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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ – UFC
CENTRO DE HUMANIDADES
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL
Do bispo morto ao padre matador
(Dom Expedito e padre Hosana nas construções da memória - 1957/2004)
Igor Alves Moreira
Fortaleza – CE
2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ – UFC
CENTRO DE HUMANIDADES
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL
Do bispo morto ao padre matador
(Dom Expedito e padre Hosana nas construções da memória - 1957/2004)
Igor Alves Moreira
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História Social, da Universidade Federal
do Ceará, sob a orientação do Prof.º Dr.º Francisco
Régis Lopes Ramos, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre.
Fortaleza – CE
2008
““Lecturis salutem”
Ficha Catalográfica elaborada por
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Telma Regina Abreu Camboim – Bibliotecária – CRB-3/593
Biblioteca de Ciências Humanas – UFC_____
M837d Moreira, Igor Alves.
Do bispo morto ao padre matador [manuscrito] (Dom Expedito e padre Hosana nas construções da
memória – 1957/2004) / por Igor Alves Moreira. – 2008.
195 f. : il ; 31 cm.
Cópia de computador (printout(s)).
Dissertação(Mestrado) – Universidade Federal do Ceará,Centro de Humanidades,Programa de Pós-
Graduação em História, Fortaleza(CE),30/05/2008.
Orientação: Prof. Dr. Francisco Régis Lopes Ramos.
Inclui bibliografia.
1-CRIME E CRIMINOSOS – GARANHUNS(PE) – 1957-2004. 2-LOPES, FRANCISCO EXPEDITO, 1914-1957. 3-
SILVA, HOSANÁ DE SIQUEIRA E,1913-1997.4-IGREJA CATÓLICA.DIOCESE DE GARANHUNS(PE).BISPO(1955-
1957: FRANCISCO EXPEDITO LOPES ).5- IGREJA CATÓLICA – BISPOS – BIOGRAFIA.6-BISPOS – BRASIL –
BIOGRAFIA.7-ANÁLISE DO DISCURSO NARRATIVO.I- Ramos , Francisco Régis Lopes,orientador.II-Universidade
Federal do Ceará. Programa de Pós-Graduação em História. III- Título.
CDD(21ª ed.) 364.15230981340904
12/08
Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em História Social, da
Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre.
Aprovada em: ______/ ____________/ _________
_________________________________________________
Prof.º Dr.º Francisco Régis Lopes Ramos
(Universidade Federal do Ceará – UFC)
Orientador
__________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Kênia Sousa Rios
(Universidade Federal do Ceará - UFC)
__________________________________________________
Prof.º Dr.º Francisco José Silva Gomes
(Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ)
RESUMO
O presente trabalho dedica-se ao estudo histórico sobre as memórias em torno de
dom Expedito Lopes e padre Hosana de Siqueira e Silva. Dom Expedito era bispo de
Garanhuns-Pernambuco. Em 1957, foi assassinado por padre Hosana com três tiros de
revólver. O crime gerou narrativas. Fundou memórias múltiplas. Essas tramas narrativas dão
dinamicidade ao passado. A preocupação não é simplesmente explicar as muitas memórias
sobre o crime, mas pensar como essas memórias foram contadas e recontadas pelas letras e
pela fala dos depoentes que, como essas lembranças, construíram e constroem sentidos que
evidenciam papéis específicos de vilão (assassino) e herói (exemplo). Perceber como o crime
é narrado e suas múltiplas variações é o objetivo aqui buscado.
Palavras-chave: crime, memória, narrativa
ABSTRACT
The present work is devoted to the historical study on the memoirs around Expedite
Talent Lopes and priest Hosana of Siqueira and Silva. Expedite talent was bishop of
Garanhuns-Pernambuco. In 1957, it was murdered by priest Hosana with three revolver shots.
The crime generated narratives. He/she/you founded multiple memoirs. Those narrative plots
give dinamicidade to the past. The concern is not simply to explain the a lot of memoirs on the
crime, but to think as those memoirs was counted and recounted by the letters and for the
speech of the depoentes that, as those memories, they built and they build senses that
evidence specific papers of villainous (I murder) and hero (example). to Notice as the crime is
narrated and your multiple variations are here the objective looked for.
Word-key: crime, memory, narrative
AGRADECIMENTOS
Agradecer: tarefa necessária e prazerosa.
À FUNCAP (Fundação Cearense de Apoio à Pesquisa e ao Desenvolvimento
Científico), pelo financiamento desta pesquisa.
Do lado de Recife, Correntes e Garanhuns-PE um punhado de pessoas que
acreditaram neste trabalho. Estenderam não somente a o, mas também o corpo inteiro
para colaborar comigo.
Inicio com frei Francisco Fernando da Silva. Obrigado por me acolher nos aposentos
do Convento de Santo Antônio, no bairro do Recife, na capital. Sua arquitetura barroca, o
silêncio dos corredores e dos demais aposentos, a janela do meu quarto a olhar de forma
inquieta para o imponente prédio do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJP) o qual, em
tempos idos, foi palco dos três julgamentos do padre Hosana que alvoroçaram toda a gente
pernambucana -; a hora da refeição, em que o prazer estava não somente na comida, mas na
companhia de frei Chico (como é chamado) e dos demais frades ali a rezar e a dispor de suas
conversas engraçadas, episódios de suas longas jornadas de pregação e oração. Obrigado
também por me ceder documentos do Tribunal Diocesano para a Causa de Beatificação e
Canonização de dom Expedito, do seu livro, e por dispor, em entrevista, de sua sabedoria e
desprendimento para com a causa. Que saudade!
Minha gratidão se estende a Ana Maria César e Taíza Brito, autoras dos livros A Bala
e a Mitra (1994 e 2007) e A Confissão do Padre Hosana (1998), respectivamente. As
entrevistas que travamos foi de importância ímpar. Ambas compartilharam comigo sua
simpatia e cordialidade e ainda um punhado de fontes para a pesquisa. Por adquirirem
experiência durante suas pesquisas, foram solidárias comigo e me dirigiram conselhos para
eu prosseguir. Com isso, renovaram minhas perspectivas sobre a pesquisa. Lembro-me das
palavras de incentivo, nos meus momentos de solidão.
Aos funcionários do Arquivo Público do Estado de Pernambuco, deixo minha gratidão
sincera pelas inúmeras vezes que pedi para buscar e deixar os periódicos em minha mesa e
pela paciência de suportar minha companhia nas inúmeras horas em que copiava a o
matérias sobre o crime expostas nos jornais pernambucanos.
Em Garanhuns, a gratidão também finca raízes. Ao padre Marcelo Protázio Alves,
atual pároco de Catedral de Santo Antônio. Obrigado pela perene generosidade em me
acolher e me alimentar em sua casa e em sua presença; por me ouvir nas horas em que se
dizia que estava cansado e me encorajar a continuar. Nas horas vagas, me levava para as
capelas onde concede assistência religiosa e, aos poucos, ia conhecendo melhor seu trabalho
e a vida da Paróquia. Obrigado também por me deixar consultar e copiar matérias sobre o
crime e as cartas circulares de dom Expedito expostas no Jornal O Monitor, órgão que
pertencia à diocese. Hoje, o jornal está extinto.
Muito obrigado a Adelma, assistente de padre Marcelo. Ela cuida da casa, das
refeições e das roupas do sacerdote, dos seminaristas, e hóspedes que freqüentam muito
aqueles aposentos. Ao fim do dia, quando o cansaço me fazia companhia, estava eu a assistir
novelas (gosto muito peculiar) e Adelma se aproximava. Nos horários de intervalo, ficávamos
a conversar sobre as personagens e, no meio da conversa, falávamos um pouco de nós
mesmos e como desempenhamos nossa personagem na dinâmica da vida. Por alguns
momentos, ela fazia com que eu me sentisse em casa, em Sobral-CE. Sem saber, me
ajudava a matar a saudade.
Seria injusto não citar Íris e Marlene, amigas inesquecíveis, as primeiras a me
oferecerem apoio e direcionamento quando me atrevi a desbravar Garanhuns, ainda quando
cursava a Graduação em História, na Universidade Estadual Vale do Acaraú (UEVA), em
Sobral-CE. Na graduação estudava esse crime. Íris, Marlene e eu conseguimos construir e
alimentar de forma serena e séria uma amizade sólida e forte. Elas me acolheram em
Garanhuns e nos seus corações.
Ao senhor Manoel, a dona “Nega”, sua esposa, à Fátima, Marli e Maria do Socorro:
uma família que pode ser expressa nos conceitos de hospitalidade, fé e generosidade.
À Maria do Socorro registro, em especial, minha gratidão perene, pois me
acompanhava todos os dias às casas dos depoentes tanto em Garanhuns quanto em
Correntes. Nossa peregrinação ajudou a desinibir a relativa distância entre mim e os que
partilharam comigo suas lembranças e esquecimentos sobre o caso. Constituímos uma
amizade sólida, alimentada ainda hoje quando nos falamos ao telefone ou por
correspondências. Socorro foi e é uma companheira de extrema importância em minha
perambulação pelas citadas cidades. Faz-me lembrar o fragmento de uma letra de música
cantada nas celebrações: “(...) de porta em porta, desejo entrar. Se alguém me acolhe com
gratidão, faremos juntos a refeição”. Era assim que me sentia, de porta em porta querendo
entrar e entender as casas, lembranças, sensações, olhares, silêncios, enfim, o corpo dos
entrevistados.
Obrigado aos moradores de Garanhuns e Correntes por partilharem comigo
fragmentos de suas vidas.
Do lado de Sobral e Fortaleza-CE votos de agradecimento à mamãe,
Fransquinha Moreira. Mulher forte: no silencio e na palavra. Criou os quatro filhos homens
com muita persistência, coragem e amor. Quando disse que iria tentar a seleção de Mestrado
(algo que ela não compreendeu e ainda não compreende por conta de sua limitada
escolaridade), em nenhum momento disse NÃO; muito embora sua preocupação aumentasse
por não poder me enviar subsídios para minha estada em Fortaleza. Ao contrário, me
encorajou e disse “pra tudo se dá um jeito”. Ela acreditou e acredita em mim.
Ao telefone, a saudade era pauta de nossos diálogos. Vinha acompanhada da
preocupação para com minha alimentação, meu conforto e se eu estava acompanhando bem
os estudos. Obrigado, mamãe, pela vida; por me ensinar, com sua força e exemplo, naquele
balcão de sua bodega, a vencer obstáculos; por aconselhar e evitar que eu andasse por
caminhos ilegais. Amo-te.
À Juliana, minha sobrinha, por me acolher em sua casa quando morávamos em
Fortaleza. Rimos juntos e assim, choramos, quando a saudade de casa e dos amigos em
Sobral pesava.
Aos colegas de turma, pela compreensão de minhas limitações e o auxílio para poder
superá-las.
Em especial, à Viviane Prado Bezerra e Michele Ferreira Maia, amigas do coração e
companheiras de turma no Mestrado. Obrigado por sonharmos juntos, planejarmos juntos, por
partilharmos momentos juntos na graduação, por ingressarmos juntos no mestrado e pelo
auxílio mútuo dentro de nossas limitações.
À Professora Mestra Edvanir Maia da Silveira (Curso de História da UEVA), por me
auxiliar no projeto que enviei para a seleção do Mestrado e, mais ainda, por nossa amizade,
nutrida incessantemente. Ao seu marido, Ricardo Augusto Guerra Almeida, pelo
companheirismo, amizade sincera. Digo para mim mesmo que é meu quinto irmão. Ao Raul,
bebê esperado e que trouxe alegria não somente para o casal, mas também para nós, seus
amigos. Vocês configuram uma das linhas de minha vida.
Ao padre Osvaldo Carneiro Chaves, por me proporcionar momentos de deleite
intelectual; por me acolher em sua casa e transmitir um pouco de sua sabedoria e experiência
de vida.
Aos professores do Departamento de História da Universidade Federal do Ceará
(UFC), por proporcionarem momentos importantes durante as disciplinas e as dicas recebidas
para a reformulação dos capítulos e de leituras bibliográficas.
Ao Prof. Dr. Francisco Régis Lopes Ramos, orientador competente, sereno, paciente
e motivador nas horas em que sentia a sensação de insegurança quanto à pesquisa.
Professor Régis consegue, em suas aulas e em sua orientação, nos impregnar de saber e
sabor. Consegue nos alimentar na caminhada.
À Dona Regina Jucá e à Sílvia, funcionárias da secretaria da Coordenação de s-
Graduação, pela paciência e pelo zelo no cuidado conosco e com nossas produções
acadêmicas.
Aos funcionários da Biblioteca Pública Menezes Pimentel, setor de periódicos, pelo
auxílio à pesquisa.
Ao Jorge, pela paciência, companheirismo, pela fala e pelo silêncio nos momentos
próprios e impróprios, pela saudade e pela presença. Pelo cuidado.
Dedico esse trabalho à mamãe Fransquinha e ao Jorge.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................. 01
CAPÍTULO 01 – UM BISPO ASSASSINADO!
1.1- As tramas do perdão.............................................................................. 14
1.2 - O Mártir do Dever: “morto, maior do que vivo.”.....................................46
CAPÍTULO 02 – A DIOCESE DE GARANHUNS E O TRIBUNAL PELA CAUSA DE
BEATIFICAÇÃO E CANONIZAÇÃO
2.1 – Um santo legal..................................................................................... 68
2.2 – Exposições, missas e discursos: o santo é mostrado..........................86
CAPÍTULO 03 – UM PADRE ASSASSINO?
3.1 – A guerra dos livros............................................................................... 114
3.2 – O “Exemplo” nas narrativas................................................................. 144
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................... 171
FONTES....................................................................................................... 175
BIBLIOGRAFIA............................................................................................ 182
INTRODUÇÃO
Comecei a me interessar por esse tema ainda na graduação em História, na
Universidade Estadual Vale do Acaraú- UEVA, Sobral-Ceará. Moro num bairro chamado dom
Expedito Lopes, nesta cidade. Fiquei curioso em saber o porquê do nome e, a partir daí, fui
conversando com alguns moradores do bairro e sendo envolvido pelo tema. Em dezembro de
2003, defendi a monografia intitulada Dom Expedito Lopes no Imaginário Popular. Percebi,
então, que o mesmo tema poderia ser problematizado mais ainda: outras questões foram por
mim suscitadas, principalmente quando soube que a Diocese de Garanhuns estava tentando
promover a beatificação e canonização do bispo.
Fazer uma interpretação histórica da(s) memória(s) sobre dom Expedito Lopes, 5.º
Bispo da cidade pernambucana de Garanhuns, assassinado em primeiro de julho de 1957,
com três tiros de revólver, é a espinha dorsal dessa pesquisa. O autor dos disparos foi padre
Hosana de Siqueira e Silva. O motivo principal recaía sobre denúncias chegadas aos ouvidos
de dom Expedito, dentre elas, a de que padre Hosana estava tendo um caso amoroso,
primeiro com Maria José Martins, sua prima e, posteriormente, com Quitéria Marques.
Ao ser invadido por essas conversas “à boca miúde”, dom Expedito, com autorização
da Santa Sé, resolveu suspender padre Hosana de Ordens. A nota de suspensão iria ser lida
no programa de rádio A Voz da Diocese. Sabendo dessa determinação, padre Hosana dirigiu-
se à emissora e exigiu falar sua defesa. Sem espaço para falar, pegou um táxi e foi ao Palácio
Episcopal. Lá, disparou três tiros contra o bispo. O Pontífice foi levado ao Hospital Dom Moura
e agonizou ainda durante oito horas. Uma morte que provocou a escrita de vários textos e o
som de várias falas sobre o caso e sobre a suposta santidade e martírio do moribundo.
Fechou-se para a morte e, ao mesmo tempo, abriu-se à dialética memória e esquecimento,
provocando a escrita de textos e dando vida às lembranças de seus diocesanos. O crime - e
suas interpretações - deixou marcas.
Podemos afirmar, em certa medida, que existe o “mártir” dom Expedito porque existe
o seu oposto: padre Hosana. Um precisa do outro para se constituir e se institucionalizar.
O que aqui se quer é perceber como os fatos foram contados. Detecta-se polêmica. O
foco não é o crime. É como o crime é contado e recontado.
François Dosse
1
escreve sobre a relação Memória, Esquecimento e História. A
preocupação principal desse autor é analisar a relação História e Memória, fenômeno forte no
final do século XX. Conforme ele, nesse final de século, memória demais em alguns
momentos, principalmente as inúmeras comemorações, que ele assinala como formas de
construção de memórias, como há, também, abusos de esquecimentos.
Para este autor, a escrita sobre o passado tem uma dupla função: de remédio e de
veneno. É remédio porque pode proteger o acontecimento vivido do esquecimento. É veneno
porque pode promover o aparecimento de outras memórias sobre o mesmo acontecimento:
A Memória é, portanto, assim como a História, um modo de seleção no passado, uma
construção intelectual, e não um fluxo externo ao pensamento”.
2
História e Memória têm uma
imbricação inevitável e delicada. Ambas partem do presente, o que justifica uma ruptura com
um tempo linear; construindo assim a pluralização do tempo.
O crime do padre Hosana foi aqui contado e recontado de muitas formas narrativas.
Em muitas delas, percebemos intenções de preservação de uma única memória, a do bispo.
Por outro lado, essas intenções foram contestadas por outras falas e textos que recontam o
padre em suas qualidades, retirando-o do lugar de vilão. Em determinado momento das
narrativas, o bispo e o padre mudaram de lugar, isto é, transitaram entre os pólos de vilão e
herói. Recontados no presente, as histórias sobre o bispo e o padre deslocam-se de um
tempo linear para um templo múltiplo, no qual identificamos conflitos e tramas entre elas.
Essas falas e textos são remédio e veneno, ao mesmo tempo. Remédio por tentar proteger
cada personagem de máculas em suas respectivas configurações. Veneno porque
apresentam contradições em suas formas de dizer o crime. Com isso, outras memórias sobre
o mesmo vão se formando e se remodelando na forma de narrar de cada fonte aqui
analisada.
Assim, o objeto da História Social da Memória é “um ausente que age”
3
. A História
Social da Memória permanece atenta a qualquer alteração. Não tem ambição de preencher
lacunas, tampouco, de buscar as causas e fazer leituras esquemáticas dos grandes feitos. Ela
não pretende ser um relicário do passado. A História Social da Memória acredita nos
possíveis, vive de esperá-los; para capturá-los e analisá-los. Prefere as zonas obscuras da
história nacional. Ou seja, para a esse pensamento historiográfico o importante não é
reafirmar e/ou reforçar um discurso de “verdade” do e no passado. Longe está dessa
pretensão. Tal corrente historiográfica objetiva identificar e analisar as memórias sobre os
1
DOSSE, François. História e Ciências Sociais. Tradução de Fernanda Abreu. Bauru-SP: EDUSC, 2004.
2
Ibid. p. 156.
3
Ibid. p. 184.
acontecimentos pretéritos: seus conflitos, consensos e dissensos. Memórias essas
encontradas nas letras, nos símbolos, nos espaços físicos e nas falas do presente. A História
Social da Memória provoca uma incessante “reciclagem do passado”. O presente é sempre
tocado e afetado pelo passado. E vice-versa. Uma relação pautada por contradições, tensões
e reconstruções. Uma relação que abarca a lembrança e o esquecimento.
O que invade hoje o campo do historiador é justamente a possibilidade de analisar
memórias fragmentadas e plurais que partem de todos os lados.
Durante muito tempo instrumento de manipulação, a memória pode ser reconsiderada
em uma perspectiva interpretativa aberta em direção a um futuro, fonte de reapropriação
coletiva e não simples museografia isolada no presente. Supondo a presença da ausência,
ela permanece o ponto de contato essencial entre passado e presente, desse difícil diálogo
entre o mundo dos mortos e o mundo dos vivos.
4
Para François Dosse, o passado está entre uma política da memória e uma política
do esquecimento. Por isso, é impossível dominá-lo. O esquecimento é tão necessário quanto
a memória, na difícil tarefa de reinterpretar a relação presente passado. Nessa maneira de
pensar, não espaço para determinismos, mas sim, para a “reabertura em direção aos
possíveis inconfessos do passado, às expectativas, desejos e temores dos homens do
passado...”
5
.
O apagamento e a conservação, do ponto-de-vista da História Social da Memória,
são contrastes, dependentes e inseparáveis.
A Diocese de Garanhuns fez um investimento intelectual na (re) construção, escrita e
falada, da biografia de dom Expedito a porque esse é um requisito obrigatório dentro dos
cânones da Igreja para se desejar canonizar alguém.
As explicações de Giovani Levi
6
são oportunas aqui. O autor assinala a necessidade
de se utilizar a biografia como um dos instrumentos para se produzir conhecimento histórico.
Para isso, se faz necessário substituir a idéia de biografia como algo linear e factual. É preciso
problematizar a biografia para se produzir conhecimento histórico; rejeitando interpretações
unívocas do biografado.
4
Ibid. p. 184.
5
Ibid. p. 191.
6
LEVI, Giovanni. Usos da Biografia. In: FERREIRA, Marieta & AMADO, Janaina (orgs.). Usos e abusos da
História Oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996, p. 167-182.
Nesse raciocínio, o que importa é o ato interpretativo, o qual desencadeia
transformações dos significados atribuídos ao biografado e, conseqüentemente,
transformações textuais também. Com isso, abre-se as possibilidades de se perceber uma
infinidade de outros significados possíveis ao biografado. A biografia faz parte de uma
sociedade fragmentada e permeada de conflitos. Nela, as representações do mundo se
tornam motivo de lutas, especialmente no campo simbólico. A realidade histórica, tanto o
presente quanto o passado, não é um esquema único de ações e reações; mas um campo de
conflito e disputa incessante.
Tanto o bispo quanto o padre tiveram suas respectivas biografias contadas, em forma
de livros ou em depoimentos orais dos moradores de Garanhuns e Correntes. Nos livros,
ambas as biografias tiveram o objetivo muito claro: inocentar cada um das acusações que
lhes foram direcionadas. Além de escritas, suas respectivas biografias foram utilizadas como
instrumento durante os três julgamentos do padre Hosana. Foram postas de forma linear, sem
caos. Nos depoimentos orais postos aqui, a vida e a morte do bispo e do padre também
foram recontadas na perspectiva de inocentar cada um. Os depoentes de Garanhuns
inocentaram o bispo mais uma vez. Os de Correntes fizeram o mesmo com o padre.
Por outro lado, nessa pesquisa, necessário foi expor os conflitos dessas formas de
narrar o crime, no texto e nas falas dos depoentes. Isso implica na compreensão de uma
relação presente e passado mais problematizadora. Conseqüentemente, a biografia aqui foi
posta de forma problematizadora.
As biografias de dom Expedito e padre Hosana, que foram aqui analisadas, estão
postas numa ordem cronológica e linear. A infância, a juventude, os estudos no seminário, a
relação com suas respectivas famílias e com a igreja o predestinaram à impossibilidade de
haver máculas em suas respectivas honras e dignidades.
Esse trabalho, entretanto, possibilita o enfrentamento de ambas as biografias. Nesse
enfrentamento, percebemos nuances, conflitos e incompletudes. Elas foram escritas, portanto,
recontadas na intenção clara de uma desautorizar a outra. Tanto dom Expedito quanto padre
Hosana tiveram seus escritores que atacaram e defenderam cada um respectivamente. É
nesse enfrentamento que percebemos nesse trabalho a biografia como passível de
problematizações.
O texto Entre Memória e História: a problemática dos lugares, de Pierre Nora
7
, traz
reflexões pertinentes que podem também ser aplicadas a esse estudo. O autor explica mais
7
NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. Tradução de Yara Aun Khoury. Projeto
História. Revista do Programa de estudos Pós-Graduados da PUC SP. São Paulo: EDUC, N.º 10, p. 07-27,
1993.
profundamente os conceitos de História e Memória e a relação que ambos estabelecem entre
si.
Por memória, entende-se a vida. Portanto, sofre deformações, é vulnerável aos usos
e manipulações e apresenta sucessivas revitalizações. A memória é atual, algo vivido no
presente. É afetiva. Não se acomoda a detalhes para se confortar. Ela se alimenta de
lembranças vagas e simbólicas. Pode ser percebida num gesto, num hábito e nos saberes do
corpo e do silêncio.
Quanto à história, esta é a reconstrução da memória. Uma reconstrução daquilo que
não existe mais; pautada pela incompletude. A história é uma representação do passado, pois
é uma operação intelectual. Isso explica seu poder de laicizar o passado e submetê-lo aos
discursos críticos. A história se liga às continuidades das coisas e fatos. Memória e História
andam por caminhos divergentes.
(...) A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a
história, uma representação do passado (...). A história, porque operação intelectual e
laicizante, demanda análise e discurso crítico. A memória instala a lembrança no sagrado,
a história a liberta, e a torna sempre prosaica (...), tantas memórias quanto grupos
existem; que ela é, por natureza, múltipla e desacelerada, coletiva, plural e individualizada.
A história, ao contrário, pertence a todos e a ninguém, o que lhe uma vocação para o
universal.
8
As missas em comemoração a dom Expedito (aniversário de morte e instauração e
encerramento dos trabalhos do Tribunal Diocesano para a Causa de Beatificação e
Canonização do mesmo), a exposição de suas relíquias em momentos festivos na Diocese e
na cidade, a praça que carrega o seu nome, os bustos postos na citada praça e no pátio do
Colégio Monsenhor Adelmar Valença, seu túmulo na Catedral da Sé, os livros publicados
sobre ele e padre Hosana, enfim, todos esses momentos celebrativos são memórias que
podem ser estudas pela interpretação historicamente fundamentada.
Alessandro Portelli
9
contribui sobre o entendimento da relação Memória e História.
Assegura que, a todo momento, “estamos lhe dando com uma multiplicidade de memórias
fragmentadas e, internamente divididas, todas, de uma forma ou de outra, ideológicas e
8
Ibid. p. 09.
9
PORTELLI, Alessandro. O massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana, 29 de Junho de 1994): mito e política,
luto e senso comum. In: FERREIRA, Marieta de Moraes & AMADO, Janaina (orgs.). Usos e abusos da História
Oral. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1998, p. 103-130.
culturalmente mediadas”
10
. Nas narrativas de todo e qualquer acontecimento pode-se
perceber elementos de controle social nas formas desses relatos. A memória e o luto são
processos e /ou ações moldadas no tempo. Ambos se modificam com e no tempo. As
memórias sobre um acontecimento específico podem se tornar públicas. Mesmo assim, é uma
construção puramente individual.
O autor enfatiza que são pessoas que lembram e registram suas lembranças, e não,
grupos. As instituições Igreja, Escola, Estado, Partidos Políticos, etc., e seus rituais se
configuram como o momento e o espaço onde as memórias são reordenadas e/ou
reorganizadas para fins de propagação e controle social.
Ressalta que toda memória dada ao público:
(...) está materializada em suas próprias narrativas e em seus narradores gabaritados,
nos livros de depoimentos e nas peças sacras, não totalmente legítima, mas também
está repleta de valores importantes como inocência, humildade, obediência, compaixão,
perdão, solidariedade familiar e grupal (...) Não deixa de ser uma construção bastante
ideológica e institucional.
11
O Tribunal Diocesano para a Causa de Beatificação e Canonização de dom Expedito
realizou visitas em diversas cidades de Pernambuco e Ceará a colher depoimentos para
comporem o processo da causa. Por motivos de sigilo, uma vez que tal processo encontra-se
na Congregação da Causa dos Santos, na cidade do Vaticano, não foi possível investigar
esses depoimentos.
No caso dos depoimentos orais por mim colhidos e analisados aqui, as tramas e
conflitos se deram no calor da hora, no momento das entrevistas, pois padre Hosana foi
recontado em sua terra natal, Correntes, como herói. O crime não o maculou. Por outro lado,
dom Expedito também foi recontado como herói, mas em Garanhuns. Postos esses diálogos
em confronto, essa pesquisa possibilita uma interpretação de que uma disputa entre
Garanhuns e Correntes pela memória.
Michel de Certeau
12
faz provocações pertinentes sobre História, Historiografia e o
trabalho do historiador. Expõe que não é mais tarefa do historiador construir, com seu texto,
10
Ibid. p. 106.
11
Ibid. p. 115.
12
CERTEAU, Michel. A Escrita da História. Tradução de Maria de Lourdes Menezes. 2.ª ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2002.
impérios e figuras ilustres como eram os historiadores do século XIX. Mas, sobretudo,
enfocar as margens, os desvios, as exceções e descontinuidades em prol da busca e
entendimento de um estudo crítico e necessário. Portanto, a operação historiográfica cria, no
presente, a representação do diferente: o passado.
As fragmentadas narrativas sobre dom Expedito e padre Hosana aqui postas foram
selecionadas, reunidas e problematizadas, com o intuito de percebermos desvios, exceções,
descontinuidades e conflitos nessa trama de dizer e não-dizer o crime e suas personagens.
As diferentes maneiras de contar e recontar o acontecimento que trouxemos para essa
análise reconfigura-o. A história do bispo e do padre, enquanto discurso, projeta os dois para
o futuro. Os livros, as biografias, os depoimentos orais, os momentos celebrativos, os espaços
de memória, todos, no presente, preocupam-se com o devir, com a preservação de suas
respectivas memórias.
Nesse sentido, para Michel de Certeau:
Em história, tudo começa com o gesto de separar, de reunir, de transformar em
‘documentos’ certos objetos distribuídos de outra maneira. Essa primeira distribuição
cultural é o primeiro trabalho. Na realidade, ele consiste em produzir tais documentos,
pelos simples fato de recopiar, transcrever ou fotografar esses objetos mudando ao mesmo
tempo o seu lugar e o seu estatuto. Este gesto consiste em ‘isolar’ um corpo, como se faz
em física, e em ‘desfigurar’ as coisas para constituí-las como peças que preenchem
lacunas de um conjunto, proposto a priori.
13
Esse ato de interpretar o passado não é solto. Está sujeito às determinações teóricas
e metodológicas institucionais. A “operação historiográfica”, como denomina, é fruto de
diversos conflitos e negociações de grupos de intelectuais.
A presente dissertação está dividia em três capítulos. O primeiro, Um Bispo
Assassinado!, tem como objetivo analisar textos e falas que (re) velam dom Expedito como
“Santo” e “Mártir” da Igreja e, no outro extremo, o padre Hosana como vilão (assassino).
Identificar e analisar como ambos são reconstruídos e apresentados nesses textos (jornais,
revistas e livros específicos sobre o crime). Todos são discursos fundadores de uma suposta
santidade e que permeou o cotidiano dos fiéis católicos pernambucanos de outrora,
apresentando diferentes e divergentes opiniões e comportamentos. Todavia, são textos dados
13
Ibid. p. 81.
ao público para convencer, para homogeneizar opiniões e diluir conflitos de opiniões sobre o
réu e a vítima.
No primeiro tópico, As Tramas do Perdão, analiso como o perdão é evidenciado
nesses textos; como cada narrativa apresenta o perdão de dom Expedito dado ao padre
Hosana e como esse perdão do bispo é recontado pelos moradores de Garanhuns e
Correntes. É o recontar de um ato último promovido pelo bispo. O seu perdão, nessas
narrativas, salva-o tanto quanto o padre. Salva-os do esquecimento.
No segundo tópico, O Mártir do Dever: “morto, maior do que vivo”, tento pontuar e
compreender como o possível martírio de dom Expedito é apresentado à população pelos
homens e mulheres das letras; como está presente nos discursos institucionais; e como a
idéia do martírio do bispo chega ao cotidiano do povo de Garanhuns e Correntes. Ou seja, a
relação existente entre o discurso promovido pelo mundo das letras e sua repercussão no
cotidiano do povo dessas duas cidades. complementação? Ou discrepâncias? Existem
dissonâncias entre essas narrativas? Como elas se deixam transparecer?
O segundo capítulo, A Diocese de Garanhuns e o Tribunal pela causa de
Beatificação e Canonização, tem o objetivo de compreender e analisar os mecanismos e
procedimentos institucionais da Igreja Católica Apostólica e Romana que embasam sua ação
de beatificar e canonizar uma pessoa. Em se tratando do bispo assassinado, é necessário
conhecer quais os procedimentos legais e as formas de visibilidade que a Diocese de
Garanhuns dá aos seus fiéis sobre a causa de Beatificação e Canonização de dom Expedito.
Por que beatificar e canonizar dom Expedito Lopes? Quem são os artesãos do
discurso de “santidade” e “martírio” do Antístite? Quais os meios utilizados para eleger e
expandir essa memória específica e homogênea do bispo? E, o mais importante, como os
fiéis diocesanos se postam e contribuem com essas narrativas? Essas são as questões
tratadas nesse capítulo.
O primeiro tópico, Um Santo Legal, objetiva verificar quais os cânones específicos
aplicados na ação de beatificar e canonizar alguém; estabelecendo aproximações e distâncias
desses cânones às qualidades atribuídas, pelo discurso religioso, ao bispo morto. Descrever
os membros do tribunal e suas respectivas funções também será aqui necessário.
No segundo tópico, Exposições, Missas e Discursos: Santo é mostrado, a
preocupação de analisar como a Diocese organiza e dá ao público uma biografia linear e
harmoniosa do bispo e também a forma como os jornais estampam suas narrativas em prol
dessa beatificação e canonização. Nesse tópico também é justo interpretar os momentos
públicos de maior alcance e visibilidade na vida social garanhense: as missas específicas
celebradas para dom Expedito – os 40 anos de sua morte (1997), a de instauração e abertura
do Processo de Beatificação do Prelado (2003) e encerramento, no Brasil, da causa de
Beatificação (2004).
No terceiro capítulo, Um padre assassino?, o objetivo é interpretar as várias
narrativas que enaltecem padre Hosana: na letra e na palavra.
No primeiro tópico, A guerra dos livros, analiso as escritas específicas sobre o crime
disponíveis até o presente momento: frei Romeu Peréa (Dom Expedito: Bispo e rtir e A
Morte de Dom Expedito. Considerações em torno de um cadáver glorioso, 1958 e 1959,
respectivamente), Lindolfo Pereira de Lisboa (Padre Hosana: Sacerdote e Réu, 1962.
Documento não editado), Ana Maria César (A Bala e a Mitra, edições 1994 e 2007,
respectivamente), Taíza Brito (A Confissão do Padre Hosana, 1998) e frei Francisco Fernando
da Silva (Dom Expedito Lopes: Bispo Mártir de Garanhuns, 2007). Percebe-se quem está do
lado do bispo e do lado do padre. O enfrentamento de suas respectivas escritas
dinamicidade ao capítulo, pois pontuo e analiso discursos em disputa.
No segundo tópico, O Exemplo nas Narrativas, minha reflexão parte de um punhado
de entrevistas que estabeleci com alguns moradores de Garanhuns e Correntes. Somam um
total de 42 entrevistas. Numa relação de troca de palavras, silêncios, olhares e gestos,
participei, mesmo que brevemente, de suas sensibilidades e limitações. Ao mesmo tempo,
percebi as minhas. Homens e mulheres que tiveram algum contato e/ou aproximação com o
crime e seus personagens – tanto quem presenciou na época quanto quem ouviu falar. O foco
não é encontrar aproximações entre seus depoimentos e as notícias que corriam no intuito de
encontrar a “verdade”. O fundamental é perceber como eles narram essas histórias e como
cada um (padre Hosana e dom Expedito) é recontado nela. Em suas histórias também percebi
conflitos e incoerências. Esse movimento de semelhanças e não semelhanças movimentam
os sentidos do passado e, conseqüentemente, meu texto.
As fontes analisadas foram as seguintes: Diário de Pernambuco (1957, 1959, 1995 e
1997), Jornal do Comércio (1957-1997), Jornal Gazeta de Notícias (1957), Jornal Imprensa do
Agreste (2003), Diário da Noite (1957), Jornal da Noite (1957), O Monitor (1957-1959) e
Correio da Semana (2006); as Revistas O Cruzeiro (1957) e Flos Carmeli (1957-1959).
Além dos livros mencionados, que serão analisados no primeiro tópico do terceiro
capítulo, não se pode deixar de citar também as atas de abertura e instalação do Tribunal
Diocesano para a Causa de Beatificação e Canonização de dom Expedito Lopes, oficialmente
criado pela Diocese de Garanhuns entre 2003-2004 para pesquisar a vida e morte do
moribundo e, desta forma, tentar promover sua canonização oficial junto à Congregação das
Causas dos Santos, com sede no Vaticano.
Os livros de cânticos, as orações, os santinhos, os textos-discursos falados nas
missas de abertura e encerramento do processo são aqui analisados juntamente com os
jornais que, insistentemente, divulgaram esse singular acontecimento na cidade”. Apostilas
com orientações canônicas de como se beatificar e canonizar uma pessoa, dentro das normas
institucionais da Igreja, também ajudaram.
As fotografias dessas celebrações e dos membros desse tribunal em seu pleno
exercício e fotos outras de exposições das relíquias de Dom Expedito ocorridas na cidade na
década de 1990 serão convocadas aqui para compor o mosaico de pistas e rastros do
passado. Longe está a intenção de recompô-lo em sua suposta originalidade, ressalta-se.
A essas fotografias, somam-se fitas K7 contendo programas de rádio convocando a
população de Garanhuns e cidades em seu entorno para participarem da missa em
homenagem aos cinqüenta anos de morte do bispo, ocorrida em julho de 2007, na Catedral
de Santo Antônio, Garanhuns-PE. Uma semana antes da missa, que ocorreu num domingo, o
Programa de Rádio Uma Palavra em sua vida, sob a responsabilidade da Diocese de
Garanhuns, fazia reflexões sobre a biografia e, mais ainda, sobre a morte do bispo.
No campo de registros orais, temos depoimentos de membros dos componentes
desse tribunal eclesiástico, de familiares de dom Expedito e de habitantes de Garanhuns e
Correntes. Esses registros orais são indícios sobre a repercussão do esforço da Diocese de
Garanhuns em canonizar dom Expedito. Esses ecos do passado são aqui considerados e
tratados como memória(s), com pontos de discordâncias, desafetos e desconfortos. São
memórias em disputa.
Portanto, esse trabalho dissertativo não se preocupa diretamente com o crime. Meu
objetivo central é interpretar como o crime foi e é contado e recontado nos textos e nos
depoimentos orais recolhidos, apresentando as tramas que essas narrativas abarcam. Está
consoante com as perspectivas da História Social da Memória, que privilegia uma retomada
crítica da relação presente e passado. Nesse sentido, a História Social da Memória abre
outras possibilidades de compreensão sobre o passado e seus usos no presente.
Capítulo 01
Um Bispo Assassinado!
1.1 - As Tramas do Perdão
Era 1.º de julho de 1957, dia em que a Igreja Católica Apostólica Romana celebra o
Preciosíssimo Sangue de Jesus, (re) memorizando a atitude de Cristo oferecendo, na Última
Ceia, o seu sangue e sua carne aos homens e mulheres para a remissão dos pecados. Nesse
mesmo dia, outro sangue foi derramado e oferecido ao clero, à Diocese, à cidade e, em
especial, a um pecador. Tratava-se do sangue de dom Expedito Lopes, bispo da Diocese de
Garanhuns, no Agreste Meridional de Pernambuco, que foi alvejado com três tiros de revólver
pelo seu subordinado padre Hosana de Siqueira e Silva.
Dom Expedito Lopes foi ferido em seu próprio Palácio Episcopal, por volta das 18
horas e 30 minutos. Foi socorrido pelo monsenhor José de Anchieta Callou, Pároco da
Catedral de Santo Antônio, na época. Levado para o Hospital Dom Moura, único na cidade, foi
submetido a inúmeras transfusões de sangue, enquanto uma equipe composta por um médico
cirurgião e um anestesista se dirigia do Recife. Não resistiu, entretanto, e foi a óbito por volta
das 2 horas e 15 minutos da manhã do dia seguinte. Foram oito horas de agonia, rezando,
ditando trechos bíblicos e palavras de oferenda de si mesmo pela Diocese, pelo clero, pelos
seminaristas e pelo povo de Garanhuns. Também pediu perdão para o padre que o feriu.
Pediu que todos perdoassem o sacerdote assassino.
Os motivos apresentados para explicar tal atitude de padre Hosana eram as
denúncias levadas aos ouvidos de dom Expedito, “à boca miúda”, como diziam, de que seu
subordinado não estava dando a devida orientação religiosa nas escolas do perímetro de sua
paróquia, estava cobrando preços exorbitantes para ministrar os sacramentos e dava mais
assistência aos negócios de sua fazenda. A mais grave denúncia era a seguinte: padre
Hosana estaria tendo um caso amoroso, primeiro com Maria José Martins, sua prima e
empregada doméstica e, depois, com Quitéria Marques, também empregada doméstica.
Dom Expedito, diante das denúncias, decidiu, com a autorização da Santa Sé,
suspender de ordem o padre, isto é, de suas obrigações clericais. A nota de suspensão iria
ser lida no programa de rádio A Voz da Diocese, na Rádio Difusora de Garanhuns, naquele
fatídico 1.º de julho. O programa e a leitura da nota eram de responsabilidade de padre Acácio
Rodrigues Alves.
Muito embora a carta de suspensão seja datada do mês de maio, sua leitura foi
adiada para julho por causa do tempo de quinze dias dado ao sacerdote para retirar Quitéria
de sua casa e também por causa da preparação e celebração da Festa do Centenário da
Paróquia de Quipapá, realizada em junho. Padre Hosana recebeu, registrou e protocolizou o
documento no dia 31 de maio daquele ano, porém, não acatou a ordem de seu superior
hierárquico.
14
Sabendo da decisão do bispo de ler o documento no programa de rádio, dirigiu-se, de
trem, para Garanhuns munido de documentação para ser lida também no programa e que,
segundo ele, provaria sua inocência.
15
Chegando à cidade, hospedou-se no Mosteiro de São
14
Diocese de Garanhuns. Considerando que a inconfessável atitude do Padre Hosana de Siqueira e Silva em se
recusando a obedecer ao Preceito Canônico, que lhe impõe, sob pena de suspensão, o afastamento de sua
companhia de uma jovem doméstica sobre a qual pesam sérias suspeitas, contribui para agravar de muito as
denúncias que da muito vêm sendo formuladas em relação à conduta moral do mesmo sacerdote.
Considerando, outrossim, que o fato de o referido sacerdote se obstinar em não obedecer às prescrições
canônicas e advertências penais anteriores com as devidas Autoridades, mas também suspeito de público
concubinato de conformidade com o prescrito no can. 133 $ 4. Considerando enfim que tão lamentável situação
se vem protelando por quase dois anos, malgrado as caridosas advertências e prolongada ciência da
Autoridade Diocesana, sem que o supramencionado sacerdote tenha tomado qualquer medida para obviar os
escândalos e comprovar a honestidade de sua conduta sacerdotal. Sentimo-nos na grave obrigação e dolorosa
contingência de impelir o sobredito sacerdote ao cumprimento de seus deveres eclesiásticos por meio de
penalidades canônicas. Pelo que resolvemos aplicar contra o aludido sacerdote as penas consistentes no can.
2177, como o fazemos pelo presente Decreto com o qual Declaramos Suspenso ‘A Divinis’, o Revdo Padre
Hosana de Siqueira e Silva, e como suspenso, o consideramos desde o próximo dia primeiro de julho vindouro,
quando o teremos também como destituído do cargo de Vigário Ecônomo de Quipapá. Declaramos o Revdo
Padre Hosana de Siqueira e Silva canonicamente SUSPENSO ADIVINIS E DESTITUÍDO DO MUNUS DE
VIGÁRIO ECÔNOMO DE QUIPAPÁ, a partir do próximo dia primeiro de julho. Não temos outro intuito que o de
reparar os escândalos causados pelo sobredito e quebrar a sua obstinação em persistir insubmisso à devida
Autoridade. Dado e passado nesta cidade e Cúria Diocesana de Garanhuns, aos 23 de junho de 1957. a)
Expedito, Bispo Diocesano. Decreto de Suspensão de Padre Hosana Siqueira e Silva. In: CÉSAR, Ana Maria. A
Bala e a Mitra. Recife-PE: Edições Bagaço, 1994, p. 81-82.
15
Essa informação encontra-se no livro de Taiza Brito. In: BRITO, Taíza. A Confissão do Padre Hosana.
Recife-PE: Edições Bagaço, 1998, p. 68. A autora confirmou, em entrevista a mim, que padre Hosana lhe disse,
Bento. Em seguida, destinou-se à Rádio Difusora. estando, tentou negociar sua fala e a
leitura dos documentos. Padre Acácio, por sua vez, não lhe deu espaço para falar.
Transtornado e inquieto, pegou novamente o táxi e se dirigiu ao Palácio Episcopal. O som do
toque da campainha levou dom Expedito à porta. Logo em seguida, os disparos.
Fazia companhia a dom Expedito um empregado da casa de nome João. Ao ouvir os
disparos, João correu à porta. Viu dom Expedito ferido, indo em direção à pequena capela do
palácio, caindo ao chão. Dom Expedito disse ao seu João que foi padre Hosana quem o
baleou e pediu-lhe que fosse chamar monsenhor Callou. Assim o fez. Ao chegar, monsenhor
Callou afirma que o bispo pediu-lhe o sacramento da absolvição e disse: ’Padre Hosana
matou-me, perdôo o pobre sacerdote”
16
. Foi levado ao Hospital Dom Moura e agonizou ainda
por oito horas.
Nesse ínterim, padre Hosana refugiou-se no Mosteiro de São Bento. Narrou o que
fizera ao bispo para dom Bento, prior do mosteiro. Dom Bento o conduziu aos aposentos até
que pensasse que decisão tomar. À essa altura, o crime ganhara proporções tremendas na
cidade. No dia seguinte, dom Bento informa ao prefeito da cidade, na época, senhor Luis
Figueira, o paradeiro do padre. O prefeito conduz, então, o sacerdote para a Casa de
Detenção no Recife. Sua retirada da cidade foi sigilosa. O padre saiu encapuzado para não
ser reconhecido pela população, que queria linchá-lo e passara toda a noite à sua procura.
17
Preso, o padre submeteu-se a três julgamentos: 20 de fevereiro de 1959, 29 de abril
de 1960 e 06 de dezembro de 1963. Todos foram realizados no Tribunal de Justiça de
Pernambuco e levaram toda a imprensa escrita e canais de TV, como a TV Tupi do Rio de
Janeiro, além de curiosos. Nos dois primeiros julgamentos, padre Hosana de Siqueira e Silva
foi absolvido. Juarez Vieira da Cunha, advogado de renome e prestígio em terra
pernambucana, levantou durante o seu discurso aos jurados a idéia de que o sacerdote matou
o bispo em legítima defesa de sua honra; pois seu cliente sofria perseguições por parte
daquela autoridade clerical. No último julgamento, padre Hosana foi condenado a 14 anos de
prisão. No cárcere, foi lida sua Carta de Excomunhão por monsenhor Isnaldo Fonseca.
Desses, cumpriu 11 anos e em 1968 foi liberado por bom comportamento.
durante as entrevistas que teve com ele para a feitura do seu livro, que se dirigiu à Rádio Difusora de Garanhuns
munido de declarações atestando sua assistência religiosa às escolas do perímetro de sua paróquia,
documentos estes cedidos pelas diretoras das respectivas escolas; no entanto, Taíza Brito disse não portar
esses documentos para dispô-los a mim.
16
Tribunal Eclesiástico de Olinda e Recife. Recife-PE: Relatório apresentado pelo monsenhor José de Anchieta
Callou, Pároco da Catedral de Santo Antônio, na época do crime, à Nunciatura Apostólica, sem data (s/d). Cópia
cedida por dom Acácio Rodrigues Alves, Sobral-CE, dezembro de 2002.
17
CÉSAR, Ana Maria. A Bala e a Mitra. Recife-PE: Edições Bagaço, 1994, p. 105-112.
BRITO, Taíza. A Confissão do Padre Hosana. Recife-PE: Edições Bagaço, 1998, p. 59-71.
O crime e todo o desenrolar da prisão e dos julgamentos de Hosana fomentaram
diversas interpretações, quer na escrita, quer na fala. Muitos textos foram produzidos e
reproduzidos sobre ele, vindos das mais diversas direções: jornais, ligados ou não à Igreja
Católica, livros, cordéis, revistas, cada versão, ao seu modo, e, muitas vezes, com
informações divergentes. Há algo, porém, comum: a oferenda de si mesmo, de seu sangue ao
clero, aos seminaristas e a toda a Diocese de Garanhuns; como também o perdão dado ao
padre.
Em tudo o que de escrito sobre o assassinato de dom Expedito Lopes, o ponto
mais enfatizado é o seguinte: suas últimas palavras antes de perecer. Nelas, o perdão ganha
destaque. É também o perdão do bispo ao seu assassino que sustenta, hoje, o discurso oficial
católico sobre a beatificação e canonização do mesmo.
Muito mais do que a vida do bispo, está evidenciada a sua morte. São construções
narrativas embebidas de piedade, a construir uma hagiografia para ressaltar as virtudes do
bispo e seu merecimento aos altares públicos e domésticos.
Como o perdão é evidenciado nessas falas e textos? Como cada narrativa apresenta
esse ato último de dom Expedito? Como o perdão do bispo é repetido pelos moradores
daquela urbe em seus depoimentos?
Retomado e re-elaborado pelas letras e falas, é esse o ato de dom Expedito que o
distingue, que o extrai do corriqueiro, da repetição do dia-a-dia. Não foram somente os tiros
que quebraram o viver rotineiro da cidade, a partir de 1957, mas, sobretudo, as oito horas de
agonia do bispo, suas dores, sua sede, suas orações e, por fim, o oferecimento do perdão -
coroando assim sua “bela” morte.
O jornal católico O Monitor (órgão criado e pertencente à Diocese de Garanhuns) no
dia 13 de julho de 1957, traz uma homenagem ao bispo cuja autoria é do doutor Oswaldo
Zaidan, um dos médicos que assistiu dom Expedito no Hospital Dom Moura. Com o título
“Morto: maior do que vivo”, o extenso texto evidencia os últimos momentos do Antístite e,
principalmente, o perdão:
(...) A afirmação de sua personalidade cristã está, sobretudo, na sua morte, perdoando o
seu algoz e pedindo a Deus que lhe perdoassem no momento cruciante de sua vida, no
leito dos moribundos, quando se poderia admitir a a conservação do instinto, porque
diante da morte o homem tem direito de pedir para viver, para livrar-se das dores que o
contorcem e o aniquilam. Mas ele não. Preferiu morrer para que a Igreja vivesse, para que
seus ideais não perecessem no lodaçal das materialidades prosaicas que aviltam os
homens lhe fazendo desaparecer as últimas résteas de santidade. Morreu como os
espíritos superiores sabem morrer: perdoando.
Os meus olhos atônitos ainda fitam em seu leito de morte, a figura expressivamente
cristã de Dom Expedito Lopes, no Hospital Dom Moura. Ainda tive essa ventura. (...)
18
Outra matéria, publicada no jornal Diário da Noite, de 02 de Julho de 1957, assinada
pelo jornalista Nilo Pereira e intitulada “Não Julguem a Igreja pelo Pecador”, avalia o perdão
dessa forma:
A maior lição de Dom Expedito estava reservada para sua morte - a morte heróica do
mártir da Igreja quando perdoou o padre assassino e pediu que rezassem pela alma do
transviado. Esta é a Igreja, verdadeira e legítima; julguem-na pelo bispo e não pelo infeliz
sacerdote; pelo o santo e não pelo pecador. (...) A Igreja não se rebaixou neste triste
episódio; engrandeceu-se. Porque não é a mão assassina que nos fica diante dos olhos, é
o bispo morrendo docemente, perdoando o algoz, num gesto de infinita caridade.
19
Dom Antônio de Almeida Moraes Júnior, na época arcebispo de Olinda e Recife,
também escreveu sobre a morte e o perdão, à luz da doutrina cristã católica. Intitulado de
“Dom Expedito”, O Diário de Pernambuco de 07 de julho de 1957 publicou do Arcebispo o
artigo “Dom Expedito”.
(...) Devia ser uma grande alma a do Bispo de Garanhuns para que pudesse ter tão
grande heroísmo nos momentos extremos da vida. Na sua morte projeta-se
maravilhosamente a imagem do Divino Crucificado. O Calvário estava ali, naquele hospital
de Garanhuns, crucificado no cimo da cruz, o Mestre Divino, não teve um olhar de
recriminação, não pronunciou uma palavra de amargura, não fez uma referência à triste
pessoa do traidor, não formulou uma queixa contra os verdugos. Seus olhos divinos, seus
lábios doloridos procuravam aqueles que o martirizavam apenas para dar o perdão e a
misericórdia! (...) Não posso compreender essa serenidade absoluta, essa tranqüilidade
imperturbável, essa paz interior, esse heroísmo de calar até o nome do assassino, essa
superioridade incrível de todas as dores e a todos os acontecimentos, para colocar no
olhar, nas palavras, nos gestos a atitude soberana dos mártires: tendo somente para o
sacerdote infeliz e tocado por impulso diabólico a palavra do mais amplo, do mais irrestrito
perdão (...).
20
18
O Monitor, 13/07/1957.
19
Diário da Noite, 02/07/1957.
20
Diário de Pernambuco, 07/07/1957.
As narrativas sobre o perdão denotam dupla função: inaugurar uma percepção
imaculada sobre dom Expedito (ofuscando suas contradições como bispo e administrador
diocesano) e lançá-lo à posteridade como um exemplo a ser seguido, como um marco
referencial de “santidade”. Essas narrativas isentam o sacerdote dos castigos divinos uma
vez que ele foi perdoado por sua vítima e, contraditoriamente, o deixam no estado de
pecador.
Dom Expedito Lopes: Bispo e Mártir e A Morte de Dom Expedito foram dois livros
escritos por frei Romeu Peréa, da Ordem Carmelita no Recife, respectivamente nos anos
1958 e 1959. Nas duas obras, o perdão também ganha destaque e reflexão à luz da doutrina
cristã católica Apostólica e romana.
21
O frade era capelão da Casa de Detenção, onde padre Hosana ficou detido no
Recife. Naquele recinto, além de frei Romeu Peréa, estavam presentes à leitura do Decreto
de Excomunhão do sacerdote, em 16 de agosto de 1957, o monsenhor Isnaldo Fonseca,
autoridades clericais bem como seu advogado, Dr. Juarez Vieira da Cunha.
O prefácio do segundo livro, publicado em 1959, foi escrito pelo jornalista Nilo
Pereira. O perdão é mostrado como a espinha dorsal das reflexões doutrinárias que vêm nas
páginas seguintes. O jornalista diz:
O perdão foi a caridade; mas este apelo foi algo de sublime. Os olhos do prelado se
alongaram pelas estradas do tempo e previniram novas quedas e novos abismos,
intercedendo, com o sangue derramado, pelo seu próprio algoz. (...) A santidade é sempre
uma violência; aceita, temos a sublimidade; renegada, temos o pecado: as duas faces da
tragédia de Garanhuns - o Bispo Mártir e o Padre Algoz, a violência do santo e a violência
do pecador. A Igreja está no santo, que violenta a natureza decaída pelo Perdão, pelo o
Amor, pela a Caridade.
22
Precisamente no capítulo intitulado Amor e Perdão, na página 71, frei Romeu Peréa
assegura que há palavras que são pronunciadas para ficar na memória:
21
PERÉA, frei Romeu.
Dom Expedito: Bispo e Mártir. Recife-PE: Editora Flos Carmeli, 1958.
---------------------------------. A Morte de Dom Expedito. Considerações e torno de um cadáver glorioso. Recife-PE:
Editora Flos Carmeli, 1959.
22
PERÉA, Frei Romeu. Dom Expedito: Bispo e Mártir. Recife-PE: Editora Flos Carmeli, 1958, p. 07/08.
Sempre que um moribundo abre, com esforço, os seus lábios, para com, sacrifício,
pronunciar as suas derradeiras palavras, todos quantos assistem à sua agonia curvam-se
reverentes tocados da mais profunda emoção entre aquele ser que se prepara para entrar
na região do mistério. Se o moribundo é um homem que viveu unido a eles pelos laços do
sangue ou da amizade, as suas palavras lhes interessam particularmente para conservá-
las durante a sua vida como uma lembrança que nunca se afastará da sua memória. Se foi
um homem de destaque, na convivência terrena com eles, ou pela sua posição, ou pela
sua autoridade, essas palavras se recolhem para, mais tarde, serem transmitidas à
posteridade. (...) frases rigorosamente históricas que passaram à posteridade como a
manifestação da vontade daqueles que as pronunciaram, ou como prova da atitude que
adotaram em face da morte, ou ante um grande perigo, por que em vida passaram. A frase
de Cristo na cruz: ‘Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem!’. Ou a do nosso
Bispo-Mártir, ao repetir constantemente as suas palavras de amor e perdão no seu leito de
morte.
23
Já no capítulo Ante Deus, Princípio e Fim, na página 109, o frade faz a reflexão sobre
o perdão de dom Expedito ao padre Hosana.
Uma coisa é amar o nosso próximo, como nós nos amamos. Outra, muito diferente,
amar o nosso inimigo, falar bem de quem fala mal de nós, perdoar aquele que nos ofende,
elogiar a quem vive a semear calúnias contra a nossa fama e nosso bom nome. Mas existe
ainda uma prova maior de amor, que muitos não compreendem e que, humanamente, não
se compreenderia, em verdade se o Filho do Homem assim o não tivesse ensinado e,
mesmo, praticado: é dar a vida pelo amado. (...) Grande pois deve ser a glorificação
daquele que cumpriu esse preceito do perdão aos inimigos (...).
24
Nesse sentido, o grande perdão deve produzir uma memória grandiosa, uma força
exemplar, para romper as barreiras do esquecimento.
A Revista Flos Carmeli, de agosto e setembro de 1957, traz a matéria Mais uma
vítima do Dever, escrita por frei Romeu Peréa. Ele subdivide seu texto em subtemas, a saber:
os antecedentes do escândalo, o escândalo, o desfecho, o mártir, martírio consciente, as
virtudes heróicas do mártir, perdão e caridade e a redenção pelo sangue. No que toca ao
perdão, há a seguinte reflexão:
23
Op. cit. p. 71-72.
24
Op. cit. p. 109-110.
havia nos lábios e no pensamento do bispo uma expressão: o perdão. Perdão claro,
perdão incondicional, perdão sem recalque, perdão espontâneo, perdão sem azedume,
perdão pessoal, não inspirado de fora, não pressionado por insinuação ou persuasão de
outros. (...) Perdoar o inimigo nunca foi fácil. Perdoar o inimigo no momento em que ele
brutalmente, estupidamente nos arranca a vida com dores cruciantes; possuir nesta hora,
em que o instinto de conservação todo se excita, possuir nesta hora o mesmo sentido de
perdão, pensar em perdoar na hora em que a natureza reúne todas as reservas numa luta
de defesa e de contra-ofensiva: eis o que não se improvisa. (...) Na mente e no coração de
Dom Expedito nestas circunstâncias não existe preocupação alguma por problemas
terrestres nem humanos; gira no seu pensamento a glória de Deus pela qual ele renova
constantemente o oferecimento da sua vida pela alma do padre assassino no qual ele
perdoa tanto em nome próprio quanto em nome da Igreja e em nome da Diocese; a alma
do padre para o qual ele pede missas e diz, sem adjetivos ressonantes nem
sentimentalismos, mas simplesmente como falava: ‘é preciso que dôa para que este padre
nunca mais peque” (...).
25
Na mesma revista, de maio e junho de 1959, outro carmelita, frei Inácio Maria, traz
sua versão sobre o perdão ao padre Hosana:
Morreu Dom Expedito em pleno fulgor de sua dignidade episcopal que ele nunca
manchou nem dedignou [sic] com omissões criminosas, qualquer que fosse o sacrifício.
Morreu perdoando, morreu oferecendo a Deus, pela conversão de Hosana, o dom mais
precioso que possuía: a própria vida. Morreu como o soldado que não deserta nem trai.
Morreu como o ‘Bom Pastor’, descrito por Jesus no Evangelho ‘o qual não abandona as
suas ovelhas (...).
26
Assim, o perdão vai sendo o pilar de sustentação da suposta santidade de dom
Expedito. As oito horas de agonia, a oração, as dores, o sangue derramado, a oferenda de si
mesmo e a assistência dos padres em sua volta: tudo prepara-o para a posteridade, para um
futuro nos altares públicos e domésticos. Perdoar padre Hosana foi seu trunfo. Assumiu a
condição do pai que perdoa.
27
25
PERÉA, frei Romeu. Mais uma vítima do Dever. Revista Flos Carmeli. Recife-PE: Editora Flos Carmeli, N.º
02-03, p. 11, 1957.
26
MARIA, frei Inácio. Luz e trevas. Revista Flos Carmeli. Recife-PE: Editora Flos Carmeli, N.º 11-12, p. 09,
1959.
27
Ao estudar sobre a confissão e o perdão nos séculos XIII ao XVIII, na Europa, Jean Delumeau afirma: “Ora, o
‘pai’ (...) está sempre associado à ternura e o perdão. Não se trata do pater famílias que governa com autoridade
no seio da família, mas da personagem evangélica que corre ao encontro do filho pródigo, abraço-o
afetuosamente e reintegra-o na casa comum (...).” DELUMEAU, Jean. A Confissão e o Perdão: as dificuldades
O perdão é um dos elementos a compor a vida de um pré-destinado à santidade.
Virtudes como bondoso, bom pastor, paciente, prudente, homem de oração, perseverante,
entre tantas outras, também são postas no papel. Formam, junto com o perdão, a vida e a
morte daquele bispo cearense. São elementos que se aglutinam para compor sua hagiografia.
Michel de Certeau - no texto Uma variante: a edificação hagio-gráfica
28
- problematiza
a hagiografia, prática comum dentro dos escritos da Igreja Católica Apostólica Romana. O
autor assinala que é preciso particularizar e pensar melhor esse gênero narrativo: a
hagiografia, isto é, a escrita da vida dos santos.
O autor considera a hagiografia um gênero narrativo, portanto, uma organização
textual. No século XVII, chamava-se também de hagiologia. Existe para promover um santo e,
para isso, utiliza-se da combinação e da interação de atos, lugares e temas para formar sua
estrutura e convencimento. Nessa dinâmica, o foco é “dar o exemplo”, deixar um “exemplo”.
Embora toque o passado da vida e da morte da biografia estudada, sua importância maior
está em lançá-lo à posteridade. Para narrar o santo e fixá-lo na memória daqueles que
convivem com sua ausência/presença, somam-se suas virtudes e milagres.
Entre os séculos 150 e 300, o interesse maior era a morte daquele que se queria
santificar. A forma da morte era importante para o relato textual. Por isso, o túmulo do morto é
imperativo em importância. O túmulo é uma testemunha. Na segunda etapa, é que a vida do
santo toma para si o foco de importância nesse gênero narrativo, uma biografia linear, pré-
destinando o candidato aos altares e aos corações alheios. A vida passa, então, a fundar esse
discurso de santidade.
No caso de dom Expedito, é a morte que o evidencia. A forma pela qual foi
consumido após os disparos tem força maior. Sua vida foi narrada, também, para compor sua
santidade, porém, a vida assume papel complementar. A vida de dom Expedito, quando
posta diante de sua morte, torna-se rarefeita. A memória lugar e destaque maior à sua
morte, ao seu perdão, aos seus suspiros, ao seu sangue preciosíssimo.
Os mesmos escritos (que evidenciam o perdão) reivindicam justiça para o caso. E a
justiça significa punir o padre com a prisão. Se, de um lado, existiu o perdão, houve também a
reivindicação para a necessidade de punição. No dia 13 de julho de 1957, o jornal O Monitor
assim argumentou:
da confissão nos séculos XIII ao XVIII. Tradução de Paulo Naves. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p.
10.
28
CERTEAU, Michel. A Escrita da História. Tradução de Maria de Lourdes Menezes. 2.ª ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2002, p. 266-278.
Poder-se-á admitir o perdão na esfera religiosa, conservando-se inatacável a vontade
do Antístite, violentado e morto. Mas, o que se não pode admitir é a consagração do crime
na esfera leiga e civil, é a glorificação do criminoso, em detrimento de uma sociedade
inteira que não chama apenas Justiça, porque esta, às vezes, não satisfaz como reparação
regeneradora, mas a degradação do criminoso e a elevação da tima. Porque melhor do
que a condenação do algoz é a memória santa do morto que ficará perene em nossos
corações.
29
A absolvição dada ao padre Hosana nos dois primeiros julgamentos (1959-1960)
repercutiu na imprensa como um ato de impunidade e injustiça diante do bispo e perante o
sentimento cristão. Esse mesmo sentimento cristão que tanto alavanca e admira a mensagem
de perdão transmitida pelo Antístite.
Logo após o primeiro julgamento, no Tribunal de Justiça de Pernambuco, o Diário de
Pernambuco, de 22 de Fevereiro de 1959, dispõe as impressões sobre o desfecho do
julgamento:
(...) As irmãs de Dom Expedito, Ildecê e Suzete Lopes, ouviram todo o julgamento do
Padre Hosana através da Rádio Clube de Pernambuco, mostrando-se revoltadas com os
aplausos do público, no final do júri.
A senhora Suzete disse que esperava uma sentença pequena, por saber não existir
justiça no Brasil, porém, não imaginava tão irrisória (...).
A senhora Idecê afirmou que o assassino do seu irmão merecia 30 anos,
acrescentando: “Na verdade, o Bispo perdoou. Entretanto, a justiça da Terra deveria julgar
o fato humano. Hosana assassinou um homem e merece a cadeia”.
30
Por outro lado, no mesmo jornal, de 25 de fevereiro de 1959, dois dias depois de ouvidas
as irmãs do bispo, uma enquete feita em Quipapá-PE, onde o sacerdote era pároco, sobre
o desfecho desse primeiro julgamento.
Amigos de Hosana regozijam-se com os fatos: os que prestaram depoimentos contra
ele, ou se expressaram pessoalmente contra o crime, temem represálias do ex-padre, a
quem consideram, por experiência própria, segundo afirmam, vingativo, audacioso e
temerário. D a reportagem haver feito uma enquete com o povo, para saber a maneira
29
O Monitor, 13/07/1957.
30
Diário de Pernambuco, 22/02/1959.
como foi aceita a decisão do Júri. Os que estavam do lado de Hosana não se furtavam de
expressar de público seus sentimentos, ao passo que alguns dos que condenavam,
recusavam a dar o nome ao repórter, sob a alegação de evitar futuras perseguições. (...)
A Enquete
Uma das primeiras pessoas a serem ouvidas foi o atual Vigário de Quipapá, Padre
Edgar Clarício, que se recusou prestar declarações a respeito da decisão do Júri, por não
achar oportuno.
O Senhor Augusto Duque (Tabelião) acha que Hosana deveria pegar pena máxima,
além da medida de segurança ou então, ser absolvido e internado no manicômio judiciário.
O matuto Manoel Bernardino Sena, abordado na rua pelo repórter, disse que seu desejo
era que Hosana fosse absolvido, justificando seu ponto de vista com a alegação de que
fora sempre tratado com bondade e atenção pelo ex-vigário de Quipapá.
O Presidente da Câmara Municipal de Quipapá, senhor José Américo Leite, declarou
que os jurados agiram com justiça. Caso fizesse parte do Conselho de Sentença votaria
pela absolvição. Acha que, se não houvesse motivos fortes, Padre Hosana jamais chegaria
a um desfecho criminoso.
Heridowel Gomes Rosa, representante de juventude local, no seu inquirido, disse para o
repórter: Quipapá é uma cidade com 2.500 habitantes. Desses 2.500 habitantes, saiu um
para matar o bispo de Garanhuns; por que foi o Padre Hosana e não eu? Certamente, ele
teve suas razões, porque eu não tive nenhuma e não cometi o crime. Gostaria que ele
houvesse sido absolvido. Dois anos foram demais, até seis meses seria uma exceção’. (...)
O senhor Álvaro Luiz de Assis, Presidente da Cooperativa Agropecuária de Quipapá,
disse: ‘Confesso que esperava um julgamento benevolente por parte dos jurados de
Recife. Entretanto, fui surpreendido pelo veredictum. Acho, para tamanho crime, a pena ser
maior, maior (...).
31
Essa celeuma explicita as tramas que o perdão comporta. Nesse sentido, o pedido de
dom Expedito para que todos o perdoassem não teve força e ressonância. Ficou na esfera do
religioso, do sagrado, da doutrina. A possível punição ao padre teve maior relevância, era
esperada por aqueles e aquelas em favor do morto, que tiveram suas expectativas frustradas
nos dois primeiros julgamentos.
31
Diário de Pernambuco, 25/02/1959.
Foto 01 Primeiro Julgamento do Padre Hosana de Siqueira e Silva, datado de 20 de fevereiro de 1959. O
julgamento mais comentado por toda a gente pernambucana. Os jornais, as rádios e até mesmo emissoras de
TV disputavam sua cobertura. Segundo os jornais, o povo aplaudia cada vez que Juarez Vieira da Cunha,
advogado de defesa do réu, fazia suas declarações a favor do padre, dizendo que o sacerdote agiu em legítima
defesa da honra. Mais aplausos rasgaram o silêncio do recinto quando o réu teve como pena dois anos e meio
de reclusão em casa de tratamento psicológico específico. O caso ganhou as ruas e acirrou ainda mais a divisão
de interpretações no povo. A essa sentença, os jornais chamaram de uma “quase absolvição”. (jornal Diário de
Pernambuco de fevereiro de 1959).
Foto 02 - Padre Hosana de Siqueira e Silva retirando-se do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJP), no Recife,
depois de lida a sentença de seu primeiro julgamento, datado de 20 de fevereiro de 1959. (jornal Diário de
Pernambuco de Fevereiro de 1959).
Em um documento intitulado Padre Hosana: Sacerdote e Réu, datilografado no
Recife e datado de 1962, cujo autor é Lindolfo Pereira de Lisboa,
32
uma reflexão sobre o
perdão dado por dom Expedito ao padre em contraposição à vontade e às expectativas de
certas pessoas. O autor ressalta que os seguidores do bispo admiram as suas últimas
palavras, mas não as seguiram, pois queriam punição.
Para ele, o povo do Recife, em sua maioria, posicionou-se a favor de padre Hosana.
Aos demais que estavam do lado do bispo, chamou-os de hipócritas”, “sepulcros caiados”,
“beatas”, ratos de sacristia e baratas de igreja”. Afirma que diante de duas correntes,
ninguém, absolutamente ninguém se queda da imparcialidade”
33
, embora diga ser imparcial
em sua escrita.
Havia ainda um número de bárbaros e cruéis que desejavam que o Padre Hosana fosse
condenado a trinta anos de detenção. São os que o taxaram de hediondo, monstruoso,
cínico, bárbaro e outros insultantes adjetivos sempre naquelas bocas incapazes de palavra
caridosa, cristã e amiga, esquecidos de que estão [longe] daquelas palavras de Nosso
Senhor Jesus Cristo, quando disse: aquele dentre vós que estiver sem pecado, lance a
primeira pedra’. E em outra parte das Santas Escrituras: Perdoai os vossos semelhantes,
para que meu Pai perdoe a Vós’. (...) Ao invés de pensarmos na qualidade do crime,
qualificando-o de monstruoso e hediondo, nosso dever de cristãos e católicos é pôrmo-nos
32
Em 1998, a jornalista Taiza Brito publicou o livro A Confissão do Padre Hosana, lançado pelas Edições
Bagaço, em Pernambuco. Na entrevista que travei com ela, no s de agosto de 2006, me informou que, ao
concluir o seu livro, chegou em suas mãos um documento não editado, escrito no Recife e datado de 1962, de
autoria de Lindolfo Pereira de Lisboa, denominado “Padre Hosana: Sacerdote e Réu”. Conforme a jornalista, o
documento foi deixado na recepção do Jornal do Comércio para ser entregue a ela. Não soube informar se era
homem ou mulher quem o teria deixado. Como havia mandado seu livro para edição, não usufruiu das
informações desse documento para incrementar sua escrita. Guardou-o. Trata-se de uma obra datilografada em
que o autor defende apaixonadamente padre Hosana. Basicamente, trata-se de uma escrita em que rebate o que
estava sendo escrito sobre o padre nos jornais a respeito do crime por ele cometido e mais ainda sobre seus
julgamentos. Contraditoriamente, logo no prólogo do texto, Lindolfo Pereira de Lisboa afirma ser imparcial em
sua análise e que não está sendo a favor de dom Expedito e nem do padre Hosana, por não conhecer
pessoalmente nenhum dos dois. Seu texto focaliza-se exclusivamente no desenrolar do primeiro julgamento de
padre Hosana, em fevereiro de 1959.
33
LISBOA, Lindolfo Pereira de. Padre Hosana: Sacerdote e Réu. Recife-PE: Documento não editado, 1962, p.
08. Cedido a mim pela jornalista Taíza Brito, do Jornal do Comércio, e autora do livro A Confissão de Padre
Hosana, lançado em 1998, pelas Edições Bagaço, em Recife-PE.
em seu lugar [de Padre Hosana] para compreendê-lo, perdoar seus erros, faltas que
também nós estamos sujeitos a cometer. Rezar por ele, seria preferível e mais agradável
aos olhos de Deus e do próprio Dom Expedito, que morreu perdoando a quem o ferira; a
ficar batendo com a língua nos dentes, a dizer asneiras, como se fôssemos uns santos,
uns infalíveis, isentos de todos os erros e faltas.
34
Adiante, especificamente na página 37, diz:
(...) Todo aquele que acusa levianamente o Padre Hosana e o maltrata, quer por
palavras ou atos, não é digno do nome de cristão e católico porque não está usando da
caridade, pedra fundamental em que Cristo edificou toda a sua Doutrina que é o perdão
[grifo nosso], amor e caridade. ‘Mas, disse alguém, o Padre agiu contra um Bispo da
Igreja!’ E eu respondi: ‘Agiu, é verdade, mas agiu depois de o bispo agir contra ele. E
mesmo que assim não acontecesse, nosso dever de cristãos e católicos é perdoar a quem
cometeu qualquer falta, somente a Deus cabe a prerrogativa de acertar sempre, e somente
ele sabe julgar quem errou e quem acertou.
35
Em 1995, dom Acácio Rodrigues Alves, bispo emérito de Palmares-Pernambuco,
entra em contato com padre Hosana em seu sítio Areia dos Gatos, também chamado Nossa
Senhora da Conceição, a doze quilômetros de Correntes-Pernambuco, sua cidade natal. O
objetivo daquela visita era sugerir ao sacerdote que ele escrevesse uma carta ao Papa João
Paulo II, demonstrando profundo arrependimento pelo crime que cometera em 1957 e
solicitando o perdão do Sumo Pontífice. Isso implicaria sua volta ao estado de sacerdote,
oficialmente. Noutras palavras, a excomunhão seria quebrada e/ou interrompida. Duas
condições foram-lhe impostas por dom Acácio: que ele demonstrasse realmente
arrependimento (tanto na escrita da carta endereçada ao Pontífice quanto nas conversas que
travavam) e que ele, num gesto de humildade, se dirigisse ao túmulo de dom Expedito e
pedisse perdão ao morto.
O Diário de Pernambuco, de 21 de janeiro de 1995, atesta:
Papa perdoa Padre Hosana
Trinta e sete anos depois de ter assassinado o Bispo de Garanhuns, Dom Francisco
Expedito Lopes, com três tiros de revólver, num dos crimes mais rumorosos do país, Padre
34
Ibid. p. 09-10.
35
Ibid. p. 37-38.
Hosana de Siqueira e Silva diz que agora é um homem livre. O religioso de 82 anos foi
perdoado [grifo nosso] pelo Papa João Paulo II e deve ser indultado pelo Vaticano. O
indulto lhe assegura o direito de voltar a ministrar sacramentos e assumir uma paróquia em
qualquer parte do país. Mas, os planos do Padre Hosana são outros (...).
Hosana se aproximou do sepulcro. Caiu de joelhos, começou a chorar e pediu perdão
ao Bispo que ele havia assassinado (...).
Afirma que agora é ‘um homem livre’, que deseja publicar um livro narrando sua versão
sobre o crime que abalou Pernambuco.
36
Contraditoriamente, o mesmo Diário de Pernambuco, em matéria de 08 de novembro
de 1997, um dia após a morte de padre Hosana, acentua que o bispo dom Acácio teria dito
que não existe carta no Vaticano pedindo o perdão de padre Hosana e, consequentemente,
que o Sumo Pontífice não deu o seu perdão ao sacerdote.
37
No jornal do Comércio, de 17 de novembro de 1997, Ana Maria César, autora do livro
A Bala e a Mitra, publica:
(...) dois anos fomos surpreendidos com a notícia que Hosana escrevera ao
Vaticano solicitando o perdão eclesiástico, e dava-se notícia que finalmente teria
sucumbido aos rogos de Dom Acácio, bispo de Pesqueira, e testemunha da tragédia de
Garanhuns, visitando o túmulo de Dom Expedito, quando demonstrara um sincero
arrependimento.
Morreu sem receber a suspensão da excomunhão. De perdão mesmo,o do bispo no
leito de morte. Mas, a violência, como um bumerangue retornou ao ponto de partida,
maculando mais uma vez a história da humanidade. A quem caberá agora julgar?
38
Percebe-se pelos registros produzidos naquele ano de 1997 que o tão esperado
perdão do papa àquele sacerdote ganhou destaque. O perdão, ou a sua iminência, trouxe
dissonâncias de opiniões.
O jornal do Comércio, de 08 de novembro de 1997, em seu Caderno Regional, expõe
pronunciamentos de alguns bispos pernambucanos sobre a morte do padre Hosana. Neles,
36
Diário de Pernambuco, 21/01/1995.
37
Diário de Pernambuco, 08/11/1997.
38
Jornal do Comércio, 17/11/1997. Ao referir-se ao objeto bumerangue, Ana Maria César quer dizer que da
mesma forma que padre Hosana tirou a vida de dom Expedito; tiraram-lhe a sua. Isso confirma um ditado popular
muito conhecido entre nós: Quem com ferro fere, com ferro será ferido. Seu livro foi a primeira obra escrita e
publicada sobre o crime do padre Hosana, a qual lhe rendeu premiações e entrevistas em programas de TV de
renome nacional, como o Programa Sem Censura, apresentado pele jornalista Leda Nagle, no Canal TVE Brasil,
com sede no Rio de Janeiro. CÉSAR, Ana Maria. A Bala e a Mitra. Recife-PE: Edições Bagaço, 1994.
os bispos ressaltam que o sacerdote já estava perdoado pelo Papa, isto é, tinha sido
expedido nos escritórios do Vaticano seu indulto da pena; o que lhe restituía o direito de voltar
às atividades clericais.
Lamento profundamente. Graças a Deus ele morreu tendo recebido o indulto da
Igreja. Em junho do ano passado [1996], quando estive em Roma, encontrei Dom Acácio
na Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé e ele me disse que estava ali para receber
o indulto de Padre Hosana. Acredito que isso tenha acontecido porque Dom Acácio afirmou
que o Papa João Paulo II havia concedido o indulto. A missa que vou celebrar agora será
na intenção de Padre Hosana. (Dom Antônio Soares Costa, Bispo de Caruaru-PE).
Sei que estava interessado em conseguir do Papa João Paulo II o levantamento da
excomunhão, o perdão, a absolvição. Dom Acácio Rodrigues, Bispo de Palmares (em
viagem a Roma), intermediou isso junto ao Vaticano. Quando o Papa esteve no Rio de
Janeiro, agora em Outubro, ouvi dizer que o perdão seria apressado (...). (Dom Francisco
Austragésilo de Mesquita, Bispo de Afogados da Ingazeira-PE).
(...) Mas, Deus perdoa as pessoas no seu pecado e acho que o Padre Hosana devia
estar arrependido do que fez (...) A Igreja tentou perdoá-lo e Dom Expedito, que morreu na
hora, o perdoou. (Dom Paulo Cardoso, Bispo de Petrolina-PE).
39
Em entrevista cedida a mim, na cidade de Sobral-CE, no dia em 16 de dezembro de
2002, dom Acácio Rodrigues Alves explicou-me, dentre outros pormenores sobre o crime do
padre Hosana, sobre o pedido de perdão daquele sacerdote.
(...) Mas, então, eu fui falar com ele e, quando o carro parou, ele pôs a cabeça e me viu.
Fui até a direção dele e ele me abriu os braços, me chamou pelo nome, me abraçou e me
recebeu com muita alegria. E aí, a gente pôde conversar (...). E quando eu disse: ‘Olhe, eu
vim aqui para tratar da sua reconciliação’. Ele disse: ‘Eu já estou reconciliado. Com Deus a
gente se reconcilia, basta pedir’. (...) Eu pedi que ele fizesse uma carta ao Papa pedindo
perdão. E nos encontramos no dia seguinte presente a uma carta, que diz tudo, menos
pedir perdão. Contando que era vítima, que era perseguido (...). Então, pedi pra ele fazer
outra. Ele fez outra cartas e as mesmas coisas. No terceiro dia, a terceira carta que ele fez
ainda não tinha o cunho de perdão. Mas, eu levei uma pronta e digo: ‘Olha, você faz
como esta aqui, dizendo que você deu três tiros no bispo e o bispo morreu como
conseqüência, por isso vo teve as penas canônicas e, por isso, quer pedir perdão, está
39
Jornal do Comércio, 08/11/1997.
arrependido’. Ele viu a carta, leu e disse: Eu assino esta’. E a gente mandou para Roma.
Depois eu passei em Roma e fui à Congregação e me disseram: ‘Olhe, foi feita a
assembléia e se decidiu dar a absolvição e o perdão das penas canônicas. Pode transmitir
a ele’ (...).
40
O perdão negociado entre dom Acácio e padre Hosana rendeu a absolvição. A morte,
todavia, ceifou padre Hosana antes de saber a notícia. E a imprensa plantou a semente da
dúvida quanto à existência desse perdão institucional.
É interessante notar que o perdão dado pelo bispo não resolveu o problema. Para ser
perdoado, padre Hosana tinha recebido o perdão, mas precisava, também, pedir o perdão.
O mercado do perdão não era simples. Nesse caso, pedir, mesmo depois de ter recebido,
era um valor inegociável. Pedir perdão era mais uma penitência. Perdão dado valorizava o
doador e não o receptor. Perdão pedido valorizava o solicitante. De qualquer maneira,
estavam em jogo as várias configurações do verbo perdoar na construção das memórias.
Tanto o perdão que dom Expedito ofereceu ao padre quanto aquele que o sacerdote
solicita aos restos mortais do bispo e, depois, ao Papa, estão presentes também nos
discursos orais tanto públicos e/ou institucionais, quanto privados. Entrevistando moradores
de Garanhuns e Correntes, Pernambuco, é notória a ênfase nas duas situações de perdão,
muito embora as últimas palavras do bispo se sobressaiam nos depoimentos.
(...) Ele [Dom Expedito] era uma pessoa muito boa e não merecia morrer assim (...). E
você viu que o fim do Padre Hosana, foi preso, pegou e passou muito tempo preso no
Recife. (...) Ele tinha uma propriedade e foi espancado, torturado e executado. E ninguém
sabe, até hoje, quem foi. Foi uma coisa horrível! Disse que foi lamentável. Quer dizer que
essas coisas acontecem e ele, talvez, não se redimiu, não pediu perdão porque ficou com
aquela marca. (...) O último fio da palavra dele [Dom Expedito] era o perdão. Pedindo
perdão, perdoou (...).
41
40
Entrevista com dom Acácio Rodrigues Alves, bispo emérito de Palmares-PE, primeiro Postulador da Causa de
Beatificação e Canonização de dom Expedito Lopes. Realizada em Sobral-CE, no Seminário São José, onde se
hospedou, em 16 de dezembro de 2002. Veio a Sobral colher depoimentos orais dos familiares de dom Expedito
Lopes que ainda residem naquela urbe para serem anexados ao Processo de Beatificação e Canonização, o
qual se encontra na Congregação da Causa dos Santos, na Cidade do Vaticano, para análise e decisão do
atual Papa Bento XVI.
41
Entrevista com dona Eugênia Gonçalves de Medeiros, 73 anos, professora aposentada. Realizada em sua
residência, em Garanhuns-PE em 15 de fevereiro de 2003.
Para a senhora Severina Ridete da Silva, de 77 anos, dona de casa, a importância do
bispo está nas suas últimas horas de sofrimento.
(...) Eu sei que ele foi um bispo muito forte aqui em Garanhuns. Na época eu tinha,
assim, meus 17 anos, eu acho. Eu também escutei muito sobre o crime através de rádio.
Porque, na época, nós morava no sítio (...). Ele perdoou. Que eu achei um gesto muito
bonito! Ele é santo sem precisar de canonização! Eu acho, num sabe. Agora, a
canonização é bom. Mas, que ele já é santo, ele é.
42
Dona Maria Tenório Cabral, de 87 anos, moradora da cidade de Garanhuns 70
anos, exprime:
Quando eu cheguei aqui, eu não sei a data que mataram Dom Expedito Lopes, foi uma
tardezinha, eu tava em casa, a igreja com o sino tocando, toda a cena horrorosa. Com todo
mundo, quanto mais com um bispo, meu filho? Eu acho horrível isso! [ênfase]. Eu num
gosto, assim, de negócio de morte. Matou, matou! Eu num gosto! É o bicho cão que atenta!
Gente que não tem juízo. Judiaram de Nosso Senhor! Fizeram mal aos poderes de Nosso
Senhor. Quanto mais a um cristão. Ave-Maria! Passou muita gente dizendo, e o sino tocou
logo e foi aquela agonia. Foi aquele ribuliço tão grande! (...) Eu acho maravilhoso ele ser
santo! Porque foi uma morte horrível e ele perdoou na hora! Estava perdoando o que ele
[Padre Hosana] tinha feito (...).
43
E o perdão chega e sai incessantemente da e na boca do povo, de variadas formas
narrativas, num disse-me-disse de informações. São histórias de perdão; sendo (re)
apropriadas pelos moradores mais velhos da cidade no seu dia-a-dia. Aos mais jovens, soa
como uma repetição de um discurso ouvido de gerações passadas e não questionado em
suas tramas e conflitos.
Em Correntes-PE, terra natal de padre Hosana e onde se encontra enterrado seu
corpo no Cemitério Santa Terezinha, me dispus a ouvir alguns moradores sobre o assassinato
de dom Expedito e acerca do processo de beatificação/canonização que a Diocese de
Garanhuns promove alguns anos. percebi como a pesquisa nos mostra surpresas.
42
Entrevista com dona Severina Ridete da Silva, 77 anos, dona de casa. Realizada em Garanhuns-PE, em julho
de 2007.
43
Entrevista com dona Maria Tenório Cabral, de 87 anos, aposentada. Entrevista realizada em sua residência,
Garanhuns-PE, julho de 2007.
Todos os moradores que ouvi evidenciaram a memória sobre o sacerdote. Falaram bem dele.
O seu nome foi vestido de respeito e admiração. Obviamente, houve aqueles e aquelas que
se fecharam ao diálogo por motivos próprios, não revelados. Respeitei.
Para Dona Natalícia Laurinda, 79 anos de idade, dona de casa, o sacerdote:
Era um padre muito católico também. Ele passava a cavalo. A gente tava rezando na
nossa casa, ele saía do cavalo e no meio da reza ele se ajoelhava, na sala da nossa casa,
pra rezar. Depois que teve esse problema com o bispo, né, ele foi simbora pra (..). Pra
mim, ele errou, ele se arrependeu, né. Ave-Maria! Pra mim ele era um bom pade (...).
Quem julga é Deus e mais ninguém na terra. Pode ser errado, pode ser o que for [ênfase]!
44
Para o senhor Euclides Marcolino de Sousa, 87 anos de idade, aposentado rural, o
sacerdote era um homem de perseverança, benquisto na cidade e tratava bem as pessoas.
Sobre o crime cometido em 1957, limita-se a dizer:
Foi Deus que perdoou a ele tudo o que ele fez de errado. Jesus é quem perdoa.
Quando ele vinha aqui na cidade e cumprimentava, ele botava a mão na cabeça da gente
e dizia: ‘Deus abençoe vocês’.
45
Os jornais, livros específicos sobre o crime do padre Hosana, os discursos públicos,
entre outros, mostram um perdão institucionalizado, com uma direção - do bispo diante do
padre. Na fala e vivência ordinária do povo, o perdão apresenta outras tramas. Para esses
moradores que se dispuseram a partilhar comigo suas memórias sobre aquele sacerdote, o
arrependimento dele o isenta de qualquer possibilidade de ter sua imagem maculada.
Portanto, independente do posicionamento institucional do Vaticano, “ele goza da graça do
senhor”, como afirmaram moradores de Correntes.
46
44
Entrevista com dona Natalícia Laurinda, 79 anos, dona de casa. Realizada em sua residência, em Correntes-
PE, em julho de 2007.
45
Entrevista com o senhor Euclides Marcolino de Sousa, 87 anos, aposentado rural. Realizada em Correntes-PE,
em julho de 2007.
46
Jean Delemeau, em seu estudo sobre a confissão e o perdão na Europa do século XIII ao XVIII, sugere que a
confissão, e consequentemente o confessionário, era um meio certo de salvação e proporcionavam conforto ao
pecador. Nesse sentido, a essência da penitência está no perdão. Diz ainda que as circunstâncias podiam
atenuar ou agravar o pecado. Na Europa do período estudado, duas categorias se sobressaíam: as relativas à
sexualidade e as referentes a pessoas, lugares e objetos. Para esse autor, a confissão de fato confortava, “ainda
no caso daqueles que, tendo consciência de haver praticado um ou vários pecados mortais, retiravam da
absolvição a certeza de escapar do inferno que os ameaçava”. O perdão divino transmitido pelos padres no
confessionário reconfortava e reanimava almas. Ainda conforme o autor, o perdão foi e é uma das contribuições
mais preciosas do Cristianismo à História; pois engloba de um lado um gesto de vida, configurado no próprio ato
Na Celebração Eucarística de dois de julho de 2004, realizada na Catedral de
Garanhuns, Pernambuco, o perdão de dom Expedito Lopes ao padre Hosana também é
evidenciado. Tratava-se da Sessão de Abertura e Instalação do Tribunal Diocesano para a
Beatificação e Canonização de dom Expedito Lopes, ainda tramitando na Congregação da
Causa dos Santos, na Cidade do Vaticano. Na hora da homilia dispuseram aos fiéis a
biografia de dom Expedito em um data-show com textos e fotos do prelado; e, ainda, com
depoimentos de outros membros do clero sobre ele.
As oito horas de agonia e sofrimento foram vividas intensamente por Dom Expedito.
Paciência, resignação, tranqüilidade, caridade, perdão, oração, lição de amor, marcaram
seus últimos momentos. (...) Amou até o fim, tal como o Bom Pastor. Morreu amando
porque morreu perdoando. Coube à Diocese de Garanhuns escrever essa página que na
História da Igreja no Brasil será o troféu da caridade de um Bispo.
47
Em julho de 2007, a Diocese comemorou, também com uma Celebração Eucarística,
na Catedral de Santo Antônio, os cinqüenta anos de morte de dom Expedito. Santinhos e
livros de cânticos foram distribuídos. Neles, o discurso do perdão também se impõe. No
momento das preces, por exemplo:
Para que, pelo exemplo de simplicidade e de perdão [grifei], de amor à Maria e
testemunho de zelo pela Igreja, por cuja causa deu sua vida, seja Dom Expedito
brevemente cultuado nos altares. Rezemos com piedade e fé.
Todos: Senhor, pela intercessão de Maria, atendei-nos.
48
de perdoar, e do outro, a “loucura assassina da vingança (p. 136). Jean Delemeau também apresenta em seu
estudo as contradições da confissão na Europa de outrora. Foi com o Concílio de Latrão, em 1215, que a
confissão anual e a confissão para todo o pecado mortal se tornou obrigatória. No entanto, na prática, ao final da
Idade Média até cerca de 1640, “a Igreja absolvia com freqüência fechando os olhos ou mesmo sem apresentar
muitas exigências”. DELEMEAU, Jean. A Confissão e o Perdão: as dificuldades da confissão nos séculos XIII
ao XVIII. Tradução de Paulo Naves. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 132 e 69, respectivamente.
47
Texto biográfico de dom Expedito Lopes utilizado num data-show na missa de Abertura e Instalação do
Tribunal Diocesano para a causa de Beatificação e Canonização, realizada em 02 de julho de 2004, na Catedral
de Santo Antônio, Garanhuns-PE. Cópia cedida pelas freiras do Instituto das Missionárias de Nossa Senhora de
Fátima do Brasil. Garanhuns, julho de 2007.
48
Santinhos” e livros de cânticos distribuídos na Celebração Eucarística em homenagem aos 50 anos de morte
de dom Expedito, realizado na Catedral de Santo Antônio em Garanhuns, dia 02 de julho de 2007. Cópia cedida
pelas freiras do Instituto das Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do Brasil. Garanhuns, julho de 2007.
Para esta celebração também foi escrito um hino a dom Expedito, aliás, o segundo
hino, uma vez que, em 2004, na missa de abertura e instalação do Tribunal Diocesano, outro
hino havia sido escrito. Em ambos, o perdão é enfatizado. A segunda composição tem
autoria de José Afonso Marinho.
Falaste do Santo Evangelho
Pregaste a paz, a união,
Mostrando a realidade, em cada cidade, de sua missão.
Ouvistes todos os irmãos
E, sem distinção, tu deste o perdão.
49
Já o primeiro hino, cuja autoria é de Sergio Tenório de Oliveira, exprime:
(...) A dois de Julho do ano de 57
Por toda grande região era manchete
Dom Expedito entrega alma ao Senhor
E de tristeza todo o povo se enlutou (....).
E nos jardins do belo Céu agora vai
Entre flores e roseiras resta paz
Não há mais sangue, dor, tristeza e aflição
Recebe o prêmio por na Terra dá o perdão (...)
Refrão: Expedito, Expedito
És no Céu novo servo escolhido
Roga a Deus por seus filhos sofridos
E nos dá nova força e luz
Nos levando a Cristo Jesus (bis).
50
49
Idem.
50
Santinhos” e livros de cânticos distribuídos na Celebração Eucarística da Abertura e Instalação do Tribunal
Diocesano para a causa de Beatificação e Canonização de dom Expedito Lopes, realizada em 02 de julho de
2004, na Catedral de Santo Antônio, Garanhuns-PE. Cópia cedida pelas freiras do Instituto das Missionárias de
Nossa Senhora de Fátima do Brasil. Garanhuns, julho de 2007.
Para a Igreja Católica, o perdão é o cerne da experiência da fé. É pelo seu exercício
que acontece a aproximação com o sagrado. Ele apaga a cula: grande vi da separação
homem e Deus. A mácula contamina e separa. Perdoar, portanto, é purificar e abrir trânsito ao
sagrado. O perdão é esperança, é recomeço, é conversão. Ele repara a culpa. Tanto a culpa
quanto o perdão situam o indivíduo numa relação com Deus, numa experiência com o Pai.
Tanto receber quanto dar o perdão é um ato de amor que restaura e recomeça a relação.
Nos ensinamentos da Igreja - que pretende copiar e divulgar o perdão de Cristo na
cruz - o perdão é uma exigência, uma necessidade humana, pois supõe a superação dos
ressentimentos e a reconciliação. Ele é generosidade gratuita e um “ato de amor acima de
qualquer lei”. Por meio dele se restaura uma aliança.
51
Para Osvaldo Carneiro Chaves, padre da Diocese de Sobral-CE, doar é uma coisa
boa. Perdoar é melhor ainda. Classifica-o como uma coisa ótima. Quando se perdoa, uma
doação de si mesmo. “Dar-se a si próprio”, segundo assinalou. Perdoar é uma renúncia ao
impulso natural da vingança. O perdão vai contra o natural (a vingança), portanto, é sempre
divino. Padre Osvaldo enfatiza ainda: “Perdoar é desarmar-se de sentimentos ou palavras de
vingança. É desarmar-se de atitudes de fazer justiça com suas próprias mãos”.
52
A Igreja compreende e prega o perdão como o pagamento de uma dívida. Deus
perdoa o pecador, portanto, joga o pecado para trás, aniquila uma dívida que o pecador tinha
para com ele. O perdão é gratuito. Nesse sentido, perdoar é purificar, lavar e justificar. Ele
pressupõe o pecado, para existir. Ele só existe em relação ao pecado, sua razão de ser. Deus
não quer a morte do pecador. Deseja a sua conversão. Deus reconforta-o (o pecador) e
purifica-o no perdão.
No Novo Testamento, Cristo assume a figura do sacrifício (sangue) para oferecer o
perdão do seu Pai (Deus), para salvar o mundo. Cristo tira o pecado do mundo, pois seu
sangue purifica, lava e extingue a culpa. Cristo chama à conversão, à remissão. Entretanto,
transmite à Igreja o poder de perdoar. Aos que crêem e se convertem em nome de Jesus, o
Batismo é a primeira remissão dos pecados. As outras oportunidades para a remissão dos
pecados são as contínuas orações da Igreja e o sacramento da Confissão.
53
51
Contesta os autores que aquele que perdoa mostra a grandeza da sua alma e que se situa além do mal. Sua
atitude e, por conseguinte, sua alma é desinteressada e renova a esperanças em si e no indivíduo que recebe o
perdão. Por outro lado, quem é perdoado é levado a mudar de conduta e extrair de si o mal. CHAUVET, Luis-
Marie & CLERCK, Paul de. O Sacramento do Perdão: entre ontem e amanhã. Tradução de Yvone Maria
Campos Teixeira da Silva. São Paulo: Paulinas, 1997, p. 80.
52
Entrevista com Osvaldo Carneiro Chaves, 84 anos, padre da Igreja Católica há 50 anos. Realizada em Sobral-
CE, em dezembro de 2007.
53
LÉON, DUFOUR, et. al. 1984. Verbete PERDÃO. No pensamento da Igreja, o perdão é um dos elementos
essenciais da vida nova. O cristão vence o mal perdoando; e perdoando por amor, como Deus e Cristo
fizeram; todavia, é possível assegurar que o perdão é utilizado pela Igreja como um instrumento de controle
Dom Expedito doutorou-se em Direito Canônico em Roma. Era um homem das letras.
Pode-se garantir, em certa medida, que ele conhecia, entre outras doutrinas, as explicações
teológicas sobre o perdão. travava um relacionamento difícil com padre Hosana dois
anos, desde que chegou à diocese. Ele também deixou um testamento em que, nalguns
trechos, sugere que pressentia que algo iria acontecer:
“(...) Acertando, desde já, com o mais completo e absoluto espírito de filial submissão à
morte que Nosso Senhor me houver designado, ofereço minha vida pela maior glória de Deus
e salvação das almas (...)”.
54
O testamento também é muito citado nas entrevistas que fiz com alguns padres e
leigos de Garanhuns. Quando o citam, tocam nesse ponto e afirmam os depoentes que o
bispo já pressentia a morte.
Após a missa em homenagem aos cinqüenta anos de morte do bispo, realizada no
dia dois de julho de 2007 na Catedral de Garanhuns, frei Francisco Fernando da Silva,
canonista e que exerce a função de Delegado no Tribunal Diocesano para a causa da
beatificação e canonização, lançou seu livro Vida De dom Expedito Lopes: bispo Mártir de
Garanhuns e Ana Maria César lançou a segunda edição de A Bala e a Mitra. O lançamento
dos livros estava dentro da programação das homenagens ao bispo. A segunda edição do
livro de Ana Maria César traz o capítulo denominado Novos Tempos e Verdades Antigas.
Entre outras coisas, a autora discorre sobre a existência de um documento que chegou a suas
mãos por meio de um professor francês, Richard Marin, da Universidade de Tolouse.
Nesse sentido, Michel de Certeau faz considerações sobre a hagiografia.
Compreende-a como um gênero narrativo composto pela combinação de atos, lugares e
temas
55
, considera ser a vida do santo, organizada em texto, tanto destinada ao povo como
ao ofício litúrgico algo mais oficial e clerical. Essas “Vidas Edificantes”, como se refere, são
consagradas e distribuídas a contemporâneos. É um privilégio de uma elite do saber. É um
trabalho coletivo de uma equipe que mantém uma rede de correspondências, sejam elas das
mais variadas naturezas, e portam um controle recíproco sobre essa escrita.
social.
54
Trecho do Testamento de dom Expedito Lopes encontrado no Palácio Episcopal logo após os disparos. Esse
testamento foi incessantemente divulgado nos periódicos pernambucanos na época. Foi instrumento também
para os advogados de acusação fazerem sua defesa à memória do bispo. Cópia cedida pelas freiras do Instituto
das Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do Brasil. Garanhuns-PE, julho 2007.
55
CERTEAU, Michel. A Escrita da História. Tradução de Maria de Lourdes Menezes. 2.ª ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2002, p. 266-278.
Diz o autor:
Pesquisa sistemática dos manuscritos, classificações das fontes, transformação do texto
em documento, concessão de privilégio ‘fato’, por minúsculo que fosse, passagem discreta
da verdade dogmática para uma verdade histórica que tem o seu fim em si mesma (...).
Estes princípios definem o trabalho coletivo de uma equipe que se inscreve, ela mesma,
numa pequena internacional da erudição (...).
56
A simbologia do perdão sempre entra em cena: padre Hosana pediu o perdão (1997),
dom Expedito ofereceu o perdão (1957). Pedido ou oferecido, o perdão é usado novamente.
Baixar-se e ficar de joelhos frente àquele corpo reforça a compreensão de que o perdão é
necessário à vida social e afeta a todos. O perdão, portanto, é uma prática que tem sua
historicidade e papel fundamental em determinadas formas de narrar.
O perdão de dom Expedito transmuta-se em um elemento primordial da narrativa
sobre o crime. Nesse caso, ele é substância principal para transformar a desordem em
sentido: transformar o caos em exemplo. Esses tecidos narrativos têm caráter peculiar.
Estendem-se e voltam ao ponto de origem sem perder o foco desejado: a promoção e a
extensão da magnitude e do exemplo do bispo em face da morte.
(Re) contado na escrita ou na fala, traz o estilo da pessoa que conta, que se utiliza de
certas habilidades narrativas em favor de interesses próprios. O perdão é uma forma de dar
sentido ao crime e ao bispo. O perdão transforma a morte, um ato terrível, em texturas
narrativas com início, meio e fim muito direcionados: a grandeza do bispo.
57
56
Ibid. p. 268.
57
Natalie Zemon Davis fez um estudo sobre histórias de perdão, precisamente na França do Século XVI.
Percorreu o mundo das Cartas de Remissão enviadas ao Rei, e/ou as suas várias chancelarias reais espalhadas
no território francês de antanho, solicitando perdão real. A autora selecionou cartas que tratam de homicídios.
Em seu estudo, contatou que o mundo das cartas de remissão solicitando o perdão real é um mundo de raiva e
do inesperado. No punhado de cartas por ela selecionado, um tripé comum: FAMÍLIA, HONRA SEXUAL e
HERANÇA. Constatou ainda o talento dos aldeões franceses do século XVI para a narração. São cartas que
mostram um mundo cotidiano, com histórias de patroas, lavandeiras, criadas, esposas, viúvas, dentre outros,
todas trazendo casos de homicídios e a súplica do(a) acusado(a) ao perdão real. Aqueles que não tinham êxito
na obtenção do perdão real eram feitos prisioneiros, tinham seus bens confiscados, eram condenados a pagar
pesadas multas, a trabalhos forçados; outros eram expulsos do reino por um longo período e outros, ainda,
dependendo do crime, eram executados em praça pública. Através dessas cartas, conforme Natalie Zemon
Davis, pode-se perceber a importância do rei como uma referência para todos as histórias de perdão bem como
o reforço de sua soberania. O tema central levantado no seu livro é a CRIAÇÃO e o CARÁTER dessas inúmeras
histórias de perdão do século XVI francês. O perfil dos requerentes era diversificado: passava por padres,
estudantes, cavalheiros, camponeses, mulheres, artesãos, sargentos, advogados dentre outros. O objetivo de
seu estudo é “mostrar como as pessoas do século XVI contavam histórias (mesmo no caso especial de uma
história de perdão), o que consideravam uma boa história, como davam conta do motivo e como, por meio da
narrativa, fazia com que o inesperado ganhasse sentido e introduziam coerência na experiência imediata. Quero
acompanhar as variações de suas histórias, dependendo do narrador e do ouvinte, o modo como as regras da
trama desses relatos judiciais de violência e perdão interagiam com hábitos contemporâneos mais abrangentes
O perdão se faz em tramas. São narrativas que traçam conflitos, concordâncias e
discordâncias. Pôr esses rastros do passado frente a frente alarga a percepção de um
pretérito dinâmico, heterogêneo e em convivência com o presente.
(...)”. DAVIS, Natalie Zemon. Histórias de Perdão e seus narradores na França do Século XVI. Tradução de
José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
1.2 – O Mártir do Dever: “morto, maior do que vivo!”
Como mencionado, a forma de morrer do bispo ensejou também textos e falas
sobre seu “martírio”. O sangue, as orações, as dores, o perdão e as citações de trechos da
Bíblia correram na Garanhuns de outrora e de hoje.
O crime do padre Hosana e seu desenrolar longe está de ser compreendido e
reinterpretado como algo homogêneo. Causou celeuma. Essa cisão é encontrada nos
registros empoeirados dos arquivos públicos e particulares, como também nas narrativas
orais. Em todos esses registros do passado, o Perdão, o Martírio e o Exemplo o
abundantemente citados, contados e recontados.
Do ponto de vista da Congregação das Causas dos Santos, no Vaticano, regido por
leis canônicas rígidas, dom Expedito ainda não foi declarado “mártir”. Se for, no seu processo
de beatificação e canonização, não haverá necessidade de comprovar milagres. Tramitará
mais rápido. Tudo o que foi escrito até o presente momento e o que foi dito em igrejas,
capelas reuniões de grupos católicos e programas de rádio, por exemplo, o apontam como um
homem que morreu pela fé, para defender a Igreja de iminentes escândalos. Deu seu sangue
para isso. Portanto, já é considerado mártir.
Como o possível martírio de dom Expedito é apresentado à população por esses
homens e mulheres de letras? Como está presente nos discursos dados em lugares
institucionais? E, como a idéia do martírio de dom Expedito chega aos afazeres cotidianos do
povo de Garanhuns e Correntes?
Frei Francisco Fernando da Silva é canonista e exerce a função de juiz delegado no
Tribunal Diocesano para a Causa de Beatificação e Canonização de dom Expedito Lopes. É
homem conhecedor das leis canônicas e, principalmente, no que tange às beatificações e
canonizações. Seu livro Dom Expedito Lopes: bispo Mártir de Garanhuns, lançado
recentemente no Recife e em Garanhuns-PE, apresenta o bispo como mártir, pois o
considera um homem que morreu em defesa da fé e da Igreja.
Em entrevista a mim concedida, em agosto de 2006, todavia, ele pondera ao falar
nesse ponto, contradizendo-se:
(...) Agora, [somente] a Santa pode não considerar Mártir, mesmo ele tendo sido
assassinato. Eu, em nenhum momento falei, em martírio (ênfase). Eu contava a história da
vida, virtude e morte de Dom Expedito, mas de martírio o falei em nenhum momento,
porque eu não posso. Ele é chamado de “Bispo Mártir” pelos jornalistas, por poeta
cantador. Mas nós, do próprio tribunal, não podemos chamá-lo de mártir, nem de Santo,
nem de Beatificado. Nós apresentamos um Servo de Deus ao julgamento da Santa Sé.
a Santa pode declarar se ele é mártir ou não. Então, se ele verificar, em todos os
depoimentos existe perguntas nesse processo se a testemunha acha que Dom Expedito
morreu pela fé, derramou seu sangue pela fé, que o mártir seu sangue pela muita
gente disse que foi pela fé. É uma questão de fé, nesse sentido, porque uma paróquia
passava por escândalos (...) Pode ser considerado mártir ou não. Depende da vontade da
Santa e de questões teológicas. Mesmo a gente achando que é. Ele tem muitas graças
alcançadas! Muitas! (ênfase).
58
Seu livro traz no tulo a palavra “mártir”. Foi lançado na missa em comemoração
aos cinqüenta anos de morte do bispo, realizada na Catedral de Garanhuns, em julho de
2007. O recinto religioso foi tomado de gente das mais diversas localidades e também de
bispos e padres de outras cidades pernambucanas, quiçá de outros Estados brasileiros. O
livro foi dado ao público, inclusive com sessão de autógrafos após a celebração, numa
singular comemoração. Mesmo assim, o frade recua, na entrevista, em considerar o martírio
de dom Expedito.
Esse foi apenas um exemplo dentre tantos em que o possível “martírio” de dom
Expedito foi e ainda é apresentado e expandido ao povo daquela urbe. Outro exemplo ocorreu
durante as comemorações dos quarenta anos de morte de dom Expedito, em 1997. Como de
costume, na Catedral, a missa acontecia. No momento das preces e do ofertório, tocou-se
nesse ponto.
No primeiro momento, o comentarista relata:
- O Evangelho nos a certeza de que não se pode produzir vida sem dar a própria
vida. Senhor, que a vida de Dom Expedito, oferecida pelos sacerdotes, pelos seminaristas,
58
Entrevista com frei Francisco Fernando da Silva, canonista e juiz delegado do Tribunal Diocesano pela causa
de Beatificação e Canonização de dom Expedito Lopes. Realizada em Recife-PE, no Convento de Santo
Antônio, no bairro de Santo Antônio, em agosto de 2006.
pela Diocese de Garanhuns, brote para a nossa Igreja em forma de entusiasmo motivador,
de compromisso com os sofredores da história, de esperança viva e transformadora.
Todos: Senhor, a Ti elevamos mãos e coração.
59
Quanto ao ofertório, houve breve procissão em que alguns homens e mulheres
entravam conduzindo registros de dom Expedito em vida e no leito da morte. Dentre eles, um
cartaz com uma frase dita por aquele bispo, antes de perecer. Dizia o cartaz: “‘Meu Deus, eu
Vos ofereço minha vida pela Diocese de Garanhuns, pelo seu clero e pelos seus
seminaristas’, oração pronunciada antes de falecer, em atitude de ofertório”. Denotando idéia
de martírio, pois oferta a própria vida por uma causa específica.
Ao final da celebração, toda a assembléia foi chamada a rezar uma oração, escrita
por monsenhor Benevonuto Sátiro de Araújo, administrador diocesano, à época, para a
ocasião. Tal oração estava num dos santinhos distribuídos no início da missa. Nela,
fragmentos diretos e claros sobre esse ponto:
(...) Ele [dom Expedito] bebeu o cálice que Jesus ofereceu aos apóstolos, dando sua
vida pela Diocese, pelo Clero e pelos Seminaristas. Nós vos agradecemos por sua virtuosa
e humildade de cristão, sacerdote e Bispo. (Ó Pai), Chamado a seguir os passos do Vosso
Filho, Dom Expedito doou sua vida morrendo como semente na terra, dando muito fruto de
fé e esperança em nosso meio (...).
60
Essa difusão da idéia de martírio destinada a dom Expedito Lopes não é de agora.
Não surgiu somente por causa da instauração do processo de canonização. Ganhou, sim,
mais força, porém, foi o crime que desencadeou essa invasão de letras e falas tocando nessa
questão.
O jornal católico O Monitor, de 13 de julho de 1957, poucos dias depois dos disparos,
no artigo do doutor Oswaldo Zaidan, já traz essa discussão:
59
Livro denticos e orações da missa dos 40 anos da morte de dom Expedito Lopes, realizada na Catedral de
Santo Antônio, em Garanhuns, no dia 02 de julho de 1997. Cópia cedida pelas freiras do Instituto das
Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do Brasil. Garanhuns-PE, janeiro de 2003.
60
“Santinhos” distribuídos aos fiéis na Celebração Eucarística em homenagem aos quarenta anos de morte de
dom Expedito Lopes, realizada na Catedral de Santo Antônio, em Garanhuns, em 02 de julho de 1997. Cópia
cedida pelas freiras do Instituto das Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do Brasil. Garanhuns-PE, janeiro
de 2003.
(...) Não é a exaltação de um homem que se fazia respeitar pelas suas notórias virtudes
de cidadão, mas a glorificação de um mártir que preferiu sucumbir à sanha de seu algoz
para que a Igreja vivesse em toda a sua pujança espiritual. (...) Não se pode separar ainda
o crime do criminoso, ambos se complementam e se confundem. O que se projetará
sempre é a figura do Mártir que soube ser fiel a Cristo e a sua Igreja, nesta difícil quadra do
século quando os valores que se pretendiam espirituais mostram a verdadeira face,
descida a máscara. (...) Diante de tudo que nos apresenta glorioso e transcendental, a
morte de Dom Expedito Lopes nos pareceu superar a tudo. Não que ele fosse diferente de
tantos mártires e santos e grandes homens, mas porque soube como ninguém enfrentar a
morte com resignação e altivez, entrando no sidéreo como verdadeiro Príncipe da Igreja,
confiante em Deus e fazendo-nos crer ainda mais que uma vida que começa com a
morte.
O seu epitáfio deverá ser este: morto maior do que vivo!
61
No mesmo jornal, em 06 de julho de 1957, está o seguinte:
(...) A vida tão cara e útil à Diocese cessou no dia do Preciosíssimo Sangue, 1.º de
Julho. E o Bispo vertia copiosamente seu sangue generoso de perdão para quem o
derramou. (...) Foi ali, na cruz, que Dom Expedito, Mártir do Dever, realizou a maior ação
de sua vida e nos legou um maravilhoso testamento (...). O solo da catedral guarda para a
ressurreição da vida o corpo de um mártir, de um herói e de um justo.
62
O Arauto era um modesto periódico organizado pelos seminaristas da Diocese de
Garanhuns na época. Era de circulação mensal e apenas na cidade. Em nota de julho de
1958, traz como título Homenagem Póstuma e subtítulo Momento a um Herói. Nela, descreve:
“Oh! Feliz Mártir do Dever, tu que deste tua vida por nós! (...) Dois de Julho, mais um santo no
céu. A morte sangrenta de um herói do Evangelho: Mártir do Dever, Dom Expedito”.
Até aqui foram apresentados textos escritos em periódicos ligados à Igreja, mais
precisamente à Diocese de Garanhuns. Não são, porém, somente eles que publicaram textos
(re) velando e exaltando o possível martírio do bispo. Foi um crime estampado em muitos
jornais e revistas de grande circulação.
A construção de uma imagem imaculada do bispo sustenta-se no tripé Perdão,
Martírio e Exemplo. Os três são insistentemente citados nos registros deixados sobre esse
caso. Uma intenção se faz nessa insistência: lançar o bispo à posteridade. Por isso o uso de
61
O Monitor, 13/11/1957.
62
O Monitor, 06/07/1957.
metáforas, eufemismos e construções narrativas sentimentalistas em que o “mártir” e o “a-
mártir”, quer dizer, o “não-mártir”, têm papéis e comportamentos definidos nessas
narrativas.
O Nordeste, de 04 de fevereiro de 1960, dispõe:
(...) viu-se um prelado sacrificar a preciosa vida no cumprimento do dever. Pressentindo
o que ia acontecer, diante de ameaças recebidas, deu todas as providências para
preservar a santidade da Igreja, confiada a sua guarda. Lembra a valentia serena e
inabalável de tantos vultos que a História Eclesiástica aponta, como modelo de Pastor, que
dá o próprio sangue pela salvação do rebanho.
63
Foi muito difundido também em jornais o Testamento de dom Expedito. Este foi
encontrado em sua escrivaninha, ainda escrito a mão, quando ele era assistido pelas
primeiras pessoas que chegaram ao local do crime. No testamento, o bispo desfaz-se de seus
objetos pessoais - cruz peitoral, anel, o báculo, a imagem de Nossa Senhora e o dinheiro
contido no cofre do Palácio descrevendo destinatários certos para tais. Ao final, escreve de
forma a deixar-se interpretar que algo iria lhe acontecer. É sobre esse testamento que a
citação remete, quando diz pressentindo o que ia acontecer, diante das ameaças
recebidas...”. Esse testamento foi fartamente divulgado e analisado nos jornais e nos livros
específicos sobre esse crime.
O texto introdutório do Testamento do Antístite traz sutilmente sua sensação de
insegurança diante do que poderia acontecer depois de lida a Carta de Suspensão de Ordens
aplicada ao padre Hosana.
Em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo, declaro que, tendo nascido pobre,
vivido sempre pobremente, esperando morrer ainda mais pobre, de coisa alguma disponho
para legar.
Tudo quanto se encontra sob meu nome pertence à Diocese, com exceção de alguns
pequenos objetos, cujo o destino será indicado abaixo e dos meus livros que deverão
constituir a biblioteca do Seminário de Nossa Senhora Medianeira, de Oeiras [PI].
Aceitando, desde já, com o mais completo e absoluto espírito de filial submissão, a
morte que Nosso Senhor me houver designado, ofereço minha vida pela glória de Deus e
salvação das almas.
63
Jornal O Nordeste, 04/02/1960.
Expedito Lopes
64
O texto de Lindolfo Pereira de Lisboa, outra escrita a tocar no tema do martírio e
citado neste trabalho, rebate não o testamento de dom Expedito, mas também o próprio
fato de ele preocupar-se em fazê-lo. Especialmente entre as páginas 61 e 64, o autor cita
categoricamente tal testamento e vai, aos poucos, questionando-o, produzindo assim uma
defesa para o sacerdote.
Observa-se que Dom Expedito tinha apenas 43 anos de idade e era um homem
bastante forte, robusto e sadio. No entanto, fazia seu testamento. Por que, em tão boa
saúde, o senhor Bispo se preocupava com o testamento? Pressentia a morte por
assassinato? Isto é de todo improvável.
Dom Expedito esperava uma represália do padre por ele injustiçado. Se esperava uma
represália, é porque não agira com justiça e caridade. Dom Expedito sabia que estava
perseguindo o padre, ou por mero espírito de perseguição ou por pusilanimidade [sic]
diante dos politiqueiros que lhe enviavam cartas anônimas. Assim sendo, o senhor bispo
aguardava a qualquer hora o padre para uma explicação.
65
Retomando a difusão do possível martírio de dom Expedito, O Nordeste, em matéria
sob o título Mártir do Dever, 04 de julho de 1957, traz em suas páginas:
Em todo o mundo, desde a época dos Apóstolos, os Bispos dão a vida pela causa da
verdade. (...) Vemos agora mesmo, exemplo disto na morte do Prelado de Garanhuns,
Dom Francisco Expedito Lopes, mártir do dever e glorificador da honra sacerdotal. Esgotou
os recursos da caridade para que prevalecesse a disciplina e a retidão no ministério de
uma paróquia. Humano e compreensivo, empregou com ternura meios extremos para que
o pastor não escandalizasse e dispersasse o rebanho, desobedecendo as diretrizes
indicadas. (...) O sangue do Antístite lave a degradação do delinqüente, levantando da
profundeza da sua alma a voz do arrependimento e da penitência (...).
66
64
Testamento de dom Expedito Lopes. Cópia cedida pelas freiras do Instituto das Missionárias de Nossa
Senhora de Fátima do Brasil. Garanhuns-PE, janeiro de 2003.
65
LISBOA, Lindolfo Pereira de. Padre Hosana: Sacerdote e Réu. Recife-PE: Documento não editado, 1962, p.
62. Cópia cedia pela jornalista Taíza Brito, autora do Livro A Confissão do Padre Hosana, publicado no Recife-
PE, pelas Edições Bagaço, em 1998.
66
Jornal O Nordeste, 04/11/1957.
a Gazeta de Notícias, traz uma matéria intitulada Bala que mata, bala que vivifica, de
02 de julho de 1957, que reforça o martírio de dom Expedito. Vai mais longe ao afirmar que o
sangue derramado daquele bispo vai purificar a alma do sacerdote.
(...) Mas, só o sangue do mártir pode renovar a terra. É tão vivificante que pode abrir até
o caminho para a salvação do pobre e infeliz algoz, tima do excessivo orgulho que o
levou ao crime. (...) O sangue da vítima o levou à senda do Senhor. (...) Seu sangue
derramado pelo dever e pela autoridade de Pastor zeloso pelo rebanho servirá para redimir
o ser humano rebelado de hoje vítima do orgulho desmedido do século. Não bastam
unicamente palavras santas para o homem abandonar o vício e o erro. o sangue do
inocente poderá purificar-lhe a alma (...).
67
Esse ponto também foi muito mencionado pelos assistentes de acusação de padre
Hosana os advogados Roque de Brito Alves e Antônio de Brito Alves no seu primeiro
julgamento, ocorrido no Tribunal de Justiça de Pernambuco, em fevereiro de 1959. Os
assistentes fizeram uso dessas narrativas a circularem em jornais e publicações específicas
para persuadir os jurados de que se tratava ali da morte de um “santo”, de um “exemplo” à
contemporaneidade. Defendiam o argumento de que o bispo morreu em defesa da fé, em
defesa da Igreja, da virtude, dos dogmas, da disciplina e das leis canônicas; evitando um
escândalo que, segundo ambos, iria arranhar e desorganizar a vida religiosa e os preceitos
morais da Diocese de Garanhuns.
Lindolfo Pereira de Lisboa, na página 06 de seu texto, se posiciona da seguinte
forma sobre o que se escrevia e falava a respeito do martírio do bispo.
(...) O povo idiota, tomando a frente da Santa Igreja canonizou Dom Expedito Lopes, ao
chamá-lo de Mártir. Se a morte de Dom Expedito foi um martírio no sentido Doutrinário da
Igreja, então não me ensinaram certo meus jesuítas, quando me disseram que ser mártir é
morrer pela fé ou em defesa de uma virtude.
68
67
Jornal Gazeta de Notícias, de 02/11/1957.
68
LISBOA, Lindolfo Pereira de. Padre Hosana: Sacerdote e Réu. Recife-PE: Documento não editado, 1962, p.
06. Cópia cedia pela Jornalista Taíza Brito, do Jornal do Comércio.
Portanto, ser mártir, para ele, é morrer por causa da em defesa de uma virtude.
Morrer defendendo a e em defesa da virtude são os principais caminhos para elevar
alguém à magnitude do martírio. Até aqui ele apresenta um entendimento sobre martírio
arraigado à doutrina católica romana. Ele rebateu, porém, os assistentes de acusação, ao
ressaltar que dom Expedito morreu em defesa da “em cartas anônimas e “em políticos
inescrupulosos”. Morreu em defesa da “em mexeriqueiras”, por causa da extrema que
depositou nas línguas de beatas que deixam os maridos sem café para ir à Igreja dizer ao
vigário que a filha do fulano tem um namoro muito escandaloso”
69
.
Encerra essa parte de seu texto dizendo e redizendo que dom Expedito não é “Mártir
da Igreja”, como afirmaram os assistentes de acusação, porque a em que ele morreu
defendendo o era em Cristo. Ele revida categoricamente o posicionamento de ambos os
advogados.
(...) Dom Expedito morreu em defesa da ‘virtude’ do orgulho e da soberba em não
aceitar o Padre Hosana para a conversa de reconciliação. E quem nos poderá garantir que
naquele dia o Padre Hosana não pretendia reconciliar-se com o Bispo? Logo, leitores, o
Bispo de Garanhuns não pode ser denominado mártir, a menos que se queira diminuir o
valor do martírio insultando os verdadeiros mártires que realmente deram a vida em defesa
da ou da Virtude. Podemos equiparar Dom Expedito a Santo Estevão , São Lourenço,
São João de Brito, São Sebastião, São Paulo e todos os santos apóstolos? Nunca,
caríssimos leitores. Estes astros do firmamento Divino, efetivamente, morreram pela de
Nosso Senhor Jesus Cristo e de sua santa esposa, a Igreja Católica de Roma. Podemos
equiparar Dom Expedito a Santa Cecília, Santa Maria Goretti, Santa Luzia, Santa Inês,
Santa Joana d’arc, essas doces encantadoras virgens que evidentemente morreram
mártires porque deram a vida em defesa da pureza de sua alma e de seu corpo? Está,
pois, demonstrado e provado para os leitores de boa que Dom Expedito Lopes não foi
martirizado.
70
O texto de Lindolfo Pereira de Lisboa foi escrito em 1962, em pleno clamor dos
julgamentos do padre. Reflete, portanto, as divergências de posicionamentos da gente
pernambucana assim como a forte comoção que a situação do padre causou no povo. Até
onde se sabe, esse texto não foi editado e/ou divulgado em nenhum periódico da época.
Taíza Brito, jornalista que me cedeu uma cópia, nunca soube, segundo ela, quem foi Lindolfo
69
Ibid. p. 25
70
Ibid. p. 26.
Pereira de Lisboa. Por enquanto, não se sabe nada sobre ele. O único rastro que deixou
escapar de si foi seu texto. Ele se contradiz muito ao escrever que é imparcial na forma de
entender e repassar o crime, suas causas e conseqüências. Defende o padre da primeira à
última página.
Padre Hosana: Sacerdote e Réu é mais uma forma de interpretar o crime e a
personalidade do bispo e do sacerdote, contudo, uma voz que não foi chamada à
disseminação das várias narrativas sobre o assassinato e a respeito da morte “heróica” de
dom Expedito e que não estava entre os instrumentos dos letrados para compor a “santidade”
do Antístite.
Essa escrita é sim uma fala desautorizada pelo discurso preponderante da
“santidade” e “martírio” de dom Expedito Lopes. É outro discurso. O autor expressa o não dito
até então sobre aquela autoridade clerical. Encontrou uma forma de engendrar uma memória
sobre o sacerdote. Isso não apaga o fato de que também apresente incompletude, silêncios,
lacunas. Ele também objetiva homogeneizar opiniões de homens e mulheres para o
convencimento de que o padre estava sendo injustiçado por algumas famílias de Quipapá,
pelo bispo e pelo clero de Garanhuns.
A escrita de Lindolfo Pereira de Lisboa existe porque está em relação com o que
foi escrito e falado sobre o assassinato de dom Expedito, sua “santidade”, seu “martírio”. Sem
esse discurso destinado ao Antístite, o texto de Lindolfo não teria razão nem função. Sua obra
é um indício da divisão de posicionamentos que existiu no calor dos acontecimentos.
Não é somente sobre o martírio do bispo que o autor se posiciona contra; vai além. A
partir da página 52, diz ter sido o sacerdote vítima de rumores e boatos de velhas e beatas de
igreja, que só se preocupavam com o leva-e-traz da vida alheia nos lábios e nos terços. Culpa
ainda a Lei do Celibato imposta pela Igreja, que proíbe os padres de demonstrarem sua
afeição humana, de amar, de ser amado e de gozar de seus direitos corporais e sexuais. Cita
ainda como alvo da perseguição do padre as tentações provocadas pela presença da mulher
na vida do religioso. Alarga sua explicação para a mulher de forma mais geral,
responsabilizando-a por todas as fraquezas e pecados da carne, no e do homem. Nesse
momento de sua narração, sugere ao leitor que passe os olhos pelos registros policiais e
verifique que sempre a mulher é o pivô das desgraças carnais e dos crimes passionais.
Continua sua narrativa, dizendo que conhece um rapaz que saiu do seminário
faltando apenas dois anos para se ordenar não diz nome do rapaz nem do seminário. Ele
perguntou ao rapaz o porquê de sua desistência da vida religiosa. O rapaz lhe teria
respondido que “não teria forças suficientes para, sentado num confessionário, ouvir os
pecadinhos de uma menina nova, cheirosa e bonita”
71
. Assim, o autor torce para que a Igreja
reveja a lei do Celibato Eclesiástico; o que para ele aumentaria as vocações sacerdotais.
E é por causa dessa lei que existem os escândalos entre alguns membros do Clero.
Não houvesse essa lei e o Padre Hosana e os demais Padres teriam família e esposa para
cuidar de si e de sua casa. Quem melhor que um sacerdote seria um bom chefe de
família? Como haveria maior número de sacerdotes! (Note-se que a Igreja reclama muito a
falta de Padres). A lei do Celibato, portanto, vai de encontro á lei da Natureza, escrita por
Deus no início de todos os tempos: ‘Crescei e multiplicai-vos’, disse o Senhor ao primeiro
casal que habitou o nosso planeta.
72
No texto, o autor deixa claro que a Lei do Celibato foi a principal responsável pela
“trágica cena” ocorrida em Garanhuns. Por causa dessa lei, a Igreja perdeu dois de seus
filhos. A Igreja deveria, então, “por abaixo tal lei” por não ser mais possível mantê-la nesse
século XX. O autor escreve sua expectativa de que pelo menos os diáconos e subdiáconos
estejam, algum dia, livres dessa lei; deixando sob sua guarda apenas os padres já ordenados.
Sendo contraditório, ele apresenta esse discurso de inculpação da mulher, mas não o
direciona às mulheres do padre Maria José e Quitéria. Ao contrário, questiona que mal pode
haver em ter uma empregada doméstica em casa Maria José era, além de empregada,
prima do padre - e direciona toda a culpa do desenrolar daqueles acontecimentos ao grupo de
mulheres da paróquia do sacerdote, que viviam a levar a reza e a vida alheia na boca.
É bom lembrar: dentre as causas que levaram dom Expedito a suspender de ordens
padre Hosana, a mais forte entre a população foi a presença aqui entendida, amorosa de
duas mulheres na casa, na cama e na vida do padre. A primeira, Maria José Martins, que teria
engravidado do servo de Deus e, a outra, em momento posterior, Quitéria Marques. Esta, na
época do Decreto de Suspensão de Ordens, era a empregada doméstica do sacerdote e foi
para quem se direcionaram os fuxicos, boatos e o disse-me-disse da possível fornicação do
padre.
73
71
Ibid. p. 55.
72
Ibid. p.54.
73
Sobre a presença, a força e o entendimento de como os boatos, fuxicos e rumores estão na História e na
Historiografia vigente; que os entendem como formas de comportamentos ligadas às camadas desprovidas de
letras e outros recursos da vida comunitária e que esse tipo de comportamento supõe uma forma desses homens
e mulheres se posicionarem às variadas formas de poder, são importantes as considerações trazidas por
Frédérique Langue, em seu texto Una História Silenciada (Venezuela): Desorden, Transgresión, y Rumores
Bolivianos del siglo XVIII. Um texto escrito dentro da interdisciplinaridade entre História, Antropologia e
Sociologia. Tem por o objetivo forjar outra forma de escrever histórias a partir das representações e
sensibilidades próprios de uma específica época. Para o autor, os “ruídos” e “rumores” diferem na medida em
que o primeiro não tem muito poder de difusão e de desorganização da vida comunitária de um determinado
grupo social. o segundo, tem um alcance incalculável nos lares, nas sensibilidades e também nos espaços
Lindolfo Pereira de Lisboa é contra a idéia do martírio de dom Expedito também
porque, para ele, o bispo foi invadido e possuído pelos rumores e por conversas desenroladas
em calçadas. O autor rebate isso de forma direta e até violenta:
(...) Na Suíça Pernambucana [Garanhuns] Padre Hosana fora acusado de manter
uma mulher em sua casa que, as maledicentes e hipócritas, os tartufos e sepulcros
caiados, os invejosos e despeitados, diziam ser sua amante. (...) diga-se do Padre Hosana
cobras e lagartos, mas não se diga que ele é covarde, porque ele não o é (...). Covardes
foram aqueles não o quiseram ajudar intercedendo por ele junto ao Bispo participando,
indiretamente do crime (...). Covardes são os que o caluniam, agora, sabendo que ele não
pode se defender dos insultos, quando antes o fizeram por meio de cartas anônimas,
mexericos cochichados aos ouvidos, com medo de sua coragem de sertanejo forte,
intrépido e indomável (...).
74
Ambos – dom Expedito e padre Hosana – são vidas que se encontram, se alimentam.
Ambos se encontram na vida e na forma de morrer. Letras, falas e silêncios os levam e os
trazem e com eles os conflitos, desordens, consonâncias e dissonâncias. Os registros
deixados por e sobre ambos são discursos inacabados, por isso, históricos.
A tarefa do historiador de retomar e reinterpretar esses registros é muito delicada
porque mexe com homens e mulheres mortos no passado e vivos no presente. Passado e
presente são dimensões que coexistem com limites fluidos e/ou maleáveis numa disputa por
espaços nas lembranças dos contemporâneos. Delicada, também, porque o historiador invade
vidas mortas repletas de sensibilidades, interpretações e identidades individuais e coletivas
plurais de captura difícil, portanto, escorregadias.
concretos e principalmente públicos. Causam maior “estrago”, e, ao mesmo tempo, os rumores se configuram
como uma contraposição ao “costumeiro”, ao “corriqueiro” e/ou ao “ordinário”. Afirma com certa segurança que a
presença dos rumores, dos boatos, do disse-me-disse e do leva-e-traz da vida dos outros dentro do
conhecimento historiográfico é, para o pesquisador, revelador de atitudes coletivas. O rumor é um mecanismo de
sociabilidade fundado no intercâmbio de informações. O rumor utiliza-se da palavra – individual e coletiva – como
instrumento. Ele introduz uma ruptura no ritimo da vida cotidiana. Ele funda outro curso, possibilita a criação de
uma identidade coletiva e pode ainda possibilitar consensos de representações coletivas. O rumor funda uma
identidade de uma comunidade. Contribui para dar sentido ao acontecimento. LANGUE, Frédérique. Una História
Silenciada (Venezuela): Desorden, Transgresión, y Rumores Bolivianos del siglo XVIII. In: PESAVENTO, Sandra
Jatahy & LANGUE, Frédérique (orgs.). Sensibilidades na História: memórias singulares e identidades sociais.
Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007, p. 23-41.
74
LISBOA, Lindolfo Pereira de. Padre Hosana: Sacerdote e Réu. Recife-PE: Documento não editado, 1962, p.
18-19. Cópia cedia pela jornalista Taíza Brito, do Jornal do Comércio.
Foto 03: Manchete de jornal relembrando o crime de Garanhuns-PE. Fundo: Instituto das Missionárias de Nossa
Senhora de Fátima do Brasil, Garanhuns-PE. Fonte: jornal Diário de Pernambuco, 23 de julho de 2001,
Reportagem de capa.
Sobre o martírio de dom Expedito, a Revista Flos Carmeli, agosto e setembro de
1957, também contribuiu para a divulgação e solidificação dessa idéia. No já aqui citado artigo
Mais uma vítima do Dever, de frei Romeu Peréa, da Ordem Carmelita do Recife, o
seguinte:
(...) Nossas vidas convergem somente para a vítima ensangüentada que presenteou a
história com um argumento da santidade da Igreja e da dignidade do sacerdócio. A vítima,
cujo sangue grita alto e bom som para o mundo inteiro que o sacerdote católico tem que
ser mantido na sua elevada grandeza, nem que para isso seja necessário o martírio. (...)
Dom Expedito conscientemente e deliberadamente estava pronto para qualquer
eventualidade que viesse como decorrência de sua atitude em prol da santidade da Igreja
e do bem estar das almas (...). Vítima do dever, mártir da fé. Foi martirizado por preencher
a sua missão de Bispo, foi imolado quando rezava pelo ‘nome da Igreja e salvação das
almas’, para que não desempenhasse esse dever. Para que Dom Expedito merecesse o
título de mártir e para que a sua morte possuísse todo o estimável preço do martírio,
bastaria o fato de ter sido violentado como foi (...); se sua morte tivesse se seguido
instantânea, teria todos os indícios de um autêntico martírio. Mas, quis Deus que ele
sobrevivesse mais algumas horas para que se revelassem virtudes que ele possuía num
grau mais do que ordinário, num grau heróico. (...) Morreu sem recusar qualquer sacrifício.
Morreu mártir e morreu em santidade, deixando para o mundo inteiro e, sobretudo para os
seus patrícios, o exemplo luminoso da consciência do Dever e da responsabilidade, além
das grandes virtudes cristãs, em grau fora do comum.
75
Ainda nessa revista, agora datada de maio e junho de 1959, frei Inácio Maria, escreve
dois artigos: o primeiro trata de As falsas razões do Dr. Juarez Vieira da Cunha. Nessa
escrita, ele rebate a defesa do advogado de Padre Hosana durante seu primeiro julgamento,
fevereiro de 1959. Dr. Juarez utilizou-se do argumento da legítima defesa da honra, isto é,
padre Hosana procedeu os tiros em legítima defesa de sua honra, ferida por calúnias, boatos
e mexericos acreditados pelo bispo. Garantiu que o bispo não apurou os rumores com a
instalação de uma séria sindicância. Para a tese de legítima defesa da honra, Juarez Vieira da
Cunha argumentou que o bispo realmente perseguia seu cliente, baseado em falatórios de
línguas desenfreadas.
Já o segundo artigo tem como título Luz e Trevas. Nele, o martírio é defendido.
75
PERÉA, frei Romeu. Mais uma vítima do Dever. Revista Flos Carmeli. Recife-PE: Editora Flos Carmeli, N.º
02-03, 1957, p. 08-10;14..
Quando morre um Bispo, pelas mãos de um homicida, se o Bispo é, pelas suas virtudes,
um outro Cristo, sincero, inocente, então, impreterivelmente se presenciará o aparecimento
do fantasma da mentira tentando ensombrar com calúnias a causa justa. A nós, entretanto,
compete, como Cristo, dar testemunho da verdade e dissipar as trevas da calúnia que
esfumaçam em torno do esplendor do sepulcro em que repousa o corpo martirizado do
Bispo Santo de Garanhuns, Dom Expedito Lopes. (...) [Ele] enfrentou a morte por amor ao
dever e ao nome da Santa Igreja (...) depois, sozinho no Palácio, sem ninguém para
acompanhá-lo ou defendê-lo aguardou o desfecho fatal (...). Poucos heróis como este
conhece a História herói não por acaso, herói não por uma reação instintiva, herói não
por uma vaidade ou um desejo de glória, herói consciente e conhecedor dos efeitos, herói
porque somente Jesus Cristo e as almas de Cristo merecem tamanho martírio. (...) Esse
era o Bispo humilde e simples que Hosana e Juarez chamaram de impulsivo, prepotente,
agressor e orgulhoso.
76
O discurso do martírio foi e ainda é muito presente quando se fala no assassinato de
dom Expedito. É o martírio, juntamente com o perdão, que sustenta, hoje, o movimento em
prol da canonização do bispo. Pode ser ouvido nas missas específicas pela causa ou por
conta das comemorações e aniversário de morte do Antístite. Pode ser ouvido ainda em hinos
escritos para ele, em programas de rádio de Garanhuns e circunvizinhanças.
No dia 1 de julho de 2007, na Catedral de Santo Antônio, em Garanhuns ocorreu a
missa em comemoração aos cinqüenta anos de morte do bispo, organizada exclusivamente
pelas Irmãs do Instituto que o prelado fundou. Foi num domingo, dia em que, em seu
calendário litúrgico, a Igreja rememora a vida e morte dos rtires São Pedro e São Paulo.
Na semana antecedente a esse dia, as freiras apresentaram na Rádio Regional de
Garanhuns, no Programa da Diocese chamado Uma Palavra em sua Vida, fragmentos da vida
e, sobretudo, da morte do homenageado. Foi evidenciada sua infância, sua ordenação como
bispo que se deu na Catedral da Diocese de Sobral-CE, em dezembro de 1948, seu pastoreio
em Oeiras-Piauí até sua chegada e seu desfecho naquela cidade do agreste meridional de
Pernambuco.
Aos domingos, tal programa de rádio chama-se O Dia do Senhor. Como estava
sendo rememorado o martírio de São Pedro e São Paulo, o martírio de dom Expedito também
76
MARIA, frei Inácio. Luz e trevas. Revista Flos Carmeli. Recife-PE: Editora Flos Carmeli, N.º 11-12, 1959, p.
02-06;12..
foi citado. Foi nesse domingo que os discursos das freiras concentraram-se exclusivamente
na morte heróica do prelado e no exemplo que ele deixou à posteridade. Para Irmã Joelma:
50 anos atrás, exatamente neste dia, dom Expedito experimentou a vivência do martírio.
Na madrugada do dia 02 de julho entregou seu espírito ao Pai”. Segundo Irmã Justina, que
também foi co-fundadora do Instituto e que socializou fragmentos de sua convivência com
aquela autoridade eclesiástica, dom Expedito também:
(...) foi um anunciador do Reino de Deus. Um revolucionário do Evangelho. O Anúncio
[dos ensinamentos de Cristo] foi levado por ele até a sua morte. Se dedicava, sobretudo,
aos mais sofridos. Tinha preferência pelos mais pobres. Era testemunho de caridade e
amor. É um santo que já está no céu.
77
O bispo foi baleado dia 1.º de julho, quando a Igreja lembra a Festa do Preciosíssimo
Sangue de Jesus. Passou oito horas agonizando, rezando, citando trechos da Bíblia e
perdendo sangue; sangue este agora revestido pelas letras e pelos discursos institucionais de
uma simbologia de entrega, doação, martírio, sangue derramado para o perdão ao padre.
Fechou-se para a morte em 02 de julho, dia em que a Igreja comemora a Festa de Visitação
de Nossa Senhora. Portanto, com esses elementos, o discurso oficial católico de martírio do
bispo é impulsionado. Mesmo assim, a Congregação da Causa dos Santos ainda não se
posicionou a favor ou contra sobre isso e, quando indagados, os próprios artesãos desses
discursos são cautelosos e ponderam, dizendo que estão apresentando ao povo apenas um
Servo de Deus e que só a Santa Sé pode autorizar a qualidade de mártir.
O curioso é que, dentre as pessoas que entrevistei em Garanhuns e em Correntes, a
idéia de martírio não me foi revelada. Exceto dona Severina Ridete da Silva, dona de casa, de
77 anos, moradora de Garanhuns: “(...) Sabe, dom Expedito foi um mártir aqui de Garanhuns!
O crime abalou muito, muito a gente!”; e dona Dalva de Araújo Carvalho, doméstica, 64 anos
de idade, também moradora de Garanhuns: “(...) Diante de tudo que ele fez e a maneira da
morte dele, né, eu acho ele um rtir. Morreu pela Igreja, morreu defendendo as coisas da
Igreja, perdoando”.
78
As demais não citam o martírio. Mencionam muito a questão dos
rumores que existia na época da ligação do padre com Maria José e Quitéria e também a
77
Programas de Rádio Uma Palavra em sua vida e O Dia do Senhor. Ambos são transmitidos pela Rádio
Difusora de Garanhuns. É um espaço reservado à Diocese de Garanhuns para divulgação de suas atividades
pastorais. Cópia cedida pelas freiras do Instituto das Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do Brasil.
Garanhuns-PE, julho de 2007.
78
Entrevista com dona Severina Ridete da Silva, 77 anos, dona de casa e com dona Maria Dalva de Araújo
Carvalho, 64 anos, doméstica. Ambas realizadas em Garanhuns-PE em julho de 2007.
“bela” morte do bispo, sempre focalizando o perdão dado por ele ao seu assassino, bem como
a mistura de suas dores e orações e o exemplo que deixa à posteridade.
Dona Severina e dona Dalva são muito engajadas nos movimentos religiosos de
Garanhuns. Portanto, têm breve introdução sobre alguns dogmas e regras da Igreja por conta
das reuniões com seus respectivos grupos (Legião de Maria e Apostolado da Oração). Isso
pode explicar suas convicções sobre o martírio do bispo. As demais que entrevistei resumem
sua vida religiosa apenas em ir às missas aos domingos, ritual às vezes quebrado por conta
da preguiça, de um programa de televisão, de uma visita inesperada em suas respectivas
casas ou por causa dos infindáveis afazeres do lar. Quanto ao fato de ser ou não mártir, para
essas pessoas, isso não tem relevância. Isso foi ofuscado pelo perdão e pelo exemplo do
Antístite. O discurso institucional do martírio não se impregnou nos gestos e palavras
corriqueiras desses moradores. A indiferença desses moradores quanto a esse ponto tão
divulgado e difundido pelos meios de comunicação e nos discursos da Igreja pode ser
compreendida como um contra-argumento; uma contestação ao “mártir do dever”.
As camadas ditas inferiores, muitas vezes desprovida de letras, apresentam um
potencial forte de ouvir e recontar histórias a partir de elementos em seu em torno. Isso nos
permite visualizar a riqueza de suas narrativas e a importância que atribuem às histórias por
elas contadas. Uma importância percebida na ênfase e na ânsia de contar histórias ou na
aparente quietude e silêncio, dos detalhes não revelados, guardados. No fim, todos têm
coisas para contar e outras para esconder.
Num punhado de cartas, com datas e localidades variadas, enviadas à Diocese de
Garanhuns, narrando graças e milagres alcançados por intermédio de dom Expedito, também
não se constata nenhuma referência ao martírio do Pontífice. Tais cartas foram motivadas por
intermédio das solicitações do próprio clero e das religiosas do instituto. Em programas de
rádio, em visitas às paróquias e em celebrações eucarísticas, eles e elas insistiam na
contagem e recontagem do crime e, ao final, incentivavam àqueles e àquelas que tivessem
alguma graça alcançada ou milagre realizado por intermédio do bispo pudessem escrever
para servir como testemunho e argumento junto a Roma.
Algumas epístolas são breves, outras longas. Os pedidos e agradecimentos são
variados: cura de doenças diversas, inclusive o câncer, bolsas de estudos para pagar ensino
superior, partos bem-sucedidos, conformação por conta da perda de um filho ou filha em
acidentes no trânsito, cirurgias para remoção de balas, empregos, formação dos filhos na
faculdade, compra e venda de imóveis, entre outros. Em todas elas, não referência do
martírio e do perdão. Por outro lado, as narrativas dessas cartas põem dom Expedito no
Céu, “ao lado de Deus”, e na Terra junto aos altares das igrejas. Em uma delas, a do Senhor
Francisco cio de Vasconcelos, datada de 04 de fevereiro de 1984, em Maceió, o
carimbo de registro em cartório e, como anexo, o atestado médico. Noutra, de Ivonilda
Antunes Magalhães, Vitória da Conquista-Bahia, datada de 17 de Abril de 2000, em sua
última linha: “Que Deus o tenha [dom Expedito] colocado ao seu lado, no lugar que ele
merece, gozando da plenitude eterna. Ainda hoje rezo sua oração”.
79
O discurso oficial não convence essas pessoas que escreveram nem as que foram
por mim entrevistadas. Nas narrativas dessas cartas, em contradição, dom Expedito “já está
nou a rogar por nós”. Também não se percebe nenhuma referência ao perdão do bispo. É
uma escrita muito objetiva e direta: pedir e/ou agradecer a alguém que tem privilégios no
Céu, intercedendo pelos mortais. Essa ausência o martírio soa estranho, pois o clero e as
religiosas são insistentes nesse ponto. Era esperada, por conseguinte, nessas cartas e falas,
a repetição em torno do martírio. O que não ocorre.
O que isso sugere? Para a presente análise, aponta a possibilidade de todo e
qualquer acontecimento abarca a pluralidade de posicionamentos, a contradição. Para essas
pessoas que escreveram e falaram para e sobre Dom Expedito, ele é santo, mesmo
isentando-o do martírio.
O assassinato de dom Expedito Lopes transformou-se em cartas, matérias de jornais
e rádio, em livros, em literatura de cordel, em temas de canções, em conversas dos
moradores mais antigos. Para conforto e desconforto de suas personagens e da Diocese de
Garanhuns, nesses registros do passado no presente, verifica-se a existência de discursos e
silêncios em disputa. Nesses registros, vários conceitos e situações são abordados. No caso
do assassinato de dom Expedito, verifica-se ainda que ele foi um “exemplo” a ser seguido
pela posteridade. O seu “exemplo”, no entanto, também aponta tramas e incoerências. Para
outro punhado de pessoas, padre Hosana também foi um “bom exemplo” quando de sua
administração na Paróquia de Quipapá. Ambos, contudo, foram protagonistas de um crime.
Nesse contexto, que tipo de exemplo os dois deixaram à posteridade? Exemplo do perdão ou
do autoritarismo, da perseguição ou do acolhimento, dos desejos sexuais contidos ou
79
Cartas de pedidos e agradecimentos de graças e milagres pela intercessão de dom Expedito Lopes. Cópias
gentilmente cedidas a mim por dom Acácio Rodrigues Alves, bispo emérito de Palmares-PE, primeiro Postulador
da Causa de Beatificação e Canonização de dom Expedito. Cedidas após uma entrevista que travei com ele no
Seminário São José em Sobral-CE, em 2003. Na época visitava a cidade de Sobral para entrevistar familiares de
dom Expedito bem como padres e leigos que o conheceram e travaram algum tipo de convivência com aquele
bispo. Essas entrevistas fazem parte do processo de canonização, já enviado à Roma.
saciados no corpo da mulher? Exemplo do desprendimento às coisas materiais ou da posse
da Paróquia de Quipapá como uma extensão de suas propriedades?
80
Capítulo 02
A Diocese de Garanhuns e o Tribunal pela Causa de
Beatificação e Canonização
2.1 – Um santo legal
Dois de julho de 2004, Catedral de Santo Antônio, Garanhuns-Pernambuco, às 19 h e
30 min, iniciava-se uma Celebração Eucarística especial e específica. Com cânticos, trajes,
símbolos, preces e discursos bem direcionados, o templo oscilava do presente para o
passado. Tratava-se de um rito em prol da memória de dom Expedito Lopes. Naquele dia, o
fulcro de toda celebração era o defunto. Mais ainda, era a Sessão de Abertura e Instalação do
80
Para a Igreja Católica, mártir significa, etimologicamente, TESTEMUNHA; tanto no plano heróico, jurídico ou
religioso. Na linguagem usual, mártir é aquele que testemunho de sangue, que dá sua vida por fidelidade aos
ensinamentos de Jesus. O próprio Cristo foi mártir, pois testemunhou o amor e o perdão de Deus. Aceitou
livremente sua morte para dar testemunha da verdade, o Pai. Ainda segundo a Igreja Católica, alguns traços
que podem identificar um mártir: estar confortado na e pela graça divina na hora da angústia, silenciar e ser
paciente diante das acusações, esquecer dos próprios sofrimentos e perdoar quem o ofende e/ou persegue. O
mártir sofre e morre para justificar o pecado das multidões. Foi o glorioso martírio de Cristo que fundou a Igreja.
Verbete MARTÍRIO. In:LÉON, DUFOUR, Xavier et al. Vocabulário de Teologia Bíblica. Tradução de Frei Simão
Voigt. 3.ª Edição, Petrópolis-RJ:Vozes,1984, p. 562-563.
Tribunal Diocesano para a Causa de Beatificação e Canonização de dom Expedito Lopes,
chamado agora de “Servo de Deus”.
Por que beatificar e canonizar dom Expedito Lopes? Quem são os artesãos desse
discurso de “santidade” e “martírio” do prelado? Quais os meios utilizados por esse grupo
específico para tal finalidade? E como os fieis diocesanos se postam diante do passado
retomado e (re) elaborado?
É necessário entender o próprio Tribunal: por quem é formado, como começou, quais
as atividades desenvolvidas em prol dessa canonização e quais os princípios canônicos que
regem suas ações.
A dinâmica organizacional e institucional de um Tribunal Diocesano em prol da
Beatificação e Canonização de alguém é explicada pelo padre Henrique Pérez Pujol.
81
Segundo ele, antes de se instalar um processo de beatificação e canonização é preciso
nomear pessoas para exercer, juridicamente, cargos e funções específicas.
O primeiro desses cargos é o de autor. O autor é aquela pessoa física ou jurídica que
pede pela canonização do candidato.
Sugere-se que seja uma pessoa jurídica, por conta do exaustivo trabalho e dos gastos. Sendo
pessoa jurídica, caso o líder ou coordenador (a) venha a falecer e/ou ficar gravemente doente,
os demais da instituição que podem e devem continuar os trabalhos. O autor, então, faz a
solicitação ao bispo diocesano para iniciar a causa. Para isso, ele nomeia um postulador e um
vice-postulador.
Ao postulador que pode ser de ambos os gêneros - cabe fazer minuciosa pesquisa
sobre o candidato. Recolher todos os escritos dele (de próprio punho), sobre ele e redigir
breve biografia; indicando, inclusive, possíveis milagres atribuídos à intercessão do candidato,
bem como sua fama de santidade. Os documentos obrigatórios são: certidões: de nascimento,
batismo, profissão religiosa, ordenação, caso seja sacerdote, de óbito. Todos esses
documentos públicos devem ser autenticados.
Também ao postulador cabe ainda carregar um bom conhecimento jurídico (Direito
Canônico), religioso (Teologia) e certa formação histórica. Ele deve estar presente em toda a
fase diocesana do processo, como também no segundo momento, quando o processo segue
para a Congregação da Causa dos Santos, na cidade do Vaticano. O postulador também é
responsável pela preparação da lista de testemunhas do processo, embora ela seja, nesse
momento, flexível; podendo-se acrescentar ou retirar nomes. Ele próprio não pode ser
81
PUJOL, Padre Henrique Pérez. O Processo de Beatificação e Canonização. São Luis-MA: Sociedade Brasileira de
Canonistas, Caderno 01, 2005, p. 25-55.
testemunha. Depois disso tudo que é a fase anterior à abertura do processo e instalação do
Tribunal o postulador faz uma petição ao bispo diocesano para que seja aberto o processo.
Ambos, postulador e vice, exercem a função de advogados de defesa da causa. Eles são
escolhidos e nomeados, juridicamente, pelos representantes que compõem a pessoa jurídica,
ou seja, o autor da causa. Devem ainda observar no candidato à canonização virtudes
teologais e cardeais. A Igreja entende como virtudes teologais Fé, Esperança e Caridade;
enquanto que as cardeais o a Prudência, a Justiça, Lealdade, Fortaleza e Temperança, ou
seja, controle das emoções, a retidão e o zelo no cumprimento dos deveres. também as
virtudes especiais, como Pobreza, Obediência e Castidade.
Recolhida a documentação do candidato pelo postulador, o bispo diocesano pode,
juntamente com o juiz delegado, que é outro cargo do Tribunal, verificar se algo que
impeça o andamento da causa; como exemplo, o culto público. Para isso, ambos fazem
visitas aos lugares onde o candidato viveu e morreu exercendo suas funções. Depois disso, é
redigida uma Declaração de Ausência de Culto Público para ser entregue, junto aos demais
documentos apresentados pelo postulador à Congregação da Causa dos Santos, na cidade
do Vaticano. Lá, a congregação averigua os documentos e, em seguida, redige e envia o Nihil
Obstat (nada impede). Esse documento é expedido pela Congregação ao Papa, e este, o
expede para a Diocese. É esse documento que diz se há impedimentos ou não à continuação
da causa, à instalação do Tribunal Diocesano, e autoriza, juridicamente, a continuação dos
trabalhos.
Consoante as observações de padre Henrique Pérez Pujol, culto público significa:
Colocar a sepultura do servo de Deus embaixo do altar onde se celebra a Eucaristia;
Dedicar-lhe Igrejas ou Capelas;
Colocar na Igreja ou Capela imagens ou quadros do Servo de Deus;
Representá-lo com auréola de beatos ou a coroa própria dos santos;
Colocar ex-votos sobre a sepultura ou símbolos que possam induzir ao erro;
Conservar suas relíquias entre as relíquias dos beatos e santos.
82
Depois dessa maratona jurídica, o bispo diocesano pode nomear peritos em História
e Teologia para averiguar pormenorizadamente os documentos trazidos pelo postulador,
antes de enviá-los à cidade do Vaticano.
Além de autor, postulador e bispo Diocesano, um tribunal deve ser composto também
por um juiz delegado, um promotor de justiça, um notário e um notário adjunto. Todos são
nomeados, por decreto, pelo bispo diocesano. Esse decreto também abre a causa e instala o
82
Ibid. p. 47.
processo de beatificação e canonização. Isso, depois de ter recebido o Nihil Obstat da Santa
Sé. Todos têm funções específicas e juram, de forma solene, zelar pelo seu cumprimento sem
ferir o segredo e a verdade dos documentos e depoimentos que serão recolhidos por eles.
Ao promotor de justiça recomenda-se ter formação em Direito, em Teologia e em
História. Aconselha-se ser sacerdote. O promotor de justiça tem autoridade e/ou poder de
barrar o andamento da causa se observar não autenticidade nos documentos. Sua função
essencial é essa: verificar erros, apontar confrontos nas informações e discrepâncias nos
documentos trazidos pelo Postulador. No quadro de suas competências dentro do Tribunal
Diocesano, contempla-se:
Cuidar que se cumpra a lei e que não haja fraudes;
Preparar os interrogatórios que serão feitos às testemunhas (poderá simplesmente
aprovar o interrogatório preparado pelo Postulador e assumi-lo como próprio), a não ser
que o bispo diocesano encomende essa função a uma outra pessoa;
Assistir a todas as sessões de interrogatórios (se por causa grave deixar de assistir,
deverá examinar a ata do depoimento das testemunhas e pôr sua assinatura nela);
Na publicação dos autos, examinará todos eles e observará se a lei foi respeitada em
todas as sessões;
Poderá pedir complementação e apresentar mais outras testemunhas;
Apresentar ao menos duas testemunhas ex-ofício (n. 21 a).
83
O promotor de justiça não pode ter parentesco com o candidato à canonização até o
quarto grau consangüíneo, assim como não pode ser membro da congregação e/ou instituto
religioso vinculado ao candidato.
Ao juiz delegado também aconselha-se ter formação em Direito, Teologia e História,
se a causa for antiga. Não pode ter grau parentesco com o candidato nem participar de
alguma congregação ou instituto por ele fundado. Recomenda-se ser sacerdote. Sobre ele
recaem as seguintes funções:
Visitar o lugar em que está sepultado o servo de Deus;
Visitar os lugares onde se poderiam estar tributando culto público;
Fazer uma declaração de que estão sendo observados os decretos de Urbano IV e que
não há culto público (n. 28ª);
83
Ibid. p. 36-37.
Junto à cópia dos autos que enviará à Congregação [para a Causa dos Santos, na
cidade do Vaticano, em Roma] enviará, também, uma declaração sobre a credibilidade das
testemunhas que declararam no processo.
84
Ao notário atuário e ao notário adjunto, a função principal é dar pública aos
documentos, anotar tudo o que se passa nos interrogatórios com as testemunhas e nas
sessões do Tribunal em ata. Embora possa ter grau de parentesco com o candidato,
aconselha-se que não o tenha. E nem pertença, também, ao mesmo instituto ou congregação
fundada pelo Servo de Deus. É recomendada a nomeação de um notário adjunto a fim de
auxiliar o notário na revisão minuciosa dos documentos gerados antes e durante a instalação
do tribunal. Cabe-lhe:
Redigir as atas do processo;
Assinar os atos do processo (se faltar a sua assinatura, serão nulos, segundo o c.
1437);
Indicar nas atas tudo o que acontece em cada uma das sessões, assim como o lugar,
dia, mês, ano e o horário em que se realizou cada uma das sessões.
85
Na sessão de abertura do Tribunal, em que os membros serão nomeados e
empossados pelo bispo diocesano, cabe ao chanceler da Cúria Diocesana a primeira ata. Nas
demais sessões do Tribunal, o notário assume sua função de registrar o ocorrido.
Sobre o processo de dom Expedito Lopes, assim se dispõem seus membros e
funções: dom Irineu Roque Scherer, atual bispo Diocesano de Garanhuns; como autor do
processo está o Instituto das Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do Brasil, com sede
em Garanhuns. Esse instituto foi fundado por dom Expedito Lopes no ano de 1956, naquela
cidade. Como postulador inicial da causa, foi nomeado dom Acácio Rodrigues Alves, bispo
emérito de Palmares-PE. Dom Acácio era amigo de dom Expedito. Coube à Irmã Cândida
Araújo Corrêa, pertencente ao Instituto fundado por dom Expedito, a função de vice-
postuladora do processo.
O cargo de juiz delegado ficou sob a responsabilidade do frei Francisco Fernando da
Silva, frade capuchinho e canonista; monsenhor Benevonuto Sátiro de Araújo exerce a função
de promotor de justiça; doutor Duque Rodrigues de Sampaio exerce a função de notário e
Irmã Dayse Camelo D’arcy, também do Instituto, exerce a função de notaria adjunta. Padre
84
Ibid. p. 36.
85
Ibid. p. 37.
Raimundo Frota Bezerra, Irmã Mirtes Araújo Corrêa e o professor de História e arquivista
Josevaldo Araújo de Melo compõem a Comissão de História do processo (responsável por
averiguar a autenticidade dos documentos que tratam da vida, morte e fama de santidade que
o candidato à canonização deve apresentar e que foram recolhidos pelo postulador da causa).
Ao final da fase diocesana do processo, assume monsenhor Francisco de Assis
Pereira como postulador da causa por conta da fragilidade de saúde de dom Acácio
Rodrigues Alves. O encerramento da fase diocesana do processo deu-se também na Catedral
de Santo Antônio, no dia 13 de outubro de 2005. Esse momento foi exaltado com uma
pomposa missa em prol da causa, com cânticos, orações e discursos direcionados
exclusivamente para tal. Ambas as celebrações (da abertura e do encerramento do processo)
serão analisadas de maneira mais minuciosa neste capítulo. Por enquanto, oportuno é
descrever aqui a formação desse tribunal.
Foto 04: Tribunal pela Causa de Beatificação e Canonização de dom Expedito Lopes. Da esquerda para a
direita: Irmã Cândida de Araújo Corrêa (vice-postuladora), dr. Duque Rodrigues Sampaio (notário atuário), frei
Francisco Fernando da Silva (juiz delegado episcopal, canonista e atual presidente do Tribunal Eclesiástico de
Olinda e Recife), dom Irineu Roque Scherer (atual bispo de Garanhuns-PE), Clodoaldo Ferreira e Higina Ferreira
(cursores), monsenhor Benevenuto Sátiro (promotor de justiça), monsenhor Francisco de Assis Pereira
(postulador), Irmã Dayse D’arcy (notaria adjunta), Irmã Mirtes Araújo Corrêa (compõe a Comissão Histórica,
juntamente com padre Raymundo Frota Bezerra e o professor de História e arquivista Josevaldo Araújo de Melo
que não estão nesta foto) e, por último, Irmã Joelma (do Instituto das Missionárias de Nossa Senhora de
Fátima do Brasil, fundado por dom Expedito em 1956, em Garanhuns). Reunião datada em 05 de setembro de
2005, em Garanhuns-PE. Nesse caso, a reunião era para organizar os últimos detalhes do encerramento da fase
diocesana, a qual foi coroada com uma missa realizada dias depois, especificamente, dia 13 de outubro do
mesmo ano. (Arquivo Pessoal. Fotografia gentilmente cedida por frei Francisco Fernando da Silva. Recife-PE,
agosto de 2006).
Está formado o grupo responsável pelo reforço, atualização e perpetuação dos
discursos de santidade e martírio de dom Expedito Lopes, um grupo que pretende fabricar um
santo; pô-lo em lugar de destaque na vida social e religiosa de Garanhuns e de toda a
comunidade católica brasileira. É o grupo que tende a unificar interpretações, com suporte na
reunião das fontes por ele captadas em arquivos e memórias/esquecimentos de homens e
mulheres, sobre a morte heróica do bispo.
Ecléa Bosi, no texto “O tempo vivo da Memória. Ensaios de Psicologia Social”,
86
assinala que quando há um acontecimento expressivo e de visibilidade considerada, a
memória de cada um dos membros do grupo social afetado por esse acontecimento é
prejudicada pela interpretação da ideologia dominante. A memória coletiva desse
acontecimento é forjada no interior de uma classe específica, mas com poder de difusão.
Essa memória é alimentada e re-alimentada de imagens, sentimentos, idéias e valores que
configuram uma identidade àquela classe. Os esteriótipos de uma memória pública de
determinado evento nascem no interior de uma classe e seu poder de propagação acontece
por meio de espaços e/ou instituições dominantes do saber, como escolas e universidades.
Por outro lado, a autora enfatiza o fato de que a tarefa do historiador é “provocar
rasgos no discurso costurado e engomado pelo historicismo”
87
, para, a partir de então,
identificar e analisar tensões nesses discursos. Um passo importante a ser dado nessa
direção é perceber que as memórias individuais sobre um acontecimento são imprevisíveis.
Assemelham-se ao passado, isto é, são abertas, não concluídas, são capazes de gerar
promessas, são contraditórias entre si e em relação ao discurso de uma memória oficial criada
e expandida pelo grupo dominante.
No caso da canonização de dom Expedito Lopes, é evidente o grupo específico que a
promove e seus objetivos: sacralizar um bispo. Sacralizá-lo em textos, imagens, discursos e
falas. Vários objetos de dom Expedito (mitra, cajado, roupas. fotografias e o colchão do
hospital ainda marcado com seu sangue e seu perdão) foram expostos, especificamente no
aniversário de comemoração dos quarenta anos de morte, ocorrido em julho de 1997. As
freiras do Instituto organizaram essa exposição nas escolas da cidade ligadas à Diocese e na
86
BOSI, Ecléa. O tempo vivo da Memória. Ensaios de Psicologia Social. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003, p. 21-
35.
87
Ibid. p. 33.
Casa da Cultura de Garanhuns. Objetos pessoais que se transfiguraram em objetos de
memória por intermédio de comemorações cívicas e, sobretudo, religiosas.
Relativamente à sessão de abertura do processo de canonização, padre Henrique
Pujol prescreve a necessidade de ser solene, porém sem exageros. E explica o porquê de se
subtrair dessa sessão os exageros e as pompas:
Não se deve dar, de modo algum, a impressão de que se está fazendo aquilo por mero
expediente e que está o servo de Deus canonizado. Por isso, não se deve fazer essa
sessão na catedral, não se deve levar faixas ou fotografias do Servo de Deus, como se
tratasse de uma mini-canonização. Enfim, trata-se de uma data importante, porém, não da
própria canonização. Por isso, não é conveniente que se faça na catedral, que o povo
acorra em massa, que se levem faixas alusivas ao Servo de Deus, retratos dele, como se
de uma canonização se tratasse.
88
E segue detalhando com deve ser a abertura do processo. Devem estar presentes o
bispo diocesano, o chanceler da Cúria, os membros do Tribunal (juiz delegado, promotor de
justiça, notário e notário adjunto), o postulador e vice-postulador e membros da Comissão
Histórica se houver e necessário for. Todos fazem o juramento de cumprir seu devido ofício
e guardar segredo de tudo que possa provocar qualquer difamação do Servo de Deus”
89
.
Essa abertura pode ser feita numa capela do instituto ou congregação, que é o autor do
processo ou no salão da Cúria Diocesana. Toda a reunião é registrada em ata pelo chanceler
da Cúria. As demais reuniões serão registradas pelo notário e/ou notário adjunto.
A sessão final, ou de encerramento, deve, ainda segundo padre Pujol, ser da mesma
forma da inicial: sem muita pompa, sem exageros, com certa privacidade e lavrada em ata,
agora, pelo notário.
Ambas as sessões carregam teatralidade de gestos e símbolos, a qual padre
Henrique Pujol descreve minuciosamente:
Sobre a mesa da presidência estarão dispostas a Sagrada Escritura, o selo de cada
uma das pessoas que a ela se assentarão (Bispo Diocesano, Juiz Delegado, Promotor de
Justiça, Notário e Notário Adjunto), o juramento que cada um deles fará em papel timbrado
e preparado de modo que possa ser assinado pelo próprio e colocar o carimbo dele (...)
88
PUJOL, Padre Henrique Pérez. O Processo de Beatificação e Canonização. o Luis-MA: Sociedade
Brasileira de Canonistas, Caderno 01, 2005, p. 39.
89
Ibid. p. 38.
depois disso [o Bispo Diocesano] fará a leitura da carta da Congregação [da Causa dos
Santos, com sede na cidade do Vaticano, em Roma] concedendo o Nill Obstat para dar
início à causa. Também se fará pública as respectivas nomeações.
90
Contrariando as normas, tanto a abertura (02 de julho de 2004) quanto o
encerramento (13 de outubro de 2005) da fase diocesana do Tribunal de Beatificação e
Canonização de dom Expedito Lopes aconteceram com expressiva visibilidade, pompa e
exagero; começando, inclusive, com a distribuição de um convite-missa personalizado com a
foto de dom Expedito e um texto-discurso enaltecedor de qualidades atribuídas ao Antístite.
Lê-se no convite-missa:
Um santo em nosso meio:
Dom Francisco Expedito Lopes, venerável Servo de Deus, 5.º Bispo de Garanhuns e
fundador do Instituo das Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do Brasil.
A Diocese de Garanhuns e o Instituto das Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do
Brasil, louvando ao Senhor pela Instalação do Processo Diocesano pela causa de
Beatificação e Canonização do venerável Servo de Deus, Dom Francisco Expedito Lopes,
convidam V.S.ª, e todo o povo de Deus para a Celebração da Eucaristia, na qual os
membros do Tribunal desse processo farão o juramento de fidelidade à verdade. Local:
Catedral de Garanhuns. Horário: 19 h e 30 min. Data: 02 de Julho de 2004.
91
Esse tipo de narrativa reflete a forte intenção dos membros de convencer os
diocesanos sobre a morte heróica de dom Expedito Lopes. A ata de abertura da causa e
instalação do processo registra minuciosamente como se deu essa solenidade.
92
90
Ibid. p. 40.
91
Arquivo pessoal. Cedido pelas freiras do Instituto das Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do Brasil.
Garanhuns-PE, agosto de 2006.
92
SESSÃO DE ABERTURA E INSTALAÇÃO DO TRIBUNAL DIOCESANO PARA A CAUSA DE BEATIFICAÇÃO
E CANONIZAÇÃO DO SERVO DE DEUS, DOM FRANCISCO EXPEDITO LOPES. Em nome do Senhor. Amém.
No ano do Senhor de 2004, aos dois dias do mês de Julho, às 19h e 30min, na Catedral de Santo Antônio, nesta
cidade de Garanhuns, durante a Celebração da Eucaristia, presidida pelo EXMO. SR. Bispo Diocesano, Dom
Irineu Roque Scherer, teve início a Sessão de Abertura e Instalação do Tribunal Diocesano para a Causa de
Beatificação e Canonização do Servo de Deus, Dom Francisco Expedito Lopes, 5.º Bispo da Diocese de
Garanhuns. Após a Liturgia da Palavra deu-se início ao Processo de Instalação do Tribunal Diocesano na
seguinte ordem: o Exmo. E Revmo. Dom Acácio Rodrigues Alves, Postulador da Causa, legitimamente
constituído, requereu que se desse início ao Processo Informativo sobre a vida, virtudes e fama de santidade do
Servo de Deus Dom Francisco Expedito Lopes. A seguir, procedi à leitura do decreto do Sr. Bispo Diocesano,
datado de 02 de Julho de 2004, constituindo o Tribunal Diocesano e nomeando seus membros e dando a
conhecer o Decreto de Abertura da Causa. Finalizando a leitura o Sr. Bispo Diocesano confirmou de todos os
que por seu rescrito tinham sido nomeados membros do Tribunal para a instrução do Processo. Todos eles
Com essa sessão de abertura, os membros do Tribunal se lançam aos trabalhos de
recolhimento de mais documentos escritos sobre dom Expedito e, o mais importante, à
obtenção de depoimentos dos fiéis que conheceram, alcançaram graças e/ou participaram, de
alguma forma, da vida e da morte do bispo. O Tribunal não se prendeu apenas ao Seminário
São José para ouvir as testemunhas, pois seus membros visitaram cidades como Oeiras,
Floriano, Picos, Terezina (PI), Fortaleza, Itapipoca, Sobral e Tianguá (CE), Afogados de
Ingazeira, Recife, Olinda, Canhotinho e Garanhuns (PE), entre outras. Os que não puderam
comparecer, enviaram seus depoimentos por escrito.
93
O processo encontra-se em três cópias: duas foram enviadas, devidamente
autenticadas e lacradas, para a Congregação da Causa dos Santos, na cidade do Vaticano. A
cópia original ficou no Arquivo da Cúria Diocesana e, segundo padre Marcelo Protázio Alves,
atual pároco da Catedral e chanceler da Cúria Diocesana, não se pode ter acesso aos
aceitaram o cargo para o qual foram designados, mostrando-se dispostos a desempenhá-los com toda a
fidelidade e guardar devido segredo de ofício. (...) Em seguida, o Postulador da Causa entregou a lista das
testemunhas reservando-se o direito e a faculdade de apresentar novas testemunhas e de renunciar a algumas
das indicadas na referida lista. O Sr. Bispo e o Juiz Delegado admitiram, com indicadas reservas, as
testemunhas propostas. Dando continuidade à sessão, o Juiz Delegado indicou como lugar para interrogar as
testemunhas, o Seminário São José, situado na Avenida Rui Barbosa, n.º 200, nesta cidade de Garanhuns, a
partir das 8 horas do dia 03 de Julho de 2004, ordenando ao Notário Atuário que enviasse as citações ao
Promotor de Justiça, ao Notário Atuário, à Notaria Adjunta e às testemunhas para que compareçam no lugar, dia
e hora indicados. A seguir, o Sr. Bispo e o Juiz Delegado me ordenaram lavrar a ata de documentos precedentes
citados, ao Notário Atuário. Após o canto do credo e da recitação da Oração pela Beatificação e Canonização do
Servo de Deus, Dom Francisco Expedito Lopes, teve início a Liturgia Eucarística. Terminada a Comunhão, a
Vice-Postuladora, em nome do Instituto das Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do Brasil, fez uso da
palavra enaltecendo as virtudes do Fundador do referido Instituto. Dando continuidade à sessão, o coral da
Paróquia Jesus, Maria, Jo entoou o Hino de Dom Expedito. De todas e cada uma das coisas realizadas, eu,
subscrito Chanceler da Cúria lavrei a presente ata e em fé selei com o selo da Chancelaria. Dado em Garanhuns,
aos 02 de Julho de 2004. Fonte: Ata de abertura e instalação do Processo Diocesano pela causa de Beatificação
e Canonização de dom Expedito Lopes. Cópia cedida por frei Francisco Fernando da Silva, Canonista e Juiz
Delegado do Tribunal Diocesano para a causa de Beatificação e Canonização. Recife-PE, agosto de 2006.
93
Esta Lista inicial de Testemunhas encontra-se registrada na Ata de Abertura e Instalação do Tribunal, citada há
pouco. A lista é composta por bispos, sacerdotes, religiosos (as) e parentes de dom Expedito Lopes. Nela,
consta-se os nomes de : dom Augusto de Alves da Rocha (bispo de Oeiras-Floriano PI), dom Benedito
Francisco de Albuquerque (bispo de Itapipoca-CE), dom Francisco Austregésilo de Mesquita Filho (bispo emérito,
ou seja, aposentado, de Afogados de Ingazeira – PE), dom Manoel Edmilson da Cruz (bispo emérito de Limoeiro
do Norte CE), dom Miguel Fenelon Câmara Filho (arcebispo emérito de Teresina PI) e dom José Bezerra
Coutinho (bispo emérito de Estância – SE). Quanto aos sacerdotes e/ou religiosos (as), têm-se: padre Raimundo
Frota Bezerra (Fortaleza-CE), padre Fernando Aguiar Frota (Sobral-CE), padre Victor Rodrigues (Recife-PE),
monsenhor Sabino Loyola (Sobral-CE), monsenhor André Viana Camurça (Teresina-PI), padre David Ângelo
Leal (Picos - PI), cônego Otoniel Siqueira Passos (Canhotinho-PE), padre Raimundo José Airemorais Soares
(Teresina-PI), dom Geraldo Wanderley (Mosteiro de Olinda-PE), monsenhor Francisco Sadoc de Araújo (Sobral-
CE), Irmã Noeme Lopes (Congregação de Santa Tereza, em Fortaleza-CE. É parente de dom Expedito Lopes),
Irmã Mendes (também dessa Congregação) e Irmã Leny Gomes Calheiros (Missionárias de Nossa Senhora de
Fátima do Brasil, em Garanhuns-PE).E ainda quanto aos parentes de dom Expedito e/ou outras pessoas que
sobre ele puderam depor algo tem-se: Dona Ana Suzete Lopes Solon, em Sobral-CE, e Dona Terezinha Lopes
do Monte, em Terezina-PI (ambas irmãs de dom Expedito Lopes), Zuleica Ximenes Viana (Cúria Diocesana de
Sobral-CE), Maria Jo Miranda (Garanhuns-PE), Maria Valdecy de Lira (Garanhuns-PE. Esta senhora é
proprietária de uma escola infantil que carrega o nome de dom Expedito Lopes. Conforme ela, é uma
homenagem prestada ao bispo por causa de uma promessa feita a ele.), Emanuel Tenório de Holanda e José
Dantas da Silva (ambos em Garanhuns-PE). Cópia decida por frei Francisco Fernando da Silva, Canonista e Juiz
Delegado do Tribunal pela causa de Canonização e Beatificação. Recife-PE, agosto de 2006.
depoimentos das testemunhas por causa do juramento que os membros do Tribunal fizeram
publicamente em manter sigilo sobre tais narrativas e por ser ordem interna das normas
canônicas.
Por outro lado, é possível verificar o procedimento exercitado pelos membros do
Tribunal nas entrevistas com os depoentes. um modelo a ser seguido. A entrevista deu-se
seguindo esse modelo, que está dividido em dois momentos: no primeiro, o depoente faz um
juramento com a mão sobre a Bíblia Sagrada, admitindo dizer somente a verdade. A isso
segue sua identificação (nome, filiação, data e lugar de nascimento, profissão, religião e, o
mais importante para os membros do Tribunal, como se deu sua aproximação com dom
Expedito). No segundo momento, é solicitado ao depoente que narre o que sabe sobre o
nascimento, a infância e a família do candidato à beatificação, isto é, que o depoente narre o
que sabe sobre a biografia daquele que se quer beatificar e/ou canonizar.
94
Para a Celebração Eucarística, na qual se deu a abertura do processo e instalação
do Tribunal, foram convidados bispos, sacerdotes e religiosas de outras dioceses de várias
cidades e estados brasileiros: João Pessoa, Fortaleza e Sobral, São Paulo, Caicó e Mossoró
e Belo Horizonte. Além do convite, todos os bispos dessas dioceses receberam ofícios da
Diocese de Garanhuns e/ou do Instituto das Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do
Brasil solicitando aos respectivos bispos e arcebispos que elegessem pessoas para fazerem
campanha de sensibilização e divulgação da causa junto aos fiéis e dentro dos próprios
trabalhos diocesanos.
Em entrevista com frei Francisco Fernando da Silva
95
sobre o início do processo de
canonização de dom Expedito, ele expressa haver partido da vontade das Irmãs do Instituto
das Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do Brasil. Em 1996, frei Chico, comumente
chamado, foi convidado pelas Irmãs do Instituto para auxiliá-las na elaboração do novo
94
Esses pontos podem ser encontrados em um roteiro de interrogatório para as entrevistas. Esse roteiro também
está como anexo das atas do processo. Após o interrogatório, todas as testemunhas assinam seus testemunhos.
Ora, no próprio corpo das atas ou com anexos estão também dispostos os juramentos que cada membro do
Tribunal fez, publicamente, vale lembrar, de ser sigiloso e dizer a verdade. Há um modelo para esse juramento, o
que muda apenas é o cargo e a função que cada um exerce dentro do Tribunal; contudo, o texto desse
juramento é padrão. Diz assim: Eu, frei Francisco Fernando da Silva, OFM, Juiz Delegado no Processo sobre a
vida, virtudes e fama de santidade do Servo de Deus, Dom Francisco Expedito Lopes, juro cumprir fielmente o
encargo que me foi confiado, de não dizer ou fazer nada que direta ou indiretamente, possa atentar à verdade ou
à justiça ou que possa limitar a liberdade das testemunhas. Que Deus me assista e me ajudem esses Santos
Evangelhos. Frei Francisco Fernando da Silva, OFM, Juiz Delegado”. Esse juramento foi feito na Celebração
Eucarística, no dia 02 de julho de 2004, na Catedral de Santo Antônio; cada membro pôs as mãos sobre a Bíblia
sacralizando assim a solenidade. Todos assinam o juramento. Cópia cedida por frei Francisco Fernando da
Silva, canonista e juiz delegado do Tribunal Diocesano para a Causa de Beatificação e Canonização de dom
Expedito Lopes, Recife-PE, agosto de 2006.
95
Entrevista com frei Francisco Fernando da Silva, canonista e juiz delegado do Tribunal Diocesano pela Causa
de Beatificação e Canonização. Realizada no Recife-PE, no Convento de Santo Antônio, no Bairro de Santo
Antônio, em agosto de 2006.
estatuto dessa Instituição religiosa. Passou uns três meses em Garanhuns entre idas e
vindas ao Recife – até concluir seus trabalhos.
No decorrer de suas obrigações para com as Irmãs, elas, ainda conforme ele,
falavam muito sobre a vida e a morte do bispo, principalmente sobre o perdão dado pelo
prelado ao padre Hosana no leito de morte e a oferenda de seu sangue. Irmã Mirtes e Irmã
Cândida recontavam insistentemente e “com muita emoção”, diz ele. Ainda segundo o frade,
dom Irineu Roque Scherer, ao chegar a Garanhuns para assumir a Diocese, interessou-se
pelo caso e, com incentivo das Irmãs e de dom Acácio Rodrigues Alves, bispo emérito de
Palmares-PE e o responsável pela leitura do decreto de suspensão de padre Hosana, na
época, acolheu a proposta das religiosas e de dom Acácio em organizar o processo de
beatificação e canonização de dom Expedito.
Isso aconteceu em 1996, conforme o depoente. Interessante é que, em 1997 se
comemorou o quadragésimo ano de morte do bispo, com uma exposição de suas relíquias no
Colégio monsenhor Adelmar Valença, antigo Colégio do Arraial e uma Celebração Eucarística
toda voltada para a fixação e instauração de uma memória de santidade e martírio de dom
Expedito.
Ele segue seu depoimento, ressaltando que, no dia seguinte à celebração de
abertura e instalação do Tribunal, 02 de julho de 2004, ele e os demais membros começaram
a ouvir as testemunhas (a maioria delas com mais de 75 anos de idade). Foram ter com as
testemunhas em onze cidades diferentes, segundo ele, quebrando, assim, mais uma regra
canônica da Santa Sé, ao afirmar que o Tribunal deve ser fixo e os depoentes, chamados por
meio de convite, direcionam-se até o local onde está instalado a corte canônica.
Frei Chico narra ainda que todos os documentos e os depoimentos tinham que estar
em ordem até o dia 13 de outubro de 2005, data da celebração de encerramento da fase
diocesana do processo, ocorrida também na Catedral de Garanhuns sob discursos de
exaltação da pessoa do bispo. Nesse dia, na própria celebração, o processo foi empacotado,
lacrado e encerrada a causa, para ser enviada a Roma. Existe um tribunal que instrui a
causa. No caso, nós. E existe um tribunal que julga a causa. No caso, ele, lá em Roma”,
96
diz
ele.
Ana Maria César, autora do livro A Bala e a Mitra (1994), em entrevista a mim
concedida, discorre dessa maneira sobre a ação da Diocese de Garanhuns para com a
beatificação e canonização de dom Expedito:
96
Idem.
(...) eu não sei bem o que a Igreja entende por santo. Por que, se você for atrás da
história da Igreja, você se perde nesse emaranhado (...) Eu fico me perguntando o que é.
Eu sei que a política entra muito nessa coisa de santidade, né. Eu acredito também que a
Igreja tenha um lado de boa de querer mostrar um santo. Os santos seriam apenas
exemplos. Porque ninguém pode determinar! (ênfase). Eu acho uma doença sofrer para
Deus! (ênfase) Eu não acredito nisso! Essa religião eu não aceito! (...) O que eu vejo como
santo é apenas uma pessoa para exemplo. É apenas servir como exemplo. Então, não
precisaria elevar para os altares, construírem igrejas, botarem auréolas, quando eu acho
que tudo isso é, até a própria imagem que as pessoas rezam, é um pouco de idolatria.
Ainda mais hoje que a Igreja carrega imagens e diz que é milagrosa. Para mim isso é
idolatria pura! Eu acho que ela ta no caminho errado e não consegue voltar. Ela sabe que
está errada, mas não consegue mais. Perdeu o controle.
97
Ela prossegue a narrativa, informando que dom Expedito, para ela, é apenas um
exemplo, que se deu de maneira elevada, no perdão que ele ofereceu ao sacerdote Hosana e
a oferenda do seu sangue em prol dos outros. Para ela, esse é exemplo máximo de virtude
humana. “Eu acho belíssimo dele o perdão!” e “aquela morte dele foi bonita!”, ressalta.
Indagada novamente sobre a ação da Diocese de Garanhuns em tentar beatificar e
canonizar dom Expedito, sua resposta diferiu do dito anteriormente.
Olha [pausa] faz parte da história da Igreja. Ela está cumprindo o papel dela. Olha, as
pessoas, a população de um modo geral, precisa de santos. O Brasil se ressente de não
ter nenhum santo brasileiro. Ela está cumprindo o papel dela. Ela sempre fez isso, ela não
vai parar agora. O fato de ter um santo brasileiro eu acho que é bom, importante [ênfase]!
Então, acredito nisso, a Igreja precisa fabricar santos. Esta é a história da Igreja. Ela vai
continuar fazendo isso. Agora, se Dom Expedito for canonizado eu iria gostar. Pelo menos
teremos um santo brasileiro. O que eu sei é que ele teve um ato bonito. Teve um final de
vida belíssimo. Exemplo para todas as pessoas. Vou ficar feliz. Eu peço a Deus sabedoria
e paciência.
98
Taiza Brito, autora do livro A Confissão do Padre Hosana (1998), também foi
entrevistada. Indagada sobre seu posicionamento sobre a ação da Diocese de Garanhuns
para com a beatificação e canonização de dom Expedito Lopes, pondera em sua resposta.
97
Entrevista com Ana Maria César, advogada aposentada e autora do livro A Bala e a Mitra, editado pelas
Edições Bagaço, em 1994, no Recife-PE. Entrevista realizada em sua residência, na capital pernambucana, em
agosto de 2006.
98
Idem.
Uma explicação possível pode recair no fato de que ela foi a única a escrever a versão do
padre Hosana sobre o crime. Ela gravou inúmeros diálogos com o sacerdote em sua casa e
em Garanhuns. A ela foi confiado o que ela chamava de Diário Secreto. Ambos fizeram um
acordo judicial, em cartório, para que a jornalista escrevesse o livro. Isso ocorreu durante a
década de 1990. O esperado era que ela defendesse a imagem do sacerdote por conta da
relação que travaram durante as entrevistas e revisão dos escritos. Ela ponderou.
Olha [pausa demorada] eu acho que a Igreja está fazendo o papel dela. O bispo foi
atacado, sofreu, foi morto de uma forma cruel, sem, sem [longa pausa], sem defesa, sem
chance de se defender fisicamente. Desse ponto de vista, o padre deveria ser julgado pelo
crime. Lógico! [ênfase]. Assim, é um posicionamento muito difícil, porque o bispo tinha os
seus ideais, tinha a sua forma de pensar. Eu não me acho, assim pra quem não foi
testemunha da história, na época, eu não acho que deva se ter nem o bispo como
culpado ou inocente, nem o padre como culpado ou inocente. Assim, cada um estava
dentro do seu mundo, defendendo o seu ideal, a sua forma de pensar, e terminaram de
uma forma trágica que, num crime, no qual o criminoso era um padre e a vítima era o
bispo. Mas, eu acho que a Igreja está no papel dela de, de, de reconhecer o seu membro
que foi afetado, né, o bispo, o padre. Assim, dentro da Igreja o bispo era seu superior. Ele
deveria, mesmo que estivesse errado, ele deveria, o padre tivesse errado, ele deveria
acatar as ordens e aí, desse ponto de vista, eu acho que a Igreja está fazendo o papel
dela. Eu acho que é difícil você se posicionar nesse sentido.
99
Em momento posterior, a jornalista garante, enfática, que padre Hosana tinha o
direito de dizer sua versão do crime e dos motivos que o levaram a fazê-lo. Taíza Brito
defende a noção de que “todo mundo tem o direito de defesa. Nesse sentido, ele merecia ser
ouvido. Ele merecia ter a história dele contada”.
100
Como exposto, porém pouco, na hora
de opinar sobre a ação da Diocese na canonização do bispo, ela recua e é cautelosa em sua
resposta. Ela o rebate, deixando sua convicção de defesa do padre somente nas páginas
de seu livro.
A ação da Diocese de Garanhuns em tentar beatificar e canonizar dom Expedito
Lopes embora tenha sido pensada, planejada e iniciada internamente passeou pelas
páginas dos jornais de circulação na cidade, no Estado e em outras cidades de estados
circunvizinhos. Ganhou manchete. Apesar das formas diversificadas de narrar essa ação,
99
Entrevista com Taíza Brito, jornalista e autora do livro A Confissão do Padre Hosana, editado pelas Edições
Bagaço, em 1998, no Recife-PE. Entrevista realizada em sua residência, na capital pernambucana, em agosto de
2006.
100
Idem.
todos louvam a iniciativa da Diocese. Até o presente momento desta pesquisa não foi
encontrado nenhuma posição contra os objetivos diocesanos.
2.2 – Exposições, missas e discursos: o santo é mostrado
Antes mesmo de o Tribunal pela causa de dom Expedito haver se formado
juridicamente e se tornado público por meio das missas de abertura e encerramento da fase
diocesana em julho de 2004 e outubro de 2005, respectivamente havia momentos de
criação e perpetuação de uma memória oficial sobre o bispo.
Em 1997, ano do quadragésimo aniversário de sua morte, as religiosas do Instituto
organizaram uma exposição de alguns objetos do Pontífice cajado, mitra, roupas ainda
manchadas com seu sangue, o colchão sobre o qual ele ficou hospitalizado e fotografias
deste. Essa exposição foi instalada no Colégio monsenhor Adelmar Valença, antigo Colégio
do Arraial, e na Casa da Cultura, em Garanhuns. Juntamente com a exposição, foi celebrada
uma missa repleta de falas sobre as características de santidade e martírio do prelado, com a
presença de outras autoridades clericais. Cânticos, preces, santinhos e orações para esse
momento foram elaborados e distribuídos entre os fiéis. Ambos os eventos foram
insistentemente divulgados nas missas anteriores, programas de rádio e jornais.
No livro de cânticos, por exemplo, distribuído entre os participantes da celebração da
passagem dos quarenta anos de morte do bispo - realizada em 02 de julho de 1997, na
Catedral de Santo Antônio - está disposto o seguinte comentário inicial sobre as chamadas
virtudes do bispo e a necessidade de “fazer memória”, enaltecendo sua vida sacerdotal e suas
últimas palavras.
Comentarista:
Irmãos e irmãs,
Estamos reunidos para celebrar o amor de Jesus, amor revelado durante toda a vida,
mas levado ao extremo através de seu sangue derramado.
Nesta celebração de Páscoa de Jesus fazemos memória de alguém que também bebeu
do cálice de sofrimento e derramou seu sangue: fazemos memória de Dom Francisco
Expedito Lopes, 5.º Bispo de Garanhuns, fundador do Instituto das Missionárias de Nossa
Senhora de Fátima.
Celebramos os 40 anos da morte de Dom Expedito agradecendo ao Senhor porque nele
manifestou a sua santidade. Como Jesus, Dom Expedito morreu perdoando, fazendo de
sua vida uma oferenda.
Acolhemos os concelebrantes e celebrantes da Eucaristia, Dom Acácio Rodrigues
Alves. À frente, a fotografia de Dom Expedito e frases por ele pronunciadas e rezadas na
noite de sua agonia:
‘Estou sofrendo muitas dores. Seja tudo pela Diocese. Combati o bom combate, terminei
a minha carreira, guardei a fé. Meu Jesus, misericórdia! Pronto, estou preparado.’
Cantemos juntos o canto de entrada.
101
O momento das preces e do ofertório, na celebração eucarística, é o de maior
visibilidade do discurso de santidade e martírio direcionado ao bispo; o momento enaltecedor
da personalidade do bispo.
- Senhor, manifesta a Tua santidade na vida de Dom Expedito. Que ele participe da
comunhão de todos os santos e santas e seja reconhecido como Santo por toda a Igreja.
Todos: Senhor, envia sobre nós o Teu Espírito de santidade.
- Senhor, como teu filho Jesus, Dom Expedito morreu perdoando. Nós te agradecemos
o seu testemunho. Fortalece a nossa para que nós também possamos levar o perdão
onde há mágoa, ofensa e divisão.
Todos: Senhor, fortalece a nossa fé.
102
Quanto ao ofertório, foram utilizados os símbolos e/ou relíquias de dom Expedito
Lopes, os mesmos que compuseram o acervo da exposição organizada pelas religiosas do
Instituto. À entrada de cada mbolo no recinto, um comentário enaltecedor à memória
daquele bispo.
Comentarista:
Dom Expedito morreu oferecendo ao Senhor sua vida pelos padres, pelos seminaristas,
pela Diocese de Garanhuns. Trazemos até o altar do Senhor alguns objetos que fizeram
parte de sua vida, de sua paixão.
UMA ALMOFADA: Ela serviu de apoio à cabeça de Dom Expedito na hora da dor. Está
manchada de sangue e banhada por suas palavras de perdão.
UM PEDAÇO DA BATINA DE DOM EXPEDITO: Ela traz os furos das balas, mas ela
fala também da pobreza, da simplicidade de Dom Expedito.
101
Livro de cânticos e orações da missa dos 40 anos da morte de dom Expedito Lopes, realizada na Catedral de
Santo Antônio, em Garanhuns, no dia 02 de julho de 1997. Cópia cedida pelas freiras do Instituto das
Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do Brasil, Garanhuns-PE, janeiro de 2003.
102
Idem.
A MITRA DE DOM EXPEDITO: Símbolo do poder serviço que invalida toda
superioridade. A única grandeza consiste em ser como Jesus que faz o dom total e gratuito
em si mesmo.
OS DOCUMENTOS DO INSTITUO DAS MISSIONÁRIAS DE NOSSA SENHORA DE
FÁTIMA: A aprovação canônica e os primeiros estatutos, frutos do zelo pastoral de Dom
Expedito, que desejava uma instituição dedicada à construção de um mundo melhor,
atuando em todas as formas de apostolado, segundo ele mesmo escreveu nesses
documentos.
103
Encerrando a celebração, o povo ali presente foi chamado a ler em uníssono a
oração marcando os quarenta anos de morte, texto posto nos santinhos distribuídos entre os
fiéis.
Ó Pai, comemoramos o 40.º aniversário de morte do Vosso servo Dom Francisco
Expedito Lopes, 5.º Bispo de Garanhuns.
Ele bebeu o cálice, que Jesus ofereceu aos apóstolos, dando sua vida pela Diocese,
pelo seu Clero e pelos seus Seminaristas. Nós vos agradecemos por sua virtuosa e
humildade de cristão, sacerdote e Bispo.
Acreditamos, ó Pai, que a caminhada atual de nossa Diocese é também fruto de sua
oração, generosa e total. Chamado a seguir os passos de Vosso Filho, Dom Expedito doou
sua vida, morrendo como semente na terra, dando muito fruto de fé e esperança em nosso
meio.
Lembremos, neste aniversário, todos aqueles que, em nosso tempo, deram sua vida em
favor de sua comunidade ou seu povo, especialmente na América Latina, e de modo
particular, na nossa Diocese.
Que o lema de Dom Expedito ‘Restaurar todas as coisas em Cristo’ (Ef. 1,10) nos
confirme na busca da Justiça, da paz, do perdão e da fraternidade. Isso Vos pedimos por
Jesus Cristo, Vosso Filho e nosso irmão, na unidade do Espírito Santo. Amém.
Garanhuns, 02 de Julho de 1997.
Monsenhor Benevonuto Sátiro de Araújo
Administrador Diocesano da Diocese de Garanhuns
104
103
Idem.
104
Santinhos” distribuídos aos fiéis na Celebração Eucarística na passagem dos quarenta anos de morte de dom
Expedito Lopes, realizada na Catedral de Santo Antônio, em Garanhuns, em 02 de julho de 1997. Cópia cedida
pelas freiras do Instituto das Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do Brasil, Garanhuns-PE, janeiro de
2003.
Pierre Nora, no texto “Entre Memória e História: a problemática dos lugares”,
105
faz
considerações sobre o que são, como surgem e para que servem os lugares de memórias.
Estes podem ser compreendidos em três aspectos: o material, o simbólico e o funcional.
Essas três dimensões co-existem e exercem seu papel nos lugares de memória. Portanto,
criação de praças, estátuas, festas comemorativas, tratados, um testamento, uma associação,
um minuto de silêncio, um objeto, discursos, inaugurações, mensagens póstumas, entre
outros, são lugares de memória criados por um determinado grupo social, promovidos e
estendidos aos demais indivíduos com o intuito de “fixar um estado de coisas, bloquear o
trabalho do esquecimento, materializar o imaterial e imortalizar a morte”
106
.
Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento de que não memória
espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar
celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque essas operações não são
naturais (...). Sem vigilância comemorativa, a história depressa os varreria. São bastos
onde os quais se ancoram. Mas, se os que eles defendem não estivessem ameaçados,
não se teriam tampouco a necessidade de construí-los.
107
Os lócus de memória o criados por grupos específicos que exercem alguma forma
de poder configurando-se, portanto, lugares dominantes. São espetaculares, tendem a ser
triunfantes, imponentes e geralmente são impostos por determinada autoridade.
Aqui se percebe um grupo social específico, de notoriedade social, recortando o
passado, remodelando-o e reatualizando-o para fins próprios e específicos, tudo isso para
evitar que a morte do bispo e suas últimas palavras sejam fadadas ao esquecimento, para
evitar que a história varra esse episódio das lembranças dos fiéis pernambucanos e de todo o
Brasil. A Diocese e o Instituto tentam sacralizar o já dessacralizado.
Um bom exemplo a ser chamado são os espaços - aqui entendidos como espaços
materiais construídos em prol de dom Expedito Lopes. Em Garanhuns, lugar do
assassinato, uma pequena praça, com um pequeno busto. Está localizado defronte à
Paróquia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, mais conhecida pela população como
Igreja do Cuscuz, em razão da sua arquitetura arredondada. A praça, e conseqüentemente o
busto, absorvem a indiferença da população e também do poder público municipal, pois
105
NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. Tradução de Yara Aun Khoury. Projeto
História. Programa de estudos Pós-Graduados em História da PUC-SP. São Paulo: EDUC, N.º 10, p. 7-28,
1993.
106
Ibid. p. 23.
107
Ibid. p. 13.
raramente é feita alguma melhoria naquele espaço que pretende rememorar dom Expedito. Já
foi pichada e encontraram vestígios do profano, como, por exemplo, preservativos usados.
Também é constante o mau cheiro, oriundo de pessoas que usam aquele espaço para
satisfazer certas necessidades fisiológicas.
A praça abriga o sagrado e o profano, visto que aquele busto observa pessoas
consumindo drogas e corpos se tocando na busca do prazer carnal. Serve também para
estacionamento de meios de transportes que conduzem os fiéis às missas da paróquia
vigiada pelo busto. Não há, portanto, indícios de sacralidade no entorno da imagem. Reina o
profano.
Fotos 05 e 06: Praça dom Expedito Lopes, com seu busto, localizada próxima à Igreja de Nossa Senhora do
Perpétuo Socorro, Garanhuns-PE. Arquivo Pessoal. Garanhuns-PE, 2003.
Outro exemplo sobre a promoção de lugares de memória em prol de dom Expedito
Lopes recai em alguns objetos que foram expostos em 1997 por conta da passagem dos
quarenta anos de seu assassinado. Dentre as chamadas relíquias de dom Expedito estavam:
o estatuto, por ele escrito, com as regras do Instituto, a almofada que ficava na capela interna
do seu Palácio Episcopal onde ele teria se deitado, baleado, e rezado pelo perdão do
sacerdote Hosana; o colchão no qual ele se deitou quando hospitalizado, seu cajado, mitra e
pedaços de sua batina, ainda manchada de sangue.
Fotos 07, 08, 09 e 10: Alguns dos objetos que compuseram o acervo da exposição na passagem dos quarenta
anos de morte de dom Expedito Lopes, realizada em Garanhuns-PE, em 1997. Aqui, pedaços da batina do bispo,
ainda manchada com seu sangue, paramentos utilizados quando ele celebrava missas e o colchão onde ele teria
se deitado quando dos atendimentos médicos a ele deferidos no Hospital Dom Moura durante suas oito horas de
agonia. Foto: Arquivo do Instituto das Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do Brasil. Garanhuns-PE, 2003.
Conforme Irmã Mirtes de Araújo Corrêa e Irmã Cândida de Araújo Corrêa, a batina
estava intacta, contudo, a fama de santidade de dom Expedito se espalhou e muitos fiéis iam
até o Instituto para pedir-lhes um pedaço da batina do bispo para servir como objeto de
proteção, como objeto sagrado. De pedaço em pedaço doado, hoje, as irmãs têm somente
fragmentos que evidenciam as manchas de sangue. Dona Ana Suzete Lopes Solon, irmã
consangüínea de dom Expedito, que residia em Sobral-CE, também narrou essa história das
irmãs. Dona Suzete teria, segundo ela, também recebido pedaços da batina das irmãs.
Todos esses objetos foram guardados pelas religiosas aqui citadas. Elas foram as
tutoras e promotoras da exposição que ocorreu no Colégio Adelmar Valença antigo Ginásio
do Arraial que ambas dirigem, e na Casa da Cultura de Garanhuns, hoje, localizada na
antiga Estação Ferroviária, onde padre Hosana desembarcou naquele primeiro de julho de
1957. As religiosas, em parceria com a Secretaria de Cultura do Município, realizaram essa
exposição no mês de julho por ser aniversário de morte do bispo e, também, por acontecer
uma festa tradicional na cidade, que absorve turistas: O Festival de Inverno de Garanhuns. A
Secretaria de Cultura do Município promove esse evento mais de dez anos e está posto
no calendário oficial de festas municipais. Há vasta programação cultural durante todo o dia. A
exposição foi uma delas.
Na ação diocesana de canonizar dom Expedito Lopes, é possível vislumbrar a
tentativa daquele grupo social (padres, bispo e religiosas) de provocar uma memória
cristalizada sobre o bispo assassinado. Os espaços, momentos, escritas e discursos são
utilizados para afugentar o esquecimento.
Portanto, a formação do Tribunal Diocesano institucionalizou uma vontade, gerada
anos antes pelo Instituto e pela Diocese, de beatificar e canonizar dom Expedito Lopes. Tanto
a exposição de suas relíquias dada no Colégio monsenhor Adelmar Valença e na Casa da
Cultura de Garanhuns e as solenidades de passagem dos quarenta anos do assassinato do
prelado já pré-anunciavam o esforço da Diocese por essa causa.
O jornal Correio da Semana, órgão da Diocese de Sobral-CE, traz uma matéria
intitulada Dom Expedito Lopes, o primeiro Bispo brasileiro a ser Beatificado, datada de 18 de
fevereiro de 2006, escrita pelo padre Valdery da Rocha. Nela, o louvor que o sacerdote
endereça à causa é notório o que era de se esperar vindo de um sacerdote e que escreveu
em um periódico da Diocese da cidade onde Dom Expedito nasceu. Em meio à sua louvação,
ele traz breves explicações do andamento da causa.
Nesta quarta-feira (dia 15), segundo notícias veiculadas pelo Jornal do Comércio, de
Pernambuco, em sua edição do dia oito de Janeiro (quarta-feira), terá andamento o
processo de beatificação de Dom Expedito Lopes.
Naquele dia, a Congregação para a Causa dos Santos, em audiência de seu Prefeito, o
Cardeal português José Saraiva Martins, com o Bispo de Garanhuns, Dom Irineu Roque
Scherer, abrirá os volumes com o material coletado pelo tribunal eclesiástico que instaurou
o processo de beatificação do bispo (...).
Embora o conteúdo do material que será examinado depoimentos de mais de 50
testemunhas do processo e outras peças) não possa ser divulgado, Dom Irineu Scherer
adiantou que os testemunham apontam para a possibilidade de Dom Expedito vir a ser
considerado mártir da fé.
O argumento do martírio será o eixo principal para a postulação da beatificação do bispo
de Garanhuns. ‘Se considerado Mártir, o processo dispensará a comprovação de milagres’,
esclareceu Dom Irineu. Uma das razões para se sustentar o argumento, acrescentou, foi a
maneira espontânea com que as testemunhas alegaram a existência do martírio, ao
prestar depoimento.
Após a análise dos documentos referenciais à vida e morte de Dom Expedito, a Santa
anunciará sua posição sobre os feitos do bispo em nome da fé. A legislação canônica
considera apto para beatificação quem vive as virtudes cristãs em grau heróico. Se
beatificado, Dom Expedito será o primeiro santo brasileiro a receber o título (...).
108
Esse artigo já está tratando da abertura do processo, na Congregação da Causa dos
Santos. encerrada sua fase diocesana no Brasil é enviado ao Vaticano. é aberto e
analisado minuciosamente por um grupo de teólogos, médicos, canonistas e outros
especialistas para, somente depois, ser dada uma sentença favorável ou não à solicitação.
Esta sentença é levada ao Papa, por ele analisada, e a ele cabe dar o veredicto final. Se
afirmativo for seu posicionamento, há a solenidade de canonização do candidato.
Sobre o fato de a Santa considerar ou não o candidato à beatificação mártir, e o
que isso implica no andamento do processo, cônego Francisco Sadoc de Araújo, postulador
do processo de beatificação do padre Ibiapina, esclarece, jurídica e teologicamente esse
pormenor. Padre Sadoc, como é conhecido e comumente chamado, também foi uma das
testemunhas ouvidas no processo de canonização de dom Expedito Lopes, por tê-lo
conhecido pessoalmente. Nossa entrevista foi travada em Sobral-Ceará, no dia 07 de maio de
2003.
Ele explica a diferença entre o considerado “mártir” pela Santa e o outro caminho
possível para se beatificar e canonizar alguém, que é a comprovação de que o candidato
apresentou durante toda sua vida o “exercício heróico das virtudes”, que são FÉ,
ESPERANÇA e CARIDADE.
O Mártir cristão é aquele que morre pela sua fé. É aquele que morre (...). Também é
mártir porque ele é testemunho. Dom Expedito, mataram dom Expedito no cumprimento de
suas obrigações da fé, isso é mártir da Igreja. O mártir é aquele que comprove
imensamente sua fé. Você quer que a pessoa prefira morrer a viver sem sua (...). É
mártir (ênfase). Quando é mártir não precisa provar algumas coisa, porque ele morreu pela
fé. Então, dispensa milagre, dispensa tudo (ênfase). Então, o mártir é o maior tesouro da
Igreja. No começo do Cristianismo tinha muito mártir (...). Os Imperadores de Roma
mandavam matar esses bravos cristãos, botavam nos túmulos e iam [as pessoas] venerar
os mulos, colocar flores, visitar. Fizeram as catacumbas subterrâneas, cavavam o chão.
(...) No começo da Igreja quem canonizava os mártires era o povo. O sujeito morria pela
o povo ia, zelava o túmulo, botava flores, enfim, tornava aquele lugar de respeito, sagrado.
Então, esses primeiros cristãos eram considerados mártires do povo. (...) Agora, no tempo
108
Jornal Correio da Semana. 11-18/02/2006.
do Imperador Constantino, em 333 d.C, Constantino deu liberdade aos cristãos, não
perseguiu mais. Então, ele fazia as chamadas Basílicas (ênfase). Baliseu, em Grego, quer
dizer Guerreiro. Basílica que dizer Régio, O Rei, pertencente ao Rei. Quando vem essa
liberdade, a gente pergunta: quem é que santo? Ninguém [mais] vai matar! Então, quem
é que vai provar a fé? Pelo martírio não mais! Ainda hoje gente que morre pela fé,
mas diminuiu muito!
Então, o que ficou para substituir o Martírio foi o EXERCÍCIO HERÓICO DAS
VIRTUDES [ênfase]. O sujeito não chega a morrer, mas quase morreu, pela fé; porque
dedicou todas as forças, entregou-se inteiramente, foi ajudar aos pobres. Você o Padre
Ibiapina (...) ele abandonou tudo, foi ser padre aos 47 anos de idade e se dedicou
inteiramente aos pobres, passou fome, passou sede. Andou durante trinta anos no
Nordeste brasileiro criando Casas de Caridade, hospitais, igrejas. Então, isso é uma prova
que substituiu o martírio. É uma fé provada pelo sofrimento, pela dedicação (...).
109
O cônego Sadoc de Araújo começou afirmando de maneira enfática que dom
Expedito é mártir, porém, recua um pouco para dizer que somente a Santa é quem tem
poder legal para afirmar. E essa afirmação dada pela Santa é fruto da análise minuciosa
dos documentos enviados pelo Tribunal Diocesano à Congregação da Causa dos Santos.
Antes disso, segundo ele, não se pode dizer publicamente que o candidato já é mártir.
Mais uma regra quebrada pela Diocese de Garanhuns, que estampa a idéia de que o
bispo é mártir em convites-missa, em santinhos distribuídos e em discursos sobre o martírio
de dom Expedito.
Indagado sobre a necessidade de comprovação de milagres por intermédio do
candidato à beatificação, regra exigida pela Congregação da Causa dos Santos, o cônego
Sadoc explica que esse passo é posterior à prova de que o candidato é mártir ou exerceu as
virtudes heróicas. Explica ainda que um processo de beatificação apresenta a parte jurídica
momento de estudar a vida do candidato, recolher escritos dele e sobre ele, a infância, a
juventude, a fase adulta e a morte e parte litúrgica. Na segunda parte é que deve se provar
a existência ou não de milagres. Quando comprovado que o candidato é mártir, “ele
começa beatificado, porque o milagre aconteceu”, enfatiza cônego Sadoc. Nesse caso, o
milagre foi o candidato morrer pela fé.
109
Entrevista com o cônego Francisco Sadoc de Araújo, 72 anos, postulador do processo de beatificação do
padre Ibiapina. Realizada em Sobral-CE, 07 de maio de 2003. Hoje, 2008, com 77 anos.
Sobre os artigos publicados nos jornais acerca da beatificação e canonização de dom
Expedito Lopes, em todos eles são enaltecidas suas últimas palavras no leito de morte e o
perdão dado por ele ao padre Hosana. É notória também a exaltação da possibilidade de dom
Expedito ser o primeiro santo brasileiro (agora com seu posto de primeiro inviabilizado pela
canonização de Frei Galvão, em São Paulo, realizada no primeiro semestre de 2007).
Por outro lado, num desses artigos o do jornalista Ulisses Pinto estampado no
jornal Imprensa do Agreste e intitulado “Igreja vai beatificar bispo assassinado em
Garanhuns”, datado de 14 de novembro de 2003, um pedido. Inicialmente, vale ressaltar,
que esse jornalista testemunhou no processo crime do padre Hosana. Foi ele quem encontrou
uma das balas no Palácio Episcopal no dia do crime e quem primeiro telegrafou a notícia para
o Diário de Pernambuco, no Recife. Ele conhecia tanto dom Expedito quanto o sacerdote
Hosana.
(...) Finalmente, quem alcançou graças por intercessão de Dom Expedito Lopes, queira
enviar comunicação, por escrito, para os seguintes endereços: Cúria Diocesana de
Garanhuns Avenida Santo Antônio, 40, 55.2900-000, Garanhuns-PE. Caixa Postal 54,
telefax (87)3761-0805. Instituto das Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do Brasil,
Avenida Júlio Brasileiro, 703, Heliópolis, 55.295-475, Garanhuns-PE, telefax (87)3761-
3225. Caixa Postal 219, Garanhuns-PE.
Esperamos, assim, ter contribuído para a causa com esta matéria. O julgamento desses
casos não é com o autor. O julgamento fica para os Doutores da Lei das altas figuras do
clero e do Vaticano. Nosso ponto de vista, a Deus caberá a última palavra!
O atual Bispo Diocesano de Garanhuns, Dom Irineu Roque Scherer, filho do Rio Grande
do Sul, está cumprindo seu dever de fiel escudeiro da Igreja Católica Romana.
110
Por que solicitar aos fiéis que enviem por escrito as possíveis graças alcançadas?
Esse pedido reflete um não-reconhecimento dos fiéis da cidade para com a causa da
beatificação e canonização daquele prelado? Que tipo de impacto tem causado essa ação
diocesana no dia-a-dia dos católicos daquela urbe?
Esse pedido também está escrito ao final dos santinhos distribuídos tanto nas missas
de abertura (02 de julho de 2004) e encerramento (13 de outubro de 2005) da fase diocesana
do processo, ocorrida na Catedral de Santo Antônio. Nos santinhos, também um texto
solicitando aos fiéis pedidos de preces e sacrifícios para com a causarecomendando, porém
110
Jornal Imprensa do Agreste, 14/11/2003.
que se evite tudo o que possa assemelhar-se a culto público”. Segue ainda uma oração
escrita especificamente para pedir a beatificação e canonização de dom Expedito Lopes:
Ó Jesus, Pastor Eterno, nós Te louvamos pelo teu servo DOM FRANCISCO EXPEDITO
LOPES, possuidor de um coração amoroso voltado para MARIA, exemplo de simplicidade
e de perdão, testemunho de zelo pela Igreja, por cuja causa derramou seu sangue e deu
sua vida. Nós te pedimos a graça de vê-lo, um dia, cultuado nos altares. Também Te
pedimos que nos confirmes na busca da justiça, da paz e do perdão.
Pai Nosso...
Ave Maria...
Glória ao Pai...
(Com aprovação eclesiástica de Dom Irineu Roque Scherer, Bispo Diocesano).
111
Para a Diocese, esses momentos públicos – de abertura e de encerramento da causa
foram o coroamento dos trabalhos do Tribunal e o caminho eficaz para sensibilizar e
mobilizar corações e almas em prol da causa. Parentes de dom Expedito Lopes também
estiveram presentes, como por exemplo, dona Terezinha Lopes do Monte, que mora em
Teresina, presente no encerramento da causa (13 de outubro de 2005), e o senhor Edésio
Lopes, sobrinho de dom Expedito, presente à missa de abertura da causa (02 de julho de
2004).
Ambos foram publicamente apresentados e participaram das celebrações de maneira
mais expressiva, conduzindo até o altar objetos que remontam à oficialização de uma
memória do bispo, como por exemplo, um retrato de dom Expedito e faixas e/ou cartazes com
seu rosto pintado e frases de elevação de sua personalidade; isso no momento da entrada da
celebração, ao som do Hino de louvor a dom Expedito, da autoria de Sérgio Tenório de
Oliveira.
111
Santinhos” distribuídos na Celebração Eucarística de encerramento da fase diocesana do Processo de
Beatificação e Canonização de dom Expedito Lopes, realizada na Catedral de Santo Antônio, em Garanhuns-PE,
no dia 13 de outubro de 2005. Cópia cedida pelas freiras do Instituto das Missionárias de Nossa Senhora de
Fátima do Brasil. Garanhuns-PE, agosto de 2006.
Foto 11: Procissão de entrada da Celebração Eucarística de Encerramento da fase diocesana do Processo de
Beatificação e Canonização de dom Expedito Lopes, ocorrida na Catedral de Santo Antônio, em Garanhuns-PE,
em outubro de 2005. Da esquerda para a direita: Irmã Mirtes Araújo Corrêa, do Instituto das Missionárias de
Nossa Senhora de Fátima do Brasil, e dona Terezinha Lopes do Monte, irmã de dom Expedito Lopes. Os demais
são membros da liturgia: leitores e comentarista. (Arquivo Pessoal. Fotografia gentilmente cedida por frei
Francisco Fernando da Silva. Recife-PE, agosto de 2006).
Nos momentos públicos ensejados pela Diocese de Garanhuns sobre a canonização
de dom Expedito, observam-se um “dever de memória” e a fixação de lugares de memória
que evidenciam o passado para clarear o presente. O tempo pretérito é buscado para dar
alicerce aos discursos e práticas diocesanas. É uma dívida do presente para com seu outro.
Também é clara a projeção de um futuro: um santo oficialmente reconhecido nos lares e
altares, memória que se lança ao futuro, pois criada no presente e buscada no passado. São
três dimensões próximas e coexistentes, presente, passado e futuro, com sua dinâmica fluida,
a cercar dom Expedito por intermédio das letras, falas, cânticos, orações e gestos; projetando-
o para tempos vindouros.
.
Fotos 12 e 13: “Santinhos” distribuídos na celebração de abertura e instalação do Tribunal Diocesano para a
causa de Beatificação e Canonização de dom Expedito Lopes. Em seu discurso, se percebe o esforço da
diocese em capturar a atenção e a veneração dos fiéis para com a causa. (Fundo: Arquivo do Instituto das
Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do Brasil, com sede em Garanhuns-PE. Garanhuns PE, agosto de
2006).
Fotos 14 e 15: Convite-missa da abertura e instalação do Tribunal Diocesano para a causa de Beatificação e
Canonização de dom Expedito Lopes. (Fundo: Arquivo do Instituto das Missionárias de Nossa Senhora de
Fátima do Brasil, com sede em Garanhuns-PE. Garanhuns, agosto de 2006).
Fotos 16 e 17: Convite-missa para o encerramento da fase diocesana do Processo de Beatificação e
Canonização de dom Expedito Lopes. Muitas autoridades civis, religiosas e os familiares de dom Expedito
estiveram presentes, institucionalizando mais ainda o ato. A Diocese deseja um altar para dom Expedito.
(Fundo: Arquivo do Instituto das Missionárias de Nossa Senhora detima do Brasil, com sede em Garanhuns-
PE. Garanhuns, agosto de 2006).
Foto 18: Vitral exposto no Palácio Episcopal de Garanhuns. De tamanho expressivamente grande, ilumina e
aquece aquele recinto. Ele também está estampado, não por acaso, num convite-missa na passagem dos vinte e
cinco anos de morte de dom Expedito, realizada na Catedral de Santo Antônio, em Garanhuns, no dia 02 de julho
de 1982. O convite traz ainda impressa uma breve e resumida biografia do bispo e o que se acredita serem suas
últimas palavras e uma oração louvando a atitude do perdão dado por ele ao seu assassino e da oferenda de si
mesmo ao clero, aos seminaristas e ao povo da cidade. (Fundo: Arquivo do Instituto das Missionárias de Nossa
Senhora de Fátima do Brasil, com sede em Garanhuns-PE. Garanhuns, agosto de 2006).
A imagem também é discurso. E, nesse caso, de grandes proporções para a análise
da História Social da Memória. É um bispo, de joelhos, com um ramo verde em uma das mãos
simbolizando, certamente, a esperança; na outra mão, um cálice recebendo o sangue do
Cristo. O bispo, de joelhos, denota submissão e obediência ações que faltaram ao padre
Hosana. Os elementos que compõem o quadro: ramo verde (esperança), cálice (local
sagrado, que guarda algo de precioso e que se aprecia), o sangue (metáfora tão utilizada na
Bíblia para incitar nos fiéis o sentimento de doação, partilha e proximidade para com os
pobres), as personagens (Cristo e dom Expedito) distantes em suas respectivas autoridades
e, concomitantemente, tão próximos em suas respectivas ações de se doarem e oferecerem
seu próprio sangue pelo outro são indicativos de um discurso imperativo.
112
Outro aspecto importante: o local onde está exposta a imagem ou, melhor
expressando, os locais. Primeiro, no Palácio Episcopal, onde ocorreu o assassinato e, depois,
reproduzido num convite-missa na passagem dos vinte cinco anos de morte do Antistite - em
1982, na Catedral de Santo Antônio - meio de divulgar e expandir uma memória oficial para
dom Expedito.
No rito de abertura da causa (02 de julho de 2004) e no encerramento (13 de outubro
de 2005), por exemplo, a procissão de entrada deu-se ao som do Coral Jesus, Maria, José,
tendo como regente o seminarista Sérgio Tenório de Oliveira, autor do hino a dom Expedito
Lopes. O discurso de santidade, do sangue derramado, do perdão dado pelo prelado ao
sacerdote Hosana e da necessidade que, segundo ele, os diocesanos têm de algum dia
verem dom Expedito gozando no rol dos santos da Igreja, é notável nesse hino.
112
Para Eduardo França Paiva a iconografia é um registro histórico. E como tal, resultado de escolhas de seu
produtor, que a forja, a idealiza e/ou a inventa com intenções específicas. É fruto de seleções, escolhas e olhares
de seus produtores. Ao ser lida e observada, a posteriori, é reconstruída a cada época contextos diferenciados
que criam muitas possibilidades de leituras e releituras dessa imagem. Ao mesmo tempo, passível de
manipulações por parte do grupo que a compõe e reza sua publicidade e expansão. As imagens podem ter longa
vida. Ora podem ser cultuadas e adoradas, ora podem ser combatidas; isso dinamiza sua existência e sua
conseqüência no cotidiano daqueles por elas tocados. Ela captura esforços de manutenção e transformação de
valores e comportamentos, concomitantemente. As representações iconográficas, assim como qualquer outro
documento, repito, são lidas sempre no presente, por meio de filtros e chaves, para continuar fazendo uso
dessas metáforas, que pertencem ao presente, pelo menos na maioria das vezes. Por isso, elas adquirem novos
significados a cada nova leitura, a cada nova época (...).” PAIVA, Eduardo França. História & Imagem. Belo
Horizonte – MG: Autêntica, 2002, p. 55.
Acompanhando o coro, pois cada fiel recebeu um livro de cânticos para acompanhar e
participar da celebração, o povo entoou o canto.
HINO DE LOUVOR A DOM EXPEDITO LOPES
Letra e Música: Seminarista Sérgio Tenório de Oliveira
Garanhuns se reveste de Glória
Rumo ao Céu está sempre a caminhar
Santos homens e mulheres dedicaram
Suas vidas, por amor se consagram.
De Sobral, no Ceará, um bispo sai
Para Oeiras, Piauí, alegre vai
Da mãe de Deus, sob o manto maternal
Roga-lhe sempre proteção de todo o mal.
Cumpre feliz a missão de pastoreio
Em Garanhuns, transferido logo veio
Não sabia o ‘mal’ que viria
Pelas mãos de um sacerdote morreria.
Refrão: Expedito, Expedito
És no Céu, novo servo escolhido
Roga a Deus por seus filhos sofridos
E nos dá nova força e luz
Nos levando a Cristo Jesus (bis).
Na Diocese 5.º Bispo empossado
Faz de seus filhos sacerdotes muito amados
Padre Hosana a mensagem não entendeu
Esqueceu de todo o amor que Deus lhe deu.
A dois de julho, no ano de 57
Por toda grande região era manchete
Dom Expedito entrega a alma ao Senhor
E de tristeza todo o povo se enlutou.
Com grande amor que lhe tinha a Mãe Querida
Confia a Deus o pobre padre a sua vida
‘Combati o bom combate’ – assim falou
’Ofereço tudo isso com amor’.
Refrão: Expedito, Expedito
És no Céu, novo servo escolhido
Roga a Deus por seus filhos sofridos
E nos dá nova força e luz
Nos levando a Cristo Jesus (bis).
Dos frutos seus em nosso meio hoje ficou
As Irmãs da ‘Mãe Querida’ que formou
Pensando já no instituto que faria
As missionárias do Rosário de Maria.
E nos jardins do belo Céu agora vai
Entre flores e roseiras resta paz
Não há mais dor, tristeza e aflição
Recebe o prêmio por na Terra dá perdão.
Está na glória entre os eleitos a cantar
Perto de Deus e suas bênçãos a ganhar
Roga a Deus, ó Servo Mártir, por nós todos
A Diocese, as Missionárias, o teu povo.
113
Depois de cessado o canto enaltecedor ao bispo, desqualificando o padre, o recinto
foi tomado por palavras de padre Marcelo Protázio Alves, atual Pároco da Catedral e
Chanceler da Cúria Diocesana:
113
Livro de Cânticos da Celebração Eucarística de Encerramento da fase diocesana do Processo de Beatificação
e Canonização de dom Expedito Lopes, realizada na Catedral de Santo Antônio, em Garanhuns-PE, no dia 13 de
outubro de 2005. Cópia cedida pelas freiras do Instituto das Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do Brasil.
Garanhuns-PE, agosto de 2006.
Ele [dom Expedito] marcou nossas vidas com o exemplo de perdão, de serviço, de
doação, vida de oração e de disponibilidade. Deu testemunho de para se tornar o
máximo intercessor nosso e porque não dizer ser verdadeiramente o primeiro santo
nascido no Brasil. Nestes anos foram-se multiplicando as canonizações e beatificações.
Elas manifestam a vivacidade das igrejas locais, muito mais numerosas hoje do que nos
primeiros séculos e nos primeiros milênios. A maior homenagem que todas as igrejas
prestarão a Cristo no limiar do terceiro milênio será a demonstração da presença
onipotente do Redentor, mediante os frutos de fé, esperança e caridade em homens e
mulheres de tantas línguas e raças que seguiram Cristo nas várias formas de vocação
cristã.
114
No momento da homilia, reservada especificamente ao bispo e/ou ao sacerdote para
reflexão das leituras e do evangelho do dia, houve a exibição de um vídeo com a biografia de
dom Expedito: sua infância em família, no Seminário São José (em Sobral-CE), no Seminário
da Prainha (em Fortaleza-CE), seu pastoreio como bispo de Oeiras-PI e em Garanhuns-PE,
até o desfecho, em 02 de julho de 1957. Foi um vídeo que enaltecia exaustivamente a
personalidade do prelado, mostrando-o “santo” quando ainda menino, no relacionamento
“afável e calmo”, bem como no comportamento “exemplar” nos estudos. Há, também, trechos
das últimas palavras de dom Expedito. Há, ainda, trechos de depoimentos de familiares de
dom Expedito e as obras por ele realizadas durante sua pastoral à frente da Diocese de
Garanhuns.
Os variados discursos sobre o Pontífice são descrições sem tensões. Somente
harmonia, não havendo disputa nem conflito. Exemplificando, observam-se trechos do que se
passou no vídeo sobre o prelado.
[Dom Expedito] estudou no Grupo Professor Arruda, em Sobral-CE. Era muito calmo,
dedicado e desde cedo demonstrou interesse pelos estudos e pelas atividades da Igreja.
Aos sete anos era coroinha. Em família, demonstrava sempre obediência, preocupação
com a vivência dos preceitos religiosos com as irmãs e aconselhava os irmãos mais novos
a não maltratarem os pássaros e animais, pois eram criaturas de Deus. Nas necessidades
familiares, lembrava sempre a e a confiança em Deus (...). Dom Expedito, como pastor,
foi zeloso, culto, organizado, acolhedor e simples. Homem de oração. Dedicava profunda
devoção à Virgem Maria. Homem que a todos edificava por sua doação. De atitudes firmes
114
Fita de vídeo k7 que contém o registro da Missa de Abertura e Instauração do Processo de Canonização de
dom Expedito Lopes, realizada na Catedral de Santo Antônio, em Garanhuns-PE, em 02 de julho de 2004. Cópia
cedida pelas freiras do Instituto das Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do Brasil. Garanhuns-PE, agosto
de 2006.
e gestos decididos, procurou enfrentar os desafios que encontrou em sua diocese em vista
do cumprimento de sua missão de ‘restaurar tudo em Cristo’.
115
O vídeo apresenta ainda fragmentos de falas de pessoas, em sua maioria sacerdotes
e bispos, próximas a dom Expedito, que conviveram com ele. Divulgar esses depoimentos no
telão, depois de contada a biografia, reforça ainda mais a institucionalização do ato, portanto,
a institucionalização e oficialização de uma memória. A biografia de dom Expedito é uma
metodologia constante nos discursos oficiais da Diocese.
As considerações finais da celebração foram as palavras de Irmã Cândida de Araújo
Corrêa, co-fundadora, juntamente com Irmã Mirtes de Araújo Corrêa, do Instituto das
Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do Brasil, em Garanhuns. Irmã Cândida presenciou
os últimos momentos de vida de dom Expedito no Hospital Dom Moura, É vice-postuladora do
Tribunal Diocesano. Seu depoimento também foi registrado para compor a biografia.
Tomando a palavra na celebração, discursou:
(...) sabemos que ele contempla a face do pai. Sua morte tão bonita, seus gestos de
perdão foram conseqüências de sua vida, toda entregue ao Senhor e à causa do meio.
Dom Expedito foi um Bispo missionário, ia às casas dos pobres e aos vários bairros desta
cidade. Louvemos a Deus por este testemunho de fé. O temos [a dom Expedito] como um
referencial de santidade.
116
Em seguida, veio a bênção final dada pelo atual bispo diocesano, dom Irineu Roque
Scherer, encerrando a celebração.
115
Idem. Texto utilizado no vídeo que narra a biografia do bispo, portanto, é um discurso hagiográfico. Para
Michel de Certeau, a Hagiografia, isto é, a escrita da vida do santo, é uma organização textual, portanto, é um
gênero literário. Nesse tipo de texto, a vida do santo já o predestina aos altares. Sua infância, sua juventude, sua
fase adulta formam um todo coerente com objetivo claro: levá-lo aos altares. Este tipo de texto existe unicamente
para promovê-lo. Nesse texto, a combinação de lugares, atos e temas relacionados ao santo. Essas três
dimensões interagem mutuamente para configurá-lo como modelo e/ou exemplo indispensável para os demais.
Os textos narrativos sobre a vida dos santos sempre se refere aquilo que é “exemplar”; apresentando virtudes e
milagres do santo. Nesse caso, a escrita de uma biografia linear e harmoniosa é matéria prima para pôr o santo
nos altares públicos e domésticos e, mais ainda, no coração dos crédulos. No texto, porém, ele está no altar.
CERTEAU, Michel. A Escrita da História. Tradução de Maria de Lourdes Menezes, 2.ª ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2002, p. 266-278.
116
Fita de vídeo k7 a qual registra a Celebração de Abertura e Instalação do Tribunal Diocesano para a causa de
Beatificação e Canonização de dom Expedito Lopes, realizada na Catedral de Santo Antônio, em Garanhuns-PE,
no dia 02 de julho de 2004. Cópia cedida pelas freiras do Instituto das Missionárias de Nossa Senhora de Fátima
do Brasil. Garanhuns-PE, agosto de 2006.
Para Giovani Levi
117
, a biografia, quando entendida e praticada de forma linear,
harmoniosa, desprovida de tensões e conflitos, é um instrumento para provar hipóteses bem
como leis e regras gerais. Ela é chamada e praticada como verdade, para provar a boa índole
do indivíduo. É fruto de grupos específicos, com fins determinados, que dispõem de
fragmentos textuais e falados sobre o biografado arrumados, ordenados e direcionados a sua
elevação e destaque; tornando-o exemplar e protegido de máculas. Nesse caso, a biografia e,
portanto, o indivíduo está acima dos conflitos e contradições do cotidiano. O texto corre em
direção a sua promoção e elevação pessoal. Apresentando personagens célebres, a biografia
tem caráter pedagógico; revelando as virtudes públicas não somente do biografado, mas
também do grupo que o criou.
Por outro lado, o autor faz provocações sobre essa forma de narrar a vida no papel.
Problematiza-a. Aponta caminhos outros para o entendimento e prática da biografia dentro
das ciências humanas. Para ele, a biografia abarca ambigüidades e/ou contradições. Não se
pode escrever toda uma vida no papel. A biografia é passível de novas interpretações,
incessantemente, oriundas das mais diversas direções. Não uma biografia linear.
fragmentos da vida do biografado selecionado e dispostos para fins específicos. Nessa
dinâmica, mostram-se coisas sobre ele e escondem-se outras. Não há, portanto,
interpretações unívocas sobre o biografado. Ela não está isenta de contradições. Passa,
incessantemente, por transformações.
Atesta Giovani Levi:
(...) evitemos abordar a realidade histórica a partir de um esquema unívoco de ações e
reações, mostrando, ao contrário, que a repartição desigual do poder, por maior e mais
coercitiva que seja, sempre deixa alguma margem de manobra para os dominados; estes
podem então impor aos dominantes mudanças nada desprezíveis.
118
Como fruto de uma seleção, a biografia de dom Expedito é composta pelo o dito e o
não-dito, o autorizado e o não-autorizado, com intenções específicas e claras: dar um santo
aos demais diocesanos. Uma vontade e/ou um capricho singular do grupo que é estendido
aos demais de forma imperativa. Dar a eles a “verdade”: que o Brasil tem um santo, ainda não
117
LEVI, Giovani. Usos da biografia. In: FERREIRA, Marieta de Moraes & AMADO, Janaina (orgs.). Usos e
abusos da História Oral. Rio Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996, p. 167-182.
118
Ibid. p. 180.
reconhecido oficialmente pelo Vaticano. É uma biografia apresentada na compreensão de que
toda sua vida foi exemplar. É linear e desprovida de provocações e conflitos.
Tanto no ato de captar e recolher fragmentos da vida e morte de dom Expedito
quanto no texto biográfico produzido com suporte nesses fragmentos não é citado ou
referenciado, em nenhum momento, o livro de Taíza Brito, isto é, a versão de padre Hosana
sobre o bispo e acerca do crime. Tampouco são mencionados ou referenciados os
depoimentos daqueles ou daquelas que conheciam padre Hosana e travavam um bom
relacionamento com ele e que poderiam depor para a biografia e/ou para o processo
diocesano. Fazer isso seria desarrumar e desordenar um discurso que pretende legitimar um
santo. A Diocese de Garanhuns e o Instituto fecham, então, qualquer possibilidade, mesmo
que remota, de se questionar sua ação. Quando os membros do Tribunal Diocesano
itineravam pelas cidades pernambucanas e em outros estados, estavam atrás das vozes que
poderiam evidenciar o bispo e denegrir o padre. Em Quipapá-PE, por exemplo, foi tomado o
depoimento da senhora Maria de Lourdes, justamente parte de uma das famílias acusadas
por padre Hosana de levar e trazer as conversas aos ouvidos do bispo.
Capítulo 03
Um Padre Assassino?
3.1 – A guerra dos livros
O assassinato de dom Expedito Lopes gestou livros específicos escritos e
publicados em tempos diferentes trazendo reflexões peculiares e cada um deles tomando
posicionamentos nítidos; e escritas em defesa do bispo e do padre, produzindo discursos em
disputa pela fixação de uma memória, desenhando um quadro onde ocorre verdadeira guerra
de livros.
Os dois primeiros datam, respectivamente, de 1958 e 1959. Ambos o do mesmo
autor: frei Romeu Peréa. O Carmelita era capelão da Casa de Detenção, no Recife, onde
padre Hosana ficou preso. Estava presente também durante a leitura da Excomunhão do
sacerdote, ocorrida em sua cela em 16 de setembro de 1957. Suas obras primam por uma
reflexão teológica sobre a morte do bispo. Seu foco é a forma de morrer de dom Expedito.
São duas obras permeadas de eufemismos e metáforas associações explícitas entre o
calvário de Cristo e o “calvário” de dom Expedito. Uma escrita defensora da Igreja e do bispo.
No livro Dom Expedito: Bispo e Mártir. Considerações em torno de um cadáver
glorioso
119
, os três primeiros capítulos traçam, rapidamente, passagens da gestão do bispo na
diocese. Isto é, a possível atitude de paciência, humildade, prudência, pobreza, diálogo,
oração, fidelidade ao cumprimento das leis da Igreja, o martírio e o perdão que teriam sido
exalados do bispo no seu perecimento.
Para o frade carmelita, a morte de dom Expedito:
(...) foi a manifestação da sua vida íntima, pois uma morte daquelas não se improvisa,
antes, se prepara, lentamente, pela união permanente com Deus e pela prática cristã das
virtudes, da caridade e humildade, sobretudo, de envolta com a e a esperança. Um
homem que, ferido de morte, covarde e traiçoeiramente, não aceita essa morte, mas
corre presuroso, esquecido de si e lembrando-se unicamente da mão que contra ele se
levantara, à capela, para oferecer a sua vida pelo assassino, indica uma caridade heróica.
(...) Vida começada no lar, com a pobreza cristãmente suportada, continuada no
seminário, com o estudo e a oração, em que se revelou sempre um dos primeiros,
prolongada no ministério através do seu sacerdócio para, terminar, enfim, glorificada, no
episcopado, com o martírio que é a maior coroa que se pode colocar sobre a cabeça
humana.
120
Para esse autor, a glória do Antístite está na morte e como ela tocou o povo.
A glorificação do bispo mártir não se fez esperar aqui na terra. O povo foi o primeiro a
sentir o que perdia e a lamentar, de público, a perda de que fora vítima: de um pai que
amava esse povo sem demagogia e sem outro interesse que não fosse o seu bem estar
social e espiritual. Era de ver a tristeza que se apoderou daqueles homens simples que
acorreram ao palácio logo que souberam que o bispo fora ferido para, com a maior
simplicidade e naquele seu jeito de, aparentemente não fazer nada, mas, na realidade,
carregando com a maior parcela de sacrifício, levá-lo ao hospital, acompanhá-lo até os
seus derradeiros momentos, derramando, mais tarde, grimas sinceras sobre o seu
cadáver. O povo não abandonou o seu grande pastor para quem dera a vida por uma de
suas ovelhas.
119
PERÉA, frei Romeu. Dom Expedito: Bispo e Mártir. Recife-PE: Editora Flos Carmeli, 1958.
120
Ibid. p. 28.
(...) Foi completa a glorificação deste prelado, digno de sentar-se (...) em torno da mesa
onde tomaram seu lugar os mártires de Cristo que entregaram a sua vida em defesa das
leis da sua Igreja Santa.
121
Em 1959, publicou a segunda obra: A Morte de Dom Expedito.
122
Nela, novamente,
reflexões teológicas sobre o bispo e seu perecimento. Seis capítulos compõem o livro: A
Doutrina da Igreja, a Igreja e a Liberdade, a Igreja e o Direito, a Igreja e o Poder, a Igreja e o
Crime e a Igreja e o Assassino. Em todos, teias narrativas a enaltecer o bispo. Ambas as
obras do Carmelita objetivam, como ele mesmo ressalta, um exame de consciência nas
condutas dos fiéis e um volver-se para as doutrinas da Igreja. Os títulos, embora trazendo a
palavra Igreja, ao lê-los, entende-se que é dom Expedito: sua gestão diocesana e, sobretudo,
sua morte, enfim, a “Igreja” de quem nos fala o frade. Dom Expedito é apresentado nessas
linhas como a Igreja, portadora da verdade divina dada aos homens e mulheres.
Na página 141, o Carmelita conta:
A vítima, no nosso caso, foi um prelado que caiu não como um soberano desrespeitado,
mas como um soldado que resiste no lugar que lhe confiaram. O assassino foi um
sacerdote que, num momento infeliz, ergueu violentamente seu braço contra aquele a
quem devia obediência. Curvemo-nos com emoção ante a vítima, mas não atiremos
pedras sobre o assassino.
123
Encerra, então, essa obra, assinalando que somente as doutrinas da Igreja podem
orientar a nossa vida pública e privada, particular ou coletiva. Por isso, para o autor, é
necessário se inspirar na Igreja, no caso, nos gestos e palavras de dom Expedito para a
remissão dos pecados – do assassino e dos fiéis.
As considerações de Michel de Certeau
124
lançam luz para o entendimento da criação
de uma narrativa sobre o santo. O autor nos leva a compreender que o texto sobre ele fixa
uma etapa dentro da dinâmica da sua proliferação e disseminação social. A vida do santo, no
texto, articula um duplo movimento: o de distanciamento e, concomitantemente, do retorno às
suas origens. Esse duplo movimento da vida do santo no texto objetiva a unidade, porquanto
121
Ibid. p. 120.
122
PERÉA, frei Romeu. A Morte de Dom Expedito. Considerações em torno de um cadáver glorioso. Recife
PE: Editora Flos Carmeli, 1959.
123
Ibid. p. 141.
124
CERTEAU, Michel. A Escrita da História. Tradução de Maria de Lourdes Menezes. 2.ª ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2002, p. 266-278.
o grupo que o elege corre riscos de dispersar-se. Na vida do santo, contada no texto e em
dias festivos, articulam-se o extraordinário e o possível para compor uma narrativa embasada
na promoção do exemplo.
125
Os livros publicados favorecendo o bispo também apresentam essa dinâmica: partem
de sua infância, adolescência e fase adulta permeada por elementos que o identificam
como santo. Ele estava predestinado aos altares. Sua biografia escrita e contada de forma
linear busca essa harmonia para promovê-lo como um exemplo a ser cultuado e praticado. Os
textos sobre dom Expedito objetivam a unidade de posicionamentos e atitudes para com sua
morte e seu perdão, objetivando ainda, a ligação de outros corpos (dos fiéis) ao seu corpo,
formando a unidade da e na Igreja, da e na Diocese de Garanhuns. O dia em que é celebrado
o aniversário de sua morte (02 de julho) e o dia da abertura e encerramento de seu processo
de canonização consideram-se seus dias festivos. Neles, percebem-se narrativas que
abarcam a junção do possível e do extraordinário em sua vida, como a efetivação de milagres
por intermédio de sua intromissão, por exemplo.
126
A próxima obra a ser lançada sobre o crime contra dom Expedito ocorreu 35 anos
depois, em 1994. Ana Maria Ventura de Lira e César é a autora do livro. Seu pai, o Juiz
Amaro de Lira e César, foi quem coordenou a Comissão de Inquérito na época do crime. Ele
percorreu as cidades de Garanhuns, Quipapá e Correntes, tomando depoimentos para que
compusessem, junto com outros documentos, o processo crime do padre Hosana. O livro
chama-se A Bala e a Mitra. A bala significa, consoante ela, o “poder da força” e a Mitra, a
“força do poder”.
127
Conta a autora que, inicialmente, sua pretensão era escrever a biografia de seu pai,
um retirante da seca de 1915, que se tornou presidente do Tribunal de Justiça de
Pernambuco. Durante a labuta da biografia do pai, entretanto, deparou-se com documentos
guardados por ele referentes ao crime entre outros, um relatório da Comissão de Inquérito.
Lendo, relendo e se deliciando com aquelas informações, resolveu escrever acerca do
assunto. De posse dessa documentação, conta, ainda, que teve acesso a todo o processo do
125
Para Michel de Certeau, essa articulação entre o extraordinário e o possível no relato sobre a vida do santo
utiliza-se de recursos de metáforas para melhor se fazer entender. Ele diz: “O sangue é metáfora da graça. A
santificação dos príncipes e o enobrecimento dos santos estão em simetria, de texto para texto: essas operações
recíprocas instauram em hierarquia social uma exemplaridade religiosa e sacralizam uma ordem estabelecida
(tal é o caso de São Carlos Magno ou São Napoleão). Mas, igualmente, obedecem a um esquema escatológico
que inverta a ordem política para substituí-la pela celeste e transformam os pobres em reis. De fato existe
circularidade: uma ordem reconduz à outra (...)”. CERTEAU, Michel. A Escrita da História. Tradução de Maria
de Lourdes Menezes. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 273.
126
Nessas celebrações que homenagem dom Expedito (sua vida e, sobretudo, sua morte) é prática comum se
convidar algum fiel para narrar sua graça alcançada exatamente no momento da homilia da celebração, isto é,
no momento da reflexão sobre as leituras da bíblia e a relação que elas têm com a vida e morte do Antístite.
127
CÉSAR, Ana Maria. A Bala e a Mitra. Recife – PE: Edições Bagaço, 1994.
crime do padre Hosana na época da pesquisa estava ainda no Cartório de Execuções
Criminais. Ela, por ser filha de juiz, gozou do privilégio de levar o Processo Crime para casa e
ficar com ele durante seis meses, consultando-o para a feitura do livro. Em paralelo, realizou
algumas entrevistas com moradores de Quipapá, Correntes e Garanhuns - a autora mora no
Recife e também, junto com uma estudante de História, passou dias no Arquivo Público do
Estado de Pernambuco e na Fundação Joaquim Nabuco, consultando jornais da época.
Tentou muitas vezes, através de cartas, comunicar-se com padre Hosana, para falar
sobre o crime e dizer-lhe que estava escrevendo um livro. A resposta obtida foi que ele (padre
Hosana) também estava a escrever um livro que traria a sua versão sobre o crime e que
necessitava de uma editora para publicá-lo. Desde então, segundo Ana Maria César, o
sacerdote não mais respondia às suas cartas. Silenciou. Ela não insistiu mais.
Fez visitas às três cidades do interior de Pernambuco, citadas há pouco. Em Quipapá,
Ana Maria teve acesso a uma caixa com cartas do próprio punho de padre Hosana, cartas de
Maria José endereçadas ao sacerdote, cartas abertas aos paroquianos e vários outros
documentos. A guardiã desse material era justamente dona Maria de Lourdes de Oliveira,
uma das acusadas por padre Hosana de levar e trazer mexericos aos ouvidos do bispo. Ela
guardava esse material anos. Após o crime, dona Maria de Lourdes os encontrou no
quintal da casa do sacerdote e recolheu para si. Segundo Ana Maria César, dona Maria de
Lourdes doou o material para ela.
Cética quanto às entrevistas e muito fascinada diante dos documentos escritos
especialmente os ditos “oficiais”, como processo-crime e jornais, por exemplo a autora
refere-se às várias versões que encontrou no caminho para escrever seu livro.
(...) Chegaram a dizer. Várias pessoas diziam assim: ‘Ah, eu sei o crime! O Bispo tava
namorando com a amante do Padre! Isso várias pessoas me disseram. Isso foi,
possivelmente, uma versão que partiu do próprio povo, do imaginário mesmo popular e
cresceu, tomou rumo e tomou todo o espaço da outra versão, que é a verdadeira, que saiu
nos jornais da época, mas que as pessoas preferem, talvez é, se ligar às fontes populares
do que mesmo às fontes oficiais. Isso eu ouvi demais das pessoas, inclusive de pessoas
de nível. Porque, quanto eu dizia que ia falar sobre o assunto, eles diziam: ‘Ah, eu sei!’.
Então, falavam isso. O interessante é que, durante o trabalho da pesquisa, eu não
encontrei, nem mesmo nos três julgamentos, alguma coisa com relação a isso. Foi uma
inverdade absoluta! Eu não sei como surgiu! Eu diria que foi o próprio inconsciente popular
que criou e ela teve mais força que a própria versão oficial.
128
Noutro momento da entrevista, a autora diz:
(...) Em Quipapá me contaram que quando ela [Maria José] voltou do Congresso
Eucarístico Internacional [ocorrido em 1956, no Rio de Janeiro, então capital federal] ela
estava passando mal, já era muito doente. A Maria de Lourdes mesmo ajudava muito, dava
remédios a ela. Então, ela vomitava, ela estava muito fraca, quando ela voltou do
Congresso Eucarístico. Inclusive, as pessoas também falavam isso. (...) Ela desapareceu.
Então, eu não sabia se [o filho] tinha sido dele [Padre Hosana] ou não. Então, por isso, em
momento algum eu afirmei ou neguei [no livro]. Eu apenas narrei os fatos.
(...) Havia momentos em que eu me perguntava: ‘Dom
Expedito não teria sido rígido demais?’ Porque aquilo era uma fofoca da cidade. Poderia
ser um boato da cidade (...). Então, eu me perguntava: ‘Será que Dom Expedito não estava
dando ouvidos demais às fofocas?’. As pessoas começaram a falar novamente até o ponto
em que as estorinhas pegaram o trem e foram para o Palácio Episcopal. Tudo que saía de
Quipapá chegava aos ouvidos do bispo.
129
Em 1994, as Edições Bagaço, com sede no Recife PE, lançou o livro A Bala e a
Mitra, de Ana Maria sar. Um ano antes, a Academia Pernambucana de Letras havia
premiado a autora pelo ensaio do livro, que se chamava, inicialmente, O Crime que abalou o
Mundo.
Composto de trinta capítulos, o livro, todo ele, é uma escrita em favor do bispo, muito
embora tenha pretensão à imparcialidade. Antes de chegar na narrativa sobre o crime, a
autora fala um pouco das primeiras paróquias do sacerdote e dos dias em que antecederam o
crime.
Nas páginas 59 e 60, dando continuidade à narração do cotidiano da capela de Nossa
Senhora da Conceição, em Quipapá, cujo vigário era padre Hosana, a autora (des) qualifica-o
dessa forma:
128
Entrevista com Ana Maria César, autora do livro A Bala e a Mitra, editado em 1994, no Recife PE, pelas
Edições Bagaço. A entrevista deu-se em seu apartamento, na rua Apipucus, no bairro Apipucus, na capital
pernambucana; no dia 23 de agosto de 2003.
129
Idem.
(...) Às sete horas a igreja estava cheia. Filhas de Maria, fita azul e branca ao peito,
ocupavam os primeiros bancos. No coro, separavam-se as partituras. Os minutos se
arrastavam. Acostumados aos atrasos do vigário, permaneciam em orações. Viravam o
rosto a qualquer ruído mais acentuado, cumprimentavam-se com acenos de cabeça e
sorrisos. Às sete e meia já se mostrava sinais de inquietação. Cochichos a meia voz
percorriam as naves e em crescente disputavam espaço com o choro de crianças.
Murmurava-se à boca pequena casos acontecidos na paróquia. Ausências repetidas do
vigário em viagens à sua fazenda. Moribundos sem extrema-unção. Crianças sem
catecismo. Os ofícios da igreja celebrados em descontínuo, sem o necessário desvelo. E
um certo procedimento a suscitar maledicência [sua relação amorosa com Maria José].
Aturdidos, os paroquianos comentavam. Andava armado, o Padre Hosana (...). O púlpito,
ele [padre Hosana] utilizava para atacar desafetos, narrar casos pessoais de perseguição.
Algumas pessoas começaram a se retirar. Mulheres dobravam o véu. Desciam a rua
comentando ainda os desmandos do vigário. Em frente à casa paroquial, cumprimentavam
Maria José, prima de Padre Hosana, e seguiam adiante (...). Reparam que desde que
regressara do Congresso Eucarístico Internacional, no Rio de Janeiro, a que assistira em
companhia do primo, parecia mais pálida. E tão pálida já era.
130
Oposta à criação de uma narrativa que atribui certas qualidades ao padre, está a
imagem ordenada e linear do bispo: sua preocupação em resolver os problemas da Diocese,
em especial os casos amorosos de padre Hosana, o apego à oração para enfrentar tais
problemas, o medo e a paciência do bispo diante deles. Tudo, no texto de Ana Maria César,
leva o leitor para o lado do bispo. Nas páginas 69 e 70, a autora expõe sobre a carta do bispo
ao padre, como se ela tivesse a capacidade de recompor detalhes, como se fosse possível
voltar no tempo e observar os fatos e os motivos mais íntimos das pessoas, como se fosse
possível revelar o que realmente aconteceu:
(...) Dom Expedito abriu as janelas em bandas. Fisionomia tensa assomou no
quadrilátero. A tez morena se desfazendo em palidez. Toda a noite, um pesadelo;
entrecortado de orações. Olhou o céu, em nada se parecia ao de sua infância (...). Voltou à
escrivaninha. Releu a carta que acabara de escrever e a colocou em envelope endereçado
ao pároco de Quipapá.
131
130
CÉSAR, Ana Maria. A Bala e a Mitra. Recife – PE: Edições Bagaço, 1994, p. 59-60.
131
Ibid. p. 69-70.
É uma escrita que situa o bispo dentro de um tempo linear e sagrado: a vida do bispo
era uma vida de santo. Trata-se de uma narrativa com características do relato hagiográfico.
Nas páginas seguintes, especificamente na 76, retoma a descrição do cuidado e
medo do bispo ante a tentativa de resolução para com o caso de Padre Hosana.
(...) Cobriam toda a largura do quarto os passos do pastor. Entre a cama e a
escrivaninha, corredor percorrido em orações nos momentos de inquietude (...). Rezou as
preces e intercessões próprias do dia; o Pai-Nosso, a oração conclusiva. Fechou o
breviário. Caminhou até a janela (...). Mas, em verdade, o prelado se debatia em
indagações mais complexas. Havia uma ovelha desgarrada e um rebanho. Fazia-se
preciso cuidar de ambos. Trazer a ovelha ao seu verdadeiro pasto. Apascentar o rebanho
que lhe fora confiado. Epíscopos, do original grego, que significa guardião. Guardião da
e dos bons costumes.
132
Na página 94, encontra-se o que considero o ápice da defesa que faz Ana Maria
César de dom Expedito. Desde essa página, ela conta o crime – no seu calor da hora. No seu
texto (e na sua fala, quando com ela travei entrevista para esta pesquisa), exaltação do
bispo, embora ela negue.
Depois que dom Expedito foi alvejado com os três tiros, ele foi para a capelinha que
tinha no interior do seu palácio, rezou e esperou ajuda; ferido, caído ao chão. Observemos
como Ana Maria César descreve a agonia do Antístite.
[Após os disparos] O palácio episcopal mergulhou em silêncio. Dom Expedito
retrocedeu nos próprios passos, dirigiu-se à capela junto à porta da entrada. Vergou os
joelhos frente ao altar, olhos no Cristo vivo, pão consubstanciado no sacrário (...).
Genuflexo, o príncipe da Igreja rezava. As mãos postas em oração se contorciam, no
esforço em superar a matéria visão aterradora do aniquilamento físico. Nenhum
sentimento de ódio deveria arranhar-lhe a alma; nenhuma ligação terrena turvar-lhe a
espiritualidade. Não se poderia afastar do preceito máximo do amor e perdão. Pediu
132
Ibid. p. 76.
aceitação plena dos desígnios do céu. Pediu pela sua ovelha desgarrada, pela sua
diocese. Para si, apenas o martírio, larga porta da casa do Senhor. Faltavam-lhe as forças.
Ao do altar, em toda a largura do estrado, deitou-se, cabeça virada para o Evangelho.
133
Em julho de 2007, portanto, treze anos depois, Ana Maria César lança a segunda
edição do seu livro dentro das comemorações dos 50 anos de morte de dom Expedito. Foi
celebrada, dia 02 de julho de 2007, uma missa na Catedral de Santo Antônio, em Garanhuns-
PE, para homenagear o aniversário de morte daquele bispo. O slogan posto em cartazes,
“santinhos” e livros de cânticos era “Dom Expedito Lopes: 50 anos no céu”. Na oportunidade
e, dentro da programação, estava o relançamento do livro de Ana Maria César.
Na segunda edição um diferencial: a autora acrescenta dois capítulos um
narrando sobre o assassinato de padre Hosana e outro exclusivamente fazendo comentários
sobre uma carta escrita em 1956 por Maria José Martins, endereçada a dom Expedito,
contando sobre seu caso amoroso com o padre Hosana. Para Ana Maria César, a carta veio
confirmar sua convicção de que dom Expedito estava correto, há 50 anos.
134
Na carta que Maria José endereçou ao padre Rodolfo Lamprecht, consta que foi
escrita em Quipapá-PE, em 03 de novembro de 1955. A missiva foi repassada a dom
Expedito pelo sacerdote em 11 de novembro de 1955. Padre Rodolfo Lamprecht se dirige,
desta forma, a dom Expedito:
Exm.º Sr. Dom Francisco:
Sinto-me obrigado na consciência e na caridade de comunicar a V.Exm.ª estes fatos
para que o Exm.º Sr possa tomar providências e evitar conseqüências mais nefastas.
Durante o Congresso Eucarístico Internacional, no Rio, ouvi confissões. Chegou
também uma moça, que necessitamenteme contou a vida dela. Fiquei em correspondência
com ela e ontem recebi a carta com os dados necessários e a licença de falar.
Trata-se do Rvm.º Sr. Vigário de Quipapá Padre Hosana de Siqueira e Silva. A moça
era empregada dele, parente do 3.º ou 4.º grau. Desde cinco ou sete anos ele abusava
133
Ibid. p. 94.
134
Essa carta foi-lhe entregue por um professor da Universidade de Tolouse, chamado Richard Marin. Este
pesquisador, muito antes de ser instaurado o Tribunal para a Beatificação e Canonização de dom Expedito
Lopes, teve acesso aos arquivos da Cúria Diocesana de Garanhuns e encontrou tal carta. Ele tinha privilégios,
como pesquisador, junto à Diocese de Garanhuns. Uma cópia da carta foi cedida a Ana Maria César; que cedeu
uma cópia para frei Francisco Fernando da Silva e este deu-me uma cópia para esta pesquisa.
dela semanalmente. Ela ficou grávida e ele mandou extrair a criança. Ela fez isto. Agora
ela está grávida de novo e ele mandou mais uma vez abortar, o que ela não fez por causa
da minha intervenção. Ela fugiu e cuidei desta pobre moça. Pago a viagem para ela e
arranjo lugar numa boa família para a mãe e a criança. O que eu acho mais grave neste
caso é que o Padre Hosana, por muitas vezes absolvia a moça ou a mandou confessar
com um padre ‘amigo’ dele, e que ele sempre dizia para ela que isso não é pecado, mas
natural, e que todos fazem isso. Na carta dela, de 03 de Novembro deste ano, ela escreve
assim: (...).
135
E padre Rodolfo Lamprecht abre aspas em seu texto e expressa, o que se espera ser
na íntegra, a carta de Maria José.
Trechos da carta de Maria José Martins:
(...) Meu relacionamento com Padre Hosana começou em 1948 quando ele, por ser meu
parente, resolveu me trazer para passar um tempo com ele ajudando na casa paroquial de
Quipapá e mandou para eu estudar no Colégio Nossa Senhora de Lourdes em Palmares.
Mas, quando fui já tinha sido enganada e deflorada por ele.
(...) Em 1952 voltei para Quipapá e Hosana continuou a manter relações sexuais comigo
semanalmente. Ele me convenceu uma vez a interromper a gravidez, e agora quis obrigar-
me a abortar de novo e eu não concordei; e obrigava também a não contar para o
confessor que estava tendo relações com ele. Ele me convencia também que aquilo não
era pecado grave. Ele próprio me absolvia dos meus pecados e permitia que eu me
confessasse com ele e com um outro padre amigo dele com quem havia combinado e ele
[o outro padre] sabia de tudo por ter uma vida errada como a dele (...).
(...) No início de 1955 chegou a nova empregada chamada Quitéria. Ele começou a
fazer as mesmas coisas com ela. Começaram os desentendimentos entre mim e Quitéria
ela espalhou na cidade a notícia de que eu estou grávida para limpar o nome dela. (...) Ele
me batia muitas vezes e me trancava num quarto fechado. Eu estava terrivelmente
desesperada e deprimida. Eu mesma pensei muitas vezes em me suicidar e até dizia isso
como chantagem contra a presença da minha rival.
Eu queria ir para o Congresso Eucarístico no Rio de Janeiro como forma de me
confessar com outro padre e até de fugir daquela ocasião. Ele permitiu que eu viajasse
135
Carta do padre Rodolfo Lamprecht endereçada a dom Expedito Lopes. Por sua vez, o padre repassa para
dom Expedito uma epístola escrita por Maria José Martins recontando seu caso amoroso com padre Hosana de
Siqueira e Silva, as chantagens e maus tratos que sofria. Como confessor de Maria José, no Rio de Janeiro,
sentia-se na obrigação de passar ao bispo dom Expedito o que ouviu em segredo de confissão, mas, sem
quebrar o juramento desse sacramento.
com ele se eu assinasse um documento jurando que no meu retorno eu aceitava a
presença de Quitéria na Casa Paroquial (...).
136
Mesmo dizendo sofrer de maus-tratos e chantagens, e de já ter pensado em querer a
morte, Maria José não deseja vingança para padre Hosana. Ao contrário, quer que não lhe
aconteça nada de mal, e sim que o bispo afaste Quitéria da casa, para ela, pivô das fraquezas
do padre.
(...) Eu queria pedir que o bispo compreendesse as suas fraquezas, não lhe tirasse a
paróquia que é a coisa que ele mais ama. Ele cumpre todos os seus deveres e suas
obrigações de vigário. Vossa Excelência verá que ele tem um bom coração e cheio de
piedade. O essencial e mais importante é afastar Quitéria da casa dele porque ela é para
ele uma tentação. Se eu estivesse mais perto, eu a iria procurar, e mesmo à força, eu a
levaria para um asilo do Bom Pastor, recomendando às religiosas que não a deixem mais
sair, e assim tudo estaria resolvido.
Estou lhe enviando esta carta e esperando um momento oportuno para viajar para Belo
Horizonte onde com sua [do padre Rodolfo Lamprecht] ajuda e das Irmãs pretendo ter meu
filho longe dos boatos e das perseguições que agora sofro.
Com o coração agradecido, peço-vos a vossa bênção.
Maria José Martins
137
Se a carta é mesmo de autoria de Maria José ou se foi escrita pelo próprio padre
Lamprecht com base na narrativa daquela mulher no confessionário não se sabe ao certo.
Provar sua veracidade não é o meu objetivo aqui. O que importa, nesse sentido, é o valor
máximo que Ana Maria César a essa carta. A confissão de Maria José reforça, para Ana
Maria César, a imaculada imagem do bispo, pois ele agiu corretamente, baseado não em
fofocas, mas na verdade.
Os dois capítulos acrescentados em seu livro chamam-se, respectivamente, “Novos
Tempos” e “Verdades Antigas”. Novos tempos abarca a narrativa do assassinato do padre e
sobre a formação do Tribunal para a Causa da Beatificação e Canonização de dom Expedito.
Já nas “verdades antigas”, há a defesa do bispo com suporte na carta de Maria José.
136
Carta de Maria José Martins endereçada ao seu confessor padre Rodolfo Lamprecht, no Rio de Janeiro. Cópia
cedida a mim por frei Francisco Fernando da Silva, canonista e juiz delegado do Tribunal Diocesano para a
Causa de Beatificação e Canonização de dom Expedito Lopes.
137
Idem.
Nas páginas 346 e 347 da segunda edição de seu livro A Bala e a Mitra, a autora
aumenta sua defesa diante do bispo:
Quando Dom Expedito, em fins de Novembro de 1955, escreveu a Hosana propondo
seu afastamento da paróquia, falava apenas em denúncia chegada ao seu conhecimento.
Não apresentava nenhum fato concreto. Nenhum documento. Mas, se encontrava de
posse da verdade [a carta de Maria José] (...). Percebe-se também que o prelado debate-
se todo o tempo entre a necessidade de agir apoiado na certeza dos fatos que eram do
seu conhecimento ou manter a postura de sabedor apenas dos rumores, comentários,
firmando sua decisão de afastar o Pároco de Quipapá na inobservância dos preceitos
canônicos. Hoje, conhecendo-se a verdade que Dom Expedito possuía aquela época
nos perguntamos quão grande deve ter sido a angústia do prelado em agir com rigor sem
apresentar novas provas, em guardar para si tão cruel segredo sem dividi-lo com seus
sacerdotes.
138
Longe está a minha preocupação de saber a veracidade desta carta, repito. Em uma
perspectiva da História Social da Memória, meu interesse é refletir sobre o uso que a escritora
promove para inserir esse documento na defesa do bispo. Na entrevista que tivemos, em
agosto de 2006, em sua residência, ela se referia a esta carta com muita sede de tê-la em
mãos, para incorporá-la à feitura da segunda versão de seu livro:
(...) [O [Professor] Richard me contou que era essa carta, a cópia dessa carta que ele
possuía para o livro que ele está escrevendo sobre dom Expedito. Eu estou em busca
desse documento, que é de uma importância tremenda, porque no livro todo em momento
algum eu passei a certeza, afirmativa ou negativa. Então, eu não sabia se tinha sido dele
[padre Hosana] o filho ou não. Então, por isso, em momento algum eu afirmei ou neguei.
Eu apenas narrei os fatos. E agora isso me chega e é muito importante (...). Então, se eu
tivesse essa informação [a carta de Maria José ao padre no Rio de Janeiro], eu teria
podido defender dom Expedito. Ficou assim como um bispo um pouco rígido por ter
tomado as atitudes que tomou afastando o padre apenas por boatos. Hoje, eu sabendo
que ele tinha em mãos uma carta de Maria José ao padre no Rio de Janeiro, confessando
138
CÉSAR, Ana Maria. A Bala e a Mitra: Novos Tempos. Verdades Antigas. 2.ª ed. Recife-PE: Edições Bagaço,
2007, p. 346-347.
exatamente que estava grávida do Hosana e que tinha feito um aborto, isto daria a dom
Expedito o direito de tomar, inclusive, atitudes bem mais drásticas.
139
O fato é que o lançamento do livro trouxe de volta à superfície o crime: suas
lembranças e esquecimentos. O lançamento foi acompanhado pelos jornais pernambucanos.
Foram feitas entrevistas com a autora. Inclusive, ela esteve no Programa Sem Censura, da
Jornalista Leda Nagle, da TVE do Rio de Janeiro, para falar sobre o assunto.
Rebatendo a escrita de Ana Maria César, veio em 1998 o livro escrito pela jornalista
Taíza Brito, do Jornal do Comércio. Na época do lançamento da primeira edição, de A Bala e
a Mitra (1994), Taíza Brito trabalhava na TV Asa Branca, afiliada da Rede Globo, com uma
equipe sediada em Garanhuns. Foi escalada para visitar padre Hosana em seu sítio, distante
12 quilômetros do Município de Correntes, sua terra natal, para gravar uma entrevista com ele
e saber sua opinião sobre o livro de Ana Maria César. Conforme Taiza Brito, inicialmente, ele
estranhou, mas concedeu a entrevista.
(...) Daí, a gente começou a conversar informalmente com ele (...). Então, pela própria
curiosidade de repórter, a gente perguntou se ele não tinha vontade de contar aquela
história. foi uma conversa longa (...). Ele disse que tinha escrito sobre a história e nunca
ninguém publicou, que ele nunca tinha sido ouvido. Falou que Ana Maria César o procurou,
tentou falar com ele, mas ele não quis. Porque, segundo ele, ela contava a história da
forma que ele não concordava, por isso ele não deixou espaço, ele barrou o diálogo com
ela. Naquele momento, eu perguntei se ele se interessava em contar aquela história, de
dar entrevistas, que resultasse num livro. Então, voltei e fiz uma proposta: ouvi-lo, gravar e
ler o que ele tinha escrito e reunir aquilo e procurar uma editora para oferecer a história,
que eu faria esse intermédio, e que ele contasse a história e que a gente poderia
estabelecer isso com documento; os termos da própria operação de fazer e transcrever as
entrevistas e ele ler o que estava sendo escrito. Ele aceitou e a gente combinou.
140
139
Entevista com Ana Maria César. A entrevista deu-se em seu apartamento, na rua Apipucus, no bairro
Apipucus, na capital pernambucana; no dia 23 de agosto de 2003.
140
Entevista com Taíza Brito, autora do livro A Confissão do Padre Hosana, editado em 1998, no Recife PE,
pelas Edições Bagaço. A entrevista deu-se nas dependências do Jornal do Comércio, na capital pernambucana;
no dia 26 de agosto de 2003.
E ambos começaram a ter contatos para entrevistas. Ele repassava paras ela os
textos que tinha escrito durante o tempo em que estava preso. Ele denominava esses escritos
de “Meu Diário Secreto”. Era seu troféu.
Taíza Brito também procurou o Arquivo Público do Estado, o arquivo particular de
Juarez Vieira da Cunha, advogado do sacerdote nos dois primeiros julgamentos. Com o
advogado, ela teve acesso a exemplares da Revista O Cruzeiro, que cobriu todo o crime e os
julgamentos; como também às gravações, em fitas, dos julgamentos do padre e alguns
recortes de jornais da época noticiando o crime e os julgamentos; também, o depoimento do
próprio advogado.
De posse desse punhado de fontes, começou a escrita de seu livro e, vez por outra,
mandava o que havia escrito para o sacerdote revisar. Nesse percurso, conta Taiza Brito,
foi transferida para trabalhar no Jornal do Comércio, no Recife (o que dificultou ainda mais
seus encontros com o sacerdote e atrasou também sua escrita). Nestas circunstâncias, o livro
ficou pronto somente em 1998. O sacerdote foi assassinado em novembro de 1997. Portanto,
não chegou a conhecer sua vida no papel.
(...) Foi quando ele faleceu. Inclusive, as matérias do falecimento dele – como o pessoal
sabia que eu estava escrevendo fui eu que escrevi. Fiz o histórico para o Jornal [do
Comércio]. O Jornal fez uma cobertura grande e a partir daí, eu achei que teria que correr
o tempo para lançá-lo. A memória dele merecia. Escrever um livro não era fácil. É lento.
Daí, pedi férias para o Jornal e usei todo o tempo para complementar, escrever e concluir o
livro. tinha conseguido a editora para o livro. Acabou assim, sendo o último capítulo o
relato da morte dele (...).
141
Indaguei-lhe sobre como o sacerdote se portava, ao relembrar o crime, no momento
das entrevistas. Ela respondeu que ele se mostrava inquieto e indignado. Para ele, o bispo
tinha provocado tudo aquilo, repetia que ele nunca tinha direito a defesa, que nunca foi
ouvido, que não davam chance para ele se defender. Foi isso que o levou a atitudes
extremas. Taiza Brito assinala que o sacerdote exibia por palavras e gestos um misto de
amargura e inquietude. “Ele queria que a história dele fosse ouvida e que, de alguma forma,
as pessoas o entendessem. Apesar de ter sido um crime forte”, conclui a jornalista.
141
Idem.
O livro A confissão do Padre Hosana
142
foi lançado em 1998, pela mesma casa que
editou o de Ana Maria César: Edições Bagaço. Nele um posicionamento a favor do padre.
Foi escrito com a colaboração dele. Está, portanto, do outro lado nesse campo de guerra
entre livros. Tem uma linguagem mais direta e clara, porém, nos momentos de descrever as
sensações do padre, Taiza Brito tenta captar sua subjetividade e pô-la no texto para
sensibilizar o leitor. Tenta situar o leitor no lugar do sacerdote. Procura experimentar suas
possíveis sensações e medos naquela agonia de tempos de outrora. É como se fosse
possível trazer o passado para o presente.
Logo na apresentação do livro, a jornalista deixa clara sua intenção: dar voz ao padre
e estender sua versão sobre o crime. Nesse sentido, o livro de Taíza é semelhante ao de Ana
Maria. Pode-se considerar que seu “livro reportagem”, conforme ela mesma o chama, teve um
alvo certo: rebater a escrita de Ana Maria César. Inquieta-se Taíza Brito:
(...) Era de se estranhar, como jornalista, que até então ninguém tivesse se interessado
em relatar a história contada pelo padre, que havia matado seu superior hierárquico em
Garanhuns no final da cada de 50 o terceiro caso desta natureza no mundo -,
principalmente quando ele dizia que tinha muito a revelar.
Aceitei o desafio e combinamos que, dali em diante, iríamos colocar tudo que ele tinha a
dizer no papel. Até o compromisso de que teria aquela história com exclusividade, o que foi
feito posteriormente através de um contrato e uma procuração, registrados em cartório.
Muito havia sido escrito sobre o caso, que foi amplamente noticiado pela imprensa
pernambucana, nacional e mundial, entre os anos de 1957 e 1968. Também foram
lançados livros sobre o Padre Hosana, que, em nenhum deles, ele, o acusado, foi
ouvido. Em todas as versões da história o Padre Hosana figurava como vilão, sempre visto
pelos ‘olhos cegos da Justiça’ ou pela ‘beatitude’ de alguns católicos (...).
143
Começa, então, a escrita favorecendo o sacerdote. Uma literatura de ataque e defesa.
Composto por onze capítulos, traz uma biografia de Hosana: sua infância na cidade de
Correntes, seu comportamento e relacionamento com os pais e irmãos, seu comportamento
da escola e no seminário; sempre considerando-o um rapaz de confiança, correto na
realização de suas responsabilidades. Quando narra algum episódio em que o sacerdote se
metia em alguma confusão, ele assume o papel de tima da situação posta. Os capítulos
também narram o crime e os três julgamentos. Nesse momento, a jornalista prima por uma
142
BRITO, Taíza. A Confissão do Padre Hosana. Recife – PE: Edições Bagaço, 1998.
143
BRITO, Taíza. A Confissão do Padre Hosana. Recife – PE: Edições Bagaço, 1998, p. 13-14.
narrativa em que põe em relevo o bom comportamento do padre durante a prisão, os
julgamentos. E descreve o “apoio que ele recebera através de aplausos e assobios da
imensa platéia presente aos julgamentos. Para o padre e para a jornalista, sintoma de que o
povo estava do lado da verdade.
Seguindo, mais ao final do livro, a jornalista prima por contar a liberdade condicional
do padre; o “modo simples” como ele vivia em sua fazenda, na zona rural do Município de
Correntes. Finda o livro lamentando o seu assassinato, em novembro de 1997, dizendo,
inclusive, que o livro é uma forma de saudar sua memória.
No capítulo 01, “Cenas de uma tragédia”, Taíza Brito se dispõe a descrever o dia do
crime: 1.º de julho de 1957. Tentando mostrar ao leitor as aflições do sacerdote naquele dia, a
jornalista veste-o com palavras de lamentação.
Naquela segunda-feira chuvosa de 1.º de Julho de 1957 o Padre Hosana de Siqueira e
Silva (...) acordara com o coração apertado. Quase não conseguiu dormir durante a noite.
Não se conformava com os últimos acontecimentos, que ameaçavam manchar sua
reputação sacerdotal e de homem cumpridor de seus deveres. Tudo por conta de boatos
surgidos dentro de sua própria paróquia (...). Milhares de fiéis de toda a região e até em
outros estados nordestinos iriam tomar conhecimento de sua situação, que naquele
horário, era grande a audiência da Rádio Difusora, que à época era o veículo de
comunicação de maior penetração junto à população dos municípios agrestinos (...). Pediu
a Deus que o iluminasse e que tudo terminasse bem. tinha feito tantas tentativas na
intenção de dissuadir Dom Expedito a ouvi-lo e a verificar ele próprio todas as denúncias e
boatos que surgiram. O que mais o perturbava é que pouco adiantaram os seus esforços.
O bispo preferiu levar em consideração os comentários alheios (...). Um turbilhão de
imagens se formava em sua mente. Era tanta ansiedade que nem prestou atenção à
paisagem do caminho que fez de trem, entre Quipapá e Garanhuns (...). Como planejara,
ainda pediu alguns irmãos do convento [Mosteiro de São Bento, em Garanhuns] que
intercedesse a seu favor junto ao Bispo, mas foi dissuadido a esquecer aquela história (...).
144
Seguindo o modelo narrativo que Ana Maria usou para defender o bispo, assassinado,
Taíza tenta revelar os mais íntimos sentimentos do padre assassino. No mesmo capítulo, na
página 20, Taíza narra o quadro emocional do padre: de homem passível ao descontrole,
como qualquer outro, quando tem sua “honra ferida”, sua imagem maculada por boatos e
144
Ibid. p. 17-19.
rumores de alguns dissabores seus existentes em sua paróquia. Um quadro emocional
fragilizado que levaria qualquer homem na sua situação a atitudes extremas:
(...) Tinha o coração acelerado e tentava arrumar os pensamentos. Bateu à porta do
Palácio por três vezes seguidas. Suava muito. Já se passava das 18 horas e mais uma vez
os anjinhos tinham dito Amém na hora da Ave-Maria (...). Pensava como estaria se
sentindo Dona Olindina, sua mãe, católica fervorosa, que tanto se orgulhava do filho padre.
Também, em que situação deveria se encontrar o pai, Seu Modesto, homem de palavra,
que muito se empenhou para vê-lo no caminho do sacerdócio. Sem falar nos irmãos e
amigos que, àquela altura, estariam atônitos com a notícia [do possível concubinato].
Recordava o quanto se esforçou para se tornar sacerdote e todas as dificuldades que tinha
enfrentado para alcançar seu objetivo. Gostava muito do que fazia (...) Perguntava-se
como podiam estar lhe tirando das mãos toda uma carreira, toda uma vida dedicada à
salvação das almas.
145
O recurso narrativo da jornalista recorreu à figura da mãe, do pai e dos irmãos à
família. Reportou-se à honra da carreira conseguida com sacrifício e à iminente destruição em
poucos segundos. Recorreu à honra “ferida”, fios narrativos que tocam nas esferas mais
sensíveis: família e honra.
Taíza Brito faz questão de contar que o sacerdote, preso, de odiado por muitos,
começou a capturar para si admiração e curiosidade de muitos, inclusive, de “pessoas
ilustres” médicos, dentistas, engenheiros, entre outros - que iam visitá-lo na prisão para
prestar-lhe solidariedade.
Nas páginas 82 e 83, Taíza conta um fato curioso: para padre Hosana, os principais
responsáveis pelo leva-e-traz de fuxicos e boatos aos ouvidos do bispo eram da família
Gonzaga Luiz Gonzaga de Oliveira, ex-sacristão da Paróquia de Quipapá, e seus filhos
Maria de Lourdes de Oliveira Pereira e Luiz Gonzaga da Rocha Oliveira, mais conhecido
como Zito. O sacerdote acusa-os insistentemente de espalhar os boatos. Isso se deu porque
padre Hosana, após assumir a paróquia, destituiu Luiz Gonzaga (o pai) das funções de
sacristão e coroinha; porque sabia da sua fama de fuxiqueiro. Isso teria sido o pivô da
conflituosa relação que travavam. A jornalista assegura, em tom de lamentação, que “nenhum
dos três integrantes da família pode dar a sua versão dos fatos, dado que já faleceram.
146
145
Ibid. p. 20.
146
Ibid. p. 83.
No entanto, dona Maria de Lourdes de Oliveira ainda está viva. Em 2005, um grupo
de estudantes de Jornalismo da UNICAP (Universidade Católica de Pernambuco) realizou,
como trabalho de conclusão de curso, um documentário sobre o crime do Padre Hosana,
chamado Batinas Tintas de Sangue. O crime do Padre Hosana. Nele, Dona Maria de Lourdes
figura entre outros depoentes.
No documentário, dona Maria de Lourdes conta:
Ele [padre Hosana] quando chegou aqui, ele era diferente. Era uma pessoa
extremamente nervosa e agressiva. E ele, quando chegou aqui, ele veio de Panelas [PE].
Agora, o tempo que ele passou ele era, assim, assim, num era uma pessoa tão mal.
Celebrava a missa, tudo isso. Mas sempre com aquela maneira muito agressiva (...). O
boato que surgiu é que ela [Maria José] estaria esperando um filho dele. No dia primeiro de
julho [de 1957] ele fez um sermão horroroso! Maltratando muito o bispo! Dizendo que não
se submetia a autoridade do bispo. Que o bispo era um pobretão, tinha nascido num berço
de mulambo e tinha estudado de esmola e que não iria se submeter a autoridade de uma
pessoa dessa. Chegou a dizer assim: ‘O sangue no meio da perna, mas não me
submeto a autoridade desse que, há dois anos, vem desgovernando a diocese’.
147
O Tribunal Diocesano para a causa de Beatificação e Canonização de dom Expedito
Lopes, em sua peregrinação pelas cidades para obter depoimentos, também colheu o de
dona Maria de Lourdes de Oliveira, moradora de Quipapá-PE.
No último capítulo, denominado De volta pra casa, Taíza Brito fala da liberdade
condicional do padre, de como viveu seus últimos anos de “forma simples” e “sempre bem
quisto por todos” e sobre seu assassinato. Reforça a idéia de que ele era bem educado e
não guardava comportamentos de homem violento, descontrolado. Ele era indignado com o
destino que tomou sua vida.
Na página 215, Taíza Brito abre mais um espaço para padre Hosana falar sua
indignação:
(...) Nunca pude dizer uma palavra em minha defesa, por isto tenho que publicar o
meu livro para que o mundo saiba o que na verdade aconteceu. Não posso passar para a
história como um vilão ou como um monstro. Se tenho defeitos, e os admito, é bem
147
Depoimento de dona Maria de Lourdes de Oliveira. In: Documentário Batinas tintas de sangue: o crime do
padre Hosana. Produzido pelos alunos do Curso de Jornalismo da UNICAP (Universidade Católica de
Pernambuco). Trabalho de conclusão do curso. Cópia cedida por Kele Gualberto, produtora do documentário e
uma das alunas do curso. Recife-PE, 2005.
verdade que também tenho virtudes. Mesmo que estas sejam pequenas como uma gota
d’água no oceano. O que eu passei foi um Calvário. Sou padre mas sou humano e como
tal sou susceptível a cometer falhas quando pressionado (...).
148
E por fim, no último parágrafo do livro, vem o desfecho de sua defesa ao padre:
(...) Demonstrou, contudo, dentro do seu mundo, ser útil à sociedade, cortês, não
delinqüir jamais, fiel aos princípios religiosos (especialmente o celibato), humilde e
trabalhador. Tudo isto, sem deixar de transparecer o seu caráter impetuoso e forte
temperamento, a ponto de não se sentir constrangido diante de ninguém. Era um homem
desassombrado. Mesmo sendo também vitimado por um crime brutal, como o que
cometera, não despertou interesse algum na sociedade para que o fato fosse esclarecido
ou os culpados punidos. Usaram-se de dois pesos e duas medidas no seu caso, como
costumava dizer. Tornou-se, assim, vítima do seu próprio destino.
149
Atendendo ao meu pedido, durante os passos da presente pesquisa, a autora
selecionou (a contragosto meu) um punhado de material que utilizou na feitura de seu livro e,
dias depois, fui ao seu apartamento, no Recife, para buscá-lo e analisá-lo. Indaguei sobre as
fitas segundo ela, um total de quatorze fitas - que contêm as entrevistas com o sacerdote.
Disse-me que iria providenciar. Meu tempo esgotou naquela cidade e ela não entrou mais em
contato comigo para falarmos sobre as fitas. Tentei restabelecer contato. Não obtive retorno.
Compondo estas fontes, estava a obra Padre Hosana: Sacerdote e Réu,
150
não
editada e datilografada, cuja autoria é de Lindolfo Pereira de Lisboa, datada de 1962. Taíza
Brito diz que esse material chegou pelo correio à recepção do Jornal do Comércio, no Recife,
onde trabalha. Não havia remetente. Ela não sabe quem deixou, quem enviou e quem foi
Lindolfo Pereira de Lisboa. Acredita que, ao saberem que ela estava escrevendo um livro,
defendendo o sacerdote, alguém com intenções semelhantes teria deixado o material para ela
acrescentar ao livro, que ela não fez, pois o livro tinha sido concluído e mandado para a
editora.
No capítulo 01, Lindolfo Pereira de Lisboa começa a descrever como estava o
Tribunal de Justiça de Pernambuco no dia 20 de fevereiro de 1959, data do primeiro
148
Depoimento de Padre Hosana de Siqueira e Silva. In: BRITO, Taíza. A Confissão do Padre Hosana. Recife –
PE: Edições Bagaço, 1998, p. 215.
149
BRITO, Taíza. A Confissão do Padre Hosana. Recife – PE: Edições Bagaço, 1998, p. 222-223.
150
LISBOA, Lindolfo Pereira de. Padre Hosana: Sacerdote e Réu. Recife-PE: Documento não editado, 1962.
Cópia cedida por Taíza Brito. Recife-PE, agosto de 2006.
julgamento de padre Hosana. Narra o alvoroço das pessoas ali presentes para assistir à
sessão, como estava vestido o sacerdote: de batina branca e carregando um breviário e um
exemplar do Direito Canônico. Descreve ainda o alvoroço dos jornalistas. E vai rebatendo
todas as falas dos auxiliares de acusação do padre, os senhores Roque de Brito Alves e
Antônio de Brito Alves, acreditando e creditando na defesa do advogado do padre, o Dr.
Juarez Vieira da Cunha, um dos mais conhecidos advogados criminalistas do Recife de
outrora. Num dado momento, ele assegura que aquele julgamento foi o mais concorrido de
Pernambuco e do Brasil pela raridade do caso.
O Promotor blico e os auxiliares de acusação do sacerdote foram enfáticos em
suas acusações. O padre tinha premeditando o crime. Diziam que muitos paroquianos
presenciavam as viagens do padre no trem e que ele sempre andava armado. O autor repudia
essa afirmação da seguinte forma:
Julgam seus inimigos que aquela arma era para matar o senhor Bispo. Como são maus
os homens! Somente olham para o lado mau das coisas. Não pensaram que o padre era
um homem de carne e osso e, como tal, sujeito a ser agredido numa estrada, sobretudo
naquele lugar, onde tinha tantos inimigos. Pensaram logo que aquele revólver era para
assassinar Dom Expedito. Numa cidade do interior, um homem que vive constantemente
viajando, pode possuir sua arma, nenhum mal existe nisso. Essa arma lhe servirá para sua
defesa ou de outrem. Esta história de dizer que arma de padre é Rosário, é
demasiadamente infantil, obsoleta, superada. Quem quiser que ponha um Rosário no
pescoço e vá enfrentar um inimigo inescrupuloso (...) O corpo do padre é igual ao de todos
nós e, como tal, um Rosário não serve para sua defesa física como a balança não servirá
para a defesa da residência e da integridade física de um Advogado ou Juiz.
151
Para este autor, as denúncias de concubinato entre o padre e Maria José e,
posteriormente, Quitéria, feriam a honra do padre por não serem verídicas. A honra deste iria
ser ferida mais ainda com a leitura em pleno programa de rádio da nota de suspensão de
ordens. Isso, em sua concepção, era motivo suficiente para o transtorno e nervosismo do
padre e o desenrolar dos disparos.
Para dom Expedito, foram escritos textos exaltando seus últimos momentos de agonia
no leito de morte sendo, portanto, propagada uma memória oficial sobre sua soberania na
hora da morte. Para o padre Hosana também foi direcionada uma escrita que o evidencia: na
execução das atividades clericais e no seu compromisso com o celibato. Padre Hosana:
151
Ibid. p. 24.
Sacerdote e Réu é exemplo de uma interpretação do fato que não foi dada ao público pela
imprensa pernambucana. Até onde se sabe, não encontrei em nenhum periódico alguma
matéria que mencione o texto de Lindolfo Pereira de Lisboa.
No capítulo VI, ele trata de averiguar a fala de Juarez Vieira da Cunha. Conforme ele,
o advogado começou sua narrativa tecendo considerações sobre o envio de uma carta, feita
por ele mesmo, ao arcebispo de Olinda e Recife à época, dom Antônio Moraes de Almeida
Júnior, solicitando orientações para conduzir da melhor forma possível o caso. A resposta não
veio ao advogado. Juarez Vieira da Cunha teria narrado também os maus-tratos que o
sacerdote estava sofrendo na prisão: proibição, por dom Antônio, de visitas de outros padres
ao réu. Este era proibido de rezar missa e assistir a missas no cárcere, à leitura da
Excomunhão, proibido de usar batina e estava numa cela “miserável”.
O advogado de defesa teria sido informado que a péssima situação do padre no
cárcere foi uma medida tomada pelas “Irmãs de Caridade”. O autor revida:
Que espécie de caridade é essa das Irmãs de Caridade. Que espécie de caridade é
essa, caríssimas irmãs? As senhoras não possuem a Bíblia não? Nela as Reverendíssimas
Irmãs encontrarão muitas passagens da vida de Nosso Senhor Jesus Cristo em que Ele
manda perdoar todos os nossos semelhantes e toda sua Doutrina Maravilhosa é
marchetada [sic] com as pérolas divinas da caridade e do perdão. Por que não usaram da
caridade para com o pobre Padre Hosana? (...) Cuidado, caríssimas Irmãzinhas, lembrem-
se das palavras do Apóstolo São Paulo: “Se fordes capazes de falar a língua dos anjos e
dos homens e não tiverdes caridade, nada vos aproveitará”.
152
Por fim, Lindolfo Pereira de Lisboa intenciona levar um outro padre Hosana à
compreensão do povo: aquele que é vítima da perseguição de seu bispo e do clero de
Garanhuns e, por isso, empurrado a “um canto da parede como um ato de covardia,
brutalidade e selvageria e quantas outras barbaridades se possa mencionar
153
, como
defende. Para sustentar seu posicionamento, levanta questionamentos e direciona-os aos
mais variados exemplos de não-cumprimento da presente na vida religiosa pernambucana,
isto é, citando as Irmãs da Caridade, as beatas, os “ratos das sacristias” e os que ele chama
de “hipócritas”. Para o autor, os exemplos de outros comportamentos dentro e fora da Igreja
152
Ibid. p. 36.
153
Ibid. p. 37.
justificam a injustiça para com o caso de Padre Hosana. Nessa guerra dos livros, está do lado
do sacerdote.
Se, nos anos de 1958 e 1959, frei Romeu Peréa escreveu suas obras (focalizando a
morte de dom Expedito, envolvendo-a de reflexões teológicas), em 2007, precisamente no
mês de julho, dentro das comemorações dos 50 anos de morte do bispo, frei Francisco
Fernando da Silva (canonista e juiz delegado do Tribunal Diocesano para a Canonização de
dom Expedito) lançou sua escrita, denominada Vida de dom Expedito Lopes: bispo Mártir de
Garanhuns, pela Edições Bagaço
154
. Inclusive, no capítulo 01, frei Francisco diz que seu
interesse e curiosidade por essa história partiu da leitura que fez dos livros de frei Romeu
Peréa. Na ocasião, fez par com Ana Maria César, que lançou a segunda edição de A Bala e a
Mitra.
O foco de sua escrita é a vida do Antístite: sua infância em Sobral-CE, no Seminário
São José, também em Sobral, seus estudos no Seminário da Prainha, em Fortaleza; no
Colégio Pio-Brasileiro, em Roma; seu governo na Diocese de Oeiras PI, para onde foi
consagrado o primeiro bispo daquelas terras e, por fim, seus dois anos de governo na
Diocese de Garanhuns. Seu trabalho catequético, evangelizador, missionário e os problemas
enfrentados com as “más condutas” dos sacerdotes, dentre eles, padre Hosana. Quatorze
capítulos compõem o volume de 469 páginas. Apenas os capítulos XI, XII e XIII quebram a
linearidade e uniformidade da biografia do bispo, pois estes são dedicados mais precisamente
ao Padre Hosana, de forma a depreciá-lo.
Frei Francisco rebate o livro de Taíza Brito, afirmando que a jornalista escreveu com
base em mentiras do padre. Confronta também a tese de legítima defesa da honra, levantada
pelo advogado de defesa do padre, Juarez Vieira da Cunha, nos dois primeiros julgamentos
do sacerdote, 1959 e 1960. Para tanto, também usa a carta que Maria José escreveu para
dom Expedito, quando da sua confissão ao padre Rodolfo Lamprecht, no Rio de Janeiro, em
1955. Para frei Francisco, a verdade [a carta de Maria José] estava escondida a agora no
arquivo secreto da Diocese de Garanhuns, sob sigilo absoluto, vindo à tona por conta das
boas relações de amizade do professor francês Richard Marin com Dom Tiago Póstuma,
bispo posterior a dom Expedito.
(...) Conhecendo a história de Dom Expedito, sabe-se que ele não acreditava em
fofocas nem em boatos e não se deixaria levar jamais por simples boatos ou mentiras não
provadas para suspender um padre da sua diocese. É claro que ele sabia toda a história
154
SILVA, frei Francisco Fernando da. Vida de Dom Expedito Lopes: Bispo Mártir de Garanhuns. Recife PE:
Edições Bagaço, 2007.
de Maria José. Ele tinha em mãos a carta dela e do Padre Rodolfo Lamprecht (...). Por
isso, aquele argumento da defesa da honra, alegado pelo Dr. Juarez Vieira da Cunha e
que levou por duas vezes dois corpos de jurados diferentes a votarem pela liberdade do
Padre Hosana, não passa de sofismas e calúnias que foram tão bem apresentados e
defendidos que pareceu até que o Bispo era o criminoso e o padre era a vítima (...). O
homem de tanta honra, defendido pelo Dr. Juarez, era capaz de maiores perversidades.
Estava gostando de desfrutar de duas mulheres [Maria José e Quitéria] na mesma casa
escondido debaixo das honras da Igreja e da batina (...).
155
Depois de atacar e depreciar o padre em todo o livro e, na outra ponta, evidenciar a
santidade do bispo, com relatos que o conduzem aos altares públicos e privados, volta-se
para o sacerdote com uma atitude de piedade e de consolação. Afinal, Hosana era padre e o
autor é frade. Nesse sentido, frei Francisco participa da guerra dos livros como membro da
Igreja Católica. E, no final das contas, quem deve ficar sem máculas é a Igreja Católica, ou
seja, a instituição da qual ele faz parte e pela qual dedica sua vida.
(...) Por isso, minha posição desde o início é de que o Padre Hosana está no Céu tanto
porque ele mesmo teve tempo suficiente para pensar e refletir no crime que fez, como por
causa da sua condição de personalidade psicopata da qual ele não tinha culpa, e sobre a
qual ele não tinha domínio; além do que Dom Expedito morreu oferecendo o sacrifício de
sua vida pela conversão daquele pobre sacerdote para não ofender mais Nosso Senhor
(...). Que as dores de Dom Expedito não tenham sido em vão e que ambos, por vias
diferentes, tenham chegado à vida eterna.
156
O livro de frei Francisco também produz uma memória. É um lugar fundador. Tem o
objetivo de sacralizar um homem e, na contrapartida, dessacralizar padre Hosana. Ele vai
compondo a vida de um santo a partir da aglutinação de vários lugares e períodos: a infância,
a juventude, a sagração como bispo na Catedral de Sobral-CE, a administração do bispo ante
a Diocese de Oeiras-PI e Garanhuns-PE. Traz discursos de virtudes. São elas que sustentam
a sua argumentação, porém, sua argumentação não teria força sem sua contraposição: a
155
Op. Cit. p. 410-433.
156
Op. Cit. p. 454-455.
depreciação do padre. É uma guerra que tem bandido e mocinho definidos, ambos com seus
soldados para defendê-los.
Nesta asserção, vale retomar aqui o texto de Michel de Certeau sobre a
hagiografia
157
. O autor propõe que a vida do santo tem um lugar fundador: um túmulo, um
mosteiro, uma peregrinação, uma congregação, textos, entre outros. São lugares de cunho
litúrgico. Assim, a vida de santo é uma composição de lugares. Ela nasce de um lugar
fundador e estende-se por meio de inúmeros deslocamentos, mas sempre com retornos ao
lugar de origem. A vida do santo remete à visão de um lugar fundador. O próprio texto é um
lugar fundador e, ao mesmo tempo, remete o leitor ao lugar fundador da vida do santo.
158
A
vida do santo é sempre um discurso de virtudes. Nunca de vícios. Pois, estes os
desautorizaria enquanto exemplo à posteridade.
O livro de frei Francisco encerra, até o presente momento, a quantidade de armas,
digo, de letras, nessa guerra de livros. Do lado do bispo, somam-se quatro obras em seu
favor. Do lado do sacerdote, duas. Nesse confronto, um desequilíbrio. Pende-se mais para o
lado do bispo. Isso não apaga a importância do contra-discurso a ele dirigido. Ao contrário,
sugere a própria dinâmica das memórias escritas, surgidas a partir daqueles disparos em
1957.
3.2 – O “Exemplo” nas narrativas
157
CERTEAU, Michel. A Escrita da História. Tradução de Maria de Lourdes Menezes. 2.ª ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2002, p. 266-278.
158
“Cada vida de santo oferece uma escolha e uma organização próprias destas virtudes, utilizando para este fim
o material fornecido, seja pelos fatos e gestos dos santos, seja pelos episódios pertencentes ao fundo comum de
uma tradição”. CERTEAU, Michel. A Escrita da História. Tradução de Maria de Lourdes Menezes. 2.ª ed. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 274.
Iniciemos com uma nota do jornal O Monitor, de 28 de fevereiro de 1959:
(...) A sublime atitude de Dom Expedito face à morte, no seu doloroso Calvário, no leito
de um hospital, que soube transformar em Cátedra Magistral, ensinando a bela missão do
amor, do perdão e da caridade, bem revela a intensidade de sua vida de união com Deus.
Nada de improvisos (...).
159
Esse fragmento de matéria denota que as atitudes de dom Expedito em morte, e em
vida, tornam-se um exemplo a ser seguido por todos. Esse é um dos pontos que sustentam o
discurso oficial da Diocese de Garanhuns em prol da canonização do bispo. Esse discurso
também é mencionado por alguns moradores de Garanhuns, em especial por aqueles e
aquelas que ainda participam de movimentos religiosos ligados à Diocese. Após o crime,
mencionar o “exemplo do bispo” em jornais, livros específicos foi muito comum. São narrativas
construtivas da imagem imaculada do Antístite.
Padre Hosana, entretanto, também teve seus defensores. Foi dado também como um
homem de exemplo, “tinha bom trato com seus paroquianos”, como afirma uma nota do
Jornal do Comércio de 09 de julho de 1957. Alguns moradores de Quipapá, inclusive,
divulgaram uma nota no citado jornal com um abaixo-assinado favorável ao sacerdote. A nota
foi dada no calor dos acontecimentos:
Abaixo-assinado de Quipapá em favor de Padre Hosana.
“Nenhum ministro de Deus, nesta Paróquia, soube melhor respeitar os lares dos seus
paroquianos”.
ABAIXO-ASSINADO
De Quipapá, assinado por cento e sessenta e seis pessoas, chegou-nos o documento
abaixo:
ILMO.SR. Redator do Jornal do Commércio.
159
O Monitor, 28/11/1959.
Nós signatários do presente, adeptos de religiões diversas, e membros de diferentes
instituições, todos residentes nesta cidade de Quipapá, não podendo mais dominar os
impulsos de nossa consciência em face das inverdades que se têm publicado na imprensa
do Estado a respeito da dolorosa tragédia que o destino envolveu nas suas espirais
cruciantes dois insignes vultos da Religião de quem eram Príncipe e Sacerdote, vimos,
pelo presente, confiados na gentileza de V.S.ª declarar que não são verdadeiras todas as
informações publicadas na referida imprensa e, muito especialmente, nesse respeitável
órgão (...).
Ao contrário, lamentamos sinceramente a perda que acaba de sofrer a Igreja de que era
o saudoso extinto um dos mais dignos, piedosos e brilhantes Antístites. Choramos essa
perda como ninguém melhor poderia, mesmo porque, do Bispo extinto tínhamos motivo
para isto.
Entretanto, a despeito da mágoa que nos invade e crucia a alma, seríamos indignos das
próprias nçãos dos céus, se não confessássemos aqui sermos também compadecidos
do desventurado Sacerdote que aguarda no cárcere o pronunciamento da Justiça.
Cumprimos o dever de declarar que nenhum Ministro de Deus, nesta Paróquia, soube
melhor respeitar os lares dos seus paroquianos, honrando, como virtuoso padre, as
famílias quipapaenses. Seríamos até passíveis de censura, senão do desprezo das almas
bem formadas, se silenciássemos nesta hora a voz indômita de nossa consciência, não
desmentindo as calúnias e infâmias assacadas contra um Sacerdote que conosco viveu
por espaço de onze anos, sempre atencioso e leal nas suas atitudes.
Jamais o Padre Hosana de Siqueira vestiu roupas profanas, nem tão pouco perlustrou
estrada deste Município, em viaturas automóveis acompanhado de qualquer mulher. Muito
menos exibiu, em qualquer parte desta terra, nenhuma arma proibida e, ainda menos, em
agressão a quem quer que seja.
De fidalgo trato para com todos com quem privava, mostrava-se até meio humilde no
seu próprio falar. Efetivamente, provocado ou insultado por pessoas que lhe não
simpatizavam, revidava as agressões, mas em termos consentâneos com o mister que
exercia.
Cumprindo assim nosso dever, não seremos nós os apedrejadores do desventurado
Sacerdote na hora trágica porque passa, imitando dest’arte o gesto magnífico e sublime da
sagrada vítima que, na hora extrema, soube tão santa e piedosamente conceder-lhe o
perdão pelo ato desvairado que praticou.
160
Essa escrita ressalta as qualidades ao padre Hosana. Defende-o de acusações, mas,
não deprecia o bispo, reconhece seu gesto de perdoar. Mesmo assim, é uma escrita para a
160
Jornal do Comércio, 09/07/1957.
proteção do padre, dada ao público no calor dos acontecimentos, na inquietude das almas
pernambucanas. É novo texto, outra visão, outra “verdade”, e colabora para a complexidade
de posicionamentos das pessoas que se afetaram com o crime.
Tanto dom Expedito como padre Hosana têm um passado (re)contado, (re)formulado
e/ou (re)elaborado, no texto e na fala de alguns moradores daquele Estado. Esse passado
refere-se tanto ao crime e seus motivos quanto à trajetória de vida de cada um; passados
fragmentados, reunidos e organizados pela escrita para dar um sentido, para dar um lugar
para cada um desses homens.
Para o caso de dom Expedito, muitas matérias de jornais, e outros textos, sempre
remontam ao seu passado: A biografia é apresentada de forma contínua e harmoniosa, como
se ele já estivesse pré-destinado aos altares, na vida e na morte.
Giovani Levi, em seu texto Usos da Biografia
161
, adverte que compreender a biografia
de forma linear, contínua, arrumada e harmoniosa sem problematizar suas bases
constitutivas - seria apagar outros olhares e formas de entendimento sobre o texto biográfico.
Entende ser a biografia um campo de ambigüidades e incompletudes, pois possui variações a
depender do tempo em que é escrita e da relação entre o pesquisador e seu objeto de estudo
– a vida de um indivíduo, uma vida alheia, nesse caso.
A biografia deve ser encarada como material discursivo; que pode ser interpretada de
um modo ou de outro. Nunca se chega à totalidade de significados que ela abarca. É fruto de
seleção. Traz problemáticas em sua criação e/ou concepção e em sua doação aoblico. É
inconclusa, incompleta. o pode ser interpretada de forma unívoca, pois a trajetória do
indivíduo é perpassada por múltiplas direções e contextos.
Para esse autor, a biografia é compreendida como manifestação de caráter aberto,
dinâmico e fruto de escolhas muito pontuais daqueles e daquelas que se atrevem a escrevê-
la. Denuncia incoerências entre normas e práticas. Com origem nesse pressuposto, os
historiadores desenvolveram formas e técnicas mais sensíveis à dinâmica e à polissemia das
narrativas biográficas.
Os principais tipos de orientação aqui enumerados sucintamente representam, pois, os
novos caminhos trilhados pelos que procuram utilizar a biografia como instrumento de
conhecimento histórico e substituir a tradicional biografia linear e factual, que mesmo assim
continua a existir e vai muito bem.
162
161
LEVI, Giovani. Usos da Biografia. In: FERREIRA, Marieta de Moraes & AMADO, Janaina (Org.). Usos e
abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996, p. 167-182.
162
Ibid. p. 179.
Em entrevistas travadas com alguns moradores de Correntes-PE, cidade natal de
padre Hosana, também verifiquei certo respeito para com o sacerdote. Os moradores daquela
cidade o têm como exemplo de um homem de fé e de um bom sacerdote. Em suas narrativas,
a possível conduta e o crime do padre não são evidenciados. Em seu lugar, ressaltam o
seu bom trato com as pessoas na cidade e a forma trágica de sua morte assassinado a
pauladas. Sua morte afetou esses moradores. Ela acorda nas narrativas desses moradores,
muito mais do que seus pecados, muito mais do que o perdão dado pelo bispo àquele
sacerdote.
Para o senhor João Correa, da cidade de Correntes, por exemplo, Padre Hosana:
(...) Era uma pessoa muito querida pela gente. Se tornou logo da casa, da família né. E,
foi uma perda muito grande. Quando eu soube que ele morreu eu fiquei assim como se
fosse uma pessoa da minha família, né. Lamentavelmente morreu numa morte muito
trágica e até hoje ficou uma pergunta sem resposta, ninguém descobriu nada, ninguém foi
punido. Eu senti muito a perda de um amigo, né. Fazia parte da gente. (...) Olha [ele] era
uma pessoa meiga, assim meiga. Todo mundo [aqui] gostava dele. Uma pessoa que
aconselhava, que tinha conversa, que chegava. Qualquer pessoa que chegava pra
conversar com ele, ele tinha uma conversa, uma palavra. Ele era uma pessoa aberta (...)
Ele tinha uma conversa boa, agradável. Gente que vinha de fora pra conversar [com ele]
porque sempre tinha gente que vinha de fora. Foi uma grande perda.
163
Adiante, senhor João reclama a não-existência de algo que lembre padre Hosana na
cidade como um referencial e/ou um exemplo a ser seguido pelos demais filhos daquele chão.
Um busto, uma praça, o nome de uma rua e/ou de um estabelecimento público, por exemplo.
(...) Divia ter porque morre um vereador, uma pessoa que fez o nome na cidade, às
vezes uma pessoa que teve e fez uma mal impressão, uma mal história, morre e se o
nome de uma avenida, num sei de que, num sei de que, um busto, tem num sei o que; e
Padre Hosana num teve. Uma pessoa que é conhecida nacionalmente! Num tem, num
tem. Devia ter uma avenida aqui, alguma coisa. Porque ele era conhecido e muito querido
163
Entrevista com o senhor João Correa, casado, evangélico, aposentado. Realizada em Correntes-Pernambuco,
em julho de 2007.
aqui. Era pra ter um negócio desse (...). Ele era assim correto, correto, correto. Ele era
muito simples, muito simples. Ele era prestativo.
164
Reclamar um busto para homenagear padre Hosana na cidade ou um nome de rua,
praça ou estabelecimento institucional, nesse contexto, denota materializar uma lembrança. A
lembrança do depoente, especificamente. Supõe ainda pagar uma dívida que a cidade tem
para com o padre, uma vez que ele sempre auxiliou embora excomungado os moradores
da cidade em suas angústias pessoais, reorientando suas vidas religiosas na busca do Reino
de Deus, através de celebrações, da realização de batizados e outros sacramentos dados na
capela de sua fazenda, distante 12 km do Município de Correntes. Legalmente, estava
excomungado. Algo já afirmado em linhas anteriores. Contraditoriamente, fazia a distribuição
dos sacramentos. O povo da pequena Correntes recebia os seus cuidados espirituais. A lei
canônica, na prática, não tinha ecos e/ou ressonâncias para o padre e para seus fiéis.
Para outra moradora de Correntes, a senhora Maria do Carmo Rodrigues da Silva, de
67 anos de idade, doméstica, padre Hosana também goza de boa reputação.
(...) Eu conheci. Era bom, normal, um padre normal, bom. Num vo dizer que ele era mau
que ele num era, né. Era bom. Era muito conhecido aqui na cidade, de mais até. Uma
pessoa muito boa, muito querida de todo mundo. Todo mundo gostava dele. Ele era
maravilhoso. Era prestativo, atencioso. E a pessoa erra porque às vezes acontece coisas
de errado, né. Mas, todo mundo erra, né.
165
Também para o casal Odete Santina dos Santos, 80 anos e Euclides Marcolino da
Silva, de 87 anos (ambos aposentados rurais), padre Hosana é um exemplo para ser seguido.
Conforme ambos, ele passava e abençoava as pessoas que o cumprimentavam, recebia as
crianças da cidade em seus braços, dando-lhes inclusive moedas e era respeitador a todos da
cidade. Senhor Euclides chegou a afirmar:
164
Idem.
165
Entrevista com a senhora Maria do Carmo Rodrigues da Silva, doméstica, 67 anos, trabalhadora rural.
Realizada em Correntes-PE, em julho de 2007.
(...) Ele era um padre de perseverança. Agora aconteceu aquilo com ele [o seu
assassinato]. Aquilo era trambique. Ele era benquisto de todo mundo aqui. Ele tratava bem.
Tratava as pessoas tudo bem. Ele passava por nós dava um bom dia. Brincava com a
meninada. Na época do bispo [do crime] aqui ficou um ribuliço, ave-maria! A gente num
sabia o que fizesse, porque todo mundo gostava dele. Ele morava só, lá no sítio (...).
166
A idéia de exemplo também abarca contradições. Padre Hosana matou uma pessoa.
Foi julgado, absolvido e, por fim, condenado. Foi acusado por conta de rumores e boatos e
depois institucionalmente - de deflorar duas mulheres, foi responsabilizado por obrigar uma
delas a dois abortos. Quando posto em liberdade condicional em 1968, vivia a se envolver em
atritos com vizinhos por questões diversas – empréstimos pessoais que cedia, demarcação de
terras, entre outras. Celebrava missa e outros sacramentos em sua fazenda, mesmo
excomungado. Muito embora não compreendendo muito bem, moradores de Correntes
sabiam que ele estava “proibido de celebrar”, como ouvi nas entrevistas; contudo, era tido
como homem exemplar, isto é, como modelo de cristão, de homem de bem.
Mais dois outros irmãos de padre Hosana também morreram assassinados. Como
indicam os moradores de Correntes, estes também possuíam um “gênio forte”. A família era
conhecida por estar sempre em desentendimentos entre seus próprios membros e com outras
famílias e pessoas da comunidade.
Como, então, compreender essas construções narrativas de um bom exemplo
destinado ao sacerdote, quando suas atitudes em vida apontam para o não-exemplo? Como
pontuar discursos que desautorizam a imagem imaculada de “homem exemplar” dada ao
bispo?
Os registros que esse crime produziu, quando postos pelo pesquisador em posição
de enfrentamento, provocam inconclusões e incompletudes. Além do mais, visualizam tramas
e descortinam conflitos. a coexistência de concordâncias e discordâncias no entorno
dessa sucessão de acontecimentos em tempos idos, que pode ser percebida de muitas
formas, inclusive pelo não-dito.
Entrevistando Maria Soares da Silva Mariano, 55 anos, e Alice Maria da Silva, 73
anos (ambas domésticas e moradoras de Correntes-PE), verificou-se mais uma vez a
166
Entrevista com o casal Odete Santina dos Santos, de 82 anos e Euclides Marcolino de Sousa, 87 anos, ambos
são aposentados rurais. Realizada em Correntes-PE, em julho de 2007.
exaltação do bom exemplo que era o sacerdote. Para ambas, era possível perceber isto nas
pequenas ações do padre.
(...) Ele nunca fez um mal nem a eu nem a famia minha. Pra mim ele era um bom
cidadão, . Ele era uma boa pessoa. Ele fazia casamento do povo, fazia batizado. Ele
num podia fazer na igreja, nera comade? Mas ele fazia casamento no sítio dele, fazia
batizado, por isso é que eu gostava muito dele.
167
E são muitos os casos nos quais padre Hosana é reconstruído como um caminho a
ser copiado, como uma direção a levar homens e mulheres da cidade para o bem. Dentre
eles, me chamou a atenção o depoimento do senhor Manoel Agostinho da Silva, aposentado
rural, de 77 anos. Gostava muito de falar. Estava sentado na calçada, cedo da manhã,
quando eu o abordei. Deixou-se livre e disse:
(...) ô homi, pra mim Padre Hosana era uma boa pessoa porque se confiava neu.
Engraçado, eu fazia a feira pra ele. A feirinha dele. Ele era tão bonzinho que a sobra do
dinheiro ele dava pra mim; dois, três real, às veiz ele me dava. “Tome, fique”. Se eu
precisasse de dinheiro ele me arrumava. (...) ô homi, todo mundo conhece Padre Hosana.
Todo mundo gosta dele aqui. A primeira missa do Padre Hosana eu assisti aqui na matriz.
Eu me lembro! [risos]. Padre Hosana pra mim, repito, era uma boa pessoa, uma criatura
boa. O que eu conto do Padre Hosana é isso. Pouco tempo que eu ouvi falar do santo,
[Dom Expedito]. O padre falou na missa domingo, mas tem gente que o padre ta
celebrando a missa e o povo tá conversando.
168
no depoimento da senhora Maria Maciel Vieira, casada, 63 anos, verifica-se que
ela aponta divergências de opiniões na cidade sobre o exemplo do sacerdote. Muito embora
não aprofunde suas colocações, ela deixa pistas de que padre Hosana também deixou
dissabores.
167
Entrevista com a senhora Alice Maria da Silva, 73 anos, doméstica. Realizada em Correntes-Pernambuco, em
julho de 2007.
168
Entrevista com o senhor Manoel Agostinho da Silva, 77 anos, aposentado rural. Realizada em Correntes-
Pernambuco, em julho de 2007.
(...) Eu conheci ele aqui. Ele era um bom padre, né. Tratava bem, né. A gente chorou
muito quando fizeram isso com ele. Uns falava que ele era ruim, errado. Outros falava que
ele era bom. Pra mim, ele era um bom padre, uma boa pessoa, né. O povo falava que ele
era bom, né.
169
O bispo também teve e tem seus defensores, tanto na fala quanto na escrita. Homens
e mulheres dispostos a caracterizá-lo a com respaldo no seu exemplo de vida e, sobretudo,
de morte. Travei entrevistas com alguns moradores de Garanhuns e eles evidenciaram muito
esse ponto.
O Diário de Pernambuco, de 07 de julho de 1957, traz uma nota escrita por dom
Antônio de Almeida Moraes Júnior, arcebispo de Olinda e Recife na época. Muitas metáforas
estão presentes em seu texto no intuito de convencer o leitor sobre a santidade de dom
Expedito e da Igreja. Sustenta, em seu discurso, o exemplo dado por dom Expedito.
(...) nos feriu ante o trágico desaparecimento de Dom Expedito Lopes, o grande bispo
de Garanhuns. Ninguém poderia suspeitar, através daquelas maneiras tão simples,
daquele espírito de pobreza em que vivia, daquela calma que revestia suas atitudes,
daquela alegria que envolvia como um halo luminoso a sua cabeça moça e coberta de
cabelos brancos como a neve ninguém poderia suspeitar a grandeza formidável daquela
alma sacerdotal. (...) Que o sacerdote infeliz pense na sua alma e na sua vocação (...). E
hoje, ninguém destruirá mais a grandeza da morte de Dom Expedito que sobrepaira ao
turbilhão dos acontecimentos medíocres ao triste século que vamos vivendo.
170
No jornal O Monitor, de 13 de julho de 1957, encontrei:
(...) Se a Igreja perdeu um grande prelado, o povo um amigo e o Brasil um grande
patriota. Deus ganhou um justo em seu Reino. Por que, em verdade, não se pode
considerar a morte como um adormecimento para os espíritos superiores, mas sim, como
revivência e ressurreição. A morte só é adormecimento para os espíritos medíocres.
171
169
Entrevista com a Senhora Maria Maciel Vieira, casada, 63 anos de idade, dona-de-casa. Realizada em
Correntes-Pernambuco, em julho de 2007.
170
Diário de Pernambuco, 07/07/1957.
171
O Monitor, 13/07/1957.
Vai sendo criando a infalibilidade do bispo, o homem sem contradições, sem mancha,
sem pecado, o santo. Um discurso que sufoca as tramas e os conflitos características
inerentes em quaisquer situações, das mais ordinárias às extraordinárias.
Michel de Certeau ressalta que, nos relatos da vida dos santos, dois momentos
bem definidos: o tempo das provações e o tempo da glorificação. No primeiro caso, o santo
está em incessantes combates solitários em diferentes lugares. O medo e as limitações são
evidenciados freqüentemente. No caso seguinte, a glorificação repousa na descrição de
milagres públicos ocorridos por seu intermédio. É o momento de sua vitória sobre as
provações. O santo passa, então, do privado (Tempo das Provações) para o público (Tempo
da Glorificação). Outro ponto observado nos relatos da vida do santo é que de sua fase adulta
remonta-se à infância. Nela se conhece e reconhece sua homenagem póstuma. Seu
percurso já está traçado.
172
O jornal O Monitor, de 03 de agosto de 1957, traz ainda uma nota de autoria de Zina
Silva, denominada À Memória de Dom Expedito, em que a autora em tom de súplica, lamenta:
(...) Vimo-lo passar inerte levado pelos padres para sua última morada. Descansa em
paz, resta-nos a lição de sua grande vida, na grandeza e heroicidade de suas virtudes, a
lembrança bem viva de sua paternal solicitude, por tudo que era para a glória de Deus e o
nosso bem espiritual.
173
O ato de lembrar só existe porque pressupõe o de esquecer. Lembrar e esquecer são
antônimos que se complementam. Ambos permeiam a escrita sobre o crime de dom Expedito
e o desenrolar da vida de Padre Hosana após os disparos de 1.º de julho de 1957. Importante
é citar sobre a forma como é narrada, na escrita, a morte de dom Expedito: com metáforas e
eufemismos.
Estudos sobre a morte de homens e mulheres públicos são importantes para se
entender a “bela morte” de dom Expedito. Um exemplo possível de ser citado aponta para os
estudos do historiador George Duby.
174
172
CERTEAU, Michel. A Escrita da História. Tradução de Maria de Lourdes Menezes. 2.ª ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2002, p. 266-278.
173
O Monitor, 03/08/1957.
174
DUBY, George. Guilherme Marechal ou o melhor Cavaleiro do mundo. Tradução de Renato Janine
Ribeiro. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1987.
Para esse autor, as belas mortes são verdadeiras festas. A morte é um teatro. Por
assim ser, precisa de espectadores para que estes continuem a perpetuar sua memória
mediante a escrita e da oralidade: é uma forma de o morto sobreviver. O objetivo da criação e
perpetuação dessa memória é fortalecer os bons costumes e a regularidade às futuras
gerações. Toda bela morte é uma passagem solene de uma condição para outra, superior; é
uma mudança de estado tão pública como uma festa e uma mudança tão majestosa quanto a
entrada de reis na cidade, por exemplo. O corpo se foi, mas a memória fica. É preciso arrumá-
la, dá-la como exemplo à posteridade. Necessário ainda moldá-la, domesticá-la. Para tal
propósito, apaga-se o vencido, o outro. Mantém-se, então, o defunto presente nas palavras,
na escrita e na comunicação de sua biografia. É uma forma de defender interesses de grupos
específicos.
O relato da morte de dom Expedito trazido pelos jornais e outros textos é o fulcro de
sua santidade, pois se tratou de uma “bela” morte, conforme os interesses da Igreja. Frei
Romeu Peréa, por exemplo, descreve a morte de uma forma calma e serena. Uma narrativa
sem caos, bem arrumada, utilizando palavras carregadas de afetividade.
Era de ver o bispo vítima no seu leito de agonia, calmo e sereno, como combatente que
espera a recompensa da sua vitória. A calma exterior que conservava, a paz interior - que
no seu rosto se refletia, não era perturbada pela mais ligeira inquietação. Sereno e belo,
parecia a mais fiel imagem do justo que espera o prêmio prometido àquele que vive da fé e
morre pelo amor (...) refugiava-se, cada vez mais, na medida em que a morte se
aproximava na sua consciência.
175
No jornal O Monitor, de 28 de julho de 1957, outra descrição sobre a “bela morte”
do prelado. Trata-se do depoimento do Padre Adelmar da Frota Valença.
Onze padres o cercavam no seu leito de morte. Deram-lhe em conjunto a absolvição
que ele pedira. Aquele quarto de hospital, naquelas horas inesquecíveis, se assemelhava
ao cenáculo, na noite da Quinta-feira Santa, depois que Judas saíra. Jesus cercado de
onze apóstolos. Onze padres debruçados sobre Dom Expedito, a sentirem a influência
imperecível daquela santidade heróica, daquele heroísmo santo (...) Eles rezavam mais
com o coração que com os lábios. Compenetrados, como se estivessem num Pontifical
175
PERÉA, frei Romeu. A Morte de Dom Expedito. Considerações em torno de um cadáver glorioso. Recife-PE:
Editora Flos Carmelo, 1959, p. 37.
Solene. E era realmente uma grande missa! A cama era o altar; a vítima, o bispo querido,
que se oferecia a Deus. ' Ofereço o sacrifício de minha vida, pela Diocese, pelo clero e
pelos seminaristas', diz ele, em plena lucidez, quinze minutos antes de morrer.
176
As escritas sobre o crime de dom Expedito são uma seleção dos fragmentos do que
aconteceu. Algumas intencionam preparar o bispo para a lembrança e a posteridade. O
interessante é que não é somente o bispo que é lançado à lembrança. O padre também o é.
Ao bispo assassinado, é direcionado o título de modelo para a imitação de todos, mas o
“modelo” só é possível porque o padre o matou. Um não consegue ter existência sem o outro.
Sempre se reencontram. Um está intimamente ligado ao outro. Não se pode mencionar um
sem a “presença” do outro, pois um só existe no outro e vice-versa.
Como mencionado, o sacerdote foi preso e julgado por três vezes no Tribunal de
Justiça de Pernambuco (TJPE). Nos dois primeiros julgamentos, nos dias 20 de fevereiro de
1959 e 29 abril de 1960, respectivamente, Padre Hosana obteve penas leves, consideradas
pelos jornais e outros meios de comunicação como uma quase absolvição. Seu advogado,
Juarez Vieira da Cunha, um famoso criminalista na época, afirmou que o padre agiu em
legítima defesa da honra. Argumentou que o padre Hosana sofrera perseguições do seu
superior hierárquico que, conforme o padre, não quis ouvi-lo em sua defesa e não mandou
averiguar criteriosamente sobre os boatos.
Desta forma se deu a sentença do primeiro julgamento do padre. O juiz Cícero
Galvão a leu às 23h e 15 min.
O Júri reconheceu a autoria do crime por parte do senhor Padre Hosana de Siqueira e
Silva e que este se excedeu nos limites da legítima defesa da honra, de acordo com o
artigo 42 do Código Penal Brasileiro. O réu sentiu-se ferido no seu amor próprio e
delinqüiu. Por conta disso, e levando em consideração de que se trata de elemento
temível, o crime foi enquadrado em homicídio culposo. Para este crime afixo a penalidade
de dois anos. Acrescento a este pena de mais seis meses, porque atima não teve como
se defender, caracterizando-se assim o excesso culposo por parte do réu. Assim,
176
O Monitor, 28/07/1957. In: CÉSAR, Ana Maria. A Bala e a Mitra. Recife-PE: Edições Bagaço, 1994, p. 98.
Carlos Eduardo Vasconcelos Nogueira afirma ser o jornal, produto que melhor sintetiza a modernidade. Sua
duração não ultrapassa as vinte e quatro horas para as quais existia (...)”. NOGUEIRA, Carlos Eduardo
Vasconcelos. Tempo, Progresso, Memória: um olhar para o passado na Fortaleza dos anos trinta. Dissertação
(Mestrado) em História Social. Universidade Federal do Ceará (UFC). Fortaleza-Ceará, 2006, p. 90. Para o caso
de dom Expedito, trazer narrativas que louvem sua vida e, sobretudo, sua morte, com usos de abusos de
metáforas que tendiam alcançar os corações e almas dos fiéis, desmantela esse argumento de duração curta do
jornal e, ao mesmo tempo, configura-se como instrumento para a militância de uma memória sobre o bispo.
As matérias produzidas no jornal O Monitor, órgão da Diocese de Garanhuns, pretendia lançar o bispo à
posteridade, ao combate para vencer a iminência do esquecimento sobre sua vida, sua morte e sua história.
totalizamos dois anos e seis meses de detenção, que devem ser cumpridos na Casa de
Detenção de Recife. Por considerar o réu portador de personalidade psicopática, ele não
escapa da responsabilidade penal. Em virtude disso, imponho a ele o internamento em
casa de tratamento psiquiátrico como medida de segurança.
177
E o impacto causado nos curiosos presentes ao recinto.
O público começou a aplaudir o resultado do julgamento, antes do Juiz terminar a fala.
O magistrado pediu silêncio novamente e continuou (...) Naquele momento, ficou difícil
conter as pessoas que estavam nas galerias, que batiam palmas e assobiavam, em
comemoração à quase absolvição do Padre Hosana de Siqueira e Silva. Os repórteres,
fotógrafos e cinegrafistas cercaram Hosana, que voltou a acenar para a multidão. (...)
Todos queriam congratular o Padre Hosana e o advogado Juarez Vieira da Cunha. Os
mais afoitos tentavam abraçar o religioso, que não sabia mais a quem responder.
178
Como interpretar a mesma gente pernambucana consternada com o assassinato do
bispo, cheia de dor, direcionando aplausos e assobios como que parabenizando o padre pela
sua quase absolvição?
O assassinato e os julgamentos de padre Hosana foram um divisor de opiniões na
imprensa e no cotidiano de Pernambuco de tempos pretéritos. Causaram celeuma.
Como se constata nesses registros do passado, padre Hosana também gozava, e
ainda goza, da simpatia e do bem querer do povo. A ele também eram direcionados elogios
como “bondoso” e “atencioso”. O comportamento do povo nos julgamentos - suas
manifestações favoráveis a ele - traz fragmentos de traços do sacerdote não muito
evidenciados pela escrita sobre esse crime.
A Igreja rebateu e questionou a sentença. Indício disso foi um artigo exibido na
revista Flos Carmeli, periódico mensal religioso e datado de maio e junho de 1959, do Recife
atacando ferozmente as palavras do advogado de padre Hosana. A Revista trouxe um artigo,
escrito pelo frei Inácio Maria, rebatendo a defesa do advogado Juarez Vieira da Cunha, vista
177
Sentença do Primeiro julgamento de Padre Hosana de Siqueira e Silva, realizado no Tribunal de Justiça de
Pernambuco, em 20 de fevereiro de 1959. In: BRITO, Taíza. A Confissão do Padre Hosana. Recife-PE:
Edições Bagaço, 1998, p. 129.
178
Ibid. p. 129-130.
como “interpretações falsas e caluniosas, aos disparates ilógicos de estilo mais demagógico
do que jurisprudente”.
179
A descrição da defesa do padre e da reação do povo que assistia foi extraída do livro
da jornalista Taíza Brito.
(...) Muitos condenaram a minha atitude de defender este infeliz. Mas sei que estou
cumprindo o meu dever como cristão. Cheguei até a escrever uma carta ao Arcebispo
Metropolitano de Olinda e Recife, Dom Antônio de Almeida de Moraes Júnior, pedindo
orientação da Igreja de como proceder na defesa desse sacerdote, mas infelizmente não
foi me dada resposta alguma. Minha função consiste em ser, ao lado do acusado, seja ele
culpado ou inocente, a voz de seus direitos legais (...). Esse processo não trata apenas da
morte de um bispo por um padre ou a morte de um homem por outro. Ele constitui o direito
de revolta dos oprimidos contra parte do clero que suja o Evangelho. Eu não ataco a Igreja.
Não confundem a Igreja com o Clero. Quantos bispos, padres e freiras que são
verdadeiros santos. Eu me refiro àquela parte do clero que vive subserviente à sociedade
civil apodrecida e dócil à burguesia. Eu me revolto contra o cristianismo de fachada (...).
180
O advogado passa então a narrar a biografia do padre: sua infância em Correntes-
PE, sua primeira comunhão, seus primeiros estudos no seminário, sempre evidenciando-o
como um filho e aluno aplicado e obediente aos ensinamentos dos pais e aos mandamentos
de Deus e da Igreja. Depois, continuou:
(...) No seminário em Garanhuns, o comportamento de Hosana foi tão exemplar que ele
foi nomeado prefeito de disciplina (...). Como deverá ter se sentido aquele homem do
sertão, que não estava acostumado a ser desmoralizado, ao ter sua honra estraçalhada de
público quando foi chamado de ladrão por Dom Expedito em plena celebração religiosa em
Quipapá? Imaginem um padre que amava e respeitava sua paróquia ser acusado por duas
vezes de concubinato. Primeiro com uma prima e depois com uma empregada da casa
paroquial? Coloquem-se no lugar dele. A honra deste sacerdote foi jogada no lixo! Sem
falar da vergonha que iria passar quando da leitura na rádio do decreto de suspensão, que
seria ouvido por milhares de pessoas da região (...) Haveria desonra maior do que esta
para um sacerdote que defendia os princípios morais? E ninguém pode acusá-lo de não ter
tentado se defender. (...) Que situação de desespero deve ter passado este sacerdote,
afinal um padre sem moral não é digno de viver ou de encarar os seus paroquianos. Padre
179
MARIA, Inácio. Luz e trevas. Revista Flos Carmeli. Recife-PE: Editora Flos Carmeli, N.º 11-12, 1959, p. 08.
180
Defesa do Advogado de padre Hosana Siqueira e Silva em seu 1.º Julgamento, realizado no
Tribunal de Justiça de Pernambuco, em 20 de fevereiro de 1959. In: TAÍZA, Brito. A Confissão do Padre
Hosana. Recife-PE: Edições Bagaço, 1998, p. 119.
Hosana amava sua batina, amava sua honra e naquele momento pensou em defendê-
la.
181
Se padre Hosana não gozava da “estima da população”, como explicar a nota do
povo de Quipapá endereçada ao Jornal do Comércio mencionada anteriormente -
descrevendo o respeito que o sacerdote nutria para com seus paroquianos? Como explicar as
qualidades a ele atribuídas ainda hoje pelos moradores de Correntes? Todo e qualquer tipo
de acontecimento é dinâmico em sua interpretação. Abraça a confusão, a heterogeneidade de
posicionamentos e opiniões. O texto apresentado no Jornal do Comércio, por exemplo, reflete
a vontade de todos os paroquianos do sacerdote ou de grupos específicos daquela pequena
cidade? O que aqui se busca, ressalto, é aproximar textos que divergem. Nesse (des)
encontro, verifica-se a trama.
Da mesma forma que a biografia do bispo é utilizada como argumento para
convencer sobre seu exemplo e santidade, a do padre também corre esse caminho. Juarez
Vieira da Cunha, seu advogado de defesa, utilizou esse recurso em toda a sua ação de
defendê-lo. Falou da infância do padre na escola, dos estudos no Seminário em Recife, em
Garanhuns e de sua ordenação e seus trabalhos posteriores a ela em Santa Maria, no Rio
Grande do Sul. Nesses episódios, padre Hosana sempre é visto como um homem exemplar,
de honra e respeito para com os que com ele travou convivência.
Assim, a biografia é, tanto para os que defendem o bispo quanto para os que
preservam o padre, um instrumento de acusação e defesa. O passado de ambos explica o
presente, justifica o crime.
São usos do passado. O passado de um explica sua santidade, confirma o sentido de
sua morte. O passado do outro explica o crime. É uma biografia linear, com causa e
conseqüência. Se não fosse o crime, nenhum precisaria de biografia, aqui posta como prova.
O passado vale como argumento para provar a inocência de cada um.
O livro de frei Francisco Fernando da Silva é todo uma biografia do bispo, exaltando-o
de qualidades e virtudes. No entanto, num capítulo específico (Duas vidas numa vida) ele
compara claramente as biografias: louvando o bispo e depreciando o padre. Nesse capítulo,
vai descrevendo a infância de Hosana: sua terra natal (Correntes-PE), sua numerosa família
(nove filhos), a atividade de comerciante que seu pai abraçou, e também dos afazeres na
fazenda da família.
181
Ibid. p. 125-126.
Baseando-se em dados fornecidos por dona Olindina Siqueira e Silva (mãe de padre
Hosana) dispostos no processo do crime e também no laudo do exame psiquiátrico feito
quando padre Hosana estava preso (que o diagnosticou como homem portador de
personalidade psicopática); ambos recolhidos e citados no livro de Ana Maria César (A Bala e
a Mitra), o frade diz que padre Hosana teve problemas na escola, passando por cinco
estabelecimentos de ensino diferentes, por ser um garoto de comportamento não exemplar.
Isso também se repetiu no seminário, fazendo-o ser ordenado somente no Rio Grande do Sul.
Esse comportamento arredio também cresceu com ele até sua fase adulta, pois passou por
sete paróquias, criando problemas em todas elas.
182
O livro de frei Francisco, com essa biografia do padre às avessas, contesta o de
Taiza Brito. A autora, por sua vez, descreve a vida escolar do padre como exemplar. Na
pagina 25, ela se refere:
Mesmo com tantas tarefas, o garoto Hosana se destacou entre os alunos da escola.
Recebeu até um prêmio por ter sido considerado um estudante de comportamento
exemplar e obtido distinção em todas as disciplinas que cursou. O presente, um livro de
História do Brasil escrito por Rocha Pombo, foi entregue pelo Professor Gilberto de Oliveira
Rosas. O livro foi guardado com muito zelo, como diversos outros que colecionou ao longo
da vida.
183
Quanto à vida no seminário, frei Francisco Fernando argumenta no seu livro que
padre Hosana foi transferido para o Rio Grande do Sul porque foi afastado do seminário de
Olinda por mau comportamento. Taíza Brito afirma que padre Hosana recebeu um cargo
de Prefeito de Disciplina, isto é, responsável por zelar pela ordem e bom comportamento entre
os seminaristas. A jornalista acentua que ele cumpriu essa tarefa de forma responsável. Para
os autores aqui citados, para o advogado de defesa de padre Hosana, a biografia explica o
ato de cada um.
Nessas idas e vindas das letras que tocam a biografia de ambos, os usos do passado
de cada um prova o presente, passados recompostos e manipulados em favor de objetivos
específicos e claros. No presente, cada um, ao seu modo, se atreve a interpretar essa história
a partir de suas iscas.
182
SILVA, frei Francisco Fernando da. Vida de Dom Expedito Lopes: Bispo Mártir de Garanhuns. Recife-PE:
Edições Bagaço, 2007.
183
BRITO, Taíza. A confissão do Padre Hosana. Recife-PE: Edições Bagaço, 1998, p. 25.
Para esta pesquisa, faz-se necessário desnaturalizar essa idéia fixa e tão difundida
de que o passado explica dom Expedito e padre Hosana, o passado não explica a vida de
uma pessoa, pois afirmar que o passado explica, seria entender a biografia como algo linear,
bem-arrumado e harmônico, sem abarcar contradições, confusão.
Retomando considerações de Giovani Levi, o autor adverte ser preciso ressaltar que
toda biografia é composta e recomposta pela junção de fragmentos. Possui elementos
contraditórios que, selecionados, são aglutinados para dar sentido a algo que abarca a própria
desordem e o desencontro: a vida. A biografia é incapaz de captar a essência de um
indivíduo. É articulada no presente. Sua direção vai do presente para o passado. Toda
biografia abarca uma infinidade de outros significados, além daquele escolhido e posto às
vistas dos demais. Não biografia linear. É preciso problematizá-la. Não interpretação
unívoca de um mesmo indivíduo.
184
Na perspectiva da História Social da Memória, dom Expedito e padre Hosana não
podem ser explicados por suas respectivas biografias. A biografia de dom Expedito o
explica sua possível santidade, assim como a biografia de padre Hosana não explica o crime.
Homens e mulheres no presente a constroem - a partir de lotes do passado de cada um -
tecidos narrativos que almejam coerências. Escondem fatos, registros, tramas que podem
desautorizar a imagem estática que se criou de cada um. Afinal, a História Social da Memória
não explica situações por meio de biografias, e sim interpreta o uso das biografias (dos
passados) em certas situações.
A biografia recomposta de ambos foi, outrora, utilizada como recurso para convencer
um corpo de jurados e o povo (jurados também) de que um é santo e o outro criminoso. É
ainda utilizada para tal propósito nos livros dos autores aqui citados. O diferencial é que, no
presente, é possível pôr essas atitudes em diálogo num movimento de autorização e
desautorização de cada um, concomitantemente. Nesse dinamismo, que evidencia os
conflitos, a pesquisa histórica e em prática a compreensão de uma biografia não linear e
problematizadora.
Em Lindolfo Pereira de Lisboa, Padre Hosana: Sacerdote e Réu (1962), é possível
encontrar um posicionamento desfavorável à idéia de dom Expedito como um referencial para
todos. O autor adverte, especialmente na página 08, que o público que assistia ao primeiro
julgamento do sacerdote tomou partido dele. “A maioria do povo estava do lado do u”, diz;
quer sejam pessoas cultas ou não. Ele chama de pessoas “desapaixonadas” pelo bispo. Para
184
LEVI, Giovani. Usos da Biografia. In: FERREIRA, Marieta de Moraes & AMADO, Janaina (orgs.). Usos e
abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996, p. 167-200.
Lisboa, o Antístite morreu em defesa da virtude “da vaidade” e “da autoridade”. Reforçou a
noção de que ele não estava servindo à causa de Deus e da Igreja por dar crença nos
mexericos trazidos e levados por mulheres beatas; o que o descaracteriza como um
“exemplo” para o povo e para a Igreja.
Foram essas infelizes que desgraçaram a vida do Padre Hosana e contribuíram,
indiretamente embora, para a morte de Dom Expedito. E é de se notar que os mexericos
raramente são verdadeiros. Elas mentem, caluniam, são a perfídia personificada,
disfarçadas com véus e adoremus para que o Vigário pense que se trata de verdadeiras
santas. Como se eles não soubessem que tudo aquilo é hipocrisia.
185
Reforça a noção de que o bispo o morreu em defesa da fé, mas em defesa da
perpetuação dos rumores e do disse-me-disse das
(...) velhas que, de tanto falarem da vida alheia têm a língua recortadas como certas
bolachas. Essas baratas de sacristia, que são pálidas e já se parecem com milagres de
cera, porque os fuxicos delas geralmente são depositados nos confessionários ou nas
sacristias.
186
Na página 06, a forma que encontrou de rebater a idéia criada em torno do bispo
sobre o exemplo que deixou à posteridade foi citar e exaltar a dimensão humana e cristã do
sacerdote: “(...) O fato de o Padre Hosana haver ferido um bispo, não é razão suficiente para
merecer nosso ódio; desde que ele é uma criatura humana, cristão e sacerdote, Ministro de
Deus (...)”.
187
E assim vai se construindo a narrativa de Lindolfo Pereira de Lisboa. Utiliza-se do
recurso da escrita para andar na contramão do discurso oficial, que pairava em terras
pernambucanas de outrora.
Contraditoriamente, no capítulo XI, último de sua escrita e, especificamente na página
65 e seguintes, Lindolfo Pereira de Lisboa reconta como ocorreu o crime: os passos do padre
Hosana, a hora dos disparos, o bispo ferido se dirigindo à capela no interior do seu Palácio
185
LISBOA, Lindolfo Pereira de. Padre Hosana: Sacerdote e Réu. Recife-PE: Documento não editado, 1962, p.
26. Cópia cedida pela jornalista Taíza Brito, autora do Livro A Confissão do Padre Hosana, lançado no Recife-
PE, 1998.
186
Ibid. p. 26.
187
Ibid. p. 06.
Episcopal, as últimas palavras, a oferenda de si, o perdão, o socorro prestado ao prelado no
Hospital Dom Moura e o impacto que a morte causou na gente garanhuense. Compara o
perdão do bispo ao perdão de Cristo, enaltecendo essa atitude. E começa a tecer muitos
elogios a dom Expedito, da grandeza de sua alma. Diz que ele está “no convívio sempiterno
da Bem Aventurança Eterna”.
188
Somente aqui aparece a dubiedade de sua escrita.
Mas, ainda sim, ele diz:
Dom Expedito, onde se encontra V.EXCIA e REVMA, queira perdoar se neste trabalho
disse algo que viesse ferir sua memória. Se o fiz, foi para que a liberdade do Padre Hosana
não fosse interpelada por más interpretações. V.EXCIA não mais podia falar conosco e
quando o silêncio dos mortos faz perigar a liberdade dos vivos, faz-se necessário fazer
com que os mortos falem.
Senhor Bispo, peço ao senhor que ponha logo fora das grades a pessoa física do Padre
Hosana, porque se ele cometeu realmente esta falta, por simples e mera maldade, o
remorso se encarregará de encarcerar-lhe o espírito por toda sua vida em baixo. Peça,
Dom Expedito, a Nosso Senhor para que ele se converta e volte ao seio da única e
verdadeira Igreja de Nosso Senhor.
189
Para Lucette Velensi,
190
ao se escrever um texto, se instaura uma memória que se
encontra em uma pluralidade de outras não ditas ou não mostradas. Em certo sentido, o texto
é uma tentativa de constituir uma identidade para ser lembrada, lançada à posteridade. No
texto, sempre uma batalha simbólica, por isso ele é polissêmico, isto é, está aberto ou
chama outras vozes para compô-lo. O texto ascende vozes na mesma proporção que cala
outras. Todo escrito sobre determinado evento é uma batalha simbólica que elabora
lembranças e esquecimentos.
Em diálogos travados com alguns moradores de Garanhuns, em julho de 2007, por
conta das comemorações dos cinqüenta anos de morte de dom Expedito, verifiquei que a
questão do “exemplo” do bispo é forte somente para aqueles e aquelas que freqüentam e/ou
participam de algum grupo religioso. Estendendo essa temática para os demais moradores,
apenas se constata a repetição de um discurso proferido dentro desses grupos e/ou nas
188
Ibid. p. 68.
189
Ibid. p. 68.
190
VALENSE, Lucette. Fábulas da Memória: a batalha de Alcácer Quibir e o Mito do Sebastianismo. Tradução
de Maria Helena Franco Martins. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.
missas comunitárias. Fora disso, o exemplo de dom Expedito como modelo adormece na
indiferença da população da urbe.
Para dona Maria do Carmo Alves da Silva, doméstica, de 72 anos, moradora de
Garanhuns e fervorosamente participativa quanto às atividades da Igreja, dom Expedito é
inquestionavelmente seu “espelho”. Diz:
Da vida dele, o que eu sei é que ele foi um grande bispo [ênfase]! Foi muito
maravilhoso! Foi um pastor muito bom! Então, uma morte muito triste. Nós fiquemo muito
abalado. A cidade toda. Eu era solteira nesse tempo. Ave-Maria! Foi uma tristeza, muita
revolta, uma tristeza. O pessoal, uns tinha revolta contra o Padre Hosana, outros não tinha
(...).
191
Em outra entrevista, com dona Regina Leite Cavalcante, de 82 anos, aposentada, a
imagem de dom Expedito longe está de ser esquecida e/ou maculada por falares impróprios.
Segundo ela, “(...) é um benefício muito grande, é uma orientação grande para nós, católicos!
Ter um bispo que foi tão bom aqui, muito bom, santo. O pessoal falava, comentava muito com
a gente”.
192
Dona Lindalra Cordeiro de Melo, estende a questão de dom Expedito como
“exemplo”, como “espelho”. Vai além, torce para que a canonização do bispo seja rápida,
eficaz e que todos os demais moradores da cidade se convençam da santidade do Antístite.
Ela diz:
(...) Fico torcendo para que todos os movimentos tenham proveito, sejam favoráveis. Até
porque é um santo, né. Será um santo nordestino, né, autenticamente nordestino. Nós nos
sentimos, nós garanhuenses, nos sentimos assim, também, membros efetivos desse
movimento (...).
193
191
Entrevista com a senhora Maria do Carmo Alves da Silva, de 72 anos, doméstica. Realizada em Garanhuns-
PE, em julho de 2007.
192
Entrevista com a senhora Regina Leite Cavalcante, de 82 anos, aposentada. Realizada em Garanhuns-PE,
em julho de 2007.
193
Entrevista com a senhora Lindalra Cordeiro de Melo, recusou-se a identificar sua idade, dona de casa.
Realizada em Garanhuns-PE, em julho de 2007.
O depoimento de dona Lindalra toca num ponto delicado. Dentro das 38 entrevistas
que eu fiz somados os moradores de Correntes e Garanhuns os de Correntes pouco
ouviram falar do movimento da canonização de dom Expedito, a não ser na semana que
antecedeu as comemorações dos cinqüenta anos de morte do bispo, coroada com uma missa
solene na Catedral às 15 horas daquele 1.º de julho de 2007. O Pároquo atual de Correntes
fez o aviso dessa tão badalada missa apenas no sábado que a antecedeu. Segundo os
moradores que se dispuseram a partilhar comigo suas alegrias e dores do cotidiano, suas
lembranças e esquecimentos, a notícia da canonização de Dom Expedito não se espalhou
como um fato de relevância e importância naquela cidade. Em vez disso, o vulto do padre
Hosana ganha mais força nessa queda de braço entre o esquecimento e o lembrança, nesse
conflito entre Garanhuns e Correntes.
Em Garanhuns, apenas aquelas e aqueles que participam dos grupos religiosos da
Igreja, ou sintetizam sua vida religiosa apenas à obrigação de ir às missas aos domingos,
comentam esse movimento de canonização. Os que estão “fora da Igreja” não se afetam com
a causa, não se vêm nela e a acompanham apenas na escuta, muitas vezes sem entender o
que efetivamente a canonização pode alterar em suas vidas. Os próprios entrevistados
lamentam o não-envolvimento total da população para com essa causa.
Ao que parece, o “exemplo” que dom Expedito teria deixado ficou apenas entre os
seus, isto é, apenas entre as freiras que o ajudaram a fundar o Instituto, entre os padres mais
antigos da Diocese, que o conheceram, e entre os leigos que participam dos movimentos
religiosos. O “modelo” dom Expedito perde força quando estendido a toda a cidade. Fica
apenas entre os seus. É uma vontade das freiras que, por sua vez, envolveu a autoridade
máxima da Diocese, o bispo atual dom Irineu Roque Scherer.
Dona Iraci Gomes Soares, doméstica, de 54 anos, rebate afirmações que ouvi de que
o povo está inteiramente envolvido nessa causa, quando anota:
(...) Aqui não tem um envolvimento do povo em geral. As pessoas não são, assim, não
tem divulgação. Tem divulgação, sim, através da Igreja. Ta faltando mais. As pessoas
ainda não conhecem tão bem a história, somente aquelas que tem mais engajamento com
a Igreja. O povo em geral, não. As pessoas em geral ainda não tem devoção de pedir a
ele, né, ainda. Não é conhecida a história dele. Falta o conhecimento da história que o
povo não tem. Isso! Pra ser mais conhecido, precisa ter mais divulgação e as pessoas não
tão envolvidas (...).
194
194
Entrevista com a senhora Iraci Gomes Soares, doméstica, 54 anos. Realizada em Garanhuns-PE, em julho de
2007.
Dona Maria Dalva de Araújo Carvalho, de 64 anos, também defensora do bispo,
quando indagada por mim se dom Expedito caiu no esquecimento por conta do não
envolvimento do povo no movimento de canonização que a Diocese propõe aos fiéis, é
enfática e direta:
(...) Não, não! No esquecimento num caiu não [ênfase]! Diante da grandeza dele, assim,
diante de tudo o que ele fez pela cidade. Ele era uma pessoa muito amada por todos. Eu
acho que ele num caiu e num cai no esquecimento não. precisa um pouco mais de
divulgação, né. Eu acho assim. As pessoas falar mais, procurar saber mais detalhes sobre
ele.
195
Dentro dessa confusão de opiniões sobre o envolvimento e o não-envolvimento do
povo no movimento de canonização, pergunta-se: onde estão os ecos da grandiosidade e
exemplo de Dom Expedito tão difundidos no passado? Ficaram limitados apenas entre os
defensores do bispo?
A senhora Maria Rosa Lopes, de 68 anos, doméstica, detalha sua admiração pelo
exemplo que dom Expedito tornou-se para ela quando no leito da morte:
(...) Dom Expedito Lopes foi uma pessoa, foi uma fortaleza de amor e perdão, foi uma
presença forte na cidade. Os mais jovens é que num sabem mesmo porque os mais
velhos num tão falando, né. Nós mesmo, nós participa de muitas reuniões, mas numa é
que foi falado isso aí, (...). Mas, num era pra ter caído no esquecimento. Era pra ter
continuado, né. Na época muita gente chorou. Tinha muitas lágrimas em Garanhuns, né.
196
A senhora Letícia, doméstica, de 60 anos, mostrou-se recuada na entrevista. Suas
palavras ponderadas cortavam o estendido silêncio que pairou na sala de sua casa, porém,
deixou escapar de si palavras que considero importantes trazer para compor o mosaico da
trama sobre a vida e morte de dom Expedito e padre Hosana. Diz ela:
195
Entrevista com a senhora Maria Dalva de Araújo Carvalho, 64 anos, doméstica. Realizada em Garanhuns-PE,
em julho de 2007.
196
Entrevista com a senhora Maria Rosa Lopes, 68 anos, doméstica. Realizada em Garanhuns-PE, em julho de
2007.
Eu sei que ele era um bispo muito querido e amado de todo mundo. Era um bispo muito
bom. O povo falava que ele era um bispo muito bom. Muito bom pos pobre. O povo lembra
muito dele. Eu num sei do coração de ninguém. Eu sei do meu, né. Muita gente tinha ele
como um santo, Dom Expedito. ouvi muita gente falar de preces, pedidos alcançados.
197
As informações trazidas nos vários depoimentos estabelecem o desalinhamento e/ou
a desordem. A temática do “exemplo” não foi, e nem é, somente dirigida ao bispo. Abarca
também a imagem do padre. O sacerdote também foi e é um modelo para essas pessoas.
Nesses fragmentos do passado, sempre os dois estão juntos. Um alimenta o outro. Em meio
aos dizeres e às contestações sobre ambos como “exemplo” e “modelo” a guiar outros
caminhos, eles se complementam, se necessitam.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percorremos textos - publicados em livros, revistas e jornais - e vislumbramos
disputas e tensões na constituição e reconstituição de memórias sobre o crime do padre
Hosana. O aqui (presente) e o ali (passado) foram aproximados dentro das perspectivas de
uma História Social da Memória, que privilegia o enfrentamento de fontes em disputa e a
percepção de um passado aberto e presente.
Na feitura desta pesquisa, percebemos usos do passado, empregos de biografias,
tanto com relação aos que estavam do lado do bispo quanto os que pendiam para o padre. Os
usos de suas respectivas biografias atestam a luta contra o esquecimento. Nesse exercício,
de apresentar as respectivas biografias de cada um para explicá-los e dá-los como exemplos,
verifica-se que o passado de um explica sua santidade, confirma o sentido de sua morte. O
197
Entrevista com a senhora Letícia, doméstica, 60 anos. Recusou-se a citar o nome completo. Sua entrevista foi
a mais difícil de ser travada por recusar-se a falar. Depois de muita insistência minha, concedeu a entrevista.
Realizada em Garanhuns-PE, em julho de 2007.
passado do outro explica o crime. Se o fosse o crime, nenhum precisaria de biografia, aqui
posta como prova. O passado vale como argumento para provar a inocência de cada um.
Os que escreveram sobre esse crime se vêem como guardiões dessa história, como
guarda-costas do passado. E cada um puxa a “verdade” para si; constituída com base em
iscas guardadas nas empoeiradas prateleiras de arquivos pessoais e institucionais de
Pernambuco e, ainda, nas narrativas orais dos moradores de Garanhuns e Correntes.
Numa perspectiva da História Social da Memória, todavia, este trabalho anda na
contramão dessa idéia fixa e imutável da relação presente e passado. No confronto de fontes,
pontuamos incoerências, incompletudes, leituras e posicionamentos outros sobre o mesmo
episódio. Formas narrativas divergentes. Longe estou de querer saber sobre o desenrolar do
crime. Preocupado estou em analisar como ele foi contado e recontado na letra e na fala.
François Dosse
198
adverte para o fato de que houve, com origem nas últimas décadas
do século XX, uma renovação significativa na historiografia. Esta renovação historiográfica
permitiu ao historiador aguçar sua sensibilidade e a possibilidade de tornar presente o
passado. Nesse exercício, ele redefine o acontecimento por meio de suas iscas, seus
fragmentos, visualizando uma infinidade de relatos possíveis sobre o passado. Em seu
trabalho intelectual, o historiador refaz o pretérito com base em questões do presente.
Mediante sua trama textual, o historiador revisita o passado percebendo nele outras
memórias, outras histórias.
A História Social da Memória, ainda conforme François Dosse, busca uma ruptura
com o tempo linear. Pluralizando-o. A história, e, portanto, a memória, está aberta ao devir.
um desmoronamento do caráter unitário e linear da história-memória como louvação à
nação e seus heróis. Em seu lugar, há a proliferação de memórias outras, memórias múltiplas,
plurais e outras singularidades possíveis. A perda e o esquecimento operam no centro dos
estudos sobre a memória.
Ela, a memória, tem resistência às leituras esquemáticas e lineares sobre os
acontecimentos. É uma perspectiva interpretativa aberta aos possíveis, à presença das
ausências. Ela não comunga com determinismos explicativos, tão característicos do século
XIX. Satisfaz-se nos inconfessos, nas expectativas, nos desejos e medos dos homens do
passado; porque percebe esses comportamentos e essas ausências nos homens e mulheres
do presente.
198
DOSSE, François. História e Ciências Sociais. Tradução de Fernanda Abreu. Bauru-SP: EDUSC, 2004, p.
149-259.
Outro ponto crucial freqüentemente tocado durante essa pesquisa foi os usos das
biografias de dom Expedito e padre Hosana. Tanto o bispo quanto o padre tiveram letras e
falas para suas respectivas defesas. De forma desequilibrada, como percebido aqui, mas com
intensidades não desprezíveis. Houve quem se desprendeu para pesquisar, selecionar,
arrumar e escrever suas biografias para defendê-los das acusações sofridas. Suas marcas,
para seus guardiões, têm que ser deixadas à disposição do devir. Não podem ser deixadas de
forma solta; mas, de forma exemplar. São os usos do passado. Homens e mulheres de letras
a deslocarem o passado e pô-lo dentro de uma linearidade com início, meio e fim específico: a
defesa do bispo e a defesa do padre.
Sobre esse ponto, Giovani Levi
199
adverte para a necessidade de se entender o
oposto: a biografia como uma escrita e/ou uma narrativa aberta e passível de variações em
sua estrutura e compreensão. A biografia abarca a contradição, tramas e conflitos. Ela não
explica o indivíduo. Posta de forma linear, é sintoma dos interesses próprios do grupo que a
constrói. É preciso problematizar a compreensão e o estudo sobre a biografia, porque
entende-se, hoje, que ela tem caráter dinâmico. A biografia não está isenta de contradições.
Quando a biografia refere-se à vida de santos,encontramos outras problemáticas e
questionamentos.
Michel de Certeau
200
discorre sua compreensão sobre a Hagiografia, isto é, a escrita
da vida dos santos. Para ele a hagiografia é uma organização textual, portanto, um gênero
narrativo, com objetivo definido: promover o santo. Esse gênero literário, ou seja, a vida do
santo no texto, é feito pela combinação de lugares, atos e temas ligados ao santo; pondo-o
sempre como portador de comportamento exemplares. O exemplo é a força matriz desse tipo
de texto, portanto, desse tipo de discurso. A vida do santo, no texto, é composta pela soma de
virtudes e milagres. Desde sua infância ele está predestinado aos altares.
A vida do santo segue, nessa perspectiva, duas direções: é destinada ao povo e, ao
mesmo tempo, destinada aos ofícios litúrgicos; algo mais oficial e clerical. É fruto de
pesquisas, organização e classificação sistemática das fontes disponíveis sobre ele em que
os pesquisadores se debruçam e transformam em texto, em documento com a marca oficial
da Igreja. Passa então, o santo e o texto sobre ele, para uma esfera de “verdade histórica”. É
fruto de um trabalho coletivo de um grupo e/ou equipe de pensadores e/ou eruditos; o qual se
ramifica por meio de viagens e/ou outros formas de comunicação recíprocas. É um texto linear
199
LEVI, Giovani. Usos da Biografia. In: FERREIRA, Marieta de Moraes & AMADO, Janaina (orgs.). Usos e
abusos da História Oral. Rio Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996, p. 167-182.
200
CERTEAU, Michel. A Escrita da História. Tradução de Maria de Lourdes Menezes. 2.ª ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2002, p. 266-278.
e que aprisiona a dinamicidade social. A vida de santo indica uma relação entre grupos,
sempre nutrida.
No caso de dom Expedito, sua biografia está voltada já para uma hagiografia. Pois,
para os que colocaram palavra em sua defesa, ele estava predestinado aos altares. A
escrita de sua biografia, a escrita sobre sua morte, em especial, os discursos proferidos nas
celebrações eucarísticas, nos programas de rádio, estampados nos livros de cânticos e nos
“santinhos” distribuídos nessas celebrações o põem nos altares domésticos e no coração
dos fiéis de Garanhuns. Mesmo que o mesmo ainda não tem força. Não penetrou na vida
religiosa da Garanhuns de agora. Tampouco de Correntes, onde as lembranças sobre padre
Hosana são mais evidentes que as do bispo.
Os textos sobre o santo freqüentemente lhe atribuem origem nobre e,
conseqüentemente, esse ar de nobreza também se estende ao grupo que o elegeu e que
escreveu sobre ele. Ao santo, tudo é dado em sua origem. Ele já é um predestinado. Sua
vida, desde o início, está traçada para isso. A vida de santo é um discurso de virtudes que
se aproxima do extraordinário e do maravilhoso. As virtudes do santo oferecem, assim,
modelos sociais, exemplos aos demais.
Portanto, essa pesquisa, penso, é uma contribuição à compreensão de História como
uma ciência do presente e do devir. Que este trabalho possa ser subsídio para outras leituras,
outros questionamentos, outros contentamentos e descontentamentos sobre o crime do padre
Hosana.
FONTES
Jornais:
Em Fortaleza-CE
O Nordeste (1957 - 1960)
Jornal Gazeta de Notícias (1957)
Em Sobral-CE
Correio da Semana (2006)
No Recife-PE
Diário da Noite (1957)
Jornal da Noite (1957)
Diário de Pernambuco (1957, 1959, 1995 - 1997)
Jornal do Comércio (1957 - 1997)
Revista Flos Carmeli (Convento do Carmo, Recife-PE) (1957 - 1959)
Em Garanhuns-PE
O Monitor (1957 - 1959)
Imprensa do Agreste (2003)
Outros
Ata de abertura e instalação do Processo Diocesano pela Causa de Beatificação e
Canonização de dom Expedito Lopes. Cópia cedida por frei Francisco Fernando da Silva,
canonista e juiz delegado do Tribunal para a causa da Beatificação e Canonização de dom
Expedito Lopes. Recife-PE, agosto de 2006.
BRITO, Taíza. A Confissão do Padre Hosana. Recife-PE: Edições Bagaço, 1998.
Carta do padre Rodolfo Lamprecht endereçada a dom Expedito Lopes. Cópia cedida por frei
Francisco Fernando da Silva, canonista e juiz delegado do Tribunal pela causa de
Beatificação e Canonização de dom Expedito Lopes. Recife-PE, agosto de 2007.
Cartas de pedidos e agradecimentos de milagres e/ou graças alcançados por intermédio de
dom Expedito Lopes. Cedidas a mim por dom Acácio Rodrigues Alves, bispo emérito de
Palmares-PE.
CDs gravados com os programas de Rádio Uma Palavra em sua Vida e O Dia do Senhor.
Ambos foram são transmitidos pela Rádio Difusora de Garanhuns. Cópia cedida pelas freiras
do Instituto das Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do Brasil. Garanhuns-PE, julho de
2007.
CÉSAR, Ana Maria. A Bala e a Mitra. Recife-PE: Edições Bagaço, 1994.
-----------------------------. A Bala e a Mitra: Novos Tempos e Verdades Antigas. 2.ª ed. Recife-
PE: Edições Bagaço, 2007.
Documentário: Batinas tintas de sangue: o crime do padre Hosana. Produzido pelos alunos
do Curso de Comunicação Social da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) como
trabalho de conclusão de curso. Ano de produção: 2005. Cópia cedida por Kele Gualberto,
uma das alunas do curso e produtoras do documentário. Recife-PE, 2006.
Fita de vídeo K7 que contém o registro da missa de abertura e instauração do processo de
beatificação e canonização, Catedral de Santo Antônio, Garanhuns-PE, julho de 2004. Cópia
cedida pelas freiras do Instituto das Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do Brasil.
Garanhuns-PE, agosto de 2007.
LISBOA, Lindolfo Pereira de. Padre Hosana: Sacerdote e Réu. Recife-PE: documento não
editado, 1962. Cópia cedida a mim por Taíza Brito, jornalista e autora do livro A Confissão do
Padre Hosana, lançado no Recife, em 1998.
Lista das testemunhas iniciais do processo para a causa de beatificação. Está anexada à ata
de abertura e instalação do processo diocesano. Recife-PE, agosto de 2006. Cópia cedida por
frei Francisco Fernando da Silva, canonista e juiz delegado do Processo de Beatificação e
Canonização de dom Expedito Lopes. Recife-PE, agosto de 2006.
Livro de cânticos da celebração eucarística de encerramento da fase diocesana do processo
de beatificação e canonização de dom Expedito Lopes, realizada na Catedral de Santo
Antônio, Garanhuns-PE, outubro de 2005. pia cedida pelas freiras do Instituto das
Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do Brasil. Garanhuns-PE, agosto de 2007.
Livro de cânticos e orações da missa dos 40 anos da morte de dom Expedito Lopes, realizada
na Catedral de Santo Antônio, em Garanhuns, no dia 02 de julho de 1997. Cópia cedida pelas
freiras do Instituto das Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do Brasil. Garanhuns-PE,
janeiro de 2003.
Livros de cânticos e “santinhos” distribuídos nas Celebrações Eucarísticas na passagem do
aniversário de morte de dom Expedito, realizadas na Catedral de Santo Antônio, em
Garanhuns-PE. Cópia cedida pelas freiras do Instituto das Missionárias de Nossa Senhora de
Fátima do Brasil. Garanhuns-PE, julho de 2007.
PERÉA, frei Romeu. Dom Expedito: Bispo e Mártir. Recife-PE: Editora Flos Carmeli, 1958.
-----------------------------. A Morte de Dom Expedito. Considerações em torno de um cadáver
glorioso. Recife-PE: Editora Flos Carmelo, 1959.
Tribunal Eclesiástico de Olinda e Recife. Recife-PE: Relatório apresentado pelo monsenhor
José de Anchieta Callou, pároco da Catedral de Santo Antônio (Garanhuns-PE), na época do
crime, à Nunciatura Apostólica, documento não traz data (s/d). Cedido por dom Acácio
Rodrigues Alves, Sobral-CE: dezembro de 2002.
“Santinhos” distribuídos aos fiéis na Celebração Eucarística em homenagem aos quarenta
anos de morte de dom Expedito Lopes, realizada na Catedral de Santo Antônio, em
Garanhuns, em 02 de julho de 1997. Cópia cedida pelas freiras do Instituto das Missionárias
de Nossa Senhora de Fátima do Brasil. Garanhuns-PE, janeiro de 2003.
SILVA, frei Francisco Fernando da. Vida de Dom Expedito Lopes: Bispo Mártir de
Garanhuns. Recife-PE: Edições Bagaço, 2007.
Testamento de dom Expedito Lopes. Instituto das Missionárias de Nossa Senhora de Fátima
do Brasil. Garanhuns-PE, agosto de 2006.
Texto biográfico de dom Expedito exposto em forma de data-show utilizado na missa de
abertura e instalação do Tribunal Diocesano de Garanhuns em prol da beatificação e
canonização do antístite, realizada na Catedral de Santo Antônio, em 02 de julho de 2004.
Cópia cedida pelas freiras do Instituto das Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do
Brasil. Garanhuns-PE, julho 2007.
FONTES ORAIS
Dom Acácio Rodrigues Alves, bispo emérito de Palmares-PE. Realizada em Sobral-CE, no
Seminário São José, em 16 de dezembro de 2002.
Senhora Eugênia Gonçalves de Medeiros, 73 anos, professora aposentada. Realizada em
Garanhuns-PE, em 15 de fevereiro de 2003.
Senhora Maria Tenório Cabral, 87 anos, aposentada. Realizada em Garanhuns-PE, em julho
de 2007.
Senhora Natalícia Laurinda, 79 anos, dona de casa. Realizada em Correntes-PE, em julho
de 2007.
Senhor Euclides Marcolino de Sousa, 87 anos, aposentado rural. Realizada em Correntes-
PE, em julho de 2007.
Padre Osvaldo Carneiro Chaves, 84 anos, padre da Igreja Católica 50 anos. Realizada
em Sobral-CE, em dezembro de 2007.
Senhor João Correa, casado, evangélico, aposentado. Não mencionou idade. Correntes-PE,
julho de 2007.
Senhora Maria do Carmo Rodrigues da Silva, 67 anos, trabalhadora rural. Correntes-PE,
julho de 2007.
Senhora Odete Santina dos Santos, de 82 anos e o senhor Euclides Marcolino de Sousa,
87 anos. Ambos, aposentados rurais. Correntes-PE, julho de 2007.
Senhora Alice Maria da Silva, 73 anos de idade, doméstica. Correntes-PE, julho de 2007.
Senhor Manoel Agostinho da Silva, 77 anos, aposentado rural. Correntes-PE, julho de 2007.
Senhora Maria Maciel Vieira, casada, 63 anos, dona de casa. Correntes-PE, julho de 2007.
Senhora Maria do Carmo Alves da Silva, 72 anos, doméstica. Garanhuns-PE, em julho de
2007.
Senhora Maria do Carmo Rodrigues da Silva, 62 anos, doméstica e trabalhadora rural.
Correntes-PE, julho 2007.
Senhora Regina Leite Cavalcante, 82 anos, aposentada. Garanhuns-PE, julho de 2007.
Senhora Lindalra Cordeiro de Melo, dona de casa, recusou-se a partilhar sua idade.
Garanhuns-PE, julho de 2007.
Senhora Iraci Gomes Soares, 54 anos, dona de casa. Garanhuns-PE, julho de 2007.
Senhora Maria Dalva de Araújo Carvalho, 64 anos, doméstica. Garanhuns-PE, julho de
2007.
Senhora Maria Rosa Lopes, 68 anos, doméstica. Garanhuns-PE, julho de 2007.
Senhora Letícia, recusou-se a dizer o nome completo, 60 anos, dona de casa. Garanhuns-
PE, julho de 2007.
Senhora Severina Ridete da Silva, 77 anos, dona de casa, Garanhuns-PE, julho de 2007.
Cônego Francisco Sadoc de Araújo, postulador da causa de canonização do padre
Ibiapina. Sobral, maio de 2003.
Senhora Ana Maria César, autora do livro A Bala e a Mitra, lançado pelas Edições Bagaço,
em 1994, e sua segunda edição em 2007, no Recife-PE. Entrevista realizada em sua
residência, no bairro de Apipucus, na capital pernambucana, agosto de 2006.
Jornalista Taíza Brito, do Jornal do Comércio, e autora do Livro A Confissão do Padre
Hosana, lançado pelas Edições Bagaço, em 1998, Recife-PE. Recife, agosto de 2006.
Frei Francisco Fernando da Silva, canonista e juiz delegado do Tribunal Diocesano pela
Causa de Beatificação e Canonização de dom Expedito Lopes. Realizada em Recife-PE, no
Convento de Santo Antônio, no bairro de Santo Antônio, em agosto de 2006.
FOTOGRAFIAS
Foto 01 Primeiro Julgamento do padre Hosana de Siqueira e Silva, datado de 20 de
fevereiro de 1959. Fundo: Arquivo Público do Estado de Pernambuco. Fonte: Diário de
Pernambuco.
Foto 02 - Padre Hosana de Siqueira e Silva retirando-se do Tribunal de Justiça de
Pernambuco (TJP), no Recife-PE, fevereiro de 1959. Fundo: Arquivo Público do Estado de
Pernambuco. Fonte: Diário de Pernambuco.
Foto 03: Manchete de jornal relembrando o crime de padre Hosana. Fundo: Instituto das
Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do Brasil, Garanhuns-PE. Fonte: Diário de
Pernambuco, 23 de julho de 2001.
Foto 04: Tribunal pela Causa de Beatificação e Canonização de dom Expedito Lopes.
Reunião de 05 de setembro de 2005, Garanhuns-PE. Arquivo Pessoal. Fotografia cedida por
frei Francisco Fernando da Silva. Recife-PE, agosto de 2006.
Fotos 05 e 06: Praça dom Expedito Lopes, localizada próxima à Igreja de Nossa Senhora do
Perpétuo Socorro, Garanhuns-PE. Arquivo pessoal. Garanhuns-PE, 2003.
Fotos 07, 08, 09 e 10: Alguns dos objetos que compuseram o acervo da exposição em
homenagem aos quarenta anos de morte de dom Expedito Lopes, realizada em Garanhuns-
PE, 1997. Fundo: Arquivo do Instituto das Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do
Brasil. Garanhuns-PE, 2003.
Foto 11: Procissão de entrada da Celebração Eucarística de Encerramento da fase diocesana
do Processo de Beatificação e Canonização de dom Expedito Lopes. Catedral de Santo
Antônio, Garanhuns-PE, outubro de 2005. Arquivo Pessoal. Fotografia cedida por frei
Francisco Fernando da Silva. Recife-PE, agosto de 2006.
Fotos 12 e 13: “Santinhos” distribuídos na celebração de abertura e instalação do Tribunal
Diocesano para a causa de Beatificação e Canonização de dom Expedito Lopes. Fundo:
Arquivo do Instituto das Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do Brasil, Garanhuns-PE,
agosto de 2006.
Fotos 14 e 15: Convite-missa da abertura e instalação do Tribunal Diocesano para a causa
de Beatificação e Canonização de dom Expedito Lopes. Fundo: Arquivo do Instituto das
Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do Brasil, Garanhuns-PE, agosto de 2006.
Fotos 16 e 17: Convite-missa para o encerramento da fase diocesana do processo de
beatificação e canonização de dom Expedito Lopes. Fundo: Arquivo do Instituto das
Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do Brasil, Garanhuns-PE, agosto de 2006.
Foto 18: Vitral exposto no Palácio Episcopal de Garanhuns. Fundo: Arquivo do Instituto das
Missionárias de Nossa Senhora de Fátima do Brasil, Garanhuns-PE, agosto de 2006.
BIBLIOGRAFIA
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VELHO, Gilberto. Projeto e Metamorfose: Antropologia das Sociedades Complexas. 2.ª ed.
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