquilação dos povos indígenas para a
utilização do espaço pelos imigrantes europeus, o aspecto cultural ao lado dos
problemas socioeconômicos característicos do subdesenvolvimento.
A mestiçagem, que provoca a desagregação da noção de unidade e ocasiona uma
transformação cultural, cruzando valores dos grupos dominantes com os dos grupos
dominados, tem a capacidade de modificar as duas forças de dominação, a língua e a
religião, pela incorporação de elementos simbólicos de diferentes procedências. O
descentramento, acabando com as noções de centro e periferia, cria o entre-lugar, o qual
se constitui no locus da transculturação e do hibridismo. Assim, nesse contexto, a
América Latina, cuja cultura é formada por tradições variadas, torna-se o local para a
produção de novas narrativas, nas quais o questionamento dos paradigmas admite a
formulação de um novo discurso, com representação própria e, por isso, de resistência.
A diversidade oriunda da mestiçagem e do hibridismo pode ser considerada produtiva
para pensar, na literatura latino-americana, a desconstrução do cânone tradicional a fim
de recriá-lo, refletindo sobre as diferenças em relação ao sistema de que fazem parte.
Em suma, assevera Coutinho (1999, p. 56-57)
a heterogeneidade da cultura do continente passou a ser enfatizada, e os
conceitos como os de “literatura nacional”, forjados no meio acadêmico
europeu e baseados em noções de unidade e coesão, que serviram a
interesses específicos em momento histórico também determinado,
revelaram-se impróprios para expressar a realidade cultural híbrida de um
continente onde nações foram divididas pela imposição de fronteiras
arbitrárias. (...) A História Literária abandonou seus pilares tradicionais e se
tornou a articulação de sistemas ao mesmo tempo imbricados, superpostos e