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UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ
Cássia Elisa Lopes Capostagno
Concepções e práticas relatadas sobre leitura de
professores da EJA da Rede Municipal de
Ensino de Taubaté
Taubaté - SP
2010
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1
Cássia Elisa Lopes Capostagno
Concepções e práticas relatadas sobre leitura de
professores da EJA da Rede Municipal de
Ensino de Taubaté
Dissertação apresentada como parte dos
requisitos para obtenção do título de Mestre
em Linguística Aplicada pelo Programa de
Pós-Graduação em Linguística Aplicada da
Universidade de Taubaté.
Área de concentração: Língua Materna e
Línguas Estrangeiras.
Orientadora: Profª Drª Eveline Mattos Tápias
Oliveira
Taubaté - SP
2010
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2
CAPOSTAGNO, C. E.
TÍTULO: Concepções e práticas relatadas sobre leitura, de professores de EJA da
Rede Municipal de Ensino de Taubaté
UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ, TAUBATÉ, SP
DATA:
RESULTADO:
COMISSÃO JULGADORA
Profª Drª Eveline Mattos Tápias Oliveira (Orientadora)
UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ
______________________________________________
Profª Drª Marlene Silva Sardinha Gurpilhares
FACULDADES INTEGRADAS TEREZA D’ÁVILA
______________________________________________
Profª Drª Maria Aparecida Garcia Lopes Rossi
UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ
______________________________________________
3
Acredito que dedicar significa dar aos que amamos, o nosso melhor.
Este trabalho representa o meu melhor nesse momento da minha vida.
Dedico este trabalho aos “artesãos anônimos dos tecidos da história”, aos alunos
das muitas salas de EJA espalhadas por este país.
Perguntas de um trabalhador que
Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão os nomes dos reis.
Arrastaram eles os blocos de pedra?
E a Babilônia várias vezes destruída – quem a reconstruiu tantas vezes?
Em que casas da Lima dourada moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros, na noite em que a Muralha da China ficou pronta?
A grande Roma está cheia de arcos do triunfo.
Quem os ergueu? Sobre quem triunfaram os Césares?
A decantada Bizâncio tinha somente palácios para seus habitantes?
Mesmo na lendária Atlântida, os que se afogavam gritavam por seus escravos na
noite em que o mar a tragou.
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César bateu os gauleses.
Não levava um sequer um cozinheiro?
Filipe da Espanha chorou quando sua armada naufragou.
Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu além dele?
Cada página uma vitória.
Quem cozinhava o banquete?
A cada dez anos um grande homem.
Quem pagava a conta?
Tantas histórias.
Tantas questões.
Bertolt Brechet
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, razão de minha existência, soberano neste magnífico Universo
que abriga meu corpo, templo sagrado do meu espírito. Sem a sua força, eu não
teria concluído este trabalho.
À minha orientadora Professora Dra. Eveline Mattos Tápias Oliveira. Pela beleza do
conhecimento que tem e por ter aceitado partilhá-lo comigo, conduzindo-me pelos
difíceis, porém belos caminhos da pesquisa.
À Profa. Dra. Maria Aparecida Garcia Lopes Rossi que aceitou avaliar o meu
trabalho. Pelo conhecimento, dedicação e competência com que conduz seu
trabalho. Sua postura de verdadeira mestra encanta-nos e convida-nos a continuar
nosso caminho na educação.
À Profa. Dra. Marlene Silva Sardinha Gurpilhares por ter contribuído com o meu
trabalho. Sinto-me honrada por ter aceitado partilhar comigo os seus conhecimentos.
Nosso reencontro num momento tão especial em minha vida, muito me reconforta.
À Profa. Dra. Solange Teresinha Ricardo de Castro, pelo convite feito para que eu
fizesse o meu mestrado.
Talvez essa professora não avalie o quanto me fez feliz oportunizando-me realizar
um sonho acalentado por muito tempo.
Ao Professor Joel Abdalla, pela força, por acreditar em meus sonhos, por ser quem
ele é como gente, como professor, como amigo.
A língua Portuguesa fica mais linda com este mestre. Nossas crianças deveriam ter
um Joel para mostar-lhes essa beleza.
Aos professores da EJA sujeitos desta pesquisa.
A vocês companheiros de jornada, o meu carinho e consideração por terem aceitado
fazer parte deste estudo.
Espero poder reencontrá-los para trocarmos ainda muitas experiências sobre leitura.
Ao meu pai, José (in memoriam), de quem recebi o maior exemplo de que a partilha
com o outro é o melhor que podemos fazer para nos tornarmos pessoas melhores.
À minha mãe, Grace, exemplo de garra, de zelo e de perseverança, com quem
aprendi a ter amor pela justiça, a sonhar sempre e ser determinada com meus
ideais.
Ao meu querido esposo, Lorenzo, que sempre me trouxe a paz necessária para que
eu pudesse trilhar os caminhos por mim escolhidos.
Às minhas filhas Natália, Letícia e Giovanna, por fazerem parte de minha vida.
Quando penso em vocês, renovo minhas forças para vencer os obstáculos do
caminho e sinto vontade de continuar.
5
Aos meus queridos netos Rafael e Lucas, amores de minha vida. Vocês são como
um lindo dia de sol cuja simples lembrança me faz sorrir e pensar como a vida é
bela. Espero que a leitura em suas vidas os conduza a caminhos maravilhosos.
Aos meus irmãos, Sandra, Rose e Flávio pelo incentivo para que eu vencesse mais
essa etapa de minha vida.
Aos meus avós, pelos belos exemplos de vida deixados para seus filhos e netos.
À amiga irmã Odila, que em toda a minha caminhada sempre me deu forças e
acreditou em minha obra. Seu olhar de verdadeira educadora acompanhou-me em
todo o processo, incentivando-me diante dos obstáculos para que eu os vencesse.
Os momentos em sua companhia, na partilha de seus conhecimentos é um
verdadeiro tesouro.
À amiga Cristina Simões pelo incentivo, pela alegria tantas vezes demonstrada em
razão de minhas escolhas, dentre estas a do Mestrado.
Ao Edinho, amigo querido pelo seu exemplo de vida, pelo zelo com que tratou esse
trabalho para que ele tivesse uma forma mais bela e correta.
À Cidoca, companheira e amiga de todos os momentos dessa minha caminhada.
Obrigada pelo apoio, pela confiança, por acreditar em minhas escolhas e vibrar com
minhas conquistas.
À colega Cidinha, por todo auxílio nos momentos oportunos de minha jornada.
Ao colega Professor Newton pelo olhar compreensivo diante muitas vezes de meu
cansaço, por ouvir-me e falar-me palavras de encorajamento. Obrigada pelo
coleguismo e reconhecimento dos meus esforços para vencer a luta.
Ao amigo Carlos Tadeu, com quem pude compartilhar um pouco dos meus anseios,
das minhas dúvidas, dos meus sonhos.
Aos queridos colegas do Mestrado, com quem tive um prazer imenso de conviver.
Um grande e saudoso abraço. Espero que possamos nos encontrar dentro em
breve.
6
RESUMO
Na presente pesquisa, buscamos analisar as práticas desenvolvidas atualmente
para o ensino de leitura, de quinze professores que lecionam na Educação de
Jovens e Adultos - EJA, na Rede Municipal de Ensino de Taubaté. Analisamos
também as práticas de leitura desses profissionais vivenciadas no período de sua
escolaridade básica e graduação. Nosso objetivo, enquanto linguistas aplicados, foi
investigar quais concepções teóricas sobre leitura estão presentes nas práticas
exercidas atualmente no trabalho desses professores à frente das classes de EJA.
Também foi nosso intuito enquanto pesquisadores saber se as concepções sobre a
leitura, presentes nas práticas que foram vivenciadas no período de escolaridade
básica e graduação desses profissionais, estão presentes nas práticas exercidas
atualmente, ou apresentam-se ressignificadas por novos entendimentos sobre a
leitura. Para tanto, confrontamos as descrições das práticas de leitura dos
professores vividas na escolaridade básica e graduação como alunos, com as
práticas de leitura desenvolvidas atualmente nas classes de EJA, enquanto
professores. As análises apontaram as concepções de leitura que esses sujeitos
têm, mediante a explicitação das práticas desenvolvidas atualmente nas classes em
que atuam. A formação (graduação) dos sujeitos pesquisados configurou-se como
um dado relevante em nossas análises, uma vez que observamos algumas
diferenças nos posicionamentos assumidos por professores que tiveram uma
formação específica para o trabalho com a Língua materna. A maior parte dos
sujeitos da pesquisa frequentou o Curso Normal (antigo Curso Magistério) e o Curso
de Pedagogia, cursos esses nos quais a formação linguística não é central. Além da
formação básica e graduação, investigamos sobre as oportunidades que esses
professores têm de formação continuada, e, durante essa prática, quais momentos
são oportunizados para estudos e reflexões sobre o ensino de leitura na EJA, uma
vez que entendemos que esse processo pode constituir-se em ricas oportunidades
de troca de experiências e aprendizado. Essa pesquisa pautou-se nos referenciais
teóricos de leitura como um processo de decodificação, a interativista e a
abordagem sociocognitiva, desvelando concepções atreladas a forma de pensar o
homem, a sociedade e à forma de aquisição da linguagem. O conceito bakthiniano
de gênero discursivo foi abordado, devido à sua configuração nas propostas mais
recentes sobre o trabalho com a leitura. Os conceitos de enunciado e dialogia deram
suporte à análise dos dados, uma vez que nos permitiram perceber nas palavras
usadas, nos verbos escolhidos e nas respostas dadas como os professores
enunciam, isto é, falam das práticas de leitura vivenciadas enquanto alunos e,
atualmente, como professores, evidenciando o seu conhecimento e suas
concepções sobre leitura. O modo como veem a si mesmos (sua imagem) também
configura o (ethos) do que se espera de um professor competente no ensino da
leitura. As conclusões a que chegamos, após análise, referem-se à necessidade de
maior aprofundamento nas questões relacionadas à leitura, tanto no aspecto teórico,
quanto prático, por esse estudo resultar não em uma prática sem conflitos, mas sim
numa prática mais conscienciosa.
Palavras- chave: Leitura. EJA. Concepções. Práticas.
7
ABSTRACT
In the current research, we aim at analyzing the practices developed nowadays for
the teaching of reading from fifteen teachers who work with the Education of Young
Learners and Adults EYLA in the Municipal Education Network of Taubaté. We
have also analyzed the reading practice of these professionals along their school
years and graduation. Our objective, as applied linguists, was to investigate which
theoretical conceptions about reading are present in the practices used in the current
work of these EYLA teachers. As investigators, we have also aimed at learning
whether the conceptions on reading, present in those practices which were
experienced in the school years and graduation of such professionals, are present in
their current practices or whether they are presented as a new meaning for new
understanding about reading. For doing so, we have confronted the descriptions of
the reading practices those teachers experienced in their school years and
graduation as students, to the reading practices developed in the EYLA classes
currently, as teachers. Analyses show the reading concepts such individuals have,
according to the explicitness of practices currently developed in the classes they
teach. The graduation degree of individuals researched appears as some relevant
data in our analyses, as we have observed some differences in the positioning taken
by those who had specific training for working with the mother tongue. Most of the
individuals researched attended the Curso Normal (previously known as Magistério)
and the Pedagogy Course, in which linguistics training is not central. Besides the
school basis and graduation, we have also investigated whether these professional
have opportunities for continued training, and during such practice, which moments
are used as opportunities for studies and thinking on the teaching of reading in the
EYLA, once we understand that this process can turn into rich opportunities for
exchanging experiences and learning. This research has been based on theoretical
referential of reading as a decoding process, interactive as well as the socio-
interactive approach , unveiling concepts lined to the way men think, society and
language acquisition. The Bakthinian concept of discursive genre has been
approached, due to its configuration in the most recent proposals concerning
reading. Concepts such as reading instruction and dialogy gave support to the data
analyses, since they have allowed us to notice in the words used in the verbs chosen
and in answers given the way teacher enunciate, that is, they speak about reading
practices experienced as students and, currently as teachers, emphasizing their
knowledge and conceptions on reading. The way they see themselves (their image)
also configures the (ethos) which is expected from a competent teacher in the
teaching of reading. The conclusions we get to, after analysis, refer to the high
necessity of better deepening in questions related to reading, both in the theoretical
and practical aspects, as this study results not in a practice with no conflicts, but in a
more conscientious practice.
Keywords: Reading. EYLA. Conceptions. Practices.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1
1
Para Começar, Muitas Históras, Uma Vida: Memorial 11
Apresentação da Pesquisa 21
PERSPECTIVA TEÓRICA
2
5
1.1 A Leitura em Questão: Como Processo de Decodificação, a Teoria
Interativista de Leitura e Abordagem Socio-Conitivista de Leitura
25
1.1.1 A Leitura Como um Processo de Decodificação 30
1.1.2 Leitura na Visão Interativista-Cognitiva 42
1.1.3 Abordagem Socio-Cognitiivista de Leitura 60
1.2 Leitura de Gêneros Discursivos 68
1.3 A Linguagem e os Conceitos Backhtinianos de Dialogismo e Enunciado:
Fios de uma Mesm Trama
73
METODOLOGIA
77
2.1 A Abordagem Qualitativa 77
2.2 Questionário 78
2.3 Justificativa Para as Questões Respondidas 81
2.4 Perfis dos Sujeitos 83
ANÁLISE DO
CORPUS
86
3.1 Os Sujeitos e suas Práticas na Formação Profissional e Atuação nas Aulas
de Leitura
86
3.1.1 Memórias das Aprendizagens de Leitura dos Professores no Processo
de Formação Inicial (educação básica)
87
3.1.2 Memórias das Aprendizagens de Leitura dos Professores no Curso
Normal
90
3.1.3 Memórias de Leitura dos Professores no Curso de Graduação 92
3.1.4 Sentido e Significado de Leitura Para os Professores Atualmente
(enquanto pessoa). Mudanças com Relação ao Passado? Quais?
96
3.1.5 Docência na EJA: Opção ou Falta de Opção? 100
3.1.6 Significado de Leitura Enquanto Professor de EJA: Comentários Sobre
Fatos Ocorridos na Sala de Aula
101
3.1.7 Momentos das Aulas de Leituras Mais Apreciados Pelos Alunos e Pelos
Professores
103
3.1.8 Formação Continuada na EJA: Oportunidades Para Reflexão Sobre o
Ensino de Leitura na EJA
105
3.1.9 Conhecimento Teórico-Linguístico dos Professores e sua Utilização no
Ensino de Leitura
107
3.1.10 Instrumentos Metodológicos no Ensino de Leitura 108
3.1.11 Práticas Positivas no Ensino de Leitura: Passado/Presente/Futuro 113
3.1.12 Mudanças ou Permanência nas Práticas Pedagógicas no Ensino de
Leitura na EJA
114
3.1.13 Conteúdo Necessário Para Ministrar Melhores Aulas de Leitura 116
3.1.14 Ações Necessárias Para Ministrar Melhores Aulas de Leitura 118
3.1.15 Exposição de Ideias ou Questionamentos Sobre Leitura na EJA 120
9
CON
CLUSÃO
12
3
REFERÊNCIAS
12
7
10
“Vivi, olhei li, senti. Que faz aí o ler? Lendo, fica-se a saber quase tudo.
Eu também leio algo, portanto, saberás agora já não estou tão certa.
Terás de ler doutra maneira, como, não serve a mesma para todos,
cada um inventa a sua, a que lhe for própria, há quem leve a vida
inteira a ler sem nunca ter conseguido ir mais além da leitura, ficam
apegados a páginas, não percebem que as palavras são apenas
pedras postas a atravessar a corrente de um rio, se estão ali é para
que possamos chegar à outra margem, a outra margem é que
importa, A não ser, A não ser, quê, A não ser que esses tais rios
não tenham duas margens, mas muitas, que cada pessoa que lê
seja, ele, a sua própria margem, e que seja sua, e apenas sua,
a margem a que terá de chegar...”
José Saramago, A Caverna
11
INTRODUÇÃO
Bem longe de serem escritores, fundadores de um lugar próprio,
herdeiros dos lavradores de antanho mas, sobre o solo da
linguagem, cavadores de poços e construtores de casa os leitores
são vigilantes: eles circulam sobre as terras de outrem, caçam
furtivamente, como nômades através de campos que não
escreveram, arrebatam os bens do Egito para com ele se regalar.
A escrita acumula, estoca, resiste ao tempo pelo estabelecimento de
um lugar, e multiplica a sua produção pelo expansionismo da
reprodução. A leitura não se protege contra o desgaste no tempo
(nós nos esquecemos e nós a esqueceremos); ela pouco ou nada
conserva de suas aquisições e cada lugar por onde ela passa é a
repetição do paraíso perdido (CERTEAU, M
1
apud YUNES, 2002).
PARA COMEÇAR, MUITAS HISTÓRIAS, UMA VIDA: MEMORIAL
A presente pesquisa tem suas raízes, em primeiro lugar, na minha história de
vida. Creio que antes mesmo do término de minha formação profissional inicial, no
Curso Normal, quando recebi um convite para alfabetizar uma idosa; na ocasião,
percebi que, para essa idosa, o gosto, a vontade e o desejo de aprender a ler e
escrever, o caderno, o lápis e a carteira escolar foram substituídos pelo trabalho na
enxada no campo, no arrozal e no pilão de café e isso se deu antes mesmo de ter
aprendido as primeiras letras e a escrita de seu nome, Benedita Guinésia Gomes de
Araújo, minha avó paterna.
O fato de ser minha avó uma pessoa que toda a vida se impôs perante os
filhos com tanta dignidade, que, no comando da família e do lar, demonstrava tanta
segurança e que, inclusive, conseguiu que todos os sete filhos que teve fossem à
escola, chegando à Universidade, trouxe-me uma sensação ao mesmo tempo de
indignação e preocupação. Indignação, pelo reconhecimento das desigualdades
sociais, tão próximas, tão presentes na história dessa pessoa lutadora, querida,
assim como de tantas outras, para as quais as oportunidades de frequentar uma
escola foi um direito negado. A preocupação deveu-se à responsabilidade pela
tarefa de não fracassar com alguém para quem a vida havia reservado a passagem
de circunstâncias tão duras; uma pessoa que depositava, em mim, o seu sonho
dourado de ser alfabetizada.
1
Michel de Certeau. A Escrita da História.
12
O sonho de minha avó era o sonho de inúmeros brasileiros da época, quando
eu frequentava a segunda série do Curso Normal e o número de analfabetos, no
Brasil, beirava a casa dos milhões.
Essa primeira experiência foi meu “batismo de fogo”, pois ali senti pela
primeira vez o impacto de estudar uma série de autores, de teorias, de disciplinas;
outro impacto foi o de colocar-me frente a minha avó, minha primeira aluna, em
situação tão passiva e dócil, e não conseguir tão facilmente os resultados
esperados.
O tempo não foi favorável a nós e, antes que pudesse conseguir realizar o
sonho, minha avó partiu. Percebi, nesse tempo de Curso Normal, que as teorias
ensinadas falavam muito do desenvolvimento do aspecto cognitivo da criança, do
adolescente; sequer havia algo que fizesse referência às formas como as pessoas
mais idosas aprendem e tampouco como seria o processo para alfabetizar um
adulto. Essa história inscrita na minha vida marcou de tal forma que, ao terminar o
Curso Normal, fiz minha opção por dar aula numa primeira série, mesmo tendo
ouvido de minha professora de Prática de Ensino, após terminar minha aula de
exame final, as seguintes palavras: “você será uma excelente professora de
série”. Tornei-me uma professora alfabetizadora e fiz minha opção pela escola
pública, espaço escolhido, por acreditar que a educação deveria ser direito de todos,
valor até hoje por mim defendido.
Recém-formada, com dezenove anos, iniciei minha jornada numa escola de
periferia, passando a fazer parte então do quadro de docentes da Rede Municipal de
Ensino de Taubaté. A classe de série era formada por crianças na faixa etária de
sete a quatorze anos; uma mescla de alunos repetentes com os que frequentavam
pela primeira vez uma escola. O que pude observar de imediato é que antes da
“fome pelas letras”, essas crianças tinham fome de comida e de afeto.
Solidão pedagógica, se é que se pode chamar assim, era o que sentia cada
vez que fracassava em minha tentativa de ensinar a ler e escrever, pois não tinha
com quem compartilhar as experiências vividas. Nesse período a tendência
pedagógica das práticas escolares era Tecnicista. Em termos de materiais, recebia-
se no Departamento de Educação e Cultura o que era chamado de Conjuntos ou
Pacotes Instrucionais. A maneira como eram distribuídos os tais conjuntos, ou
pacotes, o nome que recebiam e a forma como deveriam ser trabalhados, lembrava
o período do Fordismo (1920) nas indústrias, em que as esteiras de produção
13
permitiam um controle maior sobre os trabalhadores e os produtos por eles
fabricados.
Dos professores eram cobrados prazos e resultados. Como era próprio da
concepção tecnicista, o papel do professor era de um aplicador de técnicas,
portanto, o bom professor era aquele tinha boas técnicas e conseguia alcançar
rapidamente os resultados almejados. A Formação de Professores também
acontecia nos moldes da tendência tecnicista, conforme explica Libâneo (1994,
p.68): “nesse modelo o professor é um administrador e executor de planejamento, o
meio de previsão das ações a serem executadas e dos meios necessários para se
atingir os objetivos”.
Fazemos notar que, embora esse tecnicismo educacional tenha se
desenvolvido no Brasil na década de cinquenta (LIBÂNEO, 1994), ainda conforme o
autor citado, as orientações impostas às escolas pelos organismos oficiais acabaram
por prevalecer ao longo de boa parte das duas décadas subsequentes, por serem
compatíveis com a orientação econômica, política e ideológica do regime milita
então, vigente. O descompasso entre o tempo em que as inovações educacionais
aconteciam no mundo e no Brasil, justifica o que ocorria no período descrito e por
mim vivido no início de 1979.
Como a didática que prevalecia na época era meramente instrumental e o
interesse era pela racionalização do ensino, o uso de meios e técnicas tinha
primazia no cenário da educação. Portanto, a alfabetização nesse período “bebia da
mesma fonte”. A alfabetização era uma questão meramente de métodos e técnicas
bem aplicados, sem que houvesse consideração pelo sujeito aprendiz, questão que
vinha sendo discutida por Emília Ferreiro e Ana Teberosky nos anos de
1974/1975, mas que nem de longe constavam nas propostas educacionais da Rede
Municipal de Ensino. Naquela época (1979), alfabetizava-se na Rede Municipal com
a Cartilha da Mimi (DUARTE, 1979).
O período de prontidão ou preparatório impunha aos alunos a passagem por
uma bateria de exercícios de coordenação motora, os quais eram considerados de
fundamental importância para o aprendizado da leitura e da escrita, sendo, portanto,
cobrados dos alunos e dos professores com extremo rigor. Todo esse período era
acompanhado de perto pelo Supervisor de Ensino, que comparecia à escola para
cobrar resultados e verificar o preenchimento das cadernetas, chamadas de diários
de classe.
14
Algumas questões sobre o porquê de alguns alunos não conseguirem
aprender a ler e escrever ficavam sem respostas ou recebiam como justificativa o
que por muitos anos prevaleceu nos meios educacionais, as referências feitas à
teoria do déficit (SOARES,1989): cultural, material, psíquico, emocional, econômico
etc.que impediam os alunos de aprenderem. A lembrança traz de volta de como era
desgastante fazê-los cumprir os exercícios de coordenação motora, a tomada da
lição ou das próprias famílias silábicas (ba, be, bi, bo, bu), do tempo tão restrito para
dar conta de tantos pacotes instrucionais.Tudo isso era superado quando um
aluno conseguia soletrar as primeiras palavras e, muitas vezes, dizia: Professora,
olha como eu sei ler..” Nesse momento a “alma educadora” se renovava e
buscava forças para continuar. Desse período, ficou a certeza de que aquilo que
vinha sendo feito para alfabetizar as crianças era pouco. Faltavam outros elementos
que trouxessem contribuições para o complexo aprendizado e ensino da leitura e da
escrita, elementos esses não disponíveis em meu repertório docente.
Em 1982 deixei a primeira série por questões funcionais e de períodos que
correspondiam às minhas necessidades e assumi a Educação Infantil para trabalhar
com classes de pré-escola. No início de 1983, comecei o meu trabalho com as
crianças do antigo prezinho, da faixa etária de seis anos. Vale lembrar que, nessa
época, a Rede Municipal de Ensino possuía apenas três escolas de Ensino
Fundamental, sendo que, em uma apenas, havia o Ensino Médio. Como ainda não
havia acontecido a ampliação do número de escolas, o que aconteceu somente no
ano de 1997, os alunos que queriam frequentar as classes de série no Ensino
Municipal tinham que passar por um processo seletivo chamado vestibulinho,
processo esse idolatrado por alguns pais e professores e odiado por outros, até os
dias de hoje.
Esse tipo de avaliação trouxe algumas repercussões para as práticas dos
professores no que diz respeito ao processo de alfabetização, como se verá adiante,
pois a disputa por uma vaga na série fazia com que muitos pais colocassem seus
filhos em escolas particulares para que fossem alfabetizados e pudessem passar no
vestibulinho, que nas escolas municipais os alunos deveriam apenas passar pelo
período de prontidão, aprender as vogais e os encontros vocálicos.
Mesmo reconhecendo o absurdo da situação pela qual crianças tão pequenas
tinham que passar, eu havia feito minha opção por alfabetizar os meus alunos
sem o conhecimento das autoridades, indo além do que os Supervisores
15
determinavam, uma vez que acreditava que os alunos poderiam ir mais longe do
que o simples aprendizado de vogais e encontros vocálicos. Anos depois, percebi
que nessa decisão havia princípios vygotskianos: o bom ensino é o que se adianta
ao desenvolvimento (REGO, 2004, p.106). Também acreditava que, diante das
circunstâncias de passarem por um processo de seleção, não era justo que meus
alunos disputassem com outras crianças que estavam alfabetizadas; desde
aquela época, eu acreditava que a escola deveria ser para todos e não somente
para alguns privilegiados.
Para alfabetizar, contava apenas com a Cartilha Sodré (SODRÈ, 1957), muito
embora sentisse falta de orientações, de troca de experiências com outros
professores, enfim, de ir além; algo impossível, visto que alfabetizava meus alunos
secretamente. Essa ousadia, quase me custou o emprego, pois alguém foi ao
Departamento de Educação e mencionou o fato de a professora alfabetizar os seus
alunos, o que não era, absolutamente, permitido.
O que foi vivido a seguir foi uma abertura para a alfabetização na pré-escola,
até porque as pesquisas nessa área apontavam para a necessidade de rever
práticas e metodologias, que enxergassem o aprendiz não mais com um ser
passivo, que chega à escola totalmente desprovido de qualquer conhecimento sobre
a escrita. Muito embora se falasse muito no referencial teórico Construtivista
(SALVADOR, 2000), poucos sabiam o que fazer com ele; outros o enxergavam
como método para alfabetizar, porém não sabiam como fazê-lo.
Em alguns encontros marcados pelo Departamento de Educação, os
professores tiveram vivências para o trabalho com textos, mas que, de longe,
permitiam fazer o que hoje em dia entendemos como transposição didática, ou seja,
conseguir trazer para as atividades práticas da sala de aula o que tínhamos visto na
teoria. Lembro de um trabalho específico que meu grupo de estudos fez com
parlendas, mas cujo valor somente anos depois fui compreender.
Nos anos de 1989 a 1993, ainda com salas de pré-escola, vivi períodos de
conflito muito grandes no que se refere ao trabalho com a alfabetização.
Considerava e sentia uma premente necessidade de mudar, mas não sabia como.
Ouvia falar nas novas teorias, vinha lendo sobre as pesquisas de Emília Ferreiro
(1991), do Grupo de Estudos sobre Educação-Metodologia de Pesquisa e Ação -
GEEMPA (FUCK, 1999), da Didática da Alfabetização (GROSSI, 1990), porém
muitas dúvidas pairavam, sem ter com quem trocar informações: como começar o
16
processo de alfabetização sem ser pelas vogais? Como trabalhar textos com
crianças que não sabiam decodificar? Quais textos deveriam ser utilizados? Quais
atividades seriam mais adequadas para o trabalho de a apropriação do código da
escrita?
Isso significou, em termos de alfabetização, entre outras coisas, o
reconhecimento da necessidade de se considerar o sujeito aprendiz como alguém
que pensa e representa a escrita, que chega à escola com uma história da escrita,
que, em muitos casos, conhece o seu nome e de seus familiares etc. Apesar de
todos esses reconhecimentos, permanecia a vida de como trabalhar com o aluno.
De um lado, a segurança de ser considerada excelente alfabetizadora: de outro,
uma urgente necessidade de encontrar outros caminhos para ensinar a ler e
escrever.
Em 1994, começava uma nova fase na minha vida, uma fase de tentativas, de
trocas com uma colega que vinha tentando novos caminhos em leituras, no preparo
de atividades que estivessem mais adequadas às propostas assumidas. Os
resultados alcançados foram maravilhosos. Ao término do ano, as crianças
alfabetizadas escreviam bilhetes, cartinhas, pequenas manchetes de notícias etc.
Foi meu último ano como professora alfabetizadora, pois, em 1995, deixei a
sala de aula para assumir a Direção de uma Creche Municipal, onde fiquei até o ano
de 1998, quando fui chamada junto ao Departamento de Educação para a função de
Supervisora de Ensino Fundamental e Médio. No término do ano seguinte, 1999
Iniciei minha história na Educação de Jovens e Adultos a frente da Coordenação
desse segmento no Município de Taubaté.
Nesse período a Rede de Ensino Municipal passava por um processo de
ampliação, o que representou, anos mais tarde num aumento considerável no
número de suas escolas.
Os esforços empreendidos tanto por parte da Prefeitura Municipal, quanto por
parte da Equipe Técnica do DECE (Departamento de Educação, Cultura e Esportes)
foi no sentido de garantir um maior acesso ao Ensino Fundamental por meio da
ampliação do número de vagas com a manutenção de um ensino de qualidade.
Meu período de trabalho na educação de jovens e adultos, o qual aconteceu
em meio a esse processo, coincide com a regulamentação da EJA, por meio da Lei
de Diretrizes de Base 9394/96 no que tange ao direito de todos à educação,
estabelecido na Constituição de 1988.
17
O direito à educação continuará a ser garantido, porém uma nova concepção
de educação como processo de formação ao longo da vida, marcará um novo
capítulo na história da Educação de Jovens e Adultos. De uma concepção de
educação vista como compensatória, começa-se a pensar numa educação que inclui
tanto a educação formal como a não-formal, e onde se considere os saberes e
habilidades daqueles que são seus sujeitos de direito.
As repercussões desse novo marco teórico começam a ser sentidas em
nosso ensino municipal, na medida em que à frente da Coordenação da EJA, pude
participar do que seria o encontro do PCN em Ação-Programa desenvolvido pelo
MEC - Ministério da Educação e da Cultura com vistas ao fortalecimento das
equipes técnico-pedagógicas nos Municípios, mediante a consolidação dos Planos
de Carreira, valorização dos profissionais da educação o que sem dúvida,
representaria digamos grosso modo o “pontapé” inicial de um processo de Formação
Continuada para os seus professores e gestores. Vale ressaltar que nossa Rede
Municipal de Ensino havia até então cogitado o desenvolvimento de um Plano de
Carreira que pudesse garantir as condições mínimas para um trabalho docente, mas
de fato isso até a presente data não aconteceu, pois o mesmo se encontra na fase
de estudos. Creio ser importante ressaltar que o Estatuto do Magistério garantiu no
ano de 2008, o HTPC-Horário de Trabalho Coletivo, o que sem dúvida foi um
ganho em termos da garantia de um espaço para as trocas de ideias, de
experiências, estudos de gestores e professores.
Na época a Formação no Município acontecia nos moldes de Formação
Pontual, ou seja, o trabalho de formação de professores consistia em palestras
abordando algum tema eleito por algum representante do DEC como de relevância,
as quais aconteciam em datas previamente estabelecidas no calendário escolar.
Esse molde de Formação ainda acontece na Rede Municipal atualmente pois um
sistema de apostilas adotado e a empresa responsável pelo mesmo vem fazer a
“capacitação dos professores” para o seu uso.
Desse período ficou a lembrança das conquistas conseguidas para esse
segmento educacional: os encontros pedagógicos para discutirmos a Proposta
Curricular da EJA cujo teor os professores não conheciam até 1999, as alterações
regimentais com vistas à adequação de sua organização e funcionamento; uma
preocupação com a formação dos professores para um trabalho diferenciado em
18
termos da utilização de materiais mais apropriados para a alfabetização dos jovens e
adultos.
No ano de 2002, assumi a Coordenação da Educação Infantil do Município.
havia trilhado outros caminhos nos estudos sobre o processo da leitura e da
escrita, entre esses: a participação no Programa PCN em Ação (programa
desenvolvido pelo MEC para o estudo dos Parâmetros Curriculares Nacionais); os
cursos de tematização da prática pedagógica tratando da alfabetização com a
formadora Telma Weisz e uma especialização sobre leitura e produção textual.
Assim, comecei um processo de formação dos professores da Educação Infantil,
tendo como ponto de partida o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil
tentando dialogar com os professores sobre o processo de alfabetização e
letramento, no que se referia ao desenvolvimento do trabalho com a linguagem oral
e escrita.
Esse foi um período difícil, pois os espaços para Formação Continuada tão
propagados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, não existiam como
deveriam existir. Os encontros que aconteciam na Rede Municipal de Ensino eram
esporádicos, muitas vezes para tratar de um assunto geral, mas não das
especificidades das áreas de conhecimento, dos problemas enfrentados pelos
professores no dia a dia da escola.
A situação dos professores que assumiam a Educação Infantil era a seguinte:
em termos funcionais, eles eram estagiários que tinham que dobrar período,
ganhando um salário de seiscentos reais por mês e fazer um curso universitário para
que pudessem continuar como professores da Rede Municipal de Ensino. Quando o
professor terminava o curso universitário, ele saía do Sistema Municipal de Ensino.
Se pararmos para pensar no que isso significava para a Educação Infantil,
veremos que representava uma desconsideração com uma modalidade de ensino
que havia sido colocada como primeira etapa da educação básica (Artigo 29 da
Lei 9.394, 20/12/1996 publicado no Diário Oficial da União 23/12/1996).
Em termos de Formação Continuada, isso significava o oposto, ou seja, a
descontinuidade, que em nada favorecia aos avanços para a melhoria do processo
de ensinar a ler e escrever. Mesmo assim, eu consegui montar com minha equipe de
trabalho um material que seria utilizado pelos professores como apoio em suas
classes. Esse material não contou com o apoio da administração para ser
reproduzido, pois quem estava no poder na época não conseguia entender o porquê
19
de mudanças tão radicais, que a Coordenação anterior trabalhava com a proposta
de alfabetização na linha do trabalho das cartilhas. Alguns Diretores reproduziram
por sua própria conta o material para o uso dos seus professores, pois achavam que
era bom e condizente com a linha teórica que vinha sendo discutida e também
porque sentiam a necessidade de que houvesse mudanças.
O material elaborado foi fruto de muitas leituras e demandou muitos esforços
da equipe de supervisores que cuidavam da Educação Infantil para ser montado. O
fato de ser montado por uma equipe de supervisores muito me incomodava, mas era
a única maneira de iniciar um novo trabalho que não fosse nos moldes da
alfabetização com as cartilhas, afinal não havia tempo para fazer o que era preciso
ser feito, ou seja, montar o material com os professores, isso teria que ser feito num
outro momento. Mesmo com todas as dificuldades, os encontros de professores
foram acontecendo, foram realizados alguns módulos do Programa PCN em Ação e
em especial um deles: Alfabetização. Foi também desenvolvido o Programa para
Professores Alfabetizadores do Ministério da Educação e Cultura (PROFA), no qual
trabalhei como Formadora, tendo a função também de Coordenadora no Município.
Em 2004 fui chamada ao Departamento de Educação e convidada a deixar a
Coordenação da Educação Infantil, pois a linha teórica de trabalho por mim
defendida não contava com mão de obra qualificada para ser desenvolvida”. Nesse
período vinha acompanhando o Projeto de leitura Entre na Roda, do Centro de
Pesquisas em Educação e Ação Comunitária - CENPEC - de São Paulo. Esse
projeto foi oferecido a algumas escolas de ensino fundamental da Rede Municipal de
Ensino e tinha como objetivo o incentivo à leitura na escola e na comunidade. No
ano de 2005 recebi o convite para participar dos trabalhos tendo como proposta
fazer intervenções junto aos grupos de estudos no Município.
Os profissionais do CENPEC que vinham de São Paulo, todos com formação
superior em Letras, traziam materiais para os professores nos quais havia alguns
princípios teóricos sobre a leitura e também muitas propostas de práticas de
formação de rodas de leitura com diversos gêneros. Havia a parte expositiva, em
que o formador trabalhava com alguns aspectos teóricos sobre os diversos gêneros
e as possíveis formas de trabalhá-los na sala de aula; em seguida os grupos tinham
que montar as rodas de leitura e apresentar para os outros grupos. Nesse trabalho,
foi central a preocupação e o cuidado dos formadores com o incentivo ao uso das
20
bibliotecas das escolas, ensinando, inclusive, aos professores, como fazer a
catalogação dos livros para empréstimos.
Esse Projeto, que vinha sendo desenvolvido junto a 26 escolas de Ensino
Fundamental, estendeu-se à Educação Infantil, envolvendo 20 Unidades escolares,
o que foi sem dúvida um ganho, já que os professores das escolas que dele
participavam tinham a formação para fazer as rodas de leitura e ganhavam um
acervo maravilhoso que vinha dentro de um baú. O Projeto foi desenvolvido numa
parceria entre a Prefeitura Municipal, o CENPEC e a Fundação Volkswagen. Foi,
com certeza, um dos melhores momentos por mim vividos nos trinta anos de carreira
no Município. Outro trabalho foi-me proposto, o de lecionar no Curso Normal,
atuando na formação de professores. Entre as disciplinas que teria que ministrar
uma era a menina de meus olhos, e, se chamava Conteúdos Metodológicos da
Língua Portuguesa – CMLP.
O período de trabalho no Curso Normal representou colocar em prática com
os alunos todas as aprendizagens sobre a alfabetização, em especial sobre a leitura.
Disso, resultaram bons projetos de leitura desenvolvidos pelas alunas na sala de
aula com os gêneros: poemas, contos clássicos, receitas, parlendas, cantigas de
roda, quadrinhos..., com as atividades de prática com estratégias de leitura, com as
rodas de leitura nas salas de aula, com o teatro de fantoches etc.
Em 2007 fui convidada a assumir a Vice-Direção da escola em que lecionava
no Curso Normal e deixei, mais uma vez, a sala de aula para ser gestora.
Concomitantemente a essa função, a qual estou exercendo até a presente
data, sou professora no Curso Superior da UNITAU no Departamento de Pedagogia.
A história com a leitura recomeçou... sem data para terminar.
APRESENTAÇÃO DA PESQUISA
Nesse percurso de trinta e um anos de trabalho na educação municipal, o
período em que coordenei a Educação de Jovens e Adultos EJA representou,
para mim, uma etapa significativa, a qual corroborou para a escolha do tema de
estudo desta pesquisa. Nessa época, pude observar as dificuldades enfrentadas
pelos professores no trabalho com a leitura, por meio do acompanhamento das
práticas desenvolvidas nas classes destinadas àqueles que o puderam frequentar
21
as séries iniciais (1ª à rie), primeira etapa da escolaridade básica ou que não
puderam concluí-la na idade adequada devido à repetência ou evasão escolar.
Muitos documentos oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais
PCN (BRASIL, 1998) — e Proposta Curricular para o 1º Segmento do Ensino
Fundamental da EJA (ACÃO EDUCATIVA/MEC, 1997), explicitam os princípios
teóricos de um trabalho didático pautado em uma concepção sociointeracionista de
leitura. Entretanto, percebemos a dificuldade de muitos professores para fazerem a
transposição didática de tais princípios para as atividades da sala de aula, havendo
em muitas atividades, a prevalência das concepções de leitura como um processo
de decodificação.
No PCN de Língua Portuguesa para e ciclos (BRASIL, 1998), no que se
refere ao tratamento didático, encontramos a seguinte proposta:
[...] se a escola pretende converter a leitura em objeto de
aprendizagem deve preservar sua natureza e sua complexidade,
sem descaracterizá-la. Isso significa trabalhar com a diversidade de
textos e de combinações entre eles. Significa trabalhar com a
diversidade de objetivos e modalidades que caracterizam a leitura,
ou seja, os diferentes “para quês” resolver um problema prático,
informar-se, divertir-se, estudar, escrever ou revisar o próprio texto —
e com as diferentes formas de leitura em função de diferentes
objetivos e gêneros: ler buscando as informações relevantes, ou o
significado implícito nas entrelinhas, ou os dados para a solução de
um problema (BRASIL, 1998, pp.54-55).
Acreditamos que as propostas citadas nesses documentos oficiais
preconizam um trabalho com a leitura pautado em referenciais teóricos que exigem
dos professores um conhecimento linguístico específico, conhecimento esse ao qual
a maioria deles não teve acesso em seu período de formação inicial ou ainda na
Formação Continuada.
Os problemas relacionados à leitura vêm, algum tempo, preocupando
muitos estudiosos da área de Linguística Aplicada, que reconhecem nessa atividade
importante instrumento para a participação no mundo permeado por práticas
letradas (MASAGÃO, 1997; KLEIMAN, 2000; VÓVIO, 2007). Entretanto, segundo
Saveli (2007), a produção considerável de soluções sobre os problemas da leitura
na escola não consegue atingir os sujeitos e as práticas desenvolvidas nas salas de
aula. Concordamos com a autora quando ressalta que uma distância
considerável entre o discurso teórico e as atividades de leitura que o solicitadas
pelos professores, tanto na classe, quanto em atividades extraclasse,
as quais estão
22
centradas em uma única concepção, entendida pela autora como ultrapassada: “a
estruturalista em que a leitura é tomada como processo de decodificação e ‘tradução
oral do escrito”. (SAVELI, 2007, p.108) Para a autora muitos são os fatores que
corroboram para que essa situação aconteça e, entre eles, ela cita:
a insuficiente formação dos professores, bem como dos seus formadores;
as propostas mecanicistas de leitura (oriundas de uma concepção escolar pouco
audaz) baseadas em exercitação e repetição, as quais têm primazia sobre
propostas que valorizam os conhecimentos prévios dos alunos e sua reflexão
sobre os textos;
a utilização de manuais didáticos tanto por parte dos docentes quanto dos que os
orientam e formam;
a dificuldade de colocar em prática, na sala de aula, os referenciais e produções
teóricas sobre leitura advindas de diversas áreas; a ausência de um campo de
pesquisa específico que estude a forma como vem ocorrendo o trabalho com a
leitura nas escolas;
a falta de clareza de alguns profissionais para perceberem a leitura como uma
atividade-meio de aprendizagem, o que, para a autora, significa dizer que as
escolas prescindem de um projeto político-pedagógico que contemple a leitura na
sua dimensão interdisciplinar (SAVELI, 2007, pp.108-109).
As ideias de Saveli (2007) sobre a formação do professor para o trabalho com
a leitura são expostas também por Kleiman (2000), para quem isso se deve ao fato
de muitos professores não disporem de referências teóricas sobre a natureza da
leitura, como saber o que a leitura é, que tipo de “engajamento intelectual é
necessário, em quais pressupostos de cunho social ela se assenta”.
Na medida em que aprofundamos nossos estudos sobre leitura, sentimos a
necessidade de conhecermos em quais concepções teóricas os professores
embasam suas práticas no ensino da leitura, no trabalho com as classes de EJA.
Fundamentando-nos e concordando com as ideias das autoras citadas, a presente
pesquisa tem como objetivo geral investigar as concepções de leitura que estão
presentes nas práticas de um grupo de professores que lecionam na EJA na Rede
Municipal de ensino de Taubaté. Enquanto linguistas aplicados, interessa-nos
também verificar se concepções acerca de leitura que foram vivenciadas no período
de escolaridade básica e formação profissional desses professores estão presentes
nas práticas para o ensino exercidas atualmente, ou foram ressignificadas por novos
23
entendimentos sobre a leitura. Acreditamos que esse conhecimento oferecerá
elementos importantes para discutirmos essas concepções que podem estar
arraigadas no fazer pedagógico dos sujeitos da pesquisa relacionado à leitura.
Assim, é nossa primeira pergunta de pesquisa:
1) Quais concepções teóricas de leitura estão presentes nas práticas de leitura
vividas pelos professores na sua escolaridade básica e formação profissional?
Nossa segunda pergunta de pesquisa refere-se às práticas atuais vividas
pelos sujeitos como professores de EJA. Com perguntas diferentes sobre o mesmo
teor buscamos observar o que acontece, na visão dos professores, em sua sala de
aula de leitura em EJA. Nossa questão:
2) Quais concepções teóricas estão subjacentes nas práticas de leitura que os
professores sujeitos da pesquisa dizem desenvolver na sala de aula da EJA na
atualidade?
Com base nas respostas a essa pergunta, teremos condição de responder à
nossa última pergunta:
3) O que os sujeitos dizem fazer em sala de aula no ensino de leitura encontra elo
em suas vivências anteriores ou estão ressignificados por novos entendimentos
sobre leitura?
Para responder às perguntas de pesquisa foi utilizado um questionário escrito,
respondido por 15 professores que lecionam na EJA na Rede Municipal, composto
por 3 blocos de perguntas fechadas com 23 itens e 2 blocos com 13 perguntas
abertas.
Os dados foram analisados a partir dos pressupostos teóricos de Bakthin
(2009) sobre a linguagem e especificamente sobre a concepção de enunciado, o
que nos permitiu que tomássemos como objeto de análise as respostas dadas no
contexto, considerando toda a dimensão que as torna um enunciado. Como aponta
Brait (2008, p.67), referenciando-se em Bakthin,
o enunciado implica muito mais do que aquilo que está incluído
dentro dos fatores estritamente linguísticos, o que, vale dizer, solicita
um olhar para outros elementos que o constituem.
Partindo dessa perspectiva, Brait (2008) sugere que o enunciado, com todas
as particularidades, considere o contexto histórico e não apenas o que é dito no
momento da palavra do sujeito. Assim, nossa análise procurou as marcas que
24
permitissem a leitura dos aspectos linguísticos que respondem às nossas perguntas
de pesquisa.
Essa pesquisa pautou-se nos referenciais teóricos de litura como um
processo de decodificação, a interativista e a abordagem sociocognitiva, desvelando
concepções atreladas à forma de pensar o homem, a sociedade e à forma de
aquisição da linguagem. O conceito bakitiniano de gênero discursivo foi abordado,
devido à sua configuração nas propostas mais recentes sobre o trabalho com a
leitura.
Finalmente, acreditamos que a opção por fazer uma pesquisa na EJA,
considerando as práticas de leitura antigas e novas de seus professores, alicerça -
se também nas ideias defendidas por Guedes-Pinto, Gomes e Silva (2008) quando
comentam sobre o estudo da realidade de professores que:
à medida que conhecemos melhor os professores, que
compartilhamos suas experiências em relação às práticas de leitura
[...] estaremos também favorecendo que as aproximações entre eles
e a universidade se estreitem de maneira a construir interlocuções
mais dialógicas. (GUEDES-PINTO, GOMES e SILVA, 2008).
pois, como professora universitária, como aluna de pós-graduação e como
pesquisadora, esse entendimento possibilitará ações futuras mais concretas.
Consideramos também, que essa seja uma forma de prestigiar a pesquisa dessa
modalidade educativa que pode vir a contribuir para que futuros pesquisadores se
valham dos dados analisados em seus trabalhos.
A presente pesquisa está estruturada da seguinte forma: no Capítulo 1 serão
discutidas três concepções teóricas sobre a leitura: a leitura como decodificação, a
interativista (cognitiva) e a sociointerativista (sociocognitiva). Nesse mesmo capítulo,
falaremos sobre os conceitos bakhtinianos de enunciado, dialogismo e gênero
discursivo que subsidiam a parte da análise dos dados. No Capítulo 2 será
apresentado o enfoque metodológico da presente pesquisa e o perfil dos
professores, sujeitos de pesquisa, que lecionam nas classes de EJA no Município de
Taubaté. No Capítulo 3 se apresentada a análise dos dados da pesquisa e as
conclusões sobre as questões acerca da leitura referentes aos professores sujeitos
da pesquisa. Por fim, haverá as conclusões.
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade de Taubaté, conforme Protocolo CEP/UNITAU nº 403/09.
25
Capítulo 1
PERSPECTIVA TEÓRICA
Ler significa reler e compreender, interpretar.
Cada um lê com os olhos que tem. E interpreta a partir de onde os pés pisam.
Todo ponto de vista é a vista de um ponto.
Para entender como alguém lê, é necessário saber
como são os seus olhos e qual é sua visão de mundo.
Isso faz da leitura sempre uma releitura.
A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam.
Para compreender, é essencial conhecer o lugar social de quem olha.
(BOFF, 2000, p.9)
1.1 A LEITURA EM QUESTÃO: COMO PROCESSO DE DECODIFICAÇÃO, A
TEORIA INTERATIVISTA DE LEITURA E A ABORDAGEM SOCIOCOGNITIVA DE
LEITURA
O objetivo deste capítulo é a exposição de três teorias sobre leitura: a leitura
como um processo de decodificação, a teoria interacionista (cognitivista) e a
sociointeracionista (sociocognitivista) de leitura.
Para tanto, delineamos um sucinto panorama sobre as referidas teorias, bem
como dos paradigmas metodológicos que as sustentaram, os quais definiram
determinadas concepções de homem e sobre a natureza da aquisição da linguagem,
em cada uma delas, na trajetória histórica das práticas de leitura.
Tal tarefa exigiu que fizéssemos um recorte de alguns períodos da história
dos estudos da linguística, com o objetivo de que, de posse de referenciais teórico-
explicativos, pudéssemos analisar as práticas de leitura dos professores que atuam
na EJA na Rede Municipal de Ensino, conhecendo quais concepções teóricas
sustentam essas práticas atualmente.
Conhecermos o núcleo epistemológico que conduziu a linguística até a
presente data permitiu-nos a compreensão de alguns dos paradigmas
2
metodológicos (empirismo, racionalismo e dialética) que guiaram as concepções
sobre a natureza da linguagem e sua aquisição tornando possível entendermos
2
Paradigma – Segundo Morin (1996, citado por Moraes (1997, p.31): paradigma significa um tipo de relação
muito forte, que pode ser de conjunção ou disjunção, que possui natureza lógica entre um conjunto de
conceitos-mestres. Para esse autor, esse tipo de relação dominadora é que determinaria o curso de todas as
teorias, de todos os discursos controlados pelo paradigma. Seria uma noção nuclear ao mesmo tempo
linguística, lógica e ideológica... um paradigma privilegia algumas relações em detrimento de outras, o que faz
com que ele controle a lógica do discurso.
26
alguns modelos de leitura surgidos ao longo do tempo, tanto do ponto de vista das
influências teóricas sofridas, do seu conteúdo, quanto de sua inter-relação com a
prática pedagógica.
Uma breve incursão na história dos estudos sobre a linguagem permitiu-nos
entrever na Grécia, conforme nos aponta Marcuschi (2008), no que se denomina
tradição Greco-romana, as bases que viriam a influenciar todas as gramáticas
posteriores até os nossos dias, tendo como representantes Platão e Aristóteles,os
primeiros a tratarem da arbitrariedade do signo e de seu caráter representacional,
levantando os pilares da semântica e da sintaxe. Desse evento em diante outros
estudos sobre a linguagem surgiram, garantindo no século XIX um aumento
considerável destes, especialmente na linha filológica, histórica e comparatista.
É dos estudos dos neogramáticos e dos comparatistas que buscavam as leis
gerais que subjaziam a todas as línguas o legado deixado ao século XX, dos quais
alguns serão incorporados por Ferdinand de Saussure, os quais marcam algumas
de suas principais dicotomias.
Do meio de um arsenal de conhecimentos e posturas incorporados pelo
linguista estruturalista, Marcuschi (2008) cita os seguintes:
A língua é uma instituição social e não um organismo natural.
A língua é uma totalidade organizada.
A língua é um sistema autônomo de significação.
A língua pode ser estudada em si e por si mesma.
A língua é um sistema de signos arbitrários.
A língua é uma realidade com história. (MARCUSCHI, 2008, p.27)
Esses princípios o reiterados por Braggio (1992) quando explicita algumas
das dicotomias que marcaram a matriz saussuriana, sendo considerada como
principal a separação langue (língua) e parole (fala), a primeira de caráter essencial
e a segunda de caráter acidental e acessório; a língua vista como um sistema
abstrato, autônomo, estruturado, passível de ser analisado em si e por si mesmo é
considerada por Saussure o objeto de estudo da linguística.
Assim, para Saussure:
A linguagem, em vista de sua composição interna contraditória
língua versus fala também não se apresenta como objeto de
estudo da linguística,pois “tomada como um todo... é multiforme e
heteróclita... pertence... ao domínio individual e social... (e) não se
deixa classificar em nenhuma categoria dos fatos humanos, porque
não se sabe como isolar a sua unidade...
A língua, ao contrário, é um
todo em si mesma e um princípio de classificação... Logo, o único e
verdadeiro objeto da linguística é o sistema linguístico [a língua]
27
focalizado nele mesmo e por ele mesmo (SAUSSURE, 1970 apud
BRAGGIO, 1996, p.19).
Sobre
essa
dicotomia, Marcuschi (2008) nos alerta para o crédito dado às
ideias defendidas pelo mestre genebrino, a partir da ótica do Curso, a começar pelo
fato de o renomado teórico ter considerado a língua como um objeto social e ter se
importado apenas com o sistema e a forma, não lhe interessando naquele momento
o aspecto de sua realização na fala ou seu funcionamento em textos; “a visão
saussuriana de língua se dava a partir do sistema num recorte sincrônico e com
base nas unidades no nível da frase (fonema, morfema, lexema). Não havia atenção
para o uso” (p.27-28).
Segundo Marcuschi, os aspectos apontados sobre a concepção saussuriana
de objeto de estudos estão sendo hoje totalmente revistos a partir das novas
descobertas de manuscritos do teórico, publicados na última década do século XX.
Concordamos com Marcuschi quanto a não ignorarmos o fato de que
Saussure não fechou as portas para a análise do uso, da enunciação ou do texto, ou
até mesmo para o sentido, porém essas não teriam sido suas preocupações centrais
no Curso. Ainda segundo o autor, a visão de Saussure seria muito mais ligada à
análise da língua em uso do que se deu a entender (p.28).
As colocações de Marcuschi (2008) deixam-nos entrever uma nova faceta do
legado deixado por Ferdinand de Saussure, o teórico que garantiu à linguística o
estatuto de ciência autônoma e independente, permitindo-nos ter uma visão mais
aclarada sobre sua posição quanto à natureza dos estudos linguísticos.
Saussure defendia que o há objetos naturais na língua e sim todos são
fruto de um particular ponto de vista, conforme nos aponta Marcuschi citando o
autor:
[[Não há objeto linguístico antes do ponto de vista]]
2b Posição de identidades
Não se tem razão ao dizer: um fato de linguagem precisa ser
considerado de vários pontos de vista; nem mesmo ao dizer: esse
fato de linguagem será realmente duas coisas diferentes, conforme o
ponto de vista. Porque se começa supondo que o fato de linguagem
é dado fora do ponto de vista. É preciso dizer: primordialmente,
existem pontos de vista; senão, é simplesmente impossível perceber
um fato de linguagem.
A identidade que começamos a estabelecer, ora em nome de uma
consideração ora em nome de outra, entre dois termos, eles mesmos
de natureza variável, é absolutamente o único fato primeiro, o único
fato simples de onde parte a investigação linguística (SAUSSURE,
2004, p.23-24, apud MARCUSCHI, 2008, p.28).
28
Essas considerações nos fazem refletir, se nessa nova faceta do legado
saussuriano, não estaria um germe do significado, tão apregoado em anos
posteriores por outros linguístas, em teorias como a interativista, na medida em que
esse ponto de vista quiçá estaria representado pelas inúmeras leituras feitas por
diferentes leitores de um mesmo texto, considerando-se que “o significado não
reside só na mensagem escrita: o leitor ao interagir com o texto constrói para ele um
significado” (BRAGGIO, 1992, p.43).
A própria teoria dos esquemas ao tentar categorizar globalmente o
conhecimento e ser tomada como uma estrutura de dados para representar os
conceitos armazenados na memória de cada indivíduo, faz-nos ver que o
conhecimento é um processo dinâmico que se desenvolve e modifica-se na
constante interação do individuo e que, portanto, como nos afirma Braggio (1996,
p.42) ao assumir-se que os seres humanos interagem uns com os outros num
determinado contexto sociocultural, todos possuem esquemas baseados em suas
experiências socioculturais.
Dentro dessa perspectiva da formação dos esquemas, o ponto de vista
estaria presente no ato de ler, que é um ato de linguagem, o qual aconteceria guiado
pelos diferentes esquemas construídos por cada um ao longo de suas vidas.
Segundo Marcuschi (2008, p.30), “nos estudos linguísticos de marca
saussuriana, o projeto que predominou na tradição do Curso sufocou sensivelmente
o sujeito, a sociedade, a história, a cognição e o funcionamento discursivo da língua
a fim de obter um objeto asséptico e controlado criado pelo ponto de vista sincrônico
e formal”.
Marcuschi (2008) alerta-nos para o fato de que independente da revisão que
vem sendo feita da obra saussuriana, tentando nos mostrar que esse drástico
reducionismo exacerbado no Curso não retrata fielmente o pensamento do citado
linguista, que se reconhecer que sua empreitada foi notável, na medida em que
se pode perceber nesta, muitos dos desmembramentos da linguística, para além do
cânon aristotélico, no fazer científico.
Podemos afirmar, então, com Marcuschi que “o projeto saussuriano inaugura
um novo modo de fazer linguística em relação ao comparatismo e ao historicismo
que o precederam, interrompendo uma parte importante da caminhada que durava
desde o século XVII” (p.27).
29
O quadro epistemológico saussuriano predominou nos estudos linguísticos
para além de meados do século XX, inclusive na América do Norte, onde
paralelamente se manifestava a perspectiva bloomfieldiana, que embora muito
semelhante à de Saussure, filosoficamente poderia ser considerada menos
elaborada, que seu precursor apresentava-se como um behaviorista sem grandes
pretensões do ponto de vista epistemológico.
E assim é que a linguística científica do século XX ficou marcada com uma
base epistemológica de modelo aristotélico-galileano de tendência positivista
3
. Esse
modelo conforme afirma Marcuschi (2008), esvaziou-se no final do século, deixando
um rastro de insuficiência explicativa e um reducionismo oriundo de um projeto
formalista que não ofereceu os resultados desejados “pela limitação e reificação do
objeto construído para a análise” (p.31).
Para alguns autores, o culo XX ficou marcado por uma divisão de duas
metades muito nítidas: a 1950, houve o predomínio do behaviorismo e do
empirismo; a partir de 1960, foi se acentuando o domínio do cognitivismo.
É, portanto, nesta primeira metade do século XX, quando há um predomínio
do behaviorismo e do empirismo que surgem os modelos teóricos que concebem a
leitura como um processo de decodificação.
1.1.1 A Leitura Como um Processo de Decodificação
Conforme Braggio (1992), a construção de uma concepção sobre o processo
de leitura passa pelo reconhecimento da adoção de referenciais teóricos sobre a
natureza da linguagem e sua aquisição, entendendo que tal concepção e as práticas
que dela decorrem estão embasadas numa visão de homem e de sociedade.
Para Braggio, os modelos de leitura que m se apresentado em nosso
contexto educacional ao longo da história, ao adotarem uma postura frente à
aquisição da linguagem, deixam entrever essa visão de homem e de sociedade
confirmando o pensamento filosófico de uma dada época ou os pensamentos que
3
Positivismo Augusto Comte (1798-1857), filósofo francês, foi o principal representante do positivismo, corrente
filosófica “que acompanha, promove e estrutura o último estágio que a humanidade teria atingido, fundado e
condicionado pela ciência” (SIMON,1996:120). O positivismo se ocupa não apenas da fundamentação e
classificação das ciências, mas também da modificação da sociedade e das reformas práticas das instituições,
através de mecanismos adequados capazes de conduzi-la a um “estado positivo”, fundamentado nas ideias de
ordem e progresso.
30
coexistiram em várias épocas, fato esse evidenciado nas práticas instrucionais no
cotidiano de nossas salas de aula” (p.2).
Concordamos com a autora quando ressalta o fato de nessa trajetória
histórica do surgimento dos vários modelos de leitura, começando pelos de base
empirista até os dias atuais, não ter havido momentos estanques para cada um
desses modelos, pois, embora tenham surgido em momentos diferentes coexistem
no momento atual, devido ao contexto sócio-histórico no qual estão inseridos,
contexto esse que privilegia uns em detrimento de outros.
Acreditamos que se de um lado a coexistência de paradigmas está ligada ao
contexto sócio-histórico como nos afirma a autora, de outro nos deparamos tanto
com a adoção quanto com a oscilação ou o descarte, entre um ou mais modelos de
leitura, da parte dos professores, conforme suas concepções teóricas sobre o
assunto. Essas talvez permaneçam, ou sejam ressignificadas com o passar do
tempo devido a fatores que abrangem desde sua história docente, suas
experiências, sua visão de homem e de mundo, até maneira como pensam a
aquisição da linguagem e sua função no contexto social, sua formação inicial e
continuada.
Uma observação mais atenta às nossas salas de aula permite-nos captar nas
práticas dos professores a coexistência de paradigmas metodológicos diversos,
propiciando-nos o aclaramento, tanto do porquê da opção por alguns modelos de
leitura em detrimento de outros, quanto do fato de que, no discurso embora os
professores se coloquem como defensores de novos referenciais teóricos, na prática
continuam a propor atividades que em nada condizem com as ideias que dizem
defender, ocorrendo dessa forma, um descompasso entre o seu discurso teórico e
sua prática, sem que ao menos sequer se dêem conta de que em suas escolhas
encontram-se embutidas as suas concepções sobre a leitura.
Ressaltamos aqui, algumas análises a respeito dessa questão tão polêmica a
qual envolve uma discussão sobre a articulação teoria e prática, exposta nas
considerações de Chartier (2007) sobre a forma como os professores utilizam os
textos acadêmicos, os quais podem ser considerados como materiais de referência
teórica:
Ao se defrontarem com textos acadêmicos, os professores
privilegiam as informações diretamente utilizáveis, o “como fazer”
mais do que o “porquê” fazer, os protocolos de ação mais do que de
explicações ou os modelos. O trabalho pedagógico nutre-se
31
frequentemente da troca de “receitas”, graças aos encontros e aos
acasos. As receitas que foram validadas pelos colegas com quem
podem discutir espontaneamente e que são suficientemente flexíveis
para autorizar variações pessoais são adotadas mais facilmente do
que aquelas que são expostas nas publicações didáticas
(CHARTIER, 2008, p.186).
A autora afirma ainda, a esse respeito, o fato de os professores das séries
iniciais ignorarem as informações que, embora validadas cientificamente e
publicadas em revistas especializadas, são elaboradas por profissionais distantes do
campo de atuação, e, portanto, não diretamente utilizáveis em sala de aula.
As escolhas dos professores recaem, então, nas inovações didáticas, as
quais inicialmente devem ser capazes de entusiasmar as crianças e de combater o
fracasso escolar. É o que Huberman (apud CHARTIER, 2008, p.186-187), designa
como “roupagem da ideologia altruísta”.
Essa, a nosso ver, talvez seja uma forma arriscada de resolver os problemas,
na medida em que consideramos que a falta de aprofundamento e de reflexão dos
princípios teóricos aplicados pode não garantir o resultado pretendido.
A concepção de leitura como processo de decodificação, que ainda é
presente nas práticas de muitos professores atualmente, tem suas raízes no
paradigma metodológico de base empirista-behaviorista, o qual reduz a linguagem e
seu conhecimento ao nível “sensório e fisicamente observável, mensurável”,
separando corpo e mente, havendo preponderância do objeto sobre o sujeito, o qual,
além de ocupar uma posição passiva frente ao conhecimento, se encontra
totalmente abstraído de seu contexto sócio-histórico. Há, portanto nas práticas de
leitura que se pautam nesse paradigma, um predomínio da técnica em detrimento do
significado, do objeto em detrimento do sujeito (BRAGGIO, 1992).
O princípio representativo da concepção da leitura como processo de
decodificação encontra-se na etimologia da palavra ler, a qual vem do latim legere,
que significa ao mesmo tempo ler e colher. Esse sentido é tomado por Faguet,
conforme citação de Penteado (1969, p.185), quando define a leitura como a arte de
colher ideias: “Ler é interpretar símbolos gráficos, de maneira a compreendê-los”.
Para Penteado (1969), esse processo de interpretação do texto tem como
objetivo compreender aquilo que o autor quis dizer. Para que a leitura seja realizada,
o autor aponta como sendo necessária a execução de algumas atividades. Ele
explicita:
32
Sendo a leitura um processo, compreende cinco atividades distintas,
a saber:
1ª O reconhecimento dos vocábulos.
2ª A interpretação do pensamento do autor.
A associação das ideias do autor com as ideias do leitor, levando
este à compreensão.
4ª A retenção dessas ideias.
A capacidade de reprodução dessas ideias, sempre que
necessário. (PENTEADO, 1969, p.186).
A concepção de língua presente nas atividades citadas por Penteado (1969)
coloca a compreensão como dependente de alguns fatores como bom vocabulário,
uma alta inteligência, certa velocidade no reconhecimento do sentido da leitura, além
da reprodução das ideias apreendidas. Desse modo, os bons leitores seriam
dotados de uma alta inteligência, enquanto que os maus leitores teriam pouca
inteligência.
A compreensão também é vista como dependente da personalidade do leitor,
da sua cultura e meio em que vive. Autor e leitor devem falar a mesma língua, sendo
essa uma via de acesso para se chegar a uma ampla área de compreensão; “o
fenômeno da empatia determina o grau de entendimento que se exige na leitura
(p.189).
Essa forma de conceber o processo de leitura exige do leitor, em primeiro
lugar, o conhecimento de todos os vocábulos escritos no texto; o desconhecimento
de um deles inviabilizaria sua leitura, pois faltaria um elemento importante para a
sua perfeita compreensão. Concordamos com Marcuschi (1997) quando afirma que
qualquer que seja nossa pretensão com relação a teorizarmos sobre o que é
necessário para a compreensão de um texto, um aspecto importante a ser
considerado é a noção de língua que se adota. Dentro de uma visão estruturalista, a
língua é tratada como um código ou um sistema de sinais autônomo, totalmente sem
história e fora da realidade social dos falantes.
Há, nesse caso, uma supervalorização do objeto, do material escrito, cabendo
ao leitor, a tarefa de extrair, ao ler, um sentido que está no texto, apenas esperando
que o decifrem, atitude essa que seria impossível por um desconhecimento de
vocabulário, que os sinais, desde que organizados eficientemente pelo autor,
garantiriam ao leitor a tão previsível compreensão.
Sobre essa visão da leitura como um processo de decodificação, Orlandi
(2000, p.37) afirma que no texto um sentido (informação) que cabe ao leitor
33
apreender; o texto visto sob esse prisma é um produto acabado, não interessando
em absoluto o seu processo de produção, tão pouco sua significação. Ao leitor,
portanto, não cabe atribuir sentidos ao texto e sim a “descoberta” de um único
sentido que se encontra no mesmo.
Para Lopes-Rossi (2002, p.4; grifo da autora) o “bom leitor, nessa perspectiva
é aquele que faz essa descodificação perfeita, que entende exatamente o que o
autor quis dizer e também é um bom leitor em voz alta”.
Sobre a leitura em voz alta, que ressaltarmos que esta tem grande
importância no paradigma estruturalista, uma vez que ler dentro segundo seus
preceitos implica a leitura oral da palavra, ou seja, a decodificação sonora da palavra
escrita.
Concordamos com Kato (2005) quando menciona que, para os estruturalistas,
o significado está associado a um esquema interno em que o leitor produz sons da
fala (no caso da leitura oral) ou movimentos internos substitutivos (no caso da leitura
silenciosa) num movimento de “resposta-estímulo”; nesse sentido, a leitura é
entendida como um processo mediado pela compreensão oral, no qual há um
processo instantâneo de decodificação de letras em sons, e a associação destes
com o significado, sendo este relegado a segundo plano.
Alguns exercícios de leitura em voz alta fizeram parte de muitas de nossas
vivências enquanto leitores em nossa escolaridade básica, sendo ainda hoje muito
usados em nossas escolas a título de avaliação, muito embora saibamos ser esta
uma prática que, na maioria das vezes, reprime o aluno, inibindo-o ao invés de
incentivá-lo, atitude, essa sim, que consideramos a mais adequada quando nos
preocupamos com a formação de um leitor.
Segundo Kleiman (2000), nesse tipo de atividade muito usada nas primeiras
séries, a preocupação com a aferição da capacidade de leitura é tão premente que
na maioria das classes, acaba por requisitar quase que a totalidade do tempo da
aula.
Para Kleiman essa prática é justificada pelos professores como um meio de
saberem se seus alunos estão entendendo ou não a história apresentada,
justificativa essa julgada por ela como pouco eficaz, na medida em que se torna
mais fácil perder o “fio da estória quando estamos prestando atenção à forma, à
pronúncia, à pontuação, aspectos que devem ser atendidos quando estamos lendo
em voz alta” (p.21).
34
Para a autora, esse tipo de atividade que aumenta a carga cognitiva do
aluno por solicitar-lhe a um tempo, tanto a pronúncia, como o entendimento do
lido, agrava-se quando se exige que a criança leia o texto num “dialeto padrão”, o
qual na maioria das vezes não é o seu, sendo obrigada, portanto, a traduzi-lo para o
“dialeto padrão”, chegando a beirar o limite do intolerável, do ponto de vista cognitivo
quando, o professor cobra-lhe também uma “pronúncia padrão”.
Isso acaba por acarretar ao aluno uma nítida sensação de incapacidade, o
que além de comprometer sua autoestima, afeta sua compreensão, na medida em
que uma cobrança exacerbada de correções e pronúncias, interrupções e
interferências no decorrer da leitura obstaculizam um processo no qual professor e
aluno poderiam tornar o texto inteligível e coerente.
Ainda conforme Kleiman (2000, p.20), outra atividade empobrecedora
pautada na concepção da leitura como decodificação consiste numa série de
“automatismos de identificação e pareamento de palavras do texto com as palavras
idênticas, numa pergunta ou comentário”. Para responder a alguma pergunta sobre
o texto, basta que o aluno passe os olhos e reconheça nele, as palavras
decodificadas anteriormente na pergunta.
A autora trata esse tipo de exercício como uma atividade de mapeamento
entre a informação gráfica da pergunta e sua forma repetida no texto. Esta atividade
é denominada como de leitura, quando a verificação de compreensão também
chamada nos livros didáticos de “interpretação” exige que o aluno responda a
perguntas sobre informações que estão explícitas no texto. Não há, portanto,
nenhum esforço do leitor no sentido de construir um significado para o texto lido.
Kleiman (2000) chama também a atenção para um tipo de atividade que
embora não seja considerada como apenas de decodificação, torna-se totalmente
dispensável, pois, um total descaso pela voz do autor, considerando-a como
desnecessária, na medida em que “dispensa a etapa de compreensão dessa voz,
consiste em solicitar a opinião dos alunos logo após a “leitura” do texto, sem sequer
ter discutido o assunto tal como ele é tratado pelo autor” (p.21).
A concepção de leitura como decodificação linear do texto, a qual determina
que haja um único sentido a ser descoberto pelo leitor, em que ler significa a leitura
oral da palavra, para a qual a compreensão depende da alta inteligência do leitor e
de sua capacidade de reprodução das ideias, é ultrapassada devido a sua limitação,
porém, infelizmente, ainda muito presente nas práticas de leitura em nossas escolas.
35
Provas disso são encontradas nos livros didáticos, nos exercícios de
compreensão de texto, como nos apontam os pesquisadores Kleiman (1996, p.18)
(2000, p.18-19) e Marcuschi (1997), “mesmo que esses sejam apontados como
estando de acordo com as propostas explicitadas no PCN” (LOPES-ROSSI, 2002,
p.4).
Esse tipo de leitura se no que os autores chamam de processamento do
tipo bottom-up ou ascendente (procedente de uma leitura unidirecional,
hierarquizada) ou, dos elementos mais baixos aos mais complexos (correspondência
letra-som) até chegar ao sentido (KLEIMAN, 1996, p.38).
Segundo Lopes-Rossi (2009), baseada em Kleiman (1996) e Kato (1999),
nesse tipo de processamento em leitura se dá o seguinte:
A informação vai do texto para o leitor;
O leitor decodifica o texto por meio de alguns mecanismos;
Esse é um processo de base estruturalista, ascendente, ou bottom-
up (processo linear, sintético, indutivo – das partes para o todo);
O autor do texto tem algo a dizer que deve ser entendido,
decodificado;
O sentido está contido no texto (LOPES-ROSSI, 2009, p.3).
Os estudos sobre a leitura prosseguiram, nos anos 70, agora com uma
mudança de um ponto de vista estruturalista de análise, como nos aponta Marcuschi
(2008), para uma interpretação mentalista, na tentativa de compreender os
meandros do processo de leitura, fazendo surgir muitos problemas novos e
desafiadores, ao mesmo tempo em que deixa para trás inúmeros problemas
conhecidos.
Para muitos estudiosos tornou-se, importante mapear o que acontece em
nosso cérebro quando lemos, o processo mental (o cognitivo) de compreensão dos
textos, começando pelas manifestações observáveis, para numa segunda etapa
descrever o que não é possível de se observar diretamente. Para isso, foram
estudados aspectos relacionados à percepção, processamento e memória
envolvidos na leitura.
Kleiman (1996, p.14-16), apresenta uma síntese dos procedimentos utilizados
pelo leitor proficiente quando lê um texto:
o leitor proficiente rapidamente mais ou menos 200 palavras por minuto, se o
assunto lhe for familiar ou fácil, e um número menor se ele for desconhecido ou
difícil;
36
o movimento dos olhos durante a leitura não é contínuo, mas é sacádico, isto é o
olho se fixa num lugar do texto e logo faz um pulo, ou sacada, até se fixar
novamente mais adiante. O movimento dos olhos não é apenas progressivo, mas
também regressivo (provavelmente o leitor estaria relendo o material que lhe
pareceu inconsistente com o material que leu mais à frente);
o leitor adulto proficiente sem movimentos labiais perceptíveis, isto é, sem
subvocalização, a qual não se faz necessária quando o material input visual
(palavras) é muito fácil, o mesmo não acontecendo quando se apresentam
palavras difíceis para as quais se necessita de uma imagem acústica (que
necessita ser vocalizada);
a velocidade do olho é maior que a velocidade da voz, na leitura em voz alta;
por volta dos 10 anos, ou após 4 anos de escolarização, o aluno que é um bom
leitor apresenta todas as características de um leitor proficiente, com apenas
diferenças quantitativas: a distância entre as sacadas é menor, a pausa da
fixação é um pouco mais longa, movimentos regressivos, a distância entre o
olho e a voz é um pouco menor;
os mecanismos observáveis do leitor proficiente são um reflexo de estratégias de
ordem superior e são essas estratégias as que caracterizam um bom leitor. Para
entendermos melhor essas estratégias faz-se necessário que pensemos na
forma como o leitor percebe as informações que chegam até ele e as processa
transformando-as em significados.
A memória imediata tem uma capacidade limitada; ela pode guardar de 5 a 9
elementos e logo deverá ser esvaziada para a entrada de outros elementos, caso
contrário ficará sobrecarregada. Se os elementos forem significativos, poderemos
mantê-los na memória imediata sem problemas; se precisarmos memorizar e
lembrar mais palavras, algumas serão esquecidas, porque novamente devemos
esvaziar a memória para dar lugar a um novo material. Mas, se as palavras são
reconhecíveis como outro tipo de unidades, por exemplo, como uma frase,
conseguiremos ampliar novamente essa capacidade: se agruparmos as palavras em
frases, as sete unidades perdurarão mais tempo na memória.
Se conseguirmos reconhecer o material como sendo significativo, ele passa a
receber a ação de outro tipo de memória cuja capacidade não é limitada: memória
profunda ou de longo prazo, onde ficaria organizado todo o nosso conhecimento: o
conhecimento da língua, nossas experiências, nossas convicções, nossos hábitos
37
etc. O leitor vai segmentando o texto em elementos, agrupando esses elementos em
unidades significativas e mandando-os para a memória profunda (de longo prazo).
Na medida em que o leitor avança na leitura, essas unidades deverão ser
segmentadas em unidades maiores.
Kleiman (1996) explica que esse processamento de leitura não explica o que
acontece em nossa mente quando lemos.
Esses procedimentos, embora nos apontem e deem certa visibilidade sobre o
processamento da leitura, ainda não são representativos para desvendarmos os
meandros de um processo que almeje ter como resultado a compreensão.
Segundo Braggio (1992, p.16), em meados dos anos 50, novos estudos sobre
a linguagem surgem, havendo, por parte dos pesquisadores e teóricos, uma rejeição
ao empirismo
4
em detrimento do racionalismo
5
; a aprendizagem não semais vista
como uma questão de imitação como supunham os behavioristas
6
, mas sim,
consoante a psicologia cognitiva, resultante de uma interação entre o meio ambiente
e as estruturas cognitivas pré-existentes no indivíduo, as quais seriam responsáveis
pela aprendizagem. Na linguística começa a haver um movimento para a sucessão
do estruturalismo, na medida em que uma aceitação da gramática gerativa-
transformacional começa a ser sentida.
Contrapondo-se a postura empirista no que tange à descrição linguística e a
concepção behaviorista
5
no que tange a aquisição da linguagem, o principal
defensor da gramática gerativo-transformacional
7
, Chomsky (1965), lança os
princípios desta, adotando uma concepção racionalista para explicar os dados
4
Empirismo ou Empiricismo – Uma escola de pensamento de pensamento filosófico, com muita influência na
psicologia, cujo pressuposto é de que apenas aquilo que pode ser diretamente observado ou medido pode ser
estudado de modo significativo.
Empírico- Aquilo que pode ser mensurado. Observações empíricas são aquelas que podem proporcionar um
nível de dados objetivos, os quais podem ser avaliados de uma forma ou outra (STRATTON HAYES, p.81).
5
Racionalismo – O racionalismo fundamenta a teoria do conhecimento na supervalorização da razão como
único instrumento capaz de atingir verdades universais, sobre as quais se assentam as bases de uma ciência
pretensamente infalível.
Os racionalistas enfatizam o uso exclusivo da razão, que produz todo e qualquer conhecimento.
6
Behaviorismo – A escola de pensamento criada inicialmente por J.B. Watson, em 1913, na qual ele
argumentava que, para ser verdadeiramente científica , a psicologia deveria se preocupar somente com aquilo
que poderia ser diretamente observável: o comportamento dos organismos. Finalmente, para Watson, uma
completa compreensão do comportamento humano deveria ocorrer através da análise reducionista dos
fenômenos psicológicos como cadeias complexas de conexões aprendidas de estímulos-respostas. Os
behavioristas consideravam também que todo comportamento humano consistia, basicamente, de ligações
entre um estímulo e uma resposta do mesmo modo como matérias vivas constituem de células (STRATTON,
HAYES, 1994, p.27).
7
Gramática gerativo-transformacional modelo teórico que definiu regras de reescrita que permitem gerar as
“bases do texto” e as regras de transformação que permitem passar dessas estruturas profundas à linearização
da manifestação linguística de superfície (CHARAUDEAU e MAINGUENEAU, 2008, p.259).
38
linguísticos e, consequentemente, uma versão inatista sobre a aquisição da
linguagem”
Contrário ao que pensava Bloomfield
8
e seus seguidores sobre a diversidade
estrutural das línguas, Chomsky acreditava nas “propriedades universais da
linguagem ou universais linguísticos, ou seja, propriedades formais complexas”, as
quais, segundo ele, seriam encontradas em todas as línguas. Para ele a faculdade
humana da linguagem é inata e própria da espécie, sendo transmitida
geneticamente.
Chomsky inaugura um novo olhar para os estudos da linguagem ao
considerar que com a gramática gerativa,
[...] o objeto de investigação deixou de ser o comportamento linguístico ou
os produtos deste comportamento para passar a ser os estados da mente/
cérebro que fazem parte de tal comportamento.” A linguagem passa a ser
concebida como uma faculdade mental inata instalada no “equipamento
biológico” e não como um fenômeno social; a linguística passa a ser
concebida como o estudo da língua internalizada e “torna-se parte da
psicologia e, em última análise, da biologia” (CHOMSKY, 1994
9
apud
MARKUSCHI , 2008).
Contrária à noção de imitação proposta pelos behavioristas, no que tange à
aquisição da linguagem, na concepção chomskyniana o papel da criatividade é
exaltado, conferindo às crianças uma capacidade de produzir e entender um número
considerável de enunciados, mesmo sem uma experiência prévia, devido ao “caráter
produtivo das línguas” humanas, ou seja, uma capacidade de operar com a língua
independentemente de estímulos, porém delimitada pelas “fronteiras” de
produtividade do sistema linguístico, as quais impõem regras de adequação
gramatical, cujas estruturas formais seriam características da mente humana.
Portanto, inatismo e universais linguísticos mantêm na teoria chomskyana uma inter-
relação necessária no sistema conceptual da gramática gerativa, sem a qual seria
impossível sustentar a universalidade da gramática.
Percebe-se, no paradigma chomskyano uma mudança no que diz respeito ao
foco de estudo; nele o que predomina é o sujeito e sua atividade mental e não o
8
Leonard Bloomfield (1887-1949), cuja obra Language (1933) teria muita influência entre os linguistas
estruturalistas até a chegada de Chomsky no final dos anos 1950. Bloomfield passava ao largo dos fenômenos
cognitivos e postulava o que se chamou de behaviorismo que seria superado logo após os anos 1960. Uma
das características da linguística bloomfieldiana foi sua pouca atenção aos fenômenos semânticos da língua e
sua tentativa de produzir um sistema de análise de análise notadamente dedutivista fundado nas formas, mas
com atenção para os dados, sendo neste caso também um descritivista (MARCUSCHI, 2008, p.34).
9
CHOMSKY. O conhecimento da língua, sua natureza, origem e uso. 1994.
39
objeto sensório e fisicamente observável, como proposto no paradigma empirista,
considerado como única via de acesso ao conhecimento verdadeiramente científico.
Segundo Braggio (1992), muito embora, a mudança de paradigma (do
empirismo para o racionalismo) tenha trazido algumas mudanças significativas para
o campo da liguística, como as mencionadas anteriormente, alguns pressupostos
estruturalistas tais como “a noção de língua como um sistema autônomo,
estruturado, em que há uma ênfase na análise, descrição e explicação” ainda se
encontram presentes na teoria gerativo-transformacional.
Um dos principais pressupostos estruturalistas de estudos preconizados por
Saussure: separação entre “língua (langue) que assume um papel preponderante
numa análise linguística, tendo em vista seu caráter essencial, e fala (parole), que
teria um caráter acidental” (BRAGGIO,1992), também é identificado nas ideias
defendidas por Chomsky, as quais, analogamente mantêm a dicotomia saussuriana,
ao propor a contraposição “competência versus desempenho”, a qual a língua
(representando a competência) reforça sua primazia sobre a fala (representada pelo
desempenho) a qual teria meramente um caráter residual.
Concordamos com Braggio (1992) quando afirma que embora a teoria
chomskyana tenha abalado os alicerces da “psicologia behaviorista”, e, que
Chomsky tenha se contraposto frontalmente aos princípios desta, assumindo uma
postura ideológica em favor de alguns pressupostos herdados tanto do
estruturalismo americano, quanto do europeu, essa teoria foi alvo de muitas críticas.
O aspecto semântico ainda é desconsiderado em defesa de uma autonomia
da sintaxe, uma predominância da gramática (sintaxe, fonologia, morfologia),
sobre os demais componentes da língua, embora com as devidas reconsiderações
chomskyanas feitas em 1965, como nos aponta a autora.
Conforme afirma Braggio (1992, p.20), “qualquer tentativa de delimitar estes
domínios (gramática/semântica), deve ser certamente bastante cautelosa”; a
concepção de linguagem e de sua explicação sem referência ao seu caráter
sóciohistórico, a crença num “falante-ouvinte ideal” e nas “comunidades
homogêneas de fala”, não admitindo a variabilidade linguística, a concepção inata de
linguagem, a universalidade da gramática, a qual implica também uma competência
universal e consequentemente uma teoria geral da gramática para dar conta desta
competência, são pontos a serem considerados nas discussões.
40
Para Braggio (1992), embora possa nos parecer paradoxal, os limites
estabelecidos pelos pressupostos da teoria gerativo-transformacional é que servirão
de base para os primeiros escritos de Goodman e Smith que propõem uma
mudança radical com respeito ao ato de ler e escrever, rejeitando não as versões
anteriores sobre o processo de aquisição da linguagem escrita, como propondo um
modelo psicolinguístico para explicá-lo pautado nas concepções linguísticas
chomskyanas, analisando também os miscues (desvios no processo de leitura).
Conforme nos aponta Braggio (1992), a partir das considerações de
Goodman (1997) expostas na “Leitura: um jogo de predição psicolinguística”
10
,“a
leitura é vista como um processo seletivo”, no qual o leitor fará uso parcialmente de
algumas deixas linguísticas disponíveis, “selecionadas do input perceptual” conforme
as expectativas do leitor.
Após esse processamento inicial o leitor tomará algumas decisões que
poderão ser confirmadas, rejeitadas ou aprimoradas conforme a leitura avance.
Dessa forma, a leitura é vista como um “jogo de predição psicolinguística”, o qual
envolve a “interação entre pensamento e linguagem” [...] “A habilidade para
antecipar [predizer] aquilo que não é visto, certamente, é vital na leitura, assim como
a habilidade para antecipar o que não é ouvido é vital na audição” (BRAGGIO, 1992,
p.22).
As habilidades elencadas, segundo a autora, são garantidas de acordo com o
conhecimento da estrutura linguística pelo leitor, seu estilo cognitivo e experiências
com o material escrito.
Segundo Kleiman (1996, p.29), o modelo proposto por Goodman visa
caracterizar a dimensão preditiva da leitura, na qual o autor conceitua essa prática
como “um processo complexo através do qual o leitor reconstrói, até certo ponto,
uma mensagem encodificada por um escritor” (GOODMAN
11
, p.472 apud KLEIMAN,
1996).
Para realizar a leitura nos moldes de Goodman, segundo a autora, o leitor
utiliza três tipos de informação:
[...] a grafo-fônica, que inclui a informação gráfica, fonológica, bem
como a interrelação entre ambas; a informação sintática, que tem
como unidades funcionais padrões sentenciais, marcadores desses
padrões e regras transformacionais supridas pelo leitor; e a
10
Reading: a psycholinguistic guessing game.
11
GOODMAN, K.S. Reading: a psycholinguistic guessing game. In: Gunderson, D. (org.), Linguage and Reading,
Washington, D.C., Center for Applied Linguistcs, 1970.
41
informação semântica, que inclui tanto vocabulário quanto conceitos
e experiência do leitor (KLEIMAN, 1996, p.29).
Além dos níveis de informações relacionados entre si, o leitor necessitaria de
uma série de habilidades que são as que permitem o processamento:
[...] “scanning”, fixação ocular, seleção das pistas” cruciais, predição
das “pistas” (que opera junto com a seleção numa relação de
dependência mútua), formação de perceptos, busca lexical, e
conceitual (“a habilidade para buscar na memória pistas fonológicas
bem como informações sintáticas e semânticas associadas às
imagens perceptuais”), conhecimento linguístico e conhecimento
prévio conceitual e empíricos, testagem semântica das escolhas (“a
habilidade para confirmar ou desconfirmar as escolhas”) retestagem
grafo-fônica (“a habilidade para retestar as escolhas, quando uma
desconfirmação anterior, reutilizando as imagens perceptuais não
utilizando mais informações”), regressão ocular (no caso de anomalia
ou inconsistência no processamento), e decodificação (após uma
escolha bem sucedida, o leitor integra a informação ao significado
que está sendo construído) (op. cit.: 490-492).
De acordo com Kleiman, dentre os modelos teóricos psicolinguísticos que
surgiram, o modelo de leitura proposto por Goodman partilha de algumas
características dos modelos interativos que serão enfatizados na sequência dos
estudos sobre a leitura:
a leitura é um processo não linear, dinâmico na inter-relação de
vários componentes utilizados para o acesso ao sentido, e é uma
atividade essencialmente preditiva, de formulação de hipóteses, para
a qual o leitor precisa utilizar seu conhecimento linguístico,
conceitual, e sua experiência (KLEIMAN, 1996, p.30).
Percebemos que essa forma de conceber a leitura pauta-se no que os
estudiosos sobre o assunto chamam de “processamento descendente (top-down) o
qual trata de uma abordagem não-linear, que faz uso intensivo e dedutivo de
informações não-visuais e cuja direção é da macro para a microestrutura e da
função para a forma” (KATO,1999, p.50).
Num esquema mostrado por Lopes-Rossi (2009, p.4), a leitura seria para
Goodman basicamente o seguinte:
A informação vai do leitor para o texto;
Esse é um processo descendente, ou top-down (não-linear
analítico e dedutivo - do todo para as partes);
O leitor constrói todo o sentido do texto.
42
Kato (1985) comenta que o modelo goodmaniano considera o contexto
como um elemento que contribuí para a compreensão ao envolver o conhecimento
de mundo do leitor organizado em “estruturas cognitivas nas formas de scripts e
frames, porém baseia-se unicamente no processo top-down, ou seja, em previsões
ou advinhações do leitor”, motivo pelo qual foi criticado e é insuficiente para explicar
a compreensão.
Conforme esta autora, embora haja crítica a esse modelo pelo exacerbado
valor dado às predições do leitor, ele deu grande contribuição no sentido de
introduzir as perspectivas interacionistas de leitura, as quais trouxeram avanços na
compreensão sobre o assunto e sobre o trabalho pedagógico com o ato de ler (p.4).
Braggio (1992) alerta-nos, ainda, para o fato de que mesmo sendo
considerado inacabado pelo seu autor, o modelo psicolinguístico de leitura, alinhado
aos estudos da linguística e da psicologia cognitiva da época, irá passar por
reformulações, indo constituir-se no que veio a ser chamado modelo interativista de
leitura.
1.1.2 Leitura na Visão Interativista-Cognitiva
Conforme Braggio (1992) em meados dos anos 1960, os estudos sobre
linguagem tomam novos rumos. O interesse dos linguistas e psicólogos volta-se
para o que acontece em nosso cérebro chamado por muitos de “caixa negra”. O foco
de interesse das pesquisas será os aspectos sociais constitutivos da linguagem,
tomando como ponto de análise a fala, havendo também nos estudos linguísticos
uma preocupação maior com a questão do significado.
Os estudos da linguística e da psicologia tornaram possível um
redimensionamento no entendimento sobre a linguagem escrita no tocante a sua
aquisição, estruturação e função. Não se concebe mais tomá-la como “uma imagem
em espelho da linguagem oral” nem como “objeto fragmentável desprovido de
funções sociais.”
Nesse período começam a surgir reflexões sobre os aspectos considerados
críticos nas “concepções estruturalistas e nas gerativo-transformacionais”. Se sob
um ângulo, nos estudos sobre a linguagem, prevalece a ideia da competência
universal, de outro, despontam os estudos para os quais o contexto real de uso e
43
sua função de comunicação serão relevantes. Segundo Braggio (1992) é nesse
contexto que algumas contraposições começam a surgir:
[...] à noção de competência linguística universal, contrapõem-se a
competência comunicativa diferencial, as funções da linguagem; à
noção de comunidade homogênea de fala, contrapõe-se à
comunidade heterogênea de fala; à suposta imutabilidade e
normatividade da língua, contrapõem-se a variação e mudanças
linguísticas; ao falante-ouvinte ideal, contrapõe-se o falante-ouvinte
real (BRAGGIO, 1992, p.27).
Em meio a este cenário, Braggio (1992), referendando-se Giglioli (1972),
afirma que duas tendências distintas no campo da linguística se dividem: uma para
mostrar que comunidades de fala completamente homogêneas, cada uma delas
usando um código linguístico uniforme, nas quais as regras linguísticas apresentam-
se desvinculadas do contexto e as variações linguísticas são consideradas “desvios
da norma e teoricamente insignificantes”, e outra voltada aos aspectos de
“padronização social do uso da língua”, preocupada com a relação entre as formas
da língua e seu significado social (p.28). Dentro dessa última tendência, a linguística
não será vista à parte da relação entre as estruturas linguísticas e os fatores sociais
que influenciam na língua, muito pelo contrário, será considerado inconcebível que a
mesma deixe de lado tais fatores.
A sociolinguística ou “sociologia da linguagem” surge num momento em que
uma necessidade de estudos no que diz respeito à organização social do
comportamento linguístico, o qual inclui tanto a forma como se o uso da língua,
quanto os comportamentos dos seus usuários. Essa área da linguística, dividida em
descritiva e dinâmica, segundo (FISHMAN, 1972, apud BRAGGIO, 1992, p.28),
tentará dar uma resposta à questão: [...] “quem fala... que língua ou variedade de
língua, para quem, e com que intenções” e o que subjaz à mudança diferencial na
organização social do uso da língua e no comportamento com relação a língua
”.
Diante dessas novas perspectivas é que os estudos sobre as concepções
interativistas de leitura, iniciados na década de 60 por psicólogos e linguístas,
ganharam força no final dos anos 70 trazendo novos referenciais teórico-explicativos
sobre a natureza e aquisição da linguagem e, consequentemente, também novas
concepções sobre a leitura. “Neste período tem-se “a imagem de um homem real”,
um sujeito que interage tanto com seu contexto social, quanto com o objeto de
conhecimento”.
44
Conforme nos aponta Braggio (1992), a aquisição do conhecimento será vista
pela psicologia cognitiva como um processo dialético, dinâmico, que ocorre por meio
das interações sociais e que tem por base o significado.
A preocupação com a forma como o conhecimento é adquirido, organizado,
armazenado e representado na memória de longo termo, ocupará doravante um
lugar central, ancorando-se na teoria cognitiva, no conceito de esquemas explicitado
por (RUMELHART, 1981 apud BRAGGIO, 1992, p.42) que afirma:
[...] basicamente uma teoria sobre o conhecimento[...] Um esquema,
então, é uma estrutura de dados para representar os conceitos
genéricos armazenados na memória. esquemas representando
nosso conhecimento sobre todos os conceitos: aqueles subjacentes
a objetos, situações, eventos, ações e sequências de ações. Um
esquema contém, como parte de sua especificação, uma cadeia de
inter-relações que normalmente acreditamos serem mantidas entre
constituintes do conceito em questão. Uma teoria de esquemas
representa uma teoria prototípica do significado.
Os esquemas ainda são vistos como:
[...] os blocos de construção do conhecimento. Eles são elementos
fundamentais sobre os quais todos os dados sensórios são
interpretados (linguísticos e não linguísticos), na retenção de
informação pela memória, na organização de ações, na
determinação de objetivos maiores e menores, na alocação de
recursos, e, geralmente no direcionamento do fluxo do sistema em
processamento.
Segundo (CLARK e CLARK, 1977, apud, BRAGGIO, 1992, p.42),
[...] a teoria de esquemas representa uma tentativa de formular uma
categorização do conhecimento. Logo, dado que a aquisição do
conhecimento é vista como um processo dinâmico que é
“desenvolvido, estendido e modificado através da constante
interação dos indivíduos e seu contexto social.”
Nessa rede de interações no contexto sociocultural é que os indivíduos vão
construindo seus esquemas, os quais serão passíveis de mudanças quando frente
às interações do indivíduo com o ambiente, ampliando-se e modificando-se para
acomodar-se às novas experiências (BRAGGIO, 1992, p.42).
A percepção de nossa parte, de toda essa dinamicidade na construção dos
esquemas da parte de cada indivíduo, é que coloca por terra toda a nossa crença de
que o ato de ler possa ser visto como uma resposta passiva da parte do leitor ao
input gráfico, na medida em que dentro da teoria dos esquemas no que tange à
leitura o foco é “o como” o leitor interage com o texto, tendo como preocupação a
45
forma como “o conhecimento do leitor interage e molda a informação sobre a escrita
e como aquele conhecimento deve ser organizado para corroborar a interação”.
O significado, portanto, não está posto no texto, a espera de um sujeito que
decifre ou interprete as mensagens quando colocado diante de um material gráfico;
o significado não reside somente na mensagem escrita. Cada leitor ao interagir com
o texto é que construirá o significado pautado em suas experiências e crenças, em
seu conhecimento linguístico, em sua cultura. Isso significa dizer que:
[...] a construção do significado é concebida como um produto da
interação entre texto e leitor. Ao ler, o indivíduo traz para o ato da
leitura seu conhecimento da língua, tomada esta holisticamente, seu
conhecimento de mundo, experiências e crenças, além de
estratégias cognitivas requeridas. (BRAGGIO, 1992, p.43).
Os aspectos até aqui discutidos têm uma implicação significativa para a
prática pedagógica, que, em uma sala de aula os indivíduos apresentarão
diferentes interpretações para uma mesma história, dependendo dos esquemas
adquiridos dentro de sua cultura, em suas experiências de vida.
Braggio (1992, p.44) alerta-nos para o fato de que:
muitas vezes os chamados “problemas” de compreensão, não são
senão a não congruência entre os esquemas da criança leitora e
aqueles valores transmitidos através dos textos, os quais na sua
maioria refletem os da cultura majoritária.
No ato de ler, segundo Braggio referendada por Stefensen (1999), a criança
utiliza-se de seu conhecimento de língua e de mundo e também de estratégias
cognitivas, sendo uma delas, considerada de cabal importância, diretamente ligada
às “assunções às teorias dos esquemas”, as quais diz respeito ao processo de
inferenciamento.
Os estudos de Kato (1999), denotam sua preocupação em estudar os
processos de decodificação analizados, por teóricos da cognição e da inteligência
artificial, os quais apontam para a tentativa de compreensão sobre uma integração
da informação nova ao conhecimento prévio do leitor e a informação dada no
texto, no processo de leitura.
Segundo a autora estes estudiosos apontam para dois tipos básicos de
processamento de informação:
[...] O que chamam de top-down (literalmente = descendente) e o que
chamam de bottom-up (literalmente = ascendente). No
processamento descendente (top-donw), uma abordagem não linear,
46
da parte do leitor um uso intensivo e dedutivo de informações
não-visuais e cuja a direção vai da macro para a microestrutura e da
função para a forma. No processamento ascendente (bottom-up), faz
uso linear e indutivo das informações visuais, linguísticas, e sua
abordagem é composicional, isto é, constrói o significado através da
análise e síntese do significado das partes (KATO, 1999, p.50).
Kato (1999) afirma que esses dois modelos de processamento de leitura tem
sido privilegiado, o primeiro na psicologia cognitiva e, o segundo, na linguística
estruturalista.
Esses dois tipos de processamento de leitura, segundo Lopes-Rossi (2009) é
que estão presentes nos modelos interacionistas de leitura.
A leitura dentro deste modelo é vista como uma atividade essencialmente
construtiva, em que a compreensão se a partir da construção de sentidos de um
texto e todo texto tem vários sentidos, porém não se extrai sentido somente do
texto explícito, das suas linhas.
Esse processo depende também da leitura de informações implícitas e da
interação de vários níveis de conhecimento do leitor com as informações conhecidas
pelo texto. Daí dizer-se, que a compreensão do texto, é uma atividade criativa, e não
apenas uma recepção ou decodificação passiva de informações (LOPES-ROSSI,
2009, p.4).
Segundo a autora, durante a leitura o conhecimento prévio do leitor é
acionado, informações do texto interagem com esse conheciemento. Dessa forma,
ainda conforme a autora o leitor não retira sentidos do texto, mas sim, constrói
sentido para o texto por meio da interação do seu conhecimento prévio (num
processamento top-down) e das informações do texto (num processamento bottom-
up).
Concordamos com Lopes-Rossi (2009) quando afirma que:
o texto não explicita todos os sentidos possíveis; muitas informações
ficam implícitas e podem ser inferidas pelo leitor algumas
inferências não são nem previstas pelo o autor do texto (LOPES-
ROSSI, 2009, p.5).
A possibilidade de o leitor fazer inferências é parte dessa concepção
(interacionista) em que há uma interação do leitor e do texto.
Para Trabasso (1980 apud por BRAGGIO, 1996), quando o leitor faz uma
inferência, ele “encontra relações semânticas e/ou lógicas entre as proposições ou
eventos que estão expressos na narrativa, ou preenche a informação que é
47
necessária para fazer tais conexões entre eventos”. Isso significa que o leitor no
momento da leitura é capaz tanto de captar o que está explícito no texto, em termos
de seu significado e coerência, quanto de inferir o que não está explícito,
estabelecendo relações entre os segmentos causais e proposicionais.
Para Marcuschi (1997), a questão da compreensão está intrinsecamente
ligada às inferências feitas pelo leitor durante a leitura de um texto e este às diversas
condições nas quais é produzido;
[...] o texto está sempre contextualizado numa determinada situação,
cultura, momento histórico, campo ideológico, crença... Nesse
sentido é que a compreensão na leitura depende muito de
inferências: atividades cognitivas que realizamos quando reunimos
algumas informações conhecidas para chegarmos a outras
informações novas (MARCUSCHI, 1997, p.74).
Marcuschi (1997, p.75) propõe horizontes de leitura, explicitando o que
acontece no processo de compreensão, possibilitando percebermos quantas
inferências são possíveis a partir da leitura de um texto. Lopes-Rossi (2009)
representa a proposta de Marcuschi (1997) com o seguinte esquema:
Figura 1 – Cinco horizontes da compreensão
Ainda sobre inferências, Marcuschi (1999) nos faz ver que estas não o
todas do mesmo tipo: algumas são simples, outras mais complexas:
(A) Inferências Lógicas
: Dedutivas, indutivas, condicionais.
48
Baseadas, sobretudo nas relações lógicas submetidas aos valores-verdade
na relação entre proposições. São as mais comuns, por vezes óbvias.
(B) Inferências Analógico-Semânticas: por identificação referencial, por
generalização, por associações, por analogia, por composições ou decomposições.
Baseadas sempre no input textual e também no conhecimento de itens
lexicais e relações semânticas.
(C) Inferências Pragmáticas Culturais: convencionais, experienciais,
avaliativas, cognitivo-culturais: baseadas nos conhecimentos, experiências, crenças,
ideologias e axiologias individuais (MARCUSCHI, 1999, p.103).
Lopes-Rossi (2009) nos alerta ainda sobre outra questão referente ao
processo de compreensão. Ao ler o leitor recupera por meio do mecanismo da
pressuposição algumas informações que se encontram implícitas no texto, as quais
contribuem para sua coerência interna. A pressuposição é definida como:
Pressuposição: 1) ato ou efeito de pressupor; conjetura antecipada;
2) Proposição de cuja asserção depende a verdade ou falsidade de
outra proposição.
Pressuposto: 4) Circunstância ou fato considerado como
antecedente necessário de outro (FERREIRA, 2004, p.1627).
Rossi (2009, p.9) comenta ainda que a pressuposição é um tipo de “verdade
implícita” restrita por certas condições-de-verdade das sentenças. Isso significa dizer
que quando mencionamos que um determinado autor partiu de um pressuposto
básico, temos, como afirma Ilari e Geraldi (1985 apud LOPES-ROSSI, 2009),que
um conteúdo implícito, sistematicamente associado ao sentido de uma oração, tal
que a oração só pode ser verdadeira ou falsa se o conteúdo em questão for
reconhecido como verdadeiro. Os pressupostos apresentam-se então nos
enunciados como informações que estão fora da mensagem propriamente dita e que
os falantes apresentam como verdadeiras,evidentes e indiscutíveis (p.9).
Lopes-Rossi (2009) afirma que tanto Marcuschi quanto Ilari e Geraldi (1985,
p.59) não tratam a pressuposição como um processo inferencial. Para esses últimos
a pressuposição é uma “relação de sentido que se pode estabelecer entre orações.”
A autora nos convida a refletir sobre em qual ponto podemos situar a
compreensão da pressuposição no esquema de horizontes de leitura proposto por
Marcuschi, já que este não é um processo de repetição ou de paráfrase, mas
também não chega a ser uma inferência. Lopes-Rossi (2009) situa a compreensão
de inferências entre a paráfrase e a inferência, fazendo a consideração de que se
49
acrescentarmos essa ideia ao esquema apresentado na página 48 teremos o
seguinte esquema:
Figura 2 – Cinco horizontes da compreensão
Ao analisarmos o esquema apresentado por Marcuschi (1997) é possível
visualizarmos nele que várias leituras possíveis para um texto, algumas
impossíveis ou improváveis, sendo necessário, portanto, termos a devida cautela
para não incorrermos no erro de achar que o processo inferencial é “um vale-tudo”,
como possam supor alguns. A leitura não deve ser considerada uma atividade
imprecisa, de pura adivinhação.
Conforme Marcuschi (1997), as leituras problemáticas (inferências duvidosas)
ou indevidas devem ser desconsideradas à luz das informações fornecidas pelo
texto e de nosso conhecimento de mundo.
O processo ativo de inferenciamento, dentro da concepção interativista, torna-
se então preponderante, conforme afirmam muitas teorias contemporâneas,
que esse seria considerado um canal para a compreensão do leitor durante o
processamento do discurso.
Concordamos também com Braggio (1996), quando ressalta que uma das
consequências de considerarmos nossas experiências e conhecimentos passados e
futuros no processo de inferenciamento é a possibilidade da existência de mais de
50
uma leitura para um texto, uma reprodução que pode ser menos fiel à do escritor. ”O
texto pode ser modificado e novos elementos podem ser introduzidos.” Há, portanto,
um leque de possíveis leituras para um mesmo texto.
Isso nos remete às inúmeras leituras que fizemos enquanto alunos em nosso
processo de escolaridade básica, as quais eram acompanhadas de um questionário
sobre o texto lido. Tínhamos que respondê-lo, e, para cada uma das questões,
deveríamos ter uma única interpretação, e, portanto, uma única e possível resposta:
a autorizada pelo professor.
Sobre esse aspecto, Solé (1998) nos chama a atenção para o fato de que,
embora esse tipo de atividade figure nos manuais ou livros didáticos e na própria
concepção dos professores como uma atividade de compreensão leitora, ele se
resume numa “avaliação da compreensão leitora, um balanço do produto”. No
mesmo patamar encontram-se outras atividades que envolvem a representação
gráfica do compreendido, ou a indicação de “o que você considera mais importante...
do que você mais gostou...”
A autora cita as pesquisas feitas por Durkin (1978-79), as quais apontam que
“dos 17.997 minutos de prática de leitura em salas de aula da à série, apenas
50 (0,27% do tempo observado) podiam ser considerados de ensino da
compreensão”. Nesses momentos os professores aconselhavam seus alunos para
que pudessem compreender o texto, dedicando-se a interrogar os alunos sobre o
texto lido e dar instruções sobre a realização de exercícios do próprio livro.
Em pesquisas realizadas pela própria autora, em 1987 no ensino fundamental
(2ª e séries), foi constatado que as intervenções destinadas a avaliar os
resultados da leitura foram muito mais frequentes do que as destinadas a ensinar. A
frequência do tripé leitura/perguntas/exercício, permitiu a autora constatar que para
os professores, autores e editores esses são os melhores e talvez únicos
procedimentos que permeiem um ensino para a compreensão.
O que se constata nas atividades apontadas por Solé (1998) é, sem dúvida,
uma preocupação muito grande com o resultado da leitura e não com o processo de
ensiná-la e de como se deve atuar no mesmo.
A autora ressalta ainda que duas importantes premissas, observadas por
Fitzgerald (1985) e Brewer (1985), surgem também a partir da teoria dos esquemas,
as quais terão relevância para a prática pedagógica:
51
[...] a primeira de que toda e qualquer criança chega à escola com
esquemas baseados em suas experiências culturais, os quais estão
prontos para serem ativados, modificados ou expandidos.
...e a segunda, o de que o texto, seja na forma que for, é o material
por excelência a ser utilizado desde o princípio de alfabetização,
que fragmentos de ngua dificultam o processo de inferenciamento”
(BRAGGIO, 1996, p.45).
Quanto à primeira premissa elencada por Braggio, consideramos que esta
deva ser pensada por todos nós, professores, no sentido de considerarmos a
diversidade de esquemas trazidos por nossos alunos, como ponto de partida e o
de chegada, como muitas vezes acontece no processo de ensino de uma maneira
geral na escola.
A possibilidade de ativação de esquemas, de que haja mudanças ou
expansões nos mesmos, remete-nos ao conceito vygotskyano de zona proximal de
desenvolvimento (ZPD), o qual “reflete e também detalha o caráter bidirecional das
relações entre desenvolvimento e aprendizagem”. Para Vygotsky, a ZPD pode ser
definida como a diferença existente entre o nível do que a pessoa é capaz de fazer
com a ajuda de outros e o nível das tarefas que pode fazer de maneira independente
(SALVADOR, 2000, p.260)
A consideração do conhecimento real apresentado pelo aluno permitirá ao
professor assumir o papel de mediador buscando planejar atividades que
efetivamente o conduzam à aprendizagem.
Isso nos faz refletir sobre o quanto os professores que trabalham com a EJA
precisam ser cautelosos no trabalho com a leitura, ao exigirem de seus alunos
algumas interpretações dos textos lidos que correspondam aos esquemas deles
próprios, esquemas esses formados a partir das experiências vividas de acordo com
as realidades de onde vêm, não considerando a realidade de seus alunos.
Corre-se o risco, desta forma, de que a interpretação de um determinado
texto lido seja prejudicada, criando-se uma situação de frustração e impotência para
o professor e para o aluno que acaba por não corresponder às expectativas do
professor, que “a forma como um texto será compreendido, aprendido e
memorizado depende significativamente dos esquemas adquiridos pelo indivíduo
dentro de uma determinada cultura”.
No tocante à clientela da EJA, o aspecto discutido tem particular relevância,
uma vez que, embora possa ser considerada como um grupo homogêneo do ponto
de vista socioeconômico, no que tange ao aspecto sociocultural podemos afirmar
52
que é um grupo totalmente heterogêneo, e, consequentemente, com possibilidades
de esquemas bem diversificados da parte de seus componentes.
O fato de a clientela da EJA, em sua grande maioria, não ter passado pela
escola, considerada tanto no senso comum quanto na área de educação, como o
espaço por excelência, onde se aprende a ler e escrever, justifica o sentimento de
incapacidade geralmente manifestado por jovens e adultos que frequentam esse
segmento educacional, uma vez que muitos tiveram que abandonar a escola por
motivo de trabalho, para ajudarem no sustento de suas famílias, ou por terem se
evadido após uma história de escolaridade marcada por sucessivas repetências.
Essa condição em que se encontram os alunos de EJA acaba gerando certo
sentimento de não pertencimento a um universo do qual participam somente os
“indivíduos letrados”.
Portanto, acreditamos que um trabalho em que o ato de ler seja visto como
um processo interacional, o qual envolve a um tempo sujeito e objeto de
conhecimento para a construção do significado, no qual haja uma preocupação
maior com a valorização da bagagem cultural trazida por esses alunos que
compõem o grupo de EJA, possa talvez repercutir de forma significativa na
construção de significados ao ler, sendo esse um primeiro passo num processo que
exige a consideração dos conhecimentos prévios dos sujeitos envolvidos.
Como nos aponta Braggio (1996), intrinsecamente ligada à teoria dos
esquemas, a qual envolve os conhecimentos prévios do aluno, está à memória.
Pesquisas sobre como o significado é armazenado na memória tem se mostrado
como referências para se compreender o processo de leitura.
Conforme Smith (1982) citado por Braggio existem três tipos de memória: a
memória sensória; a memória de curto termo; e a memória de longo-termo. Para a
autora as duas últimas o as que mais nos interessam. Segundo Clark e Clark
(1977), citado pela autora, “a memória de curto-termo difere da de longo-termo
porque tem uma capacidade limitada de armazenar a informação, ao passo que a de
longo-termo “tende a preservar o significado” e tem capacidade de armazenar...”
Dessa forma, as informações do texto que chegam à memória persistem por
pouco tempo, mais ou menos um segundo e podem ser apagadas em menos de um
segundo se não forem integradas à memória de longo termo. Esse processo de
integração da informação textual da memória de curto termo, para a memória de
longa duração leva mais ou menos cinco segundos, e necessita de pelo menos meio
53
minuto de concentração para permanecer, conforme pesquisas feitas por Smith
(1982 apud BRAGGIO, 1996, p.46).
A importância do conhecimento desse processo para o que nos interessa, que
é a leitura com compreensão, está justamente em sabermos que a memorização da
informação textual depende de sua apreensão, da construção de significados para o
que está sendo lido. Se a proposta de leitura está centrada num processo de
decodificação, na qual há uma preocupação com o componente grafofônico da
língua escrita, a compreensão da leitura certamente fica comprometida.
Os processos cognitivos envolvidos no processo de leitura, que tem por base
a interação, são considerados por muitos autores como bem complexos.
Acreditamos que essa complexidade se deva ao fator apontado por Kleiman (1996):
não se trata simplesmente de uma proposta que se defina pela interação entre o
leitor determinado pelo seu contexto, e o autor através do texto, mas sim que
envolve a um só tempo a percepção de diversos níveis ou fontes de informação.
No processo de interação, o sujeito-leitor utiliza conhecimentos ortográficos,
sintático-semânticos, pragmáticos, enciclopédicos para ter acesso ao texto (p.38).
Essas ideias são reiteradas por Lopes-Rossi (2009, p.4), quando nos afirma
que a teoria interativista de leitura procura entender como se a interação nos
vários níveis de conhecimento do leitor: o conhecimento de mundo, linguístico e
textual, necessários à compreensão na leitura, com os fatores cognitivos e textuais.
Koch e Elias (2006, pp.39-40) descrevem os três grandes sistemas de
conhecimento usados para o processamento textual: conhecimento linguístico;
conhecimento enciclopédico e conhecimento interacional.
Conhecimento linguístico
Abrange o conhecimento gramatical e lexical. Baseados nesse tipo
de conhecimento podemos compreender: a organização do material
linguístico na superfície textual; o uso de meios coesivos para efetuar
a remissão ou sequenciação textual; a seleção lexical adequada ao
tema ou aos modelos cognitivos ativados.
Conhecimento Enciclopédico ou conhecimento de mundo
Refere-se a conhecimentos gerais sobre o mundo uma espécie de
thesaurus mental bem como a conhecimentos alusivos a vivências pessoais e
eventos espácio – temporalmente situados, permitindo a produção de sentidos.
Conhecimento interacional
54
Refere-se às formas de interação por meio da linguagem e engloba os
conhecimentos: ilocucional; comunicacional; metacomunicativo e superestrutural.
Ilocucional permite-nos reconhecer os objetivos ou propósitos pretendidos
pelo produtor do texto, em uma dada situação interacional;
Comunicacional – diz respeito à:
quantidade de informação necessária, numa situação comunicativa concreta,
para que o parceiro seja capaz de reconstruir o objetivo da produção de texto;
seleção da variante linguística adequada a cada situação de interação;
adequação do gênero textual à situação comunicativa.
Metacomunicativo é aquele que permite ao locutor assegurar a
compreensão do texto e conseguir a aceitação pelo parceiro dos objetivos com que
é produzido;
Superestrutural permite a identificação de textos como exemplares
adequados aos diversos eventos da vida social. Envolve também conhecimentos
sobre as macrocategorias ou unidades globais que distinguem vários tipos de texto,
bem como sobre a ordenação ou sequenciação textual em conexão com os
objetivos pretendidos (KOCH, ELIAS, 2006, p.40- 54).
Os tipos de conhecimentos citados pelas autoras constituem o que alguns
estudiosos denominam, nas teorias cognitivas, como conhecimento prévio, o qual se
armazena na memória senão todo, parte dele em forma de esquemas, frames,
scripts e cenários como nos aponta Fávero (1998):
Os frames são modelos globais que contêm o conhecimento comum
sobre um conceito primário (geralmente situações esteriotipadas),
como Natal, Carnaval, Imposto de renda... em princípio, fazem parte
de um todo, mas não estabelecem entre eles uma sequência (lógica
ou temporal)”.
Esquemas: Os esquemas são, segundo Beaugrande e Dressler,
modelos cognitivos globais de eventos ou estados dispostos em
sequências ordenadas, ligadas por relações de proximidade temporal
e causalidade; são previsíveis, fixos, determinados e ordenados.
Scripts: São planos estabilizados, utilizados ou invocados
frequentemente “para especificar os papéis dos participantes e as
ações deles esperadas”; diferentemente dos planos, são
esteriotipados e contêm uma rotina preestabelecida.
Cenários: [...] “o domínio estendido de referênciaque é usado para
interpretar textos escritos, pois “pode-se pensar o conhecimento de
contextos e situações como constituindo um cenário interpretativo
atrás do texto”. (FÁVERO, 1998, p.63, 65, 67,69)
55
Quando observamos os tipos de conhecimento em que se divide o
conhecimento prévio, concordamos com Rossi (2009, p.5) sobre o fato de que as
associações de conhecimentos nunca serão idênticas para todos os leitores ao
fazerem uma leitura.
que ressaltarmos ainda o que nos coloca essa autora sobre a construção
de significados na teoria interativista: “... o leitor constrói sentidos para o texto por
meio da interação de seu conhecimento prévio (num processamento top-down) e
das informações do texto (num processamento bottom-up)”. Isso nos permite
concluir que o leitor ao ler não retira o significado do texto; o significado não está
nem no texto, nem no leitor, mas resulta tanto da decodificação, quanto da inferência
feitas pelo leitor.
Os aspectos aqui discutidos nos colocam frente a uma proposta de leitura na
qual o leitor assume um papel de protagonista, como nos faz ver Kleiman (2000), “a
leitura se apresenta como um ato individual de construção de significados num
contexto que se configura mediante a interação autor e leitor, e, portanto diferente
para cada um dependendo de seus interesses e objetivos do momento” (p.49).
Diante dessas constatações, a autora nos incita a refletirmos se o seriam
as tentativas do ensino de leitura incoerentes com a natureza da atividade, na
medida em que esta se apresenta como um ato individual de construção de
significados, os quais dependeriam tão somente dos sujeitos envolvidos no mesmo.
A resposta a essa pergunta é dada pela própria autora, quando nos afirma
que o ensino de leitura só seria incoerente se aceitássemos as propostas “da prática
escolar”, tanto da parte do professor, como do livro didático que privilegia uma
leitura, a do professor, como a única correta, autorizada” (p.49).
A autora ressalta que a tentativa de ensino de leitura não será incoerente se
esse ensino for entendido como o ensino de estratégias de leitura, por uma parte e o
desenvolvimento das habilidades linguísticas que são características do bom leitor
por outra.
As estratégias do leitor são definidas por Kleiman em:
Estratégias metacognitivas seriam aquelas operações (não regras),
realizadas com algum objetivo em mente, sobre as quais temos
controle consciente, no sentido de sermos capazes de dizer e
explicar a nossa ação.
Estratégias cognitivas da leitura seriam aquelas operações
inconscientes do leitor, no sentido de não ter chegado ainda ao nível
56
consciente, que ele realiza para atingir algum objetivo de leitura
(KLEIMAN, 2000, p.50).
E as habilidades de linguísticas como:
Habilidades linguísticas capacidades específicas, cujo conjunto
compõe nossa competência textual, a nossa competência para lidar
com textos. Tais habilidades vão desde a capacidade de usar o
conhecimento gramatical para perceber relações entre as palavras,
até a capacidade de usar o vocabulário para perceber estruturas
textuais, atitudes e intenções. Elas não são exclusivas da leitura,
mas mostram correlações muito fortes com a capacidade de leitura
(KLEIMAN, 2000, p.50).
Segundo Kleiman (2000), o uso das estratégias metacognitivas permitiria ao
leitor um controle consciente sobre duas operações importantes ao ler: a primeira,
que seria a autoavaliação, constante da própria compreensão, e, a segunda, a
capacidade de determinar um objetivo para a leitura. O leitor que consegue ter
controle consciente sobre essas duas operações saberá dizer se está entendendo
um texto e para que está lendo um texto e se assim não acontece, recorre a vários
procedimentos para tornar o texto inteligível. Essa segunda estratégia, considerada
pela autora como de automonitoração da compreensão, desenvolver-se-á
naturalmente desde que o leitor tenha objetivos para a leitura.
Conforme Kleiman (2000), o leitor proficiente não utiliza um único
procedimento para chegar aonde ele quer, mas tem como característica a
flexibilidade para, se um caminho porventura não der certo, ensaiar outros.
Para a autora, “o conhecimento utilizado para o uso das estratégias cognitivas
é um conhecimento implícito, não verbalizado, o qual seria quase impossível de ser
verbalizado pela maioria dos falantes”. Os procedimentos nos quais utilizamos
conhecimentos sobre os quais não refletimos são chamados automatismos da
leitura, e, portanto, utilizados estrategicamente e não por regras (p.50).
Dessa forma, o ensino de leitura não consistiria em modelar um ou dois
procedimentos considerados como mais importantes, mas em tentar garantir as
condições para que o leitor tenha essa flexibilidade e independência sinalizadoras
da riqueza de recursos disponíveis.
Conforme Kleiman (2000) o fato de o leitor ter um objetivo de leitura,
determina suas escolhas pessoais e estas são baseadas em suas predições quanto
ao conhecimento do livro ou texto, as quais se apoiam no seu conhecimento prévio,
57
tanto do assunto (conhecimento enciclopédico) como sobre o autor, a época da obra
(conhecimento social, cultural, pragmático), o gênero (conhecimento textual).
Isso nos remete à reflexão, como nos aponta a autora, de que o tipo de texto
já coloca restrições quanto a possíveis objetivos, sendo, portanto, necessário o
contato dos alunos com um universo textual bem amplo e diversificado para optar
por um ou outro texto conforme seus objetivos, uma situação bem diversa das que
vm acontecendo no contexto escolar, no qual encontramos propostas bem vagas
como “pesquisar sobre tal ou qual assunto”.
As colocações de Kleiman nos trazem à memória algumas experiências
vividas em nossa escolaridade inicial, quando tínhamos que fazer a leitura de alguns
livros, geralmente clássicos literários, determinados pelo professor para, em seguida,
fazermos fichamento dos mesmos. Não tínhamos acesso a uma diversidade de
textos que nos possibilitasse fazer escolhas guiadas por nossas predições de acordo
com nossos objetivos de leitura, e, portanto, que nos favorecesse a uma leitura com
compreensão.
Dessa forma, as atividades por nós executadas não tinham outra finalidade
que não a do cumprimento de um programa estabelecido por nossos professores,
sem que houvesse da parte deles uma preocupação em criar objetivos significativos
para que a leitura se tornasse um instrumento importante, possibilitando-nos
construir suportes para o enriquecimento de predições e mobilização sobre os mais
variados assuntos, ações essas desenvolvidas por leitores proficientes, como nos
aponta Kleiman.
Ainda sobre um ensino que dê primazia ao uso de estratégias de leitura
concordamos com Solé (1998) referendada por Valls
12
(1990), ao frisar que:
[...] uma das características das estratégias é o fato de que não
detalham nem prescrevem totalmente o curso de uma ação;... as
estratégias são suspeitas inteligentes, embora arriscadas, sobre o
caminho mais adequado que devemos seguir.Sua potencialidade
reside justamente nisso, no fato de serem independentes de um
âmbito particular e poderem se generalizar; em contrapartida sua
aplicação correta exigirá sua contextualização para o problema
concreto. Um componente essencial das estratégias é o fato de que
envolvem a autodireção - a existência de um objetivo e a consciência
de que esse objetivo existe e autocontrole, isto é a supervisão e
avaliação do próprio comportamento em função dos objetivos que o
guiam e da possibilidade de modificá-lo em caso de necessidade
(VALLS
10
, 1990, apud SOLÉ, 1998, p.69).
12
VALLS, E. Ensenyancça i aprenentatge de continguts procedimentals. Uma proposta referida a I’Área de La
Història. Tese de Doutorado. Universidade de Barcelona, 1990.
58
Solé (1998, p.69) concorda com Valls (1990, p.69) em suas colocações com
relação às estratégias de leitura: “a ideia de que as estratégias se situam num polo
extremo de um contínuo, cujo polo oposto conteria os procedimentos mais
específicos, aqueles cuja realização é automática e não exige o controle nem o
planejamento prévio que caracteriza as primeiras”.
Outros autores citados por Solé (1998) referem-se aos procedimentos
anteriormente comentados de maneira similar, dando às habilidades, técnicas e
destrezas, o nome de microestratégias, vendo-os como processos executivos
ligados a tarefas concretas e de macroestratégias (nossas estratégias) aos
processos que envolvem nossas capacidades cognitivas de ordem elevada,
relacionadas à metacognição capacidade de conhecer o próprio conhecimento, de
pensarmos nossa atuação, a qual permite o planejamento, o controle e a regulagem
da atuação inteligente.
Nas palavras de Solé,
[...] As características conferidas às estratégias de compreensão
leitora são procedimentos de caráter elevado, que envolvem a
presença de objetivos, que exigem planejamento das ações que se
desencadeiam para atingi-los, assim como sua avaliação e possível
mudança tem implicações que merecem ser mencionadas como nos
aponta Solé:
[...] Se as estratégias de leitura são procedimentos de leitura e os
procedimentos são conteúdos de ensino, então é preciso ensinar
estratégias para a compreensão dos textos. Estas não amadurecem,
nem se desenvolvem, nem emergem, nem aparecem. Ensinam-se
ou não se ensinam- e se aprendem – ou não se aprendem.
Se considerarmos que as estratégias de leitura são procedimentos
de ordem elevada que envolvem o cognitivo e o metacognitivo, no
ensino elas não podem ser tratadas como técnicas precisas, receitas
infalíveis ou habilidades específicas. O que caracteriza a mentalidade
estratégica é sua capacidade de representar e analisar os problemas
e a flexibilidade para encontrar soluções. Por isso, ao ensinar
estratégias de compreensão leitora, entre os alunos deve predominar
a construção e o uso de procedimentos de tipo geral, que possam
ser transferidos sem maiores dificuldades para situações de leitura
múltiplas e variadas. Por esse motivo, ao abordar estes conteúdos e
ao garantir sua aprendizagem significativa, contribuímos com o
desenvolvimento global de meninos e meninas, além de fomentar
suas competências como leitores (SOLÉ, 1998, p.70).
Diante de todas as considerações feitas sobre a teoria interativista de leitura,
no que concerne aos estudos voltados à compreensão, concordamos com So
(1998, p.23) quando afirma que “ler é compreender a linguagem escrita, e que, neste
59
processo de compreensão, intervém tanto o texto, sua forma e conteúdo, como o
leitor, suas expectativas e conhecimentos prévios”.
Autora faz também suas considerações sobre do que necessitamos para ler:
Para ler necessitamos, simultaneamente, manejar com destreza as
habilidades de decodificação e aportar ao texto nossos objetivos,
ideias e experiências prévias; precisamos nos envolver em um
processo de precisão e inferência contínua, que se apoia na
informação proporcionada pelo texto e na nossa própria bagagem, e
em um processo que permita encontrar evidência ou rejeitar as
previsões e inferências antes mencionadas (SOLÉ, 1998, p.23).
De acordo com Lopes-Rossi (2009), embora tenham ocorridos consideráveis
avanços na área da leitura a partir da teoria interativista, os quais contribuíram tanto
para a compreensão dos processos nela envolvidos, quanto para o desenvolvimento
de habilidades de leitura dos alunos, a partir dos anos 1980 essa teoria mostrou-se
limitada.
Novas teorias linguísticas pautadas nas concepções enunciativo-discursivas
da linguagem surgem dando ênfase ao processo de leitura e de produção do texto a
ser lido num contexto sócio-histórico amplo, o que não ocorria na abordagem
cognitiva na qual se considerava o contexto mais imediato da comunicação autor-
leitor. Embora a teoria cognitiva não desconsidere os aspectos sociais envolvidos na
compreensão, esses não são explorados quando comparamos a leitura crítica na
perspectiva cognitiva e na Análise Crítica do Discurso.
Frente à necessidade de novos estudos sobre a linguagem que abordassem
os aspectos anteriormente citados é que as linhas teóricas de Análise Crítica do
discurso - ACD e a Análise do Discurso de Linha francesa AD, dão suas
contribuições para uma ampliação do conceito de leitura a partir de três tendências
principais:
Abordagem sociocognitiva de leitura;
Abordagem da leitura crítica: baseada nos pressupostos da ACD;
Abordagem discursiva: baseada na AD.
Para os propósitos de nossa pesquisa, dessas três abordagens teóricas
faremos a exposição da teoria sociocognitiva de leitura.
60
1.1.3 Abordagem Sociocognitiva de Leitura
Conforme (HARTSTE, 1985 apud BRAGGIO, 1996, p.68), a mudança de
paradigmas nas questões referentes à leitura e à escrita não é a substituição de um
velho paradigma por um novo. Segundo o autor, “um novo paradigma está
envolvendo... [já que]... nas ciências sociais os paradigmas raramente substituem
um ao outro; antes o velho e o novo vivem lado a lado”.
De acordo com o autor, embora tenhamos um novo olhar para a linguagem,
leitura e aprendizagem, na prática não há ainda uma imediata substituição do velho
pelo novo, mas sim uma resistência, o que o faz subsistir embora não mais dê conta
dos fatos.
Entretanto, como comenta Braggio (1996), alguns pontos importantes com
relação a mudanças podem ser percebidos em três aspectos apontados por Hartste
(1985): o caminho percorrido da visão behaviorista à visão interativista foi longo; o
mesmo não se aplica da visão interativista para a sociointerativista, em que o
caminho foi menos longo, dado que a primeira deu subsídios importantes a esta
última, “iluminando-a”.
Novos rumos surgem então, para os estudos sobre a leitura, e, antes de
qualquer consideração sobre eles, vale ressaltar o que nos aponta Marcuschi (2008)
sobre a clareza que precisamos ter, com relação a entendermos que embora a
compreensão esteja ligada a esquemas cognitivos internalizados, estes não são
individuais e únicos. O nosso sistema sociocultural internalizado ao longo da vida é
responsável por guiar e ativar nossa percepção. Dessa maneira, nossas
experiências constroem-se com base numa estrutura de sensações organizadas e
não primárias como alguns possam supor.
Essa ideia, como nos lembra ainda o autor, é defendida por Heráclito no
século VI a.C., “para quem a harmonia, a coerência, a unidade e o sentido estavam
no oculto e não no aparente, pois este se mostra atomizado e sempre em mudança”
(p.29).
Dessa forma, faz-se necessário que compreendamos o que nos informa
Marcuschi (2008), quando afirma que:
[...] perceber é reconhecer com categorias ou esquemas
internalizados e não apenas ver, sentir, ouvir etc. pela sensação
direta dos sentidos puros. Ver algo não é ainda perceber
determinado objeto. [...] Pensamos com categorias e esquemas e
61
não com as sensações. Nós tomamos conhecimento de algo e
identificamos algo como sendo determinada coisa quando temos
categorias ou esquemas cognitivos para isso. [...] Mas esses
esquemas ou categorias não são elaborações individuais e sim
coletivas (MARCUSCHI, 2008, p.228).
Nessas colocações encontramos conceitos vygotskianos, como nos lembra o
autor, que para esse teórico as representações coletivas precedem as individuais
e lhes servem de base. Nisso reside o diferencial da abordagem sociocognitiva de
leitura, uma vez que seus pressupostos partem dos princípios de uma abordagem
sociointerativa da cognição, em oposição à velha concepção de conhecimento como
atividade individual, a qual tinha sua base na psicologia cognitiva de origem
subjetivista.
O autor ressalta ainda que o sociointeracionismo vygotskiano funda-se numa
“matriz” representativa da mente social. “Para Vygotsky, conhecer é um ato social e
não uma ação interior do indivíduo isolado (MARCUSKI, 2008, p.228). O
aprendizado infantil tem suporte inicialmente numa ação social, isto é, a criança se
apropria da linguagem como uma ação social e depois a internaliza, para, a partir de
uma atividade intrapessoal, fazer um uso interpessoal.
As considerações de Marcuschi (2008) nos fazem ver que quando falamos
em abordagem sociocognitiva de leitura, portanto, estamos diante de uma
concepção de língua como um sistema simbólico totalmente ligado a práticas
sociohistóricas. A língua o pode ser tomada como um sistema apenas, mas como
um conjunto de atividades sociais e históricas.
A propósito, sobre o conceito de língua, o autor ainda nos afirma que:
A rigor, a língua não é sequer uma estrutura; ela é estruturada
simultaneamente em vários planos, seja o fonológico, sintático,
semântico e cognitivo no processo de enunciação. A língua é um
fenômeno cultural, histórico, social e cognitivo que varia ao longo do
tempo e de acordo com os falantes; ela se manifesta no uso e é
sensível ao uso. [...] a língua é uma atividade constitutiva com a qual
podemos construir sentidos; é uma forma cognitiva com a qual
podemos expressar nossos sentimentos, ideias, ações e representar
o mundo; é uma forma de ação com a qual podemos interagir com
nossos semelhantes (MARCUSCHI, 1997, pp.71-72).
Dentro dessa perspectiva, a língua guia os nossos sentidos e nos permite
construir mundos, mas, não por força de alguma virtude imanente à própria língua,
como nos alerta Marcuschi e sim pelo esforço dos falantes.
62
Esses princípios aqui ressaltados nos permitem refletir que a compreensão
não acontece por uma extração de conteúdos do texto, pois nem tudo é visto da
mesma forma por todos; as divergências na compreensão de um texto ocorrerão em
se tratando de diferentes leitores.
Tais princípios teóricos frente à proposta defendida atualmente para o
desenvolvimento de um trabalho de leitura nas classes de EJA, atribuem aos
professores um papel significativo como mediadores, entre os esquemas formados
pelo aluno em seu contexto sociocultural e as propostas trabalhadas na escola, uma
vez que a construção de significados está ligada aos esquemas formados nesse
contexto, em primeiro lugar num nível das representações sociais e depois
individualmente ao serem internalizados.
Os jovens e adultos constituem um grupo que chega à escola com:
[...] uma grande bagagem de conhecimentos adquiridos ao longo de
histórias de vida as mais diversas. [...] trazem, enfim, conhecimentos
crenças e valores constituídos. É a partir do reconhecimento do
valor de suas experiências de vida e visões de mundo que cada
jovem e adulto pode se apropriar das aprendizagens escolares de
modo crítico e original, sempre na perspectiva de ampliar sua
compreensão, seus meios de ação e interação no mundo
(PROPOSTA CURRICULAR PARA O SEGMENTO DO ENSINO
FUNDAMENTAL, 1997, p.41).
Marcuschi (2008) alerta-nos ainda, para o fato de que os modelos culturais
nos oferecem subsídios para a construção das experiências citadas e, para tanto a
língua terá um papel decisivo, ressaltando também que existem conceitos que são
maiores que os conceituais, tais como os gêneros textuais, que, segundo o autor,
operam como formas discursivas de “calibre” poderoso para guiar o sentido. Estes
serão tratados posteriormente neste capítulo.
Dessa forma, consideramos que um ensino da língua, pautado no trabalho
com gêneros contribui para a construção desses esquemas, uma vez que, como nos
aponta Fiorin (2006, p.61) “O gênero estabelece, pois, uma interconexão da
linguagem com a vida social. A linguagem penetra na vida por meio dos enunciados
concretos e, ao mesmo tempo, pelos enunciados a vida se introduz na linguagem”.
Essa possível variabilidade de compreensão nos mostra que o processo de
compreender exige habilidade, interação e trabalho, não se constituindo em uma
ação tão somente linguística ou cognitiva. Nessa perspectiva, compreender torna-se
63
uma forma de agir sobre o mundo nas interações com o outro, dentro de uma cultura
e em uma sociedade, em suma, uma forma de inserção no mundo.
Provas de que a compreensão não é algo tão naturalmente conseguido são
encontradas nas avaliações feitas com o intuito de saber a capacidade dos alunos
lerem e compreenderem o que leem, como são apontadas no PISA feita em 41
países pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
(OECD-PISA).
Marcuschi (2008) comenta o fato de que embora esse exame não seja isento
de críticas, o fato de o Brasil ter ficado entre os últimos cinco países, “com uma nota
média inferior a 4 pontos numa escala de 1 a 8”, significa dizer que alunos que
deveriam estar cursando a série do ensino médio responderam bem a um
percentual de 40% das questões, o que pode ser considerado um número
alarmante. Esse resultado repetiu-se com um grau menor na avaliação do Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), sendo apontado um percentual
de 50-60% apenas de situações em que a compreensão teve êxito.
Muito embora os resultados dos testes sejam alarmantes, o autor ressalta que
mais importante é o que significa a compreensão em nossas vidas, já que esta não é
um assunto de âmbito apenas escolar ou acadêmico; a compreensão permeia todas
as nossas atividades, fazendo com que sejamos inclusive entendidos pelo outro,
evitando possíveis conflitos em nossas interações sociais.
As considerações feitas por Marcuschi estão presentes nas falas descritas por
alunos da EJA, na proposta curricular para este segmento, quando se colocam
sobre as expectativas que têm sobre a escola: “entender melhor as coisas”, “se
expressar melhor”, “de ser gente”, “de não depender dos outros” (BRASIL, 1997,
p.42). Marcuschi nos chama a atenção para dois aspectos importantes a serem
considerados, relacionados a esse tema: sempre que produzimos um enunciado
almejamos que ele seja compreendido, porém não temos controle sobre o
entendimento que esse enunciado possa vir a ter, dado o próprio caráter da
linguagem que não é um “retrato” fiel da realidade e, em segundo lugar, como nos
aponta o autor:
[...] a interpretação dos enunciados é sempre fruto de um trabalho e
não de uma simples extração de informações objetivas. Como o
trabalho é conjunto e não unilateral, pois compreender é uma
atividade colaborativa que se na interação entre autor-texto-leitor
ou falante-texto-ouvinte, podem ocorrer desencontros. A
64
compreensão também é um exercício de convivência sociocultural
(MARCUSCHI, 2008, p. 231).
Sobre a atividade de leitura e os seus estudos feitos atualmente Kleiman (2004)
afirma o seguinte:
A concepção hoje predominante nos estudos de leitura é a de leitura
como prática social que, na linguística aplicada, é subsidiada
teoricamente pelos estudos do letramento. Nessa perspectiva, os
usos da leitura estão ligados à situação; são determinados pelas
histórias dos participantes, pelas características da instituição em
que se encontram, pelo grau de formalidade ou informalidade da
situação, pelo objetivo da atividade de leitura, diferindo segundo o
grupo social. Tudo isso realça a diferença e a multiplicidade dos
discursos que envolvem e constituem os sujeitos e que determinam
esses diferentes modos de ler (KLEIMAN, 2004, p.14).
Sob essa ótica, o leitor perde o seu lugar de sujeito consciente e dono do
texto, para ocupar a posição de alguém que se encontra inserido na realidade social,
atuando sobre conteúdos e contextos socioculturais com os quais lida
constantemente.
Para Kleiman (2004), dois modelos de leitura podem ser identificados
historicamente nos últimos trinta anos: “Um deles que vai da década de 1970 aos
anos 1990, é dominado pelas teorias da psicologia cognitiva e pela linguística de
texto da primeira e segunda geração que ainda se pautavam pela visão de texto
como um continente” (MARCUSCHI, 2008, p.231).
A crítica feita pela autora diz respeito ao fato de tanto a psicologia, quanto a
liguística de texto tratarem o leitor como um sujeito ativo que ao ler mobiliza os seus
conhecimentos pessoais para compreender, sem considerar o seu contexto de
interpretação ligado à realidade sociocultural.
Essa visão hoje, segundo a autora, foi superada havendo uma nova
posição da linguística de textos com vistas a esclarecer os processos de
compreensão, visão essa que considera a inserção do indivíduo na sociedade, o
contexto de interpretação ligado à sua realidade sociocultural, enfatizando menos o
texto em si, às faculdades mentais e os conhecimentos prévios.
Diante dessa perspectiva, a leitura é vista como uma “ação solidária”, a qual tem
como pano de fundo para a compreensão as práticas sob um aspecto crítico e
voltado para atividades, sobretudo sociointerativas.
Marcuschi (2008) concorda com Kleiman quando esta enfatiza as questões
sociais, as quais ele também considera importantes, porém acredita que a autora
65
não desloca o polo da observação, mas sim o polo do problema; observam-se
atividades sociais e não processos de compreensão.
Para o autor a compreensão de texto é vista da seguinte forma:
[...] geralmente partimos de informações textuais (que o autor ou
falante nos no seu discurso) e informações não textuais (que nós
como leitores, colocamos no texto ou que fazem parte de nossos
conhecimentos ou da situação em que o texto é produzido). Com
isso construímos os sentidos (inferimos os conteúdos) e
estabelecemos uma dada compreensão do texto (MARCUSCHI,
1997, p.71-72).
Outra visão sobre o processo de compreensão na leitura é assumida por
KOCH e ELIAS (2006): uma concepção “interacional (dialógica) da língua” que em
outro ponto do texto é vista como “sociocognitivo-interacional”.
Referindo-se a essa visão as autoras afirmam que:
[...] na concepção interacional (dialógica) da ngua, os sujeitos são
vistos como atores/construtores sociais, sujeitos ativos que -
dialogicamente - se constroem e são construídos no texto,
considerando o próprio lugar da interação e da constituição dos
interlocutores. Desse modo, lugar, no texto, para toda uma gama
de implícitos, dos mais variados tipos, somente detectáveis quando
se tem como pano de fundo, o contexto sociocognitivo dos
participantes da interação.
[...] A leitura é, pois, uma atividade interativa altamente complexa de
produção de sentidos, que se realiza evidentemente com base nos
elementos linguísticos presentes na superfície textual e na sua forma
de organização, mas requer a mobilização de um vasto conjunto de
saberes no interior do evento comunicativo (KOCH e ELIAS, 2006, p.
10-11).
Lopes-Rossi (2009) ressalta o fato de essa abordagem ter partido da cognitiva
e ter se enriquecido muito com as ideias do filósofo russo Bakhtin. O termo usado
por Koch e Elias (2006) “dialogicamente” é um conceito bakhtiniano, e, também
está relacionado com vários pressupostos dos estudos da língua ligada em contexto
social advindos das abordagens discursivas.
Concordamos com Marcuschi (2008) ao afirmar que, atualmente, os modelos
teóricos que tratam da compreensão podem ser representados em dois grandes
paradigmas e nos seus subconjuntos específicos.
Esses subconjuntos, conforme o autor poderiam ser agrupados em duas
hipóteses (MARCUSCHI, 2008, p. 237):
(A) compreender é decodificar (metáfora do conduto)
(B) compreender é inferir (metáfora da planta baixa)
66
Dessa forma, teríamos como nos afirma o autor:
[...] de um lado, as teorias da compreensão como decodificação
baseadas na noção de língua como código e, de outro lado, aquelas
baseadas na noção de língua como atividade, tomando a
compreensão como inferência ou pelo menos como processo de
construção baseada numa atividade mais ampla e de base
sociointerativa (MARCUSCHI, 2008, p.237).
Na primeira, poderíamos encaixar a noção de texto como continente, e, na
segunda, uma “noção de língua” como atividade sociointerativa e cognitiva, com
uma noção de referência e coerência produzidas interativamente e a noção de texto
como evento construído na relação situacional, sendo o sentido sempre situado, na
qual segundo o autor se encaixariam as referências feitas por Kleiman.
Os pontos ressaltados por Marcuschi (2008) nos permitem ver com clareza
que as teorias do tipo (A), que postulam a compreensão como um processo de
decodificação, tem na língua um instrumento capaz de conduzir ao sentido por si só,
e envolvem um sujeito isolado. Nesse caso, os textos seriam portadores de
conteúdos e objetivos por eles transportados e nós, enquanto leitores, deveríamos
captar os sentidos ali instalados. Dessa forma, como nos faz ver o autor
“compreender seria uma ação objetiva de apreender ou decodificar o que fora
codificado. De algum modo, aqui estão representadas todas as teorias que serviram
de modelo para o ensino escolar nos últimos cinquenta anos” (p.238).
no caso das teorias que se encontram no paradigma (B), a compreensão é
postulada como inferência, sendo atingida por atividades que envolvem a
participação do leitor e do ouvinte. Nessa postura, a língua é vista como uma
atividade sempre interativa, num processo de construção coletiva.
Assim, as inferências são tidas como um referencial para a compreensão,
sendo estas consideradas como “atividades cognitivas que realizamos quando
reunimos algumas informações conhecidas para chegarmos a outras informações
novas” (MARCUSCHI, 1997, p.74). Estas últimas serão atingidas numa graduação
que vai das mais simples às mais complexas, nível que não é atingido pela maioria
dos leitores.
Lopes-Rossi (2009) aponta-nos uma relação dessas inferências baseadas em
Marcuschi e outras adaptadas a partir da definição de inferência e do conceito de
gênero discursivo de Bakhtin (1992), numa gradação de dificuldades:
67
Do mais simples e óbvio para o mais complexo:
Pressuposicional: baseada em marcadores de pressuposição
explicitados no texto.
Dedutiva, indutiva, condicional: baseadas principalmente na relação
entre as proposições.
Por generalização, associações, analogia: baseadas no input textual
e também no conhecimento de itens lexicais e relações semânticas.
Experiências avaliativas: baseadas em conhecimentos de mundo,
experiências, crenças individuais.
Pragmáticas: baseadas num conhecimento de mundo mais
específico, relacionado à situação de comunicação e ao esforço que
o enunciador-produtor do texto faz para melhor estabelecer uma
comunicação com seu público-alvo.
Sócio-histórico-ideológicas: baseadas na identificação do gênero
discursivo a que pertence o texto e no conhecimento das condições
de produção e de circulação desse gênero. Depende da percepção
das produções de linguagem como um fenômeno sócio-histórico em
diálogo com outros discursos, sempre contextualizadas numa
determinada situação, cultura, momento histórico, campo ideológico,
crença...
Numa representação metafórica, as inferências citadas podem ser mostradas
no esquema “iceberg” adaptado por Lopes-Rossi (2009):
Figura 3 – Esquema representativo da metáfora do Iceberg
Nesse esquema, “aquilo que está explicito no texto (que pode ser
decodificado), corresponde apenas à pequena parte do iceberg que fica acima da
superfície da água. O que podemos inferir corresponde à parte do iceberg que está
submersa” (LOPES-ROSSI, 2009, p.16).
68
Lopes-Rossi (2009) alerta-nos de que é necessário que consideremos “cada
leitor como um sujeito social-política-histórica-ideologicamente constituído, o que o
torna um leitor único em suas possibilidades de construção de sentidos a partir de
um texto.”
que nos cuidarmos ainda, segundo a autora, para não incorrermos no erro
de considerarmos o processo inferencial como um vale-tudo; neste processo, as
leituras problemáticas (inferências duvidosas) ou indevidas devem ser
desconsideradas à luz das informações fornecidas pelo texto e de nosso
conhecimento de mundo. O processo de compreensão, embora se constitua em
uma atividade criativa de ão sobre os textos, não é, em hipótese alguma um jogo
de pura adivinhação.
Marcuschi (1997) alerta-nos para o fato de que os pressupostos referentes à
compreensão, ainda aparecerão matizados e diversificados em outras teorias
inferenciais, pois algumas perguntas precisam ser respondidas: de onde vêm os
conhecimentos que interagem na compreensão e como são usados na suposição?
1.2 LEITURA E GÊNEROS DISCURSIVOS
Segundo Lopes-Rossi (2009), as teorias de leitura abordadas nos dão
subsídios importantes para o trabalho com a leitura, porém não fazem referência a
um trabalho que considere o conceito de gênero discursivo e suas especificidades,
as quais um leitor proficiente deveria observar.
Nosso intuito ao abordarmos esse conceito no presente capítulo prende-se ao
fato de ser exigido dos professores, mais recentemente, de trabalhem com gêneros
discursivos na sala de aula. Interessa-nos investigar o que os nossos professores
conhecem sobre os gêneros discursivos, quais os gêneros trabalhados nas classes
de EJA pesquisadas; que embasamento teórico sobre a teoria bakhtiniana tiveram
em sua formação para desenvolverem um trabalho pautado nesse referencial
teórico.
Conforme nos aponta Lopes-Rossi (2005), esta teoria, muito
recentemente, veio a ser enfatizada no Brasil, ganhando impulso nos anos de 1980
e 1990, por meio de estudos sobre aspectos cognitivos e discursivos da leitura. O
69
conceito de gêneros discursivos enquadra-se dentro de uma concepção sócio-
histórica e ideológica da linguagem, baseada nos estudos do filósofo russo Bakhtin.
De acordo com Bakhtin (1992), gênero discursivo refere-se a formas típicas
de enunciados-falados ou escritos que se realizam em condições e com
finalidades específicas nas diferentes situações de interação social.
Conforme o autor:
[...] a riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas,
pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada
esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do
discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a
própria esfera se desenvolve e fica mais complexa (BAKHTIN, 1992,
p.279).
Para Bakhtin, os gêneros do discurso se dividem em dois grupos: os gêneros
primários são produzidos principalmente na esfera doméstica e nas situações de
comunicação verbal espontâneas, sendo exemplos desses: conversa, telefonema,
carta familiar, lista de compras, piada, fofoca. Os gêneros secundários fazem parte
das esferas de atividades mais complexas, porque organizados em sistemas mais
específicos como a arte, a política, a ciência, sendo exemplos desses: romances,
gêneros jornalísticos, ensaios filosóficos, reportagem, procuração, audiência,
palestra, conto, monografia.
No Brasil, como nos alerta Fiorin (2006), o discurso pedagógico apropriou-se
desse conceito, devido aos Parâmetros Curriculares Nacionais PCN (1998),
documento que estabeleceu que o ensino de Português fosse feito com base nos
gêneros discursivos.
Os PCN de Língua Portuguesa para e ciclos explicitam essa proposta
em várias passagens, da seguinte forma:
[...] Desde o primeiro ciclo é preciso que os alunos leiam diferentes
textos que circulam socialmente. “A seleção do material de leitura
deve ter como critérios: a variedade de gêneros... (BRASIL, 1998, p.
106)”
Referindo-se ao conteúdo a ser trabalhado:
[...] Posteriormente, sob o título de “Gêneros Discursivos”, em
coerência com o princípio didático que prevê a organização das
situações de aprendizagem a partir da diversidade textual, estão
especificados gêneros adequados para o trabalho com a linguagem
oral e com a linguagem escrita (BRASIL, 1998, p.106).
70
Na Proposta Curricular da EJA (BRASIL, 1997), embora o seja usada a
denominação gênero discursivo, lemos:
Para que os alunos leiam e escrevam com autonomia, precisam
familiarizar-se com a diversidade de textos existentes na sociedade.
Precisam reconhecer as várias funções que a escrita pode ter
(informar, entreter, convencer, definir, seduzir), os diferentes
suportes materiais onde pode aparecer (jornais, livros cartazes etc.),
as diferentes apresentações visuais que pode adquirir e suas
características estruturais (organização sintática e vocabulário).
O objetivo central em Língua Portuguesa é formar bons leitores e
produtores de textos, que saibam apreciar suas qualidades,
encontrar informações escritas, expressar-se de forma clara e
adequada à situação comunicativa (BRASIL, 1997, p.55).
Fiorin (2006) alerta-nos para o fato de que Bakhtin “não vai teorizar sobre o
gênero, levando em consideração o produto, mas o processo de sua produção” (p.
61). Interessou mais a esse estudioso a maneira como os gêneros se constituem, e
não suas propriedades formais.
Seu ponto de referência é a relação entre a utilização da linguagem e as
atividades humanas, portanto estes devem ser vistos na sua função no processo de
interação social. As formas como os seres humanos agem nas suas esferas de
atividade (escola, igreja, trabalho num jornal, num círculo de amigos, na política)
implicam a utilização da linguagem na forma de enunciados.
Isso significa pensarmos que os gêneros discursivos acontecem dentro de
esferas de ação dos seres humanos e, portanto, são determinados por finalidades e
condições específicas de cada indivíduo. Essas esferas de ação, como
mencionado, implicam a utilização da linguagem sob a forma de enunciados, os
quais têm como característica a mutabilidade, permitindo o aparecimento, o
desaparecimento ou até mesmo a mudança dos mesmos, conforme alterações
nessas esferas.
Costa (2008) considera que os PCN (BRASIL, 1998) representam uma
proposta significativa para o trabalho em nossas salas de aula no que tange à leitura
e produção de textos na escolaridade básica (ensino fundamental e médio), uma vez
que propõe uma metodologia de enfoque enunciativo-discursivo: “essa se inspira no
sociointeracionismo, cujos enfoques teóricos dirigem o ensino da língua (gem) para
seu uso e funcionamento discursivos, enquanto sistema semiótico e simbólico,
contextualizado e determinado sócio-historicamente”.
71
Para a autora, essa proposta quebra uma concepção de ensino tradicional de
língua materna, nos moldes normativo e conceitual, a qual perdurou até a década de
70. Portanto, as formas linguísticas não são mais estudadas em uma concepção de
língua como um sistema fechado em si mesmo.
Diante dessa nova perspectiva, a autora afirma que:
As relações entre as formas e seu contexto de uso e condições de
produção, ligadas ao processamento mental dos usuários
(internalização e exteriorização dos conhecimentos para o outro),
têm como pressuposto a língua como um sistema sensível ao
contexto que vai se constituindo e reconstituindo historicamente na
interação verbal/social, da fonologia à sintaxe, incluindo o plano
semântico, pois é no funcionamento interlocutivo que as formas
linguísticas dos textos (orais / escritos) ganham sentido (COSTA,
2008, p.68).
Nas palavras de Costa (2008), o ato de ler
[...] também é apropriar-se de um conjunto de capacidades
linguísticas e psicológicas (cognitivas e metacognitivas) que, além de
relacionar símbolos escritos a unidades de som, é, principalmente,
um processo de construir sentidos e relações ([inter] textualidade e
de interpretar textos diversos, dialogicamente, no sentido
bakhtiniano, adentrando o dizer do outro (COSTA, 2008, p.68).
As colocações de Costa (2008) têm particular relevância em nossa pesquisa,
uma vez que, estas nos remetem ao conceito de alfabetização e letramento,
conceitos esses explicitados nos objetivos pretendidos atualmente para o trabalho
com a EJA. A proposta curricular para esse segmento educacional defende a ideia
de que, a apropriação da “tecnologia da escrita” aconteça em meio às práticas reais
de leitura e de escrita, as quais representem a forma como esses eventos e práticas
acontecem no social, os quais são denominados aqui pela autora, como letramento
ou letramentos.
Essa proposta está claramente explicitada nas colocações de Rojo quando se
refere ao ato de ler, ou à condição de ser leitor, no sentido de que, além de
relacionar símbolos escritos e sons, o sujeito de leitura estabeleça relações,
construa significados, interprete percebendo e adentrando o dizer do outro.
Nesse sentido, a autora reforça que mais do que um processo de alfabetizar-
se, temos diante de nós um processo de letrar-se, sob duas dimensões:
(1) a individual, que é um atributo pessoal, que passa pela posse de
tecnologias mentais de ler e escrever e (2) a social, ligada às práticas e usos de
leitura e escrita, nas quais os indivíduos se envolvem, pragmaticamente, em seu
72
contexto social, usando-as funcionalmente (atividades próprias da cultura ou grupo a
que o sujeito pertence) ou, mais que isso, “transformacionalmente”, sofrendo os
efeitos dessas práticas socialmente construídas em determinados contextos sociais,
as quais tomam determinadas formas enunciativas (os gêneros discursivos ou
textuais), dependendo das instituições sociais que as propõem ou exigem (COSTA,
2008).
As considerações da autora encontram ressonância nas ideias defendidas na
Proposta Curricular para o segmento do Ensino Fundamental EJA, quando são
mencionadas a importância do trabalho com a linguagem e as conquistas cognitivas
advindas deste:
A importância da linguagem para os seres humanos não reside
nas possibilidades de comunicação que encerra. Por ser um sistema
de representação da realidade, ele dá suporte a que realizemos
diferentes operações intelectuais, organizando o pensamento,
possibilitando o planejamento das ações e apoiando a memória
(BRASIL, 1997, p. 51).
Diante das considerações ora expostas, acreditamos que o trabalho com
gêneros discursivos em nossas escolas, acena para uma forma mais abrangente de
concebermos a língua e a aquisição da linguagem. Esse trabalho provavelmente nos
permitirá delinearmos novos contornos para o trabalho com a leitura, uma vez que
os gêneros coordenam um aprendizado dos modos sociais de dizer e fazer, o qual
nos permite participar das diversas esferas de comunicação humana, nas quais as
práticas sociais de leitura estão configuradas. Essas esferas mudam, transformam-
se e transformam aqueles que dela participam como nos aponta Fiorin:
O gênero une estabilidade e instabilidade, permanência e mudança.
De um lado, reconhem-se propriedades comuns em conjuntos de
texto; de outro, essas propriedades alteram-se continuamente. Isso
ocorre porque as atividades humanas, segundo o filósofo russo, não
são nem totalmente determinadas nem aleatórias. Nelas, estão
presentes a recorrência e a contingência. A reiteração possibilita-nos
entender as ações e, por conseguinte, agir; a instabilidade permite
adaptar suas formas a novas circunstâncias.
O gênero somente ganha sentido quando se percebe a correlação
entre formas e atividades. Assim ele não é um conjunto de
propriedades formais isolado de uma esfera de ação, que se realiza
em determinadas coordenadas espaço-temporais, na qual os
parceiros da comunicação mantêm certo tipo de relação.
Os gêneros são meios de aprender a realidade. Novos modos de ver
e de conceptualizar a realidade implicam o aparecimento de novos
gêneros e a alteração dos já existentes. Ao mesmo tempo, novos
gêneros ocasionam novas maneiras de ver a realidade (FIORIN,
2006, p.69).
73
Ressalte-se aqui que embora as propostas de trabalho com gêneros
discursivos venham ano a ano ganhando adeptos nos meios educacionais, da
parte dos professores, certa dificuldade para o real entendimento da proposta
explicitada nos PCN (1998).
Concordamos com Fiorin (2006) quando este afirma que a obra do filósofo
russo Bakhtin, na qual encontramos o conceito de gênero discursivo, não é uma
obra fácil de ser lida, o que faz com que cada um leia esse teórico conforme os seus
propósitos, e, consequentemente, se aproprie dos conceitos por ele desenvolvidos e
deles faça uso de acordo com seus esquemas, suas leituras, suas concepções, seu
entendimento.
1.3 A LINGUAGEM E OS CONCEITOS BAKHTINIANOS DE DIALOGISMO E
ENUNCIADO: FIOS DE UMA MESMA TRAMA
Os conceitos de dialogismo e enunciado como dito anteriormente, serão
utilizados como referenciais teóricos na análise dos dados em nossa pesquisa, uma
vez que entendemos que, para respondermos nossas perguntas de pesquisa,
que fazermos uma análise enunciativo-discursiva das respostas dadas pelos
professores pesquisados. Ao enunciarem sobre suas práticas no ensino de leitura,
eles deixam marcas que são compreendidas, mediante, como nos aponta Brait, a
compreensão de que “o enunciado implica muito mais do que aquilo que está
incluído dentro dos fatores estritamente linguísticos, o que, vale dizer, solicita um
olhar para outros elementos que o constituem” (BRAIT, 2008, p.67)
.
Para tratarmos dos conceitos de dialogismo e enunciado, faz-se necessário
abordarmos a perspectiva de linguagem na teoria bakhtiniana, dentro da qual estes
conceitos ganham “alma” e podem ser mais bem compreendidos. Na concepção de
linguagem que rege o pensamento bakhtiniano, as noções de enunciado/enunciação
ocupam uma posição de destaque, dado que “a linguagem é concebida de um ponto
de vista histórico, cultural e social que, inclui, para efeito de compreensão e análise,
a comunicação efetiva e os sujeitos e discursos nela envolvidos” (p.65).
Segundo Fiorin (2006), Bakhtin analisa o fato linguístico, como algo que não
pode ser entendido apenas como uma realidade física, mas como um acontecimento
74
que deve ser inserido dentro da esfera social, para tornar-se verdadeiramente um
fato de linguagem, compreendendo a um tempo a unicidade do meio social e do
contexto social.
Nessa perspectiva, o filósofo russo criticou as duas linhas teóricas do
pensamento vigentes: o pensamento filosófico e o linguístico, linhas essas que
postulavam de um lado um subjetivismo idealista, e, de outro o objetivismo abstrato
respectivamente. No subjetivismo idealista, o fenômeno linguístico era visto como
um ato significativo de criação individual, o objetivismo abstrato recebeu críticas
por fazer a dicotomização entre língua e fala, separando a língua (aspecto social) da
fala (aspecto individual). Portanto a língua, tomada como objeto externo, seria objeto
de estudo da linguística, o mesmo não acontecendo com a fala, que ao ser tomada
como ato individual, não poderia sê-lo.
Segundo Fiorin (2006), essa ideia havia sido combatida por Bakhtin ao
criticar a posição defendida por Saussure, que supunha, a partir de um objetivismo
abstrato, uma objetividade da língua. Para Bakhtin essa objetividade só poderia
existir em relação à consciência. Bakhtin critica todos os formalismos de análise
linguística (fonéticos, morfológicos e sintáticos) para dar conta da enunciação
completa, seja ela referente a uma palavra, frase ou uma sequência de frases. A
enunciação deve ser compreendida como unidade - base da língua como nos afirma
o próprio autor:
A enunciação, compreendida como uma réplica do diálogo social, é a
unidade de base da língua, trata-se de um discurso interior (dialogo
consigo mesmo) ou exterior. Ela é de natureza social, portanto
ideológica. Ela não existe fora de um contexto social, que cada
locutor “tem um “horizonte social”. sempre um interlocutor, ao
menos potencial. O locutor pensa e se exprime para um auditório
social bem definido (BAKHTIN, 2009, p.16).
Toda enunciação, para o filosofo russo, tem uma natureza social, o que nos
obriga a entender que esta acontece sempre numa interação, que para o
estudioso, o homem não é um ser abstrato, mas histórico e social. Do ponto de vista
bakhtiniano, portanto, a linguagem pode ser concebida numa perspectiva de
totalidade, integrada à vida humana, assim como a interação verbal não pode ser
compreendida fora de sua ligação com uma situação concreta.
Dessa forma, a linguística e seus métodos linguísticos, não seriam suficientes
para dar conta de uma realidade multifacetada; ao aspecto linguístico, ele
75
acrescenta, então, o contextual, para dar conta da dialogicidade. Uma disciplina
nova surge para estudar o enunciado: a metalinguística ou translinguística
13
.
Diante do exposto, o enunciado não pode ser encontrado no universo de
relações meramente linguísticas, mas sim no universo das relações dialógicas;
enquanto a palavra e a sentença são uma unidade da linguagem, o enunciado é
uma unidade da comunicação discursiva. Por isso, como nos afirma Fiorin (2006),
“toda enunciação tem dois aspectos: o linguístico que é reiterativo e se refere a um
objeto pré-existente e o contextual que é único, tendo como referência novos
enunciados”.
Desse modo, não como compreendermos a comunicação verbal sem que
esta esteja ligada às situações concretas vividas nas interações humanas.
Segundo Bakthin, as interações verbais devem ser consideradas como um
produto social, na medida em que resultam em uma consciência que não é, em
absoluto, individual, mas sim uma consciência de classe.
Essa consciência, como nos aponta Freitas (2007), se manifesta porque
dispõe de um material flexível, veiculável pelo corpo que é a palavra e essa é vista
por Bakhtin como um fenômeno ideológico e, portanto exerce uma função de signo;
a palavra sendo um instrumento da consciência acompanha toda criação ideológica,.
tem um papel de material semiótico da consciência estando em todos os atos de
compreensão e interpretação.Isso significa dizer que “toda palavra procede de
alguém como também se dirige para alguém, constituindo o produto da interação do
locutor e do ouvinte” (p.139).
Essa propriedade da linguagem é percebida no conceito bakhtiniano de
dialogismo, como nos aponta Fiorin (2006); as relações dialógicas o se
circunscrevem ao quadro estreito do diálogo face a face, os quais o teórico chama
de uma forma composicional em que elas ocorrem, mas em todos os enunciados no
processo de comunicação, independentemente de sua dimensão.
Nas palavras de Fiorin (2006) em todos os enunciados,
13
Metalinguística ou translinguística -
Em algumas traduções da obra de Bakhtin, o termo” translinguística”
aparece como metalinguística”. Esse problema de denominação é uma prova do acerto bakhtiniano a respeito
da diferença entre as unidades potenciais da língua (objeto da linguística) e as unidades reais de
comunicação (objeto da translinguística). Do ponto de vista do sistema da língua, meta-(prefixo grego) e trans-
(prefixo latino) são absolutamente equivalentes, pois ambos significam “além de”. No entanto, eles são
completamente diversos da perspectiva do funcionamento discursivo, pois metalinguística é imediatamente
relacionada aos discursos que falam sobre a língua, que a descrevem, que a analisam (FIORIN, 2007, p.20-
21).
76
[...] existe uma dialogização interna da palavra, que é perpassada
sempre pela palavra do outro, é sempre e inevitavelmente também a
palavra do outro. Isso quer dizer que o enunciador, para constituir um
discurso, leva em conta o discurso de outrem, que está presente no
seu (FIORIN, 2006, p.19).
Por isso como ainda nos afirma o autor, todo discurso é inevitavelmente
ocupado, atravessado pelo discurso do outro.
Nosso objetivo ao trabalhar comos conceitos bakhtinianos é analisar as realizações
enunciativas dos professores da EJA, acerca da leitura e seu ensino. Para tanto é preciso
que tomemos como objeto de análise as palavras enunciadas considerando toda a
dimensão que as tornam um enunciado.
Como nos aponta Brait (2008, p. 67), referenciando-se em Bakhtin,
[...] o enunciado implica muito mais do que aquilo que está incluído
dentro dos fatores estritamente linguísticos, o que, vale dizer, solicita
um olhar para outros elementos que o constituem.
Buscamos compreender essas marcas no “diálogo” analisado sob a
perspectiva bakthiniana atribuindo-lhe valor e tomando-o em seu sentido amplo, que
não o considera apenas na interação face a face, mas em qualquer situação verbal
em que o mesmo ocorra. Estamos interessados na forma pela qual os professores
expressam-se na situação de sujeitos inquiridos acerca de um determinado tema
deixando transparecer por meio de suas respostas o que nos afirma Bakthin: ... o
discurso escrito é de certa maneira parte integrante de uma discussão ideológica em
grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas
e objeções potenciais, procura apoio, etc.
77
Capítulo 2
METODOLOGIA
2.1 A ABORDAGEM QUALITATIVA
O presente capítulo apresenta os dados coletados nesta pesquisa, sobre as
práticas de leitura de 15 professores que lecionam na EJA, na Rede Municipal de
Ensino de Taubaté. A análise dos dados deste trabalho insere-se dentro de um
paradigma de cunho interpretativo, que se justifica pelo fato de explorar “as
características dos indivíduos e cenários que o podem ser facilmente descritos
numericamente” (MOREIRA, CALEFFE, 2008, p. 73). Ao analisarmos nossos dados
dentro do referido paradigma, acreditamos, como outros pesquisadores, que as
abordagens da ciência natural, com seus pressupostos positivistas, podem ser as
mais adequadas para os estudos do mundo físico, mas não se apresentam da
mesma forma para o mundo social, no qual os seres humanos podem ser analisados
mediante suas interpretações, sentimentos, vivências, uso de simbologias
diferenciadas em sua forma de se comunicarem no mundo em que vivem. Dentro da
análise qualitativa, é possível analisarmos os seres humanos em suas
peculiaridades expressas e na forma como divergem em suas interpretações, na
medida em que a “linguagem é um sistema simbólico estabelecido sobre o qual as
pessoas podem diferir” (MOREIRA; CALLEFE, 2008, p.61).
Esses pressupostos com relação às divergências nas interpretações
humanas muito nos interessam. Nossa intenção como linguistas aplicados é
justamente saber quais concepções os professores que atuam nas salas de EJA,
atualmente, têm com relação à leitura. Isso nos possibilitará, enquanto
pesquisadores, entender que suas respostas não o oriundas de relações causais,
como seria entendido numa visão positivista, mas, sim, fruto de ações humanas
baseadas em significados sociais e, portanto, construídos sobre crenças e intenções
de pessoas que, em suas vivências, interpretam os significados entre si,
transformando-os por meio da interação social. Nesse sentido, corroboramos o
posicionamento de Santos, Rossi, Jardilin (2000, p.48), quando afirmam que a
pesquisa qualitativa pauta-se em crenças, percepções, sentimentos e valores dos
78
sujeitos da pesquisa, ao tentarem compreender e explorar um fenômeno, buscando
entender a realidade pesquisada.
2.2 O QUESTIONÁRIO
O corpus da presente pesquisa foi coletado por meio de um questionário,
instrumento que se apresentou como o mais adequado para o nosso trabalho, em
virtude de ser muito usado nas pesquisas qualitativas, uma vez que permite ao
pesquisador obter um volume de dados relevantes e originais, não dando espaço
para serem influenciados por conceitos operacionais ou índices quantitativos
(SANTOS, ROSSI, JARDILIN, 2000, p.49). Na presente pesquisa as respostas ao
questionário serão objeto de análise tanto em conteúdo quanto em forma: (o que é
dito e o como é dito) pelos sujeitos de pesquisa, o que enunciam discursivamente a
respeito de suas práticas. É nossa intenção, portanto, observar as formas
linguísticas (o uso das palavras, a organização sintática) sob uma lógica bakthiniana,
na qual, segundo Braggio (1992), toda palavra e todo enunciado possuem não
sentido e significação, mas também uma apreciação social do momento social
imediato vivido pelos sujeitos inquiridos.
Outro fator decisivo para optarmos por esse instrumento deveu-se ao uso
eficiente do tempo que este permite, sendo possível coletar um volume de dados
necessários com maior rapidez, o que para nossa realidade como pesquisadores foi
de extrema importância.
O fato de as classes de EJA se localizarem geograficamente em diferentes
bairros do município de Taubaté, distantes entre si e do centro da cidade, fez com
que nos valêssemos de um mensageiro que fez a entrega dos questionários em
cada Unidade Escolar, pessoalmente. Dos vinte e um professores que compõem o
grupo de EJA, quinze responderam ao questionário; os demais não o fizeram por se
encontrarem afastados do exercício docente, na época de sua aplicação.
Juntamente com o questionário foi enviada uma carta ao diretor responsável
pela Unidade Escolar e a cada professor sujeito da pesquisa, explicitando os seus
objetivos, bem como dando os devidos esclarecimentos para o preenchimento do
termo de consentimento. Nessa carta, também foi pedido ao diretor que entregasse
o questionário e solicitasse aos professores que o devolvessem no mesmo dia,
79
medida que foi tomada para que o professor não levasse o questionário para casa,
evitando que houvesse uma pesquisa teórica anterior às suas respostas, o que, em
nosso caso, não seria favorável aos objetivos propostos. Os professores
responderam pontual e individualmente ao questionário proposto.
Como foi dito, o instrumento foi aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa da Universidade de Taubaté (Proc. CEP 403/09), tendo sido respondido
pelos professores sujeitos dessa pesquisa nas escolas em que lecionam. O
questionário foi formado por uma parte sobre dados pessoais, seguida por 15
questões, a fim de que tivéssemos uma visão bem ampla da realidade praticada
pelos professores; era intenção, também, como evidenciaremos na sequência, fazer
questões semelhantes para triangular as respostas. Abaixo, segue o questionário na
íntegra, em fonte diferente, para que dele se tome conhecimento:
QUESTIONÁRIO DE PESQUISA
Sexo:
Idade:
Fez o antigo Curso Normal:
Em que escola:
Em que cidade:
Data de conclusão:
Curso de graduação:
Cidade do curso de graduação:
Data de graduação:
Há quanto tempo você trabalha com EJA?
Frequenta formação continuada para professores de EJA?
Por quê?
Com que periodicidade?
80
Responda às questões abaixo na folha anexa.
a) Quais suas memórias sobre sua aprendizagem de leitura no seu processo
de formação inicial (Educação Básica)?
b) Quais suas memórias sobre sua aprendizagem de leitura no Curso Normal
(caso o tenha realizado)?
c) Quais suas memórias sobre sua aprendizagem de leitura na graduação?
d) Hoje em dia, qual é o sentido e o significado de leitura para você, enquanto
pessoa? Mudou algo do seu passado? O quê?
e) O que o (a) impulsionou para a decisão de assumir a docência na EJA?
Opção ou falta de opção?
f) O que é ler para você, como professora de EJA? Comente com fatos da sua
sala de aula.
g) Qual é a parte das suas aulas de leitura que seus alunos comentam de que
mais gostam? E qual a parte de que você mais gosta?
h) Quais tem sido suas oportunidades de frequentar a modalidade de formação
continuada voltada especificamente para a discussão e a reflexão do ensino de
leitura na EJA?
i) O que você tem de conhecimento teórico e linguístico sobre o ensino de
leitura que ajuda você em suas aulas? Escreva SIM ou NÃO nos quadrados:
já estudou sobre gêneros discursivos?
sabe como preparar uma aula de leitura interativa?
usa da dialogia em suas aulas?
você ensina leitura por gêneros socialmente utilizados?
você utiliza o discurso não verbal em suas aulas?
81
j) O que você trabalha sobre o ensino de leitura que ajuda você em suas
aulas? Escreva SIM ou NÃO nos quadrados:
você trabalha com propagandas?
você leva e trabalha com jornal em sala de aula?
você usa poemas e contos?
os alunos discutem o que leem?
você mostra como ler imagens no texto trabalhado?
outros:
Explique como faz cada um deles (daqueles marcados com SIM).
k) Conte uma aula de leitura que tenha sido muito positiva, na sua visão, para
você e para os seus alunos, mesmo que seja uma experiência antiga.
Mencione a época. Hoje em dia você ainda faz esse trabalho? Por quê?
Pretende fazê-lo no futuro? Com ou sem modificações?
l) Se você pudesse mudar algo na sua prática de leitura em EJA, o que seria
mudado? E se decidisse conservar algo, o que seria conservado?
m) Quais conteúdos você desejaria saber para ministrar aulas de leitura para
que os alunos gostassem ou aproveitassem mais?
n) Quais ações você gostaria de saber fazer para ministrar aulas de leitura
para que os alunos gostassem ou aproveitassem mais?
o) O que você gostaria de expor sobre o ensino de leitura em EJA (ou outro
assunto) que não foi perguntado acima?
2.3 JUSTIFICATIVAS PARA AS QUESTÕES RESPONDIDAS
As perguntas acima foram elaboradas com o objetivo de saber quais práticas
da leitura são usadas pelos professores que atuam nas classes de EJA. Para tanto,
as questões foram dispostas em blocos que enfocam:
82
BLOCOS
QUESTÕES
Questões das tabelas iniciais
Questões a, b e c
Questão e
Questão d e f
Questões g e k
Questões l e m
Questões i e j
Questões n e o
Quadro 1 - Agrupamento das perguntas de pesquisa
No primeiro bloco de questões foram solicitados dados sobre o perfil
profissional dos sujeitos e sua participação na EJA. Os dados coletados nos
permitiram saber qual o percurso feito pelo professor em sua formação profissional,
sobre sua formação superior e sobre o estudo de base teórica para o trabalho com
a leitura.
Também foi nossa intenção verificar o tempo de formação dos professores
(mais antiga ou mais recente), para identificarmos as possíveis concepções teóricas
trabalhadas e conhecidas quando eles estudaram. Ademais, saber sobre o tempo de
permanência do professor nas aulas de EJA, bem como sua participação nos
encontros de Formação Continuada. Com isso, nosso objetivo buscou investigar não
só sobre o tempo de experiência docente e de formação continuada.
Os aspectos abordados nessas questões são importantes por revelarem, na
visão dos professores, as oportunidades oferecidas para que discutam os problemas
enfrentados no cotidiano da escola. Acrescente-se a nossa intenção, verificar a
importância que os professores atribuem a esses encontros.
No segundo bloco, as perguntas dos itens a, b e c dizem respeito às
memórias de leitura dos professores na escolaridade básica e graduação.
No terceiro bloco, a questão e diz respeito à opção feita pelo professor ao
assumir as aulas na EJA. A resposta a essa pergunta foi considerada importante
para sabermos se o professor escolheu trabalhar na EJA ou houve falta de opção,
dado esse que pode nos demonstrar o seu grau de afinidade ou não com esse
segmento de educação.
Num quarto bloco, os itens d e f dizem respeito ao significado de leitura para
os professores atualmente, seja como profissionais, seja como pessoas. As
respostas a essas questões nos permitiram verificar quais as percepções dos
professores com relação às práticas de leitura, vivenciadas no processo de
83
escolaridade básica e formação profissional; também permitiram verificar se a forma
como concebem a leitura hoje denota uma preocupação com uma ressignificação de
concepções que consideram ultrapassadas e que devem ser revistas à medida que
pautadas em novos referenciais teóricos.
As questões, g e k, no quinto bloco, versam a respeito de suas próprias
práticas no ensino de leitura. As respostas nos permitiram verificar se coerência
ou contradições discursivas que demonstrem ou não uma tensão nos elementos
positivos.
Num sexto bloco (questões l e m) observamos os aspectos que apontam
como possíveis permanências ou mudanças no trabalho desenvolvido com a leitura.
O sétimo bloco, formado pelas questões i e j, refere-se aos conhecimentos
teóricos e linguísticos que o professor diz possuir; também faz menção sobre quais
desses conhecimentos faz uso em suas aulas de leitura. Também as questões
desse bloco foram elaboradas com o intuito de investigar quais saberes e ações os
professores julgam ser de valia conhecer e que favorecerão um melhor trabalho com
a leitura.
As respostas às questões n e o, oitavo bloco, permitiram observar se o
professor manteve-se coerente ou apresentou contradições ao dizer sobre os
conteúdos e ações que julga necessário saber para ministrar aulas de leitura a fim
de que seus alunos gostassem ou aproveitassem mais; e os conhecimentos
linguísticos e teóricos dos quais que dizem já ter um domínio e já fazer uso.
As respostas a essa questão nos permitiram saber se o que o professor
pensa sobre o trabalho com a leitura na EJA corresponde aos conceitos teóricos
avalizados como mais adequados nas propostas atuais explicitadas em documentos
oficiais como os PCN de Língua Portuguesa (1º e ciclos) e Proposta Curricular
Para o 1º Segmento do ensino Fundamental da EJA.
2.4 PERFIS DOS SUJEITOS
Os quinze professores que compõem o grupo pesquisado fizeram o antigo
Curso Normal. Além dessa formação, temos a graduação especificada pelos
sujeitos:
84
Número de sujeitos
Curso
Superior
realizado
7 Pedagogia
3 Letras
2 (não responderam)
1 Educação Física
1 Matemática e Contabilidade
1 Normal Superior
1 Programa de Formação Continuada (sic)
Quadro 2 - Número de sujeitos e tipo de Formação Superior
Como visto na tabela acima, a maioria dos sujeitos diz possuir Ensino
Superior, sendo que, dos cursos mencionados, somente um não é da área de
licenciatura. O sujeito que disse ter realizado graduação no Programa de Formação
Continuada, na verdade, não revelou sua graduação, na medida em que o programa
mencionado destina-se à Formação Continuada junto aos sistemas de ensino, não
se tratando, portanto de um curso de Graduação Superior. Dois sujeitos não
responderam à questão. Também é interessante notar que, dos doze professores
que mencionaram o Curso de Graduação, oito realizaram o curso de Pedagogia ou
seu similar, o curso Normal Superior.
Um dado que nos chamou a atenção foi o tempo decorrido entre a data de
conclusão do Curso Normal e a Graduação Superior, como podemos notar na tabela
abaixo:
Número de
Sujeitos
Tempo decorrido entre En
sino Médio
e Ensino Superior
2 4 anos
1 5 anos
1 10 anos
1 12 anos
2 15 anos
1 18 anos
1 22 anos
1 30 anos
Tabela 2 - Tempo entre Ensino Médio e Curso superior
Isso nos aponta para o fato de que a maioria dos sujeitos demorou um longo
período para dar continuidade aos seus estudos, processo esse que só veio a
acontecer mediante acreditamos às exigências dispostas artigo 62 da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394 de 22 de dezembro de 1996
explicitadas nos seguintes termos:
85
Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica, far-
se-á em nível superior, destinado à formação superior, em curso de
licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos
superiores de educação, admitida, como formação mínima para o
exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras
séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na
modalidade Normal (BRASIL, 1996)
Número de
Sujeitos
Tempo de trabalho na
EJA
6 Menos de três anos
3 Quatro anos
1 Cinco anos
1 Sete anos
2 Treze anos
1 Dezesseis
1 Vinte anos
Tabela 3 - Tempo de trabalho na EJA
Há, portanto, conforme a tabela acima, uma variação considerável nesse
grupo em termos de tempo de experiência com a Educação de Jovens e Adultos.
Número de
Sujeitos
Idade
1 Vinte e seis anos
1 Vinte e oito anos
1 Vinte e nove anos
1 Trinta e três anos
1 Trinta e cinco
2 Quarenta e dois
3 Quarenta e quatro
1 Quarenta e nove anos
1 Cinquenta anos
1 Cinquenta e três anos
1 Cinquenta e quatro anos
1 Sessenta e dois anos
Tabela 4 Idade dos sujeitos
Concluindo, acreditamos ser este um grupo mais homogêneo no que tange à
formação, com relação a terem concluído o Curso Normal e, em sua grande maioria,
terem Pedagogia como Graduação Superior. Com relação à idade e tempo de
experiência, este se apresenta como um grupo heterogêneo.
86
Capítulo 3
ANÁLISE DO CORPUS
3.1 OS SUJEITOS E SUAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL E
ATUAÇÃO NAS AULAS DE LEITURA
Este capítulo apresenta a análise do corpus desta pesquisa a partir de um
questionário respondido pelos professores que atuam nas classes de EJA na Rede
municipal de ensino de Taubaté. As perguntas elaboradas nos permitiram conhecer
que práticas de leitura estão sendo desenvolvidas atualmente nessas classes, bem
como as concepções de leitura que sustentam essas práticas. As respostas dos
professores foram avalizadas a partir dos pressupostos teóricos discutidos no
capítulo 1: leitura como processo de decodificação; abordagem intreativista e
abordagem sociocognitiva.
Também foi nosso intuito verificar quais as práticas de leitura vividas na
escolaridade básica e na formação profissional (graduação) por esses professores.
Para tanto, retomamos as três concepções teóricas sobre a leitura desenvolvidas no
capítulo 1: a leitura como processo de decodificação, a interativista e a
sociocognitiva.
Nosso objetivo, também, foi investigar se as concepções sobre leitura que
sustentaram teoricamente as práticas vividas na escolaridade básica, no Curso
Normal e na Graduação por esses professores apresentam-se atualmente em suas
práticas ou, foram ressignificadas por novos entendimentos sobre a leitura.
Para tanto, elaboramos questões que solicitaram dos envolvidos fazer um resgate
das memórias das práticas de leitura vividas por cada um nos períodos de sua
escolaridade básica e graduação.
A partir dos pressupostos teóricos citados, estabelecemos como critério geral
de análise: 1) Práticas de leitura vivenciadas pelos professores no processo de
escolaridade sica e as concepções teóricas subjacentes a essas práticas
presentes nas marcas discursivas deixadas pelos professores na forma como
enunciam sobre as mesmas.
Colocaremos abaixo os excertos mais representativos das respostas dos
professores sujeitos desta pesquisa, os quais serão agrupados e dispostos de
87
acordo com os títulos escolhidos, conforme critério dos aspectos que melhor
representam as concepções de leitura nos períodos abordados (escolaridade básica,
Curso Normal e Graduação), os quais sobressaíram nas respostas dadas..
3.1.1 Memórias das Aprendizagens de Leitura dos Professores no Processo
de Formação Inicial (educação básica)
Leitura é: um ato mecânico, imposição, avaliação, decifração, obrigação,
decodificação, memorização, interpretação, sem significado, desconsideração.
Excertos dos professores:
Sujeito 5
Era um ato mecânico, imposto”.
Sujeito10
“Lembro-me que líamos a cartilha Caminho Suave diariamente. A professora
indicava o trecho, estudávamos em casa para ler no dia seguinte. No mês de
setembro recebíamos um livro como premiação à leitura diária em sala de aula. A
cada bimestre participávamos de uma avaliação de leitura, que era bem estressante,
pois deixávamos nossa professora e íamos até a sala da diretora e, individualmente,
ela abria um livro (gigantesco) e pedia que lêssemos um trecho e dali saia a nossa
nota de leitura”.
Sujeito 14
Aprendi a ler através da cartilha “Caminho Suave”, decifrando códigos e
também através da leitura de imagens, associados com proposta de formação de
frases e construção de pequenos textos”.
Sujeito 11
“Aprendi a ler por meio da cartilha Caminho Suave. O processo de leitura era
restrito a decodificação e memorização”.
88
Sujeito 7
Na educação básica eu não me lembro de situações de leitura em sala a não
ser para interpretar texto”.
Sujeito 4
“Foram propostas apresentadas pela escola, sem muito significado”.
Sujeito 13
“Infelizmente minhas memórias compartilham das memórias da maioria: lia
por obrigação para realizar provas escritas ou orais. O único conto que li, por
iniciativa própria e gosto, foi “O gato preto” de Allan Poe. Nunca esqueci”.
Sujeito 2
“Lembro-me que ao iniciar a pré-escola possuía algum conhecimento da
língua escrita. A professora da pré-escola incentivava-me proporcionando atividades
diferenciadas. No entanto, a professora da série fazia com que eu acompanhasse
todas as lições da cartilha mesmo o que eu conhecia”.
Análise das Memórias das aprendizagens de leitura na escolaridade básica
A análise dos enunciados referentes às memórias das aprendizagens de
leitura, dos professores pesquisados, referentes ao período de sua escolaridade
básica, torna visíveis práticas em que prevaleceu a concepção de leitura como
processo de decodificação. Ela se evidencia na forma como os professores referem-
se às propostas de alfabetização pelos métodos da cartilha. Nas práticas vividas por
80% dos professores pesquisados, prevalece o que Braggio (1992) analisa como um
pressuposto bloomfieldiano, no que diz respeito ao aprendizado da ngua:segundo
ele, a aquisição da linguagem é vista como uma habilidade que, para ser
desenvolvida, requer do indivíduo fazer uma associação de forma passiva e
mecânica, repetitiva e imitativa, na qual a técnica de ler e escrever prevalece sobre
a compreensão e o significado.
89
Existe por parte do professor uma diretividade na seleção de conteúdos, uma
“decisão” de quando o sujeito deve aprender, e, como deve aprender, sem
considerar os seus conhecimentos prévios, nesse caso, com relação à escrita. Esse
fato é percebido no enunciado do sujeito 2 quando menciona o fato de a professora
exigir que siga passo a passo as lições da cartilha, mesmo as que eram do seu
conhecimento.
O enunciado desse sujeito contrapõe-se a outro enunciado, que, durante
muitos anos prevaleceu em nosso meio educacional, em primeiro lugar a
consideração de que a escola seria o único espaço de aprendizado, configurando-
se, portanto, como o único autorizado para se aprendera ler e a escrever, onde os
alunos iriam começar a sua aprendizagem nesse caso, da língua escrita.
Em segundo lugar, coloca-se o incentivo recebido por meio de atividades
diferenciadas executadas na pré-escola, ao que se contrapõe um enunciado em que
as propostas para aprender prendem-se a atividades de cunho mecanicista, nas
quais o desafio não é visto como importante alavanca para o aprendizado.
É nítida também nas práticas apontadas, a preocupação com a leitura em voz
alta com o objetivo de avaliar se o aluno sabe “ler”, preocupação essa de cunho
estruturalista, como foi mencionado por Kato (2005), em seu trabalho, mostrando
que, para os estruturalistas, o significado está ligado a um esquema interno
associado ao leitor que produz sons, no caso da fala, da linguagem oral. Essa
concepção é percebida no enunciado do sujeito 10, o qual explicita uma proposta de
leitura por ele vivida pautada no método das cartilhas, no qual se configura
nitidamente uma intenção de avaliar se o aluno memorizou as lições e consegue
demonstrar isso para o professor. Para tanto, a leitura em voz alta é solicitada como
um recurso mais apropriado, pois é passível de ser observado, como bem apregoa o
behaviorismo.
A menção à leitura como um ato imposto aparece no enunciado do sujeito 5
ao referir-se a uma leitura escolar obrigatória, estabelecendo uma relação de
oposição a um diálogo que aponta para as diversas finalidades da leitura nas
práticas sociais, bem como para propostas que permitam ao leitor uma escolha de
acordo com seus objetivos de leitura e preferências, ou seja, a leitura no contexto
social, não é feita como algo imposto; ninguém um jornal para responder a um
questionário ou para fazer um resumo.
90
Essa concepção da leitura como uma atividade imposta é reiterada no
enunciado do sujeito 13. Esse sujeito, ao usar a expressão infelizmente, para referir-
se ao fato de suas memórias compartilharem da de outros membros do grupo
pesquisado, coloca-se em oposição a uma atividade que era comum a todas as
escolas, ou seja, a leitura vista como uma obrigação: ler para fazer provas escritas
ou orais, na tentativa de que o seu interlocutor perceba que aquilo que podemos
escolher e que nos prazer, nós não esquecemos, como ocorreu em seu caso
com a leitura do conto “O gato preto” de Allan Poe.
Ressalte-se aqui, que as lembranças das práticas vividas pelos nossos
sujeitos de pesquisa situam-se numa época em que os referenciais teóricos de
leitura pautavam-se num paradigma empirista e behaviorista como discutido com
base no estruturalismo e, portanto, era vista como um processo de decodificação.
3.1.2 Memórias das Aprendizagens de Leitura dos Professores no Curso
Normal
A sobrevalorização da leitura do cânone literário.
Sujeito 3
Leitura dos livros da literatura brasileira (desde o ginásio) e outros, bem
como textos das matérias específicas,resumos e fichas”.
Sujeito 7
“As leituras eram realizadas com os clássicos da literatura para a escrita de
um resumo e preenchimento das fichas”.
Sujeito 8
“No Magistério a lembrança que tenho é que os professores, principalmente a
professora de literatura, eles traziam livros para que os alunos lessem e depois
fizessem o resumo do livro, respondessem à chamada oral ou ainda apresentassem
seminário”.
91
Sujeito 11
“Aprendi que o professor deve trabalhar a leitura diariamente com seus
alunos, trocando objetivos para esta atividade”.
Sujeito 12
“Aprendizagem de leitura deve ocorrer com frequência na sala de aula e
outros ambientes”.
Sujeito 13
“Aprendi muitas coisas boas, resumidamente, aprendi que a leitura deve ser
diária e com o exclusivo objetivo de despertar o prazer; contudo, nós, alunos
normalistas, só líamos a literatura técnica”.
Sujeito 14
“No curso normal as leituras eram realizadas através dos livros didáticos,
focando os assuntos pertinentes”.
Análise das Memórias de aprendizagem de leitura do Curso Normal
Os enunciados referentes às memórias de aprendizagens de leitura vividas
no Curso Normal revelam que predominou ainda, nas práticas vividas por esses
sujeitos, a concepção de leitura como um processo de decodificação. A leitura é
usada como um instrumento avaliativo, uma vez que dos professores afirmam que
as leituras feitas tinham como objetivo o fichamento ou a elaboração de resumos
para serem entregues ao professor. A função social da leitura é, desta forma,
descaracterizada, uma vez que no social, as práticas de leitura são exercidas com
outras finalidades. Nãosequer uma preocupação com o significado do lido para o
sujeito.
Outro aspecto que nos chama a atenção é a supervalorização do cânone
literário. Esse tipo de leitura, que marcou durante muito tempo as práticas dos
professores, vem sendo considerada, ainda como nos aponta Tardelli (2003) “como
uma leitura de prestígio, responsável pela constituição e preservação do ‘patrimônio’
literário, ou ainda da “verdadeira” cultura”.
92
Dessa forma, o bom leitor é aquele que um tipo específico de texto que é
encontrado em suportes específicos, com materiais escritos de “modos corretos”, ou
seja, o leitor de livros e, livros de narrativas literárias.
Essa ideia, presente nas práticas vividas pelos sujeitos de pesquisa, deixa
transparecer que os estudos sobre a teoria interativista que vinham acontecendo
desde os anos de 1970, não alcançaram as salas de aulas desses sujeitos, uma vez
que não se percebe uma preocupação com os conhecimentos prévios dos alunos,
tão valorizados na teoria dos esquemas tampouco com o processamento da leitura,
o qual envolve como estudamos no capítulo 1 o conhecimento teórico sobre
estratégias de leitura.
3.1.3 Memórias de Leitura dos Professores no Curso de Graduação
A importância da mediação no ensino da leitura.
Sujeito 1
“Na minha última graduação, Letras, a aprendizagem de leitura foi muito boa.
As diferentes possibilidades de leitura com a professora Lopes–Rossi, as diferentes
possibilidades de leitura com a professora Maria do Carmo e também a coerência e
coesão do professor Orlando deixaram marcas e lembranças que, com certeza,
levarei para sempre”.
Sujeito 13
“Foram muito boas. Acho que a graduação ajudou muito em minha formação
como sujeito leitor, pois, além de toda a literatura técnica que estudávamos, havia
professores que liam contos e poesias com verdadeira paixão. Lembro que as linhas
do texto refletiam na face e no tom de voz desses professores. Foi muito marcante”.
A leitura marcada por uma prática escolarizada
Sujeito 2
“Na graduação, a leitura era focada nos livros indicados pelos professores e
não no prazer”.
93
Sujeito 3
“Cansativas e, às vezes confusas, leituras de muitos textos para resenha e
discussão.”
Sujeito 4
“As leituras propostas ainda apresentavam muitas cobranças.”
Sujeito 7
“As leituras realizadas na graduação eram focadas apenas em leituras
didáticas específicas das disciplinas.”
Sujeito 8
“Praticamente é a mesma lembrança do curso normal: ler para fazer resumo,
seminário ou para fazer avaliação.”
Sujeito 5
“Não foge muito do Curso Normal, apenas busquei algumas coisas que
julguei mais importantes e fiz algumas leituras extras”.
Sujeito 9
“Na graduação, livros sempre direcionados a um tema referente à aula ou
para complementar um trabalho, à procura de outro como interesse próprio, sempre
com o pensamento de que são necessárias diversas fontes para entender e produzir
melhor, tendo certeza de que estamos abstraindo”.
Sujeito 10
“Havia muita leitura de livros e pesquisas metodológicas”.
Sujeito 11
“A leitura foi pouco trabalhada devido à área de exatas.”
94
Sujeito 14
“No curso de graduação, as leituras eram realizadas através de pesquisas e
apresentadas as conclusões em sala de aula, com o propósito de aprofundamento
de conteúdos.”
Análise das memórias de leitura na Graduação
Os enunciados de 53% dos sujeitos, sobre suas memórias das práticas de
leituras vividas no processo de Graduação, apontam para uma atitude responsiva de
discordância com relação ao tratamento dispensado a esta atividade, no qual ainda
um predomínio de um único propósito para o ato de ler, qual seja o de que os
alunos deem uma devolutiva aos professores através de fichamento ou da
elaboração de resumos. portanto, da parte desses sujeitos um diálogo com outro
discurso que aponta para a necessidade de se estabelecerem objetivos para a
leitura, como um recurso extremamente favorável à aprendizagem. Isso é
evidenciado nos enunciados dos sujeitos 2,3,4,7,8,5,9,14. Chamamos a atenção
para o sujeito 8, que enfatiza que ainda não houve praticamente nenhuma mudança
de suas vivências do Curso Normal para a Graduação, o que nos coloca frente às
questões de que que se ter mudanças nas práticas educacionais e estas ainda
não ocorreram.
Apenas no enunciado do sujeito 14 referência a uma proposta de leitura
para o aprofundamento de conteúdos, porém não há menção à construção de
significados.
As memórias dos sujeitos 1 e 13 reportam-se a uma proposta de leitura que
não é única, como acontecia em outras épocas em nossas escolas. O locutor, ao
mencionar quem oportunizou essas leituras no período de sua Graduação, confirma
um discurso atualmente muito usado e de base vygotskiana, mostrando o quão faz-
se necessário o professor como mediador para que o aprendizado se efetive de fato.
Há, portanto, nesse enunciado, uma valoração do professor enquanto mediador no
processo de aprendizagem e também da teoria sobre leitura. Um Segundo aspecto
que nos chama a atenção é a referência do sujeito 13 para a paixão de seus
professores com as leituras de textos literários, apontando-nos para o fato de que a
leitura literária pode ser tratada de forma diferente daquela que vem acontecendo
95
em muitas de nossa escolas, ou seja, ler para fichamento dos livros ou para elaborar
resumos.
Um dos sujeitos, ao responder a pergunta, confirmou em seu enunciado um
discurso muito presente hoje nos meios educacionais, que é o fato de se conceber a
leitura como de responsabilidade tão somente dos professores de Língua
Portuguesa. Essa ideia é apontada por Kleiman, quando nos alerta para o fato de
que:
A palavra escrita é patrimônio da culura letrada, e todo professor é
em princípio, representante dessa cultura. Daí que permanecer à
espera do colega de Português resolver o problema, além de agravar
a situação, consiste numa declaração de sua incomprtência quanto à
função de garantir a participação plena de seus alunos na sociedade
letrada (KLEIMAN, 2000, p.7).
Chamou-nos também a atenção o enunciado do sujeito 12, o qual contempla
em seu enunciado o fato de em sua Graduação ter sido discutida a proposta com
gêneros.
Em suma, os enunciados dos sujeitos apontam para o fato de que mesmo
na Graduação permanence um trabalho com a leitura no qual não são contempladas
teorias que tenham como foco a construção de significados ou voltadas à
compreensão.
Considerando a época de formação na Graduação dos sujeitos da
pesquisa, os refrenciais teóricos explicativos da teoria interativista de leitura
deveriam ter sido contemplados, ainda que minimamente, o que não aconteceu.
Faz-se necessário que ressaltemos aqui o fato de os sujeitos 1 e 13, que
fazem menção a uma proposta em que são tomadas como referências concepções
teóricas de leitura mais recentes, serem formados no Curso de Letras, ou seja,
constituindo-se essa, a nosso ver enquanto uma formação mais específica para o
trabalho com a lingua, em um diferencial.
.
96
3.1.4 Sentido e Significado de Leitura Para os Professores Atualmente
(enquanto pessoa). Mudanças com Relação ao Passado? Quais?
Leitura como um processo de construir significados
Sujeito 1
“Hoje em dia, faço leitura de maneira muito mais ampla, consigo captar
‘marcas’, fazer inferências, que antes não eram perceptíveis para mim. Então, minha
leitura de mundo é outra atualmente”.
Sujeito 12
“Hoje penso que leitura é a porta de entrada para o convívio de toda pessoa.
O sujeito que lê se inteira com o mundo e acompanha melhor a vivência”.
Sujeito 11
“Ler é produzir sentidos. Que todo conhecimento de mundo deve ser levado
para o texto”.
Leitura, uma questão de prazer?
Sujeito 2
Eu tenho muito prazer em ler. Acredito que a cada livro lido me torno uma
pessoa melhor.
Sujeito 5
Acredito que a leitura seja muito valiosa e importante, a mesma deve ser um
ato prazeroso e significativo (não apenas ler por ler).
Sujeito 8
“O sentido e o significado de leitura para mim é de ler por prazer, como lazer,
buscar informação, conhecimento”.
97
Sujeito 4
“Gosto de ler, atualmente as leituras que faço são por prazer e sei da sua
importância”.
Sujeito 14
“Hoje em dia, a leitura para mim não é somente decifrar códigos, mas buscar
sentido no que se está lendo. Por isso, os textos escolhidos para leitura precisam
ser do interesse e necessidade de cada um, isto é significativo.
Do passado para os dias de hoje, mudou bastante porque agora tenho
conhecimento de várias modalidades de textos e posso optar por aquele que mais
interessa, pois a leitura tem que ser prazerosa”.
Leitura como forma de se situar no mundo?
Sujeito 6
“Significa muito, minha vida, meu trabalho, estrutura familiar...
Mudou tudo, não se constrói nada seja na vida social, familiar e profissional
que não tenha como base a leitura. É ela que nos direciona para a vida prática em
qualquer circunstância.”
Sujeito 9
Hoje mais madura entendo que a leitura é procurada por mim na questão de
trabalho para diversificar minhas aulas e para enriquecimento cultural e pessoal
enquanto pessoa” (sic).
Sujeito 10
“A leitura para mim é imprescindível às descobertas da alma humana. A
leitura me permite a imaginação, a conquista de novos saberes, o prazer da
descoberta, a aquisição de novos vocabulários, o gosto pela escrita, porque somos
movidos pelo desejo de crescer, pela curiosidade, pela renovação constante do
conhecimento universalizado. Enfim, cada um com os olhos que tem e para isso é
necessário um conhecimento prévio do mundo para que possamos compreender o
98
que lemos. Hoje, com maturidade florescida leio com muito mais fundamentação e
clareza. É como se tudo fosse transparente e familiar”.
Análise do sentido de leitura para os professores hoje
A ressignificação do que seja a leitura na atualidade aparece nos enunciados
de 60% dos sujeitos da pesquisa, porém precisamos observar em quais pontos, de
fato, esses enunciados dialogam com
outros enunciados para compreendermos o
que as marcas linguístico-enunciativas dos sujeitos estão, de fato,apontando. Os
enunciados dos sujeitos 1 e 11 evidenciam uma ressignificação da concepção do
processo de leitura, dentro de uma abordagem sociocognitiva, quando fazem
referência ao processo de leitura como uma forma de ressignificar o mundo que está
a sua volta. Esse enunciado dialoga com outro enunciado que concebe a leitura
como uma forma de inserção no contexto sociocultural do indivíduo, via
compreensão, conforme vimos nas considerações de Marcuschi (2008), ao referir-se
à compreensão: compreender torna-se uma forma de agir sobre o mundo nas
interações sociais com o outro, dentro de uma cultura e em uma sociedade, em
suma, uma forma de inserção no mundo.
Consideramos importante porém, ressaltar que o sujeito 1 coloca essa
ressignificação do processo de ler num nível de mudanças de sua capacidade
leitora, a qual aconteceu, como manifestado anteriormente, devido a um
embasamento teórico em sua Graduação. Isso fica bem marcado,quando esse
sujeito menciona que sua leitura mais ampla na qual consegue captar elementos
que antes não eram captados, sea partir de inferências, e isso fez a diferença na
sua forma de ler e, consequentemente, de ver o mundo.
O enunciado do sujeito 11, embora nos aponte para uma ressignificação da
leitura, coloca-a como uma atividade que por si oferece a oportunidade de ver o
mundo de uma outra forma. Esse enunciado nos remete à concordância com um
outro que tem na prática de leitura uma “proposta salvacionista”, ou seja, a
concepção de que a leitura por si é capaz de resolver todos os problemas da
educação ou da sociedade. “Se as pessoas lessem mais, a educação brasileira ao
99
teria mais problemas. Se as pessoas lessem mais, não haveria fiferenças entre um
pobre e um milionário”.
O enunciado do sujeito 12, embora deixe claro que houve uma ressignificação
na concepção de leitura, na medida em que se refere a essa prática como “a
produtora de sentidos”, nos remete a um enunciado que coloca a construção de
significados como uma tarefa que cabe tão somente ao leitor fazer, já que, ao
interagir com o texto é que construirá o significado, pautado em suas experiências e
crenças, em seu conhecimento linguístico. Isso corrobora as ideias defendidas na
teoria interativista de leitura como nos aponta Kleiman:
[...] a construção do significado é concebida como um produto da
interação entre texto e leitor. Ao ler, o indivíduo traz para o ato da
leitura seu conhecimento da língua, tomada esta holisticamente, seu
conhecimento de mundo, experiências e crenças, além de
estratégias cognitivas requeridas (BRAGGIO, 1992, p.43).
Os sujeitos 2,4,5,8 e14, referem-se à prática de leitura como uma fonte de
prazer. Esse enunciado demonstra claramente a oposição que esses sujeitos fazem
às praticas vivenciadas em sua escolaridade básica numa escola tradicional, em que
havia, como demonstrado em outros trechos desse trabalho, uma prática pautada
na obrigação e na imposição. Os sujeitos, ao enunciarem sobre o prazer,
demonstram sua posição valorativa, seja colocando-se na própria situação, ou na do
outro, seu interlocutor.
O sujeito 14, embora expresse sua ressignificação dizendo que ler não é
somente decodificar,decifrar códigos, mas buscar sentido no que está lendo,ainda
se manifesta pela busca de um sentido que está no texto, à espera de um leitor que
o decifre.
Os enunciados dos sujeitos 6 e 9 estabelecem uma relação de sentido com
os discursos de tendência pragmática, apontados por Britto (2004, p. 48), “em que
se admite a importância da leitura como
instrumento de capacitação para a
competição ler, nesse sentido, uma forma de ser capaz de produzir e de tirar
proveito no espaço social, particularmente nas situações sociais”.
A ressignificação do ato de ler está bem marcada no enunciado do sujeito10
quando usa de uma metáfora para mostrar que “cada um com os olhos que tem”
ao longo da vida . Esse sujeito liga a leitura aos conhecimentos prévios do indivíduo,
desses depende a compreensão ao ler e, para ele essa compreensão veio com a
100
maturidade.Dessa forma esse sujeito apresenta uma concepção de leitura dentro de
uma linha interativista de leitura.
3.1.5 Doscencia na EJA: Opção ou Falta de Opção?
Sujeito 2
“Assumi a docência na EJA por opção. Era um desejo antigo de fazer a
diferença na vida de jovens e adultos que foram privados de oportunidades no
passado”.
Sujeito 4
“Opção; é um trabalho gratificante, me sinto realizada ao presenciar o
desempenho dos alunos”.
Sujeito 5
Opção. Me sinto realizada mesmo vendo um progresso lento, os mesmos se
empenham e se dedicam ao máximo.
Sujeito 9
“Sempre tive vontade de ensinar adultos e com minhas experiências em
relação a EJA, posso afirmar que é um processo muito gratificante e que se torna
um desafio prazeroso a cada objetivo alcançado”.
Sujeito 10
“Opção, com muita certeza sempre, e o desejo de compreender como os
jovens e adultos aprendem”.
Sujeito 12
“A docência na EJA é gratificante porque todos m direito de alfabetizar e
integrar na sociedade. Optei em resgatar os alunos que não tiveram oportunidade na
idade certa”.
101
Sujeito 14
“Assumir a docência na EJA foi uma opção, porque queria ter uma nova
experiência e o me arrependi, aprendo muito com meus alunos e fazemos muitas
descobertas juntos”.
Análise sobre a docência na EJA: um questão de opção ou não?
Um total de 60% dos sujeitos pesquisados tiveram a EJA como opção de
trabalho docente. Isso significa dizer que prevaleceu, conforme demonstram os
enunciados um interesse por conhecer esse Segmento e tentar fazer a diferença na
vida dos jovens e adultos. Os enunciados dos sujeitos 2 e 12 deixam marcas
linguísticas nas quais essa intenção fica bem clara, estabelecendo uma relação de
sentido com um discurso que coloca a condição dos jovens e adultos que não
tiveram condições de frequentar a escola em idade normal como uma dívida social
pela qual devemos nos responsabilizar.
3.1.6 Significado de Leitura Enquanto Professor de EJA: Comentários Sobre
Fatos Ocorridos na Sala de Aula
Sujeito 13
“Ler para mim, como professora da EJA, tem sido auxiliar os alunos a
construir novos sentidos sobre o mundo escrito que os cerca. Na leitura de contos
sobressai o prazer, simplesmente, de esquecer os problemas de casa e entrar em
outro mundo. Em outros neros, como a propaganda, a leitura é para
entendimento, por exemplo, dos propósitos desse texto”.
Sujeito 12
“Ler é atribuir significado a tudo que encontrar através de imagens e escritas.
Alunos que vêem placas ou gêneros escritos e são capazes de interpretá-los estão
lendo”.
102
Sujeito 1
“A leitura na EJA é usada como sedução. A apostila vem com muitos poemas,
então capricho na leitura, na entonação e me sinto realizada quando percebo que
consigo levar meus alunos na ‘viagem’ do autor”.
Sujeito 4
“Proporcionar momentos que despertem nos alunos o gosto pela leitura”.
Sujeito 5
“Devemos procurar trabalhar com textos que fazem parte da realidade dos
mesmos, fugindo assim dos antigos padrões que sofremos”.
Sujeito 2
“Eu tenho muito prazer em ler.Acredito que a cada livro lido me torno uma
pessoa melhor”.
Análise sobre o que é ler para a professora da EJA atualmente
Na análise dos enunciados referentes ao significado da leitura para os
professores na EJA na atualidade, percebemos uma preocupação da parte dos
sujeitos em demonstrar que suas concepções sobre leitura hoje diferem e muito dos
padrões a que foram submetidos no passado como nos aponta o sujeito 5; a leitura
deixa de ser uma prática na qual prevalece a imposição, a obrigação, para ser objeto
de sedução como enuncia o sujeito 1. Outra preocupação manifestada nos
enunciados foi garantir, no trabalho que uma variedade de textos possa fazer parte
do repertório dos alunos, em oposição ao discurso de uma leitura apenas literária,
tentando mostrar que a leitura é uma prática plural; no social lemos para diversas
finalidades e de formas diferentes, em suportes textuais diversos.
103
3.1.7 Momentos das Aulas de Leituras Mais Apreciados Pelos Alunos e Pelos
Professores
Sujeito 9
“Meus alunos gostam de realizar leitura compartilhada de textos informativos.
Eu particularmente gosto de trabalhar temas de interesses comuns entre eles,
levanto estes textos realizamos leitura compartilhada, cada um levanta uma opinião
sobre o assunto e com base na leitura realizam uma produção escrita”.
Sujeito 13
“Eles gostam de ler e descobrir que a existência de alguns gêneros não se
faz de forma ingênua. Gostam de ser alertados. O momento da leitura do conto
também é muito solicitado pela turma”.
Sujeito 6
“Quando termino de ler um livro ou textos escolhidos, eles debatem, dão
opiniões, essa é uma parte bem aproveitável”.
Sujeito 3
“Quando leio para eles textos como o citado acima, gosto de ler e de ouvir os
comentários além de observar as expressões de cada um”.
Sujeito 10
“Inicialmente, são as mensagens reflexivas, os textos e a dinâmica da sala de
leitura que acontece uma vez por semana. E particularmente, gosto muito de ler
para eles e de ouvir os seus depoimentos”.
Sujeito 11
“O debate sobre o texto lido”.
104
Sujeito 8
“Eles comentam que gostam mais quando eu faço a leitura, do que quando
eles lêem sozinhos. Dizem que dou mais vida á leitura, que parece mais cil o
entendimento. Eles gostam de fábulas, contos, histórias micas, como as de Pedro
malasartes”.
Análise sobre a parte que os alunos comentam que mais gostam nas aulas de
leitura na EJA
Nos enunciados em que os professores comentam sobre a parte de que seus
alunos mais gostam nas aulas de leitura, a grande maioria dos sujeitos respondeu
que seus alunos gostam quando fazem a leitura compartilhada, ou seja,a leitura feita
pelo professor, seguida da prática de perguntar as opiniões dos alunos sobre o
texto.
Quando analisamos esses enunciados, percebemos o que nos aponta Fiorin
(2006, p. 21) sobre o fato de que “ neles estão sempre presentes ecos e lembranças
de outros enunciados, com que ele conta, (...) que ele refuta, confirma, completa,
pressupõe e assim por diante”.
Entendemos que se faz necessário analisarmos dois aspectos nesses
enunciados. Em primeiro lugar, o de que por parte dos alunos da EJA uma
tendência de não se valorizarem enquanto aprendizes, afinal carregam consigo
mesmos uma história de vida escolar na qual “eles fracassaram”. As representações
que os alunos que chegam às classes de EJA têm sobre o que é uma boa escola,
marcam esse enunciado. Para o aluno da EJA, a figura autoridade máxima de
saberes na escola é o professor, portanto quando o professor faz a leitura, é a voz
legitimada socialmente para ensinar se pronunciando.
Em segundo lugar, que termos cautela com esse tipo de atividade em que
o professor e, em seguida os alunos dão suas opiniões como demonstrado nas
respostas dos sujeitos, uma vez que como nos alerta Kleiman:
[...] nessa prática a atividade de interpretação” precede à leitura. O
professor queima a etapa de leitura: assim ele não pergunta sobre a
opinião do autor, mas imediatamente sobre a opinião do aluno: o
que você acha substitui perguntas como “o que o autor acha”, “ você
105
acha que o autor está certo?”, “você discorda ou está de acordo com
o autor?” (2000, p.21).
Esse tipo de atividade, segundo a autora, embora não seja apenas de
decodificação, torna-se dispensável, pois revela uma atitude de descaso em relação
à voz do autor, dispensa a etapa de compreensão dessa voz ao solicitar uma
opinião dos alunos após a “leitura” do texto.
3.1.8 Formação Continuada na EJA: Oportunidades Para Reflexão Sobre o
Ensino de Leitura na EJA
Sujeito 3
“Atualmente nenhuma. Não temos mais encontros para discussões voltadas
para a EJA, quanto menos para leitura”.
Sujeito 4
“Sinto muita falta desse tipo de formação continuada. Encontro muita
dificuldade na hora de selecionar textos que de encontro com os interesses da
EJA”.
Sujeito 5
“Sentimos muita falta desse tipo de formação continuada, o mesmo seria de
muita importância, nos norteando (auxiliando)”.
Sujeito 7
“Hoje a formação dos professores da EJA está fragmentada, não focando
este conteúdo na nossa formação”.
Sujeito 11
“Não houve”.
106
Sujeito 13
“Verdadeiramente, não existe uma formação em nenhum assunto para EJA
das que participei na rede e, fora isso, é o professor que precisa buscar algum
curso. Das duas reuniões que participei o assunto foi acerca de um cronograma
anual e outras questões de ordem administrativa”.
Sujeito 14
“Não me lembro de ter oportunidades de frequentar a modalidade de
formação continuada voltada especificamente para discussão e reflexão do ensino
de leitura na EJA”.
Sujeito 10
“No trabalho as oportunidades ocorrem a cada bimestre, na formação
continuada, pois tem sido o ponto relevante no ensino de jovens e adultos.
Particularmente, em eventos educacionais como: encontros de educação de jovens
e adultos e congressos”.
Sujeito 12
“Bimestralmente com reflexões e debates sobre o ensino de leitura”.
Análise sobre as oportunidades de frequentar a Formação Continuada voltada
especificamente para a discussão e a reflexão do ensino de leitura na EJA
Nos enunciados de 80% dos sujeitos de nossa pesquisa, fica evidente a
situação em que se encontra a EJA atualmente, em termos da oferta de uma
Formação Continuada, na qual se discutam as questões voltadas para a leitura. É
perceptível, nas delarações dos sujeitos, o quanto sentem a necessidade desse tipo
de discussão referente a um conteúdo, objeto de ensino e de aprendizagem neste
Segmento educacional, a leitura.
Quanto ao enunciados dos sujeitos 10 e12, acreditamos que o fato de a
pesquisadora compor o quadro de funcionários da Rede Municipal de ensino,
ocupando, atualmente, o cargo de vice-diretora, tenha influenciado suas respostas,
107
pois, como nos aponta Fiorin (2006, p.19), “o enunciador, para constituir um
discurso, leva em conta o discurso de outrem, que está presente no seu. Por isso
todo discurso é, inevitavelmente ocupado, atravessado, pelo discurso alheio”. O fato
de a pesquisadora representar a instituição mantenedora na qual o sujeito exerce a
função docente, pode ter influenciado as respostas desses sujeitos.
3.1.9 Conhecimento Teórico-Linguístico dos Professores e sua Utilização no
Ensino de Leitura
Já estudou sobre gêneros discursivos?
100% dos sujeitos pesquisados dizem ter estudado esse conceito teórico.
Sabe preparar aulas interativas?
100% dos sujeitos dizem saber preparar uma aula interativa.
Faz uso da dialogia nas aulas?
80% dos sujeitos dizem fazer uso da dialogia em suas aulas.
Sujeitos 1 e 2 dizem não conhecer o termo.
Você ensina leitura por meio de gêneros socialmente utilizados?
80% disseram que não.
Você utiliza o discurso não verbal em suas aulas?
26% disseram que não.
Análise sobre o conhecimento teórico e linguístico dos professores e sua
utilização no ensino de leitura
Ao analisarmos os enunciados dos sujeitos ao responderem às questões
expostas acima, observamos a preocupação destes em afirmarem um conhecimento
sobre conceitos teóricos, os quais, muito provavelmente, não fizeram parte da sua
formação acadêmica com exceção de três que fizeram o Curso de Letras e que se
108
formaram nos anos de 2006 e 2007, anos em que a teoria bakhtiniana constava
dos estudos nos componentes curriculares. Os demais sujeitos fizeram sua
Graduação em áreas nas quais a formação linguística não é central ou o ano em
que se formaram no Curso Normal, nem se pensava em discutir tais conceitos.
Mais uma vez, acreditamos que o fato de a pesquisadora ser quem é dentro
do Sistema Municipal possa ter influenciado nas respostas: quem é o meu
interlocutor? Quem vai ler minhas respostas? Qual o lugar social ocupado por meu
interlocutor?
Consideramos, dessa forma, que há, nessas respostas, uma preocupação
com a competência profissional que deve ser comprovada, assunto que vem
atualmente sendo muito debatido no contexto educacional e social, em especial com
relação à leitura.
3.1.10 Instrumentos Metodológicos no Ensino de Leitura
Você trabalha com propaganda?
Você leva e trabalha com jornal em sala de aula?
Você usa poemas e contos?
Os alunos discutem o que leem?
Você mostra como ler imagens no texto trabalhado?
Outros
Análise dos dados sobre o ensino de leitura
Todos os sujeitos responderam SIM aos cinco primeiros itens solicitados,
totalizando 100% de respostas afirmativas. No último item, 2 sujeitos disseram não
ensinar como ler imagens em suas aulas.
Quanto à solicitação sobre a forma como cada professor desenvolve o
trabalho de leitura em sala de aula, colocaremos abaixo alguns excertos desses
sujeitos:
Utilizaremos, para apresentar os excertos, a seguinte sequência:
Propaganda
109
Trabalho com Jornal
Uso de poemas e contos
Discussão dos alunos do conteúdo trabalhado
O professor mostra como ler imagens no texto trabalhado?
Sujeito 6
1- Utilizando como discurso não verbal, panfleto para recorte.
2- Pesquisando as diversas partes do jornal como manchete, propaganda,
gráficos, tempo etc.
3- Poemas, sim como versos, estrofes, rimas, pontuação, contos: contos e
causos regionais, para aproximar literatura no seu cotidiano.
4- Por ser uma turma de mais idade eles tem grande facilidade de assimilar,
temas atuais da temática adulta gerando grande discussão.
5- Faz parte da interpretação.
Sujeito 10
1- “atribuir sentidos às imagens;
analisar as imagens de revistas e propagandas;
criar uma propaganda escrita utilizando imagens;
assistir a uma propaganda televisiva;
reproduzir a propaganda criada na oralidade
montar uma propaganda em grupo ou individualmente;
socializar as criações, a partir de situações.
2- identificar a manchete;
ler e interagir com os colegas;
conhecer os diversos tipos;
recortar a notícia de seu interesse;
elaborar um jornal interativo com noticias populares;
socializar as criações, a partir de situações de troca.
3- incentivar os alunos para que escolham um ou dois poemas, um ou dois
contos e uma ou duas fábulas e leiam em sala de aula;
110
dividir a turma em grupo para apreciarem a leitura e conversarem sobre a
mesma;
cada grupo escolhe um poema, um conto ou uma fábula e dramatiza para a
turma;
criar novos contos e novas fábulas com questões do dia a dia e ilustrá-las;
montar um mural com os poemas, os contos e as fábulas;
organizar com a turma um livro com os poemas, os contos e as fábulas
criadas;
realizar um intercâmbio com os alunos de outras salas da escola.
O diálogo sempre fez parte da dinâmica das aulas, isto é, todos os alunos
falam sobre o que leem e têm a liberdade e confiança em expor suas ideias e
posicionamentos.”
Sujeito 14
Utilizo as propagandas em situações-problema, fazer comparações de
preços, calcularem juros e também para debates sobre as intenções das
propagandas”.
Os jornais são utilizados para selecionar os diversos tipos de texto e descobrir
as modalidades de maior interesse dos alunos. Usados para fazer leituras de
imagens, pois ela antecipa o assunto a ser tratado e leitura da escrita para
debatermos e discutirmos sobre os assuntos. Trabalho também textos de auto-
estima, revistas, cartas, contas de água e luz, dentre outros.
Sujeito 13
“Anúncios/bula de remédio/receita.
Cada gênero tem sua especialidade e o que eu faço é levantar perguntas que
auxiliem os alunos a compreender onde o texto x circula quem participa de sua
construção, a quem se dirigire- público alvo, o proposito comunicativo etc. Isso tudo
se de forma dialógica porque são nas participações orais que eu consigo ter um
feedback
dos alunos que ainda não são alfabetizados e , principalmente, porque o
111
aluno ativo contribui para a construção dos sentidos de todo o grupo. Cada indivíduo
tem sua vivência. Quanto às imagens, é necessário orientar a observarem a cor,
cada elemento presente, a posição, ou melhor, a disposição dos elementos etc.”.
Sujeito 9
Como se trata de sala de AI (agrupamento inicial no processo de
alfabetização), diversas formas de abordagem em leitura foram utilizados
(propagandas, que muitos identificam, jornais, tipos de letras, poemas e outros) indo
da apresentação visual ás discussões de textos lidos para eles”.
Sujeito 7
1. Utilizando como discurso não verbal, panfleto para recorte.
2. Pesquisando as diversas partes do jornal como manchete, propaganda,
gráficos, tempo etc.
3. Poemas, sim como versos, estrofes, rimas, pontuação, contos: contos e
causos regionais, para aproximar literatura no seu cotidiano.
4. Por ser uma turma de mais idade eles tem grande facilidade de assimilar,
temas atuais da temática adulta gerando grande discussão.
5. Faz parte da interpretação
Sujeito 4
“Todas as atividades que realizei com leitura considero importantes, as que
mais gosto são as atividades que despertam o gosto pela leitura”.
Sujeito 15
“Penso que a minha prática de leitura está apropriada pois, consigo despertar o
interesse dos alunos, bem como, torná-los bons manuseadores do dicionário em
busca da palavra desconhecida”.
Sujeito 12
“A leitura de propaganda deve ter objetivo, questionamentos sobre imagem
textos, logotipo, intenções do produto, tipo de consumidor, etc.
O jornal é portador social para EJA , trabalho com notícias, receitas, esportes,
analisando títulos, assunto e o que entenderam do texto em estudo.
112
Os poemas e contos são trabalhados com leituras do professor e
entendimento oral, desenhos e reescrita coletiva. O aluno que consegue também lê.
Os alunos discutem o que leem e gostam de expor suas ideias.
Ensino leitura de imagens com observação de cores, tamanho, tipo de figuras
e outros.”
Dos 15 sujeitos pesquisados, 4 não explicaram como utilizam os itens
elencados no enunciado da questão, os quais serviriam de instrumentos para o
trabalho com a leitura( propaganda, jornal, poemas,contos).
Dos enunciados dos sujeitos que responderam à questão,destacamos as
respostas dos sujeitos 4 , 15 e 9 que nos chamaram a atenção. O sujeito 4, não
explicita como utiliza os instrumentos citados para o ensino da leitura, em suas
aulas, seu enunciado um tanto vago dialoga com um discurso que atualmente é tão
apregoado pela mídia nas campanhas promocionais de leitura. Quando diz que
todas as atividades são boas desde que despertem o gosto pela leitura, seu discurso
se assemelha ao jargão pedagógico: “Para viver e ter prazer é preciso ler o quê?
Não importa, basta que se “leia, leia, leia mais” (ABREU, 2001, p.150).
O sujeito 15 em seu enunciado deixa claro que sua prática não precisa de ser
aperfeiçoada que com ela consegue despertar o interesse de seus alunos. Este
enunciado coloca-se em oposição à necessidade posta para os educadores em seu
ofício que é o conhecimento teórico.Sua fala nega o conhecimento teórico, porém ao
referir-se a questão de tornar seus alunos bons manuseadores de dicionário,
valoriza um aspecto de um conteúdo procedimental que com certeza, embora deva
ser trabalhado com os alunos não abarca a complexidade de um trabalho com a
leitura.
O sujeito 9, reporta-se em seu enunciado à questão do processo de
alfabetização como durante muito tempo foi tratado por nós educadores, ou seja, até
que as crianças tivessem pleno domínio do código da escrita não tínham acesso
aos textos de circulação social em seus respectivos portadores. Isso é evidenciado
quando o sujeito coloca a condição de ser um agrupamento do processo inicial de
alfabetização no qual portanto o foco no elemento visual e nas discussões no oral
são mais adequadas.
Os demais sujeitos marcam seus enunciados com a explicitação de um
trabalho que considera os gêneros textuais no ensino da leitura, demonstrando
113
ter um conhecimento sobre o papel destes no processo de alfabetização como nos
aponta o sujeito
3.1.11 Práticas Positivas no Ensino de Leitura: Passado/Presente/Futuro
Sujeito 1
“Recentemente, ao trabalhar leitura na EJA com o ‘O baião, ‘A feira de
Caruaru’ de Onildo Almeida, algo muito positivo aconteceu, o texto conta com muitos
vocábulos não usados em nossa região, o que dificultam o entendimento.
Entretanto, por felicidade, em nossa sala uma aluna de origem nordestina que
ajudou a ‘traduzir’. Com essa experiência, trabalhamos o regionalismo, o preconceito
do ‘certo’ e do ‘errado ao falar.
Esse ocorrido estimulou-me a procurar textos semelhantes, de outras regiões,
que enriquecem a nossa cultura de mundo”.
Sujeito 2
“Nesse ano de 2009, fizemos a leitura da biografia de Cândido Portinari. Os
alunos se interessaram por suas obras e sua história de vida. Complementando o
trabalho realizamos a releitura de suas obras. Foi uma integração entre disciplinas
(interdisciplinaridade). A arte de se expressar nos vários tipos de linguagem foi
valorizada. A experiência é recente, mas pretendo repetí-la no futuro. Alterações
para melhoramento sempre surgem”.
Sujeito 11
“O trabalho com músicas sertanejas foi muito positivo, pois os alunos
gostavam das letras que fazia parte do cotidiano deles. Isso ocorreu em 2003.
Atualmente realizo o trabalho com músicas, mas o estilo varia de acordo com a
turma”.
Sujeito 14
“Recentemente fiz uma aula de leitura que achei super legal e os alunos
gostaram muito, foi sobre receitas. Eles pesquisaram várias receitas e trouxeram
114
para a sala de aula, depois fizeram leitura sobre elas e vivenciaram na prática,
preparando cada um a sua receita e compartilhando com os colegas”.
Sujeito 10
“Contar histórias tem sido uma prática do início até hoje e pretendo fazê-la
sempre, pois os alunos entram no mundo da imaginação facilmente. Em seguida,
procuramos por meio de diálogo recontar a história, viver as personagens e
reescrevê-la. É interessante observar que quando reescrevemos a história, ela
torna-se mais clara e objetiva”.
Sujeito 9
“Depois de uma produção de texto, como por exemplo, uma carta para um
colega que precisou se afastar. Os alunos demonstravam preocupação e interesse
pelo momento, teve grande proporção, pois cada um expôs seu carinho”.
Análise dos enunciados sobre uma aula de leitura que tenha sido positiva
(vivida em qualquer período pelo sujeito)
Os enunciados analisados apontam para a confirmação de práticas de leitura
que são legitimadas como importantes de serem trabalhadas na escola atualmente.
Isso fica evidenciado nas propostas explicitadas pelos sujeitos, as quais versam
sobre os trabalhos com gêneros discursivos proposta esta que é propagada nos
contextos educacionais, muito embora não apareça detalhada com todos os
elementos e com toda propriedade teórica que esse trabalho requer.
3.1.12 Mudanças ou Permanência nas Práticas Pedagógicas no Ensino de
Leitura na EJA
Sujeito 1
“Tenho sempre a sensação que deveria dispor mais tempo à leitura. Entretanto,
como minha sala é AI, preciso dedicar muito tempo à escrita, inclusive à
115
coordenação motora porque tenho alunos ainda em fase muito inicial, de matrícula
suplementar muito tardia”.
Sujeito 3
“Textos fáceis e de acordos com a realidade madura dos alunos. Não
trabalharia a apostila que é confusa e cheia de “coisas” desnecessárias e que não
condiz com o que é trabalhado. Conversaria as leituras de textos que nós as
professoras providenciamos, xerocando ou digitando”.
Sujeito 6
“Mudaria se surgissem novos recursos, acrescentando no meu modo de
ministrar aulas. Conservaria o que eu julgar dar resultados”.
Sujeito 8
“Acho que na minha prática não mudaria nada, pelo contrário, acrescentaria a
leitura através da internet na escola, mas infelizmente isso não é possivel”.
Sujeito 11
“Não mudaria nada. O trabalho com gêneros discursivos proporciona uma
abertura para o conhecimento e posicionamento do aluno como cidadão crítico”.
Sujeito 13
“Acredito que minha prática tem sido adequada e pretendo continuar com
essa atuação. Foi o que eu aprendi que deve ser feito e tem sido bom para meus
alunos”.
Sujeito 9
“Ter um tempo maior para estar mais próximo dia a dia participando
efetivamente do entendimento do aluno e estar prontamente preparada para saciar
suas dúvidas”.
116
Sujeito 14
“Não sei, teria que conhecer mais propostas para que pudesse repensar
minha prática. Eu conservaria os tipos de leitura que faço, porque ninguém o
que não tem”.
Análise das mudanças e permanências nas práticas de leitura na EJA
Os enunciados sobre possibilidades de mudanças ou de conservação nas
práticas de leitura trabalhadas na EJA desvelam concepções interessantes de serem
analisadas. Os sujeitos pesquisados, ao se colocarem em seus enunciados numa
oposição às mudanças deixam transparecer que aquilo que vem fazendo está bom,
uma vez que o sistema, como eles mesmos apontaram não tem oportunizado que
discutam questões voltadas à leitura, sendo assim é melhor contar com o que têm.
Isso fica bem evidenciado no enunciado do sujeito 14. É perceptível uma resistência
à mudança também no enunciado do sujeito 13, ao usar inclusive uma modalidade
deôntica para expressar aquilo que tem certeza e que lhe foi garantido por outros
meios que não a Formação Continuada, pela falta de conhecimento, os sujeitos nem
imaginam outras possibilidades.
Sujeito 14
“Não sei, teria que conhecer mais propostas para que pudesse repensar
minha prática. Eu conservaria os tipos de leitura que faço, porque ninguém o
que não tem”.
3.1.13 Conteúdo Necessário Para Ministrar Melhores Aulas de Leitura
Sujeito 1
“Como conclui recentemente minha graduação em letras, penso que
aprendizagem para ministrar aulas de leitura esteja em dia”.
117
Sujeito 2
“Eu aceitaria sugestões e troca de experiências com outros professores isso
enriqueceria nossa prática pedagógica”.
Sujeito 3
“Conhecimento maior de diversos gêneros de leitura, material suficiente e
variado”.
Sujeito 4
“Aprender, conhecer novas maneiras de trabalhar com a leitura para tornar as
aulas dinâmicas”.
Sujeito 7
“Ter conhecimento mais específico dos diversos gêneros literários”.
Sujeito 8
“No momento o me ocorre nenhum conteúdo específico. Mas gostaria de
saber sobre técnicas de leitura dinâmica para conseguir atingir o máximo de alunos
possível.”
Sujeito 10
“Assuntos que se referem a técnicas de leitura como: memorização, leitura
dinâmica, e novos projetos de leitura que fizessem a diferença nas salas de jovens e
adultos”.
Sujeito 11
“Gostaria de aprimorar os gêneros discursivos”.
Sujeito 12
“Ensino de leitura de propagandas, notícias, receitas e outros”.
Sujeito 14
“Os conteúdos que mais sinto dificuldade em trabalhar com os alunos de EJA
é o dicionário, sei que ele é de extrema importância na busca do sentido das
118
palavras, mas as letras são taõ pequenas que mal os meus alunos enxergam,então
percebo que eles ficam desinteressados”.
Sujeito13
“Sinceramente, não sei. A sala de EJA tem sido novidade em minha prática
docente”.
Análise sobre os conteúdos que os professores gostariam de ter para
ministrar aulas de leitura que os alunos gostassem ou aproveitassem mais
Nos enunciados analisados, com exceção do sujeito 13, que deixa claro que
devido sua formação ser recente, não necessidade de outros conhecimentos, os
demais sujeitos demonstraram que alguns conhecimentos teóricos seriam muito bem
vindos para uma prática no ensino da leitura.
Percebe-se nos enunciados de alguns dos sujeitos que tem uma necessidade
de conhecer sobre gêneros discursivos embora tenham afirmado ter estudado
sobre estes , resposta esta dada em outra questão.
Fica visível nos enunciados dos sujeitos 4, 8 e 10, que algumas questões
teóricas mereceriam ser discutidas, uma vez que, esses sujeitos fazem menção ao
aprendizado de técnicas de leitura, inclusive a leitura dinâmica como uma forma de
solucionar os problemas relacionados à leitura.
3.1.14 Ações Necessárias Para Ministrar Melhores Aulas de Leitura
Sujeito 2
“Eu aceitaria sugestões e troca de experiências com outros professores. Isso
enriqueceria nossa prática pedagógica”.
Sujeito 4
“Atividades práticas e não somente teorias”.
119
Sujeito 10
“Ações ligadas ao interesse do aluno levando em consideração os diversos
gêneros discursivos”.
Sujeito 13
“Quanto às ações/ estratégias para o público de EJA são um desafio constante,
porque tenho alunos com 60, 70, 80 anos e elas/ eles não gostam de nada muito
diferenciado. As aulas dialogadas são produtivas.
Eles se ajudam, mas da própria carteira. Fazer um grupo ou uma roda “é bem
de vez em quando”. Eles têm a ideia de que a aula é lousa e caderno”.
Sujeito 14
“Na verdade eu gostaria de conhecer mais dinâmicas de grupo que
estimulassem a leitura. Você sabe algumas que possam me ajudar?”.
Sujeito 12
“Atividades práticas do ensino de leitura nos diversos portadores de texto”.
Sujeito 9
“De repente montar um quadro com desenhos feitos por mim, que eles
trouxessem textos de jornais, todos os dias para debates coletivos”.
Sujeito 6
“Ação de interpretar, encenar, envolver e prender sua atenção”.
Sujeito 1
“Pensando em meus alunos de EJA-AI (agrupamento inicial) sinto que me
faltam técnicas específicas para ministrar aulas de leitura para esse público
específico, ou seja, alunos de muita idade, pouquíssimo conhecimento de mundo e
ainda no início do processo de alfabetização. Geralmente são técnicas infantis e elas
ficam inadequadas a eles”.
120
Análise das ações que os professores gostariam de saber fazer para que os
alunos gostassem ou aproveitassem mais
Nos enunciados apresentados como resposta à questão ficou evidenciado
que, os sujeitos ao colocarem suas necessidades de ordem prática desconsideram
a teoria como um instrumento que poderia fazê-los refletir sobre suas práticas.Isso
fica evidente nos enunciados dos sujeitos 4 e 12. Talvez esse seja um problema que
vem muito tempo sendo discutido, o qual diz respeito à separação teoria e
prática.Nessa questão transpareceu nos enunciados a necessidade que esse
professores tem de aprofundamentos teóricos, como nos aponta os enunciados dos
sujeitos 1, 9, 14 e 13.
3.1.15 Exposição de Ideias ou Questionamentos Sobre Leitura na EJA
Sujeito 10
“Que os professores tivessem ainda na graduação aprendizagens de leitura
dinâmica, memorização, técnicas de estudo, motivação, concentração e oratória,
pois, por vezes o professor tem dificuldade em desenvolver projetos de leitura com
os alunos porque também não os vivenciou”.
Sujeito 13
“Só gostaria de manifestar meu agrado pela atenção a este nível de ensino
que parece um pouco deixado de lado”.
Sujeito 9
“Gostaria de expor o quanto é gratificante acompanhar e ver a evolução do
aluno no processo de leitura na EJA”.
Sujeito 3
“Por que sempre acham que o que já existe (textos, materiais...) é o suficiente
para nós professores da EJA quando na verdade temos que fazer muitas
adaptações”.
121
“A questão não é somente leitura, mas toda uma postura de nos incluir em
‘padrões normais’ quando não somos tendo que trabalhar de maneira quase
individual com casos de inclusão entre outras necessidades”.
Sujeito 11
“Gostaria de expor a dificuldade dos alunos para leitura, uma vez que a
alfabetização não ocorreu na época conveniente. Dessa forma, é necessário muita
dedicação para selecionar textos que estejam voltados para sua realidade,
despertando o interesse neles”.
Sujeito 1
“Gostaria de expor o que expus acima, pouco material para ensino de
leitura de adultos”.
Sujeito 14
“O que eu gostaria de expor é que a maioria dos meus alunos de EJA são
idosos e apresentam perda auditiva e visual e os materiais de apoio pedagógico não
atendem às necessidades do grupo”.
Análise da questão sobre o que os professores gostariam de expor a respeito
do ensino de leitura na EJA
Nos enunciados dos sujeitos em resposta sobre o que gostariam d expor
sobre o ensino de leitura na EJA o que percebemos foi um diálogo que manifesta o
quanto esse sujeitos enfrentam suas dificuldades no dia a dia nas salas de aula com
seus alunos e uitas vezes o se sentem atendidos como deveriam.O enunciado do
sujeito 13 deixa isso bem evidente quando manifesta seu agrado por alguém ter se
preocupado com a EJA.
No enunciado do sujeito 3 uma nítida contestação a um discurso que
circula nos contextos educacionais de que ao se garantir uma vaga na EJA
cumpre-se com o estabelecido como de direito a todo e qualquer cidadão que
deseje voltar à escola e cumprir um processo de escolaridade interrompido.
122
O “desabafoda professora, nos conduz a reflexões que vão ao encontro do
que nos aponta (SOARES; GIOVANETTI; GOMES 2007).
As autoras discutem a necessidade de que tenhamos um novo olhar sobre
aqueles que se dispõe a trabalhar com jovens e adultos, pois, essas pessoas assim
como seus alunos, são sujeitos sociais que estão envolvidos num processo que é
muito mais do que uma modalidade de ensino.
O enunciado do sujeito 10, deixa evidente a questão da formação inicial dos
professores, questão essa como sabemos muito discutida nos meios acadêmicos
atualmente, quando concorda que que ter mudanças com relação ao ensino da
leitura já desde o processo inícial de formação dos professores.
123
CONCLUSÃO
Uma pesquisa não se encerra, qualquer que seja o tema abordado, de uma
forma que não possamos revê-lo em outros momentos, de uma outra maneira, com
um outro olhar. Até porque, nós nos fazemos diferentes a cada momento de nossas
vidas; não é o objeto estudado em si que se modifica, e sim nós, e a nossa maneira
de olharmos para esse objeto.
As questões sobre leitura constituem, ao nosso ver, um campo muito vasto,
no qual nos assemelhamos aos leitores citados por Certeau, e “como nômades
circulamos pelas terras de outrem” em busca de novas terras para atingir novos
horizontes num mundo de possibilidades.
Esta pesquisa está prestes a ser concluída, mas, temos a nítida sensação de
que seria esse o momento oportuno para começá-la, de outra maneira, com novas
ideias. Esse é, enfim, o processo dialético a ser vivido por todo ser humano: “o da
tese”, “da antítese” e da “síntese”, para em seguida recomeçarmos, num eterno
processo de ação-reflexão-ação, sobre o qual, atrevemo-nos até a dizer, se afigura
uma questão da ontogênese.
É chegada a hora de respondermos às perguntas que nos colocaram no
caminho para esta pesquisa. Nossa análise mostrou-nos como resposta a nossa
primeira pergunta de pesquisa que as práticas de leitura vividas na escolaridade
básica pelos professores da EJA confirmaram a primeira teoria estudada nesse
trabalho: a leitura vista como um processo de decodificação. Os pontos
evidenciados por esses professores, nos modelos que adotavam essa concepção de
leitura, dizem respeito, em primeiro lugar, ao seu caráter impositivo. Sobre esse
aspecto, gostaríamos de ressaltar a visão de leitura como um instrumento de
avaliação e controle; ler para fazer fichamentos e resumos. Um outro ponto
destacado nas memórias dos professores diz respeito à forma como se dava o
aprendizado da língua, como já foi anteriormente apontado por Braggio (1992);
como uma habilidade que, para ser desenvolvida, requer do indivíduo fazer uma
associação de forma passiva e mecânica, repetitiva e imitativa, em que a técnica de
ler e escrever prevalece sobre a compreensão e o significado.
Nessa concepção, cabe ainda ressaltar o destaque dado pelos professores à
sobrevalorização do none literário como a única leitura a ser realizada,
124
descaracterizando a função dessa prática no contexto social, dentro do qual
sabemos ser a leitura caracterizada pela pluralidade.
Quanto às práticas de leitura vividas por esses professores no período do
Curso Normal, não foram muito diferentes das vividas no período de sua
escolaridade básica. Prevalece a concepção de leitura como um processo de
decodificação, sendo acentuada a valorização da leitura literária. Ressaltamos que,
no período relatado pelos professores com relação ao Curso Normal, os estudos
sobre a teoria interativista vinham ganhando terreno nas discussões dos
pesquisadores da área da Linguística e da Psicologia, porém, os conceitos
fundantes desses estudos, pelo que avaliamos nesse trabalho, não chegaram à
sala de aula. Alguns princípios desse referencial teórico aparecem nos depoimentos
dos nossos professores quando mencionam a importância dos conhecimentos
prévios para a construção de significados ao ler, mas isso acontece apenas com três
professores que tiveram formação no Curso de Letras, curso esse que lhes garantiu
um embasamento teórico diferente dos demais.
Os relatos sobre as práticas de leitura vividas no processo de Graduação
revelaram, da parte de alguns professores, certa valorização quanto ao papel do
professor em sua função de mediador no processo de aprendizagem da leitura, uma
vez que alguns dos seus professores conseguiram mostrar-lhes, por meio desta
mediação, uma outra faceta do trabalho com a leitura literária. A preocupação com
qualquer processo de compreensão não é percebida nos relatos dos professores
pesquisados no período em questão; ainda se mantém uma prática de avaliação de
leitura sem que se estabeleçam objetivos para a mesma, que não os
mencionados. Considerando que muitos dos professores acabaram seus cursos no
período de 1990 a 2000 e que alguns conceitos teóricos de abordagem
sociocognitiva vinham sendo discutidos pelos estudiosos da linguagem,
somente um enunciado no qual percebemos uma menção ao processo de
compreensão por meio de inferências; portanto, não são relatadas mudanças
significativas no trabalho com a leitura para esse grupo de professores.
Quanto a nossa segunda pergunta de pesquisa, consideramos que ainda
nas práticas dos professores, atualmente, algumas concepções teóricas da leitura
como um processo de decodificação, e, embora estas sejam refutadas em suas
memórias, elas estão presentes em algumas atividades apresentadas.
125
Encontramos em maior mero as práticas que, se não estão totalmente
definidas, estão delineadas entre as concepções interativista e sociocognitiva de
leitura. Vale ressaltar que alguns professores também desenvolvem um trabalho
com gêneros discursivos, ainda que o tenhamos feito um aprofundamento teórico
sobre esse conceito, pois não era esse nosso objetivo neste trabalho.
Com relação à nossa última pergunta de pesquisa, podemos dizer que
algumas práticas de leitura dos professores da EJA, atualmente, estão marcadas por
novos entendimentos sobre a leitura, não com todos os saberes teóricos que
julgamos necessários para dar conta da complexidade desse tema, porém com
saberes “híbridos”, se assim pudermos chamá-los: alguns professores com mais
saberes teóricos e outros com mais saberes de experiência.
Os professores que, a princípio, manifestaram certa resistência com relação a
pronunciarem-se sobre os saberes que julgavam ser mais necessários para dar
melhores aulas de leitura, na pergunta seguinte manifestaram suas necessidades,
não necessariamente teóricas, mas de toda ordem, como num desabafo de quem
precisa ser cuidado.
Acreditamos que esse grupo de EJA é um grupo que precisa ser trabalhado
nas questões teóricas sobre leitura, porém com profissionais que tenham como
ponto de partida suas práticas.
Considerando os moldes de Formação Continuada que vêm acontecendo
atualmente na Rede Municipal de Ensino de Taubaté, como anteriormente
mencionado neste trabalho, e o espaço do Horário de Trabalho Pedagógico-HTPC,
atividade que começou a ser desenvolvida somente em 2008, os professores ainda
não conseguem discutir mais especificamente as questões sobre a leitura devido ao
tempo que é dividido para a discussão de diversos assuntos referentes à escola e
que, sem dúvida, são também de extrema importância, bem como as
especificidades do trabalho com a EJA.
Isso fica visivelmente marcado nas falas de alguns professores quando têm
oportunidade de se manifestar e falar de suas necessidades:
“Por que sempre acham que o que já existe (textos, materiais...) é o suficiente
para nós professores da EJA, quando na verdade temos que fazer muitas
adaptações?”.
126
“A questão não é somente leitura, mas toda uma postura de nos incluir em
‘padrões normais’, quando não somos, tendo que trabalhar de maneira quase
individual, com casos de inclusão, entre outras necessidades” (Sujeito 3).
O “desabafo” dessa professora conduz-nos a reflexões que vão ao encontro
do que nos aponta (SOARES; GIOVANETTI; GOMES 2007).
As autoras discutem a necessidade de que tenhamos um novo olhar sobre
aqueles que se dispõem a trabalhar com jovens e adultos, pois, essas pessoas,
assim como seus alunos, são sujeitos sociais que estão envolvidos num processo
que é muito mais do que uma modalidade de ensino. Essas pessoas estão
envolvidas em movimentos sociais e culturais que ultrapassam a necessidade de
garantir somente a continuidade de seus estudos. É uma luta feita por sujeitos
sociais engajados em movimentos que extrapolam os muros da escola.
As colocações feitas pelas autoras coadunam-se com as ideias discutidas por
Arroyo (2007) sobre formas como a EJA vem sendo tratada por parte das políticas
públicas ao longo de décadas, sinalizando o quanto esse olhar ainda precisa ser
revisto, pois a coloca como um campo de ensino merecedor de inserção escolar,
porém que necessita ainda caminhar no sentido de perceber quem são os jovens e
adultos que compõem os grupos da EJA atualmente.
Para Arroyo (2007), uma reconfiguração da EJA será garantida na medida
em que os jovens e adultos forem de fato sujeitos de direitos, encarados não
somente sob a ótica de universalização do ensino fundamental, mas como aqueles
que têm garantida uma nova oportunidade de estudos, à qual não tiveram acesso no
ensino regular”. Um novo olhar implica enxergar os jovens e adultos para além de
suas carências e lacunas escolares, para vê-los como sujeitos que têm amplas
lacunas impostas pela sociedade. Esses sujeitos sociais e culturais vivem, na
sociedade atual, as condições do desemprego, da violência, em situações de
opressão e exclusão.
Almejamos que, de alguma forma, esta pesquisa venha a contribuir para
estudiosos dispostos a dar sua contribuição para este segmento educacional,
enquanto ele fizer parte dos sistemas de ensino.
Ansiamos pelo dia em que as salas de EJA não mais existam nos padrões em
que hoje se encontram. Que a educação permanente se efetive enquanto direito de
cada cidadão, e não devido ao fracasso da escola para com os alunos que recorrem
a esse segmento.
127
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