se baseia apenas na separação legal entre a metrópole e a colônia, mas, acima de tudo, no
re-ordenamento das formas culturais ditadas pelo império, que continua impondo e
reforçando fronteiras econômicas e culturais, bloqueando, portanto, outros fluxos culturais.
Uma vez que o povo moçambicano tem suas raízes nas culturas bantu, que aos
poucos foi sendo atravessada por vários povos, como portugueses, árabes, indianos entre
outros, o país se constituiu em zonas de intensas trocas culturais. A colonização trouxe à
tona a necessidade de uma negociação permanente entre os diversos que vivem dentro dos
limites físicos da nação. Conforme o pensamento de Said, essa negociação que ocorre no
interior de culturas híbridas, particularmente em Moçambique, diz-nos o quanto a história
de todas as culturas é a história dos empréstimos culturais, e que a idéia de fronteira passa
muito mais por experiências humanamente culturais e existenciais do que simplesmente por
uma questão de propriedade e aprisionamento. Por isso, em Um rio chamado tempo, uma
casa chamada terra, o encontro de Marianinho com o avô revela um movimento que é,
sobretudo, o de chegada a uma fronteira imaginária, onde a oralidade do ancião, já
ocupando “essa outra fronteira”, e a escrita do jovem, tornam limítrofes o mundo visível
africano e a fronteira invisível dos antepassados. Essa condição se faz numa das cartas do
avô Dito Mariano ao neto, ao retratar as experiências vividas junto aos seus: “O silêncio,
doutor. O silêncio é a língua de Deus” (COUTO: 2005, 150).
Hoje, portanto, a produção literária dos autores africanos nos conduz a outros
mundos possíveis, onde sujeitos e territórios apontam que as relações humanas são
travessias, e, nestas, as identidades estão em constante movimento. Os sujeitos desse limiar
problematizam o confronto cultural, colocando todos os diversos em contato, não apenas no
que tange ao aspecto étnico, mas também a partir de uma “língua” que potencializa as
narrativas africanas em relação às suas culturas. Said afirma a respeito da língua que:
ela repovoa a paisagem usando modos de vida, heróis, heroínas e façanhas
restauradas; formula expressões e emoções de orgulho e de desafio que, por
sua vez, formam a coluna vertebral dos principais partidos independentes
nacionais (SAID: 1995, 273).
Em Um rio chamado Tempo, uma casa chamada Terra, a narrativa já nos
mostra, pelo extenso título, tratar-se de um texto para além das fronteiras geofísicas. Assim,