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Xavier com Patico mesmo chegavam e conversavam com vovô, contavam mesmo
que tinha muito civilizado. “Tem muito civilizado aí na Fortuna, fazendo estrada, pra
descer avião, derrubando muita madeira, fazendo campo de aviação aí, chegou trator,
já chegou caminhão”. “Mas por onde que tão trazendo tudo isso?” Mas eu não sei
por onde foi que entraram, por onde foi que vararam a estrada pra poder chegar até
Fortuna. Não sei não. Uma vez vovô falou pra gente ir ver guerep lá, aí fui eu, vovô
e vovó, e nós fomos, que papai e mamãe tavam pra Rolim de Moura, só fomos nós
mesmos. Chegamos lá, barracão alto do seu Elias, tinha muito civilizado lá. Muito
rancho, como trigo, leite, arroz, charque, muito muito muito, o assoalho cheio de
mercadoria, panela, terçado, foice, de tudo os materiais lá. Tinha muito civilizado,
muita gente, me admirei, nunca tinha visto tanta gente assim. Gente de caminhão,
trator aterrando campo de aviação, que lá é uma terra fofa, assim mole, que é
barrenta, ainda mais época de chuva, quanto mais ele aterrava amolecia aquela terra,
assim ruim, e não dava pro caminhão passar e nem pro avião aterrar, porque era fofo.
Aí me admirei, nunca tinha visto assim como caminhão, trator, nunca tinha visto não,
me admirei, ali que eu fiquei admirada, eu queria voltar lá, várias vezes. Eu pensei
que era assim, pessoal que veio fazer casa junto com a gente, tranqüilo. Criança não
pensa. Aí esse finado Xavier, eu chamava ele de tio, começava a contar pro vovô que
os brancos estavam invadindo nossa terra, nós tínhamos que sair. Vovô falou: “Não,
eu não vou sair não. Eu não vou sair daqui não”. Xavier falava assim: “Tem que sair
porque eles tão pedindo, eu já vou sair”. Foi quando já morava lá, Patico com Anita,
Xavier com Terezinha, que é minha tia também, chamo ela de tia. E já foram saindo
pra Rolim de Moura, levando as coisas deles, galinha, pato, e já foram saindo, ainda
mais por terra, né? Não dava de tirar tudo as coisas. E essa minha tia Terezinha,
quando ela saiu de lá ela chorava com pena da roça dela, macaxeira, arroz, feijão,
banana, tudo ela ficou com pena, ela chorava quando veio de lá. “E agora? Pra Rolim
de Moura? Não tem como fazer roça lá, vamos passar fome”. Eles foram os
primeiros a sair de lá, que eu ainda cheguei a ver, né? Tiraram nós de lá, mas aí já foi
destruindo tudo, um lugar grande, só gente mesmo, trator, caminhão, avião já
pousava, tinha um movimento que só lá na Fortuna. Aí quando nós fomos, tinha um,
acho que era o gerente, alto, forte, loiro, barbudo, andando pra lá e pra cá, olhando. E
vovô tinha muita amizade, chama de amigo, dava a mão, dando as horas pra ele, até
que eles não foram com ignorância também, receberam o vovô tranqüilo, chamaram
o vovô lá para dentro, começaram a dar roupa, um monte de roupa, foi dando roupa,
deu panela. Aí o gerente falou: “Chama a menina pra escolher roupa pra ela”. Ainda
eu ganhei de presente, duas panelas, roupa também que me deram, eu gostei, nunca
tinha visto tanta coisa assim. Aí nós viemos pro Serrito.