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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA VIDA
PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE
DÉBORA LACERDA SAES
DESAFIOS DE TRABALHADORES EM SAÚDE MENTAL:
o cotidiano dos serviços substitutivos.
Salvador
2010
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DÉBORA LACERDA SAES
DESAFIOS DE TRABALHADORES EM SAÚDE MENTAL:
o cotidiano dos serviços substitutivos.
Monografia apresentada à Universidade do Estado da Bahia,
Departamento de Ciências da Vida, Programa de Residência
Multiprofissional em Saúde, Núcleo de Saúde Mental, como
requisito parcial para obtenção do título de Especialista em
Saúde com Ênfase em Saúde Mental sob orientação do
Professor Dr. José Lucimar Tavares.
Salvador
2010
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DESAFIOS DE TRABALHADORES EM SAÚDE MENTAL
o cotidiano dos serviços substitutivos
Débora Lacerda Saes
Monografia apresentada ao Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da
Universidade do Estado da Bahia/ Núcleo de Saúde Mental, como parte dos
requisitos para obtenção de título de especialista em Saúde com ênfase em Saúde
Mental.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________
Prof. Dr. José Lucimar Tavares (Orientador)
__________________________________________________
Segundo examinador
___________________________________________________
Terceiro examinador
Salvador, aprovada em _______ de abril de 2010.
4
RESUMO
Este é um estudo desenvolvido qualitativo, descritivo, cujo objetivo foi conhecer os
desafios vivenciados por trabalhadores de Saúde Mental, no cotidiano dos serviços
substitutivos. Para tanto, foram entrevistados 08 (oito) trabalhadores do CAPS,
campo do estudo, e 03 (três) cuidadores, que trabalham na Residência Terapêutica
(RT), perfazendo um total de 11 (onze) sujeitos de diversas categorias profissionais,
pois se entendia que todos estavam implicados na atenção psicossocial aos
usuários do serviço. Seus resultados apontaram que os profissionais do CAPS
demonstraram tendência à individualização dos problemas e de suas resoluções, em
detrimento ao debate coletivo, muito mais do que os da RT. As principais
dificuldades encontradas, em ambos os serviços, foram apresentadas como estando
acima das possibilidades de resolução pelos próprios profissionais, referindo-se ao
excesso de atividades e de usuários; escassez de recursos materiais; problemas
com equipamentos das redes de saúde mental e de saúde integral, entre outros. As
principais facilidades e estratégias referiram-se, sobretudo, as características
pessoais como: gostar do que faz; acostumar-se com a falta de rotina ou conseguir
manipular a rotina, a fim de dar conta de todas as tarefas. Encontrou-se, também, o
processo de desgaste que vêm sendo submetidos ambos os grupos, relacionado
não somente às dificuldades citadas, mas, também, aquelas inerentes ao
funcionamento de instituições públicas. Destaca-se que o SUS ainda está em
consolidação, e pode-se afirmar que os equipamentos propostos pela Reforma
Psiquiátrica sofrem com um duplo processo: precisando se consolidar, enquanto
equipamento de saúde publica e equipamento de saúde metal.
Palavras-chave: saúde mental, serviços substitutivos, trabalhadores de saúde
5
ABSTRACT
This is a study developed qualitative, descriptive, aimed to meet the challenges
experienced by workers of Mental Health, the routine of substitute services. So, there
were 08 respondents (eight) workers in CAPS field of study, and 03 (three) of the
caregivers who work in Housing therapy (RT), a total of eleven (11) subject to various
groups of professionals, because they understand all were involved in psychosocial
care to service users. Their results showed that professionals in the CAPS showed a
tendency to individualization of problems and their resolutions, rather than the
collective debate, much more than those of RT. The main difficulties encountered in
both services were described as being beyond the means of resolution by the
professionals themselves, referring to the surplus of activities and users, lack of
material, problems with network equipment of health and mental health Full, among
others. The main facilities and strategies referred in particular the personal
characteristics such as love what you do, get used to the lack of routine or able to
handle the routine in order to account for all tasks. It was found, also, the process of
attrition that have been submitted by both groups, related not only to the difficulties
mentioned, but also those inherent to the functioning of public institutions. It is
noteworthy that the SUS is still in consolidation, and it can be stated that the
equipment proposed by the psychiatric reform suffer from a double process: need to
consolidate, as a facility for public health and facilities metal health.
Keywords: mental health, alternative services, mental health workers.
6
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO...........................................................................................08
2. PRODUÇÕES CIENTÍFICAS NO BRASIL NO CAMPO DA SAÚDE
MENTAL..........................................................................................................10
2.1. OS SUJEITOS DAS PESQUISAS - TRABALHADORES EM SAÚDE
MENTAL............................................................................................................12
2.2. O TRABALHO E O TRABALHO EM SAÚDE
MENTAL............................................................................................................14
2.3. A REFORMA PSIQUIÁTRICA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE
MENTAL..................................................................................................15
3. METODOLOGIA..........................................................................................18
3.1.TIPO DE ESTUDO...............................................................................18
3.2. CAMPO DE ESTUDO..........................................................................18
3.3. SUJEITOS DA PESQUISA....................................................................19
3.4. COLETA DE DADOS...........................................................................20
3.5. ANÁLISE DOS DADOS........................................................................21
3.6. ASPECTOS ÉTICOS...........................................................................22
4. O CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL – aspectos gerais..............23
5. A RESIDÊNCIA TERAPÊUTICA – aspectos gerais.................................25
6. OS SUJEITOS DA PESQUISA – PERFIL DOS ENTREVISTADOS..........26
7. O TRABALHO E OS TRABALHADORES NOS SERVIÇOS
SUBSTITUTIVOS DA CIDADE DE SALVADOR............................................32
7
7.1. O TRABALHO E OS TRABALHADORES DO CENTRO DE ATENÇÃO
PSICOSSOCIAL.......................................................................................32
7.1.1. Aspectos Relacionados à Organização do Trabalho............32
7.1.2. Crise e Possibilidades de Intervenção Concepções dos
Trabalhadores.....................................................................................41
7.1.3. Reforma Psiquiátrica – Concepções dos Trabalhadores......43
7.1.4. Relação entre a Equipe Conflitos e Proposição de
Soluções..............................................................................................51
7.1.5. Os Programas de Residência Multiprofissional.....................52
7.2. O TRABALHO E OS TRABALHADORES DA RESIDÊNCIA
TERAPÊUTICA.........................................................................................54
7.2.1. Aspectos Relacionados à Organização do Trabalho............54
7.2.2. Residência Terapêutica – Concepções dos Trabalhadores.59
7.2.3. Relação entre a Equipe Conflitos e Proposição de
Soluções..............................................................................................60
7.2.4. Relação entre RT e CAPS O Ponto de Vista dos
Cuidadores...........................................................................................62
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................65
9. REFERÊNCIAS...........................................................................................68
10. APÊNDICE: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.................73
11. LICENÇA DA OBRA.................................................................................76
8
1. INTRODUÇÃO
A Reforma Psiquiátrica no Brasil é debatida pelos movimentos sociais de
trabalhadores e usuários em saúde mental desde o final dos anos 1980, período de
redemocratização do país aberto no pós-ditadura militar. Ganha especial ênfase com
a proclamação da Constituição de 1988 e com a criação do Sistema Único de Saúde
(SUS). Contudo, é somente a partir da década de 1990, com a assinatura da
Declaração de Caracas pelo Brasil e com a realização da II Conferência Nacional de
Saúde Mental, que começam a vigorar as primeiras normas federais que
regulamentam a implantação dos serviços substitutivos aos hospitais psiquiátricos
1
,
os Centros ou Núcleos de Atenção Psicossocial (CAPS ou NAPS). E, é somente a
partir dos anos 2000, que a Reforma Psiquiátrica começa a ganhar corpo e respaldo
legal com a promulgação da Lei 10.216/2001 (Lei Paulo Delgado)
2
e com leis e
portarias que implementam outras políticas como as Residências Terapêuticas
3
, o
Programa de Volta Para Casa
4
, redução progressiva de leitos em hospitais
psiquiátricos
5
, entre outros.
No estado da Bahia, a realidade de implementação dos serviços substitutivos
não difere muito da realidade encontrada em diversas outras localidades do Brasil.
Os CAPS começaram a ser implantados em 2000 pela necessidade de responder às
1
Vide referência.
2
Esta lei ficou conhecida como Lei Paulo Delgado – deputado autor desta lei – ou Lei da Reforma
Psiquiátrica porque, dentre outras coisas, destacou-se ao definir os direitos das pessoas com
transtornos mentais, estabelecer que o tratamento a essas pessoas se daria prioritariamente em
serviços comunitários de saúde mental, além de definir como se dariam as internações psiquiátricas,
criando três modalidades: voluntária, involuntária e compulsória; impondo a notificação ao Ministério
Público Estadual no caso de internação involuntária, no prazo de até setenta e duas horas. (BRASIL,
2001).
3
Os Serviços Residenciais Terapêuticos ou Residências Terapêuticas foram criados pela portaria
106/MS de 11 de fevereiro de 2000. (BRASIL, 2000).
4
O Programa de Volta para Casa foi criado pela lei 10.078/03 e contou com um manual que, entre
outras coisas, aponta os objetivos do mesmo. (BRASIL, 2003)
5
Redução de leitos instituída pelo Programa Anual de Reestruturação da Assistência Psiquiátrica
Hospitalar no SUS, portaria 52/GM de 20 de janeiro de 2004. (BRASIL, 2004).
9
políticas de desinstitucionalização do Ministério da Saúde, processo que ainda está
em andamento e apresenta diversos problemas, fazendo com que as funções dos
CAPS não sejam desempenhadas como deveriam. Contando com recursos
humanos, financeiros e materiais restritos, muitos CAPS da cidade de Salvador não
atendem às exigências do Ministério da Saúde que estabelecem uma estrutura
mínima como, por exemplo, ter espaço físico próprio, refeitório, entre outros, para
funcionarem adequadamente. (BRASIL, 2004).
A vivência propiciada pela Residência Multiprofissional em Saúde da UNEB,
Núcleo de Saúde Mental, de alguns desses serviços não reforça essa realidade
como mostra outras questões relacionadas diretamente à organização do trabalho,
vínculos trabalhistas, entre outras. Assim, conhecer as questões inerentes à
implementação da Reforma Psiquiátrica, somados à dura realidade desses serviços
motivou este estudo. Tinha-se como inquietação principal tomar ciência desses
desafios mas do ponto de vista dos trabalhadores, entendendo estes como peças-
chave para concretizar essa Reforma. Buscou-se responder então à questão: quais
os desafios experienciados por trabalhadores de Saúde Mental no cotidiano dos
serviços substitutivos aos manicômios? Para além do que é inerente a um trabalho
com pessoas com transtornos mentais severos e persistentes. Buscando responder
a essa questão, o principal objetivo foi o de conhecer os desafios experienciados por
trabalhadores de Saúde Mental no cotidiano dos serviços substitutivos.
A relevância desse estudo foi defendida na medida em que se buscaria
apreender a problemática do ponto de vista de quem lida com ela cotidianamente e
que, portanto, poderia fornecer informações valiosíssimas para reflexões e possíveis
contribuições nessa área.
10
2. PRODUÇÕES CIENTÍFICAS NO BRASIL NO CAMPO DA SAÚDE
MENTAL
Para esta discussão tem especial importância a obra de Passos (2003) que
propõe uma cartografia das produções científicas no campo de saúde mental,
principalmente aquelas relacionadas à Reforma Psiquiátrica entre 1980 e 1996.
Sendo que, por Reforma Psiquiátrica a autora compreende
Desde o conjunto de medidas oficiais (políticas, planos e alterações na lei
visando à desospitalização e à reforma da assistência psiquiátrica) até o
movimento social mais amplo, envolvendo trabalhadores da saúde mental,
usuários, familiares e entidades da sociedade civil, numa luta pela
transformação da condição de cidadania dos doentes mentais. (PASSOS,
2003, p. 231).
A partir da amostra encontrada na base de dados Literatura Latino-Americana
e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Passos (2003) discute que, no Brasil,
as produções oficiais de órgãos dos governos federal, estaduais e municipais
restringem-se, em sua grande maioria, ao que chama de eixo “Brasília-Rio-São
Paulo”. (PASSOS, 2003, p. 233). A autora debate sobre as profissões que mais
produzem nesse campo e qual o conteúdo encontrado. Relata a diferença existente
entre as numerosas publicações da psiquiatria cujo conteúdo relaciona-se mais às
questões de especificidades desta profissão e de profissões como psicologia e
terapia ocupacional que buscam ampliar suas produções e dedicam-se mais às
questões relacionadas às transformações na saúde mental.
Relacionando-se especificamente com o tema do projeto (trabalhadores em
saúde mental) as dissertações de mestrado e teses de doutorado concentram-se
principalmente na profissão de Enfermagem, como as obras de Mello (2005), Pinto
(2005) e Soares (2005). também obras na profissão de Psicologia como as de
Silva (2007) e Camargo (2004). Têm-se, assim, uma menor publicação de
profissionais de outras áreas como Terapia Ocupacional e Serviço Social, por
exemplo, onde se pode questionar a ausência de cursos de pós-graduação
11
específicos para essas profissões que optam por qualificações mais abrangentes em
Saúde Coletiva ou Saúde Pública, estas, por sua vez, abarcam profissionais de
diversas áreas. Dessa forma, pode ser citada a obra de Ferrer (2007), terapeuta
ocupacional que tem sua dissertação publicada para obtenção do grau de mestre
em Saúde Coletiva pela Universidade de Campinas. Além disso, pode-se aventar
também a possibilidade de que, fazendo menos pesquisas, outras profissões que
não as de Enfermagem e Psicologia, tenham uma maior dificuldade de promover
publicações em revistas encontradas nas bases de dados utilizadas, como LILACS e
Scientific Electronic Library Online (SCIELO).
Passos (2003), apresentando dados sobre as regiões onde as pesquisas são
produzidas (sejam por seus autores estarem nessa região ou por serem
experiências relatadas que acontecem nas mesmas), afirma que a grande maioria
das obras é oriunda da região Sudeste do país (43,7%), tendo em seguida as
regiões Nordeste (com 6% das produções), Sul (5,1%), Norte e Centro-Oeste (com
1% das produções cada uma). (PASSOS, 2003, p. 234). Nessa pesquisa verificou-
se concentração semelhante das produções nas regiões do país e, ainda, em
algumas cidades que têm reconhecidamente avanços na implementação de serviços
substitutivos e, por conseqüência, avanços na Reforma Psiquiátrica, como a cidade
de Campinas no estado de São Paulo, como a obra de Ferrer (2007). A relevância
desta constatação está na medida em que se encontra uma limitação para
compreender os processos da Reforma Psiquiátrica no Nordeste e no estado da
Bahia.
Passos (2003) trata, também, dos temas a que se referem as produções
pesquisadas e classifica-as em oito categorias como, por exemplo, “Textos sobre
Organização de Serviços” e “Estudos Clínicos”. Tem-se, portanto, o tema
trabalhador de saúde mental compondo a categoria “Outros”, que apresenta um
número muito pequeno de produções (apenas 2,8% do total das produções
analisadas ou, em números absolutos, apenas onze obras), ou seja, considerando
que esta categoria abarca também outros temas que não se encaixam em nenhuma
das outras categorias, a possibilidade, inclusive, de não haver nenhuma
publicação referente a esse tema no país entre 1980-1996. (PASSOS, 2003, p. 235).
12
Com isso, parece correto assegurar que as publicações que se referem a esse tema
cresceram abundantemente tendo em vista que a pesquisa bibliográfica, de todas as
produções encontradas nos últimos cinco anos (2004-2009), selecionou mais de
vinte obras que tratam diretamente do trabalhador em saúde mental, além de outras
que se relacionam de algum modo com o tema.
Desse modo, podem ser sugeridos três grandes subgrupos a partir da
metodologia das pesquisas e dos objetivos que procuraram abarcar.
2.1. Os Sujeitos das Pesquisas - Trabalhadores em Saúde Mental
As obras, nesse sentido, apresentam diferentes metodologias e objetivos.
Obras como as de Campos (2008), Coelho (2008), Glanzner (2008), Ferrer (2007) e
Alves (2005) optam por incluir em sua pesquisa os profissionais de nível médio e
superior ao considerarem a importância de todos os trabalhadores de Saúde Mental,
estando ou não implicados diretamente na assistência aos usuários. Porém uma
concentração das obras como as de Miranda e Campos (2008), Silva (2007), Bichaff
(2006), Leão (2006) que optaram por trabalhar somente com profissionais de nível
superior, sendo que alguns justificam tal fato pela necessidade de direcionamento de
seu estudo. Também grande concentração das pesquisas que se propõe a
trabalhar somente com os profissionais da área de enfermagem, como as obras de
Bialakowsky et. al. (2006), Machado (2006), Pinto (2005), Silva e Fonseca (2005),
Villela e Scatena (2005). Assim, apenas a obra de Honorato e Pinheiro (2008) que
se propõe a trabalhar apenas com profissionais de nível médio. Tem-se, ainda,
somente a produção de Campos et. al. (2009) que inclui como sujeitos da pesquisa
os trabalhadores e usuários de CAPS, familiares de usuários, gerentes dos CAPS
envolvidos na pesquisa, bem como os representantes do colegiado de saúde mental
do município estudado. Esses autores acreditam nessa pluralidade de sujeitos para
alcançarem seu objetivo de analisar os modelos assistenciais, de gestão e de
formação dos trabalhadores.
13
Trabalhando com profissionais de Saúde Mental, Bichaff (2006) e Jorge et. al.
(2006) se propõem a caracterizar o perfil desses profissionais, buscando identificar
quais as concepções que têm e que, portanto, orientam sua prática. Buscando
interpretar essas perspectivas profissionais esses autores procuram entender como
os trabalhadores conseguem viabilizar sua prática.
Silva (2007) e Ramminger (2005) optam por discutir em suas obras a saúde
mental do trabalhador de Saúde Mental. Entendem a importância que de que esses
trabalhadores possam conseguir cuidar de pessoas com sofrimento psíquico e
encontram diversos problemas para que o trabalhador possa cuidar de si mesmo.
Nesse sentido, Alves (2005) coloca ainda que os momentos de supervisão da
equipe de trabalhadores em Saúde Mental possam servir como dispositivo de
cuidado dos mesmos, que aponta as supervisões com caráter de controle e
investigação, servindo mais para “verificar se o trabalho está de fato sendo
realizado...”. (ALVES, 2005, p. 243). Alerta assim para a cobrança por parte do
poder público para que o profissional produza, tendo pouca ou nenhuma
preocupação com o sofrimento psíquico que isto pode gerar.
Machado (2006) opta, ainda, por discutir as representações que os
trabalhadores têm do louco e da loucura e o quanto isto interfere em sua prática. A
autora busca entender se essas representações dificultam ou favorecem o processo
de inclusão social que deveria ser intrínseco ao trabalho em Saúde Mental.
No sentido da importância que os conceitos têm para a prática do trabalhador,
alguns autores trazem conceitos chaves para essa área. Ferrer (2007) e Camargo
(2004) acreditam nas contribuições que a discussão teórica sobre psicanálise e
sofrimento psíquico pode trazer. Traldi (2006) discute os conceitos de Saúde Mental,
psicossocial, desinstitucionalização e cidadania por terem sido herdados, de algum
modo, do movimento da Reforma Psiquiátrica Italiana, que inspirou o movimento
Brasileiro. Hirdes (2009) opta, no entanto, por discutir a partir da revisão de literatura
sobre a Reforma Psiquiátrica no Brasil, como o conceito de desinstitucionalização
pode adquirir, na prática, o caráter de desospitalização, de desassistência e de
desconstrução.
14
2.2. O Trabalho e O Trabalho em Saúde Mental
Nessa questão, autores como Jorge et. al. (2007), Bialakowsky et. al. (2006) e
Traldi (2006) destacam-se por fazer uma discussão mais profunda acerca do que se
configura como trabalho no mundo capitalista, como se a superflexibilização da
força de trabalho e seus reflexos para a classe trabalhadora. Jorge et. al. (2007)
discutem a precarização do trabalho em saúde no Brasil em consonância com as
diretrizes econômicas das transformações que ocorreram no modo de produção
capitalista, que são opostas aos interesses do Sistema Único de Saúde.
Bialakowsky et. al. (2006) partem então para localizar qual seria a função dos
trabalhadores de Saúde Mental, neste contexto e, em especial, dos trabalhadores de
enfermagem e analisam, assim, como se o trabalho nessa área. Honorato e
Pinheiro (2008) trabalham com a idéia de que trabalhar nessa área é, ao mesmo
tempo, fazer um trabalho político tendo em vista que fazer com que o louco esteja na
sociedade exige uma intervenção constante.
Outros autores, a exemplo de Mielke et. al. (2009), fazem análise do trabalho
em Saúde Mental, focando em questões específicas dos Centros de Atenção
Psicossocial. Focam em como se o processo de cuidado em Saúde Mental
entendendo este cuidado como responsável por desencadear ações abrangentes,
incluindo a família e a sociedade nesse trabalho. Discutem, ainda, como o princípio
da integralidade deve ser contemplado para que o cuidado aos usuários seja
humanizado e abarque as esferas biopsicossocial e espiritual dos seres humanos.
Oliveira e Alessi (2005) focam o trabalho que é feito pelos profissionais no
sentido de resgatar a cidadania dos usuários dos serviços substitutivos pois
acreditam que esse deva ser um dos pilares do mesmo. É também nesse sentido
que Leão (2006) procura compreender como se processam as práticas de inclusão
social nos CAPS.
Lappann-Botti (2004) busca contextualizar o uso de oficinas nessa área,
bem como entender porque são consideradas praticas de reabilitação
psicossocial. Miranda e Campos (2008) e Santos (2006) discutem sobre o
papel dos trabalhadores dos serviços de se tornarem técnicos de referência
15
bem como as limitações e possibilidades que isto pode trazer. Santos
(2006) identifica que este técnico de referência deve “através do vinculo,
aprofundar o sentido terapêutico e viabilizar o processo de reabilitação
psicossocial”, gerando amplitudes que permitam a elaboração do Projeto
Terapêutico Individual (PTI). (SANTOS, 2006).
Outros autores focando, ainda, o trabalho na Saúde Mental, discutem outros
equipamentos da rede ou, como o trabalho de Camargo (2004) que analisou a
transformação de um serviço substitutivo que leva o nome de Hospital Dia (HD) em
CAPS. Assim, temos autores como Honorato e Pinheiro (2008) que estudaram um
Serviço Residencial Terapêutico (SRT) ou Residência Terapêutica (RT) e como se
o trabalho do profissional que atua neste tipo de serviço. E, também autores
como Alves (2005), que se propôs a trabalhar com profissionais de diversos serviços
da rede de Saúde Mental de Recife, além do CAPS, com o HD, a RT e, ainda,
pensando nos trabalhadores do Programa de Saúde da Família (PSF) como
cuidadores dessa área que, para a autora, o que define que um trabalhador é um
“técnico em Saúde Mental” é sua atuação no que define como campo, independente
de sua formação acadêmica.
Pensando o trabalho na área de Saúde Mental para além de serviços como
os CAPS, Silva (2005) analisa como se processa o que chama de “discurso da
responsabilidade”. Discute, também, que o serviço, os profissionais e os usuários,
juntamente com a comunidade, devem estabelecer parcerias e uma co-
responsabilização que se direcionem para práticas de desinstitucionalização da
assistência psiquiátrica.
2.3. A Reforma Psiquiátrica e As Políticas Públicas em Saúde Mental
Essa revisão permite afirmar que, independente do objetivo e foco das
produções, a maioria delas propõe uma contextualização histórica, mais ou menos
detalhada, sobre os processos que levam à conquista da Reforma Psiquiátrica,
sendo possível compreender as políticas publicas que se concretizam através de leis
e portarias. Oliveira e Alessi (2005) debatem a Reforma Psiquiátrica Brasileira,
16
contextualizando também as Reformas Psiquiátricas surgidas pela reivindicação de
movimentos sociais em outras partes do mundo como Itália, França, Inglaterra e
EUA. Entendem estes movimentos como sendo de contestação da ordem
psiquiátrica vigente e entendem que estes influenciaram a Reforma Psiquiátrica no
Brasil. Destacam, contudo, o movimento da Reforma Psiquiátrica Italiana, originado
na década de 1960, pois afirmam que este foi o único desses movimentos que se
propuseram a radicalizar as transformações que exigiam, culminando na
desinstitucionalização.
Autores como Jorge et. al. (2006), Leão (2006), Machado (2006) e Traldi
(2006) enfocam, sobretudo, a Reforma Psiquiátrica Italiana pois entendem que esta
foi a principal responsável por influenciar o movimento pela Reforma Psiquiátrica
surgido no Brasil. Trazendo, então, autores de vanguarda na construção do
movimento e implementação da Reforma, essas obras referem-se, principalmente, a
Franco Basaglia e a Franco Rotteli. Traldi (2006) discute que a Psiquiatria
Democrática Italiana apresenta conceitos acerca de termos como “território” e
“construção de rede comunitária” que dão base a toda a discussão dos serviços
substitutivos aos hospitais psiquiátricos não somente na Itália como também no
Brasil. (TRALDI, 2006, p. 39). Do mesmo modo, Jorge et. al. (2006) afirmam que o
termo “reabilitação psicossocial” foi forjado no movimento de Reforma Psiquiátrica
Brasileiro mas que foi embasado nos princípios e concepções da Psiquiatria
Democrática Italiana. (JORGE et. al., 2006, p. 734).
Têm-se, assim, autores que contextualizam a Reforma no Brasil como Silva
(2007), Bichaff (2006) e Santos (2006). Tavares (2007), buscando apreender os
significados que o processo de Reforma Psiquiátrica adquirem para o trabalhador
em Saúde Mental e, conseqüentemente, as repercussões que isto tem na sua
prática. Nardi e Ramminger (2007) debatem as dificuldades que existem na
implementação, por parte dos trabalhadores, dos princípios da Reforma Psiquiátrica
Brasileira.
Autores como Alves (2005) e Camargo (2004) promovem uma discussão
crítica acerca das Políticas Públicas de Saúde no Brasil, para contextualizar,
em especial, as Políticas de Saúde Mental. Alves (2005) questiona,
sobretudo, os direcionamentos que essas políticas têm em relação às
necessidades da população brasileira dizendo que estão presentes uma
“série de contradições”. (ALVES, 2005, p. 241). Traldi (2006) opta por
17
discutir essas políticas promovendo, também, análises em relação às
diretrizes que o discurso oficial defende e que, portanto, são as diretrizes de
implementação de políticas como a instalação de serviços substitutivos, a
exemplo dos CAPS.
18
3. METODOLOGIA
3.1.Tipo de estudo
Foi escolhida a abordagem qualitativa descritiva como norteadora do estudo,
uma vez que foi objetivo do mesmo apreender um recorte da relação dinâmica que
existe entre os sujeitos e o mundo real. Assim, autores como Minayo (1992),
defendem que, na área de saúde, a pesquisa qualitativa é a mais adequada pois:
Trabalha com o universo de significados, motivações, aspirações, crenças,
valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das
relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variável. (MINAYO, 1992, p. 22).
Tem-se, nessa área, uma realidade mais complexa, que exige que sejam
articulados diferentes campos de conhecimento, tendo na pesquisa qualitativa
possibilidades de se aprofundar a compreensão da problemática em questão.
3.2. Campo de estudo
Elegeu-se um dos primeiros Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) da
cidade de Salvador que, situado na Península de Itapagipe, é responsável pelo
atendimento de usuários que moram no Distrito Sanitário de Itapagipe, na Cidade
Baixa. Este CAPS, também, é um dos campos de prática da Residência
Multiprofissional em Saúde da UNEB, propiciou contato estreito entre trabalhadores
e residentes em Saúde Mental e foi, portanto, um dos aspectos facilitadores para o
desenvolvimento dessa pesquisa.
19
3.3. Sujeitos da pesquisa
Pretendeu-se entrevistar 10 (dez) trabalhadores do CAPS para que pudessem
ser abarcados técnicos de nível superior, de nível médio, do setor administrativo, da
higiene e da segurança, pois se entendia que todos estavam implicados na atenção
psicossocial aos usuários do serviço e estabeleciam contato com os mesmos.
Contudo, foram entrevistados apenas 08 (oito) trabalhadores que alguns
trabalhadores sorteados, apesar de não recusarem-se a participar, tiveram
impossibilidades de diversas ordens. Uma das principais impossibilidades pode estar
relacionada com o fato de as entrevistas terem acontecido no próprio CAPS, local de
trabalho de todos pois, mesmo o pesquisador tendo se disponibilizado para ir a
qualquer outro local que os trabalhadores acreditassem pertinente, todos optaram
por fazer a entrevista lá mesmo.
Pretendeu-se também incluir na pesquisa 05 (cinco) cuidadores que
trabalham na Residência Terapêutica (RT) que está sob responsabilidade do
CAPS em questão por acreditar na relevância de seu trabalho junto a pessoas
que, além de sofrerem com transtornos mentais diversos, são egressos de longas
internações psiquiátricas e muitos perderam seus vínculos familiares. Entretanto,
foram entrevistados apenas 03 (três) pois houveram dificuldades por parte do
pesquisador em estabelecer contato com os demais trabalhadores sorteados e,
também, dos mesmos em disponibilizar tempo para serem entrevistados.
Dessa forma, dos 15 (quinze) sujeitos pensados, partindo do critério principal
de inclusão na pesquisa (aceitação por parte dos trabalhadores em participar), foram
entrevistados apenas 11 (onze) trabalhadores. Porém, por se tratar de um estudo
qualitativo, acredita-se que o material coletado foi bastante relevante para que se
procedesse à análise de dados.
20
3.4. Coleta de dados
Foram escolhidas duas formas para coleta de dados: observação com a
utilização de diário de campo e a realização de entrevistas abertas.
Realizou-se uma entrevista aberta com cada um dos sujeitos da pesquisa,
onde houve a possibilidade de aprofundar o material coletado elucidando, ainda,
questões específicas que apareceram em cada entrevista. A pergunta que iniciou a
entrevista foi: “Como tem sido o seu dia a dia de trabalho?”. Considerou-se que a
coleta de dados através de entrevistas abertas ou semi-estruturadas deixam o
campo de explanação menos estruturado e sob maior controle do entrevistado,
favorecendo a coleta de informações. Segundo Minayo (1992), as entrevistas
abertas, nas quais o sujeito discorre livremente sobre um determinado tema, geram
uma quantidade maior de material e “com um grau de profundidade incomparável
em relação ao questionário”, permitindo uma aproximação qualitativa que comporta
manifestações do entrevistador quanto a elucidações, esclarecimentos ou
aprofundamentos, que não perturbem o encadeamento do relato (MINAYO, 1992, p.
122). No decorrer das entrevistas confirmou-se a importância do vínculo pré-
existente entre entrevistado(s) e entrevistador que, segunda a autora, este “é
condição ‘sine qua non’ para o êxito da pesquisa qualitativa.” (MINAYO, 1992,
p.124).
O diário de campo foi desenvolvido a partir da observação, durante a coleta
de dados, momento no qual o pesquisador permaneceu no referido campo de
prática. Esse diário permitiu, como previsto, a coleta regular e sistemática de
informações transmitidas de maneira informal, através das conversas que
aconteceram entre os trabalhadores e entre estes e o pesquisador. Foi possível,
assim, coletar aquilo que espontaneamente foi apresentado pelos trabalhadores
relacionados ao objetivo dessa pesquisa.
21
3.5. Análise dos dados
A análise dos dados iniciou-se após transcrição integral de todas as
entrevistas onde, a partir de uma leitura com atenção flutuante e consequentemente
de reflexões preliminares, certificou-se que não seria necessária a realização de
outra(s) entrevista(s) com os trabalhadores. Essa leitura inicial do material foi
responsável pela emergência de temas ou assuntos relevantes que se configuraram
como categorias e subcategorias analíticas, a partir das considerações de Bardin
(1979). Todas as categorias e subcategorias emergentes foram consideradas por
terem se revelado tão pertinentes ao estudo quanto às inicialmente propostas.
Contudo, é importante salientar que as categorias e subcategorias que
emergiram das entrevistas dos trabalhadores do CAPS se diferenciaram, em sua
grande maioria, das emergentes das entrevistas dos trabalhadores da RT, sendo
que as categorias iniciais mantiveram-se comuns aos dois grupos. Desse modo, a
opção por propor categorias analíticas distintas para cada um dos grupos mostrou-
se ser a alternativa mais coerente tendo em vista, inclusive, que a análise dos dados
coletados também teria que acontecer separadamente para profissionais do CAPS e
da RT.
Na etapa final, os dados coletados através do diário de campo, foram
analisados em sua relação com aqueles coletados através das entrevistas, ou seja,
foram reunidas as análises e informações oriundas das diferentes fontes
pesquisadas, de modo a articulá-las criticamente em um todo coerente que visou
atender aos objetivos do estudo. Para analisar os dados coletados junto aos
trabalhadores do CAPS foram consideradas as seguintes dimensões: forma de
organização do trabalho; dificuldades e facilidades (estratégias) enfrentadas no
cotidiano do serviço; relação entre a equipe conflitos e proposição de soluções;
crise: concepção e proposição de atuação frente a ela; e, concepção de Reforma
Psiquiátrica, abarcando concepção sobre os diversos serviços em Saúde Mental.
Acreditou-se relevante, ainda, analisar as observações que apareceram nas
falas de alguns trabalhadores do CAPS em relação à parceria estabelecida com as
22
universidades, UNEB e UFBA, para que essa unidade de saúde seja campo de
prática dos Programas de Residência Multiprofissional em Saúde de ambas as
universidades.
Para analisar os dados coletados junto aos trabalhadores da RT foram
consideradas as seguintes dimensões: forma de organização do trabalho;
dificuldades e facilidades (estratégias) enfrentadas no cotidiano do serviço; relação
entre a equipe; relação entre CAPS e RT conflitos e proposição de soluções; e,
papel dos cuidadores e concepção de Residência Terapêutica.
3.6. Aspectos éticos
O estudo envolveu seres humanos nos termos descritos na resolução 196/96
do Conselho Nacional de Saúde (CNS) que atende “às exigências éticas e
científicas fundamentais”. (BRASIL, 1996). Portanto, o projeto referente à presente
pesquisa foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Estadual
de Saúde da Bahia (CEP-SESAB) para apreciação, tendo sido aprovado pelo
parecerista sem restrições em 23 de outubro de 2009, sob o ofício nº 062/2009.
A pesquisa foi desenvolvida com consentimento livre e esclarecido dos
sujeitos participantes e garantiu-se o fornecimento de informações claras e precisas
sobre a justificativa e objetivos da pesquisa, além de esclarecer que os sujeitos
poderiam/podem ter acesso, a qualquer tempo, às informações sobre
procedimentos, riscos e benefícios relacionados à pesquisa, inclusive para dirimir
eventuais dúvidas; garantia de liberdade de retirar seu consentimento a qualquer
momento e de deixar de participar do estudo, sem que isto traga quaisquer
prejuízos; salvaguarda da confidencialidade, sigilo e privacidade das informações
prestadas. Essas informações estão presentes no Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (apêndice) que foi impresso e entregue em duas vias para que os
sujeitos assinassem, de modo que todos puderam ficar com uma cópia.
23
4. O CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL – aspectos gerais
O Centro de Atenção Psicossocial escolhido para a pesquisa foi, conforme
dito anteriormente, um dos primeiros da cidade de Salvador e foi fundado 12 de
dezembro de 200r, a partir de um Ambulatório de Saúde Mental, por força de
vontade e mobilização política de alguns trabalhadores do ambulatório que se
propuseram a questionar o modelo de atenção ofertado às pessoas com sofrimento
psíquico.
Essas pessoas começaram a realizar reuniões e grupos de estudo para
elaborar e propor outra forma de atenção, inspirados nas novas políticas de Saúde
Mental que haviam sido editadas pelo Ministério da Saúde. Com o projeto do CAPS
pronto e com aceitação da Secretaria Municipal de Saúde, começaram então a atuar
como CAPS, dividindo espaço físico com o ambulatório. O processo de instituição
desse serviço de saúde independente do ambulatório passou pela requisição de
materiais para que as oficinas pudessem ser iniciadas, a procura de um imóvel para
locação pela prefeitura, a constituição/ampliação de uma equipe multiprofissional,
entre outros acontecimentos.
Essa história é contada por todos os profissionais que participaram de alguma
das etapas desse processo, relatando-o com saudosismo e orgulho em relação à
conquista que tiveram. Muitos, por vezes, dizem que lutaram pela implantação do
CAPS na mesma medida em que aprendiam o que era e como funcionava esse
serviço substitutivo. Tinham um ideal e conseguiram concretizá-lo. Esse é um dos
primeiros aprendizados que os residentes que passam por esse serviço têm: ele é
fruto de um processo fundamental e complexo graças à mobilização de parte de sua
equipe.
É necessário salientar que faz parte da realidade do município de Salvador,
na implantação de Centros de Atenção Psicossocial, que muitos desses serviços
sejam desmembramentos de outros serviços de saúde mental. Todavia, a
importância do feito pelos trabalhadores citados está em seu protagonismo nesse
processo, ou seja, não somente questionaram o modelo ambulatorial de atenção às
24
pessoas com sofrimento psíquico, como foram conseqüentes ao propor uma
mudança de paradigma e construção de um serviço substitutivo, o CAPS.
Atualmente o centro é um CAPS de tipo II que, segundo o manual do
Ministério da Saúde “Saúde Mental no SUS: os centros de atenção psicossocial”,
deve funcionar em municípios com população entre 70.000 (setenta mil) e 200.000
(duzentos mil) habitantes, de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h. As atividades
desenvolvidas variam entre diversas modalidades de oficinas, atendimentos
individual e em grupos, atendimento individualizado ao familiar da pessoa com
sofrimento psíquico, tratamento medicamentoso, atividades comunitárias, entre
outras. Devem atender adultos com transtornos mentais severos e persistentes de
sua população de abrangência. Para tal, o CAPS II deve contar com equipe mínima
composta por 01 (um) médico psiquiatra, 01 enfermeiro com formação em saúde
mental, 04 profissionais de nível superior de outras categorias (psicólogo, terapeuta
ocupacional, assistente social, pedagogo, educador físico ou outro profissional
necessário) e 06 (seis) profissionais de nível médio de categorias como
técnico/auxiliar de enfermagem, técnico administrativo, artesão e técnico
educacional. Isso tudo é o que preconiza o Ministério da Saúde para que os
objetivos do CAPS “como dispositivos de promoção da saúde e da reabilitação
psicossocial” possam ser cumpridos. (BRASIL, 2004).
Partindo disso, pode-se afirmar que os desafios práticos impostos à equipe do
CAPS em questão não acabaram quando esse foi instituído, requisitando que a
equipe se mobilizasse diversas outras vezes para ter a ampliação de sua equipe
multiprofissional, incluindo um médico psiquiatra, houvesse direcionamento de
verbas e recursos para o andamento do serviço, entre outras coisas. Através dos
trabalhadores do serviço, alguns desses acontecimentos foram conhecidos e alguns
outros puderam ser presenciados, já que muitos deles foram constantes.
Desse ponto de vista, conhecer os desafios experienciados por esses
trabalhadores de Saúde Mental em seu cotidiano de trabalho, adquire um caráter
especial se for levado em consideração que são os responsáveis pelo serviço ter
sido implantado e continuar funcionando.
25
5. A RESIDÊNCIA TERAPÊUTICA – aspectos gerais
A Residência Terapêutica em questão foi escolhida por estar sob
responsabilidade do CAPS que é campo desse estudo e, também, pela sua
importância no alcance dos objetivos da pesquisa. É uma das primeiras RTs de
Salvador e possui uma história de muito esforço e dedicação por parte de seus
profissionais para que fosse implantada e mantida. A partir do Termo de
Ajustamento de Conduta (TAC) assinado entre o Ministério Público e a Prefeitura de
Salvador, foi fundada em 09 de maio de 2006 com a mudança de usuários para o
prédio e teve sua inauguração oficial em 18 de maio do mesmo ano, sob a gestão de
uma instituição filantrópica. Constituiu-se por duas residências no mesmo prédio:
uma feminina, no térreo e uma masculina no andar de cima. Em 16 de junho de
2008, a gestão da Residência é municipalizada e faz com que os cuidadores da RT
tivessem que optar por manter-se ou não atrelados àquele serviço, mesmo sem a
certeza de como ficaria seu vínculo empregatício. Assim, esses trabalhadores
endoçam o que parece ser característica marcante dos profissionais de saúde dos
serviços substitutivos da cidade de Salvador: pessoas comprometidas com uma
assistência de qualidade e, consequentemente, que estão sempre em mobilizações
por melhorias das condições de trabalho.
A RT está em consonância com a Portaria 106/MS de 2002, que cria os
Serviços Residenciais Terapêuticos, equipamentos de Saúde Mental que devem
inserir-se preferencialmente em casas na comunidade para atender a pessoas
egressas de longos períodos de internação psiquiátrica, que não possuam vínculo
familiar e suporte social. A Portaria enfatiza que os SRTs fazem parte da modalidade
de atenção substitutiva aos manicômios e deve contar com Projeto Terapêutico
baseado em princípios cujo objetivo central é contemplar a reabilitação psicossocial.
A portaria institui, também, os recursos mínimos que as casas devem ter para seu
funcionamento, e que devem estar sob responsabilidade de serviços ambulatoriais
de Saúde Mental do território, preferencialmente CAPS, responsáveis por prestarem
assistência e supervisão. (BRASIL, 2004).
26
6. OS SUJEITOS DA PESQUISA – PERFIL DOS ENTREVISTADOS
Os sujeitos dessa pesquisa, conforme referido, são 11 (onze) profissionais
sendo 08 (oito) do CAPS e 03 (três) da RT. A composição do perfil desses sujeitos
foi possível a partir das informações registradas em diário de campo que, ao serem
trabalhadas inicialmente, demonstraram a necessidade da coleta mais sistemática
de outras informações que pudessem caracterizar melhor as pessoas que estavam
participando da pesquisa, sobre as variáveis: idade, sexo, categoria profissional,
tempo de trabalho em saúde mental, tipo de nculo empregatício e outros vínculos
empregatícios.
Em relação à idade, foram pensadas 05 (cinco) faixas etárias, condizentes
com o apresentado pelos sujeitos da pesquisa: entre 20 (vinte) e 29 (vinte e nove)
anos somente 01 (um) trabalhador; entre 30 (trinta) e 39 (trinta e nove) anos
existem 05 (cinco); entre 40 (quarenta) e 49 (quarenta e nove) anos existem 02
(dois) trabalhadores; entre 50 (cinqüenta) e 59 (cinqüenta e nove) anos também
02 (dois); acima de 59 (cinqüenta e nove) anos, apenas um trabalhador. Assim,
pode-se afirmar que os sujeitos da pesquisa, em sua grande maioria são jovens e
adultos já que mais da metade têm entre 20 (vinte) e 39 (trinta e nove) anos.
Em relação ao sexo, a grande maioria dos trabalhadores é do sexo feminino,
ou seja, 08 (oito) pessoas, enquanto apenas 03 (três) são do sexo masculino. Assim,
aproximadamente 72,7% dos sujeitos da pesquisa são mulheres. A relevância
desses dados se na medida em que, exatamente por não terem havido
preocupações quantitativas na presente pesquisa e sim, qualitativas, foram
encontradas semelhanças com os achados por Jorge et. al. (2007), no estudo
desenvolvido em Centros de Atenção Psicossocial na cidade de Fortaleza, Ceará.
Esses autores afirmam que as pessoas do sexo feminino estão em maior
representatividade na saúde mental, chegando a ser 71% dos trabalhadores nessa
área. Discutem, então, alguns pontos a serem considerados em relação “às
questões de gênero e trabalho” afirmando que isso pode acontecer porque, a partir
de 1980, a incorporação da mulher no mercado de trabalho se dá de forma massiva.
27
Além disso, as atuais conformações da atividade econômica no Brasil, impõe que as
mulheres exerçam atividade de trabalho remunerado, além de dar conta das
atividades domésticas. Falando especificamente da área de saúde, pontuam que
pelo trabalho ser exercido majoritariamente por trabalhadores de enfermagem que
são, em sua maioria, mulheres,
Percebe-se que uma tendência em nossa sociedade a associar o
trabalho feminino com um conteúdo relacional, no cuidado de outras
pessoas, em situações de dor e de sofrimento. Esta forma de trabalho
envolve especificidades que se ajustariam às qualidades de destreza,
paciência, interesse em ser útil e dedicação, características ‘tipicamente
femininas’, em nossa e em outras sociedades. (JORGE et. al., 2007).
Desse modo, também na Saúde Mental em Salvador, temos um trabalho
majoritariamente exercido por mulheres que, como será discutido posteriormente,
lançam-se ao mercado de trabalho e, muitas vezes possuem mais de um vinculo
empregatício remunerado.
Em relação à variável categoria profissional, conseguiu-se abarcar um
espectro amplo de profissionais, conforme previsto. Os sujeitos que participaram da
pesquisa exercem as funções de: auxiliar administrativo; cuidador; educador físico;
enfermeiro; oficineiro; psicólogo; técnico de enfermagem; terapeuta ocupacional; e,
vigilante. Dessa forma, apenas os trabalhadores de Serviço Social e os de Higiene e
Limpeza ficaram de fora do estudo pelos motivos já citados.
Em relação ao tempo de trabalho em saúde mental
6
, encontraram-se
tempos bastante diferentes de atuação nessa área pelos trabalhadores
entrevistados. Apenas um sujeito possui mais de 10 (dez) anos na área,
completando 17 (dezessete) anos de trabalho em Saúde Mental; 02 (dois) sujeitos
afirmam que trabalham 08 (oito) anos na área; 01 (um) sujeito está 06 (seis)
anos; 02 (dois) têm 04 (quatro) anos; 02 (dois) com cerca de 3,5 (três e meio) anos
de trabalho; 02 (dois) sujeitos com 02 (dois) anos em Saúde Mental; e, apenas 01
(um) sujeito possui exatamente 01 (um) ano de trabalho na área.
6
Esse tempo foi exposto exatamente conforme colocação dos trabalhadores e refere-se ao mês de
dezembro de 2009.
28
De todos os sujeitos, apenas 03 (três) têm mais tempo trabalhando em Saúde
Mental do que o tempo em que trabalham no CAPS ou na RT: o sujeito que está
17 (dezessete) anos nessa área, atua no CAPS 07 (sete); o sujeito com 06 (seis)
anos em Saúde Mental possui cerca de 3,5 (três e meio) anos no CAPS; e, um dos
sujeitos com 3,5 (três e meio) anos de trabalho na área, possui 02 (dois) anos na
RT.
Ambos os sujeitos que, tendo 08 (oito) anos em Saúde Mental, trabalharam
no Ambulatório que deu origem ao CAPS e foram responsáveis pela implantação do
mesmo, foram considerados exceções pois é como se tivessem trabalhado em
apenas um serviço de Saúde Mental.
Em relação ao tipo de vinculo empregatício encontra-se uma grande
variedade de formatos e proposições entre os trabalhadores entrevistados. Optou-se
por fazer uma divisão didática para que se procedesse à apresentação desses
dados. Assim, os vínculos dos trabalhadores do CAPS e da RT foram divididos
quanto à esfera de governo a que se relaciona: federal, estadual ou municipal. Têm-
se somente 01 (um) sujeito cujo vínculo de trabalho é estabelecido junto ao
Ministério da Saúde e, tendo regime estatutário, confere estabilidade ao referido
sujeito. Têm-se outro sujeito com vínculo junto à Secretaria de Saúde do Estado da
Bahia (SESAB), igualmente estatutário e estável.
Relacionados ao município, encontram-se uma variedade de vínculos que vão
do regime estatutário ao vinculo que foi considerado como inexistente. Ou seja:
existem 02 (dois) sujeitos cujo vinculo trabalhista é estatutário; 02 (dois) cuja
contratação se deu via R.E.D.A.
7
, ou seja, permite que os trabalhadores exerçam
atividade remunerada junto à órgão público por 02 (dois) anos, podendo ser
prorrogado por mais 02 (dois) anos; 01 (um) sujeito com contratação via T.A.C.
8
que, semelhante ao REDA, não confere estabilidade no emprego para o trabalhador;
01 (um) terceirizado, ou seja, cuja contratação não se deu por via direta pelo
município o que permite que algumas questões relevantes aconteçam (como baixa
7
O R.E.D.A. – Regime Especial de Direito Administrativo – caracteriza-se por ser um modo diferente
de contatração pelas esferas do governo, provisório, em substituição temporária ao concurso público.
8
O TAC – Termo de Ajustamento de Conduta – constitui-se por ser um acordo firmado entre
Ministério Público e a parte interessada de modo que esta se comprometa a agir de acordo com as
leis trabalhistas, sob pena de multa.
29
remuneração, atrasos nos salários, dentre outras), além da falta de estabilidade no
emprego como qualquer empresa privada; e, por fim, 03 (três) sujeitos encontram-se
no que foi denominado “vínculo inexistente”. Isso foi possibilitado tendo em vista que
esses trabalhadores foram contratados pela instituição filantrópica que geria
anteriormente a RT, porém, com sua municipalização, não houve nenhum tipo de
formalização de contrato com os cuidadores. Alguns deles chegam a afirmar que
trabalham porque o dinheiro “cai” na conta todo o mês, ou seja, ao receberem,
sabem que ainda estão vinculados ao trabalho de cuidadores.
Sobre isso, Jorge et. al. (2007) trazem importantes contribuições pois também
encontraram precarização do trabalho em saúde em seu estudo. Caracterizam essa
precarização como um dos elementos centrais da política econômica do modo de
produção capitalista, sobretudo após as mudanças ocorridas a partir de 1990, onde
“tinham como prioridade a viabilização das medidas de ajuste estrutural da
economia” em detrimento aos interesses do Sistema Único de Saúde. (JORGE et.
al., 2007). Caracterizam a precarização do trabalho em saúde a partir da
flexibilização do vínculo trabalhista que, em última instância, se caracteriza pela
Ausência dos direitos trabalhistas e de proteção social, pela inserção de
trabalhadores com baixa qualificação profissional, além de condições de
trabalho não satisfatórias. (JORGE et. al., 2007).
Os autores encontraram tipos de vínculos bastante semelhantes aos dessa
pesquisa, verificando a existência de modos diversos de contratação dos
trabalhadores de CAPS em Fortaleza: caracterizam-se, sobretudo, por trabalhadores
terceirizados, trabalhadores com “contratação direta por contrato temporário”, além
de inserções via cooperativas e oferecimento de bolsas a estagiários, por exemplo.
Definem essas formas de contratação dos trabalhadores como “formas irregulares
de inserção no serviço público”. (JORGE et. al., 2007).
Quanto à última variável proposta para a composição do perfil dos sujeitos da
pesquisa, outros vínculos empregatícios, têm-se apenas 04 (quatro)
trabalhadores cujo vínculo se exclusivamente com a instituição de saúde
pesquisada, sem que isso tenha sido explicado. Não foi possível estabelecer
30
relações com a variável anterior (tipo de vínculo empregatício) tendo em vista que
somente um dos trabalhadores que possuem o vínculo mais precário, denominado
de inexistente, possui também outra atividade de trabalho remunerado. Um desses
trabalhadores desenvolve apenas atividades de comércio informal, como a venda de
sorvete em casa, por exemplo.
Entre os trabalhadores que possuem outro vínculo empregatício, cujas
motivações para tal não foram reveladas, somente um deles é da RT e que também
exerce outra atividade de trabalho na área de Saúde Mental. Dos outros 06 (seis)
trabalhadores, 01 (um) atua na formação de trabalhadores em saúde; 03 (três)
atuam em outras áreas de saúde a partir de suas profissões; e, 02 (dois) trabalham
na área de educação, coordenando e dirigindo escolas da rede de Educação Básica.
Ao serem questionados, todos os trabalhadores conseguem ver/estabelecer
interfaces de contato entre seu trabalho na Saúde Mental (CAPS) e as outras áreas
em que atuam. Isso foi tratado de modo bastante positivo pela maioria deles, como
pode ser observado pela fala do Trabalhador 6
Para mim facilita muito assim porque você acaba lidando também com
pessoas, com seus problemas, acaba vendo saúde mental em tudo (...)
Deixa eu ver assim porque tem tanta relação, sabe? Quando eu faço aqui a
oficina de educação em saúde, eu pego muita coisa da escola e também
pego muita coisa daqui e levo para a escola (...) Então muitos exemplos,
muita coisa que acontece aqui eu acabo levando para (...) e o inverso
também. (TRABALHADOR 6).
Ainda na fala do outro trabalhador, que atua na educação, a interface entre
seus trabalhos também é apontado de modo positivo
Eu trabalho com educação (...) sou professor de escola e vice-diretor de
uma escola estadual. Então eu tinha, por exemplo, alguns usuários, alguns
alunos, melhor dizendo, que entravam em surtos dentro da escola. Uma
menina surtou na escola e a família me procurou, não sabia que eu
trabalhava num CAPS (...) então a gente conseguiu estar encaminhando
essa usuária para outro CAPS (...) então acontece uma certa, uma certa
relação (...) faz parte da rede do território, não é da área de saúde, mas faz
parte da comunidade, da rede. E isso (...) que é o papel do CAPS.
(TRABALHADOR 7).
31
Apenas 01 (um) sujeito referiu que apesar de existir relação entre seus
trabalhos, vê positividade nas semelhanças mas também nas diferenças entre eles
Hoje eu atuo como coordenadora numa escola e como psicóloga aqui,
então são duas realidades diferentes (...) No começo eu achei que seria
mais difícil, eu hoje eu acho que é até bom porque diversifica um pouco,
né? Mas assim, não deixa de ter o olhar da psicologia lá, não deixa (...)
esse olhar da psicologia ajuda demais. (TRABALHADOR 3).
Todavia, mesmo que os profissionais estabeleçam algum tipo de relação
entre seu trabalho no CAPS ou RT e seu outro vínculo, é necessário atentar-se ao
fato de que, ao exercerem outra atividade de trabalho, podem ficar sobrecarregados
que dedicam, necessariamente, menos tempo para atividades que contribuiriam
com seu crescimento pessoal e profissional, como formação profissional ou
atividades de lazer, por exemplo, tendo menos tempo para repor as energias e
dedicar-se mais a seu trabalho.
32
7. O TRABALHO E OS TRABALHADORES NOS SERVIÇOS
SUBSTITUTIVOS DA CIDADE DE SALVADOR
O estudo em questão pôde ser apreendido a partir de diversas dimensões
estabelecidas com a leitura da transcrição das entrevistas e a subsequente
articulação dos dados coletados através de observação e registro em diário de
campo. Todavia, a subdivisão apresentada a seguir tem caráter meramente didático
que os conteúdos se interrelacionam, compondo o todo complexo sobre o que é
trabalhar num serviço substitutivo na cidade de Salvador.
7.1. O Trabalho e os Trabalhadores do Centro de Atenção Psicossocial
7.1.1. Aspectos Relacionados à Organização do Trabalho
Puderam ser observados diversos aspectos que se relacionam direta ou
indiretamente com a organização das atividades de trabalho no CAPS. Foi
extremamente relevante a percepção que os trabalhadores têm desses aspectos, se
os consideram como dificultador ou facilitador da execução de suas atividades.
Serão, desse modo, abordados descritiva mas também criticamente.
As atividades de trabalho do CAPS podem ser consideradas bem definidas,
ou seja, todos os trabalhadores das categorias profissionais abordadas podem
afirmar que sabem qual sua função no serviço. Contudo, o determinante para a
rotina de trabalho dessas pessoas, se será estruturada ou não, perpassa às
questões específicas de cada categoria relacionando-se, sobretudo, com a dinâmica
do serviço impressa por seus usuários.
A percepção de que possuem função bem definida no serviço podem ser
apreendida pelas falas de alguns trabalhadores que afirmam não somente saber sua
33
função, como se sentem à vontade para questionar quando são requisitadas
atividades para além de suas obrigações.
Outro dia elas queriam que a gente fizesse ficha de cadastro, quer dizer, eu
acho que a gente (...) não é para estar lá fazendo ficha (...) Está fugindo (...)
não tem nada a ver com a nossa parte (...) a gente questionou que não,
eu disse que não ia fazer, entendeu? Tudo o que for do usuário, de higiene,
de tudo, eu não me incomodo, eu não me importo, é meu trabalho,
entendeu? (...) Mas uma coisa que eu sei que não é o meu, eu vou
questionar, eu questiono, digo: ‘Eu não vou fazer’. (TRABALHADOR 1).
Nessa fala, o Trabalhador 1 deixa claro que conhece sua função e que,
quando precisa, se posiciona frente à equipe multidisciplinar. No mesmo sentido vai
a fala do Trabalhador 4, ao tratar das suas tarefas e das tarefas que já exerceu para
além de suas obrigações
Eu tenho que cuidar do patrimônio, não tenho que cuidar de usuário (...)
antigamente eu ficava estressado, hoje em dia eu não fico (...) porque eu
estou ali na minha (...) O pessoal está chegando, eu vou anotando o nome
das pessoas, converso com as pessoas, entendeu? Uma coisa que eu
gosto muito assim é conversar e saber das pessoas (...) se está tomando
medicação... Como foi o final de semana, sempre converso isso porque eu
quero saber, eu quero ver a melhora deles, não quero ver a piora,
entendeu? (TRABALHADOR 4).
É interessante notar que, além de o trabalhador ter segurança em relação a
suas obrigações, ele ainda consegue flexibilizar sua função de controle da chegada
de pessoas, por exemplo, para estabelecer um contato mais amplo com os usuários,
afirmando que gosta desse contato.
Em relação ao estabelecimento ou não de rotina de trabalho, pode-se vincular
diretamente à categoria profissional tendo em vista que as que pressupõe contato
direto com os usuários do serviço ficam à mercê de acontecimentos inesperados, ao
passo que, quando as atividades de trabalho não pressupõem esse contato direto,
configurando-se como atividades burocráticas, por exemplo, o estabelecimento de
uma rotina de trabalho, inclusive é condição para que as obrigações de trabalho
sejam cumpridas devido ao grande número delas. Para exemplificar essa discussão,
34
serão trazidas duas falas de profissionais diferentes, ambos que afirmam ter muitas
atividades a desempenhar no CAPS.
Não é cansativo, se você montar seu programa, né? Sua linha de trabalho
para vodesenvolver sem ser cansativo. Eu falei que é extensa, é né?
Porque aqui tem várias áreas, né?o é a questão de ofício, a questão
de ver a alimentação e essas coisas (...) O que é que falta na unidade, ter
que repor (...) Tem que fazer as APACs, tudo isso (...) Mas vo traçando
uma rotina de trabalho... (TRABALHADOR 8)
Esse trabalhador coloca a rotina de trabalho como essencial para que o
trabalho aconteça. Propõe como estratégia, inclusive, o estabelecimento de um jeito
de dar conta de todas as tarefas, montando sua própria forma de trabalhar. Para
enfatizar isso, afirma inclusive que, por estar voltando de férias e ter
necessariamente essa rotina de trabalho quebrada, tem “muita coisa para resolver,
papéis para botar as coisas mesmo em ordem”. (TRABALHADOR 8).
Outro trabalhador também faz algumas colocações sobre sua “rotina” de
trabalho
É uma rotina pré-estabelecida, mas assim, quando você entra no CAPS,
aparecem milhões de coisas. Sempre tem alguma coisa ou alguém que não
está bem, que precisa de um atendimento nesse momento (...) Um desses
dias aí, quando eu estou chegando no CAPS, a vizinha veio aqui, que a
mãe tinha saído e ele estava sozinho, a mãe trancou ele em casa e ele
quebrou o vidro da janela e os vizinhos estavam todos assustados, então
ele estava em crise para a vizinhança. E aí a vizinha veio para pedir o que é
que o CAPS poderia fazer (...) Então, assim, são situações que elas
aparecem numa tarde, você pode pegar a sua tarde nisso aí, que daqui que
você pegue um carro, para lá, resolva tudo, volte e anote, às vezes não
nem tempo de anotar, pode saber que é a tarde toda, então muda-se
tudo... (TRABALHADOR 3).
Com essa fala, o Trabalhador 3 deixa claro que não possui rotina de trabalho
que esta se define a partir da dinâmica que os usuários do serviço imprimem. Em
outros momentos da entrevista o Trabalhador 3 diz que apenas os grupos que faz
não mudam e podem ser considerados como uma mínima rotina por terem dia e
horário marcados e por terem definidos os usuários que deles participam
35
Aos grupos é o que eu acho que me desempenho melhor porque eles
estão ali em círculo naquele horário, ninguém me tira de lá e se me tirar, eu
reclamo. Então eu tenho, vamos supor, meu lugar garantido lá, que os
outros eu não tenho (...) Quando chega o horário das minhas oficinas eu
estou em paz, então é o que eu consigo fazer melhor, porque ali eu ouço, aí
eu gosto muito de fazer grupo, muito, então eu ouço, é onde eu me divirto, é
onde eu estou próxima de todos os usuários, não das minhas
referências, é onde eu planejo atividade para fazer, em casa, então é o que,
para mim é o melhor. (TRABALHADOR 3).
A alegria expressa por conseguir executar algumas de suas atividades de
trabalho estruturadas, transforma-se em sofrimento quando o Trabalhador coloca
que a falta de rotina, o excesso de trabalho, entre outros elementos, o impossibilita
de executar algumas atividades ou, pelo menos, de executá-las com a qualidade e
dedicação que gostaria. Assim, sobre o trabalho como técnico de referência diz:
É uma coisa assim que a minha tarde não (...) E torna uma coisa assim
dificílima. Então isso me deixa angustiada, quando eu vou fazer no final do
mês o relatório, que eu tenho que pegar minhas referências e dizer como é
que eles estão, eu olho assim: ‘Poxa, essa eu não vi esse mês...Por que
ela não veio?’ (...) isso para mim é ruim. (TRABALHADOR 3).
Campos et. al. (2009) também encontra em sua pesquisa dificuldades
trazidas pelos trabalhadores de serem técnicos de referência por acompanharem
bastantes usuários. O Trabalhador 6, sobre ser técnico de referência, fala:
Faço o acompanhamento de minhas referências, eu tenho vinte referências
no momento, que é uma dificuldade também, o número de referências, que
às vezes infelizmente você não consegue dar a mesma atenção para todos,
principalmente se eles não tiverem inseridos, você tem que ficar atrás
mesmo, aí... Uma mesmo eu não conheço, é minha referência mas eu não
conheço. (TRABALHADOR 6)
Outros trabalhadores que também prestam atenção diretamente aos usuários
do serviço apontam dificuldades relacionadas à grande quantidade de usuários nas
36
atividades do CAPS, sob coordenação de um ou dois profissionais.
Relacionando-se à falta de tempo e/ou de quantidade excessiva de trabalho
para executar, o que culmina em não conseguir dar conta ou dedicar-se mais a
algumas atividades, outros trabalhadores também se colocam e demonstram
sofrimento. Sobre isso o Trabalhador 6 afirma que é muito difícil porque você se
às vezes com as pernas muito curtas, né?”. (TRABALHADOR 6).
A falta de formação dos trabalhadores para atuar no CAPS e em serviços
substitutivos apareceu de diversos modos nas falas dos profissionais. Alguns trazem
sua experiência pessoal de se inserir no serviço sem formação prévia/própria para
tal. Buscaram soluções individuais para tal questão.
Eu acho ruim é que os profissionais chegam ao CAPS sem nenhuma
experiência anterior em saúde mental e... Eu nem digo que isso assim seja
uma coisa, porque eu também não tive, não vim, quando eu vim para cá, eu
também tinha essa do hospital (...) eu lembro quando eu cheguei aqui,
eu pedi livro para ler, assisti todas as oficinas... (TRABALHADOR 3).
Eu considero uma dificuldade a falta de formação também dos profissionais.
Eu mesma não tenho, né? Você sabe, né? Eu não sou especialista em
saúde mental, não fiz residência nem nada. Eu vim para o serviço e eu
tento aprender com o dia a dia, tento ler, estudar sobre as questões que
acontecem ou que eu fico sabendo e tenho curiosidade. Mas às vezes
lógico que você tem dificuldade. (TRABALHADOR 6).
Campos (2005) aborda a falta de formação dos profissionais de saúde
dizendo que
O salário de grande parte dos profissionais (...) são baixos. Por outro lado, a
necessidade de se manterem atualizados é enorme e as oportunidades de
capacitação e aperfeiçoamento são reduzidas, por falta de tempo e
recursos. O profissional é levado sorrateiramente (ou acintosamente) para o
despreparo e a incompetência. (CAMPOS, 2005, p. 35).
As afirmações do autor são importantes nessa discussão pois correlaciona
dificuldades para a formação e capacitação dos profissionais com problemas de
outras ordens que, muitas vezes, nem mesmo os próprios trabalhadores
37
conseguem apontar, como pode ser notado pela ausência de falas nas entrevistas
com esse sentido.
O tipo de vínculo empregatício, já exposto no item 6 (onde foram
apresentados os sujeitos da pesquisa e seu perfil), é trazido também como um fator
que dificulta a realização das atividades de trabalho tendo em vista que é difícil
trabalhar sem a certeza do amanhã (...) por causa dos contratos”. (TRABALHADOR
6). O Trabalhador 6 diz ainda que, trabalhar sabendo que vai sair do emprego, faz
com que, por exemplo, os trabalhadores tenham que reduzir seus projetos sob pena
de não conseguirem executá-los ou sem que tenham uma continuidade posterior.
(TRABALHADOR 6).
Ainda relacionado com as barreiras para execução das atividades de trabalho,
foram enfocados aspectos que estão para além dos trabalhadores e até mesmo para
além do próprio serviço. As questões abordadas relacionam-se com a falta de
recursos materiais e financeiros; a falta de profissionais especialmente médico
psiquiatra que impedem a prestação de alguns serviços; entre outras coisas. O
Trabalhador 2 afirma que o Trabalho fica emperrado por conta de uma coisa que é
real”. (TRABALHADOR 2).
O Trabalhador 7 fala de limitadores em relação a seu trabalho quando se
depara, por exemplo, com o preconceito da sociedade frente às pessoas com
sofrimento psíquico. Traz a falta oportunidades da sociedade para a reinserção
social dessas pessoas:
A gente reclama bastante em relação às condições sociais, econômica-
sociais, mas não da unidade em si (...) A gente fala na verdade da, do país
em si, né? (...) a gente percebe que se tivesse uma, um emprego, que se
tivesse uma oportunidade melhor fora (...) Eu acho que tinha que ter um
trabalho específico com relação a isso, algum projeto, que proporcionasse a
essas pessoas que (...) têm vontade de trabalhar, que estão bem, que estão
aptas aos trabalho é... E queiram realmente se esforçar, né? Possam
desempenhar um papel na sociedade. (TRABALHADOR 7).
Captou-se uma série de sentimentos que os trabalhadores citaram em
diversos momentos das entrevistas, sendo que os principais foram: frustração,
angústia, impotência, incapacidade, fracasso, limitação, cansaço e tristeza. Nesse
38
sentido, a fala do Trabalhador 2 é bastante emblemática
Peguei quatro meses de licença meu, parei para ver se eu conseguia
destilar as dificuldades que nós estávamos enfrentando. Pior que eu volto
agora e vejo que desligar esse tempo não serviu para nada, ao contrário,
está ficando muito difícil trabalhar nas condições que estão sendo
oferecidas (...) Está ficando muito complicado e eu estou cansada já.
(TRABALHADOR 2).
Algumas entrevistas trouxeram elementos que podem ser considerados
facilitadores para a realização do trabalho. Esses facilitadores expressaram-se de
diversas maneiras e se caracterizaram por questões pessoais dos trabalhadores,
modos diferentes de realizar as atividades de trabalho, além de soluções buscadas
junto aos demais profissionais do serviço e aos usuários, bem como soluções em
âmbito individual.
Chamou atenção que a maioria dos trabalhadores pareceram possuir
dificuldades importantes em propor soluções apesar de experimentar bastante
sofrimento com todas as limitações supracitadas, mesmo aquelas que aparente são
resolvíveis. Isto posto, algumas das soluções buscadas se dão basicamente em
âmbito individual, como possibilidade a mudança de unidade de saúde citada por um
dos trabalhadores por estar próximo de se aposentar e preferir não se “estressar”
mais. (TRABALHADOR 2). Outras soluções individuais seriam as proposições de
executar atividades diferenciadas para lidar com as angústias pessoais de não dar
conta de atender aos usuários, conforme o proposto, por exemplo, pelo Trabalhador
3.
O Trabalhador 1, por sua vez, localiza nas suas próprias atividades de
trabalho algumas que, ao serem executadas, contribuem de maneira geral para a
execução das demais atividades. É o caso das visitas domiciliares que proporcionam
um conhecimento mais amplo de outros âmbitos da vida do usuário, facilitando a
própria atenção ao mesmo.
Tenho (...) algumas visitas (...) Eu acho bom porque pelo menos você está
vendo ali, lá você tem uma visão ali da família (...) você vê o que é que está
realmente acontecendo. (TRABALHADOR 1).
39
Alguns trabalhadores apresentaram como estratégia individual o aprendizado
com o usuário para que as trocas entre profissionais e usuários fiquem enriquecidas
e contribuam para o desenvolvimento das atividades. Sobre isso, o Trabalhador 3
afirma que aprendeu demais aqui com os usuários, com até mesmo o
relacionamento com o outro, você aprende a se relacionar melhor”.
(TRABALHADOR 3).
O Trabalhador 7 fala do atendimento ao usuário e de como é possível, com a
convivência e com as intervenções cotidianas, através de observações e do
conhecimento da dinâmica de cada usuário, detectar o surgimento da crise e poder
propor intervenções, além perceber quando o usuário está melhor.
No que toca o relacionamento com os usuários, alguns trabalhadores
pontuam que é um elemento facilitador conhecer suas histórias de vida, bem como
buscar um bom relacionamento com eles. São marcas desse “bom” relacionamento
estabelecer diálogo com o usuário, estabelecer vínculo e relação de proximidade,
além da oferta de escuta aos mesmos. Sobre isso, o Trabalhador 4 diz que chama a
atenção a postura diferenciada de alguns profissionais a quem, muitas vezes, os
usuários preferem recorrer, mesmo que não seja seu técnico de referência.
E as outras pessoas também querem conversar comigo, às vezes não,
não sei... Sabe o que é? A, o profissional não aquela atenção a pessoa,
então ela vai fazer o que? Ela prefere conversar comigo ou se não até com
outra pessoa que dá atenção a ela. (TRABALHADOR 4).
Partindo das dificuldades do serviço como um todo, alguns trabalhadores
acreditam ser relevantes proposições relacionadas à gestão e organização do
trabalho. Essas proposições aparecem tanto como algo a ser definido pela equipe,
como ser apresentado para apreciação da coordenação da unidade. Sobre isso, o
Trabalhador 6 traz a proposta de formação de “mini-equipes” de profissionais para
que alguns usuários possam ser acompanhados de modo mais eficaz.
Tratando ainda da busca por soluções, mas pensando em soluções que
impliquem a equipe, o Trabalhador 5, em relação a suas dificuldades, faz a sutil
colocação:
40
Eu me sinto muito é... Às vezes sobrecarregada de ter que dar conta de
muitas coisas aqui (...) Mas talvez eu esteja inserida em tantas coisas, né?
Que eu acho que poderia ser mais diluído entre toda a equipe.
(TRABALHADOR 5).
Vai também nesse sentido a fala do Trabalhador 8 ao citar a reunião de
equipe como um espaço possível de se discutirem questões e buscar soluções.
Mesmo que esse momento não corresponda às expectativas dos profissionais, deve
ser aproveitado que está instituído/garantido e acontece toda a semana.
(TRABALHADOR 8).
Pensando ainda em soluções mais coletivas para resolver questões
cotidianas, principalmente aquelas cuja responsabilidade está para além dos
profissionais e do CAPS, o Trabalhador 7 propõe estabelecer diálogo com a
Coordenação de Saúde Mental do Município citando, como exemplo, uma atividade
que foi feito junto a alguns equipamentos da rede após uma situação cuja
comunicação e resolução do problema foram dificultadas.
Por fim, serão apresentadas as características pessoais citadas como
facilitadoras do trabalho no CAPS. Dentre todas, as mais citadas foram: gostar do
trabalho que faz (ter amor), ser dedicado, ter identificação com sua profissão, além
de ser uma pessoa observadora e ter paciência.
A gente sabe que não é uma coisa que eles fazem porque eles querem,
entendeu? Eles fazem porque é o que vem mesmo na cabeça deles, então
a gente tem que ter paciência, entendeu? (...) Tem que ter essa maturidade
também, na profissão da gente, né? (TRABALHADOR 1).
Destacam-se, assim, as colocações do Trabalhador 1 que correlaciona essas
características com maturidade profissional. Em outros momentos da entrevista, o
Trabalhador 1 diz que é por conta de “ter paciência” que consegue executar todas as
suas atividades.
Chama atenção que os trabalhadores do CAPS como um todo optem
preferencialmente por pensar e propor estratégias que se dão no âmbito individual,
em detrimento do âmbito coletivo. Acredita-se que diversos fatores podem ser os
41
responsáveis por tal acontecimento. Glanzner (2008) discute a sobrecarga
enfatizada pelos trabalhadores do CAPS que estudou, afirmando que
Essa sobrecarga é avaliada como um sentimento de impotência, pois no
cotidiano do serviço, frente às demandas e às necessidades, os
trabalhadores sentem-se coisificados, parecendo perder o seu poder de
pensar e criar. (GLANZNER, 2008, p. 91).
Essa afirmação pode ser levada em consideração à luz dos grandes desafios
que parte dessa equipe enfrentou para fundar o CAPS e os desafios subseqüentes
que toda a equipe enfrentou e continua enfrentando cotidianamente. Desse modo,
os sentimentos negativos apresentados pela equipe, inclusive, parecem justificar os
aparentes entraves para propor soluções.
7.1.2. Crise e Possibilidades de Intervenção – Concepções dos Trabalhadores
A princípio, discutir as concepções sobre crise (e Reforma Psiquiátrica que
virá no próximo item) não era proposta desse estudo, contudo, como todas as
entrevistas com os trabalhadores do CAPS tocaram nesse aspecto de alguma
forma, acreditou-se necessário apresentar o que foi explicitado, estabelecendo
nexos e conexões com o objetivo principal. Portanto, não pretensões em
aprofundar esses dados, que poderiam ser trabalhados, por exemplo, no campo das
“representações sociais”, conforme o fazem diversos autores.
As entrevistas apresentaram concepções de crise dos usuários que atrelam-
se basicamente à mudança de comportamento do usuário. A maioria delas
trouxeram essa mudança como elemento fundamental para perceber que a crise irá
acontecer. Essa mudança de comportamento vai desde o usuário parar de
alimentar-se ou higienizar-se, estabelecer conversa sem lógica, por exemplo, até
torna-se agressivo. Alguns trabalhadores disseram que esse percurso que
42
desencadeia a crise é gradual, sendo que isso possibilitaria ao profissional identificá-
la e poder intervir na mesma. A crise seria sempre gradual e nunca pontual.
Apenas 03 (três) trabalhadores relacionaram o acontecimento da crise, como
fator determinante, à parada de medicação por parte do usuário, seja porque ele
pára mesmo de fazer o uso, seja pela ingesta de álcool que “cortaria” o efeito do
remédio. A partir dessa visão, a melhor/única maneira de contornar a crise seria a
administração da medicação.
Mesmo que o usuário esteja agressivo, para os entrevistados, alguns fatores
precisam ser considerados para definirem o encaminhamento para atendimento
emergencial, com possibilidade de internação ou não. Nesse sentido, a contenção
física de usuário em crise para encaminhá-lo a atendimento, de acordo com o
Trabalhador 2, tem que se dar em conformidade com a Reforma Psiquiátrica,
acontecendo somente se oferecer risco para ele mesmo ou para outrem.”.
(TRABALHADOR 2). Exposto por diversas entrevistas, o que determina em última
instância a contenção do usuário e seu encaminhamento para atendimento
emergencial é a impossibilidade de que o CAPS consiga contornar isso. Essas
impossibilidades relacionam-se, sobretudo, ao funcionamento do serviço somente
em horário comercial (já que é um CAPS II) e ausência de psiquiatra no momento da
crise, tendo em vista que é somente esse profissional quem pode prescrever
medicações, mesmo sendo emergenciais.
A relevância dessa questão se na medida em que os profissionais
expressam novamente sofrimento ao não conseguir intervir de forma eficaz na crise
por falta de tempo para acompanhamento do usuário, fazer visitas domiciliares,
entre outros e evitar, assim, a internação. São emblemáticas as falas de alguns
trabalhadores que seguem:
Trabalhador 6
Ela não tinha um suporte mesmo, não tinha o que fazer e a gente ia embora
e ficava o final de semana, e eu comecei a achar que a vida dela estava em
risco, porque ela estava apanhando no meio da rua, e não era no bairro
não, ela saía por aí, pela cidade. A medicação tentava, ela não aceitava
injetável (...) tentou dar aqui no CAPS, mas ela era esperta, jogava fora, ela
dizia que não queria ficar impregnada, que ela ia dormir na rua mesmo e as
pessoas iam abusar ela (...) Então assim, foi difícil, nesse caso a internação
43
foi necessária, porém, foi angustiante até onde não pode mais.
(TRABALHADOR 6).
Trabalhador 7
É mais difícil, perpassa nossa capacidade de atendimento à crise, quando
percebe que vai precisar ficar na internação, permanecer um dia e a gente
não pode dar esse suporte aqui porque o nosso CAPS é um CAPS II, eu
acho que é esse termômetro que a gente parte, eu acho. (TRABALHADOR
7).
Um dos entrevistados debate o caráter relativo da crise. Ao acreditar que
todas as pessoas vivam em crise, parte do princípio de que nem toda a crise é
negativa
A crise (...) é necessária para se crescer, para se encontrar solução (...) tem
usuários aqui que passam por crises muito benéficas, quando a gente vai
ver que depois da crise vem uma organização muito maior do que antes,
sem precisar necessariamente da internação, de uma dose aumentada
medicamentosa, mas sim intervenções de escuta, de conversa mesmo. E a
gente um grau de organização melhor depois, então um momento
mesmo de desorganização das idéias para organizá-las. (TRABALHADOR
3).
Chama a atenção que o Trabalhador 3 consiga não somente ver pontos
positivos na crise que esta é necessária, muitas vezes, para que o indivíduo
atinja um grau maior de organização “das idéias” como, também, proponha outras
formas de atenção pautadas no acolhimento e na escuta, em detrimento à
administração de medicação ou mesmo de encaminhamento para internação. Essa
postura pode ser determinante para diminuir o sofrimento do profissional diante da
impotência que acredita ter.
7.1.3. Reforma Psiquiátrica – Concepções dos Trabalhadores
44
Ao entender que as concepções dos trabalhadores em relação aos Centros
de Atenção Psicossocial, seu papel e função, aos Hospitais Psiquiátricos e aos
demais equipamentos da rede de Saúde Mental, além das concepções que têm da
Reforma Psiquiátrica propriamente dita interferem diretamente na prática
profissional, à semelhança da concepção sobre crise, esse tópico discutirá as
concepções dos trabalhadores sobre a Reforma Psiquiátrica brasileira procurando,
sobretudo, nexo com os desafios enfrentados no cotidiano dos serviços.
Concorda-se então com Coelho (2008) quando esta diz que
As concepções dos trabalhadores acerca dos serviços substitutivos refletem
algo que se construiu em sua formação. Elas também aparecem, de alguma
maneira, diluídas em todos os outros eixos de análise (...) assim como
concepções sobre a Reforma (...) Uma vez que trabalham nestes serviços,
qualquer fala destes trabalhadores sobre o seu trabalho vai trazer
subjacente a ela uma determinada compreensão acerca do que seja o
serviço. (COELHO, 2008, p. 145)
Assim, a mesma autora propõe que algumas falas, por apresentarem-se de
maneira específica, pelo modo como compreendem os serviços, podem ser
interessantes para as reflexões propostas. (COELHO, 2008). Propõe-se, então, a
discussão dos aspectos específicos encontrados nas entrevistas.
A primeira fala que chama atenção nesse aspecto é a do Trabalhador 2 que,
debatendo as limitações que os trabalhadores de CAPS têm para fazer seu trabalho,
relacionando-se com o que acredita ser papel/função do CAPS como serviço
substitutivo, afirma que acharia a Reforma Psiquiátrica ”ótima” caso esta
funcionasse como está no papel.”. (TRABALHADOR 2). Atribui importância às
intervenções do Ministério Público para concretizar a Reforma na medida em que
esse determina o fechamento de “espeluncas” que se configuram mais como “jaulas”
do que como “unidade hospitalar”.
Outros trabalhadores não tocaram na Reforma propriamente dita, mas citam
os equipamentos que compõe a rede assistencial. Tratando-se do Hospital
Psiquiátrico, o Trabalhador 7 afirma que ainda possui um papel na rede pois são os
únicos lugares onde pode ser dada uma atenção intensiva à crise. Trata do papel
45
que os CAPS III cumpririam se instalados em Salvador. Dizendo que concordou
com as críticas proferidas aos manicômios, acha que a realidade dessas unidades
atualmente é um pouco diferenciada.
Eu acho que na época também do hospital psiquiátrico, eles foram surgidos
também tipo o CAPS, como o CAPS, como uma mudança no tratamento
psiquiátrico, como a salvação para (...) essas pessoas, esses indivíduos
com transtorno mental. E hoje a gente fala que o hospital psiquiátrico é isso
e aquilo e colocando-se os CAPS como... No pedestal. (TRABALHADOR 7).
Esclarece o que considera papel do CAPS no sentido contatar o Hospital
Psiquiátrico e acompanhar a alta de usuários no território, facilitando a vinculação
com o CAPS. Sobre isso, diz que o fluxo ainda é o “inverso” pois na grande maioria
das vezes quem estabelece contato para avisar da alta de algum usuário é o próprio
Hospital e não o contrário. É interessante pensar no entendimento que esse
trabalhador tem não somente do que é a desinstitucionalização (mesmo que não
tenha usado esse termo) e a Reforma Psiquiátrica, ao passo que também visualiza o
papel do CAPS nisso e aponta o que deveria estar sendo feito.
O Trabalhador 7 juntamente com o 3, são os únicos a citarem a ausência de
CAPS III no município de Salvador tangenciando essa discussão em contextos
semelhantes: quando falam da atenção à crise e de como isso poderia ser
diferenciado com a implantação de CAPS III, inclusive de suas possibilidades de
intervenção como trabalhadores de um CAPS tipo II.
Falando de outros equipamentos da rede, o Trabalhador 6 coloca que a
Residência Terapêutica, ou Serviço Residencial Terapêutico, ocupa um lugar
importantíssimo na Saúde Mental, deixando subentendido que isto se por
concretizar o fechamento dos manicômios. Enfatiza essa importância dizendo que
tem planos dedicar-se mais à RT sob responsabilidade do CAPS, deixando até
mesmo de fazer algumas outras atividades.
Em relação ao Sistema Ambulatorial Móvel de Urgência (SAMU) os
entrevistados que os citam, questionam seu funcionamento a partir de momentos de
dificuldades encontradas no atendimento e encaminhamento de usuários em crise.
O Trabalhador 2 cita que o SAMU só fazia transporte de “pacientes de psiquiatria” se
46
ele fosse contido, inclusive era solicitado que o próprio familiar o fizesse. Sobre isso
comenta:
E ai? A própria equipe de saúde querendo que ele e ainda é o familiar
que vai ter que conter ele, se geralmente quando ele está em crise, está
agredindo é o familiar, como é que o familiar ainda vai conter ele?
(TRABALHADOR 2).
O Trabalhador 6 conta que às vezes a SAMU vem, às não vem”, e se refere
a uma situação de emergência clínica acontecida dentro do CAPS: na ausência de
um profissional médico, não se podia administrar nenhum tipo de medicação para
tentar dar conta das crises convulsivas de um usuário, quando acionado, o SAMU se
nega transportar o usuário a um atendimento de emergência sob a alegação de que
não era emergencial.
Como já citado, o Trabalhador 7 contou que por essas dificuldades de diálogo
e conseqüente atendimento de usuário em crise, fez-se contato com a Coordenação
de Saúde Mental do Município relatando alguns acontecimentos e solicitando
abertura de diálogo com o SAMU.
Em relação ao Pronto Atendimento em Psiquiatria (PA), inaugurado em
meados de 2009, os trabalhadores que os citam são unânimes em dizer que se trata
de um grande avanço pois, quando se encaminha um usuário para atendimento de
emergência em um manicômio, as chances de internar são muito maiores do que
se ele fosse apenas atendido na emergência psiquiátrica”. (TRABALHADOR 6). Nas
palavras do Trabalhador 7,
Esse instrumento é de fundamental importância, nesse momento, porque a
gente também diminui a vinculação a família ao estar encaminhando
totalmente, somente para os hospitais psiquiátricos. tira do hospital
psiquiátrico que a gente sabe que, é... Que o internamento era feito por
muitos dias e tinha gente que ficou assim quase um mês, dois meses,
quando não era necessário. E a gente quando encaminha para outro PA, a
gente que o, são poucos é internamentos, internação, por exemplo, e
consegue dar uma resposta melhor, voltar rapidamente para a comunidade
e a gente continuar nosso trabalho. (TRABALHADOR 7).
47
O trabalhador joga luz sobre aspectos bastante interessantes em se ter um
PA para situações de emergência pois reforça que, ao se evitar a internação, os
ganhos adicionais seriam a não ruptura do vínculo familiar, a volta o mais breve
possível para a vida na comunidade e a consequente continuidade do trabalho do
CAPS com tal pessoa.
Contudo, os trabalhadores tecem críticas dizendo que o PA já estava fechado
por falta de médico pouco tempo depois de sua inauguração. O trabalhador 2,
dizendo sobre um acontecimento onde um amigo tentou encaminhar o filho para
atendimento na emergência psiquiátrica, contesta
Criou-se mais essa unidade, que funciona assim, é regulada, emergência
regulada. O paciente para se regular tem que ser eletivo, tem que prestar o
primeiro atendimento, depois você solicita a regulação. Não você regular
uma pessoa que está em casa querendo se matar, né? Vai que o tempo de
resposta da regulação demore e ele consume, quem vai responder?
Entendeu? (TRABALHADOR 2).
Nota-se a relevância dessas colocações pois não somente se questiona sobre
o que significa uma emergência e qual a função da “regulação” nessa situação,
como, ao mesmo tempo, traz as especificidades do que seria uma emergência em
psiquiatria, que difere de uma emergência clínica.
Especificamente em relação ao CAPS, sua função dentro da Reforma
Psiquiátrica bem como seu papel como equipamento do SUS, têm-se uma grande
convergência de concepções. Faz-se, no entanto, uma ressalva acerca do que a
equipe construiu como arcabouço teórico-prático no processo de implantação do
CAPS que suas concepções parecem estar consolidadas de forma que, pelo
menos conceitualmente, não existam divergências. Ao contrário, as convergências
são tamanhas a ponto das falas dos trabalhadores parecerem se complementar. A
força dessas pessoas em tocar o citado processo é tão notória que deixa-o como
legado à equipe como um todo e, mesmo os membros da equipe que entraram em
momentos posteriores, acabam por apropriar-se dessa história, reproduzindo-a
como se fosse sua também. Esses conceitos e concepções são expostos de modo
48
direto nas entrevistas, mas também implícitos, quando se trata das práticas de
trabalho.
O Trabalhador 1 demonstra sua concepção ao afirmar que o trabalho do
CAPS é um trabalho diferenciado.e constrói, no decorrer de toda a conversa, o que
compreende. (TRABALHADOR 1). o Trabalhador 3, resume de maneira clara e
precisa a concepção que parece ser de toda a equipe: o CAPS é um serviço
substitutivo ideal, mas que ainda precisa se estruturar.”. (TRABALHADOR 3). Usa o
termo “serviço substitutivo” cujo significado implica no fechamento/substituição dos
manicômios por outros equipamentos, trazendo um termo cunhado pela próprio
Movimento de Luta Antimanicomial que impulsionou a Reforma Psiquiátrica. E, ao
mesmo tempo, diz que o CAPS é “ideal” e que ainda precisa avançar, demonstrando
a realidade da Reforma Psiquiátrica em Salvador, ainda em processo de
implantação e consolidação.
Questões sobre o papel do CAPS em evitar o internamento também são
abordadas de forma unânime pelos entrevistados, articulados à (re)inserção social,
citada como um dos principais objetivos do serviço. Conforme as falas a seguir:
O trabalho do CAPS é um trabalho de inserção social. Eu acho que essa,
essa é a maior, acho que esse é o maior objetivo do CAPS: inserir essas
pessoas, inserir ou reinserir essas pessoas socialmente, né?
(TRABALHADOR 5).
Eu acho que isso é o objetivo mesmo dele: reintegrar e evitar a internação.
Eu acho muito triste assim quando eu vejo um usuário daqui ser internado,
em alguns casos eu sinto até um fracasso, entende? (TRABALHADOR 6).
Tratar de estar inserindo as pessoas que são é, vindas dos hospitais
psiquiátricos, à sociedade, fazendo com que a sociedade as acolham. (...)
Eu acho que o papel da, do CAPS é esse: a reinserção, reintegração social,
essa parte toda de um trabalho específico, né? (TRABALHADOR 7).
É consenso que se busque apoio nas famílias de usuários do serviço para
desenvolver um trabalho e evitar o (re)internamento, efetivando a (re)inserção social.
Comprometer os familiares com o tratamento também é um objetivo, conforme diz o
Trabalhador 2
49
E também (...) acionar as famílias, porque tem algumas famílias que m a
pessoa portador do, do transtorno e acha que o Estado e a unidade é que
tem que dar conta. (TRABALHADOR 2).
Outro conceito bastante usado para descrever os principais objetivos do
CAPS é o de autonomia. Esse conceito aparece de diferentes formas ao longo das
entrevistas mas merece destaque o trazido pelo Trabalhador 7, que o enfatiza em
toda a conversa. Esse Trabalhador usa sempre o conceito de autonomia atrelado à
discussão sobre o contexto de cada usuário em tratamento e as possibilidades de
que esse usuário se constitua como autônomo. Fala, assim, em “autonomia
possível”. (TRABALHADOR 7).
A melhoria da qualidade de vida do usuário aparece como uma das funções
do CAPS. É especialmente enfocada a melhoria da qualidade de vida de usuários
egressos de longas internações psiquiátricas.
Outras questões consensuais dizem respeito ao trabalho com a sociedade
para mobilizar os preconceitos e, também, “construir a rede”, como prefere o
Trabalhador 5. Apesar de os outros trabalhadores também abordarem essa questão,
é em sua entrevista que o conceito e o modo como se esse trabalho aparecem
mais desenvolvidos.
Construção de rede é (...) a meu ver, eu acho que é esse trabalho que a
gente faz, né? De estar, (...) Tentando formar parceiros, eu acho que a
construção de rede é a construção da formação de parceiros, né? De, de
serviços, de trabalhos, né? (...) o CAPS junto com as instituições, o CAPS
junto com os agentes comunitários, o CAPS junto à comunidade... Eu acho
que esse é o trabalho de construção de redes (...) Instituição de saúde, de
educação, né? E as instituições comunitárias mesmo: igreja, né?
Associação de bairro... (TRABALHADOR 5).
Salienta-se que o conceito de construção/articulação de rede trazido pelo
Trabalhador inclui diferentes instituições tanto formais (equipamentos de saúde, de
educação) como informais (associações de bairro). Está em consonância com o
observado no manual Saúde mental no SUS: os centros de atenção psicossocial”, do
Ministério da Saúde:
50
Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) deverão assumir seu papel
estratégico na articulação e no tecimento dessas redes, tanto cumprindo
suas funções na assistência direta e na regulação da rede de serviços de
saúde, trabalhando em conjunto com as equipes de Saúde da Família e
Agentes Comunitários de Saúde, quanto na promoção da vida comunitária e
da autonomia dos usuários, articulando os recursos existentes em outras
redes: sócio-sanitárias, jurídicas, cooperativas de trabalho, escolas,
empresas etc. (BRASIL, 2004, p. 12).
Ao abordar essas questões, os trabalhadores apontam a postura profissional
necessária para que esse trabalho do CAPS, balizado pelo exposto acima, se
efetive. Alguns falam de comprometimento, outros falam de dedicação, mas
especialmente o Trabalhador 5, coloca ênfase na postura do profissional, usando
termos como “abraçar a causa” e falando sobre ter responsabilidade com a vida do
outro
Tenho muita responsabilidade com o que eu faço, né? E, e eu acho que eu
sou muito responsável, eu me sinto muito responsável pelas pessoas que
estão aqui dentro (...) Eu me sinto responsável pelo cuidar dessas pessoas.
(TRABALHADOR 5).
Para encerrar a discussão desse item, será trazida a fala do Trabalhador 2
que faz uma diferenciação entre o que seria assistencialismo e assistência: Você
prestar assistência, [é] você prestar o que lhe cabe, o que serve (...) [se] você está
fazendo por ele, você está sendo assistencialista.”. (TRABALHADOR 2). Optou-se
por usar essa reflexão tendo em vista que foi proferida quando o Trabalhador
polemizou com a postura de colegas de trabalho a respeito de alguns usuários que,
em sua opinião não deveriam estar no serviço porque, por exemplo, estavam em
momentos mais organizados de sua vida mas mantinham vínculo com o serviço para
alimentar-se, ou porque eram usuários com outras questões que não as
preconizadas para um CAPS II. Traz à tona um embate de conceitos que, no limite,
põe em xeque as concepções que os trabalhadores possuem do CAPS, seu papel e
função, ao mesmo tempo em que, implicitamente, estabelece uma oposição ao
paradigma conceitual sustentado pela atenção à saúde centrada principalmente no
51
manicômio versus atenção à saúde centrada em equipamentos de base comunitária
como os Centros de Atenção Psicossocial e as Residências Terapêuticas.
7.1.4. Relação entre a Equipe – Conflitos e Proposição de Soluções
A relação entre a equipe do CAPS apareceu de dois modos: sob forma de
conflitos implícitos ou explícitos, e de soluções às questões enfrentadas
cotidianamente pelos trabalhadores. Preferiu-se apontar essas questões de maneira
geral para evitar que a citação de falas que tratem de colegas de trabalho ganhe tom
pejorativo e fuja ao objetivo da pesquisa tendo em vista que essa dimensão
analisada correlaciona-se com as anteriores (como pode ser observado em diversas
citações das entrevistas), mesmo que com enfoque diferente desse item. Corrobora-
se com Campos (2005) no sentido de que é o trabalhador quem carrega as
conseqüências das ações de trabalho que realiza mesmo que não conte com “os
recursos necessários e suficientes”, em detrimento à responsabilização da
“instituição” e do “sistema”. (CAMPOS, 2005, p. 35). Nesse sentido, a opção por não
discorrer longamente sobre os conflitos entre os trabalhadores do serviço é também
uma opção por não culpabilizá-los, como chama atenção o autor.
Os principais conflitos apresentados ligam-se às dificuldades relativas por
excesso de trabalho e falta de tempo para dar conta de todas as tarefas
determinadas. Isto, na verdade, reitera o que foi dito no tópico “7.1.1. Aspectos
Relacionados à Organização do Trabalho” principalmente no que se refere ao
sofrimento gerado nos trabalhadores frente às limitações impostas. Foram comuns,
nesse sentido, falas que problematizam que o trabalho não ocorra em equipe, bem
como identificam um desgaste das relações pessoais. Do mesmo modo que no item
supracitado, também aqui os trabalhadores demonstraram restrições em propor
soluções para as questões expostas partindo, em sua grande maioria, para
propostas de atuação individual em detrimento ao coletivo.
52
Resgatando-se novamente a história de constituição dessa equipe e,
consequentemente desse CAPS, é plausível que uma equipe que travou diversas
batalhas para se constituir com tal, esteja em sofrimento por continuar a enfrentar
entraves cotidianos e de diversas ordens, estando muitos deles longe de sua alçada.
No entanto, chama a atenção que mesmo as questões que poderiam ser
solucionadas, por exemplo, em reunião de equipe, mesmo que demandassem certo
emprenho dos trabalhadores, sejam trazidas igualmente como sem solução. Sobre
isso, reitera-se o que diz Glanzner (2008) sobre a aparente perda de criatividade e
resolutividade dos trabalhadores sobrecarregados com as demandas do serviço.
7.1.5. Os Programas de Residência Multiprofissional
Optou-se por terminar as discussões acerca do trabalho no CAPS com as
colocações sobre os dois Programas de Residência Multiprofissional em Saúde que
têm esse CAPS com um dos campos de prática. Isto se deve ao fato de que três
trabalhadores citam as atividades dos residentes de modo que pareceu relevante
sua discussão.
As residências pertencem ao Departamento de Ciências da Vida da
Universidade do Estado da Bahia (DCV – UNEB) e ao Instituto de Saúde Coletiva da
Universidade Federal da Bahia (ISC UFBA), e mandam a esse campo grupos de
residentes compostos por no máximo cinco e quatro residentes, respectivamente. A
residência da UNEB conta com dois grupos de residentes que passam nove meses
no serviço, em momentos diferentes. A residência da UFBA, por sua vez, possui
quatro grupos de residentes que passam, cada um, seis meses no serviço.
O Trabalhador 3 afirma que o ponto positivo das residências estarem
refere-se à diferença entre os residentes e os demais estudantes (estagiários de
graduação) pois dedicam mais tempo ao serviço, desenvolvendo diversas ações e
projetos. Em sua opinião, os residentes foram responsáveis por imprimir uma
53
dinâmica diferenciada no CAPS como um todo, com destaque para o trabalho
territorial e de acompanhamento terapêutico de usuários.
Eu fico torcendo para alguma residente acompanhar algum caso comigo
porque eu sinto que elas podem me ajudar muito (...) aí quando pega algum
caso comigo, eu vejo que meu usuário melhora, eu consigo enxergar outras
coisas, se discute... (TRABALHADOR 3).
O Trabalhador 7, por sua vez, coloca a importância das residências sobretudo
na “ponte” estabelecida com os hospitais psiquiátricos para acompanhamento de
usuários do serviço que acabavam sendo internados e, na articulação do
acompanhamento pós-alta de outros usuários que pertenciam ao território adscrito
ao CAPS, mas não o freqüentavam.
O Trabalhador 5 cita a tutoria com os residentes como momentos importantes
de troca, inclusive para si como profissional e acredita-se que isso aconteça porque,
de alguma forma, a residência representa a academia e a possibilidade de estar em
contato com a mesma. O Trabalhador aponta que nos momentos de tutoria são
abarcadas questões teóricas, casos de usuários que estão sendo acompanhados
pelos residentes e, ainda, ações e projetos que estão sendo desenvolvidos pelos
mesmos.
Entretanto, ressalta-se as colocações do Trabalhador 3 ao expressar
sofrimento em ver o trabalho que os residentes desenvolvem mas sentir-se incapaz
de fazer o mesmo.
Vocês residentes têm o dia todo, então a carga horária é maior, não tem (...)
vinte referências, não tem. Então você observa que esse trabalho
individualizado que vocês fazem (...) Então o usuário, como uma
melhora! A gente isso na frente, a melhora é... Perceptível, é uma coisa
assim impressionante, então você se sente frustrada de não poder estar
fazendo a mesma coisa, está entendendo? Porque você não tem como, eu
não consigo. (TRABALHADOR 3).
Completa suas colocações observando que acredita no “modelo de
assistência” que os residentes e eles, conseguem executar. Acha que “está
54
correto” por ser realmente o que os usuários precisam, mas retoma suas pontuações
de que os profissionais do CAPS não têm como aplicá-lo devido aos impedimentos
discutidos nos tópicos anteriores como, por exemplo, o excesso de usuários de
referência ou a falta de tempo para realizar todas as atividades de trabalho sob sua
responsabilidade.
7.2. O Trabalho e os Trabalhadores da Residência Terapêutica
7.2.1. Aspectos Relacionados à Organização do Trabalho
Puderam ser notados diversos aspectos que se relacionam direta ou
indiretamente com a organização das atividades de trabalho na RT, bem como
aspectos considerados como dificultadores ou facilitadores para a execução dessas
atividades. Optou-se por apresentar também a percepção que os trabalhadores têm
desses aspectos, problematizando-os de modo a relacioná-los.
As atividades de trabalho da RT apresentaram-se sob a forma de um rotina
bem definida já que, diferentemente do CAPS, apenas uma categoria profissional
atuando nesse serviço, ou seja, as atividades de trabalho são exatamente as
mesmas para todos os cuidadores. As possibilidades de variação na rotina
relacionam-se mais com as intercorrências junto aos moradores do que uma
mudança propriamente dita nas tarefas. Como explicita o Trabalhador 10
É sempre uma novidade, a gente tenta o máximo é, manter um padrão mas
não tem porque a gente depende do humor deles. Mas é basicamente bem
parecido um dia após o outro, a diferença é que a gente espera surpresas
da cabeça deles, né? É mais ou menos isso (...) A única coisa que a gente
sabe aqui é o padrão, que foge deles, ou seja, limpar casa, fazer a
alimentação (...) fora isso, o resto eles comandam, entendeu? A gente não
tem... Cada dia é um novo dia. (TRABALHADOR 10).
55
É possível então estabelecer uma diferenciação das atividades de trabalho
entre aquelas que se podem chamar de variáveis e não variáveis. As variáveis são
aquelas, conforme exposto, que dizem respeito ao trato com os usuários. O
Trabalhador 10 afirma, por exemplo, em relação ao banho, que existem moradores
que o fazem sozinhos e os que precisam de ajuda.
As atividades que não variam são todas as outras e se configuram como
atividades de manutenção da casa (limpeza da casa, feitura de compras de
alimentos, feitura das alimentações, entre outras) e troca de plantão, onde os
cuidadores passam as informações sobre todas as intercorrências com os
moradores no seu período de trabalho.
Há, ainda, uma pequena variação das atividades entre os cuidadores que
atuam durante o dia e os do período da noite. O Trabalhador 9 expressa essa
diferença no trecho que segue:
Quem trabalha de dia é muito pior, né? Porque é o dia todo e eles estão
acordados e eles estão fazendo uma coisa, e eles estão fazendo outra, e
joga pedra na casa dos outros, e joga pedra na rua (...) Quem trabalha à
noite é um pouquinho mais suave porque eles vão dormir, acorda pela
manhã. Mas quem trabalha à noite é difícil... (TRABALHADOR 9).
O Trabalhador 9 expressa que durante o dia é mais atribulado pois os
moradores estão acordados, porém o Trabalhador 11 discorda ao dizer que durante
o dia uma dupla de cuidadores para cada casa e, a noite, os cuidadores
trabalham sozinhos. Chega a dizer que, por isso, exige-se menos desses
trabalhadores.
Ainda em relação à execução das atividades de trabalho, todos os
entrevistados falam de maneira positiva do apoio que recebem da coordenação da
residência e consideram esse suporte fundamental para o andamento cotidiano do
trabalho. Sobre isso, o Trabalhador 11 diz que estabelecem constantemente contato
com a mesma
56
Tudo a gente corre para X
9
, a verdade é essa. Quando a gente tem uma
dificuldade aqui com a casa, a gente corre para X. Agora com relação às
moradoras é que X nos indica a recorrer ao CAPS, né? (...) Eu sempre ligo
para X, passo como está a situação da coisa e junto com ela a gente tenta
ver o que vai fazer. (TRABALHADOR 11).
Sobre a quantidade de atividades de trabalho, dos três trabalhadores
entrevistados, dois convergem no que diz respeito à demasia dessas, expressando
que gostariam que fosse ampliado o quadro de funcionários. O trabalhador 9 diz que
tem coisas que não é papel do cuidador, mas a gente faz”. (TRABALHADOR 9).
Entendendo que essa discussão relaciona-se sobremaneira com as concepções que
os trabalhadores têm dos Serviços Residenciais Terapêuticos, a discussão sobre o
papel do cuidador será retomada no próximo item (Residência Terapêutica
Concepção dos Trabalhadores). O Trabalhador 11, colocando que poderiam ser
contratados profissionais especificamente para tarefas como higienização ou
preparação dos alimentos, polemiza sobre a execução das mesmas em outras RTs
Tem residência aí mesmo que as meninas não cozinham. Tem só, acho que
é uma vez na semana que elas vão até a cozinha. E não é elas que vão
fazer mercado, é o CAPS de lá que faz, entendeu? (TRABALHADOR 11).
No que se refere às dificuldades propriamente ditas, para além do que foi
exposto, serão abordados dois temas que emergiram das entrevistas. O primeiro diz
respeito à mudança de gestão da RT, que passou de uma Instituição Filantrópica
10
ao município. Tem-se como emblemática a fala o Trabalhador 9:
Enquanto nós estávamos pelas I. F., eu tinha, a gente tinha alguma coisa
maior, entendeu? Aí depois que saímos de, das I. F. (...) a princípio foi difícil
porque a nossa coordenadora ela também teve muitas dificuldades assim
dessa adaptação com a prefeitura, tudo, então foi meio difícil assim.
(TRABALHADOR 9).
9
Entende-se X como o nome da pessoa que está na coordenação da RT em questão.
10
Optou-se pela sigla I. F. (relacionando-se à Instituição Filantrópica) quando as falas dos cuidadores
citadas apresentarem o nome da instituição que foi responsável pela gestão da Residência.
57
Para além da confusão com a responsabilidade sobre a Residência, a
mudança de sua gestão também causou desconfortos e confusões sobre o vínculo
dos cuidadores que até o fim da coleta de dados não havia sido resolvido bem
como alguns problemas com os salários dos mesmos.
O segundo tema apontado pelos cuidadores que possui relevância especial é
o que o Trabalhador 9 define como sendo “o cuidado com o cuidador”. Trata do
excesso de atividades que desempenham, para além do que deveriam, em sua
opinião. Afirma que se interessou sobre “o cuidado com o cuidador” e buscou
inclusive leituras a esse respeito.
Eu leio um pouco sobre essa coisa de cuidado do cuidador e fiquei muito
interessada pelas matérias. Às vezes até que alguma coisa saiu na
televisão, procuro ver na internet coisas sobre o cuidador. Então eu vejo
que bem, a gente faz um pouquinho além. Mas tudo bem, a gente vai
fazendo. (TRABALHADOR 9).
Provavelmente dificultado pela mudança de gestão da RT, conta que estão
trabalhando sem tirar férias dois anos e meio e que a equipe acordou que cada
um iria pegar três dias de folga, pois todos estão “precisando descansar”, porém,
demonstra saber das limitações desse acordo que, por haver “defasagem de
cuidadores”, quando um cuidador estiver folgando o outro trabalhará sozinho. Ainda
sobre o cuidado com o cuidador, discorre sobre o que considera, a partir do seu
ponto de vista, ser isso
Pelo que eu entendo (...) Não tem lazer nenhum para o cuidador, é... Não
tem cuidado no que diz respeito às pessoas que está fazendo isso, uma
reciclagem, vamos dizer, não tem um, uma, é... Uma coisa de...
Confraternizações para que a gente esteja assim, sempre junto, parceiros,
que tudo isso a gente pode ter, né? Como cuidador, né? Não tem nada,
nada, nada que ajude o cuidador a cuidar melhor dos, dos moradores, né?
(...) Sobre a saúde da gente também (...) Que é, seria muito bom uma ajuda
psicológica para a gente também, a gente não tem. (TRABALHADOR 9).
Destaca-se nesse trecho, sobretudo, que o Trabalhador é não somente
perspicaz em definir o que é o cuidado com o cuidador como consegue, de maneira
58
prática, propor soluções. Ramminger (2005), em sua obra pautada no cuidado com
os profissionais de Saúde Mental, encontrou propostas semelhantes às citadas, o
que também determina a relevância das questões apontadas pelo entrevistado.
Em relação ao apoio psicológico sugerido como forma de cuidado ao
cuidador, Glanzner (2008) afirma o potencial desse espaço pois
A terapia aparece como um espaço no qual o trabalhador alivia a carga
psíquica oriunda do seu fazer. Por estar comprometido com seu trabalho, é
nesse espaço que obtém escuta e acolhida (...) e conseqüente construção
do alívio necessário para suas tristezas e sofrimento. (GLANZNER, 2008, p.
86-87).
A potencialidade do espaço da terapia encontra-se na medida em que não
somente representa o comprometimento do profissional com seu trabalho como
também propicia que ele possa elaborar conflitos e dar conta de questões que, no
limite, repercutem em seu próprio trabalho.
Silva (2007), em sua pesquisa realizada com trabalhadores de um CAPS em
Goiânia, aborda o que chama de “(des)cuidado” com o cuidador e defende que
A implantação de programas e projetos destinados aos profissionais de
saúde passa também pelo reconhecimento de que é preciso cuidar de si
para cuidar do outro (...) Assim, ações que beneficiam a saúde do
trabalhador qualificam o atendimentos aos usuários, como também o
engajamento profissional. (SILVA, 2007, p. 134).
Em se tratando das soluções propostas frente aos entraves cotidianos e das
facilidades encontradas pelos cuidadores na realização de suas atividades de
trabalho, encontrou-se, além do suporte da coordenação (já discutido
anteriormente), dois eixos principais de respostas dadas pelos trabalhadores. Um
deles baseia-se em questões individuais como, por exemplo, gostar do trabalho que
desenvolve. O outro, bastante citado pelos entrevistados de modo direto e indireto,
tem por base a atuação/interação com os usuários. São então propostas estratégias
como aprender com os moradores, aprendendo também a conviver com eles. Outra
estratégia apontada pelos Trabalhadores 10 e 11 tem relação com o modo como
59
lidam com os moradores, levando em consideração seu sofrimento psíquico. O
Trabalhador 10 fala de usar a brincadeira como forma de conseguir interagir com
alguns moradores em especial. Ao passo que o Trabalhador 10 fala em
“enlouquecer junto”
Ela está vendo alguma coisa, a gente finge que está vendo, é aquilo que ela
precisa naquele momento, que alguém veja aquilo com ela (...) Mas imagine
você que o, o doente, ele se vê num mundo de loucos, só ele é certo e todo
mundo é louco, né? Porque só ele está vendo aquilo (...) então aqui a gente
também enlouquece junto com eles: ‘Não, eu to vendo também’. Ou seja,
eu e ele, s somos loucos, então eu sou amigo dele porque eu sou um
louco (...) ela tem um amigo quando a gente está ali, amigo pelo menos
naquele momento, né? (TRABALHADOR 10).
A autonomia para a resolução de questões cotidianas da RT, que poderia ser
considerada uma facilidade, expressou-se de forma contraditória na fala de dois
Trabalhadores. O Trabalhador 11 manifesta insegurança ao que ter que “tomar a
frente de tudo” já que praticamente são eles quem administram a casa.
(TRABALHADOR 11).
Glanzner (2008), garante que
Um dos caminhos para assegurar a qualidade do trabalho em saúde é a
combinação adequada da autonomia profissional com a responsabilidade
dos trabalhadores. (GLANZNER, 2008, p. 77).
O pensamento do Trabalhador 10 está em consonância com o expresso pela
autora, ele acredita ser positivo o fato de seu trabalho ser “bastante autônomo” pois
consegue “resolver tudo”.
7.2.2. Residência Terapêutica – Concepções dos Trabalhadores
60
Tal como na discussão realizada acerca das concepções dos trabalhadores
do CAPS sobre crise e sobre Reforma Psiquiátrica (hospital psiquiátrico, serviços
substitutivos, e especificamente o CAPS), entende-se também que essas
concepções foram tangenciadas em todo o item anterior, entretanto, julgou-se
necessário abordar as concepções de modo mais específico pois, além de terem
aparecido bastante nas entrevistas, ainda reforçam aspectos relacionados ao
cotidiano do serviço.
Os três sujeitos da pesquisa apresentaram a mesma concepção do serviço,
bem como a mesma opinião sobre o que seriam suas funções e papel como
cuidadores. Assim, a concepção central sobre a RT é a de que ela deve se constituir
num “ambiente familiar” e “de proteção”, como exemplifica o Trabalhador 10 ao falar
sobre a chegada e adaptação de um novo morador, egresso de internação
psiquiátrica. A “família” seria então composta por moradores e cuidadores, sendo os
segundos responsáveis por fazer com os primeiros “se sentissem como se tivessem
na casa deles, com a família deles.”. (TRABALHADOR 9).
Nessa direção, os cuidadores assumiriam a função de pais e protetores dos
moradores, sendo responsáveis, inclusive, por tomar algumas decisões relacionadas
aos moradores, conforme explicita o Trabalhador 10,
O cuidador é um pai mesmo, é uma mãe mesmo, porque a gente traz o
conhecimento da família, de saber que a gente não vai, nem sempre vai
contar com alguém, nós somos os pais, nós temos que saber que a gente
tem que tomar providências. (TRABALHADOR 10).
Reforçando essa concepção apresentada, foi notável que os três
entrevistados tenham situado as atividades de trabalho relacionadas diretamente
aos moradores, a partir de três verbos: cuidar, observar e orientar.
7.2.3. Relação entre a Equipe – Conflitos e Proposição de Soluções
61
Observou-se que o relacionamento da equipe de cuidadores da RT não
somente é bastante positivo, como move-se por valores como o “respeito”, por
exemplo. (TRABALHADOR 10). Isto permite que a atenção prestada ao usuário do
serviço seja mais qualificada e exista uma atenção à continuidade do trabalho como,
por exemplo, a passagem cuidadosa do plantão para que os ocorridos não se
percam e informações relevantes sejam deixadas de lado.
A presença de uma certa cumplicidade entre os cuidadores também caminha
na direção de tornar a equipe mais forte e unida. Serve para que as atividades de
trabalho sejam cumpridas sem quem maiores problemas apareçam tendo em vista
que um está sempre cobrindo o outro.”. (TRABALHADOR 10). também entre a
equipe o pensamento da formação de uma família
Como se fosse uma família, entendeu? A gente está sempre muito bem (...)
coisinhas pequenas que se resolve rapidinho e ninguém anda assim
zangado com o outro. A convivência é muito boa da gente, por isso que
esse trabalho está permanecendo. (TRABALHADOR 9).
Desse modo, os pequenos conflitos são sempre discutidos e resolvidos sem
que tomem maiores proporções. Esse fortalecimento da equipe é apontado por um
dos Trabalhadores como fator importante para que o próprio serviço continue
existindo. Ao dizer das qualidades da equipe que são pautadas pela organização e
coesão, o Trabalhador 9 afirma que foi essa estruturação que fez com que a equipe
conseguisse enfrentar problemas como os ocorridos com a mudança da RT para
gestão municipal sem que o trabalho deixasse de acontecer com a qualidade
necessária.
Essas afirmações correspondem ao encontrado por Coelho (2008) onde
Adquire centralidade (...) o trabalho em equipe (...) para socializar
experiências, enfrentar problemas conjuntamente e avaliar no coletivo as
decisões tomadas individualmente, através de uma espécie de supervisor
coletivo (a própria equipe). (COELHO, 2008, p. 71).
62
Para a autora, a reflexão realizada em equipe sobre a atuação profissional
permite sobretudo que a própria prática seja constituinte de balizadores coletivos de
si mesma. (COELHO, 2008). Desse ponto de vista, afirma-se que a relação entre a
equipe de trabalhadores da RT é bastante sadia e pode ser considerada como fator
principal do êxito dos cuidadores em suas práticas.
7.2.4. Relação entre RT e CAPS – O Ponto de Vista dos Cuidadores
Finalizando a discussão relativa ao material coletado junto aos cuidadores da
RT, um elemento estruturante do trabalho junto aos moradores da casa foi abordado
por todos os entrevistados: a relação entre a RT e o CAPS. Partindo do princípio de
que houve somente uma fala no sentido de citar que os moradores da RT
freqüentam o CAPS, todas as demais falas detiveram-se em colocações a respeito
do diálogo estabelecido entre ambos os serviços e como isso pode facilitar ou
dificultar seu trabalho como cuidador.
Um dos cuidadores queixa-se bastante do afastamento do CAPS e da falta de
suporte desse serviço propondo, ao mesmo tempo, como isso poderia ser revertido
Eu acho que o CAPS teria que estar mais aqui dentro da casa, que o CAPS
devia estar mais interessado no trabalho que é feito pelos cuidadores, o
CAPS tinha que ajudar mais a gente. (TRABALHADOR 9).
Continuando o assunto, o Trabalhador 9 conta que expôs suas posições por
diversas vezes em reuniões entre CAPS e RT mas afirma que ainda evita ligar para
o CAPS, que nem sempre “é bem recebido”. Utiliza então a estratégia de ter, um
dos médicos psiquiatras do CAPS e em um dos técnicos de enfermagem que
trabalham com o médico, como ponto de apoio para estabelecer contato caso seja
realmente necessário. Isso se deu porque afirma que a postura do médico é
diferente e atende muito bem quando ligam para conversar sobre a saúde dos
moradores. O Trabalhador 11 utiliza-se da mesma estratégia
63
Eu como tenho uma certa afinidade com doutora Y
11
, quando tem algumas
coisas assim relacionadas com as moradoras, eu corro logo para ela, né?
Eu ligo diretamente para ela. Ela sabe. quando tem algum assunto
para a gente... Assim, alguma decisão a tomar com relação às meninas (...)
nas atitudes, o que elas têm que fazer, eu sempre compartilho com ela.
(TRABALHADOR 11).
Os outros dois cuidadores concordam de alguma forma com as colocações do
Trabalhador 9 sobre as dificuldades de relação com o CAPS, porém dizem que
“agora” o relacionamento entre os serviços está diferente, melhorando, chegam a
citar que um trabalho em conjunto. Estabelecem uma divisão temporal entre o
“antes” e o “agora” para explicar tais mudanças.
O Trabalhador 11 localiza temporalmente o “antes” e o “agora” como sendo a
partir da época em que houve a passagem para a gestão municipal da RT, ou seja,
meados de 2008. Questionado sobre o porque acredita que essa mudança se deu, o
Trabalhador afirma que pode ser devido às reuniões conjuntas com profissionais de
ambos os serviços onde os cuidadores da RT faziam diversas críticas.
o Trabalhador 10 atribui como o marco dessa divisão o curso para
capacitação dos cuidadores ofertado por profissionais do CAPS, ocorrido nos
primeiros meses de 2009. Afirma que “antes” do curso o CAPS não entendia como
se dava a atuação dos cuidadores pois não estava no cotidiano do serviço e, muitas
vezes, julgavam mal o que viam. Esse Trabalhador afirma que foi bastante
importante que o curso tenha sido elaborado a partir das vivências dos cuidadores,
possibilitando que houvessem trocas de experiências, e que o CAPS passasse a
(re)conhecer e validar sua prática.
A gente ganhou muito principalmente depois daquele curso (...) fez a gente
se aproximar, fez a gente (...) Expor nossas idéias que estavam
funcionando (...) as nossas soluções estavam funcionando...
(TRABALHADOR 10).
11
Entende-se como Y o nome do médico em questão.
64
Nota-se que, enquanto os trabalhadores do CAPS abordam a Residência
Terapêutica como um dos serviços substitutivos cuja importância está atrelada à
concretização da Reforma Psiquiátrica, sem citarem o relacionamento que têm com
a RT sob sua responsabilidade; nas entrevistas com os cuidadores isso aparece de
modo bastante diferente. Os cuidadores detiveram-se, todos, em debater o modo
como a relação com o CAPS e a RT se na prática cotidiana. A possibilidade que
se considera para esse ocorrido é a de que, nem todos os trabalhadores do CAPS
implicam-se na atenção direta à RT (tendo em vista que mesmo que sejam técnicos
de referência de algum morador da RT, este pode ser considerado mais um dentre
todas as suas outras referências) e, mesmo aqueles que se propõe a tal atenção, o
faz dentro de um conjunto de outras tarefas. No entanto, os cuidadores têm suas
tarefas centradas na RT, que está sob responsabilidade do CAPS e prestam
atenção a usuários em comum aos dois serviços, ou seja, de uma forma ou outra,
suas atividades de trabalho aparecem mais atreladas ao CAPS do que o inverso.
65
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entende-se que a Reforma Psiquiátrica se na implantação e permanência
de serviços substitutivos aos manicômios, bem como a partir da quebra e
substituição do paradigma de atenção pautado na patologia (realizado
principalmente no manicômio) pelo paradigma de atenção pautada no sujeito integral
e realizado em serviços de bases territoriais. Para identificar essas mudanças
poderiam ter sido escolhidos diversos encaminhamentos metodológicos como, por
exemplo, avaliar a política de Saúde Mental do município de Salvador através de
leis, portarias e decretos e de analise quantitativa dos serviços substitutivos na
cidade.
Porém, ao entender que boa parte das mesmas se no cotidiano dos
serviços e passam pelos trabalhadores que as executam, esta obra teve como
objetivo principal conhecer os desafios enfrentados pelos trabalhadores no cotidiano
dos serviços substitutivos em Saúde Mental a partir de seu ponto de vista. Buscou-
se apreender quais são, de fato, as questões que eles localizam como precisando
ser solucionadas, quais delas acreditam que resolução e quais delas não
acreditam haver essa possibilidade. Os profissionais puderam apontar elementos de
seu trabalho que facilitam seu desenvolvimento ou mesmo que auxiliam nas
soluções dos entraves que apresentam. Essas facilidades, assim como as
dificuldades, poderiam acontecer em diversos âmbitos e esteve-se atento para que
fossem contemplados todos os que trouxessem.
O interesse de debater tais questões veio das observações feitas em campo
quando da prática através do Programa de Residência Multiprofissional da UNEB:
por um lado, via-se um trabalho bastante difícil de ser realizado e, por outro, eram
vistos trabalhadores com questões diversas mas que mantinham-se ligados àquelas
unidades e àqueles usuários.
Analisando o material coletado através das entrevistas e das observações
com registro em diário de campo, foi necessário considerar a história de constituição
desse CAPS e dessa RT pois acreditou-se na importância das mesmas para a
66
formação enquanto equipe dos trabalhadores que nelas atuam o que, por sua vez,
poderia interferir sobremaneira nas concepções acerca das pessoas com sofrimento
psíquico, nas concepções sobre Reforma Psiquiátrica e serviços substitutivos, além
do papel e função dos serviços e na realização das atividades de trabalho em si.
De uma maneira geral, o encontrado à respeito dos trabalhadores e suas
facilidades e dificuldades estavam atrelados quase que determinantemente pela
categoria profissional e conseqüente função nas unidades. Mostrou-se importante
analisar os serviços separadamente porque ao mesmo tempo em que estão ligados
pela responsabilidade de um para com o outro, separam-se em equipamentos
diferentes, com modos de funcionamento e funções diferentes. No entanto, mesmo o
CAPS tendo profissionais de diversas categorias, dentre essas, aquelas que não
prestam atendimento direto ao usuário, conforme anteriormente exposto, acreditou-
se necessário que fossem trabalhadas como um conjunto, que compunham o
mesmo serviço e participam de momentos diferentes de sua organização,
acreditando que todos estivessem implicados na atenção ao usuário. Assim,
pareceu não somente correta como fundamental a escolha de abarcar a maioria das
categorias profissionais existentes no CAPS, resultado que pôde ser observado ao
ter se aproximado da organização e funcionamento da unidade como um todo, e não
somente referente a alguns aspectos.
As principais dificuldades encontradas, em ambos os serviços, foram
apresentadas como estando acima das possibilidades de resolução pelos próprios
profissionais. Estas se referem a: excesso de atividades de trabalho, excesso de
usuários para acompanhamento, escassez de recursos materiais, problemas com os
equipamentos das redes de saúde mental e de saúde integral, entre outros. As
principais facilidades e estratégias encontradas se referem, sobretudo, a
comportamentos ou características pessoais como: gostar do trabalho que faz,
acostumar-se com a falta de uma rotina de trabalho ou conseguir manipular sua
rotina para dar conta de todas as suas tarefas.
Foi notório que os profissionais do CAPS demonstrassem mais fortemente
uma tendência à individualização dos problemas e suas resoluções, em detrimento
ao debate coletivo, do que os da RT. Isto pode acontecer tendo em vista que a
67
equipe do CAPS é maior, com várias categorias profissionais e com diferentes tipos
de atividades. Desse modo, complexificando o trabalho como um todo, complexifica-
se também suas questões, podendo culminar num sentimento de impotência frente a
esses desafios cotidianos por enxergá-los maiores e mais complexos do que são ou
devem ser considerados.
Os trabalhadores da RT, por sua vez, apontaram duas possibilidades
interessantes. A primeira delas se refere ao que chamou-se de cuidado com o
cuidador, que consiste em atentar aos cuidadores, cuidando deles para que também
possam cuidar. Percebido ao longo das entrevistas, o trabalho em equipe foi
apontado como fundamental para que as atividades de trabalho aconteçam, sejam
minimizadas as barreiras encontradas e exista qualidade nessas atividades.
Considerou-se, ao longo de toda a discussão dos dados obtidos, o processo
de desgaste a que vêm sendo submetidos ambos os grupos de trabalhadores
relacionado não somente com as dificuldades citadas acima, com o processo de
implantação dos referidos serviços, mas também com desgastes inerentes ao
funcionamento de instituições públicas, tendo em vista que, como defendem
diversos setores sociais (a academia, o poder público, os profissionais de saúde,
etc), o SUS ainda está em consolidação e pode-se afirmar que os equipamentos
propostos pela Reforma Psiquiátrica sofrem com um duplo processo: precisando se
consolidar enquanto equipamentos de saúde publica e equipamentos de saúde
metal.
Finaliza-se com o mais indispensável dessa pesquisa: acima de todos esses
desafios, encontram-se pessoas dispostas a se manterem nesses serviços, atuantes
e comprometidas com o que fazem, mesmo acreditando, muitas vezes, que estão
fazendo para além do que deveriam/poderiam. Pessoas que se dispõe a pensar
criticamente sobre suas atividades de trabalho mesmo que, por motivos variados,
não estejam conseguindo atuar para resolver conflitos e, com isso, sintam-se mais
desgastados. Essas foram as pessoas que iniciaram, na prática, a Reforma
Psiquiátrica em Salvador (e talvez até no estado da Bahia) e são as responsáveis
para que se continue caminhando.
68
9. REFERÊNCIAS
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experiência de cuidadores/profissionais de saúde mental. (Dissertação). 2005.
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69
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73
10. APÊNDICE
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA VIDA
PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
I - DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO DA PESQUISA
1. NOME:
____________________________________________________________________________
DOCUMENTO DE IDENTIDADE Nº______________________________ SEXO: ( )M ( )F
DATA NASCIMENTO: ____/____/______
ENDEREÇO: _______________________________________ Nº ___ COMPLEMENTO:
____________
BAIRRO: ___________________________ CIDADE: _______________________ ESTADO:
_________
CEP: _________________ TELEFONE: (___) ________________ CELULAR: (___)
________________
II - DADOS SOBRE A PESQUISA CIENTÍFICA
1. TÍTULO DO PROTOCOLO DE PESQUISA
DESAFIOS DE TRABALHADORES EM SAÚDE MENTAL: O COTIDIANO DOS SERVIÇOS SUBSTITUTIVOS
2. PESQUISADORES
2.1. PESQUISADOR RESPONSÁVEL: José Lucimar Tavares
CARGO/FUNÇÃO: Professor Doutor em Saúde Mental e Psiquiatria
2.2. PESQUISADOR EXECUTANTE: Débora Lacerda Saes
CARGO FUNÇÃO: Terapeuta Ocupacional, Residente em Saúde Mental
74
3. AVALIAÇÃO DO RISCO DA PESQUISA
( ) sem risco ( X ) risco mínimo ( ) risco baixo ( ) risco médio ( ) risco maior
4. DURAÇÃO DA PESQUISA : 12 meses
_________________________________________________________________________________
III - REGISTRO DAS EXPLICAÇÕES DO PESQUISADOR AO SUJEITO DA PESQUISA
CONSIGNANDO:
1. Justificativa e os objetivos da pesquisa
Esta pesquisa está procurando saber quais são os desafios que os trabalhadores dos serviços
substitutivos em Saúde Mental enfrentam no dia-a-dia. Os pesquisadores querem conhecer esses
desafios do ponto de vista de quem lida com eles cotidianamente pois acreditam que essas pessoas
podem fornecer informações muito valiosas para reflexões e possíveis contribuições nessa área.
2. Procedimentos que serão utilizados e propósitos
Os pesquisadores irão conversar com todos os profissionais do CAPS e da Residência Terapêutica
para saber quem aceitará participar do estudo. Em seguida, serão marcadas conversas com essas
pessoas onde serão feitas algumas perguntas. Essa conversa será gravada, para que depois seja
escutada com mais atenção e com mais tempo e para que seja transcrita. Os pesquisadores também
estarão observando as atividades de trabalho e anotando algumas informações.
3. Desconfortos e riscos esperados
Você pode se sentir pouco a vontade para falar de determinados assuntos. Sempre que isso
acontecer, você pode dizer que não quer falar sobre isso ou que quer parar a conversa.
4. Benefícios que poderão ser obtidos
Saber os desafios que os trabalhadores de Saúde Mental enfrentam nos serviços que visam substituir
os manicômios poderá servir de reflexão para melhorar o funcionamento desses serviços,
contribuindo para a valorização dos pontos positivos e elucidação dos pontos negativos. Pode
também valorizar estratégias que os próprios trabalhadores utilizam no cotidiano de suas atividades
de trabalho a partir das dificuldades que encontram. Além disso, poderá contribuir com o
conhecimento da sociedade e gestores sobre a realidade desses serviços.
_________________________________________________________________________________
IV - ESCLARECIMENTOS DADOS PELO PESQUISADOR SOBRE GARANTIAS DO SUJEITO DA
PESQUISA CONSIGNANDO:
75
1. Acesso, a qualquer tempo, às informações sobre procedimentos, riscos e benefícios
relacionados à pesquisa, inclusive para dirimir eventuais dúvidas.
Você poderá ficar sabendo de todas as informações que tivermos sobre como faremos essa
pesquisa, sobre possíveis riscos e benefícios a qualquer momento que quiser. Você também pode
ficar à vontade para esclarecer suas dúvidas sempre que quiser.
2. Liberdade de retirar seu consentimento a qualquer momento e de deixar de participar do
estudo, sem que isto lhe traga qualquer prejuízo.
Você poderá deixar de fazer parte desse estudo e retirar sua permissão de participar, se quiser, a
qualquer momento, sem nenhum tipo de prejuízo.
3. Salvaguarda da confidencialidade, sigilo e privacidade.
Nada do que for falado por você será dito para outras pessoas e, principalmente, para os
responsáveis/gestores dos serviços nos quais você trabalha. Mesmo quando o estudo estiver pronto
e o resultado dele for divulgado, ninguém saberá que foi você a pessoa que disse uma determinada
coisa. Seu nome não aparecerá no estudo.
_______________________________________________________________________________
V. CONSENTIMENTO PÓS-ESCLARECIDO
Declaro que, após convenientemente esclarecido pelo pesquisador e ter entendido o que me foi
explicado, consinto em participar da presente pesquisa
Salvador, ____ de ______________ de 20___.
___________________________________________
Assinatura ou polegar direito do sujeito da pesquisa
___________________________________________
Assinatura do pesquisador
76
11. LICENÇA DA OBRA
O trabalho “DESAFIOS DE TRABALHADORES EM SAÚDE MENTAL: o
cotidiano dos serviços substitutivos”, de SAES, Débora Lacerda foi licenciado com
uma Licença Creative Commons - Atribuição 3.0 Não Adaptada.
Para ver uma cópia desta licença, visite
http://creativecommons.org/licenses/by/3.0/ ou envie um pedido por carta para
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USA.
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