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Foram-se para sempre os Shang, os Chou, os Chin, os
Souei, os Tang, os Sung, os Yuan, os Mings, e os Chiangs, três
milênios de dinastias, de grandezas e misérias em que a China nem
parecia da terra e nem dos céus e nem dos chineses. Era tudo sem
ser nada: ignota, anônima, indecifrável. O mundo forçou as suas
muralhas, penetrou em suas cidades, galgou as suas montanhas,
desceu aos seus vales, subiu os seus rios e sobrevoou a sua imensidade
para poder ver, desvendar e conhecer a sua vida, as suas grandezas,
misérias e riquezas, que passou a explorar com sua cobiça, impiedade
e poder.
A China foi, então, transformada em terra de todos e
cada vez menos dos chineses. Ela já conhecera antes a ferocidade
das invasões bárbaras, que enfeixara dentro de suas muralhas, para
absorvê-las, como fez, através de séculos de atribulações. Esta,
porém, vinha do mar, do ar, e tinha instrumentos desconhecidos
dos chineses, que não iam além do compasso, da pólvora e do
papel. E sobretudo tinha idéias que a cultura e a civilização milenar
dos chineses, perdida em abstrações, não tinha sabido imaginar,
conceber e construir. Mas teriam que aprender a combater para
sobreviver. E estão aprendendo com suor, sangue e lágrimas, como
têm que aprender os povos.
É este o drama de hoje dos chineses. Foi este o espetáculo
que deslumbrou, Maria, a tua sensibilidade e provocou em teu
generoso espírito essa admiração pelo momento decisivo que está
vivendo esse grande povo, que não quer deixar de ser grande e de
ser povo, e de ser chinês. O teu livro, como tantos, incluídos os
escritos entre nós sobre a China, é uma advertência e uma mensagem.