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fazer cafuné num pixaim, e de beijar uma boca (negra), e
de tornar tais gestos uma arma contra o preconceito
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De sorte que reside sobre a campanha as categorias público vs. privado
e opressão vs. liberdade. Se, no poema, o espaço público estava ligado à
opressão (era, portanto, disfórico) e o privado estava ligado à liberdade (eufórico),
na campanha do Jornal do MNU, os vértices se opõem, isto é, a liberdade deve
ser praticada no espaço público (é, por isso, eufórica) e o privado pode ser
considerado o espaço do medo, da contenção, da não-naturalidade, seria, portanto,
o lugar da opressão e por isso é disforizado
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Entrevista exclusiva concedida à autora por Lande Onawale em novembro/2006.
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Continuação da entrevista: Lande Onawale fala de como surgiu o poema e como ele foi ligado
à campanha contra a violência racial do MNU. “Em 1990/1991 o MNU definiu como tema de mais
uma campanha o combate ao racismo. A campanha foi lançada no Congresso de abril/91 no Rio
de Janeiro. Eu fui. No retorno a Salvador, fiz o poema. Não foi um pedido do MNU, você sabe,
poeta às vezes escreve, como ladra o cão – “por princípio”. Ainda naquele ano, o jornal do MNU
publicou um número do jornal tendo o poema como “ilustração” para a capa. Em Salvador, a
campanha em moldes “românticos” não saiu do jornal, mas em São Paulo, através de pessoas e
grupos ligados ao MNU, ela ganhou camisas e calendários – não sei se ganhou as praças... Em
2006, 15 anos depois, uma segunda geração de ativistas, através do Instituto Mídia Étnica fez
uma campanha no dia dos namorados com panfletos, faixas e até busdoor”. Em anexo, está o
release da entidade com detalhes sobre a referida campanha.O discurso de Lande Onawale por si
só rende um excelente trabalho e foi colocado em pé de página em função na não possibilidade de
explorá-lo melhor, pelas coerções do presente trabalho. Ele entra para a arena dos projetos futuros.
No entanto, duas observações são necessárias: a primeira, refere-se ao fato de que, segundo
Onawale, não houve intenção explícita dos coordenadores da campanha em desenvolver o tema da
campanha ligada à temática do erotismo; o poema foi apenas uma “ilustração” e a foto, uma
provocação. Nesse caso, cabe ao semioticista perscrutar, não a intenção da obra, mas o que ela
projeta ao se enunciar. Portanto, há uma ligação entre a idéia inicial da campanha que fez com
que seus coordenadores colocassem aquela foto e aquele poema para produzir determinado efeito
de sentido. A segunda, refere-se ao próprio discurso do poeta Há um jogo de valorização fórica
no momento em que ele afirma que houve uma campanha de moldes mais “românticos” em SP vs.
uma não-romântica (ou seria menos) em Salvador, especialmente ao dizer que a campanha
paulistana ganhou “camisas e calendários”, mas ele não sabe se ela “ganhou as ruas”.