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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ESTUDOS CULTURAIS EM EDUCAÇÃO
EDUCAÇÃO EM ANIMÊS: APRENDENDO SOBRE
MASCULINIDADES COM OS CAVALEIROS DO ZODÍACO
Irmo Wagner
Orientadora: Profa. Dra. Iara Tatiana Bonin
Canoas, 2008
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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ESTUDOS CULTURAIS EM EDUCAÇÃO
EDUCAÇÃO EM ANIMÊS: APRENDENDO SOBRE
MASCULINIDADES COM OS CAVALEIROS DO ZODÍACO
Irmo Wagner
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Luterana do Brasil, como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Educação.
Orientadora: Profa. Dra. Iara Tatiana Bonin
Canoas, 2008
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3
AGRADECIMENTOS
Acima de tudo, agradeço a Deus Pai, criador e mantenedor de minha vida e de todos
aqueles os quais amamos. Agradeço ao Senhor Jesus, mestre na arte de amar e mostrar-nos o
caminho da vida. Ao Espírito Santo, que afasta o medo, ilumina a para nos encorajar, e nos
abençoa com pessoas amadas a cada dia. Obrigado.
Aos meus amados, razão maior de minhas belas inquietudes, a Márcia, companheira e
cúmplice de tantos anos, as filhas Raquel e Priscila que são os encantos de nosso lar. Ao
genro Leandro, um presente para nossa vida, juntamente com o neto que ele e a Raquel estão
nos fazendo debutar para assumirmos uma nova identidade sócio-cultural.
À professora orientadora, Drª Iara Tatiana Bonin que foi incansável para que esta obra
chegasse ao seu final. Com ela aprendi a simplicidade da sabedoria, e o encorajamento para
conseguir superar limites e construir caminhos de pesquisa. Sem esquecer as integrantes da
banca, Ruth Sabat, Cristiane Maria Famer Rocha, Daniela Ripoll por terem aceitado o convite
e a incumbência de examinarem este trabalho, o que muito nos honrou.
Ao professor Dr. Luís Henrique Sommer, meu primeiro orientador, que ouviu as
primeiras idéias de um neófito, e de quem recebi orientação e todo apoio para construir e
esboçar as bases e possíveis caminhos de investigação para a dissertação. Hoje, nosso
Coordenador junto ao PPGEDU.
Aos demais professores do curso, com os quais adquiri conhecimentos inéditos,
focados a partir das lentes dos Estudos Culturais. Muito obrigado.
Aos colegas de sala de aula, o testemunho de superação de alguns, a juventude de
outros, e a coragem de todos. Irei guardá-los em meu coração.
À nossa secretária Sheila, dedico uma menção especial por sua incansável atenção,
dedicação e gentileza para nos ajudar em qualquer dificuldade ou necessidade. Obrigado a
você, e um beijo para a sua linda filhinha que nasceu nesse período de nossa convivência
universitária.
4
À profa. Vera Heitor Reinhardt, ex-diretora do campus da ULBRA de Guaíba, hoje
dirigindo a ULBRA em Manaus, pelo incentivo e flexibilização que me ajudaram nessa
caminhada tão significativa de minha vida, manifesto meu carinho e reconhecimento.
Registro um agradecimento aos jovens amigos, Juliano e a Taís, pela ajuda prestada na
tradução do Resumo desta dissertação para o inglês, o Abstract.
Aos muitos amigos, colegas e convivas que compartilharam comigo essa realização e
o prazer dessa experiência acadêmica.
5
RESUMO
Esta pesquisa se propõe a analisar representações de masculinidade no animê Os Cavaleiros
do Zodíaco e as formas pelas quais ele colabora para instituir identidades. O corpus
compreende a análise de 23 episódios da série, que narram a infância dos jovens cavaleiros,
suas aprendizagens e estratégias de treinamento para se tornarem defensores da deusa Atena.
A pesquisa tem como base algumas teorizações dos Estudos Culturais e faz incursões,
também, no campo dos Estudos de Gênero. Inicialmente, realizo uma leitura histórica das
produções de animação japonesa e, em seguida, uma observação detida dos episódios d’Os
Cavaleiros do Zodíaco.
A pesquisa mostrou que os episódios deste animê produzem diferentes representações de
masculinidade, posicionando-as de modo a tornar exemplares aquelas que são dotadas de
atributos como lealdade, fibra moral, força, resistência à dor, juventude, beleza. As lutas
enfrentadas pelos cavaleiros em toda a saga ensinam como se tornar um vencedor,
valorizando de modo especial a amizade, o domínio de si e a luta em defesa do bem.
Adquirem relevo masculinidades inscritas em corpos viris e musculosos e vividas a partir de
relações entre os cavaleiros e destes com os mais velhos, com os mestres e com as mulheres.
Analiso os espaços de aprendizagem masculina, bem como os processos de treinamento que,
no animê, visam a produzir um tipo especial de força física e moral capaz de forjar uma “alma
de guerreiro”. Trata-se de um artefato que produz e mobiliza determinados significados que
colaboram para instituir verdades” sobre os sujeitos masculinos e femininos. Nos episódios
selecionados para este estudo, as meninas e mulheres ocupam lugar subordinado, tendo suas
histórias vinculadas a algum dos cavaleiros e demonstrando afeto, zelo e cuidado por eles.
Este animê mostra sua produtividade e atualidade, quando se examinam práticas de inúmeros
fãs que, ainda hoje, produzem e fazem circular artefatos diversos inspirados em Os Cavaleiros
do Zodíaco: colecionam as sagas em DVD’s e, freqüentemente, se reúnem para reverem os
episódios; disponibilizam episódios para serem copiados gratuitamente na internet; inventam
e desenham outras histórias inspiradas nesses heróis e as fazem circular na Internet, entre
outras. Alguns fãs também participam de encontros de cosplay e admiradores de animês, e se
apresentam vestidos como personagens dessa série. O animê movimenta grandes
6
empreendimentos mangás, DVDs, jogos, brinquedos, mochilas, estampas de roupas,
fantasias de cavaleiros conferindo visibilidade a identidades constituídas também no
consumo.
Palavras-chaves: Estudos Culturais, animê, representação, educação, identidade,
masculinidade, Cavaleiros do Zodíaco.
7
ABSTRACT
This research suggests analyzing masculinity representations in the Saint Seiya anime and the
ways it collaborates to institute identities. The corpus comprises the analysis of 23 episodes of
the series, which narrates the childhood of the young knights, their apprenticeships and
training strategies to become defenders of the Goddess Athena. The research is based on some
theorizations of the Cultural Studies and makes incursions, as well, on the field of Gender
Studies. Initially, I make a historic reading of the Japanese animation productions and, after
that, an observation focused on the episodes of Saint Seiya.
The research showed that the episodes of this anime produce different masculinity
representations, emplacing them in order to turn exemplary those which are gifted of
attributes as loyalty, fiber, moral, strength, resistance to pain, youth, beauty. The fights faced
by the knights in all the sage teach how to become a winner, valuing in a special way the
friendship, the self domination and the fight for goodness. Masculinities inscribed in virile
and muscled bodies and lived beginning from relationships between the knights and those
with the older ones, the masters and the women acquire embossment.
I analyze the spaces of male apprenticeship, as well the process of training that, in anime, aim
at producing a special kind of physical strength and moral capable of concoct a “knight soul”.
It concerns about an artifact that produces and mobilizes determined meanings which
collaborate to institute truths” about male and female genders. Among the selected episodes
for this study, the girls and women occupy subordinated place, having their history bonded to
some of the knights and demonstrating affection, care and attention for them.
This anime shows its productivity and currentness, when examines practices of innumerous
fans that, still today, produce and make circulate diverse artifacts inspired on Saint Seiya: they
collect the sages in DVD and, frequently, gather to review the episodes; avail episodes to be
copied freely on the Internet; invent and draw other stories inspired on these heroes and make
them circulate on the Internet, among others. Some fans also participate at encounters of
cosplay and anime admirers, and they show themselves dressed up like characters from this
series. The anime moves great enterprises mangas, DVDs, games, toys, backpacks, clothes
8
stamps, knights’ costumes conferring visibility to constituted identities also for the
consumption.
Key words: Cultural Studies, anime, representation, education, identity, masculinity, Saint
Seiya.
9
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS 11
APRESENTAÇÃO 16
PENSANDO OS ANIMÊS 19
1 O SOLO TEÓRICO 26
MÍDIA E PEDAGOGIAS CULTURAIS 27
PENSANDO AS IDENTIDADES 33
PENSANDO GÊNERO E REPRESENTAÇÕES DE MASCULINIDADES 36
SOBRE OS CAMINHOS DESTA PESQUISA E ESBOÇOS METODOLÓGICOS 41
2 BREVE HISTÓRIA DOS ANIMÊS 46
AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO JAPÃO 47
O MANGÁ DESDE O SÉCULO XIX 49
ENTRAM EM CENA OS ANIMÊS 55
OTAKUS CLUBES DE FÃS 59
DESCORTINANDO AS SAGAS D’OS CAVALEIROS DO ZODÍACO 61
OS PERSONAGENS PRINCIPAIS 66
3 APRENDENDO SOBRE IDENTIDADES MASCULINAS EM EPISÓDIOS D’OS
CAVALEIROS DO ZODÍACO 71
ESPAÇOS DE APRENDIZAGEM MASCULINA INFANTIL 75
SOBRE AS POSSÍVEIS MANEIRAS DE SER MASCULINO: REPRESENTAÇÕES PLURAIS 88
MASCULINIDADES INSCRITAS NOS CORPOS: COM QUAIS ATRIBUTOS SE DESCREVEM OS
VENCEDORES 97
4 MENINAS E MULHERES EM CENA: DISTINÇÕES QUE ENSINAM SOBRE
FEMINILIDADE E MASCULINIDADE 104
ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO: PERSONAGENS FEMININOS EM AMBIENTES DE TREINAMENTO E
DE LUTA 116
POR TRÁS DE UM GRANDE CAVALEIRO, UMA GRANDE MULHER! 122
5 A LENDA CONTINUA: LONGA VIDA... LENDÁRIOS CAVALEIROS! 129
REFERÊNCIAS 138
10
REFERÊNCIAS CONSULTADAS 142
SITES CONSULTADOS 143
ANEXO 1 145
11
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Saori, a deusa Atena reencarnada, personagem feminina central em torno de quem giram
todas as ações dos seus protetores masculinos: Os Cavaleiros do Zodíaco.___________________ 15
Figura 2 - Desenhos do Período Edo - 1702, Toba– primeiro e mais antigo livro de cartuns do
mundo produzido no Japão ________________________________________________________ 48
Figura 3 - Representação da deusa Atena em encontro de cosplay.___________________________ 60
Figura 4 - Fãs otakus reproduzem personagens do animê em encontros de cosplay. _____________ 60
Figura 5 - Saori Kido – a deusa Atena _________________________________________________ 66
Figura 6 - Seiya de Pégasus._________________________________________________________ 67
Figura 7 - Letras japonesas para Saint Seiya.____________________________________________ 67
Figura 8 - Shiryu de Dragão. ________________________________________________________ 67
Figura 9 - Shun de Andrômeda ______________________________________________________ 68
Figura 10 - Hyoga de Cisne _________________________________________________________ 69
Figura 11 - Ikki de Fênix.___________________________________________________________ 69
Figura 12 - Mino está no orfanato e recebe a visita de Seiya. Sua representação demarca a posição de
mulher, usando avental que a identifica como professora ou cuidadora das crianças, um trabalho
reconhecido como feminino._______________________________________________________ 78
Figura 13 - Seiya treina e aprende com Marin sobre a origem do universo de onde ele deve buscar as
energias para desenvolver todos os sentidos que lhe darão as forças cósmicas.________________ 80
Figura 14 - A aprendizagem é severa e sofrida para se aprender a ser um jovem com alma de guerreiro.
______________________________________________________________________________ 80
Figura 15 - Marin ensina o menino Seiya sobre a grande explosão do universo que deram origem às
forças do cosmos. _______________________________________________________________ 80
Figura 16 - O cavaleiro de ouro Aioros ensina o irmão menor Aioria. ________________________ 81
Figura 17 - Na foto ao lado, meninos do orfanato aprendem no espaço dos homens formados._____ 81
Figura 18 - O menino Aiorya é torturado psicológica e moralmente pelos cavaleiros malvados ouvindo
a acusação de traição feita contra seu irmão Aioros. ____________________________________ 84
Figura 19 - A cena mostra o esforço de Aiorya para afastar a imagem do irmão ‘traidor’ de sua mente
para abraçar o desafio de aprender com esses novos adultos, quase uma família substituta. ______ 84
Figura 20 - Futebol – cenas de brincadeiras que acontecem dentro do orfanato. ________________ 86
Figura 21 - Futebol é um esporte ainda considerado apropriado para meninos. _________________ 86
Figura 22 - Mitsumasa Kido – Quadro exposto na parede da sede da Fundação no Japão._________ 90
Figura 23 - O menino Ikki recebe um tapa no rosto quando pede ao sr. Tatsumi para ser enviado à ilha
da Morte em lugar de seu irmão Shun. _______________________________________________ 91
12
Figura 24 - Ikki, depois de receber o tapa no rosto, continua sendo castigado em separado no orfanato
por Tatsumi. ___________________________________________________________________ 91
Figura 25 - Ikki e Shun crianças. Ikki incentiva o irmão a treinar com golpes duros, mas Shun sempre
chora quando se machucou sente dores. ______________________________________________ 93
Figura 26 - Representações de corpos jovens musculosos._________________________________ 97
Figura 27 - Cavaleiro de Prata vestido com sua armadura lutando contra Seiya. ________________ 99
Figura 28 - A cena que antecede o combate, o Cavaleiro se orgulha de possuir um corpo sem
cicatrizes.______________________________________________________________________ 99
Figura 29 - Cavaleiro de Ouro de Libra: Mestre de Shiryu, envelhecido fisicamente, mas com
sabedoria recompensada._________________________________________________________ 100
Figura 30 - O menino Shiryu praticando os treinamentos indicados pelos seu Mestre sábio. ______ 100
Figura 31- Shiryu desfalecido após a luta contra o Dragão Negro. O sangue do sacrifício e o corpo
estendido em forma de cruz, lembrando a bondade de Jesus? ____________________________ 102
Figura 32 - Dragão Negro salva a vida de Shiryu e morre convertido à amizade._______________ 102
Figura 33 - Saori sendo reafirmada como deusa pela estátua de Atena. ______________________ 109
Figura 34 - Saori acompanhada dos cavaleiros que formam seu exército masculino. ____________ 109
Figura 35 - Mino, ajoelhada junto do altar na igreja do orfanato. Toda a estrutura, móveis, vitrais,
altar, crucifixo representam o cristianismo. __________________________________________ 112
Figura 36 - Destaque para a face de Mino, e suas mãos postas em oração.____________________ 112
Figura 37 - Seiya no hospital, rodeado pelos meninos do orfanato, enquanto Mino, acomoda flores
num vaso para embelezar o quarto onde o cavaleiro se recupera. _________________________ 113
Figura 38 - Os Garotos do orfanato presentes no Coliseu assistem às lutas, vibram com os golpes,
sugerem atitudes aos lutadores, torcem pela vitória do seu ídolo. _________________________ 114
Figura 39 - As garotas que estão no Coliseu sofrem ao verem os golpes, escondem o rosto e
demonstram sensibilidade. _______________________________________________________ 114
Figura 40 - Shunrei prepara refeição e leva a Shiryu que, mesmo cego, realizava limpezas em sua
propriedade. A mulher cuida dos afazeres domésticos, o homem trabalha fora do lar. _________ 118
Figura 41 - Marin, a mestra de Seiya, aula sobre a grande explosão do universo._______________ 120
Figura 42 - Marin, a mestra que explica a ciência do universo para Seiya aprender a elevar o seu
cosmo. _______________________________________________________________________ 120
Figura 43 - Mulheres aprendizes de cavaleiro são treinadas por mulheres mestres. _____________ 121
Figura 44 - Campo de treinamento das amazonas. Proibido a presença de homens. Localização não
referenciada. __________________________________________________________________ 121
Figura 45 - Esmeralda cuida do jovem Ikki, trata suas feridas, e aconselha-o a amar sempre. Ela é
parecida com Shun, o irmão de Ikki.________________________________________________ 123
Figura 46 - Esmerala é ferida de morte pelo seu próprio pai quando se coloca na frente de um golpe
para defender Ikki. _____________________________________________________________ 123
Figura 47 - June de Camaleão – amazona companheira de Shun na Ilha de Andrômeda._________ 124
Figura 48 - June representada em estilo camaleão e corpo esbelto.__________________________ 124
Figura 49 - Natássia – abnegada e amorosa mãe de Hyoga, morreu num naufrágio quando ele tinha 4
anos, está sepultada no fundo do mar, recebe honras de seu filho._________________________ 125
Figura 50 - Marin – mestra de Seiya, companheira e, possivelmente, sua irmã Seika. ___________ 126
13
Figura 51 - Shina retira a máscara e revela seu amor ao cavaleiro Seiya______________________ 126
Figura 52 - Imagem de Seiya refletida dentro dos olhos de Shina, uma representação de sua paixão por
ele.__________________________________________________________________________ 126
Figura 53 - Eri, ou Eiri, exemplo de professora vocacionada que trabalha no orfanato, salva a vida de
uma criança que seria atropelada, e passa a ser admirada e cortejada por Hyoga. _____________ 127
Figura 54 - Utensílios para festa de aniversário. ________________________________________ 132
Figura 55 - Gravação de canções da saga. _____________________________________________ 132
Figura 56 - O Cavaleiro Seiya em forma de boneco._____________________________________ 132
Figura 57 - Um grupo de 12 cavaleiros também em forma de bonecos. ______________________ 132
Figura 58 - Bonecos ambientados em uma cena de natal. _________________________________ 133
Figura 59 - Jogo de vídeo game dos Cavaleiros do Zodíaco. ______________________________ 133
Figura 60 - Família Simpsons vestida de Os cavaleiros do Zodíaco. ________________________ 133
Figura 61 - Aioria – Cavaleiro espectros. _____________________________________________ 133
Figura 62 - Imagens de cosplay._____________________________________________________ 134
Figura 63 - Imagens de cosplay._____________________________________________________ 134
Figura 64 - Imagens de cosplay._____________________________________________________ 134
Figura 65 - Imagens de cosplay._____________________________________________________ 134
Figura 67 - Imagens de cosplay._____________________________________________________ 135
Figura 68 - Imagens de cosplay._____________________________________________________ 135
Figura 69 - Longa vida... Cavaleiros amigos. __________________________________________ 137
14
Conta a lenda...
1
Conta a lenda que a cada duzentos anos a deusa Atena reencarna na terra para defender o mundo da tirania e das injustiças de outros
deuses. Eles desejam destruir o mundo porque consideram os humanos perversos, cruéis e gananciosos, por isso, lutam para exterminá-los. Os deuses que
lutam contra Atena são personagens da mitologia grega, asiática e européia, como Poseidon e Hades, que manipulam cavaleiros ou guerreiros deuses
para somarem forças a favor de seu intento de extermínio. Atena é a deusa da justiça, da sabedoria e da paz, que aceita a guerra apenas para proteger
a terra e os humanos. As narrativas mitológicas de diferentes povos inspiraram a produção das sagas, a diversificação dos personagens e possibilitaram a
multiplicidade dos episódios de
Os Cavaleiros do Zodíaco.
Diferentes personagens mitológicos entram em cena e auxiliam ou combatem os jovens
guerreiros defensores da deusa Atena, cujo templo era o Partenon, na cidade grega de Atenas. Nessa composição plural, o autor Masami Kurumada
acaba criando um épico moderno, uma narrativa de conteúdo fantástico que encantou fãs em todo o mundo.
Assim começou a guerra santa: no santuário de Atena havia nascido um bebê. O perverso deus Ares mata o Mestre do Santuário – Shion de
Áries - e tenta tirar a vida do bebê, a Atena reencarnada. Aioros, um dos 12 cavaleiros de ouro, resgata o bebê e foge, mas, por estar ferido de morte,
entrega a menina e a armadura de ouro ao sr. Mitsumasa Kido, um empresário japonês rico, que passeava na Grécia. Ele a adota como filha, lhe o
nome de Saori, leva-a para o Japão e a torna herdeira de toda a sua fortuna e projetos. Nesse ambiente, Atena cresceu junto com um grupo de meninos,
a maioria órfãos, que o sr. Kido adotou através do orfanato da Fundação Graad. No início da saga, eles eram em torno de cem crianças que, ainda
pequenas, foram enviadas a várias partes do mundo a fim de receberem treinamento e se tornarem jovens com “alma de guerreiro”. Dos que foram
enviados, sobreviveram e retornaram apenas dez jovens, sendo que cinco deles foram escolhidos para serem os cavaleiros defensores de Atena, liderados
por Seiya, acompanhado de Hyoga, Shun, Shiryu e Ikki.
Depois que cresce, e com a morte do pai, Saori assume a direção da Fundação e realiza o Torneio Intergaláctico, um dos sonhos e projeto do
Sr. Kido. Neste torneio, que ocorre nos primeiros capítulos da saga, Saori tem a possibilidade de escolher seus defensores, e oferece a poderosa Armadura
de Ouro de Sagitário como prêmio ao vencedor. Esta, por sua vez, é roubada durante a realização do torneio, o que leva os cavaleiros a se unirem para
recuperá-la. A trama vai fazer Saori reunir seus cavaleiros guerreiros e voltar para a Grécia a fim de retomar o santuário e ocupar o seu posto como
líder dos cavaleiros na luta contra o mal, em defesa do santuário e dos humanos. Esta “guerra santa” vai contar as várias tramas de deuses e seus
guerreiros buscando derrotar a deusa Atena e seus cavaleiros de bronze, que lutam pela justiça e pelos indefesos e que, no limite, entregam suas vidas
para defender Atena.
A história original está composta de 114 episódios, divididos em três grandes sagas: A longa saga do santuário (episódios 1 ao 73), a saga de
Asgard (episódios 74 ao 99) e a saga de Posseidon (episódios 100 ao 114). Na saga do santuário, os Cavaleiros de Atena, cujo nome foi traduzido, no
Ocidente, como
Os Cavaleiros do Zodíaco
, lutam contra o deus Ares que dominara o santuário através de seus aliados. A saga termina com a vitória dos
1
Este texto é uma adaptação feita por mim a partir de elementos retirados de livros que constam nas Referências
desta Dissertação e de sites dedicados à cultura japonesa e ao desenho animado, especialmente os textos
disponibilizados pela www.abrademi.com.
15
cavaleiros, liderados por Seiya. Na saga seguinte, os cavaleiros enfrentam os guerreiros deuses de Odin que lutam a serviço de Poseidon e, na última
saga, lutam contra os Espectros comandados pelo próprio deus Poseidon.
A lenda conta ainda que, quando aconteceu a primeira “guerra santa”, muitos guerreiros de Atena foram mortos, restando apenas meninos
para lutarem. Atena sempre detestou as armas e, como ela era deusa da sabedoria, vestiu os garotos com armaduras feitas de de estrelas e as
banhou com a “vontade divina”. Cada garoto guerreiro recebeu habilidades específicas, relacionadas às diferentes constelações das quais suas armaduras
se originam, e treinamento capaz de potencializar essas habilidades e convertê-las em armas de luta. Dessa forma, os garotos guerreiros adquiriram a
habilidade de elevarem seus cosmos até o infinito, se consagrarem vencedores “sem armas”, derrotando as forças do mal, ou transformando o mal em
bem, porque possuem “alma de guerreiro”.
Figura 1 - Episódio 2: Saori, a deusa Atena reencarnada, personagem feminina central em torno de
quem giram todas as ações dos seus protetores masculinos: Os Cavaleiros do Zodíaco
2
.
2
As imagens utilizadas neste trabalho são capturadas dos episódios da série Os Cavaleiros do Zodíaco e de sites
da Internet, cujas referências constam na identificação da imagem ou em notas de rodapé.
16
APRESENTAÇÃO
A lenda, destacada como prólogo desta pesquisa, anuncia o foco de minha dissertação
a produção japonesa Os Cavaleiros do Zodíaco, e meu interesse se volta para a maneira
pelas quais se produzem representações de masculinidade que, de muitas formas, colaboram
para instituir identidades e maneiras de ser e viver.
Investigar é um desafio, é um caminho a ser percorrido! Um caminho que apresenta
um número infinito de atalhos sedutores, convidativos, atraentes, pelos quais somos tentados a
enveredar. Caminho que, na perspectiva dos Estudos Culturais, não está dado de antemão e
que vamos produzindo no próprio processo de pesquisar, apoiando-nos em leituras, em
teorizações e caminhos propostos em diferentes estudos. E esse caminho não contém, desde o
início, um ponto de chegada, um porto seguro, onde a obra projetada poderá ser erguida e
estabelecida.
Nos Estudos Culturais, a pesquisa nos faz estranhar práticas que antes eram
reconhecidas como naturais e seguras numa investigação. Este é um campo multifacetado de
pesquisas, no qual se questiona as certezas; experimenta-se o desconforto da dúvida lançada
sobre as verdades que construímos e que antes nos acalentavam; produzem-se fraturas naquilo
que pensávamos ser unificado tal como as identidades; transforma-se em companheiros de
viagem a provisoriedade, o estranhamento, as incertezas. É nesse campo de possibilidades e
desafios que esbocei minha pesquisa, passando a indagar sobre as práticas culturais que nos
ensinam sobre as coisas e sobre nós mesmos, o que somos, como somos, como devemos ser,
ou seja, o modo como essas práticas instituem identidades. Inicio a dissertação trazendo
fragmentos de minha história pessoal, para mostrar não somente como o foco da pesquisa se
tornou relevante para mim, como também para narrar o modo como fui sendo constituído e
me fui constituindo na investigação. As narrativas de nossas histórias são práticas que, mais
do que dar conta do que somos, nos constituem e nos subjetivam. Conforme argumenta
Larrosa (1999), o que somos ou, melhor ainda, o sentido de quem somos, depende das
histórias que contamos, e das que contamos a nós mesmos” (p.48), daquelas em que cada um
de nós é autor, narrador, personagem principal.
17
Minhas primeiras lembranças, concernentes à educação familiar e escolar, remetem ao
interior do Estado do Espírito Santo, onde pequenas colônias eram divididas entre alemães e
italianos. Foi lá que nasci e que passei meus primeiros anos, entre plantações de café, lavouras
de frutas e campos de criação de gado. A educação escolar que tive acesso foi, quase toda ela,
realizada em pré-seminários e seminários teológicos da Igreja Luterana, da qual hoje sou
pastor. Além dos conteúdos curriculares comumente ensinados, o seminário mantém uma
forte ênfase no cultivo de valores, no aprendizado da doutrina e na vigilância sobre as
condutas consideradas desejáveis a quem freqüenta este tipo de instituição. Essa vivência dos
processos pedagógicos mesclados à doutrina constitui uma parte importante de minha
formação e de minha atuação como pastor luterano, e também isso contribuiu para a definição
do foco de minha pesquisa: o animê
3
Os Cavaleiros do Zodíaco, uma produção japonesa
endereçada para crianças e adolescentes, e amplamente divulgada no Brasil, conforme
descrevo mais adiante. O fato é que esta produção articula diferentes discursos e processos de
disciplinamento, sendo que a ênfase a valores, o aprendizado não apenas de técnicas de luta
como também de condutas adequadas aos cavaleiros que protagonizam a série ensinam aos
espectadores certas maneiras de ser e de viver, colaborando para a produção de sujeitos e
representações de gênero.
Um momento importante em minha trajetória pessoal foi o nascimento de minha
primeira filha. Esse acontecimento não apenas produziu outras posições de sujeito e outras
responsabilidades a assumir, como também trouxe para o espaço cotidiano vozes, músicas,
imagens e mensagens com as quais eu não estava habituado. Os programas da Xuxa, com
exibição diária em um dos canais de grande audiência da televisão, as danças, as músicas, as
modas e os tantos desenhos animados, foram a porta de entrada de certo universo da mídia
feito para crianças. Comecei a prestar atenção aos desenhos animados que eram mostrados às
crianças, para conversar com minha filha e, de alguma forma, interferir nesse fluxo de
informações, mensagens e gostos que, no dia-a-dia, iam se configurando e se tornando parte
daquilo que ela passava a desejar.
Os desenhos, produzidos para divertir, também colaboram na produção daquilo que
somos, desejamos ser e daquilo que pensamos sobre o mundo, eles tomam parte do que, nos
Estudos Culturais, têm sido referido como pedagogia cultural, termo que será discutido mais
3
Animê é o modo de nomear a animação japonesa. É preciso destacar que esta palavra tem significados distintos
para os japoneses e para os ocidentais. Para os primeiros, animê é qualquer tipo de desenho animado, seja
produção nacional ou estrangeira, enquanto que, para os ocidentais, ela designa apenas o desenho animado
produzido no Japão. Em ngua portuguesa, esta palavra também é grafada com acento agudo, mas neste projeto
opto pela grafia animê. (Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Animê, acesso em 10 de outubro de 2007).
18
adiante. Também não são poucos os discursos que problematizam as produções midiáticas e
os efeitos dos desenhos animados no modo de pensar e viver a infância. Ficou na minha
memória um artigo publicado no jornal Correio Brasiliense, por volta de 1982, relatando o
fato de um menino que colocou sobre os ombros uma capa de um super-herói e atirou-se da
janela do quarto andar do seu prédio, imaginando que poderia voar. O jornal advertia para
algumas implicações de animações e filmes assistidos pelas crianças e tomados como parte do
cotidiano. Fato semelhante a esse ocorreu recentemente no Estado do Rio Grande do Sul, em
que um menino de cinco anos, que brincava no quintal da casa, viu o quarto de uma criança
em chamas e, diante da impossibilidade da mãe prestar socorro, atravessou a casa correndo,
vestido com a fantasia do Homem Aranha e salvou a criança
4
. Tudo isso me permite pensar
no modo como as produções midiáticas os desenhos e filmes feitos para crianças e
adolescentes vão constituindo esses sujeitos, participando de redes mais amplas de
significados, produzindo maneiras de comportar-se, de situar-se, de projetar-se diante dos
acontecimentos.
No início da década de 90, passei a trabalhar como professor de ensino religioso em
uma escola confessional luterana e, nesta função, passei a conviver diretamente com crianças
desde o Jardim de Infância até adolescentes do Ensino Médio. Devia atender ao compromisso
confessional da escola e, ao mesmo tempo, praticar um ensino religioso respeitoso e o
proselitista. Nesse mundo da escola, percebia que as produções de mídia, suas representações
e crenças estavam presentes em sala de aula e eram reproduzidas em figuras, discursos e
outros artefatos. O tempo das crianças e adolescentes era dividido especialmente entre a
escola e a família, e grande parte deles passava um bom tempo diante da televisão, sendo
recorrentes as referências feitas a programas, filmes, desenhos e outras produções midiáticas.
Minha atuação no campo da educação escolar conduziu-me ao curso de Pedagogia,
lugar em que passei a pensar no modo como os espaços educativos se pluralizam e como nos
constituem, de muitas maneiras, sendo a escola apenas um desses espaços. O que me chamava
atenção era o modo como a tecnologia tornava sempre mais ágil e sofisticada a difusão das
mensagens, permitindo que veículos de comunicação, tais como a televisão e o cinema, se
tornem imensamente sedutores, veiculando alguns significados culturais com grande
visibilidade, em detrimento de outros. Foi assim que, em minha vida acadêmica, os estudos de
mídia foram adquirindo relevância.
4
Notícia publicada em Zero Hora, em 08/11/2007 e amplamente divulgada em redes de televisão e jornais
virtuais. Fonte: http://www.clicrbs.com.br/clicnoticias/jsp, acesso em 30 de novembro de 2007.
19
O contato com alguns textos dos Estudos Culturais permitiu que eu pensasse nos
efeitos dos artefatos midiáticos, na produção de sentidos e de identidades. Os instrumentos
oferecidos pelos Estudos Culturais, de forma muito especial os estudos de gênero, indicaram o
caminho e deram suporte para a construção da presente pesquisa.
A escolha da série japonesa Os Cavaleiros do Zodíaco para compor meu estudo não se
deu ao acaso: está fundamentada em anos de convivência com esse artefato, tanto em minha
casa quanto na escola. E, a partir do momento que dirigi o olhar para essa série, descobri que,
em todo material que consegui consultar sobre esse ani, o encontrei produções que o
analisasse a partir da perspectiva dos Estudos Culturais. O foco de pesquisas com esse tipo de
artefato centra sua atenção em outras representações, tais como: a violência dos desenhos,
abordagens psicológicas dos personagens, aspectos relativos à cultura japonesa na área da
comunicação e cultura popular. Observei, ainda, que as representações de personagens desse
animê estão presentes nos materiais escolares, nos trabalhos de sala de aula, nas estampas das
roupas usadas pelos estudantes, nos estilos e nas práticas corporais adotadas, nos brinquedos
manuseados, nos diálogos entre crianças, nas simulações de lutas, ao som das frases de efeito
proferidas pelos personagens, invocando a força das constelações que representam. Nas
palavras de Lemes (2005), os produtos de mídia podem ser pensados como materiais de
apoio para o trabalho de professoras e professores nas escolas, além de andar pelas os e
mentes de nossos jovens leitores, construindo significados” (p. 17). Nesse sentido, é
necessário indagarmos sobre o modo como estas produções constituem, de muitas maneiras,
identidades infantis e juvenis.
Pensando os animês
O Mestrado em Educação, alicerçado no campo dos Estudos Culturais, oportunizou-
me o contato com um conjunto de textos que ampliaram minhas possibilidades de análise,
sobretudo no que se refere à mídia como provedora de materiais simbólicos com os quais os
indivíduos constroem suas identidades (KELLNER, 2001).
Na presente pesquisa, debrucei sobre filmes de animação japoneses, os chamados
animês e olhei especificamente para a série Os Cavaleiros do Zodíaco, considerando o seu
funcionamento enquanto pedagogias culturais. No Japão, onde esse animê é produzido e tem
20
grande audiência, ele é originalmente endereçado a meninos, mas no mundo inteiro é
consumido por crianças e jovens sem distinção de gênero. Os Cavaleiros do Zodíaco foram
originalmente lançados em forma de revistas em quadrinhos mangás
5
em 1986 e, no ano
seguinte à série, iniciou sua produção em desenho animado animês. Em 1991, o animê dos
Cavaleiros já era sucesso de público no Japão e em vários países do mundo, tendo surgido
inúmeros fãs-clubes ao redor do globo. No Brasil, o mangá desta série foi publicado a partir
de 2001, enquanto o animê estava na mídia desde 1994, mantendo um grande sucesso entre
o público infanto-juvenil, e, sendo exibido em canais abertos e fechados, os quais referimos
mais adiante. Ainda hoje, seus personagens estampam materiais de consumo infanto-juvenil e,
em 2006, foi lançado um filme de longa metragem
6
(2 horas) que ficou em cartaz nas salas de
cinemas de todo o Brasil, sendo assistido por fãs infanto-juvenis, adolescentes, adultos,
marcando uma diferença etária que confirma os longos anos de vida ativa do seriado Os
Cavaleiros do Zodíaco, incluindo seus relançamentos. As representações produzidas e
colocadas em circulação por esses animês levaram-me a destacar sua dimensão educativa. Isto
é, não se trata de vê-los puramente como produtos consumidos para lazer, mas como
produções da mídia que devem ser compreendidas em termos de sua produtividade como
artefatos culturais, como uma produção midiática que associamos a certos tipos de pessoas e
identidades. No caso desta pesquisa, se trata de vê-los oferecendo modelos para a construção
de identidades de sujeitos masculinos, ativando relações que eles praticam com o mundo, com
os outros e, principalmente, consigo mesmos.
Hoje, a produção de mangás e animês absorve um número muito grande de
profissionais femininas, interesse que é despertado na época em que são estudantes. Parece
que essa profissão facilita que a mulher possa continuar trabalhando depois do casamento,
quando precisa se recolher ao lar para cuidar dos filhos e dos bens da família; nesse caso, não
precisa abandonar a profissão e, ainda, consegue auferir ganhos com seu trabalho. É
importante considerar que a produção de mangás e animês, portanto, está dividida, em grande
parte, entre mulheres que desenham histórias para mulheres consumidoras, e, homens que
produzem para os leitores masculinos. Essa estratégia aumentou o interesse de consumo e o
rendimento das produtoras. “As revistas femininas vendem sonho e fantasia [...] dentro do
clima de romantismo que as caracteriza” (LUYTEN, 2000, p.51). Por outro, as revistas
masculinas são introduzidas com artigos sobre esportes, artistas, meio estudantil, competições
5
Mangá é a designação dada às Histórias em Quadrinhos e desenhos animados japoneses, não importa o gênero,
pdagógico, fantasia, ficção, científico, terror, policial, drama, aventura, humor, mitológicos e épicos de samurais.
6
O título do filme lançado foi “O prólogo do céu”.
21
escolares e universitárias, “brinquedos bélicos, robôs, foguetes, animais pré-históricos, vídeo-
games etc” (ibidem, p.54), que procuram agradar o interesse do adolescente consumidor. Os
temas e histórias das revistas dirigidas ao público masculino, geralmente são melodramáticos,
descrevendo samurais invencíveis, esportistas, aventureiros, com personagens tipicamente
japoneses que adotam condutas de “autodisciplina, perseverança, profissionalismo e
competição”, recheados de muitas lutas e violências (ibidem, p. 56).
Quando pensamos em educação, somos comumente remetidos a instituições que nos
parecem naturais na execução dessa tarefa, tal como a estrutura familiar e a organização
escolar, porque, no Ocidente, à escola compete a tarefa de organizar e sistematizar conteúdos
para serem ensinados. Em sua aliança histórica, a família reconhece a escola, autorizando sua
ação e submetendo seus filhos à sua estrutura educacional. Todavia, no mundo
contemporâneo, outros tantos espaços educativos estão se configurando e exercendo a função
de ensinar alguma coisa para alguém. Para além das tradicionais pedagogias escolares, somos
interpelados cotidianamente por pedagogias culturais produzidas, especialmente pela cultura
da mídia (KELLNER, 2001), oferecendo modelos de ver, ser, agir, relacionar-se. Tal
entendimento implica considerar todas as práticas sociais como “instâncias educativas que
produzem idéias, representações e identidades culturais, sendo, desse modo, constitutivas dos
sujeitos” (KINDEL, 2003, p.12).
Os animês se inscrevem no que Steinberg (1997) denomina Kindercultura que, grosso
modo, pode ser entendida como a produção de uma cultura infantil por grandes corporações
empresariais. A autora salienta que tal conceito coloca em relevo o estatuto pedagógico da
mídia referido por Fischer (1997), cuja produção endereçada à infância estaria concentrada
nas mãos das grandes indústrias de entretenimento. Alicerçadas na exploração da fantasia e do
desejo, oferecendo diversão infanto-juvenil, as produções dessas indústrias teriam notáveis
impactos sobre as formas de ser criança e de ser jovem na contemporaneidade. Essa produção
midiática vai construindo significados de forma progressiva e ativa, uma vez que não
neutralidade nas mensagens, nas imagens, nas produções voltadas para o entretenimento. Tal
entendimento implica considerar as grandes corporações empresariais da mídia como
produtoras de sentido e não apenas como aquelas que se dedicam à circulação de informações.
Ao selecionar certo tipo de produção, certas mensagens, determinadas notícias, a mídia
produz e legitima formas de entender os acontecimentos e colabora na constituição dos
sujeitos que ela convoca a partir de suas mensagens.
22
Nesta investigação, parti do entendimento de que a série Os Cavaleiros do Zodíaco
ensina e legitima um determinado jeito de ser homem. Isto é, tal animê oferece modelos de
masculinidade considerados adequados, e postos em ato pelas representações presentes nas
narrativas que instauram comportamentos, atitudes, experiências e valores reproduzidos como
sendo próprios para crianças e jovens masculinos. A presente pesquisa exigiu que se olhasse
de forma mais demorada e, repetidas vezes, os episódios listados abaixo, buscando,
justamente, identificar, descrever e analisar as representações de masculinidades presentes nos
episódios: 1-7, 12-17, 23-24, 35-37, 73-74, 76, 101 e 114. A opção pelos episódios listados se
dá, entre outras razões, pelo fato de que o início da série apresenta os Cavaleiros como
crianças, seu crescimento, educação e treinamentos ase tornarem adultos e se agruparem
como os defensores de Atena. Episódios posteriores mostram ações, discursos e
representações que reafirmam o lugar do masculino e do feminino que este anireproduz.
Outros episódios serão referidos e identificados quando extrairmos deles algum artefato, ação
ou mensagem de interesse para a análise de nossa observação. Os episódios 101 e 114 foram
escolhidos porque marcam o início e final da última Saga, bem como, o fechamento de toda a
série original. Assisti atentamente a todos os 114 episódios, mas considerei que estes
selecionados são suficientes para servirem como objetos de minha investigação inicial em Os
Cavaleiros do Zodíaco. Isto é, olhei para esse animê, buscando identificar, nas imagens,
diálogos, vestuários, atitudes, práticas, as formas como são apresentados os artefatos e os
atributos considerados próprios para meninos. Dessa forma, penso que estarei destacando o
modelo de masculinidade que Os Cavaleiros do Zodíaco propõem e legitimam.
As crianças e jovens não aprendem um modo de ser homem ou mulher apenas através
da educação recebida na família, na igreja e na escola, mas são constantemente interpeladas
por representações múltiplas, acionadas em narrativas cotidianas, literárias, midiáticas que
exercem um papel pedagógico ora legitimando posições de sujeito socialmente valorizadas,
ora produzindo outros posicionamentos possíveis. A mídia não se apresenta apenas como
veiculadora de diversão e lazer, “mas também como produtora de saberes e formas
especializadas de comunicar e produzir sujeitos, assumindo nesse sentido uma função
nitidamente pedagógica” (FISCHER, 1997, p. 61).
Gomes (2000) destaca que as imagens e narrativas que estão presentes no cotidiano
dos jovens se tornam agentes educadores que buscam fixar modos de pensar, agir e sentir,
colocando-os em lugares reconhecidos onde se “constituem como sujeitos portadores de uma
identidade” (p. 16). As produções lmicas que divertem, também produzem significados que
23
vão sendo apropriados de modos diversos pelos meninos. A reiteração de modelos, de
comportamentos, de padrões de masculinidade, de princípios e valores masculinos, opera
produzindo sentidos, que podem, ou o, serem assumidos pelo público infanto-juvenil que
consome Os Cavaleiros do Zodíaco, servindo de fundamento para um modo de viver a
masculinidade. O desafio, nesta pesquisa, será descrever e analisar essas representações de
masculinidade, produzidas pela saga Os Cavaleiros do Zodíaco, prestando atenção ao
ensinamento desse animê, aos valores atribuídos com os códigos sociais nos quais os
princípios são fundamentados, produzidos, reorganizados/reconstruídos para constituírem o
menino apresentado pelos episódios do referido animê.
Outros estudos desenvolvidos na articulação entre Estudos Culturais e educação têm
se dedicado à análise dos efeitos desses desenhos animados na produção de subjetividades e
identidades sociais (RAEL, 2002; KINDEL, 2003; NEULS, 2004; SABAT, 2003). Rael
(2002), por exemplo, em sua dissertação de mestrado, analisa as representações de feminino
na cultura popular, debruçando-se sobre o tema da constituição de identidades de gênero em
produções destinadas a crianças e adolescentes. A autora considera o desenho animado como
artefato que produz, articula e faz circular discursos e representações que sugerem
determinados comportamentos e identidades sociais, e que, de algum modo, acabam por
regular nossas vidas” (p.12). Para a autora, que pergunta pelas identidades de gênero e de
sexualidade veiculadas por desenhos dos estúdios Disney, tais produções funcionam como
pedagogia cultural, na medida em que oferecem modelos de comportamentos, formas de ser e
agir, sendo, amplamente, consumidos no Ocidente, o que permite pensar na sua
produtividade, e nos efeitos de sentido em processos identitários.
Sabat (2003), em sua tese de doutorado Filmes Infantis e a Produção Performativa da
Heterossexualidade, analisa algumas animações dos estúdios Disney, demonstrando como tais
produções reafirmam a heterossexualidade como norma. À autora interessou analisar os
enunciados performativos, sublinhando sua positividade na constituição de identidades de
gênero e sexuais. Para ela, quando um modelo de masculinidade é referido reiteradamente, e
narrado a partir de características mais ou menos estáveis, essa identidade adquire supremacia
e serve de referência, negando, mesmo que de forma silenciosa, outras identidades,
especialmente presentes em outros personagens. A positividade da identidade referencial
opera produzindo como negativas as outras possibilidades de ser e viver a masculinidade.
Assim, o jovem que assiste a esses programas vai sendo, ao mesmo tempo, constituído como
consumidor dos produtos midiáticos e das mensagens neles veiculados. A centralidade de uma
24
dada identidade de gênero aquilo que sou/devo ser, é marcada por aquilo que não sou/não
devo ser. Em outras palavras, reconhecemos aquilo que somos ao confrontarmos essa
identidade com o que lhe é exterior.
A autora discute estratégias representacionais em filmes e afirma que “identidade
hegemônica [...] corresponde aos padrões socialmente aceitos e definidos por um contexto
cultural dominante [as quais] precisam ser constantemente reproduzidas e os filmes infantis
fazem isso através de técnicas visuais e lingüísticas” (SABAT, 2003, p.93). Isso porque
identidades não são fixas nem estáveis, mas continuamente produzidas, fraturadas por
discursos que conformam nossos pertencimentos e identificações, conclui a autora. Nesse
sentido, os filmes de animação aqui analisados investem na constituição de certas identidades
e, para tanto, produzem oposições binárias que possibilitam identificar aqueles atributos
considerados adequados e desejáveis para meninos e meninas.
Em uma perspectiva foucaultiana, Gomes (2000) examina imagens e práticas que
atravessam o mundo feminino. Mais especificamente, a autora focaliza as princesas dos
clássicos da Disney, refletindo sobre as personagens que personificam a beleza e a bondade,
possibilitariam um matrimônio feliz e, dessa forma, estariam educando para um determinado
tipo de conduta feminina. Nessas produções são apresentados às crianças ocidentais os
supostos modos corretos de ser feminino, destacando-se a necessidade de as meninas serem
bondosas e belas para encontrarem um príncipe encantado. Em sua Dissertação de Mestrado
Princesas: produção de subjetividade feminina no imaginário do consumo, a autora dá
visibilidade a padrões culturais postos em circulação pelos meios de comunicação, padrões
esses que instituiriam uma feminilidade aceita socialmente. Ao mesmo tempo, Gomes
(ibidem) é propositiva no que se refere à resistência aos clichês que adquirem visibilidade
nestas produções culturais, de modo a deixar aberta a possibilidade de constituir novas formas
de subjetivação.
Especificamente no que se refere a identidades masculinas, encontramos a dissertação
de mestrado de Neuls (2004), Lições de maculinidade aprendendo com A Turma do Didi.
Em sua pesquisa, a autora analisou representações de masculinidade no programa televisivo A
Turma do Didi, veiculado pela rede Globo no período de setembro de 2002 a julho de 2003.
Tomando o programa como um texto cultural, Neuls (ibidem) demonstra os modos
padronizados de ser homem que tal produção enseja. Nesse sentido, visibilidade a
discursos que estariam produzindo representações do masculino como malandros, espertos,
heterossexuais e em oposição ao feminino. Destacadas no programa, outras formas de ser
25
homem, como o bom-moço e o homem musculoso e ignorante, não chegam a provocar
rupturas, pois não entram em conflito com uma imagem estandardizada de homem, ao
contrário, segundo a autora, funcionariam, por contraste, para a acentuação das características
masculinas dominantes.
A presente proposta de investigação seguiu as trilhas abertas pelos estudos acima
apresentados, e se voltou à problematização e análise das representações de masculino
produzidas e colocadas em circulação pelos desenhos animados japoneses, focalizando
especificamente a série Os Cavaleiros do Zodíaco. Interessou-me, repito, descrever e analisar
as formas como a masculinidade é representada nas tramas e narrativas deste animê.
26
1 O SOLO TEÓRICO
A presente pesquisa postula sua inserção no campo dos Estudos Culturais, em sua
articulação com a Educação. Ainda que não seja minha intenção fazer uma retomada da
emergência dos Estudos Culturais contemporâneos, vale destacar que o surgimento deste
campo inter, trans ou antidisciplinar, conforme referido por Nelson, Treichler e Grossberg
(1995), deve ser entendido na sua relação com “o boom no âmbito da cultura popular e o seu
significado na vida das sociedades ocidentais a partir dos anos 1960” (THOMPSON, 2005, p.
15). Para o autor, houve uma ampliação vertiginosa do mercado de cultura popular após a
Segunda Grande Guerra, desde os anos 1960, a cultura popular influencia o jovem na
definição de sua identidade “pelo seu gosto, especialmente em vários gêneros midiáticos,
como tipos de música e estilos associados” (ibidem, p. 17).
Sem entrar num debate mais aprofundado sobre a televisão e sua função construtora de
cultura, é compreensível, assim mesmo, considerar que ela surgiu no culo XX como “uma
das principais produções culturais da contemporaneidade e um dos principais modos de
circulação de imagens, de idéias que nos ensinam coisas, nos dizem, como devemos ser ou
não, nos contam histórias” (NEULS, 2004, p. 29). Os Cavaleiros do Zodíaco conquistaram
fama no mundo e multiplicaram fãs, principalmente, por serem exibidos em programas
abertos de televisão, dirigidos ao público infantil. É preciso lembrar que através do rádio,
jornais, televisão, internet multiplicou-se o mundo das informações, aproximou os povos, e
possibilitou que a visão multiforme de sociedade se tornasse conhecida. A TV tornou possível
ver que existiam comunidades diferentes, em lugares diferentes, vivendo de formas diferentes
das que conhecíamos. É interessante destacar que, no Brasil, a televisão tem uma gigantesca
inserção, uma vez que o país está entre os de maior cobertura televisiva em todo o mundo.
Toda essa expansão da mídia possibilitou o conhecimento das culturas que estão apresentadas
através de todo o tipo de programação que trazem consigo representações culturais. Foi
através da televisão que as produções de animês japoneses ganharam mercado no mundo,
produziram grupos de fãs clubes, passaram a vender seus mangás, DVDs de animês,
brinquedos, revistas e músicas, entre outros, como artefatos que criam e fazem circular
significados diversos, incluindo os de gênero, objeto de nossa investigação.
27
O conceito de representação aqui assumido, derivado de movimentos culturais e
filosóficos, pode ser entendido como, a um tempo, o ato de nomear e produzir a realidade
(SABAT, 2001). Hall (1996) define representação como o processo pelo qual, membros de
uma cultura usam a língua (amplamente definida como qualquer sistema que empregue
signos, qualquer sistema significante) para produzirem significados” (p. 61). Assim,
acrescenta o autor, as coisas não têm sentido em si mesmas; seu significado é produzido pela
cultura: “Somos nós na sociedade, nas culturas humanas que fazemos as coisas significarem,
que significamos. Os significados, conseqüentemente, mudam sempre de uma cultura ou
época para outra” (idem, p. 61). Essa argumentação não nega a materialidade das coisas, mas
reitera que os sentidos, atribuídos a essas mesmas coisas são produzidos na linguagem.
Para Woodward (2000) a representação atua simbolicamente para classificar o mundo
e nossas relações no seu interior, e desse modo são continuamente forjadas certas bases a
partir das quais se define o que é igual e o que é diferente, o que se inclui e o que se exclui.
Mídia e Pedagogias Culturais
Giroux (2003) afirma que a dia produz imagens que preenchem a vida das pessoas,
especialmente crianças e jovens, de forma que condicionam seus desejos e percepções. Na
cultura contemporânea, em um panorama marcado pela onipresença da mídia, estaríamos
presenciando um processo permanente de regulação de significados, valores e gostos, enfim,
estaríamos sujeitos a processos educativos postos em ato pela mídia, na medida em que ela
“estabelece as normas e as convenções que oferecem e legitimam determinadas posições de
sujeitos” (ibidem, p.128). Aos ensinamentos, à modalidade de educação que, em nossa época,
têm ficado a cargo de outras instituições que não a escola, no âmbito dos Estudos Culturais
temos chamado de pedagogias culturais. Referindo-se a ela, Steinberg diz que
o termo ‘pedagogia cultural’ refere-se à idéia de que a educação ocorre numa
variedade de locais sociais, incluindo a escola, mas não se limitando a ela. Locais
pedagógicos são aqueles, onde o poder se organiza e se exercita, tais como
bibliotecas, TV, filmes, jornais, revistas, brinquedos, anúncios, videogames, livros,
esportes, etc... (1997, p. 101).
Tal noção destaca justamente a centralidade da mídia - mas não só ela - nos processos
formativos, nos processos educacionais que nos constituem e nos posicionam como sujeitos.
Assim, trata-se de considerar a mídia e a cultura por ela produzida como uma das instâncias
28
sociais implicadas na produção de identidades sociais e subjetividades em nosso tempo. A
noção de pedagogia cultural considera como educativos a mídia impressa, programas de
televisão, filmes, desenhos animados, museus, publicidade... Educativos porque nos ensinam
determinadas formas de ser, de viver, de pensar e agir sobre as coisas e sobre os outros.
Educativos porque tais produções e artefatos culturais, ao colocarem em circulação
determinadas representações, vão se configurando possibilidades, a partir das quais, as
crianças, os jovens e os adultos orientam suas condutas e vão construindo identidades de
classe, de nero, de sexualidade, de etnia. Através de tais representações, as crianças e
jovens vão aprendendo formas muito específicas de se pensar o social, o individual, o público,
o privado. A rigor, trata-se de pedagogias que operam pela sedução, que colonizam o desejo,
que capturam indivíduos e oferecem modelos padronizados de conduta, a partir das quais os
sujeitos são convocados a se orientarem.
Nessa mesma direção, como referimos anteriormente, Fischer (1997) refere-se à
existência de um Estatuto Pedagógico da Mídia. Segundo a autora, diversas modalidades
de programas de televisão, textos de revistas, jornais e propagandas que servem de meios e
produtos de comunicação e informação, que estabelecem o “estatuto da mídia o como
veiculadora, mas também, como produtora de saberes e formas especializadas de comunicar e
de produzir sujeitos, assumindo nesse sentido uma função nitidamente pedagógica” (ibidem,
p. 61). Hoje, além da televisão, com sua programação determinada por seus produtores, a
tecnologia possibilita um alargamento de possibilidades para que, mesmo em casa, a produção
midiática ofereça muitas alternativas para o lazer. Fundamentada no pensamento de Foucault,
a autora afirma “que a mídia não apenas veicula, mas constrói discursos e produz significados
e sujeitos” (ibidem, p. 63). Isto é, a mídia institui uma ética pedagógica - uma relação do
sujeito consigo mesmo, através da linguagem dos seus produtos. Fischer continua: uma
lógica discursiva nesses materiais, que opera em direção à produção de sentidos e de sujeitos
sociais e [...] há uma mediação, na relação complexa entre os produtores, criadores e
emissores, de um lado, e os receptores e consumidores, de outro” (ibidem, p. 63). Nesse
sentido, aquele que assiste a um programa de televisão, ou uma notícia de jornal o faz não
de maneira passiva, mas produzindo ele mesmo entendimento sobre o mundo, articulando
discursos de diferentes lugares e atribuindo sentido aos acontecimentos, de modo sempre
instável e nunca definitivo. Trata-se de um processo de luta contínua em torno das
representações.
29
Assim, existiria um emaranhado de elementos que constituem o discurso da mídia,
uma infinidade de imagens, movimentos, sons e palavras que adquirem relevância a partir de
diversos discursos dos mais variados campos de poder, agindo como instrumentos
pedagógicos que capturam e ensinam. Nessas narrativas, linguagens e textos, operam
discursos que colaboram para a produção de sujeitos, tais discursos não apenas descrevem ou
falam sobre determinadas coisas, mas, ao fazer isso, eles instituem coisas e inventam
identidades (COSTA, 2000). Para analisar os discursos midiáticos, Fischer (1997) destaca que
a intensidade e a repetitividade de muitas imagens e discursos apresentados constituem-se
num fator preponderante que atua nesse processo de ensino e aprendizagem que a mídia
repassa através de seus programas.
A mídia projeta necessidades e demandas de grupos sociais diferenciados e busca
produzir respostas que assegurem certa identificação e permita a adesão do público, quando
encontra nessas mensagens uma referência a seus desejos e sonhos. Procura-se identificar os
grupos sociais para, então, produzir e destinar produtos que atendam seus interesses, ou não.
Segundo Fischer (2000), analisar os produtos da mídia nessa perspectiva acaba implicando
uma “descrição das formas de o poder se manifestar e se exercer” (p. 80), bem como numa
“descrição dos modos de identificação desses públicos com os produtos a eles destinados,
especialmente quando se trata de ver esses grupos em suas diferenças” (ibidem, p.80). A
autora ainda refere que, nesse “espaço de interpretação do social”, a mídia faz “leituras e
apropriações” para, então, expor ao seu público aquilo que ela considera como “atos sociais”
próprios do grupo a que se destina, citando como exemplo as pesquisas de Sérgio Adorno
sobre os “atos de violência” aos quais os jovens estão expostos nos prolongados filmes e
outros artefatos de mídia.
Para Fischer (ibidem), a mídia se autolegitima e atribui a si uma ão pedagógica, na
medida em que se auto-referencia, falando de si mesma e de seus diferentes produtos,
intensificando repetições de imagens e estruturas que retornam e fornecem ao espectador a
“tranqüilidade, prazer e identificação”. Ao mesmo tempo, ela faz uso de especialistas que
qualificam a sua produção e legitimam suas “verdades narradas”. Um arcabouço didático é
instaurado de forma que o espectador se colocado como aquele que precisa ser ensinado.
Através do uso de um “vocabulário facilitado”, inclusive, de termos técnicos, a mídia reitera o
seu papel social e sua atribuição de informar e formar os expectadores. À medida que
denuncia problemas sociais, também apresenta soluções. Enfim, é “um lugar de onde vem
30
‘todo o bem’” (p. 85). Nas palavras da autora, os meios de comunicação, especialmente a
televisão,
atuam em direção a dois objetivos básicos: de um lado, mostrar que a mídia é o
grande lugar de informação e de “educação” das pessoas; e, de outro, captar o
telespectador em sua intimidade, produzindo nele, muitas vezes, a possibilidade de
se reconhecer em uma série de verdades” veiculadas nos programas e anúncios
publicitários, e até mesmo de se auto-avaliar ou auto decifrar, a partir do constante
apelo à privacidade individual que, nesse processo, torna-se pública (FISCHER,
2000, p. 81).
A autora continua afirmando que esses objetivos citados mostram que a cultura hoje
passa por “uma radical transformação das fronteiras entre o público e o privado”, onde
aparece uma “tendência bastante clara de politizar (no sentido de trazer a público) a vida
privada e de privatizar o que classicamente seria a vida pública [...] essa invasão dos recessos
do espaço doméstico” (ibidem, p. 82).
Kellner (2001), servindo-se das contribuições de Baudrillard, Jameson, Kroker e
Cook, refere que a identidade pós-moderna é muito instável, e chega a afirmar que talvez ela
tenha simplesmente desaparecido, restando um indivíduo eletrônico, com identidade
mercadológica e consumidora dentro de uma sociedade do espetáculo. A cultura da mídia,
continua Kellner (p. 170), tornou-se “o lugar de implosão da identidade e de fragmentação do
sujeito” pelo seu reconhecido poder de subjetivação e autotransformação. A mídia possui a
estética como base fundamental de sua produção e apresenta-se, através de “imagens e
histórias que fabricam o real e tentam produzir um efeito de realidade” (ibidem, p. 172).
Ainda segundo o autor, é preciso atentar para a importância da narrativa que as imagens da
mídia se fazem acompanhar, sendo elas, em sua grande maioria, superficiais e reproduzindo
de forma intensa os conteúdos das imagens, mesmo que vazios, desprovidos de significados e
com pouco nexo com o passado.
Segundo Steinberg (1997), fora das instituições educacionais estão as empresas como
organizações produtoras de diversões que saciam nossos desejos, na forma de um processo
pedagógico que “captura nossa imaginação e constrói nossa consciência” (p. 102). O objetivo
primeiro dessas organizações empresariais não é o bem-estar das pessoas, mas o lucro
auferido pela venda de seus produtos de consumo. Dessa forma, “os interesses comerciais
ditam a cultura infantil da mídia” (STEINBERG e KINCHELOE, 2001, p. 24) e a margem de
lucro é mais importante do que o bem-estar da criança. Steinberg (1997) complementa sua
análise afirmando que,
[...] a pedagogia cultural está estruturada pela dinâmica comercial, por forças que se
impõem a todos os aspectos de nossas vidas privadas e das vidas de nossos/as
31
filhos/as. Os padrões de consumo moldados pela publicidade empresarial fortalecem
as instituições comerciais como os professores do nosso milênio (p.102).
Assim, para além das salas de aula, as crianças e jovens possuem, à sua disposição, os
reinos mágicos de fantasias animadas, realidades virtuais, personagens heróis que servem para
entretenimento, mas que são produzidos por corporações que embutem culturas, ideologias de
empresas e valores de vida em nome de um mercado livre. Nesse processo, a cultura popular
vai adquirir uma relação direta com a pedagogia e contribuir decisivamente, através das
representações que coloca em circulação, para a produção de subjetividades e identidades
sociais. Nessa mesma linha, Pacheco (1985, p. 22) vai chamar a televisão e o cinema de
“escola paralela, informando e influenciando de modo incontrolável as crianças e a
juventude”. Algo bastante próximo das formulações de Steinberg (2001), que chama de “áreas
pedagógicas aqueles lugares onde o poder é organizado e difundido, incluindo bibliotecas,
TV, jornais, revistas, brinquedos, propagandas, videogames, livros, esportes, etc” (p. 14), que
cativam nossa atenção porque atendem aos nossos desejos, alimentam nossa imaginação e
nossa perceão de ser humano, de sociedade e de mundo.
Kellner (2001) considera que a mídia disponibiliza imagens, figuras e mensagens com
as quais o público pode se identificar e, pela beleza inquestionável, o dinamismo e o apelo a
verdades que passam a ter significado, as quais irão exercer “efeitos socializantes e culturais
por meio de seus modelos de papéis, sexo e por meio das várias ‘posições de sujeito’ que
valorizam certas formas de comportamento e modo de ser, enquanto desvalorizam e denigrem
outros tipos” (p. 174). Diante desse quadro dinâmico, móvel, fluído e cheio de imagens
significativas, a escola constituiria uma realidade desinteressante, reprodutora de práticas
mais estáveis, onde o professor normalmente não estaria preparado para dialogar e fazer uma
ponte entre o mundo real das imagens e informações e a realidade escolar. Gomes (2000) vai
afirmar que a escola lança mão da tecnologia com a função quase que exclusivamente
ilustrativa, exibindo produções midiáticas sem refletir sobre seus discursos e imagens, por
considerá-las inofensivas em termos de significados (ibidem, p. 46). No entanto, as
mensagens midiáticas participam na produção de sentidos, de posicionamentos, de
comportamentos e não são simplesmente meios para satisfação de desejos de entretenimento.
A mesma autora vai afirmar, mais adiante, que a incitação do desejo vai levar as empresas a
investir na reprodução dos sistemas vigentes, aumentando seu poder, reforçando seus mitos”
(ibdiem, p. 53).
32
Em seu texto sobre Beavis e Butt-Head: sem futuro para a juventude pós-moderna,
Kellner (2001) analisa a cultura da dia como aquela que se tornou um dos instrumentos
principais de socialização, produzindo para os jovens “papéis e elementos formadores de
identidade, em vez de recebê-los de seus pais e professores” (p. 135). Personagens são
modelos que inspiram o comportamento juvenil pelas atitudes, linguajar, expressões
características, vestuários, estilos musicais, modos de convivência no lar, escola e sociedade.
A mídia produz efeitos diretos sobre a vida do seu público, na medida em que seleciona,
exibe, reitera determinadas formas de ser, buscando instituir, como centrais, certas
identidades. Personagens vitoriosos e famosos tornam-se imagens “poderosas e ressonantes
que são usadas para produzir sentido, identidades, discurso e comportamento. A mídia fornece
um ambiente simbólico no qual as pessoas vivem e influencia fortemente seus pensamentos,
comportamento e estilo” (ibidem, p. 152). Programas de mídia, com seus personagens de
sucesso provocam “efeitos poderosos”, embora seus significados sejam apropriados de formas
diferentes por diferentes grupos (ibidem, p.153).
Segundo Duarte (1997), as imagens fílmicas servem como fonte de pesquisa para
educadores e educandos porque “o cinema entrou para os costumes como opção de lazer para
milhões de pessoas, seja em salas de projeção, seja através de fitas de vídeo ou mesmo pela
televisão [...]” (p. 135). Para a autora (ibidem), “as imagens que se movem produzem uma
impressão de realidade particularmente especial”. Em geral, os filmes vistos como
“singularmente críveis”, afirma Duarte, referindo-se a Aumont (1995), e mais, eles
proporcionam “índices perceptivos de realidade aos quais se acrescenta o movimento,
associados a fenômenos de participação afetiva, [e assim] enfraquecem a distância psíquica
entre espectador e imagem e criam um efeito de realidade dificilmente comparável a outras
formas de arte” (ibidem, p. 135). É por esses e outros encantos que a mídia, povoando a vida
de crianças, adolescentes e adultos, preenchendo-lhes o tempo, ofertando lazer, capturando
sujeitos e produzindo identidades, constitui um desafiador campo de pesquisas, ofertando
inesgotáveis possibilidades de análise, particularmente para o campo da educação.
33
Pensando as Identidades
Assumindo a máxima de que, na contemporaneidade, as nossas identidades são
construídas a partir de diversas práticas discursivas e não discursivas - textos, imagens, sons -
e que, em nossa época, a educação não está mais a cargo apenas das instituições tradicionais
modernas (escola, família, igreja), mas que as novas gerações têm sido forjadas pelo que
Kellner (2001) define como cultura da mídia, foco este estudo na produção de identidades
masculinas através do processo de representação cultural posto em ação pelo animê Os
Cavaleiros do Zodíaco. Dessa forma, os conceitos de identidade e de gênero assumem
centralidade na investigação que proponho e, por isso, passo a discutir como estou entendendo
essas polissêmicas noções teóricas.
Seguindo a análise de Hall (1997), a identidade não deve ser pensada, na
contemporaneidade, como um eu coletivo capaz de estabilizar, fixar ou garantir o
pertencimento cultural ou uma ‘unidade’ imutável que se sobrepõe a todas as outras
diferenças supostamente superficiais” (p. 108). No contexto das discussões desse autor, a
identidade nacional constitui essa “unidade” que se busca fixar, e que se sobreporia às demais.
A nacionalidade seria entendida aqui como algo que identifica os sujeitos com certas práticas
tidas como próprias e características dessa coletividade. Em processos de globalização essa
idéia parece perder força, dando lugar à fragmentação, instabilidade, multiplicidade das
identidades. É certo que os processos de globalização também produzem, como efeito, o
fortalecimento de regionalismos e de pertencimentos étnicos e religiosos, entre outros. Mas
não se pode mais pensar em identidades fechadas, estáveis, coerentes senão como efeito da
maneira como cada grupo ou pessoa narra sua história.
Na mesma perspectiva, Woodward (2000) afirma que as identidades não devem ser
pensadas como um “ser”, mas como um “tornar-se”, no qual os sujeitos “seriam capazes de
posicionar a si próprios e de reconstruir e transformar as identidades históricas, herdadas de
um suposto passado comum” (p. 28).
Na perspectiva destes autores, as identidades não são completas, estáticas, únicas, não
são fixas ou permanentes e podem, até mesmo, ser contraditórias. Nesse sentido, Hall (1996)
afirma que identidades devem ser pensadas “como uma ‘produção’ que nunca se completa,
que es sempre em processo e é sempre constituída interna e não externamente à
representação” (p. 68). Abandonar o entendimento de identidades essenciais, vinculadas a
34
aspectos biológicos se faz necessário, pois as identidades culturais provêm de alguma parte,
têm histórias. Mas como tudo o que é histórico, sofre transformação constante. Longe de um
passado essencializado, estão sujeitas ao contínuo jogo da história, da cultura e do poder”
(HALL, 1996, p. 69).
Considerei oportuno retomar aqui o texto de Sabat (2003), onde ela diz que a
fragmentação das identidades se torna mais evidente com o surgimento de movimentos
sociais que se organizam, dando origem ao que ela chama de políticas de identidade”,
especialmente a partir do “final dos anos 60” (p. 89). Múltiplas identidades se tornam visíveis
na atualidade, constituindo pertencimentos e fornecendo quadros de referência e, nesta
pluralidade de possibilidades, algumas imagens e narrativas são selecionadas e reconhecidas
como significativas pelo sujeito. Isso não significa que, as diferentes mensagens, circulem em
condições semelhantes. Ao contrário, há sempre disputa, há mensagens que se fortalecem e se
combinam, outras que entram em conflito. A autora afirma que, quando um tipo de
masculinidade é apresentado como hegemônica, a partir dela se estabelecem atributos sociais,
culturais, morais, estéticos e esse processo nega, mesmo que de forma silenciosa, outras
identidades, outras maneiras possíveis de viver a masculinidade. Estas outras formas são
recebidas como negativas, desviantes, e são marcadas pela diferença. Em produções de TV e
cinema, especialmente, algumas identidades se tornam centrais e adquirem visibilidade
através de certas práticas tidas como exemplares.
No caso dos animês que analisei, são os meninos que protagonizam as histórias, sendo
as meninas colocadas numa posição subordinada. Assim, a identidade de referência na
narrativa é a masculina a partir da qual se caracterizam os personagens e se estabelecem os
modelos de conduta, quase sempre a partir de oposições binárias: não sou menina, não sou
perdedor, não sou covarde, não sou mau, eu sou/quero ser o jovem que identifico como herói.
Identidade e diferença são processos articulados, como argumenta a mesma autora:
Toda e qualquer identidade é sempre construída pelo olhar minucioso sobre o outro,
é constituída pelo que o outro o é. Por isso, a identidade não implica somente
positividade, mas está repleta de negatividade, pois ela se constitui sempre da
negação de marcas culturais que estão presentes por sua ausência. Nessa política da
diferença, sempre um termo dominante, a partir do qual se produzem as
diferenças relacionadas a termos subalternos. O termo subalterno é sempre
constitutivo do termo dominante e necessário para ele (ibidem, p. 95).
Assim, atribuímos significados a algo pelo que ele não é: a menina é o termo oposto
ao menino, o feio é o oposto do que se considera bonito, o fraco é oposto ao forte, o
35
subalterno é o que não domina. As características, as quais reconhecemos em um termo dessa
oposição, adquirem sentidos a partir do outro.
De uma maneira geral, os filmes de animação ocidentais utilizam certos traços físicos
para diferenciar também o caráter do personagem. Assim, a beleza exterior corresponde à
beleza interior, traços leves indicam sensibilidade, justiça. Acessórios como óculos e
equipamentos eletrônicos são indicadores de inteligência, corpos envelhecidos são
identificados com a sabedoria. Os personagens malvados, em maioria, contradizem os traços
que determinam o bom caráter, sendo caracterizados por traços grotescos, feios, exagerados
sem contar, que o uso de cores escuras em contornos, indumentários e cenários costumam
marcar o caráter sombrio desses personagens. No caso dos animês japoneses existem
exceções marcantes, essa caracterização ocorre de uma maneira diferente, sendo que as
produções de alguns personagens malvados também aparecem com traços aceitos como belos,
semelhantes aos personagens de bom caráter, que são assim apresentados como passíveis de
serem transformados em bons, através do exemplo, de luta e do discurso dos bons heróis.
No mundo inteiro uma multiplicidade de pertencimentos e de modos de significar
masculino e feminino; como essas diferenças se inserem e são incorporadas nas produções
voltadas para identidades juvenis? Aquele que não se identifica com certos atributos de
identidade, tidos como desejáveis, parece ser produzido como “fora do normal” e, passará
pelo sofrimento da rejeição e da exclusão. Ao que parece, os jovens são convocados a
encontrarem uma forma de viver que lhes propicie todas as possibilidades e conquistas
daquilo que torná-los integrados e reconhecidos socialmente. Nesse leque de escolhas
oferecidas cotidianamente pela mídia, pelas relações cotidianas, pela escola e demais
instituições os sujeitos vão aprendendo que, para obter reconhecimento, é preciso assumir
uma, ou várias, identidades socialmente válidas. Trata-se de um processo de constituição de
identificações que nunca se fixam inteiramente, sendo sempre transitórias e em contínua
produção.
É importante levar em conta, ainda, que as produções contemporâneas têm um forte
apelo ao consumo. E, como os animês analisados aqui são produções comerciais, as maneiras
de pensar a vida também se vinculam, de certa forma, a modelos de produção e de consumo
de produtos culturais.
Ao focalizar as identidades masculinas representadas na série Os Cavaleiros do
Zodíaco, o significa buscar uma forma única de representação e nem a mais verdadeira. São
múltiplos os sentidos, e variadas as estratégias que buscam instituir aqueles que se considera
36
verdadeiros. Estas distintas formas de entender vão transparecer nas imagens. Nas palavras de
Neuls (2004),
a televisão e a publicidade não vendem apenas objetos materiais, vendem, também,
representações ao associá-las a imagens socialmente desejáveis, assim como visões
de mundo e estilos de vida. Ao mostrar homens, mulheres, meninos, meninas, bem
como professores e professoras, dentre tantas outras identidades, a mídia procura nos
ensinar jeitos aceitáveis ou não de feminilidades e masculinidades (p. 18).
Pensando Gênero e representações de masculinidades
Filmes de animação, produzidos para a diversão de crianças, jovens e adultos, também
funcionam para normalizar os sujeitos, conformando-os em determinadas posições e
produzindo relações de gênero (SABAT, 2006).
Os significados são produzidos nesses artefatos não apenas na forma verbal, mas na
intersecção de diferentes mídias e signos utilizados. São muitas as possibilidades de análise
desses materiais, busquei examinar as representações produzidas, pois, conforme
argumenta Louro (1997), “a linguagem institui e demarca os lugares dos gêneros não apenas
pelo ocultamento do feminino, e sim, também, pelas diferenciadas adjetivações que são
atribuídas aos sujeitos” (p.67). Além disso, a freqüência com que certas representações são
apresentadas contribui para se assegurar um “estatuto de verdade” a certos discursos sobre o
feminino e o masculino. A esse respeito, Foucault (1979) afirma:
A verdade não existe fora do poder ou sem poder [...] A verdade é deste mundo; ela
é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados
de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua política geral’ de
verdade; isto é, os tipos de discursos que ela acolhe e faz funcionar como
verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados
verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os
procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles
que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro (p.12).
A verdade se afirma social e historicamente porque está fundamentada em alguns
pilares, entre eles, o “discurso científico [...] e instituições que o produzem”; a “constante
incitação econômica e política” que necessitam de ‘verdade’ para se produzirem; a verdade
que “circula nos aparelhos de educação ou de informação” cujo objetivo é difundir
socialmente a fim de produzir, sob todas as formas, “um imenso consumo”; é “produzida e
transmitida” sob o respaldo “de grandes aparelhos políticos ou econômicos”, como
universidades, religião e meios de comunicação; e ainda, em nome da verdade, produz-se
37
“debate político e de confronto social”, que são as “lutas ideológicas”. Foucault refere-se à
verdade como um discurso de poder inserido na sociedade, na economia e na cultura, que se
constitui com forte base estrutural para ser aceita como condição indiscutível na aquisição de
uma identidade pessoal e social (1979, p. 13).
Meyer (2003) destaca a “verdade” de pensarmos as relações de gênero não como algo
que se situa no domínio da natureza, mas no domínio da cultura, respaldada pelas estruturas
de poder socialmente constituídas e reconhecidas como pedagogicamente idôneas. Em outras
palavras, a autora insiste que a discussão de gênero deve ser realizada com base em
abordagens que enfocam a centralidade da linguagem, ou seja, a linguagem como locus em
que se produzem relações entre corpo, sujeito, conhecimento e poder, para então, podermos
diferenciar sujeitos femininos e masculinos, e esse processo não é o mesmo nos diferentes:
contextos, tempos, etnias e grupos sociais. Não há, portanto, um entendimento “natural”,
único e universal de gênero. Nas abordagens feministas e pós-estruturalistas não se prende
pensar gênero a partir das diferenças biológicas, e sim,
teorizá-lo como um construto sociocultural e lingüístico, produto e efeito das
relações de poder.(...) As próprias instituições, os símbolos, as normas, os
conhecimentos, as leis e políticas de uma sociedade o constituídas e atravessadas
por representações e pressupostos de feminino e de masculino e, ao mesmo tempo,
produzem e\ou ressignificam essas representações” (Meyer, 2003, p. 16).
A autora problematiza as representações de gênero destacando quatro implicações: a
primeira é o entendimento de gênero como um processo em constante transformação,
dinâmico, nunca completo e finalizado, dentro do qual atua um complexo de forças e de
processos” como agentes educativos - mídia, brinquedos, literaturas, cinema, música - que
transformam os indivíduos e ensinam homens e mulheres a se identificarem como tais nos
grupos a que pertencem. A segunda implicação é considerar os “tempos, lugares e
circunstâncias específicos” em que as pessoas aprendem sobre relações de gênero e vão sendo
posicionadas, interpeladas, produzidas como sujeitos generificados, pois isso produzirá
“muitas e conflitantes formas de definir e viver a feminilidade e a masculinidade” (p. 17).
Nesse sentido, penso que os lugares sociais de gênero nunca são fixados de maneira
definitiva, e são sempre produzidos, contestados numa cultura que se apresenta como um
campo de lutas pela representação das coisas. A terceira implicação dessa abordagem de
gênero é, de acordo com a autora, que não se enfatize as mulheres ou os homens em suas
condições de vida, mas que se preste atenção e se tome como referência, as relações de poder
e os variados processos, estratégias e práticas que os constituem como “sujeitos de gênero”. A
quarta implicação destacada pela autora se refere aos “diferentes modos pelos quais o gênero
38
opera estruturando o próprio social que torna estes papéis, funções e processos possíveis e
necessários”; quais sejam, “as instituições sociais, os símbolos, as normas, os conhecimentos,
as leis, as doutrinas e as políticas de uma sociedade são constituídas e atravessadas por
representações e pressupostos de masculino e feminino” (p. 18), bem como, produzem,
mantêm e ressignificam os mesmos.
Considerei produtiva essa análise, realizada pela autora, para pensar as questões de
gênero em minha pesquisa. Mais do que uma “maneira de fazer” teorização, essa reflexão
aponta para certos pontos de atenção, que serviu como inspiração teórica e metodológica em
minha análise dos animês.
As discussões sobre as relações de gênero produzem a teorização apropriada para
descrever e analisar representações de masculinidade em filmes de animação, que é
justamente o foco desta pesquisa. Aproveitei para considerar aqui as especificidades que o
conceito de gênero vêm assumindo, em especial no campo dos Estudos Culturais. Nas
palavras de Meyer (2003, p. 16), gênero aponta para a noção de que, ao longo da vida,
através das mais diversas instituições e práticas sociais, nos constituímos como homens e
mulheres, num processo que não é linear, progressivo ou harmônico e que também nunca está
finalizado ou completo”.
Especificamente nesta dissertação, tratei de tomar e pensar o animê Os Cavaleiros do
Zodíaco como prática cultural de nossa época, que colabora para produzir e/ou fortalecer
certos modelos de masculinidade. Nesse sentido, a série produz e veicula determinadas
representações que instituem maneiras de ser e de viver a masculinidade.
Nesta pesquisa, pensei a(s) masculinidade(s) como construção histórico-social, e
interessou-me pôr em relevo uma dimensão fabricada da masculinidade, típica de nossa
época, em representações produzidas e postas a circularem nos filmes de animação japonesa -
os animês. Entendendo que os sentidos para masculinidade se produzem em diferentes
narrativas, percebi ser possível olhar para os animês indagando sobre os modelos de
masculinidade que eles produzem e, pensando nos efeitos sobre o amplo público que os
consome. Noutros termos, trata-se de investigar quais representações se produzem e discutir
um determinado e particular tipo de identidade de gênero que é associada a tais
representações.
O gênero se constitui de forma tida como natural a partir das diferenças biológicas dos
corpos sexuados, sobre os quais “a cultura opera para produzir desigualdades” (MEYER,
39
2003, p. 16). Para além das diferenças biológicas, é na cultura e nas relações sociais que os
corpos são produzidos e representados, a partir de um conjunto de características,
consideradas naturais para uns e outros. As distinções de gênero são resultado dessas práticas
e são construídas na intersecção de diferentes discursos. Para Louro (1997):
É necessário demonstrar que não são propriamente as características sexuais, mas é a
forma como essas características são representadas ou valorizadas, aquilo que se diz
ou se pensa sobre elas que vai constituir, efetivamente, o que é feminino ou
masculino em uma dada sociedade e em um dado momento histórico. Para que se
compreenda o lugar e as relações de homens e mulheres numa sociedade importa
observar não exatamente seus sexos, mas sim tudo o que socialmente se construiu
sobre os sexos (p. 21).
As representações de gênero presentes nos animês dão visibilidade a lugares e funções
distintos para o masculino e para o feminino. Discutindo a dominação feminina e a
construção da homofobia, Welzer-Lang (2001) afirma que as distinções estabelecidas entre
homens e mulheres são instituidoras de desigualdades. Para ele, a opressão das mulheres
pelos homens é um sistema dinâmico no qual as desigualdades vividas pelas mulheres são os
efeitos das vantagens dadas aos homens (...). O conjunto do social está dividido segundo o
mesmo simbólico que atribui aos homens e ao masculino as funções nobres e às mulheres e ao
feminino as tarefas e funções afetadas de pouco valor” (p. 461). Tal dominação é mantida e
regulada socialmente por diversos instrumentos educativos e impositivos, pelo uso da força e
violência por parte do masculino, à custa de sujeição inquestionável do feminino, ou pela
definição de espaços e funções femininas e masculinas que são socialmente valorizadas e
aceitas. A relação desigual que se gera é aceita “como óbvia, como um fenômeno natural,
integrado de algum modo à divisão social e hierárquica por sexo” (ibidem, p. 462).
O autor analisa, também, os processos de dominação masculina a partir das relações
dos homens com outros homens. Na construção de uma identidade masculina, ainda na
infância o menino “deixa o mundo das mulheres” para ocupar um lugar e espaço que o autor
chama de “casa-dos-homens”. São lugares ocupados de acordo com a faixa etária, escondidos
de mulheres e homens de outras idades, que constituem espaços de construção da
“homossociabilidade” onde se “combatem aspectos que poderiam fazê-los ser associados às
mulheres” e onde se pratica e reproduz ações apropriadas para os meninos (p. 462).
As representações de masculinidade e feminilidade parecem ser produzidas, em
grande parte, na oposição entre homens e mulheres. Essa matriz de pensamento, constituída
em polaridades, inclina-nos a pensar que existam características universais, fixas, homogêneas
para os sujeitos. O homem é posicionado no pólo referencial desta oposição e, desse modo, se
40
produzem certos efeitos de sentido de um lado estão os homens, fortes, maduros, racionais,
de outro as mulheres e crianças frágeis, imaturas, emocionais... Colocados em oposição,
homens e mulheres são constituídos por atributos que se fixam em seus corpos,
impossibilitando-se, assim, que outras possibilidades de viver o feminino e o masculino
adquiram visibilidade. É assim que aprendemos a pensar certos atributos masculinos como
normais, (tais como virilidade, força, astúcia, coragem) e também aprendemos a considerar
desviantes aquelas masculinidades marcadas pela sensibilidade, fragilidade, delicadeza, entre
outros atributos socialmente definidos como femininos.
De acordo com Sabat (2003)
Toda e qualquer identidade é sempre construída pelo olhar minucioso sobre o outro,
é constituída pelo que o outro o é. Por isso, a identidade não implica somente
positividade, mas está repleta de negatividade, pois ela se constitui sempre da
negação de marcas culturais que estão presentes por sua ausência. Nessa política da
diferença, sempre um termo dominante, a partir do qual se produzem as
diferenças relacionadas a termos subalternos. O termo subalterno é sempre
constitutivo do termo dominante e necessário para ele (p. 95).
Essa polarização produz e posiciona, de certas maneiras, as identidades masculinas e
femininas, bem como produz e distingue masculinidades entre si, hierarquizando-as e
estabelecendo o que é tido como normal e como desviante, para identificar o bom e o mau
caráter, o hetero e o homossexual, o belo e o feio, o justo e o injusto, o sábio e o ignorante, o
forte e o fraco que, por ações bondosas devem ser protegidos e/ou transformados.
O animê põe em movimento certas representações de masculinidade em práticas e
processos de aprendizagem vivenciados nas sagas: os meninos são treinados de forma intensa,
exaustiva e são submetidos ao sofrimento. Uma vez preparados e prontos para o combate,
seus corpos são musculosos, viris, belos e muito ágeis. As lutas parecem servir para dirimir o
medo e, de certa forma, apresentam homens lutadores e bondosos, de bom caráter, que
também lutam para transformarem outros homens malvados em homens bons. Estes e outros
aspectos serão retomados mais adiante.
A análise de identidades masculinas representadas em animês não implica encontrar
forma única de representação e nem a mais verdadeira. São várias as estratégias que instituem
significados e modelos de masculinidade. O que pretendi é analisar algumas dessas
representações que posicionam meninos e meninas.
Também considerei relevante afirmar que minha pesquisa não se propõe a examinar as
relações entre os animês e as construções de nero na cultura japonesa. O que propus é
analisar que efeitos de sentido podem ser produzidos quando crianças e jovens ocidentais
41
assistem a essas animações. Nesse sentido, as análises que realizei se restringiram a
representações e identidades posicionadas na cultura ocidental entendendo que cada
contexto, cada tempo histórico, cada cultura particular produz distintas maneiras de “ler”
imagens, diferentes representações das coisas, como também diferentes maneiras de produzir
e governar as condutas dos sujeitos.
Sendo assim, a tarefa de olhar e analisar a cultura japonesa e suas produções, não pode
ser outra, senão a de um ocidental olhando a partir de seu meio, impregnado de uma cultura
local e lançando mão de seus pertencimentos culturais para se aventurar na tarefa de análise
de parte de uma produção cultural oriental, no caso, o animê japonês e suas representações de
gênero que podem constituir significados para os consumidores jovens e crianças ocidentais.
Sobre os caminhos desta pesquisa e esboços metodológicos
Estudar e pesquisar no campo dos Estudos Culturais, à medida que participava das
aulas e avançava em leituras diversificadas, num primeiro momento provocou em mim um
grande encantamento pelas novidades que estava descobrindo e aprendendo. Num segundo
momento, surge uma sensação de medo porque enveredamos por um caminho de incertezas e
desconstruções que nos levaria a uma reconstrução onde teríamos que passar por uma
conversão, abandonando crenças e “verdades” por muitos anos defendidas. Trata-se de uma
verdade não verdadeira. O novo encanta e assusta ao mesmo tempo. Ele produz verdades e
cria instabilidade para as diversas verdades dos campos do conhecimento e da formação
humana. Isto é o que torna os Estudos Culturais belos, instigantes e desafiadores. Talvez essa
sensação tenha sido de satisfações para alunos de outras áreas do conhecimento, mas a
formação na área de teologia que, mesmo que trabalhe as diferenças entre doutrinas e
adiáforos, pouco questiona sobre a função pedagógica desses artefatos com suas
representações que atuam na formação da identidade das pessoas. Entendi que o precisei
desmerecer ou questionar trabalhos realizados anteriormente, mas reconheci que passei por
uma importante ruptura epistemológica no que diz respeito às teorizações que orientavam a
minha caminhada.
Passar, portanto, da posição de pastor luterano e professor de ensino religioso, para
investigador das Pedagogias de Mídia com suas representações de gênero, exigiu uma
42
reestruturação na forma de pensar, que se operou na passagem de um estruturalismo para o
pós-estruturalismo, que esvaziou antigos métodos, gerando uma perspectiva teórica que não
aponta outros, com tanta clareza, para serem seguidos, afirma Kindel (2003):
tampouco me indica a necessidade de alcançar conclusões definitivas sobre as coisas
analisadas.
Essa é, sem dúvida, uma vertente teórica escorregadiça que nos instiga a cada passo
do processo investigativo a colocar em xeque expectativas, procedimentos,
referenciais e até mesmo as questões que orientam nossas investigações (p. 9).
Focalizar o papel instituidor da cultura como produtora de representações e
identidades, seguindo a lente de análise a partir dos Estudos Culturais, me levaram à escolha
de transitar no campo teórico das produções de mídia que, além de divertirem, seduzem para
aprendizagem através das mensagens presentes em suas produções.
Os desenhos animados, desde o início, se constituíram no foco do meu interesse de
pesquisa, uma vez que circulam na mídia como uma das principais apresentações presentes
em programas infantis apresentados na televisão para distrair e divertir as crianças. Entendi,
também, que têm funcionado como espaços educativos e de sedução ao consumo dos
múltiplos artefatos produzidos e disponibilizados no mercado. Dentre esses, as produções
japonesas, foram as que, desde a infância das minhas duas filhas, chamaram mais a minha
atenção pelo grande número de produções e exibições na TV, pelas mensagens presentes
nesses desenhos animados, especialmente a presença de costumes, crenças, mitos, lendas e a
religiosidade que transparece nos enredos das produções. Dentro dessa multiplicidade de
aspectos observados, passei a olhar várias produções de origem japonesa traduzidas no Brasil
e fortemente presentes entre as crianças hoje. Encontrei em Os Cavaleiros do Zodíaco uma
produção que considerei a mais representativa pelo que cativou consumidores dentro do Japão
e em todo o mundo. E, ainda, pelo fato de ter surgido mais de vinte anos, ter produzido o
maior grupo de fãs do mundo, e ainda hoje fazer parte de programas de algumas redes de TV
aberta e fechada, e subsistir nas representações de cosplay
7
, comunidades de orkut,
colecionadores de OVA
8
’s e mangás, e outros.
7
Cosplay - palavra originada da contração de costume e play. Trata-se de uma brincadeira de fãs que se
fantasiam de personagens de mangás e/ou animês para participarem de encontros, festas convenções dedicados à
cultura do Desenho Animado e suas derivações de lazer.
8
OVA ou OAVsignifica Original Vídeo Animation ou Original Animation deo. Os animês o originais
gravados em DVD’s para serem vendidos aos consumidores, até mesmo antes de passarem em rede de TV aberta
ou fechada. Possuem uma duração média de 28 minutos, variando de 24 a 50 min. Cada episódio de animê OVA
é lançado em apenas um DVD, quando se trata de lançamento, podendo chegar até 13 episódios. Fonte:
http://www.animeblade.com.br/especial/materias/OVA/, acesso em 01/2008.
43
Uma vez feita a escolha do artefato, o desafio maior tornou-se definir quais
representações seriam tomadas para investigação e análise para a dissertação. A partir desse
ponto, dediquei tempo para olhar todos os episódios e filmes produzidos que constituem a
saga. Ao mesmo tempo, sabia que o rumo desejado para o problema da pesquisa seriam
questões de representações e formação de identidades de crianças e jovens. Os filmes de
animação estavam definidos como material de pesquisa, mas o tema ainda levou algum tempo
para ser lapidado e definido efetivamente. Entre as diversas intenções de temas estavam a de
trabalhar as mensagens e as representações de religiosidades ensinadas pelos animês, ou, seus
ensinamentos morais, até que decidimos orientador e orientando - trabalhar as
representações de masculinidades presentes na série d’Os Cavaleiros do Zodíaco.
O campo de mídia foi se apresentando como muito vasto em termos de livros e textos
que precisavam ser selecionados para o embasamento teórico. As leituras realizadas iam se
transformando em fichas de registro com a identificação dos textos e dos assuntos
apresentados para, posteriormente, serem tomadas como auxílio na organização de um texto
com uniformidade e coerência que apresentasse o embasamento teórico do campo escolhido.
Particularmente, uma produção que me exigiu muito trabalho, esforço e necessidade de apoio
da dedicada orientação que recebi.
Os animês foram olhados repetidas vezes. Aquilo que se percebia nos episódios foram
se transformando em folhas com anotações destacando representações, discursos, espaços
sociais, signos e ocultamentos, identificados como atribuídos aos sujeitos que, acreditávamos,
se constituíam em ensinamentos do que se considerava socialmente estabelecido e
naturalizado; ou, do que se desejava mostrar como inofensivo, mas que atua como forma de
ensinar criaas e jovens que ainda estão em processo de formação de sua identidade.
O foco da análise estava definido dentro do campo das questões de gênero. A partir de
então, comecei a observar e anotar os espaços e funções permitidas aos meninos e meninas, o
reforço e a constância de falas, diálogos, cenas que reproduziam e reafirmavam
comportamentos e concepções claramente orientadas e construídas pela cultura de gênero. O
posicionamento de corpos jovens e musculosos tidos como um “lócus” por “excelência das
tecnologias [...] e a celebração crescente e irreversível do modelo ciborgue, misto de
organismo e cibernética, como emblema inspirador de novas configurações” (COUTO, 2005,
p. 172). Um novo modelo de corpo sendo exibido, um corpo mixado com as máquinas pós-
modernas” (idem, p. 174), sendo disciplinados e submetidos a armaduras mistificadas com
mitos e tecnologias. Falas bem definidas onde homens impõem limites às mulheres e
44
reafirmam o que querem que elas sejam; apresentam mães sábias, educadoras e filhas
obedientes e submissas aos pais, maridos e ao imperador, cumpridores de seu papel de donas
de casa e mães (GRAVETT, 2006, p. 78). Enfim, crianças que foram submetidas a rituais e
sacrifícios físicos em treinamentos para se formarem homens com “alma de guerreiros”,
verdadeiros homens vencedores, fortes e aptos a superarem limites, os quais tinham ao seu
lado mulheres jovens, de feições brancas, bonitas, magras, de corpos esbeltos, defensoras da
bondade, amor, família e, ajudadoras dos homens, as quais ocupam espaços reconhecidamente
femininos. Estas são algumas das observações possíveis que fizemos em relação a este
projeto, reconhecendo que outras tantas passaram despercebidas, ou ficaram fora das
delimitações que traçamos. Eis o desafio, nenhum assunto é passível de ser esgotado quando
nos propomos a tomá-los para uma análise cultural.
Os programas de mídia contam a sua história atuando na produção de significados,
onde “as análises culturais [...] fazem incursões a teorizações e metodologias de muitas áreas
de conhecimento”, área da educação, comunicação, história e outras, as quais se tornam
relevantes porque o “visibilidade a aspectos e relações” presentes nos artefatos que
produzem efeito e influência” para a vida das pessoas (WORTMANN, 2002, p. 76). Fazer
essas análises significa produzir recortes de diversos campos de estudo para encontrar neles as
representações que produzem significados na cultura, porque “esse é um campo
eminentemente crítico”, que envolve uma configuração investigativa ampla” no exame das
práticas e produtos culturais que, por sua vez, são parciais, incompletas e circunstanciais,
afirma a mesma autora (p. 77).
Destaco aqui a importância de analisar linguagens, representações, discursos,
produção de significados e identidades, porque “as linguagens são centrais para o significado
e para a cultura” uma vez que elas produzem e organizam os valores e os códigos que “dão
sustentação aos diálogos, permitindo a construção de entendimentos partilhados, que
possibilitam aos sujeitos interpretarem o mundo” e se inserirem em uma dada cultura. As
representações, por sua vez, “atuam na constituição das identidades dos sujeitos e dos grupos
sociais, estando, então, identidade e representação intimamente vinculadas”, conforme a
mesma autora.
Na perspectiva aqui destacada de análise cultural, interessou-me examinar a série Os
Cavaleiros do Zodíaco prestando atenção ao que os episódios trazem em termos de
representação de masculinidade, não apenas naquilo que se verbaliza - as narrações, os
diálogos, os monólogos - como também em alguns elementos não verbais que compõem as
45
animações e as produções cinematográficas que ficaram explícitos nos episódios observados -
imagens em movimento, aspectos relativos aos desenhos, traços dos personagens, luz e
sombra, cores utilizadas, cenários, sons e trilhas musicais. Esse conjunto de elementos
audiovisuais constitui, articuladamente, os sentidos e mensagens desse tipo de produção.
Na seção seguinte desta proposta trago algumas considerações sobre a história dos
animês, o surgimento desta arte e a popularidade que adquiriu tanto em países orientais
quanto ocidentais. Destaco, no entanto, que não é minha intenção produzir, aqui, uma história
linear capaz de tudo abarcar, nem mesmo afirmar a verdade sobre estas produções culturais.
Isso porque, na perspectiva teórica que assumi, esta pretensão não faz sentido. O que pretendi,
então, é dar relevo a alguns aspectos históricos para contextualizar e marcar certas
características próprias dos animês.
46
2 BREVE HISTÓRIA DOS ANIMÊS
O ser humano sempre usou diversificadas formas e recursos para se comunicar e
expressar, sendo a comunicação através de imagens uma prática muito antiga. Ela
remonta ao tempo das cavernas, quando o homem desenhava figuras humanas e de
animais, muitas vezes de forma seqüencial, para deixar registradas algumas de suas
práticas. Os estudiosos são quase unânimes em considerarem as inscrições rupestres
como simples forma de se comunicar sem que houvesse a intenção de produzir arte.
Outros autores, como Molicca (2005), argumentam que muitas das figuras rupestres
possuem traços cuidadosos, noções de profundidade através de sombreamentos,
contornos e preenchimentos e que essas características têm mais a ver com um sentido
estético e artístico do que comunicacional.
A maioria dos autores, como Heleno R. Nazário, Sônia Bibe Luyten, George
Perry e Alan Aldridge, nas obras As Histórias em Quadrinhos enquanto mídia e
elemento cultural, e, mangá o poder dos quadrinhos japoneses, entre outras,
reconhecem que as histórias em quadrinhos fazem parte daquilo que se convencionou
chamar de arte, no mundo ocidental. As artes mais reconhecidas são as primeiras sete,
quais sejam, a Música, a Pintura/Desenho, a Escultura, a Dança, a Literatura, o Teatro e
o Cinema. A oitava arte seria a Fotografia, e as Histórias em Quadrinhos são citadas
como Nona Arte. Lemes (2005) em sua Dissertação de Mestrado acrescenta que “há
quem arrisque ordenar as demais como desenhos animados, videojogos, computação
gráfica em terceira dimensão... Além dessa nova designação, podemos encontrar: arte
seqüencial, banda desenhada, tiras, tirinhas, tiras em quadrinhos, simplesmente
quadrinhos, Hq, Hqs, etc.” (p. 40).
Essa forma de arte recebe nomes variados nos diversos países do mundo. No
Brasil as histórias em quadrinhos são conhecidas também pela designação de Gibis
9
.
9
Gibi tornou-se sinônimo de revista em quadrinhos no Brasil devido a uma revista brasileira lançada em
1939 com esse nome. Em 1993, a Editora Globo lançou uma revista com o mesmo nome em homenagem
ao Gibi.
47
Em Portugal são os livros aos quadrinhos, na Espanha são os T.B.O., ou seja, tubeos, na
Itália são os fumetti, na França são os bandes dessinées ou bandes, nos Estados Unidos
são chamados de comics, funnies, comic strip.
Luyten (2000, p. 33) destaca que o ato de desenhar não é um processo de
fazer figuras, mas uma maneira de escrever uma história com um tipo singular de
símbolo. E como vivemos numa sociedade extremamente visual, a ilustração é o
esperanto da aldeia global”. As HQs o caracterizadas pela complementaridade entre
imagem e texto, formando um conjunto integrado para estabelecer a comunicação e,
conforme argumenta Lemes (2005), nesse modo particular de expressão humana pode-
se identificar uma espécie de fusão entre a Literatura e a Arte. A produção de histórias
em quadrinhos exige determinados conhecimentos que possibilitem aos autores a
construção de enredos, o uso apropriado das cores que comunicam significados através
dos desenhos produzidos. Ainda segundo a autora é condição fundamental possuir
conhecimento cultural de vestuários, arquiteturas, fotografia, cinema, que possibilitem a
produção de histórias de forma seqüencial com textos e imagens bem organizadas para
comunicar-se com o seu público em gêneros e estilos diversos.
A popularidade assumida pelas histórias em quadrinhos no Japão é notável, e
isso tem relação também com o fato de que a língua escrita japonesa só é compreendida
inteiramente depois de alguns anos de estudo, que se compõe de mais 2000
ideogramas. A popularização dos mangás possibilitou, entre outras coisas, o surgimento
das animações para cinema e televisão, a exemplo do animê Os Cavaleiros do Zodíaco,
que analisei neste estudo.
As Histórias em Quadrinhos no Japão
Segundo Moliné (2006), o século XI marca para o Japão o surgimento de
caricaturas gráficas, imagens humorísticas de animais, denominados de chôjûgiga,
desenhadas em rolos e que contavam histórias. Entre os animais representados estavam
coelhos, rãs, macacos em cenas satíricas que foram produzidas pelo sacerdote
48
xintoísta
10
Toba (1053-1140). Nos culos posteriores apareceram desenhos em forma
de caricaturas em pergaminhos e gravuras, apresentando, freqüentemente, temas
escatológicos e eróticos (MOLINÉ, 2006, p. 17-18). Luyten (2000) também relevo a
este fato, afirmando que
Segundo Ono e Tezuka, os Ê-Makimono são considerados a origem das
histórias em quadrinhos no Japão. Muito abundantes nos séculos XI e XII, os
Ê-Makimono eram desenhos pintados sobre um grande rolo e contavam uma
história, cujos temas iam aparecendo gradativamente à medida que ia sendo
desenrolado. Dessa maneira, era construída, com estilo original, uma história
composta de numerosos desenhos (p. 91- 92).
Nos séculos posteriores, os desenhos se harmonizaram com a época política
vivida pelo povo japonês, e se
tornaram comuns às imagens
zen os “zenga que eram
caricaturas usadas em
meditações; as imagens de Ôtsu
– os otsu – imagens vendidas
como amuletos budistas
portáteis; as imagens nanban
que eram biombos ilustrados
retratando a chegada de
portugueses e holandeses na
ilha.
Destaca-se ainda que, no
período Edo (1600-1867), o Japão foi governado por uma ditadura feudal, o xogunato
dos Tokugawa, que criou um rígido sistema de classes sociais com nobres, samurais,
camponeses, artesãos e mercadores. Como houve o fechamento das fronteiras, a
expulsão dos ocidentais e isolamento cultural do arquipélago, isso facilitou aos editores
desenvolverem um novo gênero de arte para consumo popular, as imagens do mundo
flutuante os ukiyo-e muito populares porque consistiam em manifestações de crítica
social e satirizavam a perfeição estética, retratavam homens e mulheres mundanas,
cenas de teatro, retratos de beldades famosas, atores e lutadores de sumô conforme
Luyten (2000, p. 98).
10
Xintoísmo é uma das maiores e mais antigas religiões do Japão. Os xintoístas acreditam que todas as
coisas tem um kami, ou uma alma e que tudo tem uma ligação no mundo. Fonte:
www.sonoo.com.br/religioesnojapao; acesso em 4 de janeiro de 2008.
Figura 2 - Desenhos do Período Edo - 1702, Toba-ê –
primeiro e mais antigo livro de cartuns do mundo produzido
no Japão (Fonte: Luyten 2000, p.100).
49
Em 1702, Shumboko Ooka criou um livro de cartuns que ficou conhecido como
Toba-ê Sankokushi, publicado em Osaka, tornando-se popular e muito consumido.
Luyten (2000) afirma que, para “os estudiosos japoneses, Toba-ê é considerado o
primeiro livro de cartuns produzido no Japão e o mais antigo do mundo” (p. 100). Eles
não tinham quadrinhos seqüenciais, nem palavras em balões; eram constituídos de
personagens maldosos que gostavam de fazer brincadeiras usando cenas da vida diária
urbana.
O pintor Katsushita Hokusai (1760-1849) é referido por Luyten (2000) como o
primeiro a utilizar a palavra mangá. O artista trabalhava em vários estilos, mas
destacou-se por desenvolver imagens em sucessão de desenhos, formando um conjunto
de 15 volumes designados de Hokusai Mangá. Neles retratava sua genialidade em
captar a vida urbana, as classes sociais, a natureza e a personificação dos animais, com
grande “preferência por pessoas muito gordas ou muito magras, narizes longos e
fantasmas” (p. 98). O artista criou ainda um manual de instruções sobre como desenhar
mangás.
Katsushita Hokusai cunhou a palavra mangá, a partir dos caracteres manque
significa “involuntários” e ga” significando “desenho, imagem”. O resultado seria
“imagens involuntárias”, nome que passou a constituir tudo o que se relaciona à
caricatura, cartum, desenho animado ou ao humor gráfico. No entanto, mangá vai se
consolidar na segunda década do século XX através do desenhista Rakuten Kitazawa,
que se empenhou em sua popularização (ibidem, p. 43).
O Mangá desde o século XIX
Segundo Sato (2005), no Japão, a segunda metade do século XIX é chamada de
período de Restauração (Meiji). Nesse período, o Japão sai do isolamento e ingressa na
era moderna quando o imperador Meiji, em 1868, fixa residência em Tóquio, e a torna
capital imperial. Sato (2005, p. 28), pesquisadora da cultura pop japonesa, descreve este
período da seguinte forma:
Com a Restauração Meiji, a necessidade de desenvolver a economia e a
industrialização do país resultou na abertura dos portos e na receptividade a
novas tecnologias e influências culturais do exterior. Assim como ocorreu
50
dois séculos e meio antes, não demorou muito para que o Ocidente
‘redescobrisse’o Japão. Desta vez, entretanto, a troca de informações foi
muito mais rápida e o choque cultural, inevitável. Infelizmente, esse fluxo de
informações não se manteve constante ao longo dos últimos 150 anos.
Durante a Segunda Guerra Mundial, com o Japão do lado da Alemanha
nazista e da Itália fascista, houve a suspensão das relações diplomáticas com
vários países que apoiavam os Aliados e a cultura japonesa ficou por mais
alguns anos confinada ao arquipélago.
Foi nesse período de abertura que os cartuns de moldes europeus foram
introduzidos no Japão. Entre os autores mais conceituados, destacam-se o inglês Charles
Wirgman (1835-1891) e o francês George Bigot (1860-1927). Os dois eram jornalistas,
correspondentes estrangeiros que estabeleceram residência no país e, em 1862, editaram
uma revista de humor trazendo aos japoneses as charges políticas e, ainda, os cartuns
jornalísticos como um novo tipo de humor e arte que teve grande receptividade. A
principal influência vinha do continente europeu. Segundo Luyten (2000), Wirgman é
hoje considerado o patrono da moderna charge japonesa e a cada ano é realizada uma
homenagem em seu túmulo em Yokohama. Wirgman freqüentemente utilizava balões
em suas charges e Bigot, por sua vez, os arranjava em seqüência, criando um padrão
narrativo.
Embora admitam influências de criadores estrangeiros, os japoneses são muito
cuidadosos ao adotarem culturas de outros povos. A absorção do estrangeirismo é feita
com muito critério e estudo de observação para ser adaptado, desenvolvido, “e então
exportado de volta para o mundo”, como afirma Gravett (2006, p. 14). Em se tratando
dos mangás
eles tomaram os fundamentos dos quadrinhos americanos as relações entre
imagem, cena e palavra e, fundindo-os a seu amor tradicional pela arte
popular de entretenimento, os “niponizaram” de forma a criar um veículo
narrativo com suas próprias características. Os mangás não são quadrinhos,
pelo menos não como as pessoas os conhecem no Ocidente. Os japoneses
libertaram a linguagem dos quadrinhos dos limites dos formatos e temas da
tira diária do jornal ou das 32 páginas dos gibis americanos e expandiram seu
potencial para abranger narrativas longas e livres, feitas para ambos os sexos
e quase todas as idades e grupos sociais (2006, p.14).
O produto desse trabalho híbrido encontrou espaço de aceitação e consumo no
país, a tal ponto, que “os japoneses transformaram os quadrinhos em uma poderosa
literatura de massa” (GRAVETT, 2006, p. 15). Foram produzidos cartilhas e livros
didáticos em formato de mangá, guias de estudo e revisões para universitários,
produções de guias culinárias, esportes e pescaria (p. 123). Os mangás deram origem,
especialmente, a muitas produções fílmicas para TV e cinema, em forma de desenhos
51
animados ou não. Ao que parece, povo japonês possui uma paixão especial por arte
pictórica”, e essa característica explica porque “o mangá exerce uma espécie de controle
sobre a TV e o cinema japoneses, [...] e responde por quase 40% de todos os livros e
revistas vendidos no Japão” (Idem, p. 16, 22). O próprio governo japonês reconhece a
importância dessa forma narrativa a ponto de tornar os mangás parte integrante do
material escolar:
Desde abril de 2000, o novo currículo nacional de arte para o primeiro grau
insiste para que os mangás sejam trazidos à sala de aula. Em seu texto
explicativo, o Ministério da Educação e Cultura afirma que o mangá pode ser
considerado uma das formas de expressão tradicional do Japão (GRAVETT,
2006, p. 22).
Em termos de mercado mundial, entre 1992 e 2002, no Japão “as exportações de
quadrinhos, filmes, arte e videogames japoneses cresceram 300% [...] enquanto outros
setores exibiram um crescimento de apenas 15%” (GRAVETT, 2006, p. 156). As
características dos desenhos que deixaram um pouco o exagero oriental, somados a
outros fatores que atraíram o gosto ocidental, encontram no ocidente “um público que
gasta altas somas, e que os editores ocidentais haviam abandonado” (Ibidem, p.160).
No final do século XIX a imprensa dos Estados Unidos também se destaca pela
disputa de mercado jornalístico, usando como estratégia a produção de desenhos em
jornais. Em pouco tempo, os quadrinhos passaram a chamar a atenção dos desenhistas
japoneses, especialmente aqueles oriundos dos Estados Unidos. Inicialmente, os autores
japoneses não produziram desenhos com narrativas seqüenciais e imagens sucessivas.
Conforme Luyten (2000), “foi Rakuten Kitazawa (1876-1955) quem criou os primeiros
quadrinhos seriados com personagens regulares e esforçou-se pela adoção do termo
mangá para designar as histórias em quadrinhos” (p. 102). O autor se tornou referência
não apenas no Japão, sendo condecorado em Paris em 1929 e tornando-se o primeiro
cartunista japonês a receber reconhecimento internacional.
Por um certo tempo as inovações no Japão foram concebidas como
ocidentalização. Em outras palavras, as produções ocidentais eram incorporadas como
ícones de modernização e eram reproduzidas em grande escala. A produção de desenhos
em quadrinhos aparecia principalmente nos jornais, e isto contribuiu diretamente no
aumento de vendagem, pois servia como entretenimento, abrangendo inclusive o
público que não dominava inteiramente a complexa escrita japonesa.
52
Luyten (Ibidem) destaca que, em 1923 o Japão sofreu com um forte terremoto, o
qual matou mais de cem mil pessoas. Diante dessa catástrofe Hochi, criou uma série de
desenhos com o objetivo de animar e servir de alento para a população no processo de
reconstrução das cidades e das lutas diárias. Esta série foi compilada em pequenos livros
e tornou-se um best-seller.
A modernização do Japão causou, também, profundas tensões e grandes
resistências às mudanças. O sucesso da revolução russa, a partir de 1917, levou muitos
artistas, nas décadas de 20 e 30, a produzirem charges e quadrinhos designados de
proletários, com claro vínculo ao pensamento marxista. Isso provocou, como reação
governamental, a censura ao trabalho de artistas e editores de jornais. Essa situação
política fez com que muitos artistas começassem a produzir desenhos e histórias
dirigidas para crianças, além das que eram produzidas para adultos. Tratava-se de
uma produção japonesa nova, dirigida diretamente ao público infanto-juvenil japonês e
que receberia plena aceitação, superando os quadrinhos importados, uma vez que o
havia nestas novas produções dificuldades de entendimento relativas às histórias,
personagens e contextos estrangeiros. O poder político do Japão estava nas os dos
militares que governavam de forma severa para controlar o país e mantê-lo em paz. O
povo, por sua vez, passava por grandes dificuldades e, nesse contexto, os artistas de
mangás se preocupavam em produzir desenhos cômicos e otimistas para levar alento ao
povo (LUYTEN, 2000, p. 112).
Na década de 40 iniciam algumas produções de ficção científica, as quais
alcançaram popularidade no período pós-guerra. Outra característica que se destacou foi
o tipo de narrativa de aventuras que buscavam a defesa da selva, estilo Tarzan no
ocidente, marcadas muitas vezes por um caráter histórico ou nacionalista. Luyten (2000)
avalia que havia uma distinção importante entre os mangás endereçados ao público
masculino e feminino. As revistas femininas vendiam sonhos, fantasias e romantismo,
enquanto que, para o público masculino a tônica dominante era a moralidade, frisando
os valores tradicionais de lealdade, bravura e força (p. 114).
As forças de ocupação americanas levaram as narrativas seqüenciais para o
Japão a partir de 1945. Era uma literatura estranha, mas “cheia de imagens e cores” que
se tornou irresistível para crianças, jovens e adultos (GRAVETT, 2006, p.16).
Novamente, os japoneses observaram e adaptaram essas produções ao seu próprio
53
estilo, passando, pouco a pouco, a produzir sua própria literatura e a concorrer com as
produções estrangeiras.
Durante a Segunda Guerra, tanto japoneses quanto americanos usaram
intensamente as Histórias em Quadrinhos com fins militares e políticos, com destaque
para o Capitão América. No Japão, os quadrinhos sofriam censura muito severa por
parte dos militares, sendo toleradas apenas revistas com disposições militares, e
narrativas com espírito combativo, com conteúdo familiar inofensivo, as quais
promovessem a solidariedade nacional, e/ou com caráter difamatório das tropas de
oposição. Buscando inserir-se na cultura japonesa, autores americanos começaram a
produzir histórias em quadrinhos com estilo japonês. Nesses desenhos os orientais eram
apresentados sempre como inimigos ou representantes de perigos que transpareciam em
suas atitudes ambíguas, expressões dissimuladas do rosto, e feições de raposas. Os
alemães eram desenhados com traços grotescos, movimentos rituais, brutalidade e
espírito de rapina. Por sua vez, os japoneses produziam histórias em quadrinhos onde os
inimigos eram representados como altos, gordos, narizes grandes, e rosto animalesco,
queixos exagerados lembrando pessoas que comem carne (LUYTEN, 2000,
GRAVETT, 2006).
Após a Guerra, os meios de comunicação japoneses foram usados, inclusive
pelos intelectuais, para promover um discurso de estímulo e aumento da auto-estima.
Luyten (2000, p. 121) destaca o editorial do jornal Yomiuri Hochi, escrito dez dias após
a rendição do Japão: “precisamos pôr nossa na cultura nipônica de amanhã. O Japão
precisa ser respeitado entre as nações do mundo... A humilhação, transformada em
reconstrução depois da perda, foi a meta seguida pelo povo do país do Sol Nascente.”
O Japão foi convertido, pelos Estados Unidos, em suporte anticomunista no
oriente e passou a ser controlado por um general americano até 1952, com o intuito de
construir um novo país com os ideais de uma democracia ocidental. Os japoneses
passaram a produzir bens de consumo o que levou à prosperidade econômica. Um dos
problemas trazidos pelo progresso e industrialização espalhada pelo país foi a poluição e
esse, entre outros problemas, exigira a busca de informações para seu enfrentamento. As
leituras técnicas foram as primeiras a serem buscadas, e, também despertaram interesse
por outros tipos de leituras como de jornais e mangás, ampliando a sua produção.
Quando a ocupação terminou, o país retomou seus próprios padrões de organização,
54
cultura, economia e comércio. Luyten (2000, p. 122) descreve esse momento da
seguinte forma:
Além de levantar o país, as pessoas estavam querendo reconstruir suas
próprias vidas, vencer a fome e a miséria, cuidar dos órfãos de guerra, dos
veteranos mutilados e dos sobreviventes das duas bombas em Hiroshima e
Nagasaki. O poder aquisitivo estava baixo e a busca de entretenimento barato
era uma necessidade. Algo muito popular na época para suprir essa
premência foram os kami-shibai, ou seja, teatro de papel. Eram histórias
desenhadas a mão, em cartolinas, colocadas numa caixa, habilmente movidas
em cenas seqüenciais acompanhadas de efeitos sonoros. Por meio dessa
técnica, os narradores iam contando histórias às crianças. Era uma espécie de
desenho animado manual e tinha muita relação com a linguagem das histórias
em quadrinhos. Os apresentadores não cobravam nada, mas, depois do
espetáculo, vendiam doces às crianças... Foi uma atividade próspera e, até
1953 (quando começou o funcionamento da televisão no Japão), havia cerca
de dez mil pessoas que se sustentavam com isso. Muitos artistas que se
dedicaram à feitura desses desenhos tornaram-se, mais tarde, famosos
desenhistas de mangás.
Entre esses desenhistas, destacou-se Fukugiro Yokoi, que lançou as bases para o
quadrinho de longa duração, com romances e ficção científica, inspirando Tezuka
Ossamu, considerado o pai do mangá moderno. Tezuka Ossamu começou a desenhar
desde criança, influenciado pelos desenhos da Disney e por Charles Chaplin. Dedicou
40 anos de sua vida à atividade de mangás e recebeu o título honorífico concedido a
grandes mestres, passando a ser chamado de “mangá no Kamisama” ou “deus dos
quadrinhos” (LUYTEN, 2000, p. 132). Ele criou cenas com seqüência mais fluída e
com variedade de temas e personagens, sendo o seu primeiro sucesso de vendagem A
Nova Ilha do Tesouro. Entre suas variadas obras criou Phoenix’, inspirado na figura
mitológica de Fênix, na qual
analisa o sentido da existência, indo do passado ao futuro, e os personagens
aparecem sempre em diferentes reencarnações. Também conhecida como ave
do Paraíso, Fênix é um ssaro mitológico imortal que renasce a partir de
suas próprias cinzas e representa um dos sonhos coletivos mais antigos da
Ásia... A idéia de Fênix está muito de acordo com os ideais religiosos
budistas e hinduístas (LUYTEN, 2000, p. 127).
Luyten (ibidem) comenta que os personagens de Tezuka Ossamu representam
situações de vida e crenças dos japoneses em diferentes tempos de sua vida. Nos
desenhos se podem vivenciar fantasias, crenças, quase uma miniatura de suas vidas. Os
personagens apresentam ações que se identificam com a realidade vivida pelos leitores:
lutam, amam, acreditam, aliviam, brigam, aventuram-se, viajam, exercitam-se por eles.
A relação íntima entre o personagem e o leitor o faz esquecer das longas horas nos
trens, do trabalho monótono e da multidão nas ruas e energia para o dia seguinte,
avalia o autor. A grande aceitação das produções de Tezuka Ossamu se deve
55
principalmente aos conteúdos sensíveis e humanistas que atingem as crianças do mundo
inteiro.
Entram em cena os Animês
Tezuka foi influenciado pelo Teatro de Takarazuka, que era formado somente de
mulheres que pintavam os olhos com cores fortes dando-lhes uma aparência de grandes,
amendoados e brilhantes. Nesse tipo de teatro participavam somente mulheres, tanto em
papéis masculinos quanto femininos. Tinha esse nome porque foi fundado na cidade de
Takarazuka, em 1914, por Ichizo Kibayashi. As apresentações eram organizadas com
shows musicais e encenações teatrais que popularizavam artes diferentes, de forma que
os adolescentes podiam entender.
Nesse tipo de teatro, grande parte do público era composta por mulheres. Os
temas principais eram o amor e o romance, com cenários de locais exóticos e irreais
como a França, Arábia, Índia e Nova York. Tezuka inspirou-se tanto nos personagens
quanto em temas utilizados por esse tipo de teatro, influenciando praticamente toda a
produção de animação japonesa e, além disso, grande parte dos profissionais de
animação japonesa passou por sua produtora.
Até o início da década de 50 os desenhos animados no Japão eram chamados de
dõga, que significa “imagens em movimento”, designação que também se aplicava a
filmes. O termo “animê” derivou do inglês “animation” e passou a ser usado para
identificar desenho animado (SATO, 2005, p. 32). O termo se estabeleceu no mundo
ocidental a partir da década de 80 devido às técnicas e estéticas das produções
japonesas, embora, no Japão, o termo animê seja aplicado a todo e qualquer desenho
animado.
Nesta mesma década, a televisão popularizou-se no Japão e ela passou a ser um
instrumento para expansão dos animês tanto no país quanto no mundo inteiro. O
primeiro longa-metragem em cores que deu início à industrialização da animação
japonesa foi A história de Hakujaden (A lenda da Serpente Branca), de 1958. Antes
haviam sido gravados, de forma independente, alguns curtas-metragens como Kugira
(A baleia) em 1953 e Yurei Sen (O Navio Fantasma) em 1955. Em 1959, ele produziu
56
seu primeiro longa-metragem para o cinema, o Saiyuki (Alakazam, o Grande), que narra
a história de um macaquinho mágico que ajuda um príncipe a retomar o seu trono. Em
1961 ele funda o seu próprio estúdio, o Mushi Production. Na década de 60 a televisão
apresenta, com exibição irregular, a primeira série de anina TV, chamada de Manga
Calendar. Em seguida, 1963, Tezuka produz uma série de animê para a TV, com
episódios semanais exibidos durante três anos, chamada Tetsuwan Atomu. Em seguida,
outras produções passaram a serem exibidas em canais de televisão. A partir de 1964, os
animês japoneses passam a serem exportados para os Estados Unidos e para a Europa.
Em 1965 Tezuka lança sua primeira produção em cores Jungle Taitei (Kimba, o Leão
Branco), baseado em mangá produzido anteriormente, este período a produtora japonesa
processou os autores do filme Rei Leão porque o considerou um plágio de Kimba.
Tezuka trouxe muitas inovações através de sua produção, tratando de temas
complexos, de conteúdo erótico, e outros. No entanto, um de seus temas prediletos
[foi] o ciclo de nascimento, vida, morte e reencarnação, além de uma grande
preocupação com a ecologia e a relação humanidade-tecnologia” que transpareceram no
Fênix (1979) e o Cosmozona do Amor de 1980. Ele morreu em 1989, com 62 anos de
idade, deixando marcas profundas na cultura e na arte japonesa do pós-guerra. Sato
(2005) assim se refere a ele:
A animação no Japão evoluiu tanto em técnica quanto em forma desde então,
mas na essência nada de novo foi criado que não tivesse sido feito antes por
ele. Questões éticas entre robótica e humanidade, terror para crianças e
desenhos eróticos para adultos, a androginia, dramas de vida e morte em
histórias aparentemente ingênuas e cômicas tudo o que hoje caracteriza o
animê na aparência e no conteúdo foi antes testado pelo visionário Tezuka.
Apelidado de ‘deus do mangá’, sua imortalidade é garantida pelas obras que
ele criou em vida, pelo estúdio que leva seu nome, por um museu e um
parque temático no Japão e pelos animadores que o sucederam, que
conscientemente ou não, seguem o mesmo caminho (p. 36).
Foi em meados da década de 80 que a produção de animação para TV atingiu
seu ápice no Japão. Em 1985, havia mais de dez mil animadores profissionais com
relevante exportação para outros países do ocidente, conforme o mesmo autor. Essa
demanda ocidental vai provocar uma modificação nos quadrinhos japoneses, bem como
inserir o estilo mangá nos desenhos produzidos pelo ocidente e restante da Ásia.
Na década de 90, as produtoras voltaram sua atenção para temas que
caracterizam o anie mangá na atualidade, tais como os contos de fadas, folclore,
ecologia e aventura futurística, ficção científica e personagens monstros. Conforme Sato
(2005)
57
Os animês, agora um ‘produto de exportação’ japonês, assim como carros e
produtos eletrônicos, trazem características próprias que para serem
usufruídas e apreciadas em sua globalidade, dependem cada vez mais de um
profundo conhecimento das tradições, crenças, hábitos e valores dos
japoneses, mesmo passando por adaptações para se adequarem ao público de
outros países. Involuntariamente e sem um planejamento prévio ou
direcionado para esse objetivo, os animês se tornaram um veículo rápido de
divulgação da cultura japonesa. Modismo passageiro ou não, uma análise
mais consciente e consistente desse fenômeno deverá ser feito, dentro e fora
do Japão ( p. 41).
A leitura de mangás e o consumo de filmes de animação, disseminadas por
muitos países do mundo ocidental e oriental, passou a influenciar os gostos e interesses
de consumidores em diversas partes do mundo. Através desses artefatos alguns aspectos
da cultura japonesa foram adquirindo visibilidade, e muitos consumidores passaram a
buscar informações sobre a cultura daquele país, tomando contato com os clássicos da
produção dos mangás e com a produção histórica que os originou. Moliné (2005) afirma
que os personagens dessas histórias vão produzindo os próprios consumidores, cujos
personagens “expressam seus sentimentos: riem, choram, crescem e se tornam pessoas
melhores a partir de seus erros. Os leitores de tais mangas podem também crescer e se
transformar como esses personagens” (p. 47).
As representações e narrativas sugerem situações de vida com as quais o
consumidor se identifica, e podem ser constituidoras de outras formas de identificação e
de pertencimento. O mangá, que possui uma variedade de assuntos voltados às diversas
faixas etárias, não é usado somente como diversão e entretenimento no Japão, mas
também como uma “válvula de escape para as tensões cotidianas de uma sociedade
altamente competitiva e exigente. Esse conceito se amplia para além da leitura,
invadindo TVs e cinemas” (NAGADO, 2005, p. 49).
Os filmes de ação são chamados de Tokusatsu –com efeitos especiais
incluindo filmes de ficção e fantasia, como é o caso de monstros e super-heróis. Na sua
maioria, são voltados para o público infanto-juvenil. Um dos primeiros foi Godzilla nos
anos 50 e muitas outras criações surgiram entre os anos 60 e 80, gerando personagens
de grande aceitação por parte do público, inclusive adulto. Mas foi especialmente a
partir da década de 90 que o animê adquiriu grande destaque na mídia, com produções
voltadas para cinema e vídeos que foram traduzidos para exibição em redes de televisão.
Essas traduções são denominadas de Holy Avenger. Essa produção movimentou toda
uma rede de produtos, tais como as revistas especializadas, contendo informações sobre
títulos produzidos, dubladores, destaques dos filmes, entre outras informações. Também
58
adquirem visibilidade os dubladores (seiyuu) que possuem fãs fiéis devido à emoção
que dão aos seus personagens há ainda uma grande produção de discos gravados com
as vozes dos dubladores e vendidos aos fãs. No Brasil, os grupos de fãs por dubladores
vão marcar presença a partir do surgimento dos Cavaleiros do Zodíaco: “Esse animê foi
responsável não por uma explosão de desenhos na televisão, mas também por ter
inundado bancas de jornais, com revistas especializadas em heróis japoneses, tendo
sempre a cultuada série à frente” (NAGADO, 2005, p. 52).
Segundo Luyten (2000, p. 29) a produção de animação japonesa encontra
aceitação no mercado internacional porque utiliza temas universais em suas produções,
incluindo a amizade, esforço e vitória, além de lealdade, coragem, amor, crenças e mitos
que se identificam muito facilmente com qualquer etnia, além de darem maior destaque
ao visual quando suas produções são voltadas para o mercado ocidental. Segundo Oka
(2005, p. 92) “Além das tradicionais histórias de fantasia, luta, super-heróis e romance
adolescente que estamos acostumados a ver nos mangás do Brasil, também existem
histórias de culinária, esporte, política, entre outras.”
O mercado japonês e internacional é permanentemente invadido por brinquedos,
jogos, kits de montagem, vestuários, artigos escolares e papelaria, rótulos de alimentos,
videogames e revistas que, muitas vezes, antecedem o lançamento do animê que, a essa
altura, é esperado para consumo. Produz-se, primeiro, a divulgação do lançamento de
episódios, ou novas séries, através de produções culturais para o mercado de consumo,
criando expectativa e comunicação entre os fanzines
11
, para então lançar o animê num
mercado já fertilizado e pronto a consumir.
No Brasil, os desenhos animados japoneses se popularizam a partir do momento
em que são lançados em redes de televisão. Oka (2005) afirma que
A TV, e conseqüentemente o animê, é a principal catalisadora da
popularização de um título e sem ela o atual mercado de mangás nem
existiria. Outra grande catalisadora é a propaganda boca a boca e a ela se
deve o sucesso dos títulos que não tiveram séries exibidas na TV brasileira.
Mesmo no caso do boca a boca, uma obra parece só ganhar o selo de
qualidade dos fãs quando vira animê no Japão (p. 93).
11
A palavra fanzine surgiu na década de 30 e 40 como uma junção entre as palavras inglesas fanatic
maganize - revista do fã; no Brasil passou a ser amplamente usada na década de 70 pelos jovens
estudantes para combater a ditadura e contestar o sistema social vigente, era chamada também de
contracultura.
59
Otakus – Clubes de fãs
Para Nagado (2005), a grande produção de mangás e animês na década de 80 vai
promover o surgimento de clubes de fãs, os otakus
12
. São admiradores de animês e
mangás que permanecem muito tempo diante da TV ou computador para assistirem
desenhos e jogarem videogames. Os otakus são tidos como fanáticos e obsessivos pelo
assunto ao qual se dedicam, chegando a práticas e atos violentos, tal como ocorrem com
certas torcidas organizadas de futebol, inspirados em seus heróis de desenho animado.
Gravett fala deles, em várias momentos de seu livro, como fãs obsessivos que chegam a
fazer do mangá ou animê um estilo de vida (2006). No Japão, esses fãs vivenciam sua
paixão de forma mais individual e isolada do que os fãs do ocidente. No Brasil, usam
também a gíria zoku que significa “tribos”, e em outros países ocidentes, em geral,
também são designados de nerd. Além desses, existem ainda os colecionadores de
mangas raros, sem as características dos otakus.
Os Otakus realizam grandes festivais e encontros para mostrarem o universo dos
mangás e animês. Nesses encontros acontecem palestras com pesquisadores,
dubladores, desenhistas, concursos de fantasias, karaokê de trilhas de animês, mesas de
RPG, torneios de games, exposição de desenhos, revistas alternativas e os fanzines que
são as publicações independentes e alternativas que divulgam trabalhos e produções de
amadores e profissionais que não encontram espaço em outros meios de comunicação.
“Os fanzineiros buscam movimentar o pop alternativo, a fim de combater a cultura
padronizada, informar as pessoas de seus ideários, projetar suas idéias em forma de
texto, poemas, ilustrações e HQs” (ANDRAUS, 2005, p.67). As roupas que reproduzem
trajes de personagens, suas falas e gestos, não são apenas vestuário de uso simples, mas
fazem parte de concursos que mostram sua dedicação a esse mundo da fantasia.
12
Otakus significa casa; Akio Nakamori deu o sentido de um indivíduo que vive fechado em um casulo,
isolado do mundo real e dedicado a um hobby; no Brasil entende-se como colecionador de mangás e
animês, que realizam eventos e festivais.
60
Figura 3 - Representação da deusa Atena
em encontro de cosplay. (Fonte:
comunidade de Internet: deusa Atena).
Figura 4 - Fãs otakus reproduzem personagens do animê em
encontros de cosplay. (Fonte: comunidade de Internet: deusa
Atena).
No Brasil, os otakus se diferenciam muito dos japoneses. Segundo Nagado
(2005, p. 56):
O público brasileiro é formado por muitas garotas e casais de namorados
otakus, o que seria uma contradição no Japão. Muito mais soltos, entusiastas
e barulhentos do que suas contrapartes orientais, os fãs brasileiros se
acotovelam por um autógrafo de seu dublador preferido, pulam ouvindo
animê songs como se estivesse em um show de rock e promovem uma
confraternização bem brasileira, que certamente, estão distantes do fanatismo
solitário e isolado presente em muitos otakus japoneses.
É importante registrar ainda a produção musical que se amplia com os animês.
As trilhas sonoras das produções de animação são produzidas a partir de compositores e
músicos famosos e renomados. Os animê songs são o resultado de uma interação entre o
universo da música e o universo da produção de animês tornando-se um segmento de
mercado, com características de moderno aos olhos de jovens adolescentes e o público
infantil (NAGADO, 2005, p. 54). Além de CDs e DVDs, incluindo músicas de diversos
seriados que são vendidos no mercado, os animê songs geram shows bem produzidos
que dão origem a CDs e DVDs ao vivo... é anisong sendo reconhecida como música, e
não apenas como apoio de algum personagem” (NAGADO, 2005, p. 54). As canções
são artefatos culturais que promovem identificações com certas produções de mídia,
ensinando também formas de ser e de viver como meninos e meninas.
61
Os quadrinhos nipônicos passaram a receber maior aceitação pelos brasileiros a
partir do ano 2000, ao serem editados de forma oriental, qual seja, a leitura foi mantida
no sentido oriental e as onomatopéias preservadas em japonês, porque faziam parte do
desenho. Isso iniciou a partir do Dragon Ball e dos Cavaleiros do Zodíaco.
Gusman (2005) avalia que o sucesso dos animês, em relação a obras norte-
americanas, por exemplo, se deve especialmente a três características: primeiro, as
histórias sempre têm um fim, embora às vezes se estendam por dezenas de episódios;
segundo, os japoneses trabalham muito melhor a interatividade com a televisão e o
cinema, sendo os animês e os mangás de um mesmo personagem muito mais inter-
conectados; terceiro, por mais fantástica que seja a história, os roteiristas japoneses
trabalham o aspecto humano dos personagens, sem torná-los semi-deuses, o que gera
empatia dos leitores.
Descortinando as Sagas d’Os Cavaleiros do Zodíaco
Os Cavaleiros do Zodíaco estão organizados a partir de três grandes sagas,
baseadas em mitologias universais, que foram tomadas como base para a criação e a
estruturação desse épico fantástico. Esta obra apresentou ao mundo uma produção de
mídia híbrida, com fácil compreensão, enredo emocionante, episódios integrados e
interdependentes que cativou um público fiel, provocando uma febre de fanzines no
Japão e no mundo que não se repetiu, em tais proporções, com qualquer outra série ou
produção. Trata-se de uma história que exigiu muito trabalho, busca de conhecimento
cultural mítico de outros continentes e nações, bem como, habilidade criativa para a
construção desta obra de lazer e fantasia. Observando esta produção pelas lentes dos
Estudos Culturais, apresentam-se infinitas possibilidades de análise e diversos focos que
podem ser estudados a partir de interesses de pesquisadores; no caso deste estudo,
interessam as representações de masculinidades. Apresento, abaixo, um quadro resumo
dessas grandes sagas, acompanhadas dos episódios que tomei como artefatos de
observação para o meu trabalho e, em anexo, ao final da dissertação, consta a lista com
os títulos de todos os episódios da série.
62
A Saga do Santuário episódios 1 ao 73 - apresenta os jovens cavaleiros de
bronze mostrando, já nos primeiros episódios, todo o processo de formação e educação
pelo qual os meninos foram submetidos para se tornarem Cavaleiros de Atena. Seiya
o Cavaleiro de Pégasus um jovem japonês treinado na Grécia, era quem encabeçava o
grupo. A Saga inicia mostrando a invasão do Santuário de Atena o Partenon - pelo
deus Ares, que mata o guardião Mestre do Santuário para tomar o seu posto e, em
seguida, tenta tirar a vida de um beque é a deusa Atena reencarnada. O Cavaleiro de
Ouro Aioros reconhece o invasor, é ferido mortalmente, mas consegue resgatar a
criança e entregá-la ao rico empresário Mitsumasa Kido, que a leva para o Japão e a
adota como filha, dando-lhe o nome de Saori. Quando a menina se torna adulta, reúne e
lidera os cavaleiros, agora treinados, e retorna à Grécia para lutar contra o malvado
Ares, e seus comandados, a fim de retomar o Santuário. Os episódios são marcados por
lutas dos Cavaleiros de Bronze defendendo Atena contra Cavaleiros de Prata ou Ouro
enviados por Ares para tentarem matá-la. A saga culmina com uma luta na qual Seiya
consegue derrotar o deus Ares. Desta saga analiso as representações de masculinidade
presentes nos episódios: 1-7, 12-17, 23-24, 35-37, porque considero que esses episódios
iniciais apresentam as mais importantes e fundamentais representações e discursos sobre
o processo de treinamento e de educação para a aprendizagem dos meninos cavaleiros.
A Saga de Asgard episódios 74 ao 99 - reproduz mitologias do extremo norte
europeu. Os episódios apresentam Os Cavaleiros do Zodíaco enfrentando os Generais
Marinas os quais lutam a serviço do deus Posseidon. Asgard é uma terra mitológica
localizada no extremo norte da Europa, tendo Odin como divindade e Hilda de Polaris
como uma deusa que o representa. Dorbarun de Asgard é uma divindade corrupta e
perversa que aprisiona o Cavaleiro de Cisne - Hyoga, enquanto Hilda é uma deusa boa e
poderosa que usa seu cosmo para manter o equilíbrio ecológico do mundo e reina para
manter a paz entre o povo de Asgard. O espírito maligno de Posseidon se apossa de
Hilda através do anel de Niebelung – parte de uma mitologia gótica da Alemanha,
Áustria e Suíça transformando-a em malvada e usando seus Generais Marinas para
atacar Atena e seus cavaleiros (SATO, 2006b)
13
. Flair é a irmã bondosa de Hilda de
Polaris que liberta Hyoga e ajuda os cavaleiros de bronze com informações sobre os
guerreiros Marinas, orientando-os para chegarem ao templo de Poseidon. Esses são os
13
Os textos de Cristiane Sato identificados na dissertação como 2006a e 2006b, não recebem
identificação de página porque estão disponibilizados na Internet com endereço registrado nas
Referências Bibliográficas desta dissertação.
63
inimigos que pretendem aprisionar a deusa Atena e os Cavaleiros de Bronze e, contra
eles, as lutas vão acontecendo até que Hilda seja libertada e se restaure o equilíbrio.
Dessa saga tomei os episódios 73-74 e 76 como fonte de análise para este trabalho.
A Saga de Poseidon fecha os últimos 15 episódios – de 100 ao 114 – que
apresentam a grande batalha entre os Cavaleiros de Atena enfrentando diretamente o
deus dos mares Posseidon - e seus oito Cavaleiros do Mar, que vestem armaduras de
ouro e defendem os oito obeliscos da Ilha do Mundo dos Oceanos. Os cavaleiros
destroem os obeliscos e enfrentam pessoalmente o deus Posseidon (SATO, 2006b). Na
luta final Atena enfrenta Posseidon e o derrota, mas o castelo desmorona e as águas do
oceano os cobre dando fim, também, à vida dos cavaleiros que, junto com sua deusa,
retornam aos céus “onde brilharão como estrelas, até o momento de voltar novamente à
terra para proteger a humanidade” (SATO, 2006b). Dessa saga foram analisados os
episódios 101 e 114, dos quais destaco os títulos e uma sinopse.
Apresento a seguir um quadro-síntese dos episódios analisados neste trabalho:
Episódio 01: “As lendas de uma nova era” apresenta a formação de Seiya e sua
primeira luta para conquistar a armadura de bronze de Pégasus
Episódio 02: “Quando Seiya veste a armadura de Pégasus” Seiya retorna ao Japão
para procurar a irmã e participa do torneio intergaláctico.
Episódio 03: “Cisne, o guerreiro do Gelo” luta que apresenta Hyoga o Cavaleiro de
Cisne – e os meninos do orfanato indo ao Coliseu como torcedores.
Episódio 04: “O invencível golpe do dragão” mostra a luta entre Seiya e Shiryu o
Cavaleiro de Dragão. Aparecem os meninos do orfanato na torcida, as meninas Mino
orando na igreja, Shunrei cuidando de Shiryu e Saori no comando do torneio.
Episódio 05: “A ressurreição do Dragão” continuação da luta entre Seiya e Shiryu até
à exaustão, quando Shiryu recebeu um golpe mortal e, antes que morra, Seiya reúne
suas últimas forças para dar um golpe de ressurreição em Shiryu.
Episódio 06: Fênix, o guerreiro que voltou do inferno” o torneio apresenta o
cavaleiro Shun de Andrômeda que deve lutar contra o cavaleiro Jabu de Unicórnio.
Durante a luta aparece o Cavaleiro Ikki de Fênix cheio de ódio, acompanhado dos
Cavaleiros Negros para roubarem a armadura de ouro.
Episódio 07: “A vingança do Cavaleiro Fênix” – apresenta Ikki - o Cavaleiro de Fênix –
com toda a sua revolta e desejo de vingança pelos maus tratos recebidos na infância e do
64
seu mestre no treinamento na Ilha da Rainha da Morte. Ameaça matar e repreende o
choro de seu irmão Shun.
Episódio 12: “As correntes da amizade” os Cavaleiros de Atena se unem para
enfrentarem os Cavaleiros Negros na Ilha da Rainha da Morte a fim de recuperarem
partes da Armadura de Ouro que fora roubada.
Episódio 13: As façanhas explosiva” Shun e Shiryu lutam contra cavaleiros negros
para salvarem Seiya da morte. Shiryu luta pelos amigos e sensibiliza o cavaleiro negro
que se transforma em bondoso e morre salvando a vida de Shiryu.
Episódio 14: A Derrota do espírito maligno” Os Cavaleiros estão unidos para
iniciarem a luta contra Ikki a fim de vencê-lo e transformá-lo em amigo.
Episódio 15: “O segredo de Fênix” Ikki desabafa o sofrimento vivido e, pela força da
amizade do grupo de cavaleiros e do irmão Shun, recupera a bondade em seu interior e
passa a integrar os Cavaleiros de Atena que lutam contra o mal.
Episódio 16: “O ataque à fundação” o malvado Mestre Ares e seus comandados
atacam a Fundação Graad para aprisionar Saori e destruir os Cavaleiros. Os Cavaleiros
de Atena lutam para defender a deusa, as crianças, mulheres e idosos desprotegidos.
Episódio 17: “Temos que salvar Saori” – Saori foi aprisionada e os cavaleiros se unem e
se organizam para salvá-la do aprisionamento.
Episódio 23: “O Anjo da Morte” lutas de proteção ao orfanato e aos humanos contra
ações do Mestre Ares, com cenas de convivência dos Cavaleiros entre si, das crianças
jogando futebol no orfanato. Marin dominada por Ares luta para arrancar o coração de
Seiya.
Episódio 24: “O vôo de Pégaso” Mestre Ares envia Cavaleiros de Prata para destruir
os defensores de Atena. Marin está dominada pelos Cavaleiros de Prata e Seiya luta
para defendê-la e libertá-la.
Episódio 35: “A esperança de Seiya” O Cavaleiro Shiryu fica cego numa luta, a
menina Shunrei cuida dele e Seiya parte em busca de uma água milagrosa para salvar a
visão do amigo Shiryu.
Episódio 36: “As doze armaduras de Ouro” – Entre ataques dos cavaleiros de Prata e de
Ouro, Shina abre seu coração e declara seu amor por Seiya.
Episódio 37: “A decisão da Armadura de Sagitário” A mulher cavaleiro Shina tenta
matar Seiya, mas acaba revelando seu amor por ele porque Seiya a vira sem máscara no
passado. Seiya é surpreendido pelo Cavaleiro de Ouro Aioria e, na luta, Shina se põe na
65
frente de Seiya quando atacado pretendendo dar sua vida pelo amado. O remorso
masculino por ter ferido uma mulher.
Episódio 73: “Amigos, reúnam-se com Atena” – Os cavaleiros reúnem seu sétimo
sentido para a vitória decisiva na retomada do Santuário de Atena.
Episódio 74: Inimigos do extremo norte, os lendários guerreiros deuses” Início da
saga de Asgard que apresenta a terra fria do extremo norte europeu, a divindade Odin e
sua representante deusa Hilda de Polaris que, de bondosa, é possuída pelo espírito
malvado de Poseidon para enfrentar Atena e seus cavaleiros defensores.
Episódio 76: O cosmo de Thor está cheio de ódio” A difícil luta de Seiya contra o
gigante e malvado Thor de Fecta.
Episódio 101: “Destruam todos os pilares dos sete mares” o deus Poseidon quer
destruir a terra com chuvas torrenciais, enquanto Atena está disposta a dar sua vida para
salvar as pessoas. Iniciam as lutas dos cavaleiros para destruírem os pilares dos sete
mares.
Episódio 114: “Viva a amizade, longa vida, lendários Cavaleiros” Luta final entre
Poseidon e Atena com seus cavaleiros. Atena e seus defensores vencem e prendem
Poseidon dentro da Ânfora de Atena. Os Cavaleiros “conseguiram milagre porque seus
cosmos estão cheios de amor pela terra”.
66
Os personagens principais
14
Saori Kido, neta de Mitsumasa
Kido, é a reencarnação da deusa Atena,
que veio à terra para proteger os seres
humanos do mal e garantir a paz. Ela,
quando criança, era uma menina muito
mimada, rica e cheia de vontades diante
das demais crianças do orfanato,
atraindo, inclusive, a antipatia de
grande parte de seus futuros cavaleiros,
principalmente de Seiya. Ao se tornar
adulta, herda as riquezas do a
Mitusmasa Kido, assume o controle da Fundação Graad, organiza o torneio
intergaláctico e, com esse evento, reúne seus cavaleiros protetores para lutarem contra
os deuses malvados e seus aliados, que sempre desejam destruir os humanos. Atena é a
deusa da sabedoria e da guerra justa e, neste animê, é uma das personagens centrais. A
mitologia grega serviu de fundamento para a criação, o da personagem de Atena,
mas de grande parte dos personagens e enredos da série. O nome Saori, que ela recebe
de Mitusmasa Kido, significa mulher, estrela tecelã. Durante os episódios, quando Saori
eleva seu cosmo, uma imagem de Atena é projetada ao fundo trata-se da estátua
“Minerva de Partenon”, feita de mármore, marfim e ouro, exposta no Museu Britânico,
em Londres, Inglaterra (SATO, 2006a).
14
As informações sobre os personagens que apresentamos como principais foram baseadas em textos
publicados na Internet pela Abrademi, de autoria da pesquisadora Cristiane A. Sato, e informações dos
mangás Os Cavaleiros do Zodíaco”, revistas 1-3, de Masami Kurumada, edição brasileira, ed.,
Conrad Editora, São Paulo: junho de 2004.
Figura 5 - Episódio 3: Saori Kido – a deusa Atena
67
Seiya é um menino japonês acolhido no orfanato da Fundação Graad. Foi
enviado para receber treinamento na Grécia, onde conquistou sua armadura de Bronze
de Pégasus. Pégaso é o cavalo alado selvagem e impetuoso que fora pego e treinado
pela deusa Atena. Ele é o protagonista e, por essa razão, seu nome também é utilizado
para referir-se a série - Saint Seiya. Seu objetivo principal é encontrar sua irmã Seika,
que ele descobre ser Marin, sua treinadora. Ele acaba por reconhecer Saori como a
deusa Atena e dedica a sua vida para lutar em defesa dela e da justiça. Seu nome
significa “Flecha Estrelar”, seu grito de luta é: “me dê sua força, Pégasus!” Ao final, ele
conquista a armadura de Ouro de Sagitário, cujas asas substituem as de Pégaso e lhe dão
a capacidade de voar. Pégaso e seu Cavaleiro são representantes da liberdade (SATO
2006a).
Shiryu é um jovem chinês
protegido da Constelação de Dragão.
Órfão amparado pela Fundação Graad
que foi treinar na China, sua terra natal,
como aprendiz do Mestre de Libra, idoso,
sábio e equilibrado. Teve o apoio de
Shunrei, uma amiga gentil e muito
carinhosa. O dragão representa força,
prosperidade e felicidade, vinculado ao
elemento água, porque dele provêm os trovões, raios e chuvas, segundo crença chinesa.
Figura 6 - Episódio 17: Seiya de Pégasus.
Saint Seiya
Figura 7 - Letras japonesas para Saint Seiya.
(Fonte: www.abrademi.com – acesso:
12/2007).
Figura 8 - Episódio 4: Shiryu de Dragão.
68
Seu treinamento, apesar de agradável, também foi muito difícil e rigoroso para adquirir
a capacidade do golpe “Cólera do Dragão!” Com este golpe Shiryu consegue fazer as
águas de uma cachoeira correrem para cima, e inverter a circulação sangüínea de seu
próprio corpo. O golpe pode matar a ele próprio e ao seu adversário. Depois da batalha
das doze casas, por sua valentia, ele herda de seu velho mestre a Armadura de Ouro de
Libra (SATO, 2006a).
Shun: Andrômeda era filha da
rainha Cassiopéia e do rei Cefeu, que fora
amarrada a uma corrente para servir como
sacrifício a um monstro, mas o guerreiro
Perseu a salva, mata a Medusa, e casa-se
com ela. Assim, o mito faz surgir a Ilha de
Andrômeda, onde Shun vai treinar, dando
origem, também, à Constelação de
Andrômeda. Shun ataca e se defende
usando as correntes de Andrômeda e as
palavras poderosas: “Corrente de Andrômeda”, e elas o obedecem. Shun vive a
contradição de ser um guerreiro que não gosta de lutar. Ele aceitou o treinamento com o
objetivo principal de se defender, porque havia prometido ao irmão Ikki que se tornaria
um cavaleiro, mas procura esconder seu verdadeiro poder, com o qual enfrentou
batalhas decisivas usando suas correntes. Ele é o mais sentimental dos cavaleiros, chora
com facilidade, pelo que é criticado pelo seu irmão Ikki, e zombado pelos demais.
“Shun tem o rosto delicado e a coragem da heroína” (SATO, 2006 b).
Figura 9 - Episódio 6: Shun de Andrômeda
69
Hyoga é um cavaleiro protegido
pela Constelação de Cisne. Ele ficou
órfão, ainda criança, em conseqüência de
um naufrágio, quando sua mãe preferiu
morrer para poder salvá-lo. Esse fato fica
gravado em suas lembranças por longo
tempo, levando-o a visitar o corpo da
mãe no fundo do mar para homenageá-la
e honrá-la. O pai era japonês e a mãe
russa, o que lhe concede um tipo físico
considerado o mais bonito dentre os
cavaleiros. Ele treinou nas montanhas frias da Sibéria, onde aprendeu a manipular
baixas temperaturas, fazendo do frio o seu poder e ativando seu cosmo com o
movimento inspirado na dança do cisne, ave bela e elegante que protagonizou
expressões artísticas para a literatura, dança e música a exemplo do patinho feio” de
Hans Christian Andersen e “os seis cisnes”, conto dos irmãos Grimm. Foi treinado pelo
Cavaleiro de Ouro de Cristal, e tem como características a calma e o cálculo de cada
movimento de luta, usando para o seu golpe, as palavras mágicas: “Pó de Diamante!”
Desta forma espalha o frio, provoca tempestades de neve, lançando ondas congelantes
contra seus adversários. Durante a batalha das doze casas, Hyoga vence o Cavaleiro de
Ouro de Camus, ex-Mestre do seu treinador, o Cavaleiro de Ouro de Cristal, livra-se das
lembranças tristes de sua mãe e herda a Armadura de Ouro de Aquário.
Ikki é órfão e irmão mais velho de
Shun. Ele vai treinar na Ilha da Rainha da
Morte, em lugar de seu irmão Shun, onde
conquistou a Armadura de Bronze de Fênix,
tornando-se o Cavaleiro de Fênix. Seu mestre
era cruel, violento e amargo, fazendo-o sofrer
muito durante o período de treinamento.
Esmeralda, a filha do mestre, era dócil, gentil
e amiga de Ikki, isso o fez suportar os dias difíceis de seu treinamento. Numa luta entre
Ikki e seu Mestre, Esmeralda é assassinada casualmente pelo próprio pai, que não
demonstra sentimento, mas faz com que Ikki se encha de ódio e mate o mestre,
Figura 10 - Episódio 3: Hyoga de Cisne
Figura 11 - Episódio 6: Ikki de Fênix.
70
conquistando, assim, a Armadura de Bronze de Fênix. Ikki se tornou amargo,
insensível, violento e egoísta devido ao sofrimento que suportou na Ilha. Seu golpe é
“Ave Fênix”, pelo qual emite uma energia incandescente contra seu adversário, na
forma de uma ave fênix, causando pavor e impacto mortal. Estréia na rie como
enviado do malvado Mestre Ares para roubar a Armadura de Ouro de Sagitário, lutando
contra Seiya, Shiryu, Hyoga e o próprio Shun. Mas, com o amor que recebe do irmão
Shun e a amizade dos demais cavaleiros, ele se redime e renasce para o bem, tornando-
se um importante aliado dos defensores de Atena.
71
3 APRENDENDO SOBRE IDENTIDADES
MASCULINAS EM EPISÓDIOS D’OS CAVALEIROS DO
ZODÍACO
Os episódios da série Os Cavaleiros do Zodíaco iniciam com um texto
introdutório que identifica os personagens centrais da trama. Mas esse texto pode ser
lido como um modo de endereçamento, uma vinculação do animê com um público
determinado:
A lenda nos diz que Os Cavaleiros do Zodíaco sempre aparecem quando as
forças do mal tentam apoderar-se do mundo. Numa era longínqua existia um
grupo de jovens que protegiam Atena, a deusa da guerra. Eram chamados de
Os Cavaleiros de Atena e sempre combatiam sem armas. Conta-se que com
um movimento de mão eram capazes de rasgar o céu e, com apenas um
chute, abriam fendas na terra. Hoje um grupo novo de cavaleiros, com um
mesmo poder e idêntica coragem, chegou à terra.
Conforme destaquei anteriormente, as produções de mangás e animês japoneses
são destinadas a grupos específicos de consumidores e, no caso do animê analisado seus
consumidores alvo são masculinos. Ellsworth afirma que toda produção cultural tem um
público preferencial e que é a partir destes sujeitos que se define o que pode ou deve ser
dito e apresentado. Em suas palavras, “os filmes, assim como as cartas, os livros, os
comerciais de televisão, são feitos para alguém. Eles visam e imaginam determinados
públicos” (2001, p. 12). O público imaginado para Os Cavaleiros do Zodíaco seria
constituído por adolescentes e jovens masculinos japoneses. Por outro lado, essa saga
foi produzida, também, com o objetivo de exportação para países orientais e ocidentais.
Os produtores, nesse caso, estão distantes desses espectadores são distâncias
geográficas, temporais, sociais, ideológicas, raciais e de gênero. Mesmo que os roteiros
sejam previstos para jovens masculinos, quando cruzam as fronteiras de outros países,
os filmes que passaram por algumas transformações, foram traduzidos e adaptados e
alteraram também seus supostos espectadores. No caso brasileiro, este animê foi exibido
em canais abertos de televisão e em horários que possibilitavam sua audiência por
públicos sem distinção de gênero e, até de idades, principalmente crianças, conforme
72
apresentei anteriormente. O que se tem observado é uma aceitação preferencial deste
animê pelo público masculino, e isso se evidencia nos otakus, ou seja, nos s-clubes
organizados e nas comunidades virtuais masculinas que usam nomes da rie, ou de
seus personagens, que são em maior número.
Nos episódios são exibidos, especialmente, treinamentos específicos, enredos
que prevêem torneios e lutas de jovens de corpos musculosos e belos defendendo
crianças e mulheres, crianças torcendo por seus ídolos, meninas adolescentes
apaixonadas pelos heróis jovens. Tudo isso “são pressupostos conscientes e
inconscientes sobre quem o seus públicos” e os posiciona no interior das relações e
dos interesses de poder, no interior das construções de gênero e de raça”
(ELLSWORTH, 2001, p. 14). A partir de determinadas relações de gênero socialmente
estabelecidas, o animê colabora para produzir e posicionar identidades, reafirmando-as
como normais ou desviantes, e ensinando as crianças a serem meninos e meninas,
ocupando distintos lugares sociais.
Os personagens do animê são produzidos a partir de características como poder e
coragem, potencializadas no uso da inteligência e no domínio da força sica e interior.
Treinamentos, sofrimento, persistência e nobres motivações se aliam ao uso de artes
marciais e de armaduras para constituir as qualidades dos cavaleiros. Suas virtudes
como lutadores resultam de treinamentos rigorosos que possibilitaram o controle sobre
as energias de seu cosmo, vinculado a uma constelação celeste, e é desta constelação
que ele recebe proteção e forças para lutar. Por essa razão, os cavaleiros recebem nomes
que os identificam como indivíduos e, ao mesmo tempo, por sua vinculação cósmica
Seiya de Pégasus, Shun de Andrômeda, Shiryu de Dragão, Ikki de Fênix, Hyoga de
Cisne, entre outros.
O objetivo das lutas empreendidas pelos cavaleiros deste animê é vencer o mal
com o bem. Conforme se reafirma no início de cada episódio, os Cavaleiros do
Zodíaco sempre aparecem quando as forças do mal tentam apoderar-se do mundo”.
Nesse sentido, eles lutam, o individualmente, mas de maneira articulada e não visam
combater e eliminar o adversário, mas transformá-lo de forma inteligente, ou vencê-lo
pela força interior perfeitamente desenvolvida, com os sentidos da premonição,
sintonizados ao cosmos, ao mundo dos mortos e aos deuses.
Pode-se afirmar que a representação masculina é significada a partir de um novo
tipo de força adquirida na superação dos limites do corpo e na disciplina que conduz
73
ao domínio de si e das forças da natureza. Uma masculinidade vencedora, um novo
soldado, um novo cidadão que lute pela pátria, um jovem defensor do bem, um homem
corajoso, forte e, ao mesmo tempo, sensível e preocupado com os fracos, crianças e
mulheres as quais defende.
Discutindo os mangás, Luyten (2000, p. 114) afirma que a “tônica dominante
nesses quadrinhos foi a moralidade, frisando os valores tradicionais de lealdade, bravura
e força para os meninos”. Ainda de acordo com essa autora, os temas de histórias
dirigidas ao público masculino são geralmente recheados de muitas lutas e violências,
protagonizados por samurais invencíveis, esportistas, aventureiros, que adotam condutas
de “autodisciplina, perseverança, profissionalismo e competição” (p. 56). Os heróis
nipônicos se destacam não apenas pela força física, como também pela capacidade de
controlar sua energia interior e utilizá-la a seu favor. São salientadas, como virtudes
destes heróis, a sinceridade, o auto-sacrifício e a renúncia ao amor, práticas que se
destinam a manter a harmonia social. Nem sempre as histórias possuem finais felizes,
podendo haver histórias que nos surpreendem com a morte dos protagonistas,
justificada no sacrifício por uma causa maior, a razão pela qual as lutas se desenvolvem
naquela narrativa.
No aminê analisado, um discurso recorrente é o de que os meninos devem
desenvolver coragem, confiança e força, unindo-se para a realização de bons propósitos.
Esse discurso se enuncia de muitas formas: nos conselhos dos mestres, nas conversas
entre os cavaleiros, nos pensamentos de cada lutador, durante as batalhas, nas letras das
canções que marcam distintos segmentos dos episódios, entre outras formas.
Existem variadas canções em Os Cavaleiros do Zodíaco, e todas dão destaque a
virtudes masculinas desejáveis. Elas falam de meninos que treinam, aprendem a superar
a dor, despertam dentro de si a força e o poder para lutar, vencer e realizar seus desejos
e, que unidos podem se tornar invencíveis. Destaco a seguir as letras de duas canções
importantes do animê:
Faça elevar
o cosmo no seu coração,
todo o mal combater, despertar o poder,
Sua constelação
sempre irá te proteger,
supera a dor e, dá forças pra lutar.
Pegasus fantasy,
desejos a realizar,
Pois, as asas de um coração sonhador
74
ninguém irá roubar.
Saint Seiya, guerreiro das estrelas,
Saint Seiya, nada a temer.
Saint Seiya, unidos por sua força,
Saint Seiya, Pégasus, até vencer!
(Pégasus Fantasy - Os Cavaleiros do Zodíaco)
Lutar e brilhar
como um guerreiro.
Situar, persistir,
superar qualquer barreira.
Encarar sem temor
seu destino
e será um vencedor
com a luz que te guiar.
Os perigos enfrentar.
O seu cosmo elevar.
E a vitória irá chegar,
com o amanhã!
Saint Seiya,
o coração que pode alcançar
a chama que acende a esperança
Saint Seiya, as suas asas no céu vão abrir
e os corações novamente irão sorrir.
(Soldier Dream – Os Cavaleiros do Zodíaco)
Pode-se dizer que os jovens que escutam e cantam estas canções são
interpelados continuamente pelas mensagens que os estimulam a lutar contra o mal,
superar a dor, persistir, ultrapassar barreiras, encarar sem temor o destino, manter a
esperança. Há, também, um apelo otimista que impele à luta com a certeza da vitória,
desde que cada um desenvolva as virtudes desejáveis e cultive seu coração de
cavaleiro”.
Na análise de Nagado (2005) os animês movimentam diversos artefatos que são
disponibilizados no mercado, entre eles estão as trilhas sonoras dos filmes que fazem
“uso de compositores e músicos de renome” (2005, p. 54). A indústria pop japonesa,
especialmente área de mangás e de músicas produziram um segmento de mercado
específico conhecido como anime songs. Esse segmento é formado pelas trilhas sonoras
de animês, por games e por produções de aventuras. Trata-se de músicas específicas,
criadas para personagens de destaque, como é o caso de Seiya e dos demais Cavaleiros.
O autor afirma que “hoje em dia, o mercado de anime songs gera shows bem
produzidos que dão origem a CDs e DVDs ao vivo [...] é a anisong sendo reconhecida
como música, e não apenas como apoio de algum personagem” (p. 54). Interessante
destacar que as músicas são tomadas também como marcas distintivas para fãs do animê
75
- qualquer deve conhecer e saber cantar pelo menos as músicas de seu personagem
preferido.
Esse conjunto de artefatos vinculados ao animê, não apenas divertem e
promovem lazer, mas produzem significados que ensinam para crianças e jovens
“modos de ser homem, mulher, ou sobre o corpo, a vida e a natureza” (KINDEL, 2003,
p. 226). Dizendo de outro modo, estas produções participam das políticas culturais
contemporâneas, exercendo uma função pedagógica, ao mesmo tempo em que alegram,
divertem e produzem identificações no público que as consome.
Passo a discutir, nas seções seguintes, alguns atributos masculinos que o animê
põe em evidência, e o modo como estes se definem como desejáveis, marcando as
condutas dos personagens e ensinando os espectadores. As seções que se seguem estão
articuladas a um eixo comum – a produção de masculinidades desejáveis, dotadas de um
tipo específico de força física e moral, conforme argumentei anteriormente.
Espaços de aprendizagem masculina infantil
Nesta parte do trabalho, coloco em destaque algumas cenas, constantes nos
episódios da primeira saga, que permitem ver os cavaleiros ainda na infância. Estas
cenas são apresentadas quase sempre na forma de memórias, quando algum dos
cavaleiros encontra dificuldades para enfrentar um adversário e busca, nas lembranças
de seu treinamento, uma solução para vencer a luta. Dessa parte das narrativas,
interessei-me em observar como os meninos foram sendo ensinados, quais os atributos
que se consideram relevantes na formação do cavaleiro, como são posicionados os
meninos e as meninas, os homens e as mulheres.
No aminê analisado, episódio 2, existe uma importante instituição, um orfanato,
que abriga os órfãos, sem distinção de gênero, mantido pela Fundação Graad. Ela foi
criada por Mitsumasa Kido, e aparece como uma instituição privada.
No início do seriado, vários meninos órfãos são enviados para diferentes lugares,
a fim de receberem treinamentos intensos e severos como forma de aprenderem a lutar
como cavaleiros, de serem educados como homens guerreiros. uma “política da
76
masculinidade” (CONNEL, 1995, p. 194) estabelecida a partir das relações de gênero e
das relações homens com homens, que visa educar meninos para torná-los homens
disciplinados, corajosos, confiantes e fortes. Pode-se dizer, como Connell, que “toda
cultura tem uma definição da conduta e dos sentimentos apropriados para os homens.
Os rapazes são pressionados a agir e a sentir dessa forma e a se distanciar do
comportamento das mulheres, das garotas e da feminilidade, compreendidas como o
oposto” (p. 190). No caso do animê Os Cavaleiros do Zodíaco, o distanciamento ocorre
com a definição de lugares determinados para ocorrer o treinamento de cada cavaleiro.
A aprendizagem dos meninos se estabelece a partir das relações dos homens
com as mulheres e com outros homens. Na construção de certa identidade de gênero,
ainda na infância, o menino “deixa o mundo das mulheres” para ocupar um lugar e
espaço que Welzer-Lang chama de “casa-dos-homens” (p. 462). É isso que parece
acontecer nos episódios iniciais de Os Cavaleiros do Zodíaco, nos quais os meninos são
designados para as diversas partes do mundo onde receberão seus treinamentos para se
tornarem cavaleiros. Chegou o momento, segundo entende o homem adulto, em que os
meninos devem aceitar a lei do mundo adulto e ocuparem seus espaços de treinamentos,
porque se constituem em lugares de construção da “homossociabilidade”, onde
“combatem aspectos que poderiam fazê-los ser associados às mulheres” (ibidem, 463).
Na sala onde acontece o sorteio dos lugares para os quais os meninos serão
enviados para treinamento, destaca-se pela presença dos personagens masculinos: os
meninos, o sr. Mitsumasa Kido e o sr. Tatsumi. Saori é a única mulher presente na cena
e se mantém em silêncio ao lado do pai, apenas para observar o que ali se passava. A
presença da menina se justifica no fato de ser ela Atena reencarnada, deusa para quem
os futuros cavaleiros irão dedicar suas vidas. O sr. Tatsumi apresenta ao grupo uma
caixa com papéis constando os nomes dos lugares para onde os meninos deveriam ser
enviados, sendo que, os próprios meninos sortearam suas designações. Enquanto isso
ocorre, o sr. Mitsumasa Kido observa a sala, interferindo com sua autoridade para
corrigir atitudes do sr. Tatsumi em relação às crianças. Ao final das designações, o sr.
Kido diz aos meninos que seus destinos estão traçados. O menino Ikki, revoltado com
as determinações autoritárias dos adultos, a separação de seu irmão, os sofrimentos e o
risco de morte que deveria enfrentar no lugar onde treinaria, reconhece que deve acatar
a decisão, mas não esconde sua revolta dizendo ao sr. Kido: “Pare com essa bobagem!
Nem está se importando se vamos voltar, ?”. Sr Kido pensa: “Sim, algum dia vocês
77
entenderão”, enquanto isso Ikki recebe um castigo físico, uma bofetada no rosto e em
seguida é conduzido para outra sala, onde é castigado severamente pelo sr. Tatsumi
(episódio 7).
Ikki é castigado por alguém que é hierarquicamente superior. Welzer-Lang
afirma que, “aqueles que têm um poder”, em qualquer área, exercem-no com os
privilégios que lhes são garantidos por suas funções porque, “nem todos os homens têm
os mesmos privilégios” (2001, p. 467), muito menos, as crianças e mulheres.
As crianças, ao serem criadas no orfanato, viveram muito próximas umas das
outras. Em sua volta se pode observar a presença de mulheres exercendo cuidados
maternais, e de homens severos atuando para corrigi-los, para educá-los. Nessa relação
parece estar a intenção de produzir-se um sentido de família e, desde pequenos, torná-
los muito próximos para serem um grupo de amigos, unidos e com sentimentos
fraternais. Os meninos que o têm direito de escolha são educados dentro de uma
concepção política de vida determinada pelo adulto, que estabelece metas a serem
atingidas no sentido de tornar os meninos “grandes homens”.
Em contraste com os meninos, e com os rituais de escolha dos espaços de
treinamento, as meninas do orfanato não passam por qualquer seleção ou destinação
específica, elas são desconsideradas de tal forma que, nem ao menos presenciam o
sorteio para os destinos dos meninos, seus amigos de orfanato. As poucas meninas órfãs
que integram a saga estão representadas como professoras, instrutoras de meninos junto
à Fundação ou, ainda, como jovens que também se comportam e lutam como os
cavaleiros.
O esforço para marcar as condutas e lugares masculinos está permanentemente
presente nos episódios de todo o seriado que analisei. Abaixo destaco, como exemplo, a
representação de Mino, órfã e amiga de infância de Seiya, que trabalha no orfanato. Ela
aparece quase sempre rodeada de crianças, e o avental caracteriza seu lugar cuidando,
servindo e ensinando os pequenos do orfanato. A atitude de Mino posiciona a
personagem no espaço privado, como madura, doméstica, maternal, dedicada
especialmente ao cuidado de outros. Nesse espaço os meninos, embora sendo órfãos,
recebem cuidados maternais.
78
Um detalhe mencionado e,
posteriormente silenciado, mas que
também é pedagógico, é o fato da
Fundação Graad enviar, nos episódios
iniciais, mais de cem meninos para serem
treinados. Aqueles que regressaram, e
compõem a trama, foram os que
conseguiram se superar e adquirir uma
“alma de guerreiro”. Os demais, não são
referidos, ficam no silêncio da história, o
que pode ensinar aos espectadores sobre
sucesso e fracasso, sendo estes meninos
os fracassados, os perdedores, os
desistentes que não merecem importância e destaque. Essa representação que confere
relevo apenas aos meninos que retornam como cavaleiros colabora para estabelecer uma
suposta superioridade aos meninos que regressam, confirmando sua legitimidade como
heróis na oposição estabelecida com os outros o são todos, não é qualquer um, é
aquele menino em particular que ascende à categoria de cavaleiro por demonstrar auto-
controle, bravura, disciplina, força, obediência, abnegação. É com os vencedores que,
então, os s se identificam, e que adquirem relevo certas noções de masculinidade
moralmente superior. Nos episódios, essa identificação com personagens vencedores
também se manifesta como, por exemplo, na cena em que o pequeno Makuto, criança
que vive no orfanato da Fundação, demonstra sua admiração por Seiya e lhe diz: “Eu
também vou ser valente como você.” E a resposta do jovem vencedor sugere o processo
de treinamento para se tornar um vencedor: “Você precisa treinar seis anos na
Grécia, como eu” (Episódio 6).
As brincadeiras e treinamentos infantis são representados dentro dos domínios
do orfanato ou em espaços públicos apropriados e autorizados por adultos. Os espaços
ocupados pelas crianças são circunscritos, e elas estão rodeadas de modelos e são
acompanhadas por adultos que possuem ascendência sobre elas. Inspiro-me em
Cavalcanti (2006), para pensar que os modelos,
se não estabelecem, ao menos sugerem, de maneira sedutora, papéis sociais e
concepções diversas de identidade e comportamento. Entre eles, aqueles que
se deseja incutir nas práticas e representações sociais, os que predominam
Figura 12 - Episódio 03: Mino está no orfanato
e recebe a visita de Seiya. Sua representação
demarca a posição de mulher, usando avental
que a identifica como professora ou cuidadora
das crianças, um trabalho reconhecido como
feminino.
79
nas estruturas de dominação e os que respondem a necessidades de anseios
coletivos (p. 121).
Entre os muitos modelos de conduta estão os homens mais velhos, que
adquiriram status nas tramas do animê e que também aprenderam a ser homens através
da disciplina, da obediência e do treinamento. Eles adquiriram conhecimentos
específicos e, por essa razão, ocupam a posição de mestres. Possuem, por outro lado, o
dever de ensinar aos mais jovens, tornando-os capazes de conhecer e dominar seu
corpo, sua mente e as forças que estão à sua volta.
As crianças submetem-se aos jovens e à instrução dos mestres, sendo que esta
autoridade deve ser acatada, de maneira voluntária ou sofrendo a violência física dos
instrutores como parte do processo educativo. Nesse contexto, o menino aprende a
“respeitar os códigos, os ritos que se tornam então operadores hierárquicos” (WELZER-
LANG, 2001, p. 463). Conforme descrevi, no início da primeira saga, cada menino foi
enviado a um lugar específico para o treinamento, que ocorreu sob a responsabilidade
de mestres com características distintas, mas todos com o propósito definido de educá-
los para serem cavaleiros. Alguns mestres eram idosos, outros jovens, alguns deles
utilizavam-se muito mais de violências físicas, outros de ensinamentos de ordem moral,
e alguns cavaleiros foram também treinados por mulheres. Uma característica comum a
todos os mestres, no entanto, era a sabedoria adquirida na experiência e no treinamento,
atributo que lhes permitia extrair do aprendiz sua força produtiva, articulando sabedoria,
juventude, força, equilíbrio, disciplina, a fim de superar o próprio mestre e tornar-se
poderoso como cavaleiro de Atena.
Os mestres são representados, nas memórias dos protagonistas, como aqueles
que instruíam e desafiavam o aprendiz, ensinando-lhes pacientemente a dominar suas
habilidades físicas e, ao mesmo tempo, a observar o oponente, respeitá-lo como
cavaleiro, conhecer dele as qualidades e as fraquezas durante uma luta. Alguns dos
mestres malvados são apresentados nos episódios como sendo jovens, até porque o rigor
do treinamento era acatado, neste caso, em função da superioridade em relação ao
jovem aprendiz. As mulheres, que ocupam o lugar de mestres, possuem características
jovens, corpos desenhados com atributos sensuais, mas o rosto sempre está oculto sob
uma máscara. Elas ensinam sobre as forças do universo, bem como sobre as
constelações de onde os meninos deveriam absorver toda a energia para desenvolver o
80
seu poder interior e tornar-se um homem vencedor. O aconselhamento e o
desenvolvimento de capacidades intelectuais são as características principais no
treinamento administrado pelas mulheres.
O treinamento dos meninos é marcado pelo sofrimento, e por um processo de
submissão aos desígnios do mestre, visando o controle do próprio corpo e da própria
força para, em seguida, lutar contra outros homens. Destaco, a seguir, algumas cenas do
treinamento de Seiya:
Figura 13 - Episódio 01: Seiya treina e aprende
com Marin sobre a origem do universo de onde
ele deve buscar as energias para desenvolver
todos os sentidos que lhe darão as forças
cósmicas.
Figura 14 - Episódio 01: A aprendizagem é severa
e sofrida para se aprender a ser um jovem com
alma de guerreiro.
Seya é treinado, na infância, por
Marin, uma mulher lutadora. No entanto,
quando ele domina as forças de seu corpo,
aprende as artes marciais e se transforma
em cavaleiro, adquire habilidades
superiores às de sua instrutora. As próprias
mulheres lutadoras, quando envolvidas em
lutas com os jovens guerreiros, reconhecem
sua força e superioridade técnica.
No primeiro episódio da rie, são
apresentadas cenas de ensinamentos do
menino Seiya por Marin. O processo de
aprendizagem passa pela dor, por ferimentos e pelo sofrimento físico que é tido como
parte necessária no aprendizado dos valores que sustentam um cavaleiro. As lutas
Figura 15 - Episódio 01: Marin ensina o menino
Seiya sobre a grande explosão do universo que
deram origem às forças do cosmos.
81
apresentadas em todos os episódios são marcadas pela noção de que o sofrimento torna
o homem valoroso e forte. A vitória de um cavaleiro é sempre conquistada a partir de
uma ntese entre sofrimento, força, técnica e inteligência. No treinamento de Seiya,
Marin ensina o menino a buscar as forças cósmicas presentes no universo que passou
por uma explosão – ela lhe mostra como concentrar e reunir essas forças a seu favor em
momentos de luta. Esses ensinamentos são relembrados em diferentes episódios,
especialmente quando Seiya encontra um oponente mais forte, então, a lembrança dos
conselhos de Marin possibilita que o cavaleiro reverta a luta a seu favor. Ela é mulher
que ensina, mas ele é homem que aprende, capta a força da energia cósmica e adquire
poder próprio de homem cavaleiro que pode ir muito além das mulheres ao final do
treinamento o aprendiz dedicado supera sua mestra.
Às mulheres são impostos certos limites na aprendizagem para as lutas,
enquanto que, para os homens uma progressão que o leva além, ao domínio das
forças que estão fora de seu corpo, ao dever de proteger mulheres e crianças, e às
batalhas que visam proteger e resguardar o bem contra o mal. A superioridade de alguns
cavaleiros é estabelecida nas lutas, nas quais eles demonstram atributos como força
física, uso da técnica, serenidade para estudar os movimentos do oponente, inteligência
para explorar seus pontos fracos para vencê-lo no final. Esta hierarquia se estabelece
nos próprios episódios, e é definida, também, pela qualidade do mineral usado na
fabricação das armaduras usadas pelos cavaleiros - iniciando como cavaleiros de
armaduras de bronze, passando pelas armaduras de prata para atingir o grau máximo de
desenvolvimento e, assim, merecer a armadura de ouro.
Figura 16 - Episódio 37: O cavaleiro de ouro Aioros
ensina o irmão menor Aiorya.
Figura 17 - Episódio 17: Na foto ao lado, meninos
do orfanato aprendem no espaço dos homens
formados.
82
Conforme mencionei acima, um marcador importante que distingue os mestres
femininos e masculinos é a intenção do aprendiz em superar ou, tornar-se semelhante ao
seu mestre. Enquanto que os cavaleiros treinados por mulheres manifestam a condição
de ter superado aquela que os ensinou a lutar, os aprendizes de mestres masculinos
manifestam o desejo de ser semelhante ao seu instrutor, sendo as características desses
mestres exaltadas e admiradas em diversos momentos pelos cavaleiros, pois, o instrutor
masculino, além da sabedoria e técnicas que repassa, é um modelo a ser seguido. No
episódio 37, Aioros aparece como mestre de seu irmão menor, Aiorya de Leão. O
menino aprendiz manifesta o desejo de ser igual ao irmão tanto na força física e cósmica
quanto na dignidade moral. A cena apresenta Aiorya, que se tornara um cavaleiro de
ouro, lembrando dos ensinamentos de seu irmão mais velho. Aioros era um guardião do
santuário e foi morto pelo impostor Mestre Ares. Ares, além de usurpar o santuário e
matar Aioros, ainda convenceu Aiorya de que seu irmão Aioros havia agido como
traidor do santuário, e não defensor. Aiorya ficou decepcionado com essa imagem do
irmão, mas guardava na mente os seus ensinamentos. Num diálogo com o Cavaleiro de
Ouro Miro de Escorpião, Ares se refere a Aiorya, dizendo: “Aiorya tem sofrido muito
nesses treze anos com o irmão traidor. Agora, ele só pensa em limpar o nome de seu
irmão Aioros”. A caminho do combate contra os Cavaleiros de Atena, o pensamento de
Aiorya reflete: “Aioros, irmão, repararei os crimes que você cometeu. Nem que eu
tenha que pagar com a minha vida”. Ele ainda reproduz a identidade masculina
processada em sua vida pela base familiar, ao mesmo tempo em que está mobilizado
pela necessidade de recuperação da honra da família que o ensinou, mesmo que
necessite praticar o suicídio honroso em forma de luta.
A disputa de poder masculino sobre as mulheres e sobre outros homens, de fato
é uma “divisão do mundo” que “mantém-se e é regulada por violências: violências
múltiplas e variadas” (WELZER-LANG, 2001, p.461). Aiorya perdeu o irmão mais
velho quando ainda era criança e aprendiz. Foi afastado da família e instruído por
mestres que foram malvados e violentos com ele, mas, ainda assim, fortalecendo os
valores herdados da família, lutava para recuperar a honra que imaginava haver perdido
por causa do irmão. É na convivência com os cavaleiros que ele descobre que fora
enganado, e que seu irmão não era um traidor. A família e os verdadeiros amigos são
exaltados neste ani como aqueles que ensinam e promovem verdadeiros valores,
aqueles em quem se pode confiar inteiramente. Isso me faz pensar nas estratégias muito
83
comuns em seriados e filmes endereçados a pré-adolescentes, nos quais os meninos e
meninas são aconselhados a confidenciar segredos e buscar apoio na família e em
amigos verdadeiros. As estratégias representacionais são distintas nestes tipos de
produções, mas se pode dizer que há um significado comum que se busca fixar,
relativamente ao comportamento daqueles que são tidos como vulneráveis e imaturos.
No caso do seriado aqui analisado, um diálogo com Seiya reproduz os diferentes
espaços de aprendizagem do menino Aioria:
- Seiya: A Marin me contou que seu irmão Aioros foi morto exatamente por esse
maldito santuário.
- Aiorya: Infelizmente você jamais entenderá como é a dor e o sofrimento de ter um
irmão que se tornou um traidor.
(Vêm as lembranças à mente de Aiorya quando treinava com seu irmão Aioros, lembranças boas que
conflitam com a imagem desonrada de um irmão concebido como traidor. Cenas da lembrança:)
- Aioros: (Estimula Aiorya, ainda criança, a enfrentá-lo em luta corporal): - Isso, outra vez!
(O menino tenta atacar o irmão, mas não consegue. Ouve-se os gritos de luta, e o menino cai ao chão,
com sentimento de derrotado, fraco e incapaz).
- Aiorya – criança: Aiii...
- Aioros: Mas, o que é que foi? Desse jeito você não vai se tornar um bom cavaleiro.
- Aiorya: É impossível, jamais será possível vencer você, por mais que eu me esforce....
(Permanece caído e sentado ao chão. O irmão mais velho se abaixa frente ao menor e o ensina:)
- Aioros: Aiorya, eu sei que, por enquanto ainda existe uma grande diferença de poder
entre a gente. Mas eu vou te mostrar... (a cena segue com Aioros concentrando sua energia e
causando um buraco numa parede com um forte soco, dizendo:) Olha, Aiorya, presta atenção
nisso...
(o corpo se ilumina, os punhos cerrados e preparados, os olhos iluminados pela força interior que se
exterioriza pela concentração. Segue-se o soco e o buraco na parede. O menino fica admirado e
desejando ser igual ao poderoso irmão, e prostra-se ao lado do irmão mestre.)
- Aiorya: Fantástico, como você fez isso?
- Aioros: É fácil e isso só foi possível porque eu sei queimar a cosmo-energia que existe
dentro de mim. E você, Aiorya, você possui essa mesma cosmo-energia, porque nós
somos irmãos.
- Aiorya: Ta, entendi...
(A cena volta ao momento atual e Aiorya justifica a sua revolta contra a traição do irmão e o
desejo de tornar digno o nome de sua família, lutando para ser digno como seu irmão fora e como o
ensinou a ser).
84
- Aiorya: Eu respeitava meu irmão, não porque era meu irmão, mas também porque
era um cavaleiro forte e...
As cenas que seguem mostram Aiorya, ainda criança, sendo dominado por
cavaleiros malvados que exigiam informação dele sobre o paradeiro de Aioros, e
insinuavam que ele também era traidor como o irmão. Ele acredita que o irmão-mestre
havia traído e roubado o santuário e, manifesta sua prostração, decepção e revolta contra
o irmão; mas retoma os bons ensinamentos aprendidos como instrumentos de força para
lutar pelo bem e honra, apesar de estar sendo enganado pelo malvado mestre Ares que
dominava o santuário. Trata-se de um menino aprendendo sob a força da violência
moral e psíquica de outros homens.
Figura 18 - Episódio 37: A cena mostra o esforço
de Aiorya para afastar a imagem do irmão
‘traidor’ de sua mente e abraçar o desafio de
aprender com esses novos adultos, quase uma
família substituta.
Figura 19 - Episódio 37: O menino Aiorya é
torturado psicológica e moralmente pelos
cavaleiros malvados ouvindo a acusação de traição
feita contra seu irmão Aioros.
No segundo espaço de aprendizagem, Aiorya enfrenta o dilema de abandonar
uma referência de mestre o irmão e adotar outra, neste caso, sofrendo coação dos
cavaleiros malvados que se aproveitam de sua ingenuidade e o tornam seu aprendiz. A
violência sofrida precisa ser compensada com outras violências, pois, diante desse fato
ele decide tornar-se um lutador invencível, combater os malvados e traidores, para
compensar a frustração vivida. Ele sofreu a violência, reage como um menino que sabe
ser necessária sua aprendizagem para ser homem, e passa a praticá-la em forma de lutas,
porque assim ela se justifica, como “uma forma de exorcismo, uma conjuração da
desgraça vivida anteriormente. Depois, ao longo dos anos, quando a lembrança da dor e
humilhação se estanca um pouco, o abuso inicial funcionaria como um elemento de
85
compensação” (WELZER-LANG, 2001, p. 464). O menino Aiorya precisa aprender a
ser um cavaleiro do bem, para não sofrer a punição da justiça e a rejeição que sofrem os
malvados, pois, com esses ele não quer se identificar, e sim com os honrados e justos.
No processo de aprendizagem de Aiorya, Seiya participa colaborando para que
ele reconheça que foi enganado e retome um princípio básico da moralidade que deve
prevalecer entre amigos e pessoas da família. É importante registrar que a família de
ambos era constituída apenas de um irmão de sangue cada um, em função disso, Seiya
cobra de Aiorya que ele devia acreditar no irmão que o ensinou, e afirma que um
homem não aceita que se desonre a sua família e o nome dos seus entes queridos. Os
diálogos entre Seiya e Aiorya parecem estabelecer como verdade incontestável que os
valores da família são sempre mais honrosos e dignos do que de estranhos. Apesar de
ainda relutar por algum tempo, Aiorya acaba descobrindo a injustiça contra seu irmão,
aliando-se então aos bons cavaleiros na luta pela justiça. Essa é uma estratégia que está
presente nas produções de animês, e muitas vezes, apresentam um caminho de
aprendizagem desviante, mas que, nos episódios da saga, são revertidos para que o
lutador reconheça o caminho do bem e da justiça. Essas estratégias narrativas
confirmam um importante atributo dos cavaleiros seu empenho em converter aqueles
que se desviaram do caminho do bem, tornando-os participantes dos ideais de luta
considerados nobres e verdadeiros. Também desta forma os animês vão produzindo
seus espectadores, para o reconhecimento daquilo que é tomado como legítimo, correto,
verdadeiro.
Além das cenas de treinamento dos cavaleiros, a infância masculina é
representada nos episódios a partir das crianças que vivem no orfanato e que, na maioria
dos casos, aparecem como espectadoras das lutas exibidas pela televisão ou como
platéia no Coliseu. Neste sentido, a infância parece ser posicionada de maneira
subordinada, sendo a juventude dos cavaleiros a etapa de vida celebrada neste animê.
No entanto, há cenas em que são as crianças que estão no centro da narrativa.
As crianças no orfanato o representadas mais freqüentemente pelo gênero
masculino e aparecem realizando atividades ou participando de diálogos considerados
próprios de meninos. As brincadeiras dentro do orfanato apresentam meninos
praticando o futebol, um esporte reconhecidamente masculino. Um esporte o bem
assimilado pelos meninos que a cena dispensa a presença de um adulto para orientá-los.
86
Figura 20 - Episódio 35: Futebol – cenas de
brincadeiras que acontecem dentro do orfanato.
Figura 21 - Episódio 35: Futebol é um esporte
ainda considerado apropriado para meninos.
Louro (1997, p.73) argumenta que as práticas escolares colaboram para
constituir identidades de gênero, ancoradas em saberes que organizam e diferenciam
corpos femininos e masculinos. Em aulas de Educação Física, por exemplo, meninas e
meninos são vistos a partir de sua condição física e a eles são oferecidas atividades que
considerariam as propensões e habilidades de cada gênero. Nestas práticas os meninos
são considerados fisicamente mais fortes e as meninas mais fracas, eles mais ativos e
agitados, elas mais passivas e delicadas, atributos que ao descrever produzem as
diferenças. Para a autora, os(as) professores(as) de Educação Física evitam atividades
com contato físico e consideradas mais agressivas para as meninas justificando que não
são próprias para a menina heterossexual que é frágil e precisa preservar sua “graça”
feminina, podendo ainda machucá-las. Estas preocupações não se explicitam, no tocante
às atividades planejadas para os meninos. Louro salienta que o efeito de tais práticas é o
lugar ocupado pelas mulheres um espaço social mais limitado e constituído de
representações que levam a conter os impulsos do corpo, mantendo assim certa “timidez
corporal” (p. 76). Os homens, por sua vez, vão sendo produzidos para o vigor físico,
para a iniciativa e para a atividade. Trazendo estas argumentações para o foco desta
pesquisa, é possível dizer que a série Os Cavaleiros do Zodíaco está repleta de cenas
que investem na distinção entre meninas e meninos. O treinamento, as lutas, as regras,
as atitudes dos personagens e as atividades físicas propostas para meninos e meninas no
orfanato, colaboram para isso.
87
Como o animê é endereçado ao público masculino, embora não inacessível ao
feminino japonês, e, principalmente, ao feminino ocidental, os desenhos utilizam
recursos diversos que capturam o público infanto-juvenil, os introduz na linguagem
cinematográfica, promovendo ensinamentos que modelam subjetividades, produzem
identidades masculinas desejáveis, a partir de certo conjunto de normas socialmente
estabelecidas (COSTA, 2003). Neste caso, as representações de menino que são
colocadas em circulação no desenho observado irão ocupar as paisagens mentais, o
território da consciência” (STEINBERG, 1997, p. 123). Os consumidores são, assim,
estimulados a assumir códigos de referência que serão produzidos e reproduzidos a fim
de se estabelecerem como identidade pessoal e coletiva, especialmente entre os clubes
de fãs, os otakus.
Os cavaleiros principais desse animê são heróis e conquistam admiradores de
diferentes idades e gêneros. Nos episódios 4, 5 e 6 são apresentados os perfis dos
cavaleiros, e nestas cenas sempre aparecem crianças observando seus heróis. Os
diálogos que se estabelecem nestes casos o pedagógicos e, no ensinamento dado pelo
cavaleiro à criança que o segue, destacam-se também qualidades que se deseja dar
relevo, para que sejam marcadores da conduta dos espectadores sejam persistentes,
sejam respeitosos, aprendam a lutar, reconhecer os bons amigos. Na platéia do Coliseu,
estão presentes meninas que expressam admiração pela beleza dos meninos heróis, os
meninos, no entanto, manifestam torcidas pelo seu ídolo, que reproduz um modelo
masculino a ser imitado. A manifestação dos meninos, em referência a seus ídolos,
mostra o desejo de serem homens iguais, vencedores, fortes, corajosos e admirados.
Tanto o que é dito, quanto o que não é dito identifica os neros e as distinções entre
feminino e masculino, conforme argumenta Louro (1997).
Os personagens de referência deste animê, bem como as práticas em destaque
nos episódios, os diálogos, as relações que nestes contextos se travam, tudo isso ensina
sobre diferentes modelos de masculinidade. Abro, então, uma seção específica, na qual
descrevo as representações plurais e alguns efeitos de sentido, na constituição de
identidades masculinas.
88
Sobre as possíveis maneiras de ser masculino: representações
plurais
Os discursos que caracterizam o masculino como dominante se expressam em
distintos momentos e por diferentes estratégias n’Os Cavaleiros do Zodíaco. Os
treinamentos realizados pelos meninos dão conta de um conjunto de práticas tidas como
necessárias para a constituição de uma masculinidade desejável vigorosa, valorosa,
governada por forte sentido de amizade e de justiça. O sofrimento e a dor são tomados
como signos de fortalecimento do menino, tanto do ponto de vista físico quanto moral e
são claramente endereçados ao público masculino. São raras as imagens de meninas
ensangüentadas ou expressões de dor na face de personagens femininos, como resultado
de treinamento ou de luta e, quando sofrem ferimentos é porque interpõem seus corpos
para receberem um golpe em defesa da vida do amado. Isso faz parte do contexto criado
pelo animê para a produção da masculinidade e, apenas algumas cenas de treinamento
ou, de luta envolvendo mulheres, expressam sofrimento físico. Do mesmo modo, a
afirmação da coragem, da ousadia, da força se dá em oposição a atitudes ditas femininas
chorar, ter medo da dor, ser sensível atitudes repreendidas nos meninos, que servem
como contra-modelos nos processos de treinamento.
As identidades masculinas vão sendo gradativamente constituídas em perfis de
personagens que assumem certo lugar reconhecidamente masculino, e, desse modo, eles
nos ensinam sobre “comportamentos e identidades sociais, que, de algum modo,
acabam por regular nossas vidas” (RAEL, 2002, p. 12).
Um modelo de masculinidade é representado mais fortemente nos episódios e,
dessa forma, vai se constituindo como apropriado e desejável. No entanto, as
representações culturais possuem grande diversidade de significados, seja qual for o
tópico analisado (HALL, 1997). Nesse trabalho, em se tratando da masculinidade,
podemos afirmar que o animê faz circular significados e representações plurais. As
possibilidades de ser masculino” não se prendem unicamente ao biológico, elas se
expressam por comportamentos, por sentimentos, por entendimentos, por habilidades
físicas e mentais, por um conjunto de atributos que, ao assistir os episódios, vamos
tomando contato e vamos reconhecendo como significativos. A partir disso,
aprendemos a pensar as relações de gênero tomando-as como naturais e fixas, mas, na
89
verdade, essas representações precisam ser constantemente articuladas, reinventadas,
exibidas, reforçadas para se manterem válidas culturalmente.
Em Os Cavaleiros do Zodíaco existe, podemos dizer, “uma narrativa
convencional sobre como as masculinidades são construídas [...] uma definição de
conduta e dos sentimentos apropriados para os homens” (CONNEL, 1995, p. 190), mas
ela não é única, e, nem pode ignorar as múltiplas possibilidades, as variadas práticas
masculinas que se estabelecem nas relações com outros homens, ou com as mulheres.
Desse modo, diferentes masculinidades são produzidas no mesmo contexto social e as
relações que se estabelecem entre masculinos, incluem “relações de dominação,
marginalização e cumplicidade. Uma determinada forma hegemônica de masculinidade
tem outras masculinidades agrupadas em torno dela” (op.cit., p. 189).
Destaco, a seguir, alguns desses grupos masculinos que se apresentam, nos
diversos episódios, e que são constituídos a partir de um modelo de masculinidade.
Inicialmente descrevo alguns desses modos de ser masculino e, em seguida, procuro
acentuar as características hegemônicas, ou seja, aquelas que parecem funcionar como
norma, a partir da qual se hierarquizam e se classificam as demais.
Os Cavaleiros de Atena destacam a liderança de Seiya, sua hegemonia aceita
pelos demais, confirmada, inclusive, pelo seu treinamento junto ao Santuário de Atena,
na Grécia, pela aprovação da própria deusa Atena, e por todas as tramas e lutas nas
quais Seiya aparece como pólo de referência, de força e de inteligência para agrupar os
cavaleiros e lutarem, como amigos, em defesa do bem. Destacam-se, também, os
cavaleiros adversários que lutam para roubar, destruir a terra e a deusa Atena, se
apresentam agrupados em torno de um deus malvado, ou outro cavaleiro de força
superior, que os instrui e comanda, como fez Ikki que comandava os cavaleiros negros.
Posseidon que comandava os Generais Marinas, o deus Ares que assaltou e dominou o
Santuário, e outros. Todas as fases, que subdividem as sagas, apresentam agrupamentos
masculinos que atuam sob comando de um personagem caracterizado como o mais
forte, o mais inteligente, o mais respeitado e temido. Estes grupos disputam, em cada
episódio ou durante uma saga, e um deles é vencedor. Em relação aos personagens
femininos, pode-se dizer que a inexistência das lutas indica que, sendo tomado como o
gênero fraco e dominado, não haveria razões para um combate, pois de antemão se
conhece o vencedor. As mulheres são comumente utilizadas nas estratégias de combate
para tornar vulneráveis os cavaleiros elas são reféns e servem para chantagear o
90
adversário. As disputas entre personagens masculinos, na base da força e do poder, e a
impossibilidade destas mesmas disputas entre masculino e feminino indicam que não se
abrem espaços para a contestação dos lugares de gênero, sob pena de serem fragilizadas
as instituições que ordenam e regulam o lugar de cada um e, acima de tudo, a
hegemonia masculina (SABAT, 2003). O masculino hegemônico é corporificado nesses
personagens – fortes, vigorosos, corajosos, capazes de sacrifícios, resistentes à dor,
defensores leais de seus pares.
As representações de masculinidade se expressam por distintos personagens, tais
como os meninos do orfanato, os jovens cavaleiros, com suas formas específicas de ser
e de lutar, os mestres, além dos mais velhos como o sr. Tatsumi, o sr. Kido. No grupo
de masculinos adultos, já idosos, destacam-se estes dois personagens e também os
mestres. Passo agora a caracterizá-los brevemente.
Mitsumasa Kido é apresentado como sendo um homem honrado que deu origem
à Fundação Graad; adotou crianças órfãs; providenciou o treinamento dos meninos, e
que recebeu uma revelação de que deveria cuidar da menina Saori porque se tratava da
encarnação da deusa Atena. O senhor Mitsumasa Kido representa o masculino idoso,
rico, bondoso e com afeto paternal.
Ele atua num contexto
privilegiado, pois, por sua idade,
vivência e riqueza possui a sabedoria e
o discernimento para comandar,
antecipar o futuro de cada menino,
determinar o tipo de treinamento e o
mestre de cada cavaleiro. Seu lugar não
é contestado e os meninos do orfanato
acatam sua vontade. A autoridade do sr.
Kido “é apresentada como óbvia, como
um fenômeno natural, integrado de
algum modo à divisão social e
hierárquica por sexo” (WELZER-LANG, 2001, p. 462). A autoridade e o poder deste
personagem se confirmam na relação que ele estabelece com as divindades, em especial
a deusa Atena, para o bem da humanidade.
Figura 22 - Episódio 02 : Mitsumasa Kido
Quadro exposto na parede da sede da Fundação
no Japão.
91
Para administrar a Fundação, especialmente o orfanato, sr. Kido contratou o sr.
Tatsumi, investindo-o de autoridade para dominar e cuidar das crianças. Ele repreende,
corrige e pune os meninos do orfanato, utilizando-se de violência física para impor-lhes
o respeito à hierarquia e às regras da Fundação. Por outro lado, ele segue como protetor
de Saori, depois da morte do sr. Kido, exercendo assim uma atitude paternal, gentil e
cordial com a menina. Nas imagens destacadas abaixo o sr. Tatsumi castiga um dos
meninos do orfanato.
Figura 23 - Episódio 07: O menino Ikki recebe um
tapa no rosto quando pede ao sr. Tatsumi para ser
enviado à ilha da Morte em lugar de seu irmão
Shun.
Figura 24 - Episódio 07: Ikki, depois de receber o
tapa no rosto, continua sendo castigado em
separado no orfanato por Tatsumi.
Na cena destacada acima, o menino Ikki tentou contestar o resultado do sorteio
que enviaria seu irmão Shun à Ilha da Rainha da Morte, afirmando que o mesmo não
suportaria os treinamentos naquele lugar e morreria. A atitude de Ikki é vista como
desrespeitosa, devendo ser corrigida com severidade. O castigo físico é aplicado pelo
administrador, que agride o menino com um tapa em cada lado do rosto e,
posteriormente, leva-o para uma sala de castigos, pendura-o pelos s e o espanca com
um pedaço de madeira. A utilização da violência física é analisada mais adiante. Pode-
se dizer que o sr. Tatsumi é um modelo de masculinidade a ser evitado, por sua
instabilidade e insegurança quase ingênua, tornando-se temido e não respeitado pelas
crianças.
Os mestres idosos constituem masculinidades exemplares, tanto para os
cavaleiros, quanto para quem assiste ao animê. Eles são apresentados como aqueles que
possuem sabedoria e perfeito domínio das técnicas de luta. São preocupados com a
aprendizagem de seus discípulos, embora utilizem estratégias distintas para obter deles a
92
conduta desejada. Alguns são afetuosos, benevolentes, ensinam com paciência e
determinação, fundando seus ensinamentos em práticas de disciplina do corpo e da
mente, além de conselhos e histórias exemplares. É caso do Cavaleiro de Prata Albion,
o mestre de Shun de Andrômeda, um dos melhores no manejo de correntes. “Albion é
um homem de poucas palavras, mas é gentil e sensato (...) Albion explica aos discípulos
a importância do cosmo, para que possam elevar ao máximo sua energia e possam se
defender, mas salienta que o mais poderoso cosmo vem do coração e do espírito de um
verdadeiro Cavaleiro (...) O mestre se alegra ao ver que Shun, além de poder tinha um
coração nobre”.
15
Há também mestres apresentados como perversos, cruéis, disciplinando seus
discípulos com uso de violência, pois para estes mestres, é através do controle da dor e
da ira que o discípulo adquire força e vigor para se tornar um cavaleiro. Exemplo disso
é o mestre Jango que, também treina seus alunos na Ilha da Rainha da Morte, e os
mestres que treinam aprendizes para serem cavaleiros negros, adversários da justiça, da
paz e da bondade defendidas pela deusa Atena e seu pequeno exército de lutadores.
Os cavaleiros representam a força, o vigor, a bravura, a inteligência e a
juventude. Eles são altivos, fortes, corajosos, e lutam em lados opostos os cavaleiros
que defendem Atena lutam pelo bem, ao passo que seus oponentes estão aliados às
forças do mal. Mas todos eles têm traços bem definidos, quase sempre belos, e o
representados por atributos tidos como masculinos. Estes personagens dão visibilidade a
certo modo de viver a masculinidade e, ao que parece, servem de referência para aquilo
que se busca fixar como desejável.
Ao que parece, outro tipo de masculinidade é representada pelo Cavaleiro Shun
e se caracteriza em contraste ao modelo hegemônico. Ikki é o irmão mais velho de
Shun, um garoto forte e destemido que encoraja e corrige seu irmãozinho. Nas cenas de
infância, Shun é representado como uma criança sensível, frágil e emotiva, que chora
quando colocada em qualquer dificuldade que deva superar.
15
Excertos do texto de apresentação do personagem Albion, disponível em
http://br.geocities.com/cavdozodiacomania/santuario1.htm, acesso em 2 de março de 2008.
93
No episódio 7 se destacam
lembranças de Shun na cena ele está
brincando de lutar com o Ikki e outras
crianças e, quando ele se machuca ou cai
ao chão, começa a chorar. O irmão o
ajuda e aconselha: “Nós perdemos os
nossos pais, Shun. O único caminho que
nos resta é sermos cavaleiros”. No
episódio 9, Shun se dirige para um
bosque onde ele e Ikki treinavam socos
em uma árvore, quando crianças. A cena
mostra Ikki ensinando Shun a lutar,
batendo com força na árvore. Shun segue o exemplo do irmão, mas, com os golpes,
sente dor, senta-se e começa a chorar, interrompendo o treinamento. Segue-se o
seguinte diálogo:
- Ikki: O que foi, Shun?
- Shun: Eu não consigo, Ikki, eu não consigo... (chora)
- Ikki: Eu sei que é duro, mas não tem outro jeito. Escuta aqui, Shun, nós não temos
mais parentes e nem dinheiro, o único jeito de sairmos dessa é ficando fortes.
Precisamos desses punhos fortes, e essa é a única maneira de sobrevivermos.
- Shun: É, deixar esses punhos fortes... (meio choroso).
- Ikki: Hum...hum, nunca se esqueça disso, Shun.
Os episódios destacados mostram como se institui um tipo de masculinidade
desejável, em oposição à fraqueza demonstrada por Shun. O irmão o aconselha, corrige,
ensina e neste mesmo processo institui comportamentos que devem ser reconhecidos e
acatados pelos meninos e jovens que assistem ao animê.
Nas cenas destacadas acima se reforçam, ainda, alguns aspectos relativos à
produção da força masculina. Welzer-Lang (2001) diz que o menino precisa “aprender a
respeitar os códigos, os ritos que se tornam então operadores hierárquicos” (p. 463),
ritos e códigos que estão presentes no dito e no não-dito.
Figura 25 - Episódio 7: Ikki e Shun crianças. Ikki
incentiva o irmão a treinar com golpes duros, mas
Shun sempre chora quando se machuca ou sente
dores.
94
Um desses não ditos [...] é que essa aprendizagem se faz no sofrimento.
Sofrimentos psíquicos de não conseguir jogar tão bem quanto os outros.
Sofrimentos dos corpos que devem endurecer para poder jogar corretamente.
Os s, as mãos, os músculos... se formam, se modelam, se rigidificam por
uma espécie de jogo sadomasoquista com a dor. O pequeno homem deve
aprender a aceitar o sofrimento sem dizer uma palavra e sem “amaldiçoar”
para integrar o círculo restrito dos homens. Nesses grupos monossexuados
se incorporam gestos, movimentos, reações masculinas, todo o capital de
atitudes que contribuirão para se tornar um homem (p. 463).
Um homem precisa sofrer, precisa, desde cedo, enfrentar lutas “amigáveis”,
esconder tristezas e decepções “para estar no mesmo nível que os outros homens e
depois para ser o melhor”. Tanto para os homens, como para as mulheres, a educação
se faz por mimetismo. Ora, o mimetismo dos homens é um mimetismo de violências”,
primeiro uma violência contra si mesmo, aplicada em seus próprios corpos e, numa
segunda etapa, é uma guerra contra os outros” (WELZER-LANG, 2001, p. 463).
Os episódios da série analisada vão colocando em relevo diferentes
características dos cavaleiros. Shun domina sua força, aceita o treinamento, transforma-
se num cavaleiro, mas de muitas maneiras manifesta ainda uma sensibilidade distinta da
dos demais companheiros. Retornando cenas da arena de lutas do Coliseu, encontramos
o Cavaleiro Shun de Andrômeda participando do torneio intergaláctico, escalado para
enfrentar o Cavaleiro Jabu de Unicórnio. Shun tornou-se um cavaleiro, mas não gosta
de lutar. Na cena, os telespectadores podem ouvir seus pensamentos, nos quais ele
afirma estar no torneio apenas para reencontrar seu irmão; questiona a razão daquela
luta, tentando evitá-la. Jabu o ataca e ele apenas se defende usando correntes que fazem
parte de sua armadura. Durante a luta surge Ikki de Fênix, o irmão de Shun, rodeado de
cavaleiros negros, que é agora um personagem malvado. Ikki voltou para se vingar e
ameaçar de morte os cavaleiros, inclusive seu irmão, mas Shun ainda acredita na
bondade dele.
- Shun: Ele é forte, mas também é gentil.
(Ikki ataca seu irmão Shun, que não se defende).
- Ikki: Shun, você não mudou absolutamente nada, estou cheio de suas lágrimas.
Você será o primeiro a morrer, prepare-se!
- Shun: (Não se defende): O que aconteceu com você, Ikki, por que está me atacando?
Fale!
- Ikki: Eu não tenho nada pra dizer a você, Shun!
Shun é um personagem masculino que poderia ser visto como que incorporando,
de certa forma, práticas de um homine sensibile, conforme define Vitelli (2008). Nas
95
palavras do autor, homine sensibile descreve uma proposta atual de viver a
masculinidade, pois existem muitas maneiras de praticá-la, e, nesse caso, o próprio
termo já o identifica e legitima como pertencente a um determinado grupo de homens,
pela forma de se apresentar, qual seja, sensível, afetuoso, que adota certas práticas tidas
como femininas sem, com isso, comprometer ou perder sua virilidade (p. 1).
Todas as cenas que mostram interações entre Ikki e Shun marcam o
estranhamento que causa a sensibilidade e a fragilidade de Shun no grupo de amigos.
Ikki é aquele que vigia, aconselha e investe na educação do menino para torná-lo um
forte, um cavaleiro, um masculino vencedor, e não um sentimental e perdedor, como as
mulheres. Os meninos identificam traços femininos em Shun e buscam corrigir este
desvio. Como afirma Meyer (2003)
são os modos pelos quais características femininas e masculinas são
representadas como mais ou menos valorizadas, as formas pelas quais se re-
conhece e se distingue feminino de masculino, aquilo que se torna possível
pensar e dizer sobre mulheres e homens que vai constituir, efetivamente, o
que passa a ser definido e vivido como masculinidade ou feminilidade, em
uma dada cultura, em um determinado momento histórico (p.14).
Aceitando o treinamento, Shun se iguala aos demais cavaleiros no que diz
respeito à sua virilidade, coragem e força. Ele é apresentado como cavaleiro belo, forte,
nobre, corajoso, sem que abandone, de todo, sua sensibilidade. Desta forma o
personagem produz possibilidades de deslizamento, legitimando um novo formato de
masculinidade, defendendo uma maneira de viver outra possibilidade de ser homem”
(VITELLI, 2008, p. 4).
Ao que parece, a masculinidade hegemônica também se define pela
heterossexualidade, uma vez que as relações estabelecidas entre os rapazes se
expressam por sentimentos de amizade e lealdade, e as relações com as mulheres e
moças se manifestam também por sentimentos afetuosos, cenas de romantismo e
situações que permitem supor paixões e amores não correspondidos. Nas distinções e
oposições entre mulheres e homens, que analiso no próximo capítulo, também se
configura a heterossexualidade como norma.
Todos os personagens masculinos da série são identificados como
heterossexuais. Não há, no enredo, representações de homossexualidade, o que não
impede que se produzam entendimentos diferenciados de masculinidade, constituídos,
por exemplo, em personagens que se apresentam como desviantes, assumindo
comportamentos semelhantes àqueles identificados como femininos. É o caso do
96
Cavaleiro Shun, analisado anteriormente, e que ao manifestar características como
fragilidade e emotividade é repreendido e corrigido pelo irmão. Sendo apresentado
como exceção, esse personagem colabora para confirmar a regra. Também a cor das
roupas de Shun parece produzir sentido que o posiciona como masculinidade desviante.
Suas roupas são rosa, cor definida como feminina. Em sites de fãs do animê, são
comuns certas indagações acerca da possível homossexualidade de Shun. Essas
indagações mostram que as representações de masculinidade mais comuns identificam
sensibilidade e fragilidade como algo estranho na conduta masculina, características que
colocariam este sujeito sob suspeita. No entanto, nos episódios da série ele é aclamado
pela platéia feminina, que grita: Voestá lindo, Andrômeda!” “Você é o mais gato!”
Eu te amo, Andrômeda!”
A heterossexualidade apresenta-se como “normal, natural e universal”. É como
se ela fosse parte da natureza e, desse modo, todos os sujeitos tivessem “uma inclinação
inata para eleger como objeto de seu desejo, como parceiro de seus afetos e de seus
jogos sexuais alguém do sexo oposto” (LOURO, 2001, p. 17). Por mais que a
heterossexualidade seja concebida como natural e inata, ela “é alvo da mais meticulosa,
continuada e intensa vigilância, bem como do mais diligente investimento”, conclui a
autora.
Nas leituras relativas às relações de gênero que tenho realizado, considera-se o
corpo como espaço de inscrição e de fixação de atributos que distinguem sujeitos
femininos e masculinos. Não são as diferenças biológicas que adquirem significação
nestas análises, mas as diferenças culturais e as relações de poder que posicionam e
produzem hierarquias entre feminino e masculino. Também são significativas as
análises que se centram naquilo que se convencionou chamar de espaços femininos e
masculinos, uma distribuição social de atribuições, tarefas, funções e posicionamentos
que vão se conformando como sendo naturais para uns e outros sujeitos. A seguir,
analiso algumas das marcas e inscrições que o animê produz nos corpos dos
personagens, e que colaboram para posicioná-los como masculinidades normais ou
desviantes.
97
Masculinidades inscritas nos corpos: com quais atributos se
descrevem os vencedores
Nesta seção coloco em destaque certas representações de masculinidade que
adquirem visibilidade em corpos atléticos e musculosos, potencializados pela tecnologia
representada pelas armaduras. Os cavaleiros são apresentados como tendo corpos
jovens, fortes, belos, perfeitos – a esses corpos correspondem personalidades bem
definidas, regidas por normas de conduta moral e reguladas por concepções de justiça.
As representações de masculinidade se inscrevem nestes corpos, que lutam e
vencem, que são admirados, assediados e amados pelas mulheres, e que pela disciplina
se tornam fortes e superam limites. O corpo se torna “útil e produtivo” (GOELLNER,
2005, p. 35), com gestos educados, controle de todos os seus impulsos, espiritualidade e
desenvolvimento interior, acrescentados de proteção cósmica, que é simbolizada pelas
armaduras. O corpo destaca-se como a referência de tudo que se conquista individual e
socialmente. É resultado de treinamento, rigor e disciplina, impostos pelos mestres
inicialmente e apropriados em práticas como auto-disciplina para cada cavaleiro. A
força física se manifesta nos contornos dos corpos jovens e robustos, nos destaques
dados a braços e pernas durante a luta, em ombros ampliados pelas armaduras. A
disciplina que modela os corpos, também modela atributos morais desejáveis, tais como
coragem, obstinação, capacidade de discernir entre as forças do bem e do mal.
Figura 26 – Episódio 37: Representações de corpos jovens musculosos.
98
Na análise de Kellner (2001) os corpos exibidos nadia, e que adquirem
visibilidade na cultura contemporânea produzem perfis desejáveis e se estabelecem
como “elementos formadores de identidade” (p. 135). Corpos que devem ser esculpidos,
modulados, fortalecidos em treinamentos específicos, colocados a disposição em
academias de artes marciais e ginásticas, corpos potencializados pela ‘tecnociência’ que
oferece alimentos suplementares, vitaminas, vacinas, implantes de próteses.
No animê que analisei a tecnociência pode ser representada pelas armaduras que
os cavaleiros vestem. Com e sem elas, estes corpos masculinos são disciplinados para
deles se extrair toda a força e todo o controle. Na expressão de Goellner (2005), estamos
diante de um tipo de corpo produzido na e pela cultura da mídia, “um corpo provisório,
mutável e mutante, suscetível de inúmeras intervenções, consoante o desenvolvimento
científico e tecnológico de cada cultura” (p. 28). A estes corpos são atribuídos muitos
significados, o apenas biológicos. Nesse sentido, a autora argumenta que o corpo não
é apenas
um conjunto de músculos, ossos, vísceras, reflexos e sensações, o corpo é
também a roupa e os acessórios que o adornam, as intervenções que nele se
operam, a imagem que dele se produz, as máquinas que nele se acoplam, os
sentidos que nele se incorporam, os silêncios que por ele falam, os vestígios
que nele se exibem, a educação de seus gestos... Enfim, é um sem limite de
possibilidades sempre reinventadas e a serem descobertas” ( p. 29).
Prestei atenção aos modos como este animê produz e torna desejáveis certos
tipos de corpos e também certas condutas. Estes corpos são investidos de saber, de
marcas e cicatrizes de lutas, de tecnologia que substitui as armas e potencializa a força,
que desenvolveram a disciplina e o controle de si e sobre a dor e das armaduras. Um
corpo masculino, ou feminino, definido, fundamentalmente, pelos significados culturais
que lhes são atribuídos, tornando-o desejável ou repulsivo.
Destaco a seguir uma cena do episódio 24 de Os Cavaleiros do Zodíaco, na qual
um Cavaleiro de Prata exibe seu corpo com e sem a armadura, e diz que se orgulha por
ter um corpo sem cicatriz. Seiya reage a esta afirmação repreendendo o cavaleiro:
“Ninguém pode ter orgulho de um corpo sem cicatrizes, cicatrizes são prova de
coragem, são verdadeiras medalhas de coragem. Como é que você, que não conhece a
dor, quer obter a verdadeira vitória?”
99
Figura 27 - Episódio 24: Cavaleiro de Prata vestido
com sua armadura lutando contra Seiya.
Figura 28 - Episódio 24: A cena que antecede o
combate, o Cavaleiro se orgulha de possuir um
corpo sem cicatrizes.
O corpo modelado de acordo com as normas para ser um “verdadeiro vencedor”
é colocado como exemplar para quem assiste os episódios. Souza (2007) fala de corpos
institucionalizados como modelos verdadeiros, que desafiam as pessoas a se
enquadrarem neles. Um corpo jovem deve ser dinâmico e ativo; precisa manter-se em
forma para estar sempre sob o cuidado e a atenção que lhe assegure vigor e jovialidade.
A programação televisiva dirigida aos jovens, inclusive o animê, parece reforçar essa
noção de que o corpo precisa ser investido de controle, de disciplina e que o uso de
certas técnicas o tornaria sempre mais produtivo. A juventude quase sempre é celebrada
nestas produções, em oposição à velhice, que se apresenta como um tempo em que se
perdem qualidades corporais consideradas valorosas. E ao identificarmos a velhice
como ausência de força, de vitalidade, de atividade, de saúde, a produzimos como algo
indesejável que lutamos para evitar, e para tanto nos seriam úteis as produções
tecnológicas e científicas, colocadas a nossa disposição, na forma de muitos e
diversificados produtos de consumo.
No animê Os Cavaleiros do Zodíaco a velhice é representada na figura de
mestres e personagens idosos e estes o constituídos como detentores de profunda
sabedoria. Eles dominam as forças de seu corpo, mesmo que ele não seja mais vigoroso,
e derrotam os oponentes pela precisão de seus gestos e pela sabedoria. Eles conhecem
os segredos do cosmos, os mistérios da natureza, o potencial dos treinamentos e as
práticas adequadas para ensinar aos jovens como aliar força física, conhecimento e fibra
moral. O vigor que se perde num corpo envelhecido é compensado pela sabedoria e
discernimento intelectual. Nas tramas do animê parece evidente que um jovem deve
100
honrar os seus antepassados, muito especialmente, seus pais e mestres. No entanto, as
representações de velhice também produzem sentidos que legitimam a relação
hierárquica entre gerações, posicionando a juventude como central e desejável e a
velhice como periférica e narrada por ausências, tomando como referência certos
atributos considerados normais e positivos num corpo jovem, e que se perderiam num
corpo envelhecido que está no fim da vida.
Figura 29 - Cavaleiro de Ouro de Libra: Mestre de
Shiryu, envelhecido fisicamente, mas com
sabedoria recompensada. (Fonte:
www.thaisaintseiya.com, acesso em 03/2008).
Figura 30 - O menino Shiryu praticando os
treinamentos indicados pelos seu Mestre sábio.
(Fonte: www.thaisaintseiya.com, acesso em
03/2008).
Para finalizar este capítulo, retomo um dos atributos centrais, que constituem a
“alma de cavaleiro” dos protagonistas do animê. Trata-se da amizade como valor e
como princípio que norteia as relações entre os personagens. Em todos os episódios
recorrentes mensagens relativas ao valor da amizade: laços de amizade unem os
meninos do orfanato e os inspiram para encontrar, no treinamento, o equilíbrio entre
força física, mental e moral; laços de amizade unem os cavaleiros que lutam em defesa
de Atena, em todas as sagas; laços de amizade forjam também lealdades entre
protagonistas masculinos e femininos.
A amizade entre os cavaleiros o apenas os fortalece, como também possibilita
que eles unam seus cosmos e realizem com êxito as batalhas do bem contra o mal. Eles
são capazes de sentir a presença uns dos outros, pressentir o perigo, correr ao encontro
de um amigo ameaçado e socorrê-lo no momento preciso. De modo explícito, nos
episódios 12 a 16 da primeira saga, são apresentados acontecimentos que colocam em
evidência o poder da amizade, capaz de curar, redimir e normalizar as condutas de
personagens que, por motivos diversos, aliaram-se às forças do mal.
101
Destaco a seguir dois exemplos que colocam a amizade como antídoto para o
domínio do mal. O primeiro exemplo acontece na Ilha da Rainha da Morte, quando os
cavaleiros tentam recuperar a armadura de ouro e enfrentam os cavaleiros negros. Entre
muitos acontecimentos dos episódios 12 e 13, destacam-se as cenas em que Seiya é
atingido e está quase morto, e seus amigos vão ao seu socorro. Shun e Shiryu arriscam
suas vidas para salvá-lo. Shun vence o Cavaleiro Negro de Andrômeda e usa sua
corrente para retirar Seiya de um precipício, quando é atacado pelo Cavaleiro Negro de
Dragão tentando destruir os dois. Shiryu de Dragão estava enfraquecido porque doara
seu sangue para recuperar a vida da armadura de Seiya, mas, mesmo sabendo que
poderia morrer, ele luta contra o Cavaleiro Negro, protegendo Shun e Seiya. O
Cavaleiro Negro ironiza:
- Cavaleiro Negro de Dragão: São muito idiotas, afinal, por que é que você luta para
salvar alguém que já pode estar morto?
- Shiryu: Não posso deixar de fazer isso porque nós somos amigos. Será que entende
isso, Dragão Negro?
- Dragão Negro: Amigos! Eu não acredito nisso! Por causa da amizade, ou, seja o
que for, outra vida será destruída. Prepare-se!
(Lutam. Shiryu estava fraco, fica muito ferido e perde sangue, podendo morrer. O Dragão Negro
entendeu a fraqueza de Shiryu para poder lutar, fica impressionado, e fala:)
- Agora eu já entendi, você perdeu muito sangue, não foi? É por isso que estava
protegendo tanto os ferimentos e não se empenhava em me atacar. Por que você veio
para a luta com um corpo assim?
- Shiryu: Pela amizade.
- Dragão Negro: Mesmo sabendo que não adiantava nada, não pôde deixar de fazer
isso? Isso é amizade?
- Shiryu: É exatamente isso.
(Shiryu reúne suas forças e aplica o golpe Cólera do Dragão, mesmo sabendo que seu corpo poderia
explodir, porque o sangue correria ao contrário, ele está decidido a dar a vida pelos amigos, ambos
ficam feridos mortalmente).
- Dragão Negro: Não entendo porque está se matando, por que está fazendo isso,
Shiryu?
- Shiryu: No mundo pode não existir nada pelo que vale a pena nos sacrificarmos,
exceto pela amizade. Não sabemos o que é amor de pai, não sabemos o que é amor de
102
mãe, por isso, amigos é tudo o que nos resta! Pelo menos eu, Shiryu, escolho morrer
por aquilo que acredito!
- Dragão Negro: Morra por sua amizade!
(Golpeiam-se mortalmente e caem. Mas o Dragão Negro levanta-se, se aproxima de Shiryu, e salva sua
vida).
- Shiryu: Por que você está tentando salvar a minha vida, Dragão Negro, por que?
- Dragão Negro: Eu achei que não seria uma idéia, acreditar naquilo que vocês
chamam de amizade.
(Dragão Negro morre amparado por Shiryu).
- Shiryu: Ele perdeu a vida, mas ganhou um amigo.
Merece destaque a transformação ocorrida no coração do Cavaleiro Negro de
Dragão que foi sensibilizado pelo espírito de sacrifício de Shiryu e de Shun em defesa
dos amigos. Não foi a força da luta que o venceu e obrigou a se modificar, mas a força
da amizade, contra o ódio plantado em sua alma, e o converteu tão profundamente, que
salvou a vida do adversário Shiryu. Esse é um tipo de vitória conquistada por um
cavaleiro que aprendeu a “combater sem armas”.
Figura 31- Episódio 13: Shiryu desfalecido após a
luta contra o Dragão Negro. O sangue do sacrifício
e o corpo estendido em forma de cruz, lembrando a
bondade de Jesus?
Figura 32 - Episódio 13: Dragão Negro salva a
vida de Shiryu e morre convertido à amizade.
O segundo exemplo, que destaco, refere-se ao personagem Ikki, que é
apresentado no início da trama como amigo e protetor de seu irmão Shun. Quando ele
retorna da Ilha da Rainha da Morte, onde foi treinado por um mestre violento e
malvado, está cheio de ódio e só pensa em vingança. Ainda na ilha ele matou o seu
impiedoso mestre, aliou-se ao malvado deus Ares, tornou-se cavaleiro e líder de um
103
grupo de cavaleiros negros enviados ao Japão para roubarem a Armadura de Ouro de
Sagitário e destruírem Os Cavaleiros de Atena. No embate ele enfrenta Shun, seu irmão,
e ameaça matá-lo. Ao ser golpeado, Shun questiona: “Não, ele não pode ser o meu
irmão. Qual é o monstro por detrás daquela máscara”. Em resposta, Ikki afirma:
“Shun, você não mudou absolutamente nada. Você continua chorando demais. estou
cheio das suas lágrimas. Será o primeiro a morrer, prepare-se!” Ikki é o incivilizado:
aquilo que, na narrativa, é passível de ser detido, eliminado ou moldado conforme os
padrões desejáveis às estruturas de poder” (CAVALCANTI, 2006, p. 98). Ele é um
cavaleiro que pratica atos malvados e violentos, mas é enfrentado por cavaleiros amigos
e pelo irmão que lhe demonstra amor. Os cavaleiros unem seus sentimentos de amizade
e, aos poucos, vão conseguindo recuperar a bondade que Ikki havia perdido, fazendo
morrer a Fênix do ódio, para renascer o masculino socialmente correto, com coragem de
lutar pela justiça e pelo bem em defesa da deusa Atena. E, isso vai acontecer, apenas no
episódio 15 onde Ikki é vencido, morre para, em seguida, renascer das cinzas, agora
como um cavaleiro transformado e dedicado ao bem. Ikki se une aos cavaleiros para
lutar contra os oponentes, não para matá-los, mas para torná-los bons pela ação da
amizade. Ser bom, segundo Cavalcanti (op. cit., p. 110), é ser “moldado segundo
valores morais legitimados por um sistema de crenças e um modelo sociocultural e
político”. Portanto ser bom requer certo trabalho de modelagem, feita nos episódios do
animê sob a força da amizade.
Neste capítulo discuti as diferentes representações de masculinidade produzidas
no animê, analisando os espaços de educação dos cavaleiros, os modelos a serem
seguidos, e as práticas capazes de produzirem um cavaleiro disciplinado, possuidor de
auto-controle, dotado de fibra moral, bravura, destemido, que obedece e acata
autoridade, e cheio de coragem par lutar pelo bem, a amizade e a paz. Analisei, também,
a importância conferida à amizade como elo que identifica os cavaleiros e os une numa
causa comum, pela qual vale a pena doar a própria vida. No próximo capítulo discuto a
presença de mulheres e meninas nos episódios desse anie as práticas que ensinam
sobre feminilidade e masculinidade.
104
4 MENINAS E MULHERES EM CENA: DISTINÇÕES
QUE ENSINAM SOBRE FEMINILIDADE E
MASCULINIDADE
Quando iniciei a análise das representações de masculinidade produzidas no
Animê Os Cavaleiros do Zodíaco, considerei que seria necessário prestar atenção
também aos modos como a feminilidade é representada, uma vez que todas as
produções relativas a gênero apontam para o caráter relacional desta categoria. Não é
minha intenção, no entanto, realizar aqui um estudo que conta das múltiplas
implicações desse tipo de abordagem, focado em relações de gênero. O que pretendo,
nesta parte do trabalho, é afirmar a interdependência entre masculinidade e
feminilidade, quando se fala de representações. Em diferentes momentos, nos episódios
selecionados para a análise, a masculinidade é constituída em oposição à feminilidade
os atributos masculinos, colocados no centro dessas narrativas, são definidos e definem
também atributos femininos, e nesta relação binária os sujeitos são produzidos e
posicionados.
Citando Derrida e Dufourmantelle, Bonin (2007) mostra que a linguagem
estrutura e põe em ação certas oposições binárias, através das quais cada pólo é
supostamente uno e se opõe ao outro. Desse modo é possível pensar masculinidade e
feminilidade como se fossem mais ou menos fixas e naturais para um conjunto de
sujeitos que naturalmente” compartilhariam certos atributos. “O pensamento binário
inclina-nos a compor totalidades e, dentro delas, hierarquias, valorizando um dos pólos
(...) desse modo se fabricam classificações, nas quais um termo de onde parte o olhar
– é sempre o primeiro, funciona como padrão e referência” (p. 46). A autora conclui que
este termo de referência só adquire sentido na oposição, naquilo que nega ou que impõe
como ausência ao outro termo. Trazendo esta reflexão para o meu estudo, diria que o
masculino é o termo de referência a partir do qual se narra o feminino, em que os
atributos como, força, coragem, racionalidade, se configuram e adquirem a visibilidade
em oposição a fragilidade, temor, emotividade das meninas e mulheres que entram em
105
cena. Há, também, certos atravessamentos nessas posições de gênero, caracterizados em
personagens que, sendo masculinos, apresentam características tidas como femininas.
Estes personagens serão discutidos mais adiante.
Neste capítulo discuto as formas de caracterização e as ações de algumas
mulheres que estão presentes nos episódios. A saga de Os Cavaleiros do Zodíaco é uma
produção dirigida ao público jovem masculino e, sendo assim, as personagens femininas
são produzidas e inseridas nos episódios com traços que destacam e representam
mulheres jovens e belas, inclusive as personagens caracterizadas como vilãs. Os
destaques para um corpo feminino considerado belo estão claramente presentes nos
traços curvilíneos, cabelos longos, e no vestuário, com destaque para duas imagens:
mulheres trajando vestidos, ou mulheres que participam das lutas - estas são também
desenhadas com traços femininos, sensuais e delicados, e o vestuário valoriza partes de
seus corpos, tais como, armaduras que protegem e mantêm em destaque os seios, maiôs
e shorts que permitem ver parte das pernas, com contornos sensuais. As unhas em geral
são longas e pintadas, sendo os traços da face realçados com maquiagens, e essas
características parecem colaborar para produzir a feminilidade vinculada ao cuidado
estético e à vaidade. É interessante destacar, ainda, os ângulos escolhidos ao se
retratarem mulheres nas cenas do animê. Em alguns episódios elas são vistas como se a
câmera estivesse posicionada no alto, destaque que posiciona essas personagens num
ângulo inferior e nos permite vê-las de cima para baixo. Observando as cenas em que
aparecem personagens masculinos, se pode afirmar que, em geral, eles são vistos num
ângulo superior, como se a câmera estivesse posicionada abaixo, o que parece conferir
grandeza ao personagem. As tomadas de destaque e a aproximação das imagens,
durante as lutas, privilegiam partes do corpo feminino, consideradas sensuais, tais como
os contornos da cintura, as pernas torneadas, os seios evidenciados em grandes decotes
e em colãs. Isso também ocorre em relação aos personagens masculinos, com destaque
para os braços e pernas musculosos e rostos expressando sofrimento ou resistência à
dor.
Em geral as personagens femininas são sensíveis, amigas fiéis, corajosas,
bonitas, abnegadas, preocupadas com o bem-estar dos meninos. Muitas são apaixonadas
ou despertam paixões que provocam grandes feitos por parte dos lutadores. Na análise
de Sato (2006a) “são elas que têm o verdadeiro poder em Os Cavaleiros do Zodíaco.
Por elas, eles movem montanhas, lutam, despertam seus sétimos sentidos, choram, dão
106
suas vidas e descobrem a força da amizade e do amor”
16
. Em meu entendimento, no
entanto, as mulheres ocupam um lugar subordinado neste animê, mas é inegável a
lealdade dos cavaleiros a certos personagens femininos, tal como Saori, a deusa Atena,
ou mesmo a dedicação à memória da mãe, cultivada pelo personagem Cisne.
As mulheres são minoria e aparecem, quase sempre, vinculadas ao cuidado e ao
ensino de crianças pequenas, além dos trabalhos domésticos. Ocupam-se de tarefas que
remetem ao zelo e ao cuidado – de seus irmãos, amigos e de meninos órfãos. A
preocupação com o bem-estar dos personagens masculinos pode ser vista em diversos
momentos, e marca as personagens Mino e Shunrei de maneira expressiva, mas também
aparece, de modo sutil, em ões da personagem Saori. Por exemplo, no episódio 2,
Seiya chega de seu treinamento e encontra Saori e o senhor Tatsumi. Ela se dirige ao
cavaleiro e prontamente sugere: “Seiya, ponha sua bagagem no chão e descanse para o
combate de amanhã”.
As meninas são apresentadas como personagens frágeis e, nas cenas de embate e
luta se mostram assustadas, preocupadas, zelosas. Elas temem pelos cavaleiros, rezam
ou torcem por eles, escondem o rosto em momentos-chave da luta para não presenciar o
sofrimento, gritam diante do perigo que ameaça os cavaleiros para quem torcem. São
vulneráveis, desprotegidas, admiram os cavaleiros o para ser como eles, mas para tê-
los como protetores, amigos, namorados. A seguir, apresento algumas cenas que
mostram estas construções em torno do feminino.
Saori é a personagem feminina central neste animê. Ela assume as
responsabilidades com a Fundação depois da morte do avô. Embora jovem, ela tem sob
seu controle alguns personagens masculinos centrais nesta história. No entanto, sendo
mulher ela precisa obter o respeito e a obediência dos cavaleiros e sofre com isso, sendo
aconselhada pelo a (em uma espécie de diálogo mítico) e dirigindo-se a ele, em
pensamento, sempre que precisa tomar uma decisão. Ela é representada como
personagem principal, que ocupa o espaço público, mas também se destaca, em muitas
circunstâncias, por sua fragilidade e sensibilidade.
No episódio 2, Seiya não deseja participar do torneio e, por isso, se torna
indelicado com Saori, cobrando dela uma promessa do avô de que reencontraria sua
irmã quando completasse seu treinamento. O Cavaleiro Jabu assiste à cena e reprova a
16
Fonte: www.Abrademi.com/cavaleiros, acesso em março de 2008.
107
ação de Seiya: “Você não deve se dirigir a ela como uma amiguinha... vou te ensinar a
respeitar a senhorita! Imbuído de sua posição masculina, o cavaleiro interfere em
defesa do feminino, entendido como vulnerável e, nesta mesma ação ele ensina ao outro
cavaleiro a forma respeitosa de se dirigir a uma mulher.
Apresento outra cena na qual se evidenciam atributos considerados femininos:
no episódio 9, Saori está preocupada com o andamento dos jogos e busca consolo em
um planetário construído pelo avô. Observando as constelações celestes, Saori
reencontra os ensinamentos de Mitsumasa Kido e, mais do que isso, ela consegue
dialogar com o espírito dele. Destaco abaixo parte desse diálogo:
- Saori: (...) Ah, se o senhor soubesse, vovô, o quanto eu gostava de contemplar as
estrelas em sua companhia. Além disso, o senhor era a minha única família... E agora
que não está mais aqui, me sinto tão só. Ah, por favor, vovô, me escute! A preciosa
armadura de ouro foi roubada por um traidor covarde, o que devo fazer? Me ajude,
vovô! Sem a sua ajuda me sinto completamente sozinha.
(nesse instante aparece o espírito do avô e conversa com ela e, num gesto de espanto, Saori diz:)
- Vovô!
- Mitsumasa Kido: Saori, querida, lembra-te do que lhe falei quando planejei a guerra
galáctica? Eu disse que ela poderia ser interrompida por alguma força do mal, e que se
isso acontecesse deveria manter suas forças e lutar junto com os cavaleiros para
destruir o mal.
- Saori: Sim, eu me lembro, e o senhor também disse que o verdadeiro propósito desse
torneio era fazer o mal surgir do meio das trevas, e que o Coliseu serviria para atraí-
lo.
- Mitsumasa Kido: É isso, Saori.
- Saori: Isso quer dizer que o traidor Ikki que foi atraído pelo torneio é o mal que deve
ser vencido?
- Mitsumasa Kido: Não, ele é apenas o início, Saori. Não se desespere, seja forte e una
suas forças aos cavaleiros.
-Saori: Esse é o problema, a verdade é que eu não me dou muito bem com eles,
especialmente com o Seiya, a quem você tanto preza. Além disso, a imprensa olha a
Fundação com suspeitas. Os cavaleiros deviam compreender a preocupação que o
senhor tinha por todo o povo da terra. A missão deles é lutar por esse ideal e deveriam
me obedecer para isso, mas é o contrário, eles não me obedecem.
108
- Mitsumasa Kido: Escute, Saori, sabemos que até mesmo Atena, que era bonita e
orgulhosa, nunca faltou com a doçura que apenas as mulheres possuem, na hora de
tratar com os seus dez cavaleiros.
- Saori: Doçura, vovô?
- Mitsumasa Kido: Isso mesmo, se você quer que os outros a obedeçam, você deve
deixar de ostentar a sua posição e o seu poder!
- Saori: Mas, vovô...
- Mitsumasa Kido: Agora você precisa de um coração terno e doce.
- Saori: Não, vovô, por favor, não vá, eu tenho mais coisas para perguntar, vovô, não...
(a cena termina com Saori chorando).
Nos ensinamentos de Mitsumasa Kido, se pode ver operando um modelo de
feminilidade, ele a incentiva a ser feminina, terna, doce e, ao mesmo tempo, forte.
Doçura, ternura, meiguice são atributos desejáveis para uma mulher que comanda e que
deseja ser respeitada. Nas palavras do avô:“se você quer que os outros a obedeçam,
você deve deixar de ostentar a sua posição e o seu poder” . Estas qualidades são
destacadas para Saori e para Atena que nunca faltou com a doçura que apenas as
mulheres possuem”, e não são igualmente válidas para o administrador do orfanato,
senhor Tatsumi que, conforme destaquei anteriormente, utilizava-se de violência física
para educar os meninos nos primeiros episódios e, posteriormente, não manifestava
qualquer doçura ou delicadeza no trato com os cavaleiros. Saori é, portanto, um ícone
de feminilidade, e sua força é muitas vezes relativizada nas narrativas, quando adquire
relevo sua fragilidade, ou mesmo os encantos que permitem que ela obtenha também a
adesão de alguns cavaleiros para as lutas da fundação. Ela se sente e recorre aos
personagens masculinos, que estão sempre a postos para protegê-la. Para a fragilidade
feminina, o conselho de Mitsumasa Kido é exemplar: Não se desespere, seja forte e
una suas forças aos cavaleiros!”
A personagem Saori é apresentada com traços delicados, cabelos longos e roxos,
rosto suave e grandes olhos. Ela usa longos vestidos, quase sempre na cor branca.
Apesar de, na infância, ter sido uma criança mimada e rica, nos episódios da série ela
vai sendo identificada como Atena, a deusa da guerra, que só luta contra a injustiça, que
ama a paz e defende a terra contra os intentos malignos de outros deuses que
consideram os humanos perversos e injustos. A cor branca em suas vestes produz
109
significados e, no âmbito da cultura ocidental contemporânea, a noção de brancura é
comumente associada à pureza, justiça e paz.
Ela é representada como mulher com atributos de divindade, e uma das
estratégias utilizadas para caracterizar desse modo, a personagem parece ser a utilização
recorrente de sua imagem sobreposta à estátua da deusa Atena. Nessa representação está
a reprodução gráfica da imagem concebida para ratificar Saori como a deusa Atena,
conforme função atribuída à sua pessoa dentro da série. Ela é uma mulher e, por isso,
enfrentou dificuldades para se aproximar e congregar os cavaleiros em torno de si. A
imagem da deusa Atena repassa a comprovação de seus atributos e poder, embora
feminina, ela é uma deusa. Uma imagem que implica em afirmar aquilo que se diz dela,
e, reafirmar sua posição diante dos cavaleiros, pois, com essa representação os
cavaleiros admitem sua divindade, aceitando aproximação dela e submissão aos seus
planos e incumbências de guerrear contra o mal, em defesa do bem. Eles admitem que
estão unidos a uma deusa, agindo, então, unidos, em defesa dela, chegando ao limite de
darem, por ela, suas próprias vidas.
Saori ainda preserva traços e características femininas, mesmo possuindo a
sabedoria e força de uma deusa, mas o exército que a protege é formado de jovens
masculinos. Tendo os cavaleiros como seus aliados e defensores, ela mesma luta em
momentos extremos, e sua ação ocorre muito mais aliando o seu cosmo divino aos
cavaleiros, quando necessário, do que em enfrentamentos físicos.
Figura 33 - Episódio 73: Saori sendo reafirmada
como deusa pela estátua de Atena.
Figura 34 - Episódio 114: Saori acompanhada dos
cavaleiros que formam seu exército masculino.
110
Quando Saori aparece em público para anunciar o torneio intergaláctico, ela se
destaca e se torna assunto de conversas entre os presentes no Coliseu, de quem se
podem ouvir sussurros como “ela é linda!” (Episódio 2).
A representação feminina associada a atributos de sensibilidade, zelo, fragilidade
também marca outras personagens que constituem os episódios de Os Cavaleiros do
Zodíaco. No episódio 2, por exemplo, Mino, amiga de infância de Seiya, mantém uma
fotografia do cavaleiro no quarto e conversa com ela sempre que pressente que ele
esteja correndo perigo. Por causa desta fotografia, as crianças do orfanato conhecem o
cavaleiro, antes mesmo de sua chegada. Num diálogo que ocorre no referido episódio,
um menino sugere a Seiya que Mino guarda a fotografia ao lado de seu leito porque
esconde em seu coração uma paixão por ele. As cenas seguintes põem em evidência os
brilhantes olhos da moça, trêmulos e marejados de lágrimas – efeito que dá destaque aos
sentimentos de amor e, ao mesmo tempo, de vergonha, porque o segredo de Mino fora
revelado diante do cavaleiro. Seiya finge não perceber as emoções da moça e nem
entender o que dizem as crianças, e essa atitude pode ser entendida de diferentes
maneiras: como homem, ele estaria, de certa forma, acima dos sentimentos próprios das
mulheres; como cavaleiro, ele pretenderia proteger Mino, fingindo não entender as
crianças para não constranger a moça; como homem jovem, ele não deseja se
comprometer com os sentimentos de Mino, uma vez que o foco de sua ação é a luta ao
lado da deusa Atena. Todas essas representações colaboram para marcar distinções entre
o feminino e o masculino, operação que visa fixar identidades de gênero, culturalmente
produzidas e definidas como normais e “naturais” para uns e outros sujeitos.
Nas lutas travadas por Seiya, na arena do Coliseu, a personagem Mino aparece
de joelhos ou de mãos postas em posição de prece. Durante os embates ela esconde os
olhos, mostra estar assustada e angustiada, comprime a foto contra o peito. Desse modo,
a personagem é construída como alguém frágil e sensível à violência.
Outro exemplo, que complementa as observações acima, está no diálogo entre os
meninos do orfanato, no episódio 4, quando estes estão a caminho do Coliseu para
assistirem uma luta de Seiya:
- Menino 1: Nossa, como tem gente aqui!
- Menino 2: É sim, mas eu queria que a Mino estivesse aqui!
- Menino 3: Ah, seu idiota, a Mino nunca agüentou ver o Seiya lutar.
111
- Menino 2: Pois, eu agüento...
- Menino 1: Bobo, você não sabe o que as garotas sentem!
- Menino 2: E, por acaso, você sabe, Makuto?
- Menino 1: Ora, Kiro, é claro que eu sei!
No diálogo destacado entre Makuto e Kiro, um explica ao outro as diferenças
entre os sentimentos femininos e masculinos e, desse modo, também se estabelecem
fronteiras que ensinam aos espectadores, para quem a mensagem é endereçada. Nesta
situação, aprendemos a pensar que masculinidade e feminilidade se inscrevem na
natureza de cada sujeito, e que o apenas o corpo difere, como também as posições
sociais, as sensações e os sentimentos. E essa é uma aprendizagem que se processa, na
cena descrita, na relação com um grupo de amigos, mostrando que uma rede de
discursos que colaboram para constituir em nós os pertencimentos de gênero.
Na seqüência do referido episódio, Makuto, Kiro e outras crianças sentam-se nas
arquibancadas e a luta é anunciada. A cena mostra os meninos no meio da multidão,
quando um deles ergue o braço e fala: “Seiya é você, estamos com você!” Na seqüência,
Mino aparece ajoelhada diante de um altar da igreja do orfanato, uma imagem de igreja
cristã porque possui um grande crucifixo que aparece no vitral acima do altar, mãos
postas em oração em favor de Seiya: “Meu Deus, proteja ele, por favor!” A música, que
acompanha a cena da igreja onde Mino faz oração é tocada por órgão, cujas
características a identificam claramente com a música sacra cristã ocidental.
112
Figura 35 - Episódio 04: Mino, ajoelhada junto do
altar na igreja do orfanato. Toda a estrutura, móveis,
vitrais, altar, crucifixo representam o cristianismo.
Figura 36 - Episódio 04: Destaque para a face de
Mino, e suas mãos postas em oração.
Outra personagem que é representada como zelosa e abnegada é Shunrei, a irmã
de Shiryu. A personagem Shunrei era uma óre foi adotada pelo mestre de Shiryu,
crescendo, assim, junto com o menino. Eles formavam uma família com laços de união
e afeto muito fortes. Ao longo dos episódios ela é identificada como fonte de força e
inspiração para Shiryu nas horas de muitas dificuldades. Shunrei aparece também, nas
memórias do cavaleiro, como a irmã zelosa, que cuidou dele dia e noite no período em
que o ficou cego. O menino que descobre como ser forte e masculino na aprendizagem
com o velho mestre e na relação com a menina. Shiryu, em contrapartida, defendeu-a,
despertando seu sétimo sentido, quando ela foi atacada. Ela foi referência das lutas do
menino Shiryu.
No episódio 101 há, entre os dois, um olhar pelo qual se percebe algo além de
afeto familiar, a cena parece indicar uma paixão cultivada em segredo por Shunrei. O
mestre e, pai, educou os dois para ocuparem seus espaços sociais de acordo as
diferenças de gênero, ela se tornou uma menina sensível, cheia de fé, inspiradora da
ação masculina, zelosa e maternal, ao passo que ele se tornou forte, determinado, leal a
certas causas e defensor de sua irmã.
Nos episódios 4 e 5, Shiryu é apresentado como cavaleiro, e participa do torneio,
lutando contra Seiya. Ainda durante a luta, Shunrei vem procurar o irmão para avisá-lo
de que seu mestre está doente e o chama. Shiryu decide lutar com Seiya antes de
regressar, para poder alegrar o mestre com uma vitória, mas, durante a luta, os dois
ficam gravemente feridos pelos golpes recebidos. O golpe final de Seiya atinge o ponto
113
fraco e mortal de Shiryu, e ele fica entre a vida e a morte. Shunrei, que já havia
implorado que Shiryu desistisse da luta, suplica que Seiya salve seu irmão, pois somente
ele poderia reverter a situação aplicando um determinado golpe que o faria reviver.
Seiya está desacordado, mas o coro de vozes infantis e femininas o reanima e ele escuta,
em seu interior, a voz de Mino, que assiste à luta pela TV, suplicando: “Seiya, você
pode, salve-o! Levante-se e dê o golpe para ajudar Shiryu”. Seiya salva Shiryu,
enquanto Shunrei cai aos pés do cavaleiro e agradece. Shunrei aparece, ainda, no
episódio seguinte, ao lado do irmão no hospital, cuidando de suas roupas e tratamento
para que se recuperasse e pudesse regressar ao encontro do mestre enfermo, para
cuidarem dele, e honrá-lo em seus momentos finais. Mino, que também está no hospital,
cuida de Seiya, e assegura um ambiente de repouso, acomodando flores em um pequeno
vaso, para embelezá-lo e torná-lo mais alegre e familiar. Estas necessidades e cuidados
domésticos são apresentados como sendo naturais nas mulheres, uma vez que
conseguem perceber e suprir.
Em outra cena, ela e seu
irmão vão ao orfanato para se
despedir e, enquanto Seiya e
Shiryu conversam sobre os
perigos das lutas que terão que
enfrentar, Shunrei e Mino
servem alimentos às crianças
menores.
também algumas
cenas em que as meninas fazem
parte da platéia de espectadores,
presentes às lutas. Elas também
são representadas por atributos considerados tipicamente femininos como, por exemplo,
o fato de gritarem e assustarem-se com certos segmentos mais violentos da luta. A
seguir, duas imagens que se apresentam em contraste, nas quais meninas e meninos
aparecem na platéia, enquanto se trava uma luta entre dois importantes cavaleiros.
Figura 37 - Episódio 6: Seiya no hospital, rodeado pelos
meninos do orfanato, enquanto Mino, acomoda flores num
vaso para embelezar o quarto onde o cavaleiro se recupera.
114
Figura 38 - Episódio 04: Os Garotos do orfanato
presentes no Coliseu assistem às lutas, vibram
com os golpes, sugerem atitudes aos lutadores,
torcem pela vitória do seu ídolo.
Figura 39 - Episódio 04: As garotas que estão no
Coliseu sofrem ao verem os golpes, escondem o
rosto e demonstram sensibilidade.
Os meninos vibram com os golpes e a violência da luta, enquanto as meninas
demonstram angústia e parecem sentir a dor da violência sofrida pelos cavaleiros
admirados por elas. ainda algumas jovens, presentes na platéia, que manifestam
certa histeria coletiva diante de um cavaleiro considerado bonito. No episódio 6, por
exemplo, quando entra em cena o cavaleiro Shun de Andrômeda, pode-se ouvir gritos
femininos dizendo: Você é lindo!”; “Você é o mais gato, Andrômeda!”; “Eu te amo,
Andrômeda!”
Essas manifestações demarcam lugares e atributos femininos e masculinos, e
colaboram para fixar certos marcadores identitários, distinguindo atitudes adequadas e
aceitas como apropriadas para meninos e meninas. As cenas destacadas acima exibem
personagens femininas, mas produzem efeitos de sentido que marcam os personagens
masculinos - meninos fortes, que têm coragem de lutar e de assistir lutas violentas sem
se abalar com o sofrimento dos cavaleiros, exigindo deles maior bravura. As meninas se
apaixonam por cavaleiros heróicos, enquanto os meninos nem podem se apaixonar por
mulheres heroínas, porque em geral elas não lutam e, mesmo quando o fazem,
continuam representadas como mais fracas que os homens. Os meninos manifestam
pelas meninas sentimentos de amizade e admiram nelas a beleza, a formosura, a
sensualidade, a bondade. Nesse sentido, irmãs e amigas são representadas nas cenas
sempre como dedicadas, abnegadas, preocupadas, trazendo roupas, alimentos,
socorrendo o cavaleiro ferido.
As representações que constituem estas cenas distinguem espaços, sentimentos,
ações e reações femininas e masculinas, reproduzidas e aceitas culturalmente. uma
115
fronteira estabelecida para as diferentes identidades e, tomando palavras de Hall, parece
estar presente aqui a noção de que
as identidades emergem do diálogo entre os conceitos e definições que o
representados para nós pelos discursos de uma cultura e pelo nosso desejo
(consciente ou inconsciente) de responder aos apelos feitos por estes
significados, de sermos interpelados por eles, de assumirmos as posições de
sujeito construídas para nós por alguns discursos (1997, p. 26).
A linguagem constrói e institui sentidos culturais e, nesse caso, de gênero;
distingue corpos e sentimentos masculinos e femininos; sintoniza e harmoniza o próprio
masculino como integrante de certo grupo e que, sendo parte deste, deve demonstrar
coragem, ousadia, atitude propositiva e ativa. Além das distinções entre feminino e
masculino, as cenas do animê instituem diferenças entre os personagens masculinos
(entre uns e outros), o que me leva à afirmação de Neuls (2004), para quem “pensar o
gênero implica entendê-lo enquanto um processo que não diferencia apenas homens de
mulheres, mas também homens de homens e mulheres de mulheres” (p. 72).
As meninas m o direito de aprenderem e desenvolverem habilidades de lutas
semelhantes às dos meninos em Os Cavaleiros do Zodíaco. No entanto, suas funções e
espaços ocupados dentro das sagas são claramente distintos dos espaços caracterizados
para os masculinos. Os recursos usados para os roteiros, cenografias, elenco, figurino e
outros artifícios próprios das produções televisivas o destaque às diferenças mais do
que às similaridades. As condutas femininas e masculinas são, desse modo, governadas
e controladas. Ao assistirmos aos episódios vamos reconhecendo certas características
como distintivas, e vamos aprendendo maneiras de ser feminino e masculino.
Discutindo as modernas formas de governo da conduta humana, Silva (1995)
destaca que elas dependem de formas de saber que se produzem e são admitidas como
legítimas. Estas formas de saber circunscrevem aquilo que pode ser pensado sobre cada
sujeito, prescrevendo as melhores maneiras de posicionar cada um no seu lugar. Mas o
autor salienta que
obviamente, uma democracia liberal está baseada não em estratégias
puramente externas de controle, mas no pressuposto do autocontrole dos
indivíduos. O controle externo da conduta aquilo que Foucault chama de
‘tecnologias de dominação’ combina-se com o auto-controle aquilo que
Foucault chama de tecnologias do eu’ para produzir o sujeito auto-
governável das sociedades modernas. A produção desse sujeito auto-
governável é precisamente o objetivo da ação de instituições como educação
(o currículo), a igreja, os meios de comunicação de massa, as instituições de
‘terapia’... e aqui, outra vez, tornam-se importantes as formas de
conhecimento do próprio eu. Se para governar é preciso conhecer os
116
indivíduos a serem governados, para auto-governar-se é necessário conhecer-
se a si próprio” (p. 192).
Seguindo as teorizações desse autor, penso que as estratégias de identificação
produzidas no Animê Os Cavaleiros do Zodíaco colaboram para que cada pessoa se
reconheça em ações e práticas de personagens femininos e masculinos, e reconhecendo-
nos sujeitos femininos ou masculinos, somos também incentivados a assumir “nosso”
lugar, conhecendo nossa natureza, nossos traços comuns, e aqueles que nos distinguem
dos “outros”. O contexto do animê é distinto de nosso cotidiano, mas de muitas
maneiras esses espaços dialogam, como ocorre na caracterização dos personagens, no
mote das histórias, na repetição de certas ações que marcam os lugares de cada um. A
repetição fica marcada nos traços físicos e psicológicos dos personagens, nas
características gestuais e rítmicas usadas nas sucessivas lutas contra o mal, em favor do
bem. Analisando programas de televisão, Neuls (2004) afirma que a repetição das
narrativas e dos tipos de personagens produz no público “uma suave felicidade, é
prazerosa e tranqüilizadora para quem assiste”, isso porque a repetição produz a
sensação de que tudo está sob controle e no seu devido lugar, enquanto a desordem
causa uma “sensação de perda de controle” (p. 46).
Entre o público e o privado: personagens femininos em ambientes de
treinamento e de luta
Passo agora a discutir sobre algumas características mais gerais do animê, que
colaboram para posicionar, de maneira distinta, personagens femininos e masculinos,
produzindo identidades que se definem em relações de poder, como termos de uma
oposição binária. Nessa relação, é interessante observar a forma como o animê produz
uma hierarquia que distingue masculino e feminino. A maior parte dos episódios é
composta de cenas nas quais aparecem apenas personagens masculinos além disso,
eles são majoritários e atuam em papéis de maior destaque na saga. Excetuando-se
Saori, as meninas e mulheres são coadjuvantes e periféricas, e participam muito mais
em cenas cotidianas, domésticas, nos intervalos entre uma e outra luta travada pelos
cavaleiros.
117
Nos episódios estudados constatei os espaços designados para serem ocupados
pelos homens e pelas mulheres o bem distintos e, de modo geral, a esfera privada é
apresentada como sendo de domínio feminino, enquanto a esfera pública se configura
como masculina. Welzer-Lang (2001) chama a atenção para essas diferenças, afirmando
que “esta dominação se exerce na esfera privada ou pública, e atribui aos homens
privilégios materiais, culturais e simbólicos” (p. 461). Mais adiante, o mesmo autor
comenta que “a opressão das mulheres pelos homens é um sistema dinâmico no qual as
desigualdades vividas pelas mulheres são os efeitos das vantagens dadas aos homens”
(p. 461). A desigualdade apresentada pelos lugares, privados e públicos, que ocupam
mulheres e homens, também estão presentes nas funções ocupadas por ambos nos
lugares em que são colocados. Novamente referimos Welzer-Lang: o conjunto do
social está dividido segundo o mesmo simbólico que atribui aos homens e ao masculino
as funções nobres e às mulheres e ao feminino as tarefas e funções afetadas de pouco
valor” (p. 461).
Os espaços públicos são ocupados pelos homens, que atuam em lutas no
Coliseu, como também em cenários externos. Eles trabalham, constroem coisas, treinam
discípulos em espaços abertos, defendem e protegem as mulheres, crianças, idosos de
ataques das forças do mal. A esfera privada, especialmente ocupada pelas mulheres, é
constituída no animê pelas residências, o santuário, o prédio da fundação e do orfanato,
a igreja, o hospital e a escola. A própria Saori – deusa Atena – quando está reunida com
os jovens cavaleiros, em raros momentos acompanha-os em confrontos abertos, apenas
quando é seqüestrada e os cavaleiros enfrentam adversários para encontrá-la e salvá-la;
normalmente as reuniões do grupo são realizadas em ambientes fechados: a sede da
Fundação, o Santuário de Atena, e outros menos expressivos. A personagem Shunrei
também aparece em espaços domésticos, acompanhando seu irmão, o Cavaleiro Shiryu.
No Coliseu, sua presença é remetida à esfera privada, uma vez que a função por ela
desempenhada é de zelo e cuidado maternal. Conforme destaquei anteriormente, Mino
também se dedica ao cuidado dos órfãos da Fundação e o zelo a Seiya, manifestado em
diferentes cenas já analisadas.
As atividades desempenhadas pelas mulheres – a alimentação, o cuidado, a
limpeza, o embelezamento, o ensino e certas advertências morais tem como
beneficiários os cavaleiros, os mestres, as crianças. Dessa forma são fixadas, como parte
118
da essência feminina, características como ser maternal, ser terna, ser zelosa, ser
abnegada, ser compreensiva, ser sentimental.
A ternura como marca de feminilidade é destacada, por exemplo, no episódio 36,
quando o menino Seiya persegue um coelho para matá-lo e prepará-lo para o seu jantar.
Nesta perseguição Seiya chega a um campo de treinamento feminino e encontra a
menina Shina ferida. Ele pára a fim de ajudá-la e, nesta cena, o próprio coelho que fugia
em desespero se aproxima da menina para ser acariciado. Seiya destaca que até o animal
percebe que as mulheres possuem ternura e afeto que atraem e afastam o medo.
No episódio 35 pode-se destacar uma importante cena em que se contrapõem
trabalhos na esfera doméstica e trabalhos no âmbito externo. Shunrei toma conta do
irmão, que ficara cego. Na cena ela é apresentada como uma dona de casa que prepara o
alimento, arruma-o adequadamente e leva a Shiryu, que está cavando e limpando a
propriedade, do lado de fora da casa. O cavaleiro realiza o trabalho pesado, na cena ele
está limpando o suor do rosto. Ao preparar o alimento, Shunrei acomoda-o em uma
marmita e leva até o irmão é ela quem interrompe seus afazeres, levando até Shiryu,
além do alimento, sua dedicação e cuidado. Nesta cena parece fazer sentido o que
Welzer-Lang (2001) chama de “pseudo natureza superior dos homens” e
conseqüentemente, a centralidade das tarefas por eles desenvolvidas e o caráter
periférico do que fazem as mulheres, podendo o seu trabalho ser interrompido em
benefício do homem.
Nos episódios analisados,
as mulheres o identificadas,
também, como responsáveis,
protetoras, comprometidas,
maduras, mesmo que sejam ainda
jovens. Por outro lado, os meninos
e os jovens parecem mais
inconseqüentes,
descomprometidos, necessitando,
assim, da orientação, da
repreensão e, até do
disciplinamento de algumas das
Figura 40 - Episódio 35: Shunrei prepara refeição e leva a
Shiryu que, mesmo cego, realizava limpezas em sua
propriedade. A mulher cuida dos afazeres domésticos, o
homem trabalha fora do lar.
119
mulheres com quem convivem. Este fato se observa em episódios como estes, que relato
a seguir: no episódio 6 Seiya está hospitalizado e foge do tratamento, Mino o repreende
e corre atrás dele, exigindo que regresse para obter a recuperação. No episódio 2,
quando Jabu e Seiya se encontram na sede da Fundação Graad, os dois iniciam um
desafio conflituoso, chegando a desferir golpes um contra o outro. Saori interfere de
forma equilibrada, age com bom senso e maturidade, sugerindo aos dois jovens que
aproveitem suas habilidades de lutadores para se enfrentarem na arena do Coliseu.
Mas deslizamentos nessas distinções de espaços públicos e privados. Em
alguns momentos atuam juntos homens e mulheres tal como ocorre quando se
desenvolvem lutas entre cavaleiros e mulheres lutadoras mas mesmo nestes
momentos, a superioridade masculina parece ser destacada. O Coliseu possui um espaço
público - a arena - reservada para lutas que ocorrem entre lutadores masculinos.
Observei que neste espaço jamais um homem aceita o desafio de enfrentar uma mulher,
mesmo que a admita como mulher cavaleiro, treinada e apta para lutar. Em espaços
externos, se acontecer um ataque de uma mulher, o cavaleiro apenas se defende até
dominá-la, quase sempre com facilidade, ou até que a mulher seja substituída por um
outro cavaleiro, e assim se produzirem as condições de luta entre iguais - homem contra
homem. O espaço feminino, inclusive da mulher cavaleiro, é controlado de forma que
ela atue subordinada ao masculino.
Também me parece interessante destacar que a mulher mestra, que treina
cavaleiros, usa táticas diferenciadas dos mestres masculinos: ela ensina através da
sensibilidade, ministra aulas que fundamentam o desenvolvimento do jovem para se
tornar um guerreiro e adquirir os sentidos que vêm do cosmos para superar suas
próprias limitações. Esta relação de aprendizagem é especialmente marcada em cenas
do treinamento de Seiya, nas quais Marin lhe ensina sobre as constelações, as energias
celestes, o domínio de sua força interior. Ela está presente nas lutas de Seiya como
memória uma voz interior que o orienta, dizendo-lhe algo que permite vencer a luta,
mesmo sendo mais fraco que seu oponente. A relação do jovem aprendiz com sua
mestra, também se distingue pelo fato de que ele visa superá-la, enquanto que os
cavaleiros treinados por mestres homens desejam se tornar como eles.
120
Figura 41 - Episódio 1: Marin, a mestra de Seiya, aula
sobre a grande explosão do universo.
Figura 42 - Episódio 1: Marin, a mestra que
explica a ciência do universo para Seiya aprender
a elevar o seu cosmo.
O campo de treinamento para mulheres é exclusivo para o feminino, sendo,
inclusive, proibido a presença de meninos, como mostra o episódio 36. Trata-se de uma
lembrança de Shina - O menino Seiya, perseguindo distraidamente um coelho, entra no
campo para treinamento feminino, Shina sem a máscara, e é repreendido por ela, no
diálogo a seguir:
- Shina: Seque não sabe que esse campo de treinamento é proibido para todos os
homens?
- Seiya: Essa não, eu estava tão concentrado em pegar o meu jantar (um coelho) que eu
nem lembrei disso.
- Shina: Já chega, qualquer homem que entre nesta área deve estar pronto para
encarar a morte
Seiya enfaixa o braço machucado de Shina, ela reluta em aceitar, mas Seiya retruca:
- Seiya: Ei, calma mocinha, não mexa o braço, você pode bancar a durona, mas eu
tenho certeza de que você é uma pessoa boa e sensível, olha só, até o coelho sabe
disso.
Na seqüência desse episódio, Seiya afirma saber a existência de espaços
exclusivos para o treinamento feminino, onde as instrutoras e as alunas são mulheres,
que treinam sempre usando máscaras. O campo de treinamento feminino não é
identificado e nem recebe referências de localização, enquanto que os lugares de
treinamentos dos meninos o nomeados e descritos com muitos detalhes para justificar
as características que adquiriram como cavaleiros. Nos campos masculinos de
121
treinamento as mulheres podem estar presentes, podem ser treinadoras, ou
companheiras para prestarem cuidados, apoio, e orientações para a formação dos
garotos aprendizes.
No animê Os cavaleiros do Zodíaco destacam-se como lutadoras as Amazonas,
mulheres habilidosas que possuem poderes e força interior, à semelhança dos homens.
Elas aparecem com seus rostos ocultados com máscaras para serem semelhantes aos
homens. Mesmo que seus corpos sejam femininos, seus rostos não devem ser vistos no
combate. Sobre esse aspecto, Sato (2006b) informa que “elas ocultam seus rostos com
máscaras, o que segundo uma antiga tradição as torna iguais aos homens, escondendo
sua feminilidade. Caso um homem veja o rosto de uma delas, ela deve matá-lo ou, ao
contrário, se apaixonará por ele”. Essa tradição parece ganhar sentido quando, no animê,
Shina se apaixona por Seiya, que seu rosto na cena descrita anteriormente. Nesse
episódio Shina explica a Seiya que, “foi assim que me dei conta... até onde eu consigo
me lembrar, eu tinha sido treinada apenas para lutar, e, naquele dia, pela primeira vez,
aprendi o que era ternura humana. E, Seiya, senti que você não tinha apenas
descoberto o meu rosto, mas o fundo do meu coração [...] por mais que me esforçasse,
eu não consegui esquecê-lo. Por isso, eu preciso matá-lo, ou então eu... Esqueça, é
impossível haver alguma coisa entre nós.
Figura 43 - Episódio 36: Mulheres aprendizes de
cavaleiro são treinadas por mulheres mestres.
Figura 44 - Episódio 36:Campo de treinamento das
amazonas. Proibido a presença de homens.
Localização não referenciada.
Analisando, ainda, a obrigatoriedade do uso da scara pela mulher cavaleiro,
parece que ela precisa renunciar a características tidas como femininas para aprender a
lutar e, assim, ocupar um espaço característico do mundo masculino. A face feminina
122
que se oculta atrás da máscara é também aquela que expressa fragilidade e emotividade.
Sem a máscara ela expõe o rosto e mostra sua feminilidade, anulando sua identidade de
lutadora e expondo, também, seu coração, que fica vulnerável ao sentimento e à paixão.
Sem a máscara, o cavaleiro a vê, apenas, como mulher, dirige-se a ela como mulher,
admira sua beleza e esquiva-se da luta.
Cabe ressaltar que os estudos de mídia, que tive a oportunidade de ler durante o
mestrado, mostram que programas de televisão e produções de cinema tendem a
reafirmar a suposta natureza mais agressiva dos homens, em oposição às mulheres que
se mostram mais voltadas para valores estéticos e são expostas como objetos de desejo
masculino. De algum modo, isso também faz sentido em Cavaleiros do Zodíaco, sendo
a força masculina preponderante. Mesmo que algumas mulheres sejam também
lutadoras ou até treinadoras dos meninos, elas lutam escondendo o rosto, e não fazem
parte do grupo de lutadores com alma de guerreiro, aqueles que tem o privilégio e a
obrigação de proteger Atena.
Por trás de um grande cavaleiro, uma grande mulher!
O título deste segmento de meu texto faz alusão ao conhecido jargão “por trás de
um grande homem há sempre uma grande mulher”. Em minha análise, esta é uma
mensagem que se pode aprender também nas cenas e episódios do animê Os Cavaleiros
do Zodíaco. Apresento a seguir outros personagens femininos que aparecem nas sagas
do animê e que, de muitas maneiras, participam na produção de sentidos e lugares para
a masculinidade, em oposição a uma condição e um espaço feminino.
123
Figura 45 - Episódio 15: Esmeralda cuida do
jovem Ikki, trata suas feridas, e aconselha-o a amar
sempre. Ela é parecida com Shun, o irmão de Ikki.
Figura 46 - Episódio 15: Esmerala é ferida de
morte pelo seu próprio pai quando se coloca na
frente de um golpe para defender Ikki.
Esmeralda é a menina que marca as transformações fundamentais que
acontecem na vida do menino Ikki, durante seu período de treinamento até se tornar um
cavaleiro. Ikki foi ensinado de forma muito cruel na Ilha da Rainha da Morte. Era
espancado pelo mestre que considerava o ódio como a fonte de poder do cosmos, poder
que o cavaleiro deveria aprender a dominar. Conforme define Sato (2006a), Esmeralda
“era doce e gentil, de cabelos claros e feições que lembravam as de Shun”, irmão menor
de Ikki, e foi a presença da menina que o ajudou a sobreviver naquela ilha. O mestre de
Ikki, e pai de Esmeralda, ameaçava a menina de morte se ela interferisse no
treinamento, mas mesmo assim, ela desafiava o pai e o socorria em diferentes situações
e cuidava com zelo dos ferimentos de Ikki. A união deles e o treinamento de Ikki
terminam quando o mestre surpreende os dois admirando flores, nesse momento ele
entra em luta violenta com Ikki. Durante a luta, Esmeralda coloca-se à frente de um
golpe do pai contra Ikki, fica ferida, e morre. Duas razões enchem o jovem Ikki de
cólera contra seu mestre. A primeira é a imperdoável atitude, para um homem, de ferir
uma mulher em luta, mesmo que o faça por descuido. Um cavaleiro deve ser tão
habilidoso que consiga evitar desferir golpe quando uma mulher se põe na frente em
defesa do seu familiar ou amado. A segunda razão é a morte da mulher que, de certa
forma, mantinha o vínculo entre Ikki e seu mestre. Antes de morrer Esmeralda pede a
Ikki que não desista do bem, que lute para reencontrar seu irmão. Tomado de fúria, Ikki
mata o mestre e consegue a armadura de Fênix, saindo da Ilha da Rainha da Morte, e
unindo-se ao malvado mestre Ares. Deste momento em diante Ikki passa a viver e a
lutar, inspirado pelo ódio. Mas as lembranças de Esmeralda, somadas ao carinho de
124
Shun e à amizade dos demais cavaleiros, acabam por redimir o personagem, tornando-o
participante do grupo dos cavaleiros de Atena.
Figura 47 - June de Camaleão – amazona companheira de Shun na
Ilha de Andrômeda. (Fonte: www.saint-Seiya.it, acessado em
20/03/08).
Figura 48 - June representada em
estilo camaleão e corpo esbelto.
June era a amiga, a força moral, o apoio, a torcedora que cuidava dos ferimentos
do cavaleiro Shun, irmão de Ikki. O personagem Shun será discutido em um capítulo
adiante, mas é importante registrar que ele detestava lutar, sua motivação vinha de June,
que insistia que estando em evidência ele poderia encontrar seu irmão Ikki, e ajudá-lo a
reencontrar o caminho do bem. A dedicação de June caracteriza um certo modo de ser
irmã e mãe além de apoiar e amparar, ela conduz ao caminho certo e ensina sobre
sentimentos como bondade e generosidade. Ela é branca, com traços sicos ocidentais,
e sua caracterização feminina corresponde às demais mulheres japonesas apresentadas
na saga.
125
Natássia, a mãe de
Hyoga, aparece como exemplo
de determinação que orienta e
protege o filho até o último
instante de sua vida. Ela não
foge dos traços femininos de
bondade, amor e encorajamento
para educar e formar no menino
um coração de cavaleiro
definido por valores e atributos
que marcam este animê. No
início da primeira saga ela está
em um navio com Hyoga e a
embarcação naufraga, na impossibilidade de salvar os dois, a mãe assegura a vida do
filho e morre. Devido ao frio da Sibéria, o corpo dela permanece intacto, possibilitando
que Hyoga vá ao seu encontro para homenageá-la em momentos distintos dos episódios.
A presença da mãe se mantém como referência durante o treinamento deste cavaleiro, e
mesmo quando ele é chamado para as lutas no Coliseu, a memória dela o acompanha,
servindo de estímulo. É por ela que ele luta, para que sua atitude abnegada, capaz de
doar a vida, possa ser honrada. Hyoga perde a primeira luta e, quando sua alma se
dirigia para o outro mundo, o espírito da mãe ordena que ele volte à terra porque a ele se
destinam muitas missões importantes. Essa interferência de espíritos de familiares
possui fundamentação na religiosidade xintoísta, na qual veneram os antepassados,
confiando na sua proteção.
Figura 49 - Episódio 76: Natássia – abnegada e amorosa
mãe de Hyoga, morreu num naufrágio quando ele tinha 4
anos, está sepultada no fundo do mar, recebe honras de
seu filho.
126
Marin é representada como
uma bela mulher oriental. Apesar de
não participar de torneios, ela possui
habilidades semelhantes a dos
cavaleiros. Na descrição de Sato
(2006a), ela era “ponderada, gentil,
mas exigente em treinamentos, foi
ela que moldou Seiya para ser um
grande defensor de Atena”. Ela
arriscava a vida para defender Seiya
e lhe era muito dedicada, assim como
uma mãe ou irmã que organiza a
família, e se dedica ao menino ao
qual educa. Vê-se que em todos os
personagens femininos essas
representações são recorrentes,
marcando as diferenças de gênero e ensinando sobre as formas de ser feminina. Na
seqüência dos episódios fica evidente que Marin, mesmo omitindo sua identidade, é a
irmã que o cavaleiro Seiya luta para encontrar.
Figura 51 - Episódio 36: Shina retira a máscara e
revela seu amor ao cavaleiro Seiya
Figura 52 - Episódio 36: Imagem de Seiya refletida
dentro dos olhos de Shina, uma representação de
sua paixão por ele.
Shina, mulher cavaleiro, hábil e poderosa, é apresentada como personagem do
mal, por ser fiel ao perverso Mestre do Santuário. Ela luta contra Seiya e deseja matá-lo,
Figura 50 - Episódio 1: Marin – mestra de Seiya,
companheira e, possivelmente, sua irmã Seika.
127
mas como o cavaleiro vê o seu rosto, ela se apaixona por ele e sabe que seu amor nunca
será correspondido. Ao longo da trama, Shina se converte motivada por sentimentos
de amor e passa a lutar em favor do bem. Em diálogos com Seiya ela demonstra seu
amor e seu desejo de constituir com ele uma família, porém, reconhece que não fora
educada para a vida do lar, como as outras mulheres, Nas palavras dela: “Foi assim que
me dei conta. Até onde eu consigo me lembrar, eu tinha sido treinada apenas para
lutar”. Ela é a mulher que, sendo valente e treinada para a luta, não assume um lugar
feminino e maternal, e talvez por isso reconheça que não pode ser correspondida no
amor. Para manter a honra, se necessário, de doar sua vida em defesa do amor e do bem,
sugerindo aqui o suicídio honroso como solução para mulheres que transgridem padrões
socialmente constituídos. Sua vida parece marcada por solidão quando, nas ações e
lutas, apresenta-se sob domínio, ou em auxílio de deuses e cavaleiros malvados ou
bondosos. Ela é a representação do feminino que transgride e assume as conseqüências
o que parece sugerir um modelo de mulher que o produz identificação com o
público feminino. Ela representa um outro modo de viver a feminilidade e, entre
sentimentos ambíguos de amor e ódio, coloca sua vida em risco para proteger Seiya,
mantendo, assim, a abnegação como atributo feminino.
Eri é a professora do orfanato, que
arrisca a vida para salvar um aluno de ser
atropelado. O cavaleiro Hyoga presencia a
ação heróica e passa a admirá-la por sua
meiguice e amizade com os alunos do
orfanato. Ela representa a professora
vocacionada, que convive com seus alunos
de forma materna e afetiva. Ela aparece
representada, conforme Costa e Silveira
(1998) descrevem as professoras,
observadas na revista Nova Escola, como
naturalmente afetiva, dedicada, paciente, completamente dedicada ao cuidado e
educação dos alunos. Eri mantém com os alunos uma relação maternal, cuidando deles
no mesmo tempo que os educa. Isso encantou o jovem Hyoga que passou a tê-la por
referência de mulher, lutando para defendê-la quando seu corpo foi tomado pela
malvada deusa Eris que, desta forma, queria destruir a deusa Atena.
Figura 53 - Eri, ou Eiri, exemplo de professora
vocacionada que trabalha no orfanato, salva a
vida de uma criança que seria atropelada, e passa
a ser admirada e cortejada por Hyoga.
128
As personagens femininas que atuam nos episódios de toda a saga aparecem
produzindo perfis que identificam a diferença cultural de gênero socialmente instituída e
apresentada pelas demais personagens da série. Elas são todas representadas como
heterossexuais, vêem-se como mulheres que são es, amigas de meninos e meninas e
que, no amor, demonstram seus interesses pelos meninos. Mesmo que os movimentos
feministas tenham trazido à tona questões como a discriminação e, atenuado muitos
conflitos das relações de gênero, na mídia ainda persistem, de modo recorrente, as
representações de submissão feminina. Destaca-se também “a remasculinização da
sociedade, reafirmando a suposta natureza mais agressiva dos homens e decantando, em
relação às mulheres, valores exclusivamente estéticos que as expõem como objeto de
desejo sexual” (COSTA E SILVEIRA, 1998, p. 1). Muito mais do que situar a mulher
num espaço privado, num lugar secundário e afetivo, essas representações destinam
espaços públicos e funções nobres ao masculino dominante, reafirmando a hierarquia
socialmente instituída.
No contexto dos animês, essa política de identidade tem se apresentado de forma
freqüente através dos enredos, dos personagens e outros recursos articulados para
constituir, ora em oposição, ora em complementaridade, o masculino e o feminino. Essa
produção fílmica apresenta uma confrontação de gênero que privilegia uma maior
“exibição de masculinidade”, sua força e coragem, em contraposição às mulheres, que
são colocadas “física e moralmente, de lado” (CONNEL, 1995, p. 186), sem o direito de
integrarem o grupo dos homens e participarem dos seus privilégios, sejam eles
cavaleiros, ou não. O animê produz, reproduz e colabora para construir identidades
masculinas destacadas e potencializadas, enquanto que, as identidades femininas são
apresentadas como fragilizadas e delimitadas por práticas institucionais que lhes negam
a igualdade e impõem papéis sociais distintos.As personagens do animê trabalhado são
modelos de mulheres que os cavaleiros desejam, ou rejeitam - cumpre a cada menina
seguir os exemplos adequados e evitar aqueles indesejáveis. A menina considerada
inteligente saberá fazer a distinção para realizar seu sonho e ser feliz para sempre, sendo
uma grande mulher, que acompanha e ajuda a construir o universo de um grande
homem.
129
5 A LENDA CONTINUA: LONGA VIDA... LENDÁRIOS
CAVALEIROS!
No capítulo que encerra o meu estudo, optei por apresentar uma espécie de
epílogo. Nele relato o desfecho das lutas travadas pelos Cavaleiros do Zodíaco,
descrevendo as cenas finais, apresentadas no capítulo 114, que encerra a saga. Trata-se
de um esforço final, um último rearranjo das análises empreendidas em seções
anteriores da dissertação.
Nas cenas finais do animê Atena e seus cavaleiros enfrentaram e derrotaram as
forças do mal que ameaçavam a terra. A última missão era aprisionar o espírito maligno
de Posseidon dentro da Ânfora de Atena e, para isso, ela e seus defensores
constituídos nesta saga como Cavaleiros Deuses - uniram os seus cosmos para dominar
Posseidon. Lutando juntos e com um objetivo comum, os cavaleiros vencem muitas
dificuldades e, por fim, derrotam Posseidon, assegurando a paz por longos anos,
conforme destaca o narrador, no último episódio. No entanto, Seiya termina a luta ferido
por uma flecha no peito, aparentemente mortal, isso parece ser o sinal de que a missão
dos cavaleiros terminara. Atena reúne seu pequeno exército em torno de si, permitindo
que o templo de Posseidon desmorone e que as águas do oceano os encubram e, desta
forma, todos são elevados ao céu onde brilharão como estrelas, até o momento de
voltar novamente à terra para proteger a humanidade” (SATO, 2006b). Desse momento
em diante, a terra está livre de influências de deuses malignos. É responsabilidade dos
humanos manterem a paz, controlando a si mesmos e cultivando atitudes nobres,
aprendidas com os cavaleiros.
Conta a lenda que a deusa reencarna a cada 200 anos, portanto é possível que,
um dia, a terra volte a ser ameaçada e ela retorne com seus defensores para salvar os
humanos. Esta mensagem produz sentidos de continuidade, de algo que não termina no
episódio final.
130
Os meninos e meninas, interpelados pelos discursos do animê, aprenderam com
os cavaleiros valores como união, amizade, lealdade, força colocada em defesa do bem.
O treinamento e os embates enfrentados durante as sagas ensinam sobre auto-disciplina,
vigor, coragem, senso de justiça, características que possibilitam desenvolver uma
“alma de guerreiro”.
Conta a lenda... e a lenda ensina como se tornar um cavaleiro, através de
diferentes práticas, algumas delas analisadas nesta dissertação. O que ocorre com os
meninos e meninas que assistem ao animê o pode ser previsto, o é dado, não é
linear, e faz sentido para cada espectador de diferentes maneiras, amalgamando-se a
outras representações que, no cotidiano, vão constituindo identidades e lugares sociais.
Utilizando a linguagem do animê, pode-se dizer que nenhuma divindade passa
pela terra sem deixar marcas, sem construir de certo modo a sua história, sem intervir na
conduta humana. Do mesmo modo, as representações de masculinidade e feminilidade
que este animê colabora para produzir deixam “marcas” naqueles que acompanham a
saga dos cavaleiros. Na longa passagem de Os Cavaleiros do Zodíaco pelas telas da
televisão, em diferentes momentos, formatos, emissoras, eles ensinam múltiplas lições,
põem em evidência estilos de vida, formas de conduta, valores e colaboram para
naturalizar certas relações de poder. E a luta travada pelos cavaleiros é remetida aos
espectadores, como convocatória reafirmada nas imagens, nas palavras do narrador, na
letra da canção que serve como tema. O discurso que fecha o episódio 114 desafia
admiradores e os estimula a lutarem em defesa do bem, da honra, da justiça,
possibilitando aos fãs certa identificação, convidando-os a conquistarem também um
“coração de cavaleiro”. Destaco a seguir as palavras que fecham a série:
Quando a terra estiver sendo ameaçada pelo mal, sempre aparecerão os
Cavaleiros de Atena. Eles são a esperança de um futuro melhor. Eu juro por
Deus que, apesar dos problemas que o futuro possa nos reservar, eu sempre
vou acreditar nos meus cavaleiros e, junto com eles, vou continuar
acreditando e protegendo esta terra maravilhosa.
Toda a admiração dedicada pelos fãs a esses personagens manifesta-se em
múltiplas formas de identificação contemporâneas. A produtividade deste animê pode
então ser pensada como algo que vai além da audiência dos episódios, e se estende às
formas atuais de consumo. Os Cavaleiros do Zodíaco cativam também pelas mensagens
pedagógicas, posicionam meninos e meninas em diferentes lugares sociais, ensinando,
de forma especial, aos homens que cultivando uma alma de guerreiro” serão a
131
“esperança de um futuro melhor... apesar dos problemas que ele possa nos reservar”.
Essa mensagem se remete a cada um em particular, e a todos - ninguém deve desanimar
ou desistir, todos devem valorizar a amizade, a lealdade, lutar pela justiça, “continuar
acreditando e protegendo esta terra maravilhosa”. Estes parecem ser atributos desejáveis
aos jovens japoneses desde o período pós-guerra, que foram amplamente difundidos
para incentivar a reconstrução do país que fora reduzido à miséria pela guerra. É
possível afirmar que esse épico de lutas e mensagens em favor da união, da paz, do
bem, da auto disciplina, do sacrifício pessoal em benefício da coletividade fundamenta-
se em um momento específico vivido no Japão, em que estes valores eram ressaltados
como necessários para a reconstrução do país. Mas também é possível afirmar que estas
mensagens encontram ressonância em representações contemporâneas em muitos
lugares diferentes, sendo este o animê que mais despertou fãs no mundo inteiro.
A lenda continua... e produz sentidos em práticas de inúmeros s que,
ainda hoje, produzem e fazem circular artefatos diversos inspirados em Os Cavaleiros
do Zodíaco: colecionam as sagas em DVD’s e freqüentemente se reúnem para reverem
os episódios; disponibilizam episódios para serem copiados gratuitamente na internet;
inventam e desenham outras histórias inspiradas nesses heróis e as fazem circular na
Internet na forma de fanfiction
17
; criam e promovem entrevistas fictícias sobre vida a
de Atena e dos jovens guerreiros, envolvidos inclusive em “sagas” atuais (tais como a
violência em centros urbanos, a luta contra traficantes de drogas, entre outras);
escrevem para as redes de TV sugerindo exibição da série ou partes dela. Alguns fãs
também participam, ainda hoje, de encontros de cosplay e admiradores de animes, e se
apresentam vestidos como personagens dessa série. A produtividade do animê, também,
movimenta grandes empreendimentos - muitas bancas disponibilizam os mangás dessa
produção; na Internet existe um grande número de lojas que oferecem DVD’s contendo
todos os episódios do animê; ainda se podem ver brinquedos, mochilas, estampas de
roupas, fantasias de cavaleiros povoando o universo de possibilidades no mercado.
Abaixo destaco alguns exemplos:
17
Fanfiction trata de contos ou romances de ficção criados por fãs que admiram determinados gêneros de
filmes, HQ’s, ou livros. Para conhecer algumas dessas produções, ver
www.guaruhara.hpg.ig.com.br/saintseiyafic.html; www.fanfics.animespirits.ne/visualizar/51/. Acesso,
março de 2008.
132
Figura 54 - Utensílios para festa de aniversário
disponível em:
http://www.americanas.com.br/AcomProd/585/2381
15, acesso em 28 de março de 2008.
Figura 55 - Gravação de canções da saga.
http://cantoencanto.blogspot.com/2007/08/os-
cavaleiros-do-zodiaco-1995-as.html, Acesso em
28 de março de 2008.
Figura 56 - O Cavaleiro Seiya em forma de boneco.
Disponível em
http://produto.mercadolivre.com.br/MLB-63103621-
_JM, acesso em 26 de março de 2008.
Figura 57 - Um grupo de 12 cavaleiros também
em forma de bonecos. Disponível em
http://produto.mercadolivre.com.br/MLB-
63103621-_JM, acesso em 26 de março de 2008.
133
Figura 58 - Bonecos ambientados em uma cena de
natal. Disponível em:
http://diascomuns.blogspot.com/2005/01/cavaleiros-
xd.html, acesso 24 de março de 2008.
Figura 59 - Jogo de vídeo game dos Cavaleiros do
Zodíaco. Disponível em
http://ps2world.net/loja/product_info.php?product
s, acesso em 24 de março de 2008.
Figura 60 - Família Simpsons vestida de Os
Cavaleiros do Zodíaco – disponível em
http://felipeherold.blogspot.com/2007/09/cavaleiros-
do-zodiaco-verso-os-simpsoms.html, acesso em 24
de março de 2008.
Figura 61 - Aioria – Cavaleiro espectros.
Disponível em:
http://saintseiyafh.weblogger.terra.com.br/index.h
tm, acesso em 24 de março de 2008.
134
Figura 62 - Imagens de cosplay. Disponível em:
http://diegomaryo.files.wordpress.com/2007/07/1138
044394_f.jpg, acesso em 25 de março de 2008.
Figura 63 - Imagens de cosplay. Disponível em:
www.eupodiatamatando.com, acesso em 25 de
março de 2008.
Figura 64 - Imagens de cosplay. Disponível em:
http://www.ehnoinafoto.blogger.com.br/Cavaleiros_
Zodiaco.jpg, acesso em 25 de março de 2008.
Figura 65 - Imagens de cosplay. Disponível
em:http://www.fanfiction.net/forums/anime/Saint
_Seiya/
135
Figura 66 - Imagens de cosplay. Disponível em:
http://brancoclaro.brasilflog.com.br/1111406510.jpg,
acesso em 25 de março de 2008.
Figura 67 - Imagens de cosplay. Disponível em:
http://spe.fotologs.net/photo/14/30/98/cosplay/11
02477746_f.jpg, acesso em 25 de março de 2008.
As formas de utilização da imagem de Os Cavaleiros do Zodíaco põem
em evidência uma ampla rede de produção e de consumo do animê. Os primeiros
exemplos (figura 54 a 59) mostram alguns produtos colocados à disposição dos
consumidores utensílios para festas infantis, gravações musicais, bonecos de
personagens, jogos eletrônicos. Um segundo grupo de imagens (figuras 60 e 61) mostra
criações feitas a partir de personagens deste e de outros desenhos animados. A última
seqüência destaca fotografias em festas de cosplay (figuras 62 a 67), disponibilizadas na
internet em páginas pessoais. Algumas produções mostram representações mais
elaboradas, outras apresentam alternativas mais humildes e improvisadas que
atravessam diferentes classes econômico-sociais.
Não se trata, portanto, apenas da duplicação ou reprodução de imagens em
produtos, mas de representações e de mensagens que participam da chamada política
cultural do nosso tempo”, na qual se conformam, se posicionam, se produzem
identidades, e na qual se ensaiam diferentes formas de ser jovem e de ser masculino,
foco desta pesquisa.
Masami Kurumada enfrentou muita dificuldade para fazer um fechamento para a
sua obra, “foram cinco anos de trabalho sem férias, fins de semana e feriados, que lhe
causaram uma séria gastrite e isso fez com que se tornasse vegetariano”, relata Sato
(2006b). Kurumada escreveu aos fãs que viveram emoções com sua obra, e os
agradeceu pela sua projeção mundial como autor do animê. A mesma autora cita
palavras escritas por Kurumada aos consumidores: “A pena com que desenhei pela
última vez o rosto do Seiya quebrou, mas sinto que o trabalho que ela realizou durará
136
para sempre”. Suas palavras parecem sugerir que as lições da lenda apresentadas pelo
animê sobreviveriam na vida de seus admiradores.
O presente trabalho não é tão longo e nem possui multidões de fãs, apenas
poucos curiosos que, como eu, perscrutam algumas cenas, imagens ou narrativas para
serem observadas a partir das lentes dos Estudos Culturais. Procurei analisar,
especialmente, as representações de masculinidade e o modo como elas produzem esses
sujeitos, delineando seus traços, definindo seus contornos, caracterizando suas práticas.
Este estudo me permite dizer que há um investimento na produção de certo perfil para a
masculinidade, que colabora para afirmar se um indivíduo pode, ou não, ser identificado
como pertencendo a esse grupo. As representações organizam e produzem sentidos e
estendem seus efeitos sobre os sujeitos, para ensiná-los a serem homens ou mulheres.
Os Cavaleiros do Zodíaco foram tomados, na pesquisa, como uma produção de
mídia veiculada com o fim de divertir, conquistar audiência, e auferir lucros para a
empresa. Tomei-o, no entanto, como objeto de estudo – um artefato cultural - e procurei
destacar alguns eixos de análise, observando-o como uma Pedagogia Cultural que
constitui masculinidades e feminilidades em diversas práticas e por diferentes meios
narrações, diálogos, monólogos, letras de música, sons, imagens em movimento, cores,
traços de personagens, luz e sombra, cenários. No foco de nosso olhar, esteve a
visibilidade dada ao masculino atuante nos enredos dos episódios observados.
137
Em minha leitura, a lenda continua porque ao produzir e exibir certas maneiras
de ser masculino, o animê produz também identificações naqueles que assistem aos
episódios. Desse
modo, participa na
produção de
representações sobre
masculinidades que,
articuladas a outras
produções televisivas,
fílmicas, publicitárias,
literárias, vão
instituindo identidades
e distinguindo os
sujeitos a partir de
certos atributos
tomados como naturais para homens e mulheres. Esta rede de representações produz
efeitos, ampliando ou restringindo possibilidades, configurando aquilo que podemos ser
e o que devemos desejar ser.
Masculinidades múltiplas são veiculadas no animê, conforme pude observar
durante as análises. Mas com seus corpos belos, viris, musculosos e perfeitos os
Cavaleiros protetores de Atena também delimitam algumas possibilidades, como sendo
aquelas com as quais seus s devem se identificar, porque os meninos são os grandes
homens do futuro. Meninos e meninas com “alma de guerreiro”, esse tipo especial de
força física e moral que o animê ensina, “são a esperança de um futuro melhor”, vão
continuar amando e protegendo, como Atena e seus cavaleiros, esta terra maravilhosa.
Longa vida... Lendários cavaleiros.
Figura 68 - Longa vida... Cavaleiros amigos. Disponível em:
www.thaisaintseiya.com, acesso em 03/2008.
138
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KIERCHOF, Edgar R.; POOLI, João Paulo e RIPOLL, Daniela. Cultura, identidade e formação
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143
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www.pt.wikipedia.org/wiki/Animê, acesso em 10/10/2007
145
ANEXO 1
Quadro resumo de toda a saga os cavaleiros do zodíaco
1. A SAGA DO SANTUÁRIO – Subdividida em cinco fases:
1.1 Fase 1: A guerra galáctica - Episódios 1-6
Episódio 01: As lendas de uma nova era
Episódio 02: Quando Seiya veste a armadura de Pégaso
Episódio 03: Cisne, o guerreiro do Gelo
Episódio 04: O invencível golpe do dragão
Episódio 05: A ressurreição do Dragão
Episódio 06: Fênix, o guerreiro que voltou do inferno.
1.2 Fase 2: Os Cavaleiros Negros - Episódios 7-15
Episódio 07: A vingança do Cavaleiro Fênix
Episódio 08: À procura da armadura de Ouro
Episódio 09: Os cavaleiros do apocalipse
Episódio 10: O túmulo da armadura sagrada
Episódio 11: Seiya enfrenta o Pégaso Negro
Episódio 12: As correntes da amizade
Episódio 13: As façanhas explosivas
Episódio 14: A derrota do espírito diabólico
Episódio 15: O segredo de Fênix
1.3 Fase 3: As Forças ocultas do Santuário - Episódios 16-22
146
Episódio 16: O ataque à fundação
Episódio 17: Temos que salvar Saori
Episódio 18: Os cavaleiros do abismo
Episódio 19: A ilha do espectro
Episódio 20: A traição do senhor do gelo
Episódio 21: A pirâmide de gelo
Episódio 22: O Cavaleiro das Chamas
1.4 Fase 4: Os Cavaleiros de Prata - Episódios 23-35
Episódio 23: O Anjo da Morte
Episódio 24: O vôo de Pégaso
Episódio 25: A revelação
Episódio 26: Os cavaleiros de aço
Episódio 27: O escudo da Medusa
Episódio 28: O golpe de misericórdia do Dragão
Episódio 29: O seqüestro de Saori
Episódio 30: O cosmo flamejante do amor
Episódio 31: A fronteira entre a vida e a morte
Episódio 32: A explosão da ilha da rainha da morte
Episódio 33: As lágrimas do Dragão cego
Episódio 34: Adeus companheiro, descansa em paz
Episódio 35: A esperança de Seiya
1.5 Fase 5: A Batalha das doze casas - Episódios 36-73
Episódio 36: As doze Armaduras de Ouro
Episódio 37: A decisão da Armadura de Sagitário
Episódio 38: Ataquem, cavaleiros de ouro
Episódio 39: Shiryu contra o máscara da morte
Episódio 40: A partida
Episódio 41: A crise de Atena
Episódio 42: Cosmo final
Episódio 43: Batalha na casa de Touro
147
Episódio 44: Gêmeos, o labirinto de luz e sombra
Episódio 45: Enviados para uma outra dimensão
Episódio 46: A corrente nebulosa de Andrômeda ataca desta vez
Episódio 47: O corajoso Yoga descansa em paz
Episódio 48: O Dragão volta do mundo dos mortos
Episódio 49: Shunrei reza por Shiryu
Episódio 50: Levante-se, Dragão
Episódio 51: Por que Leão tenta matar Seiya
Episódio 52: O golpe satânico de Áries
Episódio 53: Cassius morre por amor
Episódio 54: Ikki, a ave Fênix sem asas
Episódio 55: A súplica de Atena
Episódio 56: Shaka, o cavaleiro mais próximo de deus
Episódio 57: Shaka, abre os olhos
Episódio 58: Ikki morre corajosamente por amizade
Episódio 59: Yoga volta à vida
Episódio 60: O renascer de Yoga
Episódio 61: Renda-se, ou morra
Episódio 62: Yoga, o guerreiro corajoso
Episódio 63: Todas as armaduras de ouro retiram-se do santuário
Episódio 64: Juramos proteger Atena
Episódio 65: A espada sagrada ruge
Episódio 66: Shiryu se transforma numa estrela cadente
Episódio 67: Adeus ao mestre e aos meus amigos
Episódio 68: O maravilhoso guerreiro Afrodite
Episódio 69: O doce aroma da morte
Episódio 70: Durma em paz, Shun
Episódio 71: O relógio de fogo se extingue
Episódio 72: Não perca seus amigos, Seiya
Episódio 73: Amigos, reúnam-se com Atena
2 A SAGA DE ASGARD - Episódios 74-99
Episódio 74: Inimigos do extremo norte, os lendários guerreiros deuses
148
Episódio 75: Hilda, a deusa enfeitiçada pelo Diabo (Posseidon)
Episódio 76: O cosmos de Thor está cheio de ódio
Episódio 77: Thor morre por Hilda
Episódio 78: Fleirir, o lobo do norte mostra os seus caninos
Episódio 79: Pobres lobos do norte
Episódio 80: Lamentos de gelo
Episódio 81: A batalha mortal de Freia
Episódio 82: Cisne, erga-se do inferno ardente
Episódio 83: Harpa misteriosa, o prelúdio que atrai Shun para a morte
Episódio 84: Condenado á morte, réquiem de cordas
Episódio 85: Um guerreiro triste e corajoso
Episódio 86: Fênix e suas asas ardentes
Episódio 87: A couraça ametista
Episódio 88: A espada de fogo, ambição maligna
Episódio 89: O sacrifício mortal, a floresta dos espíritos
Episódio 90: Não olhe para trás, Seiya
Episódio 91: O segredo de Xinto de Nisar
Episódio 92: Shun, bendito último golpe
Episódio 93: O arco de Xinto, os gênios do destino
Episódio 94: Laços entre irmãos
Episódio 95: O herói da lenda reviveu
Episódio 96: Dragões em luta
Episódio 97: Um bruxo do mal, a canção da morte
Episódio 98: A milagrosa aparição da armadura de Odin
Episódio 99: Atena, minha oração por você
3 A SAGA DE POSSEIDON: Episódios 100-114
Episódio 100: Posseidon, o imperador do oceano
Episódio 101: Destruam todos os pilares dos sete mares
Episódio 102: O misterioso brilho dourado da armadura de bronze
Episódio 103: Shun é atacado pelas seis bestas de Skila
Episódio 104: Morte às bestas pela poderosa corrente dourada
Episódio 105: Escalibur habita o braço de Shiryu
149
Episódio 106: Seiya encontra o seu ente mais querido
Episódio 107: Linhadis, o malvado
Episódio 108: Isaque, o homem que esqueceu os sentimentos
Episódio 109: Tome cuidado, Ikki, outra triste batalha mortal
Episódio 110: Ouça a bela canção de Atena
Episódio 111: Amigos que morrem, morrem juntos
Episódio 112: O mistério do renascer de Posseidon
Episódio 113: A flecha dourada ataca Posseidon
Episódio 114: Viva a amizade, longa vida, lendários Cavaleiros.
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