
14
Surge no ano de 1745, uma experiência fundamental feita por um padre
27
irlandês John
Tuberville Needham. Após haver colocado caldo de carneiro bem quente em um frasco,
fechando-o cuidadosamente com tampa de cortiça, deixa-os nas brasas quentes para purgar os
eventuais germes durante vários minutos, “o tempo suficiente para cozinhar um ovo de
galinha”. Alguns dias mais tarde, o caldo de carneiro está povoado de animalúnculos. Needham
concluiu que eles não teriam podido vir do exterior, uma vez que o vaso estava fechado
28
.
A autora complementa que tal experimento teria servido de apoio à teoria das moléculas
orgânicas do então célebre naturalista francês Georges-Louis Leclerc de Buffon (1707-1788):
Buffon dizia que, quando um animal perece, embora ele desapareça como indivíduo de uma
espécie, não morre inteiramente: suas moléculas orgânicas persistem, separando-se,
dispersando-se, após a decomposição do cadáver, e podem em seguida formar indivíduos de
formas mais simples
29
.
Para Martins, em 1751, bem antes dos experimentos de Spallanzani, de 1765, o Abade de
Lignac, provavelmente inspirado em um adversário de Buffon, o também francês René-Antoine
Ferchault de Réaumur (1683-1757), escreveu anonimamente uma outra crítica à teoria das moléculas
orgânicas de Buffon e às observações de Needham. Nesse texto, o sistema de Buffon é condenado por
ser “triste e grosseiro” e os animais das infusões, apesar de diminutos, têm a sua origem atribuída à
mesma origem dos animais maiores, ou seja, surgem “de pais que se pareciam com eles”
30
. A autora
menciona ainda o naturalista genebrês Charles Bonnet (1729-1793), que alegou que os frascos do
experimento de Needham não teriam sido perfeitamente vedados e que o tempo de aquecimento teria
permitido a sobrevivência dos germes
31
. Segundo a autora, o experimento não foi considerado
conclusivo na época. Alguns filósofos, como Diderot (1713-1784), acreditaram na geração espontânea,
enquanto outros, como Voltaire (1694-1778), acreditaram em contaminação externa
32
.
A autora descreve os experimentos de Spallanzani, publicados em 1765, com infusões feitas
com grãos de abóbora ou trigo
33
. Embora cuidadosamente fervidos, Martins comenta que as infusões
27
É freqüente ser atribuído a Needham pertencer à Igreja anglicana (como faz Oparin) ou à ordem dos jesuítas. L. A.-C. P.
Martins corrige também esse pormenor no texto citado, identificando-o como um padre católico. Contudo, M. Stefani
afirma não ser conhecida, com certeza, a ordem religiosa a que Needham pertencia, embora se possa saber, a partir de suas
próprias palavras em carta a Voltaire, que não era mesmo um jesuíta: “nem athée, nem irlandês, nem jesuíta, nem mesmo
Eléve des Jésuites” (M. Stefani, Corruzione e generazione, p. 6). Além disso, encontramos no catálogo de arquivos da The
Royal Society que a nacionalidade de Needham era britânica, tendo nascido em Londres no dia 10 de setembro de 1713.
(NEEDHAM, John Turberville. Disponível em
http://www.royalsoc.ac.uk/DServe/dserve.exe?dsqIni=Dserve.ini&dsqApp=Archive&dsqCmd=show.tcl&dsqDb=Persons&
dsqPos=2&dsqSearch=(Surname='needham
' Acesso em abril de 2006).
28
L. A.-C. P. Martins, “Geração espontânea: dois pontos de vista”, p. 8.
29
Ibid., p. 9.
30
Ibid., p. 9.
31
Ibid., p. 9.
32
Ibid., p. 9.
33
Spallanzani diversifica enormemente suas infusões, usando diversos tipos de sementes, como cânhamo, linho, ervilha,
milho, feijão branco, grão de bico, abóbora, camomila, azedinha, cevada, tremoço, fava, arroz e mistura de milho com
trigo. Spallanzani varia também o preparo das infusões a partir de sementes trituradas e inteiras, com sementes secas, não