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de traição. Freyre, em Casa Grande e Senzala, esclarece com exemplos o que ocorreu em
algumas famílias:
O Coronel Fernão Bezerra Barbalho, senhor do engenho da Várzea, no lugar
que hoje chamam “matança”, homem de maus bofes, deixando-se levar por
enredos de um escravo que fugira, para desviar o castigo que a senhora lhe
mandara dar, por crimes que havia cometido na ausência do senhor, não teve
dúvida em assassinar a mulher e as filhas. “Acompanhado de seu filho
primogênito e de alguns escravos caminhou apressado pela Várzea, chegou a
sua casa, e tomadas as portas da rua, subiu”. Foi uma matança horrível. Só
escapou à morte uma filha – justamente a mais alvejada pelo escravo
enredeiro. E quem a salvou da ira paterna foi outro escravo, talvez sua mãe
preta. Fernão Bezerra foi preso e remetido para Relação da Bahia, onde em
público cadafalso pagou com a cabeça coberta de cãs, as leviandades e os
desatinos do seu errado juízo
(FREYRE 2004, p. 511)
.
Outra vingança familiar, bárbara, é apresentada por Freyre:
Foi também uma escrava, aliada à terrível sogra, que causou, em
Pernambuco, o assassinato de Dona Ana, moça de “rara formosura”, diz o
cronista, filha do sargento mor Nicolau Coelho e Mulher de André Vieira de
Melo. A escrava contou a mãe de André Vieira de Melo que Dona Ana
“dava furtivas entradas a João Paes Barreto que com sacrílego desprezo do
sacramento e de tão autorizadas pessoas injuriava o thalamo conjugal. André
Vieira de Melo quis desprezar as notícias. Mas tal foi a insistência de sua
mãe e de seu pai que acabou mandando matar João Pais Barreto e envenenar
a esposa. Dona Ana, antes de tomar o veneno pediu que lhe trouxessem um
padre para se confessar e um hábito de São Francisco para se amortalhar.
Confessou-se e amortalhou-se. Deram-lhe então o veneno. Desconfiado da
eficácia da potagem, deram-lhe outra. O resultado foi o segundo veneno
desfazer os efeitos do primeiro. De modo que Dona Ana só veio a morrer
depois, do “golpe de hum garrote que lhe deu a sogra”, na garganta. “É
fama constante que, passado anos, abrindo-se a sua sepultura se achava seu
corpo fragrante e incorrupto’, diz-nos Loreto Couto
(FREYRE 2004, p.
511).
Com o que acabamos de observar no relato de Freyre, o adultério era motivo de morte,
tanto ao homem quanto à mulher, pela família desonrada. Mas, também percebemos o nível
de instabilidade de que estavam acometidas as jovens senhoras que, por qualquer intriga,
poderiam perder a vida. Observamos, também, que, no texto, há uma clareza da honra, da
humildade e da devoção, bem próprias ao modelo de mulher desse período. Como vimos,