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LUCAS DRUMOND MATOSINHOS
DÉCADENCE AVEC ÉLÉGANCE: O
DANDISMO HERÓICO DE CHARLES
BAUDELAIRE (1846-1867)
UFMG
BELO HORIZONTE
2009
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LUCAS DRUMOND MATOSINHOS
Décadence avec élégance: o dandismo
heróico de Charles Baudelaire (1846-1867)
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em História da
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal de Minas Gerais, como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em História.
Linha de pesquisa: Culturas políticas
Orientadora: Prof. Dra. Adriana Romeiro
UFMG
BELO HORIZONTE
2009
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Dissertação de Mestrado apresentada em 02 de dezembro de 2009
à Banca Examinadora constituída pelos seguintes Professores:
____________________________________________________
Prof. Dr. Georg Otte
Faculdade de Letras - Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
____________________________________________________
Profa. Dra. Carla Anastasia
Departamento de História -Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas - Universidade
Federal de Minas Gerais - UFMG
_____________________________________________________
Orientadora: Profa. Dra. Adriana Romeiro
Departamento de História -Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas - Universidade
Federal de Minas Gerais – UFMG
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço a minha orientadora professora Adriana Romeiro pela generosidade e
pela coragem de assumir a orientação desta pesquisa em um momento decisivo para os
rumos do trabalho realizado.
Aos professores Georg Otte e Eliana Dutra que participaram do exame de
qualificação contribuindo com críticas e sugestões enriquecedoras. A professora Carla
Anastasia pelas contribuições fundamentais feitas durante a defesa da dissertação.
À Imara devo quase tudo, mas gostaria de deixar claro minha gratidão por seu
companheirismo, paciência, esforço e sensibilidade, além de todo o carinho, sem os
quais o texto desta dissertação jamais chegaria a um ponto final.
A Juliana Bemfica agradeço por todo apoio, ajuda sincera e gratuita na terrível
luta que travamos juntos contra o demônio do Prazo.
A Maria Juliana Gambogi pelo incentivo, orientação, amizade e inteligência
devo a existência desta pesquisa desde os tempos de graduação.
Agradeço também a Henrique Estrada por todas as orientações sóbrias e pelos
momentos não sóbrios também –, pela amizade e apoio que datam do tempo em que
ainda nos debatíamos contra a peste republicana.
Aos meus pais Hélio e Socorro pela paciência e por me oferecerem as condições
de terminar esta dissertação. A minhas irmãs bia e Izabella por me suportarem
durante tanto tempo.
Ao Ricardo e ao Magela pelo suporte musical, incentivo e amizade que, como
diriam os historiadores, enquadra-se num caso de longuíssima duração.
A todos amigos que contribuíram direta e indiretamente para a realização deste
trabalho, minha sincera gratidão.
5
SUMÁRIO
RESUMO
p. 6
RÉSUMÉ
p. 7
INTRODUÇÃO
p. 8
CAPÍTULO I:
Pequena história da futilidade: o dandismo na França
p. 13
I .1 - Entre a Inglaterra e a França
p. 14
I. 2 – A fabricação das aparências
p. 26
CAPÍTULO II:
O domínio das aparências
p. 35
II. 1 – O último rasgo de heroísmo nas decadências
p. 36
II. 2 – Herança controversa
p. 49
CAPÍTULO III:
O dandismo e a estética revolucionária
p. 55
III.1 – Herança revolucionária
p. 56
III. 2 – Entre 1848 e o segundo império
p. 76
CONSIDERAÇÕES FINAIS
p. 100
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
p. 104
6
Resumo:
Tomando por base a obra de Baudelaire, o objeto desta pesquisa se apresenta como uma
proposta de reflexão sobre o dandismo entre a Revolução de 1848 e as duas primeiras décadas
do Segundo Império na França. Procura-se discutir o vínculo, na teoria do dandismo de
Baudelaire, entre estética e política destacando, principalmente, as questões da revolução e do
heroísmo, caros a esse contexto francês do século XIX.
Palavras chave: História da França; Séc. XIX; dandismo; Baudelaire; revolução; heroísmo.
7
Résumé:
Tout en partant de l’oeuvre de Charles Baudelaire, l’objectif de cette recherche est d’explorer
les rapports entre le dandysme, la Révolution de 1848 et les deux premières décennies du
Second Empire. Plus précisément, il s’agit d’explorer les liens entre l’esthétique et le politique
dans le dandysme baudelairien, en particulier par le biais de deux questions chères à l’époque:
la Révolution et l’héroïsme.
Mots-clé: Histoire Française; Siècle XIX; dandysme; Baudelaire; révolution; héroïsme.
INTRODUÇÃO
9
Introdução
O dandismo pode ser compreendido como um fenômeno sociocultural, próprio
ao século XIX, que se manifestou em diversos âmbitos e sob diversas formas: na arte,
na sociedade e na teoria.
1
Na esfera da arte, a ficção de autores como Byron, Stendhal e
Balzac, por exemplo, foi responsável por familiarizar o público com uma certa estética
do dandismo, criando personagens que se destacam, sobretudo, por seu caráter diletante,
transgressor e sua repugnância aristocrática pelos valores burgueses.
2
No nível
histórico-social, encontramos os personagens “reais”, os homens que ostentaram ou a
quem foram imputados –, a etiqueta do dandismo. Etiqueta essa cuja extensão abrangia
um complexo variado de atitudes e significações, coincidentes, ou não, com os modelos
literários: da elegância, fatuidade e afetação, ao arrivismo e à agressividade. Já nos
domínios da teoria, o dandismo é apreendido através de generalizações conceituais que
articulam e dão formas específicas a certas visões de mundo, expectativas e
experiências de alguns homens com seu próprio tempo. Nesse particular, se destaca
Charles Baudelaire, segundo Albert Camus, “o teórico mais profundo do dandismo”.
3
Assim, tomando por base a obra de Baudelaire, o objeto desta pesquisa se
apresenta como uma proposta de reflexão sobre a teoria do dandismo tal como é
1
Essa distinção em três campos de manifestação do dandismo é proposta por Emilien Carassus. A
esse respeito ver: CARASSUS, Emilien. Le mythe du dandy, p. 15-16.
2
Para maiores informações sobre o dandismo literário desses autores e de outros ver: PREVOST,
John C. Le dandysme en France; STANTON, Domna C. The aristocrat as art.
3
CAMUS, Albert. O homem revoltado, p. 72.
10
concebida pelo poeta francês. Como veremos, essa teoria é essencialmente moderna na
medida em que incorpora ao estereótipo do dândi alguns aspectos caros ao contexto de
idéias que perpassam quase todo o século XIX: a fabricação de si, ou a construção de
um personagem, aliada a concepção do que viria a ser uma das manifestações do
heroísmo moderno. A esse respeito, vale observar que no dandismo de Baudelaire a
dimensão estética não parece estar totalmente despida de trajes políticos. Antes pelo
contrário, embora não apresente contornos delineáveis que possibilitem classificá-lo
entre as posturas convencionais, uniformes e bem delimitadas, o dandismo
baudelairiano carrega concepções políticas as quais aparecem estreitamente
relacionadas, ainda que de forma crítica, ao tema do heroísmo revolucionário. É
justamente no escorregar de definições fixas e unívocas que se manifesta o caráter
permanentemente ambíguo com o qual o dândi desempenha seus papéis.
O cenário por onde procuramos seguir o dandismo de Baudelaire é o da
turbulenta história francesa entre os anos que precedem a Revolução de 1848 e as duas
primeiras décadas do Segundo Império francês, no qual o poeta desenvolve uma
reflexão original sobre o papel do heroísmo em um contexto marcado pelas agitações
revolucionárias e pelo advento da democracia. Os marcos cronológicos desta pesquisa
foram delimitados pelo próprio objeto, sendo que a análise sobre o dandismo
baudelairiano em suas relações com os temas ora anunciados começa com alguns
ensaios do poeta de 1846 e termina com as suas reflexões sobre os eventos de 1848
assim como sobre o próprio tema da Revolução – nas décadas de 1850 e 1860.
O Capítulo I teve como objetivo definir um traçado histórico para o dandismo
tendo em vista seu deslocamento entre a Inglaterra e a França. Durante esse percurso
pretendeu-se, na primeira parte, enfatizar não apenas as manifestações literárias do
fenômeno mas, também, as repercussões políticas e sociais implicadas no trajeto entre
11
os dois países. Na segunda parte buscou-se desenvolver o vínculo entre a teoria
baudelairiana do dandismo e algumas questões próprias ao contexto de idéias que
envolvem a modernidade. Assim, tomando por base, principalmente, as análises de
Baudelaire e Hannah Arendt, procurou-se explicitar a ligação entre o fenômeno do
dandismo, a fabricação de si e a construção de um espaço de aparência. Dado o seu
caráter fundamentalmente teórico, esta parte do estudo faz um sobrevôo geral sobre
alguns ensaios da obra de Baudelaire para pinçar independentemente da ordem
cronológica em que se encontram os elementos que permitem vincular o dandismo
tanto à modernidade quanto à ambígua questão suscitada pelo fenômeno do heroísmo
revolucionário na França.
No Capítulo II, inicialmente procurou-se explorar o sentido dos caracteres
heróicos reivindicados por Baudelaire para a teoria do dandismo. Os termos da relação
entre dandismo e heroísmo são analisados por um recorte difuso na obra baudelairiana e
se baseiam, sobretudo, nos pressupostos estabelecidos pelo capítulo anterior. Vale ainda
acrescentar que na primeira parte desse capítulo pretendeu-se estabelecer de forma
introdutória as relações ambíguas que se anunciam entre os fenômenos do dandismo e
do heroísmo. A segunda parte dedica-se através de uma breve discussão bibliográfica
situar a perspectiva que informou a leitura sobre o dandismo baudelairiano. Tratou-se de
delimitar o enfoque deste do trabalho dando ênfase ao tema da revolução enquanto o
componente que imprime a especificidade do dandismo heróico de Baudelaire.
no que diz respeito ao Capítulo III, a intenção da primeira parte foi a de
analisar, em perspectiva histórica, os caminhos do heroísmo na França até 1848. Nesse
percurso ressaltaram-se as alterações e a ambivalência inerentes a este fenômeno
moderno que se divide entre dois pólos fundamentais para a compreensão de alguns
aspectos da cultura política francesa do século XIX: a saber, revolução e reação. A
12
segunda parte foi dedicada à análise da obra de Baudelaire, começando por alguns
ensaios de 1846, passando rapidamente pelo jornalismo político de 1848, e terminando
com algumas impressões do poeta sobre o tema da revolução no contexto do Segundo
Império francês.
CAPÍTULO I
Pequena história da futilidade:
o dandismo na França
14
Capítulo I
Pequena história da futilidade: o dandismo na França
I .1 - Entre a Inglaterra e a França
Impertinência, elegância, excentricidade e culto de si. O dandismo, fenômeno
que atravessou quase cem anos entre Inglaterra e França, procurou, desde sua origem,
amparar os filhos bastardos do século XIX: diletantes, artistas e escritores pretensos
herdeiros de uma aristocracia muito lânguida que, procurando sobreviver a um
presente tido como aviltante, se autoproclamaram e se fizeram reconhecer enquanto
dândis. Mas o que significa isso? Quer dizer que homens das mais variadas estirpes e
caráteres passaram a seguir uma espécie de doutrina estética ou, ainda, uma filosofia de
vida que pressupunha um complexo código de conduta e de artifícios mais ou menos
compartilhados: o apreço pela suprema elegância no vestuário; o desprezo aristocrático
pelo trabalho – com sua ênfase nos prazeres do ócio e da lassidão frente à moral
utilitária do século –; o amor aristocrático pela distinção, enfim, a aversão ao mundo
burguês.
Pode-se dizer que, para alguns dos adeptos do dandismo, tratou-se de investir em
um personagem, de assumir uma espécie de identidade cambiante para causar espanto e
admiração: “o dândi, em meio à produção em massa das mercadorias e da multidão,
15
tenta criar as condições de ‘raridade’, da individualidade”.
4
Ele pretende resistir ao
movimento inexorável de massificação social radicalizando sua diferença, mostrando-se
excêntrico e tentando transformar a si mesmo em uma espécie de obra de arte:
“symbolisant la vocation de la nature humaine au plaisir de vivre, à la joie, à l’amour et
à la paix, ils invitaient l’homme à s’incarner lui-même dans une belle oeuvre”.
5
Entretanto, essa estetização de si, esse aristocratismo que cheira a Antigo
Regime num século convulsionado pelas revoluções burguesas, paradoxalmente, não
perde seu caráter moderno. Se confiarmos que a “aliança dos contrários revela o
moderno como negação da tradição, isto é, necessariamente tradição da negação”,
6
verificaremos que o dandismo é remetido à sua própria contemporaneidade. Os mesmos
homens que afetam ares aristocráticos, se pretendendo elegantes modelos de uma classe
em vias de extinção, e cuja peculiar característica consiste em exibir seu ócio entediado,
se traem: a encenação hipócrita da vida contemplativa dos filósofos antigos e a
ostentação de uma indolência sem fim se dão às custas de um esforço quase tão árduo
quanto o do operário na fábrica. No século que testemunhou a vitória do trabalho e, de
forma não menos decisiva, o domínio do homem sobre a matéria, o dândi traz, na
fabricação de seu próprio personagem, as marcas das forças produtivas modernas: um
“novo impulso criador que estimula o homem, na economia como na arte, a ultrapassar
o estado da sua naturalidade, para chegar, através do trabalho, a um mundo de que ele
4
MATOS, Olgária C. F. Um Surrealismo Platônico: Baudelaire. In: NOVAES, Adauto. (Org.). Poetas
que pensaram o mundo, p. 321.
5
PREVOST, John C. Le dandysme en France, p. 18.
6
COMPAGNON, Antoine. Os cinco paradoxos da modernidade, p. 10.
16
mesmo é criador”.
7
Não por acaso, tornaram-se célebres as palavras de George Bryan
Brummell, o arquetípico dândi inglês: “it’s my folly, the making of me”.
8
Assim é que os primeiros dândis, de origem inglesa, ainda que abominando a
sociedade do comércio, foram capazes de “incorporar na própria encenação” a frieza do
negociante que tinha de reagir perante as flutuações da Bolsa londrina, sem trair suas
reações”.
9
Mesmo o ar blasé por eles afetado que pretende guardar traços de um
desdém aristocrático forçado pela vida burguesa –, deixa escapar uma atitude altamente
intelectualizada e de pleno acordo com a vida psíquica metropolitana na modernidade:
“uma vida em perseguição desregrada ao prazer torna uma pessoa blasé porque agita
seus nervos até o ponto de mais forte reatividade por um tempo tão longo que eles
finalmente cessam completamente de reagir”.
10
A indiferença do tédio é alimentada pela
impessoalidade da economia do dinheiro e pela exposição aos estímulos contrastantes a
que estão sujeitos os habitantes das grandes metrópoles no século XIX. Segundo Barbey
d’Aurevilly, o dandismo teria introduzido “le calme antique au sein des agitations
modernes; mais le calme des Anciens venait de l’harmonie de leurs facultés et de la
plénitude d’une vie librement développé, tandis que le calme du dandysme est la pose
d’un esprit trop dégoutê pour s’animer”.
11
7
JAUSS, Hans Robert. Tradição literária e consciência atual da Modernidade. In: OLINTO, Heidrun
Krieger. Histórias de literatura: as novas teorias alemãs, p. 85.
8
AUREVILLY, Jules Barbey. Du dandysme et de Georg Brummell, p. 21. Uma anedota ilustra bem o
esforço e trabalho empregados no processo de auto-fabricação dos dândis. O modismo recorrente de
se passar goma na gravata de forma a endurecê-la invenção que se atribuiu a Brummell, o dândi
mais célebre da Regência inglesa (1811-1820) –, implicava numa limitação sensível da mobilidade
do corpo: “cette innovation, rendit nécessaire un effort excessif pour tourner la tête. Bien dês
anedoctes de l’époque en témoignent, telle celle que racont Lord Byron à propos de son ami
Mathews, qui, à l’Operá, ne put tourner la tête pour regarder son interlocuteur à cause de ‘son col de
chemise doublé de bougran et (de) son inflexible cravate’. A esse respeito ver: PREVOST, John C.
Le dandysme en France, p. 16.
9
BENAJIMIN, Walter. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo, p. 94.
10
SIMMEL, Georg. A metrópole e a vida mental. In: VELHO, Otávio (org.). O Fenômeno urbano, p.
30.
11
AUREVILLY, Jules Barbey. Du dandysme et de Georg Brummell , p.57.
17
De origem semântica obscura, o dandismo nasce na Inglaterra ainda no início do
século XIX.
12
Seus primeiros adeptos eram aristocratas, mas também plebeus ricos, que
conviviam entre a high society londrina, reunindo-se em famosos clubes, como o
Watiers.
13
Esses recintos exclusivos para homens e nos quais se praticavam ruinosas
jogatinas de cartas e dados eram freqüentados por aqueles que se destacavam por seu
alto nível de insolência, uma extrema elegância aliada a várias doses de soberba, à
paixão pelos esportes, por jogos e pelos cavalos. Essa primeira caracterização conservou
alguns aspectos positivos aos olhos da tradicional nobreza londrina durante um curto
período de tempo. Ao que parece, é na segunda década do século XIX que surge a
associação entre a figura do dândi e os célebres beaux da aristocracia inglesa.
14
Segundo
John C. Prevost, a partir de 1813
le dandy est le fat qui se fait le plus remarquer dans la société anglaise
du XIX siècle. Ce type est la prolongation peu différenciée du beau et
du buck, et comme eux, il est sorti de n’importe quelle couche sociale.
Pendant une cort période (1813-1816), le terme semble avoir désigné
un homme mis avec soin et élégance, et faisant partie de la société
12
um consenso entre os comentadores de que o termo dandy foi reapropriado do francês pelos
britânicos. Em todo caso, especula-se sobre duas possíveis origens etimológicas da palavra. A
primeira remete ao vocábulo dandin, do francês arcaico, que designaria um indivíduo tolo cujo
estranho modo de caminhar lembraria o movimento pendular do bastão de um sino. A segunda
origem estaria ligada ao vocábulo dandi-pratt: uma moeda de pouco valor corrente no século XVI,
durante o reinado de Henrique VII. Por extensão, a palavra era ainda utilizada para designar
indivíduos “simplórios” e “desprezíveis” da sociedade daquela época. A esse respeito ver:
CARASSUS, Emilien. Le mythe du dandy; PREVOST, John C. Le dandysme en France; STANTON,
Domna C. The aristocrat as art.
13
Fundado em 1807, o Watiers se tornou o reduto mais célebre dos dândis durante a Regência inglesa.
Entre seus membros faziam parte Lord Byron e Georg Bryan Brummell.
14
De acordo com Frédéric Schiffter, o termo Beau, também importado do francês pelos britânicos,
designaria “l’homme sachant se distinguer par sa mise impeccable, ses manières exquises, son esprit
piquant. Le mot dandy, d’une origine incertaine, finira par le remplacer”. Acrescente-se a essa
definição, o grau de proximidade dos Beaux com o poder real. Basta lembrar o caso de Brummell:
freqüentemente mencionado como Beau Brummell fato curioso, o dândi planejou seu epitáfio com
as insígnias The broken Beau –, ele gozou durante um certo tempo da intimidade do futuro rei da
Inglaterra, George IV. De acordo com testemunhas da época, o Príncipe Regente chegou mesmo a
bancar o caro custo de vida de alguns dos primeiros dândis nesse caso, também se inclui Brummell
–, que perdiam altíssimas somas de dinheiro em suas jogatinas: They were generally midle-aged,
some even eldery men, had large appetites and weak digestions, gambled freely and had no luck and
had the most of them been patronized at one time or other by Brummell and the Prince Regent”. A
esse respeito ver respectivamente: SCHIFFTER, Frédéric. Le dandy ou l’aplomb de la légèreté. In:
AUREVILLY, Jules Barbey. Du dandysme et de Georg Brummell, p.21; GRONOW apud
PREVOST, John C. Le dandysme en France, p. 19.
18
aristocratique. Mais c’est un usage qui n’a pas longtemps duré. [...] La
mauvaiuse réputation des dandys se répand dans toute la littérature de
l’époque: on les prend pour dês imbéciles, des lâches, dês créatures
inutiles.
15
De 1816 em diante, a afetação e as excentricidades dos dândis bem como dos
seus imitadores não eram novidades para os ingleses. Juntaram-se então outros
estereótipos a essa figura arquetípica: novos praticantes do dandismo, agora também
fazendo parte das “classes inferiores” da sociedade, foram descritos andando pelas ruas
londrinas e viraram alvos fáceis da pena satírica de diversas crônicas contemporâneas.
Em uma das mais célebres publicações – The Hermit in London, artigo de vários
colaboradores anônimos que saiu pela Literary Gazette em julho de 1818 tem-se a
exposição de um dandismo que, além de se destacar por sua vulgaridade e suas
pretensões arrivistas, é recheado com um tempero de atuação e farsa:
These insects from Cheapside, and so on westwards, shut up their
shops, cheat their masters, and font les importants about nine o’clock
(Saturday night at the Opera). The same party crowd the Park on
Sunday; but on Black Monday return like school boys to their work,
and you see them with the pen behind the ear, calculating how to
make up for their hebdomadal extravagances, pestering you to buy
twice as much as you want, and officiously offering their arm at your
carriage door.
16
As descrições depreciativas de tal gênero foram as primeiras a cruzar o canal da
Mancha em direção à França. Na década de 1820 o Hermit in London foi parcialmente
traduzido para o francês e, junto com alguns relatos de viagens – notadamente o Voyage
historique et littéraire en Anglaterre e en Ecosse publicado em 1825 –, ajudou a
difundir o modismo britânico.
17
Amédeé Pichot, autor do Voyage, satiriza os dândis
15
PREVOST, John C. Le dandysme en France, p. 25.
16
“The Hermit in London” apud PREVOST, John C. Le dandysme en France, p. 21.
17
O primeiro dândi mencionado na sociedade francesa teria aparecido em 1816 no salão da princesa
Volkonski, e foi registrado por Lady Morgan na sua publicação, de 1817, intitulada La France. Na
literatura, Stendhal, ainda que com muitas reservas, é talvez o primeiro escritor francês a utilizar o
19
ingleses realizando um duplo movimento. Ele indica, por um lado, a decadência da
aristocracia britânica cuja afetação frívola é a sua prova cabal e reafirma, por outro,
a tradicional supremacia da França em matéria de costumes aristocráticos:
Rien ne réussissait à Londres comme l’insolence. [...] ses formes
graves, son originalité naturelle, son indépendence et sa dignité pour
affecter ces grâces frivoles qui jusqu’ici avaient fait exclusivement
partie du caractère français. Elle ne cache pas son admiration por les
agréments parisiens, elle les croit indispensable pour le bonheur de la
vie. [...] Les anglais de la nouvelle race sont infiniment plus frivoles
que nous.
18
A difusão do dandismo na França, que se deu sobretudo por essa primeira via
literária, foi ainda precedida pela derrota definitiva de Napoleão na batalha de Waterloo
e pela crescente influência da Inglaterra sobre os franceses. Influência que se fez sentir
de forma mais aguda a partir de 1815. A anglomania, como ficou conhecida, fortaleceu-
se pela volta dos emigrados franceses da Inglaterra e pela grande presença de jogadores
londrinos que, endividados, escondiam-se dos seus credores na França.
19
De acordo
com Domna Stanton, nesse período “the english perfumes, restaurants, and clothes
became the rage. Even the passion for sports found french imitators who proliferated
boxing matches, pigeon shoots, and esquestrian societies with appropriate texts on the
rules of racing”.
20
Entre parte dos aristocratas da elite francesa, sobretudo os partidários
da Restauração os ultra-monarquistas, tão interessados quanto os ingleses em enterrar
a herança revolucionária da França –, não foi difícil assimilar os sinais exteriores do
termo ndi para designar os homens fátuos da sociedade inglesa. Assim ele os descreve em seu
Rome, Naples et Florence en 1817: “Nos pauvres ladys sont abandonnées à la société de ces hommes
frivoles qui, par leur peu d’esprit, se sont trouvés au-dessous de tout ambition, et par là de tout emploi
(les Dandys)”. A esse respeito ver respectivamente: PREVOST, John C. Le dandysme en France, p.
69; STENDHAL. Rome, Naples et Florence en 1817.
18
PICHOT apud STANTON, Domna C. The aristocrat as art, p. 33.
19
Sob ameaça de prisão e dos seus credores, Brummell se torna o exemplo mais célebre desse tipo de
caso. O dândi se exilou na cidade francesa de Calais em 1816, depois de romper sua amizade com um
dos seus grandes “patrocinadores”, o Príncipe Regente inglês. A esse respeito ver: AUREVILLY,
Jules Barbey. Du dandysme et de Georg Brummell.
20
STANTON, Domna C. The aristocrat as art, p. 32.
20
estilo de vida da upper-class londrina: “Manger, boire, se vêtir, s’amuser comme les
anglais, c’était se distinguer de la foule”.
21
No entanto, conforme se pode notar nos relatos do Voyage en Anglaterre, essa
enxurrada de modas inglesas trouxe também em seu bojo um indisfarçável sentimento
de anglofobia. De acordo com William Fortescue, “desde 1815 os franceses dotados de
consciência política eram propensos a sofrerem um complexo de inferioridade em
relação à Grã-Bretanha e a alimentar o desejo de reverter o veredicto de Waterloo”.
22
Assim, em um primeiro momento, escritores como Chateaubriant, Balzac, Stendhal e
Musset não viam no estereótipo inglês nada além de excentricidades, futilidades e
vanglória.
23
Para os filhos do Império napoleônico e netos da Revolução Francesa a
figura do dândi não parecia guardar nenhum caractere heróico. Ou ainda, se lhe restava
algum, então a sentença de Baudelaire, anos mais tarde, faria jus às desesperanças dos
primeiros anos de Restauração e de dandismo na França: “Aqui talvez esteja um homem
rico, mas, com maior probabilidade, um Hércules sem emprego”. Quem o atesta é
Alfred Musset que, ao associar o tédio da Restauração ao fim da glória militar oferecida
pelas conquistas napoleônicas, previu uma ociosidade sem fim para os jovens da
França:
Condenados ao repouso pelos soberanos do mundo, entregues a bedéis
de toda espécie, à ociosidade e ao enfado, os jovens viam-se
distanciar-se as vagas escumantes contra as quais haviam preparado os
seus braços. Todos esses gladiadores untados de azeite sentiam no
fundo da alma uma miséria insuportável. [...] A hipocrisia mais severa
reinava nos costumes. As idéias inglesas juntaram-se à devoção e a
alegria desapareceu.
24
21
PREVOST, John C. Le dandysme en France, p. 53.
22
FORTESCUE, William. Revolução e contra revolução na França 1815-1852, p. 83.
23
A esse respeito ver: CARASSUS, Emilien. Le mythe du dandy; PREVOST, John C. Le dandysme en
France; STANTON, Domna C. The aristocrat as art.
24
MUSSET, Alfred. A confissão de um filho do século, p. 22-23.
21
Nos subterrâneos desse quadro poeticamente pintado por Musset corria um
regime de reação que estabeleceu suas bases através da censura à imprensa, da restrita
participação política nas eleições conseqüentemente, no parlamento –, além do
fortalecimento significativo da Igreja Católica.
25
Contudo, a julgar pela análise de
Baudelaire, o estado letárgico no qual os homens da Restauração se encontravam seria
um terreno fértil para o desenvolvimento do dandismo. Segundo o poeta, são em épocas
de transição que “alguns homens sem vínculo de classe, desiludidos e desocupados”
ingressam na profissão da alta fatuidade: eles então “podem conceber o projeto de
fundar uma nova aristocracia, tanto mais difícil de destruir pois que baseada nas
faculdades mais caras do espírito, e nos dons celestes que nem o trabalho nem o
dinheiro podem conferir”.
26
Assim, para a geração de Musset, espreitada por um
passado revolucionário ainda vivo – “agitando-se sobre as próprias ruínas, com todos os
fósseis dos séculos de absolutismo” e por um futuro político turvo, tão logo o
dandismo se tornaria uma opção: “le dandysme fut peut-être un effort pour parvenir à
une sorte de dosage entre l’excentricité et la monotonie, dosage dans lequel humour,
grossièreté, fatuité, rigueur et self-control entrèrent à titre d’ingrediénts”.
27
Esses ingredientes começaram a fermentar entre alguns escritores franceses à
medida que o regime da Restauração ganhou contornos mais rígidos, sob o comando
de Carlos X. É nessa época que surgem os primeiros escritos “moldados à Byron ou à
Bulwer”, dois dos principais autores ingleses responsáveis por uma certa reabilitação do
dandismo na França.
28
O romancista Stendhal nos oferece um bom exemplo a respeito
25
A esse respeito ver: FORTESCUE, William. Revolução e contra revolução na França 1815-1852;
TALMON, J.L. Romantismo e revolta: Europa 1815-1848; WINOCK, Michel. As vozes da
liberdade: escritores engajados do século XIX.
26
BAUDELAIRE, Charles. O pintor da vida moderna. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire,
poesia e prosa, p. 872.
27
CARASSUS, Emilien. Le mythe du dandy, p. 68.
28
A expressão é de Baudelaire. BAUDELAIRE, Charles. Madame Bovary por Gustave Flaubert. In:
BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia e prosa, p. 567. Segundo os Críticos Lord Byron
22
da mudança de atitude em relação à figura do dândi durante esse período. Se em 1817
ele definiu o tipo inglês de forma pejorativa, dez anos depois ele faria figurar em
Octávio Malivert, personagem principal de Armance, uma forte tendência a um
dandismo inspirado em Byron.
29
Em 1830 ele foi ainda além. Em O vermelho e o negro,
a carreira meteórica do personagem principal da trama, Julien Sorel, faz lembrar a um
tempo Napoleão e Brummell. A trajetória do herói incluiu tanto uma dose necessária
de elegância e hipocrisia ensinamentos de um dândi russo que tornaram Julien apto à
vida dos salões parisienses –, quanto um arrivismo recheado de táticas militares de
conquista inspiradas nas memórias de Napoleão, sua leitura predileta.
30
Depois da Revolução de Julho de 1830, responsável por depor Carlos X do trono
e pela subida de Luís Felipe ao poder, o dandismo pouco a pouco abriu caminho entre
os franceses. A associação da figura do dândi a personalidades que, a essa altura,
encontravam-se em pleno processo de petrificação mítica notadamente Napoleão, o
pretenso ex-Imperador da Europa; e Brummell, o arruinado rei da moda inglesa –,
indicam duas tendências para o dandismo na França. A primeira, vinculada ao
“despertar da épica napoleônica”, conferiu ao dandismo francês um fundo teórico de
auto-suficiência e aberta agressividade: Napoleão, “the ultimate self-made hero,
inspired in his admires the desire to emulate the naked, [...] brutal aggression on which
he had founded his unparalleled carrer. In post-napoleonic society, this desire was all
teria sido o primeiro grande responsável pelo acolhimento do dandismo na França, sobretudo após a
década de 1830, data a partir da qual poemas como Don Juan e Child Harold entraram em grande
circulação entre os franceses. Bulwer Lytton, apresenta em seu romance Pelham or the adventures
of a gentleman, a primeira representação ficcional do Beau Brummell. O romance de Bulwer,
tamanho o sucesso, foi reimpresso na França oito vezes entre 1828 e 1840. A esse respeito ver:
CARASSUS, Emilien. Le mythe du dandy; PREVOST, John C. Le dandysme en France; STANTON,
Domna C. The aristocrat as art.
29
STENDHAL. Armance. Para Domna C. Stanton, Stendhal é um dos primeiros autores a fundir os
traços de heróis Byronicos com uma certa dosagem de dandismo: Octávio Malivert possuiria assim,
simultaneamente, “the Byronic hero’s misanthropy, somber melancholy, terifying outbursts and
impassive coldness. The criminal tendences to which he confesses, are designed both to fascinate
others and to prevent discovery of his ‘monstrous’ secret, his impotence”. A esse respeito ver:
STANTON, Domna C. The aristocrat as art, p. 230.
30
STENDHAL. O vermelho e o negro.
23
the more imperative in the abscence of meaningful military life”.
31
A segunda, chamada
“dandismo de bom tom”, que se desenvolve entre 1830 e 1836, demonstra a entrada do
estereótipo inglês na alta sociedade parisiense bem como nas revistas de moda: “la
concepcion d’un dandysme de bom ton admise, on accepta bien vite dandy et dandysme
pour caractériser dês individus appartenant à la meilleure société élégante de la
capitale”.
32
Pode-se dizer que a admissão do dândi nos círculos da moda parisiense – ou
o uso do vocábulo, na falta de uma palavra melhor, para designar os fátuos elegantes da
alta sociedade – não foi capaz de conferir uma significação profunda ao dandismo
francês. Tanto que, a partir da década de 1840, o estereótipo do dândi refinado terá que
dividir espaço, entre as publicações especializadas, com um novo adjetivo endereçado a
mesma categoria de homens, os lions.
Em 1845, Barbey d’Aurevilly será o primeiro autor a tentar conciliar com
verdadeira seriedade a vaidade e a fatuidade no dandismo com a auto-suficiência e a
ambição necessárias ao tipo. Em seu livro, Du dandysme e de George Brummell, a
ênfase na elegância do estereótipo é atenuada, o dandismo pretende se tornar “tout une
manière d’être”. Ao refinamento do arquétipo inglês o autor anexa uma série de
concepções morais. A vaidade, “le dernier sentiment dans la hiérarchie dês sentiments”,
é alçada a uma condição estratégica: ce qui fait la valeur des sentiments, c’est leur
importance sociale; quoi donc, dans l’ordre des sentiments, peut être d’une utilité plus
grande pour la société que cette recherche inquiete de l’approbation dês autres”. Assim,
o autor identifica em Brummell filho de plebeu cuja origem e riqueza não poderiam o
predestinar a tanto um personagem que se fez distinguir por méritos próprios e que
galgou degraus na sociedade londrina na medida que incorporou sua minuciosa toilette,
31
STANTON, Domna C. The aristocrat as art, p. 66
32
PREVOST, John C. Le dandysme en France , p. 80.
24
bem como sua performance caricatural, a uma espécie de ciência ou filosofia dos
costumes sociais:
La caricature, c’est l’outrance exaspérée de la réalité, et la réalité du
dandysme est humaine, sóciale et spirituelle... ce n’est pas un habit
que marche tout seul! Au contraire! C’est une certaine manière de le
porter qui crèe le dandysme. On peut être dandy avec un habit
chiffonné. [...] Et voilà ce à quoi George Bryan Brummell réussissait
mieux que persone. Cet homme, trop superficiellement jugé, fut une
puissance si intellectuelle qu’il régna encore plus par les airs que par
les mots. Son action sur les autres était plus immédiate que celle qui
s’exerce uniquement par le langage. Il la produisait par l’intonation, le
regard, le gest, l’intention transparent, le silence même [...].
33
No ano seguinte à publicação do livro de Barbey, Charles Baudelaire escreve
uma resenha crítica sobre o Salão de 1846. Sugerindo a vitória da civilização industrial
e burguesa no reinado de Luís Felipe, além de um incipiente processo de massificação
social, Baudelaire lançará nesse ensaio sobre as obras de arte contemporâneas as bases
da sua teoria da modernidade e do dandismo. A referência ao texto de Barbey é
explícita: “Relendo o livro Du dandysme, do sr. Barbey d’Aurevilly, o leitor verá
claramente que o dandismo é uma coisa moderna e que resulta de causas totalmente
novas”. As causas sugeridas pelo poeta se encontram esboçadas na oblíqua
dedicatória que ele faz aos burgueses: “VÓS SOIS A MAIORIA número e
inteligência; – portanto, sois a força que é a justiça”.
34
A associação entre inteligência
e número, além do poder de decisão que Baudelaire, já nessa época, reconhece à
maioria, sugerem que a teoria do dandismo do poeta, dali para frente, haveria de lidar
com o inevitável fenômeno da democracia. Fenômeno este que ele, a maneira de
Tocqueville, anos mais tarde identificará enquanto um movimento quase providencial,
no qual a ditadura de opinião e a mediocridade cultural impostas pela força do maior
33
AUREVILLY, Jules Barbey. Du dandysme et de Georg Brummell, p. 37-44-45-80. Esta nota
também se refere às citações anteriores.
34
BAUDELAIRE, Charles. Salão de 1846. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia e
prosa, p.671.
25
número ameaçam a liberdade e a autonomia do indivíduo. A conclusão do autor em sua
dedicatória é ironicamente óbvia: “portanto, é a vós, burgueses, que este livro é
naturalmente dedicado; porque todo livro que não se dirige à maioria em número e
inteligência – é um livro tolo”.
35
Ao princípio igualitário e uniformizador, condensado simultaneamente na arte e
na opinião pública, Baudelaire entrevê uma tarefa heróica para modernidade: descobrir
a beleza peculiar ao tempo presente, escapando, assim, da lógica de modelos e padrões
absolutos. A atitude estética no âmbito da arte é correlata à questão democrática: ela
incide sobre a necessidade imperiosa do indivíduo esforçar-se para se destacar, ou se
fazer reconhecer, em um quadro de uniformidade geral no qual a “alma pública” se
ocultaria sob um véu de luto que “testemunha a igualdade universal”. Para Baudelaire, o
belo atemporal é tão absurdo e impalpável quanto a igualdade absoluta: “uma abstração
empobrecida na superfície geral das diferentes belezas” na qual se perdem os indivíduos
e suas especificidades.
36
Durante o Segundo Império francês depois de Revolução de 1848, com sua
República malograda, e da ascensão de Napoleão III ao poder no início da década de
1850 –, Baudelaire se tornará, segundo Albert Camus, o teórico mais profundo do
dandismo, um fenômeno de motivos atuais e de implicações intensas com o tempo
presente. Não por acaso nesse período o poeta inscreverá sua teoria, de forma ainda
mais decisiva do que Barbey, no âmbito da revolta e definirá o dandismo por sua
inabalável disposição para se opor à banalidade do mundo burguês, à tirania da maioria
e das convenções sociais. Na Paris do Segundo Império, aos poucos tomada por uma
arquitetura de fachadas que pretendia enterrar a memória da turbulenta capital francesa
35
BAUDELAIRE, Charles. Salão de 1846. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia e
prosa, p. 672.
36
BAUDELAIRE, Charles. Salão de 1846. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia e
prosa, p. 729.
26
em 1848 uma cidade “volátil e anárquica, bem próxima daquilo que os sociólogos
modernos chamariam de ‘cidade vírus’, expandindo-se e reagindo com
imprevisibilidade temerária, muito além do controle racional”
37
–, o dândi baudelairiano
não prescindirá de uma cuidadosa performance e de uma profunda valorização das
aparências.
I. 2 – A fabricação das aparências
Em seu famoso ensaio sobre o aquarelista Constantin Guys, Baudelaire
pretendeu desenvolver uma teoria “histórica e racional” do belo. Um traço característico
do seu estudo consiste na inversão da hierarquia filosófica entre essência e aparência.
38
A procura por uma beleza abstrata, eterna e atemporal, deveria ceder lugar ao fascínio
pelo circunstancial, pela moral e pelos costumes do presente, pelo luminoso que salta
aos olhos quando refletidos, inclusive, pela moda:
O belo é constituído por um elemento eterno, invariável, cuja
quantidade é excessivamente difícil de determinar, e por um elemento
relativo, circunstancial, que será, se quisermos, sucessiva ou
combinadamente, a época, a moda, a moral, a paixão. Sem esse
segundo elemento, que é o invólucro aprazível, palpitante, aperitivo
37
CHRISTIANSEN, Rupert; RODRIGUES, Valéria. Paris babilônia: a capital francesa nos tempos da
Comuna, p. 95.
38
Em tom polêmico, Hanna Arendt fornece um testemunho preciso dessa hierarquia: “a pergunta
refere-se mais a uma causa do que a uma base ou um fundamento; mas a questão é que a nossa
tradição filosófica transformou a base de onde algo surge na causa que a produz; e em seguida
concedeu a este agente eficaz um grau mais elevado de realidade do que aquele atribuído ao que se
apresenta meramente aos nossos olhos. A crença de que a causa deve ocupar um lugar mais alto que o
efeito (de tal forma que o efeito pode ser facilmente diminuído quando se remonta à sua causa)
encontra-se entre as mais antigas e obstinadas falácias metafísicas. [...] Essa hierarquia foi
recentemente desafiada de um modo que me parece altamente significativo. Em vez das aparências
serem funções do processo vital, não seria o processo vital função das aparências? Já que vivemos em
um mundo que aparece, não é muito mais plausível que o relevante e o significativo, nesse nosso
mundo, estejam localizados precisamente na superfície?ARENDT, Hanna. A vida do espírito, p.
21-23.
27
do divino manjar, o primeiro elemento seria indigerível, inapreciável,
não adaptado e não apropriado à natureza humana.
39
Na opinião do poeta, essência e aparência quase se confundiriam:
[...] a idéia que o homem tem do belo imprime-se em todo o seu
vestuário, esgarça ou retesa sua roupa, arredonda ou alinha o seu gesto
e inclusive impregna sutilmente, com o passar do tempo, os traços do
seu rosto. O homem acaba por se assemelhar àquilo que gostaria de
ser.
40
Contra o gosto clássico e pedante dos acadêmicos, sempre dispostos a
negligenciar os costumes do tempo presente, a ênfase da análise de Baudelaire recai
justamente sobre aquilo que ganha visibilidade no mundo contemporâneo, seus
elementos transitórios, fugidios e em constante metamorfose, aos quais o poeta deu o
nome de modernidade:
41
“suprimindo-os, caímos forçosamente num vazio de uma
beleza tão abstrata e indefinível, como a da única mulher antes do primeiro pecado”.
42
Segundo Olgária Matos, foi através do elogio das aparências promovido por
Baudelaire deslocando a tradição para o moderno “à contracorrente da trajetória da
filosofia no Ocidente que cindiu essência e aparência” que Walter Benjamin pôde
reconhecer no poeta “o sentimento de que a essência retirou-se do mundo e dela
39
BAUDELAIRE, Charles. O pintor da vida moderna. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire,
poesia e prosa, p. 852.
40
BAUDELAIRE, Charles. O pintor da vida moderna. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire,
poesia e prosa, p. 852.
41
Hans Robert Jauss lembra que o termo modernidade procede de uma longa história filológica e que
foi confirmado, pela primeira vez, por Chateaubriand em 1849. No entanto, o autor afirma que o
emprego do vocábulo por parte de Baudelaire teria sido decisivo para a criação de “uma nova
estética”. JAUSS, Hans Robert. Tradição literária e consciência atual da Modernidade. In: OLINTO,
Heidrun Krieger. Histórias de literatura: as novas teorias alemãs, p. 49.
42
BAUDELAIRE, Charles. O pintor da vida moderna. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire,
poesia e prosa, p. 859-860.
28
restou sua ausência, ausência a ser presentificada pelo ‘frívolo’, pelo travestimento, pela
maquiagem”.
43
Pois bem, o tema do dandismo concerne ao lado mais fútil e aparente do
universo literário baudelairiano: “Que o leitor não se escandalize com essa gravidade no
frívolo, que se lembre de que há uma grandeza em todas as loucuras, uma força em
todos os excessos”
44
, avisa o poeta que não tardaria a dotar seu estudo sobre o dandismo
de caracteres heróicos. No caso específico, essa dimensão heróica na teoria de
Baudelaire se fundará sobre uma ambigüidade fundamentalmente nova: a tensão entre a
necessidade de autofabricação do indivíduo de uma persona heróica, da estetização e
do violento constrangimento de si e a revelação do ator em sua aparição ou
performance no espaço público.
Assim, de um lado, a fabricação no dandismo corresponderia à valorização da
aparência, à construção de um personagem que, ao criar seus artifícios, mede forças
contra a natureza, rebelando-se “contra a metafísica do belo, e do bom absolutos”.
45
Já a
performance, por sua vez, corresponde à atuação do dândi quando este se opõe, em sua
revolta, à mediocridade do mundo burguês. Esses dois elementos destacados na análise
não podem ser pensados separadamente: o processo de fabricação de um personagem
dândi a preocupação com a elegância, com a maquiagem e adereços, por exemplo
são as condições materiais indispensáveis para que essa figura pretensamente heróica
ganhe luminosidade no espaço público, exercitando, assim, seu amor aristocrático pela
distinção.
43
MATOS, Olgária C. F; Aufklärung na metrópole: Paris e a via Láctea. In: BENJAMIN, Walter.
Passagens, p. 1136.
44
BAUDELAIRE, Charles. O pintor da vida moderna. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire,
poesia e prosa, p. 871.
45
JAUSS, Hans Robert. Tradição literária e consciência atual da Modernidade. In: OLINTO, Heidrun
Krieger. Histórias de literatura: as novas teorias alemãs, p.80.
29
No que tange à atividade de fabricação e sua íntima conexão com esta
revalorização das aparências, Hannah Arendt nos oferece algumas importantes
sugestões. Em sua obra A condição humana, a autora confere à atividade da fabricação
a dignidade de construir os artifícios duráveis do mundo humano e de atenuar os
esforços dos homens envolvidos no labor ocupação cuja principal característica
consiste no seu total condicionamento pelas necessidades vitais. Arendt destaca que os
gregos buscaram na fabricação um remédio para a fragilidade dos seus negócios: os
muros da polis, bem como suas leis, eram vistos como ocupações pré-políticas,
destinadas, de um lado, a controlar a imprevisibilidade da ação humana; de outro, a
assegurar as oportunidades para que os homens adquirissem fama imortal, ou seja,
multiplicar para cada homem as possibilidades de distinguir-se, de revelar em atos e
palavras sua identidade singular e distinta”.
46
Hannah Arendt reconhece na ênfase dada pelos filósofos socráticos à fabricação
o desejo de inibir as ações dos homens, assim como uma forte tendência à
instrumentalização da política tendência essa cujo catastrófico resultado consistiria
numa progressiva redução do político às categorias de meios e fins. Contudo, a autora
não desdenha dos serviços do homo faber, especialmente em sua mais nobre habilidade,
a fabricação das obras de arte:
Se o animal laborans precisa do homo faber para atenuar seu labor e
minorar o seu sofrimento, e se os mortais precisam do seu auxílio para
construir um lar na terra, os homens que agem e falam precisam da
ajuda do homo faber em sua mais alta capacidade, isto é, a ajuda do
artista, de poetas e historiógrafos, de escritores e construtores de
monumentos, pois, sem eles, o único produto de sua atividade, a
história que eles vivem e encenam não poderia sobreviver.
47
46
Segundo Arendt, “antes que os homens começassem a agir, era necessário assegurar um lugar
definido e nele erguer uma estrutura dentro da qual se pudessem exercer todas as ações subseqüentes;
o espaço era a esfera pública da polis e a estrutura era a sua lei; legislador e arquiteto pertenciam à
mesma categoria”. ARENDT, Hannah. A condição humana, p. 207.
47
ARENDT, Hannah. A condição humana, p 187.
30
Sendo os produtos mais duráveis da atividade de fabricação, as obras de arte
galgaram um lugar específico no conjunto dos artifícios humanos à medida que
venceram o efeito corrosivo do tempo, emprestando ao mundo dos homens uma
representação própria: “É como se a estabilidade humana transparecesse na
permanência da arte, de sorte que certo pressentimento de imortalidade não a
imortalidade da alma, ou da vida, mas de algo imortal feito por mãos mortais adquire
presença tangível para fulgurar e ser visto, soar e ser escutado, escrever e ser lido”.
48
Uma vez que a teoria baudelairiana do dandismo admite uma espécie de
estetização de si traduzida pelo desejo que os dândis nutrem de “cultivar a idéia do
belo em suas próprias pessoas”, ou ainda, pelo esforço de parecerem “ininterruptamente
sublimes” –, ela também deve pressupor um público espectador. Portanto, essa espécie
de autofabricação está intimamente ligada à criação de condições materiais capazes de
dotar um dândi de aparência. Segundo Bethânia Assy, à respeito de Hannah Arendt, o
homem confirmaria o seu aparecimento no mundo através de uma operação de duplo
caráter: “tanto por meio da fabricação, da produção do mundo, por sua poesis, o assim
denominado mundo dos artefatos, quanto, por conseqüência, pelo próprio espaço de
ação, de movimento, de posicionamento, de práxis, que este mundo manufaturado torna
possível”.
49
Partindo dessa concepção, podemos começar a entender porque a moda não
desempenha um papel menos importante no dandismo de Baudelaire. A “pele”
manufaturada do “herói moderno” deve imantá-lo de uma beleza singular e distinta.
50
48
ARENDT, Hannah. A condição humana, p 181.
49
ASSY, Bethânia. Hannah Arendt e a dignidade da aparência. In: DUARTE, André; LOPREATO,
Christina da Silva Roquette; MAGALHÃES, Marionilde Brepohl de. A Banalização da violência: a
atualidade do pensamento de Hannah Arendt, p.164.
50
Esse aspecto não passou desapercebido por Walter Benjamin. Em sua obra Passagens, o autor anota:
“Sobre a teoria do dandismo. A confecção é último ramo de negócios no qual o freguês ainda é
tratado individualmente. História dos doze fraques. O papel comitente torna-se cada vez mais
heróico”. BENJAMIN, Walter. Passagens, p. 413.
31
Enquanto o poeta ressaltava ironicamente no Salão de 1846 o costume das vestimentas
negras e da sobrecasaca no século XIX, argumentando sobre sua beleza política e
poética, símbolo de um luto irreparável da alma pública,
51
ele era descrito, em algumas
das suas aparições em público, usando “uma calça preta bem apertada sobre a bota de
verniz, um blusão gola rulê azul de pregas novas bem esticadas; [...] a roupa branca de
algodão brilhante, rigorosamente sem goma, e luvas cor-de-rosa bem novas”.
52
Por esse
ângulo, mesmo a valorização baudelairiana da extravagância artística revela uma íntima
conexão, operada pelo poeta, entre a fabricação do indivíduo e a necessidade da sua
distinção. Necessidade essa que depende, fundamentalmente, de que a sua aparência se
apodere dos sentidos de algum espectador:
[...] essa dose de extravagância que constitui e define a
individualidade, sem a qual não existe belo, desempenha na arte [...], o
papel do gosto ou do condimento nos pratos, já que estes só se diferem
uns dos outros abstração feita de sua utilidade ou da quantidade de
substância nutritivas que contêm pela idéia que apresentam à
língua.
53
O exotismo nesse caso, sem dúvida, se configura como a garantia de distinção
em meio à massificação da sociedade. Massificação, aliás, que caminha lado a lado,
para Baudelaire, com a democracia no século XIX. É a resistência a esse “movimento
inelutável” que compele o sujeito a reinventar-se, a munir-se de uma “couraça” ou
mesmo transformar-se em um ator, um mico caricato. Segundo Michel Foucault, “o
homem moderno, para Baudelaire, não é alguém que vai em busca de si mesmo, de seus
segredos e de sua esquiva verdade; é alguém que procura inventar-se a si mesmo. Esta
51
A ver os seguintes fragmentos: “um imenso desfile de coveiros, coveiros políticos, coveiros
burgueses. Todos nós celebramos algum enterro. Uma libré uniforme de desolação testemunha a
igualdade universal”. BAUDELAIRE, Charles. Salão de 1846. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles
Baudelaire, poesia e prosa , p. 729.
52
Descrição de Nadar recolhida por Walter Benjamin. BENJAMIN, Walter. Passagens, p. 277.
53
BAUDELAIRE, Charles. Exposição universal (1855). In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles
Baudelaire, poesia e prosa, p. 774.
32
modernidade não libera ‘o homem em seu próprio ser’, mas o constrange a enfrentar a
tarefa de se produzir a si mesmo”.
54
No caso do dandismo, essa reinvenção torna-se algo de uma natureza ainda mais
radical, uma vez que transformar a si mesmo em um objeto artístico significa submeter-
se à violência inerente a todo processo de fabricação, tanto mais que, como lembra
Arendt, o processo de reificação da obra de arte em muito ultrapassa uma mera
transformação: “é transfiguração, verdadeira metamorfose, como se o curso da natureza,
que requer que tudo queime até virar cinzas, fosse invertido de modo que até as cinzas
pudessem irromper em chamas”.
55
Esse processo de caráter quase alquímico – não por acaso Arendt cita um poema
de Rilke cujo título é Mágica parece reter alguma proximidade com o elogio da
maquiagem promovido por Baudelaire. Na opinião do poeta, o uso da maquiagem se
impõe como uma necessidade imperiosa de corrigir a natureza e não de ressaltá-la ou
colocá-la em evidência. A mulher, através desse artifício, deve se esforçar “em parecer
mágica e sobrenatural”, qualidade que poderia lhe ser atribuída, por exemplo, pelo uso
do pó-de-arroz, cujo efeito tende a “fazer desaparecer da tez todas as manchas que a
natureza nela injuriosamente semeou e criar uma unidade abstrata na textura e na cor da
pele, unidade que, como a produzida pela malha, aproxima o ser humano da estátua
[...]”.
56
Domna C. Stanton reconhece no elogio
da maquiagem baudelairiano o elemento
mais bem sucedido no processo de autofabricação do dândi:
Among the available instruments of the transformative principle, none
achieves the passage from subject to the object more dramatically or
more radically than makeup, a metonymy for the entire process of the
54
FOUCAULT apud MATOS, Olgária C. F. Baudelaire: antíteses e revolução. In: ALEA Revista de
estudos neolatinos da faculdade de Letras da UFRJ, p. 88.
55
ARENDT, Hannah. A condição humana, p. 182.
56
BAUDELAIRE, Charles. O pintor da vida moderna. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire,
poesia e prosa, p. 876.
33
making oneself up, making up for one’s natural deficiencies, or better,
making one self into naturally is not.
57
O dândi, como o homo faber, trava uma incessante luta contra tudo o que é
natural. Submete-se a uma série de violentas transformações no seu processo de
autoconstrução, para afastar-se da natureza animalizada e criminosa do homem: “tudo
quanto é belo e nobre é o resultado da razão e do cálculo”, pensava Baudelaire. Se para
o homo faber, como lembra Arendt, “o fim justifica a violência cometida contra a
natureza para que se obtenha o material, tal como a madeira justifica matar a árvore e a
mesa justifica destruir a madeira”, para Baudelaire, todo o emaranhado de condições
materiais aos quais um dândi se submete também possui uma finalidade: conformam
uma espécie de “ginástica moral apta a fortificar a vontade e disciplinar a alma”. As leis
dessa doutrina da originalidade, apesar de não se encontrarem escritas, são tão rígidas
quanto as regras do estoicismo, religião que, para Baudelaire, possuiria “apenas um
sacramento, o suicídio”.
58
Uma espécie de sacrifício simbólico no qual o ser natural do
indivíduo cede lugar a um ser artificioso de uma espécie totalmente nova: “self-
consumption is the precondition to self-consummation. In the baptism of fire, the
dandy-martyr is (re)born”.
59
Através desse processo, o dândi aspira à auto-suficiência, encena a conquista de
um poder transformador contra o qual a natureza estaria em clara desvantagem. Tais
elementos de violação, que no dandismo são dirigidos contra o próprio ser, encontram-
se, de acordo com Hannah Arendt, em todo processo de fabricação: “o homo faber,
57
STANTON, Domna C. The aristocrat as art, p.183.
58
BAUDELAIRE, Charles. O pintor da vida moderna. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire,
poesia e prosa, p. 871.
59
STANTON, Domna C. The aristocrat as art, p.195.
34
criador do artifício humano, sempre foi um destruidor da natureza”.
60
No entanto,
mesmo que um dândi se valha de todo esse complexo processo de autoconstrução e
mesmo que ele afete uma postura blasé, esse herói desocupado não se apresenta ao
público como um fabricante, nem mesmo suporta as dores do mundo através de um
isolamento estóico de toda a realidade terrena. Talvez o papel mais adequado a essa
figura seja o de um ator.
60
ARENDT, Hannah. A condição humana, p. 152. Jean Paul Sartre observou com perspicácia o
desdém baudelairiano pelo mundo natural em suas ralações com o moderno mundo do trabalho.
Assim o filósofo anota: “A l’a origine de cet anti-naturalisme, bien plus que le doctrine perimée de la
grâce, il y a la révolution industriele du XIX siècle e l’apparition du machinisme. Baudelaire est
emporté par le courant. Certes, l’ouvrier ne l’intetéresse guère; mais le travail l’attire car il est comme
un pensée imprimée dans la matière”. A esse respeito ver: SARTRE, Jean Paul. Baudelaire, p. 119.
CAPÍTULO II
O domínio das aparências
36
Capítulo II
O domínio das aparências
II. 1 – O último rasgo de heroísmo nas decadências
Segundo Baudelaire, pode-se considerar o dandismo uma instituição “vaga e
estranha” na qual seus adeptos compartilham do mesmo caráter de “oposição e revolta”
contra a banalidade do mundo moderno. Uma casta rica, ociosa e distinta, que prima,
sobretudo, pelas faculdades mais caras ao espírito humano: “cultivar a idéia do belo em
suas próprias pessoas, satisfazer suas paixões, sentir e pensar.” A altivez do espírito,
junto com o tempo e dinheiro à disposição, confere ao dândi um ar aristocrático, uma
expressão singular digna de um homem “criado no luxo e acostumado a ser obedecido
desde a juventude”.
Forjando seu caráter artificialmente, sob as duras penas de uma incansável
ginástica moral, o dândi podia entregar-se ao refinamento do espírito e da cultura.
Assim, para Baudelaire, o dandismo conformaria uma “nova espécie de aristocracia”.
Esses homens, é certo, dependiam do dinheiro para dispor de tempo para contemplação
das artes, do espírito e da vida em geral. Entretanto, não era a riqueza a miragem guia
de suas ações, mas tão-somente um meio. Como notou Baudelaire, ecoando Barbey
d’Aurevilly, um dândi
não aspira ao dinheiro como uma coisa essencial; um crédito ilimitado
poderia lhe bastar: ele deixa essa grosseira paixão aos vulgares
mortais. O dandismo não é sequer, como parecem acreditar muitas
pessoas pouco sensatas, um amor desmesurado pela indumentária e
37
pela elegância física. Para o perfeito dândi, essas coisas são apenas um
símbolo da superioridade aristocrática de seu espírito.
61
Para o poeta francês, o dandismo representaria ainda o “último rasgo de
heroísmo nas decadências”, foco de resistência à “maré montante da democracia que
tudo invade e que tudo nivela”.
62
Nesse ponto, nos é permitido perguntar a respeito do
tipo de heroísmo do qual nos fala Baudelaire. Talvez seja necessária uma pequena
digressão para melhor determinar o que permitiria ao poeta conformar o arquétipo do
dândi ao de um herói, formulando a peculiar imagem para representá-lo não sem
alguma ironia – de um “Hércules sem emprego”.
De acordo com Miguel Abensour, a Revolução de 1789 teria reintroduzido na
França a “dimensão heróica da grandeza”. Em seu artigo O heroísmo e o enigma
revolucionário, Abensour procura nos arquétipos de heróis encarnados por alguns dos
personagens da Revolução, “um foco de inteligibilidade de um modo de agir político
que, de outra maneira, correria o risco de permanecer opaco”.
63
Para o filósofo, o
arquétipo do herói é uma peça chave para a compreensão da enigmática identidade de
um novo ator no cenário político moderno: a figura do revolucionário, a qual
Tocqueville não deixou de notar com um certo misto de espanto e admiração.
64
Ancorado na tese de Walter Benjamin a saber, do “herói como sujeito da
modernidade” – e numa definição “sóbria” de heroísmo, inspirada em Hannah Arendt –
“a excelência, a distinção, o consentimento em agir e falar na cena pública”–
65
61
BAUDELAIRE, Charles. O pintor da vida moderna. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire,
poesia e prosa, p. 870-872. Esta nota também se refere às citações anteriores.
62
BAUDELAIRE, Charles. O pintor da vida moderna. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire,
poesia e prosa, p. 872.
63
ABENSOUR, Miguel. O heroísmo e o enigma do revolucionário. In: NOVAES, Adauto. Tempo e
historia, p. 208.
64
ABENSOUR, Miguel. O heroísmo e o enigma do revolucionário. In: NOVAES, Adauto. Tempo e
historia, p. 208.
65
Walter Benjamin, inspirado em Baudelaire, pensa que “para viver a modernidade, é preciso uma
constituição heróica”. Assim, o autor entende que o heroísmo do poeta se fundaria na necessidade da
38
Abensour procura analisar um conjunto de caracteres específicos, não apenas éticos e
políticos, mas também estéticos, para destacar no heroísmo moderno um pólo
magnético dos tempos revolucionários que é
suscetível de engendrar uma área de atração ou de repulsão mal
determinada, que pode ir do entusiasmo ao horror. O heroísmo,
dimensão constitutiva e não ornamental, faz referência a um certo
modo de ser, de um complexo de atitudes específicas – que dão forma
à política revolucionária e lhe imprimem sua singularidade.[...] Não se
trata apenas de uma dimensão constitutiva da cena revolucionária,
porém mais ainda, se se quiser ir mais profundamente, de uma
verdadeira disposição efetiva (Stimmung), da tonalidade da época, da
tonalidade efetiva de fundo. Por isso, não se trata de uma disposição
subjetiva, mas de um clima, de uma tonalidade que emana
fenomenologicamente das coisas, do mundo.
66
Considerando que a Revolução Francesa não permaneceu confinada no século
XVIII mas, ao contrário, se desdobrou em inúmeros conflitos durante todo o século
seguinte, fatalmente essa “tonalidade efetiva de época” também atravessou o tempo.
Aléxis de Tocqueville, em suas memórias sobre a Revolução de 1848, nos uma clara
demonstração de como a Revolução de 1789, com seu “espírito encarniçado de luta”,
invadira o século XIX disseminando uma série imprevisível de conflitos:
Nossa história, de 1789 a 1830, vista de longe e em seu conjunto,
manifestava-se a mim como o quadro de uma luta encarniçada,
travada durante 41 anos, entre o Antigo Regime – suas tradições,
lembranças, esperanças, seus homens representados pela aristocracia –
, e a França nova, conduzida pela classe média. Parecia-me que 1830
tinha fechado esse primeiro ciclo de revoluções ou melhor, da nossa
Revolução, porque apenas uma, aquela que se mantém inalterada
construção de um artifício que permitiria ao individuo munir-se de uma “couraça contra o mundo
coisificado” e impessoal das mercadorias. Abensour destaca ainda em seu ensaio, o fato de que
Hannah Arendt preteriu o sentido tardio de herói como um semi-deus, pela definição de um heroísmo
“sem qualidades heróicas”. Segundo a autora, “originalmente, isto é, em Homero, a palavra ‘herói’
era apenas um modo de designar um homem livre que houvesse participado da aventura troiana e do
qual se podia contar uma história. A conotação de coragem, que hoje reputamos indispensável em um
herói, já está, de fato, na mera disposição de agir e falar, de inserir-se no mundo e começar uma
história própria”. A esse respeito ver respectivamente: BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire: um
lírico no auge do capitalismo; ARENDT, Hannah. A condição humana, p. 199.
66
ABENSOUR, Miguel. O heroísmo e o enigma do revolucionário. In: NOVAES, Adauto. Tempo e
historia, p. 215-216.
39
através de fortunas e paixões diversas, que nossos pais viram começar
e, segundo toda probabilidade, nós não veremos terminar.
67
No entanto, aquela tonalidade heróica acomodou-se a uma sociedade que
rapidamente ganhava contornos burgueses, enquanto espreitava o dilema entre a
liberdade de zelar por seus afazeres privados e o cuidado com as coisas do mundo
público.
68
Sob a égide desse novo conflito interno poderia se inscrever, por exemplo, a
participação de Baudelaire nos eventos de 1848. Durante a Revolução de fevereiro, ele
teria integrado ativamente as barricadas e abraçado a causa republicana. Porém, como se
sabe, o poeta tinha mais do que boas intenções e espírito público: além de lhe interessar
a morte do seu padrasto, o general Aupick, durante o conflito, o escritor, endividado,
experimentava “a sensação excitante de que tudo é permitido, de que os credores irão
rasgar as inúteis promissórias, de que os oficiais de justiça não causarão medo a
ninguém, de que os pagamentos estão suspensos, de que a justiça está de férias”.
69
Ao que parece, os eventos da Revolução de 1848 terão de fato uma importância
decisiva para composição de certos caracteres heróicos presentes na teoria do dandismo
de Baudelaire. O conflito inteiro é recheado de descrições de pretensos heróis e mártires
da causa operária ou republicana. Dolf Oehler lembra que vários atores de 1848 entre
eles poetas laureados como Victor Hugo e Lamartine –, “tendem a representar a si
mesmos como mártires e a transfigurar romanticamente suas ações efetivas ou seus
sofrimentos”.
70
O dândi baudelairiano preservará a hipocrisia dos novos tempos
67
TOCQUEVILLE, Aléxis. Lembranças de 1848, p. 34.
68
Ainda na primeira metade do século XIX, Benjamin Constant, em seu artigo Da liberdade dos
antigos e da liberdade dos modernos, argumenta que a liberdade dos homens da antiguidade de
exercer continuamente seus direitos políticos, e de discutir diariamente os negócios do estado, não
convinha mais aos tempos modernos. Na sociedade comercial, onde cada indivíduo está absorvido
por suas próprias especulações, “por seus empreendimentos”, as liberdades individuais, privadas, não
devem ser obscurecidas pela devoção integral às questões públicas. A esse respeito ver: Da liberdade
dos antigos e da liberdade dos modernos. In: CONSTANT, Benjamin. Escritos de política.
69
TROYAT, Henri. Baudelaire, p. 127.
70
OEHLER, Dolf. O Velho mundo desce aos infernos, p. 48.
40
forçando a simulação metódica e calculada de alguns valores, ou mesmo de convenções
sociais, aos limites de uma encenação teatral: “O homem de espírito, aquele que nunca
estará de acordo com os outros, deve esforçar-se em apreciar a conversa dos imbecis ou
a leitura dos maus livros. Disso extrairá amargas alegrias que amplamente compensarão
sua fadiga”, pensava o poeta.
71
O manejo das técnicas necessárias a esse tipo de
atuação, que envolve ainda uma série de detalhes para compor um personagem,
aproxima, parcialmente, o dandismo de Baudelaire a uma espécie de heroísmo
identificada por Miguel Abensour durante a Revolução Francesa: o heroísmo de
domínio das aparências,
no qual o trabalho da auto-fabricação do herói está inteiramente
subordinado ao domínio exercido sobre a opinião de outrem. Já não se
trata de lutar contra a mentira das aparências, de a destruir em nome
da verdade da natureza, mas, pois que essa mentira social é pensada
como um dado irrecusável, ontológico, pois co-extensivo ao ser do
social, trata-se antes de se inscrever, de servir-se dela para melhor a
dominar, controlar. Não se trata mais, para o herói, de erigir-se em
encarnação da sinceridade e da autenticidade, mas de forjar para si a
melhor máscara, a saber, a máscara mais eficaz, aquela que assegure o
poder de se separar dos homens ordinários e de se fazer reconhecer
por eles como um homem extra-ordinário, isto é, um herói.
72
Pode-se dizer que, no caso de Baudelaire, de fato, estamos diante de um
heroísmo assumidamente hipócrita: ao mesmo tempo em que o poeta define o dandismo
enquanto uma “instituição à margem das leis”, ele não deixa de reconhecer nos dândis
uma necessidade intensa de “alcançar a originalidade dentro dos limites exteriores da
conveniência”.
73
O dândi desempenha um papel oblíquo entre os valores por ele
representados e, simultaneamente, negados. Assim, se a sociedade do espetáculo das
Exposições Universais e da ufania em torno do Progresso e da democracia, por
71
BAUDELAIRE, Charles. Meu coração a nu. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia
e prosa, p. 547.
72
ABENSOUR, Miguel. O heroísmo e o enigma do revolucionário. In: NOVAES, Adauto. Tempo e
historia , p. 228.
73
BAUDELAIRE, Charles. O pintor da vida moderna. In: In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles
Baudelaire, poesia e prosa, p. 873.
41
exemplo, foi implantada pelo regime napoleônico do Segundo Império e, com ela,
uma alta dosagem de tédio um dos grandes males do século , o dândi baudelairiano
será naturalmente entediado ou, “por razões de casta”, também fingirá sê-lo.
Se um dândi aspira à insensibilidade e à indiferença, não lhe custará acusar
criticamente no burguês seu “sangue frio e o seu dandismo orgulhoso por não ter caído
tão baixo como aqueles que passam pela rua”.
74
E se, ao mesmo tempo, o Progresso por
ele é definido como uma força cruel “sempre negadora de si mesma”, cuja marca
principal seria a de “um suicídio sempre renovado”,
75
o suicídio, por sua vez, é exaltado
como uma paixão heróica, uma das quintessências da beleza moderna e um emblema
simbólico para todo o dandismo.
Durante os Segundo Império francês Baudelaire assumirá cada vez mais uma
postura dândi. Em um dos seus fragmentos íntimos ele anota: “O que penso do voto e
do direito a eleições. – São direitos do homem. O que em qualquer função há de vil. Um
dândi limita-se a não fazer nada. Poder-se-ia imaginar um Dândi falando ao povo a não
ser para o espezinhar?”
76
Tal atitude seria, para alguns críticos, correlata à sua decepção
com a política e com mundo público:
A agitação das ruas e dos clubes não lhe diz mais respeito. Seu destino
está na miragem, não na ação; na poesia, não política. Quem quer ser
um dândi deve, segundo ele, renunciar a toda convicção que o
aproxime dos seus concidadãos. Os seres de exceção são conhecidos
por aquilo a que se apegam, haja o que houver, acima das idéias
herdadas e dos acontecimentos da vida pública. Um regime lhes
pode convir se não perturbar os seus sonhos de estetas solitários e de
perscrutadores do absoluto.
77
74
BAUDELAIRE, Charles. Projéteis. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia e prosa,
p. 517.
75
BAUDELAIRE, Charles. Exposição Universal (1855). In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles
Baudelaire, poesia e prosa, p. 775-776.
76
BAUDELAIRE, Charles. Meu coração a nu. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia
e prosa, p. 530.
77
TROYAT, Henri. Baudelaire, p. 142.
42
Para Jean Paul Sartre, o dandismo baudelairiano conformaria, praticamente, um
ideal de esterilidade absoluta: a figura arquetípica do dândi, “le parasite des parasites”,
não faria mais do que criar em suas potenciais excentricidades, atos vazios de
substância e gratuitos que, dado sua natureza efêmera e o seu afã de originalidade
exclusiva, estão fadados ao desaparecimento. De acordo com o filósofo, o dandismo de
Baudelaire seria “gratuit, sans doute, mais il est aussi parfaitement inoffensive. Il ne
bouleverse aucune des lois établies. Il se veut inutile et, sans doute, il ne sert pas [...]”.
78
Assim, em grande parte dos comentadores a pose de revolta propagada por
Baudelaire enquadra-se, essencialmente, numa postura conservadora ou, até certo ponto,
ingênua. Por esse viés interpretativo, o conteúdo da revolta no dandismo do poeta se
torna “um clichê contra o qual ele dramatiza sua originalidade”, uma oposição frívola e
de caráter eminentemente privado, desprovida de qualquer “intenção ou impacto
politicamente subversivo”.
79
No mesmo sentido pejorativo, Henri Troyat anota que,
após o sombrio desfecho dos eventos de 1848, a maior preocupação de Baudelaire
quando saía à rua era “tornar-se um personagem, iludir seus contemporâneos, e, se
preciso, provocar um pequeno escândalo. A um funcionário que lhe censura
timidamente os temas, ‘tão pouco amáveis’, dos seus poemas ele replica: ‘Senhor, é
para assustar os tolos’”.
80
78
SARTRE, Jean Paul. Baudelaire, p. 154.
79
STANTON, Domna C. The aristocrat as art, p. 75-76. Jean Paul Sartre nos oferece, ainda, um outro
claro exemplo desse tipo de interpretação ao comentar sobre o papel do Mal na poética baudelairiana.
De acordo com o filósofo, a escolha deliberada de Baudelaire pelo Mal, não faz mais do que afirmar
o Bem, ou, se quisermos, a ordem vigente, negando-o: “Pour que la liberté soit vertigineuse, elle doit
choisir, dans le monde théocratique, d’avoir infiniment tort. Ainsi est-elle unique dans cet univers
tout entier engagé dans le Bien; mais il faut qu’elle adhére entièrement au Bien, qu’elle le maintienne
e le renforce, pour pouvoir se jeter dans le Mal. [...] En un certain sens il crée: il fait apparaître, dans
un univers ou chaque élément se sacrifie pour concourir à la grandeur de l’ensemble, la singularité,
c’est-à-dire la rébellion d’um fragment, d’um détail. Par là, quelque chose s’est produit qui n’existait
pas auparavant, que rien ne peut effacer et qui nn’était aucunement prepare par la économie
rigoureuse du monde: il s’agit d’une oeuvre de luxe, gratuite et imprévisible”. SARTRE, Jean Paul.
Baudelaire, p. 81
80
TROYAT, Henri. Baudelaire, p. 216.
43
No entanto, esse elemento cênico e provocador, apontado no dandismo de
Baudelaire e reconhecido pelo próprio poeta, parece guardar um acentuado traço de
intersubjetividade cujo impulso criador e condição de existência dependem, no mínimo,
da presença de outros homens: ou seja, da constituição de um espaço de aparência, no
qual a sua performance possa se realizar, não se inscrevendo simplesmente numa atitude
passiva.
Por esse ângulo, a significação da revolta no dandismo do poeta ultrapassa o
mero sentido “de uma obra de luxo e gratuita”: se a afirmação “implícita em todo ato de
revolta estende-se a algo que transcende o indivíduo, na medida em que o retira da sua
suposta solidão, fornecendo-lhe uma razão para agir”,
81
também o caráter performático
do dândi pressupõe a composição de um espaço público como um palco no qual ele
possa desempenhar o seu papel. As minúcias da sua preparação, a preocupação com a
própria imagem, com o texto corporal – a linguagem dos gestos, das roupas e da
maquiagem –, e com a sua performance caricatural, aproximam a figura do poeta dândi
à de um ator no imenso teatro da cidade:
Não é dado a todo mundo tomar um banho de multidão: gozar da
presença das massas populares é uma arte, e somente ele pode fazer,
às expensas do gênero humano, uma festa de vitalidade, a quem uma
fada insuflou em seu berço o gosto da fantasia e da máscara, o ódio ao
domicílio e a paixão por viagens.
82
Nesse sentido específico, poderíamos associar o elemento de atuação presente no
dandismo ao conceito de ação, desenvolvido por Hannah Arendt. Segundo a autora, as
“artes de realização”, ou artes performáticas, guardariam uma grande afinidade com a
política, uma vez que a possibilidade da sua efetivação estaria inteiramente
81
CAMUS, Albert. O homem revoltado, p. 28.
82
BAUDELAIRE, Charles. Pequenos poemas em prosa. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles
Baudelaire, poesia e prosa, p. 289.
44
condicionada à presença de um público. É sempre na companhia de outros homens que
o agente, no súbito e curto momento do seu ato, se revela. Essa revelação fruto de
uma iniciativa livre e individual, da disposição em aparecer na presença de outros
homens como um ser singular, distinto em atos e palavras é uma opção pela própria
condição humana, cuja garantia se encontra na pluralidade do mundo:
[...] a ação e o discurso são os modos pelos quais os seres humanos se
manifestam uns aos outros, não como mero objetos físicos, mas
enquanto homens. Esta manifestação em contraposição à mera
existência corpórea, depende da iniciativa, mas trata-se de uma
iniciativa da qual nenhum ser humano pode abster-se sem deixar de
ser humano.
83
A questão da aparência é aqui novamente colocada em jogo. Aquele que aparece
não revela uma essência anterior ao ato que foi capaz de cobri-lo de distinção. É à luz de
uma pluralidade de percepções, inerente a uma pluralidade de espectadores, que se
define a identidade oculta de um agente. Se, na opinião de Arendt, Ser e Aparecer
coincidem”, logo, todo processo de revelação é também atravessado por uma dimensão
intersubjetiva: “nada e ninguém existe neste mundo cujo próprio ser não pressuponha
um espectador. Nada do que é, à medida que aparece, existe no singular; tudo que é, é
próprio para ser percebido por alguém”.
84
Sob esse ângulo, podemos compreender a
comparação de Hannah Arendt entre a ação política e as artes performáticas. De acordo
com a concepção da autora, mesmo a polis grega pode ser representada por uma
singular metáfora, “uma espécie de anfiteatro no qual a liberdade podia aparecer”:
As artes de realização [...] têm, com efeito, uma grande afinidade com
a política. Os artistas executantes dançarinos, atores, músicos e o
que o valha precisam de uma audiência para mostrarem seu
virtuosismo, do mesmo modo como os homens que agem necessitam
da presença de outros ante os quais possam aparecer; ambos requerem
83
ARENDT, Hannah. A condição humana, p. 189.
84
ARENDT, Hannah. A vida do espírito, p. 18.
45
um espaço publicamente organizado para a sua obra’, e ambos
dependem de outros para o desempenho em si.
85
A virtù na ação política lição que Arendt aprendeu com Maquiavel consiste
em agarrar a fortuna pelos cabelos, isto é, em responder pelo chamado do mundo,
concentrando toda a sua energia no desempenho do ato. De forma parecida, a
virtuosidade artística não tem outro fim senão a excelência da sua própria encenação.
Muito embora essa performance seja capaz de revelar um princípio – no caso do
dandismo, o que sempre salta aos olhos é o amor pela distinção –, isso não imuniza uma
ação do seu contato com o público, nem com as contingências próprias ao espaço de
aparência. Mesmo Baudelaire, por mais que conhecesse a solidão no seio da multidão, e
por mais que afirmasse a auto-suficiência do dândi, não dispensava seu público e nem
as circunstâncias da atuação:
Aquele que desposa a massa conhece os prazeres febris dos quais
serão eternamente privados o egoísta, fechado como um cofre, e o
preguiçoso, ensimesmado como um molusco. Ele adota como suas
todas as profissões, todas as alegrias, todas as misérias que as
circunstâncias lhe apresentem.
86
As contingências oferecem ao dândi a melhor maneira de desempenhar o seu
característico papel. Criando uma estética de negação do progresso e da democracia, o
dândi opõe-se ao ardil social criado por essas duas forças da modernidade. Ele procura
fugir da regularidade comportamental imposta pela atmosfera parisiense. No seu afã de
produzir sempre o imprevisto, “só o que possui uma ligeira deformidade nos desperta
profundamente os sentidos: donde se pode concluir que a irregularidade, isto é, a
85
ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro, p. 200-201.
86
BAUDELAIRE, Charles. Pequenos poemas em prosa In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles
Baudelaire, poesia e prosa, p.289.
46
surpresa, o espanto e o inesperado constituem parte essencial e característica da
beleza”.
87
Este elemento de imprevisibilidade, tão característico do conceito de ação
desenvolvido por Hannah Arendt, se encontrava em outros dândis das letras
francesas. Julien Sorel, personagem do romance stendhaliano O vermelho e o negro,
aprendera o grande princípio do século: ser o contrário do que esperam de si.
88
Barbey
D’Aurevilly, em seu citado tratado sobre o dandismo, acena para essa mesma
particularidade:
[...] une des conséquences du dandysme, un de ses principaux
caractères pour mieux parler, son caractère le plus général –, est-il
de produire toujours l’imprévu, ce à quoi l’esprit accoutumé au joug
des gles ne peut pas s’attendre en bonne logique. L’excentricité, cet
autre fruit du terroir anglais, le produit aussi, mais d’une autre
manière, d’une façon effrenée, sauvage, aveugle. C’est une révolution
individuelle contra l’ordre établi, qualquefois contre la nature: ici on
touche à la folie.
89
Assim, mesmo que o processo de autofabricação de uma personagem dândi
correspondesse a uma tentativa do ator de forjar parte da sua própria identidade, e
mesmo que ele se sirva de estratégias mais ou menos definidas em sua encenação
nunca é demais lembrar que Baudelaire cultivava as condutas de mau gosto com uma
espécie de “prazer aristocrático [...] em chocar os outros” –, a revelação desse
personagem no espaço público necessita de uma platéia. Ainda que, como em um jogo
de espelhos, o dândi explore uma série de antíteses e paradoxos “revelando e
ocultando, afirmando e negando através do parecer a presença e a ausência do ser
90
o que o define sempre será a reação extraída de seu público, que, por sua vez, é capaz de
87
BAUDELAIRE, Charles. Projéteis. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia e prosa,
p. 508.
88
STENDHAL. O vermelho e o negro, p.424.
89
AUREVILLY, Jules Barbey. Du dandysme et de Georg Brummell, p. 47.
90
STANTON, Domna C. The aristocrat as art, p. 189.
47
apreendê-lo em sua exótica e surpreendente aparição. Como nos lembra Barbey
d’Aurevilly, “dans le monde, tout le temps que vous n’avez pas produit d’effet, restez.
Si l’effet est produit, allez-vous-en!”.
91
Albert Camus, autor que reconhece no dândi
baudelairiano sempre um opositor, também não deixou escapar essa característica
fundamental:
Disperso, na qualidade de pessoa privada de regra, ele será coerente
como personagem. Mas um personagem pressupõe um público; o
dândi só pode desempenhar um papel quando se opõe. Ele pode
assegurar-se de sua própria existência reencontrando-a no rosto dos
outros. Os outros são o seu espelho. Espelho logo ofuscado, é bem
verdade, pois a capacidade de atenção humana é limitada. Ela deve
sempre ser despertada, incitada pela provocação. O dândi, portanto, é
sempre obrigado a impressionar.
92
Charles Baudelaire, poeta que dominava a “arte de transformar sua máscara
como um criminoso que fugiu da prisão”, que recitava seus versos mais escandalosos
criando um surpreendente contraste “entre a violência das imagens e a placidez afetada,
a pronúncia suave e precisa da dicção”, homem que se esforçava diariamente para
provocar um pequeno escândalo, ele mesmo teria sido, para alguns dos seus críticos,
aquele que mais se revelou para o seu público:
Ele foi o primeiro a falar de si de forma moderada, como num
confessionário, e não representou o papel de poeta inspirado. O
primeiro que falou de Paris como um condenado cotidiano da capital
(os bicos de gás, que se acendem nas ruas e que atormenta o vento da
Prostituição, os restaurantes e suas clarabóias, os hospitais, o jogo, a
madeira cerrada em lenha que recai no calçamento dos pátios, e a
lareira, e os gatos, camas, meias, bêbados e perfumes de fabricação
moderna), mas isso de maneira nobre, longínqua, superior... O
primeiro que não se faz triunfante, mas se acusa, mostra suas chagas,
sua preguiça, sua inutilidade entediada, no meio deste século
trabalhador e devoto. O primeiro que trouxe à nossa literatura o tédio
na volúpia e seu cenário bizarro: a alcova triste ... e nela a doença (não
91
AUREVILLY, Jules Barbey. Du dandysme et de Georg Brummell, p. 67.
92
CAMUS, Albert. O homem revoltado, p.70-71.
48
a Tísica poética, mas a neurose), sem ter escrito este termo uma
vez.
93
Se o poeta das Flores do Mal buscava algum sentido heróico para o dandismo,
este deveria residir nas mesmas qualidades que tanto o impressionaram em um dos seus
escritores favoritos, Edgar Allan Poe. Firme na convicção de que “em todas as nações
os grandes homens sempre nasceram sem serem desejados”,
94
Baudelaire localiza o
heroísmo do poeta americano na sua singular resistência a uma atmosfera altamente
antipática: um país democrático, cuja “benévola máscara de liberdade” escondia “uma
tirania bem mais cruel e mais inexorável que a de um monarca, a tirania da opinião”.
Em circunstâncias como essas, para que os homens sobrevivam ao aviltamento
nivelador da modernidade, torna-se necessária uma perfeita e distinta atuação:
Nesse fervilhar de mediocridades, nesse mundo carente de
aperfeiçoamentos materiais, [...] apareceu um homem que não foi
grande apenas por sua sutileza metafísica, pela beleza sinistra ou
arrebatadora das suas concepções, pelo rigor de sua análise, mas
grande também e não menos grande como caricatura. O autor que, no
Conversa entre Monos e Una, mostra em abundância seu desprezo e
seu desgosto pela democracia, pelo progresso e pela civilização, esse
autor é o mesmo que, para eliminar a credulidade, para maravilhar a
babaquice dos seus, foi o que mais energicamente colocou a soberania
humana, foi o que mais engenhosamente fabricou os jornais mais
elogiosos para o orgulho do homem moderno. Poe aparece para mim
como um pária que quer fazer o seu senhor envergonhar-se. Enfim,
para afirmar meu pensamento de uma maneira ainda mais clara, Poe
sempre foi grande, não apenas em suas concepções nobres, mas ainda
enquanto um farsante.
95
93
Essa descrição e as demais acima foram recolhidas por Walter Benjamin. BENJAMIN, Walter.
Passagens, p. 302 -291- 286.
94
BAUDELAIRE, Charles. Projéteis. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia e prosa,
p.507.
95
CHARLES, Baudelaire. Notes nouvelles sur Edgar Poe. In: Oeuvres completes, p. 321.
49
II. 2 – Herança controversa
Antes de avançarmos cumpre assinalar que, muito embora o dandismo possua
uma origem histórica definida sendo gerado no interior da aristocracia inglesa no
início do século XIX –, sua entrada na França será marcada por significativas
transformações. Se confiarmos em Jonh C. Prevost, “as modas e gostos vindos da
Inglaterra não constituíram nada além do aspecto mais superficial” do dandismo
francês.
96
No entanto, essa afirmação nos parece excessiva, pois determinados
caracteres herdados do tipo britânico, tais como a frieza e o calculismo, por exemplo,
integram parte fundamental nas diversas manifestações do fenômeno na França.
97
De certa forma, alguns críticos que se dedicaram ao dandismo procuraram
ressaltar a originalidade francesa, amenizando a influência exercida pela Inglaterra, ao
encontrarem outros ancestrais para os dândis em solo pátrio. Esses ancestrais não
deixariam nada a desejar em se tratando de uma conduta estética e uma ética
aristocrática de vida quando comparados com os homens fátuos da alta sociedade
londrina. É assim, por exemplo, que Domna C. Stanton descreve os honnetés hommes e
os précieuses do século XVII; enquanto Jonh C. Prevost lembra tipos como o petit-
maître, roué, muscadin e o fashionable, entre os séculos XVIII e XIX.
98
Emilien
Carassus, por sua vez, afirma que apesar de todas as influências inglesas, “a
originalidade nacional subsiste”.
99
Entretanto, este não é o ponto que mais nos chama a atenção. No caso deste
estudo, não se trata de decidir sobre uma possível disputa entre Inglaterra e França. Se o
96
PREVOST, John C. Le dandysme en France, p. 163.
97
Além das características citadas acima, Barbey d’Aurevilly considera a vaidade, o orgulho e a
excentricidade – “esse outro fruto do terror inglês” –, como traços fundamentais herdados dos
britânicos e indispensáveis para todo o dandismo. AUREVILLY, Jules Barbey. Du dandysme et de
Georg Brummell, p.47.
98
PREVOST, John C. Le dandysme en France; STANTON, Domna C. The aristocrat as art.
99
CARASSUS, Emilien. Le mythe du dandy, p. 68.
50
dandismo francês, assim como a teoria baudelairiana, tem sua especificidade, podemos
supor que ela se menos em função de um passado aristocrático, seja ele de raízes
nacionais ou estrangeiras, do que pela influência do tema da Revolução. Esta questão
específica encobre uma discussão fundamental que não deixou de dividir a crítica
baudelairiana: aquela que diz respeito ao grau de politização do poeta.
Como foi observado, alguns estudiosos da obra de Baudelaire identificam o
trauma da Revolução de 1848 como um marco decisivo nas suas concepções políticas e
estéticas. Este trauma teria acentuado no poeta uma postura cada vez mais hostil aos
assuntos do mundo público durante o Segundo Império francês. Paralelamente a esta
despolitização, constata-se uma imersão progressiva das reflexões de Baudelaire em
uma espécie de obscurantismo estético.
100
Nesse caso, o dandismo figuraria como
manifestação de uma idealidade artística que se pretende totalmente isolada das
perturbações contemporâneas.
101
Seja como for, mesmo a revolta verificada na conduta
dos dândis será relacionada a uma reação aristocrática contra as condições de um
mundo pós Revolução. Não por acaso, Domna C. Stanton considera que Baudelaire, ao
inscrever o dândi numa espécie de aristocracia do espírito, revela um desejo pessoal de
retornar “a um passado imaginário quando uma prepotente classe nobre detinha, sem ser
contestada, a influência sobre outros estados”.
102
100
Em seu estudo sobre Baudelaire, Hugo Friedrich analisa a obra do poeta dando ênfase ao caráter
ontológico da sua estética, ou seja, uma concepção da obra de arte inteiramente fechada sobre si
mesma que se vale de uma extrema obscuridade e da aspiração a uma “idealidade vazia”, no mais das
vezes, de coloração aristocrática. O conjunto desses procedimentos presentes na obra do poeta, leva
Hugo Friedrich a considerar Baudelaire como precursor de uma vanguarda poética que passa por
Rimbaud, Malarmé e Valéry. FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da lírica moderna, p. 35-58.
101
Essa interpretação é evidente, sobretudo, nas obras de Jean Paul Sartre e Domna C. Stanton:
SARTRE, Jean Paul. Baudelaire ; STANTON, Domna C. The aristocrat as art.
102
STANTON, Domna C. The aristocrat as art, p.70. A julgar pela ironia de Baudelaire, a interpretação
de Georges Bataille nos parece mais coerente: “a saudade que não mente não é poética; deixa de ser
verdadeira à medida que se o torna, já que nesse caso, no objeto de que se tem saudade, o passado
tem menos interesse que em si mesmo, a expressão da saudade”. BATAILLE, Georges. A literatura e
o Mal, p.38.
51
Mas essa interpretação não é exclusiva. No extremo oposto argumentativo
encontramos análises como as do crítico alemão Dolf Oehler. Para este autor,
Baudelaire, longe de encarnar uma atitude estética reacionária, fez da sua poética uma
verdadeira arma contra o recalque da memória sobre os eventos de 1848. Nesse
sentido, alguns artifícios utilizados pelo poeta em seus textos, tais como o “dandismo
satânico”, por exemplo, são considerados como “formas de converter, pela ficção,
presságios e intuições numa práxis que, de maneira intrincada, está au service de la
Révolution”.
103
Por uma estratégia ambígua, o dandismo baudelairiano, mesmo quando
assume a máscara do capitalismo opressor, se destinaria a produzir incitamentos “aos
perseguidos, aos sonhadores e aos tímidos, a quem forças insuspeitas podem advir
repentinamente”.
104
As análises de Oehler primam por sua acuidade histórica, sobretudo no que diz
respeito ao contexto semântico da Revolução de 1848. No entanto, a julgar pela
autocrítica que Baudelaire faz do seu envolvimento com os acontecimentos daquele
ano, além das próprias ambigüidades presentes na sua teoria, torna-se difícil enquadrar
o dandismo do poeta em uma postura revolucionária em sentido estrito. O autor que
assumirá o desejo de ser, simultaneamente, carrasco e vítima, que descreve sua
participação nos eventos de 1848 como um “comprazimento na vingança” e se declara
sem convicções, não assume a tarefa de teorizar sobre a ação coletiva, nem ao menos se
torna um panfletário da Revolução.
Neste caso, duas observações devem ser feitas. Em primeiro lugar, dizer que o
dandismo baudelairiano não é estritamente revolucionário – no sentido de que não
conforma uma teoria sobre a ação coletiva e nem faz apologia à Revolução –, não
103
Este argumento se encontra, sobretudo, na interpretação que Oehler faz do poema em prosa
Espanquemos os pobres. OEHLER, Dolf. O velho mundo desce aos infernos, p. 269.
104
OEHLER, Dolf. O velho mundo desce aos infernos, p. 298.
52
significa acusá-lo de despolitização. Mas o vínculo da teoria baudelairiana com as
questões políticas do seu próprio tempo é, fundamentalmente, de ordem individual e
estética. Ele se deixa entrever pela ostentação de um heroísmo que despreza a ação
coletiva se valendo de uma boa dose de encenação teatral:
[...] a política figura sob uma forma alegórica, codificada,
deslocada, como nos sonhos, de maneira que a sua recepção demanda
um verdadeiro trabalho de interpretação. Não mais palavra política
como no lirismo de um Hugo ou de um Lamartine. Não se trata de um
sujeito pessoal assumindo a responsabilidade ética do seu discurso; o
texto não reivindica mais uma ligação estável com a verdade, mas se
coloca sob o signo da mentira e da hipocrisia. A política, passando
pela esfera do inconsciente individual e coletivo –, se mistura aos
fantasmas e aos temas oníricos, o que contribui para a flutuação do
seu sentido.
105
Em segundo lugar, se o dândi não é uma figura de ação que luta na linha de
frente das barricadas disposto a morrer ou a cortar cabeças –, a sua concepção de
heroísmo, mesmo no mais alto grau estético, alimenta-se de uma herança não menos
revolucionária. A estetização de si, a construção meticulosa de um personagem e de
uma auto-imagem, não é um privilégio exclusivo da aristocracia. Os homens da
Revolução tiveram esse procedimento na mais alta conta. O espírito heróico de 1789,
que possuía a capacidade magnética de resgatar as existências mais ordinárias da
opacidade lançando-as na arena onde se decidem as questões públicas –, revela o
vínculo fundamental da política com a questão das aparências. Não é por acaso que se
costuma designar os agentes revolucionários por atores políticos: homens que agem
tendo em vista a publicidade dos seus próprios atos.
106
O espaço público é
fundamentalmente um espaço de aparência, de tal maneira que a paixão heróica
105
PETITIER, Paule. Littérature et idées politiques au XIX siècle, p.73-74.
106
Esta questão é particularmente flagrante na Revolução Francesa, quando se leva em consideração a
importância conferida à retórica parlamentar para a definição de identidades individuais e coletivas
durante a Revolução Francesa. A esse respeito ver: GUMBRECHT, Hans Ulrich. As funções da
retórica parlamentar na Revolução Francesa: estudos preliminares para uma pragmática histórica do
texto. Tradução de: Otte, Georg.
53
despertada pela Revolução Francesa coloca em cena uma ligação primordial entre
política e estética:
Falou-se, seguindo Benjamin, de uma “estetização” moderna da
política, que alguns assimilaram a uma “espetacularização”. Mas a
política não se tornou “estética” ou “espetacular” recentemente. Ela é
estética desde o início, na medida em que é um modo de determinação
do sensível, uma divisão dos espaços – reais e simbólicos – destinados
a essa ou àquela ocupação, uma forma de visibilidade e de dizibilidade
do que é próprio e do que é comum.
107
Nesse sentido, as análises de Baudelaire sobre a Revolução de 1848 estão, de
fato, atravessadas por uma alta dosagem de dandismo e por uma reflexão,
simultaneamente, estética e política. O dandismo caricatural teorizado pelo poeta
estabelece uma relação crítica e ambígua com a tradição revolucionária: aceita algumas
prerrogativas heróicas se propondo a lutar contra a banalidade do mundo moderno, mas,
ao mesmo tempo, denuncia o caráter fútil, perverso ou absurdo das suas ações. O
segredo da revolta dos dândis está na representação, na exasperação das contradições
dos homens que julgam agir em nome da verdade, da natureza ou dos bons costumes. O
caráter artístico desta encenação é o que confere ao indivíduo sua liberdade de ação e
pensamento, resguardando-o da tirania imposta pela moral vigente ou pela opinião da
maioria:
[...] é que o poeta, o ator e o artista, no momento em que executam as
suas obras, acreditam na realidade daquilo que representam,
inflamados que estão da necessidade do próprio trabalho. Assim, a
arte é o único campo espiritual em que o homem pode dizer:
“acreditarei se quiser, e se não quiser, não acreditarei”.
108
A tensão sempre colocada em jogo por Baudelaire entre essência e aparência,
natureza e artifício, universal e particular, finito e infinito, igualdade e liberdade – a lista
107
RANCIÈRE, Jacques. Políticas da escrita, p. 8.
108
BAUDELAIRE, Charles. Salão de 1859. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia e
prosa, p. 810.
54
é maior do que se supõe –, nos remete ao contexto de idéias que envolvem a Revolução
de 1789, tanto no que diz respeito à paixão heróica – considerada por Miguel Abensour
como uma verdadeira “tonalidade de época” –, quanto no que toca à enigmática
identidade do ator revolucionário. Para termos uma idéia mais clara das relações que
foram anunciadas até aqui é preciso analisar em perspectiva histórica a opinião de
Baudelaire sobre alguns temas caros à tradição revolucionária bem como os caminhos
do heroísmo na França do século XIX.
CAPÍTULO III
O dandismo e a estética revolucionária
56
Capítulo III
O dandismo e a estética revolucionária
III.1
Herança revolucionária
Miguel Abensour inicia seu artigo sobre o heroísmo revolucionário
estabelecendo os dois pressupostos básicos sobre os quais se apóia o fenômeno
moderno: a dimensão heróica da grandeza” reintroduzida pelo espírito da Revolução
na França –, e a aposta benjaminiana de que “o herói é o verdadeiro sujeito da
modernidade [...] acrescentando a isso que a modernidade se manifesta pela
metamorfose ou pelas metamorfoses do herói”.
109
Existe uma correlação entre essas
duas idéias que aponta para algumas questões decisivas no que diz respeito aos
contornos do heroísmo na modernidade. Vamos analisá-las por partes.
Primeiramente, Abensour recorre a Hannah Arendt e a Michelet para indicar que
a dimensão heróica da grandeza opera em dois sentidos complementares: desperta a
atenção de homens ordinários para o bem-comum, e ensina a estes novos atores
políticos “o princípio segundo o qual é a humanidade que faz a si própria, é o povo que
faz a si próprio.”
110
Até aqui se encontram todos os elementos positivos engendrados
pela atmosfera do heroísmo a paixão pela liberdade e a coragem necessárias à ação.
Mas ainda é preciso acrescentar que os homens envolvidos pela aura heróica são
lançados diretamente na esfera dos negócios públicos, e esse irrompimento no palco
luminoso da política não se faz sem riscos:
109
ABENSOUR, Miguel. O heroísmo e o enigma do revolucionário. In: NOVAES, Adauto. Tempo e
historia, p.205.
110
ABENSOUR, Miguel. O heroísmo e o enigma do revolucionário. In: NOVAES, Adauto. Tempo e
historia, p.221.
57
Não está precisamente o efeito da Revolução Francesa a maneira
pela qual a Stimmung, a tonalidade geral, afeta os atores o de os
arrancar à vida privada, à obscuridade de carreiras laboriosas para os
projetar em plena luz na cena pública? E, nesse momento privilegiado,
a coragem não consiste em responder ao apelo que vem do mundo?
[...] A entrada na cena revolucionária, a exposição aos perigos em que
se incorre, é um segundo nascimento, prova de um segundo
nascimento, “no qual confirmamos e assumimos o fato bruto de nossa
aparição física original”.
111
Despojado da segurança e do anonimato oferecidos pela vida privada, o herói
que se apresenta diante dos seus iguais experimenta um novo começo onde todas as
possibilidades estão abertas e no qual não é possível prever as conseqüências da sua
própria ação. Neste ponto, Abensour recupera o argumento de Hannah Arendt segundo
o qual a ação confirma a liberdade da condição humana pelo paralelo que estabelece
com o nascimento: “não é o início de uma coisa, mas de alguém que é ele próprio um
iniciador. [...] O fato de que o homem é capaz de agir significa que se pode esperar dele
o inesperado, que ele é capaz de realizar infinitamente o improvável”.
112
A marca
imprevisível e espontânea da ação revela o caráter incondicionado da liberdade. O
indivíduo que atende ao “apelo que vem do mundo” não fabrica – pelo menos a
princípio sua identidade heróica, mas descobre a si mesmo no súbito momento da
ação cuja condição é de se expor frente aos outros homens. Nesse sentido, Abensour
argumenta: “não nos tornamos heróis progressivamente, mas de súbito, de uma vez.
Trata-se da elevação-revelação, pois, como escreveu Dante, a intenção primeira do
agente é revelar sua própria imagem”.
113
Até este momento, o filósofo estabelece aquilo
111
ABENSOUR, Miguel. O heroísmo e o enigma do revolucionário. In: NOVAES, Adauto. Tempo e
historia, p.220.
112
ABENSOUR, Miguel. O heroísmo e o enigma do revolucionário. In: NOVAES, Adauto. Tempo e
historia, p. 190-191.
113
ABENSOUR, Miguel. O heroísmo e o enigma do revolucionário. In: NOVAES, Adauto. Tempo e
historia, p.221.
58
que considera uma concepção sóbria do heroísmo. Por ora, deixaremos em suspenso
essa questão.
no que toca à apresentação benjaminiana da modernidade enquanto
“manifestação das metamorfoses do herói”, podemos extrair mais algumas conclusões.
Com efeito, as análises de Benjamin parecem apontar para duas questões fundamentais:
a primeira diz respeito ao caráter democrático implicado no heroísmo moderno, a
segunda remete ao seu aspecto teatral. Estes dois pontos poderiam ser conjugados da
seguinte maneira: a modernidade de Walter Benjamin é o tempo das aparências, nela o
heroísmo está ao alcance de todos, ele se compõe de várias máscaras e seus papéis estão
vagos. Certamente, o pensador alemão apóia este diagnóstico sobre Baudelaire, o poeta
que a cada dia tinha uma aparência diferente.
114
A dissimulação da poética
baudelairiana, que encarna sucessivamente uma série de personagens fantasmagóricos
entre eles o dândi –, indica a Benjamin uma certa esterilidade contida no fenômeno do
heroísmo: “o herói moderno não é herói – apenas representa o papel do herói. A
modernidade heróica se revela como uma tragédia onde o papel do herói está
disponível”.
115
Nesse caso, percebe-se que o heroísmo esvaziou-se de qualquer
substância, o herói dissimula, obscurece e não mais revela; “por detrás das máscaras que
usava o poeta em Baudelaire guardava o incógnito”. Talvez isto explique o fato de
Benjamin não depositar muita confiança no dândi baudelairiano. O pensador alemão
acredita que este tipo está conscientemente marcado pelo signo fatal da modernidade. A
imagem desoladora de um “Hércules sem emprego” oferecida por Baudelaire caberia no
dândi à exatidão: o herói que “deseja ser levado, ser acolhido pela grandeza”, está de
antemão condenado ao fracasso, pois o fluxo contínuo e homogêneo do tempo na
114
Benjamin se refere à reclamação de Coubert que tentava pintar um retrato de Baudelaire.
BENAJIMIN, Walter. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo, p. 95.
115
BENAJIMIN, Walter. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo, p. 94.
59
modernidade o acorrenta a um mundo sem transcendência. Mergulhado no spleen o
dândi se afasta do ideal, “para ele o alto-mar acena em vão”, a modernidade “paira
sobre sua vida como uma má estrela”, como uma fatalidade impressa na sua consciência
devoradora do tempo: “nela o herói não cabe; ela não tem emprego algum para esse
tipo”.
116
Em todo caso, se o diagnóstico de Benjamin sobre a esterilidade do heroísmo
parece se apoiar sobre uma exacerbação do princípio estético ou teatral que nele se
encontra, este princípio, em sua base, não é tomado em um sentido negativo. De acordo
com Benjamin, a conduta de alguns homens da Revolução Francesa quando se revela
inspirada pelos heróis da república romana, por exemplo – tem a virtude de quebrar com
certa concepção homogênea e vazia do tempo histórico. A associação de eventos
cronologicamente distantes é capaz de substituir a linearidade temporal por uma
apreensão sincrônica da história, sempre a aberta à irrupção meteórica e revolucionária
do passado no presente:
A história é o objeto de uma construção cujo lugar não é o tempo
homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de “agoras”. Assim, a
Roma antiga era para Robespierre um passado carregado de “agoras”,
que ele fez explodir do continuum da história. A Revolução Francesa
se via como uma Roma ressurreta. Ela citava a Roma antiga como a
moda cita um vestuário antigo. A moda tem um faro para o atual, onde
quer que ele esteja na folhagem do antigamente. Ela é um salto de
tigre em direção ao passado. [...] O mesmo salto, sob o livre céu da
história, é o salto dialético da Revolução, como o concebeu Marx.
117
Em certo sentido Benjamin tem razão ao apoiar o heroísmo revolucionário na
ressurreição e na estilização da república romana aludindo, para tanto, à Marx, muito
embora as conclusões extraídas desse fato sejam bem diferentes entre os dois
pensadores. O autor do 18 Brumário reconhece que a evocação da tradição republicana
116
BENAJIMIN, Walter. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo, p. 93.
117
BENJAMIN. Walter. Sobre o conceito de história. In: BENJAMIN. Walter. Magia e técnica, arte e
política, p. 229-230.
60
antiga pelos personagens da Revolução Francesa foi decisiva para que estes homens
desempenhassem a tarefa de “libertar e instaurar a moderna sociedade burguesa”. Uma
necessidade histórica cuja grandeza exigia um entusiasmo capaz de tornar os atores
revolucionários aptos a cumprirem esta missão:
E nas tradições classicamente austeras da República romana, seus
gladiadores encontraram os ideais e as formas de arte, as ilusões de
que necessitavam para esconderem de si próprios as limitações
burguesas do conteúdo de suas lutas e manterem seu entusiasmo no
alto nível da grande tragédia histórica. Do mesmo modo, em outro
estágio de desenvolvimento, um século antes, Cromwell e o povo
inglês haviam tomado emprestado as paixões e as ilusões do Velho
Testamento para a sua revolução burguesa.
118
Segundo Marx, essa constatação não pode ser estendida à Revolução de 1848,
uma vez que ela é considerada pelo autor como uma paródia dos eventos de 1789. D
sua famosa apresentação das repetições na história: “a primeira vez como tragédia, a
segunda como farsa”. O contraste evocado pela análise de Marx entre a “ressurreição
dos mortos” operada nas duas revoluções certamente não passou desapercebido na
leitura que faz Abensour do 18 Brumário. Se a repetição de 1848 parece estéril, o
heroísmo da Revolução Francesa inspirado em Roma cumpriu um papel fundamental:
“foi uma ilusão a um tempo necessária (função de dissimulação) e eficaz (função de
elevação e de transfiguração)”.
119
Eis aí uma questão importante: a presença simultânea da dissimulação e da
elevação-revelação presentes no fenômeno do heroísmo. Ao relacionarmos estas idéias
podemos intuir o que está em jogo. O heroísmo revolucionário é o pólo de atração que
convida os homens a se interessarem pelo bem comum. Eles não podem atender a este
apelo sem a coragem para “transpor o abismo que separa o abrigo da esfera privada dos
118
MARX, Karl. O 18 Brumário, p.19. A esse respeito ver, também: ABENSOUR, Miguel. O heroísmo
e o enigma do revolucionário. In: NOVAES, Adauto. Tempo e historia, p.216.
119
ABENSOUR, Miguel. O heroísmo e o enigma do revolucionário. In: NOVAES, Adauto. Tempo e
historia, p.216.
61
perigos da vida pública”.
120
Mas transpor esse abismo significa aparecer, distinto em
atos e palavras, frente aos seus iguais e, no exato instante desse aparecimento, coloca-se
em questão a identidade daquele que age.
Se considerarmos que a paixão heróica tende a uma espécie de estilização da
conduta do herói, vemos se instaurar a tensão entre a fabricação de uma identidade e a
revelação do ator diante do seu público. Quando o herói, no transcurso da sua ação,
pretende controlar a imagem que dele fazem os outros, ele corre o risco de trair o
impulso virtuoso que lhe servia inicialmente de sustentação a saber, a paixão pela
liberdade e pelo bem-comum –, substituindo-o por outras questões que podem levá-lo a
um terreno estranho à política:
A pergunta dramática de Robespierre, no famoso discurso do 8
Termidor, quem sou eu, a quem me acusam?”, é a própria pergunta
do herói. Aqui, não é a acusação que é determinante – pois a pergunta
pode igualmente se formular: quem sou eu, a quem incensam?”. O
quem sou eu é que é o essencial. É bem a revelação de quem é alguém,
e não a resposta ao que alguém é, que está em jogo. O herói é como
uma identidade em questão. Um duplo de si não cessa de o
acompanhar, de o obsedar e ao mesmo tempo o cessa de lhe
escapar. É por isso que bem depressa o herói é levado a ver sua
existência como o transcurso de um drama moral. Daí, também, uma
tendência irreprimível à estilização. O herói a si mesmo; no
mínimo observa-se. Em um sentido, a primeira vítima da idolatria do
herói é o próprio herói.
121
A ação que inicialmente possuía um fim político corre o risco de se tornar um
meio de promoção pessoal – a oportunidade que o ator encontra de exprimir uma
individualidade excepcional, heróica ou, ainda, uma forma de conferir à política um
caráter instrumental, exterior a seus princípios: “a ação sem seu caráter revelador torna-
120
ABENSOUR, Miguel. O heroísmo e o enigma do revolucionário. In: NOVAES, Adauto. Tempo e
historia, p.220.
121
ABENSOUR, Miguel. O heroísmo e o enigma do revolucionário. In: NOVAES, Adauto. Tempo e
historia, p.223.
62
se um feito qualquer, e o discurso apenas um meio para se alcançar um fim”.
122
É nesse
ponto que podemos perceber o deslize de uma “concepção sóbria” do heroísmo no
sentido arendtiano da ação e do discurso reveladores para uma “concepção sublime”
na qual o herói busca a identificação com uma instância divina ou sobrenatural, para
demonstrar o seu caráter extraordinário e justificar suas ações por uma lógica que se
coloca fora do alcance dos homens comuns:
[...] como se esse impulso em nome do herói se ossificasse, se
mumificasse, se reificasse em uma imagem heróica constrangedora,
sombra nova que acompanha o ator político para não mais o deixar,
uma espécie de fetiche que se torna o critério do bem e do mal. [...]
Pode-se falar nesse plano de uma verdadeira alienação heróica, na
medida em que o modelo do herói, verdadeira idéia fixa, vem
interpor-se entre o ator e o real, vem ocultar o real da Revolução como
acontecimento político para o substituir por desafios e por uma
dramaturgia de ordem inteiramente diversa. Michelet, se o teorizou
explicitamente esse efeito da disposição heróica, não deixou de ser
sensível a essa dimensão quando, várias vezes, chamou a atenção para
o caráter minuciosamente calculado de certas personalidades
revolucionárias, como Marat, mas sobretudo Robespierre.
123
As dúvidas surgidas sobre a conduta heróica, sobre a revelação de uma
identidade política, remetem ao suporte sobre o qual se apóia a ação de alguns
personagens da Revolução Francesa. Mais especificamente, o problema que se coloca
faz referência aos princípios que informam o heroísmo, aqueles em nome dos quais o
herói busca justificar os seus atos e a sua imagem pública. Se o jacobino de origem
aristocrática Hérault Séchelles, por exemplo, sustenta suas atitudes sobre o domínio das
aparências o que, sob esse ponto de vista, está mais próximo do dandismo de
Baudelaire – outras personalidades da Revolução que contribuíram de forma mais
decisiva para os rumos do movimento deflagrado em 1789, entre eles Saint-Just e
Robespierre, buscaram apoio em instâncias distintas tais como a natureza, a virtude, a
122
ARENDT, Hannah, A condição humana, p.193.
123
ABENSOUR, Miguel. O heroísmo e o enigma do revolucionário. In: NOVAES, Adauto. Tempo e
historia, p.219.
63
verdade, a razão ou, ainda, a necessidade histórica. Não se trata, como bem adverte
Abensour, de opor radicalmente a mentira de Sechélles à verdade de Robespierre ou
Saint-Just, pois nenhum desses personagens prescinde da estilização das suas
identidades heróicas. Mas é forçoso, e até banal, reconhecer que os princípios em nome
dos quais atuaram estes dois últimos oferecem a face mais comum através da qual a
Revolução se apresentou à história.
A respeito de Robespierre e Saint-Just, Abensour descreve uma espécie de
“heroísmo da sinceridade” cujo modelo é inevitavelmente Rousseau: “Figura exemplar
na luta contra a sociedade do seu tempo ‘homem divino’, escreve Robespierre
Rousseau fornece a esse heroísmo sua temática, sua postura de acusação e o esquema
organizador, a saber, a distinção do ser e do parecer”.
124
Nesse caso, trata-se de lutar
contra a mentira das aparências, contra o “embuste universal” em nome da virtude. “O
herói sincero está em um estado de coincidência de si para si”, o que quer dizer que o
seu discurso deve corresponder a sua ação. O retorno à natureza, que se coloca como
um dos grandes fundamentos da ação revolucionária, significa a instauração de uma
ordem moral onde reina a transparência entre os homens e na qual a verdade não pode
ser obscurecida pelas máscaras da sociedade. A natureza é a pedra de toque capaz de
harmonizar a razão e a virtude com ação revolucionária; uma moral definitiva que,
teoricamente, se enraíza na vontade geral do povo expressa pelas leis e põe em
marcha a justiça absoluta que deve desobstruir as barreiras levantadas pela tirania. Em
pouco tempo, com notou Albert Camus, a questão será repreender toda e qualquer
oposição que se coloque no caminho da conciliação da sociedade consigo mesma:
A moral, portanto, é apenas uma natureza recuperada após séculos de
alienação. Se derem aos homens apenas leis “segundo a natureza e ao
seu coração”, ele deixará de ser corrupto. [...] “A moral”, diz Saint-
124
ABENSOUR, Miguel. O heroísmo e o enigma do revolucionário. In: NOVAES, Adauto. Tempo e
historia, p.226.
64
Just, “é mais forte que os tiranos”. Efetivamente ela acabava de matar
Luís XVI. Toda desobediência à lei não decorre portanto de uma
imperfeição, supostamente impossível, dessa lei, mas de uma falta de
virtude do cidadão refratário. Por isso, a república não é somente um
senado, como diz Saint-Just com veemência, ela é a virtude. Toda
corrupção moral é ao mesmo tempo corrupção política, e vice-versa.
Oriundo da própria doutrina instala-se então um princípio de repressão
infinita.
125
Seguramente, estamos diante de uma leitura dogmática da obra de Rousseau. A
natureza se tornou um fundamento metafísico que ultrapassa os indivíduos e define
critérios universalmente válidos para a ação. Em certo sentido, podemos mesmo falar de
uma relativa inversão de termos que se realiza sobre o conceito de natureza: da
subjetividade pela objetividade, da imanência pela transcendência. Vejamos porque.
De acordo com Jean Starobinsky, o estado de natureza em Rousseau faz
referência, antes de tudo, ao indivíduo que descobre por si e em si mesmo tanto os
malefícios operados pela queda da humanidade no mundo das aparências, quanto a
possibilidade de retorno à transparência que devolveria ao homem o caráter imediato
das suas relações com os outros e com a realidade que o cerca:
Como se a norma já não é transcendente, é imanente ao eu. Basta
ser sincero ser eu mesmo, e então o homem da natureza não é mais
o distante arquétipo ao qual me refiro, ele coincide com a minha
própria presença, com a minha própria existência. A transparência
antiga resultava da presença ingênua dos homens sob os olhares dos
deuses; a nova transparência é uma relação interior ao eu, uma relação
consigo mesmo; realiza-se na limpidez do olhar sobre si mesmo, que
permite a Jean-Jacques pintar-se tal como é.
126
O retorno à transparência, à comunicação direta entre as consciências, só pode se
dar quando os indivíduos eliminam o orgulho que resultou na alienação de cada um dos
homens em sua própria aparência. Esta alienação não é outra coisa senão a semente da
desigualdade: “Cada qual principia a olhar os outros e a querer que o olhem, e a estima
125
CAMUS, Albert. O homem revoltado, p. 150-151.
126
STAROBINSKY, Jean. Jean-Jacques Rousseau, p. 30.
65
pública teve um preço. Aquele que melhor cantava ou dançava, o mais belo, o mais
destro ou o mais eloqüente vem a ser o mais considerado; este foi o primeiro passo para
desigualdade e, ao mesmo tempo para o vício”.
127
que o preço da estima pública é a desigualdade, percebe-se que, se o esquema
teórico de Rousseau recusa a vaidade, ele tampouco pode aceitar a estilização na
conduta heróica. Segundo Alain Tourraine, “pertencem à natureza, sem prejuízo do seu
conteúdo, todas as verdades que são susceptíveis de um fundamento imanente, não
exigindo qualquer revelação precedente, que são em si mesmas certas e evidentes”.
128
Como foi sugerido, essa evidência está enraizada na subjetividade de cada indivíduo
e não na objetividade de uma norma capaz de definir os rumos da ação revolucionária e
da alteração histórica, tal como se apresenta no heroísmo de Saint-Just que, segundo
Abensour, pensa o estado de natureza como um “estado imediatamente social”:
Não se pode deixar de ficar impressionado, com efeito, pelo clima
fundamentalista de tal pensamento, levado pela vontade de assentar a
ação política ou antes a Revolução, pois se trata apenas de política?
– em um fundamento metafísico, a ordem da natureza. Tendo em vista
a instituição da República da virtude, a natureza faz figura a um
tempo de absoluto e de norma: ela contém a substância de uma ordem
objetiva e define os critérios a partir dos quais julgar o que vai no
sentido da Revolução ou, ao contrário, o que a ela se opõe. Sob o
domínio de tal fundamentalismo, o herói vê ser-lhe atribuída uma
nova postura, ao mesmo tempo que participa da autoridade e da ordem
assim invocada. Zelador da natureza, cabe-lhe, por um redobramento
de energia, tentar inverter o curso da história, “a alteração histórica”, a
fim de recuperar, contra séculos de corrupção monárquica, e a
despeito da desnaturalização que lhes seguiu, o reino da natureza.
129
127
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a desigualdade. In: ROUSSEAU, Jean-Jacques. O
contrato social e outros escritos, p. 181.
128
TOURRAINE, Alain. Crítica da modernidade, p. 23.
129
ABENSOUR, Miguel. O heroísmo e o enigma do revolucionário. In: NOVAES, Adauto. Tempo e
historia, p.226.
66
Nesse caso, o retorno à natureza liga-se ainda a uma outra questão central
colocada em cena pela Revolução Francesa, a saber, a da necessidade histórica.
130
Este
último elemento faz referência direta à alteração no campo de experiências e no
horizonte de expectativas vivenciados pelos atores revolucionários, como indica
Reinhart Koselleck. Se a natureza, enquanto fundamento da ação revolucionária,
anuncia o reino da liberdade e da virtude, cumpre aos atores políticos acelerar o passo
da história em direção ao futuro desejado. Assim, enquanto nos séculos XVI e XVII a
aceleração do tempo configura-se enquanto uma categoria escatológica o advento do
fim da humanidade, anunciado sob diferentes perspectivas entre católicos e protestantes
–, a partir da experiência desprendida pela Revolução os homens passam por um
“processo inconsciente de secularização das expectativas apocalípticas de salvação”.
131
É nesse sentido que se pode compreender a famosa frase de Robespierre: “É chegada a
hora de conclamar cada um para o seu verdadeiro destino. O progresso da razão humana
preparou esta grande Revolução, e vós sois aqueles sobre os quais recai o especial dever
de acelerá-la”.
132
De acordo com Alain Tourraine, “é a Revolução Francesa que faz entrar na
história e no pensamento a idéia do ator histórico, do encontro de um personagem ou de
uma categoria social e do destino, da necessidade histórica”.
133
Esse encontro entre
destino e atores políticos promovido pela Revolução foi ainda responsável por conferir
uma dimensão inédita à historia: a de um “coletivo singular”. Dentre outras coisas, isso
implicou tanto na crença de que os homens são senhores de si e do próprio futuro – uma
130
Segundo Alain Tourraine, “a idéia central da Revolução Francesa, sobretudo do seu principal ator,
Robespierre, foi afirmar que o processo revolucionário era natural e devia ser ao mesmo tempo
voluntário, que a Revolução era tanto obra da virtude quanto da necessidade”. TOURRAINE, Alain.
Crítica da modernidade, p. 75.
131
KOSELLECK, Reinhart, Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos, p.69.
132
ROBESPIERRE apud KOSELLECK, Reinhart, Futuro passado: contribuição à semântica dos
tempos históricos, p.25.
133
TOURRAINE, Alain. Crítica da modernidade, p. 72.
67
espécie de mito prometeico que se estende por todo o século XIX –, quanto na
atribuição de um caráter transcendental à própria Revolução:
A idéia do coletivo singular possibilitou outro avanço. Permitiu que se
atribuísse à história aquela força que reside no interior de cada
acontecimento que afeta a humanidade, aquele poder que a tudo reúne
e impulsiona por meio de um plano, oculto ou manifesto, um poder
frente ao qual o homem pôde acreditar-se responsável, ou mesmo em
cujo nome ele pôde acreditar estar agindo. O advento da idéia do
coletivo singular [...] deu-se em uma circunstância temporal que pode
ser entendida como a grande época das singularizações, das
simplificações que se voltavam social e politicamente contra a
sociedade estamental: das liberdades fez-se a Liberdade, das justiças
fez-se a Justiça, dos progressos o Progresso, das muitas revoluções
La Révolution”.
[...] É assim que a revolução torna-se um conceito meta-histórico,
separando-se completamente da sua origem natural e passando a ter
por objetivo ordenar historicamente as experiências de convulsão
social. Em outras palavras, o conceito adquire um sentido
transcendental, tornando-se um princípio regulador tanto para o
conhecimento quanto para a ação, de todos os homens envolvidos na
revolução.
134
Mas, se prestarmos atenção na conclamação que faz Robespierre, perceberemos
que ele convida os homens a tomarem parte em um processo que, à despeito do
voluntarismo necessário à aceleração do seu cumprimento, configura-se como
irreversível. Como enfatiza Hannah Arendt em Da Revolução, o surgimento da
categoria da necessidade histórica é acompanhado de uma pretensão à irreversibilidade
e à universalização:
Onde antes, isto é, nos dias felizes do Iluminismo, apenas o poder
despótico do monarca parecia se interpor entre o homem e a sua
capacidade de agir, surgiu de repente uma força muito mais poderosa
que compelia os homens à sua vontade, e da qual não havia libertação
possível, revolta ou fuga, a força da história e da necessidade
histórica.
135
134
KOSELLECK, Reinhart, Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos, p.52 e 69.
135
ARENDT, Hannah. Da Revolução, p. 41.
68
Isso significa que a margem de ação da maioria dos indivíduos engajados no
movimento revolucionário está restrita à possibilidade de inserção em uma ordem
inexorável, naturalmente impelida em direção ao futuro. Contudo, o mesmo não ocorre
com os protagonistas da Revolução e, nesse caso, chegamos a outro ponto polêmico: o
herói, intérprete da natureza e da necessidade histórica, pretende se diferenciar dos seus
iguais na medida em que – por um colossal desdobramento de forças e por uma refinada
capacidade profética ele se atribui um papel decisivo na condução da humanidade a
um futuro que, embora desconhecido, se supõe desejável. Entretanto, como observou
Koselleck, a promessa de felicidade em um tempo vindouro tem por conseqüência fazer
escorregar das mãos da maior parte dos atores revolucionários o próprio destino: “a
fixação dos atores um uma situação final determinada mostra-se como pretexto para um
processo histórico que se furta ao olhar dos participantes contemporâneos”.
136
No fim das contas, o heroísmo encarnado por alguns personagens de 1789 se
incumbia da tarefa de zelar pela própria Revolução. O fenômeno se alimentava do
sincero desejo de definir alguns contornos para o movimento imprevisível e fatal que
havia começado naquele ano: “A Revolução, por essência é móvel. Ora, em vez de
assumir-lhe a mobilidade, o herói manifesta uma vontade reiterada, compulsiva, de
desenhar limites no interior dos quais estabelecer uma determinação à Revolução,
circunscrevendo o que Saint-Just chama de o ‘círculo da ordem estabelecida’”.
137
Que o herói pretenda controlar minimamente um movimento que, no fim das
contas, ele mesmo julga inexorável, não expressa simplesmente um desejo de
manipulação mas, antes, sua própria megalomania. Além do mais, a mesma idéia de
irresistibilidade imputada à Revolução pode ser facilmente encontrada entre aqueles que
136
KOSELLECK, Reinhart, Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos, p.37.
137
ABENSOUR, Miguel. O heroísmo e o enigma do revolucionário. In: NOVAES, Adauto. Tempo e
historia, p. 232.
69
estavam ao lado da ordem ameaçada de ruir. Como demonstrou Hannah Arendt, o
conceito de revolução começa a assumir sua forma moderna desde o dia 14 de julho de
1789. A advertência feita pelo duque de La Rochefoucauld-Liancourt a Luís XVI a
saber, de que o reboliço que acabara de atingir a Bastilha não se tratava de uma revolta,
mas de uma revolução denuncia o caráter inelutável de um acontecimento que não
tardaria a invadir o século XIX:
[...] o movimento ainda é visto através da imagem da oscilação das
estrelas, mas o que é enfatizado agora é que está além do poder
humano detê-lo e, como tal, é uma lei em si mesma. [...] Liancourt
replicou que o que tinha acontecido era irrevogável e além do poder
de um rei. [...] A noção de um movimento irresistível, que o século
XIX logo deve conceituar na idéia de necessidade histórica, ecoa, do
princípio ao fim, nas páginas da Revolução Francesa. [...] Nas décadas
seguintes à Revolução, essa associação de uma poderosa corrente
subterrânea, que arrastava os homens inicialmente para a superfície de
feitos gloriosos, para em seguida submergi-los no perigo e na infâmia,
havia de se tornar predominante. As diferentes metáforas através das
quais a revolução era vista, não como obra do homem, mas como um
processo irresistível, as metáforas da caudal, torrente ou correnteza,
ainda foram forjadas pelos próprios participantes, os quais, por mais
embriagados que estivessem com o vinho da liberdade, no abstrato,
positivamente não mais acreditavam que estivessem agindo
livremente.
138
Segundo Hannah Arendt, os principais responsáveis por derivar da Revolução a
idéia de uma necessidade histórica, e por conferir definitivamente um caráter
irresistível a este movimento, não foram os atores de 1789, mas os rebentos franceses
do século seguinte. Esses homens, na qualidade de espectadores da grande Revolução,
pretenderam descobrir, como Hegel, uma força dialética inerente à história e calcada
sobre a experiência dinâmica oferecida pelas agitações revolucionárias: “da revolução e
da contra-revolução, do 14 de julho ao 18 de Brumário e à restauração da monarquia,
nasceu o movimento e o contramovimento dialético da História [...].”
139
138
ARENDT, Hannah, Da Revolução, p. 38-39.
139
ARENDT, Hannah, Da Revolução, p. 43.
70
De fato, desde que a Revolução se tornou irresistível ela foi seguida de perto por
seu par antagônico, a reação.
140
Nesse sentido, podemos afirmar que a discussão das
gerações que sucederam aos eventos de 1789 assim como conteúdo que, desde então,
informa as diversas concepções de heroísmo na França –, estava dividida entre dois
pólos: um que se esforçava por terminar a Revolução e outro empenhado em permitir o
seu livre curso sobre a história. Não deixa de ser curioso notar que, em qualquer dos
lados em que nos situemos, fechar ou desobstruir o ciclo dos movimentos
revolucionários é quase sempre justificado com a exigência histórica.
No caso da Restauração, por exemplo período em que o dandismo
desembarcou na França – a geração de políticos que se anunciava supunha que a
qualidade heróica das suas ações residia na tentativa de inscrever um regime durável no
seio do um mundo ainda perturbado pela torrente revolucionária. Essa era uma questão
comum não entre os liberais, mas também entre os ultras. De acordo com o
historiador francês Ronsavallon, o problema se colocava para a geração de políticos da
Restauração da seguinte maneira:
Para fechar, enfim, a Revolução, é preciso restabelecer a
inteligibilidade da história, compreender 1789 como 1793, descobrir
porque a França foi abalada entre tantos abismos e decepções, quando
mesmo ela pensava, a cada vez, ter chegado a um porto seguro. Não
tinha sido suficiente, com efeito, para os constituintes de 1791
proclamar, como Banarve, “a revolução terminou” para que ela
terminasse efetivamente; nem ainda à Bonaparte que tinha fechado a
declaração do 18 Brumário sob uma afirmação idêntica (“A
Revolução está afixada pelos princípios que lhe deram origem: ela
chegou ao fim”). A cada momento tomou-se o fim de um ato pelo da
140
De acordo com Koselleck, assim como o conceito de revolução afasta-se, a partir da experiência
francesa, da sua origem natural, o mesmo acontece com o conceito de reação: “É apenas no turbilhão
da aceleração que nasce um movimento de adiamento, que contribui para a antecipação do tempo
histórico pela alternância de reação e revolução. Aquilo que, antes da revolução, foi entendido como
Kathecon, torna-se agora o próprio catalisador da revolução. A reação, que no século XVIII ainda é
empregada como uma categoria mecanicista, torna-se funcionalmente um vetor que tenta deter
aquela”. KOSELLECK, Reinhart, Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos,
p. 37.
71
peça como dirá Tocqueville falando de 1830. Fundar, inscrever na
duração, estabilizar: essa é a obsessão da geração da Restauração.
141
Apesar do desejo de terminar a Revolução, “os liberais de 1814 se definiam
como os herdeiros da ambição dos revolucionários de 1789, mantendo o sentimento de
pertencer a uma geração radicalmente nova pela natureza da missão que a história lhes
conferia”.
142
O parentesco reivindicado por alguns homens da Restauração com o
passado revolucionário se no nível de uma identificação de destinos; a unidade entre
eles se encontra na idéia de que tudo no mundo ainda está por fazer (mito prometeico) e
de que a história tem suas próprias leis (necessidade histórica): “Os homens de 1814
têm a sensação de uma imensa tarefa a realizar; aquela que consiste em construir a
França nova depois que a França antiga foi destruída por seus antecessores de 1789”.
143
Está claro que nesse período a relação que se estabelecia com a herança
revolucionária era ambivalente. Caso emblemático é o de François Guizot e o grupo
dos Doutrinários. O pequeno círculo de intelectuais e homens públicos que começou a
se formar a partir de 1816, logo se constituiu em um partido de oposição aos ultra-
monarquistas que não deixou de apoiar Luís XVIII e nem de defender a Carta
constitucional de 1814. Guizot, sempre em posição de destaque, define a postura
política do seu grupo em relação à Revolução da seguinte maneira: “Admitamos sem
subterfúgios; enquanto destruidora, a Revolução está feita, não há porque insistir nisso;
enquanto fundadora, está começando”.
144
Seja como for, os doutrinários negam o “terror” revolucionário, mas assumem a
missão histórica legada pelo passado recente. Essa missão consistiria em construir uma
ordem política nova, capaz de assegurar sua própria estabilidade sobre herança da
141
ROSANVALLON, Pierre. Le moment Guizot, p. 18.
142
ROSANVALLON, Pierre. Le moment Guizot, p. 18.
143
ROSANVALLON, Pierre. Le moment Guizot, p. 20.
144
ROSANVALLON, Pierre. Le moment Guizot, p. 18.
72
igualdade civil que, desde 1789, estaria enraizada nos costumes dos franceses. Assim,
para Guizot, a verdadeira novidade trazida pela Revolução foi o advento da classe
média, depositária contemporânea do princípio de igualdade civil. De acordo com
Michel Winock,
[...] essa visão de história, para ele, é também um programa político: o
que Luís XVI o compreendeu em 1792, Luís XVIII precisa
compreender em 1820, o que parecia ter feito quando outorgou a carta
de 1814; o futuro da Monarquia estará comprometido se estiver
apoiado na antiga aristocracia, nos vencidos da Revolução. A
estabilidade do regime, ao contrário, está no apoio das classes médias.
Sendo assim, cabe à Monarquia constitucional sancionar a herança da
Revolução.
145
Mas aqui o herói se encontra decididamente ao lado da reação ainda que,
relativamente a Guizot e a alguns liberais, se trate de uma reação “progressista”
empenhada em descobrir as leis da história através da ciência e da razão, e não mais da
virtude ou da natureza. Ou seja, a maior parte dos ultra-monarquistas e liberais revelam,
durante os primórdios da Restauração, o desejo comum de barrar a temível marcha do
povo em busca da sua própria soberania:
A abundante literatura publicada durante os primeiros anos da
Restauração está marcada por uma preocupação central: retirar a
política do domínio da paixão para obrigá-la a entrar na era da razão;
substituir os riscos da vontade pelas regularidades de uma ordem
científica. É por esse motivo que se critica, de todas as partes, o
dogma da soberania do povo acusado de ter autorizado os excessos
da Revolução –, procurando-se o caminho de um governo racional e
científico. A idéia é até banal. Ela se encontra tanto em Auguste
Comte como em Guizot, Benjamin Constant ou Dunoyer.
146
Entretanto, o espectro da Revolução nunca saiu completamente de cena. No ano
de 1830 ele volta a assombrar, literalmente, a cabeça de alguns franceses, como
testemunha o próprio rei: “O espírito da revolução subsiste inteiramente nos homens da
145
WINOCK, Michel. As vozes da liberdade: escritores engajados do século XIX, p. 122-127.
146
ROSANVALLON, Pierre. Le moment Guizot.
73
esquerda; ao atacarem o ministério, é a realeza que eles condenam, é o sistema
monárquico que querem derrubar”.
147
O medo de Carlos X nos mostra o quanto a idéia
de um movimento dialético presente na história que se alterna entre revoluções e
reações –, não é sentido em seu caráter abstrato ou conceitual, mas na concretude dos
acontecimentos contemporâneos. Não por acaso, logo depois dos eventos de julho
daquele ano a discussão que se seguiu entre os deputados sobre a revisão da carta
Constitucional de 1814 dividiu-se em duas tendências: resistência e movimento.
148
Foi
ainda em 1830 que Proudhon cunhou a expressão “revolução em estado permanente”,
cujos termos são retomados por Marx em 1850 para deduzir, diante do fracasso de
1848, que o movimento revolucionário ainda esperava por seu desfecho.
149
Muito embora a agitação de 1830 tenha terminado de forma bastante
conciliatória com a substituição de Carlos X por Luís Felipe, ou seja, de um Bourbon
por outro a Revolução reapareceu na França como uma espécie de engrenagem capaz
de “recolocar em marcha o movimento da história, como uma liberação das energias
recalcadas depois do Império”.
150
François Guizot – que entre 1830 e 1848 representa o
exemplo mais bem acabado do heroísmo conservador, famoso por sua arrogância e
extrema frieza também parece apontar uma misteriosa força que impeliu os homens
para o movimento revolucionário naquele ano:
como que um contágio de destruição que se propaga com uma
terrível rapidez [...] os inimigos da ordem estabelecida, os habituais
conspiradores, as sociedades secretas, os revolucionários de qualquer
147
WINOCK, Michel. As vozes da liberdade: escritores engajados do século XIX, p.154.
148
Segundo Michel Winock, “a primeira, representada por Guizot e de Broglie, mais próxima de Luís
Felipe, quer o mínimo de emendas na Carta de 1814; a segunda, representada por La Fayette, Dupont
de l’Eure e Benjamin Constant, gostaria de torná-la mais liberal ainda”. WINOCK, Michel. As vozes
da liberdade: escritores engajados do século XIX, p. 166.
149
A esse respeito ver: KOSELLECK, Reinhart, Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos
históricos, p. 73.
150
PETITIER, Paule. Literáture et idées politiques aux XIX siècle, p. 32.
74
tendência, os sonhadores de toda espécie de futuro lançaram-se no
movimento e, a cada instante, tornavam-se mais exigentes.
151
Guizot tinha razão, não contava que as exincias do povo progrediriam tão
rapidamente: “a frustração política se manifesta desde o fim de 1830, quando as classes
populares têm o sentimento de ver o movimento de Julho confiscado”.
152
Entre os anos
1831 e 1834 a França assiste a um acentuado crescimento de sociedades republicanas e
populares que, de acordo com Ronsavallon, serão as matrizes do movimento operário e
socialista nacionais.
153
Em 1831 estoura uma revolta de operários em Lyon, a primeira
desde o início da Monarquia de Julho. A partir deste momento, os franceses terão de se
acostumar com as freqüentes greves, manifestações e rebeliões de trabalhadores. O
irrompimento dos proletários na cena política dos anos 1830 – termo que passa a ser de
uso comum coloca em evidência uma classe de indivíduos privada de direitos
políticos e sociais, cujo número aumentava paralelamente à exigência de participação
política e de justiça social.
Como Ministro das Relações Exteriores desde 1840, Guizot encarna o
verdadeiro chefe de Estado disposto a resistir, até o último instante, às progressivas
pressões sobre a reforma eleitoral. O ministro se mantém firme: tem horror ao sufrágio
universal e não é capaz de aceitar sequer as propostas mais moderadas de redução do
censo eleitoral. O imobilismo de Guizot – que desejava garantir a estabilidade do
governo sob o apoio exclusivo das classes-médias mais abastadas e dos grandes
proprietários somado à crise econômica que se instala no país em meados da década
de 1840, e às pressões no parlamento e nas ruas, mais uma vez anuncia a Revolução.
151
GUIZOT apud WINOCK, Michel. As vozes da liberdade: escritores engajados do século XIX,
p.158.
152
RONSAVALLON, François. Le sacre du citoyen, p. 331.
153
RONSAVALLON, François. Le sacre du citoyen, p. 332.
75
Em um debate parlamentar de janeiro de 1848, Tocqueville parece pressentir o perigo
da paixão heróica que se aproximava:
Será que os senhores não sentem por uma espécie de intuição
instintiva que não pode ser analisada, mas é segura, que o chão
estremece outra vez na Europa? (Movimento). Será que os senhores
não sentem – como direi? – um vento de revoluções no ar? Esse vento,
não sabemos de onde nasce, de onde vem, nem, estejam certos, quem
ele carrega: e é em tempos assim que os senhores permanecem calmos
na presença da degradação dos costumes públicos, pois a palavra não
é demasiado forte.[...] As revoluções nascem espontaneamente de uma
doença geral dos espíritos, induzida de repente ao estado de crise por
uma circunstância fortuita que ninguém previu; quanto aos pretensos
inventores ou condutores dessas revoluções, nada inventam ou
conduzem; seu único mérito é o dos aventureiros que descobriram a
maior parte das terras desconhecidas: atrever-se sempre ir em linha
reta, para frente, com o favor do tempo.
154
Novamente a Revolução se manifesta pela via da necessidade histórica; e a
história, por sua vez, prepara o palco que vai reunir os atores políticos com o destino
traçado pelos pais fundadores da República: “o Espírito de 1848 foi a vontade de dar
novo ânimo ao espírito das revoluções de 1789, 1792 e 1830 cujo conteúdo humano
potencial ainda não foi revelado por completo”.
155
A atmosfera heróica despertada pela
torrente revolucionária outra vez reclama seus personagens e suas metáforas teatrais
para representar o mundo da política, como sugere Marx e, também, Tocqueville. Logo
no início das memórias sobre a Revolução de 1848, Tocqueville explica seu
afastamento momentâneo do “teatro das atividades públicas”.
Em outro trecho, comenta sobre o efeito teatral presente na cena em que Guizot,
no segundo dia da Revolução, anuncia que acaba de ser destituído do seu cargo. O
relato faz justiça ao herói da reação que ficou famoso por sua soberba e frieza:
Com seu passo mais firme e com seu ar mais altivo, atravessa
silenciosamente o corredor e sobe à tribuna, jogando a cabeça para
trás, receando parecer que a abaixava; anunciou, em duas palavras,
154
TOCQUEVILLE, Aléxis. Memórias 1848, p. 43-58.
155
AGULHON, Maurice. 1848: o aprendizado da República, p. 23.
76
que o rei acabara de chamar monsieur Molé para formar um novo
ministério. Jamais vi efeito teatral semelhante.
156
De acordo com Dolf Oehler, em 1848 “a metáfora teatral torna-se o meio
predileto de caracterizar o momento histórico; cada qual parece sentir-se herói, ator ou
espectador do drama da revolução”.
157
Um outro aspecto enfatizado pelos historiadores
diz respeito ao engajamento expressivo de intelectuais, escritores e publicistas na bela
Revolução de fevereiro. Não por acaso ela será batizada de lírica. Tão logo chegue o
mês de junho com os massacres da República em nome da ordem, adiciona-se ao
lirismo seu complemento pretensamente lógico, a ilusão.
III.
2
Entre 1848 e o segundo império
Como vimos anteriormente, é no Salão de 1846 que Baudelaire começa a definir
algumas das suas concepções estéticas e políticas relativas ao fenômeno do heroísmo
moderno. O problema que chama a atenção do poeta, especialmente na última parte do
seu ensaio, parte da constatação de que o lado épico da vida contemporânea não pode
mais se apoiar sobre a tradição ou sobre o passado, ele deve tirar suas bases de si
mesmo, do presente transitório, efêmero e particular, o germe da modernidade. Em
alguns momentos, o jovem Baudelaire parece observar o rompimento entre passado e
presente com alguma nostalgia:
É verdade que a tradição se perdeu, e que a nova ainda não se fez.
O que era esta grande tradição, senão o idealismo comum e
costumeiro da vida antiga; vida robusta e guerreira, estado de
defensiva de cada indivíduo, que lhe dava o hábito dos movimentos
graves, das atitudes majestosas ou violentas. Acrescentai com isso a
156
TOCQUEVILLE, Aléxis. Memórias 1848, p. 56.
157
OEHLER, Dolf. O Velho mundo desce aos infernos, p. 145.
77
pompa pública, que se refletia na vida privada. A vida antiga
representava muito; ela era feita sobretudo para o prazer dos olhos.
158
A beleza que se oferecia facilmente ao sabor dos sentidos parece embotada pelo
princípio da igualdade universal que, por sua vez, foi capaz de cobrir a alma pública
com um véu de luto. No passado resguardado pela tradição o poeta ressalta a qualidade
de um tempo em que as experiências ainda eram, de fato, compartilhadas entre os
homens; em que o idealismo comum da vida antiga era capaz de harmonizar o
espetáculo dos negócios públicos com o recatado universo da vida privada. Mas o tom
passadista não é conservado por muito tempo. A concepção de heroísmo em Baudelaire
que, desde já, anuncia o dandismo como um dos seus ícones coloca em jogo uma
tensão própria ao contexto moderno, instaurada entre um passado tradicional em fase de
decomposição e um futuro marcado pela democracia que ainda não revelou seus efeitos
por completo.
Certamente o pivô desse rompimento é a Revolução que, com sua marcha
inexorável, impôs o princípio da igualdade aos costumes franceses. A Revolução partiu
com uma concepção de sociedade orgânica, onde cada homem é responsável pelos
destinos de todos outros, instaurando a “liberdade anárquica” da modernidade burguesa.
Para Baudelaire, os efeitos desse processo se fazem sentir nas produções artísticas
daquele salão:
Esta glorificação do indivíduo exigiu a divisão infinita do território da
arte. A liberdade absoluta e divergente de cada um, a divisão dos
esforços e o fracionamento da vontade humana ocasionaram esta
fraqueza, esta dúvida e esta pobreza de invenção; alguns excêntricos,
sublimes e sofredores, compensam mal esta desordem fervilhante de
mediocridades. A individualidade esta pequena propriedade
comeu a originalidade coletiva; e, como foi demonstrado num célebre
capítulo de um romance romântico, que o livro matou o monumento,
158
BAUDELAIRE, Charles. Salão de 1846. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia e
prosa, p. 729.
78
pode-se dizer que, no que concerne o presente, foi o pintor que matou
a pintura.
159
Baudelaire contrapõe a harmonia da arte inspirada na grande Tradição” à
“turbulência, confusão de estilos, cacofonia de tons, trivialidades enormes, prosaísmo
de gestos e atitudes, nobreza de convenção e os clichês de toda sorte”, presentes na
estética contemporânea. Ele ainda reclama da “ausência completa de unidade, cujo
resultado é um cansaço horrível para o espírito e para os olhos”.
160
Como podemos perceber, todo o programa estético do Salão de 1846 – da
irônica dedicatória aos Burgueses ao capítulo final sobre o heroísmo da vida moderna
está atravessado por questões políticas, mas as contradições disseminadas ao longo
desse ensaio não permitem definir claramente os pressupostos “ideológicos” de
Baudelaire. O autor que logo no início do texto sugere a união dos contrários “dos
tons que mudam de valor, mas, sempre respeitando suas simpatias e seus ódios naturais,
continuam a viver em harmonia por meio de concessões recíprocas”
161
–, e que depois
exalta as associações e as escolas artísticas contra a estética democrática da “pequena
propriedade” burguesa, não encontra muitas dificuldades para reconhecer o extremo
oposto: o heroísmo dos clichês, das trivialidades e dos prosaísmos da vida moderna que
fazem parte das idiossincrasias burguesas:
O espetáculo da vida elegante e dos milhares de existências flutuantes
que circulam nos subterrâneos de uma grande cidade criminosos e
prostitutas, - a Gazette des Tribunaux e o Moniteur nos provam que
basta abrirmos os olhos para conhecer nosso heroísmo.
162
159
BAUDELAIRE, Charles. Salão de 1846. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia e
prosa, p.728.
160
BAUDELAIRE, Charles. Salão de 1846. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia e
prosa, p.727.
161
BAUDELAIRE, Charles. Salão de 1846. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia e
prosa, p.676.
162
BAUDELAIRE, Charles. Salão de 1846. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia e
prosa, p.730.
79
Estas ambigüidades geraram interpretações não menos diversas de tal maneira
que, por um lado, o apelo do poeta à unidade dos contrários é assimilado a uma espécie
de socialismo místico “animado pelo desejo vivo de reencontrar a unidade perdida,
cindida em dualidade: matéria e espírito, fatalidade e liberdade [...]”
163
– e, por outro, os
elogios de Baudelaire à classe dominante são tomados como um tipo de humor satânico
cujas provocações têm o objetivo de instigar a burguesia a perseverar no caminho da
opressão de tal maneira que os oprimidos possam alcançar a consciência de si e dar
início à Revolução.
164
Do ponto de vista deste estudo para além do cunho socialista, republicano ou
burguês o que ressoa prematuramente entre as ginas do Salão de 1846 é a
inclinação do poeta para dandismo. Isto recobre a sua reflexão sobre o heroísmo de um
caráter singular que, desde o princípio, se vale de uma extrema ambigüidade e se propõe
a lutar contra a democracia. A descrição de Baudelaire na década de 1840 feita por
Champfleury, escritor e amigo íntimo do poeta, é bastante esclarecedora a esse respeito:
Sur la blouse bleue, indice de socialisme, de 1845 à 1847 environ, il
faut prendre garde d’errer. C’était une forme nouvelle du “dandysme”
de Baudelaire. Notez que sous la blouse passait un pantalon noir à
pieds (mode des écrivains à cette époque: Balzac, etc.) et que les pieds
de ce pantalon de chambre étaient insérés dans d’élegánts souliers à la
Molière que Baudelaire tenait à voir très reluisants toujours.
Pas de socialisme alors, du tout, du tout. Haine vigoureuse pour la
démocratie, chez Baudelaire particulièrement.
165
A ambigüidade anunciada pela teoria do dandismo está precisamente no fato de
que o herói se relaciona de uma maneira dupla com a Revolução. Ele é, como alguns
anos mais tarde Baudelaire irá formular, “simultaneamente carrasco e vítima”. Esta
duplicidade, antes de indicar uma postura reacionária, parte do reconhecimento de que
163
PICHOIS, Claude; BANDY, William (orgs.). Baudelaire devant ses contemporains, p. 1294.
164
OEHLER, Dolf. Terrenos vulcânicos.
165
CHAMPFLEURY apud PICHOIS, Claude; BAUDELAIRE, Charles. Oeuvres completes,, p. 1553.
80
os papéis representados pelos opressores e pelos oprimidos são facilmente
intercambiáveis. Se revolução e reação andam juntas, não é difícil imaginar que o herói,
em algum momento, escorregue do movimento para a repressão. No Salão de 1846 essa
ironia peculiar ao herói é particularmente sugerida quando Baudelaire no fechamento
do último capitulo do seu ensaio elege dois ícones para o fenômeno do heroísmo
moderno, a saber, um ministro da Monarquia de Julho e um assassino condenado à
morte:
Importunado pela curiosidade impertinente da oposição, um ministro,
com a altiva e soberana eloqüência que lhe é própria, testemunhou
de uma vez por todas seu desprezo e repugnância por todas as
oposições ignorantes e intrigantes vós ouvis à noite, na avenida dos
Italianos, circular em torno de vós as palavras: “Estavas na Câmara
hoje? Viste o ministro? M... D...! Como ele estava bonito! Nunca vi
ninguém tão arrogante!”
Portanto existe uma beleza e um heroísmo moderno!
E mais adiante: “É K. ou F. que está encarregado de fazer uma
medalha com este tema; mas ele não vai saber fazê-la; é incapaz de
compreender estas coisas!”
Existem, pois, artistas mais ou menos capazes de compreender a
beleza moderna. Ou então: O sublime B....! Os piratas de Byron são
menores e menos desdenhosos. Acreditaríeis que ele empurrou o
abade Montés , e correu em direção à guilhotina gritando: ‘Deixai-me
toda a minha coragem!’?”.
Esta frase faz alusão à célebre fanfarronada de um criminoso, um
grande protestante, saudável, bem organizado, e cuja feroz valentia
não baixou a cabeça diante da máquina suprema!
Todos estes discursos, que escapam a vossa língua, comprovam que
credes numa beleza nova e particular, que não é nem a de Aquiles nem
a de Agamênon.
166
Apesar das reticências e das iniciais, enganosas, Dolf Oehler demonstrou, com
bastante consistência documental e histórica, que o ministro em questão é Guizot; o
166
BAUDELAIRE, Charles. Salão de 1846. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia e
prosa, p.730.
81
artista encarregado de cunhar a medalha do episódio é Maurice-Valentin Borrel; e o
criminoso é Pierre-Joseph Poulmann.
167
Assim, no primeiro caso Baudelaire se refere à sessão da Câmara do dia 26 de
janeiro de 1844, ocasião em que Guizot se defendia sozinho de um ataque do partido
legitimista e da esquerda dinástica. A fúria da oposição foi provocada porque o ministro
exigia punição para os legitimistas que acabavam de voltar de uma viagem à Inglaterra
com o objetivo de homenagear o jovem Henrique V, preterido por Luís Felipe na
sucessão dos Bourbon depois Revolução de 1830. Acuado pelas acusações dos
parlamentares vociferantes, Guizot termina seu discurso com uma tirada histórica: “E,
quanto às injúrias, às calúnias, às cóleras exteriores, que se multipliquem, que se
acumulem à vontade – jamais se erguerão acima do meu desdém”.
168
No que diz respeito à anedota do criminoso, provavelmente o poeta a retirou do
relato do julgamento de Poulmann publicado pelos periódicos Moniteur e Gazette des
Tribunaux em janeiro de 1844. Ambas as publicações narram a frieza e a revolta do
assassino que, aos pés do cadafalso, acusara a sociedade de injustiça e resistira à última
benção cristã do abade Montés. À insistência do carrasco que pedia a Poulmann para
atender o eclesiástico ainda que fosse para o consolo da sua própria mãe o criminoso
teria respondido: “Infeliz, quer acabar com a minha coragem?!”.
Dolf Oehler acredita que a comparação entre os dois personagens – que se
encontram em lugares totalmente opostos da pirâmide social, o criminoso na base e o
ministro no topo – implica numa preferência do poeta pelo infrator. O crítico argumenta
que a ironia destas anedotas que fecham o Salão de 1846 está no fato de que Baudelaire
coloca em de igualdade o assassino e o ministro. Nesse sentido, o que implica para
Guizot em um rebaixamento moral, conta para Poulmann como uma promoção: de
167
OEHLER, Dolf. Terrenos vulcânicos, p. 37-93.
168
GUIZOT, apud, OEHLER, Dolf. Terrenos vulcânicos, p. 77.
82
assassino, o condenado passa á condição de vítima das injustiças sociais contra as quais
ele resolveu reagir de forma enérgica. Assim, Oehler conclui que “o heroísmo clássico
passou-se para o lado das massas”.
169
Se as respostas de Oehler aos nomes cifrados por Baudelaire são seguras, as
conclusões que o crítico alemão tira desses fatos são questionáveis. O efeito teatral e a
frase lapidar executados por Guizot possuem muitas afinidades com estereótipo do
dândi para acreditarmos que a anedota do ministro tenha, de fato, deixado uma
impressão positiva no espírito do poeta. Não é a política do just-mileu, a burguesia ou as
condições de vida do proletariado que despertam a sua admiração; sob o ponto de vista
da teoria do dandismo o assassino e o ministro são igualmente louváveis por
conseguirem manter uma atuação fria e distinta no limite das pressões que lhes foram
dirigidas. Nessa perspectiva, pode-se mesmo sugerir que os heróis são comparáveis não
apenas pela audácia ou pela afinidade na composição dos seus personagens, mas ainda
pela inversão de papéis que se opera nos dois casos: primeiro o do ministro, que de
acusador se torna acusado; depois o do assassino, que faz o caminho inverso e lava as
mãos para os seus crimes nas costas da sociedade.
170
A duplicidade do dandismo heróico junto ao orgulho que compõe o personagem
ressaltado simultaneamente no ministro e no assassino nos leva a uma outra
característica fundamental desta manifestação do heroísmo moderno: o seu aspecto
cômico e caricatural da forma como o concebe Baudelaire em um ensaio
contemporâneo ao Salão de 1846, qual seja, Da essência do riso e de modo geral na
caricatura.
169
OEHLER, Dolf. Terrenos vulcânicos, p. 92.
170
Contrariamente à Dolf Oehler, Claude Pichois também acredita que Baudelaire aprova tanto atitude
de Guizot quanto a de Poulmann. Sem entrar muito no mérito da discussão Pichois afirma: “Il nous
semble, au contraire que Baudelaire admire et le ministre, et criminel, qui témoigna d’une me
force d’âme. Guizot et Poulmann ont exprimé, chacun à sa manière, l’héroïsme de l avie moderne”.
PICHOIS, Claude; BAUDELAIRE, Charles. Oeuvres completes, p. 1456.
83
Tal como o dândi a caricatura é satânica e dupla, “o desenho e a idéia; o desenho
violento, a idéia mordaz e velada; complicação de elementos penosos para um espírito
ingênuo, acostumado a conhecer por intuição coisas simples como ele”.
171
Mas essa
complicação não significa uma idiossincrasia elitista do poeta interessado em proteger
sua arte do vulgo. Muito pelo contrário, assim como o dândi não existe sem o seu
público, “para que haja o cômico, isto é, emanação, explosão, libertação de cômico; é
necessário haver dois homens cara a cara; [...] é especialmente no ridente, no
espectador, que jaz o cômico [...]”.
172
Nesse sentido, a performance do caricaturista e do
dândi deve chamar a atenção de um público acossado pela vida prosaica, abandonado a
si mesmo e disperso pelas preocupações quotidianas através de uma arma precisa: “[...]
o poder da reticência que é ao mesmo tempo isca e lisonja à inteligência do leitor”.
173
Ao aproximarmos o dandismo da caricatura podemos perceber que a concepção
de heroísmo moderno em Baudelaire está, desde o seu princípio, ligada à fabricação de
um personagem que “acusa suas próprias chagas” exagerando o seu orgulho e suas
contradições ao cúmulo da loucura ou do ridículo. No mínimo, pode-se imaginar que o
dândi zomba secretamente de si mesmo tanto quanto dos outros, ele pode ser “um
homem entediado, um homem que sofre; mas, neste último caso, ele sorrirá como o
Lacedemônio mordido pela raposa”.
174
Como diria Georges Bataille, “[...] ao menos
uma miséria privilegiada que se confessa como tal”.
175
Na concepção de Baudelaire,
aquele que almeja à superioridade certamente não pode estar distante do sanatório:
171
BAUDELAIRE, Charles. Salão de 1846. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia e
prosa, p. 736.
172
BAUDELAIRE, Charles. Salão de 1846. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia e
prosa,p. 746.
173
BAUDELAIRE, Charles. Salão de 1846. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia e
prosa, p. 758.
174
BAUDELAIRE,Charles. O pintor da vida moderna. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire,
poesia e prosa, p. 871.
175
BATAILLE, Georges. A literatura e o mal, p. 33.
84
Ora, é notório que todos os loucos dos manicômios possuem a idéia de
sua própria superioridade desenvolvida em excesso. Eu não conheço
em absoluto loucos humildes. Observem que o riso é uma das
expressões mais freqüentes e numerosas da loucura. E vejam como
tudo se associa: quando Virginie, decaída, tiver baixado um grau em
pureza, começará a ter idéia da sua própria superioridade, será mais
sabia do ponto de vista do mundo e rirá.
176
Temos uma questão interessante na análise que Baudelaire faz da personagem
principal de um romance de 1787, a saber, Paul e Virginie. A consciência de Virginie
de sua própria superioridade coincide com a sua queda no mundo, com a perda da sua
pureza original face às tentações da humanidade. Ela ri e é sábia por uma perspectiva
imanente, inerente à condição humana, o que significa que o seu orgulho ao invés de
condenar a personagem a um isolamento da sociedade medíocre, ou elevá-la à pretensão
de ser verdadeiramente sublime – é o motor que provoca sua queda.
Não por acaso Albert Camus tem razão em afirmar que o dandismo é uma
espécie de “ascese degradada”, pois o dândi, ao contrário do estereótipo do herói
revolucionário, não é alçado acima da condição humana como Baudelaire, em alguns
momentos, faz parecer –; mas integra a vida decaída, fervilhante e dispersa da
modernidade. A condição móvel e variável da vida é, simultaneamente, palco e matéria
para o heroísmo caricatural. É assim, por exemplo, que Baudelaire apresenta a obra de
Daumier:
Folheiem essa obra e, em sua fantástica e impressionante realidade,
verão tudo o que uma grande cidade contém de monstruosidades
vivas. Tudo que ela encerra de tesouros assustadores e grotescos,
sinistros e burlescos, Daumier o conhece. O cadáver vivo esfaimado, o
cadáver gordo e saciado, as ridículas misérias domésticas, todas as
tolices, todos os orgulhos, todos os entusiasmos, todos os desesperos
do burguês, nada disso falta.
177
176
BAUDELAIRE,Charles. Da essência do riso e de modo geral do cômico nas artes plásticas. In:
BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia e prosa, p. 736-737.
177
BAUDELAIRE,Charles. Sobre alguns caricaturistas estrangeiros. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles
Baudelaire, poesia e prosa, p. 755.
85
A semelhança dessa passagem com a descrição que o poeta faz do “desfile de
coveiros” ao final do Salão de 1846 é marcante. Naquele ensaio, o desfile insólito que
celebrava a democracia era tratado ironicamente, como era de se esperar, enquanto um
assunto heróico e um dos ícones da beleza moderna. Mas se Baudelaire admirava
profundamente Daumier, um outro caricaturista – mais precisamente, Gavarni – se
aproximava mais ainda dos caracteres que compunham o heroísmo do estereótipo dândi:
Daumier é um gênio franco e direto. Tirem-lhe a legenda, o desenho
permanece uma coisa bela e clara. Com Gavarni não se o mesmo;
ele é duplo: há o desenho, depois a legenda. Em segundo lugar,
Gavarni não é essencialmente satírico; muitas vezes afaga em vez de
morder; não censura, encoraja. Como todos os homens de letras,
sendo também homem de letras, é levemente tingido de corrupção.
Graças à hipocrisia do seu pensamento e ao poder tático das meias
palavras, ousa tudo.
178
Ao ressaltar que a ousadia de Gavarni está no seu cinismo e na sua habilidade de
manipulação das aparências, na estratégia das meias palavras e da leviana bajulação,
Baudelaire lança luz sobre um outro trecho polêmico do Salão de 1846. Aquele no qual
o poeta exalta hiperbolicamente um mero policial, um personagem reacionário devotado
à manutenção cega da ordem:
Por acaso sentistes, vós a quem a curiosidade do passante
ocasionalmente já fez entrar muitas vezes no tumulto, a mesma alegria
que eu, ao ver um guardião do sono público agente da polícia ou
municipal, o verdadeiro exército espancar um republicano? E, como
eu, dissestes em vosso coração: “Bate, bate um pouco mais forte,
continua batendo, policial do meu coração; pois neste espancamento
supremo, eu te adoro, e te julgo semelhante à Júpiter, o grande
justiceiro. O homem que estás espancando é um inimigo das rosas e
dos perfumes, um fanático dos utensílios; é um inimigo de Watteau,
um inimigo de Rafael, um inimigo encarniçado do luxo, das belas-
artes e das belas-letras, iconoclasta jurado, algoz de nus e de
Apolo! Ele não quer mais trabalhar, humilde e anônimo operário, nas
rosas e nos perfumes públicos; quer ser livre, o ignorante, e é incapaz
178
BAUDELAIRE,Charles. Sobre alguns caricaturistas estrangeiros. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles
Baudelaire, poesia e prosa, p. 758.
86
de criar um ateliê de flores e perfumarias novas. Bate religiosamente
nas omoplatas do anarquista!”.
179
Se o poeta, assim como Gavarni, afaga a classe dominante dos burgueses
proprietários, exortando-os a espancar republicanos e anarquistas, torna-se curioso
perceber que alguns dos motivos pelos quais ele reclama a surra estão fora de lugar.
Com efeito, não são os republicanos ou os anarquistas que estão afastados das artes ou
das belas-letras; não são eles os utilitários do poder, os “fanáticos dos utensílios”, mas
antes os burgueses tal como Baudelaire define da dedicatória do Salão de 1846, a
mesma que ele endereça aos proprietários donos da força, desprovidos de cultura e
poesia:
Vós possuís o governo do Estado, e é justo, pois sois a força. Mas é
preciso que estejais aptos a sentir a beleza; porque, como nenhum
dentre vós pode viver hoje sem poder, ninguém tem direito de viver
sem poesia.
[...]
A arte é um bem infinitamente precioso, uma bebida que refresca e
reconforta, que reconduz o estômago e o espírito ao equilíbrio natural
do ideal.
Vós percebeis a utilidade, ó burgueses – legisladores, ou comerciantes
–, quando a sétima ou oitava hora que soa, inclina vossa cabeça
fatigada para as brasas da lareira e as orelhas da poltrona.
[...]
Vós vos associastes, formastes companhias e fizestes empréstimos
para realizar a idéia do futuro com todas as suas diversas formas,
forma política, industrial e artística. Jamais, em nenhum nobre
empreendimento, deixastes a iniciativa para a minoria protestante e
sofredora, que, aliás, é inimiga natural da arte.
Pois deixar-se ultrapassar em arte e em política é suicidar-se, e uma
maioria não pode suicidar-se.
180
Até aqui podemos perceber algumas peculiaridades do dandismo heróico de
Baudelaire que se anunciam precocemente. Mas ainda falta aproximá-lo um pouco mais
179
BAUDELAIRE, Charles. Salão de 1846. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia e
prosa, p. 758.
180
BAUDELAIRE, Charles. Salão de 1846. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia e
prosa, p. 671-672.
87
da questão revolucionária. Questão essa que não tardaria a se manifestar de forma mais
decisiva com a chegada da Revolução de 1848. Acredita-se que o poeta tomou parte nos
eventos e integrou as barricadas em fevereiro e em junho daquele ano. Em todo caso,
ele certamente assinou, junto com Champfleury e Charles Tobin, um efêmero jornal
revolucionário, Le Salut Public, de apenas dois números – 27 de fevereiro e 1 de março
de 1848 – e colaborou em outra publicação, La tribune nationale, de abril até o início de
junho daquele mesmo ano. A respeito da relação ambígua de Baudelaire com a
Revolução, que se anunciava desde a década de 1840, Claude Pichois faz um
comentário preciso:
Asselineu, qui deviendra l’intime ami de Baudelaire em 1850, écrira
que “Baudelaire aimait la Révolution; plutôt il este vrai, d’un amour
d’artiste que d’un amour de citoyen”. La notion semble just.
Baudelaire a aimé la Révolution, la vrai, la grande, parce qu’elle a
permis d’exprimer l’héroïsme de la vie moderne et qu’une autre
révolution peut offrir de semblables occasions.
181
Seja como for, a julgar pelo conteúdo do Salut public, Baudelaire parece
compartilhar profundamente com o clima otimista e com os ideais socialistas,
republicanos e cristãos reclamados logo após a bela revolução de fevereiro. Como
notou Michel Winock, em fevereiro “a França vive um período de eufórica
confraternização que, posteriormente, será batizada de ‘lírica ilusão”.
182
Nos dias que
seguem à proclamação da Segunda República francesa, os três redatores do jornal se
servem de todos os chavões que circulavam entre a imprensa e os entusiastas da
Revolução: o 24 de fevereiro dia da proclamação da Segunda República é descrito
181
PICHOIS, Claude. Baudelaire en 1848, p. 1554.
182
WINOCK, Michel. As vozes da liberdade: escritores engajados do século XIX, p. 338.
88
como o grande dia da humanidade;
183
o povo é bonito e tem bom senso;
184
Jesus Cristo
é nomeado fundador da República e companheiro de barricadas;
185
a nova Revolução é
considerada como um desenvolvimento natural da primeira;
186
dentre vários outros.
187
Mas aqui é interessante observar que em uma das poucas passagens em que os
críticos reconhecem a pena de Baudelaire, se encontra um comentário sobre o teatro e
sobre a herança da Revolução de 1789. Curiosamente, a reabertura dos teatros depois da
recém proclamada República deveria possibilitar, na opinião do poeta, a representação
do heroísmo moderno. Mas, como era de se esperar, ele anuncia que os novos atores
não podem mais se espelhar na imitação dos heróis da antiga República romana. Neste
ponto Baudelaire, embora muito mais otimista, não está longe de Marx. Entretanto,
tendo em vista o final do Salão de 1846, especialmente quando o poeta elege o ministro
e o criminoso como ícones do heroísmo moderno, pode-se perceber uma pequena ironia
no seguinte comentário:
Les théâtres reouvrent.
Nous avon assez des tragédies; il ne faut pas croire que des vers de
douze pieds constituent le patriotisme; ce qui convenait à la première
révolution ne nous suffit plus.
Les intelligences ont grandi. Plus des tragédies, plus d’histoire
romaine. Ne sommes-nous pas plus grands aujourd’hui que Brutus,
etc.?
188
183
“Le 24 février est le plus grand jour de l’humanité! C’est du 24 février que les génerations futures
dateron l’avénemant définitif, irrévocable, du droit de la souverainité populaire. [...] Peauple français
sois fier toi-même; tu es le rédempteur de l’humanité”. Le Salut public apud BAUDELAIRE,
Charles. Oeuvres completes, p. 1029-1030.
184
“Depuis trois jours la population de Paris est admirable de beauté physique. Les vielles et la fatigue
affaissent les corps; mais le sentiment de droit reconquis redresse et fait porter haut toutes les têtes”.
Le Salut public apud BAUDELAIRE, Charles. Oeuvres completes, p. 1032.
185
“Jésus-Christ, votre maître, est aussi le nôtre; il etait avec nous aux barricades, et c’est par lui, par lui
seul que nous avons vaincus. Jésus-Christ est le fondateur de toutes les républiques modernes;
quinquone en doute n’a pas lu l’Évangile”. Le Salut public apud BAUDELAIRE, Charles. Oeuvres
completes, p. 1035.
186
“Décidément la Révolution de 1848 sera plus grande que celle de 1789; d’ailleurs elle comence
l’autre a fini”. Le Salut public apud BAUDELAIRE, Charles. Oeuvres completes, p. 1035.
187
Sobre o contexto semântico da Revolução de 1848 ver: OEHLER, Dolf. O velho mundo desce aos
infernos.
188
Le Salut public apud BAUDELAIRE, Charles. Oeuvres completes, p. 1033.
89
Seja como for, aqui o poeta não responde os motivos que o levaram a crer que o
heroísmo moderno é maior que o antigo. Ou seja, o timbre da pergunta final,
descontextualizada da obra de Baudelaire, faz coro com o tom entusiástico que recobre
o jornal.
Porém, o mesmo não ocorre no outro periódico com o qual o poeta colabora, La
Tribune Nationale. Foi-se o tempo da ilusão de fevereiro em que, “nas províncias, como
em Paris, as pessoas plantavam árvores da liberdade, que os padres, aclamados por seus
paroquianos, abençoavam sem chorar a Monarquia de Julho”.
189
Em Rouen, no dia 26
de abril, logo após o anuncio dos resultados das primeiras eleições para a Assembléia
Constituinte que ratificou a vitória esmagadora dos deputados moderados eclode
uma manifestação operária que temia a reação dos novos governantes. O movimento foi
violentamente reprimido pela Guarda Nacional.
No dia 15 de maio uma outra manifestação organizada por membros de clubes
e sociedades populares – é dispersada pelos guardas municipais. Os manifestantes
invadiram o pátio e o plenário da Assembléia Nacional para exigir que o governo
francês apoiasse a da Polônia na luta contra o domínio Russo. As eleições
complementares do dia 4 e 5 de junho, que resultaram em um reforço da direita
monarquistas e “republicanos do amanhã” fizeram confirmar o clima de reação
que se instaurava no país. No último dia destas eleições o jornal La Tribune Nationale
denuncia o engodo escondido no apelo do governo provisório ao restabelecimento da
ordem:
Qu’est-ce que ces hommes qui font à la nation les plus belles
promesses, qui bercent le peuple des plus belles espérances, et qui,
dans l’impuissance de réaliser leur programme, lorsque la nation
s’inquiète et s’agit, lorsque le peuple murmure et gronde, se sentent
189
WINOCK, Michel. As vozes da liberdade: escritores engajados do século XIX, p. 416.
90
pris de vertige, balbutient des ordres de guerre, s’entourent de
l’appareil des armes et mettent toute leur confiance dans l’appui des
canons et des baïonnettes?
190
Mais uma vez, os franceses assistem ao movimento revolucionário o mesmo
que proclamou a Segunda República, o fim da escravidão e o sufrágio universal
deslocar-se para o lado da reação. O sufrágio universal, que ganhou força definitiva
entre os atores revolucionários com a promessa da unidade social e de passificação dos
conflitos entre as classes
191
começa a ser visto com desconfiança, como via de
acesso ao despotismo e à tirania da maioria: “Que deviendraient l’égalité et la fraternité
que nous proclamons, là les desórdres, en transformant la place publique en une
arène ensanglanté, prépareraient fatalement le despotisme du nombre au nom de la force
brutale?”.
192
A partir de então, a situação só pioraria. entre os dias 23 e 25 de junho de 1848, o
governo republicano massacra a revolta operária em Paris, deflagrada pela ameaça de
fechamento das oficinas nacionais, uma das parcas oportunidades de emprego para os
trabalhadores da cidade. O desfecho é aterrorizante: 1.500 revoltosos fuzilados sem
julgamento e 25 mil presos; Luís Napoleão é feito presidente pelo voto, ainda em 1848, e
se torna Imperador num golpe, também referendado pelas urnas, em dezembro de 1851.
Baudelaire assiste à coroação sinistra dos acontecimentos: “Meu furor ante o golpe de
Estado. Como suportei tantos tiros de fuzil! Mais um Bonaparte! Que vergonha!”.
193
Ao novo Imperador, coube preservar o sufrágio universal e esboçar ares de uma
certa democracia participativa, mobilizando constantemente o recurso aos plebiscitos.
Como lembra Agulhon, “o plebiscito viria a ser o princípio mais duradouro do novo
190
La Tribune Nationale apud BAUDELAIRE, Charles. Oeuvres completes, p. 1053.
191
A esse respeito ver: RONSAVALLON, François. Le sacre du citoyen, p. 351-372.
192
La Tribune Nationale, abril de 1848 apud BAUDELAIRE, Charles. Oeuvres completes, p. 1041.
193
BAUDELAIRE, Charles. Meu coração a nu. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia
e prosa, p. 527.
91
regime e emanava da ‘absolvição’ conferida pelo assentimento da maioria”.
194
Assentimento constrangido pelo exército, pela polícia e pela Igreja. Segundo Michel
Winock,
O restabelecimento do Império, no ano seguinte, foi preparado por
Luís Napoleão em uma “viagem de indagação” através do país,
durante a qual os governadores eram induzidos a fazerem o povo
gritar “Viva o Imperador!”. Em 21 e 22 de novembro, um novo
plebiscito confirma a mudança de regime: 7 milhões e 824 mil “sim” e
253 mil “não” (dois milhões de abstenções). A fraude comprovada,
não é suficiente para comprovar a adesão maciça dos franceses.
195
A forma como o regime de Napoleão III aparece ao público, tem suas razões de
ser e uma delas liga-se fortemente ao passado recente. O retrato de um governo
progressista e democrático deveria substituir a memória da violenta repressão
empreendida pelo governo republicano aos operários parisienses em junho de 1848. A
máquina burocrática do novo regime reservava a eleição de um corpo legislativo
responsável por votar projetos de lei e impostos –, ao sufrágio universal. Eric Hobsbawn
observou a respeito de Luís Napoleão:
[...] era o primeiro dirigente de um grande país, com exceção dos
Estados Unidos, a chegar ao poder através do sufrágio (masculino)
universal, e nunca o esqueceu. Continuou a operar dessa forma,
primeiro como César plebiscitário, mais ou menos como o general De
Gaulle (a assembléia representativa sendo bem insignificante) e depois
de 1860 com a parafernália usual do parlamentarismo.
196
No entanto, como se notou em várias eleições para o legislativo e nos
plebiscitos, os votos podiam ser extremamente controlados. Há muito se proibira as
reuniões em clubes e sociedades secretas, muito a imprensa não-oficial calara-se:
seus líderes e escritores estavam presos, exilados, ou tinham seus textos mutilados pela
194
AGULHON, Maurice. 1848: o aprendizado da República, p. 203.
195
WINOCK, Michel. As vozes da liberdade: escritores engajados do século XIX, p. 326.
196
HOBSBAWM, E. J. A era do capital : 1848-1875, p. 150.
92
censura.
197
Nas províncias, para combater a propaganda oposicionista, a polícia chegava
a constranger a votação. No mais das vezes, os operários apoiaram o início do novo
regime por repudiar a República dos massacres de junho. Não lhes desagradava ver
preso o general Cavaignac, um dos responsáveis pela repressão violenta aos operários e
pelo estado de sítio decretado logo após o massacre. Tampouco lhes incomodava o fato
de que qualquer poeta ou romancista, responsabilizado pela “lírica ilusão” de fevereiro,
fosse censurado. Bem à sua maneira, Baudelaire resume a atmosfera desse período: “Se
um poeta exigisse do Estado o direito de ter alguns burgueses na sua estrebaria, isso
seria considerado insólito, mas se um burguês pedisse no almoço um poeta-assado,
todos achariam muito natural”.
198
Como notou Maurice Agulhon, “o mundo das pessoas ilustres, intelectuais e
proprietários que viviam de renda, não dera muitas oportunidades aos criadores de
novas riquezas, homens ativos, ‘industriais’ (como diriam os saint-simonianos) ou
empresários, como se diria hoje”. Assim, para o historiador, havia no segundo Império
“uma necessidade de impelir mais decididamente o país no caminho da modernidade
econômica e reformular a classe dirigente, os que de fato trabalhavam para o
progresso”.
199
A reconstrução de Paris, iniciada em 1853 pelas mãos de Haussmann, veio à
reboque da política imperial. A nova capital francesa fora concebida como uma espécie
de ídolo do novo Império e símbolo máximo de uma cidade cosmopolita. À
197
Em agosto de 1857, Baudelaire recebe da justiça, como “prêmio” pela publicação das Flores do Mal,
a condenação ao pagamento de uma multa de 300 francos além da censura de seis poemas da edição,
sob a acusação de Ultraje à moral pública e aos bons costumes. Os poemas condenados são: Lesbos,
Mulheres malditas, O Letes, À que está sempre alegre, As jóias, As metamorfoses do vampiro. A esse
respeito ver respectivamente: WINOCK, Michel. As vozes da liberdade: escritores engajados do
século XIX, p. 498-497; BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal (poemas condenados). In:
BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia e prosa, p. 234 a 241.
198
BAUDELAIRE, Charles. Projéteis. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia e prosa,
p. 511.
199
AGULHON, Maurice. 1848: o aprendizado da República, p. 208.
93
irracionalidade da velha cidade deveria tomar lugar uma capital planejada nos mínimos
detalhes. Neste contexto, os novos bulevares parisienses despontariam, a um tempo,
como vitrine e signo triunfal da racionalidade burguesa:
[...] eles eliminariam as habitações miseráveis e abririam espaços
‘livres’ em meio a camadas de escuridão e apertado
congestionamento. Estimulariam uma tremenda expansão de negócios
locais, em todos os níveis, e ajudariam a custear imensas demolições
municipais, indenizações e novas construções. Pacificariam as massas,
empregando dezenas e milhares de trabalhadores o que às vezes
chegou a um quarto da mão de obra disponível na cidade em obras
públicas de longo prazo, as quais por sua vez gerariam milhares de
novos empregos nos setor privado. Por fim, criariam longos e largos
corredores através dos quais as tropas de artilharia poderiam mover-se
eficazmente contra futuras barricadas e insurreições populares.
200
Estabelecia-se assim uma linha tênue entre racionalidade burguesa e progresso,
ou mesmo, por vezes, essas duas noções eram confundidas. Os conceitos se imbricavam
em dois níveis: tanto no que tange ao ingresso da nação no circuito do desenvolvimento
econômico, quanto no que diz respeito à possibilidade de acesso das massas aos novos
empregos gerados pela indústria. Não se pode deixar de notar que esse projeto
“democrático” excluiu qualquer estímulo à criação de uma comunidade de direitos ou
possibilidade de ampliação da esfera pública. Uma fórmula não tão simples, mas que
poderia ser representada dessa maneira: arrefece-se a questão política com um paliativo
social argamassado pela possibilidade de ascensão econômica e pela miragem do
progresso na capital francesa.
As reformas urbanas empreendidas pelo Barão Haussmann ao longo do Segundo
Império faziam parte de uma verdadeira engenharia política e social: as indústrias,
prováveis focos de mobilização operária, afastaram-se do centro da capital; uma extensa
rede de comércio, consagrada ao poder de consumo da burguesia, deu lugar aos cortiços
da velha cidade: “Tratava-se, portanto, de eliminar tudo o que fora construído sobre o
200
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar, p. 146.
94
vírus da pobreza e dar luz à uma cidade limpa e financeiramente fecunda; tirar Paris dos
esconderijos e criar espaços públicos abertos à vigilância em duas palavras:
homogeneizar e segregar”.
201
A febre industrial e os novos templos do comércio integravam um pacote
diversificado através do qual o Segundo Império pretendia conter os furores
revolucionários de 1848. Parte desse pacote era reservado a indústria do
entretenimento, cuja maior realização se materializava nas grandes Exposições
Universais de meados do século. No mesmo ano que Baudelaire começava a escrever
seus Pequenos poemas em prosa, Paris era sede da famosa Exposição Universal de
1855. Este evento, realizado pela primeira vez dois anos antes na Inglaterra, mostrava
trabalhos de arte do mundo inteiro assim como as novidades do mundo científico. A
exposição realizada naquele ano constituiu um verdadeiro hino de glória ao Progresso,
através do qual o “Segundo Império pretendia comprovar e ilustrar magnificamente
perante o público nacional e internacional a solidez política e econômica do regime,
bem como a supremacia civilizacional francesa”.
202
No texto de apresentação ao evento,
escrito por Baudelaire, o poeta delineia uma profunda resistência crítica à apologia do
Progresso encerrada naquela ocasião, definindo esse fenômeno moderno enquanto um
“fanal obscuro, invenção do filosofismo atual”, que “projeta trevas sobre todos os
objetos do conhecimento; a liberdade se esvai o castigo desaparece”.
203
201
CHRISTIANSEN, Rupert; RODRIGUES, Valéria. Paris babilônia: a capital francesa nos tempos da
Comuna, p. 97.
202
LAUREL, Maria Hermínia Amado. Itinerários da modernidade: Paris, espaço e tempo da
modernidade poética em Charles Baudelaire, p. 37.
203
BAUDELAIRE, Charles. Exposição Universal de 1855. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles
Baudelaire, poesia e prosa, p. 775. A propósito da euforia entorno do entretenimento, da nova “sanha
de diversão que recalcou as grandes paixões de outrora”, Dolf Oehler lembra que o “preço que Paris
teve de pagar é de ter se tornado a capital do engodo”. Walter Benjamin também não deixou de notar
o viés altamente conservador das Exposições Universais. Para o autor, as Exposições criariam uma
nova espécie de fantasmagoria responsável tanto por imbuir o valor de troca das mercadorias nas
classes privadas do consumo, quanto pela criação de um ambiente de entretenimento “onde o homem
entra para se deixar distrair”. Assim ele completa: “No interior das diversões, às quais o indivíduo se
entrega, no quadro da indústria de entretenimento, resta constantemente um elemento que compõe
95
É à luz desse contexto altamente conservador que Baudelaire repensará, sob a
ótica dandismo, a sua participação nos eventos de 1848 bem como alguns temas caros à
tradição do heroísmo revolucionário:
A minha euforia em 1848.
Qual a sua natureza?
Comprazimento na vingança. O prazer natural de destruir.
Embriaguez literária: reminiscências de leituras.
O 15 de maio. ainda o gosto de destruir. Gosto legítimo, se tudo o
que é natural é legítimo.
204
Os crimes de junho. Loucura do povo e loucura da burguesia. –
atração natural pelo crime.
205
Baudelaire associa a Revolução à violência e enraíza os seus excessos
justamente no lugar em que os heróis de 1789 pensavam ter encontrado o paraíso
perdido das virtudes, ou seja, na natureza. Aqui se percebe que a acusação do poeta que
recai sobre a natureza, conselheira em matéria moral e essencialmente criminosa
tal como ele concebe no ensaio O pintor da vida moderna – não se trata pura e
simplesmente de uma questão de princípios filosóficos, mas ainda de uma reflexão que
se insere no âmago das experiências revolucionárias que sacudiram a França em todo o
século XIX.
Nesse caso Robespierre, por exemplo, não é lembrado em função do seu caráter
incorruptível e da sua moral inabalável. Baudelaire pensa de forma irônica que o herói
da Revolução de 1789 “só é respeitado por ter feito algumas belas frases”. No mesmo
sentido, também o ano de 1848 lhe parecerá encantador “pelo seu excesso de
uma massa compacta. Essa massa se deleita nos parques de diversões com montanhas russas, os
‘cavalos mecânicos’, os ‘bichos-da-seda’, numa atitude claramente reacionária. Ela se deixa levar
assim a uma submissão com a qual deve poder contar tanto a propaganda industrial quanto a
política”. A esse respeito ver respectivamente: OEHLER, Dolf. O Velho mundo desce aos infernos, p.
195; BENJAMIN, Walter. Passagens, p. 57.
204
BAUDELAIRE, Charles. Meu coração a nu. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia
e prosa, p. 526-527.
205
BAUDELAIRE, Charles. Meu coração a nu. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia
e prosa, p. 526-527.
96
ridículo”,
206
pelas “belas frases” de escritores como o poeta Lamartine que se
encontrava no comando do governo provisório da Segunda República. Aliás, todo o
movimento do poeta durante o Segundo Império consiste em desvincular a moral não
apenas da arte, mas também da própria política. Se a junção da moral com a arte lhe
rendeu a censura sobre algumas poesias das Flores do Mal em 1857, a sua união com a
política carregou conseqüências proporcionalmente ainda mais desastrosas:
É por não ser ambicioso que não tenho convicções como, como as
entendem as pessoas do meu século.
Não há em mim qualquer base para uma convicção.
Há sempre uma certa covardia ou moleza nas pessoas de bem.
os aventureiros têm convicções. De quê? De que têm de vencer.
Por isso vencem,
Por que eu venceria, se não tenho vontade de tentar?
Impérios esplendorosos podem assentar no crime, e nobres religiões
em imposturas.
207
A união entre moral e política é uma das responsáveis pela ambigüidade do
heroísmo moderno. É através dela que o herói pôde se conceber enquanto a encarnação
de um destino histórico de validade universal. Mesmo Luís Napoleão pretendeu ser
visto nesses termos: “[...] il s’est toujours considéré comme l’homme providentiel,
destiné à gouverner la France”.
208
O homem que pretendeu encarnar a democracia na
sua própria figura, que esforçou-se por encobrir o seu governo despótico sob a capa de
um poder profético supostamente anunciado por seu nobre ancestral, não escapou da
ironia de Baudelaire.
O poeta reconhece que o novo imperador procurava se cercar de uma aura
heróica cujo caráter seria irrevogavelmente inelutável: “O que é o imperador Napoleão
206
BAUDELAIRE, Charles. Meu coração a nu. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia
e prosa, p. 527.
207
BAUDELAIRE, Charles. Meu coração a nu. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia
e prosa, p. 527.
208
PLESSIS, Alain. De la fête impériale au mur des fédérés: 1852-1871, p. 15.
97
III. O que ele vale. Procurar uma explicação para a sua natureza e o seu caráter
providencial”.
209
No entanto, a explicação encontrada por Baudelaire incide justamente
na crítica a esta pretensão heróica que busca sua cobertura, de um lado, no apelo à união
nacional por meio da democracia – que é capaz de exercer o despotismo das opiniões –,
de outro, na virtude do herói que se anuncia como o pai da nação:
A grande glória de Napoleão III terá sido a de, em suma, diante da
história e do povo francês, ter demonstrado que basta ao primeiro
arrivista apoderar-se do telégrafo e da Imprensa nacional para se
assenhorear de uma grande nação.
Imbecis são aqueles que julgam que estas coisas podem suceder sem a
permissão do povo ou ainda acreditam que a glória pode apoiar-se
na virtude.
Os ditadores são criados do povo aliás, um papel bem estúpido. A
glória pessoal não é mais do que o resultado da acomodação de um
espírito à imbecilidade do povo.
210
Baudelaire tem consciência de que muito o heroísmo perdeu o seu caráter
revelador, imediato e espontâneo. Ele sabe que no contexto moderno os “grandes
homens” da nação, tais como Luís Napoleão, não podem prescindir da construção de
uma auto-imagem capaz de cercá-los com a aura quase impenetrável dos heróis
sublimes, como ele parece sugerir na seguinte passagem: “Esthétique chimérique, c’est-
à-dire a posteriori, individuelle, artificielle, substituée à l’esthétique involontaire,
spontanée, fatale, vitale, du peuple”.
211
Aliás, a esse propósito é bastante revelador o
comportamento político de Napoleão III que, em muitos sentidos, se aproxima não
apenas da figura do conspirador profissional estereótipo através do qual Benjamin
estabelece uma afinidade entre Baudelaire e o Imperador – mas ainda do próprio dândi:
209
BAUDELAIRE, Charles. Meu coração a nu. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia
e prosa,p. 527.
210
BAUDELAIRE, Charles. Meu coração a nu. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia
e prosa, p. 537.
211
BAUDELAIRE, Charles. Notes diverses sur l’art philosophique. In: BAUDELAIRE, Charles.
Oeuvres complètes, p. 606.
98
Il n’intervient pas dans les discussions importantes, il rest
curieusement “muet, peau expansif, impassible (Zola). Son silence
semble trahir un manque de franchise, d’autant qu’ensuite il prépare
ses décisions dans le plus grand secret, avec un goût maladif de la
dissimulation.
212
Se o dandismo baudelairiano reivindica para si trajes heróicos, assumindo em
sua conduta sempre um aspecto duplo e móvel, ele nada mais faz do que a maioria dos
atores políticos do seu tempo. Temos aqui, entretanto, uma significativa diferença, pois
esse personagem não faz a nima questão de esconder suas ambigüidades e nem a sua
própria encenação. É através desse procedimento exageradamente artificial que o dândi
pretende se defender da naturalização que se processa em torno da ordem, da censura,
da violência e da tirania da maioria durante o Segundo Império Francês. Ele nega o
valor de verdade a esses axiomas que, desde sempre, buscam apoio na necessidade, nos
costumes ou na moral:
É impossível percorrer um jornal qualquer, seja qual for o dia, o mês
ou ano, sem deparar quase linha a linha com os sinais da perversidade
humana mais detestável, quase sempre acompanhados pelas mais
inverossímeis proclamações de honestidade, de bons sentimentos e de
caridade, ou por manifestações da maior confiança em relação ao
progresso e à civilização.
Da primeira à última linha todos os jornais não passam de um
amontoado de horrores. Guerras, crimes, roubos, atentados ao pudor,
torturas, crimes públicos e crimes particulares enfim, o delírio de
uma crueldade universal.
E é com este repugnante aperitivo que o homem civilizado toma todos
os dias o seu café da manhã. Tudo neste mundo transpira a crime: o
jornal, a muralha e a face do homem.
Custa-me a acreditar que se possa de mão limpa tocar num jornal sem
sentir um vômito de repulsa.
213
Em 1867, ano da morte de Baudelaire, o poeta confirma o segredo inscrito no
seu dandismo que, como vimos, reside na sua duplicidade. É a ele que se pode atribuir a
212
PLESSIS, Alain. De la fête impériale au mur des fédérés: 1852-1871, p. 15.
213
BAUDELAIRE, Charles. Meu coração a nu. In: BARROSO, Ivo. (org.) Charles Baudelaire, poesia
e prosa, p. 548.
99
desenvoltura com a qual Baudelaire procurou escapar das verdades fáceis e das morais
absolutas que tomaram conta do turbulento século XIX:
Moi, quand je consens à être républicain, je fais le mal, le sachant.
Oui! Vive la Révolution!
toujours! quand même!
Mais moi, je ne suis pas dupe! je n’ai jamais été dupe!
Je dis Vive le Révolution! Comme je dirais: Vive la destruction! Vive
l’Expiation! Vive le Châtiment! Vive la Mort!
Non seulement, je serais heureux d’être victime, mais je ne haïrais pas
d’être bourreau, - pour sentir la Révolution de deux manières!
Nous avons tous l’esprit républicain dans les veines, comme la vérole
dans les os.
Nous sommes Démocratisés e Syphilisés.
Petits Bouffoneries
(À dissèminer, chacune à sa place.)
214
214
BAUDELAIRE, Charles. Pauvre Belgique! In : BAUDELAIRE, Charles. Oeuvres complètes, p. 961.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
101
Considerações Finais
Esta pesquisa procurou abordar as ligações entre a teoria do dandismo em
Baudelaire e a tradição revolucionária francesa. O percurso adotado ao longo do
trabalho visou privilegiar não apenas a história interna do fenômeno que pode ser
percebida em diversas manifestações, sejam elas literárias, teóricas ou sociais mas
também o contexto que envolve o ideário da Revolução para analisar um aspecto
profundo da cultura política na França do Século XIX: a questão do heroísmo.
Durante a pesquisa pudemos perceber que o dandismo reclama para si um traço
heróico que consiste, sobretudo, na fabricação de si e no domínio das aparências. Ao se
colocar assumidamente ao lado da hipocrisia, o heroísmo resgatado pelo estereótipo do
dândi baudelairiano é capaz de manter uma relação ambivalente com a herança
revolucionária: tal como os protagonistas de 1789, o dândi estiliza a sua conduta
heróica, mas, definitivamente, não concebe qualquer tipo de ação em nome da natureza,
da verdade ou da necessidade histórica. A natureza dupla desse personagem parece,
ainda, constantemente indicar que o herói moderno corre em um fio de navalha,
oscilando entre a vontade de dar livre curso à torrente revolucionária e o esforço
desesperado de conter o próprio movimento desprendido pela Revolução.
Sob o ponto de vista adotado por essa pesquisa não consideramos, ao contrário
de parte da crítica, que os eventos de 1848 tenham surtido o efeito de uma completa
despolitização em Baudelaire durante o Segundo Império francês.
Por fim, cumpre assinalar que o decorrer do trabalho revelou uma série
significativa de implicações entre o dandismo baudelairiano e outros temas de extrema
importância para o contexto político e social do século XIX. Dentre eles destacam-se os
102
temas da democracia e do progresso que, praticamente, foram apenas mencionados ao
longo do texto de dissertação. Em uma futura pesquisa de doutorado pretendemos
analisar estas questões com mais profundidade e detalhamento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
104
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