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não ser amado, de ser filho ou filha. Enfim, trata-se da busca por um prazer e gozo
desenfreados na tentativa de conter este grande sofrimento (Olievenstein, 2003)
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.
Outros autores mencionam ainda o fracasso da "Lei-do-Pai", ou seja,
ausência de limites e autoridade por parte das instituições tradicionais que
nasceram com a civilização, entre elas, a própria família, a religião, o Estado, entre
outras. Neste sentido, o comportamento compulsivo do toxicômano representaria
exatamente a busca por esta "autoridade paterna"; daí que, nesta busca, o
indivíduo encontra-se próximo da transgressão e do interdito (Bittencourt, 2003).
Neste contexto, o limite a este gozo sem fim pode surgir da própria
realidade, no encontro com alguma situação geradora de uma angústia
suficientemente forte para interditar momentaneamente o reencontro do sujeito
com o objeto de sua compulsão, como, por exemplo, o álcool ou outras drogas.
Esta situação geradora de forte angústia é a denominada pelos próprios grupos de
mútua-ajuda de "fundo do poço" sendo, então, o ponto que resiste à continuação
do afundamento (quebra da compulsão à repetição) por parte do sujeito, e o
momento em que este indivíduo pode tentar reinventar o "pai" de algum modo,
aceitando as formas socializadas de satisfação existentes na sociedade (o lazer, o
amor, o trabalho, etc), sem buscar na drogadição este prazer (Crespo, 2003).
Para esta autora, não só o fundo do poço do toxicômano gera esta
construção de um limite à aposta na onipotência deste grande Outro que é a droga,
como também outras modalidades de "fundo de poço", existentes na sociedade de
uma forma geral, como os grandes desastres ecológicos, surtos de violência social
e rebeliões com forte impacto nos países, funcionam também como esta situação
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É sugestiva a análise da psicanálise freudiana referente ao uso de drogas ou à qualquer comportamento
compulsivo como sendo um mecanismo de compulsão à repetição. Segundo Roudinesco (1998), este é um
conceito que busca dar conta de um processo inconsciente, e como tal, impossível de dominar, que obriga o
sujeito a reproduzir seqüências (atos, idéias, pensamentos ou sonhos) que, em sua origem, foram geradoras de
sofrimento, e que conservaram este caráter doloroso; daí a vinculação deste tipo de compulsão com a pulsão de
morte, pois o sujeito faz um laço com a sua auto-destruição e a morte do próprio prazer, já que em estágios
avançados da drogadição, a dor e o sofrimento superam o prazer do uso. Na psiquiatria, com Kaplan (1997),
encontramos também uma referência aos transtornos relacionados ao álcool como sendo predominantes em
indivíduos com superegos punitivos (forte repressão e crítica a si próprio), com a fixação do sujeito no estágio
oral de desenvolvimento de sua personalidade; daí o consumo de substâncias pela boca, como o álcool, para
contenção da ansiedade, uma vez que é a boca o principal órgão de prazer da criança no estágio oral de seu
percurso psíquico. O "fundo do poço" pode ser entendido, neste viés de análise, como um momento da vida do
indivíduo em que ele busca exatamente quebrar esta compulsão à repetição, em busca de uma ajuda para seu
comportamento compulsivo, o que oferece oportunidades de religá-lo novamente à pulsão de vida.