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3.2.2 A obediência ao padre Ignácio Gioia
De onde viria a conclusão dos luizenses de que o monsenhor Ignácio Gioia teria
ameaçado os foliões a penalidade divina do ‘rabo e chifre’, herdada na memória oral dos
moradores? Mais uma vez, a história nos dá algumas pistas. O poderio de Ignacio Gioia,
instalado na cidade em 1912, não pode ser descolado do contexto histórico a que se atribui sua
proibição ao Carnaval, oito anos após sua chegada
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A situação de controle a qual o município estava submetido naquele momento é
retratada por Almeida (1978), como será mostrado.
Com a instalação da companhia telefônica em São Luiz, a Câmara Municipal aprovou
em 1922 o regulamento cujo artigo 13 permitia o corte da ligação do aparelho "sem
indenização alguma ao assinante" caso fosse atestado o "uso de linguagem profana ou
obscena". Naquele tempo, em 1920, o município tinha uma população de 17.870, segundo a
Fundação Sistema Estadual de Analise de Dados – Seade (2010).
A festa de inauguração da nova Igreja do Rosário também já foi vista,
situação especialmente clara de encontro entre o sagrado e o profano, se é
que cabe distinguir assim o poder de Ignacio Gioia, por um lado, e o poder
do Diretório Republicano, mais o projeto de poder da União Republicana
Bernardino de Campos, por outro. O vigário, como membro do clero
romano, edifica, ou melhor, identifica-se como um templo que pode ser visto
como peça de um dispositivo mundial, universal na convicção dos católicos.
Os católicos luizenses edificam um templo que reafirma a identidade
coletiva do município. O templo reúne as funções de igreja e monumento. O
civismo local não se destaca dos atos coletivos de fé, exceto em
circunstâncias excepcionais, imprevistas para instituições sociais. (Almeida,
1978, p. 431-432)
A autoridade do padre Ignacio Gioia é relatada como um ponto importante do
documentário São Luiz de Rabo e Chifre (Oliveira, 2005). A diretora do filme, Vanessa de
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É relevante, contudo, ressaltar a importância do sacerdote ao desenvolvimento da cidade, conforme revelam
trabalhos de Almeida (1988) e Santos (2008). A marca da gestão do religioso frente à paróquia São Luis de
Tolosa, de 1912 a 1961, ainda hoje é latente na cidade. Além de batizar uma das principais ruas centrais de São
Luiz, a antiga rua do Rosário, o pároco foi homenageado pela Fanfarra, batizada de Fanfarra Monsenhor Inácio
Gioia (FAMIG), fundada na cidade de São Luiz do Paraitinga, em 22 de janeiro de 1992, e declarada de utilidade
pública pela Assembleia Legislativa Do Estado de São Paulo em 18 de outubro de 2005.
O Jornal da Reconstrução, lançado na cidade após a tragédia de 2010 pela Câmara de Desenvolvimento
Socioeconômico de São Luiz do Paraitinga, em parceria com a Universidade de Taubaté, lembra que “embora
fizesse parte da nobreza italiana, em São Luiz [Gioia] viveu uma vida espartana, não acumulando qualquer bem
material nos quase 50 anos de seu paroquiato”. A informação consta na edição 9, lançada na segunda quinzena
de junho de 2010. O informativo, com tiragem de 2.000 exemplares, tem como editor-chefe, Luiz Egypto
Cerqueira, do Observatório da Imprensa.