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destinada ao ostracismo. Euforia que levava a tomar uma concepção
histórica de razão como se fosse a Verdade religiosa do Secretum. Essa
tendência, a que o pensamento europeu irá cedendo a partir de Descartes (e
apesar dele), presidirá, como ensina Foucault, ao nascimento da monarquia
absoluta e à criação dos manicômios para os que “perderam a razão”. Isto
acabará por estabelecer a cisão entre expressão “racional”, “verdadeira”, de
um lado, e expressão “poética”, “falsa”, de outro; entre o “cientista”, de um
lado, e o “artista”, de outro. (Ghirardi, 2002, p.20).
Em “O cavaleiro inexistente”, no entanto, o equilíbrio terá de ser buscado fora da
armadura, uma vez que a força de vontade, quando não encontra referente, é um discurso
monológico que está fadado a desaparecer, pois nega a isonomia e a plenivalência entre as
consciências, ou seja, nega a isonomia entre os discursos (Bezerra, 2005, p, 192). Assim, para
que a narrativa possa ser desenvolvida, são incluídos outros personagens em que o ser e o
não-ser habitem o interior da mesma personagem, pois somente na tensão de elementos
mínimos, de um lado, a consciência (subjetivo), e a realidade, do outro, (objetivo), é que pode
ser desenvolvida a história, ou seja, torna-se latente a necessidade de “construir um mundo
polifônico e destruir as formas já constituídas” (Bakhtin, 1997, p. 6) para que o diálogo seja
estabelecido. Calvino vale-se da temática da cavalaria e da estrutura romanesca, evocada até
mesmo pela armadura, para preenchê-la com matéria nova, para dialogar com ela:
“Deixo esta armadura ao cavaleiro Rambaldo de Rossiglione”.
Embaixo via-se um rabisco, como de uma assinatura iniciada e logo
interrompida. (…): a armadura está vazia, não vazia como antes,
esvaziada daquele algo que se chamava Agilulfo e que agora se
dissolveu como uma gota no mar. Rambaldo agora afrouxa sua
couraça, despe-se, enfia a armadura branca (…). – Do cavaleiro dos
Guildiverni só restou a armadura branca e este papel que me garante
sua posse. Não vejo a hora de entrar em combate! (N.A., p. 478-480).
O romântico paladino Rambaldo de Rossiglione, admirador de Agilulfo, é uma das
ferramentas usadas no romance para demonstrar as mais diversas formas de tomada de
consciência no qual “a prova do ser está no fazer” (Calvino, 2001, p. 17), ou seja, no fazer
enquanto ato consciente. Depois de suas experiências no campo de batalha, torna-se, então,