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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS
UNIDADE ACADÊMICA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
NÍVEL MESTRADO
Sherol dos Santos
APESAR DO CATIVEIRO.
Família escrava em Santo Antônio da Patrulha (1773-1824).
São Leopoldo
2009
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Sherol dos Santos
APESAR DO CATIVEIRO.
Família escrava em Santo Antônio da Patrulha (1773-1824).
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação em História da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(UNISINOS) como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em História.
Orientador: Paulo Roberto Staudt
Moreira.
São Leopoldo
2009
Catalogação na publicação: Bibliotecário Flávio Nunes, CRB 10/1298
S237a Santos, Sherol dos.
Apesar do cativeiro: família escrava em Santo Antônio da
Patrulha (1773-1824) / Sherol dos Santos. – 2009.
179 f. : il. ; 30 cm.
Dissertação (mestrado) – Universidade do Vale do Rio
dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em História, 2009.
“Orientador: Paulo Roberto Staudt Moreira.”
1. Rio Grande do Sul História. 2. Escravidão Santo
Antônio da Patrulha (RS) – História. 3. Escravos – Santo
Annio da Patrulha (RS) Relações com a família
História. I. Título.
CDD 981.65
CDU 94(816.5)
Sherol dos Santos
APESAR DO CATIVEIRO.
Família escrava em Santo Antônio da Patrulha (1773-1824).
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação em História da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(UNISINOS) como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em História.
Aprovada em 06 de abril de 2009.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________
Prof. Dr. Paulo Roberto Staudt Moreira (orientador)
Universidade do Vale do rio dos Sinos
_________________________________________
Prof. Dr. Fábio Kühn
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
_________________________________________
Profª. Drª. Ana Sílvia Volpi Scott
Universidade do Vale do rio dos Sinos
A Vó Cecília (in memoriam) e a Vó Santa,
pelo amor e dedicação.
A Tia Emídia e a minha Mãe Marta,
pelo exemplo.
Ao Cristiano, meu Amor,
por ter me achado e posto no prumo.
AGRADECIMENTOS
Existe uma centena de pessoas a quem devo agradecer, mas quero começar
pelo meu “cúmplice” nesse crime chamado dissertação: Meu Amado Mestre Paulo
Moreira. Quando eu conheci esse ilustre cidadão estava a beira do abismo, ia desistir
da História. Não parecia haver nenhuma vantagem em continuar a trilhar um
caminho tão penoso que é o acadêmico. Mas, numa mesinha escondida entre as
estantes do Arquivo Histórico, encontrei o Paulo acompanhado de um chimarrão e
um sorriso. A partir daquele momento lembrei o porquê da decisão na hora do
vestibular. A vida pode não ter ficado mais fácil depois disso, mas com certeza ficou
muito mais divertida. E por tudo isso acho que nunca vou poder retribuir a altura:
obrigada do fundo meu coração Paulo.
Nesse tortuoso caminho acadêmico que escolhi mais um monte de gente
esteve ao meu lado e merece menção aqui: dos primeiros tempos de graduação o
Jonas Moreira Vargas; da turma de graduação que me acolheu, Gustavo Coelho, Irma
Bueno, Rafael Quinsani, Luciana Boeira, Eliete Tiburski e Ângela Dargen; da turma
da escravidão que conheci mais adiante, Vinícius Pereira de Oliveira, Rodrigo
Weimer, Caiuá Al-Alam, Jovani Scherer, Jônatas Carati, Melina Kleinert, Fernanda
Oliveira; da minha incursão ao mundo quilombola meu antropólogo predileto
Cristian Salaini; na reta final duas pessoas tiveram a honra de assistir meu sofrimento
e foram vítimas de minhas noites insones: Éverton Quevedo e Letícia Castro,
obrigada pela paciência; e para encerrar o item amigos do peito: Daniela Vallandro e
minha pequena grande amiga Gláucia Lixinski.
Sei que devo ter esquecido de alguém, então aos esquecidos meu agradecimento
também!
Merece mais do que agradecimento e sim uma Menção Honrosa a incrível
Janaína Trescastro, secretária e alma do PPGH da Unisinos. Reverenciar a
competência e simpatia dessa criatura tão especial com certeza virou clássico nos
agradecimentos, por isso engrosso o coro: Jana Maravilha, nós gostamos de você...
Agradeço também aos fiéis escudeiros que tomam conta de nossos tesouros:
Jorge do APERS; Vanessa da Cúria, Giselle e equipe do Centro de História da Família
(Mórmom) da Princesa Isabel.
E tem gente que me acompanha desde sempre, e mesmo sem entender porque
diabos escolhi fazer mestrado em história me deram total apoio, ou seja, tenho que
citar a minha família: a parte extensa, Sogrão Flávio e Sogrona Zilá, meus cunhados
Denílson, Nilza, Cláudia e Nito, e é claro meus concunhados, Régis, Eduardo e
Inajara, e sobrinhos amados, Bruna, Vitor, Vinícius, Mateus, Miguel e Francisco; o
agregado mais amado do Brasil, meu padrasto Dirlei (também conhecido como
Budinha da Felicidade”); como não podia deixar ser tenho uma penca de primos, ou
melhor, primas (minha família é completamente matriarcal!) Renata, Fau e Carla vão
aqui representando todos; e todos os ilustres componentes da a incrível Comunidade
da Laje, Renata Kling, Adriana, Renato, Vagner, Josiel e etc. E especial abraço ao meu
pai Hércio, fica o agradecimento pelo incentivo a leitura desde sempre.
Um agradecimento especial vai pra minha Ermã Desirée, e também um
pequeno lembrete: tu me passou e se formou primeiro? Ok. Mas quem é Mestre
primeiro??? É neguinha, vais ter que comer muito feijão!!!
Outro agradecimento especial tem que ser direcionado ao meu maridão
Cristiano. Ele me incentivou, entendeu e agüentou em todas as fases desse mestrado:
suportou minha ausência, arrumou meu computador, agüentou meu desemprego e a
meia bolsa, leu o texto, teve paciência, me ajudou com os cálculos, fez comida (e não
qualquer comida!), me viu chorar e rir, e, depois de tudo isso ainda continuou ao
meu lado. Acho que nem preciso dizer que amo este homem com todo meu espírito,
já amava antes dessa etapa, mas agora se tornou divino.
Dediquei esse trabalho a quatro mulheres incríveis que me fizeram chegar até
aqui: a minha avó Cecília, que já nos deixou em matéria e a quem devo a falta
completa de tato, o bom humor e o sangue quente polaco; a minha Santa, a quem
devo a vaidade, os bons modos e a descendência africana; a minha tia Emídia, segunda
mãe e exemplo de dignidade e bondade sem limites, e a minha Mãe.
A minha Mãe, a ilustre Marta Janete devo agradecer pela simples fato dela
existir. Poderia citar mais de um milhão de coisas maravilhosas que ela fez por mim
(entre elas me pôr no mundo e ligar todos os dias – sim, eu disse todos os dias – pra se
certificar de que estou nele ainda), mas a lista se estenderia ad infinitum sem que
pudesse dar conta de agradecer, então cheguei a conclusão que o simples fato da
Minha Mami existir é uma dádiva e é a isso que tenho que agradecer.
Mãe, te amo, te admiro e me orgulho de ti. És a base de todas essas linhas.
Eu não vivo no passado, o passado vive em mim.
Paulinho da Viola
RESUMO
As relações escravo-senhor sempre geraram controvérsias na historiografia. Mais
“conservadores” ou não todos admitem que por mais “severo” que o sistema
escravista possa parecer, não podemos excluir o movimento de seus agentes.
Nenhuma trajetória, seja ela individual ou de grupo, pode ser analisada a partir de
suas normas. Normatizar as atitudes dos indivíduos, fazendo com que eles percam
seu caráter de destino individual e passem a ter comportamentos típicos de um
determinado grupo, nos impede a tentativa de reconstruir contextos históricos e
sociais. Com base nestas premissas se desenvolve este trabalho, que busca perceber
como os primeiros povoadores do Rio Grande, estabelecidos na região de Santo
Antônio da Patrulha, se relacionavam com seus escravos. E pretende analisar a
comunidade negra (cativa ou não) da região que abrangia a freguesia de Santo
Antônio da Patrulha, no período de 1773 a 1824, enfocando o estabelecimento de
laços familiares e a constituição de redes de parentesco. Trataremos com destaque as
relações que se afirmavam através do compadrio, acreditando ser esta uma das
principais estratégias utilizadas por estes agentes para se movimentar entre o
universo cativo e livre, e sedimentar relações de solidariedade, principalmente
étnicas. Utilizaremos como fonte primária os registros paroquiais desta comunidade,
com base nos preceitos teórico-metodológicos da história social, que a nosso ver
permite o cruzamento de variáveis quantitativas e uma abordagem do universo
cultural dos agentes enfocados.
Palavras-chave: Escravidão. Família escrava. Compadrio.
ABSTRACT
The relations between slave and Mr. had always generated controversies in the
historiografia. Some more “conservatives” then others, everybody admits that for
more “severe” the escravista system seems to be, we cannot exclude his agents
movement. No trajectory, either individual or in group, can be analyzed from its
norms. Restore to normal the individual attitudes, making tham loosing its
individual character of destination and start to have typical behaviors of a defined
group, prevents the attempt to reconstruct historical and social contexts. Based in this
premisses this work has been desenvolved, searching to perceive how the first
settlers of the Great River, established in the region of Saint Antonio of the Patrol, has
related with their slaves. This work also intends to analyze the region that enclosed
the clientele of Saint Antonio of the Patrol black community (captive or not), in the
period of 1773 the 1824, focusing the familiar bows establishment and the kinship
nets constitution. We will point out the relations affirmed through the compadrio,
believing this to be one of the main strategies used for these agents to put themselves
into motion between the captive and the free universe, and to sediment solidarity
relations, ethnical mainly. We will use as primary source the parochial registers of
this community, based in the theoretician-methodological rules of the social history,
that in our vision, allows the crossing of quantitative variables and an aboarding of
the focused agents cultural universe.
Word-key: Slavery. Enslaved family. Compadrio.
LISTA DE FIGURAS.
Figura 1 – Avós e Pais de Inácio de Mendonça e Silva................................................... 96
Figura 2 – Árvore genealógica de Inácio José de Mendonça....................................... 108
LISTA DE TABELAS.
TABELA 1 – ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL DE VIAMÃO – 1751.................................................63
TABELA 2 – MANOEL DE BARROS PEREIRA COMO PADRINHO........................................81
TABELA 3 – ANTÔNIA GONÇALVES DE FONTES COMO MADRINHA.............................91
TABELA 4 – PAIS E MÃES PARDOS – FREGUESIA DE SANTO ANTÔNIO – 1773-1824 ....99
TABELA 6 – FILHOS DE MANOEL GONÇALVES RIBEIRO E ANTÔNIA INÁCIA DE
MENDONÇA.....................................................................................................................................112
TABELA 7 – MANOEL GONÇALVES RIBEIRO E ANTÔNIA INÁCIA DE MENDONÇA
COMO PADRINHOS. ......................................................................................................................114
TABELA 8 – FILHOS DE INÁCIO E MARGARIDA COMO PADRINHOS............................116
TABELA 9 – REGISTROS DE CRISMAS 1783 E 1800..................................................................120
TABELA 10 – PROCEDÊNCIA DOS ESCRAVOS MENCIONADAS NAS CRISMAS...........121
TABELA 11 – NAÇÕES AFRICANAS MENCIONADAS NAS CRISMAS ..............................121
TABELA 12 – LIVROS DE REGISTROS DE BATISMOS DA FREGUESIA DE SANTO
ANTÔNIO DA PATRULHA...........................................................................................................136
TABELA 13 – BATIZADOS DE CRIANÇAS ESCRAVAS REGISTRADOS FORA DO LIVRO
ESPECÍFICO.......................................................................................................................................136
TABELA 14 – CONDIÇÃO JURÍDICA DOS BATIZADOS EXPRESSA NO LIVRO
ESPECÍFICO.......................................................................................................................................137
TABELA 15 – CONDIÇÃO DAS MÃES LIVRO 1E .....................................................................137
TABELA 16 – PAIS DE CRIANÇAS ALFORRIADAS NA PIA..................................................141
TABELA 17 – STATUS DOS BATIZADOS....................................................................................146
TABELA 18 – COMBINAÇÕES DE PAIS DE CRIANÇAS LEGÍTIMAS..................................147
TABELA 19 – CASAIS NATURAIS COM FILHOS INOCENTES...............................................148
TABELA 20 – COMBINAÇÕES DOS CASAIS..............................................................................151
TABELA 21 – CONDIÇÃO JURÍDICA DOS PADRINHOS .......................................................152
TABELA 22 – PADRINHOS DE BATIZANDOS ADULTOS......................................................154
TABELA 23 – PADRINHOS DOS FILHOS DE MANOEL DE LIMA E MARIA FRANCISCA
..............................................................................................................................................................155
TABELA 24 – AFILHADOS DE JOAQUIM, ESCRAVO DE ANTÔNIO MACHADO GOMES
..............................................................................................................................................................159
TABELA 25 – FILHOS DE TOMÁS E CATARINA, ESCRAVOS DE ANTÔNIO JOSÉ LOPES
..............................................................................................................................................................160
TABELA 26 – AFILHADOS DE TOMÁS E CATARINA.............................................................161
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS.
ACDO – Arquivo da Cúria Diocesana de Osório
AHCMPA – Arquivo Histórico da Cúria Metropolitana de Porto Alegre
AHRS – Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
ANRJ – Arquivo Nacional do Rio de Janeiro
APERS – Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul
RAPM – Revista do Arquivo Público Mineiro
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................................13
1. PAISAGENS CONTINENTISTAS: A OCUPAÇÃO DOS CAMPOS DE VIAMÃO.
..................................................................................................................................................18
1.1.
R
IVALIDADES IBÉRICAS NO
N
OVO
M
UNDO
:
CONQUISTA E SUBMISSÃO DAS
A
MÉRICAS
.
..............................................................................................................................................18
1.2.
C
OM SEUS HOMENS E ESCRAVOS
:
A EXPANSÃO RUMO AO SUL DA
C
OLÔNIA
PORTUGUESA NO
B
RASIL
......................................................................................................26
2. BASTARDO, TROPEIRO E PARDO: INÁCIO JOSÉ MENDONÇA E A
FORMAÇÃO DA FREGUESIA DE SANTO ANTÔNIO DA PATRULHA..................72
3. APESAR DO CATIVEIRO: FAMÍLIA ESCRAVA EM SANTO ANTÔNIO DA
PATRULHA..........................................................................................................................124
3.1.
A
FAMÍLIA ESCRAVA É POSSÍVEL
?................................................................................124
3.2.
F
AMÍLIAS CATIVAS NA FREGUESIA DE
S
ANTO
A
NTÔNIO DA
P
ATRULHA
. .................133
CONCLUSÃO......................................................................................................................163
REFERÊNCIAS.....................................................................................................................165
ANEXOS ...............................................................................................................................177
INTRODUÇÃO
Se existe uma palavra que, ainda nos dias de hoje, parece
acompanhar a questão do negro em geral (e do escravo em particular)
como uma assombração na historiografia produzida no Rio Grande
do Sul, esta é invisibilidade. Esta é a histórica realidade de uma
porção sempre considerável da população do Brasil meridional que,
de maneira ambígua, estava presente nas estatísticas coloniais e
imperiais, porém encontrava-se em situação ironicamente
transparente para os historiadores. Citando um jornalista peruano
que romanceou uma série de revoltas camponesas ocorridas nos
Andes, podemos dizer que os escravos sulinos “eram invisíveis
porque não queriam vê-los”. Afinal, na maioria das vezes que
enaltecemos nosso regionalismo, que nos descreve como mais
politizados, alfabetizados e trabalhadores do que o restante do país,
justificamos tal situação com nossas heranças e raízes européias. É
como se um ranço etnocêntrico nos cercasse como um miasma e
voltássemos as costas para o continente africano. A impressão que
temos é que nossa auto-representação regional seria denegrida se
déssemos algum tipo de realce a presença histórica do negro no Rio
Grande do Sul. Desse modo, mesmo que tenhamos alguns
trabalhos importantes sobre o assunto, percebemos entre eles, via de
regra, lacunas temporais consideráveis, que indicam a falta de
continuidade e insistência na realização de pesquisas sobre o
escravismo.
1
Este trecho resume bem a intenção desse trabalho. Almejamos visibilizar parte
do contingente populacional do Brasil Meridional, composto de africanos e seus
descendentes, inseridos nesta sociedade como forros, escravos ou libertandos. Sem
ambição de ser definitivo ou total, esse trabalho terá atingido seu objetivo se puder
ensejar novos trabalhos sobre o tema.
Não será feita aqui uma análise demográfica, apesar das fontes escolhidas se
prestarem a esse fim. Optamos por uma análise social, que leve em conta os aspectos
quantitativos sem descuidar do qualitativo. Procedemos ao levantamento de todos os
registros de batismos existentes para a freguesia de Santo Antônio da Patrulha no
período entre 1773 e 1824 e deles tentamos extrair informações sobre as redes de
1 MOREIRA, 2007, p. 11.
14
solidariedade que através do batismo eram celebradas. Sem perder de vista os
aspectos religiosos que ensejaram a produção da fonte, nosso interesse focou os seus
desdobramentos sociais. Por tratar-se de manuscritos que não contam com o
armazenamento adequado, o estado de conservação das fontes impôs algumas
restrições a pesquisa. Não foi possível realizar o levantamento dos registros de
casamentos e muitas informações perderam-se entre buracos de traças e cupins.
Essa situação poderia ser justificativa para que não fizéssemos uma análise
puramente demográfica, mas não o foi. Se não fizemos foi por dois motivos
razoavelmente simples: em primeiro lugar, acreditamos que para realizar uma
análise demográfica consistente é necessário que o pesquisador domine certas
ferramentas e técnicas que nós ignoramos; em segundo, optamos deliberadamente
por uma análise social, que levasse em conta os fenômenos históricos e seus micro-
impactos no universo imediato dos agentes. A verdade é que não nos furtamos
nem poderíamos de recorrer aos textos dos historiadores demógrafos sempre que
possível, mas não nos sentimos aptos a ser incluídos neste grupo.
Este trabalho, entretanto, traz evidenciado um pertencimento, mesmo que
fluido e prenhe de encruzilhadas, como todas as identidades. Sentimos que estamos
inseridos em um esforço de renovação historiográfica que tem investido em um
entrecruzamento de temáticas e fontes por vezes assustadora. Trata-se, a nosso ver,
de uma história social que tem abarcado objetos díspares, através do diálogo entre
fontes documentais diferenciadas.
2
Mesmo que os objetos, as temáticas, sejam variadas, parece-nos que o item
família, e o parentesco em suas várias formas, tem se constituído como um ponto
nodal no entendimento das formações histórico-sociais. Isso justifica nossa
aproximação com os pesquisadores da história demográfica, que já sabiam disso
2
Em termos nacionais, podemos citar, além de muitos outros os autores: Hebe Mattos, Silvia Hunold
Lara, Robert W. Slenes, Stuart Schwartz, Cristiany Miranda Rocha; em termos regionais nos sentimos
próximos de Fábio Kühn, Martha Hameister, Tiago Gil, entre outros.
15
muito antes! Famílias, redes, estratégias, são noções que manusearemos com
acuidade ao longo da presente dissertação.
Nesta fronteira em movimento dos setecentos em que a precariedade material e a
instabilidade bélica (forjada pelos antagonismos das Coroas Ibéricas) se faziam sentir
cotidianamente, um número dificilmente contabilizável de pardos visualizaram
possibilidades de garantir sua sobrevivência e mesmo, quem sabe, ascensão social.
Estes investimentos, estas apostas em novas vidas, seriam impensáveis nos
setecentos no plano unicamente individual. Eram, certamente, empreendimentos
familiares.
Eram os bandos, as parcialidades, que desciam para os Campos de Viamão, e
que não constituíam meros aglomerados humanos, mas núcleos entremeados de
relações familiares e individuais. Nesta fronteira em movimento, caracterizada pela
pluralidade étnica, qualquer momento da vida miúda destes indivíduos poderia (e
deveria) ser aproveitado para amenizar a inconstância generalizada em que viviam.
Criar raízes, no caso dos ajuntamentos humanos, não significa apenas assentar as
bases de uma produção material ligada ao solo, mas entreter relações que possibilitem
amparo afetivo, alianças confiáveis.
O nosso lócus de investigação é a região de Santo Antônio da Patrulha, dos
finais do século XVIII as primeiras décadas do XIX. Como esperamos que fique claro
ao longo do trabalho, nosso marco cronológico, em grande parte, é ditado pelas
fontes, o que não denota um empirismo descontrolado, mas a consideração de que as
fontes privilegiadas de nossa análise as eclesiásticas nos possibilitam uma
aproximação das ações significativas dos agentes em análise, mas que também a sua
existência nos dá pistas de que se gestava naquela região um núcleo com certa
estabilidade.
Mirar esta região do litoral norte com densidade foi possível graças a
influência que sofremos da micro-análise. A diminuição de escala, uma das
16
características fundamentais da micro-história italiana
3
, nos ajuda a valorizar os
pequenos detalhes cotidianos. Sucintos rituais tomam significado. Registros de
batismo nos desvendam redes sociais, táticas de ampliação e reforço de alianças,
representações dos contemporâneos sobre os indivíduos enfocados.
No primeiro capítulo indicaremos o cenário: o Rio Grande colonial e sua
inserção na Colônia portuguesa. Nossa intenção foi incluir neste cenário, tantas vezes
descrito pela historiografia regional, os escravos e seus descendentes, mostrando que
esse foi uma terra de promissão para estes indivíduos, um local a ser construído que
contou com a contribuição também desses agentes. No segundo capítulo procuramos
entender como esse processo de territorialização e incorporação do espaço à Colônia
portuguesa fixou os primeiros povoadores na freguesia de Santo Antônio da
Patrulha, destacando-se entre eles o pardo Inácio José de Mendonça.
Dedicamos boa parte deste trabalho a trajetória desse sujeito por acreditar que
casos aparentemente singulares como o de um pardo, filho bastardo de uma escrava
e um padre que migra para um território ermo e desconhecido e torna-se proprietário
de terras, podem representar possibilidades que estavam abertas a outros, mas que
infelizmente ainda estão submersos nos registros legados a posteridade.
No capítulo 3 fazemos um pequeno exercício metodológico: procuramos
apesar do cativeiro identificar os movimentos dos escravos em prol de sua
sobrevivência. Para isso, entendemos que a análise das formações familiares entre os
escravos seja de fundamental importância. A família escrava representa a
possibilidade de pensar o escravismo como um sistema relacional, que não exclui o
viver escravo, e representa também uma resistência silenciosa ao sistema, é uma
conquista do cotidiano.
3
Sobre esse tema ver: LEVI, Giovanni. A Herança Imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do
século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. GINZBURG, Carlo. A micro-história e outros
ensaios. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. REVEL, Jacques (org.). Jogos de escalas: a experiência da
microanálise. Rio de Janeiro: ed. FGV, 1998. Excelente síntese pode ser encontrada em LIMA,
Henrique Espada. A micro-história italiana: escalas, indícios e singularidades. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2006.
17
Dessa forma, prezado leitor, nas páginas que seguem encontrarás mais do que
respostas, boas perguntas e experimentações. Divirta-se.
Capítulo 1
Paisagens Continentistas:
A ocupação dos Campos de Viamão.
Rugendas
Serra dos Órgãos
1. PAISAGENS CONTINENTISTAS: A OCUPAÇÃO DOS CAMPOS DE
VIAMÃO.
Neste capítulo pretendemos apresentar ao leitor o cenário onde se desenvolve
nossa trama. Cenário, por sua vez, nada estático e bastante complexo, que será
narrado a partir das primeiras incursões luso-brasileiras em direção ao interior da
colônia portuguesa na América. Por fim pretendemos inserir a freguesia de Santo
Antônio da Guarda Velha de Viamão.
1.1. Rivalidades ibéricas no Novo Mundo: conquista e submissão das Américas.
Perguntado sobre os limites das posses portuguesas no além-mar, qualquer
diplomata português do seiscentos não hesitaria em responder: Ora, 370 guas rumo
oeste das Ilhas dos Açores e Cabo Verde! De fato, esse foi o limite acordado pelo tratado
de Tordesilhas em 1494, que vigorou até a assinatura de outro, o de Madri, em 1750.
Mas se fizéssemos essa mesma pergunta a um diplomata espanhol? Ou a um
contemporâneo morador da Colônia de Sacramento? Com certeza as respostas
seriam diferentes.
As duas Coroas Ibéricas disputavam pelo menos desde o século XV o domínio
do oceano Atlântico. O primeiro embate se deu pela posse das Ilhas Canárias e
acabou com a assinatura do tratado de Alcáçovas em 1479. Neste acordo, o primeiro
a incluir territórios por descobrir, Portugal abria mão das Ilhas Canárias em nome dos
reis de Aragão e Castela e garantia seu domínio sobre as Ilhas da Madeira, dos
Açores e Cabo Verde; e por conta da cláusula que previa a renúncia dos Reis
Católicos à navegação ao sul do cabo Bojador, garantia também a costa da Guiné.
Este tratado acabou por dividir o oceano em zonas de influência dominadas pelas
19
Coroas Ibéricas, prática que se disseminaria por todo o século XV e XVII, auge da
expansão marítima dessas Coroas.
No ano de 1493, o tratado de Alcáçovas foi questionado pelo rei D. João II de
Portugal que entendia que as novas terras descobertas por Cristovão Colombo na
parte mais ocidental do Atlântico um ano antes estariam sob sua soberania. Os Reis
Católicos, Fernando de Aragão e Isabel de Castela, recorreram ao Papa Alexandre VI,
que através das bulas Inter caetera I e II (ambas de 1493) determinou que fosse traçada
uma linha distante 100 léguas das ilhas dos Açores e Cabo Verde, e que “[...] todas as
ilhas e terras firmes achadas e por achar, descobertas e por descobrir
4
ao ocidente desta
linha pertenceriam aos Reis Católicos.
Este documento conduziu as negociações que culminaram com um novo
tratado, o de Tordesilhas, assinado por D. João II de Portugal e os Reis Católicos em
1494, que redefiniu as áreas de influências das Coroas Ibéricas no oceano Atlântico.
Apesar da mudança na posição da linha demarcadora de 100 para 370 léguas, ambas
as partes ficaram satisfeitas com o acordo, pois naquele momento os Reis Católicos
acreditavam que Colombo havia descoberto um novo caminho para as Índias (nome
atribuído a todo o Oriente). Desta forma, o reino da Espanha se colocaria lado a lado
com a maior potência marítima do período, Portugal. este reino, mesmo após ter
proposto um paralelo na altura das Canárias, ficou satisfeito com o meridiano, pois,
acordada a distância de 370 léguas, continuava sob seu domínio a costa africana, “por
onde os portugueses gradualmente avançavam, tomando conhecimento seguro do potencial do
continente e tecendo contatos para sua exploração”.
5
A busca por um caminho para as Índias tornou-se urgente após a tomada de
Constantinopla pelos turcos em 1453, pois nesse ponto interrompeu-se a principal
ligação da Europa com o Oriente, e por conseqüência, interrompe-se o grande
comércio de especiarias que era feito naquela região. Após a descoberta de um
4
Bula Inter Caetera I, disponível em:
http://purl.pt/162/1/brasil/obras/bulas_inter_caetera_ii/hg8822/hg8822-HTML/M_index.html .
5
THORNTON, 2004, p. 70
20
suposto caminho das Índias por Colombo, Portugal intensifica suas incursões pela
costa africana. Alguns anos antes, em 1488, uma esquadra chefiada por Bartolomeu
Dias havia conseguido transpor o Cabo das Tormentas, ao sul do continente africano
(que por conta desse feito passou a se chamar Cabo da Boa Esperança), e com o novo
impulso, em 1497, parte do Reino uma nova expedição, comandada por Vasco da
Gama com objetivo de cruzar o referido Cabo. No ano seguinte Vasco da Gama
conclui a circunavegação do continente africano desembarcando em Calecute, na
costa ocidental da Índia, encontrando finalmente um caminho marítimo para a
Índia.
6
Com essa descoberta um grande ciclo de expansão iniciado por Portugal
parecia ter chegado ao fim, com feitorias instaladas na costa africana e a comunicação
com a Índia. Regressando Vasco da Gama ao Reino, foi organizada uma nova
esquadra, composta por 13 navios, que deveria voltar à Índia em missão diplomática,
a fim de resolver questões políticas e comerciais, sob o comando do Capitão-mor
Pedro Álvares Cabral. Essa frota, no entanto, antes de chegar a Índia aportou em
terras americanas, na costa do futuro Brasil.
Até pelo menos a primeira metade do séc. XIX acreditava-se que o Brasil havia
sido descoberto por acaso, por conta de um desvio de rota. Navegador inexperiente,
Cabral teria seguido a risca as instruções recebidas de Vasco da Gama para evitar as
calmarias da costa africana, fazendo a volta larga, e acabando por afastar-se demais da
rota e aportando no Brasil. Alguns autores postulam que mesmo sendo Cabral um
novato (não se tem notícia de qualquer viagem sua, anterior ou posterior ao
descobrimento), ele trazia em sua frota navegadores experimentados, entre os quais o
próprio Bartolomeu Dias (descobridor do Cabo da Boa Esperança), que certamente
não o deixaria incorrer em tal erro, pois conhecia bem a região.
7
No entanto, o fato
de um navegador inexperiente como Cabral ter sido designado como chefe de uma
6
Segundo o historiador dos descobrimentos Franz Hümerich: “A descoberta do caminho marítimo
para a Índia foi considerada pelos contemporâneos mais importante do que a descoberta da América.”
Cf. GOES FILHO, 1999. p. 65.
7
Idem, Cap. 4.
21
expedição de tamanha monta (afinal, o objetivo era o contato tão esperado com as
Índias) segundo alguns historiadores demonstraria a intencionalidade da viagem.
Mas, se não é provado que os portugueses sabiam que realmente existiam terras onde
Cabral encontrou o Brasil é muito provável que pelo menos desconfiassem disso”.
8
Durante
as negociações do tratado de Tordesilhas, Portugal insistiu no aumento de 100 para
370 léguas na distância da linha com relação às ilhas, alegando precisar dessa
distância para dar a volta larga. Porém, Vasco da Gama havia notado que havia
sinais de terra a oeste da volta larga, o que poderia indicar que Portugal pretendia
explorar o Atlântico em direção ocidental, principalmente porque 100 léguas seriam
suficientes para a referida volta.
Casual ou intencional essa descoberta incluiu o sul da América nas posses
portuguesas e reacendeu os embates entre as Coroas Ibéricas. Desde o desembarque
de Colombo no centro da América, os espanhóis haviam avançado
significativamente na posse de territórios americanos. O primeiro contato foi com a
ilha denominada La Hispaniola (atual Cuba), de onde partiram novas expedições,
sendo que pelo menos duas delas teriam explorado a costa norte da América do sul
antes da chegada de Cabral. Alonso de Ojeda tocou o continente em 1499
inicialmente na altura das Guianas, e foi costeando em direção oeste, pela região que
chamou de Venezuela isto é, pequena Veneza, por ter visto um povoado indígena
construído sobre palafitas.”
9
. Vicente Yañes Pinzón aportou em janeiro de 1500 no cabo
que chamou de Santa Maria de la Consolación, geralmente identificado como o Cabo de
Santo Agostinho em Pernambuco, seguiu viagem e avistou uma faixa de terra que
entrava mar adentro que chamou de Rostro Hermoso, identificado como a ponta de
Jericoacoara no Ceará. Foi o primeiro a subir o rio Amazonas batizando-o de Santa
Maria de la Mar Dulce.
10
Além desses contatos com a costa norte, os espanhóis
avançaram por terra, destacando-se as expedições em direção ao atual Panamá que
8
GOES FILHO, 1999, p. 85.
9
Idem, p. 55.
10
Ibdem, pp. 54-55.
22
acabaram por estabelecer a ligação com o oceano Pacífico em 1513, e das expedições
de Fernando Cortés, que chegou ao atual México em 1519. Desta forma, até 1540 a
conquista espanhola alcançava as terras altas centrais e as costas do Pacífico desde a
Guatemala até a península de Nicoya (noroeste da Costa Rica).
11
Com o clima beligerante entre as duas Coroas é muito provável que as notícias
sobre os feitos espanhóis chegassem a Lisboa, mas o interesse de Portugal pelas
terras recém descobertas foi muito pequeno inicialmente: da chegada de Cabral até
que fosse enviada uma expedição com ordens de povoar o Brasil, passaram-se 30
anos.
Cabral permanece nas novas terras por 10 dias e segue o trajeto em direção as
Índias
12
, e em 1501 parte de Portugal a primeira expedição de reconhecimento das
novas posses. Esta frota foi chefiada por Gonçalo Coelho
13
, aportou no cabo chamado
de São Roque (atual Rio Grande do Norte) e seguiu pela costa, fazendo um
reconhecimento da área, buscando além de especiarias e metais, uma saída para
oeste (nesse momento ainda se acreditava ser possível chegar as Índias dessa forma).
Segundo Góes Filho (1999, Cap. 6) alguns autores acreditam que essa expedição teria
chegado até a desembocadura do Rio da Prata, antes, portanto, dos espanhóis, mas a
maioria deles julga que a expedição não tenha ultrapassado a latitude de 32°,
aproximadamente, a atual costa do Rio Grande do Sul.
Do Brasil os portugueses levavam principalmente o pau-brasil (árvore
conhecida das Índias Orientais de onde era produzido um pigmento de cor vermelha
11
PÉREZ BRIGNOLI, 1999, p. 23.
12
Nesta viagem perdem-se 4 navios (um deles levava a bordo Bartolomeu Dias), e para completar o
infortúnio não consegue estabelecer-se em Calecute, apenas fazendo contato com um reino rival,
denominado Cochim, posicionado a 200km do destino principal. Retornou a frota a Lisboa
contabilizando um prejuízo de 7 navios e 1.000 homens, mas carregada de especiarias. Estes fatos
talvez tenham contribuído para o sumiço de Cabral, pois, como já dissemos anteriormente, não foram
encontrados registros de que tenha capitaneado nenhuma expedição após o descobrimento. (GOES
FILHO, 1999, Cap. 4)
13
Segundo Góes Filho (1999, p. 62) o nome do comandante dessa expedição é discutível, porém aponta
o nome de Gonçalo Coelho como mais aceito entre os historiadores; corrobora com esta hipótese
Coelho ter sido indicado como comandante por Gabriel Soares de Sousa em seu Roteiro Geral da Terra
Brasílica de 1587 (1971, p. 41).
23
muito utilizado no tingimento de tecidos), sem que fosse preciso povoar o território,
pois o faziam através de feitorias instaladas no litoral (a primeira foi instalada em
Cabo Frio no ano de 1511). Esse modelo de ocupação era o mesmo utilizado na costa
africana e na Índia, mas teve de ser alterado devido ao assédio a costa brasileira de
navegadores estrangeiros. Segundo Sousa (1971), logo após a expedição de Gonçalo
Coelho, Cristovão Jacques teria empreendido nova viagem e correndo a costa, foi dar
com a boca da Bahia, que pôs o nome de Todos os Santos” encontrou duas naus francesas a
comerciar com indígenas. Jacques as meteu no fundoe levou ao conhecimento do
Rei a ameaça que estava a se consagrar em suas novas posses, este por sua vez
ordenou de fazer povoar essa província, e repartir a terra dela por capitães e pessoas que se
ofereceram a meter nisso todo o cabedal de suas fazendas
14
.
Diante da necessidade de se resguardar mais efetivamente o litoral, foi
organizada em 1530 uma nova expedição, sob o comando de Martim Afonso de
Sousa, com o expresso objetivo de fundar povoações e colonizar o Brasil. Munido de
cartas régias que lhe garantiam total gerência sobre os negócios na nova colônia,
Afonso de Sousa navegou pela costa de Santo Agostinho até o porto de Cananéia, e
fundou duas vilas, o Vicente (próxima a Santos no estado de São Paulo) e outra
próxima ao rio Piratininga (nas proximidades de Santo André, SP), e envia seu irmão
e companheiro de viagem Pedro Lopes de Sousa seguir viagem até a desembocadura
do rio da Prata no extremo sul.
Enquanto os súditos portugueses ocupavam-se em defender o litoral de
corsários franceses, os espanhóis seguiam seu avanço pelo sul da América.
Destacamos aqui as viagens do espanhol Álvar Núñez Cabeza de Vaca que, nomeado
governador do Rio da Prata em 1541, empreende viagem pelo sul da América e,
tendo chegado a ilha de Santa Catarina, decidiu seguir a pelo interior até
Assunción (Paraguai) utilizando caminhos indicados pelos índios guaranis com
14
SOUSA, 1971, p. 42.
24
quem havia feito contato
15
. Portanto, além da ameaça francesa no litoral havia o
avanço espanhol a leste que por suas descobertas (derrocada do Império Asteca e
domínio do México em 1521 e principalmente a descoberta das minas de prata de
Potosí em 1545) atraía a atenção dos portugueses.
A Coroa portuguesa em 1534 estabelece um novo sistema de ocupação para
suas posses americanas através da concessão de lotes de terras delimitados por um
lado pelo litoral e por outro pela linha do Tordesilhas. As Capitanias Hereditárias
(como foram denominadas), seriam entregues a vassalos de Portugal que pudessem
empregar seus próprios cabedais na empreitada, a estes caberia a administração e o
recolhimento dos impostos devidos a Coroa e, principalmente, a vigilância contra
ataques e tentativas de ocupação. Ato contínuo, em 1536, a Espanha funda a vila de
Buenos Aires na desembocadura do rio da Prata, procurando controlar o florescente
comércio ilegal que por ali circulava, envolvendo seus próprios súditos e
portugueses.
Podemos marcar a partir desse momento o efetivo descobrimento do Brasil.
Com o estabelecimento das capitanias passam a chegar a Colônia milhares de
homens e mulheres dispostos a fazer fortuna com a exploração e o comércio de pau-
brasil e outras especiarias
16
. Neste momento intensifica-se também o cultivo de cana-
de-açúcar, introduzido no Brasil a partir da boa experiência com esse produto na ilha
da Madeira (que em meados de 1570 já apresentaria sinais de esgotamento) e que se
adaptando muito bem, tornou-se em pouco tempo, o principal produto de
exportação da Colônia.
Com a disseminação de engenhos em diversas capitanias a Colônia ganha
novo impulso. A produção canavieira viveu seu auge entre 1570 e 1670 e se
15
Para descrição das expedições ver CABEZA DE VACA, Álvar ñez. s/d. Naufragios. S/d.
Disponível em: http://www.elaleph.com/libros.cfm?item=786&style=biblioteca. Acesso em: 06/09/2008.
16
Segundo a historiadora Sheila de Castro Faria é interessante pensarmos a palavra fortuna em sua
acepção atual (mais ligada ao montante dos patrimônios individuais ou familiares), mas alargando-a
com a sua concepção colonial (destino, fado, sorte). Assim, podemos compreender melhor as
trajetórias dos nossos sujeitos históricos e as suas mobilidades tanto no espaço geográfico quanto no
social”. FARIA, 1998, p. 21.
25
desenvolveu principalmente no litoral nordeste, seguido pela região próxima a baía
de Guanabara. Segundo Fragoso (2001, p. 31), em 1583 a região do recôncavo da
Guanabara contava com 3 engenhos, subindo para 14 em 1612, e 60 em 1629,
registrando num intervalo de 46 anos, um aumento de 366% no número de
engenhos. Este incremento nos investimentos em produção de açúcar na Colônia em
muito se deve a situação de crise que havia se instalado no Reino. Potência
eminentemente comercial, Portugal vinha enfrentando dificuldades em manter suas
diversas praças ao longo do vasto império que arregimentara; no Oriente tinha que
se defender frente aos mongóis e turcos, e enfrentava constantes ataques de
holandeses e franceses às costas africana e brasileira (intensificados durante e após a
União Ibérica). Com essa queda no rendimento dos negócios no Oriente, o aumento
da produção de açúcar tornou-se uma boa alternativa.
A baía de Guanabara possuía um excelente porto, estrategicamente
posicionado na Rota das Índias. Os portugueses não ignoravam esses atrativos,
porém os franceses chegaram na frente. Navegadores franceses haviam sido vistos
por Cristovão Jacques no litoral norte da Colônia, e na Guanabara não eram menos
freqüentes, possuindo bons contatos com os indígenas da região de onde
contrabandeavam principalmente o pau-brasil. Contatos tão bons que em 1555
instalaram-se definitivamente na região fundando a França Antártica, que com o
apoio dos índios Tamoios sobreviveu até 1567.
Em 1558 assume o Governo-Geral o português Mem de Sá que iniciou as
ofensivas para a expulsão dos franceses da Guanabara. Após alguns combates os
portugueses, apoiados pelos moradores de São Vicente e por uma tribo indígena
rival aos Tamoios, fundaram a vila de São Sebastião do Rio de Janeiro. Após a
expulsão completa dos franceses na nascente vila aportaram portugueses vindos do
norte de Portugal, principalmente das regiões do Entre Douro e Minho e das ilhas (há
muito castigadas pelas ondas de carestia), bem como brasileiros, vindos da vizinha
São Vicente.
26
Segundo Fragoso (2001, p. 42) a presença de vicentinos entre os primeiros
habitantes do Rio de Janeiro explica o sucesso dos engenhos ali instalados. Através
do cruzamento de diferentes fontes o autor identificou 197 famílias que, em algum
momento do século XVII, possuíram pelo menos um engenho de açúcar, e destas
famílias pôde perceber que 61% tiveram o ponto de partida de seus negócios antes de
1620, famílias que denominou de conquistadoras”. As famílias conquistadoras (ou
extensas) teriam chegado a Guanabara entre 1565 e 1600 conquistando o recôncavo da
Guanabara em nome del Rey”, vindas, portanto, da vila de São Vicente. No período
seguinte, entre 1601 e 1620, numa segunda onda migratória, chegaram mais algumas
famílias e forasteiros que foram absorvidos através dos casamentos pelas primeiras
famílias. Esta aliança entre as famílias conquistadoras e povoadoras acabou por
formar o “núcleo fundador da futura elite senhorial”.
Ao identificar a origem do capital empregado na construção dos primeiros
engenhos das famílias conquistadoras/povoadoras chegadas antes de 1620, o autor
indica a possibilidade de que teria sido o capital vicentino, e porque não, bandeirante,
que alavancou a produção de açúcar no Rio de Janeiro. Num intervalo de uma ou
duas gerações, por conta do avanço dos engenhos e das plantations a pequena vila
tornou-se um dos principais pólos de articulação do atlântico meridional.
1.2. Com seus homens e escravos: a expansão rumo ao sul da Colônia portuguesa
no Brasil
Em fins do século XVI a situação de Portugal na Europa não melhora muito.
Entre 1557 e 1607 sua dívida interna cresceu vertiginosos 250%
17
, e todo o reino foi
assolado por freqüentes ondas de fome. Diante disso, no reinado de D. Sebastião
ocorreram discussões sobre o re-ordenamento do Império Ultramarino, e a
17
MAGALHÃES, apud FRAGOSO, 2001(a), p. 35.
27
possibilidade do Brasil substituir a Índia como base de sua sustentação ganha força,
percebe-se uma atlantização cada vez maior da política ultramarina, e sob as ordens do
Desejado [D. Sebastião] seriam tomadas medidas para aprofundar a presença lusa em Angola
e na América portuguesa
18
.
Esse momento coincide com o auge da produção açucareira na Colônia (1570-
1670), e a consolidação do porto do Rio de Janeiro como o principal da Colônia. Por
conta do pacto colonial, a Colônia era obrigada a comerciar somente com a
Metrópole e proibida de produzir manufaturados, numa relação, muitas vezes vista
pela historiografia, como responsável pelo atraso e pelo pouco desenvolvimento do
Brasil colonial.
19
No entanto, essas relações eram bem mais dinâmicas do que se
imaginava. Portugal foi mais do que uma simples intermediária entre a matéria-
prima da Colônia e os manufaturados europeus e cabeça político-administrativa do
Império.
A articulação entre a Metrópole e suas colônias criou um mercado imperial
bastante complexo e diversificado, e fez emergir (e/ou potencializou) em diferentes
paragens do Império circuitos mercantis bastante prósperos e organizados, “passando
pela plantation escravista e produções de alimentos assentadas em ltiplas formas de
trabalho na América portuguesa, pelas sociedades africanas baseadas no tráfico de escravos,
chegando as seculares produções têxteis hindus com suas também antigas redes de
comércio
20
. Essas relações interligaram comercialmente o Império e também foram
responsáveis pela produção material das relações sociais típicas do Antigo Regime
em diferentes pontos do mare lusitano.
Por certo essas rotas ultramarinas criaram, além dos oficiais
agraciados com mercês do tipo “liberdades da Índia”, os seus
18
FRAGOSO, 2001(b) p. 35. Ver também: ALENCASTRO, Luiz Felipe. O Trato dos Viventes. Formação
do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
19
Ver: PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1996 [1ª edição:
1942]; FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo. Companhia Editora Nacional, 2003
[1ª edição, 1954]; NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808).
São Paulo: Hucitec, 1989 [1ª edição, 1979].
20
FRAGOSO, 2001b, p. 325.
28
próprios personagens, no caso, os negociantes com grande cabedal e
capazes de estabelecer redes de contato – leia-se sócios, parceiros
comerciais, caixeiros etc – nas diferentes partes do ultramar. Por
conseguinte, o Império luso seria também o espaço para a existência
de um grupo especial de “empresários”, cujos empreendimentos e
fortunas se fizeram literalmente nos vários mares onde os
portugueses, em diferentes graus, estavam presentes.
21
Desta forma, a elite senhorial formada a partir das famílias
conquistadoras/povoadoras residentes no Rio de Janeiro passa a investir seus
cabedais no comércio ultramarino, atuando principalmente no comércio de escravos
africanos. A vila do Rio de Janeiro se consolida como principal ponto de ligação da
Colônia e o mundo Atlântico e acaba por incluir nas suas rotas comerciais também o
interior da Colônia, gerando um novo eixo na colonização da América portuguesa.
O auge da plantation açucareira no nordeste e sudeste aumentou a demanda
por escravos na Colônia; os comerciantes da praça mercantil do Rio de Janeiro os
adquiriam em portos africanos em troca de têxteis, aguardente e tabaco. Mas o
comércio de almas o foi invenção fluminense. Os portugueses já o praticavam
desde pelo menos 1441, quando Antão Gonçalves retornou da recém descoberta
costa da Guiné com dez Negros entre Mouros e Mouras
22
. Neste momento haviam
se passado 25 anos da tomada de Ceuta e o reino de Portugal não havia logrado êxito
em sua busca pelo caminho das Índias, e nem estabelecido contatos comerciais
dignos de nota, logo, as mercadorias trazidas por Gonçalves trouxeram novo fôlego
para as expedições. Finalmente, a empresa navegadora, insistentemente mantida
pelo Infante D. Henrique apresentava seu primeiro lucro. Segundo Goulart (1975)
duas seriam as razões para a empolgação dos reinóis frente à nova descoberta: o reino
sofria muito de carência de braços para o trabalho nos campos que seria suprida
com escravos, e estes mesmos escravos representariam a redenção do reino frente a
Igreja, ou seja, a concretização da cruzada contra os Infiéis.
21
FRAGOSO, 2001b, p. 326.
22
GOULART, 1975, p. 20.
29
E pelos anos adiante, cada vez mais freqüentes, foram se sucedendo
as expedições armadas à costa africana para apresar escravos. Vinte e
cinco anos de esforços e buscas incessantes haviam posto afinal ao
alcance da cobiça e da necessidade dos reinos o mais precioso dos
produtos nativos da África: o negro.
23
A cruzada contra os Infiéis contava com o apoio do Papa. Em 1455 a bula
Romanus Pontifex autoriza o comércio de escravos e sua entrada na Europa cristã em
nome da conversão e evangelização dos Infiéis, fossem eles escravizados por povos
rivais e vendidos aos europeus ou capturados em guerras justas, cujo caráter de
justeza era determinado pelo Rei e geralmente estava vinculado à legítima defesa, à
garantia de liberdade de pregação do evangelho e, para alguns, à garantia de liberdade de
comércio”.
24
O Antigo Regime enquanto concepção de sociedade, legitimava e naturalizava
as desigualdades e hierarquias sociais.
25
A expansão do Império português levou a
uma adaptação deste sistema, a visão corporativa da sociedade e do poder se
manteve, sendo acrescentada à hierarquia um novo agente, gerado a partir do caráter
cristão da empresa. Os indivíduos salvos pelo Rei através da conversão deveriam ser
integrados ao corpo do Império e com isso o cativeiro se torna a forma de
incorporação desses pagãos ao Império. Segundo Mattos (2001), a justificativa
religiosa pra escravidão não seria uma deturpação dos valores da cristandade pura e
simples ou uma exacerbação da lógica mercantil, pois a escravidão seria imperativa
para a expansão do Império como um todo e não apenas para o comércio.
[...] a possibilidade do cativeiro do gentio americano ou africano foi
antes construção de quadros mentais e políticos, de fundo
corporativo e religioso, possibilitadores daquela expansão, inclusive
na sua dimensão comercial. Conseguir cativos índios ou africanos, o
23
GOULART, 1975, p. 24.
24
MATTOS, 2001, p. 144.
25
Pensava-se a sociedade como um corpo articulado, naturalmente ordenado e hierarquizado por vontade
divina. Ao rei, como cabeça deste corpo, caberia fundamentalmente distribuir mercês conforme as funções,
direitos e privilégios de cada um de seus membros, exercendo a justiça em nome do bem comum.. MATTOS,
2001, p. 144.
30
que significava tornar-se senhor de terras e escravos, afidalgando-se
nas colônias, foi uma das grandes motivações a trazer milhares de
colonos portugueses para a aventura da conquista.
26
Neste sentido, podemos dizer que os fluminenses não inventaram o tráfico,
mas, com certeza, foram os seus maiores investidores. Portugal dominou a costa da
África e o tráfico nela instalado por boa parte do séc. XV e XVI, no entanto, com a
expansão de seus domínios, a demanda pela mercadoria africana aumentou
substancialmente e junto com ela o investimento para a prosperidade da empresa
escravista. Como dissemos anteriormente, o final do século XVI foi um período de
crise no Reino. Com a escassez de recursos tornou-se difícil investir na empresa
escravista, e segundo Fragoso (1995), a estrutura social portuguesa que se mantinha
atrelada a uma agricultura tradicional com a aristocracia detendo metade das terras,
seguida pelo clero e com cidades e indústria pouco desenvolvidas, também
constituía outra dificuldade de converter recursos para o tráfico. Essa estrutura,
típica de Antigo Regime, foi, ao mesmo tempo, a mola propulsora da expansão
ultramarina e seu limite.
A colonização ultramarina transformou-se em condição de
possibilidade para a existência desse tipo de estrutura. Como
resposta feudal à grande crise por que passava a economia e
sociedade portuguesas, a expansão marítima e a ulterior colonização
modificaram a antiga sociedade lusitana para preservá-la no tempo.
Eis aqui o papel da transferência da renda colonial para a Metrópole:
o surgimento e manutenção de uma estrutura parasitária,
consubstanciada em elementos como a hipertrofia do Estado e a
hegemonia do fidalgo-mercador e de sua contrapartida, o mercador-
fidalgo.
27
No início da expansão o Estado português ocupa papel central na atividade
comercial como armador e mercador, explorando monopólios e obtendo grande
parte de sua renda da atividade mercantil. Dessa maneira, a renda fundiária ficava
26
MATTOS, 2001, pp. 147-148.
27
FLORENTINO, 1995, p. 126.
31
cada vez mais nas mãos da aristocracia e do clero, reiterando assim a estrutura
agrária tradicional. Neste processo a figura do fidalgo-mercador ilustra bem como o
capital mercantil não serviu para a expansão definitiva do tráfico de escravos
africanos. Levado a essa condição pela crise aristocrática, mantinha sua atividade
sem base agrária, porém buscava manter (ou adquirir) bens que o garantissem como
Fidalgo, ou seja, a renda da atividade mercantil era muitas vezes esterilizada em
atividades de cunho senhorial.
28
Em resumo, o capital adquirido por Portugal no
mercado ultramarino não foi suficiente para fazer frente aos traficantes luso-
brasileiros:
[...] a atividade mercantil lusitana tem por fim último a permanência
temporal de uma sociedade arcaica o que é realizado com pleno
êxito – [...]. Isto significa que a esterilização dos recursos por ele
apropriados na esfera colonial é tão volumosa, que sua capacidade de
financiar até mesmo as atividades essenciais para a reprodução
parasitária – os navios, armazenamento de bens e seguros do tráfico –
é limitada.
29
E é no quesito financiamento que os luso-brasileiros instalados no Rio de
Janeiro saem na frente. Os bens de escambo foram um dos grandes responsáveis pela
proeminência do Rio de Janeiro no mercado ultramarino de escravos. Excetuando-se
os têxteis que eram adquiridos por contrabando, a praça fluminense acessava
facilmente os demais bens, visto que, eram produzidos na Colônia: aguardente e
tabaco. A aguardente era um subproduto dos engenhos de açúcar dos quais muitas
das famílias envolvidas no comércio ultramarino eram proprietárias, com isso
possuir um engenho tinha uma dupla função: fornecia um dos produtos mais
requisitados no escambo e através da venda do açúcar a metrópole garantia o capital
necessário para armar uma frota e enviá-la a costa africana. O tabaco era produzido
28
Daí podemos pensar que o ‘atraso’ português, em pleno século XVIII, era, não um estranho anacronismo,
fruto da incapacidade lusitana em acompanhar o manifesto destino capitalista europeu: pelo contrário, o arcaísmo
era, isto sim, um verdadeiro projeto social, cuja viabilização dependia fundamentalmente da apropriação das
rendas coloniais.” FLORENTINO, 1995, p. 126-127.
29
Idem, p. 127.
32
principalmente na Bahia e também poderia ser adquirido com certa facilidade pela
praça fluminense.
Segundo Florentino (1995, p. 123), por algum tempo acreditou-se que o acesso
aos bens de escambo seria a principal razão para a perda do controle do tráfico por
parte do Reino. No entanto, o autor destaca que essa seria uma situação da qual os
traficantes brasileiros tiraram imensa vantagem, mas não seria a única explicação
para a preponderância destes no mercado negreiro, pois, mais do que as mercadorias
para o escambo a operacionalização do tráfico era muito mais complexa. Para pôr em
andamento uma expedição à costa africana exigia-se também: aquisição ou aluguel
das naus, formação do estoque para escambo e sustento de boa parte das atividades
dos intermediários na ponta africana, manutenção da escravaria durante a viagem e
o seguro tanto das mercadorias transportadas como dos equipamentos
(principalmente as naus) envolvidos na travessia
30
.
Com o capital gerado pela produção de açúcar, acesso aos bens de escambo e
um porto próximo a costa africana, os comerciantes do Rio de Janeiro foram
estabelecendo contato direto com a África paulatinamente, excluindo Portugal da
rota. Em contato com a África os comerciantes fluminenses submetiam seus parceiros
africanos através do adiantamento das mercadorias que estes utilizavam para o
abastecimento das redes de obtenção de escravos no interior: “A maior parte dos
traficantes africanos era, porém, pelo menos desde inícios do século XVIII, totalmente
dependente do capital do Rio de Janeiro. O capital traficante brasileiro aparecia como
detonador e organizador do comércio negreiro.”
31
Porém, o principal produto nesse comércio, os têxteis, não eram produzidos
na América. Eles deveriam ser comprados na Europa e na Índia e para isso não
bastava aguardente, úcar ou tabaco, eram necessários os metais. Nesse momento,
intensificam-se as incursões em busca do El Dorado português, e os fluminenses
passam a se empenhar para o restabelecimento da rota Rio de Janeiro - Buenos Aires.
30
FLORENTINO, 1995, p. 125.
31
Idem, p. 122.
33
Nestes contatos era possível vender uma miríade de produtos que abasteceriam toda
a bacia do rio da Prata e acessar a prata de Potosí. Essa atração dos fluminenses pelo
comércio platino era bastante antiga,
[...] desde fins da década de 1620, depois da primeira tentativa
holandesa de invasão ao Brasil, o Conde-Duque de Olivares, ministro
espanhol, favorecia as atividades dos comerciantes portugueses nos
portos coloniais de Castela. Fazendo vistas grossas sobre o emergente
comércio ativado pelo tráfico negreiro, procurava revigorar a
economia ibérica e melhorar a arrecadação Real, combalida pelos
custos crescentes das guerras imperiais.
32
Com a necessidade de metais para o fortalecimento do comércio com a África
tornou-se fundamental retomar os contatos com o rio da Prata. Segundo Bicalho
(2005, p. 2), a partir da segunda metade do seiscentos os luso-fluminenses passam a
gerir expedições que buscavam agregar os africanos e a prata”, assim foi com a
reconquista de Angola (1648), o povoamento de Laguna (1676), a criação do bispado
do Rio de Janeiro com jurisdição até a embocadura do Prata (1676), o donativo régio
concedido a Salvador de Sá e a seus filhos de trinta léguas de litoral até o Prata (1676)
e a fundação da Colônia do Sacramento (1680).
Salvador Correa de Sá e Benevides, governador da Capitania do Rio de Janeiro
em diferentes datas, comandante da armada que reconquistou Angola aos
holandeses em 1648 e “profundo conhecedor da região meridional, tendo atuado no comércio
platino e também tendo ciência da geografia do Prata e de seus potenciais para negócios e
recursos para a exploração
33
, sugeriu ao monarca português, ainda no séc. XVII, a
colonização das terras ao sul do Rio de Janeiro, notadamente as próximas ao rio da
Prata. Ciente da importância da região do Prata, principalmente através do pujante
comércio com o Rio, a Coroa toma algumas ações na expansão rumo ao sul de sua
Colônia. Em 1676 foi criada a Diocese do Rio de Janeiro, que segundo Possamai
representou “uma importante vitória diplomática do príncipe regente D. Pedro junto a
32
BICALHO, 1998, p. 8.
33
HAMEISTER, 2002, p. 94.
34
Santa Sé
34
, pois estabelecia como jurisdição do bispado os territórios desde o Espírito
Santo até o Rio da Prata, pela costa marítima e pelo sertão
35
. Esta feita, em maio de 1679
assume o governo do Rio de Janeiro D. Manuel Lobo com instruções precisas para
tomar posse em nome do rei de Portugal de território a margem do rio da Prata.
D. Manuel Lobo organiza uma expedição e parte do porto do Rio de Janeiro
ainda em 1679, chegando a ilha de São Gabriel
36
, no estuário do Prata, em janeiro de
1680, instalando-se em seguida em terra firme numa pequena península em frente a
ilha e a cidade de Buenos Aires, onde funda a Colônia do Santíssimo Sacramento.
Segundo Prado “A fundação da Colônia do Sacramento foi a materialização do
retorno lusitano ao prata após 1640
37
, pois procurava reativar a rota marítima Rio de
Janeiro-Prata-Luanda que durante a União Ibérica garantiu o ingresso da prata
potosina e dos couros bovinos na Colônia portuguesa. Este contato comercial com a
região platina era bastante rentável devido à situação marginal dessa região dentro
do Império espanhol (que utilizava como principal porto o de Cartagena, no Pacífico,
distante da região platina) que prejudicava seu abastecimento e a tornava grande
consumidora de todos os gêneros enviados pelos luso-brasileiros.
Apenas um ano após sua fundação Sacramento sofreu a primeira represália
espanhola, mas foi retomada pelos portugueses (pela via diplomática) em 1683, e a
paz durou até 1705. Nessa primeira fase de ocupação Sacramento assemelhava-se a
uma feitoria, compunha-se de um pequeno núcleo fortificado dedicado ao comércio.
O local escolhido para a instalação de Sacramento permitiu que os comerciantes luso-
brasileiros, dali em pouco tempo, controlassem todo o comércio da região. O estuário
do Prata possuía perigosos bancos de areia que impediam a entrada direta a rumo
oeste de Montevidéu em direção a Buenos Aires; para chegar a esta cidade era
necessário costear a margem setentrional do estuário até a ilha de Martin Garcia e
34
POSSAMAI, 2005, p. 45.
35
LEITE apud POSSAMAI, 2005, p. 45.
36
A ilha de São Gabriel era antigo refúgio de piratas e contrabandistas, principalmente dos holandeses, situação
que não deve ter sido ignorada pelos portugueses, uma vez que eles eram os principais agentes do contrabando no
Rio da Prata durante o período da União Ibérica (1580-1640)”. POSSAMAI, 2005, p. 46.
37
PRADO, 2002, p. 39.
35
dali seguir para Buenos Aires. Essa rota era a mais segura e cruzava a frente de
Sacramento.
38
Em 1705 um novo cerco espanhol expulsa os luso-brasileiros de Sacramento,
que retornam 11 anos depois, em 1716. Nessa retomada uma mudança no
caráter da ocupação com o estabelecimento de um entorno agrícola, ou seja, inicia-se
um investimento na ocupação territorial, visando, principalmente, o acesso aos
rebanhos da Banda Oriental. O gado vacum e cavalar encontrado nessa região
passou a ser muito valorizado com a descoberta de ouro na região das Minas Gerais
em 1690.
A primeira estada em Sacramento forneceu à Coroa importantes informações
sobre a região. Prado (2002, p. 45), cita os escritos do Sargento-mor Francisco Ribeiro,
de 1704, e a Descrição Corográfica e Bélica da Colônia do Sacramento, de 1713, publicada
em Portugal e de autoria do ex-governador de Sacramento Sebastião da Veiga Cabral
como as principais fontes desta informação e responsáveis pela divulgação das
possibilidades da região. O segundo documento, apresentava propostas bem claras
[...] Veiga Cabral aconselhava a fundação de uma série de povoações
e fortificações além da Colônia do Sacramento. Alentava a fundação
de uma fortaleza e povoação na barra do Rio Grande, outra em
Maldonado, visando ao controle das campanhas da Banda Oriental,
bem como ao da entrada do estuário platino. A povoação a ser
instalada no Rio Grande de São Pedro teria comunicação por terra
com Laguna, permitindo o trânsito terrestre de homens e animais.
39
As descrições de Veiga Cabral incluíam também relatos sobre as Missões
Jesuíticas e minas de prata, das quais não indicava a localização exata. O plano de
Veiga Cabral tencionava pôr sob domínio português a margem norte do estuário do
Prata e foi inspiração para o desenvolvimento das políticas lusas na região. Neste
sentido, em 1723 houve a tentativa de estabelecimento de uma nova povoação luso-
brasileira no Prata com a fundação da cidade de Montevidéu, que além de diminuir o
38
PRADO, 2002, pp. 91-92.
39
Idem, pp. 45-46.
36
isolamento de Sacramento (cercada de espanhóis por todos os lados), daria acesso a
um excelente porto natural na entrada do rio da Prata. No ano seguinte, partiu da
vila de Laguna uma expedição chefiada por João de Magalhães que deveria abrir
caminho por terra e guarnecer Sacramento.
40
Todas essas ações portuguesas no Prata
sempre foram acompanhadas de perto pelos espanhóis, pois a presença lusa
representou a perda do controle do comércio, primeiramente naval com a instalação
de Sacramento, e agora com o avanço dos povoados ameaçava o controle dos
rebanhos da Banda Oriental. Nesse sentido, além de cercar Sacramento, os espanhóis
do Prata incentivavam os jesuítas a ocupar novamente a margem ocidental do rio
Uruguai, de onde haviam sido expulsos pelos bandeirantes, na tentativa de barrar o
avanço luso-brasileiro que já se configurava por terra.
41
Em 1735 os espanhóis voltam a cercar Sacramento e, durante o cerco, foram
destruídas as plantações que ficavam de fora dos muros da fortificação, bem como as
habitações que ali se encontravam, forçando os habitantes a fugirem. Alguns
seguiram para dentro do Forte, enquanto outros seguiram para o interior da banda
Oriental e para a barra do Rio Grande. Segundo Prado (2002, p. 53ss) durante o cerco
houve uma inflexão da estratégia lusitanaao retornar Sacramento ao status de porto
comercial, pois não mais contava com seu entorno agrícola e estava impedida de
acessar os rebanhos.
Do Rio de Janeiro, em 1736, foi enviada uma expedição sob comando do
Brigadeiro de Infantaria José da Silva Pais com objetivo de livrar Sacramento do
cerco, além de retomar Montevidéu aos espanhóis, reocupar as ilhas de São Gabriel e
fundar uma fortaleza (nas proximidades de Montevidéu ou na barra do Rio Grande
de São Pedro). Silva Pais abasteceu a Colônia e seguiu a reconhecer o porto de
Maldonado, para plantar nova povoação nele, ou noutro qualquer da costa imediata, que
julgasse apropriado, como lhe prescreviam suas instruções
42
. O referido lugar não oferecia
40
PRADO, 2002, pp. 49-50.
41
POSSAMAI, 2005, p. 47.
42
SÃO LEOPOLDO, 1982, p. 68.
37
condições para a fundação de um forte, e então Silva Pais seguiu na direção da barra
do Rio Grande, onde fundou um forte denominado Jesus-Maria-José.
Ao descrever o desembarque de Silva Pais na foz do Rio Grande, o historiador
Guilhermino César ênfase a encontrar-se naquele local o Coronel Cristóvão
Pereira de Abreu. Abreu lá estava com 160 homens, tendo já reunido bom número de
gado vacum e cavalar e com um fortim “erguido na deserta praia arenosa”.
Mas o encontro dos dois chefes, naquelas remotas paragens, tem de
qualquer modo o valor de um mbolo. De um lado, a vocação
pioneira dos sertanistas, encarnada em Cristóvão Pereira: de outro
lado, a sanção real ao empreendimento, que muito tardara, de plantar
no Rio Grande de São Pedro um poderoso núcleo de fixação e
expansão da cultura portuguesa.
43
O Brigadeiro José da Silva Pais tratou logo de organizar a defesa da nova
povoação. Com ele, segundo César (1980, p. 112), vieram 41 Dragões de Minas
Gerais: um capitão, um alferes, um tambor e 38 soldados, contingente que se
transformou em Regimento, na Comandância de André Ribeiro Coutinho”. O Mestre-de-
Campo Coutinho foi o segundo comandante militar do Rio Grande, de 11 de
dezembro de 1737 a 22 de dezembro de 1740, e coube a ele a criação do Regimento de
Dragões, colocado sobre o comando do Coronel Diogo Osório Cardoso.
O Coronel Diogo Osório Cardoso fora enviado á Colônia, com alguns
oficiais, para organizar ali um corpo de Dragões, com a finalidade de
equilibrar o nosso poder militar com o de Buenos Aires, onde se
cogitava de formar uma dessas unidades de cavalaria. Sobreveio,
porém, o Armistício de 16 de março de 1737 [...] e o Coronel recebeu
ordem de se trasladar ao Rio Grande, com a mesma incumbência.
Mas em março do ano seguinte meteu mãos à obra. O casco do
futuro corpo foram os soldados da mesma arma trazidos de Minas
por Gomes Freire e incorporados à expedição de Silva Pais. Em
janeiro de 1739, formado o Regimento, Osório Cardoso continuou no
comando.
44
43
CÉSAR, 1980, pp. 108-109.
44
Idem, p. 117.
Entre as medidas tomadas para viabilizar a defesa do continente estava a criação da
Estância do Bojuru, cujo regimento de de abril de 1738 previa o depósito do gado vacum,
38
Organizada a defesa, foi assinado pelas Coroas um armistício no ano de 1737
que previa em seus artigos e 5º, a suspensão de hostilidades imediatamente, e o status
quo até que as duas Côrtes se ajustassem
45
, ou seja, Portugal permanecia com o domínio
de Sacramento, ainda que circunscritos quasi aos muros da Praça, sem poderem procurar
os recursos no interior, como usavam fazer, nem rehaver seus estabelecimentos nos
arredores
46
. Segundo Prado (2002, pp. 53-54) apesar do retorno de Sacramento a uma
posição isolada, atuando apenas como porto mercantil, não podemos imaginá-la
como um enclave luso-brasileiro na Banda Oriental”, visto que nesse momento, o
avanço por terra com a expedição de João de Magalhães ligando Sacramento a
Laguna somada a fundação de Rio Grande, acaba por criar uma área de trânsito luso-
brasileiro bastante intenso naquelas paragens.
Este acordo além de cessar com as hostilidades entre as Coroas no Prata,
inaugura uma nova fase na apropriação do território por parte dos súditos
portugueses. O fato do acordo prever deixar as coisas tal como estavam trouxe o
princípio da posse pelo uso à mesa de negociações diplomáticas, inclusive, autores
como Prado (2002), acreditam que o envio da expedição de Silva Pais seria um
indicativo das intenções lusas de tomar posse de pontos estratégicos na região
platina e utilizar-se do uti possidetis.
47
Compartilhamos dessa perspectiva com o autor
e acrescentamos nesse quadro o avanço paulista por terra, com a fundação de
algumas vilas no atual litoral catarinense.
As expedições para o interior eram a riqueza da capitania de São Vicente, pois
diferente do Rio de Janeiro que possuía um bom porto e terras propícias a produção
de açúcar, a capitania de São Vicente possuía um litoral estreito e com terras de
cavalhada, eguada e potrada de S. M. para o suprimento e munício das fortalezas do sul e do
Regimento de Dragões. Nesta estância, administrada por um maioral, trabalhavam treze domadores e
7 peões. MIRANDA, 2000, p. 56. Ver também: FORTES, Amyr Borges. Compêndio de Historia do Rio
Grande do Sul. 6ª edição, Porto Alegre, Sulina, 1981, p. 51.
45
MONTEIRO, 1937, p. 332.
46
Idem, p. 332.
47
Esse princípio pode ser entendido como algo tipoquem usa tem a posse”. Cf. KÜHN, 2002, p. 32.
39
qualidade, o que inviabilizava sua inserção no sistema colonial vigente, voltado para
monocultura de exportação.
48
Um litoral pouco atrativo levou os habitantes ao
interior, ocupando o planalto de Piratininga, que apresentava condições naturais
mais propícias à ação colonizadora com terras cultiváveis; no entanto, para o
estabelecimento de unidades produtivas era necessária uma quantidade razoável de
mão-de-obra. A possibilidade de adquirir escravos africanos era muito remota, dada
a quantidade de capital que era necessário para tal. Da mesma forma, era remota a
possibilidade de que esses luso-brasileiros se empenhassem diretamente no trabalho
na terra. Lembremos que na Europa de Antigo Regime, os ofícios mecânicos eram
desenvolvidos pelos servos, camada mais baixa da hierarquia social, sendo, portanto,
atividades bastante desqualificadas. Isto fez com que, na Colônia, lugar para onde a
maioria viera em busca de ascensão econômica e social para adquirir (ou manter) o
foro de fidalgo fosse necessário manter distância dessas atividades.
49
A mudança para o planalto apresentou o problema da falta de braços e
também a solução, pois essa região concentrava uma série de tribos indígenas que
poderiam ser utilizadas como mão-de-obra.
50
Podemos dizer que as primeiras
expedições organizadas pelos habitantes de São Vicente tinham o intuito de defender
os primeiros núcleos de povoação das tribos próximas (até, pelo menos, 1590), mas
em pouco tempo a escravização de indígenas tornou-se uma possibilidade
econômica. As expedições tornaram-se mais freqüentes e especializadas, e passaram
a expressar de forma mais explícita um projeto coletivo de desenvolvimento, que
acabou por inserir a capitania de São Paulo no circuito mercantil do Atlântico
48
“[...] na capitania de São Vicente as próprias condições naturais da região não foram propicias à ação do
colonizador português. A estreiteza de sua faixa litorânea e a má qualidade do solo das terras próximas à marinha
agiram como sérios obstáculos para a consecução do empreendimento açucareiro. A esses fatores acrescenta-se o
problema gerado pela própria posição excêntrica de São Vicente em relação aos centros consumidores dos gêneros
tropicais”. DAVIDOFF, 1982 apud DECKMANN, 1988, p. 64.
49
Para Lara (2007, p. 84): “A imprecisão da terminologia utilizada para designar as diversas condições indica a
extrema complexidade das formas de diferenciação social, derivada exatamente da multiplicação de critérios
superpostos. Fundadas no nascimento, nas concessões distribuídas a partir de cima pelo rei ou por seus
delegados, e mostradas a cada passo por um ‘gênero de vida’ ou ‘modo de viver’, as diferenças, de certo modo,
estruturavam e davam visibilidade à sociedade do Antigo Regime”.
50
DECKMANN, 1988, p. 65.
40
meridional, pois eram os índios que produziam e transportavam os excedentes
agrícolas.
51
Foi durante o governo de D. Francisco de Souza (1591-1601) que se
intensificaram as incursões portuguesas ao sertão. O principal objetivo seguia sendo
a busca por metais e D. Francisco planejava aplicar o modelo espanhol de exploração:
articular os setores de mineração, agricultura e indústria, todos sustentados por uma sólida
base de trabalhadores indígenas”.
52
Porém esse plano não pôde ser levado adiante
porque as descobertas de ouro e prata não foram muito vultosas. Como resultado o
modelo agrícola permaneceu, o crescimento da lavoura comercial foi estimulado e o
apresamento indígena atingiu proporções nunca dantes alcançadas. Este fracasso
impulsionou um redimensionamento dos objetivos e da área de atuação das
expedições. O apresamento de indígenas passa a ser principal meta e encurtam-se as
distâncias, concentrando-se os esforços na região imediata do planalto (sertões da
própria capitania).
Os índios do grupo Guarani eram os preferidos pelos sertanistas por suas
técnicas agrícolas e habitavam um vasto território ao sul e sudoeste da Capitania.
Estas áreas foram alvo de diversas expedições nas primeiras décadas do XVII e
ficaram conhecidas como Sertão dos Carijós e dos Patos. O primeiro abrangia a área
próxima às margens do rio Paranapanema e compreendia, provavelmente, o local
denominado Guairá, região circundada pelos rios Piquiri, Paraná, Paranapanema e
Tibagi, povoada por guaranis e outros grupos, e que se tornou o centro das atenções
dos paulistas por conta do acesso relativamente fácil (cerca de quarenta a sessenta
dias de viagem) e, desta forma, principal fonte de mão-de-obra da capitania. Neste
local, missionários jesuítas haviam instalado e administravam alguns aldeamentos
indígenas. O Sertão dos Patos estava localizado no interior do atual estado de Santa
Catarina e era habitado por grupos guarani, identificados, entre outras, pelas
51
MONTEIRO, 1994, pp. 57-58.
52
Idem, p. 59.
41
denominações Carijó, Araxá e Patos.
53
A 1632 as sucessivas invasões haviam
dizimado os guaranis e quase todas as reduções jesuíticas do Guairá, forçando o
traslado dos missionários para a outra margem do rio Uruguai, e milhares de índios
foram introduzidos na capitania. Monteiro (1994, p. 74) cita diferentes relatos e
estima que algo perto de 60.000 indígenas foram aprisionados neste período.
No sertão dos Patos os contatos se davam através do mar, no chamado porto
dos Patos
54
, e de acordo com os jesuítas que visitaram a região nos últimos anos do
século XVI, as aldeias do litoral se especializaram no intercâmbio com os
navegadores, ao passo que as principais concentrações da população indígena
permaneciam no interior, a vinte ou trinta léguas de distância. Diferente do que
aconteceu no Guairá, no contato com os indígenas dos Patos a estratégia aplicada
utilizou menos violência física. Ao desembarcar os portugueses eram recebidos por
algumas lideranças tribais com as quais trocavam ferramentas e outros utensílios
europeus por cativos de guerra. Monteiro (1994, pp. 64-65), cita o caso do líder
indígena denominado Tubarão que, com o apoio de seus três ou quatro irmãos, todos
supostamente xamãs, tornou-se o principal fornecedor de cativos guarani na região
dos Patos durante a primeira década do século XVII. Os luso-brasileiros ao
desembarcarem mandariam chamar Tubarão e seus irmãos e com eles obtinham
cativos da etnia Araxá, capturados pelos Carijós em guerras tribais, além de pessoas
soltas”, tais como órfãos e viúvas, provenientes de aldeias Carijós do interior. A
negociação também era uma das armas dos paulistas, afinal a experiência nativa era
útil
55
no processo de adaptação. As alianças com indígenas foram táticas
fundamentais nos primeiros momentos das expedições por um motivo relativamente
simples: era necessário sobreviver no sertão desconhecido, e foi com os indígenas
53
Chamamos a atenção para o fato de que o Sertão dos Patos tem sua localização muitas vezes
confundida com a lagoa dos Patos no Rio Grande do Sul. MONTEIRO, 1994, pp. 60-62.
54
Este local algumas vezes é denominado como laguna dos Patos, e acreditamos que se refira ao local
onde alguns anos mais tarde Domingos de Brito Peixoto tenha fundado a vila de Laguna. Ver adiante.
Cf. MONTEIRO, 1994, p. 65ss.
55
LOPEZ, 1981, p. 21.
42
que os paulistas aprenderam a andar e sobreviver no sertão, além de usarem as
rivalidades tribais a seu favor.
56
Um dos primeiros paulistas a se aventurar nos sertões mais ao sul da
Capitania de São Vicente foi Francisco Dias Velho, que se fixa com alguns filhos,
criados e escravos na ilha de Santa Catarina
57
erguendo a capela de Nossa Senhora do
Desterro (atual Florianópolis), nome que será dado a futura povoação. Francisco Dias
Velho, paulista, de ilustre prosápia e que, na mocidade, acompanhara o pai em incursões
feitas ao gentio dos Patos
58
, era filho de Francisco Dias Velho, sertanista e potentado em
arcos que conquistou com armas em suas entradas no sertão
59
e Custódia Gonçalves. Era
neto de Pedro Dias, irmão leigo da Companhia de Jesus que veio a São Vicente no
princípio de sua fundação onde colaborou na fundação do Colégio de Piratininga,
onde também foi casado com a filha do cacique Tebiriça (Martim Afonso Tebiriça)
pelo bem da ordem”.
60
Pertencente a elite vicentina, tendo sido Alcaide e Juiz ordinário
em sua vila natal, Francisco Dias Velho (o Filho) recebe a mercê de sesmaria na Ilha
de Santa Catarina em 1678:
Em 1678, o paulista requereu ao Governador da Capitania duas
léguas em quadro de terras na Ilha de Santa Catarina, onde tinha
igreja de Nossa Senhora do Desterro e culturas, além de outras mais
em terra firme, sendo, assim, provável que, antes dessa data,
possivelmente em 1675, tivesse fixado moradia na Ilha, para a qual
56
MONTEIRO, 1994, p. 62.
57
Cabral identifica algumas versões para a nomeação da ilha que nas primeiras referências chamava-
se Ilha dos Patos, sendo atribuída a nomenclatura a Martim Afonso, Dias Velho, entre outros, mas este
autor com base em depoimentos coevos indica que a ilha foi rebatizada por Sebastião Caboto,
navegador espanhol que passou pela ilha em 1526 onde naufragou parte de sua esquadra e precisou
por lá ficar por cerca de 4 meses: “Discute-se, ainda, se a denominação se deveu a tê-la feito a 25 de
novembro, dia consagrado à Santa de Alexandria razão que aceitamos, com outros Autores ou se se deveu a
uma homenagem que o navegador quis prestar à sua esposa, Catarina Medrano, com quem casara em segundas
núpcias e que, segunda consta, era um verdadeiro pesadelo em sua vida, maltratando-o e sujeitando-o a tão
ridículos papéis que o navegador, sempre que podia, metia-se em alguma expedição que o levasse para longe do
lar, em busca de uma tranqüilidade que nele não encontrava.” CABRAL, 1968, p. 22.
58
Idem, p. 37.
59
LEME, [1903-1905], p. 26, v. VIII.
60
Idem, p. 25, v. VIII.
43
se transferira com a família, agregados e escravos, época em que teria
dado início a todos aqueles trabalhos que alegou para obter doação.
61
Mas a tranqüilidade da família Dias Velho durou apenas 11 anos. Em 1687
aportou na enseada de Canasvieiras um navio corsário (inglês ou holandês)
necessitando de reparos. Dias Velho foi informado, atacou e prendeu os piratas,
remetendo homens e cargas para São Vicente, onde tal atitude de repressão ao
contrabando lhe rendeu elogios. Os bens confiscados foram dados à Fazenda Real e
os homens postos em liberdade e dois anos mais tarde [1689], sequiosos de vingança,
voltaram eles, tomando prático em São Francisco para alcançar a Ilha de Santa Catarina.”.
Francisco Dias Velho foi alertado, mas pouco pode fazer para proteger sua família.
Atacado de surpresa, foi preso e levado até a capela e morreu em desespero, não
podendo defender as filhas da sanha dos piratas, pois, ao tentar fazê-lo, recebeu o tiro que o
prostrou”.
62
Persuadidos por dois frades do povoado e por uma oferta de víveres,
suprimentos e mercadorias, os piratas pouparam a família de Dias Velho. Logo após
a tragédia chega a ilha José Dias Velho, irmão de Francisco, que encaminha o restante
da família de volta a São Paulo. Fica na Ilha apenas um filho de Francisco, José Pires
Monteiro, que também não permanece muito tempo no doloroso sítio, transferindo-
se para Laguna, ficando praticamente abandonada a povoação da Ilha.
63
A povoação de Laguna na qual se refugiou o filho de Dias Velho foi fundada
dentro dos mesmos moldes da situada na Ilha. No ano de 1676 o vicentista Domingos
de Brito Peixoto, que havia participado anteriormente de algumas expedições ao
Sertão dos Patos organizadas por Francisco Dias Velho (o Pai)
64
, acompanhado de
seus dois filhos, Francisco de Brito Peixoto e Sebastião de Brito Guerra, partiu de
Santos em direção ao sertão dos Patos, onde buscava indígenas e metais. Sua
expedição era composta de cerca de dez homens e 50 escravos, além de uma fragata
61
CABRAL, 1968, p. 37.
62
Idem, p. 38.
63
Idem, pp. 37-38.
64
Referência a uma destas expedições pode ser encontrada na Carta do Rio de S. Francisco, Vila de N. S.
da Graça, até o Rio de Martim Afonso de Souza, de 19 dias do Rio Grande e 51 da barra do Rio da Prata” escrita
por Manuel Jordão da Silva em 1698 e transcrita em CESAR, 1998, p. 44-46.
44
que deveria seguir por mar e aguardá-lo na laguna chamada dos Patos. A viagem
por terra durou quatro meses e nela Domingos perdeu quase metade dos escravos
que trazia. Chegando a Laguna dos Patos encontrou-se com a parte marítima de sua
expedição e se instalou, colocando o lugar sobre invocação de Santo Antônio dos
Anjos.
65
A família Brito Peixoto era oriunda da vila de Santos, na capitania de São
Vicente, e estava ligada pelo casamento com uma importante família, os Leme.
Domingos de Brito Peixoto casou-se com Ana da Guerra, neta de Pedro Leme que
foi homem nobre e da governança da terra”. Este era filho de Leonor Leme e Braz Teves,
vindos da Ilha da Madeira e que foram por muitos anos moradores em S. Vicente, onde
eram proprietários do engenho de açúcar chamado de S. Jorge dos Erasmos, com cujos lucros
se tornaram abastados; mais tarde se mudaram com seus f.°s para a vila de S. Paulo, onde fez
Braz Teves seu estabelecimento e teve as rédeas do governo.”.
66
Com esse consórcio
Domingos de Brito Peixoto aliou-se a uma das principais famílias da Capitania de
São Vicente. Pedro Leme esteve envolvido na expedição de Nicolau Barreto que em
1602 percorreu o rio Tietê e teria percorrido a região do baixo rio Paraná alcançando
o rio Paraguai e as regiões andinas, território que pertencia ao Vice-Reino do Peru.
67
Em comum, Dias Velho e Brito Peixoto tinham a pertença às famílias nobres de
São Vicente e o interesse pelas terras ao sul da Capitania. No entanto, os Brito
Peixoto tiveram mais sucesso na conquista do sul. Após o primeiro estabelecimento,
em 1676, Domingos de Brito Peixoto regressou a Santos, pois havia fracassado seu
empreendimento por falta de recursos. Em 1678 solicita auxilio régio para retornar a
Laguna, e em 1682-83 faz mais uma tentativa de regresso, dessa vez por mar, que
fracassa por conta de um revés que o leva para o norte, levando ao fundo sua
embarcação na costa do Espírito Santo. Somente em 1684
68
Domingos se estabelece
65
CABRAL, 1968, p. 38.
66
LEME, [1903-1905], p. 186.
67
Idem, pp. 179-229.
68
Por conta dessas idas e vindas do fundador de Laguna a historiografia catarinense de caráter mais
tradicional debate sobre a data de fundação da vila, alguns a reconhecem no ano de 1676 e outros em
45
com sua família no povoado de Laguna de forma definitiva, iniciando a construção
da igreja matriz alguns anos depois (em 1696).
69
A fundação de vilas na costa catarinense está inserida no ímpeto desbravador
que se disseminava na Colônia; Kühn (2006, pp. 31-32), nos fala da construção de
uma Nova Paulistânia”, um projeto para reproduzir na fronteira o modus vivendi da
capitania de São Vicente dos séculos XVI e XVII, que traria a Laguna, principalmente
e, posteriormente, ao Continente de São Pedro, os primeiros povoadores. A principal
função da pequena vila de Laguna, assim como o foi a da vila de Desterro, era apoiar
a Colônia de Sacramento, mas rapidamente ela passa a ser o pólo de irradiação das
iniciativas expansionistas rumo ao sul. A família Brito Peixoto foi a primeira a se
instalar definitivamente em Laguna, e, segundo Kühn (2006, p. 32), Domingos de
Brito Peixoto
[...] seguia o paradigma paulista do expansionismo voltado para a
fronteira, em busca das riquezas do sertão, fossem elas o “ouro
vermelho” da mão-de-obra indígena, fossem as tão cobiçadas minas
de prata, que se supunham existissem por estas latitudes.
Na virada do séc. XVII para o XVIII outra mercadoria entraria na lista de
interesses dos desbravadores: o gado vacum e muar. Segundo Hameister (2002, pp.
28-29) as primeiras referências ao rebanho do futuro Continente de São Pedro foram
feitas pelo Padre da Companhia de Jesus Simão de Vasconcelos, em 1663
70
, mas se
passariam pelo menos 30 anos até que o gado se transformasse em mercadoria. Com
a descoberta das minas de ouro nas Minas Gerais na cada de 1690 desenvolve-se
um mercado interno para os animais vacuns e principalmente muares, e as
1684, neste trabalho utilizaremos como referência o ano de 1684, pois é quando a família Brito Peixoto
se instala definitivamente no local. Para maiores informações sobre o debate na historiografia
catarinense ver KÜHN, 2006, Cap. 1.
69
CABRAL, 1968, p. 39.
70
Daqui em diante [Rio Tramandaí] até o Rio da Prata, seguem-se as campinas já ditas, cheias de imensidade de
gado, caça, cavalos, porcos monteses, e muitos outros gêneros que andam em bandos (...)” Vasconcellos in
CESAR, 1988, 34 apud HAMEISTER, 2002, p. 29.
46
atividades de preia e arrebanhamento destes animais, antes realizadas somente para
o consumo imediato, ganham maior impulso.
71
Se os paulistas, ávidos por riquezas, cruzaram os territórios
meridionais para saquear as Missões e prear índios, parece
impossível que não tenham percebido a infinidade de animais que
pastavam aos campos. Se não os levaram junto é porque não tinham o
que fazer com eles. Antes do ouro, gados no pasto eram apenas gados
no pasto e não riqueza traduzível em valores monetários. Assim,
como uma “poupança” que a cada período de reprodução
aumentava, os gados ficaram no sul, até o momento em que foram
postos em movimento para as regiões mais centrais da Colônia.
72
A exploração comercial dos gados trouxe os povoadores para o extremo-sul de
forma mais intensa, pois, nesta fase, era necessário estabelecer estâncias onde o gado
pudesse ser reunido e posteriormente encaminhado às capitanias do centro. As
transformações que ocorreram na economia interna a partir da mineração acabaram
por incluir esse território no circuito mercantil da Colônia. Para abastecer a região
mineradora o gado vacum, utilizado na alimentação, foi o primeiro produto a ser
exportado do extremo-sul, mas os muares foram o centro das atenções dos
comerciantes. Estes animais eram muito úteis no transporte de cargas no interior da
Colônia, uma necessidade cada vez mais premente considerando-se que as minas de
ouro ficavam distantes do litoral, e eram produzidos a partir do cruzamento entre
asnos e éguas, num hibridismo que não ocorre naturalmente, sendo necessária a
intervenção humana no processo de reprodução.
73
Por esse caráter híbrido, as mulas
71
“[...] ao que tudo indica, a exploração comercial das mercadorias animais só se tornou possível porque passou a
existir um mercado capaz de consumi-las.”. HAMEISTER, 2002, p. 70.
72
Idem, p. 71
73
É um processo complexo, que passa pela separação dos rebanhos de distintas espécies os asininos e os
eqüinos – sub-repartidos por sexo, isolados dos reprodutores de outros animais de sua própria espécie, requerendo
vigilância constante para não pôr a perder o burro reprodutor (burro hechor). Este é o animal mais caro presente
nos inventários de fazendeiros, chegando a valer 15 cavalos mansos. O alto preço deste animal é devido ao
adestramento e tratamento especial desde o seu nascimento, para posterior cobertura de éguas, também
condicionadas desde filhotes à aceitação dos burros reprodutores. As éguas para este tipo de produção receberam
também uma designação própria, chamadas de éguas de cria, éguas de cria de mulas, ou éguas de ventre”. Idem,
pp. 74-75.
47
não eram encontradas vagando pela Vacaria del Mar (como era o caso do gado
vacum), e, num primeiro momento, eram adquiridas na província de Corrientes em
território espanhol.
No momento em que se abre um mercado consumidor para os rebanhos da
Vacaria del Mar a situação política dos lusos brasileiros na planície platina se
agudiza, os sucessivos cercos a Colônia de Sacramento fizeram com que a Coroa
passasse a apoiar as investidas particulares no extremo-sul. apresentamos aqui as
iniciativas fluminenses e vicentinas com relação ao povoamento do extremo-sul, resta
salientar que na maioria delas a Coroa atuou apenas indiretamente, limitando-se a
conceder mercês àqueles que obtinham algum sucesso, e que a perda do controle
sobre a Colônia força a tomada de atitude concreta (talvez primeira) no sentido de
apoiar o povoamento do sul: a ordem para a fundação do presídio Jesus-Maria-José
(futura vila de Rio Grande) em 1737. Exemplo paradigmático desse encontro entre os
interesses da Coroa e particulares é o já referido encontro do Brigadeiro Silva Pais
com o Coronel Cristovão Pereira de Abreu, no local onde o primeiro tinha ordens
para erguer uma fortificação.
Cristovão Pereira de Abreu (ou apenas Cristovão Pereira) era natural de Ponte
de Lima, bispado de Braga, em Portugal. A data de seu nascimento é incerta,
variando de acordo com os autores entre 1678 e 1680. Na segunda metade da década
de 1690 teria chegado a Sacramento onde fez parte dos primeiros grupos de homens que
se lançaram à extração dos couros dos bovinos selvagens das imediações do presídio,
fabricando este produto em larga escala.”.
74
Ao que tudo indica ele teria vindo de
Portugal sozinho, ou melhor, sem a companhia dos pais, e com poucas posses, mas
não completamente desamparado. Ao desembarcar no Rio de Janeiro, muito
provavelmente, ele foi recebido por um aparentado chamado Cristovão de Ornelas
Abreu
75
, ou alguém a seu mando. Ornelas de Abreu foi comandante da Colônia de
74
HAMEISTER, 2002, p. 115.
75
Não foi possível, ainda, conferir a veracidade desse parentesco aludido por Aurélio Porto junto à
documentação paroquial portuguesa ou mesmo junto à genealogias que o incluam. Considerando que fraudes nos
registros eclesiásticos e genealogias falsamente forjadas com o intuito de garantir uma nobreza ancestral aos
48
Sacramento nos anos de 1683 e 1689, sendo seu governo marcado pela corrupção
generalizada
76
e o contrabando com Buenos Aires.
77
Quando Cristovão Pereira
chegou a Sacramento Ornelas de Abreu havia deixado o governo, mas segundo
Hameister:
[...] não é inconcebível pensar que as relações estabelecidas por
Cristóvão de Ornelas Abreu estivessem longe de se esmaecerem
totalmente, e em sua ausência, ter deixado o jovem aparentado sob os
auspícios de algum amigo ou mesmo um familiar seu. E as relações
de Cristóvão de Ornelas extrapolavam os limites da praça de
Sacramento, fazendo vau ao Prata e negociando mercadorias com o
“inimigo” mesmo estando o fundador, D. Manuel Lobo, sob prisão
em território espanhol.
78
A partir desses possíveis contatos Cristovão Pereira iniciou seus negócios
ligados ao comércio de couros e animais. Reza a lenda que ele em pessoa
embrenhou-se na campanha em busca do gado, por jovem que era ou por desprovido de
capital, fez-se necessária a sua atuação nas coureadas e nas negociações diretas com os índios
que vendiam gado e couros”.
79
Atuando na campanha entre as estâncias dos padres
jesuítas (próximas ao rio Jacuí) e a Vacaria del Mar, Cristovão Pereira expunha-se a
grandes riscos, não só aqueles relativos a topografia do lugar, mas também aos
ataques de indígenas e espanhóis que dominavam a área. Perigo compensado pelo
lucro que advinha dessa atividade que foi de tal monta que em 1702
poderosos desse período, obtenção de distinções, ingresso nas ordens militares ou em certas confrarias não foram
tão raras assim (Mello: 2000), esses laços familiares ficam sob suspeita até que se possa investigá-los. No entanto,
essa informação não é de todo desprezível, e dando um voto de confiança ao autor da História das Missões
Orientais do Uruguai, considerar-se-á aqui a possibilidade de realmente existir algum vínculo entre esses dois
Cristóvãos”. HAMEISTER, 2002, p.123.
76
POSSAMAI, 2004, p. 22. Em março de 1683, Teixeira Chaves voltou para o Rio de Janeiro, deixando no
governo de Colônia o tenente Cristovão de Ornelas de Abreu. Parcela considerável da culpa pelo fraco
desenvolvimento de Colônia durante os primeiros anos do restabelecimento dos portugueses deve-se à
administração de Ornelas de Abreu, que se preocupou mais em enriquecer que em buscar o desenvolvimento da
povoação.”. POSSAMAI, 2005, p. 47.
77
Pois era certo que o Governador Dornelas, de conluio com o de Buenos Aires, fazia comércio por sua conta,
não permitindo que os mais o fizessem, chegando a ponto de mandar ao fundo um lanchão de particulares que
comerciavam às ocultas”. MONTEIRO, 1937, v.1, 108 apud HAMEISTER, 2002, p. 123.
78
HAMEISTER, 2002, p. 122.
79
Idem, p. 119.
49
aproximadamente uma década depois de estabelecido em Sacramento, Cristovão
Pereira já havia reunido capital suficiente para arrematar o direito sobre o quinto dos
couros.
O quinto dos couros e gado em consistia na arrecadação de 20% de todos os
couros produzidos e sobre o gado em vendido para fora da Capitania”.
80
Instituído pela
Coroa em 1699, este imposto era aplicado apenas no sul da Colônia e tinha o seu
recolhimento leiloado em praça pública podendo ser arrematado por particulares
que deviam, por tempo determinado (geralmente de três anos), pagar um valor fixo
anualmente. A arrecadação era feita em moeda ou em produtos (no caso, couros e
gados), sendo a segunda forma mais recorrente, inclusive aceita pela Coroa no
pagamento do contrato.
81
Cristovão Pereira arrematou o direito de arrecadação desse
imposto em 1702, o primeiro triênio em que este foi a leilão.
Considerando a imprecisão da data de nascimento de Cristóvão
Pereira, ele poderia ter entre 19 e 24 anos de idade quando desta
arrematação o que, ainda assim, é considerada pouca para este tipo
de atividade. Também era alto o valor desse contrato. Segundo
Aurélio Porto, era de 70.000 cruzados ao ano. Essa quantia evidencia
o conhecimento, por parte de representantes da Coroa, dos grandes
valores movimentados nesse negócio. E conhecimento das
potencialidades da exploração dos couros por parte do arrematador
do contrato. Queda a pergunta sobre as maneiras que teria um jovem
para aproximar-se do mais lucrativo negócio e do mais lucrativo
imposto cobrado na região.
82
Para arrematar o contrato do quinto dos couros que naquele tempo era um dos
maiores daquela conquista
83
, Cristovão Pereira precisava de um ou mais fiadores que
tivessem cabedais suficientes para arcar com um contrato tão alto. Acreditamos que a
rede de solidariedade a qual Cristovão Pereira pode ter sido inserido por seu
80
OSÓRIO, 1999, p. 206.
81
Esta taxação era cobrada também dos couros adquiridos aos castelhanos e aos índios e dos outros subprodutos
dessa extração: os sebos e as línguas postas em barris de salmoura que eram enviadas para o Rio de Janeiro e
consumidas como iguarias.”. HAMEISTER, 2002, pp. 115-116.
82
Idem, pp. 117-118.
83
PORTO, 1943, v.1, p. 354 apud HAMEISTER, 2002, p. 116.
50
aparentado ilustre tenha lhe permitido a fiança necessária para arrematar este
contrato, pois segundo Hameister “Ainda que não se conheçam os critérios específicos para
que alguém pudesse arrematar e contratar os couros, para todas as adjudicações havia a
necessidade comum: deveriam ambos, fiador e arrematador, contar com cabedais, boa
reputação e boas relações na praça”.
84
Duas informações nos remetem a construção de
uma rede de relações bastante variada por parte de Cristovão Pereira: seu contato
com os ilustres intermediado por Ornelas e sua atuação direta na preia do gado junto
a indígenas e peões. Mesmo que sua entrada tenha sido parcialmente facilitada por
seu aparentado, a permanência de Cristovão no mercado dos animais dependia de
sua capacidade de manter e ampliar essas redes. Por ter se empenhado pessoalmente
na colheita
85
do gado na Campanha Cristovão Pereira fez contato direto com
indígenas, homens livres, libertos e escravos, súditos tanto da Coroa espanhola
quanto da portuguesa, e essa variedade de relações sociais foi fundamental tanto
para iniciar o negócio quanto para mantê-lo e ampliá-lo.
86
A prosperidade dos negócios de Cristovão Pereira só seria atrapalhada pelos
conflitos bélicos que se desenrolavam na região. O clima tenso certamente dificultava
suas relações com súditos e indígenas espanhóis, mas em termos práticos a guerra
entre as duas Coroas não impedia o trânsito de suas mercadorias.
Os marcos divisórios estabelecidos pelas duas Coroas eram antes de
mais nada uma membrana permeável às relações sociais entre os seus
súditos. Os elos humanos da grande cadeia de relacionamentos e
parentescos moviam-se através dela senão a bel prazer, ao menos
com muita desenvoltura.
87
84
HAMEISTER, 2002, p. 117.
85
O termo colheita era utilizado para a atividade de preia de gado, pois remetia a abundância desses
animais.
86
Hameister fala de relações estabelecidas por Cristovão Pereira com gente do Chile e Buenos Aires:
Não foram raras as vezes que Cristóvão Pereira manteve negócios e relações de amizade com gente do Chile e de
Buenos Aires (Carta de Cristóvão Pereira a Gomes Freire de Andrade1736, in BR, 1946: 360), tendo, nos idos
de 1730, procurador constituído nessa cidade.” (2002, pp. 123-124).
87
Idem, p. 125.
51
O limite teórico delineado pelo tratado de Tordesilhas entre as Coroas ibéricas,
conforme explicitamos, de forma alguma pode dar conta da heterogeneidade deste
espaço. Ele confrontou-se sempre com uma fronteira em constante processo de
formação e transformação, pois, entendemos, e apresentamos aqui, a fronteira como
um espaço de circulação de pessoas e mercadorias, que não deve ser confundido com
o limite político, estático e definido por tratados e acordos, ou seja, mesmo que
podendo ser utilizada para indicar o limite político é um espaço socialmente
construído, que pretende dar conta da ação dos sujeitos naquele espaço. Os contatos
de Cristovão dos dois lados da fronteira diplomática mostram que esse limite não fazia
parte do cotidiano das pessoas que ocupavam aquelas paragens como algo
imobilizador.
A colônia de Sacramento permanece sob domínio espanhol de 1705 a 1716, e
segundo Hameister (2002, p. 119), Cristovão Pereira possuía ainda em 1705 o
contrato do quinto dos couros, algo que chama atenção, pois se a Coroa portuguesa
havia perdido a posse de Sacramento seu único território próximo a Vacaria del Mar,
onde era recolhido o gado como poderia sobre ele cobrar impostos?
Esse fato é um tanto instigante e que merece estudo futuro: o
território estava perdido para os portugueses, mas a cobrança de uma
taxa instituída pela sua Coroa continuava a valer para essas terras,
agora sob domínio de Espanha.
Novamente indicativo de não haver limites claros entre o que se
julgava ser o Continente do Rio Grande de São Pedro e a Banda
Oriental e que, mesmo estando em guerra os dois países europeus, de
forma aberta ou velada o comércio entre os súditos de ambos
continuava existindo. Também percebe-se que a rixa, transformada
em guerra nas imediações da única praça lusa no Prata, era nascida
muito mais nas altas esferas do que entre aqueles que
compartilhavam das mesmas atividades. Mesmo que transformado
em soldados, beligerantes cada qual na defesa de sua Coroa, seus
negócios prosseguiam.
Denota, por outro lado, que a Coroa lusa malgrado suas incessantes
tentativas de manter a posse territorial – mais do que deter este
território, procurava garantir a mantença dos negócios de seus
súditos com espanhóis e autóctones. Disso dependia o acesso da
Coroa às riquezas provindas desta região. Até o descobrimento do
52
ouro, Sacramento era a grande fonte de acesso luso aos metais
preciosos, justamente através do comércio legal e do contrabando.
88
Portanto, podemos afirmar que mesmo com os conflitos em Sacramento os
negócios de Cristovão Pereira continuavam a prosperar. Pacificada a fronteira, na
década de 1720 uma nova oportunidade de negócio é vislumbrada por Cristovão
Pereira: o transporte terrestre de animais para outras localidades. A descoberta desse
novo mercado não foi exclusiva de Cristovão Pereira, houve um aumento na
demanda por carnes salgadas, couros e animais muares na região das Minas Gerais
que rapidamente passou a ser suprida pela região sul.
89
Num primeiro momento os animais eram transportados de Sacramento até
Laguna onde eram abatidos e transformados em carne salgada, através do “Caminho
da Praia” que ligava as duas localidades via litoral e era a única via de acesso ao
extremo-sul desde pelo menos 1703, quando foi descrita por Domingos da
Filgueira
90
, e utilizada por tropeiros.
O caminho da costa do mar era o mais seguro, porque menos
infestado de índios. Mas, ao atravessar o Mampituba, entrando em
santa Catarina, essa via de acesso esbarrava nos taimbés e serranias
de Araranguá. Ali, deviam as tropas alcançar o planalto, rumo aos
campos de Curitiba e Sorocaba, por trilhos sinuosos e alcantilhados,
quase impraticáveis, que dificultavam enormemente a condução das
alimárias.
91
88
HAMEISTER, 2002, pp. 119-120.
89
Idem, pp. 129ss. Ver também: PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil, São Paulo:
Brasiliense, 1977, pp. 94-100. FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. Companhia Editora
Nacional. São Paulo, 1999. Pág. 76-77. SANTOS, Corcino Medeiros dos. Economia e Sociedade do Rio
Grande do Sul Século XVIII. São Paulo: Ed. Nacional; Brasília, INL, 1984. (Brasiliana, V. 379). CÉSAR,
Guilhermino. Ocupação e diferenciação do espaço. In: DACANAL, José H., GONZAGA, Sergius
(Org.). RS: economia & política. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1979. p. 7-28. SILVA, Elmar Manique
da. Ligações externas da economia gaúcha (1736-1890). In: DACANAL, José H.; GONZAGA, Sergius
(orgs.). RS: Economia e Política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979. PETRONE, Maria Thereza
Schorer. As áreas de criação de gado. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. (org.). História Geral da
Civilização Brasileira, ed., Rio de Janeiro: Difel, v. 2, pp. 218-227, 1977. OSÓRIO, Helen. Estancieiros,
lavradores e comerciantes na constituição da estremadura portuguesa na América, Tese de Doutorado, UFF,
1999.
90
Como viajar, por terra, da Colônia do Sacramento a Laguna”. In: CÉSAR, 1998, pp. 47-51.
91
CÉSAR, 1980, p. 93.
53
Por conta desse traçado dificultoso o Caminho da Praia era demasiadamente
demorado e cansativo, tanto para os condutores quanto para os animais, e acarretava
muitas perdas. Com o aumento da demanda tornou-se urgente a abertura de um
novo caminho. Em 1721 Bartolomeu Paes de Abreu enviou ao governo um pedido de
licença para abrir uma estrada que ligasse São Paulo a Sacramento via sertão, nele
Paes de Abreu pedia como contrapartida grande porção de terras, a patente de
Capitão-mor do distrito do Rio Grande, o posto de Guarda-mor das minas que se
descobrissem no trajeto e ainda a isenção de impostos sobre os animais que
exportasse (ele e seus sócios) pelo período de 9 anos.
92
Segundo Fortes (1931, p. 135)
Paes de Abreu não recebeu autorização, pois o Governador Rodrigo César de
Menezes estava absorvido pelos negócios do Mato Grosso, onde haviam sido
descobertas minas de ouro, mas acreditamos que as avultadas mercês solicitadas
também tenham contribuído para a negativa.
Sendo ainda muito necessário ao bom andamento dos negócios do sul, o
projeto foi retomado em 1727 quando assumiu a capitania de São Paulo Antônio
Caldeira da Silva Pimentel que designou Francisco de Souza Faria para a empreitada.
Seu plano era de, chegando a Laguna por via marítima, partir em direção a foz do rio
Araranguá e dali seguir pelo planalto, no entanto, não o pode levar a cabo sem
dificuldades políticas. Aos habitantes de Laguna não interessava esse novo caminho,
pois até o momento era a pequena vila que centralizava o trânsito de animais vindo
do Rio Grande e para impedir tal prejuízo, liderados por seu Capitão-mor Francisco
de Brito Peixoto, puseram-se a atrapalhar os planos de Souza Faria.
Francisco de Souza Faria partiu do porto do Rio de Janeiro em finais de 1727
acompanhado por 35 pessoas em direção a Laguna, no caminho aportou nas vilas de
Paranaguá, São Francisco e na Ilha de Santa Catarina procurando nesses locais
92
FORTES, 1931, p. 132.
54
alguma gente mais para a diligência em que ia”.
93
Após, aproximadamente, três meses
de viagem ele chega a Laguna acompanhado de 96 pessoas, permanecendo nesse
local por dois meses, não para dar descanso a toda a tropa, prepará-la do necessário, e
prover-me de novos Práticos, mas também para consultar ao Capitão-mor da dita Vila,
segundo as instruções que trazia de S. Paulo”.
94
Nesse momento a oposição dos
lagunenses se efetiva. Fazia pouco mais de dois anos que o Capitão-mor de Laguna,
Francisco de Brito Peixoto havia organizado e enviado, a cargo de seu genro, João de
Magalhães, uma expedição ao território sulino com a intenção de povoar a fronteira
do Rio Grande, claro está que além de instalar uma estância nas proximidades de São
José do Norte e de arrebanhar boa quantidade de gado essa empreitada trouxe ao
Capitão-mor o conhecimento sobre as possibilidades do lugar. Foi este conhecimento
que baseou a oposição do mesmo ao novo caminho, pois seu possível controle sobre
os rebanhos do Continente se via ameaçado.
No papel de apaziguador, temos a interferência de Cristovão Pereira:
Neste tempo me achava eu na nova Colônia do Sacramento, e tendo
esta notícia, me pus logo a caminho a ver o estado em que se achava
esta diligência, e chegando a Vila da Laguna achei ao dito Francisco
de Souza com alguma gente, mas quase impossibilitado a dar a
execução ao que se ordenava, porque o Capitão-mor da dita vila, ou
pelos motivos ditos, ou por contemplação dos moradores das Vilas
de Santos, Parnaguá, e Curitiba, com quem era aparentado,
simuladamente lhe fazia impossível, principalmente na gente, porque
tanto se lhe alistava de dia como lhe fugia de noite; e vendo-o eu
neste estado, cuidei em aplicar-lhe o remédio, fazendo-o primeiro
congraciar o dito Francisco de Souza, com o Capitão-mor a quem não
falava, e tive a fortuna de que ele pusesse a caminho com boa ordem
e a gente necessária em Fevereiro de 728.
95
93
Notícia Prática. Dada ao R.P.M. Diogo Soares, pelo Sargento Mor da Cavalaria Francisco de Souza faria,
primeiro descobridor, e abridor do dito caminho. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
tomo LXIX, parte I, 1908, p. 237.
94
Notícia Prática. Dada ao R.P.M. Diogo Soares, pelo Sargento Mor da Cavalaria Francisco de Souza faria,
primeiro descobridor, e abridor do dito caminho. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
tomo LXIX, parte I, 1908, p. 237.
95
Notícia Prática. Dada pelo Coronel Cristovão Pereira d’Abreu, sobre o mesmo caminho, ao R.P.M. Diogo
Soares. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo LXIX, parte I, 1908, p. 256.
55
Cristovão Pereira em sua Notícia apresenta alguns dados que julga comporem
as razões para o embargo dos lagunistas a empreitada de Souza Faria. Segundo ele os
principais protestos partiam de moradores de Santos, Paranaguá e Curitiba, uns por
viverem escondidos nesses locais por crimes ou por outros iguais motivos, como régulos
sem obediência nem temor algum de justiçae temerem por suas liberdades, outros por
serem proprietários de pequenas fazendas nos Campos de Curitiba temiam a
desvalorização de suas propriedades e culturas. Por isso, acrescenta Cristovão
Pereira, corriam boatos na região de que Paulistas antigos davam o sertão a ser
percorrido para abertura do novo caminho como impraticável e que a região seria alvo
fácil de ataques de indígenas por serem os ditos confinantes às aldeias administradas
pelos Padres Jesuítas. Acrescentaremos a estas razões o fato de que havia o perigo
real de que Laguna fosse excluída da rota comercial, e de que as vilas citadas por
Cristovão Pereira foram povoadas por famílias paulistas assim como Laguna e por
isso, muito provavelmente, estavam interconectadas por elos de parentesco.
96
Até o momento não sabemos quais foram os argumentos utilizados por
Cristovão Pereira para persuadir os lagunistas a permitirem a partida de Souza Faria,
mas sabemos que ele não conseguiu completar a obra, e, principalmente sabemos que
foi Cristovão Pereira quem a concluiu e por isso recebeu todas as honrarias e mercês.
Segundo Fortes (1931, p. 139) o fracasso de Souza Faria deve-se a “fraqueza” do
mesmo como chefe sertanista:
Preferiu tomar muito ao da letra as Instruções do Governador de
São Paulo e talvez influenciado tendenciosamente pelas sugestões
dos habitantes da Laguna, foi buscar o itinerário menos
aconselhável, dada a natureza da região. Na parte onde inaugurou a
construção é onde a Serra do Mar muito se aproxima da costa e onde
se apresenta em alcantís de elevado perfil.
[...]
As dificuldades que venceu foram tremendas e, segundo penso,
devidas à falta de verdadeira orientação do chefe e de seu piloto.
96
Notícia Prática. Dada pelo Coronel Cristovão Pereira d’Abreu, sobre o mesmo caminho, ao R.P.M. Diogo
Soares. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo LXIX, parte I, 1908, p. 255.
56
Tomaram estes um rumo geral e seguiram por ele a despeito das
dificuldades, que iam superando pela força e não pela inteligência.
97
Ousamos afirmar que a inteligência que faltou a Souza Faria sobrou a Cristovão
Pereira. Fortes (1931, p. 141) afirma que Souza Faria não usou adequadamente um
velho roteiro de sertanistas que, seguido, lhe facilitaria melhor acesso ao planalto, poupando-o
a exaustivos trabalhos e ganhando tempo para chegar a Curitiba”, porém, ao que o autor
identifica como fraqueza e falta de inteligência por parte de Souza Faria preferimos
creditar a uma manobra por parte de Cristovão Pereira e Francisco de Brito Peixoto
que o conduziu a erro, afinal ambos conheciam a região, por onde circulavam
bastante tempo, provavelmente conheciam o roteiro e dele poderiam não ter dado o
devido conhecimento a Souza Faria, sendo levados a esse procedimento por seus
interesses compartilhados. Em comum os grupos representados por esses dois líderes
mantinham o desejo de controlar o fluxo de gado que vertia da Banda Oriental e
adjacências, e, posteriormente, ambos se beneficiaram com o novo trajeto proposto
por Cristovão Pereira.
Logo após a saída de Souza Faria de Laguna, Cristovão Pereira retornou a
Sacramento onde pretendia reunir (e reuniu) uma tropa de cavalos e bestas muares
para transportar através do novo caminho aberto por Souza Faria
[...] e, na consideração de que o acharia feito, parti daquela Praça com
800 cavalgaduras e cheguei a este porto (do Rio Grande São Pedro)
nos fins de outubro de 1731, e passando à parte do Norte, achei várias
pessoas com um grande número de animais para entrarem ao dito
caminho; e, sem embargo de haver notícia certa que os descobridores
tinham saído fora, nenhum se animava a isto; assim por se dizer que
o tal caminho necessitava de reformado e de muito benefício.
98
Constatando que o novo caminho não poderia ser utilizado Cristovão Pereira
dirigiu-se a São Paulo para ter com o General Caldeira Pimentel com quem pretendia
97
FORTES, 1931, p. 138. Grifos nossos.
98
Notícia Prática. Dada pelo Coronel Cristovão Pereira d’Abreu, sobre o mesmo caminho, ao R.P.M. Diogo
Soares. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo LXIX, parte I, 1908, p. 257.
57
buscar nova providencia de gente armas, ferramentas, e munições
99
para consertá-lo.
Recebendo apoio do General, Cristovão Pereira entrou no caminho com 60 pessoas,
depois de refeitos alguns trechos pelo caminho, finalmente, começaram a passar as
tropas reunidas por Cristovão Pereira em São José do Norte. Além de melhorar o
trânsito na parcela do caminho aberta por Souza Faria, Cristovão Pereira introduziu
uma importante mudança em seu traçado ao ligar parte da estrada ao Caminho da
Praia através de um desvio na altura do atual município de Palmares (RS) que seguia
em direção ao rio Rolante, afluente do rio dos Sinos, rumo a serra.
100
Este novo rumo
e sua ligação com a estrada de Souza Faria foi chamado de Caminho dos Sertões (ou
caminho de Cristovão Pereira, ou ainda Estrada dos Tropeiros) e concluído por
Cristovão Pereira entre 1730 e 1740, cruzava o território conhecido como Campos de
Viamão, que, segundo Kühn (2006, p. 106) já era conhecido por paulistas e lagunistas
que exploravam o Rio Grande pelo Caminho da Praia e compunham-se de todas as
planícies despovoadas à margem esquerda do Rio de São Pedro”. Uma das famílias que
lideravam esse processo de exploração e apropriação dos Campos de Viamão foram
os Brito Peixoto, por esta razão acreditamos que o Capitão-mor de Laguna, Francisco
de Brito Peixoto se unira a Cristovão Pereira para não perder precocemente o
domínio dessa região.
Anos antes, em 1715, o Capitão-mor Francisco de Brito Peixoto recebeu do
governador do Rio de Janeiro Francisco da Távora ordens para examinar as
campanhas do Sul até Sacramento averiguando se em algum daqueles sítios haviam
se instalado algum estrangeiro, e para cumprir essa tarefa enviou de Laguna uma
pequena expedição composta por cinco homens brancos com alguns escravos, os
quais depois de tudo explorarem até à aldeia dos Índios Charruas de São Domingos Soriano,
ao voltar com a notícia de que se conservavam desimpedidos, foram atacados, aprisionados e
despojados de armas e roupa por um troço considerável de índios, de cujo cativeiro, passados
99
Notícia Prática. Dada pelo Coronel Cristovão Pereira d’Abreu, sobre o mesmo caminho, ao R.P.M. Diogo
Soares. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo LXIX, parte I, 1908, p. 257.
100
Ver Mapa em anexo 1.
58
tempos, conseguiram escapar”.
101
Aquém desse pequeno incidente, nova expedição foi
enviada ao sul pouco tempo depois, e dessa vez composta por 40 homens brancos e
25 escravos, que retornou a Laguna com boa porção de gado e quarenta indígenas
aprisionados nas margens do Rio Grande, que declaravam terem sido para
enviados pelos padres das reduções para escolher um sítio para a instalação de novas
aldeias. Estes indígenas foram libertos pelo Capitão-mor de Laguna que com eles
enviou carta aos missionários jesuítas na qual lhes intimava que todo aquele território
pertencia ao domínio português, e, portanto se abstivessem não só de ali erigir povoações, mas
até de o devassar pelos seus emissários”.
102
Neste contexto que parte a mais conhecida e documentada expedição de
lagunistas no território do Rio Grande, a frota de João de Magalhães, em 1725. Essa
expedição, apesar de ter aprisionado 14 índios, não tinha essa como principal meta,
Magalhães pretendia fundar uma povoação no Rio Grande e fazer contatos com os
índios minuanos para assegurar o livre fluxo de gado. Para assegurar o caminho
foram estabelecidas as primeiras estâncias: Cosme da Silveira se instalou nos Campos
de Viamão (próximo a futura freguesia de Viamão), e Antônio de Sousa, Francisco de
tal e seu genro João Garcia Dutra instalaram-se no campo de Capivari, “além de outros
que por lá ficaram”.
103
Dessa forma, a agência de Brito Peixoto associada à de Cristovão Pereira
trouxe ao Rio Grande os primeiros povoadores, que ocupando o território que
iniciava ao sul do rio Mampituba, confrontando a leste com o oceano Atlântico e a
oeste e a sul com o Guaíba e a lagoa dos Patos, ainda não traziam suas famílias,
povoando a região com seus animais, estabelecendo cleos de cercamento do gado,
composto apenas de agregados e escravos.
104
101
SÃO LEOPOLDO, 1982, p. 65.
102
Idem, p. 65.
103
GOULART, 1961, pp. 43-44.
104
Cristovão Pereira se destaca como conquistador e é esse status que lhe permite ser o homem de
confiança a receber e apoiar as ações da Coroa impetradas por Silva Paes em Sacramento e na barra do
Rio Grande.
59
Apresentamos até aqui duas ordens de interesses que deram início a ocupação
do extremo-sul da Colônia: por parte da Coroa interessa defender e ampliar suas
fronteiras meridionais, representado pela fundação, e luta pela manutenção, de
Sacramento, e, por parte de particulares, ligados ao comércio de gado, interessa
manter em atividade as redes de comércio e solidariedade construídas pelas
expedições que desbravaram o território. E, ainda conforme o dito até aqui,
percebemos que a estratégia por parte da Coroa de permitir a agência quase autônoma
de particulares em seus domínios não era novidade, incapaz de manter suas
conquistas há muito recorria a estes agentes para dar conta desse Real Serviço. Esse foi
o caso do auxílio dado por Cristovão Pereira à expedição do Brigadeiro Silva Paes.
Mas devemos lembrar que em contrapartida, esses particulares, ao cooperarem com a
Coroa recebiam além das mercês régias o reconhecimento de sua autoridade frente
seus liderados, legitimando seu poder de fato, independente de ser ou não de direito, e,
no caso, do novo território político que se inaugurava, tornando-os aptos ao exercício
do poder político local.
Em última análise, a fundação de Laguna e do presídio Jesus-Maria-José,
futura vila de Rio Grande, marcam a convergência dos interesses luso-brasileiros e
Reais no extremo-sul da Colônia. A pacificação da região do Prata através do
armistício de 1737 transformou migração para a fronteira uma possibilidade de
sobrevivência e ascensão, expediente especialmente utilizado pela elite paulista:
Migrar significava poder tentar reproduzir as práticas sociais dos
antepassados em outras regiões. Este seria um padrão característico
da elite paulista, que seria replicado na fronteira meridional, em
maior ou menor medida.
105
Apesar do caráter transitório dos primeiros estabelecimentos, esse movimento
proporcionou a efetiva ocupação do futuro Rio Grande do Sul. Em 1747 foi criada a
freguesia de Viamão, desmembrada de Laguna, que posteriormente deu origem a
105
KÜHN, 2006, p. 21.
60
diversas freguesias, como Triunfo (1756), Santo Antônio da Patrulha (1763) e Porto
Alegre (1772), marcando a consolidação da expansão portuguesa rumo ao sul, com
especial destaque a agência da empresa familiar paulista”.
106
Essa característica pôde
ser identificada por Kühn (2006) que em sua tese de doutorado nos apresenta além
da família Brito Peixoto pelo menos mais três famílias paulistas que se ocuparam da
expansão meridional
107
, Hameister (2002) nos lembra que uma variedade de pessoas
foi atraída pelo sul, e é interessante notar que nos dois casos os caminhos que
cruzavam a região foram facilitadores dessa migração sem que a distância geográfica
rompesse os laços de reciprocidade e parentesco que uniam as famílias dos
migrantes:
O Caminho das Tropas não uniu apenas geograficamente os pontos
de atividade de pouso, invernada e comércio de animais que ficavam
ao longo de seu trajeto. Aproximou a gente que habitava os
povoados, pequenos ou grandes, que passaram a contar com um
fluxo sazonal, mas constante, de peões, condutores, comerciantes,
tratadores e adestradores de animais. As famílias se utilizavam da
rota. O contato entre membros de comunidades por vezes com mais
de mil ou mil e quinhentos quilômetros entre elas se fazia através dos
migrantes. Estes deixavam seus lugares de origem e de nascimento,
mas não rompiam os vínculos com tais localidades.
108
Esse movimento se refletiu no aumento da população dos Campos de Viamão,
em 1746 já residiam na região cerca de 60 famílias, com aproximadamente 280
pessoas.
109
Em 1741 foi erguida a primeira capela nos Campos de Viamão com
invocação a Nossa Senhora da Conceição, nesse ano Kühn (2007, p. 49) contabiliza 32
fogos
110
, mas destaca que a grande arrancada’ no povoamento de Viamão se deu entre
106
Idem, p. 32
.
107
Idem, especialmente capítulo 2, sub-capítulo 2.3.
108
HAMEISTER, 2002, p. 137.
109
KÜHN, 2004, p. 65.
110
Fogos eram unidades domiciliares ou, na linguagem da época: “As pessoas que se compõe a casa, e mais
propriamente as subordinadas aos chefes, ou pais de família. Os parentes e aliados. O que está sob o pátrio poder
SILVA, 1813, p. 96 apud MOREIRA, 2008, p. 185-200. Segundo Kühn (2006, p. 65) no Antigo Regime,
fogo era um termo similar ou equivalente à família.
61
finais da década de 1740 e princípios da década de 1750”. Após 1750, novo impulso será
dado ao povoamento com a definição das fronteiras políticas entre as Coroas ibéricas
no Prata pelo Tratado de Madrid; nele ficou acordado que Portugal entregaria
Sacramento em troca da região das Missões onde estava instaladas aldeias guaranis
administradas por padres jesuítas. A demarcação desse tratado foi bastante
turbulenta (como não poderiam deixar de ser as relações nessa fronteira), e levou
alguns anos, mas importa aqui destacar que a partir desse momento tomam raízes
mais profundas os interesses da Coroa sobre o extremo-sul. Uma das ações que
demonstram isso foi o subsídio dado pela Coroa para a migração de casais do
arquipélago dos Açores para ocupar a área que lhe cabia pelo Tratado de Madrid.
Recrutados em 1747, os primeiros casais chegaram entre 1749-1750 à ilha de Santa
Catarina, de onde deveriam ser transferidos, mas nunca chegaram nem perto das
Missões. Os planos portugueses e espanhóis esbarraram na inédita resistência
indígena de massa conhecida como Guerra Guaranítica, e os casais acabaram se
instalando nos Campos de Viamão, especialmente nas regiões próximas aos rios Jacuí
e Guaíba.
111
Portanto, a partir da década de 1740 intensifica-se a migração de moradores de
Laguna em direção aos Campos de Viamão, e segundo Kühn
Vários motivos podem ter contribuído para que a região se tornasse
atraente aos olhos de muitos povoadores: o relativo esvaziamento
econômico de Laguna, que provocou a migração de alguns de seus
moradores para Viamão; a fundação da vila de Rio Grande em 1737,
ponto de referência para os povoadores portugueses de Viamão, que
para se deslocavam para batizar seus filhos, por exemplo; ou ainda
111
Sobre migração açoriana: CÉSAR, Guilhermino. História do Rio Grande do Sul. Período Colonial.
Porto Alegre: Editora do Brasil, 1980. Cap III Colonização Açoriana.; FORTES, João Borges. Os casais
açorianos. Presença lusa na formação do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora Martins Livreiro,
1978. GRAEBIN, Cleusa Maria Gomes. Sonhos, desilusões e formas provisórias de existência: os Açorianos
no Rio Grande de São Pedro. São Leopoldo, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2004. [Doutorado
em História]. NEIS, Ruben. Guarda Velha de Viamão. Porto Alegre: EST/Sulina, 1975. Sobre a Guerra
Guaranítica: GOLIN, Tau. A Guerra Guaranítica: como os exércitos de Portugal e Espanha destruíram
os Sete Povos dos jesuítas e índios guaranis no Rio Grande do Sul (1750-1761). Porto Alegre, Editora
da Universidade/UFRGS, 1998. REIS, A.C.F.. Os tratados de limites. In: HOLANDA, S.B. de (Org.).
História Geral da Civilização Brasileira. 5.ed. São Paulo: Difel, 1976, v.1. pp. 364-380.
62
a própria dinâmica econômica da região, cada vez mais integrada aos
mercados consumidores de gado do sudeste brasileiro.
112
A primeira vila, chamada de Viamão, é fundada em 1747. Kühn (2004) nos
apresenta alguns dados demográficos a respeito dessa ocupação, utilizando como
principal fonte os róis de confessados, que apesar de não serem muito comuns em
estudos de caráter populacional, podem lhe dar uma rica contribuição, desde que
fiquemos atentos às suas limitações de origem. Ou seja, não muito diferente do que
deve fazer o historiador com outras fontes, é necessário atentar para uma série de
fatos que levaram a produção de determinado documento, principalmente sua
finalidade e autoria. Neste caso, temos uma listagem Para constar, que todos os fiéis
cumprem com a obrigação da Confissão, e Comunhão na Quaresma
113
coligidas pelos
padres em cada paróquia, onde deviam constar os nomes de cada um dos fregueses,
bem como o local exato de suas residências. Segundo Sirtori,
O cuidado principal que devemos tomar diz respeito à análise de
cada rol como distinto dos demais, uma vez que com a mudança de
párocos e de distinção (inserção ou não) na sociedade colonial, muda-
se a forma de produzir o documento: acrescentam-se informações;
organizam-se fogos de acordo com o papel de cada um de seus
habitantes; incluem-se viandantes; ou estes dados deixam de estar
presentes. A atenção central deve estar em se considerar cada rol
único, o que, por outro lado, não significa a impossibilidade de
compará-los, mas tratá-los como uma série homogênea pode ser
enganoso.
114
Ciente dessas dificuldades e atento ao manejo dessas fontes, Kühn contabiliza
para a freguesia de Viamão, no ano de 1751, 631 moradores distribuídos em 118
fogos, com uma média de 5,35 fregueses por unidade, que agrupados por condição
social apresentam o seguinte quadro:
112
KÜHN, 2004, p. 49.
113
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, Livro I, título 37, p. 61.
114
SIRTORI, 2006, p. 5.
63
Tabela 1 – Estratificação social de Viamão – 1751
Condição social Nº pessoas %
Homens escravos 204
32,4
Homens livres 197
31,2
Mulheres livres 108
17,1
Mulheres escravas 62
9,8
Administrados 20
3,2
Camaradas 14
2,2
Índios 14
2,2
Agregados 07
1,1
Pardos forros 05
0,8
Total 631
100
Fonte: KÜHN, 2004, p. 50.
Apenas 4 anos após a sua fundação a freguesia estava dividida em dez
bairros rurais”, o rol abrangia todos esses locais, a saber: o Arraial, Morro Santa
Anna, Beira-Rio, Lombas, Estâncias de Fora, Rio dos Sinos, Caí, Taquari, Guarda de
Viamão e Em Cima da Serra. Sendo que o maior era a Guarda de Viamão, com 31
fogos, seguida pelo Morro de Santa Ana com 20, e Estâncias de Fora, com 18. A partir
desses dados, o autor chama a atenção para o elevado mero de escravos em um
período tão recuado da colonização lusa
115
, pois 45,4% da população da freguesia era
composta por escravos, sendo 42,2% de origem africana, e 3,2% de administrados”,
ou seja, escravos indígenas.
dissemos aqui, que na primeira fase da ocupação as estâncias eram
montadas e deixadas a cargo de agregados ou escravos, sem que o proprietário
trouxesse sua família, esse dado pode ter interferido no baixo número de pessoas
livres proporcionalmente ao de escravos. Mesmo com essa característica, Kühn (2004,
p. 51) ressalta que esses números são bastante significativos frente aos encontrados
para zonas mineradoras ou de plantation, e não compatíveis com uma região voltada
ao mercado interno como era o extremo-sul colonial.
Para efeitos comparativos, podemos citar a zona rural de Buenos
Aires, onde as pessoas de “cor”, cativas ou não, perfaziam somente
115
KÜHN, 2004, p. 50.
64
15,6% em 1744 ou ainda a vila de Sorocaba em 1772, onde apenas
15,6% da população era composta por escravos. Todavia, os números
de Viamão não parecem tão discrepantes quando comparados ao
Piauí colonial, outra conhecida região de pecuária. Em 1762, segundo
um levantamento da população das fazendas do Piauí, havia cerca de
2.400 moradores, dos quais mais de 1.300 eram escravos. Ou seja, 55%
do total de moradores.
116
Essas informações a respeito da estratificação social no início do povoamento
do Rio Grande do Sul servem de firme contraponto à historiografia tradicional,
notadamente a inaugurada pelo Instituto Histórico da Província de São Pedro (1860)
e continuada pela primeira geração de associados do Instituto Histórico e Geográfico
do Rio Grande do Sul (IHGRS), fundado em 1921, e produzida até meados do século
XX. Estes estudos identificados com os ideais nacionalistas do período
117
, buscavam
uma identidade brasileira e nacional para o Rio Grande do Sul, para isso o caminho
escolhido fora o da ligação entre o Estado e Portugal. O General João Borges Fortes
foi um dos autores que mais contribuiu para essa vertente, identificada por Gutfriend
(2004, pp. 2) como lusitana, pois em seus estudos sobre o Rio Grande do Sul no
período colonial o autor defende que os casais açorianos foram trazidos para povoar o
sul, espaço vazio, onde bravamente defenderam as fronteiras lusas e construíram o
Estado.
118
116
KÜHN, 2004, p. 51.
117
O RS, na década de 20, após o conflito interno que passou à História como Revolução Assisista, encerrado
com o Pacto de Pedras Altas, gradativamente encaminha-se para um projeto conciliador amplo. As oposições
políticas gaúchas, inseridas na vaga dos nacionalismos e até então radicalizadas, aproximam-se e reorientam suas
ambições, abandonando as disputas internas. Unidas em uma Frente Única, focam seu interesse em agauchar o
Brasil pretendendo, em verdade, ter o estado sulino reconhecido no contexto brasileiro e garantir espaços no
centro do poder. É com esta intenção que não apenas historiadores mas também políticos empenham-se em
construir uma identidade brasileira e nacional para o estado gaúcho.” GUTFRIEND, 2004, p. 1.
118
Deste autor: FORTES, João Boges. Troncos seculares: o povoamento do Rio Grande. In: Revista do
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, I trimestre 1932, 45, ano XII, p. 03-
14. _______. O Brigadeiro José da Silva Paes e a Fundação do Rio Grande. In: Revista do Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. III trimestre 1933, 51, ano XIII, p. 03-119. _______.A frota
de João Magalhães. In. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Porto Alegre I
trimestre 1934, 53, ano XIV, p. 63 -93. _______.O povoamento do Rio Grande. In: Revista do Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Porto Alegre III trimestre 1934, 55, ano XIV, p. 123-46.
_______.Velhos caminhos do Rio Grande. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do
Sul. Porto Alegre IV trimestre 1938, 72, ano XVIII, p. 203-54. _______.O levante dos Dragões do rio
65
A obra do General Borges Fortes sobre os casais orianos, na qual
praticamente nega a presença africana na formação do Rio Grande, é
emblemática neste sentido. Como este autor, mas com diferentes
matizes de racismo, toda uma corrente de historiadores de ampla
circulação regional afirmaram a pouca significação da escravidão, a
origem ariana da população e o igualitarismo das relações sociais:
“no campo de luta, com raríssimas exceções, senhores, escravos,
peões e agregados, nivelavam-se tratando-se quase como de iguais
para iguais”. Em toda essa produção afirma-se a “democracia racial”
e a “democracia rural gaúcha”.
119
A presença escrava foi sempre minimizada por essa corrente historiográfica, e
considerada de pouca importância para a economia do Continente, pois estaria
localizada em atividades específicas, como nas charqueadas. As lides da estância
estariam a cargo de mão-de-obra obra predominante livre, o peão
Quanto ao regime de trabalho, o gaúcho clássico, o “gaudério”,
trabalhador andejo do campo, era um concorrente natural do escravo.
Os grandes proprietários, por sua vez, mesmo não fazendo maiores
inversões, na compra de escravos, dispunham no campo, ao primeiro
apelo, de trabalhador qualificado, esse gaúcho a cavalo, pronto a
prestar-lhes ajuda, nos rodeios e apartes, na marcação e nas
tropeadas, mediante “conchavo” (contrato de serviço). Salvo nas
charqueadas, no transporte de mercadorias e nos portos. Nesses
trabalhos duros, desdenhosamente refugados pelo “monarca das
coxilhas”, o negro era o trabalhador preferido. O homem da
Campanha, de uma forma ou de outra, recusava tal sujeição.
120
Na década de 1930, influenciado pelas obras de Gilberto Freire, o advogado
Dante de Laytano inicia uma nova fase nos estudos sobre a presença escrava no Rio
Grande do Sul ao analisar documentos e relatos em busca de pistas sobre escravidão.
Grande de 1742. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Porto Alegre II
trimestre 1939, nº 74, ano XIX, p. 217-23. _______. Fundação do Rio Grande. In: Anais do II Congresso de
História e Geografia Sul -Rio-Grandenses. Vol. 2. Porto Alegre. Livraria do Globo, 1937. pp. 203-39.
_______. A Estância. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, 93. Porto
Alegre, 1944, p. 8-26. FORTES, João Borges. Casaes História. Rio de Janeiro: Papelaria Velho, 1932.
119
OSÓRIO, 1999, pp. 14-15.
120
CÉSAR, 1979, pp. 22-23.
66
Em suas obras “Os africanismos no dialeto gaúcho” (1936), O negro e o espírito guerreiro
(1937), entre outras, permanecem em evidência a democracia racial e “democracia
rural gaúcha”, constata-se a existência dos escravos, no entanto, o tratamento a eles
dispensado seria mais humano do que no restante do país.
121
Em 1962, o sociólogo
Fernando Henrique Cardoso dedica-se a analisar também a escravidão no Brasil
meridional, em sua obra “Capitalismo e escravidão no Brasil Meridional”.
122
No que se refere ao período colonial, os estudos sobre a presença escrava, e
afro-descendente em geral, ainda merecem maior atenção. Desde pelo menos a
fundação de Sacramento temos notícia de escravos circulando pelo extremo-sul da
colônia.
Já em 1680, quando da fundação da fortaleza, os portugueses levaram
para Sacramento escravos destinados ao comércio, pois, segundo
depoimento de um soldado espanhol, o filho do capitão de um navio
português ofereceu-lhe dezesseis ou dezessete negros, enquanto que
o capelão do mesmo navio queria vender-lhe seis ou oito escravos
além de outras mercadorias. Um piloto português que o mesmo
conheceu em Buenos Aires disse-lhe ainda que “trazia seis moleques
para vender”. Alguns anos depois, numa carta datada de 1691, o
governador D. Francisco Naper de Lencastre relatava que o número
de escravos diminuíra sensivelmente em Colônia devido à venda de
muitos deles em Buenos Aires, vendas cujo montante ultrapassava a
quantia de vinte mil pesos.
123
O comércio de escravos na região platina era bastante intenso. Entre meados
de 1744 até dezembro de 1745, 435 escravos teriam sido vendidos aos espanhóis
121
LAYTANO, Dante de. Os Africanismos do Dialeto Gaúcho. Porto Alegre, Livraria do Globo, 1936.
(Separata da Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul). _________________. O
Negro e o Espírito Guerreiro nas Origens do Rio Grande do Sul. In: CONGRESSO (2º) Afro-brasileiro
(Bahia). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1940. __________________. As Congadas do Município de
Osório. Porto Alegre, Edição da Associação Riograndense de Música, 1945. (Boletim de Estudos do
Folclore do Rio Grande do Sul).
122
CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional. O negro na sociedade
escravocrata do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977. Para uma excelente revisão
historiográfica sobre os estudos sobre a escravidão no Rio Grande do Sul, ver: XAVIER, Regina Célia
Lima (Org.) História da escravidão e da liberdade no Brasil Meridional. Guia bibliográfico. Porto Alegre:
Ed. UFRGS, 2007. 392 p.
123
POSSAMAI, 2008, p. 1.
67
através de Sacramento, segundo estimativa feita por Possamai (2008, p. 2) a partir da
arrecadação de uma taxa sobre cada escravo vendido aos espanhóis, introduzida pelo
Brigadeiro Silva Paes, e em vigor nesse período.
124
Lembramos que esse número se
aproxima ao número total de escravos da freguesia de Viamão alguns anos depois.
Sendo o rio da Prata e os Campos de Viamão regiões onde a economia baseava-se
primordialmente na pecuária, estes números, que obviamente o contabilizam o
contrabando, nos permitem, mais uma vez, questionar o mito de que a mão-de-obra
escrava foi pouco usada no Rio Grande porque não servia a pecuária.
Em análise da Relação de moradores que tem campos e animais no Continente
elaborada em 1784
125
, Osório identifica 1.564 proprietários de terras. Neste
documento era necessário que o Provedor indicasse qual é o negócio em que se
empregam os seus moradores, se na lavoura, se em criação de animais
126
, apesar da
significativa lacuna gerada pelas ocupações não-informadas na lista, foi possível
identificar 4 grandes categorias de ocupações, a saber: lavrador”, criador”, criador e
lavrador” e “mais lavoura que criação”.
A primeira constatação que a “Relação” possibilita é a de que no Rio
Grande, região comumente considerada como o “reino da pecuária”,
o número de possuidores de terras dedicados à agricultura
predominavam amplamente sobre os criadores de gado. Se
considerarmos os “lavradores” e aqueles que se dedicavam “a mais à
lavoura do que à criação” de animais, temos um contingente de 56,7%
dos censados o que equivale dizer, das unidades produtivas
124
Idem, p. 2.
125
Esta Relação foi mandada realizar pelo Vice-Rei Luís de Vasconcelos e Souza ao Provedor da
Fazenda do Rio Grande Diogo Osório Vieira no ano de 1784 e tinha como objetivo conhecer a real
situação da distribuição de terras no extremo-sul, nela deveriam constar o nome do ocupante, os
títulos de propriedade que possui (ou não), o nome de antigos proprietários, a atividade à qual se
dedica e a espécie e número de animais existentes na propriedade. O provedor realizou a relação de
cada distrito e freguesias a partir dos títulos comprobatórios enviados pelos possuidores, após seu
requerimento através de edital e, na falta desses, das informações dos capitães de tropas auxiliares de
cada localidade. Esses documentos foram enviados entre agosto de 1784 e fevereiro de 1786 ao Rio de
Janeiro, exceto aqueles que se referem às freguesias de Conceição do Arroio, Santo Antônio da
Patrulha, Caí e Lombas, que podem ser acessados através dos borradores sob guarda do Arquivo
Histórico do Rio Grande do Sul. OSÓRIO, 1999, pp. 65-66.
126
Ofício do vice-rei do Brasil ao Provedor da Fazenda Real. Rio de Janeiro. 07/03/1784. ANRJ, cód.
104, v. 6, fls. 562-563 apud OSÓRIO, 2004, p. 77.
68
existentes. Eliminando-se os casos não informados do número total
de registros, este percentual chega a 67,6%, contra 26,8% dos
“criadores” e “criadores e lavradores” somados. A importância
numérica deste grupo na configuração da paisagem agrária e
produtiva do Rio Grande fica aqui evidenciada.
127
Portanto, apesar de terem sido os rebanhos da Vacaria del Mar um dos
principais atrativos para o povoamento do Continente, a pecuária não foi a única
atividade desenvolvida, pelo menos nesse período inicial. A leitura do trabalho de
Osório (1999) deixa claro um perfil produtivo que combina a lavoura com a criação.
A peculiaridade do caso do Continente está no tamanho dos rebanhos possuídos por
esses Estancieiros que plantam”, enquanto que na capitania da Paraíba do Sul, em
1785, o proprietário de 22 cabeças de gado era classificado como criador”, no
Continente, novamente utilizando a Relação como fonte, Osório percebeu que
aqueles indicados como lavradores possuíam em média 61 cabeças e os mais
lavoura” possuíam em média 104, ou seja, no Continente para ser considerado criador
um proprietário deveria ter em suas terras 5 vezes mais cabeças de gado que em
outras paragens.
Nessas unidades mistas o uso de mão-de-obra escrava foi indicado por Osório
e reforçado por alguns outros autores dedicados a história agrária e econômica.
128
Novos estudos baseados em consistentes levantamentos empíricos vem
paulatinamente desvendando o papel do escravo na economia do Rio Grande do Sul,
Moreira em diferentes trabalhos apresentou o escravo como força de trabalho na
cidade e suas relações
129
, Berute empreendeu análise das características demográficas
127
OSÓRIO, 2004, p. 77.
128
Ver: ZARTH, Paulo Afonso. Do arcaico ao moderno. O Rio Grande do Sul agrário do século XIX. Ijuí:
UNIJUÍ, 2002. 320 p.; _____________. História Agrária do Planalto Gaúcho. 1. ed. Ijuí: UNIJUÍ Editora,
1997. 208 p.; FARINATTI, Luiz Augusto Ebling. Confins Meridionais: famílias de elite e sociedade agrária
na Fronteira Sul do Brasil (1825-1865). 2007. TESE (História Social) UFRJ, Rio de Janeiro, 2007;
GARCIA, Graciela Bonassa. O domínio da terra: conflitos e estrutura agrária na Campanha rio-grandense
oitocentista. 2005. DISSERTAÇÃO (História) – UFRGS, Porto Alegre, 2005.
129
MOREIRA, Paulo Roberto Staudt. Faces da Liberdade, Máscaras do Cativeiro. Experiências de liberdade
e escravidão, percebidas através das Cartas de Alforria - Porto Alegre (1858-1888). Porto Alegre:
EDIPUCRS, 1996. _____________. Os Cativos e os Homens de Bem. Experiências Negras no Espaço
69
dos escravos traficados e a caracterização da dinâmica de funcionamento do circuito
mercantil no sul
130
, Aladrén e Scherer buscaram entender a busca pela liberdade
131
,
Oliveira identificou a presença de escravos em zonas de imigração européia
132
,
Weimer debruçou-se sobre o período pós-abolição e o destino dos ex-escravos.
133
Desta forma, concluímos que como mercadoria ou como força de trabalho, o escravo
esteve presente desde o início do povoamento do Rio Grande do Sul.
A presença a que estamos nos referindo não foi apenas pontual, possuir
cativos era algo bem mais disseminado. Retornando a análise dos róis de confessados
examinados por Kühn, o de 1778, mostra que a estratificação social se mantém, a
proporção de escravos frente ao montante geral cai um pouco, desaparecem os
administrados, mas a quantidade de fogos com cativos aumenta: 66% deles possuíam
pelo menos um escravo. O autor indica a semelhança desses números com alguns
indicados para a Capitania da Paraíba do Sul, no Rio de Janeiro, uma possível
explicação para este aparente paradoxo seria a maior vinculação destas regiões (Viamão e
norte fluminense) com as redes do tráfico atlântico sediadas no Rio de Janeiro, nesta ocasião o
maior porto importador de cativos do Brasil”.
134
urbano. Porto Alegre: Edições EST, 2003, v.1. 356 p. ____________; TASSONI, Tatiani. Que com seu
Trabalho nos Sustenta: As Cartas de Alforria de Porto Alegre (1748 / 1888). Porto Alegre: EST, 2007.
130
BERUTE, Gabriel. Rio Grande de São Pedro do Sul: uma análise do tráfico doméstico de escravos
(1788-1822). Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2006. (Dissertação de Mestrado
em História)
131
SCHERER, Jovani de Souza. Experiências de Busca da Liberdade: Alforria e Comunidade Africana em
Rio Grande, século XIX. São Leopoldo, UNISINOS, 2008. (Dissertação de História). ALADRÉN,
Gabriel. Liberdades Negras nas Paragens do Sul: Alforria e inserção social de libertos em Porto Alegre,
1800-1835. Rio de Janeiro, Universidade Federal Fluminense, 2008. (Dissertação de Mestrado em
História)
132
OLIVEIRA, Vinicius Pereira de. De Manoel Congo a Manoel de Paula: a trajetória de um africano
ladino em terras meridionais - século XIX. 2005. Dissertação (História) - Universidade do Vale do Rio
dos Sinos. Esta dissertação foi publicada, ver: OLIVEIRA, Vinicius Pereira de. De Manoel Congo a
Manoel de Paula: a trajetória de um africano ladino em terras meridionais - século XIX. Porto Alegre,
EST, 2006.
133
WEIMER, Rodrigo de Azevedo. Livres pela lei: um estudo sobre a transição da escravidão ao
trabalho livre em dois municípios do Rio Grande do Sul. Conceição do Arroio e São Francisco de
Paula, 1880-1900. 2007. Dissertação (História) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos. A presente
dissertação foi publicada: Os Nomes da Liberdade. Ex-escravos na serra gaúcha no pós-abolição. São
Leopoldo, Oikos / Editora da UNISINOS, 2008.
134
KÜHN, 2004, p. 55.
70
Foi neste cenário, ou nestas paisagens continentistas, que vários indivíduos
pardos foram tentar fortuna. Suas trajetórias se confundem com a primordial
ocupação dos Campos de Viamão, espaço fronteiriço que, como vimos, primava pela
pluralidade étnica. É a eles que no próximo capítulo direcionaremos nossos olhares.
Capítulo 2
Bastardo, Tropeiro e Pardo:
Inácio José de Mendonça e a formação
da freguesia de Santo Antônio da
Patrulha.
Debret
Tropeiro
2. BASTARDO, TROPEIRO E PARDO: INÁCIO JOSÉ MENDONÇA E A
FORMAÇÃO DA FREGUESIA DE SANTO ANTÔNIO DA PATRULHA.
O Caminho de Cristovão Pereira ao cruzar o território da futura freguesia de
Santo Antônio da Patrulha, impulsionou o povoamento dos campos de Cima da
Serra; segundo Neis, este caminho teria sido o catalisador do estabelecimento de
estâncias nesta região:
Sabemos que estradas valorizam geralmente as regiões por onde
passam. É o que também aconteceu com a “Estrada dos Tropeiros”,
que em poucos anos levou a civilização para toda a zona de Cima da
Serra por onde passava, fazendo com que suas adjacências fossem
ocupadas por sesmeiros e fazendeiros [...].
135
As oportunidades abertas por esta estrada foram tantas que o próprio
Cristóvão Pereira, responsável direto pela abertura deste trajeto, recebeu um lote de
terra nas suas proximidades. De fato, a região dos Campos de Cima da Serra foi uma
das primeiras a ser ocupada regularmente e também onde foram concedidas as
primeiras sesmarias. No Rio Grande as sesmarias foram concedidas principalmente
como retribuição a serviços militares prestados, e muitas vezes uma ocupação
anterior da terra precedia a legalidade da posse; com isso, no ano de 1755 receberam
mercê, além de Cristóvão Pereira, João de Magalhães, Jerônimo de Ornelas, Cláudio
Guterres, Manoel de Barros Pereira, Inácio José de Mendonça, entre outros.
136
Faço saber aos que esta minha Carta de Sesmaria virem, que havendo
Respeito me Representar por sua petição Cristovão Pereira de Abreu,
que ele muitos anos tinha povoado nos Campos de Cima da Serra
de Viamão uma Fazenda de cria de gado vacum e cavalar entre os
Rios das Farinhas e Camisas: e por não ter mais títulos, que a posse
135
NEIS, 1975, p. 27.
136
Todas essas cartas foram transcritas na Revista do Arquivo Público Mineiro entre os anos de 1921 e
1933: Cristovão Pereira de Abreu, vol. 24, p. 171; João de Magalhães, vol. 24, pp. 180-181; Jerônimo de
Ornelas, vol. 24, pp. 63-66; Cláudio Guterres, vol. 24, pp. 206-207; Manoel de Barros, vol. 24, pp. 215-
216; Inácio de Mendonça, vol. 24, p. 152-153.
73
queria tirar por Sesmaria três Léguas de terra na forma das Ordens de
S. Mag. fazendo testado no Capão das Congonhas com as vertentes
de uma, e outra parte, e costeando pelos ditos dois Rios com os
fundos que der até a Serra donde tem o seu nascimento; [...] Dada
nesta Vila do Rio Grande de São Pedro a vinte e três de Junho. Ano
do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos
cinqüenta e cinco. O Secretário da Expedição Manoel da Silva Neves
a fez e escreveu Gomes Freire de Andrada.
137
Não indícios de que Cristovão Pereira tenha ocupado pessoalmente a área,
pois falecera em Santos entre o final do ano de 1756 e o começo de 1757. O certo é que
a localização de sua sesmaria era privilegiada. A área entre os rios Farinhas e
Camisas além de ser muito propícia a agricultura por conta da cil irrigação e solo
fértil, permitia fácil acesso a Estrada dos Tropeiros por onde eram escoados os
principais produtos. Não temos dados sobre a produção que Cristovão Pereira pode
ter instalado em suas posses, mas é possível que ele tenha continuado a comerciar
tropas. falamos neste texto a respeito dos negociantes que estimularam o
estabelecimento de Sacramento e o comércio entre este local e o porto do Rio de
Janeiro. O interesse destes homens de negócios pelas praças comerciais do extremo-
sul engendrou a formação de um grupo mercantil específico ligado a produção de
couros e arrebanhamento de animais, composto por negociantes de menor cabedal,
necessariamente mais aventureiros”, como Cristovão Pereira e os tropeiros que o
acompanhavam. Foi este pequeno grupo que acabou por fixar-se definitivamente na
fronteira sul, acompanhando e assegurando sua expansão.
138
Segundo Osório, a formação desse grupo mercantil no extremo-sul esteve
diretamente ligado ao movimento migratório vindo de Portugal
A imigração [sic] recente teve um importante papel na constituição e
re-produção do corpo mercantil do Rio Grande. A trajetória Portugal-
137
Registro de uma Carta de Sesmaria passada a Cristovão Pereira de Abreu. Revista do Arquivo Público
Mineiro, vol. XXIV, nº 1, 1933, p. 171.
138
OSÓRIO, 2000, p. 102.
74
Rio de Janeiro-Rio Grande foi a mais comum entre os negociantes que
se estabeleceram na capitania do extremo sul.
139
Segundo Durães (2007), a migração fazia parte da cultura portuguesa desde
pelo menos a Idade Média e esteve sempre relacionada ao melhor posicionamento
em rotas comerciais.
Através de alguns testemunhos de que dispomos, sabemos que as
raízes históricas do fenómeno remontam à Idade Média. Os
portugueses aproveitando o surto comercial que então se verificou,
formaram pequenas colónias de comerciantes nos principais portos
do Mediterrâneo e do Atlântico Norte, para tratar não dos seus
negócios como dos interesses da Coroa portuguesa.
140
Em sua pesquisa a autora analisa as correntes migratórias internas a Portugal:
são os homens que se deslocam temporária e sazonalmente, para fora da sua região de origem,
ausentando-se, durante alguns meses, na tentativa de obter recursos financeiros que
complementem os rendimentos das suas pequenas explorações agrícolas”.
141
A vinda para o
Brasil tornou-se uma alternativa a parte desse grupo, que ao chegar ou passar por
Lisboa, testemunharam o fortalecimento da rota Rio de Janeiro-Lisboa e a ela se
associaram de diferentes formas. Àqueles indivíduos que se dedicavam ao comércio
essa rota era bastante atraente, bem como a migração para pontos estratégicos da
mesma (neste caso, a Colônia de Sacramento e o extremo sul da Colônia).
Acreditamos que esse teria sido o caso de Cristovão Pereira, e também de um coevo
seu Manoel de Barros Pereira, que também recebeu sesmaria nos Campos de Viamão
em 1755.
139
OSÓRIO, 2000, pp. 102-103. Destacamos o termo imigrantes do original para lembrar que
atualmente discute-se o uso do termo imigrantes para os portugueses vindos ao Brasil durante o
período colonial, visto que este território fazia parte do Império português, tratando-se, sob este ponto
de vista, de migração.
140
DURÃES, 2007, p. 237.
141
Idem, p. 245. Durães utiliza como fonte o registro dos passaportes internos utilizados em Portugal
durante o séc. XVIII e XIX, e em sua análise destaca o papel dos pedreiros da região do Alto Minho
nessa movimentação.
75
Natural da Ilha de Santa Maria, nos Açores, Manoel de Barros Pereira nasceu
aproximadamente em 1713, filho de Manuel Pereira e de Margarida de Barros. Aos
10/13 anos de idade estava em São Paulo e trabalhava para o Sargento-Mor
Sebastião Fernandes do Rego
142
, acompanhando os tropeiros e cuidando dos animais
das tropas. Segundo Neis (1975, p. 78), Manoel de Barros foi para São Paulo em 1726
e aproximadamente sete anos depois, em 1733/34, chegou aos Campos de Viamão,
com aproximadamente 20 anos. No processo de justificação de solteiro que faz em
1759, uma testemunha chamada Agostinho Guterres
143
disse conhecer Manoel de
Barros 30 anos “quando foram pelo sertão com Cristovão Pereira abrindo o caminho”.
144
Portanto, Manoel de Barros teria deixado São Paulo para embrenhar-se nos sertões
com as tropas de Cristovão Pereira, envolvendo-se também na expedição de abertura
da Estrada dos Tropeiros. Em 03/07/1734 ele assinou, juntamente com o Pe. Manuel
da Silva Albuquerque e Antônio Lopes Cardoso uma representação contra as
pretensões de Brito Peixoto, que pediu toda a costa de Tramandaí em sesmaria, o que
nos indica que ele havia estabelecido residência nos campos que em 1755 recebe
por mercê:
Manoel de Barros Pereira morador em Viamão, que ele muitos
anos estava de posse de uma fazenda chamada Santo Antônio para a
parte de Tramandi, em que tinha Casas, currais e animais assim
vacuns, como Cavalares, cuja fazenda compreenderia três Léguas de
terra de comprido e uma Légua de Largo, partindo pelo Rumo do
Norte com João Velho Barrete, pelo sul com Bernardo Pinto, pelo
Rumo de Leste com Francisco Ribeiro Gomes, e pelo Oeste com o
Arroyo chamado Capivari, e com uma Lagoa chamada Lingoeta ao
pé da serra; (...) Dada nesta Vila do Rio Grande de São Pedro a vinte e
seis de Outubro. Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de
142
FoiProvedor dos Quintos e Casa da fundição da cidade de São Paulopor diferentes períodos na década
de 1720 e 1730. Documentos Interessantes para História e Costumes de São Paulo, vol. XXVI, parte 1ª, p. 88.
143
Segundo Kühn (2002, p. 28): “[...] um dos precursores do povoamento dos Campos de Viamão, o valenciano
Agostinho Guterrez, aportuguesado como Guterres. Ele era casado com Maria de Brito Peixoto, filha natural do
Capitão-mor de Laguna, Francisco de Brito Peixoto, com uma índia carijó. Apesar de sua origem hispânica,
Guterrez foi vereador na Câmara de Laguna em 1723, tendo se mudado, um decênio mais tarde, para os Campos
de Viamão.”. Ver também, do mesmo autor, 2006, Cap. 2, item 2.3.2.
144
AHCMPA – “Autos de Justificação que fez Manoel de Barros Pereira”. Viamão, 1759/27. fl. 3.
76
mil setecentos, cinqüenta e cinco. O Secretário da Expedição Manoel
da Silva Neves a fez e escreveu. Gomes Freire de Andrada.
145
A propriedade de Manoel de Barros, diferentemente da de Cristovão Pereira,
não estava localizada a margem da Estrada dos Tropeiros; ficava na costa da parte
leste da Serra do Mar, entre a subida da Serra e o Caminho da Praia. No texto do
registro, além da referência a posse anterior por parte de Manoel de Barros,
destacamos a presença de lindeiros (João Velho Barrete, Bernardo Pinto e Francisco
Ribeiro Gomes), suficientemente estabelecidos para servirem de referência à petição.
Isso ilustra bem o movimento migratório constatado por Kühn em análise feita junto
aos róis de confessados.
O avanço de tropeiros, estabelecidos como sesmeiros, nesta região estimulou a
Coroa a instituir um Registro (espécie de pedágio), na margem da Estrada dos
Tropeiros. Localizado no Campestre próximo ao rio Rolante aproximadamente 5
ou 6 km da atual sede do município de Santo Antônio da Patrulha, e denominado na
época de Guarda ou Patrulha, este registro tinha a finalidade de fiscalizar o
movimento da estrada e cobrar os impostos sobre os animais e mercadorias que por
ali circulavam. O Registro da Serra, ou Registro de Viamão, foi estabelecido no ano de
1735, fato que corrobora com nossa hipótese de que o requerimento de sesmaria feito
pelos estancieiros do lugar fora precedido pela efetiva posse, e também demonstra a
importância deste caminho para a economia do Continente naquela época, área onde,
alguns anos mais tarde (1773), foi instalada a freguesia da Guarda Velha de Viamão
(Santo Antônio da Patrulha).
Próximo ao Registro, no morro do Púlpito, temos a concessão de sesmaria
dada a Inácio José de Mendonça em 1755:
[...] Faço saber aos que esta minha Carta de Sesmaria virem, que
atendendo a me Representar por sua petição Inácio José de Mendonça
que ele bastantes anos estava situado com casas e Roças na barda
145
Registro de uma Carta de Sesmaria passada a Manoel de Barros Pereira. Revista do Arquivo Público
Mineiro, Belo Horizonte, v. XXIV, nº 1, 1933, pp. 215-216.
77
do mato Geral da Serra de Viamão entre o cargo da Guarda Velha,
cabeceiras do Rio Gravatahy, e a paragem chamada o Pulpito [...]
146
Inácio José de Mendonça e Silva era pardo, filho do Padre Luís de Mendonça e
Silva e de sua escrava Joana de Souza, nascido em Santos (SP) em 1705.
147
Assim
como Manoel de Barros, Inácio de Mendonça também cruzava o Continente desde
pelo menos a década de 1730. A mais antiga referência a sua passagem pelo
Continente que encontramos data de 1742:
Diz Inácio José de Mendonça, soldado dragão da Companhia do
Capitão José Inácio de Almeida, do Regimento que é Coronel Diogo
Osório Cardoso, que ele Suplicante está contratado para casar com
Antônia Gonçalves, natural da Laguna, e como o Suplicante se lhe faz
preciso três meses de licença, para dentro deles pôr seus papéis
correntes e receber-se em a dita Vila da Laguna, para cujo efeito tem a
de seus oficiais, e a não pode conseguir sem a de V. Sª.
148
Em comum, Manoel de Barros e Inácio de Mendonça possuíam o pioneirismo
na fronteira sul e a posse de terras importantes. Após se instalarem nos Campos de
Viamão enredaram suas trajetórias formando uma mesma família. No mesmo ano de
suas concessões de terras, 1755, Inácio de Mendonça casa com a única filha de
Manoel de Barros, Margarida da Exaltação, parda, filha deste e de uma escrava sua.
[...] foi perguntada a mesma Margarida da Exaltação que [motivos
tem] ela para casar com o dito Inácio José de Mendonça, disse que por
muito seu gosto e vontade livre queria casar com ele, para o que lhe
passara escrito de casamento e sendo-lhe apresentado o escrito disse
que o escrito que lhe mostravam era o mesmo que ela passara ao dito
Inácio José de Mendonça feito de sua própria letra e sinal e que não
146
Registro de uma Carta de Sesmaria passada a Inácio José de Mendonça. Revista do Arquivo Público
Mineiro, ano XXIV, nº 1, 1933, pp. 152-153.
147
ACDO Registro de óbito de Inácio José de Mendonça, Óbitos de Santo Antônio da Patrulha, livro
1, 20/03/1765, fl. 5v.
148
ARQUIVO HISTÓRICO DO RIO GRANDE DO SUL, Anais, volume I, Registro de um
requerimento que fez o soldado dragão da Companhia de José Inácio de Almeida, José Inácio [sic] de
Mendonça, p. 173. Grifos nossos.
78
quer casar com outro homem mais que com ele Inácio José de
Mendonça [...]
149
O texto acima faz parte do auto de perguntas feitas a Margarida da Exaltação
da Cruz e Inácio José de Mendonça e Silva em 08 de agosto de 1755. Alguns dias
antes Inácio de Mendonça apresentou ao Vigário da Vara, na Vila de Viamão, o
bilhete feito de próprio punho por Margarida, onde esta prometia a Deus e a Virgem
Maria de me casar com Inácio José de Mendonça [por ser] minha livre vontade e sem
constrangimento de ninguém”.
150
Inácio, de posse do documento, requereu ao Juízo
Eclesiástico que mandasse buscar a moça na casa do pai. Em 03/09/1755 Margarida
foi seqüestrada de casa e trazida à presença do vigário e em 08/09/1755 deu seu
depoimento confirmando a vontade de casar-se com Inácio. Ato contínuo foi
depositada na casa de Claúdio Guterres para esperar enquanto corriam os autos de
justificação e os proclames. Casaram-se em 19/09/1755 na Igreja Matriz de Viamão.
151
Inácio de Mendonça era viúvo de sua segunda esposa e Margarida era solteira,
então porque foi necessária uma promessa por escrito e uma ordem de seqüestro da
moça para habilitá-los a casar? O que os impedia? O pai da moça, Manoel de Barros
Pereira.
Margarida da Exaltação da Cruz era filha bastarda do tropeiro, e na época já
estancieiro, Manoel de Barros e de uma escrava sua chamada Tereza Pereira de Jesus.
Batizada na fazenda de seu pai no ano de 1743, Margarida tinha então
aproximadamente 13 anos de idade. Mesmo sem ter acesso ao registro do batismo de
Margarida podemos inferir que Manoel de Barros sempre a reconheceu como filha,
deu a ela o nome de sua mãe e, principalmente, preocupou-se com algo raro a época:
a educação de Margarida.
149
AHCMPA Habilitação de casamento de Inácio José de Mendonça e Silva e Margarida da
Exaltação da Cruz, 1755/29, fl. 4. Grifos nossos.
150
AHCMPA Habilitação de casamento de Inácio José de Mendonça e Silva e Margarida da
Exaltação da Cruz, 1755/29, fl. 6. Reprodução do bilhete pode ser encontrada no anexo 2.
151
AHCMPA Habilitação de casamento de Inácio José de Mendonça e Silva e Margarida da
Exaltação da Cruz, 1755/29, fl. 8.
79
Quanto consta, foi filha única de Barros, e recebia dele todo o amor e
carinho paternos. Apesar de naquele tempo as moças, inclusive as
filhas de Jerônimo de Ornelas, serem analfabetas, Margarida da
Exaltação aprendeu a ler com perfeição e a escrever com muito boa
caligrafia.
152
Segundo Morais, até a segunda metade do XIX, as aprendizagens de leitura e
escrita davam-se em momentos dissociados
153
, aprendia-se primeiro técnicas de leitura
num processo que durava de um a dois anos, e posteriormente, caso houvesse
possibilidade, técnicas de escrita, somente depois as operações básicas de
matemática. Buscando identificar o grau de instrução dos homens da elite do
Continente no séc. XVIII, Kühn (2006, p. 165) analisou os termos de entrada dos
irmãos na confraria do Santíssimo Sacramento de Viamão, que admitia somente
membros da elite e que deviam assinar um termo, e concluiu que quase 80% dos
irmãos sabiam assinar o nome, algo que indica que estes haviam superado pelo
menos uma etapa do processo de letramento
154
, mas não garantia que seriam capazes
de ler e escrever.
Se nem mesmo os membros da nascente elite rio-grandense preocupavam-se
com as habilidades de leitura e escrita, bastando-lhes a assinatura, e no caso das
moças, como as distintas filhas do pioneiro Jerônimo de Ornelas, nem isso, porque
então Manoel de Barros investiria no letramento de sua filha bastarda? A bastardia
por si não era empecilho. Prova disso é que a principal família lagunense
responsável pela expansão rumo ao sul, os Brito Peixoto, tinham boa parte da
linhagem miscigenada, envolvida em relações consensuais.
155
Por isso acreditamos
que esse investimento fizesse parte de uma estratégia de Manoel de Barros para
152
NEIS, 1975, p. 115. Grifo nosso.
153
MORAIS, 2007, p. 495.
154
Considerando que boa parte dos letrados do período possuía formação autodidata ou aprendera e
ler, escrever e contar em espaços não escolares, consideramos que a noção de letramento, utilizada para
entender os usos sociais cultural e historicamente atribuídos a palavra escrita, é mais adequada a este
estudo. Cf. MORAIS, 2007, p. 497.
155
KÜHN, 2006, capítulo 1, especialmente item 3.
80
inserir-se através do casamento de sua filha nas principais famílias do Continente,
pois em se tratando de uma sociedade de Antigo Regime:
[...] os arranjos familiares eram fundamentais para o processo de
reprodução social, engendrando uma lógica de funcionamento que
levava em conta cálculos econômicos, mas também incorporava
elementos de uma mentalidade ainda aristocrática, baseada nas
premissas do enobrecimento social e da reciprocidade entre os
agentes envolvidos na transação matrimonial.
156
Acreditamos que a educação de Margarida fazia parte do seu dote. Manoel de
Barros já tinha a seu favor suas boas relações com comerciantes de São Paulo por
conta de sua atividade como tropeiro e o fato de ser um dos pioneiros na ocupação
dos Campos de Viamão. Ao criar ou reafirmar alianças através do casamento de sua
filha ele cumpriria com os atributos essenciais para pertencer à elite social: riqueza,
status e poder
157
. As alianças que o casamento de Margarida poderia formar ou
fortalecer, conseqüentemente garantiriam a Manoel de Barros o acesso ao poder
local; mesmo que neste período, no nascente Continente de São Pedro, houvesse
apenas uma vila (a de Rio Grande) e uma Câmara, as possibilidades estavam abertas.
agraciado com a mercê de uma sesmaria, Manoel via desenvolver-se próximo a
suas posses a freguesia da Patrulha, que brevemente precisaria de homens bons para a
sua administração. Muito provavelmente, além de saber ler e escrever, Margarida
também dominasse alguns códigos de comportamento fidalgo. Dessa forma, podemos
imaginar porque Manoel de Barros se indispusera a dar a mão de sua única filha a
um pardo.
Analisando os registros paroquiais de batismos da Freguesia de Viamão,
podemos identificar indícios das estratégias de Manoel para adquirir/manter seu
status social:
156
KÜHN, 2006, p. 174.
157
Idem, p. 174.
81
Tabela 2 – Manoel de Barros Pereira como padrinho.
Data Batizado Pais Madrinha
27/05/1748 Juliana Pedro Fernandes, natural das
Índias de Espanha, e Teresa
Pereira Tapanhuna, da costa da
Mina, escrava de Manoel de
Barros Pereira
Catarina de Lima, esposa
de José Antônio de
Vasconcelos
28/05/1748 Clemente Sebastião, castelhano, e Isabel,
índia Tape forra
Catarina de Lima Pinta,
esposa de José Antônio de
Vasconcelos
04/06/1748 José José Leite de Oliveira, natural de
Bastos, e Fabiana de Ornelas,
natural de Guaratinguetá
Catarina de Lima Pinta,
esposa de José Antônio de
Vasconcelos
23/12/1753 Manoel Remoaldo Correia e Eusébia
Pires
Maria da Conceição
16/04/1754 Antônio Gaspar Fernandes e Maria de
Brito
Margarida Pereira
27/02/1758 Manoel João Moreira, natural de São
Paulo, e [Simoa] da Cunha,
natural de Laguna
Maria Bernarda
Fonte: AHCMPA, 1º Livro de batismo de Viamão, fl. 7v, 8, 8, 42v, 49 e 90v
respectivamente.
O sacramento do batismo celebra a entrada de um novo cristão na Igreja
Católica; através dele o fruto do pecado da carne é salvo, conduzido à pureza pelos
padrinhos, num ritual que representa a própria dualidade de Cristo (parte humano,
parte sobrenatural). Por ser porta de entrada ao catolicismo este foi o sacramento que
mais se difundiu entre todas as camadas da sociedade, e, felizmente, legou a nós
historiadores um importante testemunho: o registro de batismo. A partir destes
registros procuramos identificar as pessoas nas quais os pais confiavam a salvação de
seus filhos e entender quais eram os atributos necessários para ocupar tão digno
posto.
Ao mesmo tempo, não podemos perder de vista que estes registros são
gerados dentro de um ritual cristão e que respeitam normas estabelecidas pelos
dogmas da Igreja Católica; temos a clareza de que a própria instituição delegava
poderes aos padrinhos:
82
[...] e que o Sacerdote, que batizar, declare aos ditos padrinhos, como
ficam sendo fiadores para com Deus pela perseverança do batizado
na Fé, e como por serem seus pais espirituais, tem obrigação de lhes
ensinar a Doutrina Cristã, e bons costumes. Também lhes declare o
parentesco espiritual, que contraíram, do qual nasce impedimento,
que não só impede, mas dirime o Matrimônio: o qual parentesco
conforme a disposição do Sagrado Concílio Tridentino, se contraem
somente entre os padrinhos, e o batizado, e seu pai, e mãe; e entre o
que batiza, e o batizado, e seu pai, e mãe; e o não contraem os
padrinhos entre si, nem o que batiza com eles, nem se estende a outra
alguma pessoa além das sobreditas.
158
Ensinar a Cristã, substituir os pais, proteger, estar ao lado. Estas eram as
obrigações dos padrinhos para com seus filhos espirituais, mas o papel dos mesmos
não se encerrava aí. O apadrinhamento entrelaçava não somente padrinho e afilhado;
envolvia em parentesco também os pais da criança e por isso, nos parece tão
fundamental a análise das pessoas envolvidas nesse ritual, pois essas pessoas são
escolhidas porque compartilham do mesmo círculo de convivência, ou ocupam o
lugar no qual os progenitores gostariam de ver seus filhos inseridos. Segundo
Hameister: Ter um padrinho significava ter alguém que lhe dava fiança ante Deus e ante a
sociedade”.
159
Portanto, considerando que o compadrio é uma forma de vincular as
pessoas entre si e pode ser entendido de dentro pra fora (mesmo que seu sistema
emane da Igreja e tenha uma interpretação espiritual), torna-se importante meio de
análise das formas de construção das relações sociais.
Em três das seis vezes em que Manoel de Barros foi convidado a ser padrinho,
ele compareceu a pia batismal ao lado de Catarina de Lima Pinta, esposa de José
Antônio de Vasconcelos. Acreditamos que se trata do Capitão José Antônio de
Vasconcelos, proprietário do Rincão dos Palmares cujas terras confrontam por uma
parte com Manoel Jorge, por outra com Bernardo Pinto Bandeira ficando-lhe de um lado as
praias deste Rio Grande, e de outro a estrada Geral, que vai para Ilha de Santa Catarina
160
,
158
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, livro 1, título XVIII, art. 65, p. 26-27. Grifos nossos.
159
HAMEISTER, 2006. p. 187.
160
Registro de uma carta de sesmaria passada ao capitão José Antônio de Vasconcellos. Revista do
Arquivo Público Mineiro, v. XXIV, nº 1, 1933, p. 207-208. Grifos nossos.
83
que em 1755 recebe mer de sesmaria e é nomeado Capitão de Infantaria de
Ordenanças:
Hei por bem nomear e prover (como por esta faço) em virtude do
Capítulo dezenove do Regimento dos Governadores desta Capitania
ao dito José Antônio de Vasconcelos no posto de Capitão de uma das
três Companhias novamente formadas em Viamão termo desta Vila
do Rio Grande de São Pedro, cujo distrito compreenderá a
Charqueada até o arroio Tramandy, e da Lagoa de Manoel de Barros
até o arroio de Capivary, cujo posto exercitaenquanto eu o houver
por bem ou S. Mag. não mandar o contrário e será obrigado a
Requerer ao mesmo Senhor pelo seu Conselho Ultramarino
Confirmação do dito posto, com o qual não vencerá soldo algum;
mas gozará de todas as honras, graças, privilégios, Liberdades e
isenções, que diretamente lhe pertencer e residirá no mesmo distrito,
sob pena de que não o fazendo se lhe dará baixa do dito posto.
161
Criados em Portugal em 1570
162
, os Corpos de Ordenanças deveriam ser
formados por todos os súditos capazes de pegar em armas, que prestariam serviço
militar gratuito, agrupados em regimentos sob o comando superior de um Capitão-
Mor. Apesar de arregimentar todos os súditos, o Corpo de Ordenanças não podia ser
liderado por qualquer súdito, para isso eram necessárias algumas qualidades
encontradas apenas entre os principais da terra.
Supunha-se que os membros das famílias localmente mais
prestigiadas e antigas dispunham de uma autoridade natural, ou seja,
sedimentada pelo tempo, que mais facilmente seria acatada pelos de
baixo. Pensava-se também que os mais nobres e ricos seriam
igualmente os que davam maiores garantias de isenção
(“desinteresse”) e independência no desempenho dos seus ofícios, no
sentido de poderem viver para eles sem deles viverem.
163
161
Registro de uma Patente de Capitão de Infantaria da Ordenança passada a José Antônio de
Vasconcelos, 09/09/1755. Revista do Arquivo Público Mineiro, v. XXIV, 1933, p. 195. Grifos nossos.
162
Os Corpos de Ordenanças se organizaram a partir d’O Regimento das Ordenanças e dos Capitães-Mores, de
10 de dezembro de 1570, que foi a disposição legislativa tomada por D. Sebastião a fim de regular com maior
precisão a vida militar em Portugal e em seus domínios ultramarinos, mantendo, assim, todos os súditos em
condições de tomar armas sempre exercitados e aptos a servir na defesa da terra em caso de necessidade.”. Cf.
MELLO, 2006, p. 29.
163
MONTEIRO, Nuno Gonçalo, 1998, p. 325, apud MELLO, 2006, p. 31.
84
Como eram designados por zonas de atuação, o que no caso do Brasil se dava
sobre capitanias, vilas e distritos, esses regimentos acabavam por concentrar a
pequena nobreza local e foram muito importantes não somente por sua função de
defesa e manutenção da posse territorial, mas, também, devido ao papel e à relevância
que assumiam em sua potencialidade simbólica de expressar e representar uma ordem social
que se queria construir”.
164
No ainda conturbado Rio Grande de São Pedro as alianças
do poder central com as lideranças locais era fundamentais. Faria (2004, pp. 294), em
análise da implantação das Ordenanças no Arquipélago dos Açores, destaca o papel
estratégico que este regimento desempenhava no controle das rotas comerciais que
por ali circulavam
A insularidade, a dispersão territorial, a distância ao Reino, as
necessidades específicas de defesa do Arquipélago na rota da
principal via do comércio marítimo intercontinental, infestada por
corsários e piratas, ditaram para estes corpos militares, nos Açores,
uma relevância única.
165
Caso semelhante parece ter sido o do Rio Grande. José de Vasconcelos tinha
jurisdição sobre um importante ponto de circulação de mercadorias e pessoas, pois
pela indicação topográfica, é muito provável que dentro de sua jurisdição estava o
ponto em que Cristovão Pereira abriu um desvio no Caminho da Praia em direção a
Serra, e por onde desde sua abertura circulava a maior parte da produção de gado
vacum e muar vindo da Campanha. O local onde estava localizada sua estância,
entre as praias do Rio Grande”, nome dado na época à lagoa dos Patos, e a estrada
Geral, que vai para Ilha de Santa Catarina”, que se não se tratava do Caminho da Praia
muito provavelmente se tratava já do trecho de desvio rumo a serra, além da boa
vizinhança, que contava com um aparentado da elite lagunense, Bernardo Pinto
Bandeira, neto do Capitão-mor de Laguna Francisco de Brito Peixoto, fizeram com
164
MELLO, 2006, p. 29.
165
FARIA, 2004, p. 294.
85
que com a nomeação para o cargo de Capitão de Ordenanças, José de Vasconcelos se
consagrasse como membro do seleto grupo da nobreza local.
166
A antiguidade da posse de José de Vasconcelos também pode nos indicar que
Manoel de Barros e ele possuíam algum tipo de relação (no mínimo se conheciam).
Portanto, ao comparecer a pia batismal ao lado de Catarina de Lima, esposa de
Vasconcelos, Manoel de Barros estava fortalecendo suas alianças com importante
família da nobreza local, assim como, em contrapartida, José de Vasconcelos
fortalecia sua rede incluindo mais um pioneiro. Essas redes de solidariedade
construídas por ambos, se enredaram a uma terceira, também através do batismo:
Manoel de Barros e Catarina de Lima foram padrinhos de José, filho de José Leite de
Oliveira e Fabiana de Ornelas, filha de outro pioneiro, Jerônimo de Ornelas Menezes
de Vasconcelos.
Fabiana de Ornelas era a filha mais velha de Jerônimo de Ornelas Menezes de
Vasconcelos e de Dona Lucrecia Leme Barbosa. Seu pai foi um dos pioneiros na
ocupação dos Campos de Viamão, se estabelecendo em área próxima ao atual Morro
Santana em Porto Alegre, por volta de 1734. Natural da Ilha da Madeira, Jerônimo de
Ornelas residiu em Guaratinguetá (SP), onde casou com Lucrecia Leme Barbosa, e
tiveram 3 filhas (Rita, Maria e Fabiana). Por volta de 1729, o casal transferiu-se para a
vila de Laguna. Essa transferência pode ter sido motivada pela oposição da família
de Lucrecia ao seu casamento, mas havia também razões econômicas. Jerônimo
conhecia as potencialidades comerciais do extremo-sul, pois ele teve alguns filhos
com mulheres nas Minas e em Curitiba, o que demonstra que permaneceu nestes
locais tempo suficiente para entreter relações e apreciar suficientemente estes pontos
cruciais da rota dos comerciantes de gado. Seja por motivos familiares ou
econômicos, na escolha da vila de Laguna também deve ter sido levado em
166
“[...] a importância dos cargos de ordenança não decorria somente do fato de eles serem posições de poder
político que detinham supostamente competências de recrutamento e comando, mas possuíam ademais um
importante valor de distinção simbólica, conferindo aos seus ocupantes, pelo menos de capitão para cima, o
estatuto de nobreza local”. KÜHN, 2006, p. 283.
86
consideração o parentesco entre Lucrecia Leme e o Capitão-mor Francisco de Brito
Peixoto; este era primo em segundo grau da mãe de Lucrecia.
167
O contato com os pioneiros lagunenses trouxe Jerônimo de Ornelas aos
Campos de Viamão, onde constituiu sua fortuna, utilizando para isso, além de seus
negócios como estancieiro, as alianças através do casamento de suas oito filhas.
168
Os
casamentos no período colonial se pautavam em critérios de igualdade entre os
nubentes, não restritos a igualdade jurídica (livres/livres; escravos/escravos), como
esclarece Brügger:
Ser igual significava, dentro da lógica patriarcal da sociedade, ter o
que trocar. Assim, as uniões matrimoniais selavam alianças entre
grupos familiares que tinham algo a se oferecer, reciprocamente,
fosse prestígio social, riqueza, acesso a redes de poder, entre tantas
outras possibilidades.
169
A família Ornelas lançou mão dessa estratégia para casar suas filhas. As três
primeiras uniram-se, ainda em Laguna, a homens de alguma forma ligados ao
tropeirismo: Francisco Xavier de Azambuja, casado com Rita de Menezes, Manoel
Gonçalves Meireles, casado com Antônia da Costa Barbosa, e José Leite de Oliveira,
casado com Fabiana de Ornelas e compadre de Manoel de Barros; todos foram
tropeiros, sendo que dois deles eram naturais do Minho (arcebispado de Braga,
Portugal) e um de São Paulo. Nota-se claramente que estas escolhas estavam
relacionadas à atividade desempenhada também por Jerônimo de Ornelas.
estabelecido nos Campos de Viamão Ornelas casa o restante de suas filhas, e desta
vez, uma mudança no perfil de seus genros: dois eram militares de carreira, dois
comerciantes e um lavrador, mas apenas uma característica se mantinha: três dos
167
KÜHN, 2006, cap. 5.3.3.
168
Jerônimo de Ornelas e Lucrecia Leme tiveram 10 filhos: Rita de Menezes, Maria Leme Barbosa,
Fabiana de Ornelas, Antônia da Costa Barbosa, Gertrudes Barbosa de Menezes, Clara Barbosa de
Menezes, Tereza Barbosa de Menezes, Brígida Ornelas de Menezes, José Raimundo Dorneles e
Manuel Dorneles. Cf. KÜHN, 2006, anexo A, figura 7.
169
BRÜGGER, 2007, p. 226.
87
genros eram oriundos do Minho, um de Coimbra e um da Ilha da Madeira, ou seja,
todos reinóis.
170
A escolha de genros tropeiros permitiu que Ornelas contasse com importantes
parceiros para o estabelecimento de seus negócios nos Campos de Viamão. O passo
seguinte seria ampliar e fortalecer os negócios, e neste momento, a aliança com
genros militares e comerciantes provavelmente facilitou o acesso a redes mercantis,
pois mesmo que tenham sido mercadores de menor expressão, certamente aportaram algum
capital ou alguns contatos ao circuito familiar”.
171
O sucesso dessas estratégias pode
ser conferido no rol de confessados de 1758, realizado na freguesia de Triunfo
172
:
juntos Jerônimo e seus genros possuíam 41 escravos, o que representava um terço de
todos os cativos da freguesia.
173
O casamento e o apadrinhamento eram alguns dos mecanismos de formação e
reprodução da sociedade colonial. A nobreza da terra estava baseada na idéia de
conquista. Mas se ser um dos conquistadores já garantia um lugar destacado na
hierarquia social, incluindo a administração política das novas áreas, por outro lado,
não garantia a manutenção do controle político; para isso estes indivíduos deveriam
ser capazes de tecer redes de solidariedade, horizontais e verticais. O casamento
servia muito bem a alianças horizontais, enquanto que o apadrinhamento poderia
servir bem aos dois tipos de relações. Manoel de Barros havia se empenhado na
construção das redes via pia batismal, parece-nos procedente que ele tivesse planos
para o casamento de sua única filha.
Excluindo-se as ocasiões em que foi padrinho ao lado de Catarina de Lima,
Manoel de Barros apadrinhou mais três crianças, todas filhas de casais de status
abaixo do seu. Dois de seus afilhados receberam seu nome, um batizado em
23/12/1753, filho legítimo de Remoaldo Correia, filho de Remoaldo Correia e Luísa
dos Santos, naturais e batizados na cidade do Faro, bispado do Algarve, e de Eusébia
170
KÜHN, 2006, cap. 5.3.3.
171
Idem, p. 221.
172
Desmembrada de Viamão em 1757, para onde Ornelas se transferiu com sua família em 1757.
173
A freguesia possuía nesse ano 126 escravos. KÜHN, 2006, p. 219.
88
Pires, filha de José Pires e Custódia Lopes, ambos naturais da Ilha de Santa Catarina;
outro batizado em 27/02/1758, filho de João Moreira, natural de São Paulo e de Simoa
da Cunha, natural de Laguna. O terceiro, Antônio, era filho legítimo de Gaspar
Fernandes, filho de João Fernandes e Ana Fernandes, naturais da vila de Coura,
arcebispado de Braga, e de Maria de Brito, filha de João Alves e Joana de Brito, parda
forra, ambos naturais de Laguna. Pouco se pode apurar sobre esses casais, mas a
título de hipótese, podemos inferir que no primeiro e no terceiro caso, Manoel de
Barros possa ter sido convidado (por Remoaldo Correia e Gaspar Fernandes) por
conta de todos serem reinóis, e que no segundo caso tenham Barros e João Moreira se
conhecido em São Paulo.
Importante é destacar que o estabelecimento de vínculos verticais também
faziam parte da dimensão política das redes de compadrio. Venâncio (2006), ao
analisar as relações políticas e sociais formalizadas pelo batismo entre membros da
elite e os detentores de altos cargos da república em Vila Rica (MG) no séc. XVIII nos
apresenta a noção de “intermediário social”:
Caso o parentesco espiritual envolvesse a autoridade máxima da
capitania, o compadre podia ter acesso ao rei, no sentido de
conquistar graças e mercês, ou, mais simplesmente, ter uma petição
sua atendida. Porém, os compadres menos poderosos serviam de
intermediários do governador junto à população livre e pobre,
transferindo parte da ascendência que tinha sobre ela à autoridade
reinol. Dessa forma era criada uma rede política que podia começar
entre humildes ex-escravas e terminar em famílias reais européias.
174
O compadre exercia esse papel de intermediário social nas duas direções, seja
no acesso a camada superior, buscando privilégios e mercês, seja frente aos de baixo,
atuando na cooptação de aliados para a formação de uma base social. Gil (2007, cap.
4), ao analisar o contrabando na fronteira sul da Coroa portuguesa no séc. XVIII,
entende o entrelaçamento dessas ligações horizontais e verticais como fundamentais
174
VENÂNCIO, 2006, p. 287.
89
para a formação do bando
175
, este era a pedra filosofal do comércio ilícito”. Para
compreender como se processava o comércio ilícito no extremo-sul, Gil segue as
pistas deixadas pelo bando formado a partir da família Pinto Bandeira e liderado por
Rafael Pinto Bandeira.
176
Este bando agia na fronteira, especialmente no comércio
ilícito de gado, e dele participavam desde membros das “melhores famílias da terra” até
peões e soldados, cooptados, segundo Gil, de três formas: através de alianças
matrimoniais, de coerção extra-econômica (violência física) e de laços de
reciprocidade. A partir da análise da composição social do bando de Rafael Pinto
Bandeira o autor conclui que ele se compunha tanto de relações diádicas, homem a
homem, quanto de relações escalonadas, com vários níveis de intermediação, ou seja,
para manter-se no exercício do poder de mando sobre o grupo de contrabandistas
Rafael Pinto Bandeira poderia tratar diretamente tanto com um capitão quanto com um
soldado ou peão, dependendo da situação e da posição dos sujeitos dentro do bando e dos
negócios ilícitos
177
.
No entanto, devemos destacar que mesmo considerando a existência dessas
relações diretas entre a elite e os populares, a hierarquia social não estava em jogo,
muito pelo contrário, essas relações contribuíam para a manutenção da mesma, o
bando reproduzia, à sua própria maneira, a desigualdade congênita daquela sociedade,
175
Segundo Fragoso (2003, p. 20) bando referia-se à teia de alianças que tais famílias criavam entre si e com
outros grupos sociais, tendo por objetivo a hegemonia política ou a sua manutenção. Estes pactos eram com
senhores de engenhos não nobres, oficiais do rei e comerciantes, assim como amplas redes de alianças que
incorporavam elites de outras regiões coloniais, autoridades em Salvador e em Lisboa. Incluíam, ainda,
reciprocidades com segmentos subalternos da sociedade: lavradores, escravos, índios flecheiros, etc. através dessas
práticas, as melhores famílias adquiriam algo indispensável em suas disputas: a cumplicidade de outros estratos
sociais. Mais do que isso a composição dos bandos, legitimava a própria hierarquia estamental..
176
Francisco Pinto Bandeira, pai de Rafael, era filho de José Pinto Bandeira, português, natural do
bispado do Porto, que teria sido um dos primeiros povoadores de Laguna e membro da frota de João
Magalhães, e de Catarina de Brito, filha do capitão-mor de Laguna Francisco de Brito Peixoto. Em 1738,
Francisco Pinto Bandeira transferiu-se para os Campos de Viamão por conta de seu casamento com
Clara Maria de Oliveira, filha de Antônio de Souza Fernando um dos primeiros povoadores da
Colônia de Sacramento.
176
Portanto, a família Pinto Bandeira fazia parte do seleto grupo de
desbravadores, aqueles que haviam empenhado suas pessoas e bens na conquista do extremo sul do
Brasil. Cf. KÜHN, 2006, p. 208ss.
177
GIL, 2007, p. 151.
90
possibilitando o acesso de uns ao que a maioria não possuía”.
178
Essas interações entre os
grupos faziam parte da dinâmica da rede, e era estratégia fundamental para sua
formação. Devemos lembrar que estamos lidando com uma sociedade tradicional
onde a família é a unidade essencial de referência para os indivíduos e unidade
básica de distribuição dos bens sociais, é ela que delimita as oportunidades de vida de
cada um de seus membros, incluídas as de manutenção e mudança da condição social em
que se nasce
179
, por isso a importância dos elos firmados através dela.
No extremo-sul, onde as elites se forjaram através da conquista de novos
territórios empenhando suas fazendas, fica mais claro entendermos que a formação da
sociedade colonial foi fruto do movimento das relações sociais muito mais do que da
atuação do poder político institucionalizado, relações estas onde conviviam e se
integravam indivíduos pertencentes a estratos sociais diferentes (em termos de poder
político e econômico e de prestígio social). Essa coesão social de tipo tradicional
caracterizava-se por neutralizar o potencial de conflito, derivado da consciência ativa
da desigualdade, inerente a sociedade de Antigo Regime,
[...] o que se obtém por meio da valorização, por parte das elites
sociais, de atitudes, ritos e práticas de convívio que reforçam o
sentimento de solidariedade grupal, que se expressa no convívio de
desiguais que se comportam como iguais em certas esferas de
relações sociais, coletivamente valorizadas.
180
Numa sociedade tradicional católica o batismo cumpria importante papel na
constituição dessa coesão social, pois, segundo a crença católica, todos são iguais
perante Deus e o ritual do batismo expressa coletivamente esse paradigma. E
também, congrega numa mesma família todos os envolvidos, atuando assim como
importante estratégia para a formação de grupos de parentesco, pois sabemos que no
período colonial é através da família que todos os aspectos da vida cotidiana (seja
178
GIL, 2007, p. 149.
179
SILVA, 2004, p. 100.
180
Idem, p. 100.
91
pública ou privada) se originam e também para onde convergem. Portanto, sabemos
que o apadrinhamento foi importante estratégia na constituição e reafirmação da
elite colonial, mas não exclusiva desse grupo. Ao observarmos os diferentes estratos
sociais percebemos que escravos, ex-escravos e brancos livres pobres também
utilizavam desse expediente para formação de suas famílias e grupos de aliados.
Inácio de Mendonça, assim como Manoel de Barros, soube também lançar mão do
apadrinhamento para estabelecer suas redes de solidariedade em sua nova paragem.
No estabelecimento de Inácio de Mendonça no morro do Púlpito, exerceu papel
central na formação das relações sociais da família sua segunda esposa, Antônia
Gonçalves de Fontes.
Antônia Gonçalves de Fontes, parda forra, após o casamento em Laguna
mudou-se com o marido para os Campos de Viamão. No ano de 1748, Antônia
consta como madrinha de Lourenço, filho natural de Simão Pereira Braga e Mariana
Tapanhuna, escrava do Capitão Francisco Ribeiro Gomes, registrado no livro de
batismos de Viamão.
181
Inácio e Antônia provavelmente se instalaram nas
proximidades da Guarda do Registro, onde ele recebeu sesmaria. Antônia faleceu em
abril do mesmo ano da concessão da sesmaria (1755)
182
, e não teve filhos. No entanto,
podemos dizer que exerceu papel importante na inserção de Inácio na sociedade
local, pois no curto período (c. 1748 a 1755) em que residiu na freguesia foi convidada
a ser madrinha quatro vezes.
Tabela 3 – Antônia Gonçalves de Fontes como madrinha.
Data Batizado Pais Padrinho
07/12/1748 Lourenço
Simão Pereira Braga, natural de
Braga, e Mariana Tapanhuna,
Capitão Francisco Pereira
Gomes
181
AHCMPA Livro de Batismo de Viamão, fl. 10; 07/12/1748: Lourenço, filho natural de Simão
Pereira Braga, solteiro, e Mariana Tapanhuna, solteira, escrava do capitão Francisco Ribeiro Gomes;
ele natural da cidade de Braga, ela de nação Angola. Padrinhos: Capitão Francisco Pereira Gomes,
viúvo, natural da Ilha do Faial, e Antônia Maria, casada com Inácio José de Mendonça; todos
moradores e fregueses na freguesia de Viamão. Transcrição gentilmente cedida por Vanessa Campos –
AHCMPA.
182
AHCMPA 1º Livro de Óbitos de Viamão, fl. 99v, 16/04/1755. Transcrição gentilmente cedida por
Vanessa Campos – AHCMPA.
92
nação angola, escrava do capitão
Francisco Ribeiro Gomes
06/04/1749 Perpétua Manoel de Lima, forro, e
Laureana, mulata escrava de
Luís Garambeo
Joaquim de Aguiar,
solteiro, natural da cidade
do Rio de Janeiro
07/12/1750 Vítor João Pereira, soldado, e
Domingas Dias da Silva
José Batista Prestes,
solteiro e “forasteiro”.
23/02/1752 Narcisa Sebastião e Isabel, índios Tapes Inácio José de Mendonça
Fonte: AHCMPA, 1º Livro de batismo de Viamão, fl. 13, 19v e 100, respectivamente.
Admitindo o compadrio como suporte para criação de suas famílias,
conseguimos compreender porque Antônia Gonçalves, poucos anos após a sua
chegada no Continente, é chamada a pia batismal para batizar dois filhos de
escravas, um filho de índios Tapes e um filho de soldado. Apenas uma vez Antônia é
acompanhada pelo marido na pia batismal, talvez porque ele estivesse fora da vila a
negócios ou retornado a Companhia, mas as relações que ela costurava através do
apadrinhamento, como já vimos, diziam respeito a toda a família. Entre estas relações
gostaríamos de destacar que em dois casos os inocentes eram filhos de escravas.
Apesar de ser sempre denominada como parda forra, não sabemos se Antônia
Gonçalves chegou a ser escrava, pois esse epíteto poderia designar seu status social
enquanto filha de escrava, por exemplo. O que fica claro com estas alianças é que
Antônia, e por conseqüência Inácio, eram identificados como possíveis aliados pelos
de baixo, principalmente pelos escravos e índios.
Com a morte da segunda esposa, Inácio traz para sua companhia na Guarda
Velha de Viamão Ana Francisca, sua filha com Bárbara Soares, parda forra, nascida
na freguesia do Desterro (atual Florianópolis) em 1746, ou seja, filha bastarda que ele
teve quando ainda estava casado com sua segunda esposa, Antônia.
183
Sabemos que o
183
Em depoimento Ana Francisca de Mendonça afirma ser natural e batizada na freguesia de Nossa
Senhora do Desterro da Ilha de Santa Catarina, filha natural de Inácio José de Mendonça e de Bárbara Soares,
pardos forros; [...] que da idade de onze para doze anos saíra da companhia de sua mãe e viera para a companhia
de seu pai que é morador nesta freguesia [...]. Autos de justificação para matrimônio de Joda Silveira
Luiz e Ana Francisca de Mendonça, 1760. Citado por NEIS, 1975, p. 113.
93
primogênito de Inácio, José Vitor, nascera em Santos no ano de 1736
184
, e que em 1742
ele pediu licença para cumprir uma promessa de casamento em Laguna; o
nascimento de uma filha reconhecidamente sua em Desterro, quatro anos após essa
data, reforça nossa hipótese de que ele estava envolvido no comércio de gado e afins
e que circulava bastante tempo entre essas freguesias. Assim, seu estabelecimento
em Cima da Serra, próximo a Guarda do Registro, local de passagem obrigatória das
tropas que iam do sul a São Paulo, não foi aleatório, pois neste local ele teria acesso
fácil as principais rotas comerciais e acesso a terras suficientes para o
arrebanhamento de gado.
Os deslocamentos de Inácio de Mendonça revelam mais uma das faces de sua
estratégia de ascensão social. Segundo Faria, o homem pobre colonial movimentava-
se mais que o bem-sucedido; para eles mover-se, em busca de melhores condições de
sobrevivência, tornava-se uma atitude previsível e esperada; identificava-se, para forros e seus
descendentes, com o exercício da liberdade”.
185
Sabemos que a riqueza era determinada a
partir de hierarquias locais, porém, a origem étnica ocupava lugar destacado (embora não
exclusivo) na criação de categorias sociais”.
186
Numa sociedade escravista e
extremamente hierarquizada, o homem branco, mesmo sendo minoria, agregava
mais condições de ascender social e materialmente. A pobreza não era algo inerente
aos ex-escravos e seus descendentes, porém os acompanhava como uma sombra.
Reunir algum pecúlio e migrar eram formas de se afastar desta sombra trazida pela
origem étnica.
Inácio foi acompanhado por boa parte de sua vida pelo epíteto pardo forro; não
tivemos acesso ao registro de batismo dele, entretanto, no batismo de sua primeira
filha com Margarida, em 1756, ele consta como natural da vila de Santos (SP), filho
184
JoVitor era filho da primeira esposa de Inácio, Margarida de Macedo (Souza), parda forra. O
casamento teria acontecido em Santos no ano de 1735 e não pudemos confirmar se Margarida veio
com o marido para o sul ou se falecera ainda em São Paulo. NEIS, 1975, p. 112.
185
FARIA, 1998, p. 102.
186
Idem, p. 101.
94
natural do padre José de Mendonça e de uma escrava sua”.
187
Inácio era, portanto, ilegítimo
e escravo (filho de um ventre escravo), e provavelmente tenha sido alforriado no
batismo ou em tenra idade, fato que o legou o distintivo de forro, mas a ilegitimidade,
marca de sua origem imoral, parece-nos ter sido mais um dos determinantes de sua
trajetória de mobilidade.
Frente à legislação eclesiástica e civil vigentes no Brasil do setecentos, as
crianças nascidas fora do matrimônio eram consideradas ilegítimas, sendo um
‘pecado’ aos olhos da Igreja e um ‘marginal’ ao Estado, o filho ilícito recebia restrições legais
de todos os tipos. Na prática, entretanto, conseguia se desvencilhar desse estereótipo”.
188
Um
dos principais prejuízos que poderiam ter os filhos ilegítimos referia-se aos seus
direitos de herança, que era remediado através da legitimação e posterior
perfilhação.
189
No entanto, o prejuízo moral nos é mais difícil mensurar.
Manter as relações ilícitas em segredo por certo não devia ser uma tarefa
muito fácil nas pequenas vilas coloniais, o ilegítimo surgia, na ‘fragilidade humana’ ou
na ‘fraqueza da carne’, como afronta ao sistema matrimonial, cercado por determinações e
proibições, que nem sempre podiam ser seguidas pelo desejo carnal ou pelos sentimentos do
coração”.
190
As determinações e proibições eram de conhecimento de todos, por isso, tudo
e todos estavam a vista de algum vizinho bisbilhoteiro ou de um padre zeloso. Os
filhos ilegítimos eram frutos de relações criminosas perante a Igreja (concubinato,
ligações ilícitas, adultério, prostituição, defloramento, entre outras) e por isso
passíveis de serem processadas pelo Juízo Eclesiástico, onde poderiam ser os
envolvidos julgados culpados e submetidos ao pagamento de penas que variavam de
multas ao degredo na África. Esse processo envolvia, na maioria das vezes, o
depoimento de várias testemunhas e a apresentação de documentos, e poderia levar
anos, tempo suficiente para que o réu fosse condenado socialmente em sua vila.
187
AHCMPA Livro de Batismos de Viamão, fl. 126v, 10/09/1756. Registro de batismo de Maria
Madalena. Transcrição gentilmente cedida por Vanessa Campos – AHCMPA. Grifos nossos.
188
LOPES, 1998, p. 17.
189
Sobre as formas de reconhecimento de filhos ilícitos ver LOPES, 1998, capítulo 3.3.
190
Ibdem, 1998, p. 73.
95
De acordo com a legislação
191
, Lopes (1998) classifica os ilegítimos em duas
categorias: naturais e espúrios, sendo essa segunda subdividida em três. Os naturais
eram filhos de pessoas solteiras, que não possuíam nenhum impedimento de se
casarem, e o pai muitas vezes era declarado. Os espúrios eram filhos de pessoas que
tinham algum impedimento as suas relações, e na maioria das vezes o pai não era
declarado, talvez para escapar da punição, e podiam ser de três subtipos: adulterinos,
quando um ou ambos envolvidos são casados, sacrílegos, onde um dos pais era
religioso ou incestuosos quando a relação envolvia parentes em até grau. A esse
quadro a autora acrescenta ainda os expostos, crianças abandonadas, tanto em casas
quanto em instituições, das quais não se conheciam os pais.
O pai de Inácio referido como Padre, muito provavelmente, ainda não havia
assumido a vida eclesiástica quando Inácio nasceu. Em 1707, dois anos após o
nascimento de Inácio, Luís de Mendonça inicia um processo de habilitação de genere,
necessário para aqueles que pretendiam ingressar na vida religiosa ou nas ordens
militares, onde eram vasculhadas as origens da família do candidato a fim de que se
verificasse a ausência de sangue impuro (judeu, mouro, negro, cigano ou indígena).
Nesse processo Luís de Mendonça declarou que ele se criou em casa da defunta
Lucrecia de Mendonça aonde foi exposto, sem nunca haver notícia do pai e mãe que o
geraram
192
, e que havia sido batizado em Santos em 29 de agosto de 1683, sendo seus
padrinhos Sebastião Ribeiro e Helena da Silva.
Neste mesmo documento, outra informação chama a atenção: na mesma
petição onde afirma não ter conhecimento sobre os pais, Luís de Mendonça, ciente da
necessidade de que seus pais sejam apresentados para que sua habilitação seja
concedida, afirma que o Rev. Pároco Luís Peres de Oporte teria informação sobre
seus pais. Procurado, o Padre Oporte declarou que outro religioso, João Rodrigues
Madeira, professo de São Francisco, ainda secular, afirmava que sabia o pai e mãe do
191
A autora analisa especificamente o digo Filipino e as Constituições Primeiras do Arcebispado da
Bahia, pois estas eram as leis vigentes no período.
192
NEIS, 1975, p. 109.
96
suplicante”.
193
Finalmente, remetido o caso ao Convento de Santo Antônio, onde se
encontrava o então Frei João Madeira, este declarou por escrito: Certifico eu frei João,
noviço da Ordem de São Francisco, em como Luís de Mendonça e Silva é filho do Padre José
Vieira Calaça e de Maria da Silva, os quais conheço serem limpos de sangue judeu, mouro e
gentio.”
194
. Assim, Inácio de Mendonça era filho e neto de padres.
Figura 1 – Avós e pais de Inácio José de Mendonça e Silva
Fonte: NEIS, 1975, p. 108-109.
Luís de Mendonça, mesmo sem ter conseguido provar a origem de sua mãe,
foi habilitado a receber as ordens Menores e Sacras em janeiro de 1710, e alguns anos
mais tarde, em 1724, ele esteve em Desterro (atual Florianópolis) como representante
193
NEIS, 1975, p. 109.
194
Idem, p. 109. Grifo nosso. Em 30/05/1699 o Padre Calaça compareceu a pia batismal ao lado de
Lucrecia de Mendonça, tutora de seu filho Luís de Mendonça, no batismo de um sobrinho seu em São
Paulo. Cf. NEIS, 1975, p. 111.
97
do Bispo. O processo de habilitação se desenrolou entre os anos de 1707 e 1710, ou
seja, depois de Inácio ter nascido, e mesmo cientes da imprecisão dessas fontes e,
inclusive, da informação que as próprias pessoas tinham sobre suas idades, sabemos
que Luís de Mendonça teve relações com sua escrava antes de se ordenar padre. No
entanto, mesmo tendo seu pai se tornado padre após o seu nascimento, o escândalo da
existência ilegítima de Inácio frente a sociedade não poderia ser apagado,
principalmente porque sua mãe, na condição de escrava de seu pai, provavelmente
ainda vivia sob o mesmo teto de seu Senhor e amásio. Esse escandaloso procedimento
de seus pais pode ter contribuído para que Inácio optasse pela saída da vila de
Santos. Ou ainda, existe a possibilidade de que Inácio tenha acompanhado o pai em
sua visita a Santa Catarina em 1724, quando contava ter 19 anos, e nessa viagem
tenha feito os primeiros contatos que o trariam ao extremo-sul.
Sabemos que em 1735, quando contava com 30 anos, Inácio casou-se em
Santos com Margarida de Souza, parda forra, com quem teve seu primeiro filho, José
Vitor de Mendonça. Com o filho ainda em tenra idade, aproximadamente em 1740,
Inácio e Margarida de Souza deixaram a vila e se deslocaram rumo ao extremo-sul.
Não temos informações sobre o local ou a data de falecimento de Margarida.
Sabemos que quando Inácio chega ao sul fazendo parte do regimento dos Dragões
está acompanhado apenas de José Vitor. Nossa hipótese é a de que Inácio tenha
migrado não só por razões de ordem econômica, em busca do sustento de sua família
(não sabemos se ele teve acesso a alguma herança de seu pai), mas também como
parte do exercício de liberdade que a distância do vínculo com o cativeiro poderia lhe
proporcionar.
Aos 50 anos de idade, após passagens por Santa Catarina e Rio Grande, pai de
dois filhos e residindo em Viamão, Inácio conhece Margarida da Exaltação, filha de
Manoel de Barros, que na época teria 13 anos. Conforme descrevemos
anteriormente, Manoel de Barros se opôs ao casamento, mas Inácio insistiu no enlace
e recebeu de Margarida o bilhete, citado aqui anteriormente, com a promessa de
98
casamento. Inácio e Margarida tinham em comum a origem ilegítima (ambos eram
filhos naturais de escravas e seus senhores) e a mestiçagem.
No caso de Margarida, sua mãe era designada como tapanhuna
195
, palavra
indígena usada para designar os escravos negros, e seu pai, Manoel de Barros, era
português; no caso de Inácio, não sabemos se sua mãe era africana ou crioula, mas
sabemos que seu pai era luso-brasileiro. Ambos eram mestiços, muito provavelmente
de tez escura, então porque eram classificados como pardos? Não nos parece mais
possível analisar a sociedade colonial a partir da oposição entre senhores e escravos,
ou entre brancos e negros; mesmo considerando a estrutura social de Antigo Regime
fortemente hierarquizada, ela não era tão rígida a ponto de impedir o movimento de
seus agentes. Para que possamos de alguma forma compreender como se davam as
relações sociais na América portuguesa faz-se necessária uma análise mais
cuidadosa, que inclua ex-escravos e mestiços. Neste sentido Lara (2007) busca
compreender o papel que a escravidão (e a conseqüente presença de escravos e seus
descendentes), desempenhou na sociedade, principalmente como a escravidão se
tornou centro da vida econômica e social da colônia”, e como os escravos puderam ser
integrados à rede hierárquica que ordenava as relações sociais na América
portuguesa.
196
Nessa análise a autora nos indica que as designações de cor (branco, preto,
pardo e etc), funcionaram como indicativos da posição social que cada indivíduo
ocupava na hierarquia social. Em consulta ao dicionário Bluteau
197
encontraremos
homem branco definido como indivíduo bem nascido que até na cor se diferencia dos
escravos, que de ordinário são pretos e mulatos”. O verbete para escravo, porém, não é tão
específico: aquele que nasceu cativo ou foi vendido e está debaixo do poder do senhor”. No
195
A desinência ‘tapanhuma’, é corruptela de tapanhuna ou tapanhuno, herdada dos paulistas, palavra de
origem indígena usada para os escravos negros.” Cf. HAMEISTER, 2006, 317.
196
LARA, 2007, p. 23.
197
O Vocabulario Portuguez e Latino, Aulico, Anatomico, Architectonico, Bellico, Botanico, Brasilico, Comico,
Critico, Dogmatico, etc. autorizado com exemplos dos melhores escriptores portuguezes e latinos, e oferecido a el-
rey de Portugal D. João V escrito pelo Padre Raphael Bluteau é considerado o primeiro dicionário da
língua portuguesa, compõem-se de 8 volumes, publicados entre os anos de 1712 e 1721, e ampliado
em 1727 e 1728.
99
segundo caso, não menção direta a cor, pois, segundo Lara, a diferença entre
liberdade e escravidão passava pela identificação visual, mas não somente por ela: os
escravos eram de ordinário pretos e mulatos. Note-se que não é usado sequer o
termo negro na definição de escravo, pois no mesmo dicionário, o termo negro dizia
respeito a cor, mas também a origem e nascimento: natural da terra dos negrosou
filho de pais negros”. Essa ligação do termo a origem geográfica (estrangeira e
selvagem) pode explicar o uso do termo negros da terra para os indígenas da Colônia.
A palavra preto, no entanto, era utilizada para designar diretamente o indivíduo
cativo, sem margens para dúvidas, sem considerações de nascimento ou referenciação
geográfica”. Portanto, a escravidão consta como resultado de um comércio e não
diretamente associada à cor da pele. Da mesma forma acontecia com os termos pardo
e mulato
A definição remete ao que Stuart B. Schwartz chamou de primeira
etapa da mestiçagem no Brasil: aquela predominantemente realizada
entre os colonizadores e a população indígena e que possuía
características bem mais integradoras que a ocorrida ao longo do
século XVIII. Mas contém um elemento essencial para uma sociedade
de Antigo Regime: a distinção do nascimento. Tratava-se de gente
híbrida, nascidas de pessoas pertencentes a sociedades diversas. A
desqualificação é claramente percebida pelo fato de a palavra derivar
de sua aplicação para designar os animais nascidos “de pai e mãe de
diferentes espécies”.
198
Como fruto da miscigenação, livres ou libertos, pardos e mulatos ocupariam o
setor intermediário da sociedade entre senhores e escravos. Na freguesia de Santo
Antônio, para período entre 1773-1824, pudemos identificar 125 pardos como pais
nos registros de batismos, distribuídos de acordo com o quadro a seguir:
Tabela 4 – Pais e mães pardos – Freguesia de Santo Antônio – 1773-1824
Mães Pais
#
%
#
%
Parda 12
16,22
Pardo 9
17,65
198
LARA, 2007, pp. 136-137. Grifos nossos.
100
Parda forra/liberta 47
63,51
Pardo forro/liberto 35
68,63
Parda livre 9
12,16
Pardo livre 6
11,76
Escrava 6
8,11
Escravo 1
1,96
Total 74
100
Total 51
100
Fonte: Livros 1, 1E, 2, 3 e 4 de batismos de Santo Antônio da Patrulha.
No geral os pardos foram citados em 244 registros de batismos (6,77% do
total), sendo que identificamos a formação de 60 casais que tiveram 106 filhos, e a
presença de 12 mães solteiras (com pai incógnito ou não declarado) que tiveram 16
filhos. Em nosso levantamento pudemos perceber que o status de pardo sofria
variações durante o tempo. Entre os homens, 22 foram classificados pelo menos uma
vez como livres ou sem menção a cor/condição, e 23 entre as mulheres. Esse foi o
caso do casal Francisco Silveira de Matos e Belisária Bernarda:
Tabela 5 – Status de Francisco Silveira de Matos e Belisária Bernarda
Data Batizado Status do pai Status da mãe
31/05/1800 Antônia Pardo liberto natural e
morador desta freguesia
Parda liberta, natural e
moradora desta freguesia
20/02/1802 Leonardo Natural desta freguesia Natural desta freguesia
20/08/1805 Laurindo Natural desta freguesia Natural desta freguesia
27/07/1809 Reginaldo Natural desta freguesia Natural desta freguesia
Fonte: Livro 2 de batismo de Santo Antônio, respectivamente, reg. 109, fl. 19v; reg.
274, fl. 58v; reg. 579, fl. 106v; reg. 777, fl. 134.
Francisco Silveira de Matos, designado como pardo liberto no batismo de seu
primeiro filho, era filho de Francisco Silveira de Matos, natural da ilha do Faial, e
Felipa Maria de Brito, natural de Viamão, sendo seus avós paternos Manoel de Matos
e Bárbara Silveira, e maternos Inácio de Brito Peixoto e Maria Fernandes Castilhos.
Sua esposa, Belisária apresenta caso semelhante. Dela possuímos o registro de
batismo realizado na freguesia de Santo Antônio em 18/11/1782
199
; era filha legítima
de Lázaro Bicudo, natural da vila de Laguna, e de Clara Maria, natural da freguesia,
sendo seus avós paternos João Bicudo e Domingas Bernardes, e maternos Inácio
199
ACDO – Livro 1 de registros de batismos da freguesia de Santo Antônio da Patrulha, reg. 375, fl. 70,
18/11/1782.
101
Pinheiro e Teodora Maria, parda forra. Descendente de um ilhéu e uma índia mestiça
(Felipa descendia dos Brito Peixoto de Laguna), Francisco não havia sido escravo
nem filho de escravo. Belisária possuía na família uma avó referenciada como parda
forra. Porque então ambos foram identificados como pardos libertos? E mais, porque
uma vez designados dessa forma, alguns anos depois perderam esse qualificativo?
Acreditamos que Francisco e Belisária levavam consigo a marca da mestiçagem.
Mesmo distantes do cativeiro eram descendentes diretos e indiretos de índios (os
Brito Peixoto) e negros (avó de Belisária), e a época do primeiro batismo de seus
filhos na freguesia de Santo Antônio era apenas essa marca social que lhes
identificava. Com o tempo o casal foi ocupando novos lugares naquela sociedade que
justificava o desaparecimento do epíteto, substituído pela menção a naturalidade.
Dessa forma, reiteramos a hipótese de que a desinência pardo referia-se ao lugar que
aquele indivíduo ocupava na hierarquia social, não simplesmente a sua cor de pele.
200
Essas aparentes ambigüidades apresentadas pelas diferentes formas de qualificar o
mesmo indivíduo são reveladoras no momento em que entendemos que a cor da pele
marcava a distância que separava a liberdade da escravidão, e na América
portuguesa era lida como uma marca simbólica da distinção social:
Incorporada a linguagem que traduzia visualmente as hierarquias
sociais, a cor branca podia funcionar como sinal de distinção e
liberdade, enquanto a tez mais escura indicava uma associação direta
ou indireta com a escravidão. Ainda que não se pudesse afirmar que
todos os negros, pardos e mulatos fosse ou tivessem sido
necessariamente escravos, a cor era um importante elemento de
identificação e classificação social. Nesse sentido, nomear as pessoas
como negros, cafuzos, pardos, pretos e crioulos era uma forma de
afastá-las dos brancos. Em diversas situações, muitos pardos e
mulatos, livres ou forros, foram dessa forma empurrados para longe
da condição da liberdade, apartados de um possível pertencimento
ao mundo senhorial. Podiam ter nascido livres e apossuir escravos,
200
Por isso, estamos longe do racismo vigente no século XIX, que associava a cor preta ou mulata a uma origem
(africana) considerada inescapavelmente inferior ou que adotava critérios científicos para diferenciar e
hierarquizar as ‘raças’. As avaliações aqui seguem critérios classificatórios constitutivos da hierarquia social do
Antigo Regime, e é no interior desse contexto que seus significados devem ser compreendidos”. LARA, 2007, p.
141.
102
mas estavam, de certo modo, identificados com o universo da
escravidão.
201
Inácio de Mendonça, na qualidade de pardo forro, portanto mestiço, sai de sua
vila natal em tenra idade em busca do exercício de sua liberdade, do reconhecimento
de seu status como livre. Neste caso, pardo passa a ser uma identidade reivindicada, de
um grupo que queria se diferenciar do universo da escravidão, cobrar privilégios e
tratamento específicos e, mesmo, constituir-se em corpo social separado”.
202
Em suas
andanças Inácio amealhou espaço entre os conquistadores do extremo-sul, fez
amizades, teve filhos, recebeu mercês, e ao final de sua vida casou-se com a filha de
um estancieiro-conquistador, sempre investindo em seu status social.
O derradeiro investimento iniciou nos primeiros anos de seu casamento com
Margarida, quando Inácio envolveu-se na construção da capela de Santo Antônio.
Em 4 de setembro de 1756, o Bispo do Rio de Janeiro fez um apelo através de uma
portaria enviada ao Vigário de Laguna para que os moradores dos Campos de
Tramandaí e Registro da Serra (Santo Antônio da Patrulha) construíssem capelas,
alegando que a paróquia de Viamão estava demasiadamente grande, e seu
atendimento ficava prejudicado por não haver nenhuma capela nesta região, Inácio
empenhou-se pela fundação da capela construindo-a em sua fazenda. A capela fora
oficializada através de portaria, expedida por Dom Frei Antonio do Desterro (Bispo do
Rio de Janeiro) em 31 de agosto de 1760
203
; este documento criava o curato
204
de Santo
Antônio da Guarda Velha de Viamão que compreendia todos os moradores desde o
Registro da Serra de Viamão até as Lombas e daí pelo arroio Grande e João
Rodrigues e fazenda de João Pinto até Capivari e Palmares, e também os moradores
201
LARA, 2007, p. 143-144.
202
Idem, p. 141. Ver também VIANA, Larissa Moreira. O idioma da mestiçagem. Irmandades de pardos
na América portuguesa. São Paulo: Unicamp, 2007.
203
RUBERT, 1994, p. 85.
204
Curato: quase paróquia, território com limites próprios, destinado a ser oportunamente paróquia.
Cf. RUBERT, 1994, p. 7.
103
dos Campos de Tramandaí.
205
Nesta portaria é mencionado o zelo e empenho de
Inácio na obra pia:
Fazemos saber que por quanto somos informados de que Inácio José
de Mendonça morador na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição
de Viamão no lugar da Guarda Velha tem feito fabricar na sua
Fazenda uma capela com a invocação de Santo Antônio pela
permissão que lhe demos em uma Portaria Nossa passada em quatro
de Setembro de 1756 [...] que o dito Inácio José de Mendonça com
tanto trabalho e desvelo seu tem feito fabricar a dita capela de Santo
Antônio [...]
206
A dedicação e o zelo de Inácio na construção da capela mais uma vez nos
pistas sobre o seu investimento em seu status social. Uma obra pia grandiosa, como a
fundação de uma capela, colocaria de vez o seu nome entre os principais da terra. E
foi o que de fato ocorreu: em seu registro de óbito, de 1765, Inácio é referido como
fundador desta Capela de Santo Antônio que serve de paróquia”, sendo seu corpo
sepultado no arco da Capela na sepultura dos fundadores”.
207
O sepultamento dentro da
Igreja, em desuso desde o século XIX, era previsto e aconselhado pelas Constituições
Primeiras
É costume pio, antigo, e louvável na Igreja Católica, enterrarem-se os
corpos dos fiéis Cristão defuntos nas Igrejas, e Cemitérios delas:
porque como são lugares, a que todos os fiéis concorrem para ouvir, e
assistir as Missas, e Ofícios Divinos, e Orações, tendo a vista as
sepulturas, se lembraram de encomendar a Deus nosso Senhor as
almas dos ditos defuntos, especialmente dos seus, para que mais
cedo sejam livres das penas do Purgatório, e se não esquecerão da
morte, antes lhes será aos vivos muito proveitoso ter memória dela
nas sepulturas.
208
205
RUBERT, 1994, p. 85.
206
NEIS, 1975, anexo 3, p. 153.
207
ACDO – Livro 1 de registros de óbitos de Santo Antônio da Patrulha, fl. 5v, 05/03/1765.
208
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, livro IV, título LIII, art. 843, p. 295. Grifos nossos.
104
Também era facultado ao Cristão escolher o local de sua sepultura: Conforme
o direito é permitido a todo Cristão eleger sepultura, e mandar enterrar seu corpo na Igreja, ou
adro, que bem lhe parecer, conforme sua vontade, e devoção”.
209
Margarida, falecida alguns
anos antes de Inácio (1763), foi identificada como mulher casada com o fundador desta
capela curada de Santo Antônio, Inácio José de Mendonça”, e seu sepultamento também
ocorreu na sepultura dos fundadores.
210
Inácio por ter sido o construtor da capela que
servia de Igreja Matriz pode ter escolhido o local para esta sepultura, marcando na
memória de todos da paróquia sua posição como fundador numa “última manifestação
social da sua vida”.
211
A Capela construída entre 1755-1760, foi dedicada a Santo Antônio e deu
início ao núcleo populacional de mesmo nome. Neis (1975), arrola uma série de
hipóteses para a escolha do padroeiro. A principal delas lembra que a fazenda de
Manoel de Barros, pai de Margarida, chamava-se Fazenda Santo Antônio, e que ela
poderia ter herdado do pai a devoção ao santo. Ou ainda:
Manoel de Barros, sem mulher e sem outros filhos, não teria talvez
feito o oratório em sua fazenda por amor à sua filha única? Ou essa
filha, que ele tanto amava, se teria tornado devota do santo que
tinham em casa? E depois que ela casou e construiu capela própria,
não teria ela talvez recebido a imagem do oratório da casa paterna
para sua nova capela? Ou, pela grande devoção para com este santo,
teria ela adquirido outra imagem?
212
Todas essas hipóteses são de difícil verificação, no entanto, acreditamos que a
escolha do padroeiro não foi acaso ou coincidência. A devoção de Margarida pode ter
exercido influência, mas para Inácio, que enfrentou a oposição de Barros a seu
casamento, invocar como padroeiro da capela construída em sua propriedade o santo
209
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, livro IV, título LIII, art. 845, p. 296.
210
ACDO Livro 1 de registros de óbitos de Santo Antônio da Patrulha, fl. 3v 05/07/1763; sobre o
sepultamento: “[...] e jaz sepultada junto ao arco da capela-mór em a sepultura dos fundadores”. Parte deste
registro foi recuperada através da transcrição feita por NEIS, 1975, p. 133.
211
DURÃES, 2000, p. 295.
212
NEIS, 1975, p. 130.
105
de devoção de seu sogro, representava uma possibilidade de mostrar-se valoroso
frente ao sogro, e um passo rumo a conquista de sua confiança.
213
Pouco menos de um ano após o casamento de Inácio e Margarida nasce a
primeira filha do casal, Maria Madalena, que foi batizada na Matriz de Viamão no
dia 10 de setembro de 1756 e teve como padrinho, por procuração, Pascoal de
Azevedo, governador do Rio Grande.
214
O Tenente-Coronel Pascoal de Azevedo foi o
último comandante e governador do Presídio de São Pedro, nomeado em 1752
permanecendo na comandância até 1760.
215
Nesse período, segundo César (1980),
Azevedo teve seu brilho ofuscado pela presença no sul do General Gomes Freire de
Andrada que governava a Repartição do Sul (composta por três Capitanias: Rio de
Janeiro, São Paulo e Minas Gerais) e liderava a porção portuguesa da Expedição
Demarcadora de Limites que pretendia executar o Tratado de Madrid de 1750,
ficando Azevedo quase restrito a administração do Presídio.
216
Até o momento não pudemos verificar quais eram as ligações entre Inácio e
Margarida e o Governador, ou o procurador designado por ele para representá-lo na
pia batismal. Existe a possibilidade de Inácio ter conhecido o Tenente durante sua
atividade como soldado Dragão, ou a de seu filho Jo Vitor, porém, para nossa
análise é interessante destacar a escolha de um padrinho de status social acima. É
mais provável que Inácio e Margarida nem conhecessem pessoalmente ao Governador
e vice-versa, mas o convite, e posterior aceite, nos indicam o reconhecimento, por
ambas partes, de possíveis aliados.
213
Resolvemos não aprofundar esta questão por falta de documentos plausíveis, mas não nos escapou
a importância da devoção a Santo Antônio entre os africanos e seus descendentes. A respeito ver:
SLENES Robert. “Malungo ngoma vem!”: África encoberta e descoberta no Brasil. In: Revista USP, 12,
1991-92, pp. 48-67; MACHADO, Maria Helena. O Plano e o Pânico. Os Movimentos Sociais na Década
da Abolição. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, EDUSP, 1994 (Capítulo 3); e, SOUZA, Marina de Mello e.
Reis Negros no Brasil escravista. História de Coroação de Rei Congo. Belo Horizonte, Editora UFMG,
2002.
214
AHCMPA Livro 1º de Batismos de Viamão, fl. 126v, 10/09/1756. Transcrição gentilmente cedida
por Vanessa Campos – AHCMPA.
215
O Tenente-Coronel Azevedo assumiu posto em 28 de junho de 1752, substituindo o Coronel Diogo
Osório Cardoso, e desocupando-o em 17 de janeiro de 1761, dando lugar ao Coronel Inácio Elói de
Sena Madureira. CF. FORTES, 1981, p. 151.
216
CÉSAR, 1980, p. 124.
106
Dois anos após o nascimento de Maria Madalena (1758), Inácio foi listado no
Rol de Confessados de Viamão como chefe do fogo número 93, acompanhado de sua
esposa, Margarida, de uma filha, Ana Francisca, e de 4 escravos.
217
Maria Madalena
com apenas 2 anos não foi arrolada, José Vitor, seu primogênito, na época com
aproximadamente 22 anos, iniciou processo de habilitação de casamento em Rio
Pardo onde afirmava que em 1754 havia deixado a companhia de seu pai para
assentar praça de soldado e foi para a Campanha das Missões em companhia do Exército e
sempre o acompanhou ase recolherem a esta fortaleza (de Rio Pardo), aonde está morando a
melhor de dois anos”.
218
Foi noiva no processo iniciado por José Vitor em Rio Pardo
Gertrudes de Souza, parda forra, (filha de Madalena, carijó de nação tape”), mas não
houve casamento. Em 1763, cinco anos depois, José Vitor inicia novo processo de
habilitação em Viamão declarando que nunca fora casado, nem prometera casamento a
mulher alguma e dessa vez casa-se com Vitória Luiza de Queirós, com quem teve
dois filhos (José Vitor e Vicente).
219
Ana Francisca, a filha bastarda de Inácio, casou-se em 1760 com José da
Silveira Luís, natural da freguesia de Santa Luiza das Bandeiras da Ilha do Faial,
conforme declarou na habilitação:
Disse ele depoente que da idade de dez anos saíra da sua pátria e
viera na companhia de um capitão por nome Inácio Ferreira para a
cidade do Rio de Janeiro, aonde assistiu o melhor de doze anos
assistindo na fazenda do doutor João Bento Ribeiro de Souza. Disse
mais que da dita cidade saíra e viera embarcado para a vila de Santos,
e logo se transportou para a Ilha de Santa Catarina vindo sempre de
rota batida, até chegar a esta freguesia aonde está morador há um ano
pouco mais ou menos.
220
José da Silveira fez parte da corrente de migratória que trouxe muitos
portugueses ao Brasil, e percorreu um trajeto muito parecido com o de Manoel de
217
AHCMPA – Rol de confessados de Viamão, 1758, fogo 96, fl. 7v.
218
NEIS, 1975, p. 135.
219
Idem, p. 136.
220
Cf. Idem, p. 137.
107
Barros. Segundo Neis (1975, p. 137), ele foi feitor na fazenda de Inácio de Mendonça,
e considerando sua passagem por Santos e pela Ilha de Santa Catarina, vindo sempre
de rota batida por locais onde sabemos que seu sogro passou, não descartamos a
possibilidade de ele ter vindo com o próprio Inácio e ter-lhe servido de feitor desde o
início de seu estabelecimento no Morro do Púlpito. Infelizmente, não encontramos
nenhum registro de batismo ou óbito onde o casal, José Silveira e Ana Francisca,
sejam referenciados, o que nos indica a possibilidade de que tenham saído da
freguesia.
Além de sua esposa e filha, no rol de 1758 constam 4 escravos residentes com
Inácio: José, Manoel, Francisco e Antônia. Estes dois últimos declarados como
fugidos”. Pardos forros possuindo cativos não chegam mais a provocar admiração
entre os pesquisadores. Faria
221
analisando os inventários de forros em São João del
Rei, entre os anos de 1731 a 1850, percebeu que os maiores investimentos que
constavam no rol dos defuntos eram em escravos, prédios urbanos e ouro. Comprar
escravos era uma forma de investimento, tanto na forma econômica, quando de
prestígio social. Ou seja, ter escravos era uma ótima escolha em termos de
concentração do capital (apesar dos riscos inerentes, como as fugas acima descritas),
mas também significava a aquisição de um emblema de status. Portanto, não era a
toa que indivíduos pardos, logo que possível, adquirissem cativos, já que parte de
seus esforços constantes eram dirigidos ao afastamento simbólico e espacial do
cativeiro.
Com Margarida, além de Maria Madalena, Inácio teve mais 4 filhos: Mariana
Josefa, Francisca, Antônia Inácia e Inácio José (filho).
221
FARIA, 2004. Ver também: PAIVA, Eduardo França. Escravidão e universo cultural na Colônia. Minas
Gerais, 1716-1789. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001.
108
Figura 2 – Árvore genealógica de Inácio José de Mendonça
109
Exceto o caso de Maria Madalena, batizada em Viamão, não nos foi possível
recuperar os assentos de batismos dos outros filhos de Inácio e Margarida, pois todos
nasceram entre o início da construção da capela e criação da freguesia de Santo
Antônio. Neste período, entre 1755 e 1760, os sacramentos eram administrados na
capela da fazenda de Inácio, da qual até o momento, não encontramos nenhum livro
de registro. Em seu auto de casamento, Antônia Inácia solicitou ao Vigário da
freguesia, certidão que comprovasse seu batismo, mas este precisou recorrer a
testemunhas:
Certifico que em virtude do despacho retro me informei de três
homens fidedignos da primeira criação desta mesma freguesia e
nela desde então moradores os quais, um por ver e presenciar, os
outros por [saberem] disseram que a Suplicante no requerimento
retro Antônia Inácia Pereira de Mendonça fora Batizada com Batismo
Solene pelo Padre José Carlos da Silva em o Oratório de Inácio José
de Mendonça, Pai da Suplicante, em o qual Oratório, por não haver
ainda Igreja naquele tempo, vinha o dito Padre, que então era vigário
de Viamão, dizer Missas, desobrigar e administrar os mais
Sacramentos que se faziam necessários.
222
Os homens fidedignosque colaboraram para a investigação do Padre foram
Manoel da Silva Ribeiro, Manoel [Leite] Peixoto e Manoel Nunes Bemfica, todos da
primeira criação desta mesma freguesia”. Um deles por ver e presenciar o ato, muito
provavelmente foi padrinho de Antônia Inácia, mas, mesmo sem ser indicado o
padrinho entre os três, sabemos que Inácio e Margarida seguiram escolhendo entre a
nascente elite os padrinhos para seus filhos.
No batismo de um filho seu chamado Eugênio, no ano de 1751, Manoel da
Silva Ribeiro consta como soldado, natural de Mondin de Basto e morador em
Tramandaí. Neste mesmo ano sua esposa Maria Bernardes é madrinha de Francisco,
222
AHCMPA Autos de casamento a favor de Manoel Gonçalves Ribeiro e Antônia Inácia Pereira de
Mendonça, 1784, fl. 5v.
110
crioulo, filho de Maria Angola, ambos escravos de Romualdo Correia.
223
Romualdo
em 1753 tornar-se-ia compadre de Manoel de Barros, conforme já vimos.
Manoel Peixoto foi padrinho 7 vezes entre 1774 e 1781, de filhos de 5 casais.
Entre os seus afilhados, 5 eram filhos de ilhéus: Francisco e Francisca, filhos de João
Batista Ferreira e Ana Maria da Conceição, ele com pais naturais da Ilha Graciosa e
ela do Faial;
224
Inácia e Francisca, filhas de Francisco de Vargas e Rosaura Jacinta,
ambos com pais naturais da Ilha do Faial;
225
e Laureana, filha de Manoel Francisco de
Souza, com pais naturais da Ilha de São Jorge.
226
Dos outros dois afilhados, um não
pudemos identificar a procedência dos pais e avós, mas outra era neta paterna de
Manoel da Silva Ribeiro; trata-se de Aurélia, filha de Francisco Bernardes da Silva,
natural de Viamão, e Antônia Gomes, natural de Laguna.
227
A terceira testemunha no processo de Manoel Gonçalves e Antônia Inácia foi
Manoel Nunes Benfica, que compareceu a pia batismal da paróquia de Santo Antônio
como padrinho de nada menos que 37 crianças entre 1774 e 1810. Filho de Pedro
Nunes e Maria Francisca, Manoel era natural da freguesia de Nossa Senhora de
Benfica (procedência que provavelmente incorporou ao seu nome de família),
patriarcado de Lisboa, e no rol de 1779 feito na freguesia de Santo Antônio ele consta
como chefe de um fogo onde residem, além dele, mais 3 escravos. Neste mesmo
documento seu irmão, Antônio Nunes Benfica reside com sua esposa, Maria Felícia
da Natividade, um escravo e um agregado. Antônio Nunes Bemfica foi Capitão-Mor
de Santo Antônio da Patrulha, e com o irmão tinha em sociedade alguns campos e
223
AHCMPA – Livro 1º de registros de batismo de Viamão, fl. 97, 27/06/1751.
224
ACDO Livro 1 de registros de batismo de Santo Antônio da Patrulha, Francisco, reg. 60, fl. 13v,
18/12/1774; ACDO – Livro 1 de registros de batismo de Santo Antônio da Patrulha, Francisca, reg. 144,
fl. 31, 02/10/1777.
225
ACDO Livro 1 de registros de batismo de Santo Antônio da Patrulha, Inácia, reg. 207, fl. 42,
15/11/1778; ACDO – Livro 1 de registros de batismo de Santo Antônio da Patrulha, Francisca, reg. 275,
fl. 53, 05/11/1780.
226
ACDO Livro 1 de registros de batismo de Santo Antônio da Patrulha, Laureana, reg. 175, fl. 36v,
25/04/1778.
227
ACDO Livro 1 de registros de batismo de Santo Antônio da Patrulha, Aurélia, reg. 291, fl. 56,
11/01/1781.
111
estâncias, que segundo Maciel
228
“(...) estavam aparelhadas, com engenhos de açúcar, dos
primeiros que existiram na capitania, várias casas e muitos escravos”. Entre 1781 e 1783
Manoel casou-se com Maria Antunes Ferreira, filha de Felix Ferreira, natural de
Alvergaria a velha, termo de Aveiro, bispado de Coimbra”, e Catarina Antunes, natural de
Laguna.
229
A primeira vez que Manoel foi padrinho, o batizado era Vicente, filho de José
Vitor de Mendonça e Vitória Luiza de Queirós. JoVitor era o filho mais velho de
Inácio e irmão, por parte de pai, de Antônia Inácia, o que pode nos indicar que teria
sido ele também o padrinho de Antônia Inácia. Sendo inclusive responsável pela
aproximação dela com o Alferes Manoel, pois, em seu testamento, redigido em 1807,
Manoel Benfica ao declarar a posse de uma sesmaria menciona que cuja sesmaria por
uma mal feita medição que se fez aos campos da sesmaria de Manoel Gonçalves Ribeiro se
correu pleito e saiu despachado a se fazer uma vistoria”.
230
A dita vistoria ficaria a cargo
dos testamenteiros, mas a menção a Manoel Gonçalves Ribeiro (seja ele o pai ou o
filho) como seu vizinho, pode ter permitido que Antônia Inácia e Manoel Ribeiro se
encontrassem.
Manoel Gonçalves Ribeiro e Antônia Inácia de Mendonça iniciaram o processo
de habilitação para casamento em 1784, quando tinham dois de seus oito filhos.
Manoel precisou de dispensa para casar-se, pois manteve cópula ilícitacom Maria
Madalena, irmã de Antônia. Dessa relação aparentemente não houve filhos; nem
mesmo Neis (1975), autor que pesquisou a vida da família, não menciona esse
incidente.
228
MACIEL JR., [1987], p. 79.
229
Localizamos os batismos de três filhos de Manoel Benfica e Maria Antunes: Desidéria (1783),
Catarina (1784) e Antônia (1786). Em todos os casos foram escolhidos os tios como padrinhos,
Desidéria e Catarina seu tio paterno, Antônio Nunes Benfica, e Antônia o tio materno, Alberto
Ferreira. Manoel também foi padrinho de duas sobrinhas, filhas de Antônio Benfica: em 1781 de Maria
e em 1783 de Catarina. Manoel Benfica e o irmão possuíam alguns escravos (localizamos pelo menos 5
para cada) e deixaram vasta descendência em Santo Antônio da Patrulha. ACDO – Livro 1 de registros
de batismos de Santo Antônio da Patrulha, Desidéria, reg. 398, fl. 75, 24/05/1783; Catarina, reg. 456, fl.
87, 24/11/1784; Antônia, reg. 505, fl. 97, 07/05/1786.
230
APERS Autos de inventário de Manoel Nunes Benfica, auto 109, maço 4, 1815, 2º cartório do Cível
de Porto Alegre.
112
De acordo com as Constituições Primeiras havia alguns impedimentos ao
casamento, e segundo Lott (2005, pp. 8-9), podiam ser de dois tipos: os dirimentes e os
impedientes. Os dirimentes tinham caráter decisivo e podiam anular o ato, eram
determinados pela idade (mínimo de 14 anos para o homem e 12 para as mulheres),
pela impotência (antecedente à realização do casamento e perpétua, absoluta ou
relativa). Os impedientes apesar de conter uma proibição grave não ensejavam a
nulidade, eram determinados pelo voto simples (de virgindade, de castidade, de não
se casar, de receber ordens sagradas e de abraçar o estado religioso), pelo parentesco
legal e pela diferença de religião (um dos noivos sendo católico e o outro filiado a
seita “herética”). No caso de Manoel e Antônia havia o parentesco por afinidade que
referia-se ao vínculo legal que existisse entre o cônjuge e os consangüíneos do outro: se em
linha reta, em todos os graus e se em linha colateral, até o segundo grau, inclusive”,
231
visto a
relação dele com uma irmã de Antônia. No entanto, na habilitação Manoel menciona
que “por cópula ilícita se achava [ele] dispensado por sua Excelência Reverendíssima”.
232
Em 1779 nasceu a primeira filha do casal Matildes, que foi batizada como filha
natural, assim como a segunda Maria, os outros seis filhos nasceram com o status
de legítimos.
Tabela 6 – Filhos de Manoel Gonçalves Ribeiro e Antônia Inácia de Mendonça
Data Batizado Padrinho Madrinha
10/11/1779 Matildes Antônio Lopes Negreiros Ana Maria, filha de Manoel
Antônio Bitancurt
18/12/1783 Maria João Moreira de Lemos Maria da Conceição
02/05/1787 Francisca Francisco Marques Lisboa Joaquina Inácia de Freitas
04/12/1788 Leonarda Francisco Jorge Ribeiro Tereza Moreira, esposa de
Francisco Jorge Ribeiro
05/09/1791 Antônio Antônio Francisco Coelho Francisca Loureiro
07/10/1792 Laureana José Gonçalves Ribeiro Francisca Loureiro
25/12/1793 Manoel Licenciado Manoel dos
Santos Xavier
Ana de Jesus Pinto, esposa de
Manoel dos Santos Xavier
16/09/1797 Eufrásia Francisco Jorge Ribeiro Maria Santa
231
LOTT, 2005, p. 8.
232
AHCMPA – Habilitação de Manoel Gonçalves Ribeiro e Antônia Inácia Pereira de Mendonça, 1784.
113
Fonte: Livro 1 Santo Antônio da Patrulha – reg. 237, fl. 47; reg. 416, fl. 79v; reg, 554, fl.
106v; reg. 617, fl. 118; reg. 703, fl. 134; reg. 738, fl. 104v; reg. 824, fl. 154v; reg. 982, fl. 181v.
O Alferes Manoel Gonçalves Ribeiro era filho do Capitão Manoel Gonçalves
Ribeiro e de Maria Rodrigues Moreira, natural e batizado na freguesia de Santo
Antônio dos Anjos da vila da Laguna em novembro de 1730. O capitão Manoel
Gonçalves era natural da freguesia de São Mateus do Bunheiro, comarca de Aveiro
em Portugal, de onde teria saído ainda moço e vindo para o Rio de Janeiro, e
posteriormente, na década de 1720, se transferido para o sul. Em Laguna o Capitão
esteve envolvido em denúncias de contrabando e em contendas com o Capitão-mor
Francisco de Brito Peixoto, mas sempre esteve entre os principais da terra, e em 1732
teria recebido a primeira sesmaria do Continente de São Pedro nos campos de
Tramandaí. Essa posse, a princípio, não foi ocupada pela família que recebeu nova
concessão na localidade de Lombas nas imediações de Viamão.
233
Segundo Kühn
(2006, p. 80) a família Gonçalves Ribeiro parece ter tido sua importância atrofiada ao se
transferir para os Campos de Viamão. Pelo contrário, o ramo que permaneceu na vila de
Laguna manteve sua posição social ao longo da segunda metade do século XVIII”.
O Alferes Manoel Gonçalves fazia parte do ramo que migrou para o sul.
Procurando comprovar seu estado de solteiro, ele inicia processo anexado a sua
habilitação de casamento onde são arroladas testemunhas para confirmar a
informação de que ele da dita sua pátria [Laguna] viera em direitura [sic] para a freguesia
de Santo Antônio da Guarda Velha desta comarca e bispado sendo de idade de doze anos e na
mesma tem assistido até o tempo presente”.
234
Confirmada essa informação por quatro
testemunhas sabemos que em 1742 o Alferes Manoel Gonçalves chegou aos Campos
de Viamão; seu pai, segundo Kühn, teria vindo apenas em 1755.
235
Portanto, o Alferes
233
KÜHN, 2006, p. 80-81. Ver especialmente cap. 2.3.1.
234
AHCMPA Auto de justificação em favor de Manoel Gonçalves Ribeiro, 1784, fl. 2, documento
anexado a habilitação de casamento de Manoel Gonçalves Ribeiro e Antônia Inácia Pereira de
Mendonça, 1784.
235
KÜHN, 2006, p. 81.
114
faria parte do ramo atrofiado dos Gonçalves Ribeiro, e não teve aqui tanto sucesso
quanto a parentela que permaneceu em Laguna.
Na Relação de Moradores de 1784 Manoel Gonçalves (o Alferes) consta como
proprietário de um tio na costa da Serra”, no entanto, essa posse era herança de sua
mulher Antônia Pereira de Mendonça, filha do falecido Mendonça não de seu pai ou
mãe.
236
Nessa propriedade o casal possuía 60 cabeças de gado, 20 bois, 8 cavalos, 20
éguas e 3 potros. Essa produção, de acordo com a classificação feita por Osório,
indicaria Manoel e Antônia como lavradores, condição social pouco destacada frente
aos irmãos de Manoel que ficaram em Laguna.
237
As irmãs de Manoel permaneceram
em Laguna e casaram-se com homens detentores de prestígio e boa colocação na sociedade
daquela época. A maior parte deles tinha patentes militares, especialmente de ordenanças”, ao
passo que os irmãos, assim como Manoel, migraram para os campos de Viamão e
tiveram uma trajetória social descendente.
238
Essa trajetória descendente, aliada ao procedimento escandaloso que marcou o
casamento, talvez tenha sido parte da razão para a parca presença do casal como
padrinhos.
Tabela 7 – Manoel Gonçalves Ribeiro e Antônia Inácia de Mendonça como padrinhos.
Manoel Gonçalves Ribeiro
Data Batizado Pais Madrinha
19/02/1781 José Inácio José de Mendonça (filho),
pardo, e Vitória Vieira de Jesus,
parda
Tereza Rosa de Jesus, filha
de Tomé Matias
28/04/1785 Sotério Agostinho Garcia e Maria da
Conceição, naturais de Laguna
Antônia Inácia Pereira de
Mendonça, esposa de
Manoel
Antônia Inácia de Mendonça
Data Batizado Pais Padrinho
28/04/1785 Sotério Agostinho Garcia e Maria da
Conceição, naturais de Laguna
Manoel Gonçalves
Ribeiro, esposo de
236
Pelo menos duas vezes na Relação é mencionada a compra de parte dos campos de Maria Rodrigues
Moreira de seus herdeiros, no caso, os irmãos Gonçalves Ribeiro. AHRS – fundo Fazenda códice
F1198B, margem 148, pág. 305v. Transcrição gentilmente cedida por Paulo Moreira.
237
OSÓRIO, 1999, pp. 70-71.
238
KÜHN, 2006, p. 83.
115
Antônia
08/07/1800 João Antônio Francisco Amorim e
Maria Ribeiro do Nascimento
Manoel Gonçalves
Ribeiro, avô materno
14/12/1801 Luiz Francisco Luiz de Melo, natural
da cidade de Lisboa, e Francisca
Gonçalves Ribeiro
Luiz Henriques de
Carvalho
Fonte: 1º Livro de batismo de Santo Antônio da Patrulha, respectivamente, reg. 298, fl. 57;
reg. 469, fl. 89v. Livro 2º, reg. 116, fl. 21v; reg. 260, fl. 56.
O casal foi convidado a ser padrinho na maioria das vezes por pessoas de sua
família consangüínea. Manoel Gonçalves apadrinha, em 1781, o filho de seu futuro
cunhado, que neste ano já era seu cunhado de fato, pois ele tinha o primeiro filho
com Antônia Inácia; em 1785 apadrinha o filho de Agostinho Garcia, e retorna a pia
batismal somente 19 anos depois para batizar o neto João. Agostinho Garcia era
natural de Laguna e filho de João Batista Garcia e de Vitória Pereira. Sua esposa,
Maria da Conceição, também era natural de Laguna, filha de João Moreira de Godois
e de Simoa da Cunha. Os sogros de Agostinho pertenciam a elite de fundadores. Na
Relação de Moradores de 1784 para Santo Antônio da Patrulha, encontramos seis
proprietários que declaram possuir terras na “Praia do Moreira”,
239
que acreditamos se
referir a João Moreira de Godois, pois em três casos tratavam-se de genros do
mesmo. Agostinho inclusive declara como origem da posse: genro da falecida Velha
Simoa, ainda não sabe o que lhe cabe por herança”.
240
Corroboram com nossa hipótese de
que Godois pertencia a nascente elite o fato de uma de suas filhas, Maria (esposa de
Agostinho) ser afilhada de Bernardo Pinto Bandeira
241
, e um de seus filhos, Manoel,
ser afilhado do Manoel de Barros.
242
Uma filha de Simoa e João é casada com Lopes
239
Moram na praia do Moreira, segundo a Relação, em 1784: Antônio Lopes Negreiros, Agostinho
Garcia e Marcelino Pereira do Lago, estes genros do Moreira, e mais Francisco Machado, Antônio
Adornes Monteiro e João Mendes.
240
AHRS fundo Fazenda códice F1198B, margem 65, pág. 303. Transcrição gentilmente cedida por
Paulo Moreira.
241
AHCMPA – Livro 1º de registro de batismos de Viamão, fl. 16v, 07/12/1749.
242
João Moreira de Godois e Simoa da Cunha tiveram, pelo menos, seis filhos: João, Salvador, Manoel,
Felipe, Quitéria, Tereza, Rita, Maria. Os filhos homens localizamos através dos is de confessados e
não encontramos nenhuma referência entre os registros de batismos, podem ter migrado, as filhas
mulheres têm filhos batizados em Santo Antônio da Patrulha.
116
Negreiros que é padrinho de um dos filhos de Manoel e Antônia e de um dos filhos
de Agostinho.
Não encontramos muitos registros onde Inácio e Margarida tenham sido
padrinhos. Margarida faleceu em 1763 e Inácio em 1765, antes, portanto, do primeiro
livro de registro de Santo Antônio, sendo possível que tenham participado das
cerimônias na capela da fazenda, de onde não temos registros. Os filhos de Inácio,
José Vitor e Ana Francisca, não constaram como padrinhos. entre os cinco filhos
que teve com Margarida, apenas Francisca Inácia não foi localizada como madrinha,
como podemos conferir no quadro abaixo.
Tabela 8 – Filhos de Inácio e Margarida como padrinhos
Maria Madalena
Data Batizado Pais Padrinho
1777 Juliana Miguel dos Santos Leão e
Francisca de Mendonça
Vitorino Pires Duarte
1782 Francisco Manoel Pires e Francisca
Martins, pardos forros
Antônio Martins, tio do
batizado
1781 Manoel Exposto em casa de Maria
Madalena
Eusébio de Moraes
Navarro
1778 Brígida Martinho Gonçalves e
Ana Ribeiro
Vitorino Pires Duarte
Mariana Josefa
Data Batizado Pais Padrinho
1776 Joaquina Manoel Francisco de
Almeida e Antônia, índia
José Manoel de Jesus
(esposo de Mariana)
Antônia Inácia
Data Batizado Pais Padrinho
1785 Sotério Agostinho Garcia e Maria
da Conceição, naturais de
Laguna
Manoel Gonçalves
Ribeiro (esposo de
Antônia)
1801 Luiz Francisco Luiz de Melo,
natural de Lisboa, e
Francisca Gonçalves
Ribeiro
Luiz Henriques de
Carvalho (filha dela e ela
viúva)
1800 João Antônio Francisco
Amorim e Maria Ribeiro
do Nascimento
Manoel Gonçalves
Ribeiro (avós maternos)
Inácio José (filho)
Data Batizado Pais Madrinha
117
1782 Manoel Francisca, filha de Hilário,
pardo forro
Vitória Vieira de Jesus,
esposa de Inácio José
(filho)
Fonte: livros de Santo Antônio da Patrulha.
Sobre os afilhados de Antônia Inácia discorremos a pouco; veremos agora seus
irmãos. Das quatro ocasiões em que a filha mais velha do casal, Maria Madalena, foi
madrinha, em duas estava acompanhada por Vitorino Pires Duarte, uma por Eusébio
Navarro e uma por Antônio Martins. Do último nada pudemos apurar. Sobre
Eusébio de Moraes Navarro sabemos que ele possuía um terreno na freguesia de
Santo Antônio da Patrulha arrolado na Relação de Moradores e que vivia de seu
ofício de sapateiro”.
243
Apenas Vitorino Pires Duarte encontramos como padrinho de
outras duas crianças, nesses casos acompanhado por Úrsula Joaquina, filha de
Gaspar Fernandes e Maria de Brito.
244
Lembramos que em 1754, Manoel de Barros e
Margarida Pereira, respectivamente, avô materno e mãe de Maria Madalena, haviam
sido padrinhos de um dos filhos de Gaspar Fernandes e Maria de Brito. A rede
iniciada por Manoel de Barros, dessa forma, seguia sendo fortalecida e ampliada por
sua neta, mesmo que para padrinhos de seus filhos Maria Madalena tenha escolhido
gente de baixo, pois tecer redes verticais também fazia parte da estratégia.
Mariana Josefa foi madrinha apenas uma vez, sendo seu afilhado filho de
uma índia. Essa pouca freqüência pode ser creditada a sua morte precoce em 1780
com apenas 22 anos. Inácio José (filho) também foi padrinho uma única vez, e assim
como Mariana, seguiu tecendo redes predominantemente verticais.
O afilhado de Inácio Jo(filho), Manoel, era neto de Hilário da Costa, pardo
forro, natural e batizado na freguesia de Santo Antônio dos Anjos, da vila da Laguna
245
e
243
AHRS fundo Fazenda códice F1198B, margem 101, pág. 304. Transcrição gentilmente cedida por
Paulo Moreira.
244
Batismos de Bartolomeu, filho de José Machado e Francisca Xavier de Brito (ACDO Livro 1 de
registros de batismo de Santo Antônio da Patrulha, reg. 266, fl. 52, 21/09/1780) e de João, "exposto em
casa de Maria de Brito, viúva que ficou de Gaspar Fernandes" (ACDO Livro 1 de registros de batismo de
Santo Antônio da Patrulha, reg. 318, fl. 60, 21/08/1781).
245
Assim referido no batismo de sua filha Maria em 1781 (ACDO Livro 1 de registros de batismo de
Santo Antônio da Patrulha, reg. 300, fl. 57, 13/03/1781).
118
de Caetana Xavier , parda forra. A mãe de Manoel, Francisca, provavelmente nasceu
ainda em Laguna, pois não encontramos em Santo Antônio da Patrulha e adjacências
menção ao seu batismo. Na freguesia Hilário e Caetana tiveram mais quatro filhos:
Feliciana, Ana, Inácia e Maria.
Pudemos perceber que entre os filhos de Inácio e Margarida, Antônia Inácia
foi a que mais claramente tentou seguir trilhando o caminho da ascensão social, fato
demonstrado pelo seu casamento com um descendente direto do Capitão Gonçalves
Ribeiro. No entanto, em duas das três vezes que foi madrinha, a criança guardava
algum elo de parentesco sanguíneo com ela: Luiz e João eram seus netos. Apenas em
um caso o afilhado não era seu parente sanguíneo. Nossa hipótese é a de que o
envolvimento ilícito do casal tenha desencorajado os pais a convidá-los como
padrinhos, ou seja, os tenha desqualificado frente à comunidade. Corrobora com essa
hipótese o fato de que a única vez em que o casal foi convidado por não-parentes foi
um ano depois do casamento e, tratava-se de uma família que guardava alguns
vínculos com o avô de Antônia Inácia, Manoel de Barros, como vimos
anteriormente.
246
A atenção às redes de solidariedade por parte de Antônia Inácia é anterior ao
seu casamento com Manoel Gonçalves; em 1783, ela foi madrinha de crisma por duas
vezes: de uma escrava pertencente a sua cunhada, e de uma crioulinha filha de um
pardo forro e de uma preta forra.
247
A crisma, ou melhor dizendo, a confirmação era o
segundo dos sete sacramentos
248
a serem administrados aos fiéis católicos que Cristo
Senhor nosso instituiu, para que por meio dele se fortalecessem na sua graça, e os
246
Manoel e Antônia foram padrinhos de um dos filhos de Agostinho Garcia, genro de João Moreira
de Godois, que por sua vez era compadre de Manoel de Barros.
247
Isabel, 20 anos, nação angola, escrava de Vitória de Queirós, viúva, moradora nesta freguesia
(ACDO Livro 3 de registros de batismo de Santo Antônio da Patrulha, crismas, reg. 27, 25/05/1783);
Francisca, 5 anos, crioula, filha legítima de Manoel de Castro, pardo, e de Maria Francisca, preta,
ambos forros, natural e batizada nesta freguesia e nela moradora (ACDO Livro 3 de registros de
batismo de Santo Antônio da Patrulha, crismas, reg. 72, 25/05/1783).
248
Os sacramentos eram batismo, confirmação, eucaristia, penitência, extrema-unção, ordem e
matrimônio. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, Livro I.
119
Batizados
249
, sendo que os efeitos próprios deste Sacramento, além do caráter, que
imprime, são aumentar na graça e roborar [sic] na aos que o recebem”.
250
Recebiam o
Sacramento da Confirmação os fiéis maiores de sete anos de idade que soubessem a
Doutrina Cristã, ao menos o Credo, ou Artigos da Fé, o Padre nosso, Ave Maria, e
Mandamentos da Lei de Deus”.
251
Nesta cerimônia também havia a figura do padrinho,
que possuía as mesmas obrigações do padrinho no batismo: ensinar a Doutrina
Cristã. No entanto, eram escolhidos apenas um padrinho ou madrinha, que deveria
ter pelo menos 14 anos no caso dos homens e 12 no caso das mulheres, excluindo-se
os pais, cônjuges, religiosos, excomungados, interditos, acusados de delitos graves,
mudos, surdos e os desasisados
252
, e também os padrinhos de batismo.
253
Temos poucos relatos de pesquisa que apresentam esse tipo de registro, e isso
talvez se deva ao fato de que esse sacramento devia ser ministrado pelo Bispo. Dado
o tamanho das dioceses no período colonial foram poucas as vezes em que foi
ministrado e por conseqüência são poucos os registros existentes. Para Santo Antônio
da Patrulha encontramos o registro de sete cerimônias, cinco realizadas em 1783 e
duas em 1800, todas durante Visitas Pastorais, onde os Visitadores tinham
autorização do Bispo do Rio de Janeiro para administrar o referido Sacramento.
As Visitas faziam parte de um projeto reformador da diocese do Rio de Janeiro
que buscava disseminar os ditames tridentinos através da vasta extensão territorial do
bispado, atingindo até mesmo aos fregueses situados nas mais longínquas fronteiras de sua
jurisdição
254
, para isso foi publicado um conjunto de pastorais e editais que visavam
normatizar as atitudes dos fiéis e dos clérigos de acordo com os padrões
comportamentais e espirituais recomendados pelo Concílio de Trento. No entanto,
para que essas regras fossem efetivas era necessário que fossem fiscalizadas. Para
verificar o cumprimento das disposições tridentinas, e até mesmo a recepção das
249
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, Livro I, título XXI, art. 76, p. 31.
250
Idem, Livro I, título XXI, art. 76, p. 31.
251
Idem, Livro I, título XXI, art. 76, p. 32.
252
Desasisado:o que tem perdido o siso. Imprudente, temerário, louco.”. Cf. BLUTEAU, p. 94.
253
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, Livro I, título XXI, art. 79, p. 33.
254
KÜHN, 1996, p. 55.
120
mesmas, foi criado um mecanismo denominado Visita Pastoral, que deviam ser
realizadas pelos Bispos de cada diocese, ou na sua impossibilidade, pelo Vigário
Geral ou Visitador pelo menos uma vez ao ano:
[...] o intento principal de todas essas visitas será estabelecer a
doutrina e ortodoxa, excluídas as heresias, manter os bons
costumes, emendar os maus com exortações e admoestações, acender
o povo à religião, paz e inocência: e estabelecer o mais que o lugar,
tempo e ocasião permitir para proveito dos fiéis, segundo o julgar a
prudência dos que visitarem.
255
Apesar de ter freqüência anual, na paróquia de Santo Antônio da Patrulha
ocorreram 10 visitas durante o período por nós analisado (1773-1824)
256
, e em duas
foram organizadas as sete cerimônias de crisma, onde 723 fregueses confirmaram sua
Fé Cristã.
Tabela 9 – Registros de crismas 1783 e 1800.
Data #
%
04/05/1783 135
18,7
11/05/1783 123
17,0
18/05/1783 33
4,6
25/05/1783 177
24,5
01/06/1783 76
10,5
19/03/1800 145
20,1
23/03/1800 34
4,7
Total
723
100,0
Fonte: livro 3 – batismos e crismas de Santo Antônio da Patrulha.
255
O Sacrosanto, e Ecumênico Concílio de Trento em latim e portuguez: dedicado e consagrado aos
Excell. e Rev. Senhores Arcebispos, e Bispos da Igreja Lusitana, 1864, tomo 2, p. 271 apud KÜHN, 1996,
pp. 55-56.
256
Recolhemos esses dados a partir dos vistos registrados nos livros de batismos pelos Visitadores em:
06/06/1783, 22/02/1791, 01/12/1795, 16/09/1799, 18/03/1800, 20/03/1800, 10/10/1803, 30/12/1803,
13/10/1815, 22/12/1824. ACDO – Livros 1, 1E, 2, 3 e 4 de batismos de Santo Antônio da Patrulha.
121
As crismas foram registradas pelo Visitador no mesmo livro que os registros
de batismo
257
, e apesar de não comporem uma série que cubra todo o período de
nossa análise, nos revelaram uma parcela importante da população da freguesia: os
escravos. Em todas as cerimônias de crisma foram crismados 141 escravos, 95
homens e 46 mulheres, que representavam 19,5% do total de crismados, sendo que
53,9% deste grupo se referia a escravos de nação, conforme a tabela abaixo:
Tabela 10 – Procedência dos escravos mencionadas nas crismas
Referência #
%
“de nação” 76
53,9
Crioulos 30
21,3
Pardos 19
13,5
Sem referência 16
11,3
Total 141
100
Fonte: livro 3 – crismas Santo Antônio da Patrulha.
Considerando apenas os que traziam explícita a origem, temos 125 indivíduos.
Destes, podemos somar os crioulos e os pardos, por podermos com razoável certeza
considerar que são indicativos de indivíduos nascidos no Brasil. Assim, teríamos
60,8% de africanos e 39,2% de crioulos.
Isabel, a afilhada de Antônia Inácia foi mencionada como de nação angola,
escrava de Vitória de Queirós, viúva, moradora nesta freguesia
258
e assim como ela haviam
mais 34 angolas que compunham a maioria dos africanos mencionados:
Tabela 11 – Nações africanas mencionadas nas crismas
Nação #
%
Angola 34
44,7
Benguela 26
34,2
Rebolo 8
10,5
Congo 6
7,9
Cassange 1
1,3
257
Possibilitava-se que se fizesse o registro das confirmações (crismas) no próprio livro de batismos e no caso de
mudança de nome, que se acrescentasse: ‘N que até agora se chamava N, filho de N e N e etc’. (Título XXII) e
que se registrasse o novo nome na margem do assento de batismo.” Cf. LOTT, 2005, p. 5.
258
ACDO Livro 3 de registros de batismos de Santo Antônio da Patrulha, crismas, reg. 37,
25/05/1783.
122
Ambaca [sic] 1
1,3
Total
76
100
Fonte: livro 3 – crismas Santo Antônio da Patrulha.
Descartando a última nação, que não conseguimos localizar em qualquer
bibliografia, todas as restantes são representativas de grupos de procedência
localizados na África Central Atlântica, região de onde, neste período, vinha boa
parte dos trabalhadores africanos escravizados.
259
Quando foi convidada a ser madrinha de crisma Antônia ainda era solteira,
mas já tinha duas filhas com Manoel Gonçalves Ribeiro, portanto, representava para
o grupo dos de baixo uma importante intermediária social, conforme mencionamos.
Além de constar como madrinha, Antônia Inácia de Mendonça é mencionada no
registro de crismas como proprietária de uma escrava chamada Eugênia, crioula de 7
anos de idade, natural e batizada na Matriz da Capitania do Espírito Santo”. A pequena
Eugênia teve como madrinha Helena Maria de Jesus, esposa de Timóteo Leão da
Costa, que neste registro não têm suas cores mencionadas, mas sabemos tratar-se de
um casal de pardos forros.
260
Assim como Eugênia, 66,6% dos crioulos e 53,9% dos de nação crismados
escolheram livres ou libertos/forros como padrinhos. Essas escolhas revelam que as
estratégias de apadrinhamento, buscando intermediários em estratos sociais acima
de seus próprios, estavam disseminadas em todas as camadas da sociedade. Brancos
e pardos buscavam através das redes de apadrinhamento construir relações capazes
de consolidar sua presença no novo espaço que haviam escolhido para viver. Resta-
259
KARASCH, 2000, Capítulo 1. Ver também: FLORENTINO, Manolo Garcia. Em costas negras: uma
história do tráfico atlântico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). Rio de
Janeiro: Arquivo Nacional, 1995; BLACKBURN, Robin. A Construção do Escravismo no Novo Mundo. Do
Barroco ao Moderno (1492 / 1800). Rio de Janeiro: Editora Record, 2003; THORNTON, John. A África e
os Africanos na Formação do Mundo Atlântico. 1400/1800. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
260
Timóteo Leão da Costa, preto/crioulo forro, natural do Rio de Janeiro, e Helena Maria de Jesus,
preta/crioula forra, natural do Rio Grande tiveram 4 filhos batizados no livro 1: Antônio em 1776,
Inácia em 1778, João em 1781 e Quirino em 1783. ACDO Livro 1 de registros de batismos de Santo
Antônio da Patrulha, reg. 102, 191, 290 e 388, respectivamente.
123
nos procurar saber se entre os escravos essas estratégias também foram importantes e
de que forma eram articuladas. É o que veremos no próximo capítulo.
Capítulo 3
Famílias escravas em Santo Antônio da
Patrulha.
Rugendas
Habitação de negros
3. APESAR DO CATIVEIRO: FAMÍLIA ESCRAVA EM SANTO ANTÔNIO DA
PATRULHA.
Vimos até agora como se deu a ocupação do extremo-sul da colônia a partir
das relações sociais construídas pelos primeiros migrantes, vimos também que esse
grupo era composto por brancos e não-brancos que não estavam necessariamente
divididos entre livres e escravos. Pudemos perceber também que as estratégias para
a formação das diferentes redes de solidariedade, que constituíram a base da
ocupação foram quase sempre baseadas em elos de parentesco, fossem eles
consangüíneos ou não. Agora resta-nos buscar entender se esses elos fizeram parte
das vivências dos escravos. Buscaremos, usando também como fonte os registros de
batismos, verificar se o parentesco espiritual também foi capaz de formar redes
escravas na freguesia de Santo Antônio da Patrulha.
3.1. A família escrava é possível?
A análise das estratégias utilizadas por escravos e seus descendentes para
adquirirem melhores condições de sobrevivência e até uma mudança brusca em seu
status social é algo recente na historiografia. A mercantilização de seres humanos
pelo sistema escravista proporcionou a disseminação de uma visão do escravo como
coisa, sujeito passivo na relação escravo-senhor, e influenciou a historiografia até
muito pouco tempo. Sob este prisma, os cativos teriam posturas inertes frente a
dominação, somente invertendo este quadro quando morriam (através do suicídio),
matavam (principalmente seus senhores) ou refugiavam-se em quilombos. Para estes
autores, a dominação teria sido completa, o sendo possível ao escravo estabelecer
125
laços de parentesco, solidariedade ou manifestações culturais, sendo suas relações
balizadas pelas relações da casa grande.
261
Os estudos sobre a família escrava são bastante recentes, pois os primeiros
estudos sobre escravidão no Brasil seguiram uma interpretação segundo a qual a
existência da família escrava era desconsiderada, e os argumentos para sua
inexistência iam da inferioridade racial à pressão negativa do sistema escravista.
Mesmo inseridas neste quadro de inexistência de relações estáveis que
merecessem o rótulo de famílias, temos descrições de laços afetivos entre os escravos
nos relatos dos primeiros viajantes estrangeiros que circularam pelo país nos séculos
XVIII e XIX. Europeus em sua maioria, estes viajantes viam a senzala como espaço de
libertinagem e promiscuidade. A presença de uniões não sacramentadas pela Igreja e
de mães solteiras escandalizava os viajantes, pois para eles tudo aquilo que se
distanciava da moral cristã européia era promíscuo e devasso. Portanto, não lhes
parecia possível o estabelecimento de famílias nestes ambientes, confirmando a teoria
de inexistência.
Em finais do século XIX, o etnólogo e médico-legista Raimundo Nina
Rodrigues, propõe uma explicação “científica” para a discriminação racial: “Para a
ciência não é esta inferioridade mais do que um fenômeno de ordem perfeitamente natural,
produto da marcha desigual do desenvolvimento filogenético da humanidade nas suas diversas
divisões ou ações”.
262
Para este estudioso o estado de barbárie e atraso da raça negra
não permitia que estabelecessem relações familiares duradouras.
Em contraponto a esta visão cientificista da escravidão, Gilberto Freyre e
outros estudiosos da década de 1930, transferiram a responsabilidade pelo não
desenvolvimento da família escrava ao sistema escravista. Apesar de não negarem a
261
Vários dos trabalhos usados nesta dissertação se referem a este debate, mas para que não nos
estendamos demasiado, recomendamos: CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade: uma história das
últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990 (principalmente o
último capítulo); e SCHWARTZ, Stuart. A Historiografia Recente da escravidão Brasileira. In:
_________. Escravos, Roceiros e Rebeldes. Bauru (SP): EDUSC, 2001.
262
MOTTA, 1988, p. 108. Ver: CORRÊA, Mariza. As Ilusões da Liberdade. A escola Nina Rodrigues e a
Antropologia no Brasil. Bragança Paulista, EDUSF, 1998.
126
existência de núcleos familiares na comunidade cativa, este grupo este tipo de
relação como exceção, além de constituir uma estratégia de aumento dos plantéis de
escravos. O que se propunha é a substituição do argumento étnico de Nina
Rodrigues por uma explicação sócio-econômica, no entanto o quadro de
promiscuidade e libertinagem continua sendo consenso. Marca esse momento a
publicação de Casa-Grande & Senzala, do sociólogo Gilberto Freyre
263
, em 1933, obra
que segundo Rocha
[...] constitui um marco nos estudos a respeito da formação da
sociedade brasileira. Assim, ao investigar a constituição da família
patriarcal no Brasil, esse autor introduz o uso de uma série de fontes,
que posteriormente serão difundidas pelo movimento dos Annales, na
década de 1940. Um bom exemplo são as cantigas de ninar cantadas
pelas amas, que são utilizadas para mostrar as influências da cultura
negra na educação das crianças brancas.
264
Freyre foi inovador no uso das fontes e também por apresentar a contribuição
do negro a cultura brasileira de maneira positiva, e faz isso a partir de uma distinção
entre a contribuição do negro e do escravo, pois, segundo esse autor, se houve
influência negativa na formação social brasileira ela era fruto da condição jurídica
desse indivíduo (enquanto escravo), não de sua raça ou cultura.
265
Sendo inclusive o
desregramento sexual reinante no Brasil escravista um resultado das relações de
dominação entre senhores e escravos:
[...] se havia promiscuidade, esta não era obra da “raça inferior” (que
ele mesmo usa entre aspas, em tom irônico), mas da “superior”, uma
263
Sobre a vida e obras desse autor recomendamos o site da Fundação Gilberto Freyre:
http://www.fgf.org.br/
264
ROCHA, 2004, p. 21.
265
Muitas críticas podem ser (e foram feitas) a obra de Freyre: Os críticos nem sempre foram generosos
com Gilberto Freyre. Mesmo os que foram, como o próprio Darcy [Ribeiro], raramente deixaram de mostrar suas
contradições, seu conservadorismo, o gosto pela palavra sufocando o rigor científico, suas idealizações e tudo o
que, contrariando seus argumento, era simplesmente esquecido. É inútil rebater as críticas. Elas procedem. Pode-
se fazê-las com mordacidade, impiedosamente ou com ternura, com compreensão, como seja. O fato é que a até
perdeu a graça repeti-las ou contestá-las. Vieram para ficar assim como o livro.” Fernando Henrique Cardoso
In: Freyre, 2006, p. 20.
127
vez que os senhores brancos é que exerciam o papel ativo dessas
relações, restando ao negro escravo apenas a obediência passiva.
266
Submetidos a vontade dos senhores, os escravos também seriam absorvidos
pela estrutura familiar da Casa Grande:
[...] noção de “família patriarcal brasileira” tem como base a idéia de
“família extensa”, ou seja, aquela que engloba esposa, filhos, netos,
avós, agregados e escravos, enfim todos aqueles que se encontram
sob o poder e proteção do pai-senhor. Portanto, inexiste em seu
trabalho uma delimitação clara entre a família branca e a família
negra. As duas parecem misturar-se e fundir-se em uma só, tendo
como referencial a fazenda monocultora.
267
Freyre ao incluir no mesmo cleo familiar brancos e negros caracteriza as
relações entre senhores e escravos de forma harmoniosa. Esta brandura distinguiria o
sistema escravista brasileiro de seus correspondentes americanos e foi alvo de duras
críticas, principalmente na década de 1960, por parte de alguns sociólogos paulistas
como Florestan Fernandes, Emília Viotti da Costa, Roger Bastide e Fernando
Henrique Cardoso, entre outros, que ficaram conhecidos como a Escola Paulista de
Sociologia.
268
Em oposição aos argumentos de Freyre estes autores destacaram o caráter
eminentemente violento do sistema escravista, onde não haveria espaço algum para
concessões e imperava o conflito. O nível de violência seria o responsável por
desumanizar o escravo, tornando, por conseqüência, impossível a formação familiar
entre eles.
Dentro dessa perspectiva, as condições impostas pelo cativeiro teriam
impedido a possibilidade de existência de famílias entre a população
escrava. Isso porque fatores como a separação por venda ou herança,
a grande desproporção entre o número de homens e mulheres e, por
266
ROCHA, 2004, p. 25.
267
Idem, p. 23.
268
Ver: ANDREWS, George Reid. Negros e brancos em São Paulo (1888-1988). Bauru (SP): Editora do
Sagrado Coração, 1998. Introdução.
128
fim, o desinteresse tanto por parte dos escravos quanto dos senhores
teriam dificultado enormemente o surgimento de uniões sexuais
estáveis e, por conseguinte, favorecido um tipo de comportamento
promíscuo entre os escravos.
269
Portanto, o escravo como mero instrumento de trabalho, sem autonomia,
completamente submetido ao sistema escravista não teria sido capaz de formar
famílias. Florestan Fernandes, em estudo a respeito da inserção do negro no mercado
de trabalho do pós-abolição, indica como fator inviabilizador da integração desses
indivíduos na sociedade de classes a miséria material e moral herdada do cativeiro,
representada principalmente pela ausência de laços familiares que o liberto herda de
seus antepassados:
[...] não foi a família que se desintegrou, como instituição social, e em
conseqüência emergiram certas inconsistências na socialização dos
indivíduos, mas a própria família que não se constituiu e não fez
sentir seu influxo psico-social e sócio-cultural na modelação da
personalidade básica, no controle de comportamentos egoísticos ou
anti-sociais e na criação de laços de solidariedade moral. Comprova-
se isso, historicamente, por uma simples referência à política central
da sociedade senhorial e escravocrata brasileira, que sempre
procurou impedir o florescimento da vida social organizada e da
família como instituição integrada no seio da população escrava.
270
Apesar da oposição ao argumento de Freyre os autores da Escola Paulista, ao
criticarem a existência de uma democracia racial no país, exacerbam a crítica à
violência inerente ao sistema escravista, ao ponto de obliterar outros aspectos
daquela formação sócio-econômica. Como parte da agenda política daqueles autores
estava ocupada em afirmar com ênfase a existência de racismo no presente, era
preciso atacar o principal representante da idéia de harmonia histórica entre as raças
no Brasil. Destacava-se a violência do sistema escravista no Brasil, a tal ponto, que o
resultado foi a transformação do cativo em vítima inerte. Se o negro no pós-abolição
269
ROCHA, 2004, pp. 25-26.
270
FLORESTAN apud ROCHA, 2004, p. 26.
129
mostrou-se incapaz de disputar os melhores empregos, de assumir cargos de maior
relevo, de organizar relações familiares estáveis, não foi por ser negro (característica
etno-racial), mas por ter sido escravo. Influenciados pela literatura sociológica norte-
americana, os autores da Escola Paulista utilizam como fontes centrais os relatos de
viajantes europeus que circularam pelo Brasil nos sécs. XVIII e XIX, e é a partir da
análise desses documentos que se conclui pela deformidade moral do escravo (e seu
estado de “anomia social
271
) que teria impedido a formação familiar nas senzalas.
Somente na década de 1970 as discussões sobre a família escrava ganham
espaço na historiografia brasileira, e isso acontece através dos estudos de cunho
demográfico, que rompem com o primeiro paradigma apontando a presença formal
de laços familiares em seus levantamentos. Os primeiros trabalhos publicados no
Brasil dedicam-se a análise das estruturas e das dinâmicas das populações urbanas,
tendo como fontes principais censos e séries de registros paroquiais. Autores como
Maria Luiza Marcílio, Iraci del Nero da Costa, Francisco Vidal Luna, entre outros,
foram pioneiros na utilização de fontes seriadas e dos métodos propostos por Louis
Henry, pai da demografia histórica.
272
A partir dos levantamentos de registros paroquiais, entre outras fontes
seriadas, foi possível constatar que os escravos acessavam sacramentos como o
matrimônio com maior freqüência do que defendia a historiografia tradicional aqui
anteriormente mencionada, e dessa forma ampliou-se de modo notável o conhecimento
sobre a família livre e a escrava, sobre a criança e a mulher, sobre as relações de
sociabilidade”.
273
Aliado a esses estudos surge no Brasil, no início da década de 1980,
271
Segundo RIOS e MATTOS (2005, p. 23), “um dos pilares da análise da personalidade anômica e patológica
do liberto era a presumida ausência de vida familiar e cultural dos escravos”. Um ótimo debate sobre esta
questão pode ser encontrado em RIOS, Ana Lugão; MATTOS, Hebe. Memórias do Cativeiro: família,
trabalho e cidadania no pós-abolição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005 (principalmente na
primeira parte intitulada Experiência e Narrativa O “Pós-abolição” como problema histórico”). Ver
também: COOPER, Frederick; HOLT, Thomas C.; SCOTT, Rebecca. Além da Escravidão: investigações
sobre raça, trabalho e cidadania em sociedades pós-emancipação. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2005; SLENES, Robert. Lares Negros, Olhares Brancos: Histórias da Família Escrava no
Século XIX. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 8, n. 16, pp. 189-203, mar. / ago. 1988.
272
MARCÍLIO, 1997, p. 130.
273
BACELLAR, SCOTT e BAZANEZZI, 2006, p. 1.
130
uma série de trabalhos influenciados pela obra de E. P. Thompson que buscavam
trazer para cena histórica a ação de homens marginalizados dentro da sociedade em que
viveram”.
274
Neste sentido, o centenário da Abolição da escravatura, em 1988, foi
marcado por uma rie de publicações e projetos de pesquisa que procuravam
demonstrar que o escravo tinha uma concepção própria daquilo que ele considerava
como justo ou aceitável no cativeiro. Autores como Robert Slenes, Stuart Schwartz e
Sidney Chalhoub, entre outros, analisaram a relação entre escravos e senhores
considerando o cativo como sujeito ativo, que agia e não apenas reagia às pressões
senhoriais, capaz de estabelecer relações estreitas e sólidas com seus semelhantes e
com seu senhor, apesar do cativeiro. Sob esta nova perspectiva os estudos sobre a
comunidade cativa se debruçaram sobre a família escrava, as redes de solidariedade
e convívio que estes estabeleciam, considerando estes movimentos como uma forma
de resistência tão legítima quanto a fuga e admitindo um espaço de concessões,
mesmo que sob tensões.
Para este novo tipo de análise, comum a estes autores, foi necessária a
utilização de um conceito de família mais amplo e maleável, que permitisse o
entendimento da dinâmica da família escrava, dentro de sua própria organização,
levando-se em conta a origem africana dos envolvidos, os grupos sociais onde
estavam inseridos e as peculiaridades regionais.
A dinâmica da família escrava tem importantes diferenças, sua composição
extrapola os laços consangüíneos e se estabelece através das redes de solidariedade e
de relações sociais, principalmente as oficializadas pelo batismo através do
apadrinhamento. Cabe aqui destacar que apesar de mostrar como as relações entre
senhores e escravo poderiam ser mais próximas do que pensávamos, devemos
lembrar que o escravo ainda vive cativo, e isso lhe impõe algumas restrições
significativas. Sua mobilidade se restringe e a noção de família como unidade de
coabitação perde sua utilidade. Para entender como a família escrava se estruturou,
274
ROCHA, 2004, p. 37. A respeito, ver: LARA, Sílvia. Blowin’ in the Wind. E. P. Thompson e a
Experiência Negra no Brasil. Projeto História, nº 12, 1995, p. 54.
131
é necessário entender os elos não-sanguíneos ou fictícios de parentesco estabelecidos
entre eles.
É necessário reiterar, que a historiografia recente sobre o tema não deixa
dúvida sobre a existência mesmo que sujeita a várias formas de instabilidade - das
relações familiares entre escravos. Além disso, passa a ver o cativo como sujeito ativo
na relação escravo-senhor, pois a criação de núcleos familiares além de ajudar o
escravo a superar o desgaste psicológico provocado pelo sistema escravista,
funcionava também como importante elemento na política de dominação senhorial.
Utilizando como fontes primárias os registros paroquiais de batismo
Gudeman e Schwartz (1988), examinam os elos de parentesco fictício através do
compadrio. Segundo os autores, o batismo cria elos espirituais entre o padrinho e o
afilhado:
O compadrio é um vínculo não do corpo, ou da carne, ou da vontade
humana enquanto expressa na lei civil; ele representa, ao contrário,
associação ou solidariedade, através da comunhão de “substância
espiritual”
275
.
No entanto, a relação entre padrinho-afilhado deve ser compreendida além do
parentesco espiritual e religioso, e inserida nas relações sociais da comunidade.
Mesmo sem tratar diretamente do status social do padrinho, a Igreja deixa implícito
em seus preceitos a superioridade do vínculo de paternidade espiritual sobre o
carnal.
Segundo Schwartz, raramente os próprios senhores batizavam seus escravos,
pois a proximidade com o batizado, criada pelo apadrinhamento, sugeria uma
inclinação a revogar algo de seu próprio poder como dono do escravo, e havia uma
preferência por padrinhos livres e/ou libertos, e de status melhores que os dos
próprios escravos, mas nunca maiores do que o do senhor deste. É possível que esta
tentativa de vincular seus filhos a padrinhos em condições melhores do que a sua
seja parte de uma estratégia de proteção do futuro do batizado, uma vez que ele teria
275
GUDEMAN e SCHWARTZ, 1988, p. 41.
132
a quem recorrer caso sofresse uma injustiça por parte do senhor, ou pretendesse a
alforria.
Portanto, podemos concluir que o compadrio é uma forma de vincular as
pessoas entre si e pode ser entendido de dentro pra fora, mesmo que seu sistema
emane da Igreja e tenha uma interpretação espiritual, torna-se importante meio de
análise das relações sociais das comunidades escravas, no momento que o admitimos
como suporte para criação de suas famílias. Os padrões de escolha de padrinhos, sua
localidade, legitimidade, sexo, cor e estatuto legal, nos demonstram como as famílias
escravas enxergavam suas relações internas. A escolha dos padrinhos e madrinhas
não nos fornecem pistas sobre a formação e constituição das comunidades
escravas, como também podem nos auxiliar a mapear suas relações sociais e através
delas suas territorialidades.
Certamente devemos considerar que a análise da comunidade escrava
dificilmente poderá ser realizada sem o recurso a fontes primárias produzidas sobre
ela e não por ela.
276
Assim, encontramos nos registros paroquiais de batismo de
escravos uma possibilidade de perceber como a comunidade escrava (e negra em
geral) conseguia estabelecer redes de parentesco e familiaridade que a auxiliavam no
seu cotidiano. Retirados compulsoriamente do continente africano, desenraizados em
suas estruturas familiares, culturais e étnicas, os cativos conseguiram em terras
brasileiras reinventar suas identidades e constituir comunidades que garantiram
sobrevivência não só física como cultural.
276
Nos últimos anos as pesquisas realizadas junto a comunidade quilombolas trouxeram importantes
subsídios para a valorização da família forjada no cativeiro e das territorialidades verificadas no pós-
emancipação, através do recurso a documentos diversos, incluindo os depoimentos orais dos
descendentes. Ver: ANJOS, José Carlos Gomes dos; SILVA, Sérgio Baptista da (Orgs.). São Miguel e
Rincão dos Martimianos: ancestralidade negra e direitos territoriais. Porto Alegre: Editora da
Universidade / UFRGS; RIOS, Ana Lugão; MATTOS, Hebe. Memórias do Cativeiro: família, trabalho e
cidadania no pós-abolição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005; VOGT, Carlos; FRY, Peter.
Cafundó: a África no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1996. BARCELLOS, Daisy et alli. A comunidade
negra de Morro Alto: historicidade, identidade, territorialidade. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004.
SILVA, Vera Regina Rodrigues da. ‘Da Gente da Barragem’ a ‘Quilombo da Anastácia’: um estudo
antropológico sobre o processo de etnogênese em uma comunidade quilombola no Município de
Viamão/RS. 2006. 159 p. DISSERTAÇÃO (Antropologia Social) – UFRGS, Porto Alegre, 2006.
133
3.2. Famílias cativas na freguesia de Santo Antônio da Patrulha.
Para a freguesia de Santo Antônio da Patrulha encontramos apenas um livro
de registro de batismos dedicado exclusivamente aos escravos, aberto em 1799 e
finalizado em 1854. Segundo as Constituições Primeiras
277
os batismos deveriam ser
registrados em livros específicos, numerados e guardados na Igreja Matriz da
paróquia, sendo que nestes registros deveriam constar os nomes do batizado, seus
pais e padrinhos, além da data, o nome do padre que celebrou o sacramento e a
freguesia de origem de todos os envolvidos; informações necessárias para que a
qualquer tempo se pudesse “constar do parentesco espiritual que se contrai no Sacramento
do batismo e da idade dos batizados”.
278
A menção a condição de legitimidade dos
batizados também estava prevista no texto das Constituições:
E quando o batizado não for havido de legítimo de matrimônio,
também se declarará no mesmo assento do livro o nome de seus pais,
se for coisa notória e sabida e não houver escândalo; porém havendo
escândalo em se declarar o nome do pai, se declarará o nome da
mãe, se também não houver escândalo, nem perigo de o haver.
279
Essas recomendações talvez expliquem as crianças registradas tendo pais
incógnitos, pois nos parece pouco plausível que as mães não conhecessem os pais de
seus filhos, sendo mais provável que não pudessem declará-los. Ainda no registro
também deveria constar a cor da criança, sua condição social (livre, escrava ou exposta)”,
segundo Lott (2006, p. 3). Ao assinalar essas informações o pároco legou a nós,
277
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, Livro I, título XX.
278
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, Livro I, título XX, art. 70, p. 28.
279
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, Livro I, título XX, art. 73, p. 30.
134
historiadores, uma fonte de primeira linha para se chegar às populações e às sociedades do
passado, passando por seus traços culturais particulares”.
280
Na freguesia de Santo Antônio da Patrulha as instruções com relação a forma
dos registros não foram seguidas, e em 1800 o trabalho do pároco sofre uma
intervenção. Após ter sido chamado a atenção para diferentes irregularidades em
diferentes ocasiões
281
o pároco responsável pela paróquia recebe a seguinte ordem do
Visitador Bento Cortes de Toledo:
Por algumas circunstâncias, que tenho de averiguar neste livro, como
o de se achar indecente para nele se lançarem os assentos de
batismo, ordeno o Reverendo Pároco, o conserve em seu poder, para
mo entregar na ocasião em que nesta freguesia me achar de visita,
como também a petição, que fica junta, e continuará a fazer os
assentos no 3 que por mim vai numerado, e rubricado. Rio Pardo,
16 de Setembro de 1799. [a] O Visitador Bento Cortes de Toledo.
282
Em cumprimento a essa ordem o primeiro livro de batismo da paróquia é
interrompido, e nele lançado o seguinte termo:
Aos doze dias do mês de Março de mil oitocentos, nesta Freguesia de
Santo Antônio da Guarda Velha, onde foi vindo o Muito Reverendo
280
MARCÍLIO, 2004, p. 17.
281
Visto em visita. Não exceda o R. Pároco as margens, que para esse fim se formaram até 108, e daí para diante
as continuará o Reverendo roco, pena de ser condenado na futura visita. E na [frª?] das Pastorais dos Exm
os
.
Rm
os
. Srs. B
os
. deve nestes assentos declarar o dia do nascimento. Santo Antônio da Guarda Velha, 6 de Junho de
1783. Vis
or
Leal.”; Após o registro 680. Visto em Visita. O Reverendo Pároco Pedro Pires da Silveira, vendo e
devendo observar a providência do Reverendo Dr. Visitador Vicente José da Gama Leal, a fl. 75v em que ameaça
condenação para a Visita futura se excedem as margens que para esse fim se formaram, continuou sem atenção
alguma a exceder as mesmas margens, não neste, como nos demais Livros de assentos desta freguesia, que em
todos se acha a mesma recomendação, e a mesma transgressão pelo dito Reverendo Pároco; e por isso o condeno
em quatro mil réis, que pagará na presente Visita. E o Reverendo Pároco assistente de sorte alguma escreva
breves, e menos algarismo, e continue a fazer margens. Freguesia de Santo Antônio, 22 de Fevereiro de 1791. O
Visitador Mendes. E declare o Reverendo Pároco o dia do Nascimento dos Batizados. Freguesia de Santo
Antônio, 22 de Fevereiro de 1791. O Visitador Mendes.”; Após o registro 872. O Reverendo Pároco deve
declarar nos assentos dos Batizados o dia do nascimento dos mesmos, e de nenhuma sorte escrever breves como
foi advertido na Visita passada, no provimento a fls. 129v. e deverá declarar a naturalidade dos avós Paternos e
Maternos. Freguesia de Santo Antônio da Guarda Velha, o primeiro de Dezembro de 1795. O Visitador
Mendes.”. ACDO – Livro 1 de registros de batismos de Santo Antônio da Patrulha.
282
ACDO Livro 1 de registros de batismos de Santo Antônio da Patrulha, escrito após o registro
939.
135
Visitador, Bento Cortes de Toledo, comigo Escrivão do seu Cargo,
para o efeito de visitar esta Freguesia, e sendo mandou ele dito
Senhor vir a sua presença este Livro dos batizados, e vendo o grande
prejuízo, e trabalho que causa aos Vassalos de Sua majestade a falta
dos assentos de batismo, e querendo remediar as faltas, descuidos, e
erros criminosos do Reverendo Pároco que serviu nesta Freguesia, o
Padre Felisberto Gomes Jardim, o qual desde o ano de mil setecentos
e noventa e seis até o presente, não havia feito um só assento,
esquecendo-se de seus deveres, e das justificações que os ditos
Paroquianos costumam fazer, quando se não acham os referidos
assentos, ordenou ele dito Senhor Visitador que se publicasse um
Edital, no qual constasse das faltas que o referido Pároco havia
cometido, a fim de virem todos os Paroquianos desta Igreja dar os
nomes de seus filhos nascidos em o tempo acima prescrito, e
igualmente seus pais, avós Paternos e Maternos, para que, à vista dos
tais, e de pessoas fidedignas, se fizessem os ditos assentos; cujo Edital
se fez e foi publicado pelo Reverendo Pároco José de Rezende
Novaes, em dia festivo, em conseqüência do que se mandou lançasse
neste Livro não alguns assentos que se acharam e, papéis avulsos,
como todos aqueles que se pudessem saber e vir no conhecimento da
certeza pelas informações dos pais dos ditos batizados, cujos termos
são como ao diante se verão, e para constar mandou fazer esta
declaração, e eu o Padre José Inácio da Silva Pereira, Secretário da
Visita, que o escrevi. [a] Visitador Bento Cortes de Toledo.
283
É a partir desse momento que os livros da paróquia são separados por tipos,
sendo aberto um livro específico para o assento dos batismos de escravos, que nos
serviu de fonte principal de pesquisa. Após o lançamento do termo acima são
lançados 147 registros retroativos, ou seja, com data anterior a março de 1800, ainda
no mesmo livro. No entanto, não indicação de que forma foram produzidos, se
feitos a partir dos papéis avulsosou do atendimento do edital por parte dos fiéis.
Em comum todos têm a seguinte fórmula: batizou o Padre Felisberto Gomes Jardim”.
Situação análoga encontramos nos primeiros registros dos livros desmembrados do
primeiro. No livro 2, dedicado aos registros de livres e libertos são lançados 31
registros anteriores a março de 1800 e no livro 1E, exclusivo para escravos, 22, todos
com indicação ao padre Felisberto, mas sem mencionar origem. Além desses dois
livros foi organizado um terceiro, onde inicialmente foram registradas as crismas
283
ACDO – Livro 1 de registros de batismos de Santo Antônio da Patrulha, fl. 173-173v.
136
realizadas pelo Visitador e que posteriormente serviu de seqüência ao livro 2.
Portanto, contamos com os seguintes livros:
Tabela 12 – Livros de registros de batismos da freguesia de Santo Antônio da Patrulha
Título Tipo Período Registros (#) %
Livro 1 Livres e escravos 1773/1799 1089
25,95
Livro 1E Escravos 1797/1824
284
665
15,85
Livro 2 Livres 1780/1810 860
20,50
Livro 3B Livres 1810/1819 987
23,52
Livro 4 Livres 1820/1824
285
595
14,18
Total
4.196
100
Fonte: livros de registros de batismos de Santo Antônio da Patrulha.
Em nossa análise utilizamos basicamente o livro 1E, que contém 668 registros,
sendo 3 ilegíveis. Mas, por conta dos equívocos denunciados pelo Visitador, além do
livro 1E, buscamos em todos os livros os registros de crianças cativas. Portanto,
somadas às 665 crianças escravas registradas no livro 1E temos 8 escravas e 10 filhas
de escravas declaradas livres no momento do batismo, distribuídas nos outros livros
conforme tabela abaixo:
Tabela 13 – Batizados de crianças escravas registrados fora do livro específico.
Livro Período Livres %
Escravos %
Alforriados
%
Total
1 1773-1799
1087
99,82
1
0,09
1
0,09
1.089
2 1780-1810
855
99,42
2
0,23
3
0,35
860
3B 1810-1819
978
99,09
5
0,51
4
0,41
987
4 1820-1824
588
99,66
0
0
2
0,34
590
Totais
3.508 8 10 3.526
99,48% 0,24% 0,28% 100
Fonte: Livros de batismos de Santo Antônio da Patrulha.
Desta forma, somados todos os registros de crianças cativas (incluindo-se as
alforriadas na pia batismal) temos 683 batismos para o período. No livro 1E, onde
284
Data final refere-se a data limite de nosso levantamento, mas o livro segue até 1854.
285
Data final refere-se a data limite de nosso levantamento, mas o livro segue até 1846.
137
constam somente os batismos de crianças escravas, chama a atenção a omissão da
referência a condição jurídica dos batizados em 90,22% dos casos.
Tabela 14 – Condição jurídica dos batizados expressa no livro específico
Condição #
%
Escravo 49
7,37
Não consta 600
90,22
Alforriado 16
2,41
Total
665
100
Fonte: Livro 1E
Teriam os padres responsáveis pelos registros considerado dispensável essa
indicação, pois como fruto de um ventre escravo a criança herdava essa condição? As
49 menções a condição jurídica dos batizados foram anotadas por apenas três
vigários, sendo um deles, José Vaz de Matos, responsável por 44 anotações (89,8%).
Este vigário permaneceu na paróquia por pouco mais de um ano (junho de 1802 a
dezembro de 1803) e foi responsável pelo batismo de 48 crianças escravas,
mencionando essa condição 44 vezes, restando outras 4: um alforriado e três sem
menção alguma. Desta forma, parece-nos que o preciosismo do vigário José Vaz foi
uma exceção.
De forma geral, como vimos na tabela acima, a condição escrava dos batizados
estava implícita, ou seja, não foi indicada diretamente, poderia ser deduzida pelo fato
do batismo estar registrado em livro dedicado aos filhos de ventres escravos
286
. No
entanto, nem todas as mães indicadas nesse livro eram escravas, como podemos
verificar no quadro abaixo:
Tabela 15 – Condição das mães Livro 1E
Condição da mãe #
%
Escrava 649
97,59
Livre 1
0,15
286
Termo de abertura Livro 1E: Este Livro de servir para nele se lançarem os assentos de batismos dos
escravos da Freguesia de Santo Antônio da Guarda Velha o qual vai numerado, e rubricado com a minha rubrica
que diz = Toledo que para constar fiz esta declaração. Rio Pardo 16 de Setembro de 1799. [a] Viz
or
. Bento Cortes
de Toledo.”.
138
Forra 2
0,30
Alforriada 1
0,15
Não consta 1
0,15
Mães ausentes 10
1,50
Fonte: livro 1E Santo Antônio da Patrulha.
Mesmo sendo a esmagadora maioria das mães indicada como escrava,
gostaríamos de esboçar algumas hipóteses para a presença de mães de outra
condição jurídica no livro. O caso das ausentes é o mais simples: 8 registros são de
adultos e 2 de expostos.
A mãe livre é Felisberta Ferreira Ramos, mãe de Mariana. No registro, Mariana
é declarada natural e seu pai não é indicado, os padrinhos são Antônio e Luzia,
ambos sem indicação de naturalidade, condição jurídica ou sobrenome.
287
A primeira
hipótese seria a de que se tratava de um equívoco do pároco, que teria registrado no
livro de escravos uma criança livre, mas o fato de os padrinhos não apresentarem
sobrenome deixa uma dúvida: seria Felisberta forra e o pai de Mariana ainda
escravo, assim como seus padrinhos, e por isso seu registro fora feito no livro de
escravos?
Afirmamos a pouco que a criança nascida de ventre escravo herda essa
condição da mãe, no entanto, é possível que a condição do pai contaminasse o filho, e
talvez fosse esse o caso de Mariana, assim como de João e Manoel. João era filho
legítimo de Catarina, forra, e de Severino, escravo de Manoel da [?]
288
, e foi batizado
em janeiro de 1800, e seu registro lançado no livro de escravos.
289
Mesmo caso foi o
de Manoel, filho legítimo de Angélica Maria, forra, e de Damásio, pardo escravo de
Antônio José de Faria, batizado em setembro de 1801, também registrado no livro de
escravos.
290
287
ACDO – Livro 1E de registros de batismo de Santo Antônio da Patrulha, fl. 90v, 12/01/1823.
288
Não foi possível transcrever o sobrenome do senhor.
289
ACDO – Livro 1E de registros de batismo de Santo Antônio da Patrulha, fl. 1v – 26/01/1800.
290
ACDO – Livro 1E de registros de batismo de Santo Antônio da Patrulha, fl. 18 – 21/09/1801.
139
Outra hipótese, aplicável aos casos de Catarina e Angélica Maria, seria a de
que ambas eram libertandas, ou seja, haviam negociado com seus senhores suas
liberdades, mas ainda não a haviam conquistado plenamente, faltava-lhes ou algum
valor em espécie ou alguns anos de serviço.
291
A alforria era prática comum no mundo escravista luso-brasileiro,
característica essa, que segundo Libby e Paiva (2000), distinguia o sistema escravista
brasileiro de seus equivalentes no Caribe e do norte da América.
292
Segundo estes
autores, estudos em perspectiva comparativa inicialmente apontaram a expressiva
freqüência na obtenção de alforrias como prova da suavidade da escravidão no
Brasil. No entanto, estudos mais recentes não colocam dúvida sobre a pretensa
benevolência dos senhores brasileiros, mas também encontram na prática de
manumissão “a raiz do enorme crescimento do segmento livre e de cor da população ao longo
do período colonial e durante o Império”.
293
Moreira (2007) analisa 10.055 cartas de alforria registradas nos cartórios de
Porto Alegre no período entre 1748 e 1888, e nestes documentos constam, além das
referências aos sujeitos envolvidos (no caso, senhores e escravos), a descrição da
forma e/ou motivo que levou os senhores a concederem a liberdade aos seus
escravos. De maneira geral, as concessões poderiam ser de três tipos: pagas, quando o
escravo ou terceiro restituem o valor do escravo ao senhor; condicionais, quando para
o gozo pleno de sua liberdade o escravo deveria cumprir algumas cláusulas (esperar
a morte do senhor, prestação de serviço e etc); ou gratuitas, concedidas sem ônus ou
condição.
291
Quem sabe estas mulheres e/ou seus companheiros não estavam cortados (coartados) por seus
senhores? Segundo Schwartz (1998, p. 214) escravo coartado era: o escravo que conseguira o direito,
expresso por seu proprietário em testamento ou outro documento, de pagar pela própria alforria; a este cativo era
permitida uma certa liberdade de movimentos ou a capacidade de obter e conservar a posse de bens que lhe
permitissem acumular a quantia necessária. Em síntese, o coartado era um escravo em processo de transição para
a condição social de livre”.
292
Segundo Florentino (2002, p. 9) “[...] na Virgínia de 1691 chegou-se a proibir toda manumissão privada, a
menos que o senhor deportasse o forro para fora da colônia; mulher branca que ali parisse filho mulato era
pesadamente multada, ou serva virava por cinco anos (os filhos, por trinta)”.
293
LIBBY e PAIVA, 2000, p. 17.
140
De fato, o discurso presente em todas elas destacava a bondade dos senhores
em libertar seus escravos, no entanto, o mesmo autor destaca que:
Cremos que as cartas de alforria (e assim as trataremos ao longo deste
livro) evidenciam redes políticas extremamente delicadas.
Explicitando que não haviam sido constrangidos por qualquer pessoa
a “conceder” a alforria e que agiam por “amor de Deus” ou de suas
“consciências”, os senhores enalteciam o próprio poder e procuravam
assegurar com seus ex-escravos uma “gratidão submissa” que os
mantivesse como “libertos, porém dependentes” (Cunha, 1987).
Lembremos que a caridade, além de ser uma virtude, era uma
política. Gestos publicizados como despretensiosos e destituídos de
intenções ocultas, nada além de demonstrações da boa índole de seus
emitentes, as alforrias eram parte de uma delicada trama de relações
entre os senhores e seus nada submissos escravos.
294
Em seu levantamento Moreira encontra poucas cartas de alforria que referem-
se ao período anterior a 1800, explica o autor que esse fato pode ser creditado ao sub-
registro desses documentos no período inicial da amostra. Somente a partir do séc.
XIX com o aumento do número de cartórios, a gradual interferência da Coroa
imperial nas relações escravo-senhor e o crescimento da pressão por parte dos
escravos para obter a alforria (principalmente nos momentos de intensificação do
tráfico interprovincial) que o número de cartas registradas aumenta
progressivamente. Dessa forma, para o período colonial são registradas poucas cartas
o que não significa que tenham sido concedidas poucas alforrias.
Acrescentamos a hipótese do sub-registro a possibilidade de que alguns
senhores tenham optado por declarar seus escravos forros frente a Igreja, esse parece-
nos o caso de Antônio Pereira Vieira, que 1803 na ocasião do batismo de Antônio,
filho de Antônio e Maria, todos seus escravos, declarou a família toda forra.
Infelizmente, no registro não são mencionados os termos da libertação: "Antônio de
idade de idade de oito dias escravo digo forro que assim o declarou seu senhor Antônio Pereira
294
MOREIRA e TASSONI, 2007, pp. 13-14. Grifos nossos.
141
Vieira, filho de Antônio e Maria a quem o mesmo Senhor declarou serem forros".
295
Desta
forma, não sabemos se o casal ou alguém próximo pagou pela alforria, ou era se ela
se deu sob condição, e, por isso, a supomos como sem condição.
Assim como Antônio mais 16 crianças foram declaradas forras na pia batismal,
em 9 ocasiões o pai é declarado, sendo 5 filhos legítimos, 7 naturais e 4 sem indicação
de status. Agrupando as crianças legítimas e aquelas que tiveram pai e mãe
indicados pudemos identificar 8 casais:
Tabela 16 – Pais de crianças alforriadas na pia.
Data Batizado Pai Mãe Condição da
alforria
Legítimos
02/02/1801 Agostinho
Manoel Luiz,
pardo liberto
Mariana, preta, escrava
de Catarina Antunes de
Jesus
Sem condição
29/06/1801 Cecília Inácio, preto
escravo de Manoel
Antônio Machado
Joana, escrava de Manoel
Antônio Machado
Paga
20/06/1803 Antônio Antônio, escravo
de Antônio Pereira
Vieira
Maria, escrava de
Antônio Pereira Vieira
Sem condição
27/05/1822 Benvinda José, escravo de
Maria de Andrade
de Jesus
Ana, escrava de Maria
de Andrade de Jesus
Sem condição
30/11/1823 Bernardo José, preto forro Ana, escrava de Maria
de Andrade de Jesus
Paga
Naturais
04/02/1812 Maria Manoel João, livre Genoveva, escrava de
João José da Silveira
Paga
24/03/1821 Silvano José Daniel
Machado, livre
Felizarda, escrava de
Maria Barbosa
Paga
31/12/1824 Delfina Bento Manoel,
livre
Luciana, parda escrava
de João José da Silveira
Paga
Sem status
07/06/1800 Abel Inácio, escravo de
Manoel Antônio
Machado
Joana, escrava de Manoel
Antônio Machado
Sem condição
Fonte: Livro 1E, 14v, 17v, 27, 85v, 93v, 37v, 84, 97v, 8, respectivamente.
295
ACDO – Livro 1E de registros de batismo de Santo Antônio da Patrulha, fl. 27 – 20/06/1803.
142
De todas as alforrias 62,5% (10) foram concedidas sem condição e 37,5% (6)
foram pagas. Destacamos uma característica das alforrias pagas: 5 foram concedidas
a filhos de pai livre e pagas pelo mesmo, e apenas 1 a filho de pai e mãe escravos,
onde não foi referida a origem do pagamento. Temos ciência de que o fato de uma
alforria ser declarada sem condição não elimina o pagamento de fato, havia a
possibilidade de que essa concessão já vinha sendo negociada entre senhor e escravo
algum tempo e que a carta ou declaração viesse apenas encerrar um ciclo, neste
caso, quando registrada não haveria um pagamento em espécie. No entanto, no caso
do pai livre as possibilidades de pagamento por parte da família se reduziam,
principalmente na forma de prestação de serviços, e acreditamos que essa seja a
razão para que maioria das alforrias pagas tenha sido paga por eles em espécie no ato
do registro.
Portanto, ao considerar que a alforria fazia parte de uma rede política que
envolvia senhores e escravos e ao afirmar que as concessões sem condição poderiam
ter tido algum pagamento prévio estamos considerando que havia um espaço de
negociação entre senhor e escravo.
[...] o que aparentava ser concessão senhorial resultava de barganhas
entre senhores e escravos, barganhas cheias de malícias de ambas as
partes. Se os barões cedem e concedem, é para melhor controlar.
Onde os escravos pedem e aceitam, é para melhor viver, algo mais
que o mero sobreviver.
296
Estamos aqui afirmando que ao lado da violência havia a negociação, pois
acreditamos que apenas a violência não seria capaz de sustentar o sistema escravista
por tantos séculos. Apesar do cativeiro os escravos viviam. A alforria era o resultado
de uma negociação, mas também do conflito, entre senhor e escravo. Uma
negociação desigual, nem sempre com final feliz, na qual o escravo participa como o
elo mais fraco, mas fundamental. Segundo Soares (2005, p. 2) a alforria é uma dádiva
296
SILVA e REIS, 1989, p. 8.
143
(mesmo aquelas pagas pelo escravo), mas não como sinônimo de benevolência, ou de
inércia por parte dos escravos, pois para receber a dádiva da alforria era necessário
fazer por merecer, e explica:
É de longa data que os antropólogos voltaram sua atenção para o
fenômeno das trocas nas sociedades arcaicas, sobretudo no que se
refere à troca de presentes ou dons. Segundo os autores citados, a
dádiva estabelece uma diferença de status entre doador e donatário
que instaura ou reforça hierarquias, uma vez que quem recebe fica
em dívida (ou conforme o caso, numa situação de dependência)
para com o doador. A prática do dom encontra, pois, condições ideais
para o seu exercício nas sociedades que repousam na
produção/manutenção de relações pessoais entre indivíduos e
grupos, como era o caso do Brasil escravista. É no universo do dom e
das vidas por ele criadas que se esclarece e ganha sentido certos
processos de hierarquização social, na medida em que cria uma
situação de dependência entre o donatário e o doador.
297
Portanto, o dom permite uma série de manobras entre as partes envolvidas,
servindo a uma gama variada de interesses opostos. A alforria depende da relação
construída entre senhor e cativo, transformando o processo em algo maior do que
uma simples transação comercial. Havia muito mais interesses em jogo do que um
punhado de réis. Aos senhores era interessante a situação de dependência criada pela
alforria, assim como era interessante ao escravo estar abrigado, pertencer a alguma
rede social capaz de garantir-lhe algum direito.
Assim como a alforria, entendemos que a formação de núcleos familiares por
escravos faz parte da negociação e do conflito entre senhores e escravos. Ao nos
referirmos a formações familiares a primeira condição óbvia seria a realização do
ritual católico do matrimônio, base dos relacionamentos sanguíneos. No entanto, de
acordo com o que explicitamos neste texto, o parentesco sanguíneo não era a única
opção. Podemos considerá-lo como a via ideal numa sociedade marcada fortemente
pela religiosidade católica, mas como vimos no caso de Manoel Gonçalves Ribeiro e
297
SOARES, 2005, p. 2. Grifos nossos.
144
Antônia Inácia, a ausência da bênção católica não impedia a formação de núcleos
familiares bastante estáveis.
Alguns autores usaram a ausência de matrimônios entre escravos como prova
da promiscuidade que lhes seria intrínseca: os escravos preferiam viver em
concubinato ou se relacionavam com diferentes parceiros indiscriminadamente de
forma natural, expressando externamente sua barbárie. Porém, estudos mais detidos
em levantamentos documentais revelaram que aos escravos interessava o casamento,
e numa análise mais apurada, que as uniões estáveis não se restringiam ao casamento
formal. Deste caso, é exemplar a trajetória do casal Marcelo e Joana, indicado por
Moreira (2008). Joana Guedes de Jesus, mina, e Marcelo Henrique da Silva, angola,
pertenciam ao mesmo senhor e moravam em uma charqueada no atual município de
São Jerônimo (RS) onde se conheceram, aproximadamente, na década de 1830. Joana
conseguiu sua alforria gratuitamente em 1862 e Marcelo pagou por sua liberdade em
1865. Cinco anos depois, em 12 de fevereiro de 1870, às 9 horas da manhã, estes
africanos uniram-se em matrimônio na Catedral Metropolitana de Porto Alegre,
oficializando perante a Igreja Católica uma relação que durava cerca de 30 anos”. Mas o
brinde de comemoração desta união estável ocorreu meses depois. Em agosto
daquele ano de 1870, o angolano Marcelo Henrique da Silva:
[...] viajou até a Costa das Charqueadas, segundo distrito de São
Jerônimo, e entregou para a senhora Maria Guedes de Menezes a
substancial quantia de um conto e cem mil is. Essa quantia,
resultado das economias de não sabemos quanto tempo, permitiu que
Joana e Marcelo libertassem sua filha Laura do cativeiro e a
trouxessem para Porto Alegre. A carta foi confeccionada em São
Jerônimo, mas registrada no livro 19 de Registros Diversos do 2º
Tabelionato de Porto Alegre, pelo próprio Marcelo, certamente como
uma garantia que sua filha não seria molestada pela polícia por
suspeita de escrava fugida. Laura, uma das 8 cativas com este nome
cuja alforria foi registrada em Porto Alegre (das 10.055 cartas
pesquisadas) tinha então 30 anos de idade.
298
298 MOREIRA, 2008, p. 311.
145
Com sua filha por perto, Marcelo e Joana viveram ainda vários anos juntos,
sendo separados apenas pela morte: ela com 65 anos em 25 de junho de 1887 e ele
dois após, em 27 de abril de 1889.
299
Não devemos perder de vista que aos senhores não era vantajosa a realização
do casamento, pois o regulamento eclesiástico previa o direito do escravo de casar,
bem como o dever do senhor em consentir a união e não embaraçá-la:
Conforme o direito Divino e humano os escravos, e escravas podem
casar com outras pessoas cativas, ou livres, e seus senhores lhe não
podem impedir o Matrimônio, nem o uso dele em tempo, e lugar
conveniente, nem por esse respeito os podem tratar pior, nem vender
para outros lugares remotos, para onde o outro por ser cativo, ou
por ter outro justo impedimento o não possa seguir, e fazendo o
contrário pecam mortalmente, e tomam sobre suas consciências as
culpas de seus escravos, que por este temor se deixam muitas vezes
estar, e permanecer em estado de condenação. Pelo que lhes
mandamos, e encarregamos muito, que não ponham impedimentos a
seus escravos para se casarem, nem com ameaças e mau tratamento
lhes encontrem o uso do Matrimônio em tempo, e lugar conveniente,
nem depois de casados os vendam para partes remotas de fora, para
onde suas mulheres por serem escravas, ou terem outro impedimento
legítimo, os não possam seguir. E declaramos, que posto que casem,
ficam escravos como de antes eram, e obrigados a todo o serviço de
seu senhor.
300
O impedimento da venda de escravos casados pode ter desestimulado alguns
senhores a permitir e viabilizar os casamentos de seus escravos, razão mesma para o
interesse dos escravos em casar-se. O casamento poderia diminuir uma das maiores
limitações a família escrava ao, pelo menos teoricamente, impedir a separação
geográfica de seus membros. Mais uma vez, temos uma situação de mão-dupla,
conforme explica Schwartz:
As alegações de senhores de que os escravos costumavam usar
veneno para pôr fim a uma união indesejada eram, com certeza,
299
MOREIRA, 2008, p. 316.
300
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, livro I, título LXXXI, art. 303, p. 125. Grifos nossos.
146
desculpas; porém, ao mesmo tempo, devemos admitir a possibilidade
de os africanos, provenientes de sociedades em que esterilidade,
feitiçaria ou outras causas justificavam o divórcio, serem infensos às
limitações da indissolubilidade do matrimônio católico. A relutância
dos africanos em participar de uniões nos moldes católicos e o desejo
dos senhores de evitar a interferência externa na administração da
escravaria podem ter sido atitudes que se reforçaram mutuamente.
[...] Os proprietários mostraram-se relutantes em instruir os escravos,
batizá-los ou permitir que casassem na Igreja. Os cativos podem ter
sido menos que ansiosos em aceitar as normas católicas.
301
Infelizmente, não pudemos incluir em nosso levantamento os registros de
casamento, os livros encontram-se bastante precários e não foi possível lê-los.
302
Assim, não pudemos verificar a freqüência com que os escravos da freguesia de
Santo Antônio da Patrulha subiram ao altar e quais eram seus parceiros
privilegiados. Como alternativa, procuramos verificar os casais apontados como pais
de crianças legítimas, pois essa indicação referia-se a legalidade da relação dos pais:
Tabela 17 – Status dos batizados
Status #
%
Legítimos 104
15,64
Naturais 427
64,21
Expostos 2
0,30
Não consta
95
14,29
Inocente 29
4,36
Adultos 8
1,20
Total
665
100
Fonte: livro 1E
Para as 104 crianças legítimas pudemos identificar 71 casais com as seguintes
composições:
301
SCHWARTZ, 1988, p. 317.
302
Alertamos para o fato de que, mesmo com os registros alguns casos não poderiam ser verificados
por ser esta área e período de grande migração, ou seja, aqueles que tinham seus filhos em Santo
Antônio da Patrulha poderiam não ter se casado na mesma freguesia.
147
Tabela 18 – Combinações de pais de crianças legítimas
Pai Mãe #
%
Escravo Escrava 87
83,65
Forro Escrava 7
6,73
Escravo Forra 2
1,93
Livre Escrava 6
5,77
Escravo Livre 0
0
Ausente Escrava 1
0,96
Alforriado Alforriada 1
0,96
Total
(batizados) 104
100
Fonte: livro 1E.
Conforme afirmamos, o casamento formalizado não impedia as uniões
estáveis no cativeiro, dessa forma, listamos também os casais naturais, ou seja,
aqueles que constam como pais de crianças ilegítimas.
303
Foram arrolados 14 casais,
sendo que 8 referiam-se a casais já arrolados na lista anterior, ou seja, em algum
momento um casal unido legitimamente foi registrado pelo pároco sem essa menção.
Em 3 casos, assim como Manoel Gonçalves Ribeiro e Antônia de Mendonça, os casais
tiveram filhos antes de formalizar o casamento, nos 5 casos restantes houve uma
variedade de situações.
Por exemplo, o casal João e Joana, escravos de Antônio Gomes de Carvalho,
teve 3 filhos: Delfina, nascida em 1812, e Joaquim, em 1815, ambos declarados
legítimos, e Eufrásia, em 1817, declarada natural.
304
Inácio e Joana, escravos de
Manoel Antônio Machado, tiveram também 3 filhos: Graciano, Abel e Cecília.
305
Graciano, nascido em 1798 e Cecília, em 1801, foram declarados filhos legítimos, no
entanto, Abel, nascido em 1800, não teve seu status indicado. Nesses dois casos,
acreditamos que houve um equívoco por parte dos padres que realizaram os
303
São consideradas ilegítimas as crianças mencionadas no batismo como filhas naturais ou somente
filhas de fulano.
304
ACDO – Livro 1E de registros de batismo de Santo Antônio da Patrulha, Delfina, fl. 40v; Joaquim fl.
53; Eufrásia, fl. 59v.
305
ACDO Livro 1E de registros de batismo de Santo Antônio da Patrulha, Graciano, fl. 3; Abel, fl. 8;
Cecília, fl. 17v.
148
registros, afinal, João e Joana uma vez casados não poderiam ter tido um filho
natural; assim como, Abel deve ser filho legítimo de Inácio e Joana.
Essa diversidade de indicações de status para filhos do mesmo casal ocorreu
mais 3 vezes envolvendo a denominação inocente, conforme tabela abaixo:
Tabela 19 – Casais naturais com filhos inocentes
Caetano e Maria
escravos de Maria Pereira, viúva
Ano Batizado Status
1800
Ana Legítimo
1802
Francisca Inocente
1804
Felipe Legítimo
1816
João Legítimo
João e Luzia
escravos do Tenente Antônio José Lopes
Ano Batizado Status
1802
Joana Legítimo
1803
Ambrósio Inocente
1814
João Legítimo
José e Joaquina
Escravos de José Luiz de Oliveira
Ano Batizado Status
1800
Felisberto NC
1801
Joana Legítimo
1803
Ana Inocente
A rigor, são considerados inocentes as crianças menores de 7 anos
306
, portanto,
todas as crianças batizadas na freguesia seriam inocentes e legítimas, ou, inocentes e
naturais. A primeira hipótese por s aventada foi a de que se referia a filhos
naturais e que a inocência referia-se a imoralidade dos pais. Mas, apurando um pouco
o olhar, essa hipótese não se confirmou, pois conforme o explicitado no caso acima, a
indicação inocente foi utilizada para filhos de casais legitimamente casados. Restou-
nos verificar, mais uma vez, quem havia produzido essa informação para tentar,
dessa forma, entendê-la.
306
Idade mínima para se receber a confirmação (crisma).
149
A indicação inocente foi utilizada 29 vezes no livro 1E, e em todas elas pelo
mesmo pároco José Vaz de Matos
307
, ele fez, ao todo, 48 registros entre os anos de
1802 e 1803 no livro 1E, sendo: 6 adultos, 6 legítimos, 7 “NC”
308
e 29 inocentes. Estas
informações deixam a dúvida ainda maior: se ele identificava em algum momento o
status legítimo porque em alguns casos incluiu o inocente? Por enquanto, essa questão
fica sem resposta a altura. Sabemos apenas que não é possível ter certeza de que todos
os inocentes são legítimos.
Essas exceções e casos fora do padrão ratificam nossa opção por buscar em
outros livros a presença de filhos de escravos e ex-escravos. Dessa forma, aos 71
casais pais de crianças legítimas, somam-se os 6 de situação flutuante e agora
acrescentaremos mais 10 casais que buscamos nos demais livros pesquisados. Nesta
busca, encontramos 17 casais onde pelo menos um dos membros é referido como
escravo, ou o batizado é declarado escravo ou alforriado; destes, 7 constavam em
nosso levantamento, como o caso de Inácio e Joana, escravos de Manoel Antônio
Machado e aqui já mencionados como pais de Graciano, Abel e Cecília, e que tiveram
o batismo de sua quarta filha, Laureana, registrado em 1804 no livro 2. Laureana,
assim como Abel e Cecília foi alforriada na pia, e talvez por considerá-la livre o
pároco então responsável pelo registro optou por fazê-lo no livro de livres.
Para encontrar esses casais nos diferentes livros utilizamos procedemos ao
cruzamento nominativo, ou seja, buscamos através do cruzamento de fontes a partir do
nome próprio individualizar cada registro e com isso poder identificar as famílias.
309
Este método é derivado dos apresentados por Louis Henry e Maria Norberta
Amorim para as análises em demografia histórica, de maneira geral. Henry foi o
307
JoVaz de Matos era natural do bispado do Aveiro, Portugal, fora vigário da Lapa, no Paraná
entre 1798-1801, em Santo Antônio da Patrulha permaneceu entre 1801-1803. era grande lavrador de
trigo. Faleceu em Rio Grande em 16/07/1830, mandado distribuir seus bens entre os pobres. RUBERT,
1994, p. 149.
308
Não consta.
309
SCOTT e SCOTT, 2006. Muitos trabalhos tem sido feitos, valorizando a pesquisa dos nomes
individuais e familiares. Esta perspectiva tem sido baseada em: GINZBURG, Carlo: “O Nome e o
Como”. In: ____________. A Micro-História e outros ensaios. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1989. pp.
169-178. Ver também: FRAGOSO, João Luís. Afogando em nomes: temas e experiências em história
econômica. Revista Topoi, Rio de Janeiro, nº 5, p. 41-70, dezembro. 2002.
150
pioneiro neste tipo de análise e propunha que se recolhesse os dados em fichas por
ato (nascimento, casamento e óbito, cada ficha com uma cor diferente para fácil
identificação) e posteriormente se procedesse ao cruzamento, elaborando-se um
pequeno dossiê com todos os registros referentes a determinados casais. Amorim
propõe que se efetue o levantamento a partir dos nascimentos, onde para cada ato
seria produzida uma ficha com os dados dos pais e da criança, e quando o mesmo
casal tivesse outro filho, esse nascimento seria anotado na mesma ficha; assim se
daria também com a menção a esse casal nos casamentos e óbitos (nesse caso, a
autora propõe o uso de cores de caneta para diferenciar os atos).
310
Ambos os métodos mostraram-se eficientes e atualmente vêm sendo debatidos
e adaptados ao uso no computador
311
, mas algumas dificuldades parecem ser
inerentes àqueles que pretendem analisar comunidades luso-brasileiras: não regra
para a transmissão dos nomes de família (ou sobrenomes), que, no caso das mulheres
na maioria das vezes são omitidos e/ou substituídos por evocações religiosas (Maria
da Trindade, Joana do Espírito Santo), e no caso dos escravos são de adoção livre por
parte dos mesmos; além disso, uma concentração na escolha de alguns nomes
(João, Maria e José, principalmente) aumentando vertiginosamente o número de
homônimos.
310
SCOTT e SCOTT, 2006. Ver: AMORIM, Maria Norberta et al. Reconstituição de paróquias e formação de
uma base de dados central. In: Congresso da Associação de Demografia Histórica (ADEH), VI, 2001.
Lisboa. pp. 57-66. Disponível em: http://hdl.handle.net/1822/4347; HENRY, Louis. Técnicas de análise em
demografia histórica. Lisboa: Ed. Gradiva, 1988. MARCÍLIO, Maria Luiza (org.). Demografia Histórica:
orientações técnicas e metodológicas. São Paulo: ed. Pioneira, 1977.
311
TEIXEIRA, Paulo Eduardo. O uso do programa SYGAP para a reconstituição de famílias livres ba
Campinas do século XIX: usos e limites do software. In: Encontro Nacional de Estudos de População,
XV, 2006. Caxambu (MG). Disponível em:
http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2006/docspdf/ABEP2006_246.pdf. FARIA, Fernanda;
HENRIQUES, Pedro Rangel. Análise Espacial de BD Paroquiais: antes e depois da Fusão. In:
SIAD2D’04 Sistemas de Informação para Análise de Dados Demográficos. Workshop integrado no
XII Congresso da ADEH, 2004. Granada. Disponível em:
http://www.di.uminho.pt/~prh/sia2dPrincipal.htm. BERNAL, Carmen Sisón; MILLÁS I CASTELLVÍ,
Carles. Una Aplicación de las Bases de Datos en Demografía Histórica: la Reconstrucción de Famílias
en MsAccess. In: SIAD2D’04 Sistemas de Informação para Análise de Dados Demográficos.
Workshop integrado no XII Congresso da ADEH, 2004. Granada. Disponível em:
http://www.di.uminho.pt/~prh/sia2dPrincipal.htm. Sobre o uso de ferramentas informacionais na
demografia histórica recomendamos uma consulta aos artigos publicados pelo site da Universidade
do Minho (Portugal) – Repositorium no link: http://repositorium.sdum.uminho.pt/.
151
Em nossa análise, por não dominarmos nenhuma ferramenta automática
específica, podemos dizer que realizamos o cruzamento de forma semi-automática,
pois utilizamos para a coleta dos dados planilhas eletrônicas onde foram inseridas as
informações em colunas organizadas por tipo de informação, que nos permitiu
separar os atos registrados por categorias mais gerais sem perder de vista o todo.
Feito isso, separamos os atos por tipos (legítimos, ilegítimos e etc) e os reagrupamos
em nova planilha, onde foi possível identificar os sujeitos. Esse procedimento foi
repetido todas as vezes que foi necessário identificar algum grupo de indivíduos ou
comportamentos. Portanto, para proceder nossa análise utilizamos como referenciais
os métodos clássicos da demografia, adaptando essas metodologias as necessidades
de nossa pesquisa, sem que mergulhássemos no tema.
Voltemos então a lista de casais. Identificamos no livro 1E (exclusivo para
escravos), portanto, 71 casais pais de crianças legítimas, 6 casais pais de crianças
naturais e a esse número acrescentamos 10 casais que foram coletados nos demais
livros da paróquia. Esclarecemos que, estes últimos, foram selecionados a partir da
indicação de algum vínculo com o cativeiro, seja na condição do batizado (escravo ou
alforriado), seja na condição dos próprios pais (escravos, escravo que foi e etc). No total
identificamos 87 casais que geraram 122 crianças. apresentamos aqui tabela com a
condição jurídica dos pais de crianças legítimas, agora agregaremos a esse quadro o
restante dos casais identificados:
Tabela 20 – Combinações dos casais
Status dos filhos
Pai Mãe
Legítimos
Naturais
Outros
Total
%
Escravo Escrava 58
3
1
63
71,59
Forro Escrava 6
0
0
6
6,82
Escravo Forra 2
0
8
10
11,36
Livre Escrava 4
3
0
7
7,95
Escravo Livre 0
0
0
0
0
Ausente Escrava 0
0
0
0
0
Alforiado Alforriada 1
0
0
1
1,14
152
NC NC
312
0
0
1
1
1,14
Total (casais)
71
6
10
88
100
Fonte: livros de batismos de Santo Antônio da Patrulha.
Preliminarmente, podemos afirmar que os escravos procuravam unir-se a
pessoas de mesma condição jurídica, e também residentes na mesma propriedade,
pois encontramos apenas um caso em que os componentes do casal pertenciam a
senhores diferentes.
313
Nos casos onde a condição jurídica é diferente predominaram
as uniões entre homens forros e mulheres escravas, porém devemos lembrar que se
trata de um livro dedicado às crianças nascidas de ventres escravos.
vimos, então, que a família não dependia do casamento para sua formação.
Escravos e ex-escravos mantinham relações estáveis por anos sem nunca terem
oficializado frente e a Igreja. Sabemos, portanto, como se davam as formações dos
elos consangüíneos que ligavam indivíduos companheiros de cativeiro, resta-nos
verificar se, assim como os brancos e pardos, os escravos teciam redes de
solidariedade baseadas em elos não-sanguíneos. Acreditamos que o parentesco
criado pelo sacramento do batismo foi fundamental para a criação de comunidades
dentro das senzalas que substituíam, em parte, as famílias deixadas por esses sujeitos
do outro lado do Atlântico.
Dos 665 registros de batismos feitos no livro 1E (exclusivo para escravos), 661
(99,40%) tiveram indicados o padrinho e 639 (96,09%) a madrinha, sendo que apenas
de 340 padrinhos e 410 madrinhas foram citadas algum tipo de referência, seja a sua
condição jurídica ou social, de onde pudemos extrair o seguinte quadro:
Tabela 21 – Condição jurídica dos padrinhos
Padrinho Madrinha
Condição
#
%
#
%
312
Incluímos esse casal, mesmo sem ter referência ao seu status ou condição jurídica por que o
batizado foi declarado forro no ato do batismo.
313
Esse foi o caso de José, escravo de Maria Francisca, e de Maria, escrava de Manoel Barbosa, pais de
Luiz batizado em 28/12/1819. (ACDO Livro 1E de registros de batismo de Santo Antônio da
Patrulha, fl. 75)
153
Escravo 247
72,65
269
65,61
Livre 53
15,59
112
27,32
Forro 40
11,76
29
7,07
Total 340
100
410
100
Fonte: Livro 1E
Frente ao total de registros, faltaram padrinhos em 4 cerimônias e madrinhas
em 26, apesar de que, segundo as Constituições Primeiras, a presença dos padrinhos
era essencial, pois eles representavam o perdão do pecado original e seriam os fiadores
para com Deus
314
de seus afilhados. As normas também previam outras proibições:
Conformando-nos com a disposição do Santo Concílio Tridentino,
mandamos, que no batismo não haja mais que um padrinho, e
uma madrinha, e que se não admitam juntamente dois padrinhos,
e duas madrinhas; os quais padrinhos serão nomeados pelo pai, ou
mãe, ou pessoa, a cujo cargo estiver a crianças; e sendo adulto, os que
ele escolher. E mandamos aos Párocos não tomem outros padrinhos
senão aqueles, que os sobreditos nomearem, e escolherem, sendo
pessoas já batizadas, e o padrinho não será menos de quatorze anos, e
a madrinha de doze, salvo de especial licença nossa. E não poderão
ser padrinhos o pai, ou mãe do batizado, nem também infiéis,
hereges, ou públicos excomungados, os interditos, os surdos, ou
mudos, e os que ignoram os princípios de nossa Santa Fé; nem
Frade, Freira, Cônego Regrante, ou outro qualquer Religioso
professo de Religião aprovada, (exceto o das Ordens Militares) por
si, nem por procurador.
315
Em nosso levantamento não encontramos nenhum padrinho ou madrinha
identificado como menor de idade, e também nenhum religioso. Encontramos apenas
um caso em que foram designados dois padrinhos e nenhuma madrinha, 4 onde a
madrinha foi “Nossa Senhora”, mais 4 sem padrinhos e 26 sem madrinha. Dessa
forma, temos exemplos claros de que as normas por mais abrangentes e públicas que
fossem (ao menos os párocos deveriam dominá-las) não davam conta do movimento
dos agentes. O alto número de omissão de madrinhas pode derivar do fato da
mulher na sociedade colonial ter menos acesso as vias formais de ascensão social e
314
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, Livro I, título XVIII, art. 65, p. 26.
315
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, Livro I, título XVIII, pág. 26.
154
econômica do que os homens, fazendo com que sua presença não oferecesse vantagem
ao compadre, pois acreditamos também que no caso dos escravos os padrinhos
exerciam também uma importante função de protetor e intermediário entre o cativo e
seu senhor.
Analisando a tabela 22 podemos afirmar que havia uma preferência por
escravos na escolha dos padrinhos, mas a cargo de quem ficaria essa escolha?
Segundo as Constituições os padrinhos seriam nomeados pelo pai, ou mãe, ou pessoa, a
cujo cargo estiver a criança; e sendo adulto, os que ele escolher”.
316
Dessa forma, para o
caso dos adultos, Brügger (2005, p. 1) afirma que, segundo a historiografia, a escolha
dos padrinhos ficava a cargo do senhor que, por sua vez, escolhia para apadrinhar
um outro cativo seu, já antigo na escravaria [...] objetivando que este ajudasse o afilhado a se
ambientar no cativeiro”, e isso justificaria o alto índice de padrinhos escravos. No
entanto, em nosso levantamento essa situação não foi constatada.
Tabela 22 – Padrinhos de batizandos adultos
Ano Batizado Padrinho Madrinha
1802 Francisco, 13 anos, preto da
costa da Mina, escravo de
Manoel Barbosa da Silva
Pedro Antônio Simões,
preto forro
-
1802 Catarina, 25 anos, preta da
Costa da Mina, escrava de
José Dutra de Medeiros
Manoel de Castro Lima [Lizilia] Maria
1803 Tomé e Luiz, 20 anos, nação
Mina, escravos de Antônio
Nunes Benfica
317
Manoel, escravo de
Manoel Nunes Benfica
Gertrudes, escrava de
Bernardo José
Rodrigues
1803 Manoel, 12 anos, nação
Mina, escravo de João
Teixeira Brasil
Mateus, escravo de
Bernardo José
Rodrigues
-
1803 Maria, nação Mina, escrava
de Antônio Pereira
Bento, escravo de
Francisco Rosa
Ana, esposa de Bento
1809 José, escravo de Vitorino
José Gomes
João, escravo de
Antônio Machado
Gomes
Ana, escrava de
Antônio Machado
Gomes
1823 Francisco, escravo de João
[Francisco] Machado
José, preto Rosa, preta
316
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, Livro I, Título XVIII, pág. 26.
317
Registrados juntos.
155
Fonte: Livro 1E folhas 20v, 21v, 25, 28v, 29, 35v, 93, respectivamente.
Exceto no caso de Tomé e Luiz em que os senhores dos batizados e dos
padrinhos guardam claro parentesco, não ligações diretas entre os senhores dos
padrinhos e dos batizados. Entendemos que essas escolhas não poderiam partir dos
senhores dos batizados visto que não lhes era favorável; ao indicar um padrinho
pertencente, e por conseqüência morador, a outra propriedade o senhor estava de
certa forma estimulando a circulação desse sujeito entre as propriedades, dando-lhes
razões para tal. Além disso, se havia, como sugeriu Brügger, uma busca por um tutor
na escolha do padrinho para o recém chegado, ele não poderia residir em local
diferente de seu afilhado.
Devemos, portanto, considerar a hipótese de que a escolha partia do próprio
escravo, como previam as Constituições. Entre os padrinhos livres dos batizados
adultos dois sujeitos puderam ser identificados: Pedro Antônio Simões, indicado
como preto forro no registro, e Manoel de Castro Lima, que apesar de não estar
diretamente indicado sabemos se tratar de um pardo forro. Em comum, Pedro e
Manoel, tinham a pertença ao estrato intermediário por excelência: ambos eram
pardos.
Sobre Pedro Antônio Simões não pudemos apurar nenhuma outra informação.
Manoel de Castro Lima, pardo forro, era natural da freguesia de Nossa Senhora do
Pilar de Vila Rica, bispado de Mariana e casado com Maria Francisca, preta forra,
natural da freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Viamão, com quem teve sete
filhos, todos batizados na freguesia de Santo Antônio.
318
Procurando entender a
escolha de Catarina, vejamos quem Manoel de Lima e Maria Francisca escolheram
para apadrinhar seus filhos:
Tabela 23 – Padrinhos dos filhos de Manoel de Lima e Maria Francisca
Ano Batizado Padrinho Madrinha
318
ACDO Livros de registros de batismo de Santo Antônio da Patrulha: livro 1: reg. 366, fl. 68v; reg.
739, fl. 140v; reg. 809, fl. 152; reg. 910, fl. 167v; reg. 1028, fl. 190; Livro 2: reg. 100, fl. 17; reg. 421, fl. 83.
156
1782 Ismeria Manoel Bernardes da Silva Antônia Maria de Mendonça
1792 Julio Julio Gonçalves Maria Alves
1794 Ana João Nunes Teodora Maria
1796 Manoel Felipe Moreira Rosa Joaquina, esposa de
Antônio Silveira
1798 Antônia Antônio Silveira Rosa Joaquina, esposa de
Antônio Silveira
1800 Vicência Fabiano de Cristo Maria Nunes, esposa de
Fabiano de Cristo
1803 Luiza José Dutra de Medeiros Antônia Maria, esposa de José
Dutra de Medeiros
Fonte: Livro 1: reg. 366, fl. 68v; reg. 739, fl. 140v; reg. 809, fl. 152; reg. 910, fl. 167v; reg. 1028,
fl. 190; Livro 2: reg. 100, fl. 17; reg. 421, fl. 83.
Dos 7 padrinhos nomeados, somente para 2, João Nunes e Antônio Silveira,
não pudemos recolher nenhuma informação. Fabiano de Cristo, Soldado Dragão e
senhor de pelo menos 5 escravos, foi padrinho de mais 17 crianças, todas livres.
319
José Dutra de Medeiros tinha um filho homônimo o que acabou dificultando a
análise, mas pudemos identificar 5 afilhados e pelo menos uma escrava; trata-se de
Catarina, afilhada de Manoel de Lima.
Manoel Bernardes da Silva foi acompanhado no batismo por Antônia Maria de
Mendonça, que naquele ano tinha um filho com Manoel Gonçalves Ribeiro,
conforme demonstramos no capítulo anterior. Manoel Bernardes teve mais 5
afilhados, entre eles Desidéria filha de Antônio Lopes Negreiros e Maurício filho de
Julio Gonçalves Ribeiro, irmão do Alferes Manoel Gonçalves Ribeiro. E a teia segue:
Julio Gonçalves também foi padrinho de um filho de Manoel de Lima que recebe seu
nome como homenagem, e mais 10 crianças, entre elas Apolinário filho de Antônio
Lopes Negreiros.
320
A essa complicada teia Manoel de Lima inseriu-se através do
319
ACDO Livro 1 de registros de batismo de Santo Antônio da Patrulha: Inácio, reg. 236, fl. 47,
15/08/1779; Delfina, reg. 459, fl. 87v, 30/11/1784; Joaquina, reg. 847, fl. 157v, 18/02/1795; Maria, reg. 975,
fl. 180v, 16/06/1797. ACDO Livro 2 de registros de batismo de Santo Antônio da Patrulha: Vicência,
reg. 100. fl. 17, 20/04/1800; Evaristo, reg. 151, fl. 32v, 23/11/1800; Cândido, reg. 264, fl. 56v, 03/01/1802;
Maria, reg. 690, fl. 120, 27/01/1807; Marcos, reg. 712, fl. 123v, 02/08/1807; Maria, reg. 788, fl. 135v,
23/11/1809. ACDO Livro 3B de registros de batismo de Santo Antônio da Patrulha: Felipa, reg. 60,
08/09/1811; Hireno, reg. 96, 19/01/1812; Maria, reg. 252, 22/08/1813; Manoel, reg. 524, 25/02/1816; José,
reg. 549, 08/07/1816; Francisco, reg. 655, 26/10/1817; Helena, reg. 700, 23/02/1818.
320
ACDO – Livro 2 de registros de batismo de Santo Antônio da Patrulha, reg. 137, fl. 29, 28/09/1800.
157
apadrinhamento de seus filhos, e através dele desejava associar-se Catarina que, ao
que tudo indica, fez boa escolha, pois seu padrinho tornar-se-ia compadre de seu
senhor um ano depois.
Parece-nos razoável a hipótese de que os senhores escolhiam os padrinhos de
seus escravos em idade adulta, afinal, tratando-se de recém chegados estes não
conheciam nenhum de seus companheiros de cativeiro e muitos não dominavam a
língua. Mas a partir de nossa análise deve se levar em conta também as redes tecidas
e/ou identificadas pelos próprios escravos. Além disso, a primeira possibilidade
ficava bastante limitada pelo tamanho dos plantéis. A partir somente das fontes
paroquiais não é possível determinar os plantéis escravos da freguesia, mas,
preliminarmente, considerando apenas as crianças nascidas escravas e seus pais e
padrinhos, constamos que o tamanho médio dos plantéis é de 3,8 escravos por
senhor.
321
No caso do batismo de crianças escravas acreditamos que havia a gerência
direta dos pais, e por isso a análise das pessoas escolhidas serve-nos como janela para
entender um pouco mais sobre o processo de constituição das famílias espirituais:
O parentesco ritual, como o casamento e o compadrio, pode revelar-
nos elementos relativos às expectativas dos cativos diante da família,
que não são percebidos através do parentesco consangüíneo. Isso
porque aquele envolve os mecanismos de escolha que este não
possui. Assim, partimos do pressuposto de que os cativos podiam
escolher seus cônjuges e compadres, mas obviamente, como todas as
pessoas, não podiam determinar quem seriam seus pais, mães, filhos,
irmãos, avós etc. Nesse sentido, a compreensão das práticas de
compadrio adotadas pelos cativos permite-nos vislumbrar um
campo de possibilidades existente para a construção desse
parentesco ritual e seus significados.
322
321
Listamos todos os cativos do Livro 1E e chegamos aos seguintes números: as 665 crianças batizadas
somamos 445 escravos que constaram nestes registros como pais ou padrinhos, totalizando 1.110
escravos; listados os senhores chegamos ao número de 292. De forma alguma estes números podem
ser considerados como listagem definitiva dos cativos da freguesia, pois por serem oriundos de uma
fonte que privilegia as mulheres em idade fértil, acreditamos que deixe boa parte dos velhos e homens
de fora.
322
ROCHA, 2004, p. 121. Grifos nossos.
158
Nossa tarefa foi especialmente dificultada pela fonte escolhida para a análise.
Nos registros paroquiais por nós analisados muitos párocos foram extremamente
econômicos ao qualificar e identificar os padrinhos, principalmente quando tratava-
se de padrinhos escravos. A simples indicação Fulano, escravosomada ao grande
número de homônimos, tanto entre senhores e escravos, limitou bastante nossa
incursão pelas famílias escravas. Infelizmente, não pudemos identificar as redes de
parentesco em escala mais micro, perseguindo trajetórias familiares por uma ou mais
gerações. Mas isso o impediu que esboçássemos aqui um quadro geral sobre o
apadrinhamento entre escravos.
Além dos padrinhos escravos, pudemos identificar alguns padrinhos pardos
forros e libertos. Temos, então, 40 padrinhos indicados como forros ou libertos e 29
madrinhas, onde pudemos identificar apenas 6 casais. Apesar de representarem
apenas 6,05% dos padrinhos e 4,54% das madrinhas indicadas, a presença de forros e
libertos entre os compadres de escravos indica a possibilidade de convivência desses
dois segmentos. Por exemplo, o preto forro Pedro Antônio Simões que havia sido
padrinho de Cecília, adulta, reaparece como padrinho agora de, pelo menos, 3
crianças
323
, todas filhas de escravas pertencentes a plantéis diferentes: Tereza, filha de
Ana, escravas de Bernardo Domingues de Oliveira; Leandro, filho de Maria, escravos
de Francisco José Ribeiro; e Maria, filha de Paula, escravas de João José da Silveira.
324
A mobilidade dos forros foi uma aliada para os escravos. Segundo Schwartz
(1988), a escolha dos padrinhos, obedece sempre, tanto entre livres quanto entre
escravos uma tendência de se buscar sujeitos que possuam condição social igual ou
superior a do batizado. Isto explica a presença de padrinhos livres e forros para os
escravos da freguesia de Santo Antônio. No entanto, acreditamos que sejam as
323
Existem mais 4 registros em que não tivemos elementos suficientes para cruzamento e identificação.
324
ACDO Livro 1E de registros de batismo de Santo Antônio da Patrulha, fl. 3, 23/09/1798; fl. 4,
27/03/1798; fl. 5v, 11/03/1799.
159
escolhas dentro do mesmo status, ou seja, escravo compadre de escravo, as mais
agregadoras, capazes de reforçar laços de solidariedade e formar famílias espirituais.
De modo geral, para os escravos, o compadrio tinha a mesma função
exercida pelas irmandades; isto é, o compadrio foi um mecanismo
que criou espaços de convívio nos quais os escravos poderiam
manter sua cultura. Também estimulava a formação de lideranças
próprias, mantendo estes processos dentro de uma estrutura luso-
brasileira aceitável. Ao mesmo tempo criou-se uma situação
contraditória, ou seja, um espaço cultural escravo sob o jugo do
sistema luso-brasileiro. O compadrio, como as irmandades, não
ameaçava o sistema colonial. As duas instituições criavam espaços
nos quais elementos sociais potencialmente incompatíveis com o
sistema podiam agir, embora restritamente, com uma certa
independência.
325
A criação desses espaços de convívio passava pelo compadrio. Vejamos alguns
casos em que foi possível identificar essa montagem. Joaquim, escravo de Antônio
Machado Gomes foi convidado a ser padrinho em 4 ocasiões:
Tabela 24 – Afilhados de Joaquim, escravo de Antônio Machado Gomes
Data Batizado Pai Mãe Madrinha
31/10/1807 Francisca NC Rosa, escrava de
Inácio José Gomes
Cipriana, escrava de
Antônio Machado
Gomes
22/05/1809 Joaquim NC Rosa, escrava de
Vitorino José
Gomes
Cipriana, escrava de
Antônio Machado
Gomes
14/06/1812 Joaquim Tomás, escravo do
Tenente Antônio
José Lopes
Catarina, escrava do
Tenente Antônio
José Lopes
Rosa, escrava de
Vitorino José
Gomes
10/11/1813 Rufina NC Ana, escrava de
Inácia Tereza de
Jesus
Maria, forra
Fonte: Livro 1E fls. 34v, 35v, 39v e 45v, respectivamente.
Em dois batismos uma semelhança entre os sobrenomes dos senhores, mas
não pudemos afirmar com certeza que eram aparentados, dessa forma, vemos que
325
RAMOS, 2004, p. 54. Grifos nossos.
160
Joaquim não foi padrinho de nenhum filho de companheiros de senzala. Todos seus
afilhados eram filhos de escravos de outros senhores e possivelmente residentes em
propriedades distintas. A existência e afirmação de redes de solidariedade escrava,
ou melhor dizendo, de uma comunidade escrava em Santo Antônio da Patrulha que
extrapolava os limites das propriedades podem ser vistas nos batismos de Joaquim,
filho de Rosa, e de Joaquim, filho de Tomás e Catarina.
Rosa, escrava de Vitorino José Gomes, três anos após ter convidado Joaquim
para ser padrinho de seu filho foi madrinha ao lado de Joaquim. Mais uma vez
tratava-se de Joaquim, filho de Tomás e Catarina, que, assim como Rosa, também
deram ao seu filho o nome do padrinho. Dessa forma, podemos afirmar que Joaquim,
Rosa, Tomás e Catarina, não só se conheciam como eram amigos, tinham algum
interesse em comum e muito provavelmente compartilhavam de algum espaço, fosse
ele dentro ou fora das senzalas.
Lembrando que o convite para um compromisso desse tipo também
significa uma manifestação de apreço e confiança entre os pais da
criança e os padrinhos, parece-nos imprescindível a existência de no
mínimo uma amizade entre as partes. E tais amizades, com uma
considerável freqüência, extrapolavam os limites das fazendas em
que viviam, que muitos escravos prefeririam estabelecer laços do
compadrio com escravos de outros senhores.
326
Além disso, Tomás e Catarina, escravos do Tenente Antônio José Lopes, muito
provavelmente desfrutavam de um status social diferenciado dentro de suas senzalas.
Declarados pretos no batismo de seu primeiro filho em 1801, ele tiveram mais 4
filhos, todos legítimos:
Tabela 25 – Filhos de Tomás e Catarina, escravos de Antônio José Lopes
Data Batizado Padrinho Madrinha
26/04/1801 Elias Inácio da Silva Isabel, esposa de Inácio e
escrava de João Carvalho
da Mota
326
ROCHA, 2004, p. 125.
161
19/12/1802 Inácio Pedro, escravo de André
Nunes
Gertrudes, escrava de
André Nunes
14/06/1812 Joaquim Joaquim, escravo de
Antônio Machado Gomes
Rosa, escrava de Vitorino
José Gomes
16/10/1814 Maria Paulo NC
Fonte: Livro 1E fls. 16, 24, 39v e 47, respectivamente.
A parte da rede formada por Tomás e Catarina através do apadrinhamento de
seus filhos incluía, portanto, um liberto. Inácio da Silva, muito provavelmente havia
sido escravo também de João Carvalho da Mota assim como sua esposa, e a sua
escolha como padrinho do primeiro filho do casal Tomás e Catarina, pode nos
indicar o desejo que ambos tinham de que seu próprio filho trilhasse o mesmo
caminho, e que nele pudesse ser amparado pelo padrinho.
Ampliando um pouco essa pequena rede que esboçamos aqui, veremos que
Tomás e Catarina também foram padrinhos. Tomás foi padrinho de 7 crianças, sendo
acompanhado pela esposa em 6 cerimônias.
Tabela 26 – Afilhados de Tomás e Catarina
Data Batizado Pai Mãe
12/07/1812 Isabel NC Maria, escrava de
Tomás Antônio da Silva
23/04/1815 Constância NC Joaquina, escrava de
Antônio José Pinheiro
13/11/1815 Tomás NC Justina, escrava de
Vicente José Gomes
24/11/1817 Eufrásia João, escravo de
Antônio Gomes de
Carvalho
Joana, escrava de
Antônio Gomes de
Carvalho
17/03/1822 Tomás Bento, escravo de
Antônio Gomes de
Carvalho
Isabel, escrava de
Antônio Gomes de
Carvalho
14/12/1823 Antônio NC Catarina, escrava de
Severino Coelho
Rodrigues
Afilhada de Tomás e de Tereza, escrava de Antônio José Lopes
15/06/1817 Narcisa NC Justina, escrava de
Vicente José Gomes
Fonte: Livro 1E fls. 40, 51, 52v, 59v, 86v, 94 e 58, respectivamente.
162
Note-se que em nenhum caso Tomás e Catarina foram padrinhos de filhos de
escravas do mesmo senhor. Os proprietários se repetem no caso do batismo de
Eufrásia e Tomás, filhos de escravos de Antônio Gomes de Carvalho. E o caso de
Tomás e Narcisa, filhos de Justina, escrava de Vicente José Gomes, que são ambos
afilhados de Tomás, que foi inclusive homenageado na escolha do nome do afilhado.
Ter como padrinho ou madrinha um sujeito livre ou forro poderia garantir ao
afilhado algum tipo de apoio num momento de enfrentamento externo, ou seja, na
negociação pela alforria, para obtenção de um roçado ou qualquer outra demanda
frente ao senhor. Afinal, numa sociedade extremamente hierarquizada, um padrinho
com condição jurídica igual ao do senhor poderia a ele, ao menos, encaminhar a
demanda. No entanto, um padrinho escravo era útil no cotidiano, como apoio nas
rotinas diárias e no suporte emocional necessário ao viver escravo.
Podemos ver, portanto, que a rede segue se ampliando e abarcando diferentes
senzalas. Nossa hipótese é a de que Tomás e Catarina, por terem sido os padrinhos
preferenciais em nossa amostra, possuíssem bom trânsito na casa grande, e talvez até
tivessem obtido alguns direitos como ter uma roça e um local para residir somente
com a família. Infelizmente, isso não foi possível averiguar.
Mas, mais uma vez, a existência desse caso indica possibilidades, e revela
estratégias. Ao formar uma comunidade dentro do cativeiro os escravos tentavam,
num horizonte repleto de incertezas, assegurar alguma estabilidade no futuro de
seus filhos. Entendida como base das relações sociais, a família cumpria esse papel:
permitia que os escravos e seus descendentes vivessem apesar do cativeiro.
CONCLUSÃO
Após ler mais de 4.000 registros de batismos e tentar extrair deles algumas
informações estamos certos de que ainda muito a ser feito, difícil será escrever
algumas frases que tenham cara de conclusão.
Vimos neste trabalho que o Continente de São Pedro durante boa parte do
século XVII e XVIII foi fronteira aberta, característica que fez aportar nessas paragens
uma miríade de pessoas: brancos, negros, pardos, livres, escravos, peões,
portugueses, espanhóis, homens e mulheres; que tinham pelo menos, um objetivo
comum: viver bem. O significado de viver bem pode ser discutido e até questionado, o
certo é que varia caso a caso, em diferentes períodos. Mesmo assim, ousamos
acreditar que fosse essa a principal razão que deslocava as pessoas para locais
distantes e desconhecidos: todos buscavam viver bem.
Esse foi caso de Inácio Jo de Mendonça que apresentamos no segundo
capítulo. Bastardo, tropeiro e pardo, Inácio viu na migração a possibilidade de ascender
socialmente e adquirir melhor condição de vida. Não pudemos ter certeza de que seu
pai tenha influenciado nessa decisão, não só por ter se ordenado padre após o
nascimento de Inácio, mas também pela possibilidade de ter levado consigo o filho
bastardo em suas viagens pela Colônia. Mas sabemos que Inácio optou por migrar,
arriscou, e, de certa forma, obteve sucesso. Teve vários filhos, construiu uma capela e
recebeu honrarias em sua morte.
Em diferentes graus, outros pardos como Inácio também migraram e
obtiveram sucesso. Mover-se como exercício da liberdade parece ter sido a regra.
Apresentamos alguns dos casos que encontramos ao longo do texto, e nesse
momento, acreditamos que eles confirmam nossa hipótese a migração indicava um
horizonte incerto, porém repleto de possibilidades. Vimos também que a cor citada nos
documentos para referenciar esses indivíduos diziam mais sobre o local social do que
a sua aparência física.
164
Neste trabalho vimos também a luta de escravos por viver bem. Vimos que a
violência existiu, ela era inerente ao sistema escravista, mas nunca foi paralisante o
suficiente. Apesar do cativeiro os escravos viviam.
A luta pela alforria, as fugas, o suicídio, o assassinato, todas essas atitudes
fizeram parte da busca por parte dos escravos por liberdade. No entanto,
acreditamos e confirmamos aqui que a formação de famílias também estava entre
esse objetivo de liberdade.
Ter perto de si os seus parentes, com eles formar uma comunidade, poder ver
os filhos crescerem, plantar um roçado próprio: todas essas conquistas familiares são
resultado de uma luta silenciosa, cotidiana. Seu sucesso dependia de uma série de
fatores, mas mesmo assim, a tentativa foi sempre feita. Como em qualquer outro
momento (ou estrato social) havia um campo de possibilidades aberto frente aos
escravos, suas escolhas determinavam o caminho. A decisão por fincar raízes e
estabelecer elos de parentesco, sangüíneos ou não, era tão ou mais difícil de tomar do
que a de fugir. Em comum, todas as decisões tinham o objetivo: manter-se humanos.
Confirmamos nossa hipótese de que o parentesco espiritual substituía, pelo
menos em partes, a ancestralidade perdida no tráfico. Sabemos que para a maioria dos
povos africanos a ancestralidade tem papel fundamental, são as relações construídas
em torno dela e seus rituais a base da cosmologia desses sujeitos. Ao serem
compulsoriamente retirados de seus lares, esse sujeitos precisavam reinventar suas
famílias, crenças e formas de viver. Não nos é plausível a hipótese de que deles foi
arrancado tudo, inclusive a humanidade. A viagem pelo Atlântico não tem poder de
apagar a memória, de destruir vivências e apagar experiências. Elas são trazidas
dentro de cada um; reinventadas e expressas no cativeiro.
REFERÊNCIAS
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Livro 1 de batismo de Santo Antônio da Patrulha – 1773/1799
Livro 1E de batismo de Santo Antônio da Patrulha – 1797/1854
Livro 2 de batismo de Santo Antônio da Patrulha – 1780/1810
Livro 3 de batismo de Santo Antônio da Patrulha – 1810/1819 (inclui crismas)
Livro 4 de batismo de Santo Antônio da Patrulha – 1820/1846
Livro 1 de óbitos de Santo Antônio da Patrulha – 1761/1810
Livro 2 de óbitos de Santo Antônio da Patrulha – 1810/1824
Arquivo Histórico da Cúria Metropolitana de Porto Alegre
Rol de confessados da freguesia de Santo Antônio da Patrulha – 1779
Rol de confessados da freguesia de Santo Antônio da Patrulha – 1780
Rol de confessados da freguesia de Viamão 1750 a 1782 (transcrições
gentilmente cedidas por Vanessa Campos)
Habilitação de casamento de Inácio José de Mendonça e Silva e Margarida da
Exaltação da Cruz, 1755/29.
Autos de Justificação que fez Manoel de Barros Pereira. Viamão, 1759/27.
Arquivo Público do Rio Grande do Sul
Autos de inventário de Manoel Nunes Benfica, auto 109, maço 4, 1815,
cartório do Cível de Porto Alegre.
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
Fundo Fazenda – códice F1198B
166
Documentos transcritos:
Notícia – 1ª Prática. Dada ao R.P.M. Diogo Soares, pelo Sargento Mor da
Cavalaria Francisco de Souza faria, primeiro descobridor, e abridor do dito caminho.
In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo LXIX, parte I, 1908.
Notícia Prática. Dada pelo Coronel Cristovão Pereira d’Abreu, sobre o
mesmo caminho, ao R.P.M. Diogo Soares. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, tomo LXIX, parte I, 1908.
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia feitas, e ordenadas pelo Ilustríssimo
e Reverendíssimo Senhor Sebastião Monteiro Da Vide Bispo do dito Arcebispado e do
Conselho de Sua Magestade. Propostas e aceitas em o synodo diocesano que o dito Senhor
celebrou em 21 de junho do ano de 1707. 1 CD-ROM (gentilmente cedido pela profª Ana
Silvia Volpi Scott).
Demarcação no sul do Brasil. Transcrições de despachos, cartas e registros de
Gomes Freire de Andrada. In: Revista do Arquivo Público Mineiro. vol. XXI a XXIV,
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Documentos Interessantes para História e Costumes de São Paulo, vol. XXVI, parte
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ANEXOS
178
ANEXO 1 – MAPA DOS CAMINHOS.
Fonte: KÜHN, 2002, p. 51 (editado pela autora)
179
ANEXO 2 – BILHETE ESCRITO POR MARGARIDA DA EXALTAÇÃO.
Fonte: AHCMPA Habilitação de casamento de Inácio Jode Mendonça e
Silva e Margarida da Exaltação da Cruz, 1755/29.
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