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AS MARCAS DECADENTISTAS NO TEATRO DE LUIGI PIRANDELLO
Por
Maria das Graças Leite
Dissertação de Mestrado apresentada à Coordenação
dos Cursos de Pós-Graduação em Letras da
Universidade Federal do Rio de Janeiro para
obtenção do título de mestre.
Orientadora Professora Doutora Flora De Paoli Faria
UFRJ – Faculdade de Letras
Rio de Janeiro
2º semestre de 2006
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2
FICHA CATALOGRÁFICA
LEITE, Maria das Graças.
As marcas decadentistas no teatro de Luigi Pirandello. Rio de
Janeiro, 2006. 76 f.
Dissertação (Mestrado em Estudos Literários Neolatinos
Literatura Italiana) - Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Faculdade de Letras, 2006.
Orientador: Prof. Drª. Flora De Paoli Faria
1. Introdução. 2. Luigi Pirandello e o Decadentismo. 3. O
teatro como representação do drama humano. 4. As marcas
decadentistas em Così è (se vi pare) e Enrico IV.
Dissertação de Mestrado
Faria, Flora De Paoli (Orientador).
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Curso de Pós-
Graduação em Letras Neolatinas.
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LEITE, Maria das Graças. As marcas decadentistas no
teatro de Luigi Pirandello. Rio de Janeiro, UFRJ,
Faculdade de Letras, 2006. Dissertação de Mestrado
em Letras Neolatinas – Estudos Literários Neolatinos:
Literatura Italiana, 76 páginas.
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________
Flora De Paoli Faria
Professora Doutora - UFRJ
________________________________________
Sonia Cristina Reis
Professora Doutora - UFRJ
__________________________________________
Gigliola Maggio de Castro
Professora Doutora - USP
__________________________________________
Claudia Fátima Morais Martins
Professora Doutora - UFRJ
__________________________________________
Mauro Porru
Professor Doutor – UFBA
Defendida a Dissertação de Mestrado
Em: 28 de agosto de 2006
4
LEITE, Maria das Graças. As marcas decadentistas
no teatro de Luigi Pirandello. Rio de Janeiro, UFRJ,
Faculdade de Letras, 2006. Dissertação de Mestrado em Letras
Neolatinas – Estudos Literários Neolatinos: Literatura Italiana,
76 páginas.
RESUMO
O presente estudo traz o resultado da pesquisa sobre a obra de Luigi Pirandello,
em particular, sobre duas peças teatrais – Così è (se vi pare) e Enrico IV. As obras em
tela foram examinadas, buscando evidenciar em que medida estas se aproximavam do
movimento literário que se centraliza na crise do homem entre séculos, ou seja, entre o
final do século XIX e início do XX. Assim, a nossa investigação procurou reavaliar
como o humorismo, as máscaras, o relativismo e a loucura, característicos da arte
pirandelliana, se enquadram na encenação teatral, dando nova vida a essa forma de
representação.
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LEITE, Maria das Graças. As marcas decadentistas
no teatro de Luigi Pirandello. Rio de Janeiro, UFRJ,
Faculdade de Letras, 2006. Dissertação de Mestrado em Letras
Neolatinas – Estudos Literários Neolatinos: Literatura Italiana,
76 páginas.
ABSTRACT
This study aimed at presenting the results of a research on Luigi Pirandello’ s
work, especially of two of his play – Così è ( se vi pare ) and Enrico IV . The works
were analysed in order to evaluate the extent they approached the literary movement
which stressed the crisis man faced in between the two centuries : the end of 19
th
century and the beginning of the 20 th century.Thus, our study was meant to evaluate
the way humour,masks, relativism and madness, characteristic elements of Pirandello’s
work, are framed into the staged scenes, bringing this kind of representation into a new
life .
6
LEITE, Maria das Graças. As marcas decadentistas
no teatro de Luigi Pirandello. Rio de Janeiro, UFRJ,
Faculdade de Letras, 2006. Dissertação de Mestrado em Letras
Neolatinas – Estudos Literários Neolatinos: Literatura Italiana,
100 páginas.
RIASSUNTO
Il presente studio rappresenta il risultato di una ricerca sull'opera di Luigi Pirandello,
in particolare sulle due opere teatrali - Così è ( se vi pare ) e Enrico IV. Le opere in
questione sono state esaminate, cercando di mettere in evidenza in quale misura queste
si avvicinano al movimento letterario che si accentra sulla crisi dell'uomo che vive a
cavallo tra due secoli, ossia, tra la fine del XIXº secolo e l'inizio del XXº. Così, questa
nostra indagine ha cercato di valutare come l'umorismo, le maschere, il relativismo e la
follia caratteristici dell'arte pirandelliana, si inquadrano nelle messinscene teatrali dando
una nuova vita a questa forma di rappresentazione.
7
Agradecimentos
A Deus, fonte de toda sabedoria, pela luz na realização desta pesquisa.
A meus pais, Sebastião de Paiva Leite e Thereza Paiva de Jesus, pelos preciosos
exemplos de vida .
À orientação segura e paciente da Professora Doutora Flora De Paoli Faria .
Às Professoras Doutoras Annita Gullo, Claudia Fátima Morais Martins, Maria Lizete
dos Santos e Sonia Cristina Reis, pela atenção, apoio e incentivo.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas, Doutora Maria
A. Consuelo Alfaro Lagorio e Doutor Marcelo Jacques de Moraes.
A todos que, direta e indiretamente, contribuiram para a realização deste trabalho.
8
SINOPSE
A obra de Luigi Pirandello e seus desdobramentos: novela, romance e teatro.
Análise do humorismo, do relativismo, das máscaras e da loucura. A relatividade da
verdade e a loucura em Così è (se vi pare). A fragmentação da personalidade e a
máscara em Enrico IV.
9
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................. 10
2. LUIGI PIRANDELLO E O DECADENTISMO ............................................... 12
2.1. Pirandello e seu percurso produtivo .......................................................... 12
2.2. O Decadentismo na Itália ............................................................................ 16
2.3. O Decadentismo em Pirandello .................................................................. 20
3. O TEATRO COMO REPRESENTAÇÃO DO DRAMA HUMANO ................ 27
3.1. O cenário do teatro e sua evolução na Itália ............................................... 27
3.2. As inovações de Pirandello no teatro italiano.............................................. 36
4.AS MARCAS DECADENTISTAS EM COSÌ È (SE VI PARE) E ENRICO IV ..... 46
4.1. A encenação teatral e algumas marcas da estética decadentista .................. 46
4.2. A relatividade da verdade e a loucura em Così è (se vi pare) ...................... 53
4.3. O desdobramento da personalidade e a máscara em Enrico IV .................... 61
5. CONCLUSÃO ...................................................................................................... 67
6. BIBLIOGRAFIA .................................................................................................. 70
7. ANEXOS ......................................................................................................... 76
10
1 - INTRODUÇÃO
A presente pesquisa objetiva examinar a produção pirandelliana, situando-a em
sua época, a fim de diagnosticar suas contribuições para a atualização e revisão de
alguns preceitos que norteavam a cultura italiana de então.
A realização dessa tarefa implicará o reexame de seu percurso produtivo com
vistas a comprovar quais foram as correntes artísticas que mais influenciaram o
intelectual siciliano nesse seu processo de renovação da arte na Itália.
A observação do momento histórico que irá receber a produção de Luigi
Pirandello permitirá constatar que sua obra reflete, de forma singular, o cruzamento de
séculos que a vê surgir, visto que esta se localiza, especificamente, entre o final do
século XIX e o início do XX.
O cenário artístico italiano é marcado, nesse período, pelo convívio, muitas
vezes, não pacífico, de distintas tendências artísticas. É nessa perspectiva que
procuraremos ilustrar como Pirandello transita pelas correntes romântica, verista e
decadentista, ao prefaciar os futuros movimentos vanguardistas.
Após o estudo do percurso evolutivo da produção pirandelliana, procuraremos
verificar de que forma a estética decadentista, depois de ser absorvida pelas letras
italianas, atuará em sua obra.
A definição desses elementos propiciará a releitura das obras teatrais de
Pirandello, uma vez que será nossa intenção verificar quais foram as estratégias por ele
empregadas para viabilizar a atualização da encenação teatral na Itália.
A execução dessa tarefa exigirá o reexame da história das artes cênicas no
contexto cultural italiano, com o objetivo de avaliar a importância das inovações
encaminhadas por Pirandello.
Ainda no contexto do reexame da obra pirandelliana, consideramos importante
verificar em que medida o ensaio L’umorismo, publicado em 1908, permite identificar
os pressupostos teóricos que serviram de base quer para a confecção de suas novelas, de
seus romances e de suas peças teatrais.
É também nossa intenção utilizar o ensaio acima mencionado para definir as
principais temáticas que foram desenvolvidas por Pirandello. Consideramos ser viável
reconhecer alguns elementos constitutivos de sua discursividade, tais como: a
relatividade da verdade, o sentimento do contrário, a noção singular de humorismo
11
que,possivelmente, irá se distinguir da simples comicidade, o desdobramento da
personalidade, a questão das máscaras como artifício para o enfrentamento das
adversidades da vida e, por último, a questão da loucura.
A parte de análise de nosso trabalho, apesar de recorrer a textos diversos da
vasta produção do autor, se centrará de forma mais atenta nas peças Cosi è (se vi pare) e
Enrico IV, que julgamos ilustrar, de maneira enfática, a dramática situação do homem
que não consegue ajustar-se às oprimentes normas impostas pela sociedade.
A desilusão vivenciada pelos personagens criados por Pirandello é passível de
ser reconhecida nos atos e comportamentos excêntricos e bizarros que caracterizam suas
trajetórias nessa sociedade finessecular.
Nossa proposta investigativa considera pertinente a constatação através do
exame dessas personagens de singulares mecanismos que encaminham o indivíduo aos
domínios da loucura, diante de sua incapacidade de vivenciar, nesse contexto, o trágico.
Essa atitude terminal refletirá as nuances melancólicas, anteriormente, sinalizadas pelo
tom decadentista, que serão freqüentes na original maneira de Pirandello representar a
amarga crise que envolve o indivíduo nesse momento de indecisão que marca o
crepúsculo do século XIX e a aurora do século XX.
12
2 - LUIGI PIRANDELLO E O DECADENTISMO
2.1 – Pirandello e seu percurso produtivo
Estudar a produção artística do siciliano Luigi Pirandello implica a revisão do
contexto histórico que serviu de cenário e estímulo para a maioria de suas obras.
Luigi Pirandello mostrará, em seus textos, a grave crise de identidade que
caracteriza a sociedade italiana do final do século XIX, diante de seu complicado
processo de unificação lingüística e política . O escritor, que nasceu em 1867, na Sicília,
não poderia desconsiderar essa conturbada fase da cultura italiana que aportará um
expressivo número de modificações no repertório artístico da pátria de Dante.
A família de Pirandello, inicialmente, gostaria de encaminhá-lo para os estudos
técnicos, devido ao trabalho de seu pai que comerciava com enxofre, mas, desde sua
opção pelos estudos clássicos, a veia humanista de Pirandello preponderou, levando-o a
estudar em Roma e, posteriormente, na Alemanha, quando teve oportunidade de
conhecer os estudos desenvolvidos por Freud.
Sob influência de Luigi Capuana, seu conterrâneo e grande teórico do Verismo
na Itália, dedicou-se às atividades literárias, passando rapidamente pela poesia,
fortemente marcada pela corrente Romântica, desaguando, em seguida, na narrativa.
Sua opção pela literatura foi responvel por sua transferência para Roma,
cidade na qual se dedicou ao ensino da literatura, na Faculdade do Magistério,
publicando, nesse período, suas primeiras obras, os romances L’esclusa e Il turno, além
de algumas coletâneas de novelas.
Essa fase romana ainda irá assistir à catástrofe econômica que envolveu sua
família, ocasionada por um desabamento na mina de enxofre, onde estavam aplicadas
todas as reservas familiares, além de todo o patrimônio de sua mulher.
O baque financeiro que se abateu sobre a família Pirandello provocou ainda uma
grave doença mental em sua esposa, que nunca mais conseguirá recuperar-se desse
abalo, levando-a a terminar seus dias em um manicômio. Diante da tragédia , a saída
encontrada pelo escritor foi a total dedicação ao seu ofício, criando, nessa fase, sua obra
maior Il fu Mattia Pascal (1904), que trata da fuga desesperada de um homem
angustiado com a sua vida cotidiana. O protagonista do romance se aproveita de uma
notícia equivocada publicada em um jornal para tentar reconstruir uma nova vida, sob
um novo nome, liberando-se assim do insuportável peso de sua vida anterior. No
13
entanto, essa nova vida terá curta duração, já que a falta de documentos e referências o
obrigará a tentar retomar sua antiga posição. A volta à antiga cidade e à família se
complicará, visto que, nesse meio tempo, sua esposa, considerando-se viúva, contrai
novas núpcias, ocupando o espaço que Mattia havia liberado com sua falsa morte.
O desastre da tentativa anárquica de Mattia Pascal em construir uma nova
identidade deixa claro que o homem não pode prescindir das normas estabelecidas pela
sociedade que terminam por determinar o ritmo da própria vida.
A situação de desconforto e angústia que caracteriza Il fu Mattia Pascal também
se fará presente nos textos escritos nos anos seguintes como em L’umorismo (1908), I
vecchi e giovani (1909), Suo marito (1911) e Si gira (1915), que, posteriormente, será
reelaborado e publicado sob o título de Quaderni di Serafino Gubbio operatore (1925),
além de outros volumes de novelas e de suas primeiras comédias.
A diversidade temática utilizada por Pirandello na construção de suas obras,
nessa fase, não era entendida pelo público, que se mostrava hostil e desconfiado. Essa
reação acentuava o drama pessoal vivido pelo escritor, que, além de se deparar com os
problemas advindos da eclosão da Primeira Guerra Mundial, enfrentava, ainda, a dor
pela morte de sua mãe e pela prisão de um de seus filhos.
Nessas condições adversas, Pirandello dá prosseguimento a sua produção com a
publicação de algumas coletâneas de novelas, alcançando a cifra de 200 histórias, mais
tarde, recolhidas no volume Novelle per un anno (1932). É ainda desse período o
romance Uno, nessuno e centomila (1925-26), embora, desde 1916, tenha se dedicado
com maior afinco às suas produções teatrais.
As primeiras criações de Pirandello para o teatro tiveram como cenário a Sicília,
fato que justifica a forte presença dialetal que se verifica nos dramas: Pensaci,
Giacomino!, Liolà, Il berretto a sonagli, La giara e La patente.
O ano de 1917 representa um marco para a produção teatral de nosso autor, visto
que é nessa data que ele escreve Cosi è (se vi pare). Com o curioso drama do senhor
Ponza, protagonista da história, Pirandello abandona o cenário regional e se libera do
esquema tradicional do teatro naturalista. Dessa forma, o dramaturgo insere o teatro
italiano na dramática realidade de sua nova burguesia, no seio de suas dúvidas e
negações, diante da dura constatação da inatingibilidade da verdade única com sua
inseparável dor e sofrimento, beirando os limites da loucura.
A dúvida que dá vida aos personagens de Così è (se vi pare) iluminará outras
criações teatrais de Pirandello, que, ao denunciar que a verdade dependerá do ponto de
14
vista de quem a observa, faz assim do relativismo um dos alicerces de sua produção.
A temática do relativismo introduz a curiosa história do senhor Ponza, que
explica aos vizinhos o porquê de a sogra, que habita um apartamento no prédio vizinho,
só se comunicar com a filha através de bilhetinhos. Ele afirma que a sogra
enlouquecera, por não suportar o fato de sua filha, primeira mulher de Ponza, ter
morrido, acreditando, ainda, que sua mulher atual, sua segunda esposa, seja sua filha.
A relatividade da verdade, no caso da história do senhor Ponza e sua sogra,
justifica-se, pois, quando perguntam a ela o porquê dos bilhetes, a velha senhora afirma
que o louco é o genro, que, diante de uma enfermidade grave da mulher, que se
transformara a tal ponto de não ser mais reconhecida, obriga a família a simular um
segundo casamento.
A ambigüidade que cerca o drama do senhor Ponza e de sua sogra não é
esclarecida nem mesmo com a consulta feita à própria esposa, que, ao ser indagada, diz
ser, para a velha senhora, sua filha e, para o senhor Ponza, sua segunda esposa. Dessa
forma, o espectador do drama pirandelliano vê-se diante da inexistência de uma verdade
única, dependendo exclusivamente do ponto de vista de quem a observa.
Tal como ocorrera anteriormente com sua produção literária, o teatro de Luigi
Pirandello é recebido com grande desconfiança e descrédito, provocando reações
negativas, que, com o passar dos anos, fica mais acessível ao público, merecendo
aplausos, transformando, de forma radical, a dramaturgia italiana.
Suas produções de maior relevo são Sei personaggi in cerca d’autore (1921) e
Enrico IV (1922). Na primeira, é possível constatar o questionamento do fazer teatral
por parte dos próprios personagens que, insubordinados, exigem do autor a efetivação
de suas trágicas histórias. Em Sei personaggi, Pirandello representa o drama do homem
que sonha em ter uma “forma”, forte o suficiente para distanciá-lo da fragmentação e do
relativismo da vida, capaz de assegurar-lhe a liberdade do absoluto.
Na segunda, deparamo-nos mais uma vez com o drama da loucura que acomete
seu protagonista, que enlouquece após uma trágica queda provocada por um seu rival no
amor, durante uma cavalgada à fantasia, em que vestia o traje de Enrico IV. O
protagonista vive no mundo da loucura e da fantasia por 12 anos, quando, finalmente,
recupera a lucidez, mas continuando a fingir-se de louco para não perder a máscara de
imperador que o alienava da dura realidade existencial. O drama da incomunicabilidade
se concretiza quando ele mata seu rival, com quem se deparara após todos esses anos e
que fora o culpado pela sua alienação.Após esse assassinato,não lhe será permitido
15
nunca mais reaver a razão para que não fosse obrigado a assumir a responsabilidade
pelos seus atos.
Nos anos seguintes, Pirandello aprofundará, em suas produções, o drama da
incomunicabilidade da espécie humana, escrevendo, em 1923, L’uomo dal fiore in
bocca, cujo protagonista é perseguido pela idéia da morte. De 1925 até o ano de sua
morte, ocorrida em Roma, em 1936, Pirandello ocupa-se, especialmente, com o teatro,
chegando, inclusive, a dirigir uma companhia teatral que obteve grande sucesso na Itália
e no exterior.
Em 1934, Pirandello é agraciado com o Prêmio Nobel, pelo conjunto de sua obra
literária. As suas últimas composições para o teatro foram La nuova colonia, Lazzaro e I
giganti della Montagna, drama que ficou inacabado devido à morte de seu criador.
O conjunto das obras teatrais de Pirandello atinge o total de 43 peças, recolhidas
sob o título de Maschere nude.
O drama existencial do escritor encerra-se em 1936, conforme já dissemos antes,
e, após modesta cerimônia suas cinzas foram transferidas para Agrigento, sua terra
natal.
A breve biografia que procuramos traçar em nosso trabalho de pesquisa permite
observar que Luigi Pirandello foi um dos maiores escritores da primeira metade do
século XX, destacando, em suas obras literárias e teatrais, o sentido trágico da vida que
caracterizou as primeiras décadas do Novecentos, indicando, dessa forma, posições
estéticas típicas do movimento decadentista.
16
2.2 – O Decadentismo na Itália.
O fim do século XIX e o início do século XX foram marcados por inúmeros
acontecimentos literários, políticos e sociais. No campo literário e artístico, registramos
na França o surgimento do Decadentismo,que reflete nas suas múltiplas e contrastantes
manifestações, a inquietude de um mundo acometido por ânsias profundas. Esse mundo
encontrava-se à procura de novas respostas e soluções para os seus problemas.
O contexto histórico europeu e o italiano, em particular, que observa o
nascimento do Decadentismo, é caracterizado por fortes conflitos sociais e por um
crescente antagonismo no âmbito dos relacionamentos internacionais, visto que esse
movimento representou uma reação aos aspectos ideológicos, morais e literários do
Naturalismo, do Realismo e do Positivismo, em geral.
O termo decadente teve, em sua origem, um significado negativo por estar
ligado diretamente a alguns poetas que exprimiam, em suas obras, a perda da
consciência e a crise de valores que envolvia a sociedade da época.
Os aspectos fundamentais da espiritualidade decadentista são os sentimentos da
realidade como mistério inatingível pela razão e a descoberta de uma nova dimensão do
espírito humano, que deveria ser explorada pela poesia como processo de valorização
do inconsciente e da parte instintiva do intelecto.
O período decadentista corresponde à época da segunda revolução industrial,
fase em que as novas descobertas científicas e tecnológicas modificaram as condições
de vida e do pensamento humano. Essas mudanças aconteceram em todos os níveis da
sociedade, afetando, principalmente, a organização do trabalho industrial, favorecendo
mudanças radicais. Todos esses acontecimentos impulsionam o desenvolvimento do
capitalismo, provocando uma grande crise na Europa, que irá culminar com a Primeira
Grande Guerra Mundial, em 1914.
Nos últimos anos do século XIX, verifica-se, ainda, em algumas regiões da
Itália, um certo atraso em relação aos demais países da Europa, abrindo espaço para o
17
surgimento de atitudes imperialistas, presentes, especialmente, nas políticas de ajustes
econômicos, que irão perdurar até o período de Giolitti (1911/12), época que vai
coincidir com um grande desenvolvimento da indústria italiana.
Na desproporção entre as tendências imperialistas internacionais e a realidade do
país, nasce um nacionalismo exasperado e equivocado que impele à identificação da
honra nacional com a honra das armas e a uma política exterior de potência e de
expansão.
No plano interno, esse nacionalismo se traduz em crítica à classe dirigente
burguesa ávida, exploradora, corrupta e intrigante, incapaz de servir à pátria,
dependente da política externa e frágil contra a intolerância das massas e do socialismo.
A controversa situação da sociedade italiana da época mostrava, de um lado, a
burguesia que pretendia manter os privilégios adquiridos e, do outro, uma enfezada
classe operária que ameaçava depor o governo.
Desse quadro caótico, derivava uma forte sensação de insegurança, a
desconfiança de estar vivenciando um momento decisivo de transformações na história
com a conseqüente afirmação de agitados mitos nacionalistas e imperialistas com o
sabor inquieto da crise.
O início da trajetória de desenvolvimento da Itália vai ser marcado pelas
primeiras lutas sociais que culminam em 1898, em Milão, desaguando em uma
desastrada política colonialista de expansão, enquanto o Sul do país se debatia na
desesperança e na miséria, testemunho cabal da incompetência da classe política de
conduzir o Estado italiano a uma verdadeira transformação e renovação.
Os primeiros anos do século XX vão presenciar um aguçado sentimento de
descrédito na fé, na razão e na ciência. Essa falta de confiança no método científico
levou a uma plena desvalorização da razão e da ciência e a uma nova reação do
irracionalismo decadentista. O irracionalismo decadentista nasce do declínio de toda fé
moral, intelectual e religiosa e da conseqüente desesperança de poder conhecer o mundo
e as causas da realidade. Tal sentimento, disfarçado pelo culto do eu e pelo mito da ação
pela ação, procura ocultar essa mesma desesperança.
18
A atmosfera de crise que caracteriza o início do século XX será reforçada pela
divulgação dos estudos de Sigmund Freud e pela descoberta do inconsciente. Essa nova
ciência irá dedicar-se à investigação de zonas desconhecidas da mente humana, o
inconsciente do eu, concebido como fundamento e verdadeira realidade da vida interior.
A literatura do início de 1900 reflete essa inquietação. Os escritores italianos
desse período espelhavam em suas obras todas essas angústias que afligiam não só o
intelectual, mas também toda a sociedade, enfatizando a oscilação entre posições
neo-românticas e decadentes, embora alguns artistas já esboçassem o desejo de
caminhar em direção a uma nova cultura.
O crítico Luigi Russo afirma, em seu livro Ritratti e disegni storici
1
, que a
adesão à estética decadentista funcionou para alguns artistas como uma recusa formal ao
nacionalismo literário de Carducci e aos estreitos limites do provincialismo que
caracterizavam a cultura italiana da época. O estudioso vai mais além, ao afirmar que o
verdadeiro “condottiero” dessa revolução nas letras italianas foi Gabriele D’Annunzio
que conduz nosso olhar em direção aos instigantes caminhos da Europa literária, sendo
seguido nessa aventura por escritores como Pascoli e Fogazzaro, por exemplo, que
conseguem assimilar e transformar as distintas experiências dessa nova literatura,
expandindo a fisionomia clássica do Romantismo italiano para desaguar no
multifacetado Decadentismo.
Esse exercício de expansão de barreiras da cultura italiana deixa evidente a
distância entre os espaços ocupados por obras como a de um Manzoni, nas quais está
patente o sentimento de nacionalismo e italianidade em comparação com os textos de
D’Annunzio, Pascoli e Fogazzaro, que nos distanciam das nossas tradições
nacionalistas, instigando-nos a percorrer novas estradas, acometidos por uma verdadeira
febre cosmopolita, assinalando a iniciação da alma italiana numa nova vida européia,
por excelência.
A adesão de nossos intelectuais ao movimento Decadentista, certamente, não
poderia ocorrer de modo tranqüilo e pacato, sendo, de imediato, condenado duramente
pelos moralistas de plantão, que, até pouco tempo atrás, insistiam em ler unicamente
esse movimento através de seus aspectos doentios e perversos.
1
RUSSO, Luigi. Ritratti e disegni storici, serie IV, Sansoni, Florença, 1965. p.67
19
Luigi Russo
2
vai assinalar que esta foi a grande cilada em que caiu a maior parte
da crítica contemporânea ao desenvolvimento, na Itália, da estética decadentista, que
não soube reconhecer os aspectos positivos introduzidos pelo movimento, como, por
exemplo, a já aludida expansão do espírito italiano, antes circunscrito aos estreitos
limites do conservadorismo tradicional.
Ainda, na opinião de Russo, o Decadentismo evidencia que não há mais uma
única fé humana e universal; em seu lugar, há inúmeras opiniões marcadas pela
volubilidade dos indivíduos, radicalizando, assim, o individualismo romântico que irá se
diluir em um atomismo absoluto, expresso, muitas vezes, em um sofrido e atormentado
cerebralismo. Essas novas formas de representação serão marcadas por um estetismo
intelectual e sentimental refinadíssimo, que se abrigará, genericamente, sob o título de
decadentismo.
Dessa forma, fica evidente a crise da concepção clássica e cristã do homem,
representados, magistralmente, por exemplo, pelas personagens que habitam as páginas
de Svevo e Pirandello, apenas para citar alguns escritores que se alinham a essa
tendência. Tais personagens, imersos nessa crise de valores, ilustram o drama do eu, da
falta de fé e de certeza, da solidão do homem em um mundo alienado.
O Decadentismo, apesar da forte rejeição que marcou sua introdução na Itália,
teve uma afirmação lenta e pouco profunda, mas estimulou a universalização dessa
literatura que, até então, era uma literatura regional.
Os escritores afiliados a essa tendência artística exploraram as zonas profundas
da consciência, se interessaram pelos estados da alma voluptuosos e misteriosos,
promovendo a analogia entre as diversas ordens de sensações, que acenavam a uma
profunda e desconhecida unidade do ser, em que sentido e espírito surgiam
indiferenciados, desvalorizando a realidade concreta, atentos antes às intuições
imediatas, às iluminações ou revelações do inconsciente.
2
Idem, p78.
20
2.3 – O Decadentismo em Pirandello.
Luigi Pirandello é um dos maiores escritores italianos da primeira metade do
século XX. Nas suas obras literárias e teatrais, transparece o sentido trágico da vida,
aspecto preponderante das primeiras décadas do Novecentos, que indica, ao mesmo
tempo, sua matriz decadentista, após a queda dos ideais patrióticos que marcaram o
período imediatamente posterior ao processo de unificação político-lingüístico da Itália.
A atitude de desânimo e desconfiança que marca a produção pirandelliana deriva da
ruína dos ideais burgueses, sustentados pela exacerbada confiança na ciência. A
conseqüência imediata desse descrédito vai arregimentar, para as páginas literárias, um
homem fragilizado, que se dobra sobre si mesmo, angustiado por seus contrastes,
incertezas e desejos tórbidos.
Dentre as várias tendências artísticas que caracterizam o final do século XIX,
encontra-se o Decadentismo. Luigi Pirandello opta por essa corrente que retrata a
desconfiança na realidade, o sentimento de crise existencial, a inclinação para o
desconhecido e a descoberta do inconsciente com suas incertezas e contradições. Para o
decadente, a realidade é uma aparência, e a essência do conhecimento da realidade está
para além das coisas.
Luigi Pirandello é um dos grandes intérpretes da sensibilidade do Decadentismo
na Itália. Na sua poética, a exploração do subconsciente se dá pela análise angustiante
da condição humana. Para Pirandello, tudo é relativo, tudo é ilusão; a realidade ora é
mutável ora é fragmentada.
A ligação de Pirandello com o Decadentismo se verifica através da constante
indagação e reflexão que acompanha seus personagens continuamente exigidos pelo
inconsciente diante da dura e conflituosa realidade do indivíduo ao deparar-se com os
papéis impostos pela sociedade. Essa imposição social obriga o indivíduo a utilizar
máscaras como saída para seus conflitos. Essas máscaras ou formas que o indivíduo
assume o levam à frustração, à instabilidade e à ilusão.
O humorismo de Pirandello reflete o caráter múltiplo e contraditório da
realidade, que pode ser vista sob diversas perspectivas.
21
Outra característica que deve ser considerada na composição do texto
decadentista de Pirandello encontra-se em estreita ligação com as máscaras que
encobrem o verdadeiro drama existencial desses personagens. Ao contrário dos
escritores decadentistas que o antecederam, nosso escritor opta pela solução do riso
cáustico ao construir a figura típica de seus personagens, substituindo o dândi refinado,
do final do século XIX, pelo angustiado burguês, do início do século XX. Nesse caso, o
humorismo pirandelliano pode ser entendido como a capacidade de colher a presença do
trágico em situações aparentemente absurdas, cômicas e grotescas.
Na obra de Pirandello, verifica-se a denúncia do esvaziamento das tradicionais
formas sociais, de suas instituições e dos papéis que essa mesma sociedade impõe ao
homem. A sociedade é artificial e fictícia e isola definitivamente o homem da vida.
O centro da obra pirandelliana é ocupado pela consciência crítica da crise que
acomete o homem dessa época, crise esta que será representada em seu teatro.
Desse quadro, podemos observar que, para o personagem pirandelliano, não
existe uma realidade concreta, mas, sim, uma realidade subjetiva, que, em contato com a
realidade dos outros homens, se desintegra e se desumaniza, revelando, ao mesmo
tempo, as incoerências da existência humana.
O teatro pirandelliano se concentra nas relações do homem com a realidade e
revela a impossibilidade de se alcançar uma realidade concreta. Não existe uma única
verdade; cada indivíduo tem a sua verdade e o seu ponto de vista.
A obra dramática de Pirandello trata do caráter absurdo e ilusório da vida
enfocada numa perspectiva pessimista que conduz, por fim, a um dilacerante
relativismo psicológico, provocado pela contradição entre a aparência e a realidade.
O desenho poliédrico do texto pirandelliano se evidencia desde o início de sua
produção. Seu afastamento da corrente romântica e sua adesão ao Verismo denotam sua
flexibilidade ao optar por questões polêmicas e contundentes, derivadas de uma visão
amarga e paradoxal da vida, típicas do movimento decadentista. Essa aguçada maneira
de olhar a sociedade, perpassada por um discurso irônico corrosivo, define-se como
traço fundamental de sua arte.
22
A marca regionalista que caracteriza boa parte da produção pirandelliana,
interpretada por muitos estudiosos como testemunho da adesão do escritor pela estética
Verista, não impede que o fulcro de sua poética fundada na discordância entre o ser e o
parecer, representado na vivência do indivíduo ou da sociedade, venha à tona.
Muitas vezes, essa característica singular de Pirandello, concretizada na
narrativa e no teatro através de uma discursividade que se aproxima da fala, além de
gerar os dinâmicos diálogos de seus personagens, é confundida, numa leitura
superficial, com um procedimento realista, típico do Verismo. No entanto, a genialidade
do escritor siciliano reside exatamente no fato de conseguir projetar,sobre esse cenário
provinciano e burguês, a angústia do homem moderno e sua busca insana de
autenticidade, tentando libertar-se das convenções impostas pela sociedade.
A grande inovação instalada pelo texto pirandelliano mostra que os derrotados,
ou melhor, os “Vinti”, anteriormente retratados por Giovanni Verga, que acreditavam
em valores como a família, o destino, os bens materiais e a ascensão social, vão dar
espaço a figuras esquálidas, nascidas da média ou pequena burguesia, completamente
desprovidas de ideais, antecipadamente condenadas à solidão e à incomunicabilidade.
Desse sombrio quadro, em que predomina o caos e o relativismo decorrente da
desordem e da subversão da lógica, nasce um indivíduo fragilizado, impiedosamente
analisado por seus pares, dando passagem a interpretações humorísticas da vida. Nesse
contexto,verifica-se a passagem do cômico,isto é,daquela situação que superficialmente
nos faz rir ao humorismo, que, na opinião de Pirandello, deve forçosamente revelar o
contrário daquilo que parece ser.
3
Ainda na visão do escritor, para se alcançar o humorismo, é necessário passar
pela dramatização do cômico. Esse entendimento nos é oferecido quando, através de
uma situação bizarra e estranha, superado o riso fácil, atinge-se o humorismo que deriva
do trágico, ou melhor dizendo, da capacidade de perceber um particular que é
exatamente o oposto daquilo que deveria ser.
4
O humorismo é o sentimento do
contrário, ou seja, a possibilidade de intuir as motivações reais, muitas vezes
dramáticas, que deram vazão àquele comportamento aparentemente cômico e absurdo.
Dessa forma, podemos observar que o personagem humorista transforma-se em crítico
3
FERRONI, Giulio. Storia della Letteratura Italiana. Il Novecento. Milão: Einaudi, 2004. p. 140-41.
4
Idem. p. 133.
23
de si mesmo, expressando-se, com frequência, através de deformações grotescas ou
definindo-se por meio de uma máscara fixa.
O resultado desse procedimento narrativo destacará singulares elementos
expressivos, que, em muitas ocasiões, podem parecer, em uma primeira leitura,
estranhos e pungentes. A sensação de estranhamento deriva, principalmente, da nova
ordenação discursiva proposta pelo autor, determinada por dois impulsos específicos. O
primeiro está ligado à irrefreável necessidade de vida, que instiga a pessoa a tornar-se
personagem para dar vazão ao amor, à angústia, à loucura, aos instintos, ao desejo de
felicidade e à busca de vitalidade. O segundo retrata a dolorosa consciência da vida,
vista, nesta perspectiva, quase como uma doença do personagem, que provoca tragédias
silenciosas.
Os personagens pirandellianos demonstram que a reflexão é fonte de dor, uma
vez que viver implica o conhecimento de si e de seus próprios sentimentos, fazendo
com que a vida deixe de ser vivida para ser vivenciada e sofrida.
O pessimismo que acompanha o homem das páginas de Pirandello mostra que o
único caminho viável para esse homem é a representação desse sentimento do contrário.
A consciência dessa dor aponta o palco teatral como lugar ideal para a representação da
vida. O ato de representar ou narrar a vida nasce do encontro do personagem com a
própria imagem que lhe é restituída pela sociedade.
É do confronto da figura humana com a figura virtual, viabilizada pelo
procedimento cênico, que se constitui a vida, criando o contraste entre aquilo que se
acredita ser, aquilo que se é de fato e aquilo que se aparenta ser, gerando um
desdobramento infinito de imagens através de um jogo de espelhos. A produção infinita
de imagens estabelece um clima de confusão, desordem, consciência de vazio, exclusão
de toda e qualquer certeza, favorecendo o desdobramento contínuo de personalidades
que vai instaurar a autêntica neurose de viver, marca indelével do decadentismo
pirandelliano que rejeita, de forma radical, a racionalidade verista.
O texto pirandelliano, quer seja ele de prosa, poesia ou teatro, evidencia, em
todas as suas formas, um claro sentimento contraditório de amor e de desprezo pela
humanidade, de recusa da realidade existencial e do tempo presente. A sociedade e suas
24
regras são rejeitadas e questionadas, já que é em seus meandros que o personagem
pirandelliano perde a noção de si mesmo, refugiando-se na solidão, na
incomunicabilidade, ficando, assim, sem espaço para a efetivação de uma verdadeira
vida.
Outra característica singular da produção decadentista de Pirandello será
enfatizada pela sua maneira peculiar de observar o indivíduo, sem que os elementos
constitutivos do ambiente externo consigam desviar sua atenção da angústia provocada
pela solidão do homem, vilipendiado por seus semelhantes e pela vida.
A sufocante apatia que levava ao imobilismo o sujeito do drama decadente, no
texto pirandelliano, é compensada pela nervosa e agitada reação do massacrado
protagonista de suas histórias, que tenta a todo o custo liberar-se da opressão dessa
sociedade que o destrói. O resultado dessa reação vai se traduzir em gestos que denotam
uma lúcida loucura, que denuncia a consciência da impossibilidade de viver uma vida
plena e da falência de qualquer tipo de rebelião.
A amarga constatação da impossibilidade de uma vida plena advém da
consciência de uma ruptura histórica que decretou o declínio da civilização romântica e
burguesa do final do século XIX e início do XX, que se apoiava nas aparências,
escondendo a ruína dos ideais e da fé que sustentavam a sociedade de então. Dessa
situação de crise e decadência, surgem a incomunicabilidade e a alienação do homem
moderno, que se percebe desesperadamente solitário, em mundo de aparências absurdas,
incapaz de estabelecer um diálogo com os outros homens, com Deus ou consigo
mesmo.
O discurso pirandelliano não reconhece, nas causas sociais e morais, os motivos
para essa solidão e angústia que marcam o homem moderno, mas vê na desintegração
do eu o fulcro de todos esses problemas que o afligem.Dessa fragmentação, nasce o
relativismo que irá determinar toda e qualquer interpretação da ação do homem na
sociedade, dando vez ao desdobramento da personalidade, quando cada um de nós
poderá ser, ao mesmo tempo, uma pessoa, ninguém ou cem mil.
O artifício do paradoxo que caracteriza o discurso pirandelliano vai destacar a
inutilidade do esforço humano em querer se adaptar aos esquemas sociais
25
preestabelecidos. Seu personagem procura definir uma ordem lógica naquilo que é
naturalmente caótico, na tentativa de alcançar a verdade através de uma suposta
centelha divina, que lhe é desconhecida e inatingível.
A constatação da impossibilidade de se delimitar a ação do homem a uma única
forma leva-nos, mais uma vez, à questão da relatividade da verdade, demonstrando que
a não aceitação desses limites se dilui no riso amargo ou na loucura.
A presença constante da loucura na produção pirandelliana nos incita a observar,
sob distintos prismas, esta questão, especialmente, por entendermos que essa situação
deriva do momento histórico em que essas obras são produzidas, além de estar
intimamente ligado à própria vivência do escritor.
Conforme já foi dito anteriormente, a convicção de que o homem que emerge
das páginas de Pirandello é uma entidade dinâmica, fustigada e animada por um sem
número de paixões, tensões e contradições, que produzem uma personalidade
problemática a se desdobrar infinitamente, aproxima sua obra de outros autores que lhe
foram contemporâneos, como Ítalo Svevo, por exemplo. Tal constatação mostra que
serão o desdobramento da personalidade e a vida vista na dimensão trágica da condição
humana a ocupar o centro de toda a produção pirandelliana.
Daí ser necessário examinar, com cuidado, quais as condições de vida que
conduzem Pirandello a essa posição, favorecendo, inclusive, a revisão da doença mental
que acometeu sua mulher. Essa dor familiar se fará presente nos textos, quando nos
deparamos com personagens que se amarguram com um ciúme doentio de seus pares,
tal como ocorrera em sua vida privada.
Ainda nessa perspectiva, vale lembrar que, para Pirandello, muitas vezes, a
loucura se transformava em evasão para essa vida sofrida e angustiada, invadindo
momentos especiais, como, por exemplo, sua consagração como dramaturgo que supera
as barreiras da própria Itália. O conceito de vida que emerge dessa experiência literária
mostra-nos ser esta alguma coisa inconsistente, algo fluído, sempre em movimento,
caótico e irrefreável, uma grande força universal que assume formas distintas. A vida
será aquilo que o indivíduo quer para si e pela qual se bate incessantemente. Alcançada
26
essa vida, ou melhor, essa forma, ele deixa de viver, aprisionado por ela, preso em sua
estaticidade, já que, para o autor, vida é movimento.
Dessa forma, podemos verificar que o núcleo central da produção pirandelliana
se baseia no contraste entre ilusão e realidade, que se radicam no interior de cada
homem, visto que cada indivíduo carrega consigo uma série de conflitos entre aquilo
que gostaríamos de ser e aquilo que verdadeiramente somos, entre o que aparentamos
ser e o que somos. Portanto, a existência humana é um contínuo de solidão, de
sofrimento e de ilusões, condicionada por absurdas convenções externas, diante da
amarga consciência das falsidades e hipocrisias às quais se deve recorrer para seguir o
fluxo da vida nessa mesma sociedade. E será essa mesma sociedade a nos exigir uma
máscara que se encaixe a cada situação. Dessa maneira, não resta ao indivíduo senão a
condição de sujeitar-se a essa vida, ou seja, ver-se viver, consciente de que qualquer
tentativa de rebelião é apenas provisória, tendo que aceitar, no final do percurso, uma
nova máscara, reforçando, ainda uma vez, o enfraquecimento do “eu”, característico da
estética decadentista.
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3 – O TEATRO COMO REPRESENTAÇÃO DO DRAMA HUMANO
3.1 – O cenário do teatro e sua evolução na Itália
O teatro ocidental nasceu na Grécia nos rituais de sacrifício, dança e culto em
homenagem a Dionísio, deus do vinho, da fertilidade e da vida. Em homenagem a essa
divindade, eram organizados festivais e festas como a prensagem do vinho, celebrada
em dezembro, e a festa das flores de Atenas, que aconteciam em fevereiro e março.
Dentre essas festividades, incluía-se o rito de Dionísio, conhecido como ditirambo, que
era uma dança de saltos, acompanhada de canções.
A partir do século VI a.C., Dionísio passou a ser homenageado pela deusa Palas
Atena, durante as Dionisíacas urbanas que se realizavam durante vários dias, nas quais
estavam incluídas representações dramáticas.
O estudo da Poética de Aristóteles ensina que a Tragédia nasceu como gênero
literário entre o século VI e V, a partir do modelo festivo dos ditirambos, hinos corais
em honra a Dionísio. Essas festas irão dar, também, origem à Comédia.
A análise etimológica da palavra tragédia mostra que o vocábulo é constituído
pelo radical tragos (bode) ode (canto), significando, pois, canto do bode.
O acervo de peças gregas que chegaram até os nossos dias é constituído por
trinta e três tragédias, escritas por Ésquilo, Sófocles e Eurípedes, em versos, e consistem
em diálogos entre dois ou três personagens alternados com cantos corais.
Ésquilo( 524 - 456 a. C.) foi o responsável pela introdução de segundo ator em
cena. São de sua autoria: Prometeu Acorrentado, As Eumênides, As Suplicantes,Os Sete
contra Tebas e outras obras.
Sófocles (496 - 406 a.C.),ator, interpretava suas próprias peças; introduziu um
terceiro ator no teatro. De sua vasta produção literária,chegaram até nós sete tragédias e
fragmentos de uma sátira .Entre suas obras estão Édipo Rei, Antígona, Ajax e Electra .
Eurípedes (480- 406 a.C.) se voltou para a análise psicológica dos seus
personagens, que eram pessoas do povo, dando início ao teatro psicológico.Escreveu As
Bacantes, Medéia, As Troianas, Andrômeda, O Hipólito, Hécuba e muitas outras obras
que se perderam.
Nas representações das tragédias os atores usavam máscaras que permitiam
amplificar a voz, multiplicar o número de intérpretes e era um meio de atrair a atenção
do público.
28
A comédia, ainda segundo Aristóteles, se origina nas cerimônias fálicas e
canções populares cantadas em várias cidades. O termo comédia provém do grego
Kómos (procissão jocosa) e oidé (canto) que designava uma festa popular na qual os
participantes costumavam desfilar fantasiados de animais.
A comédia era tida como uma arte menor, procurava criticar os governantes e os
costumes da época, dividindo-se em três categorias.
A primeira, conhecida como comédia antiga, tinha caráter essencialmente
político. Tudo e todos eram satirizados, nem mesmo os deuses eram poupados.
Aristófanes (445 a.C.386 a.C.) se insere na categoria das comédias antigas. São
de sua autoria: As Vespas, Os Babilônios, As Nuvens, As Rãs, As Aves, dentre outras. Na
sua obra As Rãs, o deus Dionísio, em vestes de uma prostituta, se revela covarde e
afeminado.
A representação das comédias antigas seguia o modelo da tragédia: atores
masculinos usavam máscaras que lhes possibilitavam representar vários papéis,
inclusive os femininos.
A segunda categoria, diz respeito à comédia nova, cujo principal representante
Menandro, irá exercer uma grande influência na comédia latina, privilegiando o tema do
amor entre os jovens.
A terceira categoria é conhecida como média ou intermediária, na qual
prevalecia a crítica de costumes. Era constituída por autores considerados menos
representativos na arte da comédia.
A comédia, cujo conteúdo é a vida cotidiana e as ações humanas, escarnecia a
devassidão, a falsidade, o ardil, o desregramento, o exagero e lançava mão de vários
expedientes para despertarem o riso no espectador, tais como o ridículo, o inesperado, a
desordem.
Por sua vez, a tragédia exaltava as virtudes e os sentimentos nobres; apresentava
linguagem elevada e o mito era o seu conteúdo.
Segundo Aristóteles, na sua Poética, a comédia a é a “imitação de homens
inferiores”.
Na verdade, a tragédia e a comédia apresentam um ponto em comum: a presença
do coro, das máscaras e da música.
29
A história do teatro romano vai demonstrar a forte influência exercida pelo
teatro grego. Seu similar romano constituiu-se, inicialmente, por textos marcados pelo
escárnio e pela sátira, com exceção de algumas formas de representação religiosa.
O teatro romano pode ser dividido em quatro partes. A primeira é representada
pelos fesceninos, peças de origem etrusca, que indicam um tipo de representação
dramático-satírica em versos, encenadas, principalmente, nas cerimônias de matrimônio.
A segunda forma de representação é constituída pelas saturae, tipo de comédia
levada para Roma em 364
a.C. e incluídas nos jogos da cidade, também chamados ludi.
É um espetáculo composto de cantos, danças e diálogos.
As atelanas, nas quais destacam-se personagens como o esperto Maccus, o tolo
Bucco, o velho Pappus e o guloso Dossenus, definem o terceiro tipo de representação do
teatro romano, constituindo-se como um teatro rústico, popular e licencioso, originário
de Atela.Os atores usavam máscaras, desempenhavam papéis fixos, com diálogos
irreverentes e improvisados.
As atelanas tiveram seu maior esplendor no século I a.C., com os dramaturgos
Pompônio e Nóvio que mantiveram o dialeto e a maneira de falar dos camponeses
latinos nesta modalidade de comédia.
A última das quatro formas de representação do teatro romano é o mimo,
originário da Sicília, era uma comédia burlesca rústica, que com a intervenção de
Sófron, em de 430 a.C, é elevada à categoria literária.
O mimo nasceu entre o povo nas festas campesinas e seu objetivo era o da
simples diversão.O mimo era uma representação na qual podiam participar homens e
mulheres sem máscaras.
Nessa forma de representação, ou melhor, no mimo, procurava-se imitar homens
e animais em seus movimentos e gestos.Os autores dos mimos estavam atentos ao povo
comum: aos trapaceiros, aos velhacos, aos ladrões, às alcoviteiras, enfim a todos os
tipos sociais. Deve-se enfatizar que os personagens do mimo são pessoas do povo.
Como escritores de textos para o mimo, podemos citar os romanos, o nobre
Décimo Labério e o ator Públio Siro. Outros escritores dessa mesma época optaram por
escrever comédias. Podemos citar, dentre esses comediógrafos Titus Maccus Plautus,
(254–184
a. C.) ex- ator ruivo e de pés grandes, daí o apelido Plautus, Pés Chatos e
Terêncio ou Publius Terentius Afer (190–159 a. C.).O primeiro é autor de inúmeras
comédias, nas quais prevaleciam elementos cômicos, ridículos e mordazes. Para criar
situações cômicas, estava atento à conversa do povo e às diferenças entre ricos e pobres.
30
Suas principais obras são: Soldado Fanfarrão, O Trapaceiro, O Anfitrião, O Vaso de
Ouro, Os Cativos, dentre outras.
Terêncio, por sua vez, escreveu inúmeras comédias, porém sua linguagem não
era coloquial, uma vez que procurava imitar a nobreza romana. Dentre suas obras mais
famosas, podemos citar: Os Adelfos, A Sogra, Andria, O Eunuco, Fórmio.
As comédias romanas se dividem em dois tipos: a fabula palliata, cujos atores
vestiam o pallium grego, e a fabula togata, cujos intérpretes usavam a toga romana.
Pode-se ainda dizer que as comédias romanas são formadas de prólogo, diálogo e
acompanhamento musical, abolindo a presença do coro.
É importante assinalar que, durante a República, destacam-se, Névio, criador do
drama romano ou da fabula praetexta, assim denominada devido ao traje oficial dos
magistrados romanos, personagens de suas obras e Lívio Andrônico, escravo, autor de
tragédias e comédias . Romulus é a obra de maior destaque escrita por Névio.
A tragédia romana tem, como representante principal, Sêneca, sendo de sua
autoria Medéia, Fedra, As Fenícias, Tiestes, As Trôades, Hércules Furioso e outras
peças. Suas tragédias influenciaram os humanistas na época renascentista.
O teatro, no período medieval, sofre uma modificação. Isso acontece logo após o
declínio do Império Romano, visto que os espetáculos teatrais foram condenados e
proibidos pela Igreja. No entanto, a representação teatral foi resgatada durante as
cerimônias religiosas, nas quais eram encenadas histórias bíblicas pelos eclesiásticos,
em latim, sendo o seu cenário muito rústico e simples.
Dessa forma, o espaço da Igreja interno ou externo, no período medieval, foi o
primeiro local para as representações sacras, configurando-se, então, como teatros
improvisados, cujos palcos eram feitos de madeira, acontecendo, por vezes, de serem
construídos para a representação em praças. É importante frisar que, no início, essas
representações teatrais aconteciam na parte interna das Igrejas e, depois, ganharam o
espaço externo, sendo representadas nas praças.
Assim, nasce o teatro cristão, cujas peças trazem, como argumentos, as paixões e
os mistérios medievais, que eram representados em espetáculos públicos, e tinham por
caracterização o fato de serem encenados por vários dias em palcos ao ar livre.Esse tipo
de encenação durou muito tempo, sendo modificado nos quatrocentos, quando esse
espetáculo de teor religioso assume novas roupagens, ou seja, abandona o aspecto de
rito religioso e comemorativo e adquire o caráter de espetáculo.
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Essa passagem da representação de temas sacros, ligados à igreja, àquela do
teatro de corte aponta a crise e a decadência do próprio gênero das peças religiosas. Essa
particularidade abre o espaço para a mundanização das temáticas do teatro, que sai da
Igreja e vai para a corte, assumindo uma nova forma.
Esse fato contribuiu sobremaneira para o crescimento do teatro como um todo.
Este acompanhou também o desenvolvimento das cidades.Assim, o teatro ganha
novamente o espaço público das praças, onde passam a ser encenadas as peças teatrais.
O nascimento do teatro renascentista tem suas raízes na cultura humanista que
marcou o século XV, sobretudo, nos últimos vinte anos. A cultura italiana teve grande
desenvolvimento nas cortes no final dos Quatrocentos. Em Ferrara, Mântua, Florença
e Milão foram representadas comédias de Plauto e Terêncio, marcando um retorno à
estética clássica.
Encontramos, dessa forma, logo no início de 1500, um autor do calibre de
Ludovico Ariosto, que introduz, na comédia daqueles anos, a estrutura clássica,
conforme o modelo grego e latino. Podemos indicar, para ilustrar a sua importância para
o teatro italiano, o fato de entre 1508 e 1509 terem sido escritas as comédias La
Cassaria (A Caixinha ) e I suppositi ( Os Impostores). Em 1519, esta última peça foi
apresentada como espetáculo no Castelo de Santo Angelo, tendo como espectador
ilustre o Papa Leão X, e cenários de Rafael.
Um outro grande nome do teatro italiano desse período é Maquiavel. Uma de
suas obras teatrais mais conhecidas é La mandragola,cujos tipos ultrapassaram o
próprio tempo, chegando inclusive aos nossos dias.Dois outros nomes dos quais não
podemos nos furtar são Pietro Aretino e Ângelo Beolco, mais conhecido como
Ruzzante. Do primeiro, temos La cortigiana e do segundo, La Moscheta, obras através
das quais podemos observar como esses autores assumem as vestes de comentaristas
mordazes do seu tempo.
Temos, ainda, no Renascimento, o florescimento do drama pastoral. Esse gênero
se desenvolve na segunda metade do século XVI, apresentando um caráter lírico.
Encontramos, no cenário italiano daqueles anos, dois escritores que se destacam, um
Torquato Tasso, com a peça Aminta, outro, Battista Guarini, com Il pastor fido.
O século XVI foi muito promissor para as artes em geral. O teatro também
apresenta esse aspecto, tanto que nessa mesma época, se desenvolveu, na Itália, a
famosa Commedia dell’Arte.A sua encenação característica encantou não só a Península
Itálica, mas também outras partes da Europa nos séculos seguintes.
32
As apresentações da Commedia dell’ Arte tinham uma estrutura que se ligava
não a um texto escrito, mas ao roteiro determinado pela utilização das máscaras e dos
tipos que eram interpretados pelos atores, que improvisavam as falas de acordo com o
público. Esse conjunto, caracterizado pela linguagem, pelo status e pela astúcia ou
estupidez dos personagens, assegurava o efeito cômico.O ator se especializava em um
determinado personagem para que pudesse representar seu papel naturalmente, sem
necessidade de um texto teatral escrito.
O grande sucesso da Commedia dell’ Arte é justificado pela utilização em cena
de habilidades, cuja base encontra-se na improvisação de falas e gestos e, sobretudo, no
uso de máscaras, as quais caracterizavam os personagens estereotipados, como o
Arlequim, a Colombina e o Pantalone, só para citar alguns nomes dessas máscaras que
atravessaram séculos.
O uso das máscaras caracterizava os personagens que eram divididos em três
grupos: os velhos, os enamorados e os servos.Entre as máscaras dos velhos, destacam-se
a de Pantalone, mercador de Veneza, rico, e desconfiado, a do Dottore de Bolonha, que
representa um homem pedante e sentencioso, a do Capitão, cuja característica principal
é a de ser um fanfarrão e um covarde diante de situações complicadas. Os servos eram
os Zanni ou Sanni, como Arlecchino, Brighella, Truffaldino, Mezzetino.Estes têm como
principal característica a esperteza e a malícia, sendo sempre bonachões e estúpidos,
bem como gulosos. As máscaras dos servos representam o enamoramento pela máscara
da Colombina e/ou Smeraldina que, geralmente, em cena, não usava máscaras.
Todas essas máscaras se expressavam no seu dialeto de origem enquanto os
enamorados somente em toscano. Assim, os servos Arlequim e Brighella falavam em
bergamasco; já, Pantalone cuja máscara é veneziana, se expressava no dialeto de
Veneza .
Uma outra característica será a improvisação. Tal estratégia era utilizada pelos
atores para comporem a comicidade de determinada máscara; vale lembrar que o
emprego de personagens era sempre fixo. Certos estudiosos a entenderam como
herdeira da atelana, que é um tipo de farsa popular do teatro romano da Antigüidade,
embora ainda não se possa aferir tal parentesco.
A Commedia dell’Arte serviu de modelo para comediógrafos como Goldoni e
Molière e contribuiu para a construção do teatro moderno.
Nesse mesmo período, surge também outro gênero teatral, que baliza com a
Commedia dell’arte”; trata-se do melodrama ou drama que tem a sua base na música.
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Esse aspecto pode ser comprovado através do nome de um grande musicista, Claudio
Monteverdi, que foi autor do melodrama Arianna.
A tragédia não foi muito freqüentada pelos autores naqueles anos; ainda assim,
podem ser lembradas peças importantes, dessa época como Iudit e La Reina di Scozia,
de autoria de Federico Della Valle e Aristodemo, de Carlo de’ Dottori.
Observa-se que, apesar da representação de outros gêneros, a cena teatral é
ocupada, principalmente, pelas representações da Commedia dell’Arte. Por isso, ainda
nos anos de 1700, momento em que o teatro se torna instrumento de difusão dos valores
sociais e culturais do Iluminismo, cujo ponto principal é a fé na razão e na ciência, ainda
haverá muitas representações desse gênero.
Foi exatamente através da genialidade de Carlo Goldoni (1707-1793), nascido
em Veneza, que esse tipo de representação se aprimorou. O comediógrafo italiano levou
para o palco a vida real, quotidiana do povo. Muitas são as suas obras para o teatro,
tendo escrito tanto tragédias quanto comédias.
Um dos seus textos para o teatro, escrito em 1737, foi a comédia Momolo
Cortesão. Nessa peça, a redação das falas do personagem principal foi uma das grandes
inovações teatrais daquela época. Já, a peça A mulher de Garbo foi a primeira comédia
totalmente escrita. Goldoni baliza assim um período importante para as artes cênicas,
pois, a partir desse momento, a improvisação no palco perde o seu espaço em prol das
falas memorizadas pelos atores.
Goldoni realizou, dessa forma, uma obra a partir da construção de personagens
trazidos da vida real, cuja caracterização é marcada por uma individualidade rica e por
serem colocados em situações claramente inspiradas em seu meio social. Podemos,
então, dizer que o conjunto da obra goldoniana promoveu uma grande reforma na
Commedia dell’Arte, substituindo, além da já citada improvisação por um texto escrito,
as máscaras por personagens.
Alguns de seus textos importantes para o teatro são La locandiera e La vedova
scaltra, além de tantos outros escritos dentro desse gênero em dialeto veneziano ou em
italiano.
Uma outra transformação dos anos Iluministas ocorre com a reforma da ópera,
efetivada por Pietro Metastasio (1698-1782), que deu ao libreto a centralidade e a
prioridade com referência aos demais elementos do espetáculo, música e canto. A partir
desse autor, as obras melodramáticas se qualificaram como uma “dramaturgia para a
34
música”. São de sua autoria Artaserse, La clemenza di Tito, escritas em 1730 e 1734,
respectivamente.
O mesmo pode-se afirmar em relação a Saul, Filippo e outras tragédias, que
trazem o nome do escritor Vittorio Alfieri (1749-1803). Neste, são importantes as
transformações ligadas às unidades de tempo, lugar e ação, que deram aos textos teatrais
a forma clássica. Esse procedimento marca um retorno à concepção aristotélica para
dramaturgia.
Essa dramaturgia, que surgiu no final do século XVIII e início do XIX, momento
em que surge o Romantismo na Alemanha, propagou-se, então, por toda a Europa.
Nesse período, há uma valorização da natureza, da religiosidade, do individualismo e do
sofrimento amoroso. Encontra também um campo profícuo o nacionalismo, com os
ideais elevados como a nostalgia, o amor e a morte heróica na guerra.
No teatro, as temáticas de maior destaque são o individualismo, a subjetividade e
a religiosidade. Outro fato característico dessa fase do teatro é a retomada da obra de
Shakespeare (1564–1616) e de situações próximas do cotidiano.
A cena teatral européia que define o apogeu do século XIX é marcada por
algumas modificações, tal como ocorre no prefácio do drama Cromwel de Victor Hugo,
quando vemos citados alguns princípios para o teatro como, por exemplo, o abandono
das unidades aristotélicas,o uso de linguagem popular e a preferência por temas
históricos.
O cenário teatral da Itália, desse período, é caracterizado pelo espírito e
finalidade patrióticos, sinalizando uma retomada cultural da dramaturgia da primeira
metade dos oitocentos, apresentando as tragédias de Silvio Pellico Eufemio da Messina,
Ester d’Engaddi, Francesca da Rimini e de Alessandro Manzoni Il Conte di
Carmagnola e Adelchi. É importante lembrar que as tragédias de Manzoni não seguem
as unidades aristotélicas de tempo, lugar e ação, citadas anteriormente.
No final do século XIX, após a Unificação da Itália, surge o teatro realista que se
caracteriza pela descrição objetiva da realidade e pelo interesse por problemas sociais.
As peças encenadas retratam a vida e os costumes do povo italiano nas suas
diversidades sociais e nas diferenças regionais.
Têm-se um teatro realista ao norte com Giuseppe Giacosa, Rovetta e Marco
Praga, que representam a moral e o otimismo da classe burguesa, enquanto Giovanni
Verga e Luigi Capuana nos apresentam o sul com sua realidade áspera, dura: fome,
miséria, desemprego.
35
Um nome importante para o teatro verista dessa época é Giovanni Verga (1840-
1922), com o drama La Lupa, escrito em dialeto siciliano, apresentando um realismo
que permite uma ampla visão histórica dos conflitos sociais na Sicília.
Florescem, ainda, nesse mesmo período, no cenário cultural italiano, outras
óperas, graças aos grandes musicistas italianos como Bellini e Giuseppe Verdi.
No início do século XX, encontramos várias experiências teatrais de grande
originalidade, que podem se aproximar da experiência teatral de Pirandello, como o
teatro de poesia de Gabriele D’Annunzio, o teatro de vanguarda de Marinetti e dos
futuristas, que, sem sombra de dúvidas, é um dos grandes nomes do teatro não só
italiano, mas internacional. Não podemos deixar de citar, nesse primeiro momento do
nosso cotejo da obra de Pirandello e a dramaturgia no século vinte, outros endereços
como o teatro grotesco de Luigi Chiarelli, Antonelli e Cavacchioli. Outros autores
importantes dessa época são Rosso di San Secondo, Massimo Bontempelli, Ettore
Pretolini e Achille Campanile.
A diversidade de endereços culturais da primeira metade do século XX, na Itália,
ocorre em todos os campos e não poderia, naturalmente, deixar de atingir a drama-
turgia. Assim temos, na obra de D’Annunzio para o teatro, a recuperação e a reinvenção
do teatro trágico grego, empregando palavras e linguagem modernas, marcado por um
preciosismo lingüístico.
36
3.2 – As inovações de Pirandello no teatro italiano
No capítulo inicial que abre esse trabalho de pesquisa procuramos traçar um
breve perfil da trajetória produtiva de Luigi Pirandello. Essa estratégia permitiu
observar que foi durante as duas primeiras décadas do Novecentos que o autor construiu
o seu corpus narrativo, dedicando-se às novelas, no período de 1902 a 1919, e aos
romances, de 1904 a 1924. Tal estudo possibilita também constatar que o fulcro desses
textos é ocupado por personagens problemáticos que dramatizam a crise do homem
contemporâneo. E será essa mesma crise a ilustrar a cena principal de seus trabalhos
para o teatro, que tiveram como ponto de partida o naturalismo do final do Oitocentos e
a experiência de seu conterrâneo, Giovanni Verga. A obra do autor de I Malavoglia será
também a fonte de inspiração para Gabriele D’Annunzio e o seu rebuscado estetismo,
que, do realismo inicial de suas Novelle della Pescara, deságua no refinamento estético
de seu Notturno, que prefacia o preciosismo lingüístico de seu teatro decadentista.
Pirandello, conforme dissemos antes, se inspira também na obra de Verga, sem
transitar, no entanto, pelos mesmos caminhos percorridos por D’Annunzio, já que o
drama vivenciado por seus personagens não se disfarça com as mesmas roupagens que
dissimulam os personagens dannunzianos.
Na opinião de Alberto Moravia
5
, a importância de Pirandello para o teatro
italiano equivale ao papel desempenhado por Joyce no romance europeu e por Picasso
na pintura. Para o autor de Gli indifferenti, D’Annunzio não conseguirá libertar-se das
armadilhas do final do Oitocentos, enquanto Pirandello foi capaz de transformar e
revolucionar o esgotado naturalismo através da originalidade de sua dialética e de seu
requintado humorismo. A trajetória criativa de Pirandello demonstra que não houve
fraturas entre o riso amargo de suas novelas e a patética lógica de seus dramas.
A herança transmitida por Verga para Pirandello e D’Annunzio vai diferir
também no que tange à representação da tragédia humana, ou melhor, da relação do
homem com ele mesmo e com a realidade que o circunda. Podemos, entretanto, dizer
que Pirandello se fixa no contraste entre ser e existir, enquanto D’Annunzio se atém aos
recursos cênicos da tragédia antiga, transferindo-a para ambientes da estirpe latina e
projetando-a no cenário de um teatro em plein air, às margens do lago Albano ou do
Gianicolo, como o famoso Stelio Effrena, o poeta dramático protagonista do Fuoco.
5
MORAVIA. A. L’uomo come fine. Bompiani, Milão 1964. p 69-72.
37
Pirandello está completamente distante desse cenário idealizado, sublime, tão caro a
D’Annunzio, irremediavelmente comprometido com o esteticismo do fim do século
XIX.
No entanto, Pirandello toca, com Enrico IV, o mais alto vértice da arte teatral,
escarnecendo entre as falsas coroas e os fingidos artifícios da obra teatral dannunziana,
ao denunciar a impossibilidade de toda e qualquer evasão. A descida aos infernos, sem
atordoantes elixires, acontece também sem deixar de lado o esplendor do travestimento,
mesmo ao rasgar as indumentárias, sobretudo, as roupagens decorosas com a qual se
tenta cobrir as culpas e as vergonhas, como acontece a Ersilia Drei, a protagonista de
Vestire gli ignudi (1922).
O dramaturgo siciliano estréia no teatro quando já era bastante conhecido por
seus trabalhos narrativos. Essa experiência no campo literário fez Pirandello
amadurecer, no teatro, a sua acentuada visão de um mundo dominado pelas condições
sociais e psicológicas sem autenticidade e, também, pelo contínuo alternar-se entre
realidade e ficção. Essa visão se revela, dialeticamente, através de uma lógica
paradoxal, aguda e desmistificadora, em suas peças teatrais.
A sua estréia nos palcos ocorre em 1910, quando já tinha quarenta e três anos de
idade, com as peças La morsa e Lumie di Sicilia.Trata-se de um repertório, basicamente,
siciliano, mas isso não quer dizer que, antes, Pirandello não tenha feito nenhum trabalho
para o teatro, pois, quando tinha apenas 12 anos, compôs a tragédia Barbaro.Ainda na
adolescência exercitava-se como diretor de teatro, responsabilizando-se pela encenação
de peças teatrais, cujos atores eram suas irmãs e seus amigos, espetáculos apresentados
no jardim de sua casa em Girgenti, Sicília.
Isso demonstra que a paixão de Pirandello pelo teatro sempre existiu, mesmo
diante das desilusões experimentadas pelas primeiras representações de algumas de suas
comédias.
Um dos episódios que bem pode exemplificar essa relação passional de
Pirandello com o teatro é um fato acontecido com a peça escrita em um único ato, em
1892, L’epilogo, que, submetida a uma série de intermináveis revisões e equívocos dos
diretores teatrais e de alguns atores famosos, como Cesare Rossi e Flavio Andò, obrigou
Pirandello a empenhar-se para que a peça fosse, finalmente, levada à cena em 1910, no
Teatro Minimo di Martoglio, com o título La morsa.
38
Foi exatamente essa dificuldade inicial que fez o nosso autor buscar uma solução
para a desarticulação entre obra escrita e representação teatral e entre personagem e
autor.
A visão pessimista da vida poderia ter conduzido Pirandello, naturalmente, para
a tragédia, como bem evidencia a sua biografia, na sua primeira representação teatral,
com uma tragédia adolescente; mas, como nos explicam os seus biógrafos, a tragédia
lhe parecia impossível naquela época de início de século XX.
A impossibilidade da representação trágica, no entanto, não quer dizer que
Pirandello deixará de indicar as contradições do homem de sua época e de dar as
nuanças de seu sofrimento em um clima de extenuada melancolia, como se pode
verificar em tantas comédias do final do século XIX. Um exemplo é a comédia
burguesa do final dos Oitocentos, que girava ao redor do tema do adultério.
Esse foi também o tema da primeira aparição de Pirandello como autor de teatro,
ou seja, no ato único, La morsa. Em tal obra, o nosso autor retoma o conhecido clichê
do adultério, mas dando diferentes acentos, pois fixa o seu olhar no drama entre os dois
personagens antagonistas, a saber, a mulher e o marido. Essa angulação do autor não
permite que seja tratado na peça nada que seja externo à relação extraconjugal da
personagem Julia e a honra ferida de André. Esse drama assume uma rigorosa
conotação interior, inaugurando o amargo jogo que será também encenado em Enrico
IV, apesar de o marido André não mostrar a consciência do fato, através de uma série de
mensagens ambíguas, com estudada e afiada crueldade, levando, no fim da peça, a
mulher Júlia ao suicídio.
Essa mesma desilusão, carregada de sofrimento, anima outro personagem
pirandelliano; trata-se de Micuccio, o ingênuo camponês de “Lumie di Sicilia”. Esse
outro ato único, representado no palco do teatro Martoglio, aborda a corrupção de uma
antiga noiva de Micuccio, Rosina, que, depois de se transformar em uma célebre
cantora, assume o pseudônimo de Sina; o camponês irado, no fim da peça, faz um gesto
tipicamente teatral, ao agarrar o dinheiro e jogá-lo no peito de Sina.
Na primeira década do século XX, o teatro italiano paralisa suas atividades,
devido à Primeira Guerra Mundial. No entanto, a partir de 1915, ocorre uma tentativa de
mudança no quadro previsível das representações teatrais das comédias burguesas. Os
Futuristas apresentam uma proposta do teatro alógico, sintético, feito a partir de
fragmentos incoerentes, recitados por fantoches elétricos, como as representações de
Marinetti, Settimelli e Corra, sempre nesse mesmo ano.
39
Pirandello se distancia dessa rumorosa e também um pouco iconoclasta
representação Futurista. No entanto, demonstra conhecer bem de perto o trabalho
Futurista para o teatro, quando utiliza algumas das audaciosas soluções Futuristas que,
por exemplo, são os primeiros a quebrar a soberania da obra representada e a
conseqüente divisão conhecida entre público e espetáculo, entre platéia e palco cênico,
como é o caso da obra pirandelliana Ciascuno a suo modo, de ’24.
Uma outra revolução, não tão notória e barulhenta quanto a Futurista, mas talvez
mais eficaz que atravessa a dramaturgia italiana daquelas primeiras décadas do século
XX, é a comédia conhecida por “grotesca”.
É interessante notar que esse tipo de comédia tem uma data de nascimento, 26 de
maio de 1916, quando foi encenada no teatro Argentina de Roma, a peça La maschera e
il volto, de Luigi Chiarelli. Essa peça foi um marco na dramaturgia italiana daqueles
anos, trazendo à cena um novo modelo de comédia burguesa, desenvolvendo os seus
lineamentos em rígidas linhas. Os escritores , como Rosso di San Secondo e Luigi
Antonelli, eram muito próximos a Pirandello. Isso equivale dizer que esses autores
souberam entender a sensibilidade pirandelliana do riso transtornado, esquálido,
doloroso e amargo do humorismo de nosso autor, que já se fazia presente em suas
novelas e nos seus romances, mas que ainda não tinha sido experimentado
convincentemente no teatro.
O riso dos “grotescos”, exatamente como o humorismo pirandelliano, é um riso
não verdadeiro, não surge de forma espontânea e leve. Pirandello explica, em um artigo
de ’20, o seu entendimento emblemático da “L’immagine del grottesco”; no entanto,
nos interessa, aqui, um outro artigo em que o escritor siciliano faz uma reflexão teórica
sobre a ironia, o humorismo e o riso grotesco, sempre em ’20, conforme citação que
segue:
[...] sissignori – anche una tragedia, quando si sia
superato col riso il tragico attraverso il tragico
stesso, scoprendo tutto il ridicolo del serio, e perciò
anche il serio del ridicolo, può diventare una farsa.
Una farsa che includa nella medesima
rappresentazione della tragedia, la parodia e la
caricatura di essa, ma non come elementi
sopramessi, bensì come projezione d’ombra del suo
stesso corpo, goffa ombra di ogni gesto tragico.
6
6
BARBINA, A. Bibliografia della critica pirandelliana (1889-1961), em Pubblicazioni dell’Istituto di
Studi piandellini. Florença: Le Monnier, 1967. p. 35.
40
Entendemos a partir dessa citação que o ponto de suporte do humorismo
pirandelliano é a tragédia. Dessa forma, compreendemos que é o humorismo que
alimenta a particularidade tragicômica pirandelliana.
A tragédia pirandelliana não é constituída por heróis, ao contrário, alterna-se
com a comédia, unindo a esta seus traços característicos em uma simbiose “grotesca”. É
nesse ambiente, marcado por uma coincidência cronológica, que acontece o encontro
entre Pirandello e os “grotteschi”, o que não quer dizer que não existam alguns traços
diversos na forma de se aproximar do riso, porque, naturalmente, há muitos elementos
diferentes entre Pirandello e os seguidores do teatro grotesco.
Alguns meses depois da primeira representação de La maschera e il volto, em
julho de ’16, é encenada a peça Pensaci, Giacomino!, escrita em dialeto siciliano, para a
interpretação de Angelo Musco,e a versão dessa peça em italiano standard ocorre em
’17.
Essa peça pirandelliana conta a história do velho professor Toti. Esse
protagonista não é um fantoche, tem coração e cérebro, conforme advertem os críticos
da obra pirandelliana. A sua decisão de se casar com uma moça grávida muito jovem e
pobre, cujo nome é Lillina, embora fosse ancião, é motivada não pelos sentimentos de
bondade ou piedade, mas pelo sentimento de vingança em relação ao Estado, que não
lhe permitiu, através do pagamento de magros salários pelo seu magistério, ter uma
família quando era ainda jovem. Passados trinta e quatro anos de magistério, o professor
Toti faz a sua vingança, ao se casar uma moça muito jovem, que ficará viúva também
jovem, sendo que o Estado lhe deverá pagar por longos anos uma pensão. A desforra do
pacato professor se dá também em relação às convenções sociais, um outro ponto com
comum aos “grotteschi”. Essas convenções são monstros sem corpo que mortificam e
sufocam. O professor será o marido burocrático e pró-forma de Lillina; a verdadeira
parte de marido será feita por Giacomino, o jovem rapaz que engravidou a moça. É
exatamente essa inversão total, amarga e divertida, do sentido de honradez, do medo do
ridículo, que caracterizou muitas das comédias burguesas do final do século XIX.
Esse mesmo tema, mas que tem como solução um outro estratagema,
encontramos em Il berretto a sonagli, também de ’16. O protagonista dessa obra,
Ciampa, tem consciência de que sua esposa o trai com o seu chefe, mas, apaixonado
pela mulher, finge não sabê-lo, tendo decidido que o amor é mais importante que a
honra. No entanto, esse procedimento adotado por Ciampa revela-se possível até um
determinado momento, ou seja, até quando o seu papel social de marido - fantoche não
41
é revelado. A história escandalosa é descoberta, embora o protagonista tente esconder as
evidências da traição de sua esposa, para salvar a sua máscara de marido, pretende que
aquela que provocou o escândalo seja declarada louca e seja colocada em um
manicômio. Dessa forma, ele poderá continuar a passear como uma marionete,
aparentando estar tudo bem, e, assim, todos deverão lhe dar o devido respeito.
Uma outra obra pirandelliana, de ’17, é Così è (se vi pare), cuja limitada
concatenação cênica poderia ser interpretada, à primeira vista, como uma imperícia
teatral do seu autor. No entanto, essa aparente contradição é desmentida pelo sucesso
alcançado. Os três atos dessa peça pirandelliana são realizados em um ambiente
fechado, ou seja, em uma sala burguesa, a do conselheiro Agazzi. Podemos lembrar que
quase todo o teatro de Pirandello, apresentando pouquíssimas exceções, se desenvolve
em espaços fechados, em atmosferas sufocantes. O palco se transforma quase em um
cômodo de tortura, come se o personagem estivesse sendo castigado
7
.
Nessa obra de Pirandello, a certeza dos fatos é nulificada em um total
relativismo. Isso equivale dizer que toda verdade presumível se fragmenta na
apresentação de sua futilidade. A falsa luz do “così è”, no final, é abrandada e, enfim,
extinta pela expressão em parêntesis “(se vi pare)”.
Nessa peça, encontramos o personagem Lamberto Laudisi, que é um divulgador
inflexível e escarnecido, sem deixar de ser muito amargo, da ilusão de toda certeza,
sendo este a representação do próprio Pirandello. É um personagem-coro, que concentra
o eu-poético do autor; essa marca Pirandello divide com muitos dos “grotteschi”, que,
subiam ao palco nas vestes de um personagem.
É oportuno esclarecer que as observações sobre essa peça serão retomadas no
próximo capítulo, quando serão examinadas com mais profundidade temáticas
abordadas por Pirandello , que acreditamos serem derivadas da estética decadentista.
Ainda no que concerne à trajetória produtiva de Pirandello no teatro,
encontramos, nesse mesmo ano, ’17, a encenação da peça Il piacere dell’onestà. Trata-
se da história do amor de Baldovino, um homem considerado desonesto pela sociedade,
mas, na verdade, muito mais honesto do que os outros que podem ser agregados ao
grupo dos íntegros, e Agata, uma mulher casada por conveniência.
Il giuoco delle parti é uma outra obra de Pirandello, de ’18. Nesta, temos a
história de personagens-fantoches, sem ânimo para os vazios papéis sociais, que se
7
MACCHIA, G. Pirandello o la stanza della tortura. Milão: Mondadori. 1981. p. 56.
42
movem em um ambiente refinado e urbano. É esse o ambiente da desesperada vingança
de Leone Gala. Esse personagem, abandonado pela esposa por conta de um amante, a
inquietante Silia, consegue afastar de si qualquer envolvimento sentimental; somente
assim pode continuar a representar, de maneira indolor, o seu papel de marido. Leone,
todas as noites e no mesmo horário, vai ao encontro de Silia e conversa com ela com
frieza e distância, mas, quando a mulher é ultrajada por outros homens bêbados, pedirá
ao marido para que a defenda dos insultos, exigindo que ele brigue com quem a
ofendeu. Ele se preparará meticulosamente, mas não irá para o confronto corpo a corpo
com o ofensor. Essa ação do embate caberá ao amante, de acordo com o jogo dos papéis
que cabe a cada um dos participantes desse drama, explicará o personagem à esposa.
Essa atitude de Leone é, na realidade, muito amarga, como o fel, porque é obtida através
do esforçado exercício de concatenação e esvaziamento dos efeitos e das paixões,
atenuada com um rigor alucinado.
Essa típica situação paradoxal pode também ser encontrada em outras peças de
nosso autor, como , por exemplo, Ma non è una cosa série (1918), L’uomo, la bestia e
la virtù (1919), Tutto per bene (1919-20), La signora Morli, una e due (1920). Essas
obras completam o quadro das situações paradoxais, levadas até ao inverossímil e à
inversão de papéis, em torno da temática do matrimônio e do adultério, em cujo
ambiente se movem personagens estranhos e bizarros, que não devem ser entendidos
como marionetes. Tais personagens possuem uma característica predominante que as
marionetes não têm. Esses personagens falam e pensam. Eles representam a expressão
de uma alma cheia de sofrimentos e dores.
O pequeno quadro, que até o momento procuramos construir, permite
reconhecer que a maioria das peças teatrais criadas por Pirandello aborda a temática do
matrimônio, desenvolvendo, em cada uma delas, atitudes imprevisíveis, singulares,
principalmente, para a sociedade da época. A maneira insólita de tratar tais situações
permite aproximar o teatro pirandelliano de temas desenvolvidos pelo teatro do absurdo
e do grotesco, como se pode verificar na utilização das máscaras, no destaque da tirania
representada pelos papéis sociais, conforme podemos constatar nas peças All’uscita e
Liolà, ambas de ’16.
A peça All’uscita tem apenas um ato. O seu cenário é simples, delineado por
uma cenografia essencial. Trata-se de personagens mortos que, ainda ligados à
recordação da vida terrena ou a um sentimento, ou uma idéia, anterior ao falecimento,
se imobilizam na entrada do cemitério e na saída da vida. A permanência nesse umbral
43
variará de personagem a personagem, até que cada um deles consiga dissolver cada
relação com a existência e possa encontrar a definitiva saída. Nessa obra, a presença de
elementos como uma cenografia essencial, as cores violentas, os sons mordazes e
dissonantes, as estrídulas risadas e o sangue da mulher assassinada fazem lembrar os
traços típicos do gosto expressionista. Mas não se trata de uma adesão ao cânone
expressionista, é, antes de tudo, uma alternativa pensada pelo autor para atender à
funcionalidade da atmosfera representada.
Essa afirmação sobre o distanciamento dos traços expressionistas encontra
confirmação na comédia Liolà, escrita no mesmo ano, mas totalmente diferente de
All’uscita.
O tom dessa outra peça é verista, ambientada nas cores do sul da Itália,e conta a
história de Liolà, um camponês-poeta, que, ao invés de atormentar-se, se abandona,
bêbado de sol, à vida e ao natural oferecimento de alegria.
As mais importantes e mais conhecidas obras de Pirandello, no entanto, são da
década de vinte. ’21, por exemplo, é o ano considerado pela crítica como sendo o mais
importante para o teatro pirandelliano, porque é o ano em que o dramaturgo escreveu
Sei personaggi in cerca d’autore, avaliado pelos estudiosos de sua obra como a peça
teatral que tocou o vértice de sua arte, apesar de o espetáculo ter sido vaiado na sua
primeira representação em Roma. No entanto, quando a peça é apresentada em Milão,
ao contrário da reação romana, é ovacionada. É exatamente a partir dessa obra que as
portas do sucesso internacional se abrem para Pirandello.
A obra Sei personaggi ... com outra Ciascuno a suo modo, de ’24 e Questa sera
si recita a soggetto, de ’29, constituem a trilogia dos “drammi da fare”. Isso porque
Pirandello adota soluções técnicas não só audazes, mas também novas, acabando com a
soberania da comédia burguesa, através do drama paradoxal que se constrói, de maneira
tortuosa e oblíqua, com aproximações imediatas e rápidas, discutindo, inclusive,
dificuldades da construção teatral.
A comédia Sei personaggi... não tem divisões em atos e cenas, mas tem duas
interrupções aparentemente casuais. O tema dessa peça pirandelliana traz a história de
uma companhia teatral que, enquanto fazia o ensaio da peça Il giuoco delle parti,
também de Pirandello, surgem misteriosamente, naquele ambiente de ensaio, seis
personagens: o Pai, a Mãe, a Enteada, o Filho, duas crianças. Estes personagens nascem,
como é explicado por um deles, ou seja, o Pai, da fantasia de um autor que, no entanto,
não soube ou, talvez, não quisesse fazer com que eles vivessem em uma obra de
44
arte.Estes se mostram angustiados por representar o próprio drama e desejam que os
atores representem a história deles. A história a ser representada pelos atores narra a
vida de uma Mãe, que, depois de ter dado à luz o Filho, se apaixona pelo secretário do
Pai. Esse secretário é um tipo modesto e simples como a Mãe. O Pai deixa que os dois
se unam, distanciando-se da mulher, não só ele, mas também, o Filho. Da união entre a
mulher e o secretário, nascem três outros filhos. Passados alguns anos, o Pai, sem o
saber, encontra a Enteada em um lupanar, e, quando estava para começar o
envolvimento incestuoso, a Mãe vai ao local e evita o seu desenrolar, transtornada pelo
duplo horror, o primeiro, de encontrar a própria filha naquele lugar, o segundo, de ver
que o homem que estava com moça era o seu legítimo marido. O Pai, envergonhado,
resolve receber em sua casa toda a família, mas se origina dessa situação um mutismo
total e hostil; a menina cai na banheira e morre afogada e o rapaz se mata com um tiro
de revólver. O diretor, que antes ensaiava os atores, se sente fascinado pelo argumento
teatral proposto pelos personagens. No entanto, esses personagens não se reconhecem
nos atores, quando estes representam, pois os próprios podem representar essa história,
ou melhor, viver a tragédia, que é a realidade deles, uma realidade que se repete na
eternidade da arte.
Ainda desse mesmo ano, mas representado pela primeira vez em ’22, é uma
outra importante peça de Pirandello, Enrico IV, que teve sucesso com os intérpretes
Ruggero Ruggeri e Virgilio Talli. A atmosfera dessa obra teatral é bastante diferente
daquelas habituais de Pirandello,ou seja, aqueles cômodos esquálidos, altar da
humilhação desses pequenos e miseráveis homens, símbolos dessa estreita sociedade,
que agora abrem espaço para o esplendor grandioso de uma sala imperial com vários
valetes, diversos conselheiros e um imperador. No entanto, todo esse cenário é uma
invenção; na realidade, trata-se de uma vila rural da Úmbria, que se transforma em um
outro ambiente, no reinado de Enrico IV em Goslar. Essa duplicidade de cenários tem a
ver com o fato de ser esse segundo cenário uma fantasia de um personagem que, por
muitos anos, vive fechado nessa falsa sede imperial, depois de ter sofrido uma queda em
um passeio a cavalo, em que todos usam máscaras, e a sua representava Enrico IV. No
tombo, o personagem perde a razão e passa a acreditar que é, de fato, o imperador da
Alemanha. Vive nessa crença cerca de doze anos, ou seja, fixado na atroz imobilidade
daquele personagem, que, por brincadeira, tinha aceitado a máscara. No entanto, quando
esse personagem recupera a memória, com corrosiva lucidez, decide continuar a fingir
que é louco. Isso porque o protagonista, ao recuperar a razão, descobre que a mulher
45
que amava, Matilde Spina, tornara-se amante de seu maior rival, Tito Belcredi. Após
essa descoberta, decide não entrar na realidade, mas, no momento em que Matilde, com
a filha, Belcredi e outros amigos encontram o personagem, a ficção prepondera. No
entanto, a recordação da juventude perdida consome esse personagem, sobretudo, por
saber que a sua queda não fora acidental; tem, portanto, desejo de vingança. A Matilde
atual não é mais nada para ele, pois é a Frida que ele deseja. Assim, no momento em
que abraça a moça, Belcredi se lança sobre ele e Enrico o mata com a espada. Uma vez
que assassinou uma pessoa, é condenado, portanto, a não abandonar nunca mais a
ficção.
O exame das estratégias construtivas utilizadas por Pirandello, para dar vida ao
jogo de máscaras que encobrirá a loucura do falso Enrico IV, será efetuado no próximo
capítulo desta dissertação. Este capítulo procurará demonstrar questões vitais para o
entendimento da produção teatral de nosso autor, tais como a relatividade da verdade, o
pessimismo, o desdobramento da personalidade, o humorismo cáustico, a questão da
loucura e as distintas máscaras às quais o indivíduo deve recorrer para assegurar sua
inserção na sociedade.
As últimas produções teatrais de Pirandello mostram como o autor do
desconsolado relativismo de Così è (se vi pare) circunscreve os mitos, como ele mesmo
definiu em La nuova colonia (1928), Lazzaro (1928) e no incompleto “I giganti della
montagna”. A observação atenta de sua obra teatral favorece a percepção da operação
cognitiva desse conjunto de peças, que aborda, sem pudor, todos os matizes do drama
humano, usando, como único artifício, a exposição da ilogicidade que marca a cami-
nhada existencial do homem. Dessa forma, é possível recuperar, em suas peças, os
mitos teatrais que representam as verdades essenciais, introvertidas e reencontráveis no
fundo da história de todos os homens, alcançando estruturas originais, patrimônio de
toda a humanidade de todo o tempo e de todo lugar.
46
4 – AS MARCAS DECADENTISTAS EM COSI È SE VI PARE E ENRICO IV
4.1 – A encenação teatral e algumas marcas da estética decadentista
O estudo da obra pirandelliana não pode prescindir do exame da estética
decadentista, tendo em vista a importância dessa corrente artística para a renovação do
contexto cultural italiano no período situado, principalmente, na passagem dos século
XIX para o XX.
Na opinião do crítico italiano Carlo Salinari
8
,Pirandello, melhor do que qualquer
outro intelectual dessa fase, consegue representar a consciência da crise que envolve o
indivíduo e toda a sociedade de então. Artistas como Giovanni Pascoli, Gabriele
D’Annunzio e Antonio Fogazzaro também tematizaram essa crise expressando-se,
respectivamente, através dos mitos do “fanciullino”, do “superuomo” e do “santo”.
A maneira pirandelliana de ilustrar a crise do indivíduo rejeita a delicadeza com
que Pascoli aborda o seu “fanciullino”, preservado em sua ingenuidade e pureza.
Recusa, principalmente, a exagerada e erotizada retórica dannunziana, além de
contrapor as agruras do homem massacrado pelo rigor das normas sociais ao tom
profético filosófico do “santo” criado por Fogazzaro na sua reforma da igreja de Roma.
Fogazzaro vai propor a eliminação dos quatro espíritos malignos que inviabilizam a
realização humana: a mentira, o instinto de dominação, a avareza e a imobilidade.
Dentre as rupturas que definem a arte pirandelliana, não podemos esquecer o
distanciamento que o autor tenta estabelecer com o idealismo e o historicismo
professado por Benedetto Croce. Essa atitude, ainda na perspectiva de Salinari,
proporcionará à sua obra um perfil marcado pelo sentimento amargo da derrota e de
vazio, além de iluminar o sempre presente contraste entre a ilusão e a realidade e a
forma e a vida.
É exatamente esse caráter melancólico que indicará a digital decadentista da
obra pirandelliana. Seu decadentismo aprofundará aspectos derivados do pessimismo e
do humorismo cáustico, denunciando, ao mesmo tempo, o riso sofrido, fruto do
desalento desse tempo, que não mostra outra alternativa senão o caos e o abismo que
atraem o indivíduo fragilizado pelo desconforto diante da sociedade hostil.
A agudeza da consciência crítica que marca, sobretudo, a produção teatral
pirandelliana, talvez, tenha sido gerada pela catastrófica situação vivenciada pela
8
SALINARI, Carlo, Miti e coscienza del decadentismo italiano, Milão, 1960. p. 267/274.
47
sociedade italiana após o término da Primeira Grande Guerra, ocasião em que essa obra
começa a ser considerada como a mais representativa de sua época.
A observação do arco evolutivo da obra de Luigi Pirandello demonstra como o
escritor transita inicialmente como narrador e depois como dramaturgo, deslocando-se
do limitado espaço Verista para o amargurado e neurótico lugar do decadentismo, ou
seja, passa do regionalismo ao cosmopolitismo, que, nesse cruzamento de séculos,
marca toda a cultura italiana.
Nesse ponto, julgamos oportuno sublinhar, mais uma vez, que aspectos do
decadentismo serão assimilados e desenvolvidos por Pirandello, uma vez que sua
discursividade, quer na prosa ou no teatro, opte por uma retórica simples, descarnada,
diametralmente oposta, por exemplo, à loquacidade verbal que marca a produção
dannunziana. Essa atitude se explica pela posição pirandelliana de identificar a
verbosidade retórica de alguns escritores como um artifício que, ao invés de liberar a
arte, termina por aprisioná-la. Dessa constatação, explica-se sua opção pelo humorismo,
entendido, por ele, como uma forma artística mais avançada, por não se ater,
unicamente, a uma simples forma ou modelo, sendo, pois, dinâmico, espontâneo e até
mesmo imediato na escolha por um código lingüístico. A forma proposta pelo
humorismo pirandelliano não segue um modelo préestabelecido pela retórica, mas se
constrói, paulatinamente, consoante às exigências e necessidades do texto.
O dinamismo e a flexibilidade atribuídos por Pirandello ao seu conceito de
humorismo, muitas vezes, lembram posições defendidas por Bergson, principalmente,
no que tange às distinções entre inteligência e instinto e na idéia de uma vida do ser que
flui continuamente em detrimento dos esquemas que pensamos ser possível arquitetar
para imobilizá-lo.
No entanto, a aparente proximidade com o filósofo francês se desfaz quando
percebemos que a distinção e a contraposição entre intelecto e intuição, entre a moral
obrigatória e a moral absoluta e o constante fluir da existência não se encerra jamais na
exaltação do artista, do santo ou do herói. Pelo contrário, na obra pirandelliana,
deparamo-nos sempre com o predomínio da derrota e do jogo de habilidades e com a
conseqüente ruptura de formas, que deixa evidente a inexistência de uma forma única,
fato que dá , ao indivíduo , a angustiante sensação de sua impotência e nulidade
9
.
9
Ibidem.
48
As marcas decadentistas que acreditamos ser possível identificar na produção
pirandelliana, em especial, em seu teatro, podem ser depreendidas da leitura de seu
ensaio L’umorismo (1908), momento em que o escritor define sua concepção de vida.
Dessa forma, constatamos que, no conceito de vida, tudo está em constante mutação,
tudo se transforma, tudo passa, tudo flui, incluindo-se, aí, o espírito humano e a própria
natureza. Movimento é vida, imobilidade significa a morte. A realidade não é definitiva,
nada é certo, nada é absoluto. Tudo é mutável, transformável, acarretando, assim, a
relatividade do espírito e da natureza. Daí ser fácil aceitar que as atitudes, as opiniões e
posições mudem a cada momento e a cada dia, concluindo-se, assim, que a realidade é
um processo contínuo de criação, não existindo apenas uma realidade. Por essa razão, o
homem não tem uma personalidade única, pronta, estável, mas uma personalidade em
constante transformação, gerando, assim, o desdobramento da personalidade,
característica presente em grande parte da produção pirandelliana.
Em distintas situações, Pirandello adverte para a impossibilidade de se atribuir
aos homens uma personalidade única, definitiva. Dessa impropriedade, nascem
inúmeros equívocos que dificultam e obstaculizam sua caminhada na sociedade.
A constatação da eterna mobilidade do nosso espírito e da própria vida
determina duas considerações importantes para o entendimento do texto pirandelliano: o
relativismo e a ilogicidade, ou melhor, a incoerência da vida.
O relativismo nos aponta a impossibilidade de crer ser esta ou aquela pessoa
sempre a mesma. O homem não é nem aquele que crê ser e nem aquele que os outros
acreditam que ele seja. Ele não é ninguém, porque nenhum dos aspectos que os outros
lhe atribuem, ou até mesmo aquele que ele próprio se atribuiu, pode ser considerado
como verdadeiro, único, definitivo, já que a todo instante o espírito do homem se
transforma e este não se reconhece em nenhuma dessas imagens fictícias ou máscaras
que possa usar.
Esse pluralismo de pontos de vista determina o fato de que existam tantos
indivíduos quantas são as visões de todos os possíveis observadores.
O homem, não podendo conhecer a realidade e a verdade e não tendo uma
verdade sua, imutável, uma vez que não pode contar com uma identidade única, mas
fragmentada e em alteração constante, não conseguirá consolidar-se em uma forma ou
máscara fixa.
49
Tal impossibilidade leva à fragmentação do eu, a um conjunto de estados
incoerentes que consiste em reconhecer que, atrás da máscara, não há uma única
identidade, mas um fluir indistinto de tais estados em contínua mutação.
A consciência desse constante fluir termina por conduzir à loucura, que derivará
da incapacidade de perceber que temos sobre o rosto uma máscara que se transforma
inúmeras vezes ao dia , conforme o papel que devemos sustentar. Quando não notamos
que temos uma máscara, ou quando a tiramos, somos autênticos, somos aquilo que
pensamos ser. No entanto, aqueles que nos observam do exterior nos consideram
loucos, já que não conhecem a nossa verdade.
Ainda neste trabalho, temos reiterado os principais temas utilizados por
Pirandello na representação da crise do homem, como o contraste entre ilusão e
realidade, reforçando, mais uma vez, a contínua fluidez dessa última, já que tudo se
transforma, nada é certo, tudo é ilusão, conforme podemos observar no exemplo
extraído da célebre história de Mattia Pascal:
Or che cos’ero io, se non un uomo inventato? Una
invenzione ambulante che voleva e del resto, doveva
forzatamente stare per sè, pur calata nella realtà
10
.
É exatamente a questão da relatividade da verdade e da presumível loucura que
animará as peripécias do grande drama teatral Così è (se vi pare), anteriormente
tematizado na novela La signora Frola e il Signor Ponza, suo genero, escrita em 1915,
e levada ao palco em 1917.
A relatividade da verdade será também o tema principal de Sei personaggi in
cerca d’autore, drama pirandelliano que discute, de forma inovadora, a construção da
cena teatral e a quase autonomia de seus personagens, que, em um gesto de
insubordinação, invadem o palco, tentando convencer o fictício diretor da veracidade de
suas histórias, ao enfatizar, mais uma vez, que a realidade é subjetiva, ou seja, depende
da maneira como cada um a percebe.
Ainda na esfera do ensaio L’umorismo é possível examinar, com atenção, a
questão da máscara, que, ao mesmo tempo, encobre e dá forma ao personagem
pirandelliano. A máscara ou forma será o artifício ao qual o homem recorre, na tentativa
10
PIRANDELLO, Luigi. Il fu Mattia Pascal. In.: Tutti i romanzi. Org. Italo Boris e Maria Argenziano.
Milão: Newton Compton, 1993. p. 278.
50
de estabelecer uma imagem, ou seja, de dar visibilidade à imagem que ele faz de si
mesmo ou, quem sabe, assumir a imagem que a sociedade lhe dá.
O contexto social obriga o homem a usar essas máscaras, que deverão se
adequar às circunstâncias e às pessoas com as quais o indivíduo deve forçosamente se
relacionar. Dessa forma, cumpre-se exatamente a máxima pirandelliana do homem ser
ao mesmo tempo Uno, nessuno e centomila (1925), romance que narra a dissolução do
eu e a profunda dor de seu protagonista, Vitangelo Moscarda, ao descobrir, através da
própria esposa, que seu nariz era imperfeito, fato que vai destruir todas as suas certezas,
que irão se diluir irremediavelmente, quando, de uma situação unívoca (UNO), torna-se
poliédrico (CENTOMILA), terminando por se tornar ninguém (NESSUNO).
- Che fai? Mia moglie mi domandò, vedendomi
insolitamente indugiare davanti allo specchio.
- Niente, - le risposi , - mi guardo qua, dentro il
naso, in questa narice. Premendo, avverto un certo
dolorino.
Mia moglie sorrise e disse:
- Credevo ti guardassi da che parte ti pende.
Mi voltai come un cane a cui qualcuno avesse
pestato la coda:
- Mi pende? A me? Il naso?
E mia moglie, placidamente:
- Ma si, caro. Guardatelo bene: ti pende verso
destra.
11
O drama vivenciado por Moscarda é do mesmo tipo daquele vivenciado por
Mattia Pascal e por outros personagens da profícua obra de Pirandello, uma vez que a
máscara condiciona o homem à sociedade, tornando-o prisioneiro de sistemas e
levando-o à solidão e à incomunicabilidade:
Siamo giusti , io mi ero conciato a quel modo per gli
altri , non per me. Dovevo ora star con me, così
mascherato ?
12
Exemplo maior do uso da máscara em Pirandello nos é oferecido por Enrico IV,
que, ao recuperar a memória, após doze anos de demência, vê-se impossibilitado de
11
PIRANDELLO, Luigi. Uno, Nessuno, Centomila In.: Aldo Giudice & Giovanni Bruni, Problemi e
scrittori della letteratura italiana, 3 tomo, Paravia, Turim, 1973. p. 298.
12
PIRANDELLO, Luigi. Il fu Mattia Pascal. In.: Tutti i romanzi. Org. Italo Boris e Maria Argenziano.
Milão: Newton Compton, 1993. p. 257.
51
assumir sua verdadeira identidade para escapar das garras da lei, que admite o crime
para uma pessoa insana, mas deve coibi-lo aos sãos.
ENRICO IV- Ma lo vedi? Lo vedi? Tu stesso! Lo
hai anche tu, ora, lo spavento negli occhi! – Perché ti
sto sembrando pazzo! – Ecco la prova! Ecco la
prova!
E ride.
...............................................................................
Codesto vostro sgomento, perché ora, di nuovo, vi
sto sembrando passo! – Eppure, perdio, lo sapete!
Mi credete; lo avete creduto fino ad ora che sono
pazzo! È vero o no?
13
Em Enrico IV, o protagonista não consegue se liberar da máscara, assumindo de
vez a loucura, sujeitando-se, assim, à incomunicabilidade, já que tudo aquilo que diz
será repassado pelo crivo da demência.
A incomunicabilidade leva o indivíduo ao sentimento de solidão. Não existindo
uma única e definitiva realidade, o homem, sentindo-se só, não se comunica com seus
semelhantes.
A crise vivida pelos personagens pirandellianos espelha o desconforto do
indivíduo diante de tantas adversidades, que podem ser traduzidas pelo tédio, pela
loucura e pela anormalidade que constituem o tecido conectivo dessa realidade humana.
Nesse contexto, a anormalidade torna-se, portanto, normalidade, aproximando, assim,
muitas de suas peças teatrais ao “teatro grottesco”. Contudo, essa aproximação é negada
pelo próprio Pirandello ao afirmar que a inspiração para os dramas que ele leva ao palco
lhe fora fornecida pela vida cotidiana, pelas convenções sociais, pela hipocrisia que
envolve o nosso dia-a-dia, pelas experiências amorosas que fazem do homem uma
marionete ao sabor das paixões.
A grande amargura que emana das páginas do escritor, provavelmente, tem
como origem sua desventurada vida, seu convívio com uma mulher doente, sem
expectativa de cura, atormentada por ciúmes doentios. Esse drama pessoal transmigra
para peças como Il berreto a sonagli e Cosi è (se vi pare), por exemplo, em que a
questão da loucura ocupa o centro das discussões.
13
PIRANDELLO, Luigi. Enrico IV. In.: Maschere Nude. Org. Italo Boris e Maria Argenziano. Milão:
Newton Compton, 1993. p. 278. p.181.
52
Nossa opção pelo exame minucioso de Cosi è (se vi pare) e Enrico IV
fundamenta-se em questões como o relativismo, o desdobramento da personalidade, o
humorismo trágico que nos levam a considerar, principalmente, a noção de sanidade
dessas personagens que dão vida a essas histórias. Julgamos ser possível demonstrar que
essa foi a maneira singular, encontrada por Pirandello, para representar elementos
indicados pela estética decadentista.
53
4.2 – A relatividade da verdade e a loucura em Cosi è (se vi pare)
No item anterior, tivemos a oportunidade de verificar a importância de
L’umorismo para a definição da poética de Luigi Pirandello. Essa obra escrita em 1908,
dedicada à memória do bibliotecário Mattia Pascal, protagonista de seu romance maior,
além de servir de Tese para o exame de admissão do escritor ao magistério superior,
estabelece as bases de sua poética ao definir os conceitos de homem, vida, história e
arte.
Vale ainda lembrar que, nessa mesma obra, podemos recuperar a trajetória
percorrida pelo escritor para transitar da comicidade original, que caracterizava suas
novelas, ao refinado humorismo que alavanca seus romances e peças teatrais.
Exemplo típico desse elaborado humor é oferecido por Cosi è (se vi pare), peça
que, como já foi informado anteriormente, deriva de novela escrita em 1915, intitulada
La signora Frola e il signor Ponza, suo genero. A apresentação em teatro ocorrerá em
1917, após sua adaptação para uma parábola em três atos.
A ambigüidade que nasce da relatividade da verdade que acompanha a dramática
história de seus personagens poderia ser entendida simplesmente como um fato jocoso,
em que não é possível determinar quem está falando a verdade, nesse caso, a sogra ou o
genro. A dúvida persistirá, visto que nem mesmo a esposa, quando indagada, dissipa
esse mistério ao responder, dramaticamente, ser aquela que cada um deles acredita que
ela seja.
A dúvida se faz presente desde o título, ao apresentar uma dupla configuração. A
expressão “così è” indica certeza, porém se vi pare significa que a certeza já não existe.
O tema dessa peça é a impossibilidade de se saber a verdade. Não existe uma
verdade absoluta, uma vez que ela será sempre relativa, dependendo de cada pessoa que
a interpreta, pois cada um tem um modo de pensar e de ver as coisas. A verdade é
subjetiva, está na essência e não nos aspectos mutáveis, exteriores e ilusórios da
realidade, ou seja, na aparência.
A história da senhora Frola e do senhor Ponza evidencia que o centro da
produção pirandelliana é ocupado por um novo tipo de homem muito distante daquele
homem, criatura de Deus, que dele nasce e para ele retorna, conforme a metafísica
tradicional o definia. Esse novo homem proposto por Pirandello não irá responder nem
mesmo aos preceitos humanísticos, que atribuíam ao homem a capacidade de ser o
artífice de sua própria vida e destino.
54
Nessa peça, é possível observar que o novo homem que emerge da maioria das
obras pirandellianas é um frágil ser que se encontra no mundo, em uma sociedade e em
ambiente específicos, sem que essa condição lhe faculte uma vida autônoma, escolhida
por ele próprio, tal como podemos observar na figura de Laudisi. Esse personagem tem
a função de questionar a relatividade dos estranhos fatos que envolvem a sogra e o
genro:
Laudisi: - Perchè io sono realmente come mi vede
lei. – Ma ciò non toglie, cara signora mia, che io non
sia anche realmente come mi vede suo marito, mia
sorella, mia nipote e la signora qua.
14
O protagonista do drama pirandelliano limita-se a se ver vivendo, consciente de
seu perene desdobrar-se, diante das distintas situações que constituem sua realidade
existencial e, acima de tudo, ciente de sua própria incapacidade de determinar seu
destino.
Desse modo, vemo-nos diante de um estranho indivíduo que perdeu todas as
certezas oferecidas pela fé, pela ciência, pelas ideologias ou até mesmo pelas ilusões.
Um ser tão solitário que não pode contar com a compreensão e solidariedade de seus
semelhantes.
O destino desse indivíduo não pode ser outro senão o contínuo deslocar-se
dentro dessa sociedade, carregando consigo o peso da indiferença geral.
15
Assim, podemos perceber que o senhor Ponza ou a senhora Frola não passam de
marionetes, de engrenagens, ou máscaras vazias, em contínuo movimento para alcançar
uma identidade, mesmo que provisória.
É exatamente essa identidade provisória que nos irá chocar na história do genro
e da sogra, que não conseguem provar, através de um documento, a identidade daquela
que afirmam ser a filha da senhora Frola, ou a segunda esposa do senhor Ponza. Daí ser
impossível determinar se ela é Giulia ou Lina, já que não há documentos
comprobatórios dessa identidade.
O tom de comédia que caracteriza essa história é apenas superficial, já que o que
emerge dessa situação é a amarga constatação da fragilidade dos instrumentos que
14
PIRANDELLO, Luigi. Così è (se vi pare). Org.: Balboni, Paolo - Roma: Bonacci Editore - Classici
italiani per stranieri, 1995. p. 11.
15
CASELIN – NICOLAO, Letteratura Italiana. Milão: Trevisini Editori. 1995. p. 695-696.
55
asseguram a nossa identidade, avalizada por reles pedaços de papel, que podem,
facilmente, se extraviar ou ser falsificados.
A estranha situação vivida pela senhora Frola e o senhor Ponza vai unir os temas
da relatividade da verdade, da solidão e da incomunicabilidade com a questão da
loucura, e, nesse caso, ficará difícil distinguir quem é a pessoa sã.
O senhor Ponza diz que a louca é a sua sogra, a senhora Frola, que insiste em
considerar como filha, sua segunda mulher, Giulia.
Sr . Ponza :- La condizione di questa donna é
pietosissima La signora Frola è pazza.
16
Sr. Ponza :- Non pare, ma è pazza .E la sua pazzia
consiste appunto nel credere che io non voglia farle
vedere la sua figliuola .Quale figliuola, in nome di
Dio, se è morta da quattro anni la sua figliuola?
Sr . Ponza: - ... non si creda in paese una tale
enormità: che per gelosia o per altro io impedisca a
una povera madre di veder la figliuola
Amalia :- (sbalordita ) . Uh... è pazza,dunque!
Signora Sirelli :- Povera signora! Pazza.
Agazzi: - E ti pare che, se non fosse pazza , potrebbe
accettare queste condizioni di non veder la figliuola
se non da una finestra, con la scusa che adduce, di
quel morboso amore del marito che vuol la moglie
tutta per sè?
A história contada por Pirandello mostra que a estranha situação vivida pelo
senhor Ponza e sua sogra, senhora Frola, provoca a curiosidade de toda a cidade, visto
que ninguém entende o porquê de mãe e filha se falarem apenas por bilhetes, que são
puxados por um cesto, sem que uma freqüente a casa da outra.
A confusão se inicia quando o Sr. Ponza, sua mulher e a Sra. Frola fixam
residência em Valdana, após terem se mudado de sua cidade de origem, destruída por
um terremoto. Dizem que o Sr.Ponza alojou a Sra.Frola, sua sogra, no apartamento
localizado em frente ao do Sr.Agazzi e que a impediria de ver a filha, que mora em
outro prédio.
Não está claro para os habitantes da cidade o parentesco que envolve essas
pessoas e, movidos pela curiosidade, querem descobrir a causa do estranho comporta-
mento dos novos vizinhos.
16
PIRANDELLO, Luigi. Così è (se vi pare). Org.: Balboni, Paolo - Roma: Bonacci Editore - Classici
italiani per stranieri, 1995. p. 24.
56
Esses curiosos vizinhos, reunidos na casa do Sr. Agazzi, com a participação da
Sra. Amália, sua filha Dina e o irmão Lamberto Laudisi decidem convocar o Sr. Ponza e
a sogra para esclarecer os fatos. Essa atitude serve apenas para aumentar a confusão,
visto que cada um deles dá a sua versão da história.
A versão do Sr. Ponza aponta como louca a sogra, que não quer acreditar que a
filha esteja morta há mais de quatro anos. No entanto, quando defrontada com a versão
do genro, a Sra. Frola conta a história que julga ser verdadeira, defendendo-se
ferrenhamente da torpe acusação.
Signora Frola: - ... Possono loro credere sul serio che
la mia figliuola sia morta?che io sia pazza?che
questa che ha con sé sia una seconda moglie? – Ma è
un bisogno, credano, un bisogno per lui dire così!
Gli s’è potuto ridar la calma, la fiducia, solo a questo
patto.Avverte lui stesso però l’enormità di quello
che dice, costretto a dire, si eccita, si sconvolge:lo
avranno veduto!
17
Diante desse quadro, o espectador não tem condições de saber quem diz a
verdade, já que ambos se acusam reciprocamente de loucura. A Sra Frola explica que o
seu genro, o Sr. Ponza, é louco, pois acredita ter ficado viúvo e desposando, assim, uma
nova mulher, com quem ela, Sra. Ponza, não tem nenhum parentesco.
O Sr. Ponza, por sua vez, afirma que sua sogra é que ficou louca, porque, não
querendo conformar-se com a morte da filha, está convencida de que ela ainda vive com
o marido.
Ainda, no intuito de explicar a loucura do genro, a Sra. Frola oferece outras
explicações para a estranha situação, dizendo ter sido esta a única maneira para ajudar o
pobre genro:
Agazzi: - Ma come? Non è vero niente che la sua
figliuola è morta?
Signora Frola: - Oh no! Dio liberi!
Agazzi: - Ma allora il pazzo è lui!
Signora Frola: - No, guardino! guardino! Non è
pazzo! Mi lascino dire! _ Lo hanno veduto:è così
forte di complessione;violento... Sposando, fu preso
da una vera frenesia d’amore. Per consiglio dei
medici e di tutti i parenti, anche dei suoi (che ora,
poverini non sono più) gli si dovette sottrarre la
17
Idem. p. 29.
57
moglie di nascosto, per chiuderla in una casa di
salute. E allora lui, già un po’alterato, naturalmente,
a causa di quel suo soverchio amore, non
trovandosela più in casa – ah, signore mie, cadde in
una disperazione furiosa; credette davvero che la
moglie fosse morta.Tanto che, quando (dopo appena
un anno) la mia figliuola già rimessa, rifiorita, gli fu
ripresentata, disse di no, che non era più lei: no, no:
la guardava – non era più lei. Le si accostava, pareva
che la riconoscesse, e poi di nuovo no, no. E per
fargliela riprendere, con l’aiuto degli amici, si
dovette simulare un secondo matrimonio.
18
Como se pode observar, a história contada pela Sra. Frola tem lógica, visto que
há uma explicação coerente para o fato de ela se comunicar com a filha apenas por
bilhetes. Contudo, a explicação dada pela pobre senhora perde todo o sentido, quando
surpreendida pelo genro, que reage de forma dura a essa acareação, voltando a afirmar
que a louca é a sogra.
Ponza – Lei, qua? Qua di nuovo? Che è venuta a
fare?
Signora Frola – Ero venuta, abbi pazienza...
Ponza – è venuta qua a dire ancora ... Che ha detto?
Che ha detto a codeste signore?
Signora Frola – Niente, ti giuro! Niente!
Ponza – Niente? Come niente? Ho sentito io! Ha
sentito com me questo signore! – Indicherà
Agazzi.
19
Esse é o áspero diálogo que se estabelece entre genro e sogra, quando o senhor
Ponza encontra, de novo, a Sra. Frola que tocava piano na casa de Agazzi, explicando
ser aquela a música preferida de sua filha. Fora proibida, depois da crise de loucura que
acometera seu genro, de tocar piano.
A feroz discussão entre ambos segue adiante. A sogra tratará o genro como se
ele fosse uma pessoa doente, procurando não contrariá-lo.
Ponza – E come si chiamava, si chiamava Lina, è
vero? La sua figliuola. Ora dica qua come si chiama
la mia seconda moglie! Lo dica a tutti, perché lei lo
sa bene! Come si chiama?
Signora Frola – Giulia! Giulia si chiama! Sì, sì, è
proprio vero, signori; si chiama Giulia!
18
Idem. p 30-31.
19
Idem. P. 36.
58
Ponza – Giulia, dunque, non Lina! E non cerchi di
ammicare intanto, dicendo che si chiama Giulia!
Signora Frola – Io? No! Non ho ammiccato!
Ponza – Me ne sono accorto! Ha ammiccato! Me ne
sono accorto bene! Lei vuol rovinarmi! Vuol dare a
intendere a questi signori che io voglia tenermi
ancora tutta per me la sua figliuola, come se no fosse
morta.
Romperà in spaventosi singhiozzi.
20
A cena entre genro e sogra se conclui com o pranto desesperado do Sr. Ponza e
com a sogra que o trata com ternura, fazendo de conta acreditar em todas aquelas
sandices que ele dizia.
A saída da velha senhora provocará uma reação inesperada, fazendo com que
Ponza assuma um novo comportamento:
Signora Frola - Farà cenni supplichevoli a tutti,
arretrando, d’aver riguardo al genero, e si ritirerà
piangendo
Resteranno tutti compresi di pietà e di terrore, a
mirare il signor Ponza. Ma subito, questi, appena
uscita la suocera, cangiato, calmo, riprendendo la
sua aria normale dirá semplicemente:
Ponza – Chiedo scusa a lor signori di questo triste
spettacolo che ho dovuto dar loro per rimediare al
male, che, senza volerlo, senza saperlo, con la lor
pietà, fanno a questa infelice.
Agazzi (sbalordito come tutti gli altri) Ma come? Lei
ha finto?
Ponza – Per forza, signori! E non intendono che
l’unico mezzo è questo, per tenerla nella illusione?
Che io le gridi cosi la verità, come se fosse una mia
pazzia? Mi perdonino, e mi permettano: bisogna che
io corra ora da lei.
21
A confusão e o espanto que se instala na sala, após a saída de Ponza, são
compreensíveis, visto que agora, mais do que antes, fica impossível decidir qual dos
dois está falando a verdade, restando, como única solução, recorrer ao Prefeito, para que
se faça uma acareação com a esposa ou filha, que mora com o Sr. Ponza, considerada
por alguns vizinhos um fantasma. Somente esta pessoa, caso exista de fato, poderia
esclarecer sua verdadeira identidade.
20
Idem, p. 39
21
Idem p. 42
59
Esse novo estratagema, articulado pelos vizinhos de Frola e Ponza, coloca-nos
diante de uma mulher, com o rosto coberto por um véu negro, que, ao ser indagada se
era de fato Lina, a filha da Sra. Frola, ou Giulia, a segunda esposa do Sr. Ponza,
responde, de forma enigmática, ser a filha da Sra. Frola e a segunda mulher do Sr.
Ponza, para, finalmente, concluir, afirmando: sou aquela por quem me tomam. Essa
misteriosa mulher nega-se a uma identidade para assegurar ao marido e à mãe a
veracidade das identidades engendradas.
Signora Ponza :- che cosa ? la verità? È solo questa:
che io sono, sì la figlia della signora Frola –
Signora Ponza :- e la seconda moglie del signor
Ponza
Signora Ponza: - sì ; e per me nessuna! Nessuna !
Signora Ponza :- Nossignori . Per me , io sono colei
che mi si crede
22
Dessa maneira, fica fácil entender que o mistério que cerca a identidade dessa
mulher continua, uma vez que a filha da Sra. Frola ou a segunda mulher do Sr.Ponza
não revela o segredo de sua identidade, porque ela não tem identidade própria. Aceita
ser ora Lina ora Giulia, renunciando à própria identidade, submetendo-se, passivamente,
à máscara social que lhe é imposta pelos outros.
O drama da Sra. Frola e do Sr. Ponza foi definido pelo próprio Pirandello como
“una gran diavoleria”
23
, por enfrentar, de forma humorística, a relação entre realidade e
ilusão, enfatizando a inexistência de uma verdade absoluta, já que cada homem tem a
sua verdade, que variará conforme a perspectiva sob a qual são examinados.
Assim podemos entender que a verdade da Sra. Frola não é igual àquela de seu
genro, Sr. Ponza e vice-versa, e não nos restará outra alternativa senão a de aceitar a
dubiedade da história, visto que nem mesmo sua figura central, a filha da Sra. Frola, ou
a segunda esposa do Sr. Ponza, contribuiu para a elucidação desse mistério,
submetendo-se à loucura de ambos.
A fragilidade mental que caracteriza os personagens dessa peça ilustra, de forma
magistral, a marca decadentista do teatro pirandelliano ao tematizar, de forma singular,
a questão da loucura, doença que não magoa apenas quem dela sofre. A insanidade
envolve todos aqueles que lhe são próximos, transformando a vida diária num
22
Idem, p. 66.
23
GETTO & SOLARI. Il Novecento. Milão: Minerva Italica, 1980. p. 46.
60
verdadeiro exercício de dor e aflições, principalmente, quando não se tem ou não se
quer ter consciência desse mal.
É exatamente o tema da loucura que nos facultará a leitura e a análise de Enrico
IV, obra em que o protagonista se esconde atrás da doença.
61
4.3 – O desdobramento da personalidade e a máscara em Enrico IV
Na introdução de nossa pesquisa esclarecemos que nossa opção pelo teatro
pirandelliano se basearia nas peças Cosi è ( se vi pare ) e Enrico IV, por entendermos
que ambas ilustram de forma magistral o drama da solidão e da loucura que acometia
muitos de seus personagens.
Dentre as várias temáticas abordadas nos textos em análise vale a pena, ainda,
destacar o tema das máscaras, tal como ocorre com o protagonista de Enrico IV, que,
após um trauma que o leva a perder a razão, assume, para sempre a máscara do
Imperador Enrico IV, dando origem a uma nova parábola, em três atos, em que a
loucura e a mentira serão exercitadas de forma extraordinária.
Essa história de Pirandello inspira-se, logicamente, naquela do imperador
alemão homônimo, que, para revogar o ato de excomunhão com que fora punido pelo
Papa, permaneceu por três dias ajoelhado diante do Castelo de Canossa, ato que justifica
sua fama de louco. Sob essa inspiração, temos a história do Enrico IV, de Pirandello,
que tem como ponto de partida o período carnavalesco, ocasião em que a censura, que
cotidianamente regula a sociedade, abranda o seu rigor.
Uma família aristocrática da Úmbria resolve organizar para os festejos de
Momo uma cavalgada à fantasia. Cada um de seus participantes deveria escolher um
personagem histórico, juntamente com uma rainha ou uma princesa. O protagonista de
nossa história decide travestir-se de Enrico IV, tendo estudado, durante um mês, todos
os detalhes do personagem escolhido.
No decorrer dessa cavalgada, nosso herói, tendo ao seu lado a volúvel Matilde,
por quem nutria grande paixão, cai do cavalo e acaba por perder a memória, ficando
irremediavelmente preso à identidade do Imperador Enrico IV.
Diante desse infortúnio, sua irmã opta por construir um cenário que pudesse
dar veracidade às sandices do jovem, que, quando sofrera a queda, tinha apenas 26 anos.
A estranha situação conta ainda com a colaboração de quatro antigos servidores da
família, que assumem a função de conselheiros secretos do insano imperador, dando um
tom de normalidade à bizarra representação cotidiana de sua nova existência.
A decisão da irmã do falso Enrico IV, de organizar um cenário fictício que lhe
servisse de realidade, destaca que o exercício da mentira não se restringirá unicamente
ao doente mental, sendo utilizado e pactuado entre ela e seus empregados.
62
Após vinte anos dessa situação, a irmã de Enrico, inconformada com sua
doença mental, já em seu leito de morte, faz um último pedido aos amigos, que consiste
na tentativa, de por meio de um choque, arrancá-lo das garras da loucura.
Os atores dessa nova mentira seriam Matilde, antiga paixão e pivô da queda de
Enrico, sua filha Frida, que se assemelha fisicamente à mãe, na época em que Enrico
sofre a queda do cavalo, Carlo Di Nolli, sobrinho de Enrico e noivo de Frida. Participam
ainda dessa farsa Tito Belcredi, antigo rival de Enrico e responsável pela queda que o
conduz à loucura, hoje amante de Matilde, e o médico “alienista” que deve
supervisionar todo o plano, que, para surtir melhor efeito, exigirá que todos os
participantes se apresentem vestidos a caráter.
A habilidade verbal de Pirandello faz com que os fatos narrados por Enrico IV,
nessa ocasião, embora referentes a acontecimentos de muitos séculos atrás, mantenham
uma atualidade ambígua, despertando, inclusive, a desconfiança de Matilde sobre sua
insanidade.
A continuidade da cena, no segundo ato, permite observar a reação de Enrico
diante da presença da mulher amada e de seu amante, além da tentativa do médico de
interpretar as serenas palavras do doente.
Após a saída do grupo, Enrico revela aos fiéis servidores que, há tempos, havia
recuperado o juízo, explicando que continuava a fingir-se de louco, porque sabia da
inutilidade de revoltar-se contra as falsidades e as mentiras dos homens, resultado do
absurdo que é a existência.
Enrico IV (si volta subito alle loro esclamazioni e
grida, imperiorso) Basta! Finiamola! Mi sono
secato!
Poi subito, come se, ripensarci, non se ne possa dar
pace, e non sappia crederci: - Perdio, l’imprudenza
di presentarsi qua, a me, ora – col suo ganzo
accanto... – E avevano l’aria di presentarsi per
compassione, per nonfare infuriare um poverino già
fuori del mondo, fuori del tempo, fuori della
vita!..............................................................
Parole! Parole! Che ciascuno intende e ripete a suo
modo. Eh, ma si formano purê cosi le cosi dette
opinioni correnti! E guai a chi un bel giorno si trovi
bollato da una di queste parole che tutti ripetono! Per
esempio: “pazzo!” – Per esempio, che so? –
“imbecile” – Ma dite um po’, si può star quieti a
pensare che c’è uno che si affana a persuadere agli
altri che voi siete come vi vide lui, a fissarvi nella
63
stima degli altri secondo il giudizio che ha fatto di
voi? – “Pazzo” “pazzo”! – Non dico ora che lo
faccio per ischerzo! Prima, prima che battessi la
testa cadendo da cavallo..
24
E fácil imaginar a reação dos empregados às duras e verdadeiras palavras ditas
por Enrico.Diante da inesperada lucidez do louco contumaz, os servos custavam a
acreditar nos próprios ouvidos, pois apenas os loucos têm condições de compreender a
vida, a mobilidade das formas, sua ilogicidade e o absurdo que cerca as relações
humanas.
A agitação de Enrico vai num crescendo, procurando convencer seus fictícios
conselheiros de sua sanidade:
Enrico IV – S’arresta d’un tratto, notando i quattro
che si agitano, più che mai sgomenti e sbalorditi.
Vi guardate negli occhi? – Rifà smorfiosamente i
segni del loro stupore.
Ah! Eh! Che rivelazione? – Sono o non sono? E, via,
sì, sono pazzo!”
Si fa terribile – Ma allora, perdio, inginocchiatevi!
Inginocchiatevi!
Li forza a inginocchiarsi tutti a uno a uno:
....................................................................................
Su, via, pecore, alzatevi! – M’avete obbedito?
Potevate mettermi la camicia di forza... –
Schiacciare uno col peso d’una parola? Ma niente!
Che è? Una mosca! – Tutta la vita è schiacciata cosi
dal peso delle parole! Il peso dei morti – Eccomi
qua: potete credere sul serio che Enrico IV sai
ancora vivo? Eppure, ecco, parlo e comando a voi
vivi. Vi voglio cosi! – Vi sembra uma burla anche
questa, che seguitano a farla i morti la
vita?......................................................................
Credete di vivere? Rimasticate la vita dei morti!
25
É com estas palavras que Enrico IV tenta despertar seus criados do espanto
diante da revelação de sua cura. Ele procura, através da lucidez que a loucura fingida
lhe havia proporcionando, mostrar a essas humildes pessoas que elas agiam conforme
marionetes, deixando-se comandar por um personagem histórico que já havia morrido
há anos, fiando-se na mentira de um pretenso louco, que, mesmo antes da queda que
24
PIRANDELLO, Luigi. Enrico IV – In Giudice & Bruni. Problemi e scrittori della letteratura italiana.
3 tomo, Turim: Novecento. Paravia, 1977. p. 292-94.
25
Idem p. 293.
64
sofrera, já era considerado insano, por não se dobrar ao conformismo das convenções e
das hipocrisias sociais.
O protagonista desse drama demonstra que o peso das palavras funcionam como
etiquetas de chumbo, aprisionando, sob uma determinada máscara, vidas que poderiam
se concretizar de outra forma.
As ásperas palavras usadas por Enrico, para demonstrar aos servos sua cura,
esclarecem que, mesmo antes da queda do cavalo, ele já era considerado louco, um
indivíduo alienado, que a sociedade coloca à margem, sendo, por isso, discriminado por
seus semelhantes.
A culpa de Enrico reside no fato de ter acreditado na lógica imposta pela
sociedade, que determina, para cada um de nós, um papel específico, definindo como
loucos aqueles que se rebelam ao papel que lhe fora determinado.
O amor de Enrico por Matilde será responsável duplamente pela sua loucura, já
que é por causa dela que Belcredi espeta o cavalo do rival, provocando a queda que o
condena a todos esses anos de insanidade. E será esse mesmo amor, desta feita,
despertado pelo duplo de Matilde, sua filha Frida, idêntica à mãe na época do acidente,
que desencadeará a morte de Belcredi, que sucumbirá à afiada espada de Enrico,
abrigando-o a refugiar-se definitivamente na loucura.
A insistência sobre o tema da loucura e do caráter dúbio e traiçoeiro que se atrela
às palavras, além de sublinhar a falta de comunicação efetiva entre os homens, acentua
o caráter grotesco do drama narrado por Pirandello. Tal atitude demonstra a persistência
da máscara nesse trágico processo que tem início exatamente no período carnavalesco,
colocando sob suspeição, todos os atos praticados sob o domínio da folia.
A conclusão dessa triste história, com a trágica morte de Belcredi, comprova que
Enrico irá preferir o cárcere da loucura à prisão dos homens.
Dessa forma,podemos entender que a máscara, anteriormente usada para enganar
os demais,agora deve ser assumida definitivamente, para que os efeitos legais não
consigam alcançar o falso louco.
Enrico vê-se obrigado a renunciar a uma vida verdadeira, sendo obrigado a viver
uma ilusão, abrindo mão de uma possível identidade.
O drama Enrico IV pertence à terceira fase do teatro pirandelliano, período no
qual se localizam suas obras teatrais de maior destaque, dentre elas Sei personaggi in
cerca d’autore. O tema de maior relevância dessa fase é o desdobramento da
personalidade que se encontra em estreita ligação com a relatividade da verdade,
65
facultando a questão das máscaras, artifício necessário para o enfrentamento do drama
da existência humana.
Ainda nessa fase do teatro pirandelliano, podemos acompanhar o
recrudescimento dos conflitos advindos do confronto entre aparência e realidade, entre
normalidade e anormalidade e entre indivíduo e mundo externo. Todos esses conflitos
destacam o sentimento do contrário, que ocupa o centro da produção pirandelliana,
demonstrando o absurdo em que vivemos, quando a anormalidade torna-se normalidade.
Desse modo, não é de se estranhar a opção de Enrico IV pela insanidade, sendo
obrigado pelas contingências a continuar a viver sob essa máscara, possibilidade única
de participar do banquete ilusório da vida.
O protagonista dessa história absurda vive duas realidades: a da insanidade, ao
perder o juízo e a da dissimulação, a da falsa loucura, quando recobra a saúde mental.
Na sua vida passada, vive como Enrico IV; no presente, ao cometer o crime,
finge continuar demente para não sofrer as penalidades da lei, utilizando, assim, a
mesma máscara com finalidades distintas.
A máscara na produção pirandelliana é uma construção fictícia, concretizando,
para o personagem, sua própria imagem, ou lhe permite recolher a imagem que a
sociedade lhe reconhece.
No caso específico de Enrico IV, podemos identificar sua máscara social,
quando o falso imperador afirma:
Enrico IV - Ma se già mi chiamavano pazzo, prima
tutti!
26
A convicção com que acredita realmente ser o imperador Enrico IV é reforçada
ao afirmar que o outro, aquele da história medieval, é um impostor; sob essa máscara,
apenas ele pode se identificar:
Io so bene che quello (indica il Di Nolli) non può
esser me, perché Enrico IV sono io: io, qua, da venti
anni, capite?
27
O tema da loucura em Pirandello serve como instrumento para representar a
teatralidade da vida, demonstrando, através das sandices de seu Enrico IV, que até
mesmo as personagens consideradas normais não fazem outra coisa senão recitar, de
26
PIRANDELLO, LUIGI. Maschere nude. Milão: Newton Compton, 1993. p. 186.
27
Idem. p. 188.
66
modo inconsciente, seu próprio papel no teatro da vida. A insanidade permite ao
indivíduo recorrer a uma máscara específica que lhe permita enfrentar a realidade,
trazendo, assim, à cena, mais uma estratégia da estética decadentista diante do
desmoronamento de todas as certezas que facultavam, ao homem, a ilusão de uma
identidade.
67
5 – CONCLUSÃO
4. CONCLUSÃO
O exame do contexto literário italiano, principalmente, do período compreendido
entre o final do século XIX e o início do século XX, permite observar que a participação
do escritor siciliano Luigi Pirandello foi de grande importância para a renovação e a
ampliação das principais idéias que constituíam o inventário temático dessa cultura.
Essa fase da história da Itália é ilustrada por um expressivo número de
acontecimentos sócio-político-culturais que retardaram a adesão de seus intelectuais aos
movimentos artísticos. Esses intelectuais, há alguns anos, já freqüentavam as áreas
culturais dos demais países europeus.
Nessa época, a Itália ainda se debatia com os sérios problemas advindos de seu
processo de unificação político e lingüístico, que vai coincidir com o convívio de
estéticas literárias que se aproximavam e se distanciavam reciprocamente, tal como foi
o caso do romantismo, do verismo e do decadentismo. Estações distintas pelas quais
transitou o gênio de nosso escritor.
O quadro sintético de suas produções, que iniciou nosso estudo investigativo da
obra de Luigi Pirandello, mostrou que suas primeiras obras, os romances L’esclusa e Il
turno, além de algumas coletâneas de novelas, são marcadamente românticas, apesar de
já indiciarem uma nova leitura do drama existencial vivido por seus personagens.
É evidente, nessa fase da produção pirandelliana, a retomada de questões
provenientes de temáticas anteriormente abordadas por seus mestres Luigi Capuana e
Giovanni Verga, especialmente, quando o problema diz respeito à família, um dos
ícones mais preciosos dessa cultura.
Suas primeiras obras, ainda, muito próximas de um padrão lingüístico
marcadamente siciliano, se modificam, paulatinamente, com a transferência do autor
para Roma, cidade em que ingressou nas atividades do magistério superior.
Sua experiência romana registrou, também, a catástrofe econômica que envolveu
sua família, além do agravamento das condições de saúde de sua mulher, cuja vida
extinguiu-se tragicamente em um hospício.
A tragédia que se abate sobre sua vida pessoal foi incorporada por seu discurso,
68
representada de forma extraordinária em seu romance mais famoso: Il fu Mattia Pascal,
mostrando a fuga desesperada de um homem angustiado com a sua vida cotidiana.
A análise das obras que se seguiram a esse romance comprova que a situação de
desconforto e angústia que afligia Mattia Pascal se fará sempre presente, ainda de forma
mais profunda,fato que se verifica, por exemplo, em Uno, Nessuno,Cento Mila, quando
se assiste a destruição da identidade de Vitangelo Moscarda, seu protagonista.
O drama vivenciado por Moscarda e por outros personagens, além de assinalar o
sentimento de deriva que marca o homem do final do século XIX, sinaliza a
aproximação de Pirandello a elementos característicos da estética decadentista. Essa
sensação de insegurança e desconforto que caracteriza esse homem foi provocada pelo
desmoronamento dos ideais românticos, pela falência das expectativas geradas pelas
correntes naturalista/realista, decorrentes, também, dos graves problemas históricos
enfrentados pela recente Nação que acabara de se formar.
A adesão de Pirandello ao Decadentismo proporcionou a atualização da cultura
italiana, que, dessa forma, deixa, um pouco de lado, as questões sociais e aprofunda a
reflexão sobre o drama do homem, sem, no entanto, ficar aprisionado a questões de
estilo, como o fizeram Pascoli, Fogazzaro e, principalmente, D’Annunzio.
No que tange à produção teatral de Pirandello, podemos afirmar que sua
contribuição para as letras italianas foi de fundamental importância, considerando-se as
raízes históricas dessa forma de representação artística.
Na Itália, a história do teatro, principalmente, nas produções anteriores a
Pirandello, possibilita verificar uma estreita ligação dessas obras com os dialetos em
que foram escritas. Apenas para citar um exemplo, podemos recordar o nome de Carlo
Goldoni, um dos principais divulgadores da Commedia dell’arte, que, ao atualizar, no
século XVIII, a questão das máscaras o faz em seu dialeto veneziano, eternizando tipos
caricatos como o arlequim, a colombina e o pierrô, retratados em suas identidades
preestabelecidas.
Nosso estudo sobre o teatro pirandelliano deixou claro que apesar de o autor ter
inicialmente se dedicado à reprodução de dramas e comédias provenientes do ambiente
siciliano, paulatinamente, tal como ocorre com suas novelas e romances, dele se afasta,
promovendo o trânsito do regional para o urbano, focalizando questões do indivíduo,
que independem da língua ou do dialeto em que se apresentam.
Nossa pesquisa permitiu observar que inicialmente, a proposta artística de
Pirandello não foi bem recebida, principalmente, por abordar mazelas da alma humana
69
que incomodavam e que inviabilizavam o estabelecimento de qualquer tipo de
identidade e certeza, ao denunciar a relatividade da verdade, o conflito entre ilusão e
realidade e a necessidade da utilização de máscaras, para que se pudesse concretizar a
atuação do indivíduo na vida quotidiana.
A opção pela análise das peças Cosi è (se vi pare) e Enrico IV deveu-se,
conforme já dissemos antes, à possibilidade de nelas identificar características que
confirmam a contribuição de Luigi Pirandello para a renovação do teatro italiano.
Certamente, as inovações introduzidas por Pirandello na cultura italiana não
foram aceitas imediatamente, fato que provocou, inclusive, a aproximação de suas peças
ao teatro do absurdo, devido à singularidade das temáticas abordadas.
A forte presença do tema da loucura, nas duas peças selecionadas, demonstra o
caminho escolhido por Pirandello para enfrentar e interpretar a crise existencial do
homem nesse angustiado período de sua caminhada e sua estreita ligação com o
movimento decadentista, ao prefaciar as vanguardas que irão ocupar a cena cultural
italiana.
70
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__________________ . L’ uomo dal fiore in bocca, http: // www. Pirandelloweb. com
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76
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