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SEMESTRE
MÓDULO 7
Educação
Física e Saúde
Pedagogia da
Dança Escolar
Estágio
Supervisionado
do Segundo
Ciclo do Ensino
Fundamental
Trabalho de
Conclusão de
Curso I
Pedagogia das
Lutas e Artes
Marciais
Física
Curso a distância
Educação
Curso a distância
Educação
Física
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Física
SEMESTRE - MÓDULO 7
Educação
Curso a distância
Universidade de Brasília
Ministerio
da Educação
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República Federativa do Brasil
Presidenta
Dilma Vana Rousseff
Ministério da Educação
Ministro da Educação
Fernando Haddad
Fundação Universidade de Brasília
Reitor
José Geraldo de Sousa Junior
Decana de Ensino de Graduação
Márcia Abrahão Moura
Diretor de Ensino de Graduação a Distância e Gestão da
Informação
Sérgio Freitas
Secretario de Administração Acadêmica
Arnaldo Carlos Alves
Faculdade de Educação Física
Diretor
Alexandre Luiz Gonçalves de Rezende
Coordenador do Curso de Educação Física a Distância
Alcir Braga Sanches
Iran Junqueira de Castro
Gestora de Projetos em Educação a Distância
Adriana Amidani
Técnico de Informática – Administrador Ambiente Moodle
Jitone Leônidas Soares
Assistente Pedagógico
Carlos Frederico Melo dos Santos
Universidade Federal de Rondônia
Reitor
José Januário de Oliveira Amaral
Coordenador Local
Daniel Oliveira de Souza
Gestora Operacional
Cristiane Anita Furlanetto
Técnica de Informática
Arisleide Máximo
Universidade Federal do Amapá
Reitor
José Carlos Tavares Carvalho
Coordenadora Local
Maria do Socorro dos Santos Mendonça
Gestora Operacional
Huana da Silva Furtado
Técnica de Informática
Dayane da Silva Brito
Professores-autores
Pedagogia das Lutas e Artes Marciais
André Teixeira Reis – UnB
Fabrício Carlo Garcia – UniCEUB / CMB
Educação Física e Saúde
Júlia Aparecidada Devidé Nogueira – UnB
Ricardo Moreno – UnB
Pedagogia da Dança Escolar
Márcia Duarte - UnB
Estágio Supervisionado – Segundo Ciclo do Ensino
Fundamental
Alexandre Rezende – UnB
Marisete Peralta Safons – UnB
Trabalho de Conclusão de Curso I
Fernando Mascarenhas – UnB
Regiane Ávila – SEEG / UFG
Equipe de Produção
Coordenação de Produção do Material Pedagógico
Adriana Amidani
Design Instrucional do Material Impresso e de Telas Web para
EaD
Cassandra Amidani – Disciplinas 2, 4 e 5.
Tâmara Marisi Vicentine Melo – Disciplinas1 e 3.
Revisão
Carolina Vieira
Ilustrações
Cristiano Henriques de Melo
Joselito Rodrigues Silveira
Diagramação
Rafael Brito
E24 Educação física a distância : módulo 7 / Alcir Braga Sanches,
coordenador. _ Brasília : Universidade de
Brasília, 2011.
472 p. ; 30 cm.
Conteúdo: Pedagogia das lutas e artes marciais / André Teixeira Reis, Fabrício Carlo Garcia – Educação
física e saúde / Júlia Aparecida Devidé Nogueira, Ricardo Moreno – Pedagogia da dança escolar / Márcia Duarte
– Estágio supervisionado do segundo ciclo do ensino fundamental / Alexandre Rezende, Marisete Peralta Safons
– Trabalho de conclusão de curso I / Fernando Mascarenhas, Regiane Ávila.
1. Educação física – ensino. 2. Educação a distância. I.
Sanches, Alcir Braga (coord.). CDU 796:37
Sumário
ÍCONES ORGANIZADORES �������������������������������������������������� 13
APRESENTAÇÃO DO MÓDULO 7 ���������������������������������������� 15
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA ��������������������������������������������������������23
OBJETIVOS �������������������������������������������������������������������������������������������23
Aspectos Históricos, Filosóficos e Conceituais das Lutas 25
1.1 Lutas e suas Subdivisões (Conceitos e Denições).............................................26
1.1.1 Luta...................................................................................................27
1.1.2 Arte Marcial.......................................................................................27
1.1.3 Desporto Marcial ..............................................................................30
1.1.4 Desporto de Combate ......................................................................31
1.1.5 Sistema de Combate Defensivo Pessoal (SCDP) ............................32
1.1.6 Jogos de Oposição ou de Combate .................................................33
1.2. Origem das Lutas (como tudo começou) ............................................................34
Artes Marciais Japonesas ��������������������������������������������������� 39
2.1 O Caminho da Harmonização das Energias ........................................................40
2.1.1 Características..................................................................................41
2.1.2 Graduação ........................................................................................42
2.1.3 Aikidô no Brasil .................................................................................42
2.1.4 Filosoa ............................................................................................42
2.2 A Arte da Suavidade dos Samurais ......................................................................43
2.2.1 Características..................................................................................47
2.2.2 Jiujitsu no Brasil................................................................................48
2.3 O Caminho Suave e o Pai da Educação Física do Japão ...................................48
Sumário
2.3.1 Filosoa ............................................................................................51
2.3.2 Judô no Brasil ...................................................................................52
2.4 O Poeta e o Caminho das Mãos Vazias ...............................................................53
2.4.1 Características..................................................................................55
2.4.2 Karatê no Brasil ................................................................................55
2.4.3 Filosoa ............................................................................................56
Artes Marciais Coreanas ����������������������������������������������������� 59
3.1 O Caminho das Mãos e dos Pés que voam ........................................................60
3.1.1 Antiguidade (37 a.C - 935 d.C) .........................................................60
3.1.2 Idade Média (935 d.C - 1910) ..........................................................61
3.1.3 Idade Moderna (1910 - 1945) ..........................................................61
3.1.4 Idade Contemporânea (1945 - dias atuais) .....................................62
3.2 Taekwondo no Brasil ............................................................................................64
3.3 Filosoa e Estrutura..............................................................................................65
Artes Marciais Chinesas ������������������������������������������������������ 69
4.1 A Arte Guerreira: do Imperador Amarelo ao Líder Comunista ..............................70
4.2 Wushu e Guoshu na Contemporaneidade ...........................................................74
4.3 Wushu no Brasil ...................................................................................................75
4.4 Filosoa e Estrutura..............................................................................................76
Desportos de Combate Antigos e Contemporâneos ����������� 79
5.1 Lutas no Ocidente: dos Jogos de Guerra ao Esporte Espetáculo .......................80
5.2 Desportos de Combate no Brasil..........................................................................87
5.2.1 Esgrima ............................................................................................87
5.2.2 Boxe ................................................................................................88
5.2.3 Luta Olímpica ..................................................................................90
Sumário
5.2.4 MMA ................................................................................................90
Arte–Luta–Dança Nacional �������������������������������������������������� 93
6.1 Apresentação a Arte–Luta–Dança .......................................................................94
6.2 Aspectos Históricos da Capoeira..........................................................................94
6.2.1 A Grande Diáspora Africana .............................................................94
6.2.2 Das Senzalas para as Cidades ........................................................95
6.2.3 O Surgimento da Capoeira Regional Baiana ...................................99
6.2.4 A Refundação da “Luta das Ruas”: a Capoeira Angola ..................100
6.2.5 A Capoeira na Contemporaneidade ...............................................101
6.3 Características....................................................................................................103
Jogos de Combate e Bem-estar Social ������������������������������ 107
7.1 Brincando de Luta ..............................................................................................108
7.2 Bem-estar Social nos Jogos de Combate ..........................................................109
7.2.1 Amizade e Relacionamento entre Pares ........................................ 111
7.2.2 Liderança ........................................................................................ 111
7.2.3 Identidade do Grupo e Senso de Pertencimento ...........................112
7.3 Os Jogos de Combate como Fonte de Empoderamento ...................................112
7.4 Exemplos de Jogos de Combate na Escola .......................................................114
7.5 Considerações Finais .........................................................................................115
As Lutas no Projeto Político-Pedagógico da Escola ��������� 119
8.1 Introdução...........................................................................................................120
8.2 Projeto Político-Pedagógico ...............................................................................121
8.3 As Lutas no Projeto Político-Pedagógico da Escola ..........................................122
8.4 Considerações Finais .........................................................................................124
Sumário
Saiba Mais ������������������������������������������������������������������������� 127
Referências Bibliográficas������������������������������������������������� 128
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA ������������������������������������������������������134
OBJETIVOS �����������������������������������������������������������������������������������������135
Conceitos e Princípios Básicos em Saúde
e Educação Física �������������������������������������������������������������� 137
1.1 Saúde, Estilo e Qualidade de Vida .....................................................................138
1.2 Estilo de Vida, Qualidade de Vida, Saúde e Doença na Sociedade Moderna ...139
1.3 Atividade Física, Exercício Físico e Aptidão Física ............................................143
1.4 Epidemiologia, Sociedade, Atividade Física, Aptidão Física e Saúde ................ 146
1.4.1 Relação Epidemiologia, Atividade Física e Saúde .........................147
Efeitos da Atividade Física na Prevenção e no
Controle de Doenças ��������������������������������������������������������� 157
2.1 Sobrepeso e Obesidade ....................................................................................159
2.2 Doenças Metabólicas (diabetes, hipertensão e hipercolesterolemia ................166
2.2.1 Diabetes Mellitus tipo 2 ..................................................................167
2.2.2 Hipertensão Arterial ........................................................................169
2.2.3 Hipercolesterolemia ........................................................................170
2.2.4 Alterações Trombogênicas .............................................................170
2.3 Doenças Cardiovasculares.................................................................................171
2.4 Sistema Respiratório ..........................................................................................174
2.4.1 Asma...............................................................................................174
2.5 Neoplasia e Imunidade .......................................................................................175
Sumário
2.6 Sistemas Musculoesqueléticos (lesões, osteoporose, artrite e bromialgia) .....175
2.7 Capacidade Funcional ........................................................................................177
2.8 Funções Mentais (ansiedade, estresse, depressão e doenças
correlatas: Parkinson e Alzheimer ............................................................................178
O Papel da Educação Física na Promoção da Saúde ������� 189
3.1 Sociedade, Bem-estar Físico, Metal, Emocional e Social..... .............................191
3.2 Aspectos Históricos da Atividade Física .............................................................193
3.3 Educação Física, a Sociedade Atual e a Qualidade de Vida .............................194
3.3.1 O Papel da Educação Física na Promoção da Saúde ...................196
3.4 O Papel do Prossional de Educação Física no Contexto Atual ........................199
3.5 Perspectivas e Desaos da Educação Física na Sociedade Atual ....................204
Glossário ��������������������������������������������������������������������������� 209
Referências Bibliográficas������������������������������������������������� 210
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA ������������������������������������������������������216
OBJETIVOS �����������������������������������������������������������������������������������������217
O Corpo
TODO
Sente e Dança ���������������������������������������������������219
1.1 O Corpo TODO ...................................................................................................220
1.2 Corporeidade e Meio ..........................................................................................223
1.3 O Corpo Emocional ............................................................................................226
Quando a Dança é Jogo ���������������������������������������������������� 235
2.1 O Jogo e o Lúdico na Raiz da Expressividade Humana... .................................236
Sumário
2.2 Dança, Arte e Expressão Poética .......................................................................245
2.3 Formas Lúdicas da Dança..................................................................................248
Do Jogo à Dança ��������������������������������������������������������������� 271
3.1 Jogos para Dançar .............................................................................................273
3.2 Jogo-Cena e Intérprete-Jogador ........................................................................286
Glossário ��������������������������������������������������������������������������� 307
Referências Bibliográficas������������������������������������������������� 308
ESTÁGIO SUPERVISIONADO SEGUNDO CICLO DO ENSINO
FUNDAMENTAL
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA ������������������������������������������������������317
OBJETIVOS �����������������������������������������������������������������������������������������319
Estágio Supervisionado e sua Contextualização �������������� 321
1.1 Licenciatura e Bacharelados: Peculiaridades e Aproximações ..........................322
1.1.1 O Estágio Supervisionado na Nova Concepção do Currículo de Formação dos
educadores ..............................................................................................................323
1.1.2 Contextualização o Estágio Supervisionado ...................................................326
1.3 Conhecimentos Previamente Adquiridos............................................................329
1.4 Etapas de Construção de um Projeto...................................................................330
Metodologia de Ensino Proposta: a Pedagogia de
Projetos ����������������������������������������������������������������������������� 333
2.1 Como Fazer para os Conhecimentos Escolares Serem Compreensíveis para os
Alunos.......................................................................................................................335
Sumário
2.1.1 Denição dos Papéis ......................................................................339
Pedagogia de Projetos: Formulação Inicial do Projeto ����� 345
3.1 Elaborando um Projeto .......................................................................................347
Pedagogia de Projetos: Início, a Definição do Tema do
Projeto ������������������������������������������������������������������������������� 351
4.1 Recomendação ..................................................................................................353
Pedagogia de Projetos: Planejamento ������������������������������ 359
5.1 As Perguntas que Ajudam a Denir o Projeto ....................................................361
5.1.1 Planejamento Operacional e Estratégico do Projeto ......................361
Pedagogia de Projetos: Execução ������������������������������������� 365
6.1 Papel dos Estudantes na Execução do Projeto .................................................367
6.2 Acompanhamento do Projeto .............................................................................367
Pedagogia de Projetos: Apresentação do Projeto ������������ 371
7.1 A Apresentação...................................................................................................373
7.2 Fechamento, Ajustes Finais e Complementações .............................................374
Pedagogia de Projetos: Avaliação ������������������������������������� 377
8.1 Avaliação do Projeto ...........................................................................................379
8.2 Registro dos Estudantes ....................................................................................381
8.3 Registro do Projeto .............................................................................................381
Glossário ��������������������������������������������������������������������������� 383
Referências Bibliográficas������������������������������������������������� 384
Sumário
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO I
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA ������������������������������������������������������390
OBJETIVOS �����������������������������������������������������������������������������������������391
PESQUISA EM EDUCAÇÃO: CONCEITOS E FUNDAMENTOS ������������393
1.1 O que é Pesquisa ...............................................................................................395
1.2 Por que o Professor de Educação Física Precisa Realizar Pesquisas? ............396
1.3 E onde Entra o Projeto de Pesquisa? ................................................................398
A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA ����������������������������������401
2.1 Introdução (O Tema e a Justicativa) .................................................................404
2.1.1 O Tema ...........................................................................................404
2.1.2 Justicando a Sua Pesquisa ..........................................................407
2.2 O Problema de Pesquisa....................................................................................409
2.3 Hipóteses de Estudo ..........................................................................................411
2.4 Objetivos da Pesquisa ........................................................................................ 411
2.5 Fundamentação Teórica .....................................................................................413
2.5.1 Identicação das Fontes.................................................................419
2.5.2 Como Fazer a Leitura do Material? ................................................422
2.6 Procedimentos Metodológicos ...........................................................................424
2.7 Cronograma de Pesquisa ...................................................................................427
2.8 Estimativa de Custos ..........................................................................................429
2.9 Referências Bibliográcas ..................................................................................431
DIFERENTES TIPOS DE PESQUISA QUALITATIVA �����������������������������435
3.1 A Pesquisa Qualitativa: Explicando, Explorando e descrevendo a realidade ....437
3.2 Conhecendo Opções Metodológicas..................................................................438
Sumário
3.3 As Opções do Estudo de Caso e da Pesquisa Participante ...............................443
3.4 A Opção Metodológica e o Delineamento da Pesquisa .....................................444
O TRABALHO DE CAMPO: MÉTODOS E TÉCNICAS ���������������������������449
4.1 Sobre o Trabalho de Campo ..............................................................................451
4.2 Observações, Questionários e Entrevistas ........................................................451
4.2.1 A Observação .................................................................................452
4.2.2 A Entrevista.....................................................................................453
4.2.3 Sobre o Questionário......................................................................454
ASPECTOS FORMAIS DO PROJETO DE PESQUISA CIENTÍFICA��������457
5.1 Capa do Projeto..................................................................................................459
5.2 Folha de Rosto ...................................................................................................459
5.3 Normalização Exigida no Corpo do Texto ..........................................................460
5.4 Orientação Para as Citações no Corpo do Texto ...............................................461
5.4.1 Citação Direta .................................................................................461
5.4.2 Citação Indireta ..............................................................................462
5.4.3 Citação de Citação .........................................................................463
5.5 Referências ........................................................................................................464
Glossário ��������������������������������������������������������������������������� 469
Referências Bibliográficas������������������������������������������������� 470
ATENÇÃO – Existem conceitos, ideias, lembretes que são
importantes. Por isso, sempre que você vir tais destaques, ATENÇÃO!
REFLITA – Momento em que você fará uma pausa para pensar nas
questões apresentadas e aprofundar pontos relevantes.
HORA DE PRATICAR – Espaço para você realizar exercícios,
atividades, pesquisas e auto avaliação para consolidar o que
aprendeu.
SAIBA + Além dos assuntos essenciais apresentados, o que
existe que possa contribuir com o progresso de sua aprendizagem?
O Saiba+ traz endereços de sites, textos complementares,
aprofundamentos de ideias, curiosidades sobre os temas estudados.
RESUMO – Finalizando cada unidade de estudo, apresentamos
uma síntese dos assuntos abordados para facilitar a visão geral do
que foi explorado.
Ícones Organizadores
Caro (a) Aluno (a),
Você vai enfrentar a penúltima
etapa desta longa jornada. Você
chegou até aqui e está pronto
para dar continuidade aos seus
estudos com as disciplinas deste
módulo, inclusive os estágios
(Estágio Supervisionado – 2º ciclo
do Ensino Fundamental) e, em
especial, a disciplina Trabalho de
Conclusão de Curso I (TCC I).
Seguindo as orientações do
projeto pedagógico do curso,
as disciplinas deste semestre
prosseguem no desenvolvimento
de competências do alunado, por
meio da articulação entre teoria e
prática, em especial o Estágio e o
TCC I.
Esta etapa é muito importante,
pois é nela que você tem
a oportunidade de iniciar o
coroamento da sua capacidade
de síntese das questões teóricas
e práticas que foram discutidas ao
longo do curso.
Você continuará a expressar a
sua capacidade, especialmente,
pela disciplina TCC I, cujo objetivo
primordial é a elaboração do
projeto acadêmico para o trabalho
de conclusão do curso.
Da nossa parte, na estruturação da
disciplina TCC I, faremos o melhor
para dar a você todas as condições
para o atingimento desta meta,
ou seja, elaborar o trabalho de
conclusão do curso.
Para atingi-la, além da sua
dedicação aos estudos, você pode
contar com as equipes de tutores
SOBRE O MÓDULO 7
É com imensa satisfação que apresento a você o sétimo
módulo do nosso curso, que representa uma síntese atualizada
dos conteúdos desenvolvidos para cada disciplina. Como no
Módulo 6, o conteúdo das disciplinas deste módulo é aplicável
à disciplina agregadora do período – Estágio Supervisionado
– Segundo Ciclo do Ensino Fundamental. A disciplina Trabalho
de Conclusão de Curso (TCC I) completa o módulo com
ideias que já foram despertadas em você ao longo do curso.
Pedagogia das Lutas e Artes Marciais – nesta disciplina,
consideraremos a realidade cultural na qual a sua escola está
inserida, para discutir e elaborar estratégias didáticas que
sistematizem os conteúdos das Lutas / Artes Marciais, numa
perspectiva crítica de educação. Para isso, exploraremos
dimensões históricas, losócas e conceituais das lutas;
as Artes Marciais, no seu sentido geral; as Artes Marciais
Japonesas e Coreanas; os desportos de combate antigos
e contemporâneos chineses; os jogos de combate e bem-
estar social, nalizando com o entendimento das lutas
no interior do Projeto Político-pedagógico da escola.
Educação Física e Saúde – discutiremos aspectos importantes
da saúde na sociedade contemporânea e o papel da Educação
Física neste contexto. Assim, abordaremos conceitos sobre
saúde, atividade física, Educação Física, dentre outros assuntos
ao tema. Com isso em mente, estudaremos os desdobramentos
da atividade física na prevenção e no controle de doenças e o
papel da Educação Física escolar como elemento formador
/ transformador do aluno e da sociedade rumo à obtenção
da saúde e qualidade de vida. Também pensaremos sobre
como incluir estes temas nas aulas e sobre o papel do
professor de Educação Física no contexto social atual.
Pedagogia da Dança Escolar – exploraremos aspectos
que ajudarão você a pensar sobre o signicado da arte e da
dança como expressões humanas, numa busca que extrapola
o aspecto prático e técnico dos estilos das danças e ritmos
especícos. A proposta é, a partir do signicado da dança,
(presencial e a distância), gestores,
secretários e coordenadores dos
polos. Você chegou até aqui e,
certamente, está preparado para
enfrentar este desao.
Lembra-se da nossa metáfora?
Você está na seminal da nossa
jornada, e tenho certeza que você
passará desta etapa e caminhará
conante para a grande nal.
Alcir Braga Sanches
Coordenador do curso – UnB
despertar o seu entendimento sobre o papel do professor
de Educação Física (educador corporal) como aquele que
conduz a construção do conhecimento das potencialidades
corporais e elabora percursos criativos para a realização
da prática corporal, por intermédio do ensino da dança.
Estágio Supervisionado – Segundo Ciclo do Ensino
Fundamental – nesta disciplina, conversaremos,
especialmente, sobre o Plano de Unidade ou Plano Geral
da Disciplina para o ano letivo, adotando a “pedagogia
de projetos”. Focaremos o processo de aprendizagem,
considerando a relevância do produto nal construído pelos
alunos. Para isso, abordaremos a metodologia da pedagogia
de projetos, o modo de iniciá-la, de fazer o seu planejamento,
desenvolvimento, a sua execução, apresentação e avaliação.
Trabalho de Conclusão do Curso I – esta disciplina
completa o módulo. Ela tem por objetivo primordial orientar a
elaboração do projeto acadêmico referente ao seu trabalho
de conclusão de curso. Veja que você construirá um projeto
de pesquisa relativo ao seu trabalho de conclusão de curso.
Isso significa que terá a oportunidade de sistematizar
debates realizados sobre questões teóricas e práticas
referentes ao campo da Educação Física escolar, seu ensino
e aprendizagem. Para isso, apresentamos uma síntese dos
principais temas para você construir o seu projeto de pesquisa,
estudando os fundamentos da pesquisa em educação;
como construir um projeto de pesquisa; os tipos de pesquisa
qualitativa; os métodos e as técnicas do trabalho de campo,
concluindo com as dimensões formais do projeto científico.
Bem-vindo (a) ao Módulo 7!
Equipes
Dayane Brito
Técnica de
Informática
M.do Socorro
S. Mendonça
Coordenadora
Local
Huana Furtado
Gestora
Operacional
Annie Barbosa
Secretária
de Polo
Técnico de
Informática
Apoio Técnico
Assistente da
Gestão
Pedagógica
Adriana Amidani
Gestora de
Projetos em EaD
Daniel Oliveira
Coordenador
Local
Cristine
Furlanetto
Gestora
Operacinal
Arisleide
Máximo
Técnica de
Informática
Maria Luiza
Secretária de
Polo
Porto Velho
Isabel Cristina
Secretária de Polo
Ariquemes
Marcelo Bernardes
Carlos Santos
Jitone Soares
Johnson Oliveira
Secretário
da Coordenação
Geral
PEDAGOGIA DAS
LUTAS E ARTES
MARCIAIS
21
Muito prazer!
Ambos somos professores do Ensino Superior e temos algo em comum: amamos
trabalhar com lutas visando à formação integral do ser humano. Essa disciplina foi construída
em parceria e, durante todo o tempo da elaboração deste trabalho, pensamos como poderíamos
contemplar as respectivas lutas que vivenciamos – Capoeira e Wushu –, e não só elas, mas
outras, praticadas por amigos e mestres que estimamos. Acreditamos ter conseguido, e
esperamos que esse humilde trabalho possa agregar valor à sua formação prossional.
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Eu, Fabrício Garcia, sou doutorando em Ciências da Educação, pela Universidade
Nacional de Rosário (Argentina). Possuo graduação técnica de professor em arte marcial
chinesa (Wushu), e atuo como professor do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB; uma
das disciplinas ministradas por mim na graduação se refere às lutas (Pedagogia das Lutas).
Ministro aulas também no Ensino Básico Federal – Colégio Militar de Brasília (CMB) como
professor no Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano), com as modalidades de Ginástica, Práticas
Corporais, Basquete e Handebol.
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Eu, André Reis, sou mestre em Ciências da Saúde, pela Universidade de Brasília –
UnB, e doutor em Ciências da Saúde e Exercício pela Universidade de Bristol (Inglaterra). Além
de ser professor de Capoeira, atuo como professor da UnB, e algumas das disciplinas que
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
Prof. André Luiz Teixeira Reis
Licenciado em Ed. Física e Mestre em Ciências da Saúde pela UnB.
Doutor em Ciências da Saúde e Exercício pela University of Bristol,
Inglaterra.
Prof. Fabrício Carlo Garcia
Licenciado em Ed. Física e Especialista em Esporte Educacional pela
UnB. Doutorando em Ciências da Educação pela Universidad Nacional
de Rosário, Argentina.
22
ministro são Metodologia da Capoeira, Metodologia dos Desportos e Prática de Ensino em
Educação Física, dentre outras. Sou ainda coordenador do Núcleo de Pesquisa e Prática de
Capoeira e Cultura Afro-Brasileira, projeto que muito me motiva e satisfaz como capoeirista.
Esse trabalho pedagógico foi para nós um empolgante desao, por percebermos, em
nossas pesquisas, uma literatura incipiente sobre as lutas, principalmente no que diz respeito
à sua implementação pedagógica na escola. Esse fato aumentou nossa responsabilidade
de consolidar um bom trabalho. Eis, portanto, nossa colaboração também com o ensino a
distância, na tentativa de manter o nível de qualidade tanto quanto o fazemos presencialmente.
Construir a partir da desconstrução de paradigmas ou “pré-conceitos” em relação
ao tema apresentado foi nosso principal objetivo, mas precisamos da sua EFETIVA e ATIVA
participação para conseguirmos isso.
Preparado para aceitar o desafio? Iniciemos então nossa caminhada!
23
Apresentação da Disciplina
Caro(a) estudante,
Esta disciplina traz um olhar sobre as lutas numa perspectiva crítica de
educação, compreendendo a escola como um espaço adequado para a apreensão
dos conhecimentos construídos ao longo do tempo, válidos, atuais e importantes à
formação do aluno do Ensino Básico.
Nessa concepção, o aluno é considerado um ser concreto que possui uma
história, uma consciência e deve ser estimulado à crítica e à autonomia. Para tanto,
nos valemos desse conteúdo maravilhoso chamado Lutas, tentando explorar suas
possibilidades a partir de dados históricos das várias modalidades existentes. Para
tanto, os assuntos abordados em cada unidade estão listados a seguir:
Unidade IAspectos Históricos, Filosócos e Conceituais das Lutas
Unidade IIArtes Marciais Japonesas
Unidade IIIArtes Marciais Coreanas
Unidade IVArtes Marciais
Unidade V – Desportos de Combate Antigos e Contemporâneos
Unidade VIArte–Luta–Dança Nacional
Unidade VII – Jogos de Combate e Bem-estar Social
Unidade VIII – Lutas no Projeto Político-Pedagógico da Escola
Agora, respire fundo, relaxe, e vamos começar nosso passeio por esse pequeno
(grande!!) universo chamado Lutas. Venha conosco!
OBJETIVOS
Após nalizar esta disciplina, esperamos que você seja capaz de:
construir estratégias didático-pedagógicas de sistematização dos conteúdos
das Lutas/Artes Marciais, em uma perspectiva crítica de educação, tendo como
referência a realidade do contexto cultural no qual está inserida a sua escola.
UNIDADE 1
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Aspectos Históricos, Filosóficos e
Conceituais das Lutas
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
Para começar a nossa discussão sobre as Lutas,
apresentaremos os vários termos utilizados, e não raras
vezes de forma inadequada ao contexto apresentado.
Além disso, vamos explorar a gênese desse processo de
combates corporais, retornando a nada mais nada menos
que onze mil anos!! Acompanhe-nos e divirta-se durante a
leitura!
OBJETIVOS
Após nalizar esta Unidade, esperamos que você seja capaz de:
denir cada um dos termos utilizados em seus respectivos contextos (luta, arte
marcial, desporto marcial, desporto de combate, jogo de combate e sistema de
combate defensivo pessoal);
descrever a origem, evolução e contextualização das lutas na contemporaneidade.
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 1 | ASPECTOS HISTÓRICOS, FILOSÓFICOS E CONCEITUAIS DAS LUTAS
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1.1 Luta e suas Subdivisões (Conceitos e
Denições)
Luta e arte marcial são a mesma coisa? E desporto de
combate? E o que dizer de defesa pessoal? Puxa, que
confusão!! Mas que calmo, depois desse estudo, você
terá condições de diferenciar cada um dos termos e
entender as classicações das várias técnicas de luta.
Acompanhe-nos nas próximas linhas!
Bem, para começar, é preciso compreender a diferença entre
conceito e denição. Vejamos:
Entendeu? Não?! Então vamos simplicar: quando
pensamos, por exemplo, na palavra luta, dependendo do
contexto, ela pode ter vários signicados diferentes: luta de
classes, luta armada, luta contra o tráco, combate corporal
etc. Isso são os conceitos dessa palavra, que dependem do
contexto cultural. Em contrapartida, podemos entender a palavra
luta, sem pensar na sua contextualização, como confronto,
oposição. Isso é a denição. Enquanto o conceito pode ser
local ou regional, a denição é universal.
Vendo os clássicos desenhos e lmes de luta (Naruto,
Avatar, Matrix, O Mestre Kick Boxer, Bater ou Correr etc),
não é raro ouvir nas chamadas de mídia, e até mesmo no
1 Proposição que expõe com clareza e
exatidão os caracteres genéricos e diferenciais
de uma coisa, de forma descritiva ou empírica,
ou ainda de forma técnica e cientíca.
2 Expressão do signicado de uma palavra,
ideia ou símbolo.
1 Aquilo que o espírito concebe ou entende;
ideia; noção.
2 Termo que designa uma classe de
fenômenos observados ou observáveis.
conceito
(do latim, conceptu)
denição
(do latim, denitione)
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PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 1 | ASPECTOS HISTÓRICOS, FILOSÓFICOS E CONCEITUAIS DAS LUTAS
desenrolar dessas produções que toda e qualquer prática de
combate corporal é uma arte marcial, mesmo que isso seja feito
subjetivamente.
Opa, mas não é bem assim!!
Vamos proceder, a seguir, ao estudo das denições e
conceitos de palavras relativas a esse contexto, algumas forjadas
há milhares de anos e outras construídas mais recentemente.
1.1.1 Luta
No âmbito educacional, os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN’s, 2000) atribuem à luta status de elemento
da cultura corporal que evoluiu juntamente com as complexas
relações sociais, chegando aos nossos dias. Remete ainda à
existência, nas lutas em geral, de uma regulamentação especíca
a m de reprimir atitudes violentas ou desleais.
Assim, você acha que o Judô se enquadra nessa
classicação? E o Jiujitsu? E a Esgrima? E o famoso
MMA (
Mixed Martial Arts
)? Acertou, todos estão
contemplados aqui!!
1.1.2 Arte Marcial
Muito bem, vamos por partes. De acordo com Coli
(1995, p. 8), a palavra arte signica “...conjunto complexo dos
padrões de comportamento, das crenças, instituições e outros
valores espirituais e materiais transmitidos coletivamente e
característicos de uma sociedade”. De forma simples, podemos
dizer também que arte é toda expressão criativa e criadora do
ser humano manifesta por recursos plásticos, linguísticos ou
sonoros.
Luta pode ser denida como combate ou confronto, individual ou coletivo,
direto ou indireto, com ou sem armas – exceto as de fogo –, no qual é
usado um conjunto de técnicas especícas com a nalidade de “vencer ou
dominar o oponente” – aspas, pois nem todas são competitivas.
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 1 | ASPECTOS HISTÓRICOS, FILOSÓFICOS E CONCEITUAIS DAS LUTAS
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Em meados do século XX, um lósofo e um artista,
ambos alemães – Husserl e Beuys –, procuraram resgatar, ou
melhor, ampliar, por seus estudos, o conceito de arte. Ele tem
estreita ligação com a espiritualidade humana – não confundir
com religiosidade, pois espiritualidade abrange religiosidade.
Para ambos, a espiritualidade é intrínseca, ou seja, faz
parte do conhecimento integral de si mesmo. O que isso quer
dizer? Segundo Husserl (2008), signica que toda expressão
humana produzida nas dimensões cognitiva, psicomotora e
socioafetiva, para sua integralidade, deve ser entrelaçada no
conhecimento do espírito, do sagrado que existe em nós. Enm,
pela arte tomamos consciência de nossas potencialidades e a
colocamos à disposição do outro, também para o seu crescimento
pessoal integral. Entendido?!
E a palavra marcial? Essa possui o clássico signicado
militar, associado à guerra. Isso se deve ao fato do vocábulo
marcial ser derivado de Marte, o deus da guerra, do combate, da
sexualidade e da fertilidade, uma versão romana de Ares, deus
da mitologia grega (HAUSEN, 2004).
Ainda segundo Hausen (2004), esse é o grande ponto de
contato do termo arte marcial com as práticas de luta orientais.
Hackney (2009) visualiza a arte marcial com base em
uma perspectiva aristotélica eudaimônica. Êpa, mas o que é
isso? Explicamos: eudaimônico ou eudemônico nada mais é que
uma disposição efetiva do espírito humano para a felicidade, por
meio da descoberta de si mesmo. Tudo o que se espera de um
artista marcial é que ele possa trazer à tona, de dentro de si, o
que há de mais belo, nobre, justo e valoroso; noutras palavras,
Portanto, podemos compreender inicialmente arte marcial como um
conjunto de práticas que busca a representação estética e gestual do
combate, valorizando a beleza da técnica, e não o potencial destrutivo ou
suposta aplicação baseada na violência.
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PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 1 | ASPECTOS HISTÓRICOS, FILOSÓFICOS E CONCEITUAIS DAS LUTAS
suas virtudes. Analogamente à trilogia Guerra nas Estrelas, do
cineasta George Lucas, prima-se na arte marcial, qualquer que
seja, pela formação de um verdadeiro Jedi.
Então, nessa abordagem, o telos a nalidade, o propósito
–, é que o artista marcial se torne, por meio do combate, melhor
do que já é como pessoa, e possa colaborar com seu semelhante
nesse processo de autoconstrução. Entendido desse modo,
...não conito entre a descrição do signicado
das artes marciais como sistemas de combate,
um método de expressão cultural ou como
caminho espiritual; as mesmas virtudes que se
concedem a um signicado se concedem aos
demais. (HACKNEY, 2009: p. 15).
Mesmo com diculdades históricas de informação precisa
sobre o assunto, ousamos, como Hackney, conceituar de forma
um pouco mais simplicada esse subconjunto de lutas, denindo
arte marcial como:
Mas espere: o que é losoa mística? De forma simples e
descomplicada, podemos dizer que é um modo de reetir sobre
as questões da existência humana, olhando para dentro de si
mesmo após a experiência vivida, buscando resgatar e atualizar
o conhecimento do Geist – espírito, conceito citado por Husserl
– de forma integral (MANGANARO, 2004).
E pra que isso? Com a nalidade de ver a Si mesmo no
Outro – num sentido ecológico de alteridade, ou seja, ligado à
energia vital convivendo com a diferença e tomando a rme
decisão de promover sem reservas a dignidade da vida.
um sistema de práticas e tradições culturalmente herdadas, destinadas ao
desenvolvimento integral do ser humano por meio do combate, usualmente
sem utilização de armas; permeado pela losoa mística, prima sempre
pelo respeito, segurança e bem-estar mútuo dos oponentes em combate.
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 1 | ASPECTOS HISTÓRICOS, FILOSÓFICOS E CONCEITUAIS DAS LUTAS
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Se isso ocorre, é aceitável dizer que existe uma ligação
profunda entre os seres humanos e a energia de todo ser
existente, animado ou inanimado que, se percebida pelo ser
humano, transcende o biológico, o físico. A isso se pode chamar
experiência mística (MANGANARO, 2004).
Finalizando esse breve estudo, Isasa (1995) resgata, em
sua obra, o que ele acredita ser o telos da arte marcial: a trilha
da guerra interior, travada pelos grandes artistas marciais de
tempos imemoriais.
1.1.3 Desporto Marcial
Se você entendeu o que é arte marcial, então não
será difícil entender o que é desporto marcial. Vamos ver? De
acordo com Lauterborn (2001) – e parece-nos que esse termo
foi cunhado por ele próprio – o desporto marcial deriva da arte
marcial enquanto fenômeno social transformado e adaptado à
cultura da dualidade, do resultado e/ou da competição.
Falamos aqui de um – indivíduo ou grupo – vencedor e
outro perdedor. Percebe-se, portanto, que parte da característica
original dessa modalidade de luta enquanto arte marcial é
perdida.
Na análise histórico-losóca de Isasa, a luta contra seus semelhantes
nunca foi algo pretendido pelos artistas marciais, haja vista que aspiravam
alcançar neste mundo a forma mais sábia de vida, a da não violência e
da convivência harmoniosa. O propósito desses guerreiros era sempre
encarar seus próprios defeitos e vencê-los, um a um, até a aceitação da
única armadura necessária a uma vida plena: suas virtudes.
Vale salientar, porém, que deve haver uma preocupação constante por
parte dos professores de desportos marciais, com a formação moral e ética
dos praticantes, lapidando sua conduta. Há a necessidade de desenvolver
uma postura respeitosa e prudente perante seu adversário na competição,
assim como na vida (KIM, 1995).
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PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 1 | ASPECTOS HISTÓRICOS, FILOSÓFICOS E CONCEITUAIS DAS LUTAS
Numa pesquisa conduzida por Silva, Vianna & Ribeiro
(2007), vericou-se que o processo de esportivização das artes
marciais é fato; na pesquisa supracitada, 88,8 % dos professores
entrevistados declarou ensinar e treinar a arte marcial com foco
competitivo, resgatando a característica de arte marcial apenas
em ocasiões especiais, como o exame de faixa.
Acrescentando ao estudo supracitado, Hokino & Casal
(2001) armam que o desporto marcial, pela competição,
gera o escoamento inofensivo e necessário da agressividade,
sublimando comportamentos antissociais e tornando seus
praticantes mais sociáveis e amistosos.
1.1.4 Desporto de Combate
Antes de ler, tente responder a pergunta: qual a diferença
entre desporto marcial e desporto de combate? Se conseguiu
perceber a diferença desde já, nossos parabéns!! Se não
conseguiu, vamos aprender juntos!!
Nesse subconjunto, em se tratando de competição,
as regras desportivas de algumas modalidades de luta – que
que claro, não todas –, parecem controlar um nível aceitável
de violência, institucionalizado pelo processo civilizatório dos
Estados-Nações contemporâneos (VIANNA & DUINO, 1999).
Não se compara, obviamente, às arenas de gladiadores do
Império Romano, mas em virtude da exposição permanente de
violência – meios de comunicação e situações contextuais vividas
–, muitas pessoas, espectadores ou atores dos desportos de
combate, aceitam a naturalização da violência gratuita, mesmo
em pequena escala.
A m de diferenciar as práticas competitivas derivadas das artes marciais,
mas que mantêm alguns elementos básicos da sua origem, designamos
desporto de combate qualquer modalidade de combate esportivo com ou
sem armas, a qual não possui ou perde totalmente a raiz de arte marcial,
principalmente no que se refere à losóca mística.
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 1 | ASPECTOS HISTÓRICOS, FILOSÓFICOS E CONCEITUAIS DAS LUTAS
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Corroborando essa ideia, Elias & Dunning (1992) enfatizam
que a competitividade excessiva incrementa níveis ainda mais
altos de violência. Em alguns desportos de combate, quando a
vitória é supervalorizada em detrimento da participação, existe
a possibilidade de rompimento da tênue linha da “rivalidade
amigável” para a rivalidade hostil.
Em contrapartida, como armam Cortés & Calvo (2001),
se existe um trabalho orientado para a autovaloração do
competidor, os resultados serão sempre benécos, mesmo que
não haja êxito no combate (vitória).
1.1.5 Sistema de Combate Defensivo Pessoal (SCDP)
Conjunto de técnicas adaptadas de uma ou várias lutas
que visam estabelecer a defesa de si ou de outrem, cessando
ou prevenindo ações agressoras. Para explicar um pouco mais,
Cantanhede, Rezende & Nascimento (2010) exploram a losoa
de um sistema de defesa pessoal israelense: qualquer pessoa
tem direito à vida, portanto, tem o direito intrínseco de defendê-
la e saber como fazê-lo de forma eciente, rápida e objetiva.
A história dos sistemas de combate defensivo se
confunde com a criação dos vários tipos de lutas; principalmente
as artes marciais que, em sua gênese, eram encaradas elas
mesmas como forma de defesa pessoal, afastando-se já no
período Neolítico, dos primórdios da prática de luta venatória
pré-histórica – do latim, venatoriu, sinônimo da palavra grega
kynegetikón, que signica relativo à caça (PATRÃO, 2007).
Normalmente, e não raras vezes, a sistematização de
técnicas de defesa pessoal é uma adaptação ou aplicação prática
Os autores reforçam ainda a ideia de que, por meio da conjugação de
elementos psicológicos/psicosiológicos e capacidades físicas, é possível
durante o treinamento/competição identicar o erro e ser perseverante na
sua correção; esses são pré-requisitos indispensáveis ao desenvolvimento
psicomotor, cognitivo e socioafetivo nos desportos de combate.
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PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 1 | ASPECTOS HISTÓRICOS, FILOSÓFICOS E CONCEITUAIS DAS LUTAS
de artes marciais, desportos marciais ou desportos de combate.
Essas técnicas surgem como prevenção ou contra-medida a
situações conituosas ou de tensões sociais permanentes, como
era o caso dos monges budistas ou população civil – urbana e
agrária – na Antiguidade e Idade Média (FILIPIAK, 2010).
Os SCDP, por razões óbvias, não possuem prática
competitiva (já pensou?!) nem são permeados por losoa
mística.
1.1.6 Jogos de Oposição ou de Combate
Uma coisa importante, neste estágio de nossa leitura, é
colocarmos os “pingos nos IS”: todo esporte é um jogo, mas
nem todo jogo é esporte. Como é?! Tudo bem, vamos devagar: a
palavra esporte, na denição de Barbanti (2006), é uma atividade
física competitiva institucionalizada que possui os seguintes pré-
requisitos:
a) regras padronizadas
b) cumprimento dessas regras feito por entidades ociais (ex:
Confederação Brasileira de Futebol, dentre outras)
c) aspectos técnicos e organizacionais da atividade se tornam
importantes (tipo de treinamento, equipamento, etc.)
d) aprendizagem das habilidades esportivas é realizada de
modo formal (escolinhas, clubes etc.)
Certo?! Mas e onde entra o jogo?
Ou melhor, o que é?
Na contribuição de Huizinga (2000), o jogo é uma atividade voluntária
exercida dentro de certos e determinados limites temporais e espaciais,
segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias,
dotada de um m em si mesmo. Isso que dizer que o jogo existe para
a brincadeira, e sua característica primordial é ser de livre e espontânea
participação.
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 1 | ASPECTOS HISTÓRICOS, FILOSÓFICOS E CONCEITUAIS DAS LUTAS
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Tudo bem?! Agora, nessa história toda, o que vem a ser
jogo de oposição ou de combate
?
Acrescenta-se ainda, o fato de que o estímulo na
atividade, a exemplo das outras classicações de lutas, deve
ser de desenvolvimento psicomotor, socioafetivo e cognitivo
(SOUZA JÚNIOR & SANTOS, 2010). Satisfeito?!
1.2 Origem das Lutas (como tudo começou)
Segundo Patrão (2007), encontram-se vestígios de
consumo de carne de grandes animais por hominídeos há cerca
de 1,8 – 2 milhões de anos. Isso nos leva a crer que esses
caçavam ou roubavam as peças de caça de outros carnívoros,
obrigando-os a desenvolver, em ambos os casos, técnicas de
luta para abate da presa ou intimidação de outros carnívoros
predadores.
Existe, entre pesquisadores, a crença que a prática
venatória a mãos nuas pode ter precedido o uso de armas de
Essa terminologia busca denir as práticas
lúdicas de confronto individual ou coletivo, que
ocorrem com regras, espaço, tempo e contexto
denidos, porém exíveis, buscando vencer o
oponente por imposição física, com respeito
às regras e, acima de tudo, primando pela
segurança do(s) colega(s) durante a atividade.
Jogo de oposição
ou combate
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PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 1 | ASPECTOS HISTÓRICOS, FILOSÓFICOS E CONCEITUAIS DAS LUTAS
arremesso (lança, funda etc.) em virtude do bipedalismo e do
mecanismo de controle da temperatura interna por sudorese.
Prevê-se que duas técnicas eram utilizadas (segundo PATRÃO,
2007):
Depois de usar as mãos para caçar, o homem pré-histórico
começou a utilizá-las para fabricar armas. No nascimento do
período Paleolítico (há 2 milhões de anos) também chamado
Paleolítico Inferior, a arqueologia arma a presença de objetos
pontiagudos feitos em pedra; eis o motivo pelo qual conhecemos
esse período como Idade da Pedra Lascada. Esses objetos em
pedra provavelmente serviram de pontas de armas com função
cinegética – ou venatória. Porém, somente há 400 mil anos
surgiu a arma de caça mais antiga feita de madeira: a lança,
encontrada em Schöningen, norte da Alemanha.
Avançando ao Paleolítico Médio (300.000 – 30.000 anos),
temos o aparecimento do musculoso homem de Neanderthal –
Homo sapiens neanderthalensis –, e não existem indícios de uso
de armas de arremesso por parte desses. No entanto, as fraturas
encontradas nos fósseis desse grupo hominídeo, indicam que
deve ter havido luta corporal com animais de grande porte
durante as caçadas (PATRÃO, 2007) e ainda mais com o Homo
sapiens sapiens, que levou a melhor no processo evolutivo de
adaptação (PEREIRA, 2004).
Apesar do uso de armas de ponta por alguns de nossos
ancestrais que viveram há mais de 300.000 anos – Homo habilis
criar pânico nas
manadas e fazê-
las precipitar-se em
abismos naturais
perseguir a presa
sob sol escaldante
até sua exaustão
e colapso
Técnicas de caça com
as mãos nuas
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 1 | ASPECTOS HISTÓRICOS, FILOSÓFICOS E CONCEITUAIS DAS LUTAS
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e Homo erectus –, as armas de arremesso mais antigas foram
achadas na África, e datam de somente 50.000 anos (pouco
tempo, não é mesmo?!).
O surgimento do arco e echa no vale de Ahrensburg,
Alemanha – parece coincidir com início do período Neolítico
(10.000 anos), Idade da Pedra Polida. A essa época também
aconteceu a invenção da roda, pelos famosos homens de
Cro-Magnon, que começam a viver em comunidades maiores,
trabalhar na agricultura e sofrer um processo de sedentarismo
(PATRÃO, 2007; RODRIGUES, 2009; RODRIGUES, FONSECA
e SOARES, 2010).
A partir de então, inicia-se o afastamento da arte venatória
para as várias conotações que as lutas adquiriram no percurso
do processo civilizatório, iniciando-se pelas práticas de defesa
e ataque a outros seres humanos; instala-se denitivamente a
prática guerreira (PATRÃO, 2007).
Outras possibilidades das lutas foram sendo agregadas
de acordo com a sucessão de contextos losóco-culturais
das várias sociedades e nações ao longo da história (ascese
espiritual, bem-estar e qualidade de vida, diversão e espetáculo).
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PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 1 | ASPECTOS HISTÓRICOS, FILOSÓFICOS E CONCEITUAIS DAS LUTAS
Hora de praticar
a) Busque na internet ou em livros/revistas algumas lutas praticadas e, de
acordo com o contexto apresentado, classique-as num quadro, tendo por base
o estudo da Unidade I.
b) Responda: na escola, ou melhor, na escola que você conhece, qual
classicação de luta você adotaria no Ensino Médio? Por quê?
Envie a atividade para seu tutor.
Nessa unidade trabalha-
mos o conceito e a
denição de luta, bem
como tratamos de suas
subdivisões.
Podemos resumir as classicações
das lutas de acordo com o quadro
apresentado a seguir:
Descrição Competição Filosoa Mística
Arte marcial Não possui Possui
Desporto Marcial Possui Possui parcialmente
Desporto de combate Possui Não possui
Jogo de combate Possui Não possui
SCDP Não possui Não possui
UNIDADE 2
39
Artes Marciais Japonesas
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
Vamos viajar agora para o
longínquo arquipélago japonês, a
m de examinarmos mais de perto
as culturas corporais de combate
que ali se estabeleceram, bem
como seus respectivos contextos de
origem.
Acompanhe-nos!!
OBJETIVOS
Após nalizar esta Unidade, esperamos que você seja capaz de:
identicar as artes marciais surgidas no Japão, bem como suas características
e losoa próprias;
estudar e propor um processo de inculturação de cada arte marcial apresentada
ao seu contexto escolar local.
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 2 | ARTES MARCIAIS JAPONESAS
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2.1 O Caminho da Harmonização das Energias
Essa arte existe ou é invenção? Vamos ver?
Em 1883, nasce em Tanabe, Japão, o homem que seria
o fundador de uma arte marcial japonesa chamada Aikidô. Seu
nome era Morihei Ueshiba, cuja excepcional aptidão e paixão
pelas artes marciais o levaram a praticar e tornar-se mestre em
várias delas: Yagyuryu Jujutsu, Shinkagueryu Kenjutsu, Daitoryu
Aikijujutsu, entre outras. Além disso, dedicou-se aos estudos de
uma religião original e tradicional do Japão denominada Omoto.
Dois professores tiveram grande inuência na vida de Ueshiba:
Sokaku Takeda – mestre de Daitoryu Aikijujutsu – e Onisaburo
Deguchi – líder da religião Omoto (SHISHIDA, 2005).
Consagrado como “homem invencível”, dedicou-se a
aprofundar sua espiritualidade, atingindo o Satori (Iluminação). A
partir da visão de que a origem do Budô (Caminho do Guerreiro)
é a manutenção do espírito de amor universal, compreendeu que
as artes marciais não deveriam ser um instrumento para conduzir
o mundo à destruição pelas armas, mas sim um caminho para
realizar o pleno potencial divino contido no homem (GAUTHIER,
2010).
Esta notável visão foi o início da belíssima arte marcial
que conhecemos hoje como Aikidô (Ai=harmonia; ki=energia,
poder; do=caminho). Em tradução livre, signica o “Caminho da
Harmonização das Energias”.
O Aikidô surge como arte marcial nos idos de 1920 com
o Kobukan Dojo – escola fundada por Morihei Ueshiba –, mas
começa a experimentar popularidade logo após a Segunda
Guerra Mundial com a criação da Fundação Aikikai, com sede
no Hombu Dojo – local central de treino do Aikidô –, Tóquio. O
objetivo da Fundação Aikikai até os dias de hoje é preservar e
difundir os princípios do Aikidô, desenvolvidos pelo O-Sensei.
Após a sua morte, em 1969, cou a cargo do seu lho, Kis-
shomaru Ueshiba, a difusão e sistematização das técnicas
criadas.
Morihei Ueshiba
é chamado hoje
pelos praticantes de
Aikidô de O-Sensei,
que signica
Grande Mestre.
AIKIDÔ
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PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 2 | ARTES MARCIAIS JAPONESAS
Atualmente, o responsável pela Aikikai é o neto de Ues-
hiba, Moriteru Ueshiba, em virtude da morte de seu pai, em
1999. Algumas dissidências ocorreram em relação a Aikikai,
e diferentes associações foram criadas ao redor do mundo.
No entanto, a Fundação ainda orienta entre 80% e 90% das
associações, clubes e academias existentes.
2.1.1 Características
Tecnicamente assemelha-se a diversos estilos de Jiujitsu,
de Jojutsu (bastão) e de Kenjutsu (espada).
O princípio de não se chocar com a energia dos oponen-
tes e nem se deixar envolver por seus movimentos, envolvendo-os
no uxo de sua energia, eram conhecidos e praticados pelas
diversas artes marciais existentes.
Em todo treinamento de Aikidô, os praticantes são incen-
tivados à autoconsciência (GOLDEN, 2005), a colocarem-se em
harmonia com o parceiro, com a natureza e com a vontade do
“Céu” (Deus).
Provavelmente, o Aikidô seja a última arte marcial pura
no mundo contemporâneo, pelo simples fato de ser uma arte
marcial altamente espiritualizada, que não tem competições e
cujo treino procura desenvolver sentimentos de fraternidade e
cooperação. Segundo BULL (2006), o Aikidô é uma arte marcial
essencialmente formativa, e baseia-se em movimentos uidos e
circulares; os ataques são neutralizados por meio da absorção
da energia do atacante, que é então incorporada ao movimento
de defesa. Além das técnicas de mãos vazias, os treinos também
podem incluir armas: bokken ou bokutô (espada de madeira), jo
(bastão curto) e tanken ou tantô (faca de madeira).
Suas características técnicas principais são, basicamente,
não opor resistência à força agressora, mas apenas canalizá-la
para outra direção, usando o vetor inicial (se o adversário puxa o
aikidoca, este o empurra e tão logo o gira; se o adversário avança,
o aikidoca o gira e tão logo o puxa).
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 2 | ARTES MARCIAIS JAPONESAS
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2.1.2 Graduação
Embora algumas escolas de Aikidô utilizem graduação
em faixas, em termos práticos há apenas duas graduações:
aprendiz e professor. O aprendiz utiliza o kimono usado no
Karatê e o professor é reconhecido pelo uso do hakama, uma
espécie de calça preta tradicional japonesa, usada por cima da
calça do kimono (BENNETT, 1998).
2.1.3 Aikidô no Brasil
Foi introduzido em São Paulo pelo Shihan (mestre)
Reishin Kawai (1931-2010) no início da década de 1960, sob
orientação do já falecido mestre 9º Dan Arimoto Murashige, que
era o representante do Aikidô no Ocidente. No Rio de Janeiro foi
o Shihan Teruo Nakatani o responsável pelo Aikidô desde 1963,
sendo substituído em 1975 por Ichitami Shikanai, Shihan 7º Dan
(BULL, 1999).
O Shihan Reishin Kawai (8º Dan), ligado às entidades
Aikikai e IAF (International Aikido Federation, criada em 1976),
era quem presidia a Federação Latino-americana de Aikidô,
atualmente sob a direção do Shihan Yoshimitsu Yamada.
O Aikidô continua sendo difundido amplamente no Brasil,
mas sem dúvida continua fortemente mais presente no estado
de São Paulo.
2.1.4 Filosoa
A losoa da arte marcial em questão pode ser traduzida
pelo próprio fundador:
O coração do Aikidô é: Verdadeira
vitória é vitória sobre si, dia de
instantânea vitória! Verdadeira vitória
signica innita coragem; vitória sobre
si simboliza incansáveis esforços e
dia de instantânea vitória representa
o glorioso momento do triunfo no
aqui e no agora. Aikidô é livre de
formas rígidas, responde a qualquer
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contingência. Deste modo assegura-nos
a verdadeira vitória; ele é invencível,
pois não luta com ninguém. Realize:
Verdadeira vitória é vitória sobre si,
dia de instantânea vitória, e você estará
hábil a integrar os fatores interno e
externo da prática. Limpe seu caminho
de obstáculos e purique seus sentidos.
Morihei Ueshiba
2.2 A Arte da Suavidade dos Samurais
Que história é essa de Arte da Suavidade? Era algum
tipo de dança praticada pelos samurais? Vamos ver do
que se trata...
Para começar, não existe um consenso entre os histori-
adores sobre seu surgimento. Segundo a Confederação Brasileira
de Jiujitsu (CBJJ, 2008), existem três correntes históricas:
uma delas narra a versão mais difundida de que essa arte
teve origem no Japão Feudal;
outra versão, muito mais complexa, diz que surgiu na Índia,
onde era praticada por monges budistas. Segundo essa
versão, a arte da suavidade teria sido levada para a China, e
depois para o Japão, por intermédio da expansão do próprio
Budismo.
a terceira versão defende que essa bela arte originou-se na
China e depois foi levada ao arquipélago japonês. Mas o que
se pode ter certeza é que a arte suave teve sua expressão
ligada à cultura nipônica.
Adotemos como estudo, e não como verdade absoluta, a
primeira versão apresentada.
O Nihon Shoki (SOUSA, 2007) relata as crônicas mais
antigas da história do Japão. Essas crônicas foram escritas
por ordem imperial no ano 720 d.C.; e falam de um torneio de
Chikara-Kurabe, uma espécie de competição de força que,
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segundo Ruas (2008), são conrmados pela história do Judô
de Kodokan.
Esta competição de Chikara-Kurabe foi realizada no sé-
timo ano do Imperador Suinin, 230 anos a.C. Historicamente, é
vista como o começo da luta japonesa que poderia ser o Jiujitsu
ou o Sumô, que se caracteriza como uma autêntica prova das
Histórias do estado embrionário da prática do Jiujitsu – ou
Jujutsu – e Sumô nos tempos mais antigos e recuados no Japão
primitivo.
No que todos concordam, porém, é que foi no Japão que
a arte logrou êxito, tomou consciência e tom próprio, evoluiu e
diversicou-se, irradiando-se mundo afora e atualmente – ainda
de forma discreta – se incorpora aos processos de Educação
Física e Desportos.
Quanto às origens do princípio básico do Jiujitsu, vale
ressaltar duas versões de uma lenda contada há milênios: se-
gundo Vieira & Freitas (2007) um menino chinês de nome Li Tei
Feng foi pego de surpresa por uma tempestade. Procurando
abrigo, notou que grandes árvores eram arrancadas do chão
pelo vendaval, enquanto uma pequena árvore muito exível
deitava sua copa ao chão e retornava à posição original, sem
sofrer dano algum.
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Ruas (2008), por sua vez, relata a observação de Shirobei
Akyama – fundador da escola Yonshin-ryu – que durante uma
nevasca notou que quando a neve se acumulava sobre os
galhos de árvores delgadas, mas exíveis, essas etiam-se
suavemente, deixando-a ao cair ao solo, voltando a seguir à sua
posição inicial; cediam, ao invés de resistir ao peso esmagador,
e assim, mantinham-se intactas. Já as grandes árvores, fortes e
de tronco espesso, resistiam por muito tempo, mas terminavam
com os galhos fendidos ou arrancados, tão logo a neve se
acumulava em demasia.
Certo, mas depois dessa história toda, o que
tem a ver arte suave com o termo Jiujitsu? Qual o seu
signicado?
Vamos lá: o vocábulo jiu ou ju signica suave, suavidade;
jitsu traduz-se como arte. Entendeu? Certo é que a aplicação de
seus golpes não é nada suave, mas...
De acordo com Musser & Lang (1999), foi durante o
período Tokugawa (1603-1867) que o Jiujitsu desenvolveu-se
como uma arte bem elaborada, sendo ensinado por numerosos
mestres habilitados, representantes credenciados das escolas
que viriam a substituir com o processo evolutivo dessa arte.
Pouco a pouco, o nome de Jiujitsu popularizou-se a tal ponto
que, mesmo quando era aplicado um golpe de outra arte,
Taijitsu, Yawara, etc, o espectador a ele se referia como um
golpe de Jiujitsu.
Para melhor ilustração e dentro de nossa ordem de idei-
as, tracemos, em linhas gerais, o panorama social do Japão no
período feudal, a era do Shogunato – lembrando que só a partir
do século XVI (1542) os ocidentais travaram relações com aquele
país, e que, em 1549, o então missionário jesuíta Francisco Xavier
ali esteve a serviço da fé cristã (JANEIRA, 1988).
Essas duas versões lendárias explicam o princípio básico do Jiujitsu, as-
similado também pelo Judô: não resistir ao esforço direto do oponente, mas
ceder aparentemente a m de, a posteriori, obter sucesso no confronto.
JiuJitsu
Uma curiosidade:
os samurais que
não serviam a
determinado senhor
eram chamados de
Ronin, ou samurais
despedidos, sem
emprego.
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A sociedade era dividida rigidamente em castas (RUAS,
2008): o Imperador, embora despido do poder temporal, era a
mais alta personalidade, investido de poderes espirituais. A seguir,
vinha o Shogun, uma espécie de regente, que exercia o poder
de fato, em virtude do seu poder militar. O Shogun era escolhido
dentre os Daymios, senhores feudais correspondentes aos
barões medievais. Logo abaixo, encontravam-se os Samurais,
constituindo cerca de 5% da população; caracterizavam-se
como uma casta de guerreiros com regalias especiais a serviço
dos Daymios, e não podiam abandonar as suas terras, embora
não fossem servos. Em escalas inferiores, por m, os Ashigaru,
comerciantes que andavam a pé, e os Kachi, que se constituíam
como servos de uma gleba.
Podemos associar, em muitos aspectos, os samurais
aos guerreiros espartanos, pela rigidez do seu modo de vida,
e aos cavaleiros da Idade Média, pela força dos seus ideais.
Verdadeiramente, foram os samurais que viveram o Jiujitsu e
transformaram o exercício marcante da época em arte renada
por intermédio de seus instrutores.
É interessante falar um pouco mais a respeito
desta casta que vivia submetida a uma disciplina férrea,
tendo por anelo o aprimoramento crescente – físico e
espiritual. Muito contribuiu para este desígnio a doutrina
Zen-Shu, ramo do Budismo, a qual condicionava a própria
salvação do crente a uma austera disciplina do corpo e da
alma, desenvolvendo, assim, a vontade e o domínio de si
mesmo que todo samurai possuía no mais alto grau.
Adendo a isso, a losoa Zen incutia no espírito dos sa-
murais a prática da serenidade, simplicidade, reforço do caráter
e, sobretudo, dava-lhes uma estabilidade emocional que se
traduzia numa calma imperturbável capaz de enfrentar todas
as situações graves da vida, ou mesmo da morte (HERRIGEL,
1997).
Essas digressões por assuntos correlatos, mas básicos
ao entendimento perfeito do fenômeno, leva-nos a uma pequena
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referência sobre o Bushido – o Caminho do Guerreiro, código
ético-moral dos samurais. Elaborado no período feudal japonês,
visava arraigar sentimentos de honra, de dignidade, de intrepidez,
de lealdade e de obediência.
Em pequenas explanações do Bushido realizadas por
Herrigel (1997), a força do guerreiro consistia na paz em viver
e no despojamento em morrer, pois os dois estados – morte e
vida – eram considerados uma única coisa no plano do destino.
Preconizava, portanto, uma vida de rusticidade, cavalheirismo,
desprezo pela dor e sofrimento, respeito pelo superior, bondade
para com o inferior e auxílio generoso às mulheres, às crianças
e aos idosos. Sua arma era o sabre – katana – que só era
desembainhada depois de esgotada toda a possibilidade do
combate desarmado, numa luta honrosa. Nesse ambiente
oresceu o que conhecemos hoje como a Arte da Suavidade...
2.2.1 Características
Em seus primórdios, os recursos do Jiujitsu consistiam
em ações defensivas e sobretudo ofensivas, tais como derrubar
com violência o antagonista, golpear ou bater com as superfícies
fortes do corpo em pontos vulneráveis (RUAS, 2008); além
disso, também era possível prender ou imobilizar o adversário
por torção, exão forçada ou distensão de articulações que
podiam causar dores atrozes ou mesmo morte por traumas.
Várias formas de compressões completavam o arsenal.
Hoje, porém, torna-se evidente a evolução do
Jiujitsu; conforme a CBJJ (2008); como nos primórdios,
ainda se usa a força e o peso do adversário contra
ele, sendo permitido, inclusive, lançar o adversário em
projeção e queda. São utilizados golpes traumáticos
(saídas de gravata, contragolpes de imobilização,
esquivas), mas os de impacto (socos, cotoveladas,
joelhadas e chutes) já não fazem parte do escopo de
técnicas, como no Jiujitsu ancestral.
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A principal característica da modalidade, porém, são os
golpes que buscam imobilizar e neutralizar o adversário por meio
de golpes de compressão, como estrangulamentos, e torções
das articulações, como de braços, tornozelos, etc (GRACIE,
2007). O combate acontece predominantemente no chão, com
um ou ambos os adversários deitados. Existem golpes que são
proibidos como atingir os órgãos genitais, morder, enar os
dedos nos olhos, puxar cabelo, torcer dedos, dentre outros.
2.2.2 Jiujitsu no Brasil
De acordo com os registros da CBJJ (2008), o Jiujitsu
chega ao Brasil em 1915, na pessoa de Mitsuyo Esai Maeda,
conhecido como Conde Koma, que se instala em Belém do
Pará. No ano subsequente Koma conhece Gastão Gracie,
pai de oito lhos, que se tornara um entusiasta do Jiujitsu, e
leva então Carlos Gracie seu lho mais velho, à época com
quinze anos de idade – para treinar com o mestre japonês.
Aos dezenove anos Maeda se transfere com a família para o
Rio de Janeiro e se torna professor dessa arte marcial.
Entre 1925 e 1930 o Jiujitsu adquiriu grande notoriedade
nacional com a família Gracie, que modicando o Jiujitsu original,
deu-lhe aprimoramentos, e mostrou grandes possibilidades
do Jiujitsu em território nacional. Tal foi o sucesso do Jiujitsu
implementado pela família Gracie, que na década de 1990 cou
conhecido como Brazilian Jiujitsu; hoje, congurado mais como
um desporto de combate do que como arte marcial, é exportado
como esporte nacional, inclusive para o Japão (CBJJ, 2008).
2.3 O Caminho Suave e o Pai da Educação Física
do Japão
Você sabia que o termo Caminho Suave faz referência ao
Judô? Vamos ver por quê?
Essa arte marcial/desporto marcial – dependendo do
contexto –, possui origem relacionada à religiosidade e cultura
japonesas. Difundiu-se pelo mundo divulgando costumes e o
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modo de vida nipônico. Chegou ao Brasil e tornou-se hoje a
modalidade esportiva, segundo Lucírio et al. (1997), que possui
o maior número de praticantes no país – aproximadamente
dois milhões de praticantes. Tornou-se esporte olímpico em
1964 em Tóquio (LANCELLOTTI, 1996), como modalidade de
demonstração e em 1972 foi incluído como modalidade ocial na
Olimpíada de Munique (LANCELLOTTI, 1996).
A criação do Judô é atribuída a Jigoro Kano, nascido em 28
de outubro de 1860, em Mikage, distrito de Hyogo, lho de Jirosaku
Maresiba Kano (Kodokan, 1955). Sendo de baixa estatura, medindo
1,50 metro e pesando apenas 50 quilos, compensava seu pequeno
porte sendo tenaz, corajoso e sobretudo com elevada inteligência
(VIRGÍLIO, 1986). Jigoro Kano iniciou o treinamento de Jiujitsu
com dezessete anos com o mestre Fukuda da Escola Coração do
Salgueiro, e treinou também com os mestres Iso e Ikugo. Buscou
conhecimento em outras escolas que permitiram formar o conjunto
de técnicas, regras e princípios que vieram a constituir o Judô
(VIRGÍLIO,1986).
Em 1922, passou a dedicar-se exclusivamente ao Judô,
sendo professor honorário da Escola Normal Superior de Tóquio
e Conselheiro do Gabinete Japonês de Educação Física.
Seu nome foi perpetuado como educador e esportista, sendo
considerado o “Pai da Educação Física do Japão” (VIRGÍLIO,
1986).
No nal da década de 1870 e início de 1880, Jigoro
Kano inicia um estudo sistemático das artes marciais, já
com a iniciativa de montar sua própria escola: o Kodokan
(KODOKAN, 1955). Assim retirou-se com alguns alunos para
o templo budista de Eishosi, onde estudou e analisou as
técnicas mais evidenciadas na época. Separou, pois, o que
havia de bom segundo seu julgamento, criou novas técnicas
quando foi necessário e compilou, por m, um novo método
de técnicas do antigo Jiujitsu, fundindo-os com princípios
pedagógicos, morais e éticos que considerou de suma
importância (KODOKAN, 1955).
Jigoro Kano
JUDÔ
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UNIDADE 2 | ARTES MARCIAIS JAPONESAS
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A escola Kodokan, criada por Jigoro Kano, existe até os
dias de hoje. Segundo SUZUKI (1986), a divulgação do Judô para
o mundo dava-se pelo próprio Kano, por meio de explanações e
demonstrações práticas à elite ocidental que residia ou visitava
o Japão. De acordo com Virgílio (1986), entre 1889 e 1891, ele
percorreu a Europa, realizando conferências e demonstrações, e
entre 1902 e 1905 esteve na China.
A partir disso, determinou quem seriam, além dele pró-
prio, alguns dos divulgadores do Judô no mundo. Conforme
relato de Soares (1977), temos que Gunji Koisumi introduziu o
Judô na Grã-Bretanha, Ishiguro e Kawaishi na França, Bélgica,
Espanha e Países Baixos. Também existem dados do mesmo
autor, de que coexistiam nos Estados Unidos cerca de 30 dojôs,
onde lecionavam professores japoneses, sendo que um instrutor
de nome Yamashita, teve por aluno o presidente Theodore
Roosevelt.
Segundo “As mil lutas de Conde Koma”, citado
na História Seriada (s.d.) seus alunos Mitsuyo Maeda – o
próprio Conde Koma –, Tomita, Satake, Ono e Ito começam
em 1906 a difundir o Judô nas Américas, inicialmente nos
EUA, passando depois pela América Central, até que
Maeda transferiu-se para o Brasil em 1915, como já citado
anteriormente.
Com o surgimento de inúmeras federações de Judô
em vários países e realização dos primeiros campeonatos,
consequentemente em 1948 surge a União Europeia e em 1949
a União Asiática (SOARES, 1977). O primeiro campeonato
Europeu ocorre no ano de 1951 em Paris. Neste evento fundou-
se a Federação Internacional de Judô, a qual teve como primeiro
presidente Risei Kano, lho do fundador.
Falamos muito do Judô, mas por que Caminho Suave? Vejamos: o termo
ju, ou jiu, signica suave, suavidade; signica caminho. Portanto, seu
signicado: Caminho Suave. Seu princípio deriva da arte do Jiujitsu, a qual
já vimos: ceder para vencer.
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2.3.1 Filosoa
Sensei Kano procurou sintetizar a losoa do Judô em
duas máximas e nove princípios, a saber (ARAÚJO, 2005):
Máxima I - Seryoku Zenyo
máxima ecácia e mínimo
gasto energético
Máxima II - Jita Kyoei
benefício e bem-estar mútuos
Os nove princípios do Judô
1. Conhecer-se e dominar-se é
triunfar.
2.. Quem teme perder já está
vencido.
3. Somente se aproxima da
perfeição, quem a procura
com constância, sabedoria e,
sobretudo, humildade.
4. Quando vericares com
tristeza que nada sabes, terás
feito teu primeiro progresso
no aprendizado.
5. Nunca te orgulhes de haver vencido um adversário. O que
venceste hoje, poderá derrotar-te amanhã. A única vitória que
perdura é a que se conquista sobre a própria ignorância.
6. O judoca não se aperfeiçoa para lutar, luta para se aperfeiçoar.
7. O judoca é o que possui inteligência para compreender aquilo
que lhe ensinam, paciência para ensinar o que aprendeu aos seus
semelhantes, e fé para acreditar naquilo que não compreende.
8. Saber cada dia um pouco mais e usá-lo todos os dias para o
bem, é o caminho do verdadeiro judoca.
9. Praticar Judô é educar a mente com velocidade e exatidão,
bem como o corpo a obedecer com justiça, o corpo é uma
arma cuja eciência depende da precisão com que se usa a
inteligência.
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 2 | ARTES MARCIAIS JAPONESAS
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2.3.2 Judô no Brasil
Trabalhos elaborados sobre a História do Judô no Brasil
são muito raros, havendo poucas publicações especícas. Al-
guns relatos são mencionados na introdução de livros técnicos
ou trabalhos gerais (VIRGÍLIO,1986; Manual de Educação
Física, 1979; SOARES, 1977; GARCIA, 1995; AMORIM, 1997).
Quanto a isso, existem duas vertentes principais:
a) o pioneirismo de Mitsuyo Maeda na demonstração, divulgação
e introdução do Judô no Brasil, em Belém do Pará (VIRGÍLIO,
1986). Sem dúvida, esse é o personagem histórico que mais
possui crédito para ser considerado o precursor do Judô no
Brasil, apesar de, se considerada a cronologia temporal,
ter aparecido anos após a entrada dos primeiros imigrantes
japoneses. Seu nome está ligado não só à difusão do Judô no
Brasil, mas também do Jiujitsu, como vimos.
b) Hunger et al. (1995) cita que o Judô chegou ao Brasil com a
imigração japonesa em 1908, vinte e seis anos depois
da fundação da Kodokan. Calleja (1979) também relata
a importância da imigração japonesa para introdução do
Judô no país, e diz que tal fato ocorreu desordenadamente
e sem planejamento algum. Não há documentos autênticos
que relatem ter havido uma missão ocial com o intuito
de divulgar o Judô segundo os princípios da Kodokan, o
que seria realmente o novo método do Jiujitsu de Kano.
Contribuindo para as contradições existentes, há um relato
em Virgílio (1996) que se refere a um professor de nome
Miúra, que haveria ensinado o Judô em 1903.
A primeira federação, segundo Calleja (1979), foi a
Federação Paulista de Judô. Um dos principais fundadores
e presidente da Federação durante dez anos consecutivos
foi o Dr. José Lúcio Moreira da Franca. Após o pioneirismo
de São Paulo, pouco tempo depois outros estados fundaram
suas federações, a exemplo de Minas Gerais e Paraná.
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PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
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A Confederação Brasileira de Judô (CBJ), órgão máximo
do Judô no país, segundo Sugizaki (s.d.), foi fundada em 1969,
mas somente reconhecida a partir de 1972, contando com 23
federações estaduais.
2.4 O Poeta e o Caminho das Mãos Vazias
Mais uma analogia... Que arte é essa, hein?
Calma, vamos estudar juntos.
Essa arte marcial japonesa – na realidade, originária
das ilhas Ryukyu, sendo a ilha da porção sul do arquipélago,
hoje conhecida como ilha de Okinawa –, foi introduzida nas
principais ilhas do arquipélago japonês em 1922. Karate-do ou
simplesmente Karate, quer dizer o Caminho das Mãos Vazias
(BARREIRA & MASSIMI, 2002), onde kara quer dizer vazia, te
signica mão e dô... bem, você já sabe.
O Karatê é, provavelmente, a mistura de uma arte marcial
chinesa levada a Okinawa, no século XIX, por mercadores e
marinheiros da província de Fujian com uma arte própria de
Okinawa (FKERJ, 2011). Os nativos de Okinawa chamavam esta
arte mista de Okinawate (Mão de Okinawa). Os estilos de Karatê
de Okinawa mais antigos são o Shurite, Nahate e Tomarite,
assim chamados de acordo com os nomes das três cidades em
que eles foram criados (Shuri, Naha e Tomari).
Em 1820 Sokon Matsumura fundiu os três estilos e deu
o nome de Shorin – pronúncia japonesa para a palavra chinesa
Shaolin (FKERJ, 2011). Entretanto, os próprios estudantes de
Matsumura criaram novos estilos adicionando ou subtraindo
técnicas ao estilo original. Gishin Funakoshi, um estudante
de um dos discípulos de Matsumura, chamado Anko Itosu,
foi a pessoa que introduziu e popularizou o Karatê como o
conhecemos hoje, nas principais ilhas do arquipélago japonês
(BARREIRA & MASSIMI, 2008).
O Karatê de Funakoshi teve origem na versão de Itosu
do estilo Shorin-ryu de Matsumura que é comumente chamado
KARA
Gishin Funakoshi
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
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de Shorei-ryu. Anos depois, o estilo de Funakoshi foi chamado
por outros de Shotokan, em virtude de seu apelido como poeta
(FKERJ, 2011). Shoto, que quer dizer “pinheiros ao vento”, era
como Funakoshi assinava seus poemas.
O estilo Shotokan foi popularizado no Japão e introduzido
nas escolas secundárias antes da Segunda Guerra Mundial,
por conta de uma amizade entre Jigoro Kano, pai do Judô, e
Funakoshi. Jigoro Kano foi a pessoa certa para Funakoshi que
o apresentou às pessoas certas, pois era quase impossível que
um okinawano sozinho pudesse inuenciar a prática das artes
marciais japonesas; os okinawanos eram vistos pelos japoneses
como seres inferiores. O respeito dos japoneses à Funakoshi
se deveu em grande parte à Jigoro Kano, quando o Karatê foi
introduzido como componente curricular da mais importante
escola de artes marciais do Japão: a Kodokan (ALMEIDA, 2007).
Como foi adotado na moderna cultura japonesa, o Karatê
está imbuído de certos elementos do zen budismo, sendo que
sua prática algumas vezes é chamada de “zen em movimento”
(BARREIRA & MASSIMI, 2008). As aulas frequentemente
começam e terminam com curtos períodos de meditação.
Também a repetição de movimentos, como a executada no kata,
é consistente com a meditação zen, pretendendo maximizar
o autocontrole, a atenção, a força e velocidade, mesmo em
condições adversas (FUNAKOSHI, 1998).
A modernização e sistematização do Karatê no Japão
também incluiu a adoção do uniforme branco (kimono) e de
faixas coloridas indicadoras do estágio alcançado pelo aluno,
ambos criados e popularizados por Jigoro Kano (VIEIRA
& FREITAS, 2007). Em 1970, foi criada a WKF (World
Karate Federation) que regula e administra graduações e
campeonatos internacionais, e apesar de não ser um esporte
integrante nas Olimpíadas, o Karatê foi reconhecido como
modalidade olímpica pelo COI em 1999.
O ideograma kan
signica prédio; disso
deriva que Shotokan
quer dizer o “prédio ou
construção de Shoto”.
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PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
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2.4.1 Características
O Karatê prima pelas técnicas de golpes de impacto,
chamados atemi waza (defesas, socos e chutes) ao invés das
técnicas de projeções e imobilizações.
O treino pode ser dividido em três partes principais con-
forme a Federação de Karatê Tradicional do Estado do Mato
Grosso (FKTMT, 2008):
Em sua forma mais básica a luta é combinada (com
movimentos predeterminados) entre os lutadores para,
posteriormente, alcançar o jyu kumite (combate livre ou
sem regras). A forma desportiva, ou combate com regras, é
conhecida como shiai kumite.
2.4.2 Karatê no Brasil
O Karatê chega ao nosso país com a imigração japonesa
em 1908, que ensinava a arte das mãos vazias aos jovens
japoneses que por décadas emigraram para o Brasil e aos
poucos brasileiros que se interessavam em aprender.
Somente em 1956 é que o Prof. Mitsusuke Harada abre a
primeira academia de Karatê no Brasil, em São Paulo. Seguindo
seu exemplo, outros professores vêm de fora e se instalam em
vários locais do Brasil. O Prof. Akamine (1958), e outros mestres
de Karatê fundaram suas academias: Juichi Sagara e Okuda em
São Paulo, Yasutaka Tanaka e Sadamu Uriu no Rio de Janeiro,
Higashino em Brasília, Machida no Pará e Eisuke Oishi na Bahia
(CBK, 2010).
kihon
(fundamentos)
kata
(forma, padrão)
kumite
(encontro de mãos)
é o estudo dos movimentos
básicos, isolados ou combinados
é uma espécie de luta contra um
inimigo imaginário expressa em
sequências xas de movimentos
é a luta propriamente dita
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
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Com a difusão do Karatê no Brasil, é criada em 1987 a
CBK (Confederação Brasileira de Karatê), que hoje é o órgão
regulador e administrador do Karatê Esportivo no Brasil,
scalizando campeonatos nacionais e a outorga de faixa
preta aos professores.
2.4.3 Filosoa
Há no Karatê um conjunto de cinco preceitos chamados
Dojo kun, que são normalmente recitados no começo e no m
das aulas de Karatê no dojo – o local da iluminação. Estes
preceitos representam os ideais losócos do Karatê e são
atribuídos a um grande mestre chamado Tode Sakugawa.
São estes (RODRIGUES, 2007, pp. 8-9):
Da próxima vez que encontrar um praticante de qualquer
arte marcial japonesa e quiser ser cortês com ele, faça uma
reverência com o tronco a frente e diga OSS (pronuncia-se
óss). Esse cumprimento é a contração da expressão “Osu
shinobu”, que signica “perseverança sob pressão”. OSS!!
Hitotsu jinkaku kansei ni tsutomeru koto
(Esforçar-se para formação do caráter)
Hitotsu makoto no michi o mamoru koto
(Fidelidade para com o verdadeiro caminho da razão)
Hitotsu doryoku no seishin o yashinau koto
(Criar o espírito de esforço)
Hitotsu reigi o omonjiru koto
(Respeito acima de tudo)
Hitotsu kekki no yu o imashimeru koto
(Conter o espírito de agressão).
57
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UNIDADE 2 | ARTES MARCIAIS JAPONESAS
Hora de praticar
a) Pesquise sobre um conteúdo básico do Judô e monte um plano de aula para o
ensino do fundamento escolhido. Não se prenda à forma tradicional de ensino do
Judô; contextualize propondo uma prática lúdica, e lembre-se de adaptar à faixa
etária que pretende trabalhar.
b) Responda: se você tivesse que adaptar o Aikidô na escola, que brincadeiras
usaria para trabalhar os primeiros fundamentos básicos no Ensino Fundamental
(6º e 7º ano)?
Envie sua tarefa para o tutor.
Em relação às artes
marciais japonesas, vimos
na Unidade II que cada
uma teve sua história par-
ticular, mas um ponto em comum: a
presença de uma losoa mística na
sua criação, o que evidencia sempre
a preocupação de bem-estar mútuo
dos praticantes envolvidos.
Quanto às suas origens,
o Caminho da Harmonização
das Energias (Aikidô) surge da
iluminação de Morihei Ueshiba, a
Arte da Suavidade (Jiujitsu) é forjada
pelos samurais no Japão Feudal, o
Caminho Suave (Judô) tem como
seu fundador Jigoro Kano, que era
praticante de Jiujitsu e o Caminho
das Mãos Vazias (Karatê-do) surge
da compilação de Gishin Funakoshi,
só tendo entrada no Japão por
conta de sua amizade com Jigoro
Kano, pessoa altamente inuente no
império japonês.
UNIDADE 3
59
Artes Marciais Coreanas
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
O que você conhece da Coreia? Se sua resposta foi: nada, que bom!! Teremos
a oportunidade de agregar um novo conhecimento acerca desse país belíssimo,
com uma história bastante interessante. E a exemplo das outras nações do extremo
Oriente, as artes marciais também zeram parte da construção dessa história. Vamos
ver como se deu o processo de formação das marcialidades coreanas?
OBJETIVOS
Após nalizar esta Unidade, esperamos que você seja capaz de:
descrever como se deu a estruturação das artes marciais criadas na Coreia, e
sua implicação na difusão dessas pelo mundo;
construir uma proposta de aplicação de exercícios assemelhados ao Taekwondo
no ambiente da Educação Física Escolar.
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 3 | ARTES MARCIAIS COREANAS
60
3.1 O Caminho das Mãos e dos Pés que Voam
Isso existe?! O que signica essa expressão?!
Vamos estudar juntos: de acordo com a World Taekwondo
Federation (WTF, 2009), podemos dividir o desenvolvimento
histórico do “Caminho das mãos e dos pés” – o Taekwondo – em
4 épocas diferentes: Antiguidade, Idade Média, Idade Moderna
e Contemporânea.
Vejamos brevemente cada um dos períodos.
3.1.1 Antiguidade (37 a.C – 935 d.C.)
Há cerca de dois mil anos, o território das Coreias como
conhecemos hoje era dividido em três reinos, que conseguiram
escapar à dominação chinesa: Koguryo, Silla e Paekche (MARTA,
2000; PIMENTA, 2007). O reino de Silla, apesar de ser o menor
deles, foi o reino militarmente mais forte, e com a conquista de
Koguryo em 668 d.C., tornou-se mais poderoso ainda.
À época eram praticadas, sobretudo pelo exército de
Koguryo, duas técnicas de luta chamadas Subak e Taekkyon
essa última signica chutar saltando. Ambas foram
amplamente praticadas pela juventude Hwarang – a qual
podemos comparar aos samurais – que, segundo Marcon
(2008), consistiu na elite nacionalista coreana surgida e
criada no reino de Silla, e procurava desenvolver os ideais
de manutenção de um reino forte. Sua preparação era lenta,
rigorosa e permeada pela losoa budista.
O reino de Silla consolidou-se como Estado unicando os
reinos, e uma nova dinastia inicia um período forte conhecido
como reino ou dinastia de Koryo, nome que deu origem à Coreia
61
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 3 | ARTES MARCIAIS COREANAS
(MÜLLER & ETO, 2010). A partir de então, o Budismo foi aos
poucos integrado pelo Confucionismo, losoa oriental de origem
chinesa.
3.1.2 Idade Média (935 d.C – 1910)
O reino de Koryo se consolida, mas as invasões e ocu-
pações são constantes, principalmente pelos mongóis. As
tropas coreanas, em constantes combates, eram cada vez mais
exigidas no treinamento do Subak. Por m, no séc. XIV, após
muitos confrontos, conseguiram com a ajuda da China expulsar
os mongóis das terras do reino, pois a ocupação deles se dava
desde o séc. XIII (Pimenta, 2007).
Que história comprida!! Mas sigamos adiante. Quanto
ao Subak, esse foi bastante praticado na Idade Média,
transformando-se em fortíssima arte marcial, praticada por
civis e militares (MARCON, 2008; MARTA, 2000; WTF, 2009).
Interessante ressaltar que suas técnicas eram um misto de
Taekkyon e Jiujitsu (CBTKD, 2009). A prática do Taekkyon
seguia destinada somente aos militares...
Se a conquista de Koguryo deu-lhe um lugar de destaque
na vida militar, o Taekkyon ganhou ainda mais força com a
dinastia de Koryo ascendendo ao poder, até mesmo porque sua
prática e domínio eram pré-requisitos para alguém fazer parte
das tropas do reino, sendo usado como forma de treinamento
pelos soldados (PIMENTA, 2007).
3.1.3 Idade Moderna (1910 - 1945)
O reino de Koryo experimentou a decadência na dinastia
de Yi e os ideais Hwarang foram abandonados. Sucedeu-se por
m, a invasão japonesa no início do séc. XX, transformando
Koryo em colônia japonesa.
Houve por parte do Japão uma forte tentativa de apagar
a identidade cultural coreana, proibindo a prática do Subak e do
Taekkyon (MÜLLER & ETO, 2010). O Karatê foi introduzido em
seu lugar, além da língua japonesa, e as práticas losócas de
Xintoísmo
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 3 | ARTES MARCIAIS COREANAS
62
herança chinesa – o Confucionismo –, foram substituídas pelo
Xintoísmo nipônico (SALINAS apud PIMENTA, 2007).
Apesar disso, segundo informação da Confederação
Brasileira de Taekwondo (CBTKD, 2009), dois mestres de
Taekkyon, Song Do Ki e Han Ji Dong, procuraram manter viva a
memória desta arte, treinando-a secretamente. Isto se deu até o
nal da II Guerra Mundial em 1945, em que se ndou o domínio
japonês e as artes marciais coreanas puderam ser praticadas de
novo livremente. O então tenente do exército coreano Choi Hong
Hi recebeu a tarefa de divulgar o Taekkyon. Este foi o princípio
do Taekwondo na era presente.
Aliado a esse fato no pós-guerra, o Subak foi deixando de
ser praticado pelos militares, diminuindo sua popularidade entre
os coreanos (PIMENTA, 2007). Isso beneciou o Taekkyon como
elemento cultural, e inuenciou fortemente o que conhecemos
hoje por Taekwondo.
3.1.4 Idade Contemporânea (1945 – dias atuais)
Estamos vendo que a história da Coreia foi bastante
complicada, e o surgimento do Taekwondo tem a ver com
sua formação sociopolítica. Mas ainda não terminou!
Vamos avançar nosso estudo?!
Após sucessivas invasões, outra ameaça absurdamente
colonialista se instala no território da Coréia, no período posterior
à II Guerra Mundial, dividindo-a em dois países, impulsionados
pela Guerra Fria. A região norte da Coreia estava ocupada e
apoiada por soviéticos e chineses, enquanto o centro-sul estava
sob o “auxílio” dos EUA e Reino Unido. Por razões políticas e
comerciais de dominação, a Guerra da Coreia estoura em 1950
com a invasão de Seoul – capital da Coreia do Sul – pela Coreia
do Norte e dura três anos. Infelizmente mais esse conito em
solo coreano termina com milhares de mortos, e determina a
separação denitiva em Coreia do Norte e Coreia do Sul, sem
assinatura de tratado de paz.
Tae Kwon Do
63
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 3 | ARTES MARCIAIS COREANAS
Apesar disso, em abril de 1955, deu-se uma assembleia
sob o comando do então general sul-coreano Choi Hong
Hi, reunindo instrutores de artes marciais, historiadores
e personalidades coreanas com a proposta de unificar os
estilos de arte marcial da Coreia do Sul e criar a Arte Marcial
Nacional sob o nome de Taekwondo.
A adesão da Coreia do Sul ao Taekwondo não foi
imediata, havendo resistência de outros grandes mestres;
mas definitivamente a aceitação do Taekwondo como
identidade sul-coreana aconteceu (MARTA, 2000; PIMENTA,
2007; MÜLLER & ETO, 2010).
No ano de 1964 foi realizada a primeira competição de
Taekwondo e, no ano seguinte, foi fundado o primeiro órgão
a regulamentar de Taekwondo no mundo: a KTA (Korean
Taekwondo Association). Em 1966 o General Choi Hong
Hi comandou a fundação da ITF (International Taekwondo
Federation), órgão que formou turmas de mestres instrutores
internacionais e enviou-os para várias partes do mundo
(MÜLLER & ETO, 2010). Já em 1971, a Coreia do Sul aclama
o Taekwondo como patrimônio cultural e esporte nacional
(KIM apud RIOS, 2005).
Vericamos, por conseguinte, que o processo de “oci-
dentalização” do Taekwondo começa a acontecer, a m de
construir a imagem de um novo povo e nação sul-coreana forte.
Era preciso, portanto, desvincular a Coreia do Sul da mancha
comunista de seu “país-mãe” – China – para estabelecer
parcerias socioeconômicas com o Ocidente, além de armar sua
identidade cultural, esquecendo ou apagando as características
absorvidas de seu ex-dominante, o Japão. E o Taekwondo serviu
Tae =pé
Kwon =mão
Do =caminho
“Caminho das mãos e dos pés através da mente”
ou
“Caminho das mãos e dos pés que voam”.
Choi Hong Hi
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 3 | ARTES MARCIAIS COREANAS
64
a esse propósito, tornando-se predominantemente um desporto
marcial (KIM, 2000).
A despeito das contradições de relatos, a história evidencia
que, por motivos políticos, – uma acusação de traição não
comprovada –, o general Choi foi exilado da Coreia do Sul, levando
em 1972 a ITF e sua sede para Toronto, Canadá, posteriormente
transferida em 1985 para Viena, Áustria (ITF, 2009).
O presidente sul-coreano Park Chung Hi, temendo uma
expropriação do Taekwondo pelo general Choi para aquele país,
reúne especialistas e determina a fundação da WTF (World
Taekwondo Federation) em 1973, em Seoul. Esse foi o único
órgão reconhecido pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), fato
que lhe rendeu máxima regulação do Taekwondo como desporto
marcial no mundo (MARTA, 2000; PIMENTA, 2007). Apesar
disso, a ITF continua no cenário mundial, e se reconhece como
única propagadora do verdadeiro Taekwondo como desporto
marcial (RIOS, 2005).
Como esporte olímpico, o Taekwondo participou
das Olimpíadas de Seoul (1988), ainda como esporte de
demonstração, o mesmo ocorrendo em Barcelona (1992),
para então se tornar efetivado como esporte competitivo nas
Olimpíadas de Sidney (2000).
3.2 Taekwondo no Brasil
Parece ser unânime a informação de que o Taekwondo
chega ao Brasil nos idos de 1970, no bairro da Liberdade (São
Paulo), pelas mãos do Grão Mestre Sang Min Cho, enviado pela
ITF (KIM, 2000; PIMENTA, 2007; MARCON, 2008; MÜLLER &
ETO, 2008; VIEIRA & MOREIRA, 2008). A primeira academia de
Taekwondo no Brasil, fundada pelo referido mestre, teve o nome
de Academia Liberdade, existente até os dias de hoje.
Em 1972 o Taekwondo chega à cidade do Rio de Janeiro pelo
Grão Mestre Woo Jae Lee e em 1974 é criado um departamento
especial na Confederação Brasileira de Pugilismo reconhecendo
65
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 3 | ARTES MARCIAIS COREANAS
o Taekwondo como esporte. Rios (2005) levanta uma reexão
importante acerca disso: sugere a hipótese de que o Taekwondo
possa ter sofrido no país um processo de esportivização mais
acelerado e distanciado dos valores losócos marciais em virtude
do Movimento Esporte para Todos, ocorrido alguns anos depois.
Apesar das controversas datas de fundação citadas
por várias fontes, a própria Confederação Brasileira de
Taekwondo afirma que sua criação ocorreu em fevereiro de
1987 (CBTKD, 2009), presidida pelo Grão Mestre Yong Min
Kim, e foi constituída em conformidade com a legislação
sobre desportos no Brasil e normas técnicas regulamentares
do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), da World Taekwondo
Federation (WTF) e da Panamerican Taekwondo Union
(PATU).
Com relação ao Taekwondo como desporto marcial,
em 1991 o Brasil conquista a primeira medalha num mundial
– bronze, em Atenas. A primeira medalha em Jogos Olímpicos
aconteceu em Pequim (2008), conquistada pela brasileira Natá-
lia Falavigna (MARCON, 2008).
Desde então, pelo processo de constante esportivização
do Taekwondo (RIOS, 2005), essa modalidade de luta tem sido
cada vez mais praticada em nosso país.
3.3 Filosoa e Estrutura
A filosofia das artes marciais está enormemente
relacionada com o modo de vida oriental, sob a influência
do budismo, do confucionismo e de outras práticas Zen,
pertinentes àquele contexto sociocultural.
Mesmo com o já comentado processo de esportivização
sofrido pelo Taekwondo, alguns mestres tentam fazer o “caminho
de volta”, enfatizando os princípios marciais originais dessa luta.
Esse é um elemento indispensável para que o Taekwondo não
deixe de ser uma arte marcial para se tornar simplesmente um
desporto de combate (RIOS, 2005; PIMENTA, 2007).
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 3 | ARTES MARCIAIS COREANAS
66
Segundo a herança budista e confucionista, presentes
no Taekwondo, todo praticante deve guiar-se pelo juramento e
espírito do Taekwondo, a saber (PIMENTA, 2007; SAGARRA,
2009):
Acerca de sua estrutura de treino enquanto arte/desporto,
as técnicas de socos e chutes – muitos deles com saltos – visam
atacar, bloquear vigorosamente e contra-atacar, de preferência
por antecipação, ao oponente. É necessário concentrar-se na
aplicação de chutes poderosos e rápidos, mas também explorar
a criatividade durante o combate com manobras evasivas que
permitam uma pronta resposta (BARBOSA, 2006).
O aprendizado das técnicas do Taekwondo, segundo a
CBTKD (2009), ocorre da seguinte maneira:
JURAMENTO DO TAEKWONDO
Observar as regras do Taekwondo
Respeitar o instrutor e os
superiores
Nunca fazer mal uso do Taekwondo
Ser campeão da liberdade e da
justiça
Construir um mundo mais pacíco
ESPÍRITO DO TAEKWONDO
Cortesia
Integridade
Perseverança
Domínio sobre si mesmo
Espírito indomável
poomsae
kyorugi
kyokpa
sequência de golpes que
simulam uma luta imaginária
a competição realizada pelo confronto
entre dois oponentes poomsae
técnicas de quebramento de
vários materiais
67
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 3 | ARTES MARCIAIS COREANAS
!! “Até logo!!” (em coreano – pronuncia-se annyeong).
Desse modo, o Taekwondo oferece a autodisciplina severa e ao mesmo
tempo o espírito de cooperação e mútuo respeito. Para os adeptos
dessa arte/desporto, o Taekwondo representa mais que o simples uso de
belos movimentos que demonstram habilidade; transcendendo a isso, o
Taekwondo deve levar o praticante a escolher um modo particular de vida
que prime por uma disciplina consciente, uma moral sã e um ideal nobre.
Hora de praticar
a) Pesquise sobre a graduação do Taekwondo e quais são os pré-requisitos para
progredir em cada faixa.
b) Para aplicação na escola, mesmo você não sendo um professor de Taekwondo,
crie três exercícios/brincadeiras assemelhados a essa luta que você pode propor
numa aula de Educação Física no Ensino Fundamental (8º e 9º ano).
Envie a atividade para seu tutor.
68
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 3 | ARTES MARCIAIS COREANAS
Estudamos, nesta unida-
de, a formação e
criação do Taekwondo.
Percebemos que, com
a sucessão dos períodos históricos,
incluindo a formação do território
coreano (Antiguidade, Idade
Média, Idade Moderna e Contem-
porânea), o Taekwondo também
sofreu modicações e adaptações,
até chegar ao que hoje conhecemos
dessa arte marcial/desporto marcial.
Tendo sua expressão sempre ligada
a conitos e guerras, o Taekwondo
contemporâneo foi criado pelo general
Choi Hong Hi, e endossado como
patrimônio cultural e esporte nacional
da Coreia do Sul.
UNIDADE 4
69
Artes Marciais Chinesas
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
Você conhece alguma arte marcial chinesa?! Com certeza você já ouviu falar do
Gongfu (kungfu)!! E do Wushu (pronuncia-se úchú)? E do Guoshu (kuóchú)? Sabe a
história de sua origem? Se já sabe, vai descobrir algumas coisas novas nesse estudo;
se não sabe, prepare-se para conhecer a complexidade das artes marciais chinesas!!
Vamos lá?! Muito bem, comecemos...
OBJETIVOS
Após nalizar esta Unidade, esperamos que você seja capaz de:
situar-se historicamente com relação à constituição das artes marciais chinesas;
propor uma adaptação das artes marciais chinesas na escola, tendo por base o
movimento de animais.
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 4 | ARTES MARCIAIS CHINESAS
70
4.1 A Arte Guerreira: do Imperador Amarelo ao Líder
Comunista
A China é um país imenso, e sua história e cultura são
envoltas num manto de mistérios a descobrir. É sabido que nem
sempre esse país foi de dimensões continentais. Muitos conitos
e guerras existiram desde a Antiguidade até meados do século
XX, e denitivamente contribuíram com a formação do Zhongguo
(dioncuó), o “país do meio”, ou a conhecida e populosa China!!
Por estarem numa posição geográca de concentração
de culturas, os povos que habitaram aquela região antes da
unicação do país aprenderam a ter um espírito guerreiro,
desenvolvendo vários sistemas de técnicas de combate corpo
a corpo, usando-as e aperfeiçoando-as durante o próprio
combate, a m de evitar ataques das tribos do norte e consolidar
ou defender seus territórios (ACEVEDO & CHEUNG, 2008).
Vivendo uma certa organização tribal, foi no reinado do
terceiro imperador da China, Huang Di (ruã tí), o imperador
Amarelo, que esse país experimentou um processo de
identidade cultural. Segundo consta dos estudos de Garcia
(2002), Maidana (2009) e Koppe (2009), Huang Di desenvolveu
em aproximadamente 2674 a.C. um sistema de luta para treinar
seus exércitos em tempos de guerra e de paz.
Considerado como ancestral de toda a etnia Han (rãn) e
um dos três grandes patriarcas do Taoísmo – doutrina de caráter
religioso e losóco –, Huang Di procurou desenvolver nesse
período pré-dinástico um complexo sistema de treinamento
para seus exércitos, dentro do qual guram as técnicas de luta
à mão desarmada. Algumas das mais antigas foram as técnicas
chamadas Jiaodi (djiáotí) – “dar chifrada ou chifrar” – e Shuaijiao
(chuáidjiáo) – “chifres que derrubam”, além da esgrima, arco
e echa e equitação (GARCIA, 2002). Consideradas como
primórdios das artes marciais chinesas, a primeira se parecia
com a luta greco-romana e a última era muito assemelhada ao
Judô que conhecemos.
Huang Di
71
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 4 | ARTES MARCIAIS CHINESAS
Apesar da perspicácia e inteligência atribuídas a Huang
Di, o grande território chinês não conseguiu sua unidade
permanente. O período que se sucede a Huang Di é chamado
de período das Três Dinastias, no qual guerras e sucessões de
governantes foram frequentes (EBERHARAD, 2005).
Avançando um pouco mais na história, o período dos
Estados Guerreiros ou Combatentes (480-221 a.C.) produziu
muitos estrategistas que davam ênfase ao treinamento marcial
na construção de um forte exército. Nesse período, o monarca
da província de Qin (tchín) conseguiu a unicação dos reinos,
tornando-se imperador da dinastia de mesmo nome (221-206
a.C.). Os registros históricos apontam a prática de uma arte
marcial chamada Qiqiwu (tchítchíuú) que era muito comum na
época. Interessante ressaltar que os caracteres usados para
descrever essa arte são os mesmos usados para nominar o
Jujutsu – ou Jiujitsu –, arte marcial japonesa do Japão Feudal
(Enciclopédia das artes marciais, 1996).
A dinastia Han (rãn), que perdurou pelo período 206
a.C. a 220 d.C., assistiu ao crescimento do Jiaodi – mencionado
anteriormente –, e à lapidação de uma arte marcial que utilizava
punhos e golpes de perna chamada Qiqiao (tchítchiáo). A partir
de então, o Taoísmo começa a inuenciar a prática marcial
(MAIDANA, 2009).
Apesar de historicamente não ser conrmada sua
existência, um monge indiano de nome BodhidarmaTamo,
como foi conhecido na China –, que teria chegado àquele país
entre 479–526 d.C., inuenciou de forma ímpar as artes marciais
chinesas, estabelecendo-se no monastério Shaolin – termo
que signica “jovem oresta”–, na província de Honan (ronán)
(GARCIA, 2002). Contam ainda os relatos sobre esse monge
que depois de nove anos meditando frente a uma parede teria,
por iluminação, fundado a doutrina do Budismo Chan (tchán)
ou Zen; adendo a isso, Bodhidarma é considerado o vigésimo
oitavo patriarca do Budismo.
É importante salientar
que algumas
dinastias foram
contemporâneas e a
sucessão sempre se
deu por confrontos de
exércitos, expulsando
invasores ou
anexando territórios.
Dos notáveis mestres
de Kung Fu em luta
de espadas naquele
tempo, muitos
eram mulheres.
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 4 | ARTES MARCIAIS CHINESAS
72
Acerca das artes marciais chinesas, Tamo teria compilado
algumas técnicas a m de melhorar e preservar a saúde dos
monges, devido aos longos períodos de meditação. Essa
técnica cou conhecida como as “Dezoito Mãos de Lohan” ou os
“Dezoito Boxes dos Monges”.
Uma pergunta: mas se eles - os monges – eram dedicados
à vida religiosa, era-lhes lícito lutar?
Vamos responder a partir de duas hipóteses levantadas
por estudiosos de historiograa e religião (KOPPE, 2009;
SAHAR, 2003):
a) a primeira diz respeito à defesa do templo contra ladrões,
então a necessidade se dava no momento em que a defesa
do espaço sagrado era fundamental;
b) a segunda hipótese suspeita da possibilidade de que os mon-
ges em períodos dinásticos distintos teriam combatido em
favor dos imperadores chineses em guerras de proteção ao
seu território. Quanto a isso, existe inclusive uma carta de
agradecimento aos monges Shaolin, escrita pelo primeiro
imperador da dinastia Tang (), que durou de 618 a 907
d.C. Li Shimin, o primeiro monarca da referida época, emitiu
ainda vários documentos ociais concedendo terras e outros
privilégios ao mosteiro, em reconhecimento por seu apoio
militar
Observando toda a trajetória das artes marciais
chinesas, foi no século XIII, na dinastia Yuan (iuán), época de
Kublai Khan, que a arte marcial Shaolin, depois de passar por
ressistematização, conheceu seu apogeu de técnicas, com base
nos exercícios dos cinco animais, técnicas criadas pelo médico
Hua To (ruátô), na dinastia Han (GARCIA, 2002):
she (chê) – serpentelong (lún) – dragão
hu (rú) – tigre he (rê) – garça
bao (páo) – leopardo ou pantera
É do costume chinês
atribuir a um personagem
célebre a criação de
algo relevante social
ou culturalmente,
a m de dar-lhe
prestígio (KOPPE,
2009; MAIDANA,
2009; SAHAR, 2003;
GARCIA, 2002).
73
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 4 | ARTES MARCIAIS CHINESAS
A partir disso, muitos foram os desdobramentos das artes
marciais chinesas, ocasionando o nascimento de vários estilos.
Certo! E o termo Gongfu (kungfu), quando foi usado para
designar as artes marciais chinesas?
Vamos lá: uma expressão muito utilizada para as artes
marciais chinesas a partir do séc. XVII foi Zhongguo Quan
(dióncuó tchuén), que signica “Boxe do país do centro”. Os
chineses jamais utilizaram o termo Gongfu para identicar suas
artes marciais, pelo menos até o início da segunda metade do
século passado (APOLLONI, 2004; SOUZA JÚNIOR, 2007).
O termo Gongfu que pode signicar trabalho duro ou
árduo, tempo e habilidade, ou ainda artíce –, parece ter sido
utilizado pela primeira vez no Ocidente no séc. XVIII, pelo
missionário jesuíta francês Jean Joseph Marie Amiot, citando
uma prática de luta (SOUZA JÚNIOR, 2007; APOLLONI, 2004;
GARCIA, 2002). Mas esse termo para designar a arte marcial
chinesa não foi bem interpretado: os chineses de Guang Dong
(Cantão) costumavam se referir ao treino das lutas corporais como
atividades que requeriam muito tempo de prática ou trabalho
duro, sob rigorosa supervisão de um mestre competente, e em
seu dialeto usavam a expressão Gongfu.
Com a imigração de chineses para a América, o termo
começou a se difundir, atingindo seu auge com os famosos lmes
de Bruce Lee e o seriado “Kung Fu”, estrelado por David Carradine
(MAIDANA, 2009; SOUZA JÚNIOR, 2007). As décadas de 1970 e
de 1980, por conseguinte, experimentaram uma febre de práticas
marciais chinesas nas Américas.
Segundo Koppe (2009), a maioria dos estilos de artes marciais chinesas
praticadas na atualidade oresceram nas dinastias Ming (mín) e Qing
(tchín), respectivamente nos séculos XVI e XVII, desenvolvendo o combate
a mãos nuas e com armas.
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 4 | ARTES MARCIAIS CHINESAS
74
E na China, o que estava ocorrendo? Vejamos: no século
XIX o termo Wushuwu=marcial e shu=arte –, foi amplamente
utilizado para designar as artes marciais chinesas; sua prática
pela população civil estava proibida por questões de segurança
nacional. Mas, as coisas estavam mudando: o advento das
armas de fogo reduziu em muito a importância das artes marciais
chinesas no treinamento do exército; era o m da dinastia Qing
na China Imperial e a República se aproximava. Enm, durante
as duas primeiras décadas do séc. XX, o Wushu ganhou nova
conotação e importância na República Chinesa: como tesouro
nacional que era agora praticado nas escolas.
Em 1927 o termo para designar a arte marcial é modicado
para Guoshuguo=nacional e shu=arte –, demonstrando que
o governo chinês estava interessado em implantar uma política
de valorização da cultura nacional. Mas ainda havia reformas
a fazer: com a ascensão comunista de Mao Zedong (máo
tzêtúng) ao poder em 1949, a proposta foi resgatar o Wushu a
m de dar-lhe conotação mais desportiva, acadêmica e cientíca,
rompendo com as características tradicionais do Zhongguo
Wushu ou Guoshu (APOLLONI, 2004; FILIPIAK, 2010).
4.2 Wushu e Guoshu na Contemporaneidade
Como quase todas as suas “artes irmãs” orientais, o
Wushu tem, cada vez mais, se transformado em desporto
marcial, perdendo parte da sua característica original de arte
marcial. estudiosos que armam que o Wushu Moderno
como é chamado atualmente –, pouco ou nada tem a ver com
a arte chinesa surgida na idade antiga e consolidada na Idade
Média (FILIPIAK, 2010).
O Wushu como esporte nos dias atuais é regulamentado
pela International Wushu Federation (IWUF), criada em 1990 na
República Popular da China. Conforme Apolloni (2004), essa
instituição se congura hoje como a representante dos desportos
marciais chineses junto ao Comitê Olímpico Internacional (COI);
uma de suas metas principais era transformar o Wushu em
A ascensão
comunista causou
uma cisão da
República Popular da
China (continental),
comunista, e a
República da China
(insular), democrática
– ilha de Taiwan –,
o que ocasionou até
mesmo uma diáspora
chinesa daqueles que
defendiam o antigo
regime ou queriam
apenas fugir do poder
comunista agora
vigente no país.
Vale ressaltar que
o Guoshu continua
a existir e por
vezes também é
conhecido como
Wushu Tradicional
(KOPPE, 2009).
75
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 4 | ARTES MARCIAIS CHINESAS
esporte olímpico, numa estratégia semelhante à do Japão e da
Coreia do Sul em relação ao Judô e ao Taekwondo.
A IWUF teve a função de compilar as formas de movimento,
a m de universalizar o Wushu para que esse se tornasse um
esporte olímpico. As competições de forma – rotinas semelhantes
aos katas no Karatê –, reguladas pela IWUF, funcionam na
atualidade com a seguinte estrutura (KOPPE, 2009):
Nanquan (nántchuén)
Punho do Sul
Jianshu (diénchú)
Espada
Changquan (tchántchuén)
Punho do Norte
Taijijian (táidjidjién)
Espada Taiji
Taijiquan (táidjitchuén)
Taiji
Nangun (nánkún)
Bastão do Sul
Nandao (nántáo)
Facão do Sul
Gunshu (kúnchú)
Bastão
Daoshu (táochú)
Facão
Qiangshu (tchiénchú)
Lança
4.3 Wushu no Brasil
Segundo Apolloni (2004), o ano de 1960 marca o início
da arte marcial chinesa no Brasil com a chegada do Grão
Mestre Chen Guowei (tchán kuówei) a São Paulo, fundador
da Academia Sino-Brasileira de Kung Fu, em 1972. Foi ainda
o primeiro presidente da Confederação Brasileira de Kung Fu/
Wushu (CBKW), fundada em 1992, com o intuito de regulamentar
e organizar o Wushu – no Brasil.
O mestre Wu Mosheng (ú mochán) chegou ao Brasil em
1961, em São Paulo, ministrando aulas de Taijiquan. Em 1969,
mudou-se para Brasília, onde permanece até os dias de hoje,
ministrando aulas de Taiji e exercendo a Tradicional Medicina
Chinesa (Acupuntura). Mas o grande difusor do Taiji na cidade
de São Paulo foi o mestre Liu Bailing (líu páilín), que chegou ao
Brasil em 1975. Seu método Taiji é conhecido em todo o Brasil
(GARCIA, 2002).
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 4 | ARTES MARCIAIS CHINESAS
76
Muitos outros mestres de Wushu – utilizaremos o termo
genericamente para indicar o Wushu Moderno e o Wushu
Tradicional – chineses e brasileiros, contribuíram para a difusão
dessa arte marcial em nosso país. Dentre os mestres brasileiros
que ajudaram nesse processo, encontra-se Marco Natali, aluno
do Mestre Chen Guowei, autor de mais de setenta e cinco livros
sobre assuntos variados, alguns acerca das artes marciais.
Mestre Natali, nas décadas de 1970 e 1980, divulgou o Wushu
do Rio Grande do Sul ao Amazonas, em demonstrações e
entrevistas, conforme cita Garcia (2002). Com certeza, o fato
de o Brasil hoje vigorar como um dos países americanos mais
praticantes de Wushu, deve-se em parte ao trabalho desse
professor, amante das artes marciais chinesas.
4.4 Filosoa e Estrutura
O Wushu depois da lendária entrada de Bodhidarma
na China, passou por transformações que deram início a sua
classicação em sistema externo e interno. Como é isso?
Vejamos mais detalhadamente os dois sistemas explicados por
Garcia (2002):
Wushu
Busca por meio da arte marcial trabalhar todos os
órgãos internos e a energia vital denominada Qi (tchí).
Os estilos praticados dentro desse sistema mostram
movimentos brandos, harmônicos e graciosos, que por
vezes foram confundidos como inofensivos devido à
sua prática, pelo menos visivelmente, suave. Aqui estão
contemplados, dentre outros, o Bagua Quan (Punho dos
Oito Trigramas), Taiji Quan (Punho do Limite Supremo) e
o Qigong (Trabalho da Energia).
A característica dos estilos é demonstrar e trabalhar
principalmente força explosiva, velocidade, agilidade
e resistência. Compreende, portanto, a maioria das
técnicas chinesas de combate, conhecidas por serem
enérgicas na sua forma. Como exemplo dentro dessa
corrente, podemos citar os estilos Shaolin Quan (Punho
Shaolin), Yen Jiao Quan (Punho Garra de Águia), Hou
Quan (Punho do Macaco) e Chang Quan (Punho do
Norte).
Sistema Interno
Neijia (neidjiá)
Sistema Externo
Waijia (uáidjiá)
77
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 4 | ARTES MARCIAIS CHINESAS
Dentro de cada sistema, existem as escolas, subdivididas
em Escola do Norte (Chang) e Escola do Sul (Nan). A
característica de cada uma delas parece ser dada pela condição
geográca de relevo do território chinês. A Escola do Norte se
expressa por estilos nos quais as bases longas e o intenso e
amplo trabalho de membros inferiores são requeridos; isso
parece ter-se desenvolvido devido à região norte da China ser
muito montanhosa, o que exige membros inferiores fortes para o
deslocamento humano.
Já na região centro-sul, o que se vê são extensas
planícies, por vezes locais alagadiços, que podem ter
inuenciado um desenvolvimento predominante de técnicas de
membros superiores (GARCIA, 2002; MAIDANA, 2009; AGUIAR
& APOLLONI, 2008).
Dentro de cada escola – Norte e Sul –, estão contemplados
os estilos (Quan), como os citados anteriormente. Por m,
dentro de cada estilo, para seu treinamento, são desenvolvidas
técnicas com ou sem armas; essas são treinadas em rotinas de
movimentos, conhecidas como formas (taolu).
Ufa!! Acabamos!! Espere aí!! E onde entra a parte
losóca? Ok, vamos nalizar esse estudo com uma
questão bastante controversa.
Segundo pesquisas de alguns historiadores (SAHAR,
2003; APOLLONI, 2004 e AGUIAR & APOLLONI, 2008), a
aproximação entre as artes marciais chinesas e as práticas
religiosas – sobretudo o Budismo –, parece ter ocorrido
tardiamente, entre o período Ming e Qing (séculos XVI e XVII).
O que se sabe, de fato, é que quando isso ocorreu houve
uma preocupação dos monges em desenvolver e transmitir
aspectos marciais voltados para a não violência, e em menor
escala para a ascese espiritual, mesmo nos templos Shaolin,
diferentemente do que ocorreu no Japão Feudal (AGUIAR &
APOLLONI, 2008; SAHAR, 2003).
78
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 4 | ARTES MARCIAIS CHINESAS
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 4 | ARTES MARCIAIS CHINESAS
Enm, conhecer a história desta “Arte da Guerra” é
primordial para entender seu valor como ferramenta de construção
pessoal e social. O Wushu chega aos nossos dias como uma
Arte Marcial – será mesmo? –, e muito da sua essência têm-se
perdido por conta disso – não só do Wushu como de outras artes
marciais.
Certo é que a cultura mística do Wushu foi muito mais reforçada nas telas
do cinema do que realmente ocorreu.
Hora de praticar
a) Pesquise outros vários termos utilizados para designar as artes marciais chi-
nesas e construa uma linha do tempo com base nos termos já estudados nesse
capítulo e nos que encontrou.
b) Já foi citado que muitas das técnicas chinesas de luta foram criadas imitando
alguns animais. Esboce uma proposta prática de Wushu lúdico na escola, fundada
nos movimentos de animais conhecidos. Pense e faça um esquema.
Não esqueça de enviar sua tarefa ao tutor!
Recapitulando: o Wushu,
historicamente, surgiu de
uma sucessão de artes
marciais que tiveram vá-
rios nomes antes dele, de acordo com o
período e o contexto cultural pelo qual
passou a China. Certo é que o Wushu
começa a ganhar popularidade com
a gura de Bodhidarma, um monge
indiano que compila um conjunto de
técnicas marciais no templo Shaolin.
Modernamente, o Wushu subdivide-
se em Sistema Interno (técnicas que
visam o bem-estar e regulação dos
órgãos vitais) e Sistema Externo
(visam o desenvolvimento de força,
velocidade, agilidade, etc). Dentro de
cada sistema, há a Escola do Norte
e Escola do Sul, havendo predomínio
de técnicas de membros inferiores no
Norte e técnicas de punho no Sul. Os
vários estilos estão distribuídos dentro
dos sistemas e subsequentemente
dentro de uma das duas escolas.
UNIDADE 5
79
Desportos de Combate Antigos
e Contemporâneos
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
Qual foi a primeira luta ocidental da qual temos notícia? Você sabe? E hoje,
quantas você conhece? O nome MMA é um termo adequado para designar o mix de
lutas? Puxa, quantas perguntas!! Vamos tentar respondê-las juntos nesta Unidade??
OBJETIVOS
Após nalizar esta Unidade, esperamos que você seja capaz de:
Identicar as similaridades dos vários desportos de combate contemporâneos
com os desportos de combate antigos;
Construir e adaptar ludicamente qualquer desporto de combate ao ambiente
escolar.
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 5 | DESPORTOS DE COMBATE ANTIGOS E CONTEMPORÂNEOS
80
5.1 Lutas no Ocidente: dos Jogos de Guerra ao
Esporte Espetáculo
Os primeiros indícios da prática de lutas no período
civilizatório da humanidade são mostrados em pinturas de
lutadores da Suméria – região da Mesopotâmia –, representando
diversas fases de luta, e datam de mais ou menos 3000
a.C. (ALVES JR, 2006; FEITOSA, LEITE & LIMA, 2006;
SOBIERAJSKI, 1999).
No trabalho de Ferreira (2006), são citadas, de outros
autores, evidências da prática de lutas em outras culturas
contemporâneas à dos sumérios. É o caso, por exemplo,
dos desenhos encontrados na tumba egípcia de Beni
Hassan e em Creta, mostrando lutadores em treinamento,
com registros de mais ou menos 2000 a.C. Machado (2010)
ainda reporta a existência das práticas de luta anteriores à
cultura minóica – da ilha de Creta –, provavelmente de origem
egípcia ou etrusca.
Parece ter sido em Creta, no Período Arcaico – entre os
séculos VIII e VI a.C –, que as lutas evoluíram para uma forma
de combate, conhecida no mundo antigo como Pygme – do
grego, que signica punho; no Império Romano foi chamada de
Pugilattus do latim, e signica combate com os punhos. Alguns
historiadores mencionam esta prática de combate em Roma
usando a palavra Pugillus, que signica punho fechado em
forma de soco. Essa modalidade, assim como outros desportos
de combate na Grécia, fazia parte dos Jogos Olímpicos Antigos,
que tiveram início em 776 a.C., mas somente em 688 a.C. o
Pugilato foi incluído nos jogos (ALVES JR., 2006).
O Pugilato tinha uma característica marcante: os golpes
só podiam ser dados com os punhos, tendo as mãos envoltas em
tiras de couro, não existindo assaltos nem categorias baseadas
no peso dos atletas. O combate só terminava quando um dos
competidores cava inconsciente ou levantava um dedo no ar
em sinal de desistência.
Em Roma, muito tempo
depois, as tiras de
couro que envolviam
as mãos – manoplas
– eram chamadas
de cestus e tinham
chumbo em seu
interior, imprimindo aos
combates um contexto
mais envolvente e
excitante (FEITOSA,
LEITE & LIMA, 2006).
81
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 5 | DESPORTOS DE COMBATE ANTIGOS E CONTEMPORÂNEOS
Segundo Gama (2006) e Sobierajski (1999), em 708 a.C.
o primeiro desporto de combate a ser incluso nas Olimpíadas
foi a Luta Grega, na qual o adversário deveria tocar as costas,
ombros ou peito ao chão para congurar a queda, por três vezes,
encerrando a luta. Não havia tempo limite para as provas, que
faziam parte do Pentathlon.
Em 648 a.C. foi introduzido nos jogos o Pancrácio – do
grego pan=todo e kratos=poder. Isso dá então ao Pancrácio o
signicado de todo-poderoso ou poder sobre todos. Podemos
considerá-lo, historicamente, como a primeira modalidade de
desporto de combate misto, por juntar técnicas de diferentes
estilos de luta – no caso a Luta Grega e o Pugilato.
Em 146 a.C., Roma invade e conquista a Grécia, mas os
gregos são autorizados a continuar com seus Jogos Olímpicos, e
as provas de luta são incorporadas à cultura de Roma, assumindo
a Luta Grega o nome de Luta Greco-Romana (GAMA, 2006).
Vistos com os olhos de hoje, os Jogos Públicos eram
violentos e sanguinários, com lutas de gladiadores e execuções
das mais diversas (SIGOLI & DE ROSE JR., 2004).
Ave, Caesar, morituri te salutant!!” – “Ave, César, os que
vão morrer te saúdam!!” – era a saudação dos gladiadores ao
imperador, antes do combate. As lutas de gladiadores surgiram
em Roma por volta de 264 a.C., sob inuência grega e etrusca,
e sua prática iniciou-se possivelmente como atos funerais
(BERGMANN et al., 2008). Eram executadas em anteatros,
dos quais o mais famoso é o Anteatro Flavius, comumente
Inicia-se assim uma nova fase nas práticas de lutas na Idade Antiga do
Ocidente: enquanto na Grécia os desportos de combate eram realizados
com nalidade predominantemente religiosa e de busca da paideia – do
grego, que signica formação integral do cidadão –, os famosos Jogos
Públicos em Roma tinham também esse caráter religioso pagão, mas
vinculado ao entretenimento e à alienação – pão e circo.
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 5 | DESPORTOS DE COMBATE ANTIGOS E CONTEMPORÂNEOS
82
conhecido por Coliseum, pelo fato de ter havido em sua entrada
uma colossal estátua de Nero (ALMEIDA, 2009).
Embora inicialmente os gladiadores tenham sido, em
sua maioria, prisioneiros de guerra ou escravos comprados
explicitamente para esse m, no auge do Império Romano boa
parte dos gladiadores era de origem livre, conhecidos como
auctorati. Muitos deles eram da nobreza romana, militares de
médio e alto escalão, e até mesmo senadores! (GUARINELLO,
2007)
O mesmo autor apresenta um fato que desmistica
mas não justica a violência sob a qual enxergamos as
arenas romanas: vários estudos mostram que a maior parte
dos gladiadores não morriam em combate, mas cercados pela
família e pelos amigos, pelo menos durante a época do Império.
Os combates de gladiadores declinaram em 393 d.C.
com a conversão de Teodósio I ao Cristianismo, período em que
quaisquer jogos de origem pagã foram proibidos (CAMPOS,
2008). Era o princípio do m de Roma; pouco mais de oitenta anos
e o Império Romano do Ocidente seria extinto de vez. Esse fato
ocorreu com a invasão dos hérulos – povo de origem germânica
– em 476 d.C. Iniciava-se o período da história conhecido como
Idade Média, que se estenderia até meados do séc. XV.
A preparação do cavaleiro medieval, representante militar
da nobreza, de acordo com os registros de Campos (2008)
e Capinussú (2005), incluía a prática de esgrima medieval, o
manejo do arco e echa, as marchas, a corrida a pé, a equitação
e os jogos, representados pelos torneios e pelas justas.
E os combates corporais sem armas? Não existiam mais
nesse período? Franco Jr. (2001) arma que apesar de toda a
pressão da Igreja na Idade Média, ainda havia os combates corpo
a corpo, que tinham o objetivo de testar a força e as habilidades
físicas dos lutadores.
83
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 5 | DESPORTOS DE COMBATE ANTIGOS E CONTEMPORÂNEOS
Com a lenta mudança cultural e ascensão da burguesia
ao nal da Idade Média, as justas deram lugar aos renomados
duelos e lutas de Esgrima Moderna.
No período entre os séculos XVI ao XVIII, as lutas de
espada e duelos eram muito comuns. Os dueladores usavam
grande variedade de armas, tais como espadas de madeira, de
uma só lâmina e varas com ferro nas pontas. Os combates eram
não raras vezes sangrentos, e algumas vezes fatais.
Retomemos os combates corporais sem armas: a
industrialização, urbanização acelerada das cidades e o
crescente aumento das armas de fogo a partir do nal do
séc. XVII imprimem nova conotação às práticas de combate
(FRANCHINI, 2007); algumas evoluíram para o esporte
moderno, outras primeiramente para o entretenimento e o
espetáculo, relembrando as arenas romanas. Foi exatamente o
que aconteceu com o conhecido desporto de combate chamado
Luta Olímpica, conhecido também como Wrestling e o Boxe.
Em meados do século XVIII, na Inglaterra, o Boxe era
praticado a mãos nuas e sem regras, por comerciantes de
feiras e posteriormente por operários de fábricas. O Boxe teve
seu primeiro conjunto de regras por James Broughton (1743),
posteriormente aperfeiçoado pelo Marquês de Queensbury
(1867), tornando-o menos violento com o uso de luvas
acolchoadas (FEITOSA, LEITE & LIMA, 2006).
Conforme citação de Gama (2006), atualmente, no
Boxe prossional existem quatro associações regendo sua
organização: a World Boxing Association (WBA), World Boxing
Council (WBC), International Boxing Federation (IBF) e World
De acordo com a Confederação Brasileira de Boxe (CBBx, 2009), na
atualidade, o Boxe se congura como uma luta com os punhos recobertos
por luva acolchoada, só sendo permitido alvejar o adversário da cintura
para cima. As lutas acontecem com divisão de pesos e limitação de rounds.
Sobre a luta de
espadas e o duelo,
a diferença básica é
que esse último era
utilizado como forma
de resolver disputas
pessoais, em virtude
de alguma afronta.
Grande multidão
se juntava para
assistir às lutas
e realizar suas
apostas, incluindo a
aristocracia inglesa,
a qual agenciava os
prize-ghters – os
lutadores por prêmio;
mais tarde o termo
utilizado para os
lutadores foi boxer,
do verbo inglês to
box, que quer dizer
bater com os punhos.
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 5 | DESPORTOS DE COMBATE ANTIGOS E CONTEMPORÂNEOS
84
Boxing Organization (WBO); cada uma delas reivindica para si
o ranking ocial do Boxe mundial. No caso do Boxe amador,
existe apenas uma entidade central: a Associação Internacional
de Boxe Amador (AIBA), que é a reguladora desse esporte em
nível mundial.
Vamos falar um pouco da Luta Olímpica. Como você
deve estar pensando, a Luta Olímpica ou o Wrestling – traduzido
literalmente como combate corpo a corpo –, tem sua herança
nas lutas gregas da Antiguidade.
Na Idade Moderna, sua esportivização foi garantida nos
primeiros Jogos Olímpicos Modernos (1896), realizados em
Atenas (Grécia). De acordo com Gama (2006), em 1904 foi
introduzido um novo estilo de Luta, chamado Luta Estilo Livre,
passando a compor, juntamente com a Luta Greco-Romana, o
que conhecemos hoje como Luta Olímpica. A diferença entre as
duas é sutil: no estilo Greco-Romano só é permitido agarrar e
desequilibrar o adversário pelo tronco e membros superiores;
no estilo Livre todo o corpo pode ser utilizado como objeto de
desequilíbrio. O objetivo de ambos é comum: levar o adversário
a tocar as costas no chão.
Sobre a organização mundial da Luta Olímpica, apesar de
ter feito parte da primeira edição dos jogos olímpicos modernos,
somente em 1912 foi criada a entidade reguladora, chamada
Fédération International de Lutte Amateur (FILA), em Paris
(França), e é ainda hoje a instituição que dirige e regulamenta
esse desporto de combate no mundo (COLLI, 2004).
E aí, o que achou desse panorama das lutas até agora?
Esperamos que tenha gostado!! Mas espere... ainda tem
mais!! Você já ouviu falar ou conhece o Vale-Tudo? E o
Mixed Martial Arts
(MMA)? São a mesma coisa?
Vejamos: na denição de Thomazini, Moraes & Almeida (2009),
MMA é o termo mais usado recentemente em substituição ao
que foi mundialmente conhecido como Vale-Tudo, prática de
Durante a segunda
metade do século
XV, foram redigidos
na Alemanha os
primeiros manuais de
Luta Olímpica, sendo
o mais antigo datado
de 1443 (A arte de
lutar, de Fabien
Auerswald), impresso
pela primeira vez
em 1539. A luta era
praticada nos meios
aristocráticos e na
educação dos lhos.
85
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 5 | DESPORTOS DE COMBATE ANTIGOS E CONTEMPORÂNEOS
combate caracterizada pelo emprego de técnicas oriundas de
diversas artes marciais e/ou desportos de combate, tais como
o Jiujitsu, Boxe, Muay Thai, Luta Greco-Romana, Wushu, Judô,
dentre outros.
O Pancrácio utilizava, além de técnicas de socos e chutes,
projeções, imobilizações, chaves e estrangulamentos. Alguma
semelhança notada com o MMA?
Na Idade Média existem citações e ocorrências de lutas
mistas muito pontuais, e de certa forma inexpressivas. Mas no
nal da Idade Moderna, há indícios de que ocorreram combates
mistos em larga escala – entre lutas de técnicas diferentes –,
documentados por Willoughby (1970).
Nos EUA, o primeiro registro de combate interestilos data
de 1887, quando o boxer John L. Sullivan, campeão mundial
dos pesos pesados, entrou no ringue com o seu treinador,
William Muldoon, campeão de Luta Greco-Romana; Sullivan
foi derrubado ao chão em dois minutos. Posterior a isso, na
década de 1890, ocorreu outro célebre combate entre o futuro
campeão de Boxe, Bob Fitzsimmons, categoria peso-pesado,
e o campeão europeu de luta Greco-Romana, Ernest Roeber.
Segundo registro de Willoughby (1970), Roeber sofreu uma
fratura na mandíbula ocasionada por um soco do boxer, mas foi
capaz de derrubar Fitzsimmons e aplicar um armlock – chave de
braço – fazendo o gigante pugilista “bater” – gesto de desistência
de uma luta.
A pesquisa de Nunes (2004) relata que, nos idos de 1920,
no Brasil, os desaos antes ocorridos na Europa e EUA voltam
a acontecer, impulsionados pelos irmãos Carlos Gracie e Hélio
Gracie – o nome Gracie lhe soa familiar? O foco, na época,
Por análise histórica dos golpes e técnicas utilizadas, podemos dizer que o
Pancrácio, existente na Grécia Antiga (séc VII a.C.) é o ancestral conhecido
do MMA, vulgarmente nomeado de Vale-Tudo no séc. XX.
Esses “encontros”
para combates mistos
eram famosos em
toda a Europa, e
reuniam em torneios
e desaos uma
enorme variedade
de lutadores de
Wrestling e Boxe,
dentre outras dezenas
de estilos de luta.
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 5 | DESPORTOS DE COMBATE ANTIGOS E CONTEMPORÂNEOS
86
não era sobre o lutador, mas sobre a técnica que esse detinha;
não era a pessoa o mais importante, mas sim seu estilo de
luta (FREITAS JR., 2003). Dessa forma, o Jiujitsu inicialmente
ca conhecido por sua invencibilidade sobre outros estilos de
luta, e somente cerca de trinta anos mais tarde, na década de
1950, tem seu nome atrelado denitivamente à família Gracie
(NUNES, 2004; PELIGRO, 2003). Essa popularidade estimulou
outras iniciativas, como o Campeonato Japonês de Combates
Mistos organizado por Antonio Inoki nos anos 1970.
Apesar de tudo isso, o Jiujitsu só impulsionou e projetou
internacionalmente os campeonatos mistos em 1993, com a
primeira edição do Ultimate Fight Championship (UFC), realizado
na Califórnia (EUA) pela família Gracie. No início, as regras eram
bem dilatadas, e as únicas coisas não válidas dentro do octagon
– ringue em forma de octógono eram morder e enar o dedo
nos olhos do adversário; fora isso, valia tudo – origem do nome
vulgar Vale-Tudo. Também não havia divisão por pesos e a luta
não tinha um tempo estabelecido para o seu nal.
Desde 2003 a mudança nas regras vem ocorrendo
com certa regularidade, no sentido de que o MMA tenha maior
aceitação social... e, de acordo com Nunes (2004), gere mais
lucros para as mídias televisivas e organizadores dos eventos.
Esse processo trouxe mudanças importantes com
relação à própria característica do MMA. Nos dias atuais,
o que se vê é um treinamento eclético de técnicas de luta
em pé – socos e chutes –, herança do Boxe, Karatê e
Muay Thai, dentre outras, agregando ainda técnicas de
projeção e de chão, oriundas do Judô, da Luta Greco-
Romana e do Jiujitsu. Quase a totalidade dos atletas de
MMA as treinam religiosamente, e esse fato tem causado
um maior equilíbrio de expressão técnica nos combates,
não sendo predominante uma técnica de luta apenas, mas
várias. Adendo ao já exposto, é importante frisar que, da mesma
forma como ocorre com o Boxe, o MMA não possui uma única
federação internacional reguladora, mas várias entidades fazem
esse papel.
O primeiro campeão do
UFC foi Royce Gracie,
representante do
recentemente famoso
Brazilian Jiujitsu
(PELIGRO, 2003). A
partir de então, mais e
mais lutadores foram
atraídos ao UFC, de
modo a demonstrar
sua técnica e tentar
sobrepujar o Brazilian
Jiujitsu, além, é
claro, de demonstrar
quem era o melhor
lutador do planeta.
87
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 5 | DESPORTOS DE COMBATE ANTIGOS E CONTEMPORÂNEOS
Vimos, portanto, que as lutas corporais sempre estiveram
presentes nas culturas que se sucederam ao longo dos séculos.
Na atualidade, o termo Desporto de Combates Mistos – DCM
–, talvez seja mais adequado para designar as práticas de lutas
mistas, em razão do estudo dos conceitos e denições relativos
às subdivisões das lutas, realizado na Unidade I.
5.2 Desportos de Combate no Brasil
Vejamos agora como esses desportos de combate
entraram, ou melhor, se configuraram e se encontram
atualmente no panorama nacional:
5.2.1 Esgrima
Segundo Lohmann & Ávila (2006), a Esgrima chega ao nosso
país em 1898, na cidade de São Paulo, com a imigração dos
italianos Giuseppe Salermo, Giasintho Sanche e Massanielo
Parisi, que iniciaram suas lições.
Fechando esse breve estudo, convidamos você a uma
reexão: na história das civilizações, a violência institucionaliza-se
e é homologada na busca do prazer; potencializada no espetáculo
esportivo. Dependendo da modalidade, essa exacerbação de
agressividade destrutiva pode ocorrer em maior ou menor grau
(Garraffoni, 2008; Freitas Jr., 2003; Elias & Dunning, 1992). Pense
nisso...
Retomando a Antiguidade, nessa busca de excitação, os Jogos
Públicos caracterizavam-se como ferramenta de manobra política
dos imperadores romanos. Segundo Sigoli & De Rose Jr. (2004),
esse contexto é análogo à comunicação midiática do esporte na era
contemporânea, bombardeando os telespectadores com notícias
e anúncios de grandes eventos esportivos, causando um desvio
na atenção e consciência das pessoas para assuntos importantes
da política e do cotidiano. No campo das lutas contemporâneas, o
chamado
Mixed Martial Arts
(MMA) é a “bola da vez”, como foi
ou ainda é o Boxe Moderno; antigas arenas, novos combates...
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 5 | DESPORTOS DE COMBATE ANTIGOS E CONTEMPORÂNEOS
88
A fundação da União Brasileira de Esgrima realizou-se
somente em 1927, e foi antecessora da atual Confederação
Brasileira de Esgrima (CBE), a qual consolidou a participação
de entidades e competidores civis em eventos da modalidade no
país. Essa entidade serviu inicialmente de apoio aos militares no
intercâmbio internacional.
A Escola de Educação Física do Exército (EsEFEx), mais
antiga escola de ensino superior no país, criou, em 1933, o curso
de Mestre D’Armas, que continua em operação até os dias de
hoje.
No Brasil, os cursos de graduação em Educação Física,
em sua grande maioria, ainda não contemplam a proposta da
Esgrima nas disciplinas referentes às práticas de lutas, mesmo
com adaptações, o que pode nos ajudar a obter uma visão
panorâmica das reais aplicações dessa modalidade como
instrumento educacional nas escolas (GOMES ROSSI & PIRES,
2008).
5.2.2 Boxe
A primeira notícia do Boxe no Brasil foi dada pelos jornais
de São Paulo em 1913, quando noticiaram com destaque que
Luiz de Araripe Sucupira, remador do Clube de Regatas São
Paulo, perdeu uma luta para um rapaz muito mais franzino que
ele; era um jovem peso-pena francês que visitava o país.
Em 1919, um marinheiro de nome Góes Neto, havia
feito várias viagens à Europa, onde havia aprendido a boxear,
retornou ao Brasil e resolveu fazer várias exibições no Rio de
Janeiro. Tais demonstrações ganharam a estima de Rodrigues
Alves, sobrinho do presidente da República, Epitácio Pessoa,
levando-o a se afeiçoar à chamada “Nobre Arte do Boxe”. Sem
dúvida, o apoio de Rodrigues Alves facilitou a difusão do Boxe,
fazendo com que surgissem academias de treino desse esporte;
a luta ganhou a aura da “legalidade” e de esporte regulamentado
(FEITOSA, LEITE & LIMA, 2006).
Segundo informação
fornecida pela
CBE – dados de
2006 –, existem
aproximadamente
cinco mil praticantes
de Esgrima no
Brasil, e dentre
eles, cerca de 30%
são competidores
participantes do
calendário ocial de
provas nacionais
e mais da metade,
de competições
estaduais.
89
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 5 | DESPORTOS DE COMBATE ANTIGOS E CONTEMPORÂNEOS
Historicamente, é documentada a criação da primeira
academia de Boxe no Brasil – a Brasil Boxing Club –, na cidade
do Rio de Janeiro, em 1923. Essa escola de pugilismo foi
responsável por promover o Boxe na então capital do país. Mas
em 1924 ocorre um acidente de percurso: o boxeador brasileiro
Benedito dos Santos – “Ditão” –, trava uma luta com o italiano
Hermínio Spalla, campeão europeu de Boxe; Ditão vai à lona
no nono assalto e quase perde a vida. Esse fato repercute
negativamente para o Boxe e, com o auxílio da mídia, é iniciada
uma campanha contra a prática dessa luta no Brasil, cando
proibida sua execução em espetáculos públicos. Adendo a isso,
por quase dez anos os empresários brasileiros hesitam em trazer
boxeadores estrangeiros ao país.
Após ser revogada, em 1925, a proibição de execução
pública do Boxe, o período de 1926 a 1932 é conhecido como a
primeira fase de ouro do boxe nacional. A Federação Carioca de
Boxe (FCB) é criada em 1933 e representou o núcleo inicial do
que seria mais tarde a Confederação Brasileira de Boxe (CBBx).
A década de 1950 representa a segunda fase de ouro
no Boxe brasileiro, com grandes espetáculos nacionais e
internacionais, e uma importante galeria de boxeadores, como
Kaled Curi, Ralf Zumbano e Éder Jofre.
Nos anos 1980 estreia no Boxe prossional Adilson
Maguila, tornando-se campeão mundial dos meio-pesados em
1995 (FEITOSA, LEITE & LIMA, 2006). Em 1998, desponta como
campeão mundial pela WBO Acelino “Popó” Freitas, mesmo ano
em que a Confederação Brasileira de Pugilismo passou a se
chamar Confederação Brasileira de Boxe (CBBx), sendo hoje
a instituição responsável pelo Boxe prossional e amador no
Brasil.
5.2.3 Luta Olímpica
A primeira documentação da Luta Olímpica no Brasil
data de 1915, quando foi criada a Liga Mineira de Esportes
Atléticos (Belo Horizonte), incluindo em suas competições a
No nal da década
de 1980, na
Universidade Federal
do Rio de Janeiro
(UFRJ) surgiu um
ponto de excelência
para ensino e
estudo do Boxe: a
acadêmica na Escola
de Educação Física
e Desportos (EEFD)
dedicada à “Nobre
Arte”. Nenhuma
outra universidade
brasileira repetiu esse
processo, produzido
pelo professor de
Educação Física
Alberto de Latorre
Farias, auxiliado pelo
professor Benedito
Peixoto. Esses
estudos e cursos de
formação de Boxe
estenderam-se até
o início dos anos
1990, quando Latorre
faleceu, porém
permanece até hoje
a disciplina de Boxe
e Capoeira na EEFD
no Rio de Janeiro.
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 5 | DESPORTOS DE COMBATE ANTIGOS E CONTEMPORÂNEOS
90
Luta Greco-Romana. Mas foi realmente na década de 1940
que ocorreram os primeiros relatos da Luta Olímpica; iniciada
por um lutador húngaro apelidado de “Tatu”, que emigrou para
o Rio de Janeiro, e transmitiu seus conhecimentos para os
astros de espetáculos de lutas em arenas. Nesse período, em
função de denominações paralelas criadas pelo jargão popular
e meios de comunicação de massa, foi estabelecida no senso
comum a ideia de que Luta Olímpica, Luta Livre e Vale Tudo
eram a mesma coisa.
A criação da Confederação Brasileira de Lutas (CBL)
aconteceu em 1988, e teve o Prof. Roberto Leitão como o
seu primeiro presidente. Em virtude de troca de experiências
permanentes entre lutadores estadunidenses e brasileiros, o
Brasil elevou rapidamente seu nível técnico numa geração ainda
jovem de lutadores.
Onze anos depois, a CBL teve sua primeira grande
disputa interna: com a dissidência de vários lutadores, em 1999
é criada a Confederação Brasileira de Luta Olímpica (CBLOA),
presidida pelo Prof. Pedro Gama Filho. Um ano depois, o Comitê
Olímpico Brasileiro (COB) interdita as ações reguladoras da CBL,
e convida Pedro Gama para ser o presidente da Confederação
Brasileira de Lutas Associadas (CBLA), que, até o presente, é
a responsável pelos rumos da Luta Olímpica Brasileira (CBLA,
2010).
5.2.4 MMA
Como já visto, o MMA teve seu início no Brasil na década
de 1920, com os desaos-espetáculo do Jiujitsu da família
Gracie, e consolidou-se na década de 1990 com os campeonatos
de Vale-Tudo (UFC), promovidos nos EUA também pela família
Gracie.
O fato de um representante Gracie ter vencido os
primeiros UFCs impulsionou a prática do Jiujitsu no país. Com a
evolução das regras, conteúdos e formas de treino dos atletas,
o MMA mobilizou – e continua mobilizando no Brasil –, mais
Segundo Gama
(2006), sempre foi
tradição da Luta
Olímpica atrair
praticantes de
outras lutas – o que
vigora ainda na
atualidade –, e sabe-
se que o número de
praticantes dessa
modalidade de luta
está concentrado, na
sua grande maioria,
no Rio de Janeiro.
91
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 5 | DESPORTOS DE COMBATE ANTIGOS E CONTEMPORÂNEOS
praticantes de várias modalidades de lutas, dentre eles alguns
bem conhecidos como Vítor Belfort (Judô, Jiujitsu e Boxe), Lyoto
Machida (Karatê e Jiujitsu), Antônio Rogério Correia Nogueira,
o Minotouro (Jiujitsu, Boxe, Muay Thai e Wrestling) e seu
irmão, Antônio Rodrigo Nogueira, o Minotauro, com as mesmas
especialidades.
Hora de praticar
a) Será que não existiram outras práticas de lutas, além das citadas nesta Uni-
dade, na Europa, na África ou na América Pré-Colombiana? Como surgiram e
por quê? Que outras lutas você pode citar, que são praticadas atualmente nesses
continentes, em suas culturas especícas? Pesquise algumas delas e faça uma
comparação com os desportos de combate estudados na Europa, apontando num
quadro esquemático suas semelhanças e diferenças.
b) É possível ocorrer uma prática de Boxe ou MMA na escola? Podemos adaptá-
la? Elabore uma proposta de aplicação prática e lúdica dessas modalidades na
escola.
92
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 5 | DESPORTOS DE COMBATE ANTIGOS E CONTEMPORÂNEOS
Conforme visto, os
desportos de combate
tiveram sua herança
marcada pelas lutas oci-
dentais antigas, dentre elas o
Pancrácio e a Luta Grega, passando
depois aos combates de gladiadores
nas arenas. Saindo da Antiguidade e
chegando à Idade Média, temos as
práticas de cavalaria com os famosos
combates de lanças, as justas, além
de confrontos com espada e escudo;
nasce a Esgrima Medieval.
Essa evolui na Idade Moderna
passando a se chamar Esgrima
Moderna. Os combates corporais
sem armas também acompanham a
evolução dos tempos, surgindo, ao
nal do mesmo período, o famoso
Boxe. Os combates mistos sem armas
são uma nova prática muito frequente
em meados do séc. XX, culminando
com a conguração do famoso MMA
(Mixed Martial Arts).
UNIDADE 6
93
ArteLutaDança Nacional
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
Como é que é a história?! Do que
estamos tratando agora? Fique tranquilo;
simplesmente estamos falando da Capoeira.
A capoeira é um elemento da cultura
brasileira. Combina e sintetiza os elementos
de dança, luta, acrobacia e música. Nesta
estranha dança, os dançarinos imitam
movimentos e atitudes de certos animais
com performance especíca, utilizando
sobretudo as pernas. Estudemos juntos
essa arte–luta–dança nacional.
OBJETIVOS
Após nalizar esta Unidade, esperamos que você seja capaz de:
situar-se historicamente com relação à constituição da Capoeira no Brasil, bem
como sua expressão na contemporaneidade;
propor a aplicação da Capoeira na escola com uma visão crítica e reexiva,
contribuindo para a formação cidadã do estudante.
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 6 | ARTE–LUTA–DANÇA NACIONAL
94
6.1 Apresentando a Arte–Luta–Dança
Senna (1994) descreve a capoeira como uma arte de luta
diferente de qualquer outra já conhecida.
O autor naliza armando que a capoeira é a arte da
cautela e “negaça”, da malícia e da “matreirice”, que tem nos
pés seus pontos básicos e nas mãos os seus coadjuvantes.
6.2 Aspectos Históricos da Capoeira
6.2.1 A Grande Diáspora Africana
Parece haver uma grande representatividade de valores
entre as relações históricas, socioculturais e a capoeira, no que
concerne às concepções de vida daqueles que a praticam como
atividade física a m de obter seus inúmeros benefícios. Zulu
(1995) analisa que a capoeira, por ter sido originada de uma
necessidade de luta contra a discriminação, sem par no seu
curso histórico, teve esse aspecto fortalecido por uma cultura
motriz, uma experiência motriz e por um sincretismo
do imaginário, exercitados diuturnamente como
instrumentos de resistência cultural. Ainda segundo ele,
a capoeira não surgiu por acaso, nem tampouco por uma
intencionalidade dirigida, mas sim de uma circunstância
histórica e sociocultural e, por isso mesmo, surgiu com
uma abrangência de gestualidade, hábitos, costumes, postura,
valores, princípios e funções.
O histórico da capoeira segue a história dos negros co-
mercializados como escravos, da África para o Brasil – desde
a colonização até a Proclamação da República. Almeida (1986)
explica que a expansão das cidades sem a economia adequada
e um planejamento sociocultural voltado para a inclusão dos
Além da música que acompanha sua prática, é a arte de defesa pessoal
que utiliza a totalidade do corpo humano: perna, pé, mão, joelho, calcanhar,
braço, cotovelo, ombro, cabeça, dedos. Esta repetição dinâmica e intensa,
formaria o que ele descreve como “memória muscular”.
95
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 6 | ARTE–LUTA–DANÇA NACIONAL
escravos recém-libertos aumentou mais ainda a desigualdade
social. Isto ampliou a população formada por antigos escravos
e seus descendentes, brasileiros mulatos das classes mais
baixas e outros que não foram adequadamente absorvidos pela
expansão da sociedade.
6.2.2 Das Senzalas para as Cidades
A capoeira era uma manifestação exclusiva de negros
escravos. No entanto, no nal da primeira metade do século XIX
e com sua passagem dos meios rurais para os centros urbanos,
outros segmentos marginalizados da sociedade começaram a
praticá-la.
É interessante notar que boa parte deste segmento
era composta por prestadores de serviço, biscateiros e outros
praticantes que tinham algum ganho na vida social (REIS, 1997).
Mesmo assim, a repressão à prática e aos capoeiristas era diuturna.
Com o aumento de adeptos no mundo social marginalizado pelo
poder público, o universo de sua prática absorveu mudanças
simbólicas e motoras. Um exemplo neste sentido é o uso da
navalha no jogo da capoeira, fruto da inuência de estrangeiros
portugueses, os “fadistas lusitanos” (MELLO, 2003).
Grupos conhecidos como maltas de capoeiristas as-
sombravam cidades como o Rio de Janeiro, São Paulo, Recife
e outras capitais. A necessidade de sobrevivência e busca de
inserção política e social zeram estes grupos travarem batalhas
Na realidade, a capoeira e sua forma de manifestação, conforme
conhecemos, é resultado da chegada dos marginalizados nas
periferias das cidades.
A capoeira, como um fenômeno urbano, promoveu o cenário social
que representava a luta pela sobrevivência de uma imensa massa de
marginalizados. A ausência de uma política de inserção destes grupos
na sociedade teve como consequência o aumento da criminalidade
nas cidades brasileiras.
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 6 | ARTE–LUTA–DANÇA NACIONAL
96
nos interstícios do sistema. Holloway apud Mello (2003, p. 207)
trata das maltas de capoeira:
As atividades de maltas e sua técnica
especíca de luta zeram da capoeira o
esforço mais persistente, e talvez, o mais bem
sucedido, dos afro-brasileiros urbanos para
estabelecer um estado social, uma área de
atividade que pudessem controlar, usada em
seu proveito segundo as suas próprias condi-
ções, excluindo os de fora.
Em controvérsia, o poder público que perseguia os ca-
poeiristas, também se apoderava de seus serviços quando
havia conveniência. Temos exemplos, tais como a participação
de capoeiristas, em especial os estrangeiros, recrutados para
serviços militares, e atuando como soldados nas Guerras do
Paraguai e Cisplatina. Isto gerou impressão positiva em relação
à capoeira por parte da população. Foram considerados heróis
nacionais. Além disto, grupos de capoeiristas ou maltas eram
contratados por determinado partido político para aterrorizar
comícios de partidos opostos.
No entanto, nos casos em que eram considerados “heróis
nacionais”, os prêmios e reconhecimento não existiam. Na
realidade, percebia-se uma forma útil ao Estado como estratégia
para se livrar das guras indesejáveis dos capoeiras.
Conforme o exposto, os capoeiristas e a capoeira eram
perseguidos fervorosamente pelas forças públicas de segurança.
Eram considerados como uma “mazela social”. De acordo com
Reis (1997, p. 43), alguns preceitos teóricos davam legitimidade
ao Estado para continuar o processo de terror contra os negros:
[...] com os pressupostos evolucionistas
da época, os quais, pautando-se numa
abordagem biológica do social, armam a
inferioridade do negro. É o terror do ’contágio
Essas maltas eram
grupos organizados
que, segundo Mello
(2008), utilizando-
se da capoeira,
promoviam a
violência e a
desordem servindo
aos mais diversos
propósitos; desde a
disputa de territórios
com maltas inimigas
até serviços com
nalidade política.
97
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 6 | ARTE–LUTA–DANÇA NACIONAL
moral’ da ’barbárie negra’ que orienta a ação
das autoridades.
Inclusive, artigo especíco foi introduzido no Código Penal
Brasileiro, no governo republicano provisório, com a expressa
intencionalidade de exterminar os capoeiristas. Em 1890, por
meio do Decreto nº 847, sob o título “Dos Vadios e Capoeiras”,
apresenta-se a seguinte sanção:
A clandestinidade passou a ser a bandeira de preserva-
ção da arte da capoeira e o momento de encontro daqueles que
precisavam unicar forças e lutar pela terrível desigualdade e
violência do poder público. Assim, a capoeira não desapareceu.
Porém, os capoeiristas e esta resistência sofreram muitas
retaliações por parte do Estado. De acordo com Mello (2003), era
comum a deportação de capoeiristas para reclusões distantes e
isoladas, tal como a terrível e violenta prisão na Ilha de Fernando
de Noronha.
Vários chefes de polícia, a exemplo de Sampaio Ferraz,
no início da República, na cidade do Rio de Janeiro, eram im-
placáveis perseguidores da capoeira. Tinham formas e métodos
exclusivos de tortura a capoeiristas. Nota-se que, atualmente,
vários grupos de capoeira costumam nomear com apelidos os
seus praticantes quando da época dos encontros denominados
“batizados de capoeira”. Neste momento, o iniciado em capoeira
recebe uma alcunha (apelido) que o seguirá por toda a vida na arte
de capoeira. Isto surgiu da época da perseguição à capoeira. Os
capoeiristas eram conhecidos por apelidos, estratégia utilizada
para dicultar a identicação dos mesmos.
Art. 402. Fazer nas ruas ou praças públicas exercícios de destreza
corporal conhecido pela denominação de capoeiragem. Pena de 2 a 6 meses
de reclusão.
Parágrafo Único. É considerado circunstância agravante pertencer o
capoeira a alguma banda ou malta. Aos chefes ou cabeças impor-se-á a pe-
na em dobro.
Como forma de
fugir da polícia,
criou-se um toque
de berimbau,
denominado “Cavala-
ria”. Este toque era
executado para
alertar os capoeiristas
da vinda da polícia. A
roda de capoeira se
desfazia rapidamente
e os capoeiristas
se dispersavam.
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 6 | ARTE–LUTA–DANÇA NACIONAL
98
Mas, com a resistência dos capoeiristas na manutenção
desta arte-luta, a sociedade evolui e muda conceitos. Este pro-
cesso, ainda que lento e gradual, abria-se à adequação da capoeira
na vida cultural da sociedade. Vieira apud Mello (2003) revela que
no período da ilegalidade os capoeiristas viviam no limiar da ordem
e da desordem; isto porque, ao mesmo tempo em que praticavam
um ato ilegal, ou seja, praticar capoeira, estavam em contato com
a polícia, com o poder. A esta situação Vieira chama de “ética da
malandragem”.
Quanto ao ensino-aprendizagem, acontecia de maneira
informal, nas praças, nas feiras, nas rodas de m de semana,
e o ritual era sempre comandado por um mestre, pessoa que
detinha um maior conhecimento sobre essa atividade.
Paralelamente à proibição e à perseguição à capoeira,
segundo Reis (1997), intelectuais e outros setores da sociedade
que “... preocupados com a própria viabilidade da nação brasileira
e informados pelos princípios da medicina higienista, que
propugnava a ginástica como meio prolático para a regeneração
da raça”, viram na capoeira uma luta “autenticamente nacional”,
uma “excelente ginástica”. Neste momento histórico, a capoeira
passou a ser vista também pelos seus aspectos positivos, ou seja,
esta era fruto da mestiçagem ocorrida no Brasil e, portanto, algo
genuinamente brasileiro. Este e outros fatores alçaram a capoeira
para uma nova fase.
A legalização da capoeira só ocorreu na década de
1930. Ao Estado era necessário legitimar uma prática que
compactuasse com os novos ideários políticos da época, ou
seja, com os já citados princípios higienistas e nacionalistas, nos
quais o trabalho surgiu como elemento dignicador do homem.
No entanto, esta fase se deu com um processo de apropriação
da capoeira e de seus valores.
Segundo Mestre Can-
jiquinha, apud Vieira
(1997, p.103), “A gen-
te jogava capoeira
nos dias de domingo,
não tinha academia,
e quando aparecia a
polícia a gente tinha
que sair correndo”.
99
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 6 | ARTE–LUTA–DANÇA NACIONAL
6.2.3 O Surgimento da Capoeira Regional Baiana
Neste contexto de legitimação e popularização da ca-
poeira para outros segmentos da sociedade, surge Manoel dos
Reis Machado, conhecido como mestre Bimba, um importante
personagem na história da capoeira baiana. Somou-se ao
momento propício para mudanças, a insatisfação de mestre
Bimba com a condução da capoeira. Segundo ele, a pouca
eciência ou exacerbação do aspecto lúdico, a ênfase na
exibição para turistas visando o lucro, vinha distanciando a
capoeira do caráter de luta que a gerou. Assim, mestre Bimba
iniciou o processo de reformulação ou, segundo o mesmo, do
resgate dos valores de eciência e luta na capoeira.
Interessante acrescentar que mestre Bimba foi exímio
lutador, e contava com um grande carisma popular. Além disso,
teve contato com jovens universitários que o auxiliaram a im-
pulsionar tais mudanças.
Um fator determinante para a divisão entre a capoeira
que se fazia e o que preconizava mestre Bimba, foi a elaboração
de um método de ensino, ou sequências de ensino, e o
acontecimento das rodas de capoeira em espaço fechado. Desta
forma, a capoeira saiu das ruas e teve ascensão, sendo levada
para os espaços conhecidos como academias. Havia normas
de conduta e pré-requisitos para inscrição, enm, para fazer
Segundo Vieira (1997) a descriminalização da capoeira ocorreu por meio
da sua esportivização. Para o poder vigente, era necessário “desafricanizá-
la”, colocá-la dentro dos valores aceitos pela classe branca para ampliar
sua aceitação.
Ele promoveu transformações nos aspectos físicos e simbólicos da capoeira,
incorporando técnicas de outras lutas, criando rituais como, por exemplo,
o da formatura, trazendo para a capoeira uma linguagem acadêmica que a
aproximou, assim, da cultura das classes sociais mais elevadas.
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 6 | ARTE–LUTA–DANÇA NACIONAL
100
parte dessas escolas. Esta era a Capoeira Regional Baiana ou,
simplesmente, Capoeira Regional.
Nos escritos de Mello (2003), em razão das característi-
cas mencionadas, o Estado viu em mestre Bimba um autêntico
agenciador da capoeira, dando-lhe um grande apoio para sua
divulgação. Em l937, mediante documento expedido pela Secretaria
de Educação, Saúde e Assistência Pública do Estado da Bahia,
mestre Bimba conseguiu uma autorização para ensinar capoeira
no Centro de Cultura Física e Capoeira Regional da Bahia, fundado
por ele mesmo, caindo por terra o decreto que proibia a prática da
capoeira.
Os seguidores e defensores da Capoeira Regional ale-
gam que a capoeira de Angola foi superada em sua eciência
combativa, sendo preciso recuperar a sua característica de luta.
Nesse sentido, a Capoeira Regional adotou movimentos mais
ecientes, e sobre isso mestre Bimba, seu criador, arma: “[...]
criei completa, a Regional, que é o batuque misturado com a
Angola, com mais golpes, uma verdadeira luta, boa para o físico
e para a mente” (ALMEIDA, 1994, p.17).
6.2.4 A Refundação da “Luta das Ruas”: a Capoeira Angola
A Capoeira Regional Baiana idealizada por mestre Bimba
provocou movimento cultural contrário às mudanças que foram
introduzidas. Sobre este fato, Falcão (1995, p. 20) comenta:
Mestre Bimba pode ser considerado um
divisor de águas na história da capoeira. Para
muitos mestres angoleiros, Bimba foi o grande
deturpador da capoeira. No entanto, para os
seus seguidores, “um dos herdeiros diretos de
Zumbi”.
A esportivização, a eciência combativa, os critérios de
inscrição e aceitação como aluno, a sistematização e delimita-
ção de espaço formal de ensino, entre outros, não foram aceitas
Em apresentação para
Getúlio Vargas no
ano de l953, Mestre
Bimba ouviu deste
presidente a seguinte
armação: “A capoeira
é o único esporte
verdadeiramente
nacional” (ALMEIDA,
1994, 28).
101
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 6 | ARTE–LUTA–DANÇA NACIONAL
por toda a comunidade capoeirística. Isto trouxe cisão político-
ideológica que resultou na refundação de uma capoeira da
rua, apelando para a legitimidade histórica, social e cultural – a
Capoeira de Angola.
Os que defendiam o retorno às tradições alegavam que
mestre Bimba havia descaracterizado a capoeira; acusavam-
no de tê-la “embranquecido”. Este termo é utilizado para se
armar que a capoeira de mestre Bimba entrou na lógica dos
esportes tradicionais com normas, regras e equipes, bem como
do formato da ginástica ensinada nos currículos escolares, com
planejamento, turmas e professores legalizados.
A Capoeira de Angola viria contrapor estes
valores ideológicos. Para além disso, há realmente
diferenciação gesto-motora. Ao contrário da Regional
Baiana, a Capoeira de Angola se vale mais da astúcia do
que da força muscular; os movimentos não têm pressa
de chegar, sendo desferidos de forma harmoniosa.
Vicente Ferreira Pastinha (1889/1981) foi o mais
importante líder e representante da Capoeira de Angola.
Em seu livro, datado de 1964, apresenta que “[...] a
Capoeira Angola se assemelha a uma dança graciosa
em que a ginga maliciosa mostra a extraordinária
exibilidade dos capoeiristas. Mas, Capoeira Angola é,
antes de tudo, luta e luta violenta”.
6.2.5 A Capoeira na Contemporaneidade
Na verdade a capoeira é uma só.
Devemos compreender essas diferenças entre Angola e Regional como
consequência de um período histórico em que o contexto e as inuências
sociais foram determinantes para que elas ocorressem; uma vertente não
anula a outra, nem tampouco a ela se sobrepõe; ambas se complementam,
formando o universo simbólico e motor da capoeira.
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 6 | ARTE–LUTA–DANÇA NACIONAL
102
As descaracterizações da capoeira original, não podem ser
analisadas somente à luz de congurações técnicas e estéticas
mas, sobretudo, a partir de seus condicionantes sociopolíticos
(FALCÃO, 1997). Como demonstra Vieira (1995, p. 92):
(...) observa-se que as categorias Capoeira
Angola e Capoeira Regional estão fortemente
impregnadas de um conteúdo histórico. Muito
dicilmente poderiam ser utilizadas para denir
estilos atuais de capoeira, no sentido de um
conjunto de princípios técnicos, estéticos e
rituais que orientam o jogo.
A partir dos anos 1960 houve um grande movimento
de migração de capoeiristas baianos para vários estados
brasileiros, notadamente para São Paulo e Rio de Janeiro
(VIEIRA, 1997). Em decorrência deste fato, começaram a
surgir os grupos de capoeira – organizações que congregam
os praticantes de capoeira.
A capoeira passou a figurar no rol das atividades
esportivas por meio do seu reconhecimento legitimado
pela Confederação Brasileira de Pugilismo (CBP), em
1973 (MELLO, 2003). Em outubro de 1992 foi fundada
a Confederação Brasileira de Capoeira que, a partir daí,
incrementa a prática da capoeira pelo viés desportivo. O
tratamento desportivo dispensado à capoeira fora fomentado
por algumas ações institucionais como, por exemplo, os
campeonatos organizados pela Confederação Brasileira de
Pugilismo, pela Confederação Brasileira de Capoeira, nos
Jogos Escolares Brasileiros e no Programa Nacional de
Capoeira.
Cada grupo estabelece princípios losócos e técnicos. Não são princípios
hegemônicos e que abarcam toda a comunidade capoeirística. Pode
haver semelhanças de princípios, porém não há unidade nas ações. A
liberdade de capoeiristas se unirem para formação de grupos foi a forma
de sobrevivência, divulgação e organização da capoeira.
103
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 6 | ARTE–LUTA–DANÇA NACIONAL
Apesar da crescente esportivização da capoeira, com
o aval do Estado, sua inserção no contexto esportivo não foi
unânime entre as lideranças e os grupos de capoeira (MELLO,
2003). Argumenta-se contrariamente a essa esportivização, pelo
fato da capoeira estar sendo decodicada, regrada e norma-
lizada, desviando-se do contexto histórico-cultural e negando
alguns dos seus elementos essenciais, como a ludicidade e
espontaneidade. Castelani Filho apud Falcão (1997) assevera
que:
A capoeira não é – como nos desejam fazer
crer – uma técnica de luta apenas, nem tão
somente outra manifestação esportiva. Ela,
enquanto técnica, enquanto forma de luta,
vista de forma restrita a esses dois elementos,
acaba por matar tudo o que a fez nascer,
crescer e sobreviver ao longo de toda uma
época. (...) Ao separarmos a capoeira de sua
história, nós a destruímos enquanto elemento
de cultura brasileira e a transformamos em
mais um elemento de alienação através da
prática esportiva.
6.3 Características
A música, a palma e o ritmo são elementos inerentes à
Capoeira Regional Baiana; na Angola não há palmas. A brin-
cadeira acontece dentro de um círculo formado por “músicos” e
jogadores que se arrumam em uma certa ordem. Esta organização
não é óbvia para a maioria dos espectadores. Dois jogadores
abaixados em frente ao berimbau – um dos instrumentos musicais
– trocam cumprimentos e se movem para o centro da roda. Alguém
ricocheteia uma vareta na solitária corda (arame) do berimbau. Seu
som choroso e manhoso se esvai sistematicamente. Aparecem
seus companheiros que o seguem disciplinadamente: atabaque,
pandeiro e, às vezes, o agogô e o reco-reco. Eles fazem a marcação
para sua excelência, o “berimbau”. Então, eles comam o jogo
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 6 | ARTE–LUTA–DANÇA NACIONAL
104
com harmonia, uindo movimentos, acrobacias, ntas e chutes.
Isso se chama “jogo de capoeira”.
Para além desse fundamento existe também a esquiva;
podemos fazer uma analogia das esquivas da capoeira com o drible
do futebol. Neste esporte tão popular no Brasil, nenhum jogador
deve segurar o outro e o jogo de corpo e mudanças contínuas de
direção e sentido dos atacantes atrapalham os movimentos dos
defensores/marcadores, desconcertando-os e ridicularizando-os, a
m de fugirem dos mesmos e passarem adiante com a bola até
o triunfo do gol. As esquivas são os recursos de um capoeirista
para safar-se de um golpe e dar continuidade ao uxo do jogo de
capoeira: plástico, belo, coordenado e dialogado, sem interrupções
abruptas.
Os golpes, na grande maioria, são realizados com os
membros inferiores. Existem os golpes rodados (trajetória circular
do segmento corporal) e os golpes lineares (trajetória retilínea). Há
atualmente inúmeros golpes de capoeira cadastrados e conhecidos,
mas alguns dos mais utilizados são a meia-lua de frente, queixada,
rabo-de-arraia, armada, martelo e bênção.
O “confronto” é congurado por meio da ginga, um bailado com jeitinho
brasileiro. Por que o capoeirista ginga? Ela é a representação simbólica
da luta brasileira do dia a dia. Nos movimentos dos dois capoeiristas (do
jogo especíco) um diálogo corporal: negociar, driblar, ludibriar, recuar,
atacar, dissimular. É a arte não verbal da comunicação humana.
105
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 6 | ARTE–LUTA–DANÇA NACIONAL
Hora de praticar
a) Pesquise o signicado do termo Capoeira, além de outros fundamentos (mo-
vimentos e golpes) não citados nessa Unidade. Tente elaborar um pequeno quadro
explicativo do nível de complexidade dos fundamentos pesquisados (baixo, médio
ou alto).
b) Alguns educadores armam ser possível trabalhar a capoeira numa perspec-
tiva ampliada de um processo educacional crítico, reexivo e contextualizado com
os ideais de promoção da cidadania do aluno. Isso será possível? Elabore uma
aula para o Ensino Médio que contenha alguns gestos da capoeira, orientada aos
objetivos citados anteriormente.
Não esqueça de enviar sua atividade para o tutor!
A capoeira surge da
prática de escravos
negros na senzala e após
sua libertação e não in-
serção social adequada, torna-se
uma forma de manifestação cultural e
crítica social, não só à posição que o
negro agora ocupa nas cidades, mas
de todos os marginalizados. A prática
clandestina da capoeira passa a ser
a bandeira de luta e denúncia da
desigualdade e violência social.
Sendo proibida até o início da
década de 1930, a capoeira encontra
no mestre Bimba um divulgador e
personagem chave para sua livre
expressão; surge a chamada Capoeira
Regional Baiana. Alguns integrantes
da comunidade capoeirística se
posicionam contra a postura de Bimba,
acusando-o de “embranquecer” a
capoeira. Liderando esse movimento,
surge o mestre Pastinha, pai da
chamada Capoeira de Angola, que,
segundo alguns “capoeiras”, foi quem
realizou o verdadeiro resgate da “luta
de rua”.
UNIDADE 7
107
Jogos de Combate e Bem-estar Social
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
Quem nunca utilizou alguma forma de luta? Sabemos que as crianças utilizam-
se de muitas formas diferenciadas
de brincar com o corpo. A fase de
socialização e conhecimento de si,
do outro e do mundo, estimula as
crianças em vivências e experiências
corporais. Até mesmo sentados
num banco na escola, observamos
crianças empurrando-se mutuamente
com os ombros. Riem o tempo
inteiro e se estabelecem relações
verdadeiramente parceiras. Falemos
agora dessas brincadeiras de luta e
suas potencialidades...
OBJETIVOS
Após nalizar esta Unidade, esperamos que você seja capaz de:
entender os jogos de combate como possibilidade pedagógica nas aulas de
Educação Física, contemplados como conteúdo nos PCN’s;
propor e criar alguns jogos de combate para aplicação nas aulas de Educação
Física.
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 7 | JOGOS DE COMBATE E BEM–ESTAR SOCIAL
108
7.1 Brincando de Luta
As competições infantis dentro do universo e do imaginário
das crianças estabelecem o que é legal e ilegal no confronto
corporal.
“Isto vale! Isto não vale! Ganha quem conseguir isto!!
Cuidado para não machucar!” Então, avaliamos que a cultura
corporal desenvolvida pelo exercício da compreensão de mundo,
de corpo e das relações humanas é preenchida por disputas
e exercícios de lutas evidenciadas no mundo das crianças.
Naturalmente, não se trata da utilização especíca das artes
marciais ou das lutas já descritas nesta disciplina.
Os jogos de combate aqui salientados são destinados à
compreensão de bem-estar e do viver simbólico das crianças.
As disputas corporais são aleatórias e desprovidas de um
conjunto de regras xas, de modelo ou padrão. Surgem no dia a
dia, relativizadas a um contexto ali presente. Vejamos o exemplo
citado sobre as crianças num banco da escola:
É hora do recreio. Todas as crianças descem para o pátio da escola.
Alguns pulam corda, outros correm e gritam nos arredores, enquanto um
número qualquer tenta tomar os assentos de poucos bancos de madeira
dispostos na área. De repente, inicia-se uma motivante e momentânea
disputa. Carlos e Ezequiel percebem que o espaço do banco é menor para
caber ambos. Ambos tentam se sentar, mas o espaço é curto. Carlos inicia
empurrando Ezequiel. Começa o embate. Ezequiel inicia reação contra
a ação de Carlos. Ambos gargalham muito. Acabam sendo o foco das
atenções daqueles que também estão sentados neste e nos outros bancos.
Isto se torna brincadeira divertida e... de repente... todos começam esta luta
corporal, utilizando ombros e quadris, empurrando o companheiro do lado.
A brincadeira geral dura quase a totalidade dos quinze minutos do recreio.
Toca o sinal para voltarem às salas de aula. Percebe-se frustração geral
nos participantes. Lucas, um menino que também se incorporou à atividade,
levantou-se e esperneou: “Puxa, agora que tava cando legal!”. No entanto,
dona Olga, supervisora do turno, descia ao pátio e coordenava todos os
alunos no retorno às salas. Para a surpresa coletiva, a brincadeira se tornou
109
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 7 | JOGOS DE COMBATE E BEM–ESTAR SOCIAL
corriqueira no ambiente daquela escola. Hoje, Carlos e Ezequiel não mais
estudam na escola, mas ainda se vê alunos em contentamento realizando
aquele jogo de combate corporal nos velhos bancos do pátio da escola.
Como todos nós já sabemos, o ser humano cria e recria
suas próprias ações motoras embebidas de um contexto
sociocultural. As brincadeiras de luta na escola, na comunidade
ou em qualquer ambiente social remontam épocas longínquas
na sua existência sobre a superfície do planeta Terra.
É uma visão de como podemos recriar e criar espaços
vivenciais para a experiência de atitudes de combate
corporal. Nestes eventos, a recreação, o lazer, a diversão, o
entretenimento e a riqueza das relações entre as pessoas são
o motivo destas atividades. Esta postura é a representação
material do signicado de bem-estar social. Este termo se torna
elemento primordialmente importante para a qualicação do tipo
de atividade que o combate corporal representa.
7.2 Bem-estar Social nos Jogos de Combate
Os jogos de combate acontecem em contexto de grupo ou
na relação de pessoas. Assim, o componente social é elemento
importante para a compreensão desta atividade. No entanto,
apesar da necessidade das pessoas se tornarem socialmente
engajadas como um caminho para promover o bem-estar social,
tem havido um aumento do número de jovens e idosos gastando
mais tempo sozinhos (ABS, 1999). Brawley (1996) realçou a
interface entre o esporte como componente social e psicológico.
Tjeerdsma (1996) detectou que a razão para a participação
esportiva era consistente com as propostas individuais e coletivas
Os primeiros jogos olímpicos ou jogos comunitários valiam-se das
relações do ser humano com o meio e com seus corpos. Não é de hoje
que as comunidades se reúnem para verem homens e mulheres tentando
corporalmente retirarem alguém de dentro de um círculo ou colocarem
alguém no chão. Tudo isto como forma de entretenimento e lazer
comunitário. A isso denominamos de jogos de combate e de bem-estar.
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 7 | JOGOS DE COMBATE E BEM–ESTAR SOCIAL
110
de diversão e interação social. O resultado da experiência
social por meio dos esportes é a co-criação entre a interface da
subjetividade pessoal com a subjetividade dos outros, incluindo
o contexto (HARRIS, 2002).
Conito é a oposição ou desacordo entre pessoas em
relação a um mesmo assunto ou tema. A cooperação nos
jogos de combate deve ser um importante elemento para que
possamos proporcionar o alcance do bem-estar social pelos
participantes. Categoricamente a luta é um conito congurado
e que envolve a ação e a reação entre contendores. Porém, isto
não signica uma guerra de vida ou de morte. Devemos nos
pautar por objetivos educacionais. Almeida (2007) arma que
resolver os conitos nos ajuda a crescer, evoluir e amadurecer
como pessoas.
A resolução de problemas pode ser planejada em contextos
de atuação individual, porém, como assinalam diversos autores,
também pode ser planejada em um contexto de ação coletiva,
oferecendo ótimas oportunidades e possibilidades.
Para este trabalho, os elementos conceituais de bem-
estar social são:
A resolução de conitos por meio do jogo cooperativo é um método indutivo
de aprendizagem, baseado na busca e descobrimento por parte das
crianças, dando respostas e soluções às questões planejadas em torno do
problema.
liderança
senso de pertencimento
ao grupo
relacionamento
entre pares
identidade amizade
111
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 7 | JOGOS DE COMBATE E BEM–ESTAR SOCIAL
7.2.1 Amizade e Relacionamento entre Pares
Amizade pode ser um dos mais importantes elementos
que motivam as pessoas a participarem de um grupo. Fink (1995)
investigou o efeito que possui interesses similares na escolha
e habilidade de amigos em transferir e desenvolver interesses
comuns no lazer.
Blieszner (1995) examinou quais tipos de processos
ocorrem durante as interações de amizade, especicamente os
aspectos que inuenciam o bem-estar. Os resultados sugerem
que as intervenções que afetam o processo de amizade ocorrem
durante todo o tempo.
Nos estudos sobre relacionamento entre pares, Rittner
(1999) apresentou um trabalho cientíco com uma série de
estruturadas atividades que foram aplicadas em um grupo que
indicou que os participantes:
aumentaram a auto-estima;
reduziram o nível de pensamentos negativos;
alcançaram habilidades para superação e delimitação de uso
de substâncias alucinógenas, e
incorporaram habilidades para procurar e gozar atividades
prazerosas com seus pares.
Relacionamento entre pares possui também paradoxal
elemento na vida das pessoas. Duck (1995) apresentou um
estudo confrontando alguns desaos nos relacionamentos.
O autor avalia que o ‘lado obscuro’ (decepcionar parceiros,
trair relacionamentos ou incorrer em conitos esporádicos) no
contexto da média do processo de relacionamento, apresenta-
se como experiência inerentemente conectada.
7.2.2 Liderança
Parece que todo grupo pode ter um líder ou alguém
que poderia manter o grupo unido. No entanto, isto não é uma
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 7 | JOGOS DE COMBATE E BEM–ESTAR SOCIAL
112
questão fácil. Boinski (2000) declara que, como para qualquer
pai, líder de escoteiros ou diretor de companhia, manter todo um
grupo em uma direção demonstra-se como difícil e complicado.
Pearson (2000) estudou o signicado de liderança
nas escolas e armou que ter um mentor era importante para
os estudantes que foram entrevistados. Eles todos dividem
circunstâncias políticas e históricas de maior importância,
conectando sociedade, comunidade e o indivíduo.
Em todo relacionamento entre duas pessoas há um
implícito senso de liderança, o qual pode conectá-las de acordo
com as situações.
7.2.3 Identidade do Grupo e Senso de Pertencimento
Goodenough (1999) diz que as tradições culturais
(incluindo linguagens) são transmitidas por gerações por meio
da aprendizagem dos indivíduos em interação com os outros
membros de grupos sociais aos quais pertencem.
Algumas teorias têm sido desenvolvidas para explicar
identidade social:
Hogg (1999) explorou a ideia de que estar em grupo reduz
incertezas. O autor explica, com base na teoria de identidade
social, que o senso de pertencimento a um grupo motiva o
ser humano a desenvolver e construir satisfatoriamente sua
autoestima.
Greene (1999) complementa, armando que a atribuição
de valores (morais e éticos) e a signicância emocional percebida
pelo indivíduo tem como inuência o envolvimento com o grupo.
7.3 Os Jogos de Combate como Fonte de
Empoderamento
A psicóloga Paula Dely, no site Aprende Brasil (http://
www.aprendebrasil.com.br), esclarece que as brincadeiras
de luta, assim como as que envolvem perseguição e fuga
113
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 7 | JOGOS DE COMBATE E BEM–ESTAR SOCIAL
(polícia-e-ladrão, pega-pega, etc.), ajudam as crianças a lidar
ludicamente com o medo e as ações decorrentes dele: a
fuga e o enfrentamento. Por ser uma brincadeira elas vivem
prazerosamente essas sensações e aprendem a controlar tanto
suas emoções quanto seus impulsos (é preciso brincar de lutar
sem machucar o colega e, para isso, é necessário modular a
força dos ataques, senão a brincadeira acaba), o que será muito
útil na vida adulta.
Além disto, crianças e adultos convivem com elementos
paradoxais na vida cotidiana, e tal fato não está descartado nas
atividades de lutas corporais, mesmo que lúdicas. Eis o exercício,
anteriormente citado, na necessidade de assumir posturas
e tomar decisões na vida: EMPODERAR-SE. E para tanto, é
preciso que o “lutador”, no jogo de combate eleito, reconheça-se
no outro.
Certo, mas o que signica EM-PO-DE-RAR-SE? Vejamos:
o termo empoderamento, derivado do inglês (empowerment
atribuir poder a alguém), tem um sentido mais profundo em Paulo
Freire; compreende uma forma de construção de autonomia
de ação do oprimido a partir de sua libertação do opressor
(FREIRE, 2005). Explicando melhor: Paulo Freire defende um
empoderamento que ocorre de dentro para fora, sendo uma
conquista, e não um presente, algo dado ou transferido por
alguém.
Entendeu isso? Ufa, não é fácil mesmo, pois exige de nós
esforço de pensar (losofar)!! Vamos em frente então!!
Retomando, uma das ricas possibilidades da “disputa”,
estimulada e incentivada pelo educador nos Jogos de Combate,
é a de levar o educando a EM-PO-DE-RAR-SE, que segundo
A noção da necessidade de esforço e precisão para solução de nossos
problemas torna-se evidente e ui na direção de um melhor relacionamento
e consciência pessoal em sociedade, na escola, no trabalho, em família,
com os amigos, em todas as etapas da vida (ORTIZ, 2003).
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 7 | JOGOS DE COMBATE E BEM–ESTAR SOCIAL
114
a visão freiriana da pedagogia do oprimido, é conquistada
em conjunto, ou melhor, em comunidade: “Ninguém liberta
ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em
comunhão.” (FREIRE, 2005, p. 29).
7.4 Exemplos de Jogos de Combate na Escola
O importante é brincar, divertir-se, conhecer o corpo, seu
potencial, suas limitações, desaar-se e resolver situações-
problema. Ferreira (2008) avalia que o uso das lutas como
meio satisfaz o que se estabelece nos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN) na inclusão do conteúdo de lutas na Educação
Física. Acrescenta ainda que, graças ao uso das lutas como
meio, abrem-se possibilidades de se trabalhar algo além das
modalidades de lutas tradicionais (judô, karatê, kung-fu, etc) – ou
seja, incluir, criar ou recriar a prática de lutas informais, lúdicas
e recreativas advindas do saber popular não-sistematizado. A
proposta dos exemplos a seguir nos remete a este tipo de luta
de oposição corporal:
Trata-se de uma forma de luta que nos remete
ao conhecimento do hábito de um animal e
como este é visto no seu habitat. Os sapos
costumam permanecer de cócoras e saltam para
se locomoverem ou para capturar suas presas a
partir desta posição. Assim, a brincadeira parte
deste princípio.
Dois colegas permanecem no centro de um
círculo. A posição de cócoras deve promover e-
quilíbrio e isto será determinante para dar condições de
movimentação e alcance de objetivos. Os lutadores utilizarão
os braços para tentar empurrar e retirar do círculo um deles, ou
provocar um desequilíbrio, a m de que um dos dois apoie um
dos braços ou mãos no solo.
Luta do Sapo
115
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 7 | JOGOS DE COMBATE E BEM–ESTAR SOCIAL
Deve-se tentar conscientizá-los a utilizar o raciocínio a partir de
estratégias especícas para derrubar o outro ou empurrá-lo para
fora do círculo sem a força bruta.
Brincadeira de luta que tem como base o movimento de um gato
quando roça nas pernas do dono ou em algum objeto com o
dorso do corpo. Os contendores cam dentro de um círculo e
posicionam-se como um felino, ou seja, na posição quadrúpede.
Nesta posição, os jogadores deverão empurrar um ao outro com
a lateral ou dorso do corpo, tentando derrubar ou empurrar o
outro para fora do círculo.
Utilizando a concepção de força do personagem mitológico
Hércules, os opositores deverão car um de frente para o
outro, com uma das pernas posicionadas à frente da outra.
Devem inclinar o corpo um pouco para frente e se segurarem,
mutuamente, com os braços estendidos e as mãos segurando nos
ombros um do outro. Devem-se demarcar linhas retas tracejadas
com a utilização de giz posicionadas atrás dos lutadores. A ação
é estabelecida no ato de se empurrarem tentando colocar o
adversário sobre a linha.
7.5 Considerações Finais
O homem é pleno quando brinca e se relaciona melhor
consigo e com os outros. A sociedade contemporânea tem
esquecido o brinquedo e as brincadeiras populares em troca da
informatização e da corrida pelo lugar ao sol.
O dia a dia e sua rotina pressionam a sociedade para
uma equivocada concepção de trabalho e produção, na qual não
Empurrão do Gato
Luta do Hércules
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 7 | JOGOS DE COMBATE E BEM–ESTAR SOCIAL
116
há espaço para o lazer, a recreação e o prazer. A escola precisa
resgatar tais valores inerentes ao ser humano.
Raticamos o que Paula Levy arma: “brincadeira de criança é coisa séria”.
As lutas entram como componente “sério” nas aulas de
educação física. No entanto, na perspectiva proposta
por este capítulo (Jogos de Combate e Bem-Estar), a
satisfação, e fruição do prazer e da alegria e o resgate
da informalidade e dos brinquedos populares devem ser a
tônica para (re)conceituar, (re)signicar e (re)interpretar as
lutas no contexto da escola.
Hora de praticar
a) Existe uma innidade de brincadeiras de luta que podem ser aplicadas na escola;
pesquise pelo menos mais seis tipos de brincadeiras, explicando a dinâmica de
cada uma delas (o jogo em si).
b) Proponha um jogo de combate com implementos (armas) para aplicação no 6º e
7º ano do Ensino Fundamental, não se esquecendo de observar o item segurança
da atividade.
Envie sua tarefa para o tutor
117
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 7 | JOGOS DE COMBATE E BEM–ESTAR SOCIAL
Após o estudo desta
unidade, podemos enten-
der os jogos de combate
como ferramentas de
desenvolvimento do bem-estar
social e viver simbólico da criança,
aprimorando as relações e situações
que possivelmente viverão na idade
adulta; a capacidade de lidar com
os medos, frustrações, poder de
negociação no conito, tudo isso
pode ser trabalhado na escola,
utilizando, para tanto, os jogos
de combate. Ademais, por meio
desses, podem ser desenvolvidos
amizade, relacionamento entre
pares, liderança, identidade e
senso de pertencimento ao grupo:
importantes elementos conceituais
de bem-estar social, que irão auxiliar
no processo de alteridade e convívio
com as diferenças.
UNIDADE 8
119
As Lutas no Projeto Político-
Pedagógico da Escola
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
Uma atividade educacional que
preza pelos preceitos de aprendizagem
signicativa deve responder a uma
simples pergunta: Qual é o contexto
no qual estão inseridos a minha prática
pedagógica e o conteúdo que devo
ministrar?
Esta questão nos remete a
conhecer as formas de organização do
governo, da sociedade, as prerrogativas
ou preceitos educacionais, a
comunidade, a escola e os alunos.
Como vemos, são várias questões que
se entrelaçam e devem ser respondidas
antes de iniciarmos o plano de ensino
das lutas. Vamos reetir sobre isso
juntos? Venha conosco!
OBJETIVOS
Após nalizar esta Unidade, esperamos que você seja capaz de:
descrever, em linhas gerais, como é a construção do Projeto Político-Pedagógico
Escolar (PPPE);
esboçar uma pequena proposta de Plano de Curso de Lutas dentro da concepção
de PPPE.
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 8 | AS LUTAS NO PROJETO POLÍTICO–PEDAGÓGICO DA ESCOLA
120
8.1 Introdução
A escola não está neutra de todas as informações e es-
truturas (macro ou micro) que a circundam.
Uma breve história traz entendimento de um das diversas
importâncias da elaboração de Projeto Político-Pedagógico em
uma escola.
Certo dia, uma professora estava feliz por ter sido
contratada para lecionar em uma escola de Ensino Básico. Ela
era recém-formada e não via a hora de colocar sua aprendi-
zagem pedagógica em ação. Foram muitas disciplinas de instrução
e sentia-se como uma professora pronta para os desaos. Seu
contrato de trabalho a designava para atuar em uma escola
rural. Recebeu incumbência de ornamentar sua sala de aula
no primeiro dia de aula. Era véspera do dia do trabalho.
Todos os professores deveriam criar ambiente relativo a esta
data, nas salas de aula. Foi para casa e, animadamente,
pensava no que fazer. Passou madrugada adentro, desenhando,
colorindo, recortando e colando gravuras. Fez cartazes com as
diversas prossões que conhecia: médico, arquiteto, engenheiro,
eletricista, bombeiro, professor, advogado, entre outros.
Chegou à escola e pôs-se a colar os cartazes. Na sua
aula comentou sobre todas as prossões ali representadas.
Nisto, um aluno disse que também trabalhava. Levantou-se e
mostrou os calos nas mãos. Outros tantos vieram e também
mostraram as mãos calejadas. Neste momento, nossa pedagoga
percebeu grande equívoco: a prossão de lavrador não estava
representada em nenhuma de suas gravuras! A pobrezinha foi
Os componentes organizacionais da sociedade inuenciam o fazer
pedagógico da escola, mesmo que não percebamos tais intervenções.
Por isso, conhecer esses fatores como atitude para promover o processo
educativo interativo, vivo, crítico, superador e emancipador são os
motivos da execução de um projeto político-pedagógico para a escola,
como tese ou fundamento para se pensar o fazer pedagógico.
121
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 8 | AS LUTAS NO PROJETO POLÍTICO–PEDAGÓGICO DA ESCOLA
para casa muito triste e percebeu que sua estratégia pedagógica
estava tão distante da realidade e do contexto no qual deveria
inserir a sua atuação prossional. Mudou de atitude e debruçou-
se no estudo das características e condições da localidade e
situação sociopolítica de sua escola. Conseguiu materializar
tais estudos nas suas ações pedagógicas. Aprendeu muito.
Atualmente, é a diretora da escola e, por opção de saúde e
qualidade de vida, mudou-se para a região onde está situada a
escola e tem realizado diversas ações de resgate da cidadania
e desenvolvimento daquela comunidade. (Texto adaptado de
OLIVEIRA, 1990)
Os objetivos da elaboração de um projeto político-
pedagógico de uma escola estão representados na maturidade
do exemplo da história narrada.
8.2 Projeto Político-Pedagógico
Vamos entender a abrangência desse termo?
Veiga (1995) apresenta o projeto político-pedagógico
como algo intencional, que possui sentido e, sobretudo, que é
construído por meio da coletividade. Desta forma, a autora avalia
que deve haver um compromisso sociopolítico com as necessi-
dades e interesses da comunidade.
Esta interação coletiva traz a realidade social para
dentro da escola e isto consolida ações para aprimoramento
ou construção de uma nova realidade que seja do interesse
de todos. Logicamente, isto impõe a necessidade de
compromisso de toda coletividade que representa a escola
e seu espaço de interação: professores, auxiliares e técnicos
de ensino, pedagogos, psicólogos educacionais, pais, alunos,
conselhos tutelares, comerciantes, órgãos governamentais
e não governamentais diretamente ligados às ações da
comunidade, etc.
Sendo assim, deve haver um direcionamento da proposta de escola dentro
do que for estabelecido como prioridade para a referida comunidade.
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 8 | AS LUTAS NO PROJETO POLÍTICO–PEDAGÓGICO DA ESCOLA
122
Esta tomada de atitude traz o sentido democrático e
participativo na ação de construir a escola que todos querem.
No entanto, é necessário compromisso e estabelecimento de
responsabilidades para todos os envolvidos. Além disso, as
discussões não podem acontecer no vazio de uma vontade
política. Conforme a autora, essa prática de construção de um
projeto deve estar amparada por concepções teóricas sólidas
e supõe o aperfeiçoamento e a formação de seus agentes;
só assim serão rompidas as resistências em relação a novas
práticas educativas.
É necessário que tomemos cuidado para que esta cons-
trução não se transforme em uma apologia da exacerbação da
liberdade, conforme expressa Veiga (1995, p.13):
Os agentes educativos devem sentir-se atraídos
por essa proposta, passando a ter uma postura
comprometida e responsável. Trata-se, portanto, da
conquista coletiva de um espaço para o exercício
da autonomia. Essa autonomia, porém, é relacional,
não deve ser confundida com apologia a um trabalho
isolado, marcado por uma liberdade ilimitada, que
transforme a escola numa ilha de procedimentos
sem fundamentação nas considerações legais do
sistema de ensino, perdendo, assim, a perspectiva
do todo.
Finalizando, é imperativo que as instituições representa-
tivas da comunidade, como nos exemplos já citados, incorporem
responsavelmente o compromisso com a autonomia que terão na
participação democrática da elaboração, execução e avaliação
do Projeto Político-Pedagógico construído.
8.3 As Lutas no Projeto Político-Pedagógico da Escola
Sabemos que nem todas as universidades e faculdades
de Educação Física contemplam as discussões sobre projetos
políticos-pedagógicos e suas abrangências. Porém, mesmo que
não possua uma formação ampla sobre o assunto, é possível
desenvolver este processo por meio do exercício prossional;
basta trabalhar dentro da realidade de estrutura física, social
123
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 8 | AS LUTAS NO PROJETO POLÍTICO–PEDAGÓGICO DA ESCOLA
e política da escola, incluindo a comunidade. As lutas passam
a ser relacionadas ao contexto coletivizado que a escola apre-
senta. Esta contextualização implicará na adequada elaboração
dos objetivos, conteúdos, estratégias, avaliação, etc, constantes
no plano de curso das lutas.
Tendo como referência a proposta apresentada por
Veiga (1995), estabeleceremos os pontos que devem ser
inicialmente pensados antes da elaboração do formato da
disciplina Lutas na Escola, considerando as prerrogativas do
Projeto Político-Pedagógico da Escola:
ns e objetivos do trabalho pedagógico, buscando a garantia da igualdade
de tratamento, do respeito às diferenças, da qualidade do atendimento
e da liberdade de expressão e como uma disciplina baseada em lutas
poderá contribuir;
losoa do ensino das lutas mediante a concepção de criança, jovem e
adulto, bem como seu desenvolvimento e aprendizagem;
características da população a ser atendida e da comunidade na qual se
insere – como o ensino das lutas vem sendo desenvolvido na sociedade
local e quais são seus reexos;
regime de funcionamento da escola e como a disciplina/atividade de
lutas irá comportar-se dentro deste esquema;
descrição do espaço físico, das instalações e dos equipamentos e como
as atividades de lutas farão parte desse “todo”;
relação de prossionais, especicando cargos, funções, habilitação e
níveis de formação, suas reexões e entendimentos sobre “lutas na
escola”;
parâmetros de organização de grupos e relação professor/aluno, além da
organização do cotidiano de trabalho com as crianças, jovens e adultos;
proposta de articulação da escola com a família e a comunidade e
suas consequências para as estratégias metodológicas do ensino-
aprendizagem das lutas;
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 8 | AS LUTAS NO PROJETO POLÍTICO–PEDAGÓGICO DA ESCOLA
124
processo de avaliação, explicitando suas práticas, instrumentos e
registros – que também devem ser absorvidos para as atividades de
lutas na escola;
processo de planejamento geral com a explicitação, se houver, de
anexos como a Matriz Curricular vigente e projetos especiais a serem
desenvolvidos – tais como quando o ensino das lutas são atividades
complementares.
8.4 Considerações Finais
Pudemos perceber que a construção do Projeto Político-
Pedagógico inuencia uma rede de ações que acontecem na
escola. A introdução das lutas nos currículos escolares proporciona
maior riqueza na oferta de atividades aos alunos (LANÇANOVA,
2008).
Conforme Pereira (2008), torna-se importante a elabora-
ção de um questionário para colher as opiniões e sugestões da
comunidade em relação ao assunto.
Não é fácil o exercício democrático imperioso para a
construção de um plano de curso de lutas, tendo como base
os princípios do Projeto Político-Pedagógico da Escola. No
entanto, torna-se um rico aprendizado para todos os envolvidos,
pois se transformam em partícipes e corresponsáveis por todo
o processo: início, meio e m. Anal, poderemos auxiliar na
formação de uma comunidade participativa e emancipada ao
término deste processo.
Nesse sentido, a participação de toda comunidade escolar e daqueles
que são coadjuvantes no processo de organização comunitária auxilia na
elaboração da proposta de trabalho a ser desenvolvida pelos professores
de lutas.
125
PEDAGOGIA DAS LUTAS E ARTES MARCIAIS
UNIDADE 8 | AS LUTAS NO PROJETO POLÍTICO–PEDAGÓGICO DA ESCOLA
Hora de praticar
a) Você conhece alguma escola da sua comunidade? Entreviste alguns pais,
professores e funcionários de uma escola que conheça, indagando sobre a
presença das lutas na Educação Física Escolar como conteúdo possível. Após
obter informações, responda: como as lutas devem ser implementadas nessa
escola, pensando na formação de um ser humano crítico, autônomo e consciente?
Explicite também os objetivos educacionais.
Concluímos, com a Unida-
de VIII, nosso trabalho.
Pudemos compreender
que um Projeto Político -
Pedagógico tem sua criação/
planejamento determinado em fases,
das quais uma das mais importantes
é o levantamento da realidade na qual
a escola se insere e como ocorrem
as relações entre os indivíduos dessa
comunidade. Nesse sentido, deve
haver um alinhamento sociopolítico
dos interesses educacionais com a
comunidade desse meio, gerando
participação e corresponsabilidade na
execução pós-planejamento do Projeto
Politico-Pedagógico da escola.
Adendo a isso, as Lutas como
conteúdo possível nas aulas de
Educação Física Escolar podem estar
contempladas num plano de curso que
atenda as exigências acima expostas.
127
Saiba Mais
Movimento Esporte para Todos.
Surgido na década de 1960, tinha
o sentido de democratização da
atividade física/prática esportiva.
Em 1975, o primeiro evento de
impacto em favor da mobilização da
população no Brasil foi realizado pela
Rede Globo, sob o nome de MEXA-
SE, que coincidiu com a elaboração
do Plano Nacional de Educação Física
e Desportos (PNDE, 1976), e tinha
como objetivos principais aprimorar
a aptidão física da população, elevar
o nível do desporto em todas as
áreas, intensicando a sua prática às
massas, ampliar o nível técnico das
representações nacionais e difundir
as atividades esportivas como forma
de utilização do tempo de lazer.
O esporte, nesse sentido, não se
restringiria a praticantes dotados de
habilidades motoras, com o intuito
de estabelecer uma seleção entre
os esportistas e os não esportistas,
passando a ser, a partir daquele
momento, um elemento acessível a
toda população, independentemente
do estágio de capacidade física em
que se encontravam os indivíduos.
Com a Carta Internacional de
Educação Física e Esporte da
UNESCO (1978), o Esporte-Lazer
incorporou-se à manifestação,
sobretudo por suas características e
espontaneidade.
Na década de 1990 recebeu uma
renovação conceitual, passando
também a compreender a promoção
da Saúde.
Religião OMOTO. Surgida no início
do século XX, no Japão, foi a visão
religiosa da Seita Omoto que formou
a base para a estrutura ética do
Aikido.
Duas guras se destacam em sua
história: Nao Deguchi, a fundadora,
uma mulher pobre e sem instrução; e
o excêntrico e energético Onisaburo
Deguchi, o qual liderou o crescimento
desta seita religiosa que pregava,
principalmente, que todos nós temos
um pouco de divindade, pois todos
somos lhos do Universo e, portanto,
unos com Deus – a divindade suprema
– e com o Universo em si. Portanto,
a vida de uma pessoa não tem valor
mensurável. Quando se agride ou se
mata uma pessoa, está-se agredindo
o próprio Universo e Deus, pois todos
são uma só coisa.
128
AGUIAR, José Otávio & APOLLONI, Rodrigo Wolff. “Budismo, marcialidade e legitimação da
violência: o Kung Fu e as disputas historiográcas sobre o mosteiro de Shaolin”. Revista Projeto
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VIEIRA, Luiz Renato. O jogo da capoeira: cultura popular no Brasil. Rio de Janeiro: Sprint, 1995.
Referências Bibliográficas
EDUCAÇÃO
FÍSICA E
SAÚDE
133
Muito prazer!
Eu, Júlia, sou professora da UnB, ministro aulas no Curso de Graduação presencial
e a distância e da Pós-Graduação (mestrado), na Faculdade de Educação Física (FEF).
Coordeno projetos de pesquisa e extensão em atividade física, nutrição e promoção da saúde
na comunidade escolar e em centros de saúde.
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Eu, Ricardo, sou colega da professora Júlia, na UnB, ministrando a disciplina Fisiologia
do Exercício 1 na graduação em Educação Física, e Atividades Físicas na Hipertensão
Arterial, Obesidade e Diabetes no Mestrado em Educação Física. Realizo pesquisas na área
de Atividade Física e Saúde, em particular nos indivíduos com idade avançada.
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Esperamos que a nossa experiência como professores e pesquisadores possa
favorecer o seu aprendizado na disciplina de Educação Física e Saúde. É um prazer preparar
o material didático para essa disciplina
Desejamos a você um excelente curso!
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
Profª Júlia Aparecida Devidé Nogueira
Licenciada (1995) em Educação Física pela UnB, com mestrado (2001)
e doutorado (2005) em Ciências da Saúde pela UnB. Atualmente é
professora adjunta da Faculdade de Educação Física da UnB, atuando
nos temas Fisiologia do Exercício e Nutrição, composição corporal e
promoção da saúde.
Prof. Ricardo Moreno
Licenciado em Educação Física pela Universidade Católica de Salvador
(UCSal) e Especialiasta em Condicionamento Físico Aplicado à
Cardiologia. É Mestre e Doutor em Educação Física pela Universidade
Católica de Brasília (UCB), sendo parte do Doutorado desenvolvido na
“University of Maryland” – Estados Unidos. Atualmente é professor adjunto
da Faculdade de Educação Física da UnB, atuando principalmente nos
temas Atividade Física e Saúde, Fisiologia do Exercício e Genética
Aplicada ao Exercício.
134
Apresentação da Disciplina
Caro Aluno,
Seja bem-vindo à disciplina Educação Física e Saúde! Esta disciplina
tem como proposta discutir os aspectos relevantes do tema saúde na sociedade
contemporânea e o papel da Educação Física neste contexto.
E por que você acha que o professor de Educação Física precisa
conhecer esse assunto?
Bem, atualmente, diversos dos agravos à saúde estão relacionados à escassez
de atividade física característica da sociedade em que vivemos. As mudanças nos
estilos de vida e nas estruturas urbanas modernas têm gerado transformações na
saúde e nos problemas sanitários.
O professor de Educação Física tem um importante papel formador do
aluno e deverá orientá-lo na construção de alicerces para a formação de um
cidadão capaz de zelar por sua saúde e por sua qualidade de vida, pela por
intermédio da incorporação das atividades físicas recreativas e/ou esportivas
como hábitos de vida.
Para facilitar o seu estudo, dividimos a disciplina em três unidades:
Unidade 1 – Conceitos e Princípios Básicos em Saúde e Educação Física.
Nesta unidade, abordaremos denições e conceitos sobre saúde, atividade física,
Educação Física e outros relacionados ao tema. Também abriremos espaço para
você pensar sobre a complexidade que envolve cada um destes aspectos quando
buscamos ter uma vida ativa e mais saudável dentro do contexto de nossa sociedade
atual.
Unidade 2 – Efeitos da Atividade Física na Prevenção e Controle de Doenças.
Vamos discutir os aspectos especícos da prática de atividade física e seus efeitos
biológicos e siológicos na prevenção e controle das principais doenças que acometem
nossa sociedade atualmente. Propomos reexões sobre como utilizar a atividade física
como um instrumento importante e vantajoso para prevenir, tratar e controlar estas
doenças e promover a saúde.
135
OBJETIVOS
Após nalizar esta disciplina, esperamos que você seja capaz de:
analisar a importância da atividade física e dos movimentos corporais para a
promoção da saúde e da qualidade de vida nas sociedades e nos indivíduos em
suas diferentes fases dos ciclos da vida, em especial, a fase escolar;
relacionar a inuência da atividade física e dos movimentos corporais com os
benefícios biológicos, psicológicos e sociais.
Unidade 3 – O Papel da Educação Física na Promoção da Saúde. Nesta última
unidade iremos abordar o papel da disciplina Educação Física escolar como elemento
formador e transformador do aluno e da sociedade para a obtenção de saúde e
qualidade de vida. Também pensaremos sobre como incluir estes temas nas aulas e
sobre o papel do professor de Educação Física no contexto social atual.
Para o melhor aproveitamento na disciplina recomendamos leituras
complementares que enriquecerão a sua aprendizagem e o ajudarão a compreender
esse tema complexo e fascinante. Amplie seus estudos com os livros abaixo:
MCARDLE, WD.; KATCH F. I.; KATCH V. L. Fisiologia do Exercício: Energia, Nutrição e
Desempenho Humano. Guanabara Koogan S.A., 2006.
NAHAS, M.V. Atividade Física, Saúde e Qualidade de Vida. Midiograf, 2001.
OLIVEIRA, R.J. Atividade Física e Saúde. Shape, 2004.
Desejamos sucesso em mais essa caminhada, com a certeza de que a
construção do conhecimento fundamenta-se na troca de experiências,
dúvidas, descobertas e reflexões.
136
UNIDADE 2
137
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 1
Conceitos e Princípios Básicos em Saúde
e Educação Física
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
O tema de promoção da saúde é bastante atual e com certeza você já ouviu
os termos atividade física, exercício físico, aptidão física, saúde, estilo de vida,
qualidade de vida.
Mas será que você já parou
para pensar que cada um destes
termos está diretamente ligado à
Educação Física, e que cada um
possui um conceito diferente?
OBJETIVOS
Após nalizar esta Unidade, esperamos que você seja capaz de:
denir saúde, estilo de vida, qualidade de vida, atividade física, aptidão física e
exercício físico;
conceituar as transições demográca, epidemiológica e nutricional no Brasil;
explicar os diversos aspectos (barreiras e facilitadores) envolvidos na adoção
de um estilo de vida ativo e saudável em nossa sociedade atual (contexto
epidemiológico);
relacionar teoria e prática aos saberes da epidemiologia com a atividade física e saúde.
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 1 | CONCEITOS E PRINCÍPIOS BÁSICOS EM SAÚDE E EDUCAÇÃO FÍSICA
138
1.1 Saúde, Estilo e Qualidade de Vida
Atualmente, saúde é denida pela Organização Mundial
de Saúde (OMS) como uma multiplicidade de aspectos do
comportamento humano, voltados a um estado de completo
bem-estar físico, mental e social, e não apenas como ausência
de doenças. Saúde também pode ser denida como uma
condição humana de dimensões física, social e psicológica,
cada uma com polos positivo e negativo.
A saúde positiva é associada com a capacidade de
apreciar a vida e de resistir aos desaos do cotidiano e a saúde
negativa é associada à morbidade e à mortalidade. Ou ainda:
Saúde é um conceito positivo da medida que
um indivíduo ou grupo é capaz, por um lado, de
realizar aspirações e satisfazer necessidades e,
por outro, de lidar com o meio ambiente. A saúde
é um recurso para a vida diária, não o objetivo
dela; abrange os recursos sociais e pessoais,
bem como as capacidades físicas (OMS, 1946).
Devemos entender a saúde e a doença como um
processo, um continuum, relacionado a determinantes e
condicionantes multifatoriais tais como aspectos econômicos,
socioculturais, experiência pessoal e estilo de vida.
Estilo de vida expressa a divisão da sociedade em termos
comportamentais, como padrões de consumo, rotinas, hábitos
ou formas de vida no dia a dia. A determinação de um estilo de
vida segue a regra da formação e da diferenciação das culturas:
a adaptação ao meio ambiente e aos outros homens.
Certos padrões de comportamentos indicam
um estilo de vida com riscos aumentados
à saúde dos indivíduos que os adotam,
podendo resultar no desenvolvimento
de doenças e consequente redução da
qualidade de vida, causando impactos
pessoais, sociais e econômicos.
Existem várias
definições para
saúde
.
Saúde
etimologicamente
procede do latim
sanitas (sanidade),
se referindo à
integridade
anatomofuncional
dos organismos
vivos.
O estilo de vida
é a forma pela
qual uma pessoa
ou um grupo de
pessoas vivenciam
o mundo e, em
consequência,
se comportam e
fazem escolhas.
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 1 | CONCEITOS E PRINCÍPIOS BÁSICOS EM SAÚDE E EDUCAÇÃO FÍSICA
139
Bem, para buscar uma resposta, vamos continuar
procurando compreender melhor o conceito de qualidade de vida.
Qualidade de vida é o termo usado para denir as
condições da vida de um ser humano. Envolve aspectos físicos;
mentais, psicológicos e emocionais; relacionamentos sociais
(como família e amigos); saúde; educação; poder de compra e
outras circunstâncias da vida.
O uso do conceito de qualidade de vida na área da
saúde é recente, e decorre, em parte, das intensas mudanças
econômicas, políticas, sociais e culturais do último século, que
produziram alterações signicativas para os estilos de vida, a
saúde e a qualidade de vida da sociedade.
A Organização Mundial de Saúde deniu qualidade de
vida como a percepção do indivíduo de sua posição na vida,
no contexto da cultura e do sistema de valores nos quais ele
vive, considerando seus objetivos, expectativas, padrões e
preocupações.
1.2 Estilo de Vida, Qualidade de Vida, Saúde e
Doença na Sociedade Moderna
Para entendermos o que vem acontecendo nas últimas
décadas no Brasil, temos de levar em conta as tendências
mundiais de transição demográca, epidemiológica e nutricional
que se processam em nossa sociedade desde 1960. Vamos
conversar um pouco mais sobre estas três tendências.
Transição demográca reete a redução das taxas
de fecundidade, natalidade e mortalidade, resultando no
aumento da expectativa de vida e na proporção de idosos.
Qualidade de
vida não deve ser
confundida com
padrão de vida.
Padrão de vida
é uma medida
que quantica
a qualidade e
quantidade de
bens e serviços
disponíveis.
A OMS
desenvolveu um
questionário para
inferir a qualidade
de vida, com duas
versões validadas
para o português
(o WHOQOL 100 –
composto por seis
domínios: físico,
psicológico, nível
de independência,
relações sociais,
meio ambiente
e aspectos
religiosos – e o
WHOQOL Breve
– composto por
quatro domínios:
físico, psicológico,
relações sociais e
meio ambiente).
Vamos pensar por um momento...
Atualmente, quais os estilos de vida
(padrões de comportamento) que
apresentam risco para a perda da
saúde, ou seja, o adoecimento?
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 1 | CONCEITOS E PRINCÍPIOS BÁSICOS EM SAÚDE E EDUCAÇÃO FÍSICA
140
Observe o Gráco 1, abaixo, que ilustra esse tipo de
transição, em que a forma de pirâmide vem gradualmente
sendo substituída por um retângulo, indicando o aumento do
número de indivíduos mais velhos.
Gráco 1 Pirâmides etárias indicando a transição demográca no Brasil.
Transição nutricional – representa as mudanças no padrão
alimentar que, juntamente com a inatividade física, resultam
na redução da desnutrição e aumento do peso. Observe o
gráco abaixo que ilustra esse tipo de transição.
Gráco 2 Percentual de sobrepeso e obesidade no Brasil, separado
por sexo, indicando a transição nutricional.
Transição epidemiológica reete as mudanças na estrutura
urbana, no estilo e nos padrões de vida, e nas diversidades
regionais quanto às características socioeconômicas e de
acesso aos serviços de saúde. Observe o gráco, a seguir,
dessa transição.
HOMENS com sobrepeso
HOMENS com obesidade
MULHERES com sobrepeso
MULHERES com obesidade
1980
2000
2025 2050
1975
1989 2003 2009
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 1 | CONCEITOS E PRINCÍPIOS BÁSICOS EM SAÚDE E EDUCAÇÃO FÍSICA
141
Gráco 3 Modicação do perl de adoecimento indicando a transição
epidemiológica.
O estilo de vida moderno, como a adoção de hábitos de
sedentarismo, má alimentação e vida estressante irão produzir
mudanças na qualidade de vida e no padrão de adoecimento.
Nas últimas décadas, pudemos observar o aumento da
prevalência das Doenças Crônicas Não-Transmissíveis
(DCNT), que representam mais de 60% das causas de óbito e
47% dos custos de saúde no mundo.
O pior é que o impacto das DCNT na saúde das populações
vem aumentando a cada ano. Estima-se que em 2020 as DCNT
serão responsáveis por 73% da mortalidade e por 60% dos
custos com saúde mundiais.
Mas por que o homem adota estilos de vida que são
nocivos à sua própria saúde?
Bem, isso acontece porque o processo de transformação
da sociedade é também o processo de transformação da saúde
e dos problemas sanitários.
As DCNT afetam todos os países do mundo, entretanto, 80% das mortes
por DCNT ocorre nos países em desenvolvimento, como o Brasil. Os
países em desenvolvimento enfrentam ainda outro problema de saúde,
pois as doenças causadas por desnutrição, doenças infecciosas e
parasitárias nas populações mais carentes ainda somam mortes e
morbidades a estes dados.
As doenças
infecciosas e
parasitárias
eram as principais
causas de morte
no Brasil na
primeira metade
do século.
Sedentarismo é
um termo utilizado
para descrever
um estilo de vida
caracterizado
por pouca ou
nenhuma prática
de atividades
físicas.
As DCNT são
representadas
principalmente
pela obesidade,
doenças
cardiovasculares,
hipertensão,
diabetes tipo
II e neoplasias
(cânceres).
% DE
ADOECIMENTO
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
1930 1940 1950 1960 1970 1980 1985 1990 1995 2000 2003
Infecciosas e parasitárias
Aparelho circulatório
Neoplasias
Outras doenças
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 1 | CONCEITOS E PRINCÍPIOS BÁSICOS EM SAÚDE E EDUCAÇÃO FÍSICA
142
O estilo de vida moderno acaba sendo inuenciado por
estas condições sociais e por escolhas pessoais, e o resultado
é que os indivíduos se tornam mais sedentários, têm má
alimentação, consomem tabaco, álcool e outras drogas.
Gráco 4 – Comportamentos de risco para mortalidade nas Américas.
Faz parte do contexto atual de sociedade a urbanização desordenada;
a má condição de trabalho; o subemprego ou desemprego; a habitação
inadequada; a falta de acesso à educação, ao lazer, à cultura, e aos bens
e serviços; o meio ambiente poluído com má qualidade do ar e da água e a
ausência de saneamento básico; a presença da violência; da fome etc. Estes
são os determinantes e as condicionantes do processo de adoecimento.
Vamos reetir...
Você sabe
diferenciar
fatores de
risco de
condicionantes e
de determinantes
para o
desenvolvimento
de DCNT?
Consegue pensar
em exemplos
de cada um?
-----------------------
Como você
acha que o
ambiente social
pode inuenciar
a pessoa a
ser mais ativa
sicamente e a
fazer escolhas
alimentares mais
saudáveis?
Tabajismo
hipertensão
sobrepeso
colesterol
falta consumo de
frutas e legumes
consumo de
álcool
sedentarismo
sexo não seguro
poluição do ar
água,
saneamento e
higiene
baixo peso
deciência ferro
drogas ilícitas
0 100 200 300 400 500 600 700 800 900
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 1 | CONCEITOS E PRINCÍPIOS BÁSICOS EM SAÚDE E EDUCAÇÃO FÍSICA
143
Hoje sabemos que e o excesso de peso, o consumo
inadequado de frutas e verduras, a inatividade física e o tabagismo
são os principais fatores de risco para o desenvolvimento das
DCNT. Portanto, podemos concluir que a redução destes fatores
de risco pode aumentar o tempo e a qualidade de vida das
pessoas e reduzir as taxas de morbidade e mortalidade.
Neste contexto, nasce o termo bastante atual: Promoção
da Saúde. Ações de promoção da saúde visam reduzir as
vulnerabilidades sociais e os condicionantes e determinantes
de comportamentos que possam levar ao desenvolvimento
de fatores de risco ao adoecimento. Ao prevenir e controlar o
adoecimento podem ser reduzidos os custos pessoais, sociais e
nanceiros.
Assim, a atividade física vem ganhando importância por
sua capacidade transformadora positiva do meio ambiente e dos
estilos de vida.
1.3 Atividade Física, Exercício Físico e Aptidão Física
Assim, a saúde, vista como uma produção social de determinação múltipla
e complexa, exige a participação ativa de todos os sujeitos envolvidos em
sua produção (indivíduos, movimentos sociais, educadores, trabalhadores
e gestores) na análise, formulação, implantação e adoção de políticas
e ações que visem à melhoria da qualidade de vida tanto nos aspectos
estruturais quanto nos aspectos individuais.
Antes de começar este assunto, vamos fazer um exercício mental. A Figura A é exemplo de atividade física, ou
de exercício físico, ou de aptidão física? E a Figura B, e a C? Não tenha receio, arrisque-se, tente diferenciá-las.
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 1 | CONCEITOS E PRINCÍPIOS BÁSICOS EM SAÚDE E EDUCAÇÃO FÍSICA
144
Bem, vamos explorar a definição de cada um desses
elementos e compreenderemos melhor suas respectivas
características.
Atividade Física – qualquer movimento corporal produzido
pelos músculos esqueléticos que resulte em gasto energético
maior que os níveis de repouso.
Exemplos de atividades físicas incluem passear com o
cachorro; lavar o carro; limpar a casa; cuidar do jardim; dentre
outros. O objetivo principal dessas atividades não é aumentar
os níveis de condicionamento físico, mas realizar uma tarefa
que num dado momento se faz necessária.
Exercício Físico – toda atividade física planejada, estruturada
e repetitiva que tem por objetivo a melhoria e a manutenção de
um ou mais componentes da aptidão física. Se a intensidade,
a duração e a frequência dos movimentos corporais forem
realizados de maneira regular e progressiva irão demonstrar
relação positiva com os índices de aptidão física.
O exercício físico nas suas distintas modalidades
(ginástica, jogos e Educação Física) é vital para a saúde,
a educação, a recreação, o bem-estar, a aptidão física, e
a qualidade de vida do ser humano.
Agora, vamos retomar a questão do sedentarismo, que
vimos muito rapidamente, no início desta unidade. Lembra-se
que esse termo indica um modo de viver que apresenta pouca ou
nenhuma prática de atividades físicas? Pois é, o sedentarismo
atualmente é comum tanto em países desenvolvidos como em
países em desenvolvimento.
O conceito de intencionalidade é inerente ao conceito de exercício físico,
ou seja, o indivíduo tem como objetivo principal praticar uma determinada
atividade com o intuito de aprimorar componentes do condicionamento
físico. Você percebe que todo exercício físico é uma atividade física, mas
que nem toda atividade física é necessariamente exercício físico?
Atividades
sedentárias
incluem assistir
TV, usar
computador, car
sentado etc.
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 1 | CONCEITOS E PRINCÍPIOS BÁSICOS EM SAÚDE E EDUCAÇÃO FÍSICA
145
E por que estamos retomando esse assunto?
Bem, diversos autores têm associado o sedentarismo ao
desenvolvimento de variados agravos à saúde, como doenças
cardiovasculares, hipertensão arterial, diabetes, alguns tipos
de câncer, dentre outros. É fundamental que o professor de
Educação Física tenha consciência desses conceitos, conheça
e crie estratégias para combater o estilo de vida sedentário.
Aptidão Física – é um estado dinâmico de energia e
vitalidade que permite a cada um, com funcionamento de
sua capacidade intelectual, realizar as tarefas do cotidiano,
ocupar ativamente as horas de lazer, enfrentar emergências
imprevistas sem fadiga excessiva, sentir uma alegria de viver,
e evitar o aparecimento das disfunções hipocinéticas.
Em outras palavras, a aptidão física representa um estado
multifacetado de bem-estar resultante da participação na
atividade física.
Podemos dividir a aptidão física em dois tipos: 1) a relacionada
à saúde, e 2) a relacionada à performance esportiva. Vejamos
cada uma delas.
1. Aptidão física relacionada à saúde (ou aptidão para a
vida) – está relacionada à saúde e à qualidade de vida das
pessoas. Esta aptidão pode ser expressa pela condição física
nas capacidades de exibilidade, resistência aeróbica, força
e composição corporal.
Boa exibilidade e bons níveis de força estão relacionados
à menor incidência de dores, desvios posturais e lesões
musculoesqueléticas. A boa resistência aeróbica está ligada
à boa saúde cardiorrespiratória. A composição corporal indica
níveis de desnutrição ou excesso de gordura corporal.
2. Aptidão física relacionada à performance esportivarefere-
se à aptidão para o desempenho esportivo. Esta aptidão depende
das capacidades físicas citadas acima e inclui ainda a agilidade,
velocidade, equilíbrio postural, coordenação motora etc.
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 1 | CONCEITOS E PRINCÍPIOS BÁSICOS EM SAÚDE E EDUCAÇÃO FÍSICA
146
Agora que já entendemos o que é atividade física,
exercício físico e aptidão física, que tal retomar aquele exercício
proposto no início deste tópico e vericar a sua compreensão?
Valerá a pena.
Voltando ao nosso assunto, observe a seguinte armação:
Existe a premissa de que há forte associação entre
aptidão física e saúde, em que o bom funcionamento orgânico
diminui a incidência de fatores de risco relacionados a algumas
doenças (cardiovasculares, metabólicas e cânceres).
Pensando assim, jovens que não alcançam níveis
satisfatórios de aptidão física relacionada à saúde podem
apresentar maior predisposição ao surgimento de determinadas
doenças.
1.4 Epidemiologia, Sociedade, Atividade Física,
Aptidão Física e Saúde
As relações entre atividade física
e saúde não são ainda bem
conhecidas. Os benefícios para a
saúde podem estar relacionados,
quer com o processo da atividade
física, quer com seu
produto, a aptidão física.
Uma dica legal!
Busque na internet algum estudo cientíco
que estude as relações entre atividade
física e a saúde em crianças e jovens.
Epidemiologia é a ciência que estuda o comportamento e a distribuição
dos fenômenos de saúde/doença em uma determinada sociedade (ou
em grupos sociais especícos), levando em consideração seus fatores
condicionantes e determinantes.
Bom
funcionamento
orgânico signica
níveis satisfatórios
de resistência
cardiorrespiratória,
musculoesquelética
e gordura corporal.
---------------------------
Fatores de risco
podem ser:
hipertensão,
hipercolesterolemia,
obesidade,
sedentarismo, má
alimentação.
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 1 | CONCEITOS E PRINCÍPIOS BÁSICOS EM SAÚDE E EDUCAÇÃO FÍSICA
147
A epidemiologia possibilita denir medidas de prevenção
e controle mais indicados para o problema e também avaliar a
ecácia das intervenções em saúde pública. O tipo de análise
realizada pela epidemiologia exige a interação transdisciplinar
com outras ciências tais como: Ciências Sociais (Antropologia,
Sociologia), Políticas, Estatística, Economia, Demograa,
Ecologia, História, e outras.
1.4.1 Relação Epidemiologia, Atividade Física e Saúde
Terapeutas gregos e chineses que praticavam a medicina
preventiva antiga ressaltavam a importância da atividade física
para o tratamento de doenças e para a melhora da saúde.
Mas apenas na era moderna a relação entre
epidemiologia e atividade física ganhou força, quando
passamos a entender o processo de saúde/adoecimento
como uma relação entre exposição e efeito, sendo a
exposição uma rede multicausal de fatores determinantes
da doença.
Uma dica legal!
Busque na internet algum dado estatístico
epidemiológico, como, por exemplo, dados
do Censo 2010, no site do IBGE.
Há certas evidências que
o raciocínio epidemiológico
nasceu com Hipócrates (que
viveu entre 460 e 377a.c.)
em seus escritos sobre as
epidemias e a distribuição
das enfermidades na Grécia
antiga. A contribuição da era
romana para a epidemiologia
foi a introdução de um registro
compulsório de nascimentos e
óbitos, que posteriormente cou
conhecido como “estatísticas
vitais”.
Nestas épocas, as
sociedades padeciam de
grandes pestes (doenças
infecciosas, contagiosas e
parasitárias), a medicina não
possuía tratamentos para
todas as doenças e apenas
os indivíduos mais abastados
conseguiam receber algum
tratamento, forçando a
medicina a enfrentar o
dualismo entre o coletivo e
o individual. Dualismo este
que pode ser observado
na mitologia, em que duas
irmãs, Panaceia e Higeia,
representam respectivamente
a medicina curativa baseada
em intervenções individuais
e a medicina preventiva que
atua em toda a sociedade
por meio da harmonia entre
os homens e os ambientes
(promoção da saúde).
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 1 | CONCEITOS E PRINCÍPIOS BÁSICOS EM SAÚDE E EDUCAÇÃO FÍSICA
148
Alguns determinantes do processo saúde/doença são
o estilo de vida, meio ambiente e aspectos sociais. Assim, a
prática regular de atividade física é um dos principais fatores de
proteção à saúde.
Um dos primeiros estudos epidemiológicos relacionando
atividade física e saúde, conduzido em Londres, comparava
carteiros e trabalhadores de escritório dos correios, e motoristas
e cobradores dos ônibus de dois andares. Observou-se que
atividades ocupacionais com maior gasto energético (carteiros e
cobradores) estavam associadas a menores taxas de morte por
doenças cardíacas coronarianas.
De 1968 a 1977, um estudo de coorte prospectivo
acompanhou homens executivos classicados em participantes
e não participantes de atividades físicas vigorosas e examinou
suas causas de morte. A maioria (77%) dos homens relatou
não participar de exercícios vigorosos, os quais apresentaram
taxa de mortalidade signicativamente maior que os 23% que
reportaram participar de exercícios vigorosos.
Atualmente, os principais estudos sobre epidemiologia
da atividade física continuam a investigar a relação entre
sedentarismo (como fator de risco) ou atividade física (como
fator de proteção) e doenças cardiovasculares; hipertensão;
câncer; diabetes e saúde mental.
Estudos
de coorte
prospectivo
observam
indivíduos que
foram classicados
ou selecionados
segundo a
exposição ao
fator estudado
(formando uma
coorte exposto
e não exposto),
e que são
acompanhados
no decorrer de
um período para
avaliar a incidência
da doença.
Como a maioria destes estudos são
observacionais, não é possível armar uma
relação de causa–efeito entre atividade física
e saúde, mas as evidências sugerem forte
associação entre atividade física, aptidão física,
redução de DCNT e longevidade.
Nos estudos
observacionais,
não há intervenção
do cientista, pois ele
apenas observa e
registra o que ocorre
naturalmente.
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 1 | CONCEITOS E PRINCÍPIOS BÁSICOS EM SAÚDE E EDUCAÇÃO FÍSICA
149
Estudos experimentais randomizados demonstram
que a atividade física regular melhora a aptidão física; níveis de
lipídios sanguíneos; pressão arterial; densidade óssea; composição
corporal, sensibilidade à insulina e tolerância à glicose.
Por sua vez, a hipertensão, hipercolesterolemia,
sobrepeso e obesidade, consumo inadequado de frutas e
verduras, inatividade física e tabagismo são os principais fatores
de risco para o desenvolvimento das DCNT.
Diante disso, o que podemos pensar? Bem, parece
razoável concluir que a melhoria destas variáveis clínicas por
meio da atividade física poderia aumentar o tempo de vida
saudável das pessoas e reduzir as taxas de mortalidade.
Hoje em dia sabemos que a inatividade física está entre o segundo e
o sexto fator de risco que mais contribui para a carga de doenças nos
países ocidentais, sendo responsável em 23% pelo desenvolvimento de
qualquer DCNT.
A inatividade física, independente
de qualquer outro fator de risco,
aumenta em 50% o risco de adquirir
uma doença cardiovascular e causa
diretamente 12% de todas as mortes
prematuras nas Américas, ceifando
em torno de 250.000 vidas por ano.
Aproximadamente dois milhões de mortes prematuras, 22% das doenças
cardíacas, 10% dos casos de diabetes tipo 2 e 15% de cânceres de mama,
cólon e reto poderiam ser evitados por meio da realização de quantidades
sucientes de atividade física.
Nos estudos
experimentais,
intervenção do
cientista. Esses
estudos podem ser
randomizados
quando a seleção
dos participantes
ocorre de forma
aleatória. Por
exemplo: o
grupo que
vai receber
tratamento e o
grupo que não vai
receber tratamento
são denidos
por sorteio.
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 1 | CONCEITOS E PRINCÍPIOS BÁSICOS EM SAÚDE E EDUCAÇÃO FÍSICA
150
E mais, pessoas sicamente ativas em geral adotam um
estilo de vida mais saudável, ingerem menos gorduras saturadas,
fumam menos, ingerem mais frutas e polivitamínicos, reduzindo
ainda mais o risco de desenvolver DCNT.
A atividade física também produz grandes benefícios
sociais, cognitivos, afetivos e econômicos; melhora os ambientes
urbanos, a segurança e a interação social; diminui a emissão
de poluentes dos meios de transporte motorizados; aumenta
a produtividade do individuo e reduz custos dos sistemas de
saúde.
Pois bem, sabemos que é preciso aumentar os níveis de
atividade física; e a denição geral de atividade física você sabe
(qualquer movimento corporal que resulte em gasto de energia).
Mas o que precisamos levar em conta para definir a
quantidade de atividade física necessária para obter
efeitos fisiológicos e metabólicos específicos no organismo?
Bem, devemos levar em conta os princípios da
individualidade biológica, intensidade, frequência e duração da
atividade física, e os objetivos desejados.
A resposta não é simples. Mundialmente é desaador
obter um consenso, simples, realista e objetivo sobre a
quantidade de AF necessária para a obtenção de benefícios à
saúde da população.
E se imaginarmos o objetivo de
prevenir as DCNT e seus fatores
de risco (obesidade, dislipidemia,
resistência à insulina, hipertensão)
dos milhões de indivíduos do planeta?
A OMS estima que
se o Brasil reduzir
em 2% ao ano a
mortalidade por
DCNT, o resultado
será um ganho
de 4 bilhões
de dólares nos
próximos dez anos.
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 1 | CONCEITOS E PRINCÍPIOS BÁSICOS EM SAÚDE E EDUCAÇÃO FÍSICA
151
Podemos perceber que essas recomendações não
estabelecem níveis adequados de atividade física para indivíduos,
situações ou objetivos especícos. A recomendação apenas
indica o nível mínimo de atividade física que deve ser praticado
pela maioria da população, de forma a estimular e orientar as
pessoas para que se tornem mais ativas e incorporem opções
de atividade física em suas rotinas diárias.
Estimular a prática de atividade física é uma tarefa ainda
mais árdua em um país como o Brasil, onde as desigualdades
regionais são expressivas. Neste caso, é essencial que as
diferenças sociais, demográcas ou geográcas, e culturais
sejam levadas em consideração. A elaboração e a construção
de estratégias e propostas locais de promoção de hábitos
saudáveis devem ser capazes de agregar os valores regionais.
E mais, para aumentar as chances de sucesso, os
programas de promoção de saúde devem ser desenvolvidos para
populações especícas quanto à idade e gênero e possuir uma
perspectiva que englobe todas as etapas da vida, do cuidado
pré-natal ao idoso.
É importante que as ações de promoção da saúde
contemplem a busca da equidade, do empoderamento; a
ampliação da autonomia e da corresponsabilidade individuais e
comunitárias como partes fundamentais do processo de melhoria
da qualidade de vida e de saúde.
Mas depois de inúmeros debates e revisões bibliográcas, a OMS recomenda
que adultos realizem no mínimo 30 minutos de atividade física moderada
cinco dias da semana ou 20 minutos de atividade física intensa três vezes
por semana para manter os níveis mínimos de saúde cardiorrespiratória e
prevenir DCNT.
Para crianças e adolescentes, a recomendação é de pelo menos 90 minutos
de atividade física moderada ou intensa, na maioria dos dias da semana.
As recomendações
dietéticas para prevenir
as DCNT e seus fatores
de risco são: manter o
equilíbrio energético e
o peso saudável; limitar
a ingestão de gorduras;
substituir as gorduras
saturadas por insaturadas
e eliminar as gorduras trans
(hidrogenadas); aumentar
o consumo de frutas,
legumes e verduras, cereais
integrais e leguminosas
(feijões); limitar a ingestão
de açúcar; e limitar a
ingestão de sal (sódio).
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 1 | CONCEITOS E PRINCÍPIOS BÁSICOS EM SAÚDE E EDUCAÇÃO FÍSICA
152
Devemos ainda garantir mecanismos de continuidade e
sustentabilidade dos processos de intervenção nos determinantes
e condicionantes de saúde, por intermédio do trabalho em
rede, em que o planejamento das ações esteja vinculado às
necessidades percebidas e vivenciadas pela população.
Podemos perceber que implantar e implementar
programas e conduzir indivíduos e comunidades a escolherem
e manterem comportamentos saudáveis são processos
bastante complexos. Por isso, as estratégias que orientam estas
ações devem combinar iniciativas de articulação intersetorial;
regulamentação; informação; comunicação, implantação e
implementação de estruturas e de capacitação de prossionais.
Alguns documentos que pautam e regulamentam esta
discussão no Brasil são: a Estratégia Global de Promoção da
Alimentação, Atividade Física e Saúde (OMS, 2004), a Política
Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN, 2005), a Política
Nacional de Promoção da Saúde (PNPS, 2006), o decreto
presidencial que institui o Programa Saúde na escola (PSE,
2008), entre outros.
É muito buraco
para pouca rua!
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 1 | CONCEITOS E PRINCÍPIOS BÁSICOS EM SAÚDE E EDUCAÇÃO FÍSICA
153
Hora de praticar
Com base no que você estudou nesta Unidade 1, responda todas as questões
propostas e envie suas respostas ao fórum de discussão Hora de praticar 1.
1. Analise as questões abaixo, indicando “V” para verdadeiro e “F” para falso.
1.1 ( ) O Estilo de vida é a maneira pela qual uma pessoa ou um grupo de
pessoas vivenciam o mundo, de forma que não pode ser modicado.
1.2 ( ) Qualidade de vida é o termo usado para denir as condições da vida de
um ser humano e envolve aspectos físicos; mentais, psicológicos e emocionais.
1.3 ( ) A transição demográca reete as mudanças na estrutura urbana, no
estilo e padrões de vida e nas diversidades regionais, quanto às características
socioeconômicas e de acesso aos serviços de saúde.
1.4 ( ) Exercício Físico é denido como qualquer movimento corporal produzido
pelos músculos esqueléticos que resulte em gasto energético maior que os
níveis de repouso.
1.5 ( ) Exercício Físico é denido como toda atividade física planejada,
estruturada e repetitiva que tem por objetivo a melhoria e a manutenção de um
ou mais componentes da aptidão física.
1.6 ( ) Agilidade, velocidade, equilíbrio postural e coordenação motora são
exemplos de Aptidões físicas relacionadas à saúde.
1.7 ( ) Sedentarismo é um termo utilizado para descrever um estilo de vida
caracterizado por pouca ou nenhuma prática de atividades físicas e é atualmente
comum tanto em países desenvolvidos como em países em desenvolvimento.
1.8 ( ) Sedentarismo é considerado um fator de risco não modicável para
doenças cardiovasculares.
1.9 ( ) A capacidade funcional é denida pela ausência de diculdades no
desempenho de certos gestos e atividades da vida cotidiana.
1.10 ( ) Programas de promoção de saúde devem ser desenvolvidos de
maneira genérica para todas as populações independente de sua cultura, pois
todos devem ter acesso às mesmas modernidades.
154
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 1 | CONCEITOS E PRINCÍPIOS BÁSICOS EM SAÚDE E EDUCAÇÃO FÍSICA
Hora de praticar
2. Reita sobre o tema e responda de forma completa e objetiva:
2.a) Como você acha que o ambiente escolar pode inuenciar a pessoa a ser
mais ativa sicamente e a fazer escolhas alimentares mais saudáveis?
2.b) Quais são os fatores de risco, os condicionantes e os determinantes para o
desenvolvimento de doenças como obesidade e diabetes tipo 2 em crianças e
jovens em idade escolar?
2.c) Desenvolver programas que promovam comportamentos saudáveis para
indivíduos e comunidades é muito importante. Dê exemplo de um programa de
promoção da saúde que poderia dar certo em sua comunidade ou escola (as
ações devem combinar iniciativas de articulação intersetorial, regulamentação,
informação, comunicação, implantação e implementação de estruturas e
capacitação de prossionais).
3. Busque na internet:
3.a) O questionário da OMS para avaliar a qualidade de vida, o WHOQOL breve
traduzido para o português. Responda o questionário (versão curta ou breve) e
registre algumas impressões que você teve do questionário.
3.b) Procure algum dado estatístico epidemiológico sobre atividade física ou
saúde, como por exemplo dados do Censo 2010 no site do IBGE ou do VIGITEL
(vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito
telefônico). Registre algum dado que lhe chamou a atenção e explique o porque.
155
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 1 | CONCEITOS E PRINCÍPIOS BÁSICOS EM SAÚDE E EDUCAÇÃO FÍSICA
Concluímos a Unidade
1, a qual exploramos
conceitos e assuntos
importantes.
Vimos que saúde é um estado
de completo bem-estar físico, mental
e social, e não apenas ausência de
doenças.
O Estilo de vida é a forma pela
qual uma pessoa ou um grupo de pessoas
vivencia o mundo e, em consequência,
se comportam e fazem escolhas.
Qualidade de vida é a percepção
do indivíduo de sua posição na vida
no contexto da cultura e do sistema de
valores nos quais ele vive, considerando
seus objetivos, expectativas, padrões e
preocupações.
O estilo de vida moderno, o
sedentarismo, a má alimentação e a
vida estressante produzem mudanças
na qualidade de vida e no padrão
de adoecimento, com o aumento da
prevalência de morbimortalidade por
Doenças Crônicas Não-Transmissíveis
(DCNT).
O estilo de vida moderno acaba
sendo inuenciado por condições sociais e
por escolhas pessoais, e o resultado é que
os indivíduos se tornam mais sedentários,
têm má alimentação, consomem tabaco,
álcool e outras drogas.
Ações de promoção da saúde
visam reduzir as vulnerabilidades sociais
e os condicionantes e determinantes de
comportamentos que possam levar ao
desenvolvimento de fatores de risco e
ao adoecimento. Ao prevenir e controlar
o adoecimento podem ser reduzidos os
custos pessoais, sociais e nanceiros.
Atividade Física é denida
como qualquer movimento corporal
produzido pelos músculos esqueléticos
que resulte em gasto energético maior
que os níveis de repouso.
Exercício Físico é toda
atividade física planejada, estruturada
e repetitiva que tem por objetivo a
melhoria e a manutenção de um ou
mais componentes da aptidão física.
Sedentarismo é um estilo de vida
caracterizado por pouca ou nenhuma
prática de atividades físicas; atualmente
é comum tanto em países desenvolvidos
como em países em desenvolvimento.
Aptidão Física é um estado
dinâmico de energia e vitalidade que
permite a cada um, com funcionamento
de sua capacidade intelectual, realizar as
tarefas do cotidiano, ocupar ativamente
as horas de lazer, enfrentar emergências
imprevistas sem fadiga excessiva, sentir
alegria de viver, e evitar o aparecimento
das disfunções hipocinéticas.
156
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 1 | CONCEITOS E PRINCÍPIOS BÁSICOS EM SAÚDE E EDUCAÇÃO FÍSICA
Epidemiologia é a
ciência que estuda o
comportamento e a
distribuição dos fenômenos
de saúde/doença
em uma determinada sociedade
(ou em grupos sociais especícos),
levando em consideração seus fatores
condicionantes e determinantes.
Nos primeiros estudos
epidemiológicos entre atividade física
e saúde foi observado que atividades
com maior gasto energético estavam
associadas com menores taxas de morte
por doenças cardíacas coronarianas.
Hoje em dia sabemos que a
inatividade física está entre o segundo e
o sexto fator de risco que mais contribui
para a carga de doenças nos países
ocidentais, sendo responsável em 23%
pelo desenvolvimento de qualquer
DCNT.
A atividade física produz grandes
benefícios físicos, sociais, cognitivos,
afetivos e econômicos; melhora os
ambientes urbanos, a segurança e a
interação social, diminui a emissão
de poluentes dos meios de transporte
motorizados; aumenta a produtividade do
individuo e reduz custos dos sistemas de
saúde.
Adultos devem realizar no mínimo
30 minutos de atividade física moderada
cinco dias da semana ou 20 minutos de
atividade física intensa três vezes por
semana para manter os níveis mínimos de
saúde cardiorrespiratória e prevenir DCNT.
Crianças e adolescentes devem
realizar pelo menos 90 minutos de
atividade física moderada ou intensa, na
maioria dos dias da semana.
Programas de promoção de
saúde devem ser desenvolvidos para
populações especícas quanto à idade
e gênero e possuir uma perspectiva
que englobe todas as etapas da vida,
do cuidado pré-natal ao idoso. Devem
ainda contemplar a busca da equidade,
do empoderamento, a ampliação da
autonomia e da corresponsabilidade
individuais e comunitárias.
UNIDADE 2
157
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
Os órgãos de saúde pública recomendam amplamente que as pessoas adotem
hábitos e comportamentos saudáveis, para a manutenção da saúde e a prevenção
de doenças.
Mas, como vimos na Unidade 1, os níveis adequados de atividade física, com
prática de diferentes exercícios para manter a saúde, melhorar o condicionamento
aeróbico, aprimorar a força e resistência muscular, exibilidade e equilíbrio devem ser
determinados individualmente para atingir benefícios especícos em cada período da
vida.
A atividade física ajuda a prevenir e controlar as doenças
crônicas não transmissíveis (DCNT) e suas complicações;
previne e controla as doenças musculoesqueléticas
(osteoporose, osteoartrite, sarcopenia, quedas e acidentes);
mantém a capacidade funcional; diminui os níveis e sintomas
da depressão, da ansiedade e do estresse; e diminui a
ocorrência de demência e doenças correlatas (mal de
Parkinson e Alzheimer).
Além de reduzir a incidência de doenças crônicas, a atividade física e a
alimentação saudável reduzem também a ocorrência das doenças causadas por
deciências nutricionais e reforçam a resistência orgânica a doenças infecciosas.
Efeitos da Atividade Física na Prevenção e no
Controle de Doenças
As principais DCNT
são: diabetes tipo 2,
hipertensão, doenças
cardiovasculares e
neoplasias, em especial
câncer de mama e de
cólon.
Vamos estudar agora os mecanismos específicos que levam a atividade
física a promover benefícios à saúde e ajudam a prevenir e controlar
algumas das principais doenças que acometem nossa sociedade moderna.
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 2 I EFEITOS DA ATIVIDADE FÍSICA NA PREVEÃO E NO CONTROLE DE DOENÇAS
158
OBJETIVOS
Após nalizar esta Unidade, esperamos que você seja capaz de:
discutir aspectos especícos da prática de atividade física e seus efeitos biológicos
e siológicos na prevenção e controle das principais doenças que acometem os
indivíduos em nossa sociedade;
propor alternativas de utilização da atividade física como instrumento para
prevenir, tratar e controlar estas doenças e promover a saúde.
UNIDADE 2 I EFEITOS DA ATIVIDADE FÍSICA NA PREVEÃO E NO CONTROLE DE DOENÇAS
159
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
2.1 Sobrepeso e Obesidade
O excesso de peso corporal relacionado ao excesso
de massa gorda é um dos principais fatores de risco para
desenvolvimento de DCNT no mundo ocidental. Atualmente,
mais da metade da população mundial está acima do peso ideal,
tanto em países desenvolvidos como nos em desenvolvimento,
como é o caso do Brasil.
Veja, abaixo, a Figura 1, que mostra um modo de calcular
o IMC sem a necessidade de fazer cálculos, utilizando a tabela
para indivíduos adultos.
Figura 1 – Tabela de cálculo de IMC para indivíduos adultos.
Já vimos que a obesidade resulta de um processo
multifatorial que envolve aspectos ambientais, comportamentais
e genéticos. A maioria dos casos de obesidade (95 a 98%) é
causada por fatores externos e apenas um percentual muito
baixo (2 a 5%) tem como causas as síndromes genéticas ou
distúrbios endócrinos (ex.: hipotireoidismo).
O excesso de
peso
pode ser dividido
em dois graus
de seriedade:
sobrepeso e
obesidade. Um
dos critérios para
estabelecer estes
graus é o uso do
Índice de Massa
Corporal (IMC)
que é calculado
dividindo-se a
massa corporal
em quilos pela
estatura em
metros ao
quadrado (kg /m2).
Podemos também
utilizar a tabela
abaixo para
classicar os
indivíduos adultos.
Peso(Kg)
60 65 70 75 80 85 90 95 100 105 110 115 120 125 130
1,5
1,55
1,6
1,65
1,7
1,75
1,8
1,85
1,9
Altura(m)
Peso Normal:
IMC entre 20 e 24
Excesso de Peso:
IMC entre 25 e 29
Obesidade:
IMC entre 30 e 35
Super Obesidade:
IMC superior a 35
Mas o que está
levando os indivíduos
de nossa sociedade a
apresentarem tantos
problemas com o
excesso de peso?
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 2 I EFEITOS DA ATIVIDADE FÍSICA NA PREVEÃO E NO CONTROLE DE DOENÇAS
160
No contexto social moderno, a urbanização e os avanços
tecnológicos produziram mudanças econômicas, sociais e
demográcas que afetam os padrões de comportamento
alimentar e de atividades físicas, resultando em mudanças
do perl de saúde das populações, incluindo o aumento da
prevalência do excesso de peso.
E o pior é que o aumento da prevalência da obesidade no
Brasil é proporcionalmente maior nas famílias de baixa renda,
que têm mais diculdades para controlar os problemas de saúde
causados pela obesidade. E mais, parte da população de baixa
renda no país ainda apresenta problemas com a desnutrição,
gerando assim uma dupla carga de doenças.
Hoje em dia a obesidade afeta também a população
mais jovem. Crianças e adolescentes obesos apresentam um
risco aumentado de se tornarem adultos obesos, e a obesidade
infantil é um fator de risco para o desenvolvimento de doenças
cardiovasculares na vida futura.
O problema não para por aí, porque a obesidade é o principal fator de risco
para o desenvolvimento de outras alterações metabólicas, tais como
resistência à insulina, diabetes tipo 2, dislipidemia, hipertensão, alterações
trombogênicas e hiperuricemia, que podem acelerar o desenvolvimento
das doenças cardiovasculares.
E como é possível a
pessoa ser desnutrida e
obesa ao mesmo tempo?
O tempo de duração da obesidade está diretamente associado à
morbimortalidade por doenças cardiovasculares.
O estilo de vida
sicamente inativo
e a má alimentação
são os principais
fatores de risco para
a obesidade.
As estratégias
de saúde pública
no Brasil devem
ser capazes de
dar conta de um
modelo de atenção
para desnutrição e
obesidade.
UNIDADE 2 I EFEITOS DA ATIVIDADE FÍSICA NA PREVEÃO E NO CONTROLE DE DOENÇAS
161
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
A adolescência é um período crítico para iniciar ou
agravar obesidade preexistente, devido ao aumento siológico
do tecido adiposo que ocorre principalmente no sexo feminino,
ao maior consumo de fast food com alto teor calórico e também
por instabilidades emocionais frequentes neste período da vida.
A maioria das crianças e adolescentes com excesso de
peso já apresentam pelo menos um fator de risco para doenças
cardiovasculares (hipertensão, dislipidemia ou hiperinsulinemia).
Veja, abaixo, a Tabela 1, que mostra os pontos de corte
internacionais para denir sobrepeso e obesidade para crianças
e adolescentes entre 2 a 18 anos, separados por sexo.
O problema
da
obesidade
infantil é
gravíssimo!
IMC 25 Kg/m² IMC 30 Kg/m²
Idade (anos) Masculino MasculinoFeminino Feminino
2
2,5
3
3,5
4
4,5
5
5,5
6
6,5
7
7,5
8
8,5
9
9,5
10
10,5
11
11,5
12
12,5
13
13,5
14
14,5
18,41
18,13
17,89
17,69
17,55
17,47
17,42
17,45
17,55
17,71
17,92
18,16
18,44
18,76
19,10
19,46
19,84
20,20
20,55
20,89
21,22
21,56
21,91
22,27
22,62
22,96
18,02
17,76
17,56
17,40
17,28
17,19
17,15
17,20
17,34
17,53
17,75
18,03
18,35
18,69
19,07
19,45
19,86
20,29
20,74
21,20
21,68
22,14
22,58
22,98
23,34
23,66
20,09
19,80
19,57
19,39
19,29
19,26
19,78
20,23
20,63
21,09
21,60
22,17
22,77
23,39
24,00
24,57
25,10
25,58
26,02
26,43
26,84
27,25
27,63
27,98
19,30
19,47
19,81
19,55
19,36
19,23
19,15
19,12
19,17
19,34
19,64
20,08
20,51
21,01
21,57
22,18
22,81
23,46
24,11
24,77
25,42
26,06
26,67
27,24
27,76
28,20
28,57
28,87
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 2 I EFEITOS DA ATIVIDADE FÍSICA NA PREVEÃO E NO CONTROLE DE DOENÇAS
162
Tabela 1 Pontos de corte internacionais para a denição de
sobrepeso e obesidade para crianças e adolescentes entre 2 a 18
anos, separados por sexo.
A obesidade é uma doença crônica com sérias
repercussões orgânicas e psicológicas, especialmente em
suas formas mais graves. O tratamento da obesidade tem
altos percentuais de insucessos terapêuticos e costuma ser
negligenciado pelos prossionais da saúde e familiares, na
expectativa de uma resolução espontânea na adolescência.
Qualquer indivíduo, inclusive criança ou adolescente,
para possuir uma boa qualidade de vida e um peso corporal
Hora de praticar (autoavaliação)
Para aprender a utilizar as tabelas de cálculo do IMC vamos fazer dois exercícios.
1. Qual seria a classicação de um adulto homem de 18 anos com 1,70m de altura e
95kg de peso corporal?
2. E de uma menina de 10 anos com 1,30m de altura e 40kg de peso corporal?
3. E qual a classicação de seu IMC?
Veja as respostas no nal desta unidade, após o Resumo. Procure não ceder à
tentação de vericar imediatamente a solução; tente, quantas vezes forem necessárias,
encontrar a resposta.
Uma dica legal! Procure na disciplina Medidas e Avaliação
em Educação Física (Módulo 4) quais as recomendações para o
cálculo do IMC em crianças.
O que podemos fazer
para reverter este
quadro que ameaça
nossas futuras gerações
de serem doentes e
improdutivas?
Como prossional da
educação física você
consegue entender
qual o papel da atividade
física na prevenção
e no tratamento da
obesidade?
IMC 25 Kg/m² IMC 30 Kg/m²
Idade (anos) Masculino Feminino Masculino Feminino
15
15,5
16
16,6
17
17,5
18
22,96
23,30
23,90
24,19
24,46
24,73
25,0
23,94
24,17
24,37
24,54
24,70
24,85
25,0
28,30
28,60
29,11
29,29
28,88 29,43
29,14
29,41
29,56
29,69
29,70 29,84
30,0 30,0
UNIDADE 2 I EFEITOS DA ATIVIDADE FÍSICA NA PREVEÃO E NO CONTROLE DE DOENÇAS
163
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
saudável, deve adotar uma alimentação balanceada e a prática
regular de atividade física.
A atividade física regular atua diretamente no aumento
dos componentes do gasto energético e pode ainda auxiliar na
melhora dos hábitos de vida, pois a prática regular de atividade
física ajuda a controlar o tabagismo e o uso abusivo de bebida
alcoólica e leva o indivíduo a ter uma alimentação mais saudável.
Em geral, os efeitos benécos da alimentação saudável e
da atividade física interagem, sendo fundamentais para manter
e melhorar a saúde física e mental dos indivíduos.
Figura 2 – Os determinantes do balanço energético.
A obesidade é um distúrbio do metabolismo
energético em que ocorre um armazenamento
excessivo de energia, sob a forma de
triglicérides, no tecido adiposo. Os estoques
de energia no organismo são regulados pela
ingestão e pelo gasto energético.
Quando há equilíbrio entre a ingestão e o gasto energético, o peso corporal
é mantido. Um pequeno balanço energético positivo acarreta um pequeno
aumento de peso, mas o desequilíbrio crônico entre a ingestão e o gasto
energético levará à obesidade ao longo do tempo.
Os fatores que causam a
obesidade estão ligados
à excessiva ingestão
de energia, ao reduzido
gasto energético ou a
alterações na regulação
deste balanço energético.
De fato, estudos
transversais
demonstram que
adultos ativos
apresentam
menor gordura
corporal quando
comparados
aos não ativos.
De acordo com o
Colégio Americano
de Medicina
do Esporte, a
combinação
da dieta com
exercícios físicos
é a medida
comportamental
de escolha para
reduzir o de peso,
e continuar com os
exercícios é
um dos melhores
preditores de
manutenção do
peso perdido após
a dieta.
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 2 I EFEITOS DA ATIVIDADE FÍSICA NA PREVEÃO E NO CONTROLE DE DOENÇAS
164
Como a obesidade é uma doença multifatorial, seu
tratamento envolve uma abordagem multidisciplinar. A equipe de
atendimento ideal deve ser formada por médico, nutricionista,
psicólogo e educador físico. A adesão do paciente à equipe é
fundamental, pois o tratamento geralmente é feito em longo prazo.
O tratamento deve ocorrer o mais cedo possível, por que
quanto mais tempo de obesidade e maior o excesso de peso,
mais difícil será a reversão do quadro, pelos hábitos alimentares
incorporados e pelas alterações metabólicas instaladas.
Inicialmente, é necessário realizar uma anamnese,
com ênfase na idade de início da obesidade, em como ela
vem se desenvolvendo e na identicação de possíveis fatores
desencadeantes. Os antecedentes familiares de obesidade, de
doenças cardiovasculares, doença hipertensiva, dislipidemias e
diabetes também devem ser investigados.
O nível de atividade física desenvolvido deve ser
averiguado, assim como a presença de distúrbios de
comportamento e da dinâmica familiar. Do ponto de vista
nutricional, é preciso realizar um inquérito alimentar.
Exames físicos podem ser necessários para avaliar
a composição corporal, a pressão arterial, os triglicérides e o
colesterol, e detectar possíveis complicações existentes como
problemas ortopédicos, posturais, dermatológicos e respiratórios.
Por m, o indivíduo deverá receber, em conjunto,
orientações alimentares e de prática de atividade física,
respeitando suas limitações individuais.
Vejamos agora algumas ações nutricionais que contribuem
para a diminuição do peso.
reduzir gradativamente a quantidade de alimentos ingerida;
não repetir as porções dos alimentos; adequar a mastigação;
não se alimentar vendo televisão, e respeitar os horários das
refeições.
Procure na disciplina
Nutrição aplicada
à Educação Física
(Módulo 4) quais as
recomendações para
uma alimentação
saudável e
balanceada.
-----------------------------
Procure na disciplina
Fundamentos
Fisiológicos da
Educação Física
(Módulo 3) quais as
adaptações agudas e
crônicas geradas com
a prática regular de
atividades aeróbicas e
anaeróbicas.
UNIDADE 2 I EFEITOS DA ATIVIDADE FÍSICA NA PREVEÃO E NO CONTROLE DE DOENÇAS
165
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
restringir a quantidade de calorias provenientes de gorduras
a 30% do valor calórico total da dieta; diminuir o consumo
de gorduras saturadas e colesterol, dando preferência às
gorduras poliinsaturadas, aos carboidratos complexos e
bras.
diminuir a quantidade de ingestão de sal é importante para a
normalização dos níveis pressóricos.
nos casos de obesidade grave, pode-se detectar
hiperinsulinemia e ser necessário adequar a ingestão de
açúcares e doces.
Regimes rígidos são contraindicados, pois podem
levar à perda de tecido muscular e diminuição da velocidade
de crescimento em crianças e adolescentes. A terapia
medicamentosa deve ser evitada devido aos efeitos colaterais
das drogas e ao risco de dependência química e/ou psicológica.
Outro ponto relevante é identicar o tipo de obesidade. A obesidade
central (maior depósito de gordura na região abdominal) apresenta uma
grande associação com outras alterações metabólicas, e o indivíduo obeso
na região abdominal em geral apresenta uma ou mais doenças decorrentes
da obesidade.
Também é importante saber que durante a fase da puberdade, devido às
modicações nos níveis hormonais de estrogênio e testosterona, existe
uma diferença entre os sexos quanto à distribuição da gordura corporal. Os
meninos tendem a ganhar massa muscular e as meninas tendem a ganhar
massa gorda nos seios e no quadril.
Exercícios aeróbios devem ser realizados
regularmente objetivando adaptações do sistema
cardiopulmonar e a utilização de lipídeos como
substratos energéticos.
Exercícios anaeróbicos devem ser realizados
visando aumentar a massa muscular.
Qualquer tipo de
atividade física irá
resultar em aumento
do gasto energético.
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 2 I EFEITOS DA ATIVIDADE FÍSICA NA PREVEÃO E NO CONTROLE DE DOENÇAS
166
No entanto, a quantidade excessiva de gordura corporal
em adolescentes é acompanhada pelo maior depósito de
gordura na região abdominal em relação às extremidades,
independente do sexo.
Assim, é importante vericar a distribuição da gordura
corporal e a sua relação com os outros componentes da
síndrome metabólica. A circunferência abdominal, ou a relação
circunferência cintura/quadril, tem sido utilizada para avaliar
a deposição de gordura na região abdominal em grupos
populacionais, pois estas medidas são de fácil execução e
têm demonstrado associação com as alterações metabólicas.
Veremos, a seguir, quais são as principais alterações
metabólicas.
2.2 Doenças Metabólicas (diabetes, hipertensão e
hipercolesterolemia)
Realmente, a saúde do nosso amigo não “anda muito bem”.
Talvez ele esteja com a síndrome metabólica. E o que é isso?
Bem, a síndrome metabólica, também conhecida
como quarteto mortal, é caracterizada pelo agrupamento
dos fatores de risco cardiovascular como: obesidade central;
hipertensão arterial; resistência à insulina (ou diabete do tipo
2); e dislipidemias (triglicerídeos e/ou colesterol LDL alto, e/ou
colesterol HDL baixo).
Estes fatores de risco em geral estão associados
porque, com a obesidade abdominal, a atividade lipolítica
Colesterol LDL (low density
lipoprotein = lipoproteína de
baixa densidade) e VLDL
(very low density lipoprotein
= lipoproteína de muito
baixa densidade) carregam
colesterol no sangue para ser
usado pelas células do corpo.
É geralmente chamado de
“mau colesterol” ou “colesterol
ruim” devido à relação de
altos níveis de LDL e VLDL
com doença cardíaca.
Colesterol HDL é uma
classe de lipoproteínas de
alta densidade (High Density
Lipoprotein) que carregam
colesterol dos tecidos do
corpo para o fígado. Uma
vez que o HDL pode remover
o colesterol de dentro das
artérias e transportá-lo de
volta ao fígado para ser
metabolizado, é chamado de
“bom colesterol”.
Meu amigo, a situação
não está muito boa: o
sr. apresenta
obesidade central;
hipertensão arterial;
colesterol LDL alto...
UNIDADE 2 I EFEITOS DA ATIVIDADE FÍSICA NA PREVEÃO E NO CONTROLE DE DOENÇAS
167
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
celular ca aumentada, ocorrendo uma maior liberação dos
ácidos graxos livres (AGL) na veia porta, expondo o fígado a
uma quantidade aumentada de AGL.
Isto diminui a extração hepática de insulina, contribuindo
mais para o quadro de hiperinsulinemia sistêmica. O AGL em
excesso contribui para uma maior produção hepática de glicose,
pela gliconeogênese, além de aumentar a liberação hepática de
lipoproteínas ricas em triglicerídeos VLDL na circulação.
2.2.1 Diabetes Mellitus tipo 2
O diabetes mellitus tipo 2 é diferente do diabetes mellitus
tipo 1. Vejamos as diferenças entre eles.
Em geral, indivíduos obesos, quando estão em jejum,
podem apresentar resistência à ação da insulina e níveis
elevados de insulina plasmática.
Devido à resistência à insulina, as células beta
pancreáticas aumentam a produção e a secreção de insulina
como mecanismo compensatório, enquanto a tolerância à
glicose permanece normal. Este estado permanece durante
algum tempo, até que se observa um declínio na secreção de
insulina e, consequentemente, uma diminuição da tolerância à
glicose. Estes são os primeiros sinais para o desenvolvimento
do diabetes mellitus tipo 2.
Ácidos Graxos
Livres (AGL)
quando uma
molécula de
gordura é
hidrolisada
(quebrada) do
adipócito (célula
de gordura) são
liberados três AGL
e um glicerol. Os
AGL são a parte da
gordura utilizada
pelo corpo para
produzir energia ou
para ressintetizar
outra molécula de
gordura.
Diabetes Mellitus tipo 1 Diabetes Mellitus tipo 2
É uma doença autoimune
caracterizada pela destruição
das células beta produtoras
de insulina; o indivíduo não
consegue produzir a insulina.
É 10 vezes mais frequente que o
tipo 1 (diabetes tipo 2 responde
por 90 a 95% dos casos, ao
passo que o tipo 1, por 5 a 10%).
O diabetes tipo 2, em geral,
é adquirido devido a hábitos
inadequados de vida e o corpo
do indivíduo continua produzindo
insulina, mas seu organismo ca
resistente à sua ação.
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 2 I EFEITOS DA ATIVIDADE FÍSICA NA PREVEÃO E NO CONTROLE DE DOENÇAS
168
Tentando compensar o fenômeno, o pâncreas produz
mais insulina, agravando o problema, pois o cérebro necessita
de grandes quantidades de glicose, mas não precisa de
insulina para obtê-la.
Essa situação leva o organismo a interpretar a excessiva
produção de insulina como uma ameaça ao funcionamento do
cérebro. Isto torna as células ainda mais resistentes à ação da
insulina. Forma-se um ciclo vicioso, o qual se caracteriza por
elevados níveis sanguíneos de glicose e de insulina.
Elevados níveis de insulina danicam a parede das
artérias, contribuindo para a aterosclerose (obstrução da parede
das artérias por placas brosas e colesterol), e, ao provocarem
uma retenção do sódio, aumentam os níveis da tensão arterial
(hipertensão).
Além disso, a insulina estimula o fígado a produzir mais
triglicerídeos, produzindo mais colesterol LDL (“mau” colesterol)
e menos colesterol HDL (“bom” colesterol), o que chamamos
dislipidemia. A insulina tem, ainda, outro efeito negativo: aumenta
a acumulação de gordura e diminui a sua utilização, contribuindo
para a obesidade num quadro de patologia grave.
Até alguns anos atrás, o diabetes tipo 2 era uma doença
mais frequente no adulto, no entanto, nos últimos anos, tem-se
vericado um aumento da prevalência desta doença em crianças
e adolescentes. O processo do desenvolvimento do diabetes
tipo 2 na infância parece evoluir de maneira mais rápida do que
nos adultos.
A insulina funciona como um
transportador que conduz a
glicose (açúcar que obtemos
por meio dos alimentos)
às células, para serem
transformados em energia.
Em indivíduos ativos, que mantêm
uma alimentação adequada, essa
função é desempenhada com
total normalidade. Em pessoas
sedentárias, observou-se que as
células se tornam resistentes à
ação da insulina.
Em condições
normais, um aumento
da produção de
insulina conduz mais
glicose para as
células ativas (ex.:
músculos, mas não
para o cérebro.
------------------------------
Quando a glicemia
(indicador do açúcar
no sangue) em jejum
atinge valores
superiores a 126
mg/dl, o diagnóstico é
diabetes.
UNIDADE 2 I EFEITOS DA ATIVIDADE FÍSICA NA PREVEÃO E NO CONTROLE DE DOENÇAS
169
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
A hiperinsulinemia é considerada um fator de risco
independente para a doença cardiovascular, já que tem um
papel importante no desenvolvimento de outros componentes
da síndrome metabólica, como a dislipidemia e a hipertensão.
Embora a adoção de um estilo de vida sicamente ativo seja um
elemento chave na prevenção e no tratamento do diabetes tipo
2, a maioria das pessoas acometidas por essa DCNT não são
regularmente ativos.
2.2.2 Hipertensão Arterial
Bem, já compreendemos que a hiperinsulinemia tem
um papel importante no desenvolvimento da hipertensão em
indivíduos obesos.
Mas quais as relações existentes entre hiperinsulinemia e
hipertensão?
Para entendermos melhor, vejamos quais são os
mecanismos que podem explicar a relação da hiperinsulinemia
com o desenvolvimento da hipertensão:
1. a reabsorção renal de sódio e água aumentada;
2. a ativação do sistema nervoso simpático;
3. a diminuição da atividade enzima NaK-ATPase e o
aumento do acúmulo de cálcio celular, e
4. o estímulo de fatores de crescimento.
A maior liberação de ácidos graxos livres
(AGL) na veia porta, vericada em indivíduos com
obesidade abdominal, parece também ter uma
relação com a siopatologia da hipertensão. Ao
inibir a produção de óxido nítrico, os AGL podem
aumentar a pressão arterial, não somente pelo
aumento da vasoconstricção, mas também pela
diminuição do reexo de relaxamento vascular.
Pense no seguinte:
quais os problemas
sociais e de saúde
que podem ocorrer
devido ao aumento
da prevalência do
diabetes em
crianças
e adolescentes?
Aproximadamente, 20% a 30% das
crianças obesas têm pressão arterial
elevada. Crianças obesas têm um risco
de 2,4 vezes maior de serem hipertensas
do que as crianças eutróficas.
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 2 I EFEITOS DA ATIVIDADE FÍSICA NA PREVEÃO E NO CONTROLE DE DOENÇAS
170
2.2.3 Hipercolesterolemia
Em condições normais, a insulina age de várias formas
na regulação do metabolismo lipídico. Em indivíduos obesos, a
resistência à insulina produz alterações frequentes na atuação
de determinadas enzimas e consequentemente no metabolismo
lipídico. Vejamos as principais alterações do perl lipídico:
2.2.4 Alterações Trombogênicas
O acúmulo de gordura na região abdominal e a
hiperinsulinemia estão, também, associados a um perl
trombogênico e inamatório. Concentrações aumentadas de
brinogênio têm sido relatadas em indivíduos com obesidade
visceral, aumentando o risco de trombose nestes indivíduos.
Níveis elevados de certos marcadores inamatórios como
a interleucina 6, o fator de necrose tumoral e a proteína C reativa
também estão associados à obesidade abdominal.
A presença destes parâmetros indesejáveis é observada em
crianças e em adolescentes obesos, sendo o excesso de gordura
corporal e a gordura abdominal os principais determinantes de
perl trombogênico elevado. Portanto, crianças e adolescentes
com obesidade abdominal apresentam maior risco para o
desenvolvimento da doença coronariana na vida futura.
Hipercolesterolemia
– alto nível de
colesterol no sangue.
Trombose é a
formação de um
trombo (coágulo de
sangue) no interior de
um vaso sanguíneo.
1. níveis aumentados de
VLDL (“mau” colesterol),
devido à maior produção de
triglicerídeos pelo fígado e
seu menor catabolismo.
2. redução dos níveis e do
tamanho de HDL (“bom”
colesterol), relacionados ao
seu maior catabolismo devido
à maior concentração de
triglicérides nestas partículas.
3. partículas de LDL
(“mau” colesterol)
menores e mais densas.
UNIDADE 2 I EFEITOS DA ATIVIDADE FÍSICA NA PREVEÃO E NO CONTROLE DE DOENÇAS
171
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
2.3 Doenças Cardiovasculares
O sedentarismo, ou inatividade, é um dos principais fatores
de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares
no organismo. O aumento do peso corporal, a hipertensão
arterial sistêmica, os problemas arteriais coronários (tromboses
e inamações) e o aumento de colesterol e triglicerídeos
propiciam a formação das placas de gordura que podem obstruir
as artérias coronárias, culminando num infarto ou até mesmo na
morte súbita.
Os fatores de risco para doenças cardiovasculares
podem ser classicados como modicáveis ou não modicáveis,
conforme podemos observar na Figura 3, abaixo.
Estudos epidemiológicos e clínicos têm demonstrado que a prática regular
de atividade física auxilia na manutenção do peso saudável; melhora
da sensibilidade à insulina e do metabolismo da glicose; aumento da
lipoproteína de alta densidade (HDL); diminuição do colesterol total, dos
triglicérides e da pressão arterial; melhora da função endotelial; sendo um
importante fator para a prevenção e tratamento dessas doenças, tanto
separadamente como em conjunto na síndrome metabólica.
Figura 3 Fatores de risco modicáveis e não
modicáveis para o desenvolvimento de doenças
cardiovasculares.
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 2 I EFEITOS DA ATIVIDADE FÍSICA NA PREVEÃO E NO CONTROLE DE DOENÇAS
172
As doenças coronárias são a principal causa de mortes no
Brasil, sendo responsáveis por 350 a 400 mil casos de infartos
do miocárdio e cerca de 215 mil mortes por ano. Indivíduos
sedentários têm duas vezes mais possibilidade de adquirir
doenças como essas, quando comparados com outros que são
sicamente ativos.
As alterações que ocorrem no corpo sedentário são a
redução da capacidade vital e do débito cardíaco, diminuindo
a capacidade de captar e utilizar o oxigênio e a capacidade do
coração bombear sangue para todo o corpo. Assim, os músculos,
os órgãos e o cérebro recebem menos oxigênio, menos sangue
e menos nutrientes (transportados pelo sangue).
Para tentar compensar esses décits, as artérias contraem-
se, elevando a pressão arterial que por sua vez aumenta o risco
de enfarte e de formação de coágulos.
A atividade física regular reduz as chances de ocorrência
de vários problemas de saúde, inclusive o risco de ter um ataque
cardíaco. As possíveis respostas biológicas pelas quais a
atividade física reduz as taxas de mortalidades cardiovasculares
incluem as seguintes:
Maior estabilidade elétrica do miocárdio (menores
concentrações de catecolaminas em repouso e durante
o exercício e maior limiar de fibrilação ventricular).
Menor trabalho do
miocárdio e demanda do
oxigênio (menor frequência
cardíaca e pressão arterial
em repouso e durante o
exercício).
Melhor função do
miocárdio (maior
contratilidade miocárdica).
Maior consumo máximo
de oxigênio (VO2máx).
Suprimento de oxigênio ao músculo cardíaco
mantido (o que retarda a progressão
da aterosclerose em virtude da menor
adiposidade e dos maiores níveis de
colesterol lipoprotéico de alta densidade, o
HDL).
UNIDADE 2 I EFEITOS DA ATIVIDADE FÍSICA NA PREVEÃO E NO CONTROLE DE DOENÇAS
173
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
Agora, convido você a realizar a leitura atenta do resumo
de um artigo cientíco sobre este tema, publicado em 2010.
O sedentarismo representa um aspecto único do comportamento humano e não deve
ser visto simplesmente como o outro extremo da atividade física (AF). Por exemplo,
estudos têm demonstrado que o excesso de ver TV, independentemente do nível
de AF, está associando negativamente com fatores de risco metabólico. Os efeitos
de longos períodos de comportamento sedentário mesmo em pessoas fisicamente
ativas parecem ser caracterizados por alterações metabólicas comumente vistas
em perfis diabetogênicos ou ateroscleróticos.
Num estudo com indivíduos adultos mostraram que eles gastam 55 a 57% do tempo diário
monitorado (não incluindo o sono) em atividades sedentárias; gastam em média mais do que
3 horas por dia vendo TV, e outras 3 horas dirigindo o carro.
Todos os participantes do estudo que responderam o questionário em 1982 foram
acompanhados até a data da morte ou até 31 de Dezembro de 2003. O teste estatístico
de análise de regressão foi usado para medir a associação entre comportamento
sedentário e mortalidade cardiovascular.
A análise multivariada incluiu controles para as medidas de idade, inatividade física (sim/
não), fumo (fumante atual ou não), diabetes (sim/não) hipercolesterolêmica (sim/não) e
historia familiar de evento cardiovascular (ECV) (sim/não).
Dos 7744 participantes no estudo, 377 tiveram um ECV fatal durante os 21 anos do
estudo. Tempo de ver TV foi significativamente diferente entre os grupos de ausência
da morte CV e o grupo de morte CV.
O aumento do risco de mortalidade CV foi observado com o aumento do tempo de dirigir
carro, assim como o comportamento sedentário combinado, mas não com o tempo de
TV. Participantes que reportaram dirigir autos por mais de 10 horas/semana tinham
50% a mais de risco de morrer de ECV. Participantes que reportaram mais de 23 horas
de comportamento sedentário por semana tinham 37% maior risco de morte CV que
aqueles que dirigiam menos de 11 horas/semana.
Outro achado importante do estudo foi que, para um dado volume de tempo dirigindo
carro, homens que eram sicamente ativos mantiveram menor mortalidade CV que homens
que eram inativos. Outro estudo de comportamento sedentário determinou que homens
e mulheres sicamente ativos tinham menor mortalidade CV na presença de elevados
tempos sentados.
Autores: Warren TY, Vaughn B, Hooker SP, Sui X, Church TS and Blair SN.
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 2 I EFEITOS DA ATIVIDADE FÍSICA NA PREVEÃO E NO CONTROLE DE DOENÇAS
174
2.4 Sistema Respiratório
Exercícios regulares também beneciam o sistema
respiratório por promover respirações profundas, fortalecendo
a musculatura respiratória principal e adjacente (diafragma e
intercostais) e aumentando a capacidade de oxigenação do
pulmão.
2.4.1 Asma
A asma é uma doença reincidiva caracterizada por um
processo de reação dos brônquios, no qual há diminuição do
calibre dos mesmos, que afeta indivíduos de qualquer idade,
causando inúmeros prejuízos à saúde e à vida diária. A melhora
da condição física do asmático aumenta sua resistência e lhe
permite suportar com mais tranquilidade os agravos da saúde e
as crises obstrutivas.
A participação regular em programas de atividades físicas
melhora da mecânica respiratória, previne e corrige alterações
posturais, melhora a condição física geral e previne outras
complicações pulmonares, aumentando a tolerância ao exercício
e a capacidade de trabalho, e reduzindo o broncoespasmo.
Em conclusão, foi encontrado um signicante
maior risco de mortalidade CV nas pessoas que
dirigiam carro por mais de 10 horas/semanais
e que viam TV e dirigiam carro por mais de
23 horas/semanais. Sugere-se assim que, em
combinação com maiores níveis de AF, deve-
se advogar pela redução no comportamento
sedentário para diminuir a mortalidade CV.
Reita um pouco... O que os
autores querem dizer com: “O
sedentarismo não deve ser visto
simplesmente como o outro
extremo da atividade física”? E
por que isto é importante?
Os mecanismos de alterações na função cardíaca, na homeostase da glicose e no metabolismo
de lipídeos associados com o excessivo comportamento sedentário podem ser diferentes
daqueles benefícios obtidos por atividade física regular.
UNIDADE 2 I EFEITOS DA ATIVIDADE FÍSICA NA PREVEÃO E NO CONTROLE DE DOENÇAS
175
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
Para a criança asmática, o grande benefício é permitir
que ela possa participar das atividades próprias de sua idade
aumentando assim sua qualidade de vida. Cabe ressaltar que a
orientação para prática da atividade física deve ser adequada ao
praticante asmático e não deve ser realizada durante a crise de
asma.
2.5 Neoplasia e Imunidade
O corpo humano possui trilhões de células que nascem,
crescem, se reproduzem e morrem em períodos regulados por
atividades intra e extracelulares. Alterações nestes processos
podem resultar na alteração do DNA celular e no crescimento
e divisão desordenada de algumas células, o que chamamos
neoplasias ou tumores. Há tumores malignos e benignos.
Os fatores de proteção ao câncer estão na variabilidade
genética relacionada às enzimas relacionadas ao reparo do
DNA, impedindo a transformação da célula normal em maligna.
Alguns hábitos de vida também podem diminuir o risco de
desenvolvimento tumoral tais como: não fumar, não ingerir
bebidas alcoólicas em excesso, consumir diariamente frutas
e verduras, diminuir a ingestão de gorduras, praticar atividade
física regularmente, controlar o peso corporal, e não se expor ao
sol em períodos críticos.
A atividade física regular resulta na modulação do
metabolismo hormonal e das prostaglandinas, melhora o
funcionamento intestinal, os níveis de antioxidantes e a eciência
do sistema imunológico. Estas alterações podem reduzir a
incidência de alguns tipos de câncer e melhorar a resistência de
pacientes com AIDS.
2.6 Sistemas Musculoesqueléticos (lesões,
osteoporose, artrite e bromialgia)
Atividades físicas regulares são capazes de melhorar
a resistência muscular geral e localizada, força, exibilidade,
agilidade, a massa óssea e a densidade óssea e da atividade
Os tumores malignos
são conhecidos também
como câncer, a segunda
causa de morte nos
países desenvolvidos.
Os tipos de câncer
mais prevalentes na
população são: de pele,
pulmões, intestino,
próstata, mama e
útero. Os fatores de
risco envolvidos no
aparecimento das
neoplasias malignas
são: exposição a
determinados tipos de
vírus, como o da hepatite
B (causa câncer no
fígado), o vírus papiloma
(causa câncer de útero),
exposição à radiação
(exposição solar causa
câncer de pele), e
contato com produtos
químicos carcinogênicos
(ex.: benzopireno).
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 2 I EFEITOS DA ATIVIDADE FÍSICA NA PREVEÃO E NO CONTROLE DE DOENÇAS
176
neural motora. Além disto, aumenta o equilíbrio corporal e a
coordenação motora, reduzindo o risco de quedas e lesões.
A falta de atividade física pode enfraquecer o sistema
cardiovascular reduzindo sua capacidade de responder
a movimentos repentinos ou a mudanças de posição.
Pessoas sedentárias podem se sentir tontas quando se
levantam repentinamente porque o sistema não consegue
fornecer sangue ao cérebro num curto intervalo de tempo.
O sedentarismo também diminui a coordenação
motora e a coordenação tempoespacial, podendo aumentar a
propensão para quedas e acidentes. Existem até alguns estudos
que demonstram que indivíduos sedentários sofrem mais
atropelamentos que indivíduos ativos.
Longos períodos de inatividade tornam os músculos
menos densos, menos fortes, menos resistentes e menos
elásticos, tornando extremamente cansativa a execução de
tarefas ou atividades aparentemente muito simples, como subir
as escadas ou transportar as compras. Entre os 25 e os 80 anos,
indivíduos sedentários perdem entre 40 a 50% da sua massa
muscular, ao que chamamos sarcopenia.
Músculos fracos, menos resistentes e elásticos podem
provocar instabilidade das articulações e problemas posturais.
Por exemplo, a falta de fortalecimento dos músculos da zona
abdominal e lombar é apontada como a principal causa de
lombalgia (dor lombar).
A inatividade física pode comprometer também a saúde dos
ossos. O osso é um tecido vivo que se remodela periodicamente,
mediante estímulos dados pelo exercício. A falta de estímulos
físicos irá contribui para o enfraquecimento dos ossos, gerando
a osteopenia e a osteoporose.
Artrite e artrose fazem parte do quadro de reumatismo
que acomete as articulações. São doenças caracterizadas pela
degeneração da cartilagem e do osso adjacente, que pode causar
Osteopenia é uma
patologia que consiste
na diminuição da
densidade mineral
dos ossos, precursora
da osteoporose.
Classica-se
osteopenia quando a
massa óssea é de
10% a 25% menor
que
a considerada normal.
Se a redução da
densidade óssea for
ainda maior do que
isso, classica-se
como osteoporose.
UNIDADE 2 I EFEITOS DA ATIVIDADE FÍSICA NA PREVEÃO E NO CONTROLE DE DOENÇAS
177
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
dor e rigidez articular. Existem artrites traumáticas provocadas
por acidentes ou torções, metabólicas como as da gota, artrites
infecciosas causadas por bactérias, etc. A artrose é um processo
degenerativo de desgaste da cartilagem, e afeta sobretudo as
articulações que suportam peso ou as que fazem movimentos
em excesso, como por exemplo o quadril, os joelhos ou os pés.
Fibromialgia refere-se a uma condição dolorosa
generalizada e crônica nos músculos que engloba uma série
de manifestações clínicas como dor, fadiga, indisposição e
distúrbios do sono. A bromialgia pode envolver músculos,
tendões e ligamentos, e pode prejudicar a qualidade de vida e o
desempenho prossional.
2.7 Capacidade Funcional
A capacidade funcional é denida pela ausência de
diculdades no desempenho de certos gestos e atividades
da vida cotidiana. A redução da capacidade funcional ocorre
com o envelhecimento e se relaciona à falta ou à limitação de
uma habilidade devido a aspectos orgânicos, psicológicos ou
siológicos.
O aumento da população idosa (transição demográca)
associado ao aumento do sedentarismo e à má alimentação
(transição nutricional) resultam na prevalência elevada de
doenças crônico-degenerativas (transição epidemiológica),
resultando no aumento de pessoas com reduzida capacidade
funcional.
Apesar do envelhecimento normal propiciar uma lentidão
dos processos mentais e físicos, isto não representa a perda
de funções cognitivas e das habilidades motoras. Envelhecer
não é sinônimo de adoecer, especialmente quando as pessoas
desenvolvem hábitos de vida saudáveis.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Geriatria e
Gerontologia, a prática regular de atividades físicas constitui
um excelente instrumento de saúde em qualquer faixa etária,
As atividades
de vida diária
compreendem
aquelas atividades
que se referem
ao cuidado com o
próprio corpo ou
com a casa (vestir-
se, fazer higiene,
alimentar-se,
limpar a casa,
cuidar da roupa,
da comida, usar
equipamentos
domésticos, fazer
compras, usar
transporte pessoal
ou público,
controlar a própria
medicação e
nanças etc).
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 2 I EFEITOS DA ATIVIDADE FÍSICA NA PREVEÃO E NO CONTROLE DE DOENÇAS
178
em especial no idoso, promovendo diversos benefícios físicos e
psicológicos tais como: melhora do condicionamento aeróbico,
manutenção da massa magra e óssea, auxílio no controle
glicêmico e do colesterol, controle da pressão arterial, melhora
do equilíbrio e da marcha, melhor desempenho nas atividades
da vida diária, e melhora da autoestima.
Em um posicionamento conjunto, a Sociedade Brasileira
de Medicina do Esporte e a Sociedade Brasileira de Geriatria e
Gerontologia sugerem o ciclo mostrado na Figura 4, para explicar
as alterações siológicas e psicológicas associadas ao processo
de envelhecimento.
Figura 4 Ciclo para explicar as alterações siológicas e psicológicas
associadas ao processo de envelhecimento
2.8 Funções Mentais (ansiedade, estresse,
depressão e doenças correlatas: Parkinson e
Alzheimer)
O processo de envelhecimento compromete o
funcionamento do sistema nervoso central, podendo
alterar as funções mentais e desencadear enfermidades
neuropsiquiátricas, particularmente a depressão.
Envelhecimento
Inatividade física
Descondicionamento
Inatividade física
Ansiedade e
depressão
Menor motivação
+
menor auto-estima
Perda do estilo de vida
independente
Fragilidade
músculo-esquelética
UNIDADE 2 I EFEITOS DA ATIVIDADE FÍSICA NA PREVEÃO E NO CONTROLE DE DOENÇAS
179
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
Determinados fatores neurobiológicos podem conduzir
à depressão de início tardio por aumentarem o risco e a
vulnerabilidade do idoso à depressão. Estamos falando de
fatores como:
alterações neuroendócrinas (redução da resposta ao
hormônio estimulador da tireóide);
alterações de neurotransmissores (redução da atividade
serotoninérgica e noradrenérgica). A produção diminuída
de serotonina e a diminuição dos receptores para estes
neurotransmissores representam fatores de vulnerabilidade
à depressão no idoso;
alterações vasculares, e processos de degeneração
de circuitos corticais e subcorticais responsáveis pelo
processamento e elaboração da vida afetiva e emocional.
A redução da atividade cortical pré-frontal também tem sido
correlacionada com depressão de início tardio.
A depressão exerce inuência recíproca na evolução de
outras doenças clínicas em geral. Por exemplo, a prevalência
da depressão mostra-se bastante elevada em portadores da
doença de Parkinson (40 a 60%); demência de Alzheimer (30 a
40%); acidente vascular cerebral (30 a 60%); esclerose múltipla
(20 a 60%) e epilepsia (10 a 50%).
Quadros como hipotireoidismo, diabetes mellitus, doenças
cardíacas e doenças autoimunes também possuem prevalência
elevada de depressão.
A depressão constitui enfermidade mental frequente no idoso,
comprometendo intensamente sua qualidade de vida, sendo
considerada fator de risco para processos demenciais. É uma condição
que coloca em risco a vida, sobretudo daqueles que têm alguma
doença crônico-degenerativa ou incapacitante, pois há uma influência
recíproca na evolução clínica do paciente.
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 2 I EFEITOS DA ATIVIDADE FÍSICA NA PREVEÃO E NO CONTROLE DE DOENÇAS
180
A seguir, convém investigar aspectos de natureza
psicológica e psicossocial, como lutos, isolamento social,
abandono e outros fatores que tendem a desencadear sintomas
depressivos. A intervenção psicoterapêutica, preferencialmente
com prossionais especializados em idosos, ajuda a identicar
os fatores desencadeadores do processo depressivo,
contribuindo para a orientação dos familiares, dos cuidadores
e do próprio paciente.
As estratégias de tratamento mais utilizadas são
psicoterapia, intervenção medicamentosa e exercício físico. A
atividade física, quando regular e bem planejada, contribui para
minimizar o sofrimento psíquico do idoso deprimido, além de
oferecer oportunidade de envolvimento psicossocial, elevação
da autoestima, implementação das funções cognitivas, com
saída do quadro depressivo e menores taxas de recaída.
Em casos mais graves, o fato de o paciente com depressão
permanecer no leito por muito tempo, sem praticar atividade
física, traz prejuízos acentuados à saúde geral, particularmente
no idoso.
Cabe lembrar que medicações de ação central podem causar
sintomas depressivos, como anti-hipertensivos, antiparkinsonianos,
benzodiazepínicos, além de corticóides.
Assim, é pertinente vericar se o paciente possui alguma doença clínica
que esteja relacionada com a depressão e observar se o uso de algum
medicamento (anti-inamatório, anti-hipertensivo, remédio para insônia
etc.) não estaria levando ao surgimento de sintomas depressivos.
Uma das vantagens do
exercício físico é o efeito
positivo também na
prevenção e tratamento
de outros agravos comuns
nas pessoas idosas.
UNIDADE 2 I EFEITOS DA ATIVIDADE FÍSICA NA PREVEÃO E NO CONTROLE DE DOENÇAS
181
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
Do ponto de vista biológico, a falta de mobilidade física
compromete a atividade pulmonar e isto leva ao acúmulo
de secreções nas vias respiratórias, predispondo o idoso a
desenvolver pneumonias bacterianas.
Pode ainda levar ao descontrole da pressão arterial com
agravamento do quadro hipertensivo, além do comprometimento
da circulação periférica, da perfusão cerebral e do próprio
funcionamento cardíaco. Artrose e outros distúrbios articulares
também se agravam devido à falta de atividade física do idoso
deprimido.
A atividade física, em particular a aeróbica, realizado com
intensidade moderada e longa duração (a partir de 30 minutos)
propicia alívio do estresse ou tensão, devido a um aumento da
taxa de um conjunto de hormônios denominados endornas que
agem sobre o sistema nervoso, reduzindo o impacto estressor
do ambiente e com isso pode prevenir ou reduzir transtornos
depressivos.
A atividade física regular deve ser considerada como
uma alternativa não farmacológica do tratamento do transtorno
depressivo. O exercício físico tem, em relação ao tratamento
medicamentoso, a vantagem de não apresentar efeitos colaterais
indesejáveis, além de sua prática demandar, ao contrário da
atitude relativamente passiva de tomar uma pílula, um maior
comprometimento ativo por parte do paciente que pode resultar
na melhoria da autoestima e autoconança.
Idosos sicamente ativos podem interagir mais e
estabelecer relações com aqueles que entram em contato
em razão da própria atividade física. Do ponto de vista da
saúde mental, no idoso, a lenticação psicomotora e a não
mobilidade física provocam baixa autoestima, diminuição da sua
participação na comunidade e a redução do círculo das relações
sociais. Como consequência, o sofrimento psíquico, a sensação
de incapacidade funcional e os sentimentos de isolamento e de
solidão são agravados.
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 2 I EFEITOS DA ATIVIDADE FÍSICA NA PREVEÃO E NO CONTROLE DE DOENÇAS
182
Por outro lado, a atividade física tem sido associada
a vários fatores favoráveis a uma melhor qualidade de vida
no idoso, gerando melhor perfusão sanguínea sistêmica e,
particularmente cerebral, melhorando a capacidade cognitiva.
E mais, o benefício da atividade física na redução dos
níveis de hipertensão arterial, na melhora da capacidade
pulmonar e na prevenção de pneumopatias é evidente.
Ganho de força muscular e de massa óssea e desempenho
mais eciente das articulações são outros benefícios que o
idoso obtém com a prática regular e adequada de atividade
física, constituindo-se em importante fator de prevenção de
quedas e outros acidentes, que também se apresentam como
comorbidades em relação à depressão.
A atividade física, sobretudo quando praticada em grupo,
eleva a autoestima do idoso, contribui para a implementação
das relações psicossociais e para o reequilíbrio emocional.
Capacidade de atenção concentrada, memória de curto prazo
e desempenho dos processos executivos (planejamento de
ações sequenciais logicamente estruturadas e capacidade
de autocorreção das ações) constituem funções cognitivas
imprescindíveis na vida cotidiana e que são estimuladas durante
a prática de exercícios bem planejados.
UNIDADE 2 I EFEITOS DA ATIVIDADE FÍSICA NA PREVEÃO E NO CONTROLE DE DOENÇAS
183
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
Hora de praticar
Com base no que você estudou nesta Unidade 2, responda todas as questões
propostas e envie suas respostas ao fórum de discussão Hora de praticar 2.
1. Analise as questões abaixo, indicando “V” para verdadeiro e “F” para falso.
1.1 ( ) Colesterol HDL é uma classe de lipoproteínas de alta densidade e
é considerado o “colesterol ruim”.
1.2 ( ) Histórico familiar, idade e sexo são considerados fatores de risco
não modicáveis para doenças cardiovasculares.
1.3 ( ) Baixos níveis de atividades físicas característicos da sociedade em que
vivemos têm sido consistentemente associados a diversos distúrbios de saúde.
1.4 ( ) A adoção de um estilo de vida sicamente ativo atua favoravelmente
na prevenção das DCNT mas não apresenta efeito no tratamento de
indivíduos que já são portadores das doenças.
1.5 ( ) O excesso de peso corporal relacionado ao excesso de massa
gorda é um dos principais fatores de risco para desenvolvimento de DCNT.
1.6 ( ) Hoje em dia mais da metade da população mundial está acima do
peso ideal, mas a obesidade ainda não afeta a população de crianças e
adolescentes no Brasil.
1.7 ( ) No diabetes tipo 2 o corpo do indivíduo continua produzindo insulina,
mas seu organismo ca resistente à sua ação, tendo como resultado a
glicemia elevada.
1.8 ( ) A hipertensão arterial é um agravo perigoso pelo fato de ser
silencioso, podendo levar a problemas sérios ao coração, aos rins e à visão,
aumentando o risco de derrame cerebral.
1.9 ( ) A implementação de programas de atividades físicas para a população
acarretará em menor número de internações, menor gasto do governo com
saúde e menos mortes por doenças cardiovasculares.
1.10 ( ) A prática regular de atividade física/exercício físico pode beneciar
os sistemas muscular e esquelético, mas, nestes casos, a atuação deve ser
feita pelo sioterapeuta e não pelo professor de Educação Física.
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 2 I EFEITOS DA ATIVIDADE FÍSICA NA PREVEÃO E NO CONTROLE DE DOENÇAS
184
Hora de praticar
Reita sobre o tema e responda de forma completa e objetiva:
2. Procure na disciplina Medidas e Avaliação em Educação Física
(Módulo 4) e indique as medidas recomendadas para a indicação de
problemas com o peso corporal em crianças e jovens em idade escolar.
3. Com base na disciplina Nutrição Aplicada à Educação Física (Módulo 4),
cite quais as recomendações para uma alimentação saudável e balanceada.
4. Retome a disciplina Fundamentos Fisiológicos da Educação Física
(Módulo 3) e, com base nela, cite as principais adaptações agudas e
crônicas geradas com a prática regular de atividades físicas aeróbicas e
anaeróbicas.
5. Explique a sentença: “O sedentarismo representa um aspecto único do
comportamento humano e não deve ser visto simplesmente como o outro
extremo da atividade física. Estudos têm demonstrado que o excesso de
ver TV, independentemente do nível de AF, está associando negativamente
com fatores de risco metabólico”.
UNIDADE 2 I EFEITOS DA ATIVIDADE FÍSICA NA PREVEÃO E NO CONTROLE DE DOENÇAS
185
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
Finalizando os estudos da
Unidade 2, percebemos
facilmente que o avanço
tecnológico propiciou a diver-
sas atividades, que antes eram
realizadas com algum nível de esforço
físico, serem agora realizadas sem
movimentação corporal. Telefones sem
o, controle remoto para os mais diversos
eletrodomésticos, carros que só faltam
dirigir automaticamente, internet, dentre
outros, são pequenos exemplos em meio
a uma innidade de outros. Por outro
lado, esses baixos níveis de atividades
físicas, característicos da sociedade em
que vivemos, têm sido consistentemente
associados a diversos distúrbios de
saúde, principalmente as denominadas
Doenças Crônicas Não Transmissíveis
(DCNT).
Alguns dos problemas de saúde
associados aos baixos níveis de atividades
físicas (condição também chamada
de sedentarismo e de hipocinesia)
incluem a Obesidade, Diabetes Mellitus
Tipo 2, Hipertensão Arterial, Doenças
Cardiovasculares, Doenças do Sistema
Musculoesquelético, alguns tipos de
Câncer, dentre outras. A boa notícia
é que a adoção de um estilo de vida
sicamente ativo atua favoravelmente
na prevenção das DCNT e também no
tratamento daqueles indivíduos que já
são portadores.
O excesso de peso corporal
relacionado ao excesso de massa gorda
é um dos principais fatores de risco para
desenvolvimento de DCNT no mundo
ocidental.
Atualmente, mais da metade da
população mundial está acima do peso
ideal, tanto em países desenvolvidos como
nos em desenvolvimento, como é o caso
do Brasil. Aumentando essa problemática,
hoje em dia a obesidade afeta também a
população de crianças e adolescentes.
Em relação à atividade
física, é sabido que adultos ativos
apresentam menor gordura corporal
quando comparados aos não ativos.
Adicionalmente, a combinação da
dieta com exercícios físicos é a medida
comportamental de escolha para redução
de peso, e continuar nos exercícios é um
dos melhores preditores de manutenção
do peso perdido após a dieta.
O diabetes tipo 2, em geral, é
adquirido devido a hábitos inadequados
de vida (inclusive o sedentarismo) e o
corpo do indivíduo continua produzindo
insulina, mas seu organismo ca
resistente à sua ação, tendo como
resultado a glicemia elevada. Embora a
adoção de um estilo de vida sicamente
ativo seja um elemento chave na
prevenção e tratamento do diabetes tipo
2, a maioria das pessoas acometidas
por essa DCNT não são regularmente
ativos.
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 2 I EFEITOS DA ATIVIDADE FÍSICA NA PREVEÃO E NO CONTROLE DE DOENÇAS
186
A Hipertensão Arterial
é uma condição
caracterizada por níveis
de pressão arterial eleva-
dos e sustentados. Este agravo é ainda
mais perigoso perigoso pelo fato de ser
silencioso, podendo levar a problemas
sérios no coração, nos rins, na visão, e
aumentar o risco de derrame cerebral.
É bem constatado que indivíduos
sicamente ativos apresentam valores
de pressão arterial inferiores, quando
comparados a indivíduos sedentários. De
forma importante, diversas organizações
de saúde indicam a adoção de um estilo
de vida ativo como tratamento não
medicamentoso da Hiprtensão Arterial.
O sedentarismo é um dos
principais fatores de risco para
o desenvolvimento de doenças
cardiovasculares no organismo, e, por
outro lado, doenças coronárias são a
principal causa de mortes no Brasil. Em
úl-tima análise, a implementação de
programas de atividades física para a
população acarretará em menor número
de internações (e menor gasto do
governo com saúde) e menos mortes por
doenças cardiovasculares.
Outras DCNT como alguns tipos
de câncer, colesterol elevado, doenças
dos sistemas muscular e esquelético e
até mesmo a saúde mental podem ser
melhoradas mediante a prática regular
de atividade física/exercício físico,
abrindo um importante campo para os
professores de Educação Física atuarem.
Em síntese, a maioria das DCNT
apresenta associação com o sedentaris-
mo e, em contrapartida, a prática regular
de atividade física ajuda a prevenir
e tratar estas doenças. De fato, a
maior parte da população já sabe dos
benefícios em adotar um estilo de vida
ativo, entretanto, apenas um pequeno
percentual pratica atividades físicas
regularmente. Portanto, ca nítido o
importante papel do prossional de
Educação Física em aumentar os níveis
de atividade física da população. Com
isso, esse prossional poderá evitar o
aparecimento de DCNT e auxiliará na
redução dos custos assistenciais em
saúde.
UNIDADE 2 I EFEITOS DA ATIVIDADE FÍSICA NA PREVEÃO E NO CONTROLE DE DOENÇAS
187
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
Resposta da Hora de praticar (autoavaliação)
Vejamos se você aprendeu a utilizar adequadamente as tabelas de cálculo do IMC:
1. A classicação de um adulto homem de 18 anos com 1,70m de altura e 95kg
de peso corporal é: OBESO. Veja, o cálculo é simples. Começamos por elevar a
altura ao quadrado: 1,70m x 1,70m = 2,89 m². Agora usamos a fórmula do IMC
= 95 kg / 2,89 m², o que produz um resultado de 32,87 kg /m² . Pela tabela de
adultos, valores acima de 30 são considerados obesos.
2. A classicação de uma menina de 10 anos com 1,30m de altura e 40kg de
peso corporal é: SOBREPESO. O cálculo do IMC é o mesmo. IMC = 40 kg /
1,69 m², o que produz um resultado de 23,67 kg /m² . Pela tabela de crianças e
adolescentes, meninas de 10 anos com valores acima de 19,86 são consideradas
com sobrepeso. (caso o resultado fosse acima de 24,11 ela seria considerada
obesa).
3. E você como está? Caso seu IMC esteja abaixo de 25 PARABÉNS! Mas,
caso esteja superior a 25, ATENÇÃO! Você pode estar no grupo de risco
para desenvolvimento da obesidade e outras DCNT. Exercite-se e cuide de
sua alimentação.
UNIDADE 3
189
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
Até aqui, vimos que a prática regular de atividade física promove bem-estar
físico, emocional, mental e social. Assim, a Educação Física deveria ser uma das
principais disciplinas responsáveis por estudar e buscar a integração corpo, mente
e sociedade, objetivando a promoção da saúde em seu contexto mais amplo.
Com isso em mente, pense no seguinte:
Veja que faremos muitas reexões importantes, nesta última unidade da
nossa disciplina!
O Papel da Educação Física na
Promoção da Saúde
Qual o papel da disciplina
Educação Física Escolar como
elemento formador e
transformador do aluno e da
sociedade, para obter saúde
e qualidade de vida?
Como incluir tais temas nas
aulas e qual o papel
do professor de
Educação Física no
contexto social atual?
190
UNIDADE 3 I O PAPEL DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA PROMOÇÃO DA SAÚDE
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
OBJETIVOS
Após nalizar esta Unidade, esperamos que você seja capaz de:
debater sobre o papel da disciplina Educação Física Escolar como elemento
formador e transformador do aluno e da sociedade para a obtenção de saúde e
qualidade de vida;
propor alternativas de como incluir os temas de saúde e qualidade de vida nas aulas
educação física escolar;
discutir o papel do professor de Educação Física no contexto social atual.
191
UNIDADE 3 I O PAPEL DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA PROMOÇÃO DA SAÚDE
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
3.1 Sociedade, Bem-estar Físico, Mental,
Emocional e Social
Sociedades modernas são caracterizadas por
aglomerados urbanos com grande poluição ambiental (do ar,
da água, visual, auditiva), altos níveis de estresse, baixos
níveis de atividade física, alimentação inadequada e má
qualidade de vida para a maioria da população. A presença
destes fatores de risco amplia as chances de desenvolvimento
das DCNT.
Sabemos que os fatores de risco e as DCNT poderiam
ser prevenidos por meio da modicação dos condicionantes
e determinantes do processo de adoecimento, principalmente
pela promoção, informação e educação em saúde com ênfase
nos estilos de vida e hábitos saudáveis.
O modelo de promoção e cuidado da saúde deve
priorizar ações de melhora da qualidade de vida dos sujeitos e
coletividades, em que todos sejam partícipes na promoção da
saúde, mobilizando recursos políticos, humanos e nanceiros
que extrapolam o setor da saúde. Toda a sociedade deve se
mobilizar na formulação de intervenções criativas e inovadoras
O aumento da prevalência das DCNT gera graves impactos pessoais,
sociais e econômicos, pois estas doenças, quando não matam, deixam
sequelas que diminuem a qualidade de vida e causam redução signicativa
na capacidade de trabalho e na renda do indivíduo, agravando a situação
de pobreza nas populações mais vulneráveis.
Entretanto, a adoção de hábitos saudáveis e a manutenção da saúde
não é apenas uma escolha individual. A produção da saúde ou da
doença é indissociável da forma como a sociedade está organizada
e de seus valores. Nas últimas décadas, tornou-se mais e mais
importante cuidar da vida de modo que se reduza a vulnerabilidade
ao adoecer e as chances de que as DCNT sejam produtoras de
incapacidade, sofrimento crônico e morte prematura.
A atividade física pode ser
entendida como qualquer
movimento corporal que
resulte em gasto energético.
A atividade física tem
componentes e determinantes
de ordem biopsicossocial,
cultural e comportamental, e
pode ser exemplicada por:
jogos, lutas, danças, esportes,
exercícios físicos, atividades
laborais e deslocamentos.
192
UNIDADE 3 I O PAPEL DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA PROMOÇÃO DA SAÚDE
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
que propiciem as escolhas saudáveis e a saúde como direito
humano e de cidadania.
Abaixo, observe alguns dados alarmantes sobre o
sedentarismo e as doenças crônicas no Brasil.
Agora que sabemos que um dos grandes problemas
modernos é o sedentarismo, e que o baixo nível de atividade
física é fator decisivo no desenvolvimento de DCNT, precisamos
desenvolver iniciativas que promovam mudanças sustentáveis
no estilo de vida, levando os indivíduos a incorporar a prática
da atividade física ao seu cotidiano.
Assim, seja pelo reconhecimento da importância dos determinantes
sociais da saúde, seja pela perspectiva de seus efeitos no
desenvolvimento do país, a promoção da saúde e a prevenção
e controle das DCNT são eixos prioritários para a redução da
vulnerabilidade da saúde pública e defesa de uma vida saudável.
26,3% da população adulta das capitais
brasileiras são sedentários e 84% são
insucientemente ativos no lazer.
56,3% da nossa população
adulta têm excesso de peso.
A perda econômica estimada entre 2005 e 2015 na
produção nacional causada por mortes prematuras
de trabalhadores por DCNT é 49 bilhões de dólares.
60% de todas as mortes e 66% dos anos
de vida perdidos por incapacidade são
causados por DCNT.
193
UNIDADE 3 I O PAPEL DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA PROMOÇÃO DA SAÚDE
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
Para que possamos almejar o sucesso em promover
atividade física, precisamos primeiro entender porque os
indivíduos estão se tornando mais sedentários. Vamos conhecer
alguns aspectos históricos da atividade física.
3.2 Aspectos Históricos da Atividade Física
Retornando aos primórdios da humanidade, durante o
período pré-histórico, o homem dependia de sua força, velocidade
e resistência para sobreviver. Suas constantes migrações em
busca de moradia e alimentação o obrigava a realizar longas
caminhadas, durante as quais lutava, corria e saltava, ou seja,
era um ser extremamente ativo sicamente.
Já nas sociedades antigas a atividade física passou a ser
usada como conteúdo estruturado que compunha as atividades
de higiene, terapia e como treinamento de lutadores e preparação
para a guerra; cada sociedade incorporou ainda alguns aspectos
especícos à sua prática. Por exemplo:
Na China, no ano 3000 a.c., a atividade física já era entendida
e desenvolvida como ciência.
Na Índia, entendia-se a atividade física dentro de um contexto
integrador entre corpo e mente, em que se originou a prática
do Ioga.
No Egito, incorporou-se ao corpo o sentido cultural.
Mais tarde, na Grécia, o conceito de moral integrou-se ao
corpo e a atividade física era desenvolvida na forma de
ginástica que signicava “a arte do corpo nu”.
Em Roma, o conceito de saúde incorporou-se à atividade física.
No Brasil, a atividade física era realizada pelos índios em seus
movimentos naturais e, com a chegada dos europeus começa-
se a introduzir os conceitos vigentes à época, mesclando-se
ainda à cultura dos negros escravos, como a capoeira.
194
UNIDADE 3 I O PAPEL DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA PROMOÇÃO DA SAÚDE
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
A atividade física escolar na forma de jogos, danças e
ginástica surge na Europa no início do século XIX, com diversos
métodos de exercícios físicos propostos por vários autores.
Vejamos a evolução histórica, no Brasil.
Uma lei inclui a
ginástica no currículo
escolar. Nesta época,
os programas de
atividade física têm
início, alicerçados em
bases médicas,
procurando formar o
indivíduo com uma boa
postura, aparência e
qualidades físicas.
Com a implantação do
Estado Novo, surge a
tendência militar nos
programas de
atividade física
escolar.
Inspirada no discurso
liberal da escola-
nova, a Educação
Física iniciou o seu
ingresso na área
pedagógica.
Por inuência do
sucesso de algumas
equipes desportivas
no exterior, surge a
tendência de formar
equipes desportivas
competitivas pela
Educação Física.
A Educação Física é
regulamentada como
prossão. A partir
deste momento, po-
demos iniciar a dis-
cussão sobre o papel
da Educação Física
no contexto atual da
sociedade brasileira
A Educação Física se preocupa com o relacionamento entre o movimento
humano e outras áreas da educação. Ela seleciona e problematiza
temas da cultura corporal de forma a introduzir e integrar o aluno na
cultura corporal de movimento, formando o cidadão que irá produzi-la,
reproduzi-la e transformá-la, instrumentalizando-o para usufruir do jogo,
do esporte, das atividades rítmicas e dança, das ginásticas e práticas de
aptidão física, em benefício da qualidade da vida.
Para pensar... Busque na
disciplina
Fundamentos da
Educação Física
(Módulo 2) as
raízes históricas
gerais da Educação Física.
1851
década de 1930 nal da década de 1940 a partir dos anos 1970 1998
Depois, faça uma reexão que
ajude a entender o que acontece
na nossa sociedade moderna,
na qual a maioria de seus
cidadãos não atinge o mínimo
recomendado de atividade
física para promover
a saúde.
3.3 Educação Física, a Sociedade Atual e a Qualidade de Vida
195
UNIDADE 3 I O PAPEL DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA PROMOÇÃO DA SAÚDE
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
A partir de todo referencial teórico estudado até o momento,
podemos inferir que a maioria dos indivíduos das sociedades
atuais não possui qualidade de vida. E a qualidade de vida é um
fenômeno que se inter-relaciona com diversas dimensões do ser
humano.
Apesar de a atividade física ser um pilar essencial para que
se tenha qualidade de vida, grande parte da literatura cientíca
da Educação Física e das Ciências do Esporte, não especica
de forma clara as denições conceituais e operacionais relativas
ao constructo “qualidade de vida”.
A Organização Mundial de Saúde, buscando uma
concepção mais abrangente, deniu qualidade de vida como a
percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da
cultura e do sistema de valores nos quais ele vive, considerando
seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações.
Qualidade de vida se refere ao grau de satisfação
encontrado na vida familiar, amorosa, social e ambiental.
Pressupõe uma síntese cultural de todos os elementos que
determinada sociedade considera como seu padrão de conforto
e bem-estar, em que o modo e as condições de vida inter-
Qualidade de vida representa uma tentativa de nomear algumas
características da experiência humana, sendo ele o fator central que
determina a sensação subjetiva de bem-estar. E mais, ela consiste na
possessão dos recursos necessários para a satisfação das necessidades
e desejos individuais, a participação em atividades que permitem o
desenvolvimento pessoal, a autorrealização e a possibilidade de uma
comparação satisfatória entre si mesmo e os outros.
A falta de um consenso em torno de
sua denição tem levado muitos
estudiosos a empregar o termo
“qualidade de vida” de forma
reduzida, desconsiderando sua
riqueza e complexidade, dicultando
sua compreensão e interpretação.
Pois é, geralmente, associam-no
ao conceito restrito de saúde, no
sentido de ausência de doenças e
de bem-estar físico, relacionando
qualidade de vida a fatores
morfosiológicos decorrentes da
atividade física.
196
UNIDADE 3 I O PAPEL DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA PROMOÇÃO DA SAÚDE
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
relacionam-se com os ideais de desenvolvimento sustentável,
ecologia humana e democracia.
É neste sentido que devemos pensar o papel da educação
física na sociedade atual, preparando os cidadãos para ter saúde
e qualidade de vida.
3.3.1 O Papel da Educação Física na Promoção da Saúde
A saúde não é o único elemento, mas é um dos componentes
fundamentais para se ter qualidade de vida. E a Educação
Física é a prossão que tem a maior responsabilidade de prestar
serviços relacionados à atividade física, ao desenvolvimento
motor e humano, e à aptidão física para o bem-estar e a saúde.
A atividade física melhora as condições de saúde dos
indivíduos uma vez que diminui as doenças, aumenta a expectativa
de vida, melhora o bem-estar, eleva a autoestima etc.
A saúde é apenas uma relação biológica de causa e efeito?
Não, a saúde não ca restrita a essa relação, pois o
homem é um ser histórico e, como tal, as questões que lhe dizem
respeito devem ser consideradas.
Nesta perspectiva ampliada, a questão da saúde ganha
novos contornos e uma discussão mais adequada sobre o tema
deve levar em conta o contexto socio-histórico mais amplo, o qual
é resultado de diferentes formas de organização social. Assim, a
discussão sobre a saúde envolve as dimensões biológica, social,
Parâmetros subjetivos (bem-estar, felicidade, amor, prazer, inserção social,
liberdade, solidariedade, espiritualidade, realização pessoal) e objetivos
(satisfação das necessidades básicas e das necessidades criadas pelo
grau de desenvolvimento econômico e social de determinada sociedade
tais como: alimentação, acesso à água potável, habitação, trabalho,
educação, saúde e lazer) interagem dentro da cultura para constituir a
noção contemporânea de qualidade de vida.
197
UNIDADE 3 I O PAPEL DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA PROMOÇÃO DA SAÚDE
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
cultural e econômica, mas também deve considerar o bem-estar
mental do indivíduo.
Crises decorrentes do sentimento de perda, frustração,
despersonalização e alienação devem ser levadas em conta
no processo de construção da saúde. Todo indivíduo possui
mecanismos de interpretação do fenômeno da doença e da
morte que servem para rearmar os valores sociais e torná-los
aceitáveis, mas também para propor orientações para a ação
curativa ou preventiva.
Entender esta pluralidade é fundamental para que se
possa atuar na promoção da saúde. A grande maioria de nossas
crianças e jovens (96% das crianças, entre e 10 a 14 anos, e
81% dos adolescentes, entre 15 a 17 anos) frequentam a escola.
Assim, a escola é o ambiente propício para se desenvolver
ações de promoção da saúde, pois o conceito de educação para
a saúde pode ser aplicado em grande escala à população em
formação.
Assim, podemos pensar em um conceito amplo de saúde, o qual propõe
quatro componentes que interagem entre si e que são identicados nas
causas e fatores básicos de morbidade e de mortalidade: 1) a biologia
humana (incluindo a psicologia), 2) o meio ambiente, 3) o estilo de vida e
4) a organização da atenção à saúde.
A infância e a adolescência são períodos extremamente críticos para a
saúde. Durante a transição da infância para a vida adulta, os adolescentes
experimentam importantes mudanças biológicas, cognitivas, emocionais
e sociais, buscam independência dos pais e começam a tomar decisões
sobre sua própria vida.
Esta fase da vida é um importante
momento de ganho de autonomia
e de adoção de novas práticas e
comportamentos; também é um
momento de exposição a diversas
situações e riscos para a saúde.
Os comportamentos de risco
em geral têm início na
adolescência e são
multidimensionais: incluem
tabagismo, consumo de bebidas
alcoólicas, consumo inadequado
de frutas e vegetais, inatividade
física e inabilidade de manter um
peso corporal saudável.
198
UNIDADE 3 I O PAPEL DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA PROMOÇÃO DA SAÚDE
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
Particularmente neste contexto é que a Educação
Física tem uma contribuição educacional relevante para todos
os indivíduos. Ainda mais ao saber que o desenvolvimento e
estabelecimento dos hábitos e comportamentos que ocorrem
durante esta fase são perpetuados por toda a vida.
Muitas das exposições aos fatores de risco
comportamentais, causas de incapacidades e sequelas e
da denição do perl de risco na idade adulta, podem ser
signicativamente reduzidos, por intermédio de políticas públicas
de prevenção e promoção da saúde desenvolvidas para crianças
e adolescentes.
Assim, a população jovem é um grupo prioritário
para promoção da saúde em todo o mundo. Informações
conáveis que permitam conhecer a magnitude dos fatores
de risco e proteção à saúde, orientar intervenções em saúde
adequadas ao adolescente e avaliar o impacto das mesmas
são fundamentais.
Com uma variedade de objetivos, de curto e longo
prazo, a Educação Física precisa estabelecer prioridades para
cada faixa etária, ou série, e situação especíca para cada
período ou situação de vida, principalmente, aquelas que mais
necessitam.
A disciplina Educação Física deve ainda assegurar a
continuidade e progressão da educação para aptidão física,
saúde e qualidade de vida.
E com que objetivo a Educação Física deve fazer isso?
Bem, o propósito é ensinar sobre os conceitos básicos
da relação entre atividade física, aptidão física e saúde, levando
os indivíduos a se tornarem independentes nestes assuntos e
propensos a escolherem estilos de vida mais ativos, discutindo
objetivos, conteúdos e estratégias para implementar a ideia de
“educar para atividade física, saúde e qualidade de vida”.
Para pensar melhor
sobre o assunto,
procure na literatura
cientíca e na internet
quais são as
populações mais
vulneráveis ao
sedentarismo.
199
UNIDADE 3 I O PAPEL DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA PROMOÇÃO DA SAÚDE
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
Mas devemos nos lembrar do contexto educacional mais
amplo, incluindo a Educação Física com sua característica
multidisciplinar, em que o homem, cada vez mais, deixa de
ser percebido como um ser essencialmente biológico para
ser concebido sob uma visão mais abrangente, na qual se
consideram os processos sociais, históricos e culturais.
Faz pouco sentido centrar a ideia de saúde na dimensão
estritamente orgânica, física ou biológica. Saúde não é um
conceito universal, ao contrário, varia conforme as diferentes
condições sociais. Ela se refere a um processo, o qual resulta
das possibilidades sociais, culturais, econômicas, políticas, por
exemplo, acesso ao trabalho, aos serviços de saúde, à moradia,
à alimentação, ao lazer.
Assim, resumidamente, a disciplina de Educação Física
pode ser dividida em duas partes: 1) a saúde sob a perspectiva
das ciências biológicas, e 2) a saúde como constructo social,
histórico e cultural, considerando o universo social no qual está
inserida.
3.4 O Papel do Prossional de Educação Física no
Contexto Atual
Há uma relação bastante estreita entre as doenças e as
novas necessidades introduzidas pela sociedade industrial. A
dinâmica deste universo faz emergir novas questões e demandas
tais como: o discurso ecológico; a disseminação das perturbações
mentais; as diculdades de acesso aos bens e serviços; os
problemas de comunicação; o aumento da competitividade...
Falar sobre a saúde no contexto atual signica perguntar sobre quem tem
acesso a ela. Sua promoção está vinculada ao desenvolvimento econômico
e à distribuição de renda. A incidência de doenças varia segundo a classe
social, o grupo étnico, o universo urbano e rural, a constituição da família, o
desempenho dos diferentes papéis sociais, os processos de socialização,
a violência, as condições de trabalho.
Pare um minutinho
e pense: quais as
outras disciplinas
curriculares podem
ser articuladas à
educação física
para promover
saúde e qualidade
de vida no
ambiente escolar?
Você saberia
citar exemplos
especícos de
algumas ações
interdisciplinares?
200
UNIDADE 3 I O PAPEL DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA PROMOÇÃO DA SAÚDE
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
Essas são questões que direta ou indiretamente relacionam-se
ao mundo da saúde.
A sociedade capitalista moderna enfatiza o consumo, a
competitividade e o individualismo. Conceber a saúde de um
ponto de vista isolado das relações de poder signica incorrer
em uma leitura ingênua do mundo social. Devemos ter a
preocupação de resgatar e articular as dimensões sociais,
pessoais e físicas.
Hoje, vemos na televisão e lemos nos jornais e nas
revistas uma verdadeira veneração ao corpo esculpido, belo e
sedutor. Este padrão corporal é produzido e difundido pelos
veículos de comunicação. Valoriza-se a aparência, a sedução,
o fascínio.
A promoção da saúde corresponde a um processo que permite às pessoas
adquirir maior controle sobre sua própria saúde e, ao mesmo tempo,
procurar melhorá-la. A saúde vista como a magnitude em que, por um
lado, um indivíduo ou grupo pode realizar suas aspirações e satisfazer
suas necessidades e, por outro, mudar seu entorno ou enfrentá-lo deve
ser o objetivo de todos os prossionais da área de saúde, incluindo os
prossionais de educação física.
Atualmente a existência humana
não mais é incorporada num
universo signicativo, mas resulta
numa atitude instrumental
reforçada e interiorizada por
um sistema social fundado na
funcionalidade, na ecácia, na
produtividade e no lucro.
Pense sobre isso... Na sociedade
de consumo atual, em que o papel
desempenhado pelos meios de
comunicação de massa é da maior
importância, como se coloca o
problema da saúde dos indivíduos?
A imagem corporal
resulta tanto da
experiência motora,
quanto, e talvez,
sobretudo, da
sensibilidade sexual
motivada pelos
desejos, prazeres e
sonhos.
201
UNIDADE 3 I O PAPEL DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA PROMOÇÃO DA SAÚDE
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
Assim, seja como objeto, mercadoria ou força de trabalho,
o corpo é moldado e aperfeiçoado, tornado apto à produção,
domesticado para favorecer o aumento da produtividade. E as
estratégias de valorização excessiva do corpo, com o surgimento
de novos produtos e de novas necessidades, tornam-no, cada
vez mais, um produto privilegiado da lógica industrial.
Vamos pensar sobre as ginásticas nos locais de trabalho
(ginástica laboral), que sempre foram acompanhadas do discurso
da saúde...
Pensemos agora na formação prossional voltada para a
iniciativa privada, onde proliferam as academias, os hotéis, os
clubes, os “personal trainners”...
Será que elas não visam, principalmente, ao aumento da produtividade?
Será que os prossionais que atuam nestes segmentos não estão
reproduzindo a política voltada para o consumo e para os interesses
das indústrias de cosméticos, de equipamentos, de beleza e de lazer?
202
UNIDADE 3 I O PAPEL DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA PROMOÇÃO DA SAÚDE
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
Embora os discursos empregados utilizem a saúde como
aspecto legitimador, a utilização das diferentes técnicas de
treinamento físico tem uma preocupação maior com a estética
corporal.
Cabe questionar... se estas estratégias se desenvolvem
para melhorar a qualidade da Educação Física ou se constituem,
apenas, em estratégias de mercado.
Basta um breve olhar nas dimensões assumidas pelo
mercado do corpo, sob a forma de revistas, cirurgias plásticas,
programas televisivos, etc.
O moderno e bem informado prossional de Educação
Física deve objetivar a promoção de atividades físicas,
privilegiando os determinantes de ordem biopsicossociais,
comportamentais e ambientais, contribuindo como um dos
meios para que as pessoas quem mais próximas ao polo
positivo da saúde. Agora, precisamos reetir sobre muitos pontos
importantes:
É claro que cumpre à escola e à aula de Educação Física
um papel importante neste esforço. Neste sentido, a perspectiva
pedagógica da educação para a saúde identica-se com os
interesses da saúde pública quanto à necessidade de promover
Você já percebeu
tudo isso? Já se
questionou,
anteriormente, sobre
o seu papel
transformador como
prossional de
Educação Física?
A saúde é uma preocupação da aula de
Educação Física. Mas como formular
na aula de Educação Física os
objetivos referentes à promoção da
saúde? Isto é, como enquadrar os
objetivos da saúde num quadro mais
vasto de formulação de objetivos
pedagógicos?
Dentro das limitações de tempo de
uma aula de Educação Física, como
programar uma atuação que forneça a
quantidade adequada de atividade
física necessária para se
processarem os benefícios à saúde de
crianças e jovens?
Justica-se denir estrategicamente a
aula de Educação Física como um espaço
da intervenção relativa à saúde, em
detrimento de outros aspectos
igualmente importantes, como o são a
formação e desenvolvimento motor e
corporal de crianças e jovens?
203
UNIDADE 3 I O PAPEL DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA PROMOÇÃO DA SAÚDE
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
a atividade física, de forma a que a prática regular, com estímulos
adequados, possa ser mantida ao longo da vida.
A escola é um local de denição e desenvolvimento de
estratégias de promoção da atividade física e de educação para
saúde e, neste contexto, a aula de Educação Física assume
papel privilegiado.
Para muitas crianças, a escola se constitui na única
oportunidade de acesso às práticas de atividades físicas.
Principalmente para as crianças de classes sociais mais baixas,
a escola, muitas vezes, se congura como a referência cultural
mais signicativa de suas vidas.
O aumento do tempo destinado à atividade física deverá
ser conseguido, também, à custa do tempo consagrado à
atividade regular fora da aula de Educação Física. Isto é, nas
atividades extracurriculares e nas atividades comunitárias.
Além da frequência da prática e da sua duração, outro
aspecto que necessita ser conhecido e controlado é a intensidade
ideal da atividade física necessária para provocar a associação
entre dose e resposta em relação aos benefícios à saúde.
Como consumidores, temos a percepção dos benefícios
em termos de resultados nais. Estes valores podem constituir um
grande obstáculo para adquirir um compromisso com a atividade
física ao longo da vida. Como professores de Educação Física,
devemos encontrar valores orientados para o processo. Ou seja,
enfatizar que os benefícios da atividade física não são objetivos
nais a serem alcançados, mas sim direções de viagem nas
quais devemos sempre nos mover.
Já vimos esta
informação antes.
Então, vamos
relembrar: qual é
mesmo a
recomendação
mínima de
atividade
física para
promover
a saúde em
crianças e
adolescentes?
O prossional da Educação Física é qualicado para ajudar as pessoas a
se tornarem sicamente mais ativas, realizar prescrições individualizadas
de atividade física e otimizar a infraestrutura e o meio ambiente, de forma
a permitir a adoção e manutenção de ações individuais, comunitárias,
regionais, nacionais e globais que resultem na redução da inatividade física
e da morbimortalidade associada a este comportamento.
204
UNIDADE 3 I O PAPEL DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA PROMOÇÃO DA SAÚDE
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
A adoção de estilo de vida ativo sicamente irá
proporcionar mudança de comportamento dos indivíduos. Além
disso, poderíamos proporcionar modicações no meio ambiente,
mediante a criação de espaços adequados para prática de
atividade física.
Finalmente, as constatações da inuência dos fatores
genéticos, não apenas nos níveis de aptidão física das pessoas,
como também no nível de atividade física habitual e participação
em exercícios, levam-nos a acreditar que os atuais estudos sobre
o genoma humano podem, também, contribuir para sedimentar
a relação atividade física e saúde.
3.5 Perspectivas e Desaos da Educação Física na
Sociedade Atual
A Educação Física nunca teve um momento tão
privilegiado como o atual. Hoje em dia somos muito valorizados
como promotores de saúde. Ganhamos até o direito de atuar
dentro do Sistema Único de Saúde (SUS) nos Núcleos de
Apoio à Saúde da Família (NASF), no Programa Saúde da
Família (PSF).
Essa foi uma grande conquista da nossa prossão
e um passo fundamental para resgatar o entendimento
ampliado de saúde e criar um ambiente multiprossional de
corresponsabilidade quanto à promoção, proteção e recuperação
da saúde, e prevenção e controle das DCNT.
Também temos grandes oportunidades de atuar na
formação de talentos esportivos e na administração de grandes
eventos como a Copa do Mundo em 2014 e dos Jogos Olímpicos
em 2016.
A seleção e o treinamento de novos talentos esportivos
passarão pelo ambiente escolar, pois é lá que se encontram a
maioria de nossas crianças. Mas os professores de Educação
Física escolar deverão estar atentos a estes jovens talentos,
Este modelo prioriza
ações de melhoria da
qualidade e do
acesso aos serviços
prestados no SUS e
da qualidade de vida
dos sujeitos e
coletivos, estando
em consonância com
os objetivos
propostos pelas
políticas nacionais
em saúde.
205
UNIDADE 3 I O PAPEL DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA PROMOÇÃO DA SAÚDE
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
sem deixar de lado o caráter inclusivo e formativo das aulas de
Educação Física.
O prossional da Educação Física poderá auxiliar no
entendimento e na disseminação de informação e educação
sobre o impacto da atividade física na agenda de prioridades
nacionais, tanto para os outros prossionais de saúde quanto
para a população, otimizando a capacidade técnica para realizar
treinamentos, recomendações e disseminação de exemplos
bem sucedidos que capacitem as pessoas a viverem de maneira
mais ativa e saudável.
Poderá ainda ampliar, diversicar e sistematizar a
realização de atividades físicas de forma contínua nos PSF,
adaptando-as à cultura e à população local. Deverá buscar a visão
de promoção da saúde que abarque todas as possibilidades,
potencialidades e complexidades de uma ação multidisciplinar.
Também deverá propor uma estratégia ampla e efetiva para a
melhoria da saúde na população, que possibilite responder às
necessidades sociais em saúde no Brasil.
Entretanto, podemos perceber que todas estas
possibilidades de atuação trazem consigo enormes
responsabilidades e desaos. O prossional de Educação Física,
além de bem formado nos conhecimentos cientícos, deve estar
atualizado e informado sobre o contexto social em que a prática
da atividade física irá ocorrer.
Mas, qualquer que seja nosso campo de atuação, a
incorporação do estilo de vida ativo na maioria da população
será sempre um dos nossos objetivos. E, ao pensar em promover
estilos de vida mais ativos para a população, devemos considerar
todos os fatores que contribuem para que os indivíduos adotem
suas escolhas de ser ou não ser ativos sicamente.
Agora, observe a Tabela 1, a seguir. Veja quantos fatores
inuenciam a “escolha” de se praticar ou não uma atividade
física. Identique os que mais estão relacionados à realidade de
seus alunos.
206
UNIDADE 3 I O PAPEL DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA PROMOÇÃO DA SAÚDE
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
Tabela 1 Modelo Ecológico de Inuências na atividade física (adaptado de SALLIS e OWEN, 1997).
Hora de praticar
Com base no que você estudou nesta Unidade 3, responda todas as questões
abaixo, de modo completo e objetivo. Envie suas respostas ao fórum de discussão
Hora de praticar 3.
1. Como incluir na sua aula de Educação Física os objetivos referentes à promoção
da saúde?
2. Como denir estrategicamente a aula de Educação Física como um espaço
promotor da saúde, sem excluir outros aspectos igualmente importantes como a
formação e desenvolvimento motor e corporal de crianças e jovens?
3. Como, dentro das limitações de tempo de uma aula de Educação Física,
programar uma atuação que forneça a quantidade adequada de atividade física
necessária para se processarem os benefícios à saúde de crianças e jovens?
“GESTÃO MÓBILE” - MODELO ECOLÓGICO
INTRAPESSOAL
AMBIENTE SOCIAL
AMBIENTE FÍSICO
Demográco
Cognitivo
Afetivo
Clima Social
Biológico
Cultura
Ambiente
Natural
Ambiente
Construído
Biológico
Comportamental
Política
de
Investimentos
Comportamento
de
Suporte
Política
de
Incentivos
Geograca
Informação
Temperatura
Entreterimento
Arquitetura
Recreação
Transporte
Urbano
\Suburbano
207
UNIDADE 3 I O PAPEL DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA PROMOÇÃO DA SAÚDE
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
Hora de praticar
4. Cite no mínimo 3 exemplos de: a) disciplinas curriculares que podem ser
articuladas à Educação Física para promover saúde e qualidade de vida; e b)
exemplos especícos de ações interdisciplinares no ambiente escolar.
5. Na sua experiência prossional, quais são as populações (alunos) mais
vulneráveis a carem excluídos das práticas de atividade física?
6. Qual a mensagem disseminada pelos meios de comunicação de massa (TV,
rádio, jornais e revistas) sobre atividade física e saúde?
7. Se você fosse consultado pelo diretor da escola sobre a iniciativa de promover
a ginástica laboral (para os outros professores e funcionários), qual seria sua
opinião. Por quê?
8. Identique, na Tabela 1, os fatores que mais estão relacionados à realidade
de seus alunos, os quais dicultam realizar escolhas saudáveis de vida. O que
poderia ser feito, partindo do contexto escolar, para diminuir estas barreiras à
saúde e à qualidade de vida?
Concluímos a Unidade
3, na qual vimos que os
fatores de risco e as DCNT
podem ser prevenidos pela
modicação dos condicionantes e
determinantes do processo de adoecimento,
principalmente por intermédio da promoção,
informação e educação em saúde com ênfase
nos estilos de vida e hábitos saudáveis.
A adoção de hábitos saudáveis e a
manutenção da saúde não é apenas uma
escolha individual. A produção da saúde ou
da doença é indissociável da forma como a
sociedade está organizada e de seus valores.
A Educação Física escolar é uma
das principais disciplinas responsáveis
porestudar e buscar a integração corpo,
mente e sociedade, objetivando a
promoção da saúde em seu contexto mais
amplo, agindo como elemento formador e
transformador do aluno e da sociedade para
a obtenção de saúde e qualidade de vida.
Como o sedentarismo é um dos
grandes problemas modernos e o baixo
nível de atividade física é fator decisivo no
desenvolvimento de DCNT, precisamos
desenvolver iniciativas que promovam
mudanças sustentáveis no estilo de vida,
208
UNIDADE 3 I O PAPEL DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA PROMOÇÃO DA SAÚDE
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
levando os indivíduos a
incorporar a prática da
atividade física ao seu
cotidiano.
A Educação Física deve relacionar
o movimento humano com outras áreas
da educação, problematizando temas
da cultura corporal de forma a introduzir
e integrar o aluno na cultura corporal de
movimento, formando o cidadão que vai
produzi-la, reproduzi-la e transformá-la,
instrumentalizando-o para usufruir do
jogo, do esporte, das atividades rítmicas e
dança, das ginásticas e práticas de aptidão
física, em benefício da qualidade da vida.
A saúde é um dos componentes
fundamentais para se ter qualidade de
vida. A Educação Física é a prossão que
tem a maior responsabilidade de prestar
serviços relacionados à atividade física,
ao desenvolvimento motor e humano, e à
aptidão física para o bem-estar e a saúde.
O conceito ampliado de saúde
propõe quatro componentes que
interagem entre si e que são identicados
nas causas e fatores básicos de
morbidade e de mortalidade: 1) a biologia
humana (incluindo a psicologia), 2) o
meio ambiente, 3) o estilo de vida e 4) a
organização da atenção à saúde.
A infância e a adolescência são
períodos extremamente críticos para
a saúde, pois os comportamentos de
risco em geral têm início nestas fases e
incluem: tabagismo, consumo de bebidas
alcoólicas, consumo inadequado de frutas
e vegetais, inatividade física e inabilidade
de manter um peso corporal saudável.
A disciplina de Educação Física
pode ser dividida em duas partes: 1) a
saúde sob a perspectiva das ciências
biológicas, e 2) a saúde como constructo
social, histórico e cultural, considerando o
universo social no qual está inserida.
A promoção da saúde corresponde
a um processo que permite às pessoas
adquirir maior controle sobre sua própria
saúde e, ao mesmo tempo, procurar
melhorá-la. A saúde vista como a magnitude
em que um indivíduo ou grupo podem,
por um lado, realizar suas aspirações e
satisfazer suas necessidades e, por outro,
mudar seu entorno ou enfrentá-lo deve
ser o objetivo de todos os prossionais da
área de saúde, inclusive os prossionais
de educação física.
O moderno e bem informado
prossional de Educação Física deve
objetivar a promoção de atividades
físicas, privilegiando os determinantes de
ordem biopsicossocial, comportamental e
ambiental, contribuindo como um dos meios
para que as pessoas quem mais próximas
ao polo positivo da saúde.
A escola é um local de denição
e desenvolvimento de estratégias de
promoção da atividade física e de
educação para saúde e, neste contexto,
a aula de educação física assume papel
privilegiado.
209
Glossário
Autonomia. O conceito de Autonomia
adquire especicidade no contexto
de cada teoria. Duas condições são
essenciais à autonomia: liberdade
(independência do controle de
inuências) e ação (capacidade de ação
intencional).
Empoderamento. Signica em geral
a ação coletiva desenvolvida pelos
indivíduos quando participam de espaços
privilegiados de decisões, de consciência
social dos direitos sociais.
Equidade. Consiste na adaptação da
regra existente à situação concreta,
observando-se os critérios de justiça e
igualdade. Pode-se dizer, então, que
a equidade adapta a regra a um caso
especíco, a m de deixá-la mais justa.
Estudos de coorte prospectivo.
Observam indivíduos que foram
classicados ou selecionados segundo a
exposição ao fator estudado (formando
uma coorte exposto e não exposto), e
que são acompanhados no decorrer de
um período para avaliar a incidência da
doença.
Estudos experimentais. Aqueles com
intervenção do cientista. Podem ser
randomizados quando a seleção dos
participantes para cada grupo ocorre
de forma aleatória (ex.: o grupo que
vai receber tratamento e o que não vai
receber tratamento são denidos por
sorteio).
Estudos observacionais. Aqueles em
que não há intervenção do cientista,
ele apenas observa e registra o que
ocorre naturalmente.
Fator de risco à saúde. São condições
que predispõem uma pessoa a maior
risco de desenvolver doenças.
Morbidade. Em epidemiologia,
morbidade ou morbilidade é a taxa de
portadores de determinada doença em
relação à população total estudada, em
determinado local e em determinado
momento.
Mortalidade. Número de óbitos em
relação ao número de habitantes.
Analisam-se os óbitos de determinadas
doenças com objetivo de estabelecer
a prevenção e controle de doenças
enquanto ação de saúde pública
mediante registro sistemático das
Declarações de Óbito.
210
CARVALHO, T.; Nóbrega et al. Posição ocial da Sociedade Brasileira de Medicina do
Esporte: atividade física e saúde. 1996. Disponível em http://www.saude.rio.rj.gov.br/
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Referências Bibliográficas
PEDAGOGIA
DA DANÇA
ESCOLAR
UNIDADE 1
215
O Corpo
TODO
Sente e Dança
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
Profª Márcia Duarte
Doutora e Mestre em Artes Cênicas pela Universidade Federal
da Bahia (UFBA). Licenciada em Ed. Física pela Universidade de
Brasilia (UnB).
Muito prazer!
Sou Márcia Duarte, natural do Rio de Janeiro, artista-pesquisadora radicada em
Brasília desde 1980.
Atuo como professora no Departamento de Artes Cênicas da Universidade de Brasília
há mais de vinte anos, ministrando disciplinas da área de técnicas corporais – Corpo e
Movimento; Movimento e Linguagem; Expressão corporal e orientando a pesquisa e criação
de Projetos de Diplomação em Bacharelado em Interpretação Teatral. Também coordeno o
projeto de extensão MOVER – Laboratório de Poéticas do Movimento – no qual desenvolvo
processos experimentais que resultam na criação de espetáculos e alimentam a reexão e
reformulação de metodologias pedagógicas aplicadas na prática docente.
Nesse percurso de trinta anos de trajetória artística marcada pelo esforço constante
em trilhar caminhos próprios de criação, no âmbito da investigação em linguagem de
movimento e dança contemporânea, acumulei experiências de intérprete, coreógrafa, diretora
e encenadora. Os processos de criação que dirigi foram sempre partilhados com intérpretes-
criadores e colaboradores nos campos da música, cenograa, gurinos e luzes.
Gosto das parcerias e para a criação desta disciplina busquei a contribuição de três
outros pesquisadores e artistas:
Márcia Almeida, Professora Doutora do Instituto Federal de Educação Ciência e
Tecnologia de Brasília;
Fabiana Marroni, professora Mestre do Departamento de Artes Cênicas do Instituto
de Artes da UnB, e
Diego Pizarro, Mestrando em Artes pela Universidade de Brasília e também professor
do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Brasília.
216
Apresentação da Disciplina
Caro(a) aluno(a),
Trago aqui uma proposta pedagógica para a prática de ensino da dança
compreendida como uma linguagem artística por meio da qual o ser humano
expressa sua percepção do mundo contemporâneo.
A elaboração da disciplina não foi pautada sobre a prática de estilos de dança
ou ritmos especícos por meio dos quais a dança se desenvolveu em suas diferentes
manifestações, seja no âmbito das danças regionais populares ou a da dança cênica.
Neste sentido, mais do que oferecer conteúdos técnicos para subsidiar a prática
do ensino da dança, eu proponho uma pedagogia que liberta o indivíduo para a
descoberta de suas potencialidades expressivas, criativas e autônomas, buscando
romper com os modelos e padrões convencionais que prevalecem no senso comum,
e sobre os quais se assenta a compreensão do que é dança, de como se dança e,
por consequência, de como se ensina a dança.
Pensando assim, considero a dança em seu signicado primitivo como
manifestação lúdica do espírito humano, entendida como um jogo mimético
e imaginário, que abarca nossa totalidade corporal integrando os aspectos
físicos, mentais e emocionais do indivíduo.
A concepção que trago nesta disciplina encontra intersecções com disciplinas
que você já estudou, como Manifestações Rítmicas Expressivas e Jogo e Educação
Física, e procura complementar seus conteúdos.
Proponho questionamentos que pretendem despertar a compreensão do
papel do professor de Educação Física – melhor seria dizer: do educador corporal
– como condutor de processos de construção do conhecimento de potencialidades
corporais.
Para tanto, a disciplina foi organizada da seguinte forma:
Unidade 1 – O Corpo TODO Sente e Dança. Revisita os conceitos de totalidade
corporal em um contexto mais amplo que se estende à compreensão de nossa
existência, enfatizando aspectos da sensibilidade emocional que dialogam com o
meio.
217
OBJETIVOS
Após nalizar esta disciplina, esperamos que você seja capaz de:
reetir sobre o signicado da criatividade, da arte e da dança no conjunto das
manifestações humanas;
desenvolver suas próprias proposições para proporcionar aos seus alunos uma
experiência sensível de movimento e de descoberta da dança, a partir dos
princípios lúdicos do jogo.
Unidade 2 – Quando a Dança é Jogo. Aborda o signicado do jogo na expressividade
humana e como a dança pode ser compreendida como sua manifestação poética;
procura identicar os traços lúdicos que marcaram a dança ocidental em diferentes
épocas.
Unidade 3 – Do Jogo à Dança. Traz os fundamentos conceituais que nortearam
estudos sobre a aplicabilidade do jogo como estratégia metodológica para o ensino
e criação em dança, e apresenta propostas de atividades experimentais.
Para mim, é um prazer compartilhar com você conhecimentos que foram
destilados durante muitos anos de inquietação. Tenho o desejo de que esses conteúdos
descortinem caminhos criativos para a prática da educação corporal sensível por meio
do ensino da dança.
Vamos lá?
UNIDADE 1
219
O Corpo
TODO
Sente e Dança
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
Nesta primeira unidade você vai
reetir sobre como seu corpo expressa
o que sente e como a dança pode
ser compreendida como a expressão
artística dos estados da alma.
Para isso vamos retomar
a concepção de corpo como
uma totalidade trazida anteriormente e expandi-la à compreensão da natureza
emocional do movimento.
OBJETIVOS
Após nalizar esta unidade, esperamos que você seja capaz de:
expandir a noção de totalidade corporal correspondente à totalidade do cosmo do
qual somos parte integrante e coexistimos em contínuo movimento e simbiose;
retomar a compreensão de que pensamento, emoção e ação são fenômenos in-
terdependentes e imbricados um no outro expondo nossa natureza somática;
reetir sobre o signicado da dança e de como pensá-lo como expressão sensível
da totalidade do ser
reconhecer a dança nos mais simples movimentos do corpo TODO, em que pen-
samento, emoção e ação se encontram integrados.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 1 | O CORPO TODO SENTE E DANÇA
220
1.1 O Corpo TODO
Vamos abordar aqui os princípios conceituais que consti-
tuem a base da nossa reexão acerca das possibilidades
expressivas do corpo, pensando sempre em ampliar nossa
compreensão da função da linguagem do movimento e da
dança.
Essas ideias foram trazidas da leitura de obras no campo
das artes cênicas, da psicologia e da losoa, com enfoque na
noção de unidade mente-corpo, expressividade e manifestações
afetivas que vão complementar as noções já apresentadas
anteriormente na disciplina Manifestações Rítmicas e Ex-
pressivas.
A abordagem proposta nesta unidade também considera
o corpo humano numa dimensão que transcende seus limites
físicos compreendendo-o, ademais, como unidade catalisadora
da totalidade do universo e procura, dessa forma, ampliar o
entendimento da sua natureza percebendo-o em sua essência
como unidade cósmica.
Para diversos campos do conhecimento humano, o corpo
expressa uma riqueza de conteúdos, um TODO em si, “revelando
Hora de praticar
1. Reveja a Unidade 1 da disciplina Manifestações Rítmicas e Expressivas
e tente sintetizar as ideias chave e questionamentos apresentados sobre o
sentido de unidade e totalidade do corpo.
2. Agora leia esta citação de Merleau-Ponty e responda: você se lembra de
alguma situação em que percebeu estar se dando conta da sua totalidade
corporal?
[…] eu não estou diante do meu corpo, estou em meu
corpo, ou antes sou meu corpo (1996, p. 194).
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 1 | O CORPO TODO SENTE E DANÇA
221
a inteireza da existência e constituindo-se como parte integrante
de uma estrutura universal” (Merleau-Ponty, 1996, p. 209).
Dessa forma não se pode pensar o corpo, o movimento
e a dança sem considerar o que nos diz Leda Iannitelli (2000, p.
255):
O movimento é base da vida e do conhecimento,
presente e determinante em todas as
dimensões da existência universal – no mundo
micro das partículas subatômicas, no mundo
macro dos astros e das galáxias, no interior de
nossas vísceras, pensamentos e células e na
nossa relação com o mundo
Essa ideia está em sintonia com diferentes visões de
unidade existencial propostas por estudos de psicologia e lo-
soa. Com a exploração do micromundo pela física quântica, o
universo e a realidade passam a ser entendidos como um TODO
contínuo, envolvidos num inacabável processo de mudança.
À imagem de um fractal, no qual cada fragmento reproduz o
TODO, também a matéria, a vida e a consciência fazem parte de
um TODO indivisível:
A ciência dos fractais apresenta estruturas geométricas de grande complexidade e
beleza innita, ligadas às formas da natureza, ao desenvolvimento da vida e à própria
compreensão do universo. São imagens de objetos que possuem o caráter de onipresença
por terem as características do todo innitamente multiplicadas dentro de cada parte.
Veja como a estrutura da planta se repete dentro de cada parte dela mesma:
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 1 | O CORPO TODO SENTE E DANÇA
222
Como seres humanos […] cada um de nós é
também um microcosmo que reete e contém
o macrocosmo […] tendo o potencial para
obter acesso experimental para cada aspecto
do universo (GROFF, 1992, p. 19-24).
Neste sentido o corpo também pode ser compreendido
como um macrocosmo, uma estrutura aglutinadora com cama-
das vivenciais que lhe conferem profundidade e dimensão,
tal qual um sistema ecológico, como a Terra: uma camada
de vida antiga, mas totalmente parte do presente. Sob essa
perspectiva o ser humano é percebido como um amálgama
orgânico conectado a um repertório de imagens ancestrais,
um TODO vivo que continuamente organiza e assimila tudo o
que encontramos. As expressões dessa totalidade constituem
um complexo de manifestações que nascem em nosso cosmo
interno: o pensamentos, as ideias, mas também os sentimentos,
as percepções e sensações que organizam o nosso comporta-
mento corporal.
Essa visão de completude, de integralidade, pautará
nossa reexão buscando despertar a percepção de como nossa
manifestação comportamental exterior exprime nossa interi-
oridade, que, por sua vez, é permeada pela nossa vivência no
mundo. Isto, como você já viu, corresponde à nossa existência
fenomenológica.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 1 | O CORPO TODO SENTE E DANÇA
223
1.2 Corporeidade e Meio
A presença do humano se realiza a partir da sua corpo-
reidade. Ao corpo biológico se agregam os afetos trocados com
o meio em que a pessoa está inserida. Isto quer dizer que o meio
ambiente está tão profundamente em simbiose com o corpo
biológico que interfere em sua morfologia.
O corpo não é um organismo acabado, não é apenas uma
massa composta por músculos, ossos e nervos, sobre a qual
o ambiente não pode agir. A pessoa é o resultado da afeição
entre ela e o meio. Isso a faz participante de uma determinada
sociedade, como propõe Michel Henry (2006, p.58) ao dizer
que a constituição do mundo se confunde com a apreensão do
mundo, que a pessoa é a revelação do mundo. Dessa forma, há
um trajeto que o humano percorre entre o nascimento e a morte,
por meio do qual o ego se forma.
Com isso quero dizer que existe uma espécie de comu-
nhão ou acordo entre o humano e o meio ambiente, mas estes
não se fundem como acontece com o corpo e ego.
A pessoa se compõe de todas as suas experiências vivi-
das. Considero que a pessoa se forma por coisas que se ajuntam
à carne no percurso de vida, como propõe Maine de Biran e não
como o corpo dual sugerido por Platão: de um lado um ser que
pensa e de outro um que age, propondo o entendimento do corpo
como um peso para o espírito.
O ego e a sicalidade compõem a pessoa, quer dizer,
a pessoa é composta pelo conjunto do corpo funcional e seus
afetos. Nesta proposta não existe distinção entre corpo e ego. A
expressão corporal pertence à própria pessoa. Não há nada que
se interpõe entre os movimentos do corpo e do ego. Isto signica
Isto quer dizer que o ego não se localiza nem na exterioridade ou interio-
ridade corporal: o ego é o próprio corpo.
Ego - É um termo
empregado na
losoa e na
psicologia para
designar a pes-
soa humana
como consciente
de si e objeto
do pensamento.
Aqui é usado no
senso losóco,
proposto por
Maine De Biran,
que é a agregação
da experiência
de vida ao corpo
formando a
corporeidade.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 1 | O CORPO TODO SENTE E DANÇA
224
que o corpo não é um instrumento da expressão do ego, os
movimentos não estão a serviço de alguma coisa que não seja
sua própria expressão. Não existe intermediário entre o ego e
a ação, o corpo não é um intérprete da alma, seus movimentos
são provocados pelo corpo, ele mesmo.
Pensar na possibilidade de um corpo instrumento me
remete sempre à imagem de utensílios, como uma faca, ou
mesmo um instrumento musical, um violoncelo, sem o qual o
musicista não pode emitir vibrações sonoras e se exprimir atra-
vés do som deste instrumento. Neste caso, o musicista não existe
sem o seu instrumento e o violoncelo é o instrumento mudo.
Os corpos-instrumentos seriam como marionetes. Seria
preciso alguém para acionar e controlar uma sequência de mo-
vimentos, pois que o corpo-marionete não teria jamais autono-
mia de ação corporal. Eu considero que o corpo que pensa é o
mesmo que determina as ações. Não existe intervalo
entre pensamento e ação. A pessoa pensa e age; o
que eu penso é intrínseco ao que sou.
Assim, a pessoa está presente no mundo
e conhece este mundo por seus movimentos. Ela
se afeiçoa ao mundo que lhe transforma e em
consequência a pessoa transforma seu meio. Ocorrem
ligações afetivas que se tecem entre o mundo e a
pessoa, pois a pessoa participa intimamente de seu
meio ambiente.
Existem componentes que estão além do conjunto ana-
tômico. Estes elementos sutis e imensuráveis se somam à carne,
se ajuntam aos poucos ao longo do percurso da vida da pessoa
diferenciando-a das demais. Isto nos faz pessoas únicas mesmo
apresentando semelhanças.
O corpo nunca será um instrumento de expressão do dançarino porque ele
é o corpo. Eu não sou objeto de expressão de mim mesma: me expresso
simplesmente.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 1 | O CORPO TODO SENTE E DANÇA
225
A pessoa apreende o meio ambiente por intermédio dos
sentidos que agem simultaneamente. As sensações visuais,
olfativas, auditivas, táteis e do equilíbrio colocam a pessoa em
contato com o espaço. Cada sentido tem uma especialização:
quando alguém sente um perfume é o olfato que age. Mas ele
não age só, os sentidos formam uma unidade, ainda que cons-
tituam sistemas distintos de percepção. A sensibilidade corporal
coloca a pessoa em contato com o ambiente. A pele marca a
fronteira entre a carne e o meio, e a porosidade da pele permite
as trocas além do limite cutâneo.
As pessoas estão em contato com a luz da lua, do sol,
com o frio, a montanha, o mar, as pessoas que estão
ao redor, as paisagens arquiteturais. Enm, estão em
contato direto com o meio ao qual estão inseridas e,
consequentemente, estes espaços serão familiares aos
que neles habitam. É por meio da corporeidade que as
pessoas apreendem o espaço. As qualidades do meio
ambiente afetam o corpo e proporcionam o conhecimento
sensível, impreciso, subjetivo da realidade.
Segundo Dewey (2005) a experiência é o resultado,
o sinal e a recompensa da interseção entre o organismo e
o meio ambiente que se transformam por meio da interação. Eu
toco o mundo através do conjunto de sentidos e a recíproca é
verdadeira. Da mesma maneira a pessoa registra em seu corpo
as experiências que modelam a forma e seu comportamento no
mundo.
Considerando as reflexões expostas por Márcia Almeida e, tendo
em conta que o corpo está em constante movimento, que respira,
pensa, sonha, intui, age, soma vidas, experiência, cria, contém
e está contido no mundo, torna-se valioso compreender como
nesta relação indissociável entre mente e fisicalidade, as emoções
o habitam, ou em outras palavras, como o corpo
TODO
sente.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 1 | O CORPO TODO SENTE E DANÇA
226
1.3 O Corpo Emocional
As emoções ainda representam um dos mistérios mais
profundos da natureza humana. Caminhos diversos têm sido
percorridos pela Psicologia, Filosoa, artes e as neurociências
no sentido de conhecer os segredos do corpo e do espírito,
tendo em conta que o que se passa num deles exprime-se no
outro.
Você já se deu conta que, observando a ocorrência de
certas condutas diante de determinadas situações, é
possível perceber como palavras, emoções, pensamentos e
gestos musculares estão conectados, expondo a natureza
emocional do comportamento?
Ainda prevalece no senso comum que as paixões podem
comandar nossas ações, ou vice-versa, numa relação pela qual
uma delas, ativa, é imaginada com o poder de mando sobre a
outra, passiva ou subordinada.
Alguns pensadores e estudiosos, contrariamente, não
admitem reversibilidade nem hierarquia na relação mente
e sicalidade. Para Espinosa, por exemplo, “somos, assim,
passivos de corpo e alma ou ativos de corpo e alma” (apud
CHAUÍ,1987, p.50), e a passividade ou atividade ocorrem
quando sucumbimos ou não a forças externas.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 1 | O CORPO TODO SENTE E DANÇA
227
Buscando expressão, o sentimento torna-se forma. Forma
e sentimento são, desse modo, um continuum da experiência
interna à expressão externa, constituindo a natureza da vida
emocional. Assim, também na dança o movimento poético
encontra raízes fundas nos afetos, aora à percepção consciente
e manifesta-se na ação.
Para a psicologia as sensações orgânicas internas, bem
como posturas corporais, atitudes e gestos compreendem o
conjunto que constitui nossa imagem somática e mostram não
apenas como a pessoa é, mas também quem ela é.
No contexto da expressão artística e, especialmente das
artes da cena, Antonin Artaud (1896-1948), talvez inuenciado
pelos estudos psicanalíticos emergentes em sua época, procu-
rando expressar essa compreensão da unidade corporal, traz
em suas reexões uma ideia semelhante:
É preciso admitir, no ator, uma espécie de muscula-
tura afetiva que corresponde a localizações físicas
dos sentimentos (1999, p.151).
Com essa armação, Artaud expõe sua concepção de um
atletismo da alma, no qual os movimentos das paixões têm bases
orgânicas análogas aos movimentos atléticos e cada emoção
tem no corpo seu lugar de apoio e sustentação.
Considero essa uma premissa fundamental para o trabalho do educador
corporal, pois estimular em seus alunos essa autonomia ativa é oportu-
nizar uma verdadeira experiência de expressão e criação, libertando o
corpo e o movimento das amarras impostas pelos modelos e padrões,
conduzindo-os à descoberta dessa totalidade existencial e do autoconhe-
cimento.
Sob essa perspectiva, compreende-se que os sentimentos – de “raiva,
fúria, terror, prazer, alegria – todos têm uma forma muscular e visceral
denida”, e se manifestam segundo um comportamento expresso na ação,
no movimento”. (KELEMAN, 1987, p. 51)
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 1 | O CORPO TODO SENTE E DANÇA
228
Artaud vai além, entretanto, ao estudar diferentes estados
da respiração humana, empregados em um sistema que serve
à expressão de distintas reivindicações da alma. Ele se propõe
a investigar como a respiração se relaciona com o movimento
do espírito, por acreditar que é possível penetrar no sentimento
pela respiração, uma vez que esta o acompanha.
De forma análoga, o autor busca estudar – no corpo –
pontos de irradiação da emoção. Em suas palavras:
[...] todo sentimento feminino que cala fundo, o so-
luço, a desolação, a respiração espasmódica, o
transe, é na altura dos rins que ele realiza seu vazio
[…] o ponto da raiva, do ataque da mordacidade é o
centro do plexo solar. […] O ponto do heroísmo e do
sublime é também o da culpa. É onde batemos no
peito (ARTAUD, 1999, pp. 158-159).
Contrário, portanto, a ideia da razão ser preponderante
sobre o espírito, o corpo é, para Artaud (1999), o receptáculo das
paixões que nele se materializam. Sob este ângulo, compreende-
se o desejo do artista de transtornar-se, transformar-se, corporicar
o elemento etéreo de sua alma na própria carne, imantando-se
de inexplicável e “mágica” energia para contagiar o espectador,
revelando o contido, o conteúdo, o avesso de si na criação.
Assim, ao corpo físico corresponde um corpo afetivo, e o ator – por meio
do conhecimento físico – pode aumentar a densidade e o volume de seu
sentimento.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 1 | O CORPO TODO SENTE E DANÇA
229
Mais uma vez, aqui, cabe ao corpo revelar o que somos e
o que sentimos.
Dos estudos teatrais aos estudos cientícos parece ser
indiscutível que as emoções envolvem reações físicas. A
resposta corporal é parte integrante do processo global
da emoção, constituído essencialmente por sistemas
inconscientes e não racionais. De modo paralelo, a
experiência nas artes cênicas explora mecanismos de
ignição da emoção e da ação, partindo de estímulos que
sugerem respostas físicas – acionadoras por sua vez, da
sensibilidade emocional – ou estímulos que, ao despertarem
estados sensíveis, geram a ação.
Observe que essas informações podem contribuir signi-
cativamente para a nossa reexão sobre as possibilidades
expressivas do corpo e os processos de criação artística.
Tome-se, por exemplo, a etnocenologia, estudo que leva em
conta a complexidade das práticas espetaculares humanas: ela
considera a contribuição das neurociências na fundamentação
téorica para a compreensão das condutas humanas, da história
do gesto e, logo, do corpo.
Sob essa perspectiva, Jean-Marie Pradier (1998, p. 18)
atribui o nascimento da dança humana à interação da inteli-
gência própria da espécie e da emoção. Ele lembra que a
emoção se manifesta em uma conjuntura psicobiológica com-
plexa. Conclui, então, que a atividade corporal induz suas pró-
prias reações emocionais, sem proceder a nenhuma imitação de
estados e situações.
No esquema a seguir podemos compreender melhor
esse processo de interação dos aspectos mentais (inteligência,
cognição, imaginação), aspectos psíquicos (emoção), aspectos
somáticos (respostas orgânicas/ação física).
O domínio e a integração dessas faculdades constituem
condição essencial ao corpo expressivo e sintetiza a total dispo-
nibilidade para a criação.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 1 | O CORPO TODO SENTE E DANÇA
230
Também o pensamento de François Delsarte (1811-
1871) abriu novas perspectivas para a compreensão das
conexões sensíveis intrínsecas ao movimento. Observando a
correspondência entre comportamento e situações emocionais,
ele reconheceu a ligação entre processo interior e expressão,
desenvolvendo um sistema gestual com base em uma classi-
cação anatômica relacionada às emoções. Dividiu “o corpo
em zonas: Mental (cabeça e pescoço), emocional e espiritual
(tronco e braços) e física (bacia e pernas)” (GREBLER, 2006, p.
40), concepção precursora descartada em estudos posteriores,
tendo sido signicativa para despertar a percepção da relação
copo e mente, noção até então negligenciada.
Disso decorreu a compreensão do sentido integrado
atribuído ao corpo expressivo, que pensa, age e sente, preco-
nizado por Rudolf Von Laban (1878-1958) e sucessores.
Ao considerar essa hipótese, pode-se compreender como a organização
corporal do movimento na dança gera estados subjetivos, os quais – por
caminho inverso – modicam a organização corporal mais sutil.
Para Laban, essa integração signicava um saber sentir, fruto do trabalho do
tempo em cada indivíduo; uma sabedoria que permite perceber as anidades
entre a natureza e as coisas permanentemente em devir; compreender o
movimento corporal inseparável das emoções e lograr alcançar o êxtase na
dança, estado de consciência plena de sua existência, “no qual o dançarino
doa tudo de si e perde a consciência de sua aparência exterior” (LAUNAY,
1992, p. 70).
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 1 | O CORPO TODO SENTE E DANÇA
231
Laban considera essa a verdadeira experiência de disso-
lução de si dentro do uxo corporal, momento único deslocado
do tempo, turbilhonando o olhar de quem o encontra. Alteração
e transformação que, em meu entendimento, tornam clara a
distinção do corpo expressivo e da atitude ordinária.
Todos esses estudos mostram que as emoções representam
um tema ainda complexo ao nosso entendimento. Entretanto,
creio ser possível, nos planos existencial, artístico e educacional,
desenvolver uma percepção mais profunda da natureza afetiva do
ser humano, explorando seu potencial sensório, expressivo e motor
por meio da dança.
Estas questões parecem convergir para o entendimento
de que, a m de experimentar criativamente o movimento é
preciso aguçar a percepção e a sensibilidade do “[...] corpo em
constante comunicação com os recantos mais escondidos, se-
cretos, belos, demoníacos, líricos de nossa alma” (FERRACINI
2000, P.117). Nesse ponto de reconciliação consigo (e com o
universo), revela-se o potencial para expressão da dança.
Mas como alcançar a sensação do corpo integrado ao
seu universo interno e externo?
Como dar forma, voz e movimento às emoções?
Como mobilizar o corpo em meio a tanta subjetividade?
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 1 | O CORPO TODO SENTE E DANÇA
232
O movimento proposto faz parte de nosso vocabulário
gestual espontâneo, o qual geralmente está associado ao
bocejo (respiração) e envolve o corpo TODO que se estende
para favorecer nosso despertar.
Hora de praticar
1. Escolha um espaço no qual você possa se movimentar à vontade pelo
chão.
2. Escolha uma música lenta e suave que você goste especialmente e que
te sensibilize.
3. Deite-se de costas e procure se sentir relaxado e confortável. Experimente
respirar profundamente e buscar uma sensação de serenidade. Pense na
sua respiração e procure se espreguiçar lentamente enquanto solta o ar,
controlando o seu movimento sem precipitá-lo. Volte a inspirar retraindo o
corpo para retornar a espreguiçar sempre expirando. E assim sucessiva-
mente. Movimente-se tranquilamente retraindo-se e expandindo-se,
sempre percebendo sua respiração integrada à sua ação. Experimente
intuitivamente muitas e diferentes formas de espreguiçar, de costas, de
bruços, de lado, em torção, sem precisar pensar. Guie-se pela sensação
procurando nunca interromper seu movimento, pensando em agir
continuamente até que a música termine para concluir o exercício.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 1 | O CORPO TODO SENTE E DANÇA
233
Quando pensamos em realizá-lo com acompanhamento
musical, ou seja, fora da expressão espontânea do cotidiano,
buscando respirar não mais involuntariamente, em um ritmo
próprio ao movimento; orientados pela vontade de sentir o corpo
acomodado de uma ou outra forma, gerando sensações, e,
por consequência, envolvimento na ação, podemos dizer que
estamos dançando.
É esta compreensão de dança que nos interessa explorar:
uma linguagem pessoal que nasce no sensível e se expressa na
ação integrada do corpo que respira, move, sente, pensa e cria
suas próprias composições de movimento.
AGORA VAMOS REFLETIR SOBRE O EXERCÍCIO PRÁTICO
1. Qual foi sua sensação ao realizar o exercício? Foi gos-toso?
Foi difícil?
2. Você acha que conseguiu se sentir dançando? Se não, tente
mais uma vez. Comece a respirar e a se mover com a música
e perceber suas sensações, sem pensar em elaborar formas
em movimento, mas apenas deixar que o corpo se guie pela
vontade de espreguiçar e nalize seu exercício também com
a música.
3. Reportando-nos à primeira questão proposta no início desta
unidade, sobre a percepção de sua inteireza, sugiro que agora
você pense: seria possível para você imaginar-se um artista
imerso em suas emoções mais íntimas em busca do impulso
à expressão da totalidade da sua existência física, mental e
afetiva, para materializá-la em sua arte, dançando?
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 1 | O CORPO TODO SENTE E DANÇA
234
Nessa primeira Unidade,
vimos que a compreensão
de totalidade corporal
implica na percepção de
que somos parte do cosmo, em
constante movimento, e que o
movimento é base da vida. Neste
sentido percebemos o corpo como
um macrocosmo que abriga camadas
de vida interna acumuladas por
nossa experiência existencial em que
se conectam aspectos psíquicos e
siológicos.
Sob esta perspectiva
procuramos entender como a emoção
e as ações se permeiam de forma
dialógica em nossas manifestações
comportamentais. Sendo a dança
a linguagem artística pela qual o
corpo se manifesta pelo movimento
não poderíamos pensá-la dissociada
da compreensão dessa totalidade
que integra nossos pensamentos,
emoções e ações na busca da
expressividade. Isto nos reporta à
Unidade 1 da disciplina Manifestações
Rítmicas e Expressivas, no que
concerne às atividades que nos
demandam participação integral,
porque constroem sentido e ações
interdependentes possibilitando
vivenciarmos essa unicidade e
totalidade a qual nos referimos. Entre
essas atividades, denominadas
processos narrativos aspectuais,
estão o jogo e a arte, que, à primeira
vista têm em comum o MOVIMENTO.
Mas existe algo mais, que
reside na raiz de nossa expressi-
vidade e que aproxima as noções de
jogo e de arte, e que será o tema da
nossa segunda Unidade.
235
UNIDADE 2
Quando a Dança é Jogo
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
Nesta segunda unidade reveremos o signicado do jogo e do espírito lúdico,
apresentados na disciplina Jogo e Educação Física, identicando-os como fundamentos
da criatividade e das manifestações expressivas artísticas.
A partir de um relato panorâmico da história da dança no ocidente serão
apontadas as características lúdicas que a aproximam em sua origem do conceito de
jogo e como, ao longo do tempo, as signicativas transformações que marcaram seu
processo evolutivo comportaram aspectos diferenciados da ludicidade.
OBJETIVOS
Após nalizar esta unidade, esperamos que você seja capaz de:
compreender como o lúdico e o jogo são profundamente enraizados na essência
da natureza humana e se constituem como manifestação primitiva do espírito;
entender como por meio da imaginação opera-se na criança um processo de ade-
quação psíquica de aceitação da realidade, que no adulto evolui para o exercício
criativo;
identicar os princípios fundamentais e comuns que caracterizam o jogo e a
criação artística, especialmente o jogo e a dança;
observar como princípios lúdicos antagônicos regeram as diversas tendências
que buscaram formas singulares de expressão para a dança e o movimento ao
longo da história.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
236
2.1 O Jogo e o Lúdico na Raiz da Expressividade
Humana
No senso comum, a ideia de jogo designa as mais dife-
rentes e distintas manifestações e atividades que fazem parte de
nossa vida social. Sem dúvida, o primeiro sentido que a palavra
jogo conota é aquele do brinquedo infantil, do divertimento,
do prazer, do que nos traz satisfação e bem estar. Ademais,
a linguagem verbal utiliza-se da palavra jogo para denir as
mais diversas relações que envolvem associação, combinação,
composição e superposição, tais como “jogo de palavras”, “jogo
de ideias”, “jogo de forças”. Também se usa, com frequência,
a expressão “entrar em jogo” ou “colocar em jogo” algo ou
diversos elementos, para fazer referência aos mecanismos de
tensão entre as probabilidades de fatos e acontecimentos ou
para congurar uma situação de conito.
Vamos lembrar o que você já estudou sobre o tema:
Na disciplina Jogo e Educação Física foi abordado o
valor e signicado do lúdico na vida e na educação. Você viu
como a pulsão lúdica inerente a nossa existência nos impulsiona
para a experimentação e o aprendizado.
Também se esclareceu o signicado comum que se
atribui ao lúdico e ao jogo no que concerne ao mesmo sentido
de brincadeira, diversão e simulação que ambos comportam e,
sobretudo, como o jogo é capaz de integrar as dimensões do ser
humano num todo.
Você conheceu o estudo de Roger Caillois (1990),
pelo qual o termo jogo dene grande parte das ações que
envolvem competição, sorte e azar, experiências de êxtase e
vertigem e tudo o que diz respeito à fantasia: o mundo que o
homem habita nas ocasiões festivas, travestindo-se, disfarçando-
se, simulando, imitando, transportando-se para uma realidade
inventada para seu entretenimento e alegria, tal qual o “faz de
conta” do jogo simbólico da criança.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
237
Um dos primeiros estudos sobre esse tema foi desen-
volvido por um autor já conhecido por você, Johan Huizinga, em
Homo ludens (1993), publicado originalmente em 1938. O livro
traz uma signicativa reexão sobre a natureza lúdica da cultura.
Considerando o jogo como uma função social, o autor defende a
ideia de que ele constitui uma das principais bases por meio da
qual surgiram e desenvolveram-se as civilizações. Sua análise
dá-se sob um panorama histórico, compreendendo o jogo como
um fenômeno cultural e procurando integrar o conceito de jogo
ao de cultura.
Alguns conceitos anteriores fundavam-se na teoria da
evolução, encarando o jogo como manifestação do instinto, im-
pulso para agir ou tendência inata, a qual se relaciona a imitação
e cuja ação visa favorecer o crescimento do organismo.
Ricardo Courtney (1980, p. 37) esclarece que alguns
pensadores que buscaram propósitos evolucionistas
ofereceram uma explanação parcial do jogo, seja como
escape natural de energia excedente, como um pré-exercício
ou treinamento na infância para a posterior vida adulta ou
como meio de promover a restauração física e mental pela
recreação ou relaxamento.
Outra interpretação repousa no sentido de hereditarie-
dade pelo qual o jogo recapitula épocas culturais ancestrais.
Entretanto, segundo o mesmo autor, nenhum desses conceitos
fornece uma denição satisfatória.
Existe, subjacente a estas noções, um signicado mais profundo e arcaico
que diz respeito à concepção de jogo como princípio lúdico inato aos seres
vivos e que, no homem, pertence ao domínio do imaginário e encontra-se
na raiz de toda a sua expressividade.
Esse pensamento redimensionou as abordagens propostas pela Biologia
e pela Psicologia sobre a natureza e o signicado do jogo, entendendo-o
como atividade essencial, que ultrapassa a estreita nalidade siológica e
biológica.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
238
Partindo da premissa de que o jogo extrapola a esfera
exclusiva da atividade humana, estendendo-se às diversas
espécies animais, Huizinga (1993, p. 3) observa que, em
sua função vital e inata, nele existe algo que “transcende as
necessidades imediatas da vida e confere um sentido à ação”.
Devido à sua significação e valores expressivos, ultrapassa
os limites da realidade física e implica na presença de um
elemento não material em sua própria natureza, expresso
pela tensão, pela alegria e pelo divertimento que suscita.
Sua capacidade de fascinar, envolver e excitar constitui a
característica primordial que explicita sua totalidade e nos
coloca diante de uma categoria absolutamente primeva
da vida, enraizada em camadas profundas da experiência
humana.
Na concepção de Huizinga, no jogo, as noções de
matéria e espírito, razão e pulsão, realidade e ilusão polarizam-
se e contrapõem-se, e isso constitui sua substância. Melhor
seria dizer que, no jogo, essas noções encontram-se em tensão
constante pela permanente reversibilidade de seus princípios
antagônicos e complementares. O autor ainda acrescenta
que reconhecer a natureza impalpável, irracional e imaginária
do jogo é reconhecer, em sua essência, a manifestação do
sagrado, é reconhecer o espírito. Em sua qualidade de atividade
sagrada, ele agrega, propicia a comunhão e, mesmo quando se
dá solitariamente, transporta o jogador a um estado da alma que
o conecta com forças orgânicas vitais. Tudo ocorre em meio ao
fascínio de sua ilusão: tempo real e imaginário e espaço ctício
para fora do cotidiano, em que os sentidos escapam à função
racional, liberando impulsos do inconsciente. Há envolvimento,
imersão e deslocamento para outra dimensão do aqui e do
agora, conservando seu encanto para além da duração de
cada jogo.
É nessa dimensão que Huizinga identica o jogo como
subjacente ao mito, ao culto, ao rito, de onde se originam as forças
estruturais da vida civilizada, e essa relação primordial evidencia-se
quando o jogo é analisado em suas características fundamentais.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
239
A priori, a denição de Huizinga oferece uma reexão que
abre vias fecundas para a pesquisa e traz à luz a compreensão da
natureza do jogo, que anima todas as manifestações essenciais
de qualquer cultura. A partir dessa noção, o autor discorre sobre
suas relações com as instituições jurídicas, a guerra, a ciência, a
losoa e, no tocante à área de interesse dessa disciplina, com
a arte.
Para Huizinga, o jogo é denido pelos seguintes aspectos
fundamentais:
O jogo é livre porque é voluntário: uma vez imposto, deixa
de ser jogo.
Em seguida, o autor observa que o jogo é desinteressado,
não tem função de satisfação imediata de necessidades materiais,
situando-se num plano superior aos processos biológicos de
alimentação, reprodução e autopreservação, respondendo à única
nalidade de sua própria realização.
É, também, delimitado ou circunscrito em limites tempo-
rais e espaciais, distinguindo-se da vida comum pela duração e
espaço que ocupa. Joga-se até chegar a um m e no interior de um
campo determinado de forma material ou imaginária, deliberada ou
espontânea.
Finalmente, o jogo é regulamentado, instaura uma ordem
própria, especíca e absoluta, denida por suas regras, e gera
tensão pela incerteza e o acaso que lhe é implícito.
liberdade incerteza regulamentação
delimitação cção desinteresse
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
240
Ademais, suscita relações grupais que ora se revestem
de um caráter excepcional, ora acentuam sua diferença e es-
tranheza em relação ao mundo habitual, pelo uso de disfarces e
outros meios semelhantes à simulação ou representação de um
“outro”, o que corresponde à mimese ou imitação.
Vale lembrar que na disciplina Jogo e Educação Física
você viu que a criança, por meio da brincadeira, expressa a si
própria, seu mundo interior e pelo exercício imaginário transforma
coisas e objetos em brinquedos fantasiosos. Neste sentido é
esclarecedora a proposição psicanalítica do “faz de conta” infantil
ou jogo imaginativo e imitativo espontâneo, também denominado
de jogo simbólico.
Seja no homem primitivo ou na criança, o jogo constitui
um processo inconsciente que consiste em desviar a energia da
libido – energia motriz dos instintos de vida e de toda a conduta
ativa e criadora do homem – para novos objetos, de caráter útil.
A esse respeito, Courtney (1980. p. 79) destaca as pala-
vras de Freud:
Talvez possamos dizer que, no jogo, cada
criança comporta-se como um escritor
imaginativo, na medida em que cria um mundo
próprio ou, mais verdadeiramente, organiza
os elementos de seu mundo e os ordena de
O jogo implica, portanto, uma evasão da vida corrente para um espaço
temporário de fantasia, de imaginação, conscientemente tomada como
ctícia e exterior à vida habitual, capaz de absorver inteiramente o jogador.
Para a psicanálise, o caráter ctício do jogo não destitui a criança ou a priva
da faculdade de percepção da realidade. O jogo simbólico, na verdade, é
um processo inconsciente de adaptação por meio do qual a criança procura
em um mundo imaginário resolver as experiências da vida real, às quais
ainda é incapaz de superar, uma vez que a realidade é permanentemente
insatisfatória ao mundo da imaginação.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
241
uma nova maneira a qual mais lhe agrada.
Seria incorreto dizer que ela não leva o seu
mundo a sério; ao contrário, encara seu jogo
muito seriamente e despende nele grande
carga de emoção. O oposto ao jogo não são
as ocupações sérias, mas a realidade. Não
obstante a catexe afetiva de seu mundo do
jogo, a criança o distingue perfeitamente
da realidade; ela apenas gosta de tomar
emprestados os objetos e circunstâncias que
imagina do mundo real e tangível. É somente
esse laço de ligação com a realidade que ainda
distingue o “jogo” infantil do devaneio.
Ainda sobre a simulação e a fantasia, Caillois lembra que
muitos jogos não envolvem regras em termos xos e rígidos. Cita,
especialmente, os jogos de improvisação, cujo atrativo advém
do gozo de desempenharmos um papel, como se fôssemos
algo ou alguém. Porém, reconhece que, nesse caso, a cção
proposta cumpre a mesma função da regra, e o fura-jogo passa
a ser aquele que recusa a ilusão e rompe o encanto.
A conivência entre regra e cção está presente, por
exemplo, no caráter singular das artes da cena, que para criar
um mundo imaginário, utiliza-se de convenções, técnicas teatrais
e recursos especícos. Também os jogos eletrônicos simulam
outra realidade sujeita às suas próprias regras. No mundo virtual,
regra e cção são os componentes que permitem a interatividade,
apresentando novos meios de acionar a imaginação.
Sobre o jogo livre, no qual a fantasia é a regra, trata
Jean Duvignaud (1980), discorrendo especialmente sobre os
momentos em que nos entregamos ao prazer de anar livre-
mente, momento de escape para fora da vida comum, uma
ausência em que mergulhamos numa volúpia mental da qual
É fato que os jogos que expressam livremente uma incessante inventividade
e espontaneidade não comportam regras que os delimitem. Entretanto, as
regras são inseparáveis do jogo.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
242
não se pode explicar a natureza. Ele trata dessa disposição do
espírito, capaz de nos lançar em inomináveis especulações pelo
único e indizível inútil prazer de imaginar. E se pergunta: “Não
poderíamos chamar imaginário este jogo que dispõe livremente
do espaço, do tempo e das formas, da matéria e dos deuses?”
(DUVIGNAUD, 1980, p. 14).
A partir dessa abordagem, Duvignaud constata o quanto
a parte lúdica da experiência humana foi ocultada, ou pelo
menos despercebida, pelos historiadores, antropólogos e
lósofos ocidentais do século XX. Respondendo às exigências
intelectuais de uma economia de mercado e de uma tecnologia
que deixa pouco espaço ao vago terreno da imaginação,
aparentemente fútil, acusa o pensamento institucionalizado de
escamotear o acaso, o inesperado, o descontínuo e o jogo,
exceto por meio da arte ou pela tentativa de Huizinga e Caillois
em elucidar seu signicado.
Huizinga demonstra o quanto jogo e ilusão são inextrica-
velmente ligados um ao outro, fronteira que somente foi traçada
pelo espírito humano à medida que a civilização se desenvolveu.
Duvignaud tece igualmente comentários sobre outras
proposições que considera relevantes para o estudo da ativi-
dade lúdica. Uma proposição considerada por ele como uma das
mais ricas é aquela formulada pelo psicanalista Donald Woods
Winnicott (1975), cujas indicações revelam, na percepção de
Duvignaud, a mais fecunda intuição do jogo.
Winnicott, considerando as raízes do desenvolvimento
psíquico e afetivo do homem, situa o brincar na intersecção do
mundo exterior e do mundo interior, entre aquilo que é objeti-
Duvignaud destaca o talento de Huizinga em apreender a atividade lúdica
em sua totalidade, identicando um primeiro pressuposto signicativo: o
jogo está na origem da cultura”. O autor reconhece o mérito de Huizinga
em estender a noção de jogo para além da infância ao conjunto das
manifestações humanas, visualizando suas relações com a máscara, a
competição, os mitos, as transformações e a cultura.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
243
vamente percebido e o subjetivamente concebido, abrindo
à especulação um imenso domínio. O psicanalista postula
a existência de uma área intermediária de experimentação
entre a criatividade primária do bebê e a percepção objetiva
da realidade.
Nessa área situada entre a ilusão e a realidade, ocorre
o que denominou de fenômenos transicionais que estão na
base da iniciação à experiência. Por meio deles, opera-se um
processo de crescimento na habilidade de um bebê em reco-
nhecer e aceitar a realidade. Trata-se da transição de um estado
de ilusão, em que o bebê crê estar fundido com a mãe, para um
estado de desilusão, em que o bebê percebe que o corpo da
mãe é algo externo e separado.
Winnicott presume, ainda, que esse processo de aceita-
ção da realidade seja um aprendizado sem m. Assim, em con-
tinuidade direta a essa área intermediária, desenvolve-se, desde
a tenra infância, uma capacidade innita de brincar, exercitada
continuamente por aqueles que se entregam à imaginação.
Sua teoria amplia-se, em direção ao questionamento
sobre em que lugar, na mente, acha-se a experiência cultural
situada, tal qual a brincadeira, em um espaço intermediário
potencial existente entre o indivíduo e o meio ambiente, entre
extensões do eu e do não eu. Em suas palavras:
Essa área intermediária da experiência,
incontestada quanto a pertencer à realidade
interna ou externa (compartilhada), constitui a
parte maior da experiência do bebê e, através
da vida, é conservada na experimentação
intensa que diz respeito às artes, à religião,
ao viver imaginativo e ao trabalho cientíco
criador (WINNICOTT, 1975, p. 30).
A criatividade, para Winnicott, é universal e inerente ao fato de viver, é o
que permite ao indivíduo a aproximação com a realidade exterior.
Fenômenos
transicionais
– Fenômenos que
sucedem à primitiva
estimulação
sensorial e à satis-
fação autoerótica
no processo de
desenvolvimento
psíquico do bebê,
constituindo-se
como atividades
nas quais “se pode
supor que pensar, ou
fantasiar, se vincule
às experiências
funcionais.”
(WINNICOTT, 1975)
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
244
Do conteúdo dessas constatações, Duvignaud apreende
o signicado profundo de brincar proposto por Winnicott: aptidão
que promove o alívio da tensão permanente entre relacionar a
realidade psíquica interna e a objetividade externa, tensão da
qual nenhum ser humano poderá estar completamente livre. E
comenta sobre isso:
[...] o jogo surge aqui inseparável do imaginário
e de toda criação de formas assim como parece
inseparável da existência mesmo do homem, tal é
insuperável a distância que separa este último de
um universo que jamais alcançará. As cções que
o jogo suscita ocupam esta “área intermediária”
que se estende entre nós e as coisas e, fora de
qualquer utilidade ou eciência, parecem como
esforços para conquistar um real que sempre nos
escapa [...] (DUVIGNAUD, 1980, p.48)
Estas concepções se conectam com as ideias trazidas
na disciplina Jogo e Educação Física no que diz respeito à
compreensão do jogo como um laboratório de experimentação
que fundamenta nossos processos criativos.
Por outra via, Huizinga faz-nos compreender como as
grandes atividades arquetípicas da sociedade humana são,
desde o início, inteiramente marcadas pelo jogo. Assim, ao dar
expressão à vida, o homem cria outro mundo, um mundo poético,
um mundo artístico ao lado do da natureza. Em suas palavras:
O que era jogo desprovido de expressão verbal
adquire agora uma forma poética. Na forma
e na função de jogo, que em si mesmo é uma
Vimos que esses processos são impulsionados pela energia vital orientada
para proporcionar adaptação psíquica às exigências que a realidade impõe
sem qualquer relação com a função de suprir nossas necessidades de
sobrevivência, manifestando-se, sobretudo, por meio da expressão artística.
Arquétipo
Segundo C. G.
Jung, imagens psí-
quicas do inconsci-
ente coletivo, que
são patrimônio
comum a toda a
humanidade.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
245
entidade independente desprovida de sentido e
racionalidade, a consciência de que o homem
tem de estar integrado a uma ordem cósmica
encontra sua expressão primeira mais alta e
mais sagrada (HUIZINGA, 1993, p. 21).
O autor torna, assim, reconhecível o laço indissolúvel
entre as formas de expressão poéticas e o jogo. Enfatiza o fato
de se situarem, igualmente, fora da sensatez da vida prática,
nada tendo a ver com a necessidade ou a utilidade, com o dever
ou com a verdade, e suas formas são determinadas por valores
que transcendem ideias lógicas.
Aprofundando mais, Huizinga indica outros íntimos laços
que unem o jogo e a arte: a vivacidade e a graça presentes
em suas formas mais primitivas tornam-se marcantes em suas
formas mais complexas. Na música, na dança e na representa-
ção que surgem nas liturgias arcaicas, o jogo está saturado
de ritmo e harmonia, que são alguns dos mais nobres dons de
percepção estética de que o homem dispõe.
Esse é o ponto de partida para a reflexão que se segue sobre
o caráter indissociável da dança e do jogo, aparentemente
obscurecido pelo processo de civilização. Busco, dessa forma,
diagnosticar sob que aspectos essas concepções primárias de
jogo e ritual, enquanto atos de dança, música e representação,
distanciam-se das formas mais elaboradas da dança compreendida
como arte e aquelas presentes em poéticas contemporâneas.
2.2 Dança, Arte e Expressão Poética
Quando vou a um baile estou
dançando? Sim.
E isto é a mesma coisa que a arte
de dançar? Acho que não. Por quê?
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
246
Começaremos dizendo que a arte, de um modo geral, não
tem a intenção de signicar, assim como não tem funcionalidade.
Não dançamos para transmitir algo preciso, pois a dança não
tem a objetividade da comunicação da linguagem verbal. Para
José Gil:
O gesto dançado, a menos que tenha sido
concebido (codicado) para apresentar certa
signicação precisa, não quer dizer um sentido
que a linguagem articulada poderia traduzir de
maneira el e exaustiva. O gesto é gratuito,
transporta e guarda para si o mistério do seu
sentido e da sua fruição (GIL, 2004, p. 85).
Isso quer dizer que quando me sirvo da linguagem falada,
e me rero à fruta laranja, o sentido da palavra laranja me remete
para a sensação do sabor da fruta e eu identico nessa palavra
a forma, a cor e o sabor da fruta. Já quando eu me expresso por
meio da dança, busco exprimir uma maneira de sentir, e não um
sentimento particular.
Gil considera que o que caracteriza o gesto dançado é:
[...] o fato de ele nunca ir até o nal de si próprio.
[...] No movimento que se desdobra, retém-
se, regressa sobre si mesmo e prolonga-se
no gesto seguinte. Neste sentido não tem
contorno, tem apenas um em redor, esquiva-se
aos seus próprios limites, escapa a si próprio
(GIL, 2004, p. 89)
Os gestos são abstratos e os sentidos comportam um horizonte innito que
não se esgota mediante a tradução em palavras.
O gesto dançado também se diferencia do gesto funcional, que é aquele
que a pessoa executa com um m, por exemplo, mover-se para pegar um
objeto.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
247
Como a exemplo de Duchamps – que transformou um
objeto ordinário como um mictório em obra de arte – nada im-
pede que na dança nos utilizemos desses gestos funcionais com
o objetivo de transformá-los em expressões artísticas.
Vamos pensar então que os movimentos dançados po-
dem ser considerados como movimentos poéticos. A dançarina
é poeta e poesia ao mesmo tempo.
Segundo Aristóteles (2008), a língua poética é antes de
tudo concebida como transgressão da norma da linguagem; o
poeta deve afastar-se da banalidade do cotidiano para surpre-
ender o leitor. Daí a importância dada à metáfora.
Dessa maneira, a dança pode ser composta também com
os gestos funcionais, mas de forma metafórica, recriando os
movimentos a partir do que a pessoa vivenciou por meio de sua
percepção do mundo e do seu conhecimento sensível. Neste
caso a imitação, como propõe Aristóteles, não é uma cópia tal
qual do mundo real, mas uma interpretação a partir do mundo
percebido.
Vamos relembrar o que fez Marcel Duchamp: ele pegou um artigo
ordinário da vida cotidiana, um mictório, e o colocou de maneira que
sua signicação de uso desaparecesse por meio do seu novo título
e ponto de vista. Ele possibilitou a criação de um novo pensamento
para esse objeto.
Título da obra: Fontaine,
1917/1964
O original, perdido, foi realizado
em Nova York em 1917.
A réplica foi realizada sob a direção
de Marcel Duchamp em 1964 para a
Galeria Schwartz, Milão.
Metáfora
transferência
de uma pala-
vra para um âmbito
semântico
que não é o do
objeto que ela
designa, e que
se fundamenta
numa relação
de semelhança
subentendida
entre o sentido
próprio
e o gurado.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
248
Na arte de dançar os movimentos nascem a partir do
desejo de expressão. O corpo dançante remodela o mundo tal
qual ele se apresenta para a pessoa e a mesma o percebe por
meio do seu conhecimento sensível, dos seus afetos com o
ambiente. Para Aristóteles (2008) a metáfora participa estrei-
tamente desta recriação do real, contribui para fazer da poesia
um meio de apreender o mundo, global e totalizante.
Eu considero que isto se aplica à dança. Os dançarinos
não transpõem diretamente os movimentos apreendidos do
meio ambiente, eles transpõem os movimentos banais por meio
da metáfora e os transformam em poesia. A dança é arte quando
extrapola nossas manifestações expressivas espontâneas e se
elabora como uma expressão poética.
2.3 Formas Lúdicas da Dança
A proposta de situar a presença do espírito lúdico no
processo de evolução da dança tem o intuito de trazer à
compreensão a natureza dos elementos constitutivos do
jogo que permeiam suas distintas e diversas manifesta-
ções ao longo do tempo.
Para realizar essa reexão, tomo como referência uma
breve abordagem do percurso histórico da dança ocidental
destacando, no panorama geral, apenas aspectos do seu
processo de transformação que considerei mais signicativos
para a disciplina.
Inicialmente, é importante identicar, no conceito de jogo,
os traços primitivos que, segundo Huizinga (1993), são determi-
nantes na denição do caráter fundamentalmente lúdico da arte.
Discutimos, até aqui, a noção de dança como arte. É importante sublinhar
que a dança comporta diferentes manifestações como as danças sociais das
boites e das festas, as danças tradicionais de uma determinada cultura, as
danças sagradas e rituais para reverenciar as divindades cujas funções de
entreter, celebrar, cultuar e preservar tradições as distinguem da expressão
artística e poética.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
249
Pode-se pensar na dança, originalmente, como expressão
natural da simples pulsão vital da existência corporal, “uma ação
não somente da totalidade do corpo humano; mas ação transposta
ao mundo, numa espécie de espaço-tempo, totalmente distinto
daquele da vida prática” (VALÉRY, 1957 apud ELIA, 1992, p.21).
Ou, por assim dizer, a manifestação livre e espontânea de um
organismo que, para além de sua função biológica regida pelo
caráter cíclico e temporário da natureza, tece uma rede de
relações com o mundo, extrapolando sua estrita funcionalidade
e sicalidade.
O autor ressalta que, originalmente, a dança
desempenhou uma função vital, social e religiosa nas
culturas primitivas, fertilizada e nutrida pelas celebrações
que ocorriam dentro de certos limites temporais e espaciais.
Supõe-se que, nesse contexto, a busca de satisfação de
qualquer espécie de impulso estético residia submersa na
experiência do ato ritual realizado em ambiente propício que
suscitava o arrebatamento e o entusiasmo. Desde então, a
dança ratifica tradições culturais e participa da sociabilidade
e da organização coletiva de corporeidades.
Esses são, para Huizinga, os aspectos primordiais
que denotam a íntima anidade da dança, do ritual e do jogo;
entretanto, o autor considera, ainda, que essa anidade se
manifesta, antes, na própria imaginação criadora. Em sua
concepção, desde nossa mais tenra idade há, na simples
repetição de uma movimentação rítmica, na espontaneidade
de movimentos abstratos ou na expressão de um estado de
espírito, a intervenção de um elemento lúdico.
Assim, tanto quanto outras expressões poéticas, para Huizinga (1993), a dança
emerge de um mundo próprio, na região do imaginário, do encantamento, do
êxtase e do prazer. Não encerra utilidade nem verdade e não se exerce em
função de um benefício futuro, mas em função de si mesma, dando voz à
expressividade sensório-motora do ser.
Pulsão ou
libido segundo
a psicanálise
trata-se da
tendência
permanente, e em
geral inconsciente,
que dirige e
incita a atividade
do indivíduo.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
250
Mesmo considerando a existência de diferentes práticas
em culturas arcaicas, quer se trate de danças sagradas, mágicas
ou ritualísticas, ou simplesmente como manifestação social e
festiva, Huizinga (1993, p. 184) arma que a dança “é sempre
em todos os povos e em todas as épocas, a mais pura e perfeita
forma de jogo”. Contudo, admite que nem todas as formas de
dança apresentam essa qualidade lúdica em sua plenitude,
devido às diversas transformações sofridas ao longo da história,
que acabaram por lhe atribuir requinte e estilo, em detrimento da
liberdade e espontaneidade que a caracterizavam. Quanto a isso,
veremos que, já em seus primórdios, é possível detectar certos
padrões de organização que oferecem indícios da tendência à
complexidade que caracterizará, em parte, sua evolução.
Sob o panorama de Huizinga, se, em sua gênese, a dança
parece estar situada na esfera lúdica, observando seu
desenvolvimento estético sob a ótica da expressão da
ludicidade, cabe indagar se, com o tempo, ao tornar-se
demasiadamente sofisticada, ela se distanciaria, nesse
aspecto, de sua natureza original.
Historiadores acreditam que, para o homem primitivo, o
motivo de sua dança é sempre vida, força, abundância e saúde.
Existia, no êxtase alcançado pela dança, algo de vital, de comu-
nhão com a natureza e de perpetuação da espécie, sendo esse
arrebatamento, supostamente, o elemento lúdico predominante.
Os registros pictóricos indicam que a dança é circular,
extrovertida e coletiva, de gestos livres e desordenados, que
tendem à repetição e à sincronia e ao uso de máscaras repre-
sentativas de animais ou espíritos de entes antepassados.
Em sua origem, é possível observar, com mais evidência,
indícios do caráter mimético do jogo que irão permear toda a
prática da dança por muitos séculos (SILVA, 2005, p. 81-82).
Assim, em seus primórdios, a dança é compreendida como naturalista,
manifesta-se por meio de movimentos que imitam a força da natureza e
traz a ideia de que, dançando, o homem pode apossar-se dessa força.
Mimeses é a imitação
ou representação
do real, ou seja, a
recriação da realidade.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
251
No entanto, ela também pode ser individual, introspectiva,
espasmódica, extática e sem caráter imitativo. “O extrovertido
atinge o êxtase, imitando tudo aquilo que pode ver; o introvertido
o faz sentindo-se possuído pelo ser que está representando”
(CAMINADA, 1999, p. 14).
Retornando às origens, pouco a pouco a dança começa
a ser submetida a regras disciplinares e a assumir o aspecto de
uma cerimônia formal na Antiguidade. Instala-se a preocupação
com a coordenação estética dos movimentos, até então naturais
e instintivos do corpo, prenunciando as chamadas danças
espetaculares que transformarão, nalmente, a dança em
exibição e entretenimento. Sua natureza lúdica permanece,
mas mudam suas motivações e objetivos. Despoja-se do seu
sentido religioso e ritualístico, enfatizando sua função lúdica
de divertimento e passa a demandar execução perante um
público, constituindo-se, fundamentalmente, em ação e objeto
de representação.
Na Grécia, berço da arte ocidental, a dança, o canto e a
poesia existiam em relação de total interdependência, ocupando
Pinturas rupestres, como esta ao lado, são
os primeiros registros da dança primitiva
de conotação mística. A imagem mais
antiga foi encontrada em Lérida (Espanha),
data de 8300 a. C. e mostra um ritual de
fertilidade.
Na expressão primitiva do jogo, a mimese é compreendida no sentido
aristotélico como uma produção, uma criação que transcreve pelo movi-
mento corporal as forças que nos animam e evoca a imagem do nosso
universo. Esse conceito, que orientou durante séculos as artes teatrais,
desvirtuou-se e cristalizou-se em modos imutáveis de comportamento
cênico que simulavam a realidade e, com o tempo, desgastaram-se. Na
dança acadêmica, a dança clássica, isso ocorreu pela restrição do corpo a
um instrumento receptor de uma técnica e repetidor de formas e posições.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
252
um lugar signicativo na vida cívica e religiosa do povo. As
danças reverenciavam os deuses e integravam as cerimônias
sociais e ritos de passagem. Dentre suas diversas manifestações,
destacam-se, por suas singulares características, as festividades
em honra a Dioniso.
Nessas festividades, cultivava-se o espírito de liberdade
e agitação incontrolável dos transes orgiásticos, com seu cortejo
formado por multidões em desvario. Nas danças dionisíacas,
os adeptos de Dioniso acreditavam sair de si pelo processo do
êxtase e do entusiasmo. Possuídos pela loucura sagrada, su-
peravam a condição humana e entravam em comunhão com o
deus (BRANDÃO, 2000, p. 79-80).
A liberdade primitiva dessas danças foi, igualmente, se
transformando. Os movimentos formalizaram-se em composi-
ções denominadas de chorea, raiz da palavra coreograa,
originando o teatro cantado e dançado nas suas formas
primordiais: tragédia e comédia. Essas formas constituíram
as bases do conceito de espetáculo cênico e marcaram o
nascimento do teatro e da dança ocidentais. A expressividade
das danças trágicas, que constitui a arte mimética, é o traço
que a distingue das antecedentes danças puras ou de culto.
Entre o período greco-romano e a Idade Média, duas visões
de mundo contrapõem-se: se, para o grego, o ideal de perfeição
consistia na harmonia de corpo e espírito, para o pensamento
judaico-cristão, o corpo é veículo de pecado e de-gradação. Com
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
253
a expansão da igreja cristã, a magia, a poesia, a liberdade e a
espontaneidade da dança foram reprimidas durante um longo
período da história medieval, mas nenhuma proibição logrou
sufocá-la totalmente.
No período medieval, marcado por numerosas calami-
dades, a dança cumpre um papel proeminente de entreteni-
mento, oferecendo diversão e prazer, seduzindo a todos pelo
esquecimento e pela alienação que proporciona. É possível
perceber, já nessa etapa da história, como os traços lúdicos
essenciais que identicam a dança com o conceito de jogo e
de ritual vão se descaracterizando, revelando outros aspectos
lúdicos que insinuam sua predominância, denotando, ao nal,
uma clara tendência a dissociar-se do sentido de liberdade
e mistério que primordialmente a envolviam, seja por perder
progressivamente seus vínculos religiosos, enfatizando o
divertimento que proporciona, em detrimento de sua função
espiritual, seja por despojar-se da espontaneidade original,
assumindo padrões de organização sistemática, seja ainda
por converter-se em uma atividade espetacular, requerendo
habilidades e aquisições pessoais.
A dança qualicada de educada distancia-se do diverti-
mento popular. A estraticação social determina duas correntes de
dança: a camponesa e a aristocrata. Nas execuções populares, a
dança simbolizava a coesão social, quase sempre como motivo
de uma alegria ou de um estado comum; na aristocracia, mais
renada, a dança transforma-se em arte elaborada, sua concepção
Dança
camponesa
medieval
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
254
expansiva e imaginativa é substituída pela racionalização e pelas
formas sóbrias e solenes.
Acredito que o sentido do envolvimento, do fascínio e da
imersão que o jogo suscita, liberando impulsos do inconsciente,
encontra, no transe orgiástico, sua mais alta expressão. O
êxtase do homem primitivo expressou simbiose com as forças
do universo. No homem grego, signicou uma identicação com
a deidade de efeito puricatório e, no homem medieval, a neces-
sidade de liberação de ímpetos reprimidos.
O profundo signicado da festa, da celebração, reside
em sua função de fortalecer o elo social que une as pessoas
em torno de valores, hábitos e crenças comuns. Neste contexto
dança-se por divertimento, para compartilhar a alegria de estar
juntos, em contraponto às adversidades da vida e, sobretudo,
à inexorabilidade da morte. Dança-se para “catarsear”, gastar
energia pela satisfação do excesso, como expressão de nossa
vitalidade. Neste sentido dançar signica estar de bem com a
vida, aceitá-la como ela é: contraditória e cheia de imperfeições.
Hora de praticar
1. Você já teve a chance de participar de alguma festa ou celebração na
qual, por meio da música e da dança, operou-se uma catarse coletiva, e
então você se sentiu contagiado pela energia gerada pela mobilização de
todos naquele momento, ainda que por um breve instante?
2. Se você já vivenciou experiência similar, compartilhe as impressões
registradas em sua memória e reita sobre a relação de prazer e satisfação
que as situações exteriores à realidade cotidiana proporcionam, oferecendo-
nos inconscientemente uma válvula de escape às pressões que a vida nos
impõe.
Registre suas ideias no fórum.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
255
Na transição para a Renascença, as transformações es-
truturais no modo de vida e de produção de riqueza reetiram-se
na expressão artística. Prenuncia-se a dissociação da música
e da poesia, o que resulta no rompimento da unidade inicial
dessas linguagens; os temas sociais divorciam-se dos sagrados
e a dança, denitivamente, recusa o mimetismo pela abstração.
Abre-se caminho para o surgimento do espetáculo de dança
formalmente idealizado e elaborado para o puro deleite estético e
para a requintada diversão, denominado Ballet de cour (Balé da
corte). A dança, expressando adoração não mais às divindades,
mas ao rei, perde denitivamente o caráter ritualístico, tendo
como nalidade prática demonstrar a força da realeza e seu poder
econômico.
Também se inicia a prossionalização, fator determi-
nante à conguração da dança como atividade pertinente à
subsistência.
Este é um período marcado pelo renamento, pela ela-
boração e pela sosticação que conferem ao ballet o status de
sistema codicado de movimentos, expresso pelo termo Cho-
régraphie (Coreograa), até então inexistente. Neste contexto
a clara tendência a exageros e excessos de ornamentos na
ambientação carregada de alegorias, em uma demonstração
Seus padrões de organização implicam a manutenção de estruturas que
geram e demandam trabalho em diferentes áreas. Esse é um fator relevante
que se opõe ao sentido desinteressado do puro jogo, descaracterizando-o
como atividade com nalidade em si mesma.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
256
da magnicência da vida na corte, poderia ser tomada como
análoga às exorbitâncias das fantasias cosmogônicas dos
mitos presentes nas expressões poéticas mais primitivas. Esse
jogo com o extraordinário é compreendido por Huizinga (1993)
como uma função lúdica típica, observada em diferentes
manifestações do espírito humano.
Esboçando o inconformismo latente em relação
ao convencionalismo do estilo clássico, com seus temas
e formas esgotadas, segue-se o surgimento de um novo
modelo, o Ballet d’action (Balé de ação), de Noverre.
A coreograa e o dançarino protagonizam a cena, ten-
dendo a romper com o sentido de unidade da dança, música e
poesia nascida no jogo primitivo.
Sucede o ballet narrativo que teve seu apogeu na era
romântica de meados do século XVIII ao XIX. O ballet romântico
transcende os limites do juízo lógico e deliberativo, restaura o
Dada a sua natureza cênica, é preciso considerar também que nela
permanecerá sempre presente um fator lúdico essencial e intrínseco ao
sentido da ação de toda e qualquer representação, que se dá perante uma
audiência.
Todavia, ao se armar na cena, a dança favorece a busca do desempenho
cada vez mais virtuoso dos dançarinos, estimulando o espírito de competição
inerente à natureza do próprio jogo.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
257
espírito da fantasia, do miraculoso que nasce na poesia e do
mito das culturas primitivas, enraizado no espírito lúdico.
Tem-se, portanto, uma inversão na predominância da
razão sobre a imaginação. Simultaneamente, consolida-se um
vocabulário rígido e restrito de passos, posições, direções e
expressões, os quais se desenvolviam desde os séculos ante-
riores e que vai resultar no que conhecemos como a técnica
clássica.
Ballet
romântico
Ballet
clássico
Considero essa forte tendência à sistematização um dos aspectos deniti-
vos no alargamento do abismo que, processualmente, formou-se entre o
ballet e a dança compreendida em suas origens, constituindo um legado de
ressonâncias profundas que se perpetuam até hoje.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
258
No início do século XX forças de oposição aos padrões
ditados pela escola do ballet clássico desencadeiam uma ver-
dadeira revolução, marcada pelo retorno ao naturalismo, não
mais como a primitiva expressão da perplexidade frente às
forças da natureza, mas sob a perspectiva do ser diante de si
mesmo e de sua natureza física, espiritual e emocional. Isso
representou, igualmente, um retorno ao valor da expressividade,
e o desejo de recuperar o sentido e a função espiritual da dança,
há tempos relegados, ou mesmo quase extintos, dessa arte.
Considero esses os aspectos fundamentais característicos da
ludicidade que conduzirão os artistas dos tempos modernos na
construção de novas trajetórias de criação.
Essas preocupações podem ser
constatadas com evidência nos propósitos e
na simplicidade da dança de Isadora Duncan
(1878-1927), precursora e mensageira da
ruptura metodológica fundamental que se opõe
aos cânones da dança clássica, cujo trabalho
despontou nos Estados Unidos e oresceu no
seio da cultura europeia.
Inspirada na arte grega e nos
fenômenos da natureza, ela procurava, nos
movimentos primários do ser humano, a sua
realidade orgânica corporal. Experimentava
uma movimentação similar àquela que emerge espontaneamente
na brincadeira infantil, aludindo à memória ou à expressão de
um comportamento autêntico inato, em contraposição à imagem
etérea e articial do ballet.
De um lado a nova dança busca expandir a experiência do corpo e do
movimento de forma criativa e pessoal, respeitando seu funcionamento
orgânico e sua ação natural, mais próxima da expressão espontânea do jogo
primitivo; de outro, e com mais preponderância, propostas que valorizaram
a técnica, a pureza de linhas e o estilo personalizado comprometidos
com reexões de conteúdo social, político e, principalmente, psicológico,
expondo os conitos e emoções humanas.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
259
Com outra abordagem, Ruth St. Denis (1877-1968) ex-
plicitava o desejo de restaurar o caráter ritualístico da dança,
inspirando-se em divindades de civilizações da Antiguidade.
Ilustrações baseadas em fotograas de apresentações de Ruth St.
Denis (esq.) e de Marta Graham
Marta Graham (1894-1991) elegeu os temas mitoló-
gicos para interpretá-los à luz da nova psicanálise, em obras nas
quais a subjetividade domina. Recorreu à percepção do ciclo
respiratório orgânico para elaborar uma movimentação que se
apoiava sobre o uxo de contrações e relaxamentos, expressando
os estados antagônicos da dor e do êxtase, desenvolvendo um
sistema codicado que constituiu um estilo personalizado de
sintaxe em dança moderna (ROSEMAN, 2004).
Por uma via similar, Doris Humphrey
(1895-1958) propôs outro dinamismo dialético,
por meio da queda e da recuperação do
equilíbrio, análogo à incerteza e à precariedade
da existência, apontando para outra vertente
de desenvolvimento técnico e expressivo.
Não obstante as divergências
observadas em suas posturas artísticas
havia, sobretudo, na dança norte-americana
de Isadora Duncan, Ruth St. Denis, Doris
Humprey e Martha Graham, um aspecto
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
260
signicativo comum que as unia em seus princípios losócos
e que de certa forma caracterizou o que conhecemos como a
dança moderna norte-americana..
Seus escritos, depoimentos e ensinamentos revelam uma
singular religiosidade, oriunda de suas aguçadas percepções
sobre a natureza sagrada do corpo e da intuitiva compreensão
do signicado sagrado e redentor da dança, elas não só revolu-
cionaram a dança como também lograram ressurgir a convicção
de que a dança é uma experiência sagrada e extática.
Posso inferir que, nesse movimento, residia o desejo,
consciente ou não, de resgatar o signicado mais profundo e
arcaico do espírito lúdico da dança, perdido desde que se tornou
uma mera ostentação de adornos, reverências e habilidades.
Outro caminho representa igualmente a vontade signi-
cativa de resgatar valores lúdicos primordiais: o pensamento de
Rudolf Von Laban (1879-1955) torna-se o fundamento, o nú-
cleo da dança livre da Europa Central e de todos os seus futuros
desdobramentos, que surgem com a dança expressionista
alemã e, posteriormente, com a dança-teatro. Sua visão global
da dança, como forma de expressão ligada à vida do homem e
à imagem que ele faz de si mesmo, é precursora
dos grandes temas que apareceram nas novas
expressões da dança teatral do século XX.
Percebendo-a como expressão da existência, em que os processos da vida,
da natureza e do ser humano estão integrados, criadores retornam à busca da
expressão de sentimentos e indagam sobre a condição humana no mundo. O
movimento corporal é tratado não somente em suas características motoras
e orgânicas, mas também em sua natureza fenomenológica e emocional.
Estudo da harmonia do movi-
mento desenvolvido por Laban
segundo a forma geométrica do
icosaedro.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
261
Esse sentido de unidade da dança e da vida, apreciado
por Laban, encontra correspondência direta com o signicado
primitivo do jogo e do ritual. Angustiado com o impacto da civi-
lização moderna, vista por ele como confusa e declinante, evoca
em suas profundas memórias imagens de uma cultura festiva
arcaica, relativamente viva em sua infância. O contato com
as danças camponesas, procissões religiosas e até mesmo o
júbilo das colossais paradas militares sensibilizaram-no para a
percepção do movimento corporal como expressão de um modo
de vida, cujo renascimento foi uma de suas grandes ambições
(LAUNAY, 1992).
O anseio manifesto pela adoção da verdade expressa o
desejo de humanizar a dança, o criador moderno sente a angústia
dos transtornos de uma época de dramas e guerras e, similarmente
à intuição primitiva, procura estabelecer uma relação estreita, em
nível psicológico e social, com os problemas do homem, seu meio
e seu contexto histórico.
Recria, portanto, um elo direto entre a dança e a cultura
contemporânea. Podemos dizer que, a partir dessa premissa, a
dança moderna assumiu função reexiva, calcada em uma so-
briedade dramática, em contraposição à função lúdica que se
destina ao regozijo e ao prazer. Persistirá, todavia, na procura
de novos sistemas de ensinamento e transmissão de técnicas
variadas, o que, de certa forma, limitará a liberdade preconizada
em seus propósitos, ainda que se oponha, radicalmente, à
execução de um único padrão gestual, objeto da busca clássica
acadêmica.
De maneira geral, nas fases seguintes à radical ruptura
que ocorreu no início do século XX, o sentido de jogo vai permear
De modo geral, a dança moderna desperta a vontade de signicar e co-
municar um sentido, de expressar uma verdade íntima. Da busca por essa
interioridade emerge a noção de totalidade, o corpo inteiro deve tornar-se
expressivo. Isso se conecta com o sentido de engajamento que o jogo
suscita, envolvendo, inteiramente, aquele que a ele se entrega.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
262
toda a atividade artística experimental que opera com elementos
variáveis e muitas possibilidades, marcadas pela liberdade
com que artistas e intérpretes se entregam às experiências de
investigação de uma dança que expresse suas identidades.
Surgem, assim, os happenings, apresentações que não
eram propriamente espetáculos elaborados dentro dos padrões
de encenação vigentes, mas acontecimentos que reuniam várias
manifestações artísticas, aparentando um retorno ao espírito
orgiástico dos rituais arcaicos em que a poesia, a música e a
dança eram indissociáveis e todos deles participavam. Instaurou-
se a estética da liberdade característica do jogo.
Chega também a época da abstração, do movimento
despersonalizado e sem emoção. A dança volta a ser, parado-
xalmente, uma arte formal de movimento, denunciando
seu parentesco com a dança acadêmica. Em contraponto,
outro impulso enfatiza a busca de qualidades corporais
valorizadas pela simplicidade e espontaneidade do gesto e
dos movimentos. Um dos caminhos tomados para alcançar tal
intento apontou para a exploração de movimentos funcionais,
enfatizando as ações cotidianas e automáticas ignoradas
no dia a dia. O habitual é levado para um lugar fora da vida
prática, para o espaço ctício do jogo e inscrito no contexto da
dança. Nessa dança, o natural e espontâneo têm agora como
referências as ações ordinárias, sem qualquer relação com
os impulsos mais íntimos e primordiais da existência, com as
formas da natureza ou com a organicidade do corpo humano.
Apesar do ecletismo inaugurado com a dança pós-
moderna norte-americana, a dança-teatro alemã, o teatro
físico inglês ou a nova dança francesa, é possível identicar
um elemento lúdico preponderante: a improvisação. A atitude
de exibilidade ao indeterminismo proposto pelo recurso à
improvisação se opõe às regras ou imperativos da construção
coreográca racional e técnica.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
263
Também se constituiu como fundamento de técnicas e
linguagens de movimento, como o Contato Improvisação, e
engendrou criações cênicas de caráter abstrato.
Para IANNITELLI (2000), a improvisação é um recurso
no qual, a priori, ocorre uma suspensão da intencionalidade,
promovendo a expressão de conteúdos inconscientes, razão
pela qual, entendo eu, foi e tem sido largamente utilizada na
criação autoral contemporânea de poéticas singulares. A autora
acrescenta:
As improvisações são baseadas numa
disponibilidade e receptividade para o uxo livre
do movimento onde o corpo funciona, a um só
tempo, como fonte e instrumento de criatividade
[...]. Existem várias formas de expressão do
inconsciente. Por meio da improvisação na dança,
seus conteúdos adquirem forma nos movimentos
corporais (IANNITELLI, 2000, P. 54).
Em minha experiência artística, isso se conrma, na
medida em que é possível observar que as improvisações
favorecem o rompimento de padrões aos quais o corpo do
O recurso deliberado ao aleatório, intrínseco ao jogo, torna-se um método
privilegiado e subjetivo de investigação artística. Nutre processos criativos
como estratégia para a geração de material bruto a ser processado, sele-
cionado e, nalmente, estruturado em composições coreográcas.
O Contato
Improvisação foi
iniciado por Steve
Paxton na década
de 1960, e
é um gênero de
dança gerado a
partir do contato de
dois ou mais
sujeitos dançantes,
usando princípios
dinâmicos do corpo.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
264
intérprete está condicionado, seja pelo trabalho técnico, seja
pelo comportamento social. Compreendo, portanto, que se
desprender de códigos assimilados implica projetar sobre
o que foi absorvido do mundo exterior conteúdos interiores
alimentados pelo imaginário, desenvolvendo a intuição
criativa.
Sobre isso, vale salientar que Laban (1978), em suas
reexões acerca da expressividade do corpo em experiências
de improvisação, associa o impulso interior que precede o
movimento, o qual denominou “esforço”, à busca de valores
intangíveis e indescritíveis, servindo ao objetivo de espelhar
os processos ocultos do ser interior. Conforme Launay (1992),
para Laban, improvisar é, sobretudo, não se lembrar. É
trabalhar para esquecer, para se dar a chance de ver emergir
as múltiplas possibilidades de sua mobilidade,
esquecer o estado presente do corpo a m
de acolher a pluralidade de estimulações da
memória involuntária corporal, é precisamente
adquirir uma experiência de movimento, um
sabersentir que não se mede a não ser por sua
ecácia sobre os nossos sentidos (LAUNAY,
1992, p. 69).
De acordo com Bélec (1998, p.88), para Robert Ellis
Dunn, a relação mútua entre improvisação e coreograa
consiste em encontrar os meios de mobilizar o corpo, a m de
imprimir, no sistema nervoso, imagens cinéticas poderosas.
Em seus ensinamentos, sublinhava a importância da interação
entre movimento e imagem, a qual denominava “a lógica da
improvisação”. Essa lógica, a qual compreendia os princípios
maiores de sua pedagogia, estava na base de sua teoria e de
sua prática. Para ele, era necessário dar tempo ao sistema
nervoso para que ele registrasse a experiência de movimento
sob a forma de uma lembrança, de uma imagem ou de um mo-
delo corporal. Poder-se-ia, assim, rememorar a experiência e
oferecer novas escolhas de movimento
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
265
A improvisação poderia, igualmente, ser colocada em cena
num jogo livre de combinações de sequências pré-elaboradas
ou até mesmo de movimentos independentes que respondem
simplesmente às relações com o espaço, o tempo, o ritmo, a
gravidade, o peso e a manipulação de objetos, evidenciando as
possibilidades cinéticas do corpo.
Merce Cunningham, coreó-
grafo norte-americano, propôs
um modo de composição que
invoca o acaso por meio do jogo
de dados, de moedas, de cartas ou
outra forma de sorteio. Com esse
procedimento, ele determinava,
a cada espetáculo, as possíveis
opções de ocupação do espaço; a
ordem de movimentos numa frase;
a sequência de frases na coreograa; o número de dançarinos ou
partes do corpo a serem ativadas; o desenvolvimento do tempo
e da dinâmica das ações a serem utilizadas por cada dançarino.
A partir dessa escolha, no entanto, os dançarinos deveriam ser
precisos, não havendo espaço para improvisações em cena.
Cunningham buscava situações que reetissem a correlação
arbitrária dos acontecimentos na vida.
O autor defende ainda a ideia de que todo movimento,
procedimento, lugar, indivíduo ou sugestão poderia ser material para
a elaboração coreográca, ressaltando o papel do indeterminismo e
da imprevisibilidade dos resultados em seus princípios de criação.
Se, por um lado, o acaso na pesquisa do movimento espontâneo serviu
às estratégias de composição coreográca que se estruturaram a partir da
simples concatenação de ações, despertando a atenção para as qualida-
des cinéticas e formas inerentes ao movimento corporal em detrimento
de um sentido expressivo ou representativo, por outro, consubstanciou
a busca pelas sensações interiores e pela emoção, visando, sobretudo,
emergir a experiência de vida do intérprete amalgamada e encarnada em
seu corpo.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
266
Nesse sentido destaca-se a dança teatro
da alemã Pina Bausch, que despontou no
início dos anos setenta. Em seu trabalho,
o acaso pode estar encoberto no processo
de construção das obras, uma vez que ela
recorre às respostas individuais espontâneas
e verdadeiras de seus intérpretes às
indagações que enfocam a condição humana.
Assim, produz um material diversicado que lhe serve
para proceder a um jogo de justaposição de elementos
contraditórios, sejam estéticos, losócos, expressivos ou
comportamentais. O inesperado também pode vir exposto
em seu produto nal, na livre associação de cenas que se
combinam em uma montagem aleatória, sem apresentar
um o condutor que indícios ou torne previsível as suas
conexões e o desfecho do espetáculo.
A imprevisibilidade também é utilizada no trabalho ousado
e arrojado de Wim Vandekeybus e sua companhia, Última Vez.
O coreógrafo que assina um estilo de movimento reconhecido
por ser baseado no risco físico. Ao expor os dançarinos ao perigo
de acidentes ou lesões
tenta comunicar a precária
experiência física, enfatizando
a percepção do momento
presente. O diálogo corporal
dos intérpretes se estrutura
sobre proposições abertas que
se estabelecem em função de
leis físicas que regem os corpos
e objetos em movimento no
espaço.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
267
Já o Teatro Físico do grupo inglês DV8, capitaneado
por Loyd Newson, parece se construir sobre outro sentido, o
do jogo dramático. O aleatório, de forma similar ao trabalho de
Bausch, pontua a geração de material a partir de respostas dos
intérpretes às tarefas e perguntas colocadas por Newson. Eu
diria que, aqui, a organicidade das ações coreografadas tem sua
gênese em uma dada circunstância, na qual o indivíduo assume
um determinado papel na resolução de um conito, ou seja, um
jogo dramático no qual o indeterminismo das respostas outorga
uma legitimidade espontânea geralmente não observada em
ações pré-concebidas.
Vejo, por m, na ideia de aprofundar a compreensão
de jogo como elemento estruturante da criação em dança e
recurso pedagógico para sua prática uma correspondência
com os princípios arcaicos, de onde nasceram manifestações
expressivas da humanidade. Cabe agora compreender como
a experiência criativa da dança enquanto jogo se aplica ao
contexto da educação corporal.
Acredito que, neste sentido, além de favorecer a descoberta
de novas concepções de vocabulário de movimento, representação
poética, estruturação coreográca e expressão pessoal, o jogo
baseado na improvisação permite o uxo constante de transformação
das formas artísticas. Suscitando reações imprevisíveis dentro de
novas percepções físicas, psicológicas e emocionais, o jogo se
torna um importante recurso por meio do qual é possível promover a
modulação do vocabulário corporal, alterando, indenidamente, suas
qualidades fundamentais, sua dinâmica e, por m, sua expressão.
Absolvida da codicação e da imutabilidade, a dança do nosso século pa-
rece acolher um legado que a convoca a se constituir como uma linguagem
viva que se adapta e se transforma continuamente, disponível para muitos
discursos. Circunstancial e em permanente transitoriedade, a dança está
apta a questionar a perenidade das formas e lograr expressar a inexorável
instabilidade e efemeridade do jogo da vida.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
268
Para realizar a atividade da HORA DE PRATICAR, leia o texto
a seguir:
No senso comum a
imagem do povo brasileiro,
sobretudo das regiões
litorâneas, é extrovertida,
festiva e caracteriza-se por
um comportamento corporal
marcado pela liberdade.
Nossas danças são despojadas,
rebolamos sem pudor, rimos,
gargalhamos e o clima tropical
favorece a exposição do corpo
com naturalidade. No interior
do Brasil, ao contrário, pode-se encontrar outro aspecto
comportamental. As festas populares mantêm com mais
evidência os vínculos com a religiosidade, as danças se
estruturam de forma mais organizada e o gestual parece mais
introvertido.
Hora de praticar
1. Destaque no texto as diferentes características lúdicas pontuadas no
decorrer do processo de evolução da dança e procure relacioná-las quan-
to aos seus aspectos antagônicos.
2. Em seguida procure criar associações com as manifestações de dança
popular mais presentes em seu contexto cultural. Quais são os traços
lúdicos predominantes? Você observou elementos de ludicidade comuns
entre as danças que você conhece? Ou não?
3. Compartilhe suas observações no fórum.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 2 | QUANDO A DANÇA É JOGO
269
O que é extremamente
relevante para esta
disciplina é a compreen-
são da inerência do jogo à vida e à arte
e como isso oferece bases para essa
proposta pedagógica. Vimos que o
jogo manifesta-se desde os primórdios
da atividade mental do bebê como um
mecanismo psíquico de investigação
e experimentação, relacionando as
fantasias inconscientes à realidade
exterior. Constitui, assim, a base para
toda a vida posterior e, na medida em
que canaliza as energias instintuais
para metas aceitáveis pela sociedade,
é alicerce para a criação adaptativa do
artista. Também o jogo manifesta-se
na primitiva consciência da natureza,
que se inicia com a percepção dos
fenômenos da natureza e conduz
à sua representação imaginária
mimética e ritual, evoluindo para a
criação poética.
Observamos em seguida o
processo evolutivo da dança ocidental
desde seus primórdios como
manifestação ritualística, em que o
mimetismo e o êxtase eram os
elementos lúdicos predominantes;
passando por sua denição como
linguagem artística quando abandona
sua função religiosa para voltar-se ao
entretenimento no qual o gosto pela
magnicência, a competitividade e
virtuosismo técnico dos dançarinos
determinam sua ludicidade.
Em seguida, já no início
do século XX, comentamos as
sucessivas rupturas de suas formas
expressivas. É possível perceber
que, no contínuo esforço de
transformar e renovar a dança como
expressão artística, os criadores
modernos oscilaram entre as forças
antagônicas da espontaneidade e
da técnica, da introspecção e da
extroversão, presentes, como vimos,
desde a manifestação mais primitiva
da dança.
Chegamos enm à cena
contemporânea em que o acaso e a
imprevisibilidade passam a pontuar
a presença do lúdico nas criações
em dança. É este o princípio lúdico
que caracterizará a prática da
improvisação e que servirá de base
às nossas experiências didáticas.
UNIDADE 3
271
Do Jogo à Dança
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
A investigação de jogos de improvisação corporal e sua sistematização
pedagógica para o ensino da dança pode ser um caminho para difundir e democratizar
o acesso aos códigos linguísticos da dança contemporânea, entendendo que, pela
valorização do repertório de movimento do participante, podemos desenvolver
a consciência do ser global na manifestação da sua poética pessoal. Cada vez
mais existem prossionais que ensinam o movimento por meio de jogos corporais
dançados; esse tipo de pedagogia em dança vem ganhando mais e mais adeptos,
congurando-se como uma tendência coletiva entre os prossionais de dança
contemporânea. (MARRONI, 2009, p. 113)
É sob esta perspectiva que veremos, nesta Unidade, como o jogo oferece
possibilidades para o aprendizado da dança favorecendo a autonomia e livre
expressão dos movimentos, abdicando dos modelos de ensino fundamentados
na repetição de formas e estilos. A aplicação de princípios lúdicos no exercício da
experiência criativa e artística, desperta o imaginário, amplia o vocabulário corporal
e proporciona o desenvolvimento de aspectos cognitivos, neurológicos, psíquicos,
afetivos, expressivos e motores do ser.
Sob essas bases, o aluno encontra um estado criativo que lhe permite dançar
sem estar cerceado por uma disciplina puramente estética e funcional, dando vida e
organicidade às suas ações.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
272
OBJETIVOS
Após nalizar esta Unidade, esperamos que você seja capaz de:
compreender os fundamentos que norteiam a elaboração e aplicação de Jogos
para Dançar, segundo proposta de Fabiana Marroni, na educação do corpo e do
movimento expressivo;
reconhecer a aplicabilidade dos Jogos para Dançar para o desenvolvimento
corporal em seus aspectos: sensível, estético e de desenvolvimento de
vocabulário de movimento;
compreender os fundamentos que norteiam a criação de jogos-cena com foco
na exploração do movimento como estruturas que permitem o exercício da
liberdade criativa em dança.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
273
3.1 Jogos para Dançar
A forma como o indivíduo apreende o mundo ao seu
redor está diretamente ligada à forma como ele “lê” o mundo
que o cerca. Essa leitura só é possível por meio da linguagem,
podendo esta ser verbal e não verbal.
Por meio da linguagem, o ser humano consegue designar
os objetos, as ações, as qualidades dos objetos e as relações
entre os objetos.
Toda situação imaginária contém regras de comportamento
condizentes com aquilo que está sendo representado, pois
depende das estruturas internalizadas que o indivíduo organiza
ao longo de sua história.
O trabalho corporal por meio de jogos de regras permite
que os participantes reencontrem e ressigniquem certos
conceitos e valores que foram impregnados pelas relações
socioculturais e estéticas. Esses jogos estimulam, resgatam,
libertam e propiciam o rompimento de estruturas codicadas
por meio de situações lúdicas, que possibilitam a tomada de
decisões durante a ação.
A aprendizagem corporal por meio de jogos propicia prazer
ao atuante enquanto ele brinca, e na maioria das situações em
que este momento de aprendizagem lúdica acontece existem
três elementos articulados para a formulação dos jogos: a
liberdade, a relação espaço-tempo e o limite. Para melhor
entender a relação entre os elementos de composição do jogo
veja o seguinte esquema:
O desenvolvimento da linguagem envolve uma das principais funções
psíquicas superiores dos seres humanos: a imaginação, que é a capacidade
de representar simbolicamente e envolver-se em uma situação imaginária.
A linguagem é um
sistema simbólico
fundamental
em todos os
grupos humanos.
Este sistema
é elaborado
no curso da
história social, e
organiza os signos
em estruturas
complexas,
desempenhando
um papel
imprescindível
na formação das
características
humanas.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
274
A liberdade no momento do jogo consiste na expressão
espontânea do criador que sente e articula as regras
estabelecidas com sua potencialidade criadora e linguística e,
no momento da ação, esta potencialidade manifesta-se como
forma de pensamento por meio do movimento dançado.
Na construção dos jogos a relação de tempo é
fundamental para a percepção do processo de aprendizado
e de si mesmo. É comum ao nal de um jogo a sensação de
tempo vivido não coincidir com a do tempo real da atividade.
Observamos também que estas variações de sensações
estão ligadas a aspectos cognitivos, como a concentração e a
memória, e a aspectos subjetivos, desconhecidos até mesmo
para o executor da ação.
A limitação consiste na elaboração das variáveis do
jogo, constituindo as próprias regras do jogo, que trazem os
problemas a serem solucionados pelos participantes, processo
que durante o jogo vira solução. Esta solução acaba sendo
o próprio conhecimento a ser adquirido pelo participante do
jogo, que realizará várias formas de registros da sensação que
vivenciou, sendo protagonista em sua aprendizagem.
Limite
Liberdade
Espaço-
tempo
Jogos
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
275
Para a construção das regras dos jogos corporais leva-se
em consideração a articulação de três formas de pensamento
corporal que ocorrem pela vivência da atividade: Educação
Sensível, Estudo do Movimento e o desenvolvimento de uma
Gramática Semântica do Movimento. É como se as regras
estivessem no centro dessa articulação de conhecimentos,
podendo ser representada da seguinte forma:
A triangulação entre essas três formas de pensamento
está presente na elaboração das regras dos jogos corporais
para dançar. O modo como esses pensamentos articulam-se
depende do tema do encontro e dos objetivos pretendidos com
a atividade, entendendo que os três estarão sempre presentes
durante os jogos. Assim, entender essas três formas de
pensamento corporal é importante para a articulação e formação
das regras.
Para levar o participante a entrar no jogo não basta apenas
o conhecimento da estrutura do movimento. É preciso conjugar
a ele conhecimentos relacionados ao ambiente de improvisação
e de espontaneidade.
Educação
Sensível
Estudo do
movimento
Gramática
Semântica
do
Movimento
Regras
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
276
A espontaneidade do movimento neste tipo de atividade
relaciona-se com a escuta sensível do participante. Na medida em
que aumenta seu repertório corporal, agrega à sua movimentação
novos conceitos, novas linhas e, sobretudo, massa crítica, o que
o leva à condição de poder elaborar estruturas cênicas mais
complexas. Ou seja: torna-se melhor jogador.
A Gramática Semântica do Movimento é o resultado do
uso consciente das possibilidades de expressão do corpo por
meio de escolhas envolvendo a relação do espaço, do tempo
e da ação, as quais projetam o corpo em seu processo de
singularização e de comunicação.
À medida que o corpo dança, ele toma consciência das
sintaxes linguísticas que sua movimentação produz, passando
à percepção da sua própria consciência. A possibilidade de
sensibilizar a percepção, originada na reciprocidade entre os
corpos permite a abertura de um horizonte de coisas não vistas
ou mesmo não visíveis que chamamos de sentido. Este, por sua
vez, orienta as informações apreendidas na troca entre os corpos
e a transforma em fonte de conhecimento para cada corpo.
No momento em que o participante está realizando sua
dança ele está exercitando seu discurso linguístico em forma
de movimento, desenvolvendo a sua Gramática Semântica do
O exercício de improvisação é caracterizado por decisões subjetivas, nas
quais o elemento central é a relação espaçotemporal do corpo do participante
no ambiente de jogo Assim, o objetivo é que, ao participar deste tipo de
atividade, todos os sentidos possam desencadear novas percepções do
corpo no meio em que está inserido.
O importante neste processo é identicar o motivo pelo qual está sendo
aplicado este ou aquele jogo, pois existe a necessidade de se criar um
ambiente favorável à espontaneidade. Para que isto aconteça o instrutor
deve traçar estratégias de ações que estejam adequadas ao grupo que se
formou e ao objetivo do encontro.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
277
Movimento, expressão que, nesse contexto, caracteriza-se pela
lógica própria que rege o movimento dançado.
As principais estratégias para desenvolver a gramática do
movimento são:
O terceiro elemento implicado na formulação das regras
refere-se à Educação Sensível. Com a vivência dos jogos
corporais desencadeia-se um processo de aprendizagem
relacionada também à sensibilidade estética do sujeito-jogador.
O contato com a arte produz conhecimentos relativos à
Educação Estética que está diretamente relacionado à Educação
do Sensível do “contactante”. Ou seja, quando entra em contato
Os Jogos para Dançar têm como objetivo despertar o reconhecimento do
caminho que o movimento percorre, desde a percepção inicial (neurônios
sensoriais), até a ação (neurônios motores). Por isso, suas regras são
elaboradas de modo que o corpo possa encontrar durante o jogo a sintonia
desse mecanismo de percepção e ação.
Jogo de regras
Improvisação
Autonomia das
ações corporais
nexo de organização de movimentos
mecânicos e voluntários por meio de
perguntas e respostas, podendo alcançar
níveis complexos na construção do discurso
corporal.
ampliação da percepção, dos sentidos e
das sensações por meio de exercícios que
trabalham a consciência da temporalidade, da
espacialidade e das dinâmicas por intermédio
do contato corporal.
é a capacidade de articulação dessa gramática
às condições impostas pelo jogo, momento
em que o sujeito-jogador toma decisões e
age de modo a operar seus conhecimentos
corporais, seguindo uma lógica interna e
externa de construção espaçotemporal.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
278
com a arte, o sujeito da ação desencadeia um processo de
aprendizagem estética, seja por qualquer tipo de contato com o
fenômeno artístico: fazendo ou apreciando.
Para desenvolver a Educação Estética é preciso estimular
a sensibilidade do sujeito no mundo expressivo e do mundo
expressivo no sujeito. Para que haja essa complementaridade,
é necessário que se instaure um processo de alfabetização
da sensibilidade estética, no qual, por meio da aprendizagem,
ocorra a aquisição de valores subjetivos.
Existe uma educação primeira dos sentidos desenvolvida
a partir da vida cotidiana de todos nós. Ela pode se aprimorar e se
renar por meio da simbolização, por meio dos signos estéticos
que toda e qualquer forma de arte nos provê. Dentro dessa
lógica, os sentidos aprimorados se reconhecem e se descobrem
nos signos estéticos da arte, que lhe facultam ainda um meio de
expressão ou um alfabeto com o qual poderá se manifestar.
Evidentemente, trata-se aqui de um jogo circular, em
que os sentidos remetem-se à arte e esta, de volta, apela aos
sentidos. Nos Jogos para Dançar, essa circularidade entre
os sentidos e a arte desencadeia um processo de tomada de
consciência da educação do corpo cidadão e do corpo singular,
isto é: do corpo que tem ideias e pensamentos e consegue se
expressar e se comunicar.
O desenvolvimento da sensibilidade para determinados signos linguísticos
é um processo aberto que depende de uma série de acontecimentos
relacionados à manifestação desse signo linguístico na vida do sujeito.
A continuidade e a familiarização com os signos estéticos fazem emergir
processos de aprendizagem e de manifestação mais complexos. Os Jogos
para Dançar buscam despertar no sujeito-participante essa sensação de
familiaridade com os códigos de sua movimentação espontânea; desse
modo facilitam o desenvolvimento de uma consciência corporal coletiva e
singular.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
279
O jogo de percepções que se dá entre os corpos dos
participantes gera um sistema de relações que permite a cada
corpo singularizar-se na relação do corpo coletivo e tomar
consciência de sua unidade, estabelecendo, por meio da
metáfora coletiva, uma estreita relação com sua individualidade.
Veja algumas propostas de Jogos para Dançar que podem
ser experimentadas com seus alunos.
JOGO 1
Tema: Movimentos Primários
Material: Fita crepe; EVA texturizado nas cores primárias
(vermelho/amarelo/azul); som e música.
Objetivo: Desenvolver atividade corporal que resulte em uma
ocupação espacial bidimensional, usando para isto o tema “O
que faço no menor lugar que ocupo”.
Objetivo especíco: Promover a relação entre a atividade
corporal e o fazer do ambiente cenográco (quadro bidimensional).
Planejamento:
1. Delimitar o espaço retangular do palco a ser utilizado durante
a atividade com ta crepe, a m de promover um novo campo
visual para o espaço. Este mesmo recorte servirá de moldura
para o quadro bidimensional no nal da atividade.
2. Atividade de reconhecimento do grupo: Andar/Olhar/Pausar.
3. Cada participante deverá contornar com ta crepe o menor
espaço que ocupa em pé ou sentado.
4. Novo jogo corporal se estabelecerá para o aquecimento. A
atividade será dentro e fora da parte selecionada. Quando o
participante estiver dentro, fará movimento com resistência,
Créditos das
fotos dos jogos:
participantes
da pesquisa
Jogos para
Dançar realizada
no 1º semestre
2008: Professores
da Escola Parque
303/304 Norte.
As imagens fazem
parte da
pesquisa e foram
utilizadas e
cedidas para essa
nalidade.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
280
adaptando-se ao pequeno espaço que ocupa. Quando estiver
fora, deverá andar mexendo as articulações de forma suave.
5. Cada participante escolherá uma cor para preencher o espaço
que delimitou. Novo jogo se estabelecerá, desta vez com troca
direta entre uma cor e outra. Quando o participante estiver de
fora, estará andando e, quando estiver dentro, deverá escolher
uma ação para executar, deixando a ação surgir a partir da
sensação que a cor lhe proporcionar. O comando dentro/fora
do espaço será por meio de música da seguinte maneira: fora,
andando com música e, dentro, ação sem música.
6. O último jogo será de tempo comum a partir do olhar. O grupo
só pode andar quando todos andarem e só pode parar quando
todos pararem em tempo comum, lembrando que a regra sobre
os espaços (parar na cor e andar fora) será a mesma do jogo
anterior. Dividir em dois grupos para haver observação do
exercício sobre o quadro bidimensional que foi montado pelos
participantes com as cores.
7. Análises e fechamento do trabalho. Reetir sobre a questão
da construção do olhar espacial, da percepção do tempo e do
movimento coletivo.
JOGO 2
Tema: Construindo Caminhos
Material: Fita crepe; papel contínuo branco de tipo de impressão
matricial; lenços diversos; som e música.
Objetivo: Desenvolver jogos corporais que resultem em uma
construção espacial por meio da relação entre a ação e o tempo
de execução da mesma, usando para isto o tema “Caminhos”.
Objetivo especíco: Promover a relação entre a atividade
corporal e o fazer do ambiente/objeto cênico; Promover a
sensibilização da percepção espaçotemporal.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
281
Planejamento:
1. Delimitar dois quadrados no palco, com ta crepe, a m de
promover um novo campo visual para o espaço utilizado. Estes
quadrados serão o estímulo para a realização dos movimentos
e da construção espacial do tema Caminhos.
2. Atividade de reconhecimento do grupo: Andar/Olhar/Pausar.
Dentro e fora dos quadrados, o comando será dado pela
instrutora e não se pode pisar no quadrado quando estiver fora.
3. Atividade dos lenços para aquecimento do corpo. Dividir o
grupo dentro dos dois quadrados e fazer a dança dos
lenços. Em círculo, o lenço não pode parar nunca e
deve se mexer no ritmo da música.
3. Dividir o grupo em duplas, e cada uma deverá
pensar caminhos que saiam dos quadrados e traçá-los
utilizando seis folhas de papel, podendo usar menos,
se quiserem. Para a construção, deve-se considerar
uma trajetória que a dupla irá percorrer, pensando no
tempo de percurso e nas possibilidades de andadas.
Cada dupla deverá mostrar a sua trajetória e deixar o
caminho montado. Analisar os caminhos montados e
suas possibilidades estéticas.
4. Dividir em dois grupos, para o exercício da observação. Cada
participante poderá executar uma das três ações: Andar/Pausar/
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
282
Torcer. Executar apenas uma vez cada ação, de forma a pensar
na composição espacial durante a trajetória.
5. Análise e fechamento do trabalho. Reetir sobre a construção
do olhar espacial e a percepção do tempo no movimento, os
elementos da Estética e o processo de criação da aula.
JOGO 3
Tema: “Estamos Ligados”
Material: Fita crepe; Barbante colorido; Música.
Objetivo: Desenvolver jogos corporais que se originam do
espaço minimalista por meio da relação entre ação singular e
ação coletiva, usando para isto tema “Estamos Ligados”.
Objetivo especíco: Promover a relação entre o movimento
singular e o movimento coletivo; Promover a sensibilização da
percepção espaçotemporal.
Planejamento:
1. Delimitar pequenos quadrados (30x30cm) no palco, com ta
crepe, enleirados, a m de promover um novo campo visual
para o espaço. Fazer três las de quadrados, de forma que a
do meio que intercalada às demais. Estes quadrados serão
o estímulo para a realização dos movimentos e da construção
espacial do tema.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
283
2. Atividade de reconhecimento do grupo: Andar/Olhar/Pausar.
Dentro e fora dos quadrados, o comando será dado pela instrutora
para esta mudança. Quando estiverem fora dos quadrados a
trajetória deve dar-se no espaço entre eles; e quando estiverem
dentro dos quadrados a movimentação se realiza do interior de
um quadrado para o outro.
3. Acordando o corpo, em cada quadrado haverá duas
informações referentes a uma ação e a uma dinâmica, como
por exemplo: observar pontos no espaço pausando o olhar; ou
espreguiçar o corpo continuamente. Durante a música, haverá
o comando para que eles troquem de quadrado e, enquanto o
comando não é dado, devem experimentar as indicações do
papel.
4. Atividade com barbante colorido para o aquecimento do corpo.
Individual: Cada um no seu quadrado deve se movimentar com o
barbante nesse espaço mantendo o barbante sempre esticado,
procurando alongar a musculatura por meio da extensão do
barbante. Em dupla: Cada um deve ocupar um quadrado e
pegar um pedaço de barbante que deverá ser ligado a outra
pessoa em outro quadrado. Durante a música, o objetivo é fazer
o barbante dançar.
Depois aumentar a atividade para quatro participantes.
Trabalho de equilíbrio e harmonia dos movimentos entre os
participantes.
5. Os grupos que se formaram devem permanecer juntos para
a próxima atividade: de deslocamento. O grupo deve atravessar
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
284
o caminho de quadrados, juntos, ligados pelo barbante,
buscando construir a trajetória por associação dos elementos
já trabalhados: o objeto (barbante), uma dinâmica e uma ação.
Cada grupo apresentará o resultado para os outros grupos.
6. Análises e fechamento do trabalho sobre a questão do estar
juntos e estar separados.
JOGO 4
Tema: Brincando e Andando
Material: Balão Colorido; Iluminação; Música.
Objetivo: Desenvolver jogos corporais entre os elementos:
Objeto/Movimento/Ar.
Objetivo especíco: Promover, por meio de jogos lúdicos com
balões, a relação entre Movimento/Fluidez/Equilíbrio por meio
do elemento Ar.
Planejamento:
1. Distribuir balões no espaço de modo que fique todo
ocupado.
2. A primeira atividade será um rápido relaxamento, os
participantes deitarão no espaço entre os balões.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
285
3. Acordando o corpo, atividade de interação
entre o grupo, com os elementos: Andar/
Brincar/Andar/Brincar entre os balões. A
atividade será conduzida da seguinte forma:
ao comando, deve-se parar e permanecer em
um lugar xo lançando balões para o grupo,
de forma a trocar balões com o maior número
de pessoas; ao comando novamente voltar
a andar entre os balões. (Explorar os níveis
baixo/médio/alto)
4. Atividade de equilíbrio. Durante a música, explorar a
relação do balão equilibrando-se no corpo. Orientar para que
os participantes busquem relações de equilíbrio estáveis que
desencadeiem movimentos uidos, evitando quicar o balão.
Depois, dividir em dois grupos para observação.
5. Bate papo nal: Relação Ar e Movimento/Objetos para Ação.
JOGO 5
Tema: Tocando o Escuro
Material: Venda; Papel e Canetinha; Música.
Objetivo: Desenvolver jogos corporais proporcionando a
percepção do corpo por meio do tato e da visão
Objetivo especíco: Promover, por meio de jogos corporais, a
relação entre Movimento/Articulação/Visão/Conança por meio
do tato.
Planejamento:
1. O espaço estará livre, isto é sem demarcação, pois o trabalho
será voltado para a construção de percepções do corpo e suas
relações entre o interior e o exterior.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
286
2. A primeira atividade será como nos primeiros encontros de
Andar/Pausar/Olhar, pensando nesses elementos como de
composição espacial e de reconhecimento do grupo.
3. Acordando o corpo, a atividade será em dupla, com um
participante ativo na condução e outro participante passivo para
a condução. A manipulação será nas articulações, de forma a
gerar movimento. De tempo em tempo, deve-se fazer a troca de
quem conduz e quem será conduzido. (Explorar os níveis baixo/
médio/alto)
4. Atividade de
condução pelo
tato em dupla.
Este exercício visa
a condução do
participante pelo
espaço apenas pelo
tato, explorando os
diferentes níveis de
toque.
5. Dar continuidade ao exercício anterior, mas agora com
vendas.
6. Juntar os dois exercícios desenvolvidos durante a aula:
manipulação das articulações e condução pelo espaço de
venda.
7. Bate papo nal: Relação entre Corpo/Articulação/Movimento
e Condução/Conança/Toque.
3.2. Jogo-Cena e Intérprete-Jogador
Esta proposta se baseia no propósito de abrir
perspectivaspara o ensino criativo em dança
contemporânea fundado em princípios elementares do
jogo.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
287
Tomamos como hipótese a ideia de que o conceito de
jogo poderia ser aplicado na prática da criação cênica não só
como recurso na geração de material criativo (improvisação),
mas também incorporado como engrenagem e elemento
estruturador da composição coreográca, tornando-a, assim,
permanentemente aberta às novas proposições.
As experiências evidenciaram em seus processos
criativos a força da corporeidade cênica gerada pelas relações
e situações implicadas nos jogos criados para a cena, os jogos-
cena. Esta corporeidade exigiu atributos e competências que
extrapolaram as conhecidas demandas que incidem sobre o
intérprete-criador, abrindo outra perspectiva para a compreensão
da noção de atuação do intérprete-jogador.
Fundamentados nessas observações, os resultados
obtidos nesse estudo podem ser instrumentais para prossionais
e estudiosos das áreas das artes, em particular da dança e do
teatro, como também da educação. A estrutura, a natureza e
a adaptabilidade dos jogos podem beneciar docentes de Arte-
educação ao oferecer subsídios metodológicos de ensino das
artes a qualquer instância educacional, independentemente
de faixa etária ou especicidades físicas, uma vez que tal
abordagem prevê a participação do sujeito em suas possibilidades
e capacidades pessoais. Neste sentido esta perspectiva
metodológica e artística possibilita e se ana a propostas de
inclusão social e de criatividade artística.
Esta concepção de composição coreográca como o exercício do jogo
impõe à atuação do intérprete a condição de reagir em cena à situação
presente, no aqui e no agora, demandando uma ação que responda à
possibilidade do acaso, do efêmero e do imprevisível. Isto afasta toda e
qualquer tendência à execução mecânica de estruturas conhecidas de
movimento, logrando obter uma presença expressiva pela veracidade das
ações que surgem em resposta à instabilidade da situação.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
288
Apresentamos essa teoria do jogo aplicado em estruturas
de composição cênicas com o objetivo de proporcionar liberdade
de criação e atuação, de forma a contribuir para a reexão sobre
pedagogias de encenação e formação em dança contemporânea.
Tal ideia de envolvimento mútuo na solução de um
problema constitui, igualmente, o fundamento básico do sistema
de Jogos Teatrais concebido por Viola Spolin (1992).
Em sua metodologia de ensino, Spolin (1992) orienta o
aluno a se concentrar na solução de um problema, oferecendo
um objetivo denido para seu desempenho. Em sua concepção,
a resposta para cada problema está pregurada em cada um
deles, não havendo um modo certo ou errado de solucioná-los,
o que elimina as expectativas na atuação e convida à liberdade
de opção e à autodescoberta.
Tomaremos como premissa básica para entendermos esta proposta,
considerar a noção de jogo como o confronto dinâmico de forças
antagônicas. Aplicá-lo como recurso metodológico na prática de ensino
da dança implica em uma abordagem atenta ao embate recíproco de
motivações opostas. No desenvolvimento de processos gerados por
oposições, os movimentos nascem e encontram os meios para evoluir
no empenho recíproco dos intérpretes em dar solução aos sucessivos
obstáculos.
Criados como estratégias didáticas para o desenvolvimento expressivo, os
Jogos Teatrais são estruturas destinadas a despertar a espontaneidade,
proporcionar a autodescoberta e o desprendimento artístico por meio
de exercícios de improvisação. Visam tanto promover a ruptura de
comportamentos mecânicos, quanto eliminar a imitação caricata.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
289
Essa concentração canaliza a energia criativa e oferece
um direcionamento claro para a ação, agindo como uma força
estabilizadora, possibilitando despertar a intuição e liberar a
espontaneidade e tornando-se veículo para uma experiência
orgânica. A forma como um problema é solucionado deve surgir
das relações em cena, sem prévio planejamento, respeitando-se
o caráter imprevisível do jogo.
Apenas as regras do jogo devem ser estabelecidas de antemão
por meio de um acordo grupal, delimitadas pela estrutura
dramática denida por
Na pesquisa do Jogo-Cena, o jogo de oposições está
presente e diretamente associado aos princípios de movimento
que regem a ação, como em situações de prender e escapar,
de lançar e desviar, de perseguir e fugir, de subir e cair e tantas
outras. As oposições subjazem a todo jogo, constituem seu
conito fundamental, o antagonismo de forças oscilantes entre
pontos de equilíbrio, havendo sempre adversidade e requerendo
uma solução. Isto não quer dizer que esse embate se reduza a
somente ações de confronto entre adversários. Ações de apoiar
e oferecer sustentação se opõem e se complementam, por
exemplo, gerando uma relação de cumplicidade.
O sistema de Jogos Teatrais pressupõe interdependência, interação
e relacionamento coletivo, e é aplicado segundo alguns fundamentos
básicos. Em princípio, o jogo propõe um problema a ser solucionado, com
o qual cada indivíduo deve se envolver. O ponto de concentração para o
qual se dirige a ação constitui o Foco, que delimita, orienta e favorece o
envolvimento e o relacionamento na solução do problema.
ONDE
(lugar e/ou
ambiente)
QUEM
(personagem
e/ou relação)
O QUÊ
(atividade)
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
290
Esses princípios de movimento constituem um ponto
objetivo correspondente ao Foco da Ação, que norteia o
intérprete e o faz persistir na expressão física concisa não
permitindo que se perca no desenvolvimento de movimentos
sem nalidade.
Vê-se que estas elaborações se apoiam e se identicam
com muitas das noções que permeiam o pensamento de Spolin
(1992). A autora atribui a potencialidade expressiva para atuar
à capacidade individual de experienciar, e diz: “experienciar é
penetrar no ambiente, é envolver-se total e organicamente com
ele. Isso signica envolvimento em todos os níveis: intelectual,
físico e intuitivo” (SPOLIN, 1992, p. 3), concepção comum ao
sentido integrado proposto pela ideia de corpo TODO, que
pensa, age e sente, apresentada anteriormente.
A autora evidencia o conhecimento intuitivo como vital
para a aprendizagem, identicando-o quando uma resposta
a uma experiência se realiza além de um plano intelectual
constrito, requerendo para tal um ambiente apropriado, uma
disposição para a livre experiência e uma atividade que evoque
a espontaneidade, circunstâncias objetivadas em seu sistema
de improvisação. A propósito disso, trazemos à baila as palavras
de Koudela (1998, p. 51) sobre a noção de espontaneidade e
integralidade apresentada por Spolin:
A ação espontânea exige uma integração
entre os níveis físico, emocional e cerebral.
Em oposição a uma abordagem intelectual ou
psicológica, o processo de Jogos Teatrais busca
o surgimento do gesto espontâneo na atuação
[...]
A disponibilidade de responder ao acaso é condição essencial para o
desenvolvimento do jogo, cando claro que é inútil pré-conceber as atitudes.
A delimitação imposta pela regra é o que determina as possibilidades de
acaso. Sem regras, não haveria parâmetros claros que permitissem a
interação e o jogo se dissolveria no vasto campo do indeterminismo.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
291
Spolin (1992) aborda a espontaneidade, considerando-a
como a expressão de liberdade frente à realidade, momento em
que a exploramos e agimos em conformidade a ela, em que “as
nossas mínimas partes funcionam como um todo orgânico. É o
momento de descoberta, de experiência, de expressão criativa”
(SPOLIN, 1992, p. 4). Em sua concepção, essa liberdade para
atuar e nos inter-relacionar envolve-nos com o mundo dos
fenômenos em constante transformação, tornando possível o
contato direto com o ambiente, experiência que em sua crença
nos conduz à autoconsciência e à autoexpressão.
Vimos que a perspectiva de aprendizado vislumbrada
por Spolin na formulação do sistema de Jogos Teatrais funda-
se no pressuposto de que a energia liberada para a resolução
do problema proposto, orientada pelo Foco e dentro do limite
de regras estabelecidas, faz eclodir a espontaneidade, estado
em que o indivíduo encontra-se integrado em sua totalidade.
Conforme preconiza:
O objetivo no qual o jogador deve
constantemente concentrar-se e para o
qual toda a ação deve ser dirigida provoca
espontaneidade. Nessa espontaneidade, a
liberdade pessoal é liberada, e a pessoa como
um todo é física, intelectual e intuitivamente
despertada. Isto causa estimulação suciente
para que o aluno transcenda a si mesmo –
ele é libertado para penetrar no ambiente,
explorar, aventurar e enfrentar sem medo
todos os perigos [...]. Todas as partes do
indivíduo funcionam juntas como uma unidade
de trabalho, como um pequeno todo orgânico
dentro de um todo orgânico maior que é a
estrutura do jogo. Dessa experiência integrada,
surge o indivíduo total dentro do ambiente total
(SPOLIN, 1992, p.5).
É perceptível a correspondência que se pode estabelecer
entre a expressão somática pretendida pelo corpo TODO e o
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
292
sentido de experienciar proposto por Spolin, para os quais
convergem as noções de liberdade, espontaneidade, intuição,
autodescoberta e presença viva no aqui e agora, de forma
a permitir que o novo, o desconhecido e o inesperado se
aproximem.
Torna-se claro, portanto, que a elaboração dessa proposta
metodológica recorreu a fundamentos e procedimentos comuns
ao fazer teatral para gerar outra possibilidade de construção de
uma dança, fundada na resolução de oposições, contemplando
o aspecto imponderável e inusitado do jogo. A experiência
de criação de jogos para a cena, com base na linguagem do
movimento e da dança, conduziu à concepção do que denimos
como jogo-cena, e permitiu abandonar a ideia de coreograa
como estrutura codicada, denida por vocabulários de
movimentos preestabelecidos, como suporte para o desempenho
do intérprete.
Retomando a denição proposta por Huizinga, jogo é uma
atividade:
livre: uma vez que, se o jogador fosse a ela obrigado,
o jogo perderia de imediato a sua natureza de diversão
atraente e alegre;
delimitada: circunscrita a limites de espaço e de tempo,
rigorosa e previamente estabelecidos;
incerta: já que o seu desenrolar não pode ser
determinado nem o resultado obtido previamente, e já
que é obrigatoriamente deixada à iniciativa do jogador
certa liberdade na necessidade de inventar;
desinteressada ou improdutiva: porque não gera nem
bens, nem riqueza nem elementos novos de espécie
alguma; e, salvo alteração de propriedade no interior do
círculo dos jogadores, conduz a uma situação idêntica à
do início da partida;
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
293
regulamentada: sujeita a convenções que suspendem
as leis normais e que instaura momentaneamente uma
legislação nova, a única que conta;
ctícia: acompanhada de uma consciência especíca
de uma realidade outra em relação à vida normal.
Podemos dizer que o jogo-cena constitui-se como uma
estrutura de composição cênica:
Para melhor esclarecer esta proposição trazemos a
descrição de uma experiência de criação de um dos jogos-cena
construídos e apresentados dentro do contexto do processo
criativo e encenação de um espetáculo. Acompanhe o passo a
passo dessa construção conosco!
JOGO: CORDA/COBRA – COBRA/CORDA
Signicados antagônicos: diversão x eciência; risco x
proteção.
Princípios de movimentos antagônicos: girar a corda
(desaar/risco) x pular ou desviar (livrar-se/proteção)
regida por um conito ctício
que nutre o imaginário
situada em espaço e tempo
próprios
tal estrutura oferece aos jogadores liberdade para
atuar sobre uma gama de possibilidades
imprevisíveis de ação
delimitada por regras
norteada por uma progressão
dramática que pode ou
não, suscitar a geração de
diferentes desfechos
sem interesse em gerar
vantagens materiais aos
participantes, objetivando,
exclusivamente a produção
de uma poética singular
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
294
Existem inúmeras brincadeiras infantis com a corda,
mas apenas uma, o “Chicote queimado”, pareceu oferecer
possibilidades para experimentação dentro da perspectiva de
construir um jogo-cena em conformidade com a abordagem
temática escolhida para o espetáculo que se pretendia encenar:
o antagonismo primordial entre vida e morte.
Essa brincadeira, por si, apela à imaginação, propondo
o desao com um perigo ctício. Mesmo demandando alguma
habilidade e fôlego, o princípio de movimento básico da corda
é um dos mais simples e elementares, o que poderia favorecer
a investigação criativa sem que nos preocupássemos com as
barreiras do virtuosismo.
As formas básicas de manipulação envolviam o giro da
corda em plano vertical e horizontal, em níveis variados e em
velocidades diferentes. Disso resultavam opções distintas de
respostas:
pular no mesmo lugar;
passar por baixo ou por cima da corda em entradas e
saídas sucessivas;
esquivar-se;
correr em círculo no mesmo sentido, em sentido contrário
de sua ponta;
manter-se imóvel, de forma a permitir ao manipulador
explorar uma variedade de movimentos para desviar a
corda dos corpos estáticos.
Naturalmente, surgiram outras brincadeiras, como tentar
pegar sua extremidade, enquanto o manipulador a deslocava
em toda sua extensão, lançando sua ponta de um lado ao outro,
rapidamente, para desvencilhar-se das investidas. Isso produzia
um movimento sinuoso e ágil que nos remetia ao movimento da
cobra. A ideia de cobra e corda está ligada, especicamente,
à outra modalidade de brincadeira com corda para crianças
pequenas que aprendem a pular em baixas alturas, com a corda
em movimento rasteiro, como uma cobra.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
295
Ainda que os intérpretes experimentassem brincar sem
resistência e desenvoltos, manifestavam sua insatisfação
quando se deixavam tocar pela corda, o que interrompia o
uxo do seu giro. Isso representava um corte na brincadeira e
denotava inabilidade. Consideravam como um erro e, portanto,
deveria ser evitado.
Essa compreensão apenas consolidou-se quando houve
a intuição de que a corda poderia se transformar em cobra todas
as vezes que tocasse um dos jogadores, e novas brincadeiras
poderiam surgir a partir da ideia de que ela poderia dar um bote.
Todo o jogo girava em torno do desao de não se
deixar tocar pela corda em movimento, pulando, passando,
aproximando-se ou dela afastando-se. Demandava ousadia,
instigação, habilidade, destreza e, sobretudo, espírito de
diversão. Entretanto, não havia o sentido de erro ou de acerto,
porque tudo poderia ser aproveitado, uma vez que a corda, ao
ser tocada, virava cobra. Como no início, isso ocorria com muita
frequência, não havia tempo para esgotar as possibilidades
de explorar o jogo, aproveitando o giro contínuo da corda. Foi
proposto, então, que apenas depois de três toques na corda
passassem a jogar com a cobra. A situação mudava, mas o
jogo não era interrompido; continuava-se a jogar, sendo que
agora, como cobra, ela poderia picar, manuseada pelas mãos
do “encantador de cobras”, que a chicoteava rasteiro ou no ar,
buscando, dessa forma, atingir os jogadores que se esquivavam
de seus botes.
Aqui, o jogo era convocado com um enunciado concebido
em forma de cordel, de forma a incitar o imaginário e esclarecer
as regras do jogo:
Não se davam conta que essa diculdade sintetizava o princípio antagônico
fundamental do jogo: divertirem-se em contraposição à exigência de serem
ecientes.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
296
Outros elementos iam sendo descobertos na relação
entre quem manipulava e quem pulava:
os jogadores poderiam se juntar às costas do manipulador,
ali permanecendo sem deixar-se tocar pela corda, como
em um ponto neutro de descanso, o lugar onde a corda
não toca.
os jogadores tinham a chance de trocar de manipulador,
passando a corda de uma mão à outra sem interromper
seu movimento giratório.
dois jogadores poderiam desaar-se, realizando entradas
e saídas sucessivas, formas diferentes e ousadas de pular,
trocar de posições, de braços dados ou separados e outras
opções mais.
Para manter a dinâmica viva e pulsante do jogo,
reforçando o sentido da cena construída como pura brincadeira,
a ação deveria permanecer contínua com trocas sucessivas
de jogadores, para recuperarem o cansaço e não perderem a
vitalidade. Foi determinado que, enquanto estivessem fora do
alcance da corda, fariam zoadas. Ruídos de vozes, apitos e
chocalhos deveriam estar presentes o tempo todo. Pretendíamos,
com isso, criar uma atmosfera de instigação de uma torcida
ruidosa e participativa. Também permaneceriam abaixados,
É corda, é laço, é cobra. É instigação, provocação e diversão. É desao
de pular, correr, abaixar ou sei lá Mas com ela tem que brincar. E não
se nega se o rabo dela toca, porque ela pega. Mas, tem três vidas para
muito se divertir. Mais que isso, danada, ela vai querer picar, e aí não
pode fugir, vai ter que encarar. E não se escapa de sua picada porque
ela MATA!
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
297
para não encobrir a atuação dos outros e, a qualquer momento,
poderiam entrar no jogo, como em uma roda de capoeira, assim
como deveriam ceder quando solicitados.
Essa concepção foi evoluindo para o entendimento de
que a corda sempre seria cobra. No primeiro momento é corda/
cobra, sua ponta é o rabo, inofensivo, mas, depois de tocada
três vezes, invertia-se o rabo pela cabeça e o jogo entrava na
fase da cobra/corda.
Chegamos à seguinte estrutura:
Quem – 01 manipulador, 01 encantador da corda e 08 brincantes.
Onde – Área circular central da cena margeada por uma
grande roda formada pelos brincantes, como se fosse o nicho
da cobra.
O quê – O manipulador gira a corda/cobra, segurando-a pela
cabeça, convidando os brincantes a pular e brincar. O encantador
manuseia a cobra/corda, segurando-a pela cauda e desaando-
os a escaparem de seus botes. Os brincantes pulam, passam, e
fazem estripulias enquanto lidam com a corda/cobra. Depois que
vira cobra/corda, têm a opção de tentar pegá-la pelo pescoço,
pisá-la na cabeça ou apenas escapar de seus botes.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
298
Foco – O manipulador concentra-se no movimento da corda e
dos brincantes que entram no jogo. Os brincantes devem estar
atentos ao movimento da corda e às saídas e entradas do jogo
para aproveitar as chances de se inserir. O encantador deve
perceber a movimentação de todos à sua volta, para melhor
escolher suas vítimas.
Regras – O primeiro a girar a corda/cobra é escolhido por
sorteio.
Durante o jogo, qualquer um pode pegar a corda/cobra
para girar.
É permitido até três toques. Depois do terceiro toque,
a corda/cobra se enraivece e não há quem a segure. Quem a
estiver manipulando deve lançá-la para o alto para livrar-se de
ser picado.
Ao cair, inicia-se a segunda fase, já é cobra/corda e
somente o encantador pode pegá-la pelo rabo e direcionar a
cabeça para os botes. É jogo de picar e matar.
O brincante ameaçado pode tentar pegar ou pisar o
pescoço da cobra, para assumir o papel de encantador e obter o
poder de picar.
Todos devem manter uma movimentação ininterrupta,
não permanecer parado esperando o momento de receber o
bote.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
299
Quem é picado, morre e é excluído.
A terceira fase pode ocorrer de duas maneiras. Se antes
de ocorrer a terceira morte alguém conseguir pegar o pescoço
da cobra ou prendê-lo com o pé, assume o papel do encantador
e deve desaá-lo para um duelo, revertendo-a para a corda/
cobra e voltando a girar.
Se ocorrerem três botes com picadas seguidas de morte,
é o encantador quem ganha o direito de propor um desao
a um único brincante que ele deve escolher e, igualmente,
revertendo-a para corda/cobra e fazendo-a girar.
Progressão – Na primeira fase, cada vez que o rabo da corda/
cobra toca alguém, o manipulador pode mudar a estratégia do
jogo, utilizando um novo elemento entre girar rasteiro, girar
no alto, alto e baixo ou giro vertical. Já na segunda fase, o
encantador procura mirar um brincante para picá-lo sem parar
de chicotear a cobra/corda, rasteira ou no ar. Sendo picado, o
brincante pode criar uma caricatura divertida para enfatizar sua
morte. Na terceira fase, o desao nal, o jogo de girar a corda/
cobra torna-se mais ágil e rápido, pondo à prova a habilidade do
brincante ou do encantador em desviar-se da corda/cobra até
nalmente ser tocado.
Tempo de duração – Determinado pelo desempenho dos
brincantes enquanto se cumprem todas as fases do jogo até
chegar ao desao nal.
Desfecho – O jogo conclui-se com o desao nal, em que os
envolvidos podem demonstrar seu melhor desempenho até a
corda nalmente tocar o desaado.
Em seguida, todos comemoravam, retornando a
brincadeira, agora, sem regras. Faziam uma farra. Brincavam
agrupados, desordenadamente, sob a corda que gira acima de
suas cabeças, obrigando-os a se abaixarem para não serem
atingidos, até que se esgotasse o tempo da música e de brincar.
Esgotado o tempo, a corda era mais uma vez lançada para o alto
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
300
e todos corriam para dispersar, fugir, de forma a abrir espaço
para a cena seguinte, antes mesmo que a corda tocasse o chão.
Como no jogo havia sempre muito movimento, era preciso
estar atento às mudanças de situações que poderiam ocorrer
muito rapidamente. Para frisar esses momentos de transição,
propus que denunciassem aquele que era tocado pela ponta da
corda, exclamando: “PEGOU!”. Assim como quem era picado,
exclamando: “MORREU!”. Era preciso deixar ainda mais claro
a progressão de todas as etapas do jogo e suas resoluções. O
êxito poderia ser comemorado quando os jogadores conseguiam
fazer estripulias ousadas sem serem tocados ou quando ocorria
o contrário, quando a corda os eliminava. Para ambos os lados da
contenda, em favor de quem manipula a corda/cobra ou a cobra/
corda, ou de quem brinca arriscando-se, tudo era celebrado. Por
isso, cada ação devia ser enfatizada com muita clareza, para ser
reconhecível por quem joga e quem vê o jogo.
Posteriormente, em uma nova encenação, introduziu-se
a participação do público, evidenciando as possibilidades de
inclusão, de acessibilidade que a estrutura de jogos permite
na criação em dança e por consequência sua aplicabilidade
na educação. É claro que, como o público não é educado para
a linguagem do movimento, reagia de forma espontânea sem
preocupação em cuidar da qualidade de sua movimentação,
Sorte ou Azar, levante
a mão que quer jogar
(2010) – Cia Márcia
Duarte
Foto: Raquel Pelicano
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
301
mas se via irresistivelmente envolvido com o imaginário da cena
participando ativamente das relações de conito expostas.
De fato, nessa experiência, para que o jogo de pular corda
extrapolasse a esfera da recreação e tornasse uma expressão
poética foi preciso não só uma imersão imaginária, mas também
dar atenção à combinação de qualidades fundamentais que
atribuem harmonia ao movimento na dança: uência, clareza
e precisão; força e intensidade; tempo, ritmo e domínio do
espaço – estas já conscientizadas pelos intérpretes-jogadores
educados em sua sensibilidade estética e controle do seu corpo
em movimento. Entretanto, como apresentado em Jogos para
Dançar, a educação corporal e estética pode dar-se também por
meio de jogos. Vejamos como você pode constatar isso.
Hora de praticar
1- Considerando a ideia de oposição como fator gerador do movimento, vamos
escolher um verbo de ação e o seu correspondente complementar oposto
como: mostrar e esconder. Opto inicialmente por um exercício individual e
proponho que você escolha um objeto de uso pessoal de fácil manuseio, nem
muito grande nem pesado, como uma caixa de pequenos guardados, um livro,
uma peça de roupa ou um chapéu para o desenvolvimento desse jogo-cena.
2- Escolha uma música de sua preferência e, como já orientado anteriormente,
procure iniciar seu experimento em sintonia com a música, deixando-a
acompanhar seu exercício até sua conclusão. Não se preocupe em mover-
se no ritmo da música, em sincronia com suas pulsações, apenas se permita
interagir com ela, se envolvendo com a atmosfera extracotidiana que a
musicalidade suscita. Tampouco se ocupe com uma única referência frontal,
como se estivesse diante de um público ou de um espelho. Perceba o espaço
em sua totalidade.
3- Imagine que se trata de um objeto mágico, ao qual você poder correlacionar
signicados. Por exemplo: uma caixa pode guardar lembranças, memórias;
uma peça de roupa ou um chapéu podem criar personagens; um livro traz
muitas histórias...
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
302
Hora de praticar
4- Inicie seu exercício respirando profundamente para perceber que seu corpo
TODO vai brincar.
5. Comece então a experimentar progressivamente expor e esconder uma parte
do seu físico com o objeto, traçando um percurso que ora contorna suas partes,
ora passa de cima a baixo ou de baixo a cima, por entre as pernas, por baixo do
pé, por cima da cabeça, por trás do tronco, de uma mão à outra e assim por diante,
agindo livremente sem planejar, deixando o movimento uir. Nesse percurso se
detenha por instantes para esconder o rosto, o umbigo, os joelhos ou qualquer
parte sua, explorando caminhos inusitados que conduzem o objeto de uma parte
a outra escondida e depois revelada.
6. O sentido atribuído ao objeto mágico irá sugerir as relações que intuitivamente
irão se estabelecer entre ele e você. A ação de esconder e revelar também sugere
signicados.
7. Durante o exercício concentre-se efetivamente em nunca interromper sua
ação, ainda que você faça pausas para esconder-se. As pausas são uma espécie
de suspensão do movimento que não caracteriza ruptura da ação, permanece
o sentido de continuidade do gesto daquele ponto ao subsequente. A atenção
em dar continuidade ao movimento, promover uma respiração integrada a ação,
descobrir novas possibilidades criativamente, logra imprimir ao gesto ordinário
outra qualidade, transformando-o em expressão poética, melhor dizendo, em
dança.
8. Depois de experimentar o jogo tente descrevê-lo a partir da estrutura de quem,
onde, o que, e o Foco. Para o quê considere o princípio de ação proposto (mostrar
e esconder), para o Foco a orientação de traçar percursos, para quem e onde
o imaginário que emergiu da experiência do jogador com o objeto (o segundo
jogador), e quais seriam as regras do jogo?
9. Compartilhe suas impressões no fórum assim como a descrição que resultou
da sua experiência.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
303
Esse jogo-cena também pode ser realizado aos pares
ou trios, ou até com um coletivo de alunos agregando a
passagem do objeto de um jogador para outro. Neste caso,
surgirá naturalmente a necessidade de estabelecer regras que
norteiem o desenvolvimento do jogo de forma equilibrada entre
os participantes.
Para concluir, vamos refletir quanto aos fatores que
incidem sobre o desempenho do intérprete-jogador.
A complexidade do jogo deve ser introduzida
gradativamente no processo de criação/aprendizado, de forma
a não constituir obstáculo ao desempenho integrado e favorecer
a comunicação de signicados pretendidos. Isso corresponde à
constatação de que o jogo-cena, em seu processo de construção,
pode ser executado em níveis diferenciados de integração das
faculdades de agir, sentir e imaginar.
Quando há retração de uma dessas aptidões, ele pode
ocorrer em um estágio intermediário de equilíbrio dialógico entre
essas faculdades. Se há predomínio de uma sobre as outras, o
jogo-cena é executado de forma elementar. Sua realização plena
implica na interdependência equilibrada dessas potencialidades
no diálogo entre os jogadores.
Somado a isso, veio a constatação de que o papel do
intérprete-jogador revela outro perl de atuação que não é
mais aquele do dançarino ancorado na versatilidade produzida
pela mescla de técnicas absorvidas e apreendidas, mas se
sustenta sobre outro domínio, constituído pelo aprimoramento
da capacidade de integrar no corpo os diversos recursos
expressivos que dispõem para o exercício livre e criativo de suas
possibilidades, pressupondo algumas posturas fundamentais:
• Doação, vontade, total disponibilidade corporal acionada por
meio de preparação especíca;
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
304
• Capacidade para acessar a imaginação ativa que o engaja na
ação;
• Sagacidade para reagir ao imediato;
• Espírito criativo para buscar o inusitado;
Resistência à tendência a codicar, a formular ou a xar ações,
assumindo o risco de estar em jogo;
• Interesse permanente pelo jogo. Ele deve agir todo o tempo
como um jogador e fazer de toda relação um jogo;
• Equilíbrio e concentração para lidar com as variáveis
circunstanciais;
• Percepção aguçada do ambiente, considerando tudo o que a
ele se incorpora como elemento do jogo, incluindo o espectador;
• Condescendência e a tolerância para criar a cumplicidade
necessária para se obter uma coesão no grupo;
• Despojamento de autocrítica admitindo que sua imaginação
criativa o inspire, aceitando a fantasia do jogo e mergulhando
nela.
Competência de lidar com as múltiplas associações paradoxais
que as situações de jogo impõem.
Autonomia criativa e autoridade sobre a obra.
Essa perspectiva de atuação descortina outro campo de
visão sobre a formação em dança, valorizando a autonomia e
singularidade do indivíduo no processo de amadurecimento de
sua expressividade corporal.
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
UNIDADE 3 | DO JOGO À DANÇA
305
Nesta unidade foram apre-
sentados dois estudos
que abrem a perspectiva
para a aplicação do jogo
como recurso pedagógico para o
ensino da dança, oferecendo os
subsídios que alicerçam estratégias
metodológicas para a prática docente.
Conhecemos a proposição
dos Jogos para Dançar, de
Fabiana Marroni, que se funda
na articulação de três elementos
básicos que orientam a experiência
de jogar: liberdade, regras e relação
espaçotemporal. Nessa perspectiva
o participante é livre para lançar mão
de um repertório de movimentos que
oferecem solução aos problemas
que as regras determinam, sendo
que a ação ocorre em um espaço e
tempo próprios percebidos de forma
singular.
Também foram abordados
os três fundamentos que Marroni
considera como norteadores na
elaboração de regras que direcionam
o aprendizado, a saber: o estudo
de movimento, tendo em conta sua
expressão espontânea; a educação
sensível, relacionada à educação
estética que o contato com a arte
promove; e o desenvolvimento da
gramática semântica do movimento
que constitui o repertório de
possibilidades expressivas do
sujeito, resultante do processo de
amadurecimento consciente de suas
potencialidades corporais.
Em sua concepção corroboram
o desenvolvimento dessa gramática
os jogos de regras, a improvisação
e autonomia das ações. O primeiro,
por meio de perguntas e respostas,
exercita a capacidade de organização
dos movimentos; a improvisação
promove uma ampliação da
percepção e a autonomia outorga
poder de decisão quanto à maneira
que cada sujeito opera seus
conhecimentos corporais.
Depois apresentamos minha
concepção de jogo-cena, como
recurso aplicado na criação em dança
contemporânea que possibilitou a
ruptura do modelo coreográco,
permitindo o exercício de uma maior
liberdade criativa ao dançar.
O jogo-cena traz características
pertinentes à denição de jogo
proposta por Huizinga: liberdade,
incerteza, regras, delimitação de
tempo e espaço, cção, distinguindo-
se pelo único objetivo de lograr
produzir expressão poética por meio
do movimento, melhor dizendo, da
dança. Funda-se na ideia de um
conito que demanda resolução e
se aproxima da prática dos Jogos
teatrais de Spolin. É regido por anta-
306
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE
UNIDADE 1 | CONCEITOS E PRINCÍPIOS BÁSICOS EM SAÚDE E EDUCAÇÃO FÍSICA
gonismos fundamentais e
princípios de movimento
denidos por verbos de
ação como perseguir e fu-
gir; baixar e levantar, prender e soltar,
que orientam a ação dos jogadores.
Uma ação sempre resulta em uma
reação e isso constitui o Foco, a
motivação que norteia a experiência.
Suscita o engajamento do participante
em sua totalidade corporal, imerso em
um universo imaginário e instigado em
suas potencialidades criativas.
No jogo-cena o atuante
assume um perl diferenciado daquele
resultante de processos de aprendizado
em dança calcados pela imitação e
reprodução de frases coreográcas
previamente elaboradas. Isto pode
ser observado, sobretudo, no que
concerne à capacidade de lidar com as
múltiplas associações paradoxais que
as situações de jogo impõem como,
por exemplo: aceitar as regras como
aliadas da liberdade; dispor-se a atingir
uma profunda percepção de si em
conexão com o todo à sua volta; integrar
a imaginação à realidade da ação. Disso
resulta o exercício de uma singular
autonomia criativa e autoridade sobre a
criação, caracterizando a formação do
intérprete-jogador.
307
Glossário
Aristóteles. O sábio grego Aristóteles
fundamentou a Lógica, as Ciências
Naturais, a Dialética, a Retórica e a
Poética. Aristóteles via na mímesis a
representação da natureza e valorizava
a arte como representação do mundo.
Esses conceitos estão no seu mais
conhecido trabalho, a Poética.
Arquétipo. Segundo C. G. Jung,
imagens psíquicas do inconsciente
coletivo, que são patrimônio comum a
toda a humanidade.
Fenomenologia. Sistema de Edmund
Husserl e de seus seguidores,
caracterizado principalmente pela
abordagem dos problemas losócos
segundo um método que busca a volta
“às coisas mesmas”, numa tentativa
de reencontrar a verdade nos dados
originários da experiência, entendida
esta como a intuição das essências.
Improvisação. Prática teatral que se
baseia na ideia de experiência aberta, por
meio da qual se realiza um conjunto de
diálogos, movimentos e cenas de atores
sem preparação prévia, e destinados
ao aprimoramento, à pesquisa e ao
enriquecimento da ação ou da técnica
do ator, ou à obtenção de determinados
resultados dramáticos.
Macrocosmo. O mundo grande, o
Universo como um todo orgânico, em
oposição ao ser humano (microcosmo),
segundo as doutrinas losócas que
admitem uma correspondência entre as
partes constitutivas do Universo e as
partes constitutivas do homem.
Somático. Referente ao corpo, ao
organismo considerado como expressão
material, que para a Psicologia espelha
suas funções psíquicas.
Teoria da Evolução. É a mais precisa
explicação para a origem da vida. Apesar
do que muitos pensam, o Evolucionismo
não é produto de uma só pessoa, não
é ideia de um ou dois cientistas. Ele é
simplesmente o resultado inevitável de
um processo de evolução cientíca.
Deve-se entender o termo EVOLUÇÃO,
antes de tudo, como transformação,
mudança progressiva, lenta e gradual. E,
sendo assim, a Evolução está em TUDO
que existe. Desde o mundo físico até os
processos sociais. Nada acontece sem
ser resultado de estágios progressivos.
Nem mesmo ideias surgem do nada.
A noção de Evolução começou a tomar
corpo no pensamento humano a partir do
momento em que se passou a observar
com mais cuidado os seres vivos.
308
ALMEIDA, Marcia Soares de. Les afections plastiques du corps et la danse contemporaine.
(Os afetos plásticos do corpo e a dança contemporânea) 406 f. Tese de Doutorado em
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UNIDADE 1
O Corpo
TODO
Sente e Dança
PEDAGOGIA DA DANÇA ESCOLAR
309
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José de Almeida Amos, São Paulo: Ed. Perspectiva, 1992
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Referências Bibliográficas
ESTÁGIO
SUPERVISIONADO -
SEGUNDO CICLO DO
ENSINO
FUNDAMENTAL
UNIDADE 1
315
Estágio Supervisionado e sua Contextualização
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO
ENSINO FUNDAMENTAL
Muito prazer!
Sou o Prof. Alexandre, do quadro efetivo da Universidade de Brasília (UnB), lotado
na Faculdade de Educação Física. Trabalho com disciplinas da área de conhecimentos
sociolosócos, história e psicomotricidade. Ministrei aulas na rede pública do Distrito Federal,
na área de Educação Física Especial, com ênfase em natação para pessoas com deciência.
Desenvolvo pesquisas na área de Psicologia do Esporte, em uma linha de investigação
voltada para o estudo do ensino e da avaliação das habilidades táticas nos esportes coletivos
de invasão. Estou no início de uma nova linha de pesquisa, relacionada com o estudo das
representações sociais do professor de Educação Física e dos conceitos sobre a corporeidade.
A disciplina Estágio Supervisionado é um desao de síntese, pois requer o entrosamento
de conhecimentos e experiências adquiridos ao longo de todo o curso. Como o novo currículo
de Licenciatura em Educação Física da UnB está centrado na unidade entre teoria e prática
por meio da prática docente desde o início do curso, defendemos o princípio de que todos
os docentes do curso devem atuar com o Estágio Supervisionado. Se temos uma meta a
alcançar, um gol a marcar, é preciso que a bola toque nas duas traves antes de entrar para as
redes, ou seja, é preciso garantir a formação completa do educador e, ao mesmo tempo, frisar
a sua competência para pesquisar a sua própria prática pedagógica.
Vamos caminhar juntos, na busca por essa formação.
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO
ENSINO FUNDAMENTAL
Prof. Alexandre Rezende
Graduado em Licenciatura em Educação Física pela Universidade de
Brasília (UnB). Especialista em Educação Física para Portadores de
Deciência, pela Universidade Federal de Pernambuco. Mestre em
Educação, pela Universidade de Brasília (UnB) e Doutor em Ciências da
Saúde, pela Universidade de Brasília (2003).
Prof.ª Marisete Peralta Safons
Graduada em Educação Física pela Universidade da Região da
Campanha (URCAMP), antiga Faculdades Unidas de Bagé (RS).
Especialista em Treinamento Esportivo (UFRGS), Mestre em Ciências
da Saúde, pela Universidade de Brasília (UnB) e Doutora em Ciências
da Saúde, pela Universidade de Brasília (2003).
316
Sou a Profa. Marisete Peralta Safons, do quadro efetivo da Universidade de Brasília
(UnB), lotada na Faculdade de Educação Física. Trabalho com a disciplina de Prática de
Ensino em Educação Física. Antes de entrar na Universidade, ministrei aulas na rede pública
e privada do Rio Grande do Sul e do Distrito Federal, na área de Educação Física Escolar,
além de ter atuado em academias de ginástica e musculação.
Na Universidade, além da área de Prática de Ensino, tenho dedicado meus últimos
14 anos à área da Atividade Física para Idosos, na linha de pesquisa Exercício Físico e
Reabilitação para Populações Especiais.
Também coordeno o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Atividade Física para Idosos
(GEPAFI). Acesse nosso site e conheça melhor nosso trabalho. www.gepa.com
Desejo a todos bons estudos e perseverança em mais este desafio.
317
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 1 | ESTÁGIO SUPERVISIONADO E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO
Apresentação da Disciplina
Caro Aluno,
Lembra-se da disciplina Estágio Supervisionado da Educação Infantil? Nela,
a ênfase recaiu sobre o Plano de Aula. Na disciplina Estágio Supervisionado –
Segundo Ciclo do Ensino Fundamental, que agora começamos, vamos dar uma
atenção especial para o Plano de Unidade ou Plano Geral da Disciplina para o ano
letivo.
A principal mudança é que as aulas deixam de ser unidades com um sentido
em si mesmas e passam a fazer parte de um processo mais abrangente, que exige
uma organização entre elas em termos de progressividade e articulação, entre
conteúdo e metodologia, para o alcance de determinados objetivos.
Para essa nova experiência, vamos adotar a denominada “pedagogia dos
projetos”, ou seja, a construção coletiva do conhecimento por parte da turma com
o apoio constante do professor. Nessa proposta, o processo de aprendizagem é o
ponto central, mas devemos manter uma atenção especial ao produto nal a ser
construído pela turma.
A adoção de metodologia de ensino centrada em Projetos de Trabalho se
fundamenta em diretrizes. Vamos conhecê-las:
1. aprendizagem signicativa – o professor deve buscar uma conexão entre o
conhecimento a ser aprendido pelos estudantes e o que eles já sabem;
2. atitude favorável para a aprendizagem dos
estudantes – quando o professor é capaz de estar
conectado com os interesses dos estudantes;
3. estrutura lógica e sequencial dos conteúdos – o
professor deve organizar o conhecimento de maneira a
favorecer a aprendizagem dos estudantes, mesmo que
essa estrutura tenha que ser modicada ao longo do
processo;
4. funcionalidade – o professor deve manter como eixo do projeto o que se pretende
aprender, com atenção especial para que os procedimentos sejam coerentes com
os objetivos;
318
5. memorização compreensiva – o professor demonstra que as aprendizagens
possibilitadas pelo projeto se constituem na base para novas aprendizagens e
novas relações;
6. avaliação centrada no processo – ter o processo como foco da avaliação,
sem desmerecer o produto gerado ao nal.
As atividades desenvolvidas ao longo de um projeto de trabalho contribuem
para que os estudantes adquiram consciência do seu processo de aprendizagem,
ao mesmo tempo em que exige dos professores a capacidade de responder aos
desaos de uma estruturação aberta e exível dos conteúdos.
Assim, a disciplina Estágio Supervisionado – Segundo Ciclo do Ensino
Fundamental, novamente, assume uma posição estratégica dentro da formação dos
educadores, pois antecipa o contato do educador em formação com a realidade
escolar, criando a oportunidade para que o professor:
assuma posição própria na mediação do conhecimento;
vivencie a interação com os estudantes da Educação Básica, nível de ensino
para o qual está sendo capacitado para atuar;
familiarize-se com escolas da rede de ensino, que retratam a realidade das
condições de trabalho dos educadores;
participe de um ciclo completo de planejamento, mediação e avaliação.
A discussão sobre esses aspectos é suciente para desencadear a reexão
sobre o papel a ser desempenhado pelo Estágio Supervisionado na qualidade da
formação dos educadores. Na medida em que se dirige para o desao de atuar e
pesquisar sobre a ação educativa, o estágio é uma oportunidade, ao longo do curso,
para que você revisite disciplinas já cursadas e compreenda o valor de outras que
ainda deverá cursar, em uma perspectiva de formação continuada e permanente.
Cientes disso, organizamos a disciplina em torno de um eixo que, ao invés
de propor um passeio teórico sobre a ação educativa, tem como foco a vivência e a
reexão (nessa ordem) sobre as diversas fases do trabalho do educador, a saber:
diagnóstico planejamento mobilização ensino avaliação teorização.
Nessa disciplina, mais do que em qualquer outra, você percorrerá uma trilha
que, em alguma medida, cruzará com suas experiências e valores pessoais. Não
existem respostas prontas, nem é possível copiar o estilo de outros, temos que
criar nossa própria maneira de interagir e dialogar com os estudantes. Compartilhar
319
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 1 | ESTÁGIO SUPERVISIONADO E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO
OBJETIVOS
Após nalizar esta disciplina, esperamos que você seja capaz de:
elaborar o planejamento de sua disciplina, considerando o conhecimento anterior
dos estudantes, suas características e o meio social em que vivem;
manejar diferentes estratégias de comunicação dos conteúdos;
analisar modos diferentes e exíveis de organização do tempo e do agrupamento
dos estudantes;
produzir materiais e recursos para a utilização didática;
adotar estratégias diversicadas de avaliação da aprendizagem;
identicar lacunas de aprendizagem dos alunos;
avaliar competências e conteúdos isoladamente e conjuntamente;
discutir, de forma crítica, as experiências vivenciadas ao longo da ação educativa.
Bem vindos à aventura, por vezes difícil, de educar.
experiências e, na medida do possível, aprender com os outros, apropriando-se e
reinventando as atividades bem sucedidas, esse é um dos nossos objetivos e, talvez,
uma das principais fontes de conhecimento.
Para facilitar a sua aprendizagem, distribuímos o conteúdo em oito (8) unidades:
Unidade 1 – Estágio Supervisionado e sua Contextualização.
Unidade 2 – Metodologia de Ensino Proposta: a Pedagogia de Projetos.
Unidade 3 – Pedagogia de Projetos: Formulação Inicial do Projeto.
Unidade 4 – Pedagogia de Projetos: Início, a Denição do Tema do Projeto.
Unidade 5 – Pedagogia de Projetos: Planejamento.
Unidade 6 – Pedagogia de Projetos: Execução.
Unidade 7 – Pedagogia de Projetos: Apresentação do Projeto.
Unidade 8 – Pedagogia de Projetos: Avaliação.
UNIDADE 1
321
Estágio Supervisionado e sua Contextualização
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO
ENSINO FUNDAMENTAL
Para dar início à disciplina, nesta Unidade
1, vamos analisar as modicações ocorridas na
compreensão do papel exercido pelo estágio
supervisionado na formação dos educadores,
assim como do próprio papel que os educadores
devem desempenhar nas escolas.
Outro ponto importante é a
necessidade de fazer a contextualização
da proposta pedagógica do estágio
supervisionado com os aspectos históricos
da Educação Física e com outras questões
presentes no projeto político-pedagógico
das escolas.
OBJETIVOS
Após nalizar esta Unidade, esperamos que você seja capaz de:
comparar algumas peculiaridades e aproximações existentes entre os cursos de
licenciatura e os de bacharelado;
discutir a necessidade de o professor desenvolver competência para atuar como
um pesquisador de sua própria ação educativa;
caracterizar as principais diretrizes do currículo de formação dos educadores
relacionadas com o estágio supervisionado;
discutir os diversos níveis de contextualização da disciplina estágio supervisionado
e a inuência que exercem sobre o seu papel como educador.
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 1 | ESTÁGIO SUPERVISIONADO E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO
322
1.1. Licenciaturas e Bacharelados: Peculiaridades e
Aproximações
Algum tempo atrás, a disciplina Estágio Supervisionado
era um dos componentes curriculares da formação de nível
superior que distinguiam um curso de licenciatura de um curso
de bacharelado.
Enquanto a conclusão do bacharelado se dava pela
elaboração de uma monograa, o que deixava claro o compromisso
com a formação inicial e generalista de um pesquisador em uma
determinada área de conhecimentos, a licenciatura, por sua
vez, era concluída por meio da apresentação do relatório de um
período de estágio supervisionado, pois o foco estava dirigido
para a formação de um educador, responsável pela intervenção
pedagógica em uma determinada disciplina do currículo escolar.
Atualmente, tal interpretação está sendo revista. Vejamos
os motivos:
Primeiro, em razão de a formação para a pesquisa prescindir
de uma série de estratégias metodológicas de interação com
a realidade, o que implica valorização dos aspectos práticos
do trabalho de investigação de campo. Sendo assim, um
bom pesquisador pressupõe um período de estágio, também
supervisionado, no exercício das funções próprias do
“laboratório” de uma linha de pesquisa em particular.
Segundo, o envolvimento do educador com a reexão crítica
e com a teorização da sua prática pedagógica exige que a sua
formação articule, de forma paralela, tanto os componentes
relacionados com a dimensão didática como os componentes
relacionados com a dimensão investigativa. Assim, um bom
educador pressupõe a capacidade de reetir criticamente
sobre a ação educativa, culminando com a redação de um
relatório cientíco, o qual pode ou não assumir o formato
de uma monograa, mas que deve demonstrar, de forma
inequívoca, as condições necessárias para atuar como
pesquisador.
323
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 1 | ESTÁGIO SUPERVISIONADO E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO
Por isso, a estrutura curricular dos cursos de formação
de educadores precisa passar por uma reestruturação, no
sentido de favorecer, sobretudo, a articulação entre teoria e
prática ao longo de todo curso, assim como a aproximação
entre as universidades, instituições formadoras, e as escolas,
espaços nos quais a formação pedagógica deve ser objeto de
uma ação educativa. Dentro desse contexto, a disciplina Estágio
Supervisionado tem um importante papel a desempenhar. É o
que veremos, a seguir.
1.1.1. O Estágio Supervisionado na Nova Concepção do
Currículo de Formação dos Educadores
De acordo com o Parecer do Conselho Nacional de
Educação, que xa as diretrizes nacionais para a formação de
professores para a Educação Básica, existe uma contradição
entre o papel desempenhado pelo licenciando:
Em outras palavras, essa denominada “simetria invertida”
nos coloca diante do seguinte dilema:
É possível aprender a ser professor a partir da reunião de
experiências obtidas na condição de estudante?
Para evitar esse fenômeno, a disciplina Estágio
Supervisionado deve ter sua centralidade denida em razão
do exercício crítico e consciente da docência por parte dos
estudantes.
A vivência e o convívio com a realidade escolar devem
proporcionar o contato dos educadores em formação com as
Durante o processo de sua
formação como educador
momento em que desempenha
o papel de aluno.
O papel que deverá assumir
depois de concluída a formação
quando passará a atuar como
um professor.
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 1 | ESTÁGIO SUPERVISIONADO E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO
324
diversas fases e com os diferentes papéis a serem desenvolvidos
na ação educativa.
Ao se dedicar à fase de diagnóstico, por exemplo, o
licenciando precisa dos referenciais fornecidos pelas disciplinas
relacionadas com os aspectos:
1. sociolosócos e históricos, para fazer uma análise da
conjuntura em que a escola está inserida;
2. culturais e políticos, para ser capaz de dialogar com a
realidade de vida dos educandos;
3. psicológicos e biológicos, para ter sensibilidade diante das
necessidades dos educandos.
O planejamento educacional, por sua vez, exige
habilidades voltadas para o trabalho coletivo de
negociação de interesses e valores para construção
de um projeto político-pedagógico pautado no
conhecimento:
1. da legislação e das políticas públicas para a educação
brasileira, no sentido geral e do seu Estado em particular;
2. das possibilidades interdisciplinares para um trabalho
integrado entre os professores de várias disciplinas;
3. das características individuais, experiências e perspectivas
de vida dos educandos;
4. do envolvimento da escola com a comunidade local.
Para mobilizar os educandos para aprendizagem, o
educador deve ter:
1. disponibilidade para interagir com eles,
2. sensibilidade para aprender a ouvi-los,
3. autoridade para mediar conitos; e
4. em especial, motivação própria e envolvimento pessoal
com a disciplina que irá lecionar.
325
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 1 | ESTÁGIO SUPERVISIONADO E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO
No caso das questões relacionadas ao ensino e à
avaliação, todos devem lembrar que elas já foram objeto de
estudo em disciplinas como a didática da Educação Física e
Práticas Curriculares.
Vejamos as características da formação pedagógica do
educador e as características da formação do pesquisador.
O Estágio Supervisionado, dentro dessa nova concepção
do currículo de formação dos educadores, ao invés de seguir
uma estrutura predenida e comum para todos, aceita o desao
de investir na proposta de levar os estudantes para a realidade
e, consequentemente, de trazer a realidade, com todos os seus
conitos, para dentro da universidade.
Você percebe que a teoria deixa de ter como referência
uma realidade fragmentada pela lógica de construção do
conhecimento científico, e passa a ser testada em sua
capacidade de resolver os problemas concretos vivenciados
na ação educativa?
Isso contribui para esclarecer que, muito mais do que trazer novos
conteúdos e teorias, a disciplina Estágio Supervisionado tem o papel de
integrar, de forma crítica e criativa, os conhecimentos adquiridos ao longo
do curso e de criar a oportunidade de vivenciar o desao de colocá-los em
prática na realidade escolar.
Formação do educador Formação do pesquisador
É fundamentada no desenvolvimento
de competências relacionadas a cada
uma das fases supracitadas, a partir
do princípio de ação–reexão–ação
(integração entre prática e teoria).
Requer novas competências
desenvolvidas a partir da continuidade
desse eixo, acrescido de dois outros
elos, reexão–redação, que devem ser
apropriados pelos educadores para
que se qualiquem para o processo
de teorização da prática pedagógica.
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 1 | ESTÁGIO SUPERVISIONADO E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO
326
Agora que já entendemos, em linhas gerais, a contribuição
do estágio supervisionado para a formação do educador, vamos
nos dedicar à sua contextualização.
1.1.2 Contextualizando o Estágio Supervisionado
Existem diversos níveis de abrangência e sentidos para
o termo contextualização. Como, de certa forma, a complexa
tarefa de explicitar as diversas denições conceituais do termo
“contextualização” reproduz parte das contradições presentes
na educação como um todo, vale a pena dedicar um tempo para
essa reexão.
O primeiro passo na busca das referências que envolvem
a ação educativa remonta à discussão sobre os aspectos
históricos, em suas diferentes versões interpretativas, dos
modelos e das instituições educativas existentes na sociedade
ocidental cristã moderna.
Veja que essa análise contribui para desvelar os vínculos
ideológicos entre as concepções de homem e sociedade
que foram engendradas em determinados projetos político-
pedagógicos de educação das novas gerações, explicitando os
interesses em jogo no cenário político e social da época.
Esse nível macro de contextualização destaca que o
processo de escolarização da educação na sociedade atual
(pois a “invenção”, por assim dizer, da escola é algo recente na
história) não deve conduzir a uma postura de concorrência nem
ao afastamento da escola das outras instituições responsáveis
pela educação da juventude. Educação é um compromisso
que se honra de forma coletiva, colaborativa e articulada.
Da mesma forma, não se pode desprezar o protagonismo
do papel desempenhado pela escola na sociedade
contemporânea, que evidencia o fato de a Educação não ser
mais vista como uma questão privada, congurando-se como
um direito de toda criança, a rigor de todo cidadão, e um dever
do Estado.
A família, a igreja e
as demais entidades
sociais são exemplos
de outras instituições
responsáveis pela
educação da
juventude.
327
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 1 | ESTÁGIO SUPERVISIONADO E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO
Além dos condicionantes políticos e sociais que
circunscrevem a ação, é preciso também contextualizar a
ação educativa dentro das diversas concepções de educação
presentes no cenário escolar, ou seja, as diversas formas como
a escola foi pensada ao longo do tempo.
Os saberes que a Educação Básica deve promover
(saber conhecer, saber fazer, saber conviver, saber ser e saber
agir) estão associados a diferentes modelos de currículo, o que
exige a capacidade crítica de transição do educador de uma
determinada postura pedagógica para outra e, ao mesmo tempo,
de construir a articulação possível entre elas no projeto político-
pedagógico da escola.
Considerando que a formação prossional é parte das
atribuições do sistema de ensino, que em nível superior capacita
pessoas para a carreira do magistério, o próprio processo de
formação do educador deve estar contextualizado com a
realidade escolar, em particular, e com a realidade social, como
um todo.
Essa não pode ser uma tarefa somente da disciplina
Estágio Supervisionado, mas de todo o currículo de formação
do educador.
Uma vez dentro da escola, existem diversos níveis de
contextualização sobre os quais conversamos na apresentação
da disciplina, cujos nexos devem estar claramente denidos no
planejamento educacional e, por consequência, materializados
na prática pedagógica em sala de aula, ou melhor, nos espaços
de ensino:
Como já destacamos, a teoria deve estar contextualizada com a
prática, assim como a atuação pedagógica de cada professor está
contextualizada com suas experiências educativas anteriores, anal
deverá ser professor e atuar no mesmo nível de ensino no qual já esteve
presente como estudante.
Ao falar em
condicionantes
políticos e sociais
que circunscrevem
a ação educativa,
queremos dizer que a
escola está dentro de
uma sociedade
particular, a
brasileira, com
especicidades e,
ao mesmo tempo,
vinculada a problemas
globais.
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 1 | ESTÁGIO SUPERVISIONADO E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO
328
1. o ensino de uma disciplina em particular deve estar
contextualizado em uma proposta interdisciplinar;
2. os conteúdos das disciplinas devem estar contextualizados
com a realidade e as experiências de vida dos educandos;
3. as atividades de ensino devem estar contextualizadas
com as atividades de pesquisa que estimulem a reexão e
teorização sobre a prática educativa;
4. o projeto político-pedagógico da escola deve estar
contextualizado com os problemas da comunidade em que a
escola está inserida, e assim por diante.
Em síntese, o esforço de contextualização deve ser
entendido como a necessidade de correlacionar e transitar
entre os diversos níveis que cercam a ação educativa, desde
os aspectos históricos sociais até as questões do dia a dia da
sala de aula. Isso evita cair nos extremos dos que se preocupam
somente com as questões políticas gerais e deixam de lado as
questões e as pessoas que têm diante de si, ou se preocupam
somente com o cotidiano da relação professor e aluno e se
desligam dos problemas sociais que afetam a vida da escola, da
comunidade, do país e do planeta.
Hora de praticar
Vamos exercitar a capacidade de contextualização da Educação Física escolar
descrevendo uma situação pedagógica que exemplique pelo menos um dos
níveis relacionados abaixo:
1. Contextualização histórica;
2. Contextualização interdisciplinar;
3. Contextualização prática;
4. Contextualização com a pesquisa;
5. Contextualização com a realidade social.
Depois, publique seus exemplos no ambiente virtual a ser indicado pelo seu tutor.
329
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 1 | ESTÁGIO SUPERVISIONADO E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO
1.3 Conhecimentos Previamente Adquiridos
Os conhecimentos prévios podem ser organizados em
dois grupos: 1) os conhecimentos e as competências advindos
de outras disciplinas e obtidos ao longo do processo de formação
como um educador, e 2) os conhecimentos e as competências
vivenciados ao longo de sua jornada educacional, em particular,
e da sua experiência de vida, como um todo, que contribuem
para a formação de sua identidade como educador.
O bom educador geralmente possui conhecimentos sobre:
Tais conhecimentos certamente exercem inuência sobre
o trabalho pedagógico, que pode ou não ser benéca para a
qualidade de ensino. Por quê?
Bem, da mesma forma que os educadores podem
ter aprendido, em sua experiência anterior, posturas
recomendadas e ecientes, podem também ter adquirido vícios
a disciplina a ser lecionada, demonstrando familiaridade
com os conteúdos especícos e capacidade para fazer inter-
relações com outras disciplinas e com a vida do educando.
a escola na qual vai trabalhar, o que
abrange desde a legislação até a
vivência da rotina de funcionamento
da escola e os espaços de interação
entre os segmentos que compõem
a comunidade escolar, os quais
incluem a família dos educandos e
a comunidade circunvizinha.
o educando com qual vai se
relacionar, identicando as
necessidades e os interesses
típicos de sua faixa etária e
contexto sociocultural, de forma
a ser capaz de comunicar-se
e de adequar sua proposta às
características individuais.
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 1 | ESTÁGIO SUPERVISIONADO E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO
330
e, inconscientemente, agir como reprodutores de posturas
inadequadas e prejudiciais para o desenvolvimento da proposta
pedagógica.
Nossos conhecimentos prévios devem ser alvo de uma
análise crítica, pois possuem uma natureza antagônica:
1.4 Etapas de Construção de um Projeto
Agora, chegou o momento de conversarmos sobre as sete (7)
fases de elaboração de um projeto. Vamos explorar cada uma
delas.
1. Diagnóstico – fazemos o diagnóstico conhecendo a escola,
os estudantes e a realidade social. Utilizamos estratégias de
avaliação relacionadas com o ver – observação – e o ouvir –
entrevista; reexão coletiva sobre: o que se deve ver? E quem
é importante ouvir?
2. Construção coletiva – entre professores e estudantes,
do projeto político-pedagógico da escola e da disciplina.
Utilizamos como estratégias de planejamento: organização do
tempo, denição das responsabilidades e operacionalização
das ações a serem executadas associadas com a denição
sobre: o que se deve ler? E o que é preciso escrever?
3. Denição dos objetivos reetir sobre as demandas
da educação geral e da Educação Física; dos estudantes
e da escola; da família, e de vocês, professores, enquanto
educadores, relacionados ao esporte, lazer, saúde e educação.
4. Seleção dos conteúdos – deve abranger as dimensões
conceituais, atitudinais e procedimentais.
Uma parte desses conhecimentos
contribui para nossa riqueza
formativa, pois enquanto herança
cultural e de vida não pode ser
ensinada pela universidade.
Outra parte prejudica a nossa
capacidade de criar e inovar,
mantendo-nos presos ao
tradicional e à reprodução de
todas as mazelas do ensino das
quais fomos vítimas.
331
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 1 | ESTÁGIO SUPERVISIONADO E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO
5. Adaptação das metodologias de ensino – refere-se à
diversicação das estratégias de ensino de acordo com as
diferenças individuais e os objetivos a serem alcançados (troca
de experiências com os demais colegas sobre como lidar com
os conitos entre os estudantes; dos estudantes com você; dos
estudantes com outros educadores; dos estudantes com os
gestores; dos estudantes com os servidores, e dos estudantes
com seus familiares).
6. Elaboração e aplicação dos instrumentos de avaliação
– falamos sobre a avaliação da aprendizagem, do processo
educativo e dos agentes envolvidos. Devemos elaborar a
formatação gráca dos instrumentos; os procedimentos de
coleta de dados; as estratégias de tabulação dos dados; a
análise estatística e qualitativa dos dados; a discussão teórica
dos resultados obtidos, e as recomendações.
7. Reflexão crítica e problematização do fazer
pedagógico – refere-se à pesquisa aplicada à educação
(como delimitar a situação problema; o que é preciso ler
para fundamentar a discussão; como fazer o cruzamento
entre os dados e a teoria; o que escrever e qual o formato
mais recomendado).
332
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 1 | ESTÁGIO SUPERVISIONADO E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO
Concluímos a Unidade 1,
na qual vimos que o curso
de Licenciatura está
centrado na formação do
educador, mas a compreensão
do papel a ser desempenhado
pelo educador na escola está em
constante revisão, até mesmo pelo
caráter político que marca a ação
educativa.
Se antes o currículo de
Licenciatura preocupava-se em
fornecer oportunidades para que os
professores em formação tivessem
experiências docentes, hoje também
é necessário que possuam vivências
relacionadas com a pesquisa
cientíca, o que se aproxima do
conceito de um pesquisador, próprio
do Bacharelado.
A disciplina Estágio
Supervisionado, dentro desse contexto,
marca um momento de síntese de
todo o curso, quando os estudantes
são convidados a revisitar o conteúdo
das disciplinas já cursadas como fonte
de conhecimentos para que possam
organizar a sua prática educativa.
Para compreender a amplitude
da proposta pedagógica do Estágio
Supervisionado é necessário, no
entanto, levar em consideração
a sua contextualização, tanto em
uma perspectiva histórica como nas
diversas articulações possíveis entre
os saberes escolares e os demais
saberes presentes no projeto político-
pedagógico das escolas.
Vimos também que o educador
deve analisar os seus saberes prévios,
por serem antagônicos, e que, por
isso, podem exercer inuência positiva
ou não na qualidade do ensino.
Finalizamos com o estudo
das etapas de elaboração de um
projeto (diagnóstico; construção
coletiva; denição de objetivos;
seleção dos conteúdos; adaptação
das metodologias de ensino;
elaboração e aplicação dos
instrumentos de avaliação, e reexão
crítica e problematização do fazer
pedagógico).
UNIDADE 2
333
Metodologia de Ensino Proposta: a Pedagogia de
Projetos
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO
ENSINO FUNDAMENTAL
Vamos tomar como referência o livro de Nilbo Ribeiro
Nogueira, que destaca a importância de se estabelecer,
claramente, as etapas de elaboração do projeto para os
estudantes não se sentirem perdidos, evitar que exista
uma contradição quanto ao objetivo principal da proposta,
desenvolver autonomia, e a sua efetivação prática.
A concretização dessa proposta pedagógica requer a prévia
desmisticação do conceito de pesquisa enquanto uma atividade sosticada,
que exige equipamentos especiais de laboratório e, portanto, parece ser algo
reservado a pesquisadores prossionais.
Em contraposição, o uso educacional da pesquisa
e do projeto de ação decorrente exige que ela seja
entendida como uma atividade presente no
cotidiano da escola. A pesquisa se constitui em uma
das principais ferramentas disponíveis para promover
a compreensão crítica da realidade que nos circunda,
revelando-se essencial para a formação histórica
da identidade de pessoas e de grupos.
Além disso, a pesquisa, ao direcionar o estudante para uma ação
transformadora da realidade social, reintroduz a interação entre teoria e prática
no contexto escolar, de forma a favorecer o domínio do conhecimento e a
apropriação da cultura por parte dos alunos.
É importante compreendermos que o foco da proposta pedagógica de
ensino por meio de projetos é promover a emancipação dos estudantes na
condução do processo de uma aprendizagem signicativa.
NOGUEIRA, N. R.
Pedagogia de
Projetos: etapas,
papéis e atores. 4ª.
ed. São Paulo: Érica
Ltda, 2009.
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 2 | METODOLOGIA DE ENSINO PROPOSTA: A PEDAGOGIA DE PROJETOS
334
OBJETIVOS
Após nalizar esta Unidade, esperamos que você seja capaz de:
explicar o cerne da proposta pedagógica de ensino por meio de projetos;
avaliar, de forma crítica, as vantagens da utilização da pedagogia de projetos
e suas implicações na reorganização do tempo e das condições de ensino
presentes na escola;
analisar a implantação da pedagogia de projetos, a qual implica na modicação
dos papéis atribuídos ao professor e aos estudantes.
335
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 2 | METODOLOGIA DE ENSINO PROPOSTA: A PEDAGOGIA DE PROJETOS
2.1 Como Fazer para os Conhecimentos Escolares
Serem Compreensíveis para os Alunos?
Bem, para os estudantes compreenderem melhor os
conhecimentos escolares, não os ordenamos de uma forma
única e rígida. Existe uma diferença entre a organização dos
conhecimentos exigida pelo processo de produção cientíca
e a organização lógica dos conhecimentos para serem
transmitidos para os alunos. Por isso, o currículo da escola não
pode estar organizado em razão de referências disciplinares
preestabelecidas.
Do mesmo modo, os alunos possuem diferenças
individuais entre si, de forma que cada um aprende por meio
de um canal de comunicação e aprendizagem diferente, logo
o currículo não pode estar organizado tendo em vista uma
homogeneização articial dos alunos.
A compreensão e a consequente apropriação de
conhecimentos dependem de dois aspectos básicos: 1) a
articulação dos conhecimentos entre si, e 2) a articulação dos
conhecimentos com a realidade de vida dos estudantes.
Nesse contexto, a função do projeto, como uma das
diversas formas didáticas de organizar os conhecimentos
escolares, é conduzir os estudantes na vivência de um processo
de transformação das informações procedentes de diferentes
saberes disciplinares em conhecimento próprio.
Para tanto, é necessário que os estudantes aprendam a
lidar com as informações, o que pressupõe serem capazes de:
1. localizar as informações necessárias;
2. interpretar o signicado das informações;
3. aplicar o conteúdo das informações na análise da realidade;
4. colocar em prática as alternativas de ação identicadas a
partir das informações;
5. avaliar os resultados de acordo com as informações;
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 2 | METODOLOGIA DE ENSINO PROPOSTA: A PEDAGOGIA DE PROJETOS
336
6. reetir criticamente sobre as informações disponíveis e suas
vinculações ideológicas.
Sendo assim, de acordo com Hernandez e Ventura (1998,
p. 61),
A função do projeto é favorecer a criação de
estratégias de organização dos conhecimentos
escolares (...) em relação 1) ao tratamento
da informação, e 2) à correspondência
entre os diferentes conteúdos em torno de
problemas ou hipóteses que facilitem aos
alunos a construção de seus conhecimentos,
a transformação da informação procedente
dos diferentes saberes disciplinares em
conhecimento próprio.
Todo projeto deve seguir um determinado eixo, denido a
partir do objetivo educacional. Veja alguns exemplos de objetivos
educacionais: explicar um conceito; identicar as raízes de um
problema social; discutir uma temática veiculada pela mídia;
dentre outros.
Normalmente os projetos têm um comum um convite à
interdisciplinaridade, pois superam os limites de uma disciplina
em particular.
Em um primeiro momento é necessário obter, e depois
articular, algumas informações necessárias para a adequada
delimitação do eixo e a denição do objeto de estudo do
projeto. Em um segundo momento, a atenção deve estar focada
A denição do
objeto de
estudo não está
determinada de
antemão, mas
deve ser denida
em razão
do objetivo e dos
conhecimentos
anteriores dos
estudantes.
337
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 2 | METODOLOGIA DE ENSINO PROPOSTA: A PEDAGOGIA DE PROJETOS
nos procedimentos metodológicos necessários para garantir a
realização do projeto.
E no interior do projeto, como devemos ver a escola?
Bem, o papel da escola na formação humana deve
conciliar as demandas externas de preparação dos jovens para
a vida, ao mesmo tempo em que se preocupa com as suas
responsabilidades na transmissão do saber historicamente
produzido.
Não podemos nos acomodar nos extremos, ou seja,
moldar a escola conforme as demandas sociais externas ou
dedicarmo-nos somente ao conhecimento em si mesmo. As
duas opções consideradas de forma isolada redundam em um
currículo manipulador e determinista, que desenvolve cidadãos
acríticos, que cam à mercê dos ditames daqueles que denem
o que se deve ou não estudar.
Segundo Nogueira (2009, p. 20),
(...) trabalhar com os conteúdos de forma
procedimental parece ser uma das alternativas
para auxiliar os estudantes no desenvolvimento
de múltiplas competências, que hoje são
exigidas pela sociedade.
É claro que, além disso, essa é uma forma de desenvolver
a autonomia para um agir politicamente engajado e a consciência
tanto de sua capacidade criativa como de seu papel como sujeito
na construção da realidade social.
Nogueira (2009, p. 21) alerta que uma das maiores
diculdades que os professores enfrentam para realizar um
trabalho pedagógico de natureza procedimental é a exigência
de tempo de dedicação, o que entra em conito com a grande
carga de conteúdos acadêmicos a ser cumprida.
Esse, no entanto, não é um problema que afeta a
Educação Física; disciplina em que o professor tem o privilégio,
e ao mesmo tempo a responsabilidade, de denir o currículo que
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 2 | METODOLOGIA DE ENSINO PROPOSTA: A PEDAGOGIA DE PROJETOS
338
julga ser o mais adequado, sem precisar seguir uma denição
prévia e rígida do que ensinar.
Nosso desao é superar uma ação educativa
exclusivamente prática, mostrando a importância de associá-
la a uma reexão teórica sobre seus fundamentos cientícos e
o contexto em que está inserida, como também superar uma
ação educativa predominantemente diretiva, na qual o professor
apresenta apenas tarefas a serem cumpridas, ao invés de
situações problema que exijam a participação ativa e consciente
dos estudantes.
Bem, agora veremos as vantagens da aprendizagem por
meio de projetos:
Possibilitar um trabalho pedagógico procedimental;
Propiciar maior interação entre os estudantes e a capacidade de
trabalhar em equipe;
Facilitar a aprendizagem dos conceitos por meio de uma concepção os
articula em uma rede de signicados;
Possibilitar o atendimento à diversidade das formas de aprendizagem
dos estudantes (diferenças individuais);
Auxiliar no desenvolvimento do espectro de competências;
Auxiliar no desenvolvimento da autonomia, criatividade e espírito
cooperativo.
339
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 2 | METODOLOGIA DE ENSINO PROPOSTA: A PEDAGOGIA DE PROJETOS
2.1.1 Denição dos Papéis
A descrição dos papéis não pretende xar uma metodologia
que deve ser seguida de forma rígida e sim alertar para as
principais etapas que garantem a abrangência do processo
educativo por meio de projetos, como também, demarcar a
necessidade de o professor:
1. dar autonomia aos estudantes para planejar e executar o
projeto;
2. desempenhar a sua função de facilitador e seu papel na
organização do processo como um todo;
3. aprender a indagar e conduzir os estudantes para a reexão
sobre: o que fazer? por que fazer? como fazer? quanto tempo
para fazer?
4. entender que a mediação deve ser diferenciada de acordo
com as necessidades e as características de cada grupo
(nunca fazer comparações!);
5. identicar as competências dos estudantes e saber
estimulá-los a trabalhar em equipe aproveitando o potencial
de cada um.
Bem, agora estamos prontos para explorar as etapas
do projeto e o papel do professor e dos alunos nestas fases.
Vamos lá!
Etapas e papel do professor Etapas e papel dos estudantes
Denição do tema
O professor avalia as necessidades
e o contexto e sugere uma relação
de temas para os estudantes
(os próprios estudantes devem
ser consultados na elaboração
da relação de temas, mas que
passam por uma apreciação do
professor, que deve explicitar
seus critérios para escolha).
Os estudantes devem reetir e
argumentar sobre o tema que
consideram como o mais relevante
e decidir, com apoio do professor,
qual(is) deve(m) ser selecionado(s).
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 2 | METODOLOGIA DE ENSINO PROPOSTA: A PEDAGOGIA DE PROJETOS
340
Etapas e papel do professor
Etapas e papel dos estudantes
Planejamento
Acompanhamento
Execução
Depuração
Apresentação
O professor é responsável pelos
aspectos operacionais (recursos
materiais, prazos, equipamentos,
transporte, alimentação dentre
outros) e supervisiona a denição
dos objetivos e das ações a serem
planejadas pelos estudantes.
Os estudantes devem denir,
de forma clara e quanticável,
os objetivos do projeto, como
também as ações a serem
realizadas e a divisão de tarefas
entre os membros do grupo.
O professor acompanha e auxilia
nas etapas de execução, depuração,
apresentação e avaliação do projeto;
motiva os estudantes; controla os
prazos e verica o envolvimento
de todos os membros do grupo.
Os estudantes buscam o apoio
do professor para trocar ideias,
assim como recorrem a outras
pessoas que possam contribuir
com o desenvolvimento do projeto.
O professor deve garantir o
suporte operacional para que os
estudantes consigam realizar as
ações planejadas, aproximando-
se dos grupos de forma a
antecipar as diculdades.
Os estudantes colocam em
prática as ações planejadas,
fazendo os ajustes necessários
e compartilhando as
diculdades entre si e com o
professor (comunicação).
O professor provoca os
estudantes, estimulando
a reexão sobre as ações
e os resultados parciais
obtidos de forma a melhorar
a qualidade do projeto.
Os estudantes analisam de forma
crítica o que já foi realizado e
fazem uma avaliação crítica dos
objetivos e das ações e, quando
não estão satisfeitos, replanejam
e acrescentam novas ações.
O professor orienta a preparação
para a apresentação e assiste
todas as apresentações,
avaliando o trabalho do
grupo e fazendo anotações
sobre os ajustes que julga
serem necessários.
Os estudantes planejam e fazem
a apresentação do projeto
expondo desde a sua concepção
inicial até as transformações que
ocorreram ao longo do processo,
com destaque para os produtos
nais e as propostas decorrentes
da realização do projeto.
341
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 2 | METODOLOGIA DE ENSINO PROPOSTA: A PEDAGOGIA DE PROJETOS
Adaptado de Nogueira (2009:96-7)
Etapas e papel do professor Etapas e papel dos estudantes
Ajustes nais
Avaliação
Registro
O professor e os demais colegas
da turma apontam os itens que
não foram abordados e os que
precisam ser aprofundados, ao
mesmo tempo em que fazem
o fechamento acrescentando o
que julgarem necessário para
enriquecer o aprendizado.
Os estudantes assistem a
apresentação dos colegas
e contribuem na avaliação
crítica, fazendo, na medida do
possível, uma interação entre o
projeto apresentado e o projeto
do seu grupo ou de outros
grupos que já apresentaram.
O professor coordena uma sessão
de autoavaliação e autocrítica
dos estudantes; depois contribui
para uma avaliação do processo
e, por m, com o apoio da turma,
faz uma avaliação nal do produto
alcançado em cada grupo.
Os estudantes participam da
dinâmica de avaliação retomando
os objetivos de cada projeto
e reetindo sobre o processo
vivido em cada grupo e os
resultados alcançados.
O professor registra todo o
processo desde o início até
a avaliação nal dos grupos.
Redige um documento nal no
qual sistematiza teoricamente a
experiência prática vivenciada na
realização do projeto, apontando
as insuciências e sugerindo a
continuidade da discussão.
Os estudantes registram a trajetória
ao longo de todo o processo, de
forma espontânea ou com os
recursos sugeridos pelo professor.
Fazem uma avaliação do nível de
satisfação com as experiências e
apresentam sugestões de ajuste
para um próximo projeto.
Todo este quadro deve ser
utilizado ao longo de toda a
disciplina, pois as diversas
fases previstas na pedagogia
de projetos correspondem às
unidades da disciplina Estágio
Supervisionado (de acordo com
o que está especicado nos
subtítulos do quadro acima).
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 2 | METODOLOGIA DE ENSINO PROPOSTA: A PEDAGOGIA DE PROJETOS
342
Hora de praticar
Releia com atenção o quadro que descreve as etapas a serem vivenciadas
ao longo da proposta pedagógica do ensino por meio de projetos e realize a
seguinte atividade:
1a. Identique, de acordo com a sua opinião, em qual etapa o professor terá
maior diculdade para cumprir o papel que lhe foi designado. Justique a
sua resposta;
1b. Apresente sugestões sobre o que o professor deve fazer para superar
tal diculdade;
2a. De acordo com a sua opinião, identique em qual etapa os estudantes
terão maior diculdade para cumprir o papel que lhes foi designado. Justique
a sua resposta;
2b. Apresente sugestões sobre o que os estudantes e o professor devem
fazer para superar tal diculdade.
Depois, publique seus exemplos no ambiente virtual a ser indicado pelo seu tutor.
343
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 2 | METODOLOGIA DE ENSINO PROPOSTA: A PEDAGOGIA DE PROJETOS
Concluímos a Unidade 2,
na qual vimos que a função
social da escola deve
abranger o desenvolvi-
mento de competências humanas para
que os estudantes sejam capazes de
lidar com o seu papel na sociedade
de forma crítica e consciente, assim
como se tornarem prossionais
em condições de satisfazer com
qualidade as necessidades dos
estudantes e da sociedade brasileira.
A pedagogia de projetos é
uma das alternativas para a ação
educativa no âmbito das escolas que
possibilita o alcance das nalidades
da educação supracitadas, com
destaque para a emancipação dos
estudantes, ou seja, para o resgate
da compreensão de suas funções
enquanto sujeitos do seu próprio
aprender e como produtores de
conhecimento.
É importante estar consciente
de que a implantação da pedagogia
de projetos implica reorganização dos
papéis tradicionalmente atribuídos
ao professor e aos estudantes na
condução da ação educativa e
afetam a lógica do tempo das demais
condições existentes nos espaços
escolares.
As vantagens da utilização
da pedagogia de projetos deve ser
alvo de uma avaliação crítica que
indica os momentos adequados para
sua utilização e os temas nos quais
apresenta melhor aproveitamento
acadêmico, mas também precisam
ser difundidas no meio escolar para
que sejam prontamente utilizadas
sempre que possível.
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO
ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 3
345
Pedagogia de Projetos: Formulação
Inicial do Projeto
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO
ENSINO FUNDAMENTAL
A nalidade principal desta unidade é alertar você, professor, para a necessidade
de mobilizar os estudantes para a proposta da pedagogia de projetos, para evitar o risco
de ela se transformar em apenas mais um trabalho escolar.
A implantação de propostas alternativas deve estar cercada de uma série de
cuidados que garantam o esclarecimento dos objetivos e a discussão crítica de sua
viabilidade, de maneira a deixar evidente a possibilidade de adaptações que atendam
aos interesses de todos os envolvidos.
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 3 | PEDAGOGIA DE PROJETOS: FORMULAÇÃO INICIAL DO PROJETO
346
OBJETIVOS
Após nalizar esta Unidade, esperamos que você seja capaz de:
diferenciar projetos temáticos de projetos de trabalho;
identicar o risco dos modismos na seleção do tema do projeto
analisar a importância de assumir o compromisso da pedagogia de projetos com
a transformação da realidade;
estabelecer um vínculo entre o projeto da turma e o projeto político-pedagógico
da escola.
347
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 3 | PEDAGOGIA DE PROJETOS: FORMULAÇÃO INICIAL DO PROJETO
3.1 Elaborando um Projeto
Na elaboração do projeto temos duas opções iniciais: um
projeto temático ou um projeto de trabalho. Independente da
escolha, o crucial é que a decisão seja tomada de forma coletiva,
com a orientação do professor, mas seguindo os interesses dos
estudantes.
A intenção de utilizar a pedagogia de projetos deve estar
clara para todos os envolvidos, tanto para os estudantes como
para a coordenação pedagógica da escola.
O projeto tem a vantagem de romper com o presente
ao propor uma ação voltada para a transformação tanto das
mentalidades como do contexto social em prol de um futuro
diferente do que temos hoje.
A participação na elaboração do projeto destaca o caráter
político do educar, pois faz a articulação entre a teoria e a prática
ao mesmo tempo em que resulta no empoderamento dos jovens
diante de sua realidade social.
A experiência adquirida em torno do projeto reforça a
proposta pedagógica de que a escola deve ter um compromisso
com diversas formas de saberes: aprender a aprender, aprender
a fazer, aprender a conviver, aprender a agir socialmente,
aprender a conhecer, aprender a ser.
Faço um projeto temático ou
um projeto de trabalho?
O professor deve ter uma atenção especial para que a escolha não recaia
sempre nos modismos e em uma reprodução do que se vê na mídia. “Nossa
função como educadores é voltar todos os esforços para que a práxis esteja
norteada para a excelência e não para a simplicação” (NOGUEIRA, 2009,
p. 33) e distorção da realidade social.
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 3 | PEDAGOGIA DE PROJETOS: FORMULAÇÃO INICIAL DO PROJETO
348
Nogueira (2009, p. 39) chama atenção para o fato de que
o projeto, temático ou de trabalho, deve estar a serviço do Projeto
Político-Pedagógico da escola, sob pena de, apesar de produzir
bons resultados e contribuir para a aprendizagem dos estudantes,
terminar por aparecer de forma tão descontextualizada das
demais ações da escola que seus resultados “acabem se diluindo
e não representando grandes conquistas como processos
educativos”.
De acordo com Nogueira (2009. p. 40)
Durante o ano letivo, muitas situações
inusitadas podem ocorrer, como, por exemplo,
uma catástrofe climática, um problema
comportamental dos alunos, o uso de drogas,
a incidência de gravidez ou qualquer outro
tema que tenha despertado grande interesse
dos alunos. Dos fatos que emergiram da
própria comunidade escolar podemos rever
nossos planejamentos e utilizar a dinâmica de
trabalho com projetos como estratégia para o
enfrentamento de alguns desses problemas.
De qualquer forma, os novos projetos, não
planejados no início do ano, na medida do
possível não devem se perder dos objetivos
maiores da escola que normalmente constam
no projeto político-pedagógico.
É importante ressaltar que o projeto não é do aluno e sim
da turma, assim como, é também do próprio professor, o qual
deve ser visto como um coautor, ou seja, alguém que também
tem uma participação ativa e intervém de forma efetiva na sua
trajetória.
Como um exemplo, Nogueira (2009, p. 45) cita a seguinte
situação:
Imaginemos um projeto sobre o meio ambiente
em que alguns alunos se interessam em
investigar as possíveis formas de poluição.
Já outro grupo prefere realizar uma pesquisa
sobre as diferentes formas de reciclagem. Um
terceiro grupo pode se interessar pela busca de
informações sobre o histórico de sua cidade,
para mostrar como ocorreu a degradação da
fauna e da ora em função do desenvolvimento.
349
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 3 | PEDAGOGIA DE PROJETOS: FORMULAÇÃO INICIAL DO PROJETO
Temos em um mesmo projeto 3 grupos com
interesses diferentes que podem desenvolver
uma proposta de estudo colaborativa, pois
oferecem 3 olhares diferentes para o mesmo
grande tema, favorecendo que no momento
de compartilhamento das descobertas, todos
aprendam muito mais.
Ao nal desse projeto temático, é possível que se
mobilizem para a realização de uma campanha educativa, dando
origem a um projeto de trabalho.
Hora de praticar
Elabore uma dinâmica de grupo que auxilie na denição dos objetivos com a realização do
projeto. A dinâmica deve ser desenvolvida pelo estagiário com a turma que está sob sua
responsabilidade.
Cada estudante deve ser orientado a escrever qual é o seu principal objetivo com a realização
do projeto. Em seguida, devem ser formados grupos de 5 pessoas. O grupo deve classicar
os objetivos, momento em que alguns objetivos podem ser reunidos, subdivididos ou criados.
O resultado do trabalho do grupo deve ser escrito no quadro de forma a criar um grande
painel com a síntese de todos os grupos. Ao nal, cada estudante deve selecionar, no painel
da turma, os dois objetivos que consideram mais importantes (fazer uma estrela ao lodo do
objetivo). A contagem do número de estrelas de cada objetivo indica aqueles considerados
prioritários pela turma. Nesse momento, deve ser realizado um debate para esclarecer as
motivações implícitas na escolha, assim como uma reexão sobre os demais objetivos que
não tiveram muito destaque, mas que devem ser considerados também relevantes.
Realizada a atividade, publique seus exemplos no ambiente virtual a ser indicado pelo seu tutor.
Não é possível realizar um
trabalho em equipe quando não
existe harmonia entre os diversos
objetivos dos estudantes, logo
esse é um momento importante
de negociação, para denir
os objetivos principais, e de
pactuação, para garantir o
envolvimento de todos com os
objetivos xados pela turma sob
a direção do professor.
VOCÊ É
MUITO EGOÍSTA!
É ISSO AÍ,
CARA, SÓ
PENSO EM MIM.
EI, ONDE
ESTÁ O SEU
CORAÇÃO?
NA
GELADEIRA!
QUER UM
PEDACINHO?
AH!
FICA AÍ
SOZINHO,
TÁ BOM?
AH! EU NEM
TINHA
NOTADO...
VOCÊ
ESTAVA AÍ?
ADAPTADO DE HTTP://NOVAS-GESTOES.BLOGSPOT.COM/2010/06/INDIVIDUOS-MULTIVIDUOS-E-TRABALHO.HTML
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO
ENSINO FUNDAMENTAL
350
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 3 | PEDAGOGIA DE PROJETOS: FORMULAÇÃO INICIAL DO PROJETO
Unidade 3 nalizada! Nela,
vimos que a primeira
etapa de qualquer ação
educativa deve ser a mo-
bilização dos estudantes para
aprendizagem, momento em que o
professor deve ser capaz de mostrar
a relevância social do conhecimento
a ser aprendido, como também as
suas conexões com a realidade de
vida dos estudantes.
No caso da pedagogia de
projetos, esse momento deve ser
utilizado para:
1. esclarecer quais são as opções de
projetos (temático ou de trabalho);
2. destacar a importância da escolha
adequada do tema do projeto;
3. explicitar de forma clara, para
todos os envolvidos, os objetivos
a serem alcançados com a
realização do projeto;
4. criar oportunidades para o
desenvolvimento dos diversos
saberes que devem estar
presentes na Educação Básica
(aprender a aprender, aprender
a fazer, aprender a conviver,
aprender a agir socialmente,
aprender a conhecer, aprender a
ser);
5. tomar consciência de que a
educação é uma ação política
e engajada com a comunidade
circunvizinha.
UNIDADE 4
351
Pedagogia de Projetos: Início, a Definição do Tema
do Projeto
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO
ENSINO FUNDAMENTAL
Agora, é hora de selecionar o tema. Muita calma nessa hora, pois precisamos
tomar alguns cuidados para deni-lo. A experiência acumulada com a pedagogia de
projetos nos permite fazer uma série de recomendações em relação à seleção do
tema do projeto, as quais contribuem para que a proposta seja bem sucedida. Além
de discutirmos sobre a seleção do tema, também conversaremos sobre o papel do
professor nesse processo de escolha.
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 4 | PEDAGOGIA DE PROJETOS: INÍCIO, A DEFINIÇÃO DO TEMA DO PROJETO
352
OBJETIVOS
Após nalizar esta Unidade, esperamos que você seja capaz de:
discutir os principais cuidados com a seleção do tema do projeto;
explicar o papel do professor na seleção do tema;
explicar o papel do aluno na seleção do tema.
353
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 4 | PEDAGOGIA DE PROJETOS: INÍCIO, A DEFINIÇÃO DO TEMA DO PROJETO
4.1 Recomendações
E como fazer esta ou aquela escolha de um
tema? Bem, a motivação pode ser por conta de
experiências anteriores; de um fato da atualidade;
de situação problema da comunidade; de questão
pendente em outro projeto.
O importante é tornar a discussão pública
em um painel nas paredes externas da sala (ou em
lugar adequado da escola) de forma a envolver as
outras turmas e os pais com o projeto.
No processo de seleção do tema é possível convidar
especialistas, preparar apresentações, utilizar vídeos ou
realizar um dossiê com a descrição do objeto de trabalho, de
forma a reetir sobre: relevância social; viabilidade operacional;
motivação do grupo.
Essa fase inicial requer de você, professor, um trabalho
prévio de coleta de informações adequadas que capacitem
os estudantes para uma discussão crítica da questão,
compreendendo a abrangência do tema e a sua relação com
outros temas pertinentes.
Um critério importante a ser considerado no momento da
escolha é o nível de envolvimento dos estudantes com o tema.
O processo de seleção do tema
sofre modicações em razão
do nível de escolaridade, da
etapa de aprendizagem,
das características da
turma, dentre outros.
Violência nos Estádios Brasileiros de futebol
Mas cuidado: o professor, ao escolher um tema, deve evitar a inuência
dos modismos, ou seja, seguir uma tendência externa à escola e que não
desperta o interesse dos estudantes.
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 4 | PEDAGOGIA DE PROJETOS: INÍCIO, A DEFINIÇÃO DO TEMA DO PROJETO
354
Então, devemos prestar atenção a questões que afetam a todos,
como a violência, o sexo, a higiene.
Compete, portanto, ao professor delimitar o tema, garantir
que a discussão se dirija à raiz dos problemas e que possua
relevância social, ou seja, que esteja presente na realidade
de vida dos estudantes e, ao mesmo tempo, que possa ser
analisado de forma globalizada.
Veja que na condução do processo de seleção, o professor
deve assegurar que os depoimentos estejam dirigidos para o
acordo, ou seja, cada estudante deve ter a oportunidade de falar
sobre o que os diferentes temas têm em comum. Logo, não deve
ser feito um debate que reforce a contraposição entre os temas.
Cada um deve aprender a argumentar a favor das
vantagens de um tema sem apresentar crítica aos outros temas.
Os colegas devem aprender a ouvir e a respeitar a opinião de
quem está com a palavra. As inscrições devem destacar os
Atenção: não devemos colocar os temas em votação, pois tal atitude
desperta um sentido competitivo que termina por dividir o grupo em
“vencedores” e “perdedores”. Isso pode levar os “perdedores” a perderem
o interesse e a não participarem efetivamente do projeto.
Nesse caso, o consenso é a melhor estratégia para seleção do tema,
mesmo que demore um pouco mais. A decisão pode ser tomada a partir da
denição de critérios, porém, o mais importante é que os estudantes terão
de aprender a negociar e dialogar.
Êba!
Ganhamos!!!
355
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 4 | PEDAGOGIA DE PROJETOS: INÍCIO, A DEFINIÇÃO DO TEMA DO PROJETO
pontos de convergência entre a opinião de quem fala e a opinião
dos antecessores.
Quando o tema do projeto não emerge da própria turma,
pois é sugerido pelo professor ou pela escola, o professor tem
a responsabilidade de mobilizar os estudantes, envolvendo-os
com a realização do projeto até que reconheçam que o projeto é
deles.
O critério de escolha, portanto, não pode ser fundado
exclusivamente em um “porque nós gostamos...” como uma
referência vaga que não é capaz de justicar-se e estabelecer
interação com os demais aspectos que devem ser alvo da
ação educativa. É preciso levá-los e pensar no seguinte: o que
queremos e devemos aprender?
E neste processo, professor e alunos desempenham
papéis importantes. Vejamos:
Papel do professor – construtor e analista do tema e do
contexto no qual o tema está inserido; articulador dos diversos
interesses na decisão sobre o tema do projeto; condutor
do processo de discussão, tendo em vista a construção do
consenso; animador que desperta a motivação e reconhece
a dedicação e o empenho dos estudantes.
Papel dos estudantes – aprender a planejar e entender que
o planejamento deve ser maleável e exível. Não se trata de
um planejamento formal e sim da clareza sobre que ações
devem ser desenvolvidas.
Atenção: não existem temas que não possam ser abordados por meio de
projetos de trabalho. O professor deve participar de forma ativa, esclarecendo
as implicações e dando sugestões que ampliem as possibilidades de
escolha dos alunos.
Lembre-se que na tradição escolar os estudantes costumam ser sempre
conduzidos, logo, quando criamos uma situação na qual devem agir com
autonomia, eles podem se sentir perdidos.
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 4 | PEDAGOGIA DE PROJETOS: INÍCIO, A DEFINIÇÃO DO TEMA DO PROJETO
356
Hora de praticar
Juntamente com a avaliação diagnóstica, faça um levantamento, por meio
de uma conversa informal ou de um questionário por escrito, dos temas de
interesse para execução de projetos a partir:
1. do interesse espontâneo dos estudantes;
2. das preocupações da coordenação pedagógica;
3. das sugestões dos demais professores da escola;
4. da consulta a alguns pais ou acompanhantes;
5. do entendimento com os outros professores de Educação Física.
Faça também uma leitura e análise do Projeto Político-Pedagógico da escola para
identicar os temas que podem ser alvo de projetos nas aulas de Educação Física.
Deve car evidente que o interesse da turma é um
aspecto crucial, mas que não pode ser o único, pois a
educação ocorre dentro de um contexto institucional
que pressupõe o alcance de diversos interesses.
Depois de realizada a atividade, publique seus
exemplos no ambiente virtual a ser indicado pelo
seu tutor.
357
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 4 | PEDAGOGIA DE PROJETOS: INÍCIO, A DEFINIÇÃO DO TEMA DO PROJETO
Chegamos ao m da
Unidade 4, na qual
analisamos as principais
recomendações para a se-
leção do tema de um projeto:
1. Evitar temas que não tenham
vínculo com a realidade de vida dos
estudantes;
2. Municiar os estudantes de
informações que contribuam para
uma análise crítica das possibilidades:
trabalho prévio do professor;
3. Delimitar as alternativas ao
demonstrar que é necessário se
dirigir à raiz dos problemas;
4. Não recorrer à votação, mas optar
pela argumentação;
5. O professor é responsável pela
condução do debate para seleção
do tema, de forma a garantir a
sua adequação aos objetivos da
disciplina e da escola.
UNIDADE 5
359
Pedagogia de Projetos: Planejamento
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO
ENSINO FUNDAMENTAL
Os estudantes não costumam ter experiência com planejamento. Portanto, o
professor tem um papel chave na orientação de como elaborar um planejamento e na
explicação da sua importância para o processo.
Como existe uma grande diversidade de temas e pelo menos duas opções de
projetos (temáticos e de trabalho), é mais fácil compreender as dicas, apresentando-as no
formato de um roteiro, passo a passo, do que deve ser realizado.
PLANEJE O TRABALHO...
Adaptado de http://geekandpoke.typepad.com/geekandpoke/2010/10/plan-the-work-work-the-plan.html
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 5 | PEDAGOGIA DE PROJETOS: PLANEJAMENTO
360
OBJETIVOS
Após nalizar esta Unidade, esperamos que você seja capaz de:
descrever as diversas etapas de um roteiro que orienta o estudando na elaboração
de projeto;
avaliar, de forma crítica, a aplicação do projeto elaborado;
explicar o papel do professor na fase de planejamento do projeto.
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 5 | PEDAGOGIA DE PROJETOS: PLANEJAMENTO
361
5.1 As Perguntas que Ajudam a Denir o Projeto
Para auxiliar os estudantes na fase de planejamento do
projeto, você, professor, deverá estimulá-los a responder às
seguintes perguntas:
Cada resposta deve ser acompanhada de argumentação
pelos membros dos grupos, demonstrando o nível de
entendimento do que deverá ser feito em cada tópico.
5.1.1 Planejamento Operacional e Estratégico do Projeto
Compete ao professor planejar as condições e os meios
para o projeto acontecer, enquanto que compete aos estudantes
planejar as diversas ações a serem realizadas.
1. O que?
Denir sobre o que
pesquisaremos e o que faremos
nesse projeto.
2. Por que?
Apresentar uma justicativa para
realização do projeto (demonstrar
sua relevância social e a proximidade
com o cotidiano dos estudantes ou da
comunidade).
3. Para que?
Reetir sobre os objetivos e as
nalidades do projeto. (Nessa fase
os estudantes precisam de ajuda
e orientação do professor sobre a
técnica de redação dos objetivos).
4. Como?
Especicar como o projeto será feito? Em
quantas etapas o projeto se divide? Como
vão ser distribuídas as tarefas? Como será
feita a apresentação aos demais colegas da
turma e para a escola como um todo?
5. Quando?
Estabelecer quanto tempo
temos para realizar cada
uma das etapas.
6. Quem?
Indicar quem se responsabilizará
pelo acompanhamento na
realização de cada uma das
tarefas.
7. Recursos?
Antecipar quais são os
recursos necessários para
a realização do projeto.
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 5 | PEDAGOGIA DE PROJETOS: PLANEJAMENTO
362
O professor deve:
1. xar o cronograma e zelar pelo seu cumprimento;
2. fazer um levantamento dos recursos humanos e materiais
necessários e garantir a sua disponibilidade;
3. vericar a exequibilidade das ações propostas e explicar
os impedimentos;
4. auxiliar na elaboração dos objetivos, para que sejam
simples, vericáveis, viáveis dentro do tempo previsto e
redigidos de forma clara e sucinta.
O professor deve tomar cuidado especial para não retirar
a autonomia dos estudantes na elaboração dos objetivos, mas
também estar ciente de que o andamento do trabalho dos grupos
depende do apoio e da supervisão direta dos estudantes pelo
professor.
É comum que os estudantes, diante das diculdades
geradas pela inexperiência, desviem a atenção do projeto e se
envolvam com outras atividades. Professor, compete a você
motivá-los e mantê-los com foco no projeto.
Hora de praticar
Esse é um momento estratégico, em que devem ser desenvolvidas as competências
dos professores relacionadas com a orientação dos estudantes. Sendo assim,
cada grupo deve apresentar ao professor o seu planejamento em uma reunião de
discussão. O professor deve corrigir os erros de interpretação do roteiro, ampliar a
reexão sobre a natureza do fenômeno a ser estudado e respaldar o planejamento
dos estudantes: atestar que estão prontos para a próxima etapa – execução.
Depois de realizada a atividade, publique seus exemplos no ambiente virtual a ser
indicado pelo seu tutor.
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 5 | PEDAGOGIA DE PROJETOS: PLANEJAMENTO
363
Finalizando a Unidade 5,
voltamos a mencionar as
perguntas do roteiro de
orientações dos estudan-
tes na fase de planejamento: O que?
Por que? Para que? Como? Quando?
Quem? Com quais recursos?
O professor, por sua vez,
deve acompanhar de perto a
realização das diversas etapas do
projeto, auxiliar na identicação dos
recursos necessários e vericar a
exequibilidade do planejamento
proposto pelos estudantes.
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO
ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 6
365
Pedagogia de Projetos: Execução
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO
ENSINO FUNDAMENTAL
Até aqui, exploramos as fases de formulação inicial do projeto, a denição do
tema e o planejamento propriamente dito. Agora, vamos conversar sobre a etapa de
execução da pedagogia do projeto.
Na fase de execução, os estudantes devem dar vazão à criatividade e recorrer
a diversas maneiras para concretização do projeto. É preciso que tenham adquirido
a consciência de que têm a responsabilidade pela condução da ação educativa, ou
seja, não há mais como negar que estão na condição de sujeitos do seu próprio
aprender.
O professor deve se manter atento à motivação e ao engajamento dos
estudantes, utilizando todos os recursos disponíveis para apoiá-los nessa fase.
A principal ação a ser desenvolvida na fase de acompanhamento é perguntar aos
estudantes o que já zeram, o que ainda falta fazer e como pretendem fazer.
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 6 | PEDAGOGIA DE PROJETOS: EXECUÇÃO
366
OBJETIVOS
Após nalizar esta Unidade, esperamos que você seja capaz de:
explicar o papel do professor na fase de acompanhamento da execução do
projeto;
explicar o papel do aluno na fase de execução;
discutir alternativas de ações que ajudem o professor a incentivar a criatividade
dos estudantes, na realização do projeto.
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 6 | PEDAGOGIA DE PROJETOS: EXECUÇÃO
367
6.1 Papel dos Estudantes na Execução do Projeto
Realizar múltiplas interações para criar; pintar; construir;
cantar; entrevistar; representar; escrever; dançar; moldar;
desenhar; fotografar; lmar; observar, além de adotar diversas
outras ações necessárias para o alcance dos seus objetivos.
De acordo com Nogueira (2009, p. 83), a ruptura com a
passividade coloca o aluno “diante de vários problemas que, ao
serem resolvidos, potencializarão, se não todo, pelo menos boa
parte do seu espectro de competências”.
O professor deve estar atento ao nível de motivação dos
estudantes, para incentivá-los no alcance das metas. Lembre-se
que a motivação está diretamente relacionada com o sucesso e
o alcance das metas.
O professor deve destacar o sucesso alcançado e se
dirigir aos estudantes para perguntar se precisam de ajuda. Caso
não precisem de ajuda, deve pedir que descrevam o que estão
fazendo para que possa vericar a possibilidade de auxiliá-los.
É preciso questionar os estudantes sobre o que farão
após obter as informações necessárias para a realização do
projeto.
6.2 Acompanhamento do Projeto
Ao longo da execução do projeto, o professor deve estar
constantemente presente para:
garantir o suprimento dos meios;
alertar sobre o cumprimento do
cronograma;
orientar a parte procedimental: lembre-
se que os estudantes estão aprendendo,
então, precisam de suporte técnico, a
ser administrado pelo professor somente
quando os estudantes encontram
obstáculos que impedem o andamento do
projeto;
fornecer informações conceituais que
ampliem o poder de ação dos estudantes.
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 6 | PEDAGOGIA DE PROJETOS: EXECUÇÃO
368
Agora, vejamos algumas características importantes que
precisamos considerar para realizar o projeto:
não devem ser feitos fora da sala de aula, e sim nas aulas
com apoio do professor;
não devem ter um prazo curto de execução que comprometa
a sua qualidade, mas devem levar em conta a necessidade
de tempo para a execução das ações previstas.
O professor deve informar-se do que os estudantes
estão fazendo para poder corrigir erros de interpretação, incluir
conceitos teóricos relevantes, ajustar hipóteses de estudo,
orientar sobre a execução de determinados métodos. O professor
é um dos membros desse processo e o resultado nal do projeto
é algo que depende diretamente dele.
Hora de praticar
Esse é um momento de compartilhar experiências obtidas no estágio
supervisionado e aprendermos um pouco mais uns com os outros. Selecione
um ponto positivo e um ponto negativo vivenciado por você na utilização
da pedagogia de projetos durante o estágio supervisionado e envie para os
demais colegas da turma. A ideia é simular a apresentação de um banner em
um evento cientíco, logo você deve utilizar apenas uma página, dividida em
duas colunas. Do lado esquerdo o ponto positivo e do lado direito o negativo.
Divida a apresentação nas seguintes partes: título; descrição da situação; ação
do professor; avaliação crítica e recomendações. Não deixe de apresentar duas
ilustrações, uma que caracterize o ponto positivo, e outra, o ponto negativo.
Depois de realizada a atividade, publique seus exemplos no ambiente virtual a
ser indicado pelo seu tutor.
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 6 | PEDAGOGIA DE PROJETOS: EXECUÇÃO
369
Concluímos a Unidade 6!
Nela, vimos que, na fase
de execução do projeto,
os estudantes rompem
com a passividade diante da
aprendizagem.
Devemos evitar que
reproduzam a maneira tradicional
como o conhecimento é transmitido na
escola, ou seja, via oral, e estimular a
transmissão dos conhecimentos por
meio do uso dos diferentes canais de
comunicação.
O professor não pode
ausentar-se nessa fase, pois a sua
presença para dar apoio, apenas
quando for imprescindível, e para
questionar, sempre que for possível,
é essencial para que o resultado nal
do projeto atenda aos requisitos de
qualidade.
O projeto, enquanto uma
atividade de ensino escolar, deve
acontecer durante o período de
tempo destinado à aula, mesmo que
algumas atividades sejam realizadas
em casa.
O momento de encontro é
fundamental para dar sentido coletivo
para o projeto.
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO
ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 7
371
Pedagogia de Projetos: Apresentação do Projeto
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO
ENSINO FUNDAMENTAL
A culminância do projeto se com a apresentação do resultado nal para os
outros. Além de resgatar todo o processo, a apresentação é uma tarefa que reforça o
domínio de um conteúdo com o qual o estudante já possui familiaridade, pois foi ele
quem o construiu (ou reconstruiu do seu jeito).
O professor, no entanto, tem a responsabilidade de realizar o fechamento do
processo de aprendizagem da turma como um todo. Sem menosprezar o trabalho
apresentado, deve demarcar suas limitações e complementar as informações, de
forma a garantir o aprofundamento necessário para a qualidade do aprendizado da
turma. Vamos, agora, explorar estes temas.
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 7 | PEDAGOGIA DE PROJETOS: APRESENTAÇÃO DO PROJETO
372
OBJETIVOS
Após nalizar esta Unidade, esperamos que você seja capaz de:
reconhecer que a apresentação do resultado do projeto é uma fase estratégica
para o desenvolvimento das capacidades comunicativas e para a valorização do
grupo;
discutir a responsabilidade de o professor realizar uma retrospectiva do processo
realizado;
avaliar as aprendizagens implícitas à realização e apresentação dos projetos;
complementar as informações oferecidas na apresentação dos projetos, caso
necessário.
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 7 | PEDAGOGIA DE PROJETOS: APRESENTAÇÃO DO PROJETO
373
7.1 A Apresentação
A apresentação é uma das etapas mais importantes do
projeto e deve, na medida do possível, mobilizar toda a escola,
ou pelo menos todos os estudantes de uma mesma série.
O aluno se sente valorizado e compreende que o seu
trabalho é reconhecido quando tem a oportunidade de mostrar o
que produziu para outros.
Isso não signica que devemos supervalorizar o produto,
pois o processo ainda deve ser destacado. A apresentação deve
ressaltar o processo mediante o qual determinado produto foi
elaborado, mas também o próprio produto deve ser considerado
como um registro da capacidade criativa e operativa dos
estudantes.
O desenvolvimento da capacidade de comunicação
também deve ser entendido como uma fase do processo de
aprendizagem, pois aprender a explicar é um complemento
importante do aprender a entender os fenômenos e a sua
dinâmica de manifestação. Nesse momento, entram em jogo
outras habilidades da área linguística e de relações interpessoais.
A apresentação pode ser considerada uma fase crucial
da avaliação das aprendizagens proporcionadas pela realização
do projeto. Segundo Nogueira (2009, p. 89), Gardner (1994)
“sugere que a apresentação seja lmada, para posteriormente
ser assistida pelos estudantes do grupo”, assim como é possível
utilizar a apresentação para vericar a necessidade de ajustes
para os próximos projetos.
Qual é o valor de um
trabalho, quando ele é
simplesmente guardado pelo
professor em um armário?
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 7 | PEDAGOGIA DE PROJETOS: APRESENTAÇÃO DO PROJETO
374
Precisamos compreender que a própria apresentação
deve passar por um processo de aperfeiçoamento progressivo.
As primeiras apresentações podem estar mais presas ao
conteúdo e, normalmente, reproduzirem o modelo televisivo dos
jornais, predominantemente orais. Aos poucos, na escola, irão
surgir apresentações com outras formas de linguagem, valendo-
se de encenações, músicas, desenhos, grácos.
7.2 Fechamento, Ajustes Finais e
Complementações
As diversas vantagens que marcam a utilização dos
projetos não podem impedir uma atitude crítica acerca de suas
limitações, pois é evidente que os projetos não dão conta de
todo o trabalho educacional que a escola tem a desempenhar.
Alguns conteúdos relevantes ou o aprofundamento de
algumas questões podem não surgir a partir do desenvolvimento
de um projeto.
Segundo Nogueira (2009, p. 69), “neste sentido é
o professor que deverá realizar o fechamento do projeto”,
contribuindo com os tópicos que julgar convenientes para
complementar a reexão sobre o tema.
Sempre que possível, o professor deve intervir durante a
fase anterior de acompanhamento para evitar lacunas e sugerir o
aprofundamento de alguns aspectos. Ao nal, porém, o professor
deve fazer uma avaliação geral para pontuar o problema inicial,
as dúvidas, o aprendizado e os resultados obtidos pelo grupo.
É papel do professor fazer uma retrospectiva histórica
de toda a trajetória do projeto, para auxiliar os estudantes na
recapitulação do processo. Neste momento, é possível destacar
a capacidade de produção de conhecimentos do grupo, ao
mesmo tempo em que reforça a discussão sobre a metodologia
de ensino por meio de projetos para a promoção da aprendizagem
dos estudantes.
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 7 | PEDAGOGIA DE PROJETOS: APRESENTAÇÃO DO PROJETO
375
Hora de praticar
Vamos colocar em prática a ideia de Nogueira (2009). Você deve lmar, a partir
do consentimento prévio do grupo, uma ou duas apresentações do resultado do
projeto que, posteriormente, serão assistidas pela turma e avaliadas em relação
aos seguintes pontos: (a) qualidade do conteúdo; (b) diversidade de estratégias
de comunicação utilizadas; (c) clareza da linguagem; (d) adequação do tempo;
(e) motivação dos espectadores.
Apresente o lme e o relatório, composto pelos pontos acima solicitados, no
encontro presencial, conforme orientações a serem enviadas pelo seu tutor.
Finalizamos a Unidade
7, na qual vimos que a
capacidade de apresentar
é algo que deve ser trei-
nada, como qualquer outra
habilidade, pois certamente terá
muitas aplicações para os estudantes
em sua carreira prossional.
Para os estudantes que
viveram um longo período de
estudo, planejamento e preparação,
a apresentação está cercada de
um sentido especial, pois marca
a conclusão de um processo e
reforça o sentimento de ser capaz.
O sucesso alcançado gera um
sentimento de valorização pessoal e
reconhecimento.
O professor deve fazer uma
retrospectiva que contribua para
assinalar que a ênfase da pedagogia
de projetos deve recair sobre o
processo de crescimento do grupo
ao longo da realização do projeto.
Como compete ao professor
garantir que o ensino promova
algumas aprendizagens básicas, no
caso de elas não estarem presentes
de forma explícita nos trabalhos, ele
deve resgatar o seu papel tradicional
e fazer a conexão entre o necessário
aprofundamento e os conhecimentos
já transmitidos pelos estudantes.
UNIDADE 8
377
Pedagogia de Projetos: Avaliação
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO
ENSINO FUNDAMENTAL
A Educação Física é uma disciplina que se caracteriza por um processo de
avaliação assistemático e descontextualizado, em geral pautado exclusivamente na
frequência e participação dos alunos, quando seus componentes curriculares são
predominantemente práticos.
A pedagogia de projetos traz o estudo e a reexão para dentro da Educação
Física. Mas cuidado: não podemos cair na armadilha de reproduzir o formalismo
da avaliação teórica das demais disciplinas, pois o nosso interesse recai sobre as
competências desenvolvidas e não na mera memorização de conceitos.
No entanto, é muito importante pensarmos sobre uma questão: não é possível
utilizar somente uma estratégia de avaliação. São necessárias diversas etapas, pois
diversos também são os aspectos a serem avaliados, desde o próprio projeto até o
envolvimento e o aprendizado dos estudantes.
Para facilitar a avaliação e, ao mesmo tempo, contribuir para uma memória do
projeto, tanto o professor como os estudantes devem construir, ao longo de todo o
processo, um registro de cada uma das etapas.
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UNIDADE 8 | PEDAGOGIA DE PROJETOS: AVALIAÇÃO
378
OBJETIVOS
Após nalizar esta Unidade, esperamos que você seja capaz de:
explicar a importância de efetuar registros da memória das etapas realizadas,
desde a elaboração até a concretização do projeto;
descrever estratégias de avaliação que foquem o projeto, a autoavaliação e a
avaliação do outro, para alcançar o crescimento mútuo.
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 8 | PEDAGOGIA DE PROJETOS: AVALIAÇÃO
379
8.1 Avaliação do Projeto
Precisamos compreender que a avaliação do projeto
é o momento em que fazemos uma apreciação coletiva de
todo o processo e que deve ser mediada pelo professor. Mas
esta avaliação não é aquela tradicional, com a qual estamos
acostumados. Estamos falando de uma avaliação que passa por
alguns momentos especiais. Vejamos cada um deles.
primeiro momento – deve-se avaliar o projeto em si e
apresentar as críticas, para aperfeiçoá-lo.
segundo momento – faz-se uma autoavaliação, a partir de
critérios denidos em grupo, tendo, assim, a oportunidade
de fazer uma autocrítica do envolvimento pessoal de cada
um. Dessa forma, é bem possível que o erro seja percebido
pelo aluno sem precisar ser apontado pelo professor, como
também que seja reinterpretado, deixando de ser visto como
falha e sim como algo que pode ser feito de maneira diferente
em outro momento.
terceiro momento – quando se realiza a avaliação crítica do
trabalho dos outros. Também deve ser feita a partir de critérios
denidos de forma coletiva e com seriedade, sem receio de
“prejudicar” a nota dos colegas. É um momento para discutir
a importância de reconhecer o valor dos projetos, de forma
objetiva, classicando-os por pontos. Este é um momento
importante que muitas vezes tem sido negligenciado.
Ao realizar a avaliação, devemos retomar os objetivos
para vericar se foram atingidos. A subjetividade dos envolvidos
é um aspecto que deve ser levado em conta, logo, a avaliação
também compreende vericar se gostaram ou não da experiência.
Porém, todos precisam estar conscientes de que a avaliação
não deve limitar-se à satisfação pessoal dos membros do grupo.
Além disso, avaliamos tanto a aprendizagem de
conteúdo por parte dos estudantes como o processo educativo
como um todo.
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 8 | PEDAGOGIA DE PROJETOS: AVALIAÇÃO
380
De posse da listagem dos objetivos é conveniente analisar
um a um e vericar:
Mas como fazer a avaliação no caso de projetos
interdisciplinares, que envolveram diversas
disciplinas e professores?
Bem, em projetos assim, a avaliação deve ser um
momento para analisar as contribuições de cada um e também
as limitações geradas pelo não cumprimento de determinadas
tarefas ou compromissos.
Segundo Nogueira (2009, p. 71).
(...) esse é um momento extremamente
complicado, pois mexe com a suscetibilidade
das pessoas envolvidas, mas se não
enfrentarmos isso, continuaremos a brincar de
fazer projetos interdisciplinares.
A diculdade para promover a integração das diferentes
disciplinas e saberes pode ser muito mais atribuída às falhas em
relação a questões operacionais do que às falhas por questões
conceituais.
O objetivo foi atingido (sim, parcialmente, não)?
Em caso positivo, o objetivo descreve algo útil ou algo
que agora é percebido como irrelevante?
Em caso negativo, quais foram os fatores que impediram
o alcance do objetivo? Quais são as implicações disso?
Existem ações corretivas e ajustes a serem propostos
para melhorar o projeto? Quais? O que pode ser alvo de
aprofundamento?
Quais são os pontos positivos e negativos do projeto? Que
aspectos devem ser retomados em projetos subsequentes?
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 8 | PEDAGOGIA DE PROJETOS: AVALIAÇÃO
381
8.2 Registro dos Estudantes
Nogueira (2009:91) diz que, da mesma forma que o
professor deve registrar todo o processo, os estudantes também
devem ter a responsabilidade de fazer um registro de sua
trajetória na realização do projeto (memorial).
Existem duas alternativas para o aluno fazer o seu
memorial: 1) portfólio, que coleta os melhores momentos do
processo, de acordo com a opinião dos sujeitos, ou 2) processo-
fólio, que coleta todos os momentos do processo.
No caso de os estudantes apresentarem diculdade
na organização do memorial, o professor pode oferecer um
roteiro que indique os “documentos” que devem constar do
portfólio ou, quando se tratar de questões qualitativas, o aluno
pode apresentar uma série de pequenas frases que devem ser
completadas para registrar a sequência dos fatos.
8.3 Registro do Projeto
O registro do projeto não é a etapa mais agradável,
pelo menos para boa parte dos professores, porém necessária
e importante, pois dene as intenções, localiza o problema,
apresenta o processo e discute os resultados nais.
Apresentamos o registro do projeto no nal do processo,
como a última etapa, mas o registro é feito desde o início.
Conforme as realizações ocorrem, vamos completando as
memórias, até a sua conclusão, na fase nal.
Uma das vantagens do registro é permitir que os estudantes
veriquem o progresso do grupo, ao longo da realização do projeto.
No nal, o professor pode fazer um cruzamento entre os registros que
fez e os registros feitos pelos estudantes, destacando os pontos de
convergência e divergência das opiniões.
O registro do professor e dos estudantes deve ser feito progressivamente,
ao longo do processo, para evitar o acúmulo de atividades.
O termo processo-
fólio é um termo
sugerido por Gardner
(1994).
ESTÁGIO SUPERVISIONADO - SEGUNDO CICLO DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIDADE 8 | PEDAGOGIA DE PROJETOS: AVALIAÇÃO
382
Hora de praticar
O registro pode acontecer de diversas maneiras, desde que faça a
descrição do que ocorreu em cada fase. O professor deve descrever:
1. a turma, a escola e a comunidade;
2. como foi feita a seleção do tema;
3. a justicativa (relevância social e benefícios);
4. os objetivos;
5. os autores e demais pessoas envolvidas, se possível, fornecendo
seus dados de contato;
6. o plano de ação (metas, recursos necessários e cronograma);
7. a avaliação (da satisfação, do aprendizado, do envolvimento, do
acompanhamento, do projeto).
Publique sua atividade no ambiente virtual a ser indicado pelo seu tutor.
Nesta última unidade,
pudemos perceber que
a avaliação é uma etapa
difícil e penosa, pois o dina-
mismo das atividades escolares
privilegia o início de um novo ciclo de
atividades em detrimento de um tempo
para a reexão e amadurecimento do
processo já vivido.
No entanto, avaliar é o
momento que contribui para análise
crítica dos erros e sistematização
teórica dos acertos.
É a partir da avaliação que
o educador se percebe como
pesquisador e, assim como o
estudante que se surpreende com
a possibilidade de produzir novos
conhecimentos, o educador toma
consciência da dimensão cientíca
da sua prática pedagógica.
383
Glossário
Avaliação do projeto. Ocorre quando
se faz a apreciação coletiva de todo
o processo, mediado pelo professor,
vericando se os objetivos foram
alcançados. Avaliamos o projeto em si,
fazendo críticas, a m de aperfeiçoá-
lo; realizamos uma autoavaliação,
considerando critérios denidos em
grupo, efetuando, assim, uma autocrítica
do envolvimento de cada um e também
uma avaliação crítica do trabalho dos
outros. Discutimos, objetivamente, o
valor de cada projeto, classicando-o por
pontos. Avaliamos tanto a aprendizagem
de conteúdo, por parte dos estudantes,
como o processo educativo como um
todo.
Pedagogia de projetos. Tem como ideia
central a articulação entre os saberes
escolares e os saberes sociais.
Portfólio. Instrumento de aprendizagem
utilizado pelo aluno para coletar os
melhores momentos do processo, de
acordo com a opinião dos sujeitos.
Processo-fólio. Instrumento de
aprendizagem utilizado pelo aluno para
coletar todos os momentos do processo.
Termo sugerido por Gardner (1994).
Projetos interdisciplinares. Projetos
que envolvem diversas disciplinas e
diversos professores.
Registro do projeto. Anotações
(memórias) feitas, progressivamente,
desde o início do processo até a sua
nalização.
384
NOGUEIRA, Nilbo Ribeiro. Pedagogia de Projetos: etapas, papéis e atores. 4ª ed. São Paulo:
Érica, 2009.
GARDNER, Haw. Estruturas da mente. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
_______. A Criança pré-escolar: como pensa e como a escola pode ensiná-la. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1994.
HERNÁNDEZ, Fernando; VENTURA, Montserrat. A organização do currículo por projetos de
trabalho: o conhecimento é um caleidoscópio. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
Referências Bibliográficas
TRABALHO DE
CONCLUSÃO
DE CURSO I
UNIDADE 1
389
Pesquisa em Educação: Conceitos e Fundamentos
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
Muito prazer!
Olá, sou a professora Regiane, docente da UFG. É uma satisfação poder contribuir
para o processo de formação de todos vocês. A orientação de trabalhos de conclusão de
curso é uma área que me desperta bastante interesse. Tenho orientado muitos projetos de
pesquisa na área da Formação de Professores e na área de Educação Física escolar, em
especial o ensino da dança e temas que envolvem a cultura escolar e a prossionalização dos
professores de Educação Física e de Dança no estado de Goiás. Sei que a caminhada para
chegarem até aqui não deve ter sido nada fácil. Mas agora é hora de recuperar o fôlego para
concluirmos esta importante etapa na formação de vocês, que é o Trabalho de Conclusão de
Curso. Sucesso a todos nós!
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Olá, sou o professor Fernando, docente da UnB. Espero poder contribuir com o
processo de formação de vocês neste momento de construção de um projeto e pesquisa
monográca, abordando questões teóricas e práticas sobre o campo da Educação Física. A
pesquisa é algo que já tenho incorporado ao meu fazer pedagógico e acadêmico, seja nas
atividades de ensino ou na orientação de estudantes na Universidade, tanto na graduação
como na pós-graduação. Espero poder compartilhar positivamente minha experiência com
vocês, buscando ajudá-los no percurso desta investigação cientíca e esforço em teorizar
a Educação Física, o que se traduzirá pelo desenvolvimento desta disciplina, Trabalho de
Conclusão de Curso I. Bom trabalho a todos!
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO I
Profª Regiane Ávila
Licenciada em Educação Física pela Universidade Federal de Goiás
(UFG), especialista em Educação Física escolar – FEF/UFG e mestre
em Educação pela UFG. Desenvolve pesquisas sobre Formação e
Prossionalização docente nas áreas de Dança e Educação Física. Atua
como Professora de Dança na Secretaria da Educação do Estado de
Goiás e como docente na Faculdade de Educação da UFG.
Prof. Fernando Mascarenhas
Professor da Faculdade de Educação Física da Universidade de
Brasília. Doutorado em Educação Física pela Universidade Estadual
de Campinas. Realiza pesquisas sobre Educação Física, Formação e
Trabalho, com investigações sobre a intervenção prossional, tomando
as variadas formas de organização do trabalho na área, bem como sobre
os aspectos teórico-metodológicos que envolvem a Educação Física
como prática pedagógica e campo acadêmico.
390
Apresentação da Disciplina
Caro(a) estudante,
Seja bem vindo à disciplina Trabalho de Conclusão de Curso I. Nesta
disciplina, você deverá construir um projeto de pesquisa referente ao seu Trabalho de
Conclusão do Curso, o que representará a oportunidade de investigar um problema
contextualizado, a partir da sua própria intervenção, abordando questões teóricas e
práticas sobre o campo da Educação Física escolar.
A disciplina Trabalho de Conclusão de Curso I articula-se ao eixo Produção
de Conhecimento Cientíco e Tecnológico que lhe oferecerá todos os elementos
necessários ao processo de construção do projeto de pesquisa.
Nesta disciplina, cada estudante construirá um projeto de pesquisa referente
ao seu trabalho de conclusão de curso, o que representará a oportunidade de o
estudante sistematizar a discussão de questões teóricas e práticas sobre o campo
da Educação Física escolar, seu ensino e aprendizagem. Ao mesmo tempo em que
fomenta uma síntese de sua formação a partir de problemas contextualizados a
partir da intervenção, esta experiência amadurece e estimula o estudante para a
continuação da atividade de pesquisa nos níveis de pós-graduação.
Para auxiliar em seus estudos, esse material está estruturado em cinco
unidades que buscam apresentar uma síntese com as principais temáticas para a
construção de seu projeto de pesquisa. O material está organizado com as seguintes
unidades:
Unidade 1 – Pesquisa em Educação: Conceitos e Fundamentos.
Unidade 2A Construção do Projeto de Pesquisa.
Unidade 3 – Diferentes Tipos de Pesquisa Qualitativa.
Unidade 4 – O Trabalho de Campo: Métodos e Técnicas.
Unidade 5 Aspectos Formais do Projeto de Pesquisa Cientíco.
391
OBJETIVOS
Após nalizar esta disciplina, esperamos que você seja capaz de:
discutir a relevância da ciência e seus métodos de investigação;
diferenciar os procedimentos investigativos mais utilizados nas pesquisas
educacionais, no âmbito da Educação Física;
redigir um projeto de pesquisa, observando as normas e os aspectos formais de
sua exposição;
elaborar um projeto de pesquisa, tomando a prática social como ponto de partida.
UNIDADE 1
393
Pesquisa em Educação: Conceitos e Fundamentos
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
Nesta primeira Unidade de nossa disciplina, convidamos você a conhecer os
principais conceitos e fundamentos que irão auxiliá-lo a compreender o processo de
Pesquisa em Educação, mais especicamente na Educação Física. Esta Unidade 1
busca introduzir os conceitos iniciais da pesquisa, discutindo questões básicas e po-
lêmicas sobre o fazer cientíco.
A nossa proposta é aproximar você da pesquisa educacional. Para isso, os
temas aqui abordados compõem um conjunto de elementos necessários à construção
de seu Projeto de Pesquisa Cientíco. Vamos lá?
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 1 | PESQUISA EM EDUCAÇÃO: CONCEITOS E FUNDAMENTOS
394
OBJETIVOS
Após nalizar esta Unidade, esperamos que você seja capaz de:
conceituar pesquisa;
identicar o objeto das Ciências Sociais e seu fazer cientíco;
discutir a importância da pesquisa para a prática pedagógica do professor de
Educação Física.
395
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 1 | PESQUISA EM EDUCAÇÃO: CONCEITOS E FUNDAMENTOS
1.1. O que é Pesquisa?
Não é somente a Ciência, por intermédio da pesquisa,
que busca explicar a realidade. Tanto a religião como a losoa,
também se exercitam constantemente para dar conta dos
problemas da realidade.
Em nossa sociedade, a ciência se tornou a forma
hegemônica para pensar a realidade. Essa hegemonia foi
conquistada, ao longo da história, principalmente pela capacidade
dos cientistas buscarem compreender a prática social e seus
problemas, por meio de métodos e técnicas que começaram a
traduzir o pensamento cientíco.
Tal pensamento cientíco, apesar de apresentar uma
linguagem própria que comporta a ideia de cienticidade,
não é hegemônico em si, ou seja, é permeado por conitos e
contradições que traduzem as diferentes possibilidades de se
fazer ciência.
Minayo (1994, p. 10) nos diz que:
(...) para nomear apenas uma das controvérsias
que aqui nos interessa, citamos o grande
embate sobre a cienticidade das ciências
sociais, em comparação com as ciências da
natureza. Há os que buscam a uniformidade
Pesquisa
Denição – um procedimento
que requer sistematização
e racionalização.
Utilização – quando se
pretende conhecer
determinada realidade.
Objetivo – proporcionar respostas
aos problemas que estão
colocados na prática social, ou
seja, na realidade vivida, e que
necessitam ser respondidos.
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 1 | PESQUISA EM EDUCAÇÃO: CONCEITOS E FUNDAMENTOS
396
dos procedimentos para compreender o
natural e o social como condição para atribuir
o estatuto de “ciência” ao campo social.
Há os que reivindicam a total diferença e
especicidade do campo humano.
Vejamos as características das ciências naturais e
das ciências sociais (ou humanas – como a Antropologia, a
Sociologia, a Filosoa).
As pesquisas, independente de sua origem, precisam
passar por algumas fases para serem desenvolvidas, tais como
a formulação do problema, a escolha da metodologia, a coleta
de dados, a análise de dados, até chegarmos à última fase: a
apresentação dos resultados encontrados ou a possível resposta
ao problema de pesquisa.
1.2 Por que o Professor de Educação Física Precisa
Realizar Pesquisas?
A pesquisa na formação inicial de professores é
necessária para subsidiar a prática pedagógica do futuro
professor. Isso mesmo! A pesquisa contribui para qualicar a
Ciências naturais Ciências sociais (ou humanas)
- são um ramo das ciências que
busca conhecer o universo, o qual é
entendido como regulado por leis de
origem natural, ou seja, por aspectos
físicos e não humanos;
- utilizam métodos cientícos próprios
para estudar a natureza;
- é muito comum, dentro das ciências
naturais, as pesquisas fazerem uso de
dados experimentais e quanticáveis
ao mesmo tempo que excluem
qualquer forma de subjetividade
no processo de pesquisa. Essas
pesquisas são comumente conhecidas
como pesquisas quantitativas, como
acontece normalmente na física,
biologia, química.
- também fazem uso de métodos
cientícos próprios, porém, seu
objeto de estudo é a sociedade e
o comportamento humano e, por
isso, a necessidade de utilizar uma
metodologia diferente.
- são mais conhecidas como pesquisas
qualitativas e possuem uma parcela
signicativa de subjetividade do
pesquisador.
Todos esses
elementos estão
presentes na
construção de um
Projeto de Pesquisa
Cientíco e serão
aprofundados
na Unidade II.
397
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 1 | PESQUISA EM EDUCAÇÃO: CONCEITOS E FUNDAMENTOS
prática pedagógica da Educação Física, além de construir o
rigor teórico-metodológico necessário ao dia a dia da atuação
prossional.
Veja o que Minayo (1994, p. 17) nos diz:
(...) entendemos por pesquisa toda atividade
básica da Ciência na sua indagação e
construção da realidade. É a pesquisa que
alimenta a atividade de ensino e a atualiza
frente à realidade do mundo. Portanto, embora
seja uma prática teórica, a pesquisa vincula
pensamento e ação. Ou seja, nada pode
ser intelectualmente um problema, se não
tiver sido, em primeiro lugar, um problema
da vida prática. As questões da investigação
estão, portanto, relacionadas a interesses e
circunstâncias socialmente condicionadas.
São frutos de determinada inserção no real,
nele encontrando suas razões e seus objetivos.
Ao explicitar seu entendimento sobre a Educação Física:
(...) Betti (1996), numa tentativa de superar
os dualismos recorrentes na teoria da
Educação Física, a concebe como um
campo dinâmico de pesquisa e reexão
que, a partir de problemáticas que emergem
da prática pedagógica e questionam as
ciências e a Filosoa, sistematiza e critica os
conhecimentos, recebe e envia demandas
à prática pedagógica e às ciências/losoas
(BETTI, 2005, p. 146).
Pode-se dizer, portanto, que a elaboração do conhecimento cientíco é
um processo de busca de respostas: a pesquisa cientíca tem por objetivo
elaborar explicações sobre a realidade, sendo possível tanto preencher
lacunas num determinado sistema explicativo vigente num momento
histórico, quanto colocar em xeque dado sistema. É um processo que
envolve algumas atividades, quais sejam a formulação do problema, o
planejamento (ou plano de pesquisa), a coleta dos dados, a análise dos
dados, a interpretação dos dados e a comunicação da pesquisa (MOROZ;
GIANFALDONI, 2002, p. 14).
Como realizar ações
efetivas de inclusão,
por intermédio da
Educação Física?
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 1 | PESQUISA EM EDUCAÇÃO: CONCEITOS E FUNDAMENTOS
398
Mas o que eu preciso para realizar uma pesquisa?
Bem, para dar início ao processo de investigação, você
irá precisar pensar, organizar ideias e escrever cienticamente.
Escrever cienticamente requer que você compreenda o
discurso cientíco. Para Demo (1981), existem três formas de
discurso: 1) o do senso comum; 2) o da ciência, e 3) o da
ideologia. Vejamos as características de cada discurso.
1.3 E onde Entra o Projeto de Pesquisa?
O Projeto de Pesquisa Cientíco é o planejamento da
pesquisa. Você já deve saber que o que diferencia o ser humano
de outros animais é justamente a atividade racional e sistemática.
Como a pesquisa é um processo que requer várias ações para
ser concretizada, essas ações precisam ser planejadas.
O Projeto de Pesquisa ou planejamento é a primeira fase
da pesquisa. É nele que você irá formular seu problema, traçar
seus objetivos, prever recursos nanceiros e humanos e outras
demandas importantes para a sua realização.
Lembra-se de que o processo de pesquisa é uma forma
de sistematizar ideias que antes se encontravam de forma difusa
e desorganizada? Então, ao adotar uma postura de pesquisador,
você deverá escrever um Projeto de Pesquisa que apresente
características e pretensões cientícas, que o ajude e o oriente
no processo de construção de sua pesquisa monográca.
Discurso do senso
comum
Discurso da Ciência
Discurso da
ideologia
- não exige regras pré-
estabelecidas;
- a verdade depende
das nossas crenças e
de nosso julgamento
sobre a situação ou
sobre os fatos.
- o discurso cientíco
é o discurso utilizado
pela ciência;
- exige regras pré-
estabelecidas;
- a verdade se
estabelece pela
realidade dos fatos.
- não exige regras pré-
estabelecidas;
- a verdade depende
das nossas crenças e
de nosso julgamento
sobre a situação ou
sobre os fatos.
399
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 1 | PESQUISA EM EDUCAÇÃO: CONCEITOS E FUNDAMENTOS
Para tanto, você terá de pensar, organizar suas ideias
e escrever um trabalho sempre imbuído de um espírito crítico,
criativo e, sobretudo, cientíco.
A sustentação cientíca de seu trabalho ocorrerá,
sobretudo, a partir da relação entre a teoria e a empiria, ou seja:
Lembre-se que você realizará uma pesquisa social, e
que sua abordagem será qualitativa, ou qualitativa-quantitativa,
dependendo do seu problema de pesquisa.
A pesquisa qualitativa procura responder a questões
bastante particulares. Uma pesquisa qualitativa indica que
algumas questões que estão presentes na prática social
necessitam ser conhecidas, mas, ao mesmo tempo, não podem
ser quanticadas.
bom diálogo com a
literatura cientíca
correspondente ao seu
tema de estudo (teoria)
utilização da teoria na análise e discussão
dos dados e evidências coletados
e investigados, a partir da realidade
contextual da Educação Física escolar
pesquisada.
Sustentação cientíca
Universo da
pesquisa qualitativa
O adjetivo cientíco
busca demarcar as
fronteiras entre os
discursos do senso
comum e do discurso
ideológico, os quais
você deve saber
distinguir para ter mais
segurança ao longo do
processo de pesquisa.
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 1 | PESQUISA EM EDUCAÇÃO: CONCEITOS E FUNDAMENTOS
400
Hora de praticar
Tendo como base o material e as discussões realizadas no desenvolvimento
da disciplina Pesquisa em Educação Física, busque identicar e discutir
com os colegas os temas que mais lhe despertaram a atenção durante o
desenvolvimento desta disciplina, de modo que possamos ter contato com os
seus conhecimentos prévios acerca dessa temática.
Publique suas reexões no fórum que será indicado pelo seu tutor.
Concluímos a Unidade 1.
Como vimos, a pesquisa
é um procedimento que
requer sistematização e
racionalização.
Normalmente é utilizada
quando algum fenômeno e/ou
situação precisa ser explicada,
conhecida. Para isso, utiliza-se a
pesquisa visando alcançar respostas
aos problemas que estão colocados
na prática social, ou seja, na realidade
vivida, os quais necessitam ser
respondidos.
Conhecemos a pesquisa
como a atividade básica da ciência.
Mas entendemos que a pesquisa
deverá ser também uma das
atividades básicas do professor de
Educação Física, uma vez que a
prática pedagógica, constantemente,
requer propostas e/ou explicações de
fatos que envolvem o professor, o
estudante o processo de ensino e as
práticas corporais.
No entanto, vimos que
para ser concretizada a pesquisa
necessita, antes de qualquer coisa,
de ser planejada.
Este planejamento é
normalmente conhecido como
Projeto de Pesquisa e deve ser
construído com bastante rigor e
seriedade para que a intenção de
nossa investigação alcance sucesso.
Isso exigirá de nós a
formulação de um problema de
pesquisa, a escolha de uma
metodologia, boa fundamentação
teórica, espírito crítico, criativo e,
sobretudo, cientíco.
UNIDADE 2
401
A Construção do Projeto de Pesquisa
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
Vamos começar a construir o Projeto de Pesquisa Cientíco?
O Projeto de Pesquisa nada mais é que o mapeamento de um caminho que
você, pesquisador, irá traçar durante todo o processo de investigação. Ele também
representa o meio de comunicação formal aceito pela comunidade cientíca para que
você possa tornar pública a sua intenção de investigação cientíca e ter o apoio da
comunidade acadêmica.
O Projeto de Pesquisa ou Planejamento ganha bastante relevância por situar o
pesquisador onde ele está e aonde quer chegar. É o Projeto de Pesquisa que também
irá orientar o pesquisador durante todo o processo de investigação, possibilitando a
ele se situar, avaliar seus alcances e sobretudo seus limites frente a sua intenção de
pesquisa.
O que?
Como?
Por quê?
Para que?
Onde?
Pesquisar
Quando?
Quantos?
Quais?
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
402
Uma palavrinha inicial...
A apresentação de um Projeto de Pesquisa pode variar de
instituição para instituição e de pesquisador para pesquisador.
No entanto, todo e qualquer Projeto de Pesquisa deve dar conta
de responder as seguintes perguntas:
Visando responder a estas questões, adotaremos o
modelo da estrutura de projeto que padroniza a seguinte ordem:
1) Introdução (Delimitação do tema/Justicativa/ O que e
por que pesquisar?);
OBJETIVOS
Após nalizar esta Unidade, esperamos que você seja capaz de:
formular um problema de pesquisa;
construir hipóteses de estudos;
apontar procedimentos metodológicos adequados à pesquisa;
selecionar técnicas e instrumentos de coleta de dados;
planejar um processo de pesquisa;
elaborar planilha de custos e de demais recursos na realização de uma pesquisa.
a) O que pesquisar?
b) Por que pesquisar?
c) Para que pesquisar?
d) Como pesquisar?
e) Quando pesquisar?
f) Com que recursos?
g) Pesquisado por quem?
403
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
2) Problema de pesquisa (O que pesquisar?);
3) Hipótese de estudo;
4) Objetivos (Para que pesquisar?);
5) Fundamentação teórica;
6) Procedimentos metodológicos (Como pesquisar?);
7) Cronograma da pesquisa (Quando pesquisar?);
8) Estimativa de custos (Com que recursos?);
9) Referências bibliográcas.
Buscaremos, a partir de agora, alargar nossa compreensão
sobre os elementos mais importantes e comumente requeridos
em um Projeto de Pesquisa. Estes elementos precisam ser bem
compreendidos, pois um Projeto de Pesquisa em que essas
questões não estejam claramente respondidas pode trazer
muitos problemas no processo de investigação, até mesmo,
inviabilizando toda a intenção de pesquisa proposta.
Em cada tópico a seguir, iremos recorrer a alguns trabalhos
cientícos e Projetos de Pesquisa feitos por pesquisadores
iniciantes e também com pesquisadores que já possuem uma
larga experiência com o universo da pesquisa na Educação
Física. Vamos lá?
Bons estudos!
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
404
2.1. Introdução (o Tema e a Justicativa)
É chegado momento de definir seu tema e
justificar sua pesquisa!
Como você já avançou na sistematização de um conjunto
de questionamentos sobre a realidade contextual da Educação
Física escolar em que está inserido e o tema que lhe despertou
atenção, ao longo de seu curso, vamos começar a construir a
Introdução de seu projeto de pesquisa, apresentando o tema e
justicando sua intenção de pesquisa.
2.1.1 O Tema
O tema de pesquisa indica uma área de interesse a ser
investigada. Estamos falando de uma delimitação que ainda é
bastante ampla. Delimitar o seu tema é parte fundamental em
seu projeto de pesquisa, pois é a partir do aprofundamento de
seu tema que você irá denir seu problema de pesquisa.
O projeto de pesquisa inicia-se com a Introdução. Trata-se
de um texto inicial que busca apresentar e situar o assunto que
será objeto de investigação. Este momento tem como objetivo
esclarecer para o leitor qual a área de interesse do pesquisador.
Para iniciar o desenvolvimento de uma pesquisa é preciso
ter certo interesse e um mínimo de prazer tanto na prática da
pesquisa como na escolha do tema.
É importante, já neste momento, que o futuro pesquisador tenha tido um
prévio contato com a literatura que trata sobre o tema, de modo que possa
fazer uso da linguagem cientíca visando ao entendimento do leitor.
Também é fundamental o tema da pesquisa apresentar um grande leque de
fontes de leituras primárias e secundárias. Às vezes, quando selecionamos
um tema com pouca literatura, corremos o risco de não ter base teórica
suciente para as reexões necessárias no desenvolvimento da pesquisa.
O problema de
pesquisa deve
ser formulado
como uma
pergunta clara e
precisa.
405
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
É muito importante que o pesquisador selecione
o seu tema levando em consideração sua relevância
para um grupo e/ou para o campo acadêmico e
cientíco da área.
Outro aspecto a ser considerado: a escolha
de seu tema e do tipo de pesquisa deve levar em
conta o tempo determinado pela instituição, ou seja, o
tempo que a instituição de ensino lhe dará para você
apresentar seu relatório nal.
Neste momento, veremos a Introdução do Projeto de
Pesquisa de Laís Momisso (2010), de modo que você possa
se aproximar de um projeto de pesquisa bem elaborado. Esse
projeto apresenta o título “Prossionalização docente: com a
palavra... professores e professoras de Educação Física”. A
partir desse exemplo, apresentaremos a estrutura mínima para a
construção de seu Projeto de Pesquisa. Vamos, então, observar
o exemplo da Introdução.
O campo educacional passou e ainda vem passando por inúmeras modicações.
Tais modicações se conguraram por meio de transformações históricas que englobam
tanto a escola, quanto o professorado.
A escola, antes controlada por instituições religiosas, passa para o domínio do
Estado e este, enquanto órgão regulador, tem o poder de decidir as ações desenvolvidas
dentro da escola, no que se refere à transmissão do ideário burguês, da classe dominante,
enquanto conteúdo a ser reproduzido nas instituições de ensino. Dessa forma, o Estado
interfere não na escola, mas estabelece relações diretas entre esta e o professorado,
o qual acaba perdendo sua autonomia, sua independência, uma vez que a relação professor–
aluno, no que tange à transmissão/assimilação de conhecimentos está sendo mediada pelo
Estado.
Exemplo 1
Introdução
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
406
Além de denir seu problema ou objeto, você deverá ainda
expor por que seu estudo será importante. Estamos falando de
justicar a relevância da pesquisa, tanto do ponto de vista teórico
como prático. É o que veremos, a seguir.
Os problemas que vêm se consolidando, tanto na educação, quanto na prossão
docente trazem à tona, cada vez mais, sinais visíveis de precarização. No que tange
à educação, o cenário nos mostra uma redução de recursos alarmante o que gera
consequências não só para a escola, enquanto instituição de ensino, mas também para o
coletivo de professores. Assim, verbas insucientes, falta de recursos materiais para o
desenvolvimento do trabalho pedagógico, falta de incentivo à formação continuada, má
remuneração, excesso de cobranças, falta de autonomia, entre outros, são fatores que
culminam para o surgimento de uma crise de identidade entre os (as) professores(as).
Esta crise de identidade, ou seja, do grupo de professores, enquanto coletivo,
leva a ideia de desvalorização e de desprossionalização docente, onde o papel do
professor ca diluído, acarretando com isso a proletarização do trabalho docente, no
qual o professor não se reconhece enquanto tal, e se afasta de suas funções – conceber,
planejar e avaliar a prática pedagógica.
Atualmente, o discurso da precarização do ensino e da desvalorização do professor
está sendo amplamente difundido, contribuindo para a realização de diversas pesquisas
acadêmicas, as quais constatam uma emergência destes fenômenos. Tal desvalorização
abarca fatores tanto de ordem social, em que a sociedade não atribui valor, prestígio ou
status social à prossão de professor; não o reconhece dentro da dinâmica do processo
de construção/reconstrução de conhecimento, sendo encarado como mero transmissor
e reprodutor; falta de clareza referente ao papel desempenhado pela escola e pelo
professor, entre outros; quanto de ordem pessoal, onde o próprio professor não se
reconhece dentro do processo educativo.
Os fatores apresentados abarcam questões referentes à prossionalização
docente, sendo este um conceito amplo e que adquire diferentes signicados de acordo com
a compreensão dos sujeitos. Aqui, compartilhamos da ideia de Bourdoncle apud Brzezinski
(2002), o qual considera a prossionalização como um conjunto de saberes e competências
utilizadas no exercício prossional. Esse conjunto de saberes e competências, porém,
não é imutável, estando, portanto, em um contínuo processo de construção em busca de
aperfeiçoamento e, consequentemente, de status e de valorização prossional. Sendo
assim, podemos dizer também que a prossionalização envolve o estabelecimento de
um estatuto, o qual engloba a formação inicial e continuada, as condições de trabalho, a
remuneração condizente com a jornada de trabalho, o vínculo a associações sindicais e
associativas (GUIMARÃES, 2009).
Exemplo 1
Introdução
(Continuação)
407
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
2.1.2 Justicando a Sua Pesquisa
Por que estudar este problema? Quais os motivos que
justificam esta pesquisa? Que contribuições ela trará?
É fundamental que tais questões sejam bem respondidas e
estruturadas, pois elas demonstram a necessidade e importância
de se realizar a pesquisa proposta.
Há dois fatores que se destacam na escolha de um tema
para o trabalho de pesquisa: 1) os fatores internos, e 2) os fatores
externos. Logo abaixo, estão algumas questões que podem ser
usadas para justicar seu interesse pela temática e que estão
relacionadas a esses fatores:
1. Fatores internos – relacionam-se com a afetividade em
relação ao tema ou devido ao alto grau de interesse pessoal.
Lembra-se que comentamos que é preciso haver um mínimo de
interesse e de prazer na prática da pesquisa? Pois é, a escolha
do tema está vinculada ao gosto pelo assunto a ser pesquisado.
Trabalhar um assunto do qual você não tenha afeição tornará a
pesquisa num exercício de aição e desgosto.
2. Fatores externos – destacam-se pelos seguintes aspectos:
novidade da temática, oportunidade de realização da pesquisa,
valores acadêmicos e sociais inseridos, o limite de tempo para
realização da pesquisa e material de consulta disponível sobre
o tema.
Lembra-se quando destacamos a necessidade de o tema da
pesquisa apresentar um grande leque de fontes? Pois bem, é
aconselhável que as pesquisas cujos temas ainda são incipientes
(possuam pouca literatura e número reduzido de estudos) sejam
desenvolvidas na pós-graduação, onde o pesquisador dispõe
de mais tempo para a busca de material e leitura das fontes
primárias.
No momento da justicativa de seu tema, você deverá
apresentar para o seu leitor, tendo como base os exemplos
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
408
descritos, os aspectos que tornam sua pesquisa importante e
necessária.
Vamos compreender melhor, retomando o trabalho de
Momisso (2010). Veja como a autora justica seu interesse pelo
tema.
Fonte primária: Uma fonte primária é um documento ou qualquer fonte cuja
origem remonta, grosso modo, à época que se está pesquisando, comumente
produzida pelas próprias pessoas estudadas. São exemplos comuns de
fontes primárias: correspondências, diários, assentos de registros públicos
ou privados (civis, imobiliários, censitários, nanceiros etc.) dentre outros.
Fonte secundária: A fonte secundária faz referência aos elementos
provenientes das obras originais. Refere-se a trabalhos escritos com o objetivo
de analisar e interpretar fontes primárias e, normalmente, com o auxílio e
consulta de outras obras consideradas, também, fontes secundárias.
A escolha desta temática foi fortemente inuenciada pelas recentes pesquisas
acadêmicas realizadas sobre a prossionalização docente e suas relações, tais como
formação e prossão docente, identidade, construção do estatuto, prossionalidade,
prossionalismo, assim como os desdobramentos que nos permitem reetir a
desvalorização, a precarização, a desprossionalização e a proletarização do trabalho
docente. Dessa forma, a pesquisa expressará todas as relações intrínsecas ao processo
de prossionalização docente, no entanto, iremos nos dedicar a conhecer o universo
do professorado de Educação Física, já que as pesquisas que tratam do tema, até o
presente momento, não abordam a especicidade dessa área.
Hora de praticar
Após ampliar a compreensão acerca da justicativa e do problema de pesquisa,
apresente:
a) O tema de sua pesquisa, indicando a área de interesse a ser investigada.
b) A delimitação de seu estudo a partir dos critérios propostos na leitura desta unidade.
Publique suas reexões no ambiente virtual a ser indicado pelo seu tutor.
Exemplo 1
Justicativa
409
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
2.2 O Problema de Pesquisa
Até aqui, você já avançou na sistematização de um
conjunto de questionamentos sobre a realidade contextual da
Educação Física escolar em que está inserido e o tema que
lhe despertou atenção. Agora, vamos dar prosseguimento à
construção do projeto de pesquisa, denindo o problema ou
objeto da pesquisa a ser construída.
A elaboração de um projeto de pesquisa requer, antes de
qualquer coisa, um problema claramente formulado. É a partir do
problema que iremos estabelecer nossos objetivos bem como a
coleta e análise de dados.
O processo de delimitação de um problema de pesquisa
envolve a discussão sobre o que é a problematização da prática
social. Problematizamos uma realidade contextual da Educação
Física questionando, interrogando e analisando a sua forma, o
seu conteúdo, os seus propósitos e o seu desenvolvimento.
Problematizar, portanto, é explicitar os principais
problemas encontrados na prática social, ou seja, o que ocorre
na sociedade em relação àquele tema que será abordado em
nossa pesquisa.
Uma forma de colocar um problema é formulá-lo por
meio de uma sentença interrogativa, ou seja, na forma de
uma pergunta. Esta pergunta deverá atender aos requisitos de
relevância social e cientíca.
Na denição do problema de sua pesquisa, você deverá
também considerar:
A problematização é o o condutor de todo o processo de pesquisa. É
o momento em que o pesquisador irá desaar, provocar, despertar e
apresentar algumas propostas de encaminhamento, comprometendo-
se teórica e praticamente com a procura da solução para as questões
encontradas na prática social. No entanto, precisamos car atentos. Nem
todo problema encontrado se enquadra na categoria de cientíco.
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
410
quais serão as necessidades colocadas por sua pergunta ou
problema, ou seja, quais serão as necessidades colocadas
para a realização do estudo, avaliando as condições
estruturais do contexto de investigação;
o grupo a ser envolvido;
os recursos materiais e nanceiros;
o acesso a documentos e informações;
o tempo disponível, dentre outros aspectos que podem limitar
ou mesmo inviabilizar sua pesquisa.
Dando continuidade ao Projeto de Pesquisa de Momisso
(2010), veja como a pesquisadora deniu seu problema de
pesquisa.
Vamos acompanhar outros exemplos de problemas
formulados por pesquisadores da área da Educação Física/
Ciências do Esporte, apresentados por ocasião do XIV Congresso
Brasileiro de Ciências do Esporte, realizado no ano de 2009 em
Salvador/Bahia.
Como o fenômeno dos jogos eletrônicos é compreendido pelos
pesquisadores das áreas da Educação e da Educação Física
brasileira? Quais são as possibilidades educativas dos jogos
eletrônicos percebidas nestas áreas? (SILVA; AZEVEDO,
2009).
Exemplo 3
Diante deste cenário nos perguntamos: de que forma vem se delineando a
prossionalização dos professores de Educação Física de Goiânia? Assim, o estudo a ser
realizado, cujo tema é “Prossionalização docente: com a palavra... os (as) professores(as)”,
tem como propósito apreender e analisar o entendimento dos professores sobre algumas
questões que trazem implicações para a prossionalização docente, como, por exemplo,
as perspectivas dos professores acerca do ser professor e do estar na prossão docente
e a identicação de possíveis disparidades entre os professores das redes estadual e
municipal de ensino de Goiânia em relação à prossionalização docente.
Exemplo 2
Problema de Pesquisa
411
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
2.3 Hipóteses de Estudo
A hipótese de estudo é uma espécie de suposição. No
projeto de pesquisa, a Hipótese é uma armação categórica
(uma suposição), que tem como objetivo buscar trazer respostas
ao Problema levantado no tema escolhido para realização da
pesquisa. No desenvolvimento de seu trabalho de pesquisa, você
irá conrmar ou negar a Hipótese (ou suposição) levantada.
2.4 Objetivos da Pesquisa
Denir os Objetivos é o mesmo que determinar o que
o pesquisador quer alcançar com a realização do trabalho de
pesquisa. Objetivo tem o mesmo signicado de meta, m. É aqui
que você irá responder a pergunta: para que pesquisar?
No projeto de pesquisa, os objetivos são comumente
separados em Objetivos Gerais e Objetivos Especícos. Para
alguns autores, o Objetivo Geral representa o m maior a ser
alcançado, enquanto os Objetivos Especícos representam
Quais as possibilidades de utilização de estratégias pedagógicas
que tangenciam as aulas de educação física aos recursos da
mídia audiovisual, mais especicamente, a cinematograa?
(COSTA; WIGGERS, 2009)
Exemplo 4
Hora de praticar
Responda e comente as seguintes questões:
a) O que vem a ser um problema de pesquisa?
b) Quais problemas/questões, a partir de seu olhar para a realidade,
necessitam ser resolvidos no âmbito da Educação Física brasileira?
c) Qual o seu problema de pesquisa? Dena-o.
Publique suas reexões no ambiente virtual a ser indicado pelo seu tutor.
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
412
Dessa forma, o objetivo do estudo é conhecer como vem se delineando a
prossionalização dos professores de Educação Física em Goiânia. Para que este objetivo
possa ser alcançado será necessário: selecionar as escolas da rede estadual e da rede
municipal de ensino; identicar os professores de Educação Física; aplicar questionários a
m de delinear o processo de prossionalização docente; realizar uma análise comparativa
entre os professores de Educação Física das instituições selecionadas, tendo como base
os conceitos de prossionalização e de identidade docente; vericar se tanto o estado
quanto o município, uma vez que são instâncias subordinadas ao poder da União, apresentam
contradições internas, ou seja, se a crise identitária, a sensação de ambiguidade e de
impotência diante do aumento do descontentamento do professorado, é latente em ambas
as redes de ensino.
as tarefas que deverão ser cumpridas para que o pesquisador
possa alcançar sua meta maior.
Ao se denir os Objetivos, é necessário colocá-los sempre
começando com o verbo no innitivo, por exemplo: denir;
esclarecer; procurar; permitir, demonstrar alguma coisa etc.
No trabalho de Momisso (2010), os objetivos foram
denidos da seguinte maneira:
Já no exemplo abaixo, a autora do Projeto de Pesquisa
optou por separar em tópicos seu objetivo geral e seus objetivos
especícos. Esta estrutura é a forma mais usualmente utilizada.
Objetivos:
Geral: Conhecer os limites e possibilidades do Programa Mais Educação para a
qualicação do tempo e espaço escolar.
Exemplo 5
Objetivos
Exemplo 6
413
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
Especícos:
a) Analisar a construção e a execução do projeto político-pedagógico do Programa
Mais Educação;
b) Observar as aulas desenvolvidas no programa Mais Educação na escola caso;
c) Entender a elaboração das atividades propostas pelos professores;
d) Diagnosticar o perl dos estudantes participantes do programa;
e) Compreender a nalidade, por parte dos estudantes, de estar participando do
programa. (CAMARGO, 2010).
Vamos para a próxima fase?
2.5 Fundamentação Teórica
Você sabe a importância da fundamentação teórica?
Este é o momento de você compreender sua importância
e iniciar seu desenvolvimento.
Trata-se de denir os pressupostos teóricos, as categorias
e os conceitos com os quais dialogaremos ao longo do trabalho,
tanto para melhor compreender e explicar o tema e o objeto
de nossa pesquisa, como para analisar os dados empíricos
coletados, a partir da prática ou realidade contextual da Educação
Física escolar investigada.
Denimos estes pressupostos teóricos, recorrendo a
textos e obras de outros autores, por intermédio de um processo
que denominamos revisão de literatura.
A denição de nossa base teórica e conceitual é um momento de grande
importância, pois é ela que garantirá sustentação do processo de
investigação.
Exemplo 6
(Continuação)
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
414
Na etapa da revisão de literatura, você retoma e avalia
o conhecimento produzido em pesquisas prévias, destacando
conceitos; procedimentos; resultados; discussões e conclusões
relevantes para seu trabalho. Nesta parte do trabalho você irá
discutir as questões relacionadas ao estado da arte da área da
Educação Física escolar, considerando o tema e o objeto de sua
pesquisa.
Neste momento, além de aprofundarmos nosso
conhecimento sobre o que é a revisão de literatura, faremos
alguns exercícios, tanto de análise de um texto ou obra, como
de identicação de fontes e possibilidades de busca para a
construção da revisão que precisa ser realizada. Observe
que a revisão de literatura é desenvolvida mediante fontes
bibliográcas.
Agora, iremos conhecer um pouco mais sobre as fontes
bibliográcas e a forma de suas consultas.
Vejamos como Momisso (2010) se dedicou em sua
fundamentação teórica:
Como exemplos de
fontes bibliográcas
temos os livros, as
publicações
periódicas (jornais,
revistas cientícas) e
também outros
diversos impressos.
A temática da prossionalização docente é um tanto quanto complexa e emblemática,
e envolve uma teia de relações, a qual é permeada por uma série de conceitos: formação e
prossão docente, identidade, construção de estatuto, prossionalidade, prossionalismo,
desvalorização, precarização, desprossionalização e proletarização do trabalho docente.
No que se refere à docência enquanto profissão, Guimarães (2009, p. 22)
evidencia que
De atividade individual e independente, a docência passa, na Idade
Média, a atividade relativamente coletiva, sob os auspícios da
Igreja. Posteriormente, na modernidade, ao domínio do Estado.
Contemporaneamente, os professores vinculam-se a um ofício em
processo de prossionalização (...).
Exemplo 7
Fundamentação
Teórica
415
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
No Brasil, os problemas relacionados à educação e a formação de professores
são fatos que têm se consolidado historicamente. Discussões acerca da prossionalização
docente entram e saem de cena com certa frequência, e ganham destaque principalmente
nas décadas de 1930 e 1970. Em 1930, conforme aponta Guimarães (2009), os debates
centram-se na constituição de saberes que são intrínsecos ao sujeito, que são voltados
para sua personalidade, como por exemplo, a simpatia, a tolerância, entre outros. Em 1970
os discursos aprofundam-se na constituição de saberes técnicos, os quais são aplicados
diretamente na atuação do professor.
Apesar das duas décadas serem distintas em relação aos seus focos, apresentam
um ponto em comum, um ponto chave, o qual podemos descrever como sendo a busca
pela construção de “um conjunto de conhecimentos prossionais que justiquem a
prossionalização do professor” (GUIMARÃES, 2009, p. 23).
As décadas de 1980 e de 1990 também constituem marcos para o discurso da
prossionalização docente. O primeiro abarcou um movimento de desvalorização do
professorado, como forma de reivindicar o descaso com os mesmos. Já o segundo surgiu
como um “movimento de ressignicação da formação, atuação e prossionalização do
professor” (PIMENTA, 2002 apud GUIMARÃES, 2009). A partir deste movimento surge a
ideia do professor crítico, em que a produção de saberes pelo professor e uma reexão
acerca se sua prática pedagógica.
Apresentados estes dados, faz-se necessário compreender o que vem a ser
prossionalização. Brzezinski (2002, p. 10), defende que a prossionalização “poderá
ser atingida mediante um movimento em direção ao aperfeiçoamento das condições para
atingir um elevado
status
e valorização social que são determinantes para a prossionalidade
e o prossionalismo docente”. Alarcão (1998) apud Zanatta et al. (2002, p. 161) corrobora
esta ideia ao conceber “a prossionalização docente como ato em construção”. Segundo
Guimarães (2006 apud 2009) a questão da prossionalização docente envolve também o
estabelecimento de um estatuto, o qual é entendido como
(...) a condição de um segmento prossional na sociedade. Estatuto
prossional do professor, como entendido aqui, refere-se principalmente:
- ao estabelecimento de contornos para a formação (inicial e continuada);
- à constituição de condições de trabalho (além das condições materiais,
também apoio pedagógico, relações democráticas...); - à garantia de
remuneração condizente; à jornada de trabalho (que leve em consideração
o desgaste físico e psicológico inerente a essa prossão) e, por último,
ao vínculo desses trabalhadores a instituições sindicais e associativas.
Exemplo 7
Fundamentação
Teórica
(Continuação)
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
416
Exemplo 7
Fundamentação
Teórica
(Continuação)
Com relação aos termos prossionalismo e prossionalidade, entendemos o último
a partir de três elementos, conforme aponta Sarmento (1998) apud Brzezinski (2002,
p. 10). O primeiro elemento da prossionalidade diz respeito a um conjunto de saberes
e capacidades, o segundo refere-se a uma dimensão quantitativa e, o terceiro envolve o
sujeito ou o grupo prossional. Assim, Sarmento compreende a prossionalidade docente
como “o conjunto maior ou menor de saberes e de capacidades de que dispõe o professor,
no desempenho de suas atividades, e o conjunto do grupo prossional dos professores
num dado momento histórico”.
o prossionalismo docente envolve a escolha pessoal que se faz pela prossão,
sendo este também compreendido por meio de categorias, conforme aponta Enguita
(1991) apud Brzezinski (2002). As categorias referentes ao prossionalismo docente são:
competência, licença, vocação, independência e auto-regulação. A competência refere-
se “à identidade política e técnica” (Brzezinski, 2002, p. 14) adotada pelo professor,
conferindo ao mesmo “o domínio de linguagem própria e mecanismos de controle”
(Brzezinski, 2002, p. 14). A licença diz respeito à demarcação do campo de atuação do
prossional. As categorias vocação e independência são entendidas respectivamente como
dedicação e autonomia. A autorregulação refere-se à forma utilizada pelos professores
enquanto grupo, para regular a atuação prossional dos demais professores.
Tendo em vista as categorias apresentadas, vericamos que as mesmas não são
respeitadas, seja pela sociedade, seja pelo Estado. No Brasil, não é difícil vermos pessoas
atuando em determinadas áreas mesmo sem ter formação especíca. Alguns programas de
cunho assistencialista acabam incentivando tal prática, como é o caso do Projeto Amigos
da Escola, promovido pela Rede Globo de televisão em parceria com Unicef (Fundo das
Nações Unidas para a Infância), Faça Parte, Consed (Conselho Nacional dos Secretários
de Educação), Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), além
de empresas e instituições. Este projeto, cujo slogan é “Amigos da Escola: todos pela
educação”, tem como objetivo a melhoria da escola pública e apesar de não substituir a
educação formal nem tampouco às atividades curriculares da escola, desenvolve ações
educacionais complementares por meio de voluntários. Assim, qualquer pessoa que saiba
fazer algo e que esteja disposta a ensiná-lo, independente de ter ou não formação para a
realização da prática, se inscreve como voluntária no projeto e atua dentro do ambiente
escolar.
O projeto apresentado se apóia na Constituição Federal (1988) e na LDB (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394/1996), as quais armam que o
acesso a educação pública, gratuita e de qualidade é dever do Estado e direito de todos,
assim como a participação da sociedade no ambiente escolar como forma de consolidar a
gestão democrática.
417
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
Exemplo 7
Fundamentação
Teórica
(Continuação)
Apesar de o projeto apresentado ser uma tentativa de melhoria para o ensino
público, percebe-se que seu efeito é apenas paliativo e imediatista, e não em longo prazo,
além de colaborar para o processo de desvalorização do professorado.
Brzezinski (2002) aponta que o “Ministério da Educação (MEC), historicamente,
vem reforçando a ideia de que qualquer um pode ser professor”. A LDB nº 9.394/1996
também aponta nesta direção:
Art. 62º. A formação de docentes para atuar na educação básica far-
se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena,
em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como
formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e
nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível
médio, na modalidade Normal.
Percebe-se uma contradição: inicialmente a Lei expressa que a formação para
o exercício da docência em nível básico, compreendendo aí a educação infantil, o ensino
fundamental e o ensino médio, deve ser feita em nível superior; posteriormente arma
que para atuar na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental,
a formação mínima poderá ser feita em nível médio na modalidade Normal. Assim, ‘ca
“regulamentada” por força de lei a tradicional prática do Estado de ser conivente com a
desprossionalização docente e desvalorização do prossional do magistério’ (Brzezinski,
2002, p. 15).
Diante deste quadro, algumas políticas foram sendo implementadas a m de
minimizar os efeitos da desprossionalização docente, entretanto, as alternativas
encontradas, como as licenciaturas paralelas ou aceleradas, educação a distância, entre
outras, acabaram por aprofundar este quadro. Helena Freitas (2007) coloca que a nova
política de formação de professores se esconde sob a concepção de equidade, cabendo
ao Estado oferecer igualdade de oportunidades. O grande problema é que nesta nova
política garante-se um maior número de professores em processo de formação, porém sem
a garantia da qualidade do ensino aos mesmos.
Este movimento de desprossionalização da docência, ou seja, a não prossionalização
dos professores em relação à formação inicial e continuada, às condições de trabalho, à
remuneração, ao vínculo com sindicatos e associações e, a constante desvalorização do
professorado, conduz ao processo de proletarização do trabalho docente.
A proletarização é entendida como “a perda de controle sobre os seus meios de
produção, do objeto de seu trabalho e da organização de sua atividade” (Brzezinski, 2002,
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
418
p. 12). Dessa forma, os professores se afastam de suas funções (conceber, planejar e
avaliar a prática pedagógica) e consequentemente, o processo educativo ca esvaziado
de sentido, uma vez que cabe ao professor realizar, por meio de uma atividade direta
e intencional, a transmissão/assimilação dos conhecimentos produzidos historicamente
pelos homens.
Concomitantemente ao processo de proletarização docente, percebemos o
desenrolar de uma crise de identidade entre os professores, a qual “suscita nos docentes
o medo da extinção da prossão ou o receio de desvio de sua natureza, de seus verdadeiros
ns e objetivos” (Pereira e Martins, 2002, p. 114).
Villa (1998) apud Pereira e Martins (2002) identica uma série de problemas
referentes à situação em que o professor se encontra e que podem ser aplicadas na
realidade brasileira. Tais problemas são de ordem interna e imediata: professor substitui o
fundamental pelo acessório, baixo prestígio da prossão docente, falta de fortalecimento
da construção do conhecimento, alto índice de doenças físicas e incapacidades psicológicas,
falta de atratividade para o ingresso dos jovens na prossão docente, aumento do
professorado reduz as exigências na seleção e formação, meio escolar não evolui com a
mesma rapidez que os costumes, falta de clareza no papel da escola, insistência no recurso
à inteligência e autonomia dos alunos modicando as noções de respeito, disciplina, etc.
Considerando a crise da identidade docente, é necessário reetirmos acerca da
identidade do professor. Castells (1999) apud Brzezinski (2002, p. 8) entende a identidade
“como a fonte de signicado e experiência de um povo”.
De acordo com Brzezinski (2002, p. 8) a identidade
pode ser pessoal ou coletiva. A primeira é congurada pela história e
experiência pessoal e implica um sentimento de unidade, originalidade
e continuidade, enquanto que a segunda é uma construção social que
se processa no interior dos grupos e das categorias que estruturam
a sociedade e que conferem à pessoa um papel e um status social. A
identidade prossional congura-se como uma identidade coletiva.
Sendo assim, percebe-se que a identidade é histórica sendo continuamente
construída e reconstruída pelo homem. Pimenta (1999) apud Pereira e Martins (2002, p.
122) corrobora esta ideia ao armar que a identidade do prossional da educação “é um
dado mutável, dinâmico, não é externo de tal forma que possa ser adquirido e emerge de
um contexto histórico como resposta às necessidades postas pela sociedade, adquirindo
estatuto de legalidade”. A autora destaca ainda três passos que levam à construção da
Exemplo 7
Fundamentação
Teórica
(Continuação)
419
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
2.5.1 Identicação das Fontes
Depois de delimitado seu tema e o objeto de pesquisa,
você deverá passar para a fase de identicação das fontes
bibliográcas. Neste momento, é interessante consultar o seu
orientador ou orientadora, o qual poderá lhe indicar as melhores
referências acerca do tema que está sendo investigado.
As fontes mais conhecidas são os livros. Porém, existem
várias outras fontes que são muito usadas para fundamentar e
subsidiar sua investigação. Vamos conhecer algumas?
Os periódicos constituem um dos meios mais importantes
para a comunicação e produção cientíca. São eles que tornam
a comunicação formal dos resultados de pesquisas originais e a
manutenção do padrão de qualidade na investigação cientíca
(GIL, 2002).
identidade do professor, os quais são: mobilização dos saberes acumulados, conhecimento
ou domínio das áreas especícas e saberes pedagógicos inerentes ao professor.
Nóvoa (1992) apud Pereira e Martins (2002, p. 120) alerta que a “identidade é um
lugar de lutas e conitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e de estar na
prossão”.
Pelo que foi exposto percebemos que os conceitos apresentados se entrelaçam
formando uma teia de relações. Assim, as relações existentes entre o professor, a
construção de sua identidade e a prossionalização docente assume dois caminhos
paralelos: um leva ao despertar da consciência coletiva do professorado a m de lutar
e reivindicar pelos seus direitos e por melhores condições de trabalho; o outro, apoiado
pelo Estado, tenta manter uma política de desvalorização dos professores a qual inuencia
diretamente no movimento de desprossionalização e proletarização do trabalho docente,
sendo estes fatores responsáveis pela crise de identidade entre os professores.
Exemplo 7
Fundamentação
Teórica
(Continuação)
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
420
Há periódicos impressos como também periódicos
disponíveis na rede eletrônica. Na área da Educação Física,
você pode contar com periódicos de ótima qualidade e que se
tornaram referência em nosso Campo Acadêmico. Citaremos
alguns exemplos.
Revista Brasileira de Ciências do Esporte (RBCE): é uma publicação
do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. É um dos mais tradicionais e
importantes periódicos cientícos brasileiros na área de Educação Física/
Ciências do Esporte. Endereço eletrônico: www.rbceonline.org.br
Revista Pensar a Prática: publica artigos relacionados ao Campo
Acadêmico-Prossional da Educação Física e é editada sob a
responsabilidade institucional da Faculdade de Educação Física da
Universidade Federal de Goiás. Endereço eletrônico: www.revistas.ufg.br/
index.php/fef
Revista Movimento: é uma publicação da Escola de Educação Física
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul que tem por objetivo
publicar pesquisas cientícas sobre temas relacionados à Educação Física
em interface com as Ciências Humanas e Sociais, em seus aspectos
pedagógicos, históricos, políticos e culturais. Endereço eletrônico: www.
ufrgs.br/revistamovimento
Também é oportuno que você tenha contato com um site muito interessante.
Trata-se do SciELO (
Scientic Electronic Library Online
). O site reúne cerca
de 200 periódicos, tanto brasileiros como também de outros países latino-
americanos. São encontrados periódicos nas áreas de ciências sociais,
ciências humanas, ciências da saúde, ciências exatas dentre outras.
Endereço eletrônico: www.scielo.br
421
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
De acordo com Gil (2002), as teses e dissertações
constituem fontes muito importantes para a pesquisa.
Muitas delas são constituídas por relatórios
de investigações cientícas originais ou
acuradas revisões bibliográcas. Seu valor
depende, no entanto, da qualidade dos
cursos das instituições onde são produzidas
e da competência do orientador. Requer-se,
portanto, muito cuidado na seleção dessas
fontes (p. 42).
A Universidade de Brasília possui vários programas de
Pós-Graduação strictu sensu. Nesses programas, são produzidas
as dissertações de mestrado e as teses de doutorado.
UNIF-NORTE
Biblioteca
Oi, preciso consultar
uma dissertação
de mestrado.
O sr. sabe o título,
autor, a localização e o
n° do volume da obra?
UNIF-NORTE
Biblioteca
???
UNIF-NORTE
Biblioteca
Então, por favor, obtenha
primeiro esses dados
no nosso Catálogo
Bibliográco.
Grato
Hum... Não!
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
422
O que são os anais? Bem, os anais são o conjunto dos
trabalhos publicados durante o evento. Eles, comumente, vêm
na forma de livro e/ou CD-ROM.
Os anais de encontros cientícos representam os
resultados das publicações ocorridas em congressos, simpósios,
seminários, encontros, fóruns e etc.
2.5.2 Como Fazer a Leitura do Material?
Você deverá considerar o tema e objeto de
sua pesquisa, identicar as categorias e conceitos que
deverá aprofundar seus conhecimentos e selecionar
autores, obras e textos que possam auxiliá-lo em seu
estudo.
Após a obtenção do material bibliográco
que lhe servirá de fonte para a realização de seu
Projeto de Pesquisa, é preciso dar início à sua leitura.
No entanto, não se trata de qualquer tipo de leitura.
A leitura necessária para a revisão bibliográca deve
atender requisitos básicos. Gil (2002, p.79) nos
apresenta, com muita clareza, tais requisitos:
a) leitura integral da obra ou do texto selecionado – é para se ter
uma visão do todo. Será conveniente valer-se de um dicionário para
esclarecer o signicado de palavras desconhecidas. Poderá também
ser interessante em alguns casos apelar para trabalhos correlatos,
de forma a se obter melhor compreensão da obra ou do texto;
E você, já está
pensando em fazer
um mestrado?
Visite a página do Mestrado
em Educação Física da
Faculdade de Educação
Física da UnB e veja
as linhas de pesquisa.
Endereço eletrônico: http://
vsites.unb.br/fef/pos/
mestrado.htm
Construir uma revisão de
literatura não é tão simples!
423
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
b) identicação das ideias-chaves – ao ler atentamente a
frase, algumas palavras-chave são identicadas. Da mesma
forma, num parágrafo, é possível escolher uma frase que o
sintetiza. Ao longo do texto, por m, podem-se selecionar alguns
parágrafos que são os mais signicativos. Por meio da junção
inteligente entre os parágrafos do texto, é possível identicar as
ideias mais importantes;
c) hierarquização das ideias após a identicação das
ideias mais importantes contidas no texto, passa-se à sua
hierarquização, ou seja, à organização das ideias seguindo a
ordem de importância. Isso implica distinguir as ideias principais
das secundárias e estabelecer tantas categorias de ideias
quantas forem necessárias para a análise do texto;
d) sintetização das ideias – esta é a última etapa do processo
de leitura analítica. Consiste em recompor o todo decomposto
pela análise, eliminando o que é secundário e xando-se no
essencial para a solução do problema proposto. A habilidade
para sintetizar exige bastante treino e é fundamental na
pesquisa bibliográca. Quando esta habilidade não se encontra
bem desenvolvida, o pesquisador tende a deparar-se com
grande conjunto de informações de difícil manuseio que podem
comprometer o adequado desenvolvimento da pesquisa.
Hora de praticar
Olá! Neste momento, iremos concentrar nossa atenção sobre leitura e síntese das obras
e textos relacionados com o seu objeto de pesquisa. Assim, você deverá selecionar
e sintetizar os autores, obras e textos com os quais dialogará, isto é, os autores, as
obras e os textos que irão ajudá-lo(a) na construção da base teórica e conceitual da sua
investigação.
A internet, rede mundial de computadores, tornou-se uma fonte de pesquisa indispensável
e de grande utilidade no processo de pesquisa. Com o avanço cada vez mais veloz da
tecnologia, a internet representa um extraordinário acervo de dados à disposição de todos
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
424
2.6 Procedimentos Metodológicos
Minayo (1994, p. 43) apresenta os principais aspectos da
metodologia em três momentos: a) Denição da amostragem;
b) Coleta de dados; c) Organização e análise de dados. Vamos
explorar cada um deles.
Denição da amostragem – é importante lembrar que a
pesquisa qualitativa “não se baseia no critério numérico para
Hora de praticar (Continuação)
que necessitam realizar buscas. Nos locais mais remotos e com bibliotecas reduzidas
e/ou precárias, a internet apresenta grande relevância.
Mesmo com toda facilidade que a internet nos proporciona, devemos estar atentos no
momento da busca, pois com o excesso de informações, há muitas que não apresentam
o caráter cientíco que é exigido na produção do Trabalho de Conclusão de Curso.
Vamos praticar? Selecione textos de livros, revistas cientícas, dissertações e
produções cientícas disponíveis na Internet e comente como eles podem contribuir
com seu trabalho, tendo como referência o seu problema de pesquisa já denido.
Envie seus comentários para o ambiente virtual a ser indicado pelo seu tutor.
Chegamos a um dos pontos mais importantes do Projeto de Pesquisa. É
uma fase que requer bastante atenção e rigor por parte do pesquisador.
É na metodologia que você irá apresentar as técnicas, os métodos, os
instrumentos e o marco teórico que pretende utilizar. Todos esses elementos
são partes importantes da metodologia de uma pretensão de pesquisa.
É na metodologia que você irá escolher o campo que pretende investigar; o
número de pessoas; o caso que pretende explorar, ou seja, o espaço onde
você irá coletar os dados, fazer as suas observações e, ao mesmo tempo,
escolher as melhores técnicas e os procedimentos para a posterior análise
de dados.
425
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
garantir sua representatividade.” No entanto, é necessário
que no processo de escolha dos grupos sociais, indivíduos
e/ou instituições, a decisão tome por base os vínculos que
tais sujeitos estabelecem com o seu problema de pesquisa.
A escolha dos sujeitos também deve ser devidamente
justicada no Projeto de Pesquisa.
Coleta de dados – este é o momento em que você irá
decidir pelos instrumentos de coleta, tais como: observação;
entrevistas; questionários; lmagens; fotograas, história de
vida etc. Essa escolha deve estar diretamente relacionada
ao problema de sua pesquisa e com os objetivos propostos.
Organização e análise de dados – Minayo (1994, p. 43)
sugere:
(...) devemos descrever com clareza como os
dados serão organizados e analisados. Por
exemplo: as análises de conteúdo, de discurso,
ou análise dialética são procedimentos
possíveis para a análise e interpretação
dos dados e cada uma destas modalidades
preconiza um tratamento diferenciado para a
organização e sistematização dos dados.
Mais uma vez, vamos recorrer ao Projeto de Pesquisa
de Momisso (2010), visando nos aproximar da exposição da
metodologia no texto do Projeto.
O pesquisador poderá optar por utilizar uma, duas
ou mais técnicas. No entanto, deverá, sempre
que possível, optar por apenas um instrumento,
principalmente quando o pesquisador ou
pesquisadora não possui experiência em pesquisa.
A escolha por apenas um instrumento de pesquisa
irá facilitar o processo de análise de dados.
Converse com seu orientador
ou orientadora sobre essas
escolhas. Com certeza, ele(a)
tem uma larga experiência na
pesquisa e poderá lhe orientar
nesta decisão.
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
426
A pesquisa que se pretende realizar, cujo tema é “Prossionalização docente: com a
palavra... professores e professoras”, buscará desenvolver uma análise reexiva acerca da
prossionalização docente e suas nuances. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter
descritivo, sendo baseada no materialismo histórico-dialético.
De acordo com Minayo (1994) apud Oliveira (2009, p. 48):
A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se
preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode
ser quanticado. Ou seja, ela trabalha com o universo de signicados,
motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um
espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que
não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.
Segundo Triviños (2008, p. 51):
(...) o materialismo dialético é a base losóca do marxismo e como tal
realiza a tentativa de buscar explicações coerentes, lógicas e racionais
para os fenômenos da natureza, da sociedade e do pensamento”. No
materialismo dialético a realidade é compreendida a partir de uma
concepção cientíca, sendo enriquecida com a prática social. Por meio do
“enfoque dialético da realidade, o materialismo dialético mostra como se
transforma a matéria e como se realiza a passagem das formas inferiores
às superiores.
Triviños (id.) aborda ainda o materialismo histórico, sendo este “a ciência losóca
do marxismo que estuda as leis sociológicas que caracterizam a vida da sociedade, de sua
evolução histórica e da prática social dos homens, no desenvolvimento da humanidade”. O
materialismo histórico enfatiza a força das ideias, a qual é capaz de promover mudanças
nas bases econômicas que as originou.
Para que o estudo possa ser realizado de maneira satisfatória, serão utilizados
como estratégia metodológica questionários estruturados, sendo estes conceituados por
Gil (2002) apud Oliveira (2009) como sendo “a técnica de investigação composta por um
número de questões (objetivas ou não) que são apresentadas aos sujeitos e que tem como
objetivo conhecer opiniões, sentimentos, interesses, crenças, expectativas, situações,
etc”; e como procedimentos técnicos, o estudo de campo.
De acordo com Gil (2007) o estudo de campo procura o aprofundamento de determinadas
questões, as quais serão referentes ao tema da prossionalização docente.
Exemplo 8
Metodologia
427
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
2.7 Cronograma de Pesquisa
Todo projeto de pesquisa deve planejar o tempo
necessário para a realização de cada fase da investigação
proposta. Algumas tarefas podem ser realizadas concomitantes
com outras atividades necessárias à concretização da pesquisa
proposta.
O cronograma ganha maior relevância em pesquisas
que possuem tempo restrito para sua realização. Assim, o
cronograma de pesquisa nada mais é que a organização da
pesquisa em um tempo determinado.
Logo abaixo, segue exemplo de uma possibilidade de
cronograma na forma de tabela.
Exemplo 8
Metodologia
(Continuação)
Inicialmente será realizada uma investigação para a seleção tanto das escolas,
quanto dos professores de educação física. Assim, serão selecionados oito professores de
educação física da rede estadual de ensino de Goiânia e oito professores de educação física
da rede municipal de ensino da mesma cidade. Supondo que em cada instituição de ensino
existem dois professores de educação física, serão selecionadas quatro escolas da rede
estadual e quatro escolas da rede municipal, totalizando oito escolas em diferentes regiões
da cidade de Goiânia, abrangendo tanto “áreas nobres” quanto periféricas.
Os dados que forem coletados serão divididos em categorias de acordo com o
referencial teórico utilizado, para posterior análise, vericando se os discursos dos professores
das duas redes pesquisadas apresentam semelhanças ou contradições quanto ao aspecto
da prossionalização docente.
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
428
MESES
TAREFAS
ABRIL MAIO JUNHO AGOSTO SETEMBRO OUTUBRO NOVEMBRO
Construção
do projeto de
pesquisa
Produção do
capítulo I
Produção do
capítulo II
Produção do
capítulo III
Coleta de
dados
Finalização
da pesquisa
X
X
X
X X
X X
X
Como você pode observar, a estrutura e a organização
do cronograma irão depender do tipo de pesquisa e, é claro, da
forma como o pesquisador pretende conduzir sua pesquisa.
Abaixo, você encontra outro modelo de cronograma um
pouco mais detalhado.
(GONÇALVES, 2010, S.P)
Fonte: http://metodologiadapesquisa.blogspot.com/2010/10/elaboracao-do-cronograma.html
1 2 3
4 5
6
7
108
9
11
12
Atividade
Reformulação do projeto
Leitura da bibliograa
Coleta de dados no campo
Análise dos dados
Redação da 1ªversão do texto
Elaboração do sumário provisório
Revisão do texto
Redação denitiva
Defesa
429
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
2.8 Estimativa de Custos
A estimativa de custos de um projeto de pesquisa deverá
considerar os custos de cada fase da pesquisa. Geralmente,
na realização de uma pesquisa, assumimos custos de pessoal
e custos de material. Algumas pesquisas promovidas e/ou
nanciadas por institutos de pesquisa ou por órgãos nanciadores
Hora de praticar
Olá! Neste momento, iremos concentrar nossa atenção na leitura e síntese das obras
e de textos relacionados ao seu objeto de pesquisa. Assim, você deverá selecionar e
sintetizar os autores, obras e textos com os quais dialogará, isto é, os autores(as), as
obras e os textos que vão ajudá-lo na construção da base teórica e conceitual da sua
investigação.
Envie suas sínteses ao ambiente virtual a ser indicado pelo seu tutor.
Dica legal!
Neste tópico você conheceu a importância do cronograma
em um projeto de pesquisa. Para colocar em prática seus
conhecimentos, agora, você deve fazer o seguinte:
a) Faça uma busca na internet e procure tomar contato com
diferentes projetos de pesquisas, dispensando especial
atenção aos cronogramas apresentados pelos autores.
b) Em seu projeto de pesquisa, identique quais fatores
podem trazer algum atraso em seu cronograma de pesquisa.
Como esses fatores podem ser evitados?
c) Dando continuidade ao seu projeto de pesquisa, elabore
um quadro com o cronograma que você, possivelmente, irá
buscar cumprir em sua investigação.
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
430
de pesquisa necessitam, obrigatoriamente, apresentar suas
estimativas de custos.
Quando fazemos referência aos custos de pessoal,
falamos do número de pesquisadores, colaboradores e suas
subsequentes remunerações e/ou bolsas de pesquisa.
A estimativa de custos deve buscar ser el aos possíveis
gastos do pesquisador. Exige-se precisão e controle dos possíveis
gastos. Mesmo com tal precisão, é comum, no orçamento de
pesquisa, destinar parte da verba para custos que tenhamos
que assumir devido a alguns imprevistos. Vejamos um exemplo:
DESPESAS
MATERIAIS DE CONSUMO QUANTIDADE VALOR EM R$
Folhas de papel A4 (pacote 500) 4 12,90 (unidade)
Cartuchos para impressão 5 50,00 (unidade)
Vales-transporte 50 2,25 (unidade)
Caneta esferográca (azul) 3 2,00 (unidade)
Caneta esferográca (preta) 3 2,00 (unidade)
SERVIÇOS
Cópias (Xerox) 15 200,00 (valor aproximado)
MATERIAIS PERMANENTES
Impressora 1 600,00
VALOR TOTAL EM R$ 1226,10
Exemplo 9
Despesas
431
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
Dica legal!
Neste tópico você conheceu a importância do orçamento
em um projeto de pesquisa. Para colocar em prática seus
conhecimentos, realize as seguintes atividades:
a) Faça uma busca na internet e procure tomar contato com
diferentes projetos de pesquisas, dispensando especial
atenção para os orçamentos apresentados pelos autores.
Observe quais são os custos mais comuns apresentados nos
relatórios de pesquisa encontrados.
b) Dando continuidade ao seu projeto de pesquisa, elabore um
quadro com as estimativas de custos que você, possivelmente,
terá na realização de sua proposta de pesquisa.
2.9 Referências Bibliográcas
Na construção de um projeto de pesquisa vários autores
e autoras são citados pelo pesquisador. Como iremos aprender,
no corpo do texto do projeto de pesquisa, as referências aos
autores devem ser bastante breves, reservando todos os detalhes
da obra consultada para uma parte do projeto conhecida como
Referências bibliográcas.
Assim como em toda a elaboração do projeto, as
Referências bibliográcas exigem um conjunto de normas
para ser estruturada. Essas normas são organizadas a partir
da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT. Segue
algumas observações e exemplos, pois iremos aprofundar na
normalização de nosso projeto de pesquisa na Unidade 5.
a) Os elementos essenciais para a construção das
“Referências bibliográcas” são: autor(es), título, edição,
local, editora e data.
Exemplo:
SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do trabalho cientíco.
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
432
21ª ed. São Paulo: Cortez, 2001.
b) Autores com sobrenomes compostos e sobrenomes que
indicam grau de parentesco.
Exemplo:
LÉVI-STRAUSS, Claude
MOLINA NETO, Vicente
BRANDÃO, Carlos Rodrigues
c) Atenção para os títulos e subtítulos, os quais, se forem
usados, devem ser reproduzidos exatamente como
constam no material consultado, separados por dois
pontos.
Exemplo:
DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio cientíco e educativo. São
Paulo: Cortez, 1993.
d) Dois ou três autores:
Exemplo:
GOODE, William J.; HATT, Paul K. Métodos em Pesquisa Social.
3ª ed. São Paulo: Nacional, 1969.
e) Mais de três autores:
Exemplo:
DUBOIS, J. et. al. Retórica geral. São Paulo: Cultrix. 1974.
É comum o pesquisador optar pelo uso do negrito
ao invés do itálico quando a normalização assim exigir. Você
também pode escolher entre essas duas opções.
Há várias particularidades quanto à normalização das referências
bibliográcas. Nossa sugestão é que você visite o site da Associação
Brasileira de Normas Técnicas e leia atentamente as indicações normativas
em vigor. www.abnt.org.br
433
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 2 | A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
Nesta Unidade 2 nos
dedicamos a conhecer
como elaborar um Projeto
de pesquisa. Você deve
ter notado que não se trata de
nenhuma atividade complexa; no
entanto, ela exige de nós muita
atenção e seriedade.
Conhecemos também as
exigências de um Projeto de pesquisa,
tais como a introdução, a escolha do
tema, a justicativa, o problema de
pesquisa, a escolha da metodologia,
bem como o cronograma, o orçamento
e as referências utilizadas no decorrer
da fundamentação do projeto.
É importante que o contato com
a literatura sobre o tema escolhido
para a investigação ocorra antes
mesmo da elaboração do projeto de
pesquisa. Este prévio contato com a
literatura torna-se relevante, pois é a
partir dele que novas interrogações
acerca da temática de interesse
passam a ser levantadas.
Do mesmo modo, a revisão
da literatura nos ajuda a pensar
o problema de pesquisa, seus
objetivos, ao mesmo tempo em
que nos coloca em contato com
as pesquisas já realizadas sobre
determinado assunto, evitando a
reprodução de pesquisas com pouca
ou quase nenhuma contribuição para
a Educação Física brasileira.
Essa revisão da literatura pode
ser dada a partir de diferentes fontes,
conhecida como fontes primárias e
fontes secundárias. A depender do
tema, ele poderá ser encontrado
nas duas fontes. Outros temas são
mais facilmente encontrados em
fontes primárias e outros em fontes
secundárias.
As fontes bibliográcas
consultadas pelo autor do projeto
de pesquisa deverão constar no
nal do projeto de pesquisa, na
parte denominada Referências
Bibliográcas. É nesta parte que o
leitor terá contato com as obras dos
autores lidos pelo pesquisador, com
a oportunidade de aprofundar nos
temas de seu interesse. Por isso,
que atento ao fazer as Referências
Bibliográcas, pois você estará
conduzindo a leitura de interessados
nas diferentes obras consultadas.
UNIDADE 3
435
Diferentes Tipos de Pesquisa Qualitativa
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
Após termos denido o problema ou objeto da pesquisa, apontando os objetivos
e a base teórica e conceitual da investigação, surge a necessidade de responder à
seguinte questão:
Do ponto de vista metodológico, como será desenvolvida a pesquisa?
Isto signica que você precisa dizer quais serão as formas de investigar o
objeto de sua pesquisa. Tendo como referência a abordagem qualitativa, o trabalho
de campo se apresenta como uma possibilidade de aproximação e produção de
novos conhecimentos sobre a prática e realidade contextual da Educação Física que
desejamos estudar. É isso o que exploraremos, nesta Unidade 3.
É necessário que você observe o Saiba+, no nal desta Unidade, para
conhecer as linhas de pesquisa do seu curso.
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 3 | DIFERENTES TIPOS DE PESQUISA QUALITATIVA
436
OBJETIVOS
Após nalizar esta Unidade, esperamos que você seja capaz de:
identicar as diferentes metodologias de investigação cientíca;
diferenciar os tipos de pesquisa quanto aos seus objetivos;
diferenciar as pesquisas quanto aos seus procedimentos técnicos e
metodológicos;
discutir as metodologias do Estudo de Caso e da Pesquisa Participante.
437
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 3 | DIFERENTES TIPOS DE PESQUISA QUALITATIVA
3.1. A Pesquisa Qualitativa: Explicando, Explorando
e Descrevendo a Realidade
Com base nos objetivos propostos pela investigação, as
pesquisas podem ser classicadas, conforme Gil (2002, p.41),
em Pesquisas Exploratórias, Pesquisas Explicativas e Pesquisas
Descritivas. Vejamos cada uma delas.
Pesquisas exploratórias – exigem, em sua estrutura, pelo
menos na maioria dos casos, levantamento bibliográco,
entrevistas com pessoas diretamente relacionadas com o
objeto que se investiga e análise de exemplos que ajudam na
compreensão do leitor e do próprio pesquisador. A pesquisa
exploratória é usada com muita frequência em pesquisas do tipo
bibliográca e nos estudos de caso, sobre o qual aprofundaremos
nosso estudo logo à frente.
(...) têm como objetivo proporcionar maior
familiaridade com o problema, com vistas
a torná-lo mais explícito ou a construir
hipóteses. (...) tem como objetivo principal o
aprimoramento de ideias ou a descoberta de
intuições (GIL, 2002, p.41).
Pesquisas descritivas – apresentam como principal objetivo
a descrição de determinado fenômeno ou de grupos especícos
de uma população. Elas objetivam estudar as características
desse grupo e/ou fenômeno tais como: frequência de atividade
física semanal; estado de saúde física; idade, sexo etc. De
acordo com Gil (2002, p.42), podem ser incluídas neste grupo
“as pesquisas que têm por objetivo levantar as opiniões, atitudes
e crenças de uma população”. O autor também inclui no grupo
das pesquisas descritivas:
(...) aquelas que visam descobrir a existência
de associações entre variáveis, como, por
exemplo, as pesquisas eleitorais que indicam
a relação entre preferência político-partidária e
nível de rendimentos ou de escolaridade (id.).
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 3 | DIFERENTES TIPOS DE PESQUISA QUALITATIVA
438
Pesquisas explicativas – buscam esclarecer fatores que
podem determinar e/ou contribuir para o acontecimento de
determinados fenômenos da realidade. Neste tipo de pesquisa,
são facilmente encontradas as pesquisas classicadas como
experimentais e ex-post facto. Para Gil (2002, p. 42):
(...) este é o tipo de pesquisa que mais aprofunda
o conhecimento da realidade, porque explica a
razão, o porquê das coisas. Por isso mesmo, é
o tipo mais complexo e delicado, já que o risco
de cometer erros aumenta consideravelmente.
3.2 Conhecendo Opções Metodológicas
As pesquisas também podem ser classicadas quanto
aos procedimentos técnicos aplicados. Na verdade, essa
classicação é a usualmente mais utilizada. Mas que atento:
uma pesquisa pode ser exploratória (classicação quanto aos
objetivos) e do tipo experimental e/ou do tipo ex-post facto ao
mesmo tempo (classicação quanto aos procedimentos técnicos
utilizados).
É importante que você tenha clareza que iremos apenas
trazer, com base em Gil (2002), os conceitos dos diferentes
tipos de pesquisa quanto aos procedimentos técnicos utilizados.
Nosso objetivo é aproximá-lo desse quadro classicatório e, em
seguida, aprofundarmos nas metodologias Estudo de Caso e
Pesquisa Participante. Então, vamos prosseguir.
Embora quase todas as pesquisas utilizem a revisão
bibliográca, a pesquisa bibliográca é aplicada para denominar
uma investigação que se dá, exclusividade, pela revisão da
Mesmo apresentando essa classicação quanto aos objetivos da pesquisa,
é importante saber que uma pesquisa pode ser explicativa e descritiva
ao mesmo tempo ou ser uma pesquisa descritiva com algumas fases de
exploração da realidade.
439
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 3 | DIFERENTES TIPOS DE PESQUISA QUALITATIVA
literatura sobre o problema investigado. A maioria das pesquisas
exploratórias constitui pesquisas bibliográcas. Esse tipo de
pesquisa é utilizado quando se pretende explorar um dado tema
e/ou problema na literatura cientíca.
Como já vimos anteriormente, os livros, as publicações
periódicas e os impressos diversos constituem as fontes
bibliográcas mais utilizadas na revisão bibliográca.
Assim como a pesquisa bibliográca, a
pesquisa documental se desenvolve a partir de fontes
bibliográcas. No entanto, uma vez que a pesquisa
bibliográca se constitui por uma vasta leitura de livros
e periódicos, a pesquisa documental se compõe,
basicamente, de documentos, ou seja, de materiais que
ainda não receberam um tratamento analítico.
Gil (2002, p. 46) apresenta algumas vantagens da
pesquisa documental comparada às demais propostas
metodológicas.
Vantagens
1. Riqueza de dados e informações estáveis que os documentos
proporcionam, sobretudo quando a natureza da pesquisa for
histórica;
2. Basicamente, o pesquisador não terá custos se comparado
a outras possibilidades de pesquisa. Neste tipo de pesquisa, o
que será exigido do pesquisador será o tempo disponível para a
análise documental;
3. Não necessidade de contato com sujeitos de pesquisa (esta
vantagem pode ser estendida também à pesquisa bibliográca).
Sabemos que o contato entre pesquisador e sujeito pode, por
vezes, prejudicar o andamento da investigação, por se ter uma
amostra pouco signicativa para a conclusão dos dados e/ou por
materiais
que ainda
não
passaram
por análises.
Pesquisa
documental
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 3 | DIFERENTES TIPOS DE PESQUISA QUALITATIVA
440
não haver disponibilidade dos sujeitos envolvidos com o objeto
de estudo do pesquisador.
O propósito básico da pesquisa experimental é vericar a
existência de relações entre as variáveis. Para Gil (2002, p. 48):
(...) a pesquisa experimental constitui o
delineamento mais prestigiado nos meios
cientícos. Consiste essencialmente em
determinar um objeto de estudo, selecionar as
variáveis capazes de inuenciá-la e denir as
formas de controle e de observação dos efeitos
que a variável produz no objeto.
As características visivelmente encontradas na pesquisas
do tipo experimental são a manipulação, o controle e a
distribuição aleatória.
O estudo de campo é conhecido por sua capacidade
de aprofundamento no objeto de estudo. Essa metodologia é
bastante conhecida e utilizada no campo da Antropologia, mas
vem se expandido para outros campos do conhecimento, como:
Saúde, Educação e a própria Educação Física.
No caso especíco da Educação Física, o estudo de
campo pode ter como modelo uma comunidade; uma escola;
uma academia, uma praça pública onde se desenvolvem
atividades de lazer e etc. Trata-se de uma metodologia que utiliza
bastante a observação direta e instrumentos como entrevistas e
questionários.
Durante o desenvolvimento de um estudo de campo,
torna-se necessária a presença do pesquisador pelo maior
tempo possível no local em que as observações e os demais
instrumentos para coleta de dados são utilizados. Essa presença
torna-se necessária uma vez que somente pela imersão na
Manipulação: o
pesquisador precisa
fazer alguma coisa
para manipular pelo
menos uma das
características dos
elementos estudados;
Controle: o
pesquisador precisa
introduzir um ou mais
controles na situação
experimental,
sobretudo criando um
grupo de controle;
Distribuição
aleatória: a
designação dos
elementos para
participar dos grupos
experimentais e de
controle deve ser
feita aleatoriamente.
Gil (2002, p. 48)
441
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 3 | DIFERENTES TIPOS DE PESQUISA QUALITATIVA
realidade é que se torna possível a compreensão da cultura, das
crenças, dos costumes, das rotinas, dos hábitos da comunidade
que se pretende conhecer.
O estudo de caso é bastante utilizado nas ciências
sociais. Trata-se de um estudo que apresenta profundidade ao
mesmo tempo em que busca ser exaustivo, visando um amplo e
detalhado conhecimento sobre o caso em questão.
Podemos citar, como exemplo, uma pesquisa que tenha
como objetivo conhecer as possibilidades de participação nas
aulas de Educação Física de um estudante que apresente
alguma patologia, como Paralisia Cerebral ou Síndrome de
Down. Daí, visando atingir este objetivo, será necessário estar
atento às etapas propostas no quadro, a seguir.
É comum, em pesquisas de
campo, a utilização de outros
recursos que podem auxiliar
na captação das atividades
do grupo investigado, tais
como a análise documental,
fotograas e até mesmo
lmagens.
Principal vantagem do
estudo de campo
Principal desvantagem
do estudo de campo
Frente às demais metodologias,
a principal vantagem diz respeito
à credibilidade que possui o
pesquisador, devido à capacidade
em apresentar resultados
mais dedignos, por conta de
sua imersão na comunidade
investigada.
Tempo necessário para a
realização da pesquisa, que
costuma se estender bem mais
que outros métodos de pesquisa
em razão da necessidade de
imersão no grupo pesquisado.
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 3 | DIFERENTES TIPOS DE PESQUISA QUALITATIVA
442
De acordo com Thiollent (2004, p.24): “Pesquisa-ação é uma
proposta metodológica e técnica que oferece subsídios para
organizar a pesquisa social”. Assim, a principal motivação para
realizar este tipo de pesquisa parte do desejo de exploração e
reexão da realidade social dos sujeitos pesquisados, além da
consciência da luta pela transformação, ou seja, a busca por
mudanças.
A pesquisa-ação, assim como no Estudo de Caso,
apresenta um planejamento bastante exível, sobretudo
em razão do envolvimento dos pesquisadores e dos grupos
interessados.
As fases da pesquisa-ação, segundo Gil (2002), se estrutura da
seguinte forma:
a) Explorar situações da vida real cujos limites não estão
claramente denidos;
b) Preservar o caráter unitário do objeto estudado;
c) Descrever a situação do contexto em que está sendo feita
determinada investigação;
d) Formular hipóteses ou desenvolver teorias; e
e) Explicar as variáveis causais de determinado fenômeno em
situações muito complexas que não possibilitam a utilização
de levantamentos e experimentos.
Gil (2002, p. 55)
Parece fácil? Mas que atento! Um bom estudo de caso constitui um dos
tipos de pesquisas mais complexos e difíceis de realizar. É preciso prestar
atenção às situações em que essa metodologia é recomendada. Converse
com seu orientador ou orientadora sobre a possibilidade de utilização do
estudo de caso. No próximo tópico vamos conhecer mais um pouco sobre
as peculiaridades do estudo de caso.
A metodologia da
pesquisa-ação
pode ser mais bem
compreendida
nas obras:
THIOLLENT, Michel.
Pesquisa-ação nas
organizações. São
Paulo: Atlas, 1997.
BARBIER, René.
A Pesquisa-Ação.
Brasília: Plano, 2002.
443
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 3 | DIFERENTES TIPOS DE PESQUISA QUALITATIVA
a) Fase exploratória;
b) Formulação do problema;
c) Construção de hipóteses;
d) Realização do seminário;
e) Seleção da amostra;
f) Coleta de dados;
g) Análise e interpretação dos dados;
h) Elaboração do plano de ação;
i) Divulgação dos resultados
De modo semelhante à pesquisa-ação, a pesquisa
participante caracteriza-se pela constante interação entre os
pesquisadores e os grupos interessados na solução do problema
identicado e apresentado pelo pesquisador.
Muitos autores e autoras que estudam as tipologias
metodológicas, por vezes, assumem a pesquisa-ação e a
pesquisa-participante como sinônimas. Para Gil (2002, p.56),
com base em Thiollent (1985),
(...) a pesquisa-ação geralmente supõe uma
forma de ação planejada, de caráter social,
educacional, técnico ou outro.” Já a pesquisa
participante, envolve a distinção entre ciência
popular e ciência dominante. Esta última tende
a ser vista como uma atividade que privilegia
a manutenção do sistema vigente e a primeira
como o próprio conhecimento derivado do
senso comum.
3.3 As opções do Estudo de Caso e da Pesquisa
Participante
O objetivo desta disciplina é auxiliá-lo na construção de
um Projeto de Pesquisa orientado para a investigação de um
problema contextualizado a partir da sua própria intervenção.
Você quer aprofundar
seu estudo sobre
as metodologias
do Estudo de Caso
e da Pesquisa
Participante? Então,
procure ler as
seguintes indicações
bibliográcas:
BRANDÃO,
Carlos Rodrigues
(Org.). Pesquisa
participante.
São Paulo:
Brasiliense, 1983.
______. Repensando
a Pesquisa
participante.
São Paulo:
Brasiliense, 1984.
YIN, Robert K.
Estudo de caso:
planejamento e
métodos. 2. ed.
Porto Alegre:
Bookman, 2001.
ANDRÉ, M.E.D.A.de.
Estudo de caso em
Pesquisa e Avaliação
Educacional. Brasília:
Líber Livro, 2005
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 3 | DIFERENTES TIPOS DE PESQUISA QUALITATIVA
444
Com isso em mente, avaliamos que as melhores opções
metodológicas para o desenvolvimento de sua pesquisa
monográca seja o Estudo de Caso ou a Pesquisa Participante.
E quando devemos usar uma ou outra opção metodológica?
Para responder a esta pergunta, vamos explorar,
rapidamente, as principais características de cada metodologia.
3.4 A Opção Metodológica e o Delineamento da
Pesquisa
Estudo de Caso Pesquisa Participante
– É uma abordagem metodológica útil
quando há a necessidade de se “recortar”
a realidade e aprofundar estudos sobre um
determinado contexto. O caso, com limites
nítidos, sempre faz parte de um contexto
maior, podendo repetir-se ou apresentar
similaridade com outros contextos. Assim,
utilizamos o Estudo de Caso diante de um
contexto ou caso com interesse próprio e
características peculiares.
– Vários tipos de delineamentos
metodológicos podem ser construídos
no desenvolvimento de um Estudo de
Caso, como por exemplo: estudos de caso
de experiências bem sucedidas de um
professor; de uma escola; de programas,
ou de novas formas de ensino da Educação
Física ou de seus conteúdos etc.
– Compreende um processo de
investigação pelo qual se busca a
participação dos sujeitos da realidade
contextual pesquisada na análise de sua
própria realidade, com objetivo de promover
a participação social para a mudança desta
realidade em benefício destes sujeitos.
Trata-se, portanto, de um tipo de pesquisa
em que, desde o seu planejamento, há o
envolvimento dos sujeitos participantes,
que compartilharão a escolha das bases
teóricas da pesquisa de seus objetivos e na
elaboração do cronograma de atividades.
– Pode ser aplicada, por exemplo, no
acompanhamento da introdução de
mudanças ou inovações pedagógicas
junto à Educação Física escolar; na
elaboração de programas de ensino;
na construção de projetos político-
pedagógicos; no acompanhamento de
processos de formação continuada junto
a professores de Educação Física, dentre
outras possibilidades.
Você já deniu a sua
opção metodológica e
o seu planejamento de
operacionalização?
445
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 3 | DIFERENTES TIPOS DE PESQUISA QUALITATIVA
Agora que já aprofundamos nosso conhecimento sobre o
Estudo de Caso e a Pesquisa Participante, temos de pensar na
operacionalização de nossa investigação.
A explicitação de como se desenvolverá a pesquisa, do
delineamento operacional da investigação, constitui um momento
que requer muita atenção por parte do pesquisador.
Além de indicar a opção metodológica realizada – neste
caso, pelo Estudo de Caso ou pela Pesquisa Participante –, e de
seu correspondente quadro teórico, você deverá descrever os
métodos e as técnicas a serem utilizados.
Isso envolve definir:
1. O campo de trabalho, os sujeitos
participantes e os critérios que
orientaram essas escolhas.
2. As estratégias para
entrada em campo.
4. A Organização e
análise dos dados.
3. A apresentação
das técnicas ou dos
instrumentos de coleta.
Exploraremos todos
esses itens na
próxima Unidade
da disciplina.
Hora de praticar
Tendo em vista as opções metodológicas do Estudo de Caso e da Pesquisa
Participante, desenvolva a seguinte atividade:
a) Formule alguns problemas, no âmbito da Educação Física, que possam ser
investigados pela metodologia do Estudo de Caso e da Pesquisa Participante;
b) A partir de um dos problemas levantados na questão anterior para a Pesquisa
Participante, elabore um plano de ação que envolva:
1. As ações que possibilitem uma análise adequada para o problema levantado e;
2. As ações que possibilitem com a melhoria de curto, médio e longo prazo da
situação estudada.
Publique suas reexões no ambiente virtual a ser indicado pelo seu tutor.
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 3 | DIFERENTES TIPOS DE PESQUISA QUALITATIVA
446
As Linhas de Pesquisa têm como objetivo agrupar
temáticas que envolvem a pesquisa em Educação Física. Seu
tema deverá estar incluído em uma das seguintes linhas de
pesquisa abaixo relacionadas:
EDUCAÇÃO FÍSICA E ESCOLA Estudos voltados para
a reexão sobre a Educação Física e suas relações com os
demais fenômenos educacionais e temáticas relativas à Escola;
currículo; metodologias; didática; projetos pedagógicos; práticas
pedagógicas; organização do trabalho pedagógico; avaliação
e aprendizagem; políticas educacionais; teorias da Educação
Física; gestão escolar, entre outros aspectos.
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE – Estudos voltados para a
reexão sobre a Educação Física em sua relação com a Saúde,
privilegiando as inter-relações da atividade física com a qualidade
de vida e considerando as variáveis siológicas, biomecânicas e
comportamentais, bem como as diferentes formas de intervenção
com idosos; diabéticos; obesos; cardiopatas, portadores de
necessidades especiais, entre outros aspectos.
EDUCAÇÃO FÍSICA E LAZER – Estudos voltados para a
reexão sobre a Educação Física em sua relação com o lazer,
privilegiando os processos de formação e desenvolvimento
humano promovidos pela recreação e manifestações da cultura
corporal em diferentes ambientes educacionais e com diferentes
grupos ou comunidades, considerando, sobretudo, as políticas,
ações e os programas sociais de esporte e lazer, entre outros
aspectos.
EDUCAÇÃO FÍSICA E ESPORTE – Estudos voltados para a
reexão sobre a Educação Física em sua relação com o Esporte,
Linhas de Pesquisa do Curso de Licenciatura
da Faculdade de Educação Física a distância
447
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 3 | DIFERENTES TIPOS DE PESQUISA QUALITATIVA
privilegiando suas inter-relações com os processos de formação
esportiva em diferentes ambientes educacionais, considerando
a avaliação e aprendizagem na pedagogia do esporte, os
aspectos socioculturais da manifestação esportiva, bem como a
análise das políticas sociais para o desenvolvimento do esporte
na escola e sistema educacional, entre outros aspectos.
448
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 3 | DIFERENTES TIPOS DE PESQUISA QUALITATIVA
Unidade 3 finalizada!
Nesta, nos dedicamos
a conhecer algumas
maneiras de classificar
as pesquisas com base nos objetivos
e nos procedimentos metodológicos.
Ao considerarmos os objetivos
da nossa investigação, podemos ter
uma pesquisa exploratória, descritiva
ou explicativa. Só não podemos
esquecer que, mesmo apresentando
essa classicação quanto aos
objetivos da pesquisa, é importante
saber que uma pesquisa pode ser
explicativa e descritiva ao mesmo
tempo ou ser uma pesquisa descritiva
com algumas fases de exploração da
realidade.
Se olharmos nossa
investigação do ponto de vista dos
procedimentos metodológicos, temos
outras possibilidades de classicação
classicação essa que traduz
grande parte de nosso caminho
metodológico. Estamos falando da
pesquisa documental; da pesquisa
bibliográca; da pesquisa-ação; da
pesquisa participante, do estudo de
caso e de outras mais.
No trabalho de conclusão
de um curso de graduação,
recomendamos que você use duas
possibilidades metodológicas: a
pesquisa participante e o estudo
de caso, pois estes dois tipos de
pesquisa vêm sendo bastante
aplicados nesta etapa da formação,
oferecendo muitas contribuições
para o campo da Educação Física
brasileira.
Como vimos, a Pesquisa
Participante compreende um
processo de investigação que
busca a participação dos sujeitos
da realidade contextual pesquisada
na análise de sua própria realidade,
com o objetivo de promover a
participação social para a mudança
desta realidade em benefício destes
sujeitos.
O Estudo de Caso é bastante
utilizado nas ciências sociais. Trata-
se de um estudo que apresenta
profundidade ao mesmo tempo em
que busca ser exaustivo, visando a
um amplo e detalhado conhecimento
sobre o caso em questão.
Agora é com você! Leia as referências indicadas para
cada opção metodológica, consulte seu orientador (a) e
escolha sua metodologia.
UNIDADE 4
449
O Trabalho de Campo: Métodos e Técnicas
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
Nesta unidade, além de buscarmos respostas a estas questões, exploraremos
também o que envolve a discussão sobre as necessidades colocadas ao pesquisador
e as técnicas de pesquisa mais usuais para este tipo de trabalho investigativo.
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 4 | O TRABALHO DE CAMPO: MÉTODOS E TÉCNICAS
450
OBJETIVOS
Após nalizar esta Unidade, esperamos que você seja capaz de:
identicar os principais instrumentos e procedimentos do levantamento de dados,
no trabalho de campo;
elaborar pré-testes dos instrumentos e procedimentos de pesquisa;
realizar uma entrevista;
elaborar questionários para o levantamento de dados; e
aplicar questionários para o levantamento de dados.
451
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 4 | O TRABALHO DE CAMPO: MÉTODOS E TÉCNICAS
4.1 Sobre o Trabalho de Campo
O trabalho de campo envolve diferentes processos e
instrumentos de levantamentos de dados. Ele proporciona
ao pesquisador uma aproximação com o que se pretende
conhecer, além da possibilidade de criar conhecimentos a partir
da experiência do trabalho de campo.
No entanto, um fator que muito contribui para a qualidade
do trabalho de campo está na motivação do pesquisador e no
interesse que ele desperta frente ao seu objeto de estudo.
Minayo (1994, p.53) conceitua campo de pesquisa como:
o recorte que o pesquisador faz em termos de
espaço, representando uma realidade empírica
a ser estudada a partir das concepções teóricas
que fundamentam o objeto da investigação.
Vejamos alguns exemplos de recortes da realidade que
podem vir a ser campos de estudos na Educação Física:
Estudo do desenvolvimento das aulas de Educação Física em
uma escola rural;
Estudo das práticas de esporte e lazer em uma favela ou bairro
escolhido.
A entrada e permanência no campo de trabalho requerem
alguns cuidados. Vejamos, a seguir, quais são eles.
Mas é importante você estar
ciente do seguinte: caso escolha
o trabalho de campo, essa opção
lhe exigirá mais tempo para
desenvolver a pesquisa.
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 4 | O TRABALHO DE CAMPO: MÉTODOS E TÉCNICAS
452
4.2 Observações, Questionários e Entrevistas
4.2.1 A Observação
Observar não é simplesmente olhar. Para Triviños (1987,
p. 153), “observar é destacar de um conjunto (objetos, pessoas,
animais etc.) algo especíco, prestando, por exemplo, atenção
em suas características (cor, tamanho etc.)”.
O tipo de observação mais comumente utilizado é
a observação livre, em que o pesquisador não estrutura
previamente a sua observação em categorias, mas opta por
construir as suas categorias durante o processo de observação.
1. Tente buscar uma aproximação com os sujeitos envolvidos no campo
selecionado para a pesquisa a partir de algumas pessoas próximas a você.
O primeiro contato com o campo escolhido pode ser mediado por algum
familiar, amigo, vizinho. 2. Lembre-se: isso não é um pré-requisito, mas
pode contribuir de maneira signicativa para sua entrada e permanência no
campo de trabalho.
2. Uma vez apresentado ao campo de trabalho, agende uma data e um
horário com as pessoas envolvidas em sua pesquisa, para uma breve
exposição de sua proposta de investigação, de modo que os supostos
sujeitos envolvidos tenham clareza de quais são os objetivos de pesquisa
e como eles podem contribuir.
3. Esse terceiro item é referente à postura do pesquisador. Fique atento ao
que diz Minayo (1994, p.55):
Às vezes o pesquisador entra em campo considerando
que tudo que vai encontrar serve para conrmar o que
ele considera já saber, ao invés de compreender o campo
como possibilidade de novas relações.
Além do mais, a autora nos chama atenção para “posicionamentos de
superioridade e de inferioridade frente ao saber que se busca entender.”
Evite isso!
453
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 4 | O TRABALHO DE CAMPO: MÉTODOS E TÉCNICAS
Durante a observação, o pesquisador pode registrar o
seguinte: a) comportamentos, ações, atitudes etc; b) um meio
físico; c) atividades especícas; d) diálogos e outros eventos
relevantes para a pesquisa.
Veja, abaixo, o esquema geral para realizar anotações de
campo na observação livre, proposta por Triviños (1987, p. 158),
com adaptações:
Observação livre
Anotações de campo
1. Nome da instituição a que o
pesquisador está vinculado:
2. Nome da pesquisa
3. Nome do orientador da pesquisa
4. Nome do observador
5. Tipo de observação (livre ou
estruturada):
6. Evento observado:
7. Nº da observação:
8. Local:
9. Data:
10. Hora/Duração:
11. Data da realização do comentário
critico ou da análise
da observação:
4.2.2 A Entrevista
Vários autores nos apresentam dois tipos de entrevista:
1) a estruturada e 2) a semiestruturada. Vejamos cada um deles.
Entrevista estruturada ou fechada – trata-se de um roteiro
de questões previamente elaboradas, no qual, o pesquisador,
não possui exibilidade para alterar/retirar/acrescentar outras
questões ao longo da realização da entrevista.
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 4 | O TRABALHO DE CAMPO: MÉTODOS E TÉCNICAS
454
Entrevista semiestruturada ou fechada – ao contrário da
entrevista estruturada, a do tipo semiestruturado vem sendo
largamente utilizada na realização de coletas de informações
por possibilitar, ao pesquisador, uma margem de exibilidade
na coleta de dados. Triviños (1987, p. 147) dene a entrevista
semiestruturada como:
(...) aquela que parte de certos questionamentos
básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que
interessam à pesquisa e que, em seguida,
oferecem amplo campo de interrogativas, frutos
de novas hipóteses que vão surgindo à medida
que se recebem as respostas do informante.
4.2.3 Sobre o Questionário
O instrumento de coleta de dados conhecido como
questionário nada mais é que um conjunto de questões a serem
respondidas, por escrito, pelo sujeito pesquisado. Essa é uma
técnica que contribui com os critérios de rapidez na obtenção de
informações e também no pouco custo envolvido.
Outra vantagem do questionário está na garantia que o
pesquisado tem de seu anonimato. Muitos sujeitos envolvidos em
pesquisas não costumam se sentir à vontade para a realização
da entrevista e o questionário acaba sendo uma alternativa para
enfrentar essa problemática.
Apesar de a entrevista possibilitar maior aprofundamento
nas questões investigadas, muitas vezes ela não é passível
de ser realizada. Por quê? Bem, para entender melhor, vamos
explorar alguns exemplos.
Suponhamos que você queira investigar a avaliação que os
jogadores de futebol de várzea de sua cidade fazem sobre a
própria saúde. Em alguns locais, temos mais de 1000 jogadores.
Pense no trabalho que seria agendar, entrevistar, transcrever
todas essas entrevistas realizadas...
Para casos semelhantes a esses, recomenda-se o uso do
questionário, visando facilitar o processo de coleta e análise das
informações.
Exemplo 1
455
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 4 | O TRABALHO DE CAMPO: MÉTODOS E TÉCNICAS
Outro bom exemplo é o Censo, realizado pelo IBGE – Instituto
Brasileiro de Geograa Estatística. Pense no tempo que cada
recenseador gastaria se o IBGE optasse por entrevistas ao
invés dos questionários?
Exemplo 2
Hora de praticar
Para cada projeto de pesquisa abaixo relacionado, dena o tipo de levantamento
de dados mais adequados (entrevistas, questionários e/ou observação).
1) Projeto de pesquisa acerca das contribuições da Educação Física escolar na
percepção dos pais dos estudantes.
2) Projeto de pesquisa sobre a opinião dos professores de Educação Física acerca
dos livros didáticos.
3) Projeto de pesquisa sobre a qualidade do trabalho do professor de Educação
Física nas escolas públicas brasileiras.
Publique suas reexões no ambiente da plataforma a ser indicado pelo seu tutor.
456
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 4 | O TRABALHO DE CAMPO: MÉTODOS E TÉCNICAS
Chegamos ao nal da
Unidade 4. Aqui, vimos
que o trabalho de campo
com seus métodos e
técnicas foi o assunto abordado nesta
unidade. Trata-se de um desao para
o pesquisador que requer disciplina,
sensibilidade e ética na realização de
sua pesquisa.
O trabalho de campo contribui
de maneira muito intensa com nossa
investigação. Ele nos fornece dados
da realidade que podem ser coletados
a partir de alguns instrumentos:
o questionário, a entrevista e a
observação.
Ao contrário do que muitos
pensam, a observação não é
simplesmente olhar. Ela requer
de nós conhecimento sobre o que
pretendemos compreender, além,
é claro, de disciplina e critérios que
deverão ser levados em consideração
na observação. Por isso, trouxemos
como exemplo o relatório de
observação, que deverá apresentar
a rotina a ser observada bem como
os elementos essenciais de nossa
observação.
Já o instrumento de coleta de
dados conhecido como questionário
nada mais é que um conjunto de
questões a serem respondidas, por
escrito, pelo sujeito pesquisado. Essa
é uma técnica que contribui com os
critérios de rapidez na obtenção de
informações e também, no pouco
custo envolvido.
Por sua vez, a entrevista
trata-se de um roteiro de questões
previamente elaboradas pelo
pesquisador. Recomendamos que
você use a entrevista semiestruturada,
em que o pesquisador possui
exibilidade para alterar/retirar/
acrescentar outras questões ao longo
da realização da entrevista.
Agora é com você! Qual técnica de coleta de dados vai ao
encontro dos objetivos propostos para a sua investigação?
UNIDADE 5
457
Aspectos Formais do Projeto de Pesquisa Científico
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
Nesta Unidade 5, você aprenderá a normalizar seu Projeto de Pesquisa. Isto
quer dizer que existem normas para apresentação de um trabalho cientíco.
Bem, quando falamos de normalização, estamos falando de um conjunto
de recomendações baseadas nas normas da ABNT, a Associação Brasileira de
Normas Técnicas, que você já teve contato na Unidade 2, e que têm como objetivo o
estabelecimento de padrões de apresentação de trabalhos cientícos.
Estas normas referem-se, sobretudo, à estrutura, apresentação gráca e
inserção de referências de seu trabalho. Seu objetivo, portanto, é o de revisar a forma
de apresentação de seu trabalho, adequando-o às normas estabelecidas.
Mas, no que consiste
a normalização?
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 5 | ASPECTOS FORMAIS DO PROJETO DE PESQUISA CIENTÍFICO
458
OBJETIVO
Após nalizar esta Unidade, esperamos que você seja capaz de:
normalizar o seu projeto de pesquisa, tendo como referências as normas da ABNT.
459
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 5 | ASPECTOS FORMAIS DO PROJETO DE PESQUISA CIENTÍFICO
5.1 Capa do Projeto
A capa do Projeto de Pesquisa deve identicar o nome
do pesquisador ou pesquisadora, no caso você, o nome da
instituição de ensino, o título do projeto, bem como o ano e local
de realização da pesquisa.
Recomenda-se a seguinte utilização:
• Fonte tamanho 12.
• Espaço entre linhas de 1,5.
• Fonte Arial ou Times New Roman.
5.2 Folha de Rosto
A folha de rosto é obrigatória e deverá conter os seguintes
elementos (é quase uma cópia da capa):
Autor
Título e Subtítulo
Trabalho apresentado
como requisito parcial
para obtenção do título
de Licenciado(a) em
Educação Física pela
Universidade De Brasília,
sob orientação do(a)
professor(a)......
Local (cidade)
Ano
Natureza acadêmica
do trabalho, objetivo,
instituição, área de
concentração.
Nome do orientador (a).
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 5 | ASPECTOS FORMAIS DO PROJETO DE PESQUISA CIENTÍFICO
460
5.3 Normalização Exigida no Corpo do Texto
Até aqui, vimos a normalização da capa e da folha de
rosto. A partir deste momento, iremos nos dedicar a apresentar
algumas normas que contribuem para a clareza e estrutura de
seu texto. Vamos lá?
As citações (menções utilizadas no texto do projeto
extraídas de outras fontes) com mais de três linhas, as notas de
rodapé, a paginação e as legendas de ilustrações e de tabelas
devem ser digitadas em tamanho menor que a fonte utilizada e
deverá ser uniforme.
Você deverá formatar em espaço simples entre linhas, as
citações com mais de três linhas, as notas de rodapé, referências
e legendas.
Em seguida, apresentamos algumas especicações mais
gerais sobre a normalização no desenvolvimento do texto de
seu Projeto de Pesquisa.
Corpo do texto: você deverá formatá-lo, na íntegra, com a
seguinte normalização:
- Entre os títulos e o texto: dois espaços (utilizando espa-
çamento 1,5).
- Títulos com indicativos numéricos: alinhados à esquerda.
- Títulos sem indicativos numéricos: centralizados.
- Todas as folhas iniciais do trabalho, a partir da folha de rosto,
devem ser contadas sequencialmente, mas não numeradas.
NORMALIZAÇÃO DO
CORPO DO TEXTO
NORMALIZAÇÃO DA
FOLHA DE ROSTO
NORMALIZAÇÃO
DA CAPA
Recomendamos utilizar:
fonte tamanho 11 (onze) para as citações;
fonte tamanho 10 (dez) para as notas de rodapé,
a paginação e as legendas.
461
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 5 | ASPECTOS FORMAIS DO PROJETO DE PESQUISA CIENTÍFICO
- A numeração é colocada a partir da primeira folha da parte
textual.
- A numeração deve ser em algarismos arábicos, no canto
superior direito da folha.
- Siglas: quando aparecerem pela primeira vez no texto, a
notação completa do nome deverá preceder a sigla, a qual
será colocada entre parênteses. Exemplo:
Ex.: Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
5.4 Orientações Para as Citações no Corpo do Texto
Vamos às orientações?
5.4.1 Citação Direta
Transposição na íntegra do texto de um autor: devemos
manter a mesma graa e pontuação.
Citação com até 3 linhas: são transcritas entre aspas, com
informações de autoria, data e página. Veja dois exemplos:
Ex. 1: Palacin e Moraes (2008, p. 161-162) conrmam essa
ideia ao armarem que “citação dos autores.”
Ex. 2: A ideia da construção de Goiânia “citação dos autores.”
(PALACIN; MORAES, 2008, p. 161-162).
A citação pode ser entendida
como a parte de uma informação
que se extrai de outras fontes,
que ajuda a esclarecer,
enriquecer ou até mesmo
sustentar uma tese ou assunto.
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 5 | ASPECTOS FORMAIS DO PROJETO DE PESQUISA CIENTÍFICO
462
Com mais de três linhas: transcritas com recuo de 4 cm
da margem esquerda, com fonte menor que a do texto,
espaçamento simples entre linhas e sem aspas, com as
informações de autoria, data e página. Veja dois exemplos:
Ex. 1:
5.4.2 Citação Indireta
Quando o texto fundamenta-se na ideia de um ou mais
autores: é uma paráfrase. Mas cuidado, pois não podemos
alterar o sentido original dado pelo autor. Não é obrigatório
indicar a página. Eis dois exemplos:
Ex. 1: Guimarães (2004) defende a construção de um estatuto
prossional para o professor.
Ex. 2: A construção do estatuto prossional do professor é a
defesa do autor (GUIMARÃES, 2004).
Ex. 2:
A análise do discurso implica operações
de leitura e interpretação que envolvem
campos problemáticos dos domínios sócio-
históricos, uma vez que focaliza campos
e problemáticas encontrados no interior
do domínio da Linguística, e não em seu
exterior.
Segundo Fernandes (2007, p. 81):
A análise do discurso implica operações
de leitura e interpretação que envolvem
campos problemáticos dos domínios sócio-
históricos, uma vez que focaliza campos
e problemáticas encontrados no interior
do domínio da Linguística, e não em seu
exterior. (FERNANDES, 2007. p. 81).
4cm
4cm
463
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 5 | ASPECTOS FORMAIS DO PROJETO DE PESQUISA CIENTÍFICO
5.4.3 Citação de Citação
Transcrição de um texto, sem leitura do documento
original: tomamos conhecimento do assunto, lendo o tema
em outras obras.
Ex.: Douglas (1966, p. 38-9 apud WOODWARD, 2000, p. 42)
arma que cultura é reexo de tudo que identica a vida social.
Pode-se armar que cultura é reexo de tudo que identica
a vida social (DOUGLAS, 1996, p. 38-9 apud WOODWARD,
2000, p. 46).
Termina logo o
trabalho. Pode copiar
as citações dos outros.
Quem vai saber?
Não faça isso, não! Ao citar
fontes que outras pessoas
pesquisaram, utilize o
apud
.
Isso, sim, é correto.
Quando for uma tradução feita pelo autor do trabalho em questão:
“Os indivíduos vivem no interior de um grande número de diferentes
instituições que constituem aquilo que Pierre Bourdieu chama de “campos
sociais”.
(WOODWARD, 2000, p. 30, tradução nossa).
Para suprimir partes da citação, usa-se colchetes.
Ex.: O feminismo propõe, portanto, a reconstrução da esfera pública, de forma
a publicizar ou politizar essas questões, até então consideradas privadas [...]
constitui hoje um movimento multifacetado. (HAJE, 2003, p. 99-94).
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 5 | ASPECTOS FORMAIS DO PROJETO DE PESQUISA CIENTÍFICO
464
5.5 Referências
A formatação nal das referências deverá apresentar
espaçamento simples entre linhas, espaço duplo entre uma
referência e outra e alinhamento à esquerda.
Um autor
SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho cientíco. 19ª ed. São
Paulo: Cortez, 1993.
Dois a três autores
MARTINS, E.; IUDÍCIBUS, S.; GELBCKE, E. R. Manual de
contabilidade das sociedades por ações: aplicável também as
demais sociedades. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 1991.
Com mais de três autores
LUCKESI, C. et al. Fazer universidade: uma proposta
metodológica. São Paulo: Cortez, 1985.
Autoria repetida
BRACHT, V. Educação e aprendizagem social. Porto Alegre:
Magister, 1992.
______. Educação Física & ciência: cenas de um casamento (in)
feliz. Ijuí-RS: UNIJUÍ,1999. 159 p.
Autoria desconhecida: a entrada é feita pelo título, com a
primeira palavra em letras maiúsculas.
ANESTESIOLOGIA: princípios e técnicas. 2ª ed. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1997.
Livro todo: autor, título, edição, local, editora e data de
publicação.
SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho cientíco. 19ª ed. São
Paulo: Cortez, 1993.
465
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 5 | ASPECTOS FORMAIS DO PROJETO DE PESQUISA CIENTÍFICO
Em meio eletrônico
ASSIS, Machado. Balas de estado. Belém: UNAMA, 2001.
Disponível em
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ua00018
9.pdf>. Acesso em: 27 jul. 2009.
MANUAL Merck de veterinária. 7ª ed. São Paulo: Roca
Multimídia, c1997. 1 CD-ROM
Parte de um livro: autor(es), título da parte, seguidos da
expressão “In” e da referência completa do livro. Ao m, deve-
se informar a paginação ou outra forma de individualizar a
parte referenciada.
ADGHIRNI, Zélia Leal. Jornalismo on-line e identidade prossional
do jornalista. In: MOTTA, Luiz Gonzaga (Org). Imprensa e poder.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002. p. 155-166.
Artigo ou matéria de periódicos: autor(es), título do artigo
ou matéria, título da publicação, volume ou ano, fascículo
ou número, paginação na qual se encontra o artigo, data da
publicação.
FIGUEIREDO, Z. C. Campos. Formação docente em Educação
Física: experiências sociais e relação com o saber. Movimento,
Porto Alegre, v.10, n.1, p.89-111, jan/abril, 2004.
LÜDKE, Menga; BOING, Luiz Alberto. Caminhos da prossão
e da prossionalidade docentes. Educação e Sociedade,
Campinas, v. 25, n. 89, p. 1159-1180, Set./Dez. 2004.
Trabalho apresentado em evento: autor(es), título do trabalho
seguido da expressão “In”, nome do evento, numeração (se
houver), ano e local de realização. Em seguida, menciona-se
o título do documento (anais, atas, etc.), seguidos dos dados
de local de publicação: cidade, editora, data de publicação e
paginação na qual se encontra o trabalho.
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 5 | ASPECTOS FORMAIS DO PROJETO DE PESQUISA CIENTÍFICO
466
OLIVEIRA, José Ilson de Jesus; SILVA, Jesiel Mamedes.
Morfologia do tubo digestivo do Gymnotus sp. In: ENCONTRO
DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA, 5., 1996, Goiânia. Anais... Goiânia:
UCG, 1996. p. 128-129.
OLIVEIRA, José Ilson de Jesus; SILVA, Jesiel Mamedes.
Morfologia do tubo digestivo do Gymnotus sp. In: ENCONTRO
DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA, 5., 1996, Goiânia. Anais... Goiânia:
UCG, 1996. 1 CD-ROM.
Legislação: jurisdição, título, numeração, data e dados de
publicação.
BRASIL. Código de processo penal. 7ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1956.
BRASIL. Decreto nº 60.450, de 14 de abril de 1972. Regula a
prática de educação física em escolas de 1º grau. Diário Ocial
[da] República Federativa do Brasil, Brasília, v. 126, n. 66, p.
6056, 13 abr. 1972.
Dissertações, teses, trabalhos de conclusão de curso
Autor, título, ano, paginação, tipo do documento (dissertação,
tese, trabalho de conclusão de curso), grau e área entre
parênteses (Mestrado, Doutorado, Especialização em...),
vinculação acadêmica, local e ano da defesa.
DAVID, N. A. N. Novos Ordenamentos Legais e a Formação
de Professores de Educação Física: pressupostos de uma
nova Pedagogia de Resultados. 2003.128. f (Dissertação de
Mestrado) Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP),
Campinas, 2003.
Imagem em movimento: título, diretor/produtor, local,
produtora, data e especicação do suporte em unidades físicas.
CESIO 137: o pesadelo de Goiânia. Direção de Luiz Antonio de
Carvalho. Rio de Janeiro: Master Produtora, 1991. 1 Videocassete.
467
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO I
UNIDADE 5 | ASPECTOS FORMAIS DO PROJETO DE PESQUISA CIENTÍFICO
Nesta última unidade, nos
dedicamos a tratar de um
assunto que muitos não
dão a importância devida,
mas que requer de nós bastante
atenção. Estamos falando da
normalização.
A normalização nada mais é
que um conjunto de recomendações
com base nas normas da Associação
Brasileira de Normas Técnicas
(ABNT) e que têm como objetivo
o estabelecimento de padrões de
apresentação de trabalhos cientícos.
Com a normalização,
percebemos que as fontes
bibliográcas consultadas apresentam
diferentes normas para a sua
exposição no texto monográco. Do
mesmo modo, as citações dos autores
e autoras consultados requerem,
também, diferentes regras para a sua
apresentação textual.
Nesta unidade 5, nosso
objetivo foi lhe mostrar as normas
mais frequentemente utilizadas. Há
várias outras especicidades, o que
requer de você uma leitura mais
detalhada do manual de normas
técnicas, que pode ser encontrado no
site da própria Associação Brasileira
de Normas Técnicas. Visite!
469
Glossário
Ciência. Ciência (do Latim scientia,
signica “conhecimento”) refere-se a
qualquer conhecimento ou prática, desde
que seja sistemática. A forma mais
restrita de aquisição de conhecimento
faz uso da Metodologia cientíca,
notadamente quando o objetivo é a
vericação. A Ciência é um conjunto de
conhecimentos que envolve verdades
gerais ou a operação de leis gerais
especialmente obtidas e testadas por
meio do método cientíco.
Cientíco. O adjetivo cientíco busca
demarcar as fronteiras entre os
discursos do senso comum e do discurso
ideológico.
Empiria. Que se apoia exclusivamente
na experiência e na observação, e não
em uma teoria. É o conhecimento que
provém da experiência comum e da
observação para explicar as coisas, sem
ter por base qualquer elemento mais
especíco e cientíco.
Ideologia. É um conjunto lógico,
sistemático e coerente de ideias,
valores e também de normas ou regras
de conduta que acabam por indicar e
prescrever aos indivíduos, na sociedade,
o que devem sentir, fazer e, sobretudo,
como devem sentir e fazer.
Senso Comum. A expressão senso
comum – também denominada
pensamento comum ou conhecimento
vulgar – refere-se a um dos níveis
de conhecimento e faz menção ao
conhecimento espontâneo que temos
da realidade que nos cerca e a qual está
próxima do nosso dia a dia. Este tipo de
conhecimento decorre da familiaridade
que indivíduo possui com a realidade
que encara diretamente, e que permite
pensamento comum.
470
BETTI, M. Educação Física. In: Gonzáles, F; Fensterseifer, P. (org.). Dicionário Crítico da
Educação Física. Ijuí: Ed. Unijuí, 2005.
CAMARGO, R. Programa Mais Educação: um olhar para a qualicação do tempo escolar.
Trabalho de conclusão de curso. (Licenciatura em Educação Física) – Faculdade de Educação
Física, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2010.
COSTA, J.M.; WIGGERS, I. D. A Educação Física escolar e a linguagem audiovisual: uma
proposta de ação pedagógica no ensino fundamental. In: XVI Congresso Brasileiro de Ciências
do Esporte e III Congresso Internacional de Ciências do Esporte, 2009. Anais... Salvador, 2009.
Disponível em: http://www.rbceonline.org.br/congressos/index.php/index/index/search/results.
DEMO, P. Metodologia cientíca em Ciências Sociais. 3ª ed. São Paulo, Atlas, 1981.
GIL, A.C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo, Atlas, 2002.
MINAYO, M. C. S. (Org.). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 9ª ed. Petrópolis, RJ,
Vozes, 1994.
MOMISSO, L. F.D. Prossionalização docente: com a palavra... professores e professoras
de Educação Física. Trabalho de conclusão de curso. (Licenciatura em Educação Física) –
Faculdade de Educação Física, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2010.
MOROZ, M.; GIANFALDONI, M. H. T. A. O processo de pesquisa: iniciação. Brasília, Plano
Editora, 2002.
SILVA, V.A.; AZEVEDO, A.S.S. “PRESS START”: possibilidades educativas dos jogos eletrônicos.
In: XVI Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte e III Congresso Internacional de Ciências
do Esporte, 2009. Anais... Salvador, 2009. Disponível em:
http://www.rbceonline.org.br/congressos/index.php/index/index/search/results.
THIOLLLENT, Michel. Metodologia da Pesquisa-Ação. 13ª ed. São Paulo, Cortez, 2004.
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Referências Bibliográficas
471
Bibliográficas recomendada
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Paulo (49): 51-54, mai. 1984.
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132, 1998.
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GASPARIN, J. L. Uma didática para a pedagogia histórico-crítica. Campinas/SP: Autores
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MELLO, G. N. de. A pesquisa educacional no Brasil. Cadernos de Pesquisa. São Paulo (46):
67-72, ago. 1983.
THIOLLENT, M. J. M. Aspectos qualitativos da metodologia de pesquisa com objetivos de
descrição, avaliação e reconstrução. Cadernos de Pesquisa. São Paulo (49): 51-54, mai. 1984.
VIEIRA. E. A. Pesquisa em educação: quando se é especíco? Cadernos de Pesquisa. São
Paulo (67): 56-58, nov. 1988.
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