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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
JANE GASPERINI APERGIS
ANÁFORAS INDIRETAS EM PRODUÇÕES ESCRITAS
DE ALUNOS
MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
SÃO PAULO
2010
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2
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
JANE GASPERINI APERGIS
ANÁFORAS INDIRETAS EM PRODUÇÕES ESCRITAS
DE ALUNOS
MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para a obtenção do título de
mestre em Língua Portuguesa, sob a
orientação da Professora Dra Vanda
Maria da Silva Elias.
SÃO PAULO
2010
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3
BANCA EXAMINADORA
_______________________________
Profª. Drª. Vanda Maria da Silva Elias
_______________________________
Profª. Drª. Sueli Cristina Marquesi
____________________________________
Profª. Drª. Elisa Guimarães
4
Ao Hércole, meu amor
Ao Lucas, minha luz
5
AGRADECIMENTOS
A Deus, por iluminar meu caminho. Sempre.
A Vanda Elias, minha orientadora, pela imensa generosidade e grandeza. Pelo
respeito e pela confiança em mim depositados.
Agradeço especialmente as professoras doutoras Sueli Cristina Marquesi e Elisa
Guimarães pelas contribuições valiosas para o aprimoramento deste trabalho no exame de
qualificação.
Ao Hércole, por acreditar em minhas loucuras e seguir adiante comigo, me apoiando
e incentivando.
Ao Lucas, por fazer minha vida transbordar de amor e de alegria.
Aos meus queridos pais, Aldo e Ivanira, por me apontarem o caminho. Pela vida.
Aos meus irmãos Giovanni, Valéria e Patrícia, por fazerem das minhas, as suas
alegrias.
Aos meus sobrinhos Letícia, Vinícius, Jean Carlos, Giovanna e Mariana por trazerem
a esperança em seus olhos.
Aos meus queridos sogros Luiz e Arminda, por sempre me apoiarem.
A minha querida amiga Gisela, por sua amizade sincera e pelo apoio nas (tantas)
horas difíceis.
6
Aos meus companheiros/amigos da EE Thomázia Montoro: Eliara, Márcio, Maria
Sílvia, Palmira, Jaime, José Sérgio, Luciana e tantos outros, pela torcida.
A todos os meus alunos por terem inspirado a minha busca pelo aprimoramento
profissional.
Aos meus colegas da PUC-SP, por compartilharem suas experiências, pelas
conferências nos corredores, pelo incentivo.
Aos professores do programa com quem tive a oportunidade de conviver.
A S.E.E., pelo suporte financeiro.
7
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo a verificação de ocorrências de anáforas indiretas
e suas funções no plano da coerência textual em produções escritas de alunos do
Ensino Fundamental II.
Inserido em uma perspectiva sociocognitiva interacional da linguagem, na qual a
referenciação é concebida como uma atividade discursiva (cf. Mondada e Dubois
(2003), Apothéloz e Chanet (2003), Schwarz (2007), Conte (2003), Francis (2003),
Marcuschi (2000), Koch (2003, 2004), Koch & Marcuschi, (1998), Cavalcante (2000,
2003, 2005), procuramos levantar ocorrências de referenciação anafórica indireta em
textos escolares e analisá-las do ponto de sua constituição e de sua contribuição para
o estabelecimento da coerência.
A fim de atingirmos o objetivo pretendido, levantamos um corpus formado por
textos escritos de estudantes do nono ano do Ensino Fundamental II de uma escola
da rede estadual paulista.
Os resultados indicam que as anáforas indiretas constituem importantes
mecanismos de produção textual, pois desempenham diversas funções na articulação
de textos e estão estreitamente relacionadas com a linha de coerência dos mesmos.
PALAVRAS-CHAVE: Escrita, referenciação, anáforas indiretas, coerência.
8
ABSTRACT
This work aims to verify cases in point of indirect anaphoras and their functions in
the textual coherence field in writing of students from secondary school.
According to interactional socio-cognitive perspective of language, the discourse
reference is a discursive activity for (Mondada & Dubois, 2003), Apothéloz & Chanet
(2003), Schwarz (2007), Conte (2003), Francis (2003), Marcuschi (2000), Koch (2003,
2004), Koch & Marcuschi (1998), Cavalcante (2000, 2003, 2005), we have sought to
identify cases in point of indirect anaphoras in school texts and we have sought to
analyse their configuration and their contribution to form the coherence.
In order to get the purpose, we have chosen a corpus of written texts of students
of ninth grade from a public secondary school.
The results suggest that indirect anaphoras are important mechanisms for writing
because they perform several functions in the articulation of texts and they are
tightening related to fields of coherence.
Keywords: Writing, discourse reference, indirect anaphora, coherence.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
.
...........................................................................................................11
CAPÍTULO 1 – REFERENCIAÇÃO.............................................................................15
1.1 – Linguagem e texto sob uma perspectiva sociocognitiva interacional.................16
1.2 – Da noção de referência à de referenciação........................................................20
1.2.1 – Categorização: da instabilidade à estabilidade das categorias ......................26
1.2.2 – Referenciação e inferenciação ........................................................................29
1.2.3 – Referenciação e coerência .............................................................................32
1.3 - Estratégias de referenciação............................................................................. .37
CAPÍTULO 2 – O PROCESSO ANAFÓRICO
.....................................................
41
2.1 - Algumas considerações teóricas sobre o processo anafórico.............................42
2.1.1 – Anáforas diretas: casos de referência explícita..............................................43
2.1.2 – Anáforas indiretas: casos de referência implícita ............................................46
2.1.3 – Tipos de Anáforas indiretas ............................................................................52
2.1.3.1 – Anáforas indiretas baseadas em relações semânticas inscritas nos SN
definidos ......................................................................................................................53
2.1.3.2 – Anáforas indiretas baseadas em papéis temáticos dos verbos ...................55
2.1.3.3 Anáforas indiretas baseadas em esquemas cognitivos e modelos
mentais.........................................................................................................................56
2.1.3.4 – Anáforas indiretas baseadas em inferências ancoradas no modelo do mundo
textual ..........................................................................................................................58
10
2.1.3.5 Anáforas indiretas baseadas em elementos textuais ativados por
nominalização .............................................................................................................60
2.1.3.6 – Anáforas indiretas esquemáticas .................................................................64
CAPÍTULO 3 ANÁFORAS INDIRETAS EM TEXTOS DE ALUNOS: UMA
ANÁLISE......................................................................................................................67
3.1 – A constituição do corpus ................................................................................... 68
3.2 - Procedimentos de análise ...................................................................................71
3.3 – Análise............................................................................................................... 72
3.3.1 – Texto 1 - Mistério ............................................................................................72
3.3.2 - Texto 2 – Até fantasma tem medo ..................................................................77
3.3.3 - Texto 3 - Reviravolta ........................................................................................80
3.3.4 - Texto 4 – Terra dos epitáfios............................................................................83
3.3.5 - Texto 5 – Perdidos na floresta .........................................................................89
3.3.6 - Texto 6 – A cidade ...........................................................................................93
3.3.7- Texto 7 – A sala ................................................................................................98
3.3.8 - Texto 8 – A herança .......................................................................................104
3.3.9 - Texto 9 – A menina e a casa dos sonhos.......................................................108
3.3.10 - Texto 10 – As sombras ...............................................................................111
CONSIDERAÇÕES FINAIS
......................................................................................115
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
.........................................................................126
11
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa situa-se na linha de pesquisa “Leitura, escrita e ensino de língua
portuguesa” do Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa da
PUC-SP e tem por objetivo analisar o fenômeno anafórico caracterizado pela
inexistência de antecedentes explícitos, denominado anáfora indireta, em produções
escritas de alunos.
Tendo em vista essa finalidade, fundamentamos a pesquisa em estudos sobre a
referenciação entendida como uma atividade discursiva, isto é, como um fenômeno
que se caracteriza pela dinamicidade da construção de entidades
referenciais/discursivas em contextos efetivos de uso da língua (cf.: Mondada e
Dubois, 2003) e, de modo particular, em estudos voltados para a anáfora indireta (cf.:
Schwarz, 2007 e Marcuschi, 2005).
Em nosso percurso investigativo, apoiamo-nos no pressuposto de que a
produção textual é um processo de construção ao qual subjazem fatores sociais,
lingüísticos, cognitivos, interacionais e pragmáticos que desempenham papéis
extremamente relevantes nas interações, pois é na e pela interação que os textos
ganham vida e cumprem seus propósitos de um “querer dizer”.
Sob esse prisma, a escrita se caracteriza como uma atividade altamente
complexa de produção discursiva, razão pela qual não pode ser concebida como um
conjunto aleatório de códigos lingüísticos dissociados de seus contextos enunciativos,
mas, sim, como objeto de ensino que se traduz por um conjunto de práticas
socialmente construídas.
12
Nesse sentido, ressaltamos a importância dos processos referenciais no ensino
da escrita, especialmente no que concerne às construções anafóricas implícitas, pois
as anáforas indiretas podem apontar para informações cotextuais ou para
informações salientes no universo discursivo, promovendo a constituição de
processos inferenciais necessários à produção de sentidos. Admitindo-se que a
construção e a interpretação das anáforas indiretas dependem da ativação de
conhecimentos sócio culturalmente adquiridos, esses referentes podem ser
considerados entidades constitutivamente discursivas e de fundamental importância
no estabelecimento da coerência textual.
A fim de atingirmos os objetivos propostos neste trabalho, analisaremos a
ocorrência, modo de constituição e função de anáforas indiretas no plano da
coerência textual em um corpus composto por produções escritas de alunos do
Ensino Fundamental II de uma escola pertencente à rede blica de ensino de São
Paulo.
Essas produções tiveram origem em atividades desenvolvidas em sala de aula
com o intuito de motivar os alunos para a escrita. Para atingirmos esse propósito,
adotamos uma metodologia de trabalho voltada à ampliação do conhecimento
lingüístico e do conhecimento de mundo desses alunos, instrumentalizando-os para
que possam utilizar, com maior autonomia, os recursos que a língua oferece. Nosso
objetivo era oferecer subsídios para que os alunos conseguissem minimizar um dos
grandes problemas enfrentados por eles na produção de textos escolares: a
dificuldade em articular as idéias, produzindo textos que viabilizem o estabelecimento
da coerência.
13
A proposta foi desenvolvida em várias etapas e envolveu atividades de leitura de
contos, pesquisas e atividades orais como a troca de impressões sobre os textos
lidos. Essas atividades foram complementadas com uma sessão de cinema realizada
na escola seguida de discussões sobre o filme assistido. Posteriormente, solicitamos
que cada aluno escrevesse um mini-conto abordando temas como terror, mistério,
morte ou loucura. De um total de noventa e seis produções de alunos, selecionamos
dez para análise do fenômeno da referenciação implicitamente constituída, a título de
exemplificação de como os alunos produzem anáforas indiretas e que implicação isso
traz para o plano da coerência textual.
A dissertação encontra-se organizada em três capítulos, além da introdução, das
considerações finais e das referências bibliográficas.
No primeiro capítulo discorremos sobre o fenômeno da referenciação entendido
como um processo intersubjetivo de construção de referentes no discurso, bem como
sobre as estratégias utilizadas na construção desses objetos-de-discurso. Nesse
percurso baseamo-nos nos estudos sobre referenciação de Mondada e Dubois
(2003), Apothéloz e Chanet (2003), Schwarz (2007), Conte (2003), Francis (2003),
Marcuschi (2000), Koch (2003, 2004), Koch & Marcuschi, (1998) e Cavalcante (2000,
2003, 2005).
no segundo capítulo apresentamos uma visão ampliada do fenômeno da
anaforização, em especial, das anáforas indiretas, e apresentamos uma proposta de
classificação desse tipo de anáfora preconizado por Schwarz (2007) e Marcuschi
(2005).
14
No terceiro capítulo, procedemos à análise do corpus para averiguar os tipos de
anáforas indiretas construídas pelos alunos em textos escritos e a sua função no
plano da coerência textual.
15
CAPÍTULO 1
16
CAPÍTULO 1 - REFERENCIAÇÃO
1.1 - Linguagem e texto sob a perspectiva sociocognitiva interacional
A noção de referência adotada neste trabalho encontra-se essencialmente
ligada à concepção de texto como evento que ocorre em contextos de interação e a
de linguagem como forma de ação, ambos concebidos a partir de uma abordagem
interacional de vertente sociocognitiva.
Considerando-se que o homem não é um ser isolado, mas, sim, um ser que
estabelece relações com outros indivíduos em uma determinada comunidade por
meio de atividades lingüísticas, tem-se que o texto é o lugar característico das
interações humanas. Sobre essa questão, Marcuschi (2007: 76) considera que a
produção textual é um evento que ocorre na forma de linguagem inserida em
contextos comunicativos”.
Acrescente-se a essa visão de cunho pragmático uma multiplicidade de
processos de ordem cognitiva, cultural, social, lingüística, entre outros que são
acionados tanto nas atividades de produção quanto nas atividades de interpretação e
tem-se, então, o texto concebido como um evento no qual os parceiros da enunciação
atuam uns com os outros pondo em jogo suas intenções sociocomunicativas.
De um modo geral, Koch (2007: 30) sintetiza os aspectos constituintes de um
texto inserido em uma concepção sociocognitiva interacional declarando que:
Um texto se constitui como tal no momento em que os parceiros de
uma atividade comunicativa global, diante de uma manifestação
17
lingüística, pela atuação conjunta de uma complexa rede de fatores
de ordem situacional, cognitiva, sociocultural e interacional, são
capazes de construir, para ela, determinado sentido.
Com base nas afirmações de Koch (2007), depreende-se que a produção textual
ocorre na intersubjetividade e na dinamicidade das ações lingüísticas realizadas pelos
sujeitos em contextos sociocognitivamente marcados.
Dentro desse panorama, conceber a linguagem como uma forma de ação
implica considerar a atividade verbal como qualquer outra atividade realizada pelo
homem, pois, quando as pessoas utilizam-se da linguagem, o fazem sempre com
algum propósito. Conforme Antunes (2009: 36), os sujeitos “dizem coisas para fazer
outras, para praticar ações, para intervir, agir ou cumprir, em relação a outros, certas
funções (...) são explicações, declarações, pedidos, oferecimentos, ordens,
advertências, ameaças, promessas, etc.” Dentro dessa visão pragmática de
linguagem e texto, destaca-se o papel dos coenunciadores, visto que a atividade
verbal é uma via de duas mãos na qual o objetivo maior é “a comunhão de sentidos e
de intenções” (ANTUNES, 2009: 76).
Durante as atividades de produção e de processamento de um texto, os
coenunciadores mobilizam diversos tipos de conhecimentos, dentre eles destacam-se
o conhecimento lingüístico, o sociointeracional e o enciclopédico ou de mundo. Para
Koch e Elias (2009: 37) “esses conhecimentos, resultado de inúmeras atividades em
que nos envolvemos ao longo de nossa vida, deixam entrever a intrínseca relação
entre linguagem/mundo/práticas sociais”.
18
O conhecimento lingüístico, essencial em qualquer contexto comunicativo,
abrange o conhecimento gramatical e o lexical. Segundo Koch (2006), ele é o
responsável pela organização do material linguístico na superfície do texto, pelo uso
de recursos coesivos responsáveis pela sequencialização textual e pela seleção de
elementos lexicais que atendam aos propósitos dos enunciadores.
o conhecimento sociointeracional é aquele que permite identificar as formas
de inter-ação através da linguagem. Ele engloba o conhecimento ilocucional, por meio
do qual é possível reconhecer os objetivos ou propósitos pretendidos pelo
enunciador; o conhecimento comunicacional, que se refere à utilização da variante
lingüística adequada ao contexto enunciativo, ao controle da quantidade de
informações necessárias ao leitor/ouvinte e possibilita a adequação do gênero textual
à situação comunicativa; o conhecimento metacomunicativo permite ao locutor
assegurar a compreensão do texto por meio da introdução de apoios textuais e, por
fim, o conhecimento superestrutural corresponde ao conhecimento que permite a
identificação dos diversos gêneros textuais.
Por seu turno, o conhecimento enciclopédico ou de mundo refere-se ao
conhecimento sobre as coisas do mundo, são conhecimentos que os sujeitos sociais
adquirem a partir de experiências vivenciadas nos diversos setores da vida. Para
Koch e Travaglia (2004), esses conhecimentos encontram-se armazenados na
memória dos indivíduos em blocos, como unidades complexas de conhecimento
estereotípico que se denominam modelos cognitivo globais. De acordo com os
autores existem diversos tipos de modelos cognitivos cujos elementos constitutivos
podem estar armazenados na memória de forma ordenada, seqüenciada, ou
aleatoriamente.
19
A partir de considerações de Beaugrande e Dressler (1981, apud Koch e
Travaglia, 2004: 64), os modelos cognitivos globais podem ser classificados em
frames, Esquemas, Planos, Scripts e em Cenários.
Os frames correspondem aos conhecimentos armazenados na memória sobre
os elementos que compõem um todo, sem que haja uma ordenação entre esses
elementos, como, por exemplo, Natal (presentes, missa, ceia, etc.), Carnaval
(serpentina, desfile, samba-enredo, carros alegóricos, bailes);
os Esquemas, diferentemente dos Frames, o representados por
conhecimentos armazenados cujos elementos apresentam uma ordem, uma
progressão, por exemplo, pôr um eletrodoméstico em funcionamento, dirigir um carro,
etc;
Os Planos são modelos sobre acontecimentos ou estados que orientam a um
determinado fim, cujos elementos se encontram em uma ordem previsível, como
saber os caminhos a serem percorridos para se chegar a um determinado local, por
exemplo;
Por sua vez, os Scripts correspondem a um conjunto de conhecimentos
sequenciados e estereotipados sobre como agir em determinadas circunstâncias,
abrangendo também os termos lingüísticos utilizados nessas circunstâncias; por
exemplo, uma cerimônia de casamento, um ritual religioso, um julgamento;
Por fim, os Cenários dizem respeito aos conhecimentos sobre ambientes e
situações que servem de referência no processamento de um texto, como, por
exemplo, os elementos constituintes de um passeio ao cinema, a um restaurante.
20
O conhecimento de mundo é fundamental na realização de atividades
linguísticas, tanto para aquele que produz o texto quanto para aquele que o processa.
Ainda de acordo com Koch e Travaglia (2004), os conhecimentos descritos são
indispensáveis à produção de sentidos para um texto.
Com base nessa visão de texto e de linguagem é que se desenvolveu esta
pesquisa na qual se concebe a construção de referentes no plano textual-discursivo
como uma atividade sociocognitiva para a qual concorrem determinados fatores tais
como a interação, a cultura, os conhecimentos, os aspectos contextuais, pragmáticos,
entre outros que influenciam na determinação dos referentes, de acordo com
Marcuschi (2000).
Dessa forma, propõe-se uma reflexão sobre o deslocamento da noção de
referência para a noção de referenciação, conforme estudos desenvolvidos por
Mondada e Dubois (2003). Esse deslocamento implica uma visão de referenciação
como uma atividade sócio-discursiva de construção de objetos-de-discurso. Dessa
forma, os objetos por meio dos quais os sujeitos compreendem o mundo são
elaborados nas práticas discursivas situadas.
1.2 - Da noção de referência à de referenciação
Segundo Mondada e Dubois (2003), de um modo geral, pode-se distinguir duas
tendências básicas nos estudos sobre a referência. A primeira delas opera com base
na possibilidade de se referir o mundo objetivamente, ou seja, nessa visão clássica
de referência, postula-se que para cada objeto existente no mundo há uma palavra
que o represente fielmente. Sob essa perspectiva, os referentes são concebidos
21
como “objetos do mundo”, ou seja, são objetos “prontos” cujas representações
encontram-se armazenadas na memória dos falantes e estão à disposição para
serem utilizadas de modo a espelhar objetivamente a realidade das coisas. Nas
palavras das autoras:
Esse ponto de vista pressupõe que um mundo autônomo
discretizado em objetos ou ‘entidades’ existe independentemente de
qualquer sujeito que se refira a ele e que as representações
lingüísticas são instruções que devem se ajustar adequadamente a
esse mundo.
(Mondada e Dubois, 2003: 19)
A essa vertente subjaz uma concepção de língua transparente e referencialista,
na qual os sujeitos são meros codificadores, uma vez que a representatividade
desses objetos e sua estabilidade são garantidas pela imutabilidade do signo
lingüístico que as representa.
Subjacente à concepção de referência enquanto “representação” do mundo,
evidencia-se uma visão estruturalista da linguagem cujo interesse central é tratar os
fenômenos sistemáticos da língua. Entretanto, como observa Marcuschi (2008: 59),
sob essa perspectiva “há uma certa dificuldade de tratar a questão da significação e
os problemas relativos à compreensão, pois para os partidários dessa visão, a língua
é um sistema autônomo e as significações emergem desse sistema de signos. Nesse
caso, não se consideram os contextos de produção e de recepção de textos, nem os
aspectos discursivos, sociais e históricos da linguagem.
22
Ainda vale destacar que, sob o prisma tradicional de referência, as entidades
que usamos para “designar” o mundo são entidades preexistentes ao discurso. Nesse
caso, não se levam em consideração os fatores cognitivos, pragmáticos, sociais e
interacionais na construção de referentes em contextos de uso efetivo da língua.
Partindo-se do pressuposto de que a língua não é meramente um instrumento
de representação do mundo, desenvolveram-se estudos que pudessem explicar mais
satisfatoriamente a dinâmica relação entre a linguagem, o mundo e os sentidos que
emergem dessa relação.
Assim sendo, teorias contemporâneas apontam para uma segunda tendência
nos estudos lingüísticos sobre a referência e conduzem a uma reflexão mais profunda
e abrangente sobre a maneira como os indivíduos constroem os referentes no
processo discursivo. Nessa nova visão, considera-se que a seleção de formas
lingüísticas como representação de coisas ou de estados de coisas está relacionada
à forma como os sujeitos interagem sociocognitivamente com o universo
extralingüístico. Nesse sentido, para Mondada e Dubois (2003: 20), as práticas
lingüísticas
...não são imputáveis a um sujeito cognitivo e abstrato, racional,
intencional e ideal, solitário face ao mundo, mas a uma construção de
objetos cognitivos e discursivos na intersubjetividade das negociações,
das modificações, das ratificações de concepções individuais e
públicas do mundo.
As autoras consideram que a referência diz respeito a uma construção de base
sócio-cognitiva que se processa na interação entre os sujeitos da enunciação. Assim,
23
preferem usar o termo “referenciação” (1995) para nomearem o dinâmico processo de
construção de referentes no discurso. Consequentemente, os referentes passam a
ser concebidos como “objetos-de-discurso” (2003), já que estes são sócio, interativa e
discursivamente construídos.
Compartilhando dos argumentos de Mondada sobre a referenciação, Koch e
Penna (2006: 25) afirmam que a atividade de construção de objetos-de-discurso
ocorre “a partir de conhecimentos pressupostos como partilhados e, portanto, da
focalização de traços do referente que o locutor julgue de maior relevância para a
caracterização do objeto que pretende construir”.
Torna-se imprescindível, então, que os interlocutores partilhem, mesmo que
parcialmente, dos mesmos conhecimentos, crenças e opiniões para que se processe
a interação. Isso significa que, para atingirem seus propósitos comunicativos, os
participantes do processo discursivo procedem a uma construção de objetos-de-
discurso que venha ao encontro de seus interesses comunicativos em determinado
contexto de enunciação.
Dessa forma, a “realidade” das coisas pode ser alterada de modo a expressar, a
cada momento, novas realidades, ou seja, os referentes são (re)construídos a cada
instância enunciativa e se apresentam sempre revestidos de novos sentidos, segundo
a percepção de realidade e os interesses dos sujeitos sociais. Sobre esse aspecto,
Koch (2006: 79) observa que:
...a realidade é construída, mantida e alterada não somente pela
forma como nomeamos o mundo, mas, acima de tudo, pela forma
como, sociocognitivamente, interagimos com ele: interpretamos e
24
construímos nossos mundos através da interação com o entorno físico,
social e cultural. A referência passa a ser considerada como o
resultado de operações que realizamos quando, para designar,
representar ou sugerir algo, usamos um termo ou criamos uma
situação discursiva referencial com essa finalidade: as entidades
designadas são vistas como objetos-de-discurso e não como objetos
do mundo.
Os argumentos de Koch estão em consonância com o postulado de Blikstein
(1985). Esse autor considera que o julgamento que fazemos da realidade é apenas o
resultado de nossa percepção do mundo e que a visão que temos das coisas é
decorrente de processos de construção estereotipada dos objetos.
Conforme Blikstein (1985), a construção de estereótipos não ocorre de maneira
ingênua ou pura, pois nossa percepção está condicionada aos sistemas de crenças e
de outros fatores de ordem social que influenciam nossas escolhas linguísticas.
Sendo assim, nosso modo de “ver” o mundo é negociado e definido por um conjunto
de práticas sociais entendidas como o conjunto de atividades humanas que
abrangem, de um modo geral, as condições de existência de uma sociedade.
Ainda de acordo com o autor, os referentes o fabricados na dimensão da
percepção-cognição, isto é, a realidade é “fabricada” segundo o ponto de vista
assumido pelos sujeitos sociais e essa “construção” está condicionada aos
conhecimentos que esses sujeitos possuem. O autor considera que os valores e as
crenças de uma comunidade é que desencadeiam a configuração de modelos ou
padrões perceptivos determinantes na construção do referente.
25
Partindo do pressuposto de que a significação das entidades lingüísticas não
existe fora das situações de uso concreto da língua, Bronckart (1999) defende que a
interpretação dos signos depende do contexto no qual eles estão sendo enunciados.
Dessa forma, a constante dependência dos signos em relação aos contextos de “uso”
para a produção de significados gera a instabilidade dos sentidos. Segundo esse
parecer, os sentidos nascem e evoluem “no” discurso. Nas palavras de Bronckart
(1999: 35):
Convém sublinhar aqui que, sendo produtos da interação social (do
uso), assim como os textos nos quais se organizam, os signos
continuam perpetuamente sob a dependência desse uso e, portanto,
os significados que veiculam não podem ser considerados estáveis
senão momentaneamente, em um determinado estado sincrônico
(artificialmente). Convém assinalar ainda que desde que é através
desses textos e desses signos com significações sempre moventes
que se constroem os mundos representados, definidores do contexto
das atividades humanas, esses mundos, por sua vez, também se
transformam permanentemente.
Os objetos por meio dos quais os sujeitos “percebem” o mundo, de acordo com
Bronckart (1999), são elaborados no curso de suas atividades discursivas e esses
objetos têm significações moventes, pois sofrem constantes transformações
dependendo dos contextos nos quais são enunciados.
Por sua vez, Marcuschi (2007) defende que a maneira como os indivíduos dizem
as coisas uns aos outros é decorrente de sua ação discursiva e de sua inserção
sociocognitiva no mundo, porque a concepção que se tem dos objetos não
corresponde especificamente a uma única realidade, visto que a cada momento
26
discursivo construímos sempre uma nova realidade a partir de novos objetos-de-
discurso. Assim, uma vez que não uma verdade absoluta sobre a significação das
entidades que usamos para designar o mundo, tem-se que a objetividade e a
estabilidade dos referentes são provisórias, pois estão atreladas ao momento
histórico de uma sociedade.
A observação quanto à flexibilidade e à instabilidade das significações dos
objetos-de-discurso possibilitaram que se postulasse (cf.: Mondada e Dubois, 2003) a
instabilidade das relações entre a linguagem e as categorias que usamos para
construir objetos discursivos.
1.2.1 – Categorização: sobre a instabilidade e a estabilidade das categorias
Para os adeptos da vertente sócio-cognitivista, o ser humano organiza o mundo
em categorias e estas são consideradas instáveis, uma vez que a maneira como os
sujeitos da enunciação nomeiam os referentes está condicionada à forma como eles
percebem essas categorias e, conforme explicitado, essa percepção está ligada a
crenças, ideologias, cultura e, sobretudo, é dependente dos contextos sociais de uso
da língua. Nesse sentido, as categorias se apresentam como entidades flexíveis, visto
que os possíveis sentidos veiculados por elas o intersubjetivamente negociados no
discurso.
Na visão de Mondada e Dubois (2003), a instabilidade das categorias é inerente
aos objetos-de-discurso e às práticas lingüísticas e cognitivas dos sujeitos, pois “as
categorias não são nem evidentes nem dadas de uma vez por todas. Elas são mais o
resultado de reificações práticas e históricas de processos complexos,
27
compreendendo discussões, controvérsias, desacordos” (MONDADA E DUBOIS,
2003: 28).
As autoras exemplificam essa afirmação apontando que um piano pode ser
categorizado como um instrumento musical no contexto de um concerto. No contexto
de uma mudança, ele poderá ser categorizado como um vel pesado e difícil de
transportar. Da mesma forma, em outros contextos discursivos, ele poderá sofrer
sucessivas categorizações dependendo sempre de diferentes pontos de vista.
Resumidamente, para as autoras, as categorias são culturalmente sensíveis
(Mondada e Dubois, 2003: 24), uma vez que:
Os sistemas cognitivos humanos parecem particularmente adaptados
à construção de tais categorias flexíveis, ad hoc e úteis a todos os
fins práticos, dependentes tanto mais da multiplicidade de pontos de
vista que os sujeitos exercem sobre o mundo do que de restrições
impostas pela materialidade do mundo.
Visto que um objeto é conceituado e nomeado dentro de dada comunidade e
seu uso passa a ser compartilhado de forma recorrente pelos indivíduos dessa
comunidade, cria-se um efeito de estabilidade, tanto lingüística quanto conceitual,
sobre esse objeto. Pode-se supor, então, que é pelo uso recorrente e em contextos
de interação que as categorias adquirem um relativo efeito de estabilidade.
Entretanto, considerando que as categorizações adquirem sentido no e pelo
discurso e em dada realidade histórica e social, pode-se afirmar que essa
estabilidade é provisória, visto que a percepção que se tem de um objeto em
determinado contexto discursivo pode não ser a mesma em um contexto diverso.
28
Portanto, o sentido atribuído a um objeto ocupará, por um período indeterminado, a
memória social de um dado grupo e, em um novo contexto, esse objeto poderá ser
(re)nomeado segundo novas convenções sociais.
Compartilhando desses argumentos, Marcuschi (2003) afirma que não existem
categorias naturais porque não existe um mundo naturalmente categorizado. Ele
explica que as atividades de categorização são resultantes de “um esforço coletivo de
trabalho social e histórico que resulta na produção da cultura humana”
(MARCUSCHI, 2003: 242).
Também Mondada e Dubois (2003: 35) argumentam que a instabilidade das
categorias está ligada “à dimensão constitutivamente intersubjetiva das atividades
humanas”, pois, reiteram as autoras, os objetos-de-discurso têm sua existência
marcada pelo discurso. Esses objetos são construídos, completados ou enriquecidos
colaborativamente pelos sujeitos sociais.
Essas afirmações implicam conceber-se os objetos-de-discurso como entidades
que estão em contínuo processo de atualização. A dinamicidade característica
dessas entidades permite que as possibilidades de referir “coisas” e “estados de
coisas” não se esgotem quando de sua introdução no discurso, como observa
Mondada (1994: 64 apud Koch, 2006: 79):
O objeto-de-discurso caracteriza-se pelo fato de construir
progressivamente uma configuração ao se enriquecer com novos
aspectos e propriedades, suprir antigas ou ignorar outras possíveis,
que ele pode associar com outros objetos integrando-se em novas
configurações, ou se articulando em partes susceptíveis de se
29
autonomizarem em novos objetos. O objeto se completa
discursivamente.
Considerar que as entidades que usamos para referir são (re)configuradas nas
práticas discursivas significa dizer que, durante as atividades lingüísticas, os
conhecimentos sobre os referentes sofrem uma (re)configuração, pois em cada
contexto enunciativo, esses referentes poderão adquirir novas propriedades de
acordo com os propósitos dos enunciadores naquele contexto específico.
Neste cenário, ganha especial relevo a noção de referenciação entendida por
Marcuschi (2003) como uma atividade discursiva na qual se destaca, entre outros
fatores, o papel das inferenciações no processamento cognitivo dos textos, como se
verá a seguir.
1. 2. 2 – Referenciação e inferenciação
Dentre os fatores ligados ao processamento cognitivo de textos, destaca-se o
papel das inferenciações. Koch (1993) esclarece que apenas uma parte das
informações de um texto é explicitada na superfície lingüística e que a maior parte
dessas informações permanece implícita, precisando ser (re)construída
cognitivamente pelos co-enunciadores.
Nesse sentido, em Koch e Travaglia (2004) pode-se verificar o destaque dado
aos processos inferenciais na compreensão de textos:
30
Quase todos os textos que lemos ou ouvimos exigem que façamos
uma série de inferências para podermos compreendê-los
integralmente. Se assim não fosse, nossos textos teriam que ser
excessivamente longos para poderem explicar tudo o que queremos
comunicar. Na verdade é assim: todo texto assemelha-se a um
iceberg o que fica à tona, isto é, o que é explicitado no texto, é
apenas uma parte daquilo que fica submerso, ou seja, implicitado.
Compete, portanto, ao receptor ser capaz de atingir os diversos
níveis de implícitos se quiser alcançar uma compreensão mais
profunda do texto que ouve ou lê.
(Koch e Travaglia, 2004: 79).
Koch (1993: 400) pontua que “as inferências podem ser vistas como processos
cognitivos através dos quais o ouvinte ou leitor, partindo da informação textual
explicitamente veiculada e levando em conta o contexto, constrói novas
representações semânticas”. Em vista disso, pode-se afirmar que as inferenciações
não são mecanismos que acontecem “no vazio”, pois sempre alguma informação
cotextual que, aliada aos elementos do contexto sócio-cognitivo, orienta o leitor em
sua incursão pelo texto, auxiliando-o no “preenchimento” das lacunas criadas
intencionalmente, ou não, pelo produtor do texto.
Os processos inferenciais podem ocorrer por ocasião da introdução de
elementos textuais que permitem possíveis associações entre informações explícitas
e conhecimentos culturalmente partilhados, como no exemplo (produzido para este
trabalho) que se aponta:
1 - As costureiras trabalharam até o último instante na confecção das
fantasias. Com certeza o desfile será um sucesso.
31
Nesse exemplo, os processos inferenciais podem ser desencadeados pela
presença da expressão nominal o desfile. Essa anáfora suscita uma busca por
conhecimentos armazenados na memória discursiva do leitor. Nesse percurso
cognitivo, ele pode acionar um frame de carnaval, por exemplo, pois os modelos
cognitivos relativos a esse tipo de evento suscitam a construção de sentidos,
permitindo que se associe carnaval a desfiles, a fantasias, a escolas de samba, entre
outros.
Conforme observa Antunes (2009), essas associações permitem recuperar
muitos vazios em nossas interações, inclusive em casos que, aparentemente, nada
têm de associáveis. A autora argumenta que diante do enunciado amanhã as aulas
vão começaré possível inferir a informação de que o trânsito na cidade vai piorar
(ANTUNES, 2009:120). Como destaca a autora, a relação entre esses enunciados
não se por razões semânticas, mas, sim, a partir de modelos cognitivos referentes
à vida urbana que, ao serem acionados, permitem a constituição de um nexo
coerente entre o início das aulas e os engarrafamentos.
Como se percebe, as relações que se estabelecem entre os elementos textuais
e elementos conceituais dependem, em muito, dos estereótipos compartilhados entre
os co-enunciadores no momento da interação. Dessa forma, é lícito se afirmar que é
o próprio discurso que um “direcionamento” às possíveis inferenciações e
elaborações de sentidos.
Segundo parecer de Marcuschi (2003: 245), a inferenciação é uma “atividade
discursiva de inserção contextual e não um processo de encaixes lógicos” e a
produção de sentidos é dependente de contextos sociocognitivos interacionais de
enunciação.
32
Diante desse panorama proposto por Marcuschi (2003), deve-se salientar que o
empenho dos enunciadores na produção da coerência não se caracteriza por um
esforço unilateral de produção de sentidos, já que, conforme propõe o autor, qualquer
atividade linguística realizada em contextos de interação consiste em um fenômeno
discursivo.
1.2.3 – Referenciação e coerência
A coerência, segundo Koch (2007), não é uma propriedade do texto, mas, sim,
uma construção operada em contextos de interação pelos parceiros da enunciação
em uma atuação conjunta sobre o texto e envolve fatores de ordem cognitiva,
situacional, sociocultural e interacional. Sendo assim, a autora defende que a
coerência é um princípio de interpretabilidade, isto é, o estabelecimento da coerência
é dependente da capacidade dos usuários de recuperar o sentido do texto durante a
interação.
Koch e Travaglia (2004) apresentam a seguinte concepção de coerência:
A coerência está diretamente ligada à possibilidade de estabelecer
um sentido para o texto, ou seja, ela é o que faz com que o texto faça
sentido para os usuários, devendo, portanto, se entendida como um
princípio de interpretabilidade, ligada à inteligibilidade do texto numa
situação de comunicação e à capacidade que o receptor tem para
calcular o sentido deste texto. Este sentido, evidentemente, deve ser
do todo, pois a coerência é global.
(Koch e Travaglia, 2004: 21).
33
De acordo com as considerações dos autores, para que se possa dizer que um
texto é coerente é preciso que se estabeleça alguma forma de unidade ou relação
entre seus elementos, pois, segundo eles, a coerência é global. Koch e Travaglia
(2004) declaram que a coesão, embora sirva como ponto de partida para o
estabelecimento da coerência, não é fator necessário nem determinante da mesma,
pois existem textos que não apresentam elementos coesivos em sua constituição,
entretanto é possível considerá-los coerentes, como no exemplo apresentado em
Koch e Travaglia (2004: 10):
2 - O show
O cartaz
O desejo
O pai
O dinheiro
O ingresso
O dia
A preparação
A ida
O estádio
A multidão
A expectativa
A música
A vibração
A participação
O fim
A volta
O vazio
Os autores pontuam que, apesar da ausência de elementos coesivos neste
texto, pode-se perceber que uma unidade que possibilita extrair dessa seqüência
lingüística um “todo” de sentido. Esta unidade significativa global é que permite se
34
considerar o excerto acima como um texto e o como um amontoado aleatório de
palavras.
Compreende-se que para que um texto se constitua como uma unidade
significativa é preciso que sejam acionados os diversos conhecimentos armazenados
na memória do leitor. A conexão entre o explícito e os implícitos do texto é
estabelecida por meio de processos inferenciais. Observa-se que a emergência dos
sentidos no exemplo (2) depende de um modelo cognitivo base de show: a
divulgação do show, a necessidade do dinheiro para a compra do ingresso, a
expectativa, os preparativos para o dia do evento, o evento em si e outros elementos
envolvidos nesse modelo de show.
Destaca-se, desta maneira, a importância do conhecimento de mundo no
processamento textual, pois esse tipo de conhecimento, de acordo com Koch e
Travaglia (2003), é que vai permitir que o leitor construa o mundo textual, relacione os
elementos do texto (frases e/ou partes do texto aparentemente desconexas) e
estabeleça a continuidade de sentidos por meio de inferências.
Além da importância atribuída a esses conhecimentos, destaca-se a
necessidade de que eles sejam minimamente compartilhados entre os parceiros do
discurso, caso contrário, a constituição da coerência fica comprometida. Nesse
sentido, o produtor do texto opera uma seleção de elementos discursivos que,
supostamente, façam parte do universo lingüístico e conceitual de seu leitor para que
seu discurso entre em sintonia com o discurso do outro e, por outro lado, o leitor
também despende esforços no intuito de atribuir algum sentido ao discurso de seu
interlocutor.
35
Contudo, mesmo que os conhecimentos compartilhados pelos co-enunciadores
não sejam idênticos, pode-se afirmar que, de um modo geral, os membros de uma
comunidade possuem representações similares sobre conceitos, crenças, valores e
experiências socialmente vivenciadas. Assim sendo, os participantes do processo
discursivo contam com informações que acreditam que o outro possua e se
empenham, mutuamente, para que se cumpram seus projetos de dizer.
No entender de Antunes (2009), ninguém, a não ser com “segundas intenções”,
fala ou escreve de forma a não se fazer entender e, também, ninguém deixa de fazer
os cálculos necessários para tentar construir sentido para o que o outro fala ou
escreve.
De acordo com a autora, da parte do produtor do texto existe, a priori, a
predisposição de que seu discurso seja coeso e que se possa construir coerência a
partir dele, ou seja, “qualquer interlocutor em interação se dispõe a dizer, apenas,
coisas que fazem sentido, isto é, coisas interpretáveis” (ANTUNES, 2009: 80). Por
outro lado, o leitor ou o ouvinte pressupõem que a intenção do interlocutor foi a de ser
cooperativo, interpretável, por isso, também se dispõe a procurar sentido para o que
está sendo enunciado.
Nesta perspectiva, Antunes (2009: 80) propõe que “se ultrapasse o
reducionismo de um texto que parece ser apenas lingüístico, sem enunciador e sem
destinatário, um ‘produto desvinculado e solto da interação social de que é,
inevitavelmente, parte relevante” e argumenta que a dimensão lingüística de um texto
é fundamental, mas também é insuficiente para a determinação da relevância
sociocomunicativa dos textos.
36
Assume-se com Marcuschi (2006) que o texto “se torna coerente” e não que ele
“é coerente”. Neste ponto, o autor defende a relevância da referenciação como um
dos fatores responsáveis pelo estabelecimento de elos entre o lingüístico e o
conceitual, contribuindo, dessa forma, para a construção da coerência textual.
O autor destaca que a referência e a coerência são, em grande parte dos casos,
“atividades imbricadas e essencialmente co-determinadas, realizando-se tanto global
como localmente” (MARCUSCHI, 2006: 19). Conforme palavras do autor:
casos em que a referenciação de um elemento é inferível a
partir de estratégias globais sugeridas por atividades mentais como
no caso de referentes de pronomes sem antecedente explícito.
casos em que a coerência fica na dependência de relações
referenciais estabelecidas no texto. E casos em que tudo depende de
conhecimentos prévios em alto grau.
(Marcuschi, 2006: 19)
Conforme aponta Marcuschi (2006), um texto pode apresentar lacunas
preenchíveis por meio de atividades cognitivas, podem ocorrer relações locais entre
elementos textuais, podem ocorrer construções de representações globais, mas para
a realização desses fenômenos deve existir uma base referencial que permita a
construção da coerência, pois “é nisso que reside a possibilidade de identificar sobre
o que se fala, ou então, se em dado momento, se volta a falar sobre o mesmo tópico
já apresentado” (MARCUSCHI, 2006: 19).
Em suma, os processos referenciais permitem o estabelecimento de relações
estruturadoras que conferem o caráter de unidade de um texto, dotando-o de pistas
que conduzem à produção de sentidos, pois esses processos estabelecem relações
37
entre termos, entidades conceituais, enunciados e, também, entre segmentos textuais
de extensões variadas contribuindo para a coerência discursiva. Essas relações que
organizam e estruturam os textos são construídas por meio de processos de
introdução, de retomada e de remissão a entidades presentes e/ou salientes no plano
textual-discursivo por meio de determinadas estratégias.
1.3 – Estratégias de referenciação
No movimento discursivo os sujeitos introduzem, retomam e modificam os
objetos-de-discurso e, para tanto, recorrem a determinadas estratégias. De acordo
com Koch (2006), essas estratégias correspondem aos processos de introdução ou
ativação, manutenção, reativação ou retomada e desfocalização de objetos
discursivos.
Tem-se a introdução quando um objeto até então não mencionado é introduzido
no texto. Esse objeto permanece em foco, ficando saliente no discurso até que um
novo objeto seja introduzido e passe a ocupar a posição focal.
Segundo Koch (2006), quando um referente é posto em foco, ele passa a
ocupar um endereço cognitivo na memória do leitor/ouvinte. Essa nova entidade fica
sujeita a dois tipos de procedimentos que são: ser retomada por meio de uma anáfora
e permanecer na posição focal ou não ser retomada anaforicamente, preservando,
assim, o estatuto de introdução referencial.
A introdução de referentes, conforme Prince (1981), pode ocorrer por meio de
ativação ancorada ou de ativação não-ancorada. A ativação o-ancorada diz
respeito à introdução de um objeto discursivo novo, ou seja, um objeto introduzido
38
pela primeira vez no texto, que não retoma nem remete a outras entidades, e passa a
ter um endereço cognitivo na memória discursiva do interlocutor.
Por sua vez, a ativação ancorada trata da introdução de um objeto discursivo
novo, sob o modo de dado, com base em uma relação passível de ser estabelecida
por algum elemento presente no co-texto ou no contexto sócio-cognitivo dos sujeitos
enunciadores.
No caso, por meio da ativação ancorada pode dar-se, de um modo geral, a
constituição de anáforas indiretas. Esse tipo de anáfora, como se verá
detalhadamente mais adiante, não é construído por meio de retomada de um
antecedente explícito no co-texto, mas, sim, a partir de relações semânticas ou
conceituais estabelecidas com um elemento que desencadeia a sua ativação. Este
elemento, denominado “âncora” por Schwarz (2000), pode encontrar-se tanto no
universo co-textual quanto em representações conceituais sociocognitivamente
construídas pelos parceiros da comunicação.
A retomada diz respeito à estratégia de reativação de um objeto no universo
discursivo. Esse objeto é retomado por uma forma referencial, de modo que o
referente permaneça em foco na memória discursiva.
Por sua vez, a desfocalização ocorre quando um objeto é retirado de foco e um
novo objeto-de-discurso passa a ocupar a posição focal, criando-se, dessa forma, um
novo informacional. Contudo, o objeto desfocalizado permanece disponível para
ser recuperado e reintroduzido no texto quando necessário.
As estratégias de referenciação descritas são procedimentos que possibilitam
tanto a estabilização do modelo textual quanto sua reelaboração por meio de
39
acréscimos sucessivos de novas informações às formas referenciais que o compõem.
Segundo parecer de Schwarz (2007), a retomada e a remissão a elementos textuais-
discursivos permitem que novas predicações sejam incorporadas aos elementos a
que o discurso faz referência, ampliando, dessa forma, a configuração do objeto
referido.
Quanto ao significado das categorias retomar, remeter e referir, Koch (2006)
evidencia que se trata de termos distintos, embora, frequentemente sejam
considerados sinônimos.
A retomada, segundo a autora, diz respeito a uma atividade relacionada à
continuidade de um núcleo referencial, recuperando totalmente o referente
introduzido no texto, implicando, nesse caso, uma identidade referencial
(correferencialidade) ou recuperando apenas uma parte desse referente. a
remissão consiste em apontar para outro elemento do co(n)texto, estabelecendo-se
uma relação de ordem semântica, cognitiva, associativa, entre outras, não implicando
necessariamente o fenômeno correferencial. Por seu turno, referir é uma atividade de
designação referencial, por meio da qual os sujeitos constroem os objetos-de-
discurso.
Esses procedimentos discutidos se sobressaem como os grandes responsáveis
pelos movimentos de retroação e de prospecção do texto, representados
parcialmente pelas anáforas e pelas catáforas. O primeiro deles constitui o objeto
desta pesquisa.
As expressões referenciais anafóricas, conforme será exposto mais
detalhadamente no capítulo 2, podem estabelecer relações diretas com termos
40
introduzidos previamente, operando a retomada de antecedentes explícitos, ou
podem remeter a elementos que se encontram no plano conceitual, salientes no
universo discursivo, caracterizando casos de referenciação implícita.
41
CAPÍTULO 2
42
CAPÍTULO 2 – O PROCESSO ANAFÓRICO
2.1 – O processo anafórico: algumas considerações teóricas
Na concepção tradicional de anáfora, prevê-se como condição necessária para
que uma expressão seja considerada anafórica, a retomada total ou parcial de um
elemento explícito no co-texto precedente. Essa retomada pode ser feita por meio de
um elemento pronominal ou por outro termo que garanta a identidade referencial.
Nessa visão clássica, a idéia que prevalece é a necessidade do suporte de um
antecedente cotextualmente explícito para que se caracterize o movimento anafórico.
Dentro desse paradigma, encontram-se as chamadas Anáforas Diretas,
doravante tratadas por AD. Esse tipo de anáfora caracteriza-se pela explicitude da
relação que se estabelece entre os termos anaforizados e anaforizantes, instaurando-
se entre ambos uma relação de identidade referencial ou correferencialidade.
Em uma concepção mais ampla de anáfora, a construção anafórica é vista como
uma operação cognitiva que se processa por meio de relações conceituais ou
semânticas estabelecidas entre a anáfora e o elemento que desencadeia sua
introdução no plano textual-discursivo. Por se caracterizar como um processo
implícito de construção de referentes, esse fenômeno recebe o nome de Anáfora
Indireta, doravante tratada por AI. Devemos salientar que é segundo essa perspectiva
de construção de referentes que se desenvolveu este estudo.
43
2.1.1 – Anáforas diretas: casos de referência explícita
Para Halliday e Hasan (1973), o termo anáfora é utilizado para designar
expressões que retomam entidades previamente introduzidas no texto,
estabelecendo, dessa maneira, uma relação de correferencialidade com seu
antecedente. O uso da anáfora, para esses autores, equivale a um processo de
substituição no qual um pronome e seu antecedente referem o mesmo objeto.
Por sua vez, Milner (2003: 94) defende que:
Ocorre uma relação de anáfora entre duas unidades A e B quando a
interpretação de B depende crucialmente da existência de A, a ponto
de se poder dizer que a unidade B não é interpretável a não ser na
medida em que ela retoma – inteira ou parcialmente – A”. Esta
relação existe quando B é um pronome cuja referência virtual se
estabelece pela interpretação de um N” que o pronome “ repete.
Milner afirma ser necessária a existência de uma relação semântica prévia entre
os elementos A e B para o processamento da anáfora. Essa relação, segundo o
autor, é crucial para a interpretação do elemento anafórico devido à dependência
interpretativa que se estabelece entre ele e seu antecedente. Dessa forma, a anáfora
pode ser descrita como um processo que acarreta uma volta ao texto obedecendo-se
a critérios que definem os traços formais na constituição de uma anáfora, como o
morfológico e o sintático, por exemplo.
Baseado nas considerações de Milner, Marcuschi (2007: 116) afirma que a AD
decorre de algum tipo de relação entre termos oracionais e que a resolução desse
44
tipo de anáfora ocorre por meio da relação de correferência entre um antecedente e
um conseqüente. Nas palavras do autor, “Assim, dado certo elemento textual x num
ponto (que pode ser um item lexical, ou um sintagma e até uma oração), a anáfora a
noutro ponto teria aquele x como seu antecedente”.
No exemplo a seguir, o pronome “ele” retoma explicitamente o objeto ao qual faz
referência, constituindo caso de correferencialidade entre o elemento anaforizado e o
anaforizante, conforme se verifica:
3 - O ex-deputado Ulysses Guimarães eternizou a máxima
segundo a qual se sabe como começa uma CPI, mas não se sabe
como termina. Ele acreditava que as investigações parlamentares
guardassem uma saudável imprevisibilidade por fugir de qualquer tipo
de controle, fosse do governo, fosse da oposição, pelo simples fato
de serem pautadas pelos fatos”.
(Fonte: Revista VEJA –ano 41, nº 22, p. 70)
Dessa forma, sempre é possível identificar, na superfície textual, algum
elemento que corresponda a uma anáfora com antecedente explícito. No entanto,
casos em que um pronome é introduzido no texto sem que haja um antecedente
explícito para ele, como ilustrado em (4) por Marcuschi (2007: 115):
4 - “Max não comprou um ovo, mas Maria sim e ele era podre”.
Neste caso, o pronome ele não estabelece correferencialidade com o termo
“ovo” da primeira oração, que esse pronome não corresponde ao mesmo ovo. Fica
45
evidente que a forma pronominal está recuperando um elemento que não se encontra
na superfície do texto. Segundo Marcuschi (2007), uma estrutura sintática construída
dessa forma não deveria ser possível, no entanto, o interlocutor tem condições de,
por meio de inferência, processar essa anáfora. Citando as palavras do autor:
Sintaticamente apenas, isso não deveria ser possível, mas,
cognitivamente, uma estrutura inferencial elipticamente
processada que permite tal construção. Se tomarmos a elipse como
substituição pela forma zero, então a anáfora, no caso acima,
substitui um lugar vazio que por sua vez é o substituto de algo
anterior.
(Marcuschi, 2007: 115).
No texto (4) ocorre uma relação de co-significação entre as duas entidades. O
interlocutor precisa recuperar, de alguma forma, o elemento “ovo”, na primeira
oração, para, a partir daí, processar o pronome “ele” que está referindo “outro” ovo.
Em estudos recentes, o conceito de anáfora tem sido revisto e ampliado. As
pesquisas realizadas apontam para um tipo de referenciação anafórica segundo a
qual não há a retomada de antecedentes explícitos na superfície textual. O que existe
é uma relação de sentido entre as entidades que estão sendo relacionadas, não
caracterizando, dessa forma, processos de correferenciação ou de co-significação
entre os elementos. Trata-se de casos de referenciação indireta na qual a relação
entre os termos ou elementos envolvidos nas construções anafóricas se de forma
implícita.
46
2.1.2 - Anáforas indiretas: casos de referência implícita
Embora a questão das anáforas indiretas (AI) venha sendo amplamente
discutida na literatura atual, ainda muito o que se investigar a respeito da
constituição e das ocorrências desse tipo anafórico devido à complexidade do tema.
Em linhas gerais, essa categoria anafórica é constituída por anáforas
interpretadas referencialmente sem que exista um antecedente explícito no co-texto.
O que existe é uma entidade na qual essa anáfora ancora cognitivamente e que é
determinante para sua interpretação. Conforme citado anteriormente, esse elemento
recebe a denominação de âncora(Schwarz, 2000 apud Marcuschi, 2005) e pode
ser evocado a partir de itens lexicais ou de entidades presentes no contexto
sociocognitivo, isto é, entidades que fazem parte do conhecimento construído
intersubjetivamente nas práticas sociais.
É importante ressaltar que no caso da constituição da AI não se opera com base
na retomada de um antecedente, mas, sim, na ativação de novos referentes
ancorados em elementos presentes no universo textual. No entanto, segundo
Marcuschi (2005), mesmo inexistindo a retomada de um elemento explícito, persiste
um vínculo coerente entre a AI e a âncora, o que garante a manutenção temática e a
produção de sentidos. Dessa forma, o autor sustenta que a AI desencadeia
processos referenciais não extensionalistas e progressão referencial multilinear e não
direta.
Pela complexidade constitutiva desse tipo de anafórico, esse autor defende que
“a classe das AI representa um desafio teórico e obriga a abandonar a maioria das
noções estreitas de anáfora, impedindo que se continue confinando-a ao campo dos
47
pronomes e da referência em sentido estrito” (MARCUSCHI, 2005: 54) e esclarece
que as AI geralmente são constituídas por expressões nominais definidas, indefinidas
ou por pronomes interpretados referencialmente sem que exista um elemento
antecedente ou subseqüente explícito no co-texto.
As expressões nominais definidas e indefinidas compreendem formas nominais
que apresentam como configuração básica, de acordo com Koch (2004), um
determinante que pode ser um artigo definido, um artigo indefinido ou um pronome
demonstrativo; um nome-núcleo, que pode ser genérico, metafórico, meronímico e/ou
metonímico, entre outros e um modificador, que pode ser um adjetivo, uma oração
relativa e outros.
No exemplo a seguir, ocorre a configuração de duas AI constituídas por
expressões nominais definidas ativadas pela âncora “o restaurante”:
5 - “Em setembro de 2000, finalmente, ele abriu o restaurante
Jun Sakamoto, na Rua Lisboa, em Pinheiros. Tem 36 lugares doze
no balcão, e, destes, oito atendidos pessoalmente pelo dono,
mediante reserva de segunda a sábado, a partir das 19 horas e
clientela silenciosa, que experimenta sabores raros e texturas
excitantes ao som, em baixo volume de Miles Davis, Duke Ellington e
outras estrelas do jazz. No cardápio pode-se ler o que está tocando
naquela noite”.
(Fonte: Revista VEJA, ano 41, n 22, p 38).
As anáforas destacadas constituem processo de referenciação implícita, uma
vez que se caracterizam como casos de ativação de entidades que não retomam
48
referentes explícitos, mas, sim, ancoram em informações cotextuais e no
conhecimento socialmente construído sobre restaurantes que são essenciais para a
interpretação desses anafóricos.
As AI “o balcão” e “o cardápio” promovem uma recuperação indireta do
elemento referido “o restaurante” e essa recuperação é efetuada por meio de um
raciocínio cognitivo sofisticado, pois o leitor precisa fazer as associações necessárias
à produção de sentidos com base nas informações lingüísticas disponíveis
associadas a representações mentais referentes às propriedades características de
um estabelecimento como esse.
Com base em Marcuschi (2005), pode-se identificar algumas características
básicas das AI levantadas em (5): i) não-existência de um antecedente explícito para
retomada, mas a presença de um elemento no contexto semântico base decisivo para
a interpretação da AI; ii) não-existência de uma relação de correferência entre a AI e
a âncora, mas, sim, de uma estreita relação conceitual ou um elo semântico.
Ampliando as perspectivas teóricas quanto ao estatuto das AI, Cavalcante e
Koch (2007) questionam o estado de ativação das AI, afirmando que:
Essas anáforas “indiretas” introduzem um referente novo no texto,
porém, inferível no discurso, o que
nos obriga a indagar se não se
trataria também de um processo concomitante de ativação de uma
nova entidade e de reativação da âncora à qual se vincula no cotexto.
(Cavalcante e Koch, 2007: 19)
49
Em vista disso, as autoras propõem que as AI constituam ocorrências de
ativação de um novo referente e, simultaneamente, de reativação das entidades nas
quais estejam ancoradas. Para ilustrar seu posicionamento em relação ao tema em
questão, Cavalcante e Koch (2007) apresentam o seguinte exemplo:
6 - “O beijo é a parte mais importante da relação física entre duas
pessoas, e, se ele não funcionar, pode desistir do resto. Todo mundo
sonha com aquele beijo made in Hollywood, que tira o fôlego e
início a um romance incandescente. Pena que nem sempre isso
aconteça na vida real. O primeiro beijo entre o casal costuma ser
suave, investigativo, decente. E aos pouquinhos, no entanto,
acendem-se as labaredas e as bocas dizem a que vieram. Existe um
prazo para isso acontecer: entre cinco minutos depois do primeiro
roçar de lábios até, no máximo, cinco dias. Neste espaço de tempo,
ainda se compreende que os beijos sejam vacilantes: trata-se de
duas pessoas criando um vínculo e testando suas reações. Mas, se a
decência persistir, não espere ver estrelinhas na etapa seguinte. A
química não aconteceu. Beijo é maravilhoso porque você interage
com o corpo do outro sem deixar vestígios, é um mergulho no escuro,
uma viagem sem volta. Beijo é uma maneira de compartilhar
intimidade, de sentir o sabor de quem se gosta, de dizer mil coisas
em silêncio.” (Fonte: Internet- autor desconhecido)
As autoras explicam que a ocorrência das AI o restoe a etapa seguinte”, ao
serem ativadas no modelo de mundo textual, simultaneamente reativam a âncora “a
relação física entre as pessoas”, salientando os possíveis sentidos subjacentes a
essa expressão. Dessa forma, os sintagmas nominais destacados são entidades que,
embora novas no discurso, comportam em sua constituição uma gama de sentidos
inferíveis a partir das informações fornecidas por sua fonte. Portanto, devido à
50
possibilidade de se “ler” os implícitos do texto, é possível extrair dele o sentido
pressuposto.
Diante dos argumentos levantados, concorda-se com a opinião das autoras de
que a AI reativa o elemento de referência que lhe serve de âncora, pois, ao ser
introduzida no modelo do mundo textual, a AI suscita uma “busca cognitiva” pela
informação na qual ela está ancorada, reativando o conteúdo da âncora na memória
do leitor.
Sobre esse aspecto, Marcuschi (2005) também sugere que esse tipo de
anáfora, ao ancorar no universo textual, de certa maneira, reativa a expressão na
qual se encontra ancorada. Seria algo como uma ativação-reativação de referentes
em um contínuo processo de manutenção referencial, como ilustra o autor:
7 - “Ontem fomos a um restaurante. O garçom foi muito
deselegante”.
O sintagma nominal o garçom ativa um novo referente e, ao mesmo tempo,
reativa um restaurante, expressão que desencadeou a construção da AI. Essa
anáfora é ativada sem que seja necessário explicar que tipo de atividade esse
profissional exerce ou onde exerce essa atividade. Observa-se que a relação
anafórica acontece ao se estabelecer uma conexão entre as informações implícitas
veiculadas pela AI e os conhecimentos prévios que se tem sobre seu elemento
desencadeador.
51
Fica evidente que nessa relação não se tem caracterizado o fenômeno da
correferenciação, que não a retomada de termos precedentes. A introdução de
uma AI no discurso é mais uma “sugestão” de busca por um elo de sentido que
permita relacioná-la a um elemento textual ou a uma entidade conceitual, que será
identificada por meio de um “prolongamento” de sentidos entre eles.
Pelas considerações apresentadas, afirma-se que as AI têm papel de destaque
na produção textual. Conforme considera Zamponi (2003), além de ser um fenômeno
por meio do qual se consegue manter um referente saliente no discurso, a anáfora é
um poderoso recurso de progressão discursiva, uma vez que, ao remeter ou retomar
um referente, ela promove uma progressão referencial, operando, dessa forma, a
progressão textual-discursiva.
Em se tratando do funcionamento das anáforas indiretas no texto, Koch (2001:
76) considera que:
“As AI são responsáveis por dois fatores básicos de progressão
textual: a introdução de novos referentes, isto é, a inserção de
referentes na estrutura de referencialização mental, o que vai
acarretar uma ampliação do modelo textual, pela criação de um novo
nódulo informacional; e a retomada ou reativação, responsável pela
continuidade referencial, ou seja, a remissão constante aos mesmos
domínios de referência, garantindo a prossequência do quadro
referencial global.”
Conforme se pode verificar no exemplo (7), a AI “o garçom” é responsável pela
inserção de informações novas no texto ampliando o modelo do mundo textual. Ao se
conectar as informações veiculadas por essa anáfora ao conhecimento que se possui
52
sobre “restaurantes”, ocorre uma (re)organização, por meio de atividades inferenciais,
das informações armazenadas na memória do leitor durante o processo de produção
de sentidos.
Dessa forma, acredita-se que a saturação das AI depende de um raciocínio
desenvolvido por atividades inferenciais ancoradas em modelos cognitivos que
caracterizam-se como uma complexa rede de estruturação dos conhecimentos que
adquirimos a partir de experiências vivenciadas em sociedade, como se verá a seguir
com a apresentação de uma tipologia para as AI proposta por Schwarz (2000 apud
Marcuschi, 2005).
2.1.3 – Tipos de Anáforas Indiretas
Em estudos relativos a referenciação implícita, Schwarz (Schwarz, 2000 apud
Marcuschi, 2005) classifica as AI em duas grandes categorias: as fundadas em
conhecimentos semânticos e as fundadas em conhecimentos conceituais. A autora
considera que os critérios utilizados para distinguir esses tipos de anáforas são
definidos pelos elementos usados como âncoras e também pelo grau de cognição
exigido para se interpretar a relação existente entre a AI e o elemento que suporte
à sua construção.
Esclarecendo sobre os critérios utilizados para a distinção entre essas duas
classes de AI, Schwarz observa que as do primeiro grupo são ligadas a
conhecimentos semânticos armazenados no léxico, mais especificamente ligadas a
âncoras textuais precedentes e estão vinculadas a papéis semânticos. Por sua vez,
as AI do segundo grupo são mais especificamente vinculadas ao modelo de mundo
53
textual presente no contexto sócio-cognitivo dos enunciadores e exigem estratégias
cognitivas fundadas em conhecimentos conceituais baseados em modelos mentais.
Segundo a autora, o processamento das AI que constam dessa segunda categoria
pressupõe um cálculo mental mais elaborado do que o exigido na primeira categoria.
Em seus estudos sobre AI, Schwarz identifica uma subtipologia na qual toma
por base alguns procedimentos formais que configuram a constituição das AI e as
especifica. De acordo com a autora, as AI são construídas com base em: a) relações
semânticas inscritas nos sintagmas nominais definidos; b) papéis temáticos dos
verbos; c) modelos cognitivos e esquemas mentais e d) inferências ancoradas no
modelo de mundo textual.
Essa classificação foi retomada por Marcuschi (2005) e sofreu alguns
acréscimos: ao quadro geral no qual se configuram os quatro tipos de AI descritos por
Schwarz (Schwarz, 2000 apud Marcuschi, 2005), Marcuschi inclui as AI ativadas
por nominalizações e as AI esquemáticas realizadas por pronomes introdutores de
referentes. Apresentaremos a proposta classificatória de Schwarz com as
ampliações operadas por Marcuschi.
2.1.3.1 – Anáforas Indiretas baseadas em relações semânticas inscritas
nos SN definidos
Segundo a proposta de Schwarz, esse tipo de AI apresenta como traço definidor
de sua constituição o uso de expressões nominais definidas e as relações
meronímicas entre a anáfora e sua âncora. Assim, sua principal característica é que o
54
nome-núcleo é marcado como “parte de” uma entidade maior, como demonstrado no
texto:
8 Alfonso Clenin encontrou um Mercedes azul. Parecia-lhe que o
motorista estava caído sobre o volante. Constatou de imediato que o
homem estava morto. As faces estavam trespassadas por um tiro”.
(Schwarz, 2000 apud Marcuschi, 2005: 62)
No exemplo, nota-se que persiste um vínculo lexical de “inclusão” entre o
volante e a âncora “Mercedes azul” e entre as faces e a âncora “homem”. Esse tipo
de relação propicia operações de associação entre a anáfora e sua fonte.
O conceito sobre a AI em questão foi ampliado por Marcuschi. Essa ampliação
implica as possíveis relações estabelecidas entre a AI e sua fonte. Assim, o autor
mantém a idéia de ingrediência e acrescenta a de associação de um objeto à matéria
da qual ele é feito, como se verifica em (Marcuschi, 2005: 62):
9 – “Compre a panela cinza. O aço dura mais”.
A AI o aço está associada à expressão “a panela” e representa o material do
qual essa entidade é constituída. Nota-se que a relação entre aço e panela não é tão
estreita quanto aquela representada pelos elementos descritos em Mercedes
Azul/volante e homem/faces. Contudo, o estabelecimento dessa relação não é
problemático porque o sentido emerge do conhecimento comum de que uma panela
pode ser fabricada a partir de diversos materiais, dentre eles o aço.
55
Em uma visão sociocognitiva e interacional de construção de referentes, a
existência da congruência ontológica entre os elementos não é condição exclusiva
nem necessária para que ocorram as associações, pois pode-se proceder a
associações entre elementos que, embora não sejam partes intrínsecas de um “todo”,
são passíveis de compor esse “todo”. o uma delimitação rígida sobre quais
elementos podem ser associados ou não a alguma entidade, pois as possibilidades
são extremamente amplas, uma vez que os limites para essas associações serão
impostos pelo próprio contexto discursivo.
2.1.3.2 – Anáforas Indiretas baseadas em papéis temáticos dos verbos
Esse tipo de AI, conforme Schwarz (Schwarz, 2000 - apud Marcuschi, 2005), é
baseado em conhecimentos lexicais, mais precisamente nos papéis temáticos dos
verbos das sentenças precedentes.
As propriedades sintático-semânticas dos verbos, segundo Borba (1996),
permitem a seleção de determinados elementos, a maioria deles representada por
nomes, que preenchem os “espaços” autorizados pelos verbos. Esses espaços são o
que Borba denomina “argumentos”. Dessa forma, ao associar-se um verbo a um
nome, tem-se o que chamamos papéis temáticos dos verbos.
Ao se processar esse tipo de AI, afirma Marcuschi (2005), é preciso ter em
mente uma teoria dos papéis temáticos para os verbos e observar como esses papéis
são preenchidos pelos objetos que criamos discursivamente. Essa AI está ancorada
no léxico e mantém uma relação semântica com a âncora textual. Sobre esse tipo de
AI, o autor apresenta o seguinte exemplo:
56
10 - “Eu queria fechar a porta quando Moretti saltou dos arbustos. Com
o susto deixei cair as chaves”.
(Schwarz, 2000 apud Marcuschi, 2005: 61)
A ligação estabelecida entre a AI as chaves e a âncora fechar” ocorre com
base na relação semântica inscrita no verbo “fechar”. A expressão as chaves cumpre
o papel temático de instrumento e preenche o argumento que ficou implícito com o
uso do verbo fechar.
2.1.3.3 Anáforas Indiretas baseadas em esquemas cognitivos e modelos
mentais
A ativação dessa AI advém do conhecimento relacionado a representações
conceituais armazenadas na memória de longo prazo como conhecimentos de mundo
organizados. Embora o elemento que suporte a essa construção não seja
pontualmente identificável, ele é recuperado por meio da ativação de esquemas
mentais durante o processamento da AI. Esse tipo de anáfora não está
necessariamente ligado a itens lexicais específicos, mas é possível sua ativação a
partir do léxico. O texto a seguir apresenta esse tipo de anáfora, conforme se pode
observar:
11 - “Em 1936, Adélia Fusata tinha 5 anos de idade, mas nunca
esqueceu a cena: de dentro do navio, ela via centenas de pessoas no
porto acenando para os parentes que partiam. O mar estava cheio de
57
fitas coloridas: os passageiros seguravam uma das extremidades
das tiras nas mãos e lançavam a outra na direção da terra para que
os parentes agarrassem”.
(Fonte: Revista VEJA. Ano 40, nº 49, p. 84).
As relações estabelecidas cognitivamente entre os elementos do texto são
fundamentais para a interpretação dessa anáfora: a expressão definida os
passageiros foi introduzida a partir do item lexical “o navio”. Schwarz (Schwarz, 2000
apud Marcuschi, 2005) explica que esse tipo de AI é uma espécie de ampliação do
conhecimento semântico. Isso significa que a relação semântica subjacente a esse
tipo de construção anafórica é estabelecida a partir do léxico, formando-se, assim, o
tecido textual.
A introdução da AI os passageiros não causa estranheza, pois a informação
trazida por ela é típica e legitimada pelo co(n)texto que vai se formando quando da
introdução de elementos que compõem o mesmo campo semântico, pois é previsível
que em um navio haja passageiros, que o navio esteja atracado em um porto e que
haja mar.
No texto (12), a ativação da AI os postos de combustíveis está mais ligada ao
conhecimento de mundo do que a formas lexicalizadas:
12 - Às 9h de ontem, um sentido da pista passou a ser liberado a
cada meia hora. Assim, caminhões passaram a fazer a lenta travessia
entre os Kms 404 e 412, onde havia 700 metros cobertos por uma
lâmina d’água de 50 centímetros. Ao deixarem os postos de
combustíveis onde estavam abrigados, os veículos carregados com
58
máquinas agrícolas, automóveis, alimentos e bebidas ocuparam a
rodovia federal em filas que ultrapassavam 10 quilômetros nos dois
sentidos. O trânsito ficou lento durante todo o dia”.
(Diário Catarinense – 07/01/09)
No texto inexistem elementos específicos que ancorem a AI os postos de
combustíveis. A construção dessa anáfora tem como suporte modelos cognitivos
como o de “estradas de alta rodagem” ou o de “viagem” nos quais se enquadram
elementos como pistas, caminhões, rodovias, filas, trânsito e postos de combustíveis.
Como se nota, o processamento da AI os passageiros (texto11) e da AI os
postos de combustíveis (texto12) se baseia em algum tipo de associação ancorada
em relações conceituais ou esquemas cognitivos armazenados na memória dos
sujeitos.
2.1.3.4 Anáforas Indiretas baseadas em inferências ancoradas no modelo
do mundo textual
Para Schwarz (Schwarz, 2000 apud Marcuscgi, 2005), nem todas as AI são
ativadas como partes de modelos cognitivos, pois há um tipo de AI que ancora em
informações explicitadas no modelo do mundo textual e, complementando a posição
da autora, Marcuschi (2005: 64) considera que essas anáforas são fundadas em
conhecimentos retrabalhados por estratégias inferenciais maximizadas pelo conjunto
de conhecimentos textuais mobilizados. O que se pode depreender é que as pistas
co-textuais precedentes são as responsáveis pela orientação interpretativa dessa AI,
como se pode constatar no exemplo (13):
59
13 “Se o Santos fizesse na primeira etapa o que realizou na
segunda, poderia, ao menos, ter sonhado com o empate. O Palmeiras
dominou os primeiros 45 minutos e poderia ter ido para o vestiário
com um placar de quatro gols de diferença. Com toques rápidos e
muita velocidade de trio Cleiton Xavier, Willians e Keirrison, o time
palestrino chegou fácil ao ataque. As duas primeiras investidas só não
resultaram em gol porque Willians e Cleiton Xavier, na cara de Fábio
Costa, chutaram para fora.
A defesa santista colaborou para o sucesso alviverde. Os
visitantes não se encontravam em campo e davam espaços para os
palmeirenses. Nem na bola parada a marcação funcionava”.
(O Estado de S. Paulo – 09/02/09)
O uso da expressão definida o sucesso alviverde faz supor que o leitor possui
conhecimento sobre as cores que representam o time palmeirense (verde e branco).
Além disso, a informação veiculada por essa AI é inferida a partir do co(n)texto que
expressa ações envolvendo uma partida de futebol e faz parte do conhecimento
comum que em um enfrentamento entre dois times, estão em jogo três situações tais
como: o empate, a derrota ou a vitória. Nesse caso, a ativação da AI o sucesso
alviverde no co(n)texto aponta para a terceira situação a favor do Palmeiras .
Percebe-se que para o processamento dessa anáfora estão em jogo
conhecimento de mundo e informações expressas na superfície do texto tais como
“Santos”, “Palmeiras”, “gol”, “os primeiros 45 minutos”, entre outras, que servem de
alavanca à ampliação das informações no modelo do mundo textual.
60
2.1.3.5 Anáforas Indiretas baseadas em elementos textuais ativados por
nominalização
Esse tipo de anáfora foi acrescentada por Marcuschi à tipologia das AI
defendida por Schwarz. Embora esse processo de construção anafórica receba
diversas denominações na literatura lingüística, “nomeação” (Apothéloz e Chanet,
2003); “rotulação” (Francis, 2003); “encapsulamento anafórico” (Conte, 2003), neste
estudo será utilizado o termo nominalização, conforme Marcuschi (2005) e Koch
(2006).
A nominalização, para Apothéloz e Chanet (1997), ocorre quando, por meio de
um sintagma nominal, se transforma em objeto-de-discurso uma proposição expressa
no texto que não possuía estatuto referencial. Nesse sentido, a nominalização
consiste em uma operação discursiva por meio da qual é possível se erigir um
processo ou um estado de coisas em referente.
Nesse processo, as informações distribuídas pelo co-texto precedente, ou
subseqüente são sumarizadas sob a forma de um sintagma nominal. Quando a
nominalização encapsula parte do co-texto precedente tem-se uma expressão
nominal anafórica; quando a porção textual encapsulada encontra-se no co-texto
subseqüente, tem-se expressões nominais catafóricas.
O “encapsulamento anafórico”, conforme denominado por Conte (2003: 178), “é
um recurso coesivo pelo qual um sintagma nominal funciona como uma paráfrase
resumidora de uma porção precedente do texto”. As porções textuais encapsuladas
podem apresentar extensão e complexidade variadas, podendo ser uma sentença ou
um parágrafo inteiro. A autora argumenta que o encapsulamento anafórico opera
61
tanto com informações novas quanto com informações dadas, ou seja, ao sumarizar
um enunciado, essas expressões nominais introduzem um novo objeto no discurso,
que poderá constituir o tema de novas predicações do texto e operam,
simultaneamente, com informação dada à medida que resumem uma porção textual.
Conforme posicionamento da autora (2003), os nomes-núcleos resultantes de
processos de nominalização são entidades que nomeiam referentes abstratos como
fatos, eventos, situações, processos, entre outros. Dessa forma, por não terem
antecedentes pontualmente delimitáveis, essas expressões precisam ser sócio-
cognitivamente (re)construídas.
Ainda segundo Conte (2003), esses referentes podem ser expressos por nomes
genéricos ou nomes axiológicos. Este último, segundo postula a autora, favorece a
interpretação do ponto de vista do enunciador, ou seja, ao encapsular uma porção
textual utilizando-se de um nome axiológico, o autor do texto deixa explícita uma
avaliação particular dos fatos, como se verifica no exemplo apresentado pela autora:
14- “Irado com a multidão que protestava contra ele, a apenas sete
semanas da eleição geral, o presidente romeno Ion Iliescu saltou
furioso de sua limusine e agrediu um jornalista da oposição.
O incrível episódio, que provocou fortes reações, ocorreu no último
sábado”.
(Conte, 1996: 6)
Conforme esclarece Conte (2003), quando o cleo do sintagma nominal é um
axiológico, esse pode exercer grande influência no leitor funcionando como um “guia”
na elaboração de sentido devido ao seu alto poder argumentativo.
62
De forma mais abrangente, Koch (2006) argumenta que mesmo nos casos em
que a nominalização não apresenta um axiológico como nome-núcleo, ainda assim
essa expressão nominal será dotada de carga avaliativa, uma vez que toda seleção
de objetos-de-discurso é realizada de acordo com uma proposta de sentido. Para a
autora, as anáforas resultantes de nominalização
“são, em sua maior parte, introduzidas por demonstrativo e
desempenham duas funções: rotulam uma parte do co-texto que as
precede e estabelecem um novo referente que, por sua vez, poderá
constituir um tema específico para os enunciados subseqüentes. Esta
é a razão porque, frequentemente, aparecem em início de
parágrafos”.
(Koch (2006: 94)
As nominalizações, além de encapsularem e introduzirem novos referentes no
discurso, ainda têm por função organizar o texto, ou seja, elas marcam a finalização
de determinado quadro configurado no texto, sinalizando a passagem para um novo
estágio do processo discursivo e servindo de tema para o desenvolvimento de novos
enunciados, como se verifica no exemplo (15) com o uso da nominalização o incrível
episódio.
Segundo Francis (2003), denomina-se “rotulação” o processo por meio do qual é
possível encapsular e nomear proposições expressas no cotexto. Para o autor, os
rótulos não referem um item específico, mas, sim, uma extensão textual variável,
constituindo-se como um procedimento que permite ao enunciador expressar seu
ponto de vista em relação à porção textual encapsulada.
63
De acordo com o parecer desse autor, na maioria das vezes, os rótulos
encerram uma força argumentativa que orienta o interlocutor a determinada
conclusão. Segundo Francis (2003: 195), “o rótulo indica ao leitor exatamente como
esta extensão do discurso deve ser interpretada”.
Sobre essa questão, Koch (2006) defende que todos os rótulos apresentam um
maior ou menor grau de subjetividade, uma vez que, ao criar um novo objeto-de-
discurso, o produtor do texto procede a uma avaliação dos segmentos textuais
sumarizados e escolhe a expressão rotuladora que considera mais adequada para a
efetivação de seu projeto comunicativo.
Nesse sentido, Koch (2006: 87) argumenta que “embora a opção por um rótulo
possa parecer neutra, não deixa de ser significativa”, pois os rótulos apresentam
diferentes forças argumentativas e a escolha por um nome ou por outro depende dos
efeitos que o produtor deseja causar em seu interlocutor.
No enunciado a seguir tem-se uma AI constituída por meio de nominalização na
qual a expressão nominal mantém uma relação direta com um verbo com o qual
estabelece ligação etimológica, conforme exemplificado:
15 - Até hoje, seus olhos se enchem de lágrimas quando ela se
lembra da última despedida. A mãe estava doente nessa ocasião.
Antes de morrer, gravou uma fita cassete, que mandou para Tóquio.
Na gravação dizia ter saudade do tempo em que todos da família
viviam juntos e Mitsue, pequena, vinha dormir junto com ela à noite.
(Fonte: Revista VEJA. Ano 40, Nº 49, p. 84).
64
Observa-se que a ativação da AI a gravação ocorreu tendo como base o verbo
gravou. Conforme estudos de Apothéloz e Chanet (2003: 158), nesses casos, o
nome-núcleo, ou substantivo predicador na concepção dos autores, “é um derivado
morfológico” do verbo que aparece na proposição anteriormente descrita.
2.1.3.6 – Anáforas Indiretas esquemáticas
Esse tipo de anáfora, conforme postula Marcuschi (2001: 201), “constitui um
caso particular de funcionamento discursivo essencialmente ligado à enunciação”. A
anáfora esquemática, como não possui antecedente explícito no co-texto, tem sua
ativação baseada em algum elemento lexical, ou até mesmo em vários elementos
simultaneamente. Segundo destaca o autor a introdução dessa anáfora pode,
inclusive, estar ancorada em uma situação “desenhada discursivamente”
(MARCUSCHI, 2001: 205).
Outras características desse tipo de referente são delineadas por Marcuschi
(2001): essa anáfora o é correferencial, não é linearmente continuativa, não
apresenta congruência morfológica com algum elemento co-textual, é inferencial,
refere uma pluralidade indeterminada e introduz elementos novos como dados, como
se pode observar no exemplo apresentado pelo autor:
16 “Estamos pescando há mais de duas horas e nada, porque eles
simplesmente não mordem a isca”.
(Marcuschi, 2005: 67)
65
A forma pronominal eles apresenta em sua constituição as mesmas
características das demais AI: não possui um antecedente explícito e se constitui em
uma AI porque é ativada com base em informações apresentadas previamente no
discurso. Tendo-se em vista que os pronomes de 3ª pessoa não são referencialmente
autônomos (Marcuschi 2001), a base para sua interpretação advém de pistas
lexicalizadas. Dessa forma, destaca-se o papel das atividades inferenciais apoiadas
no co(n)texto discursivo para se determinar a que elemento(s) essa anáfora remete.
Como se pode constatar a partir dos diferentes tipos de AI apresentados, a
ativação de referentes no modelo textual pode ocorrer por meio de estratégias
diversas e, por vezes, essa construção exige um trabalho cognitivo bastante
elaborado.
A complexidade subjacente à produção e à interpretação das AI torna evidente o
fato de que seu uso e significação não ocorrem fora do discurso, isto é, são
dependentes dos contextos nos quais são enunciadas. Por esse motivo, destaca-se a
importância de os sujeitos em interação estarem inseridos, mesmo que parcialmente,
no mesmo contexto sociocognitivo para que, operando com o texto, possam produzir
sentidos.
Esse fator demonstra que a anaforização indireta extrapola os aspectos
puramente lingüísticos do texto por ser um fenômeno discursivo cuja compreensão
demanda a mobilização de conhecimentos diversos e essenciais ao estabelecimento
da coerência, além do fato de sua produção e recepção serem constantemente
reguladas por fatores pragmáticos nos múltiplos contextos de interação.
66
Pela relevância do papel que as anáforas indiretas desempenham nas
produções textuais, ressalta-se a importância de uma abordagem ampla no ensino
desse tipo de processo referencial, destacando-se o cuidado que se deve ter em
relação às escolhas dos elementos que comporão o texto e os efeitos de sentido que
essas escolhas podem suscitar.
No próximo capítulo, empreenderemos um estudo sobre os diferentes tipos de
anáforas indiretas construídas por alunos em textos escritos e sua importância para a
construção dos sentidos.
67
CAPÍTULO 3
68
CAPÍTULO 3 - ANÁFORAS INDIRETAS EM TEXTOS DE ALUNOS: UMA
ANÁLISE
Concebendo-se a referenciação como uma atividade discursiva, portanto uma
atividade de construção de objetos discursivos, analisamos em produções escritas de
alunos a presença de anáforas indiretas e sua função na construção do sentido do
texto.
3.1 – A constituição do corpus
Os textos que compõem o corpus desta pesquisa foram produzidos por alunos
de quatro turmas de nono ano da Escola Estadual Thomázia Montoro, unidade
educacional pertencente à rede pública estadual de Ensino situada na região
sudoeste da cidade de São Paulo, no ano de 2007.
Essas produções são o resultado de um processo de ensino e de aprendizagem
em que foram realizadas, em sala de aula, atividades de leitura, pesquisas e
atividades orais, como troca de informações sobre histórias de assombração, terror e
mistério.
Primeiramente, procedeu-se à leitura do conto “O Retrato Oval”, de Edgar Allan
Poe, em sala de aula. Após a leitura, tiveram início atividades orais relativas à
interpretação do conto, troca de impressões sobre determinadas passagens do texto
e levantamento de hipóteses sobre os acontecimentos que se passam na história.
69
A etapa seguinte iniciou-se com a leitura do conto “O Gato Preto”, também de
Edgar Allan Poe. Após a leitura do conto, seguiram-se os mesmos procedimentos
adotados com o texto anterior.
Na terceira fase do processo, os alunos empreenderam uma investigação
minuciosa sobre livros, filmes e contos que abordassem o mesmo tema tratado nos
textos que haviam sido lidos em sala de aula, inclusive, investigando junto aos seus
familiares estórias de assombrações contadas por seus antepassados.
Após a etapa descrita, deu-se início à socialização do material coletado nas
pesquisas e, durante três aulas, os alunos tiveram oportunidade de compartilhar
casos de assombração, histórias de suspense ou filmes de terror a que tivessem
assistido.
Essas atividades foram complementadas por uma sessão de cinema realizada
na escola com a apresentação do filme Constantine, do diretor Francis Lawrence.
Esse filme trata dos mistérios que envolvem o livre arbítrio do homem ao lidar com o
bem e o mal que traz dentro de si e quais podem ser as conseqüências de suas
escolhas.
Ao final desse processo, foi solicitado que os alunos produzissem,
individualmente, um mini-conto cujo tema envolvesse terror, mistério, morte ou
loucura.
Assim, com vistas a alcançarmos os objetivos pretendidos com este trabalho,
selecionamos, aleatoriamente, dez textos de um total de noventa e seis produções
escritas coletadas durante o segundo semestre letivo do ano de 2007. Os dez textos
selecionados para a análise foram ordenados por série: primeiramente os textos da 8ª
70
série A, depois os da 8ª série B, em seguida os da série C e, por fim, os textos da
8ª série D.
A partir desse agrupamento, os textos foram classificados seguindo-se a ordem
alfabética para os nomes dos alunos. Portanto, essas produções serão identificadas,
no decorrer do trabalho, pela seguinte ordem:
TEXTO 1 – MISTÉRIO
Autora: Ana Carolina Lamote
Série: 8ª A
TEXTO 2 – ATÉ FANTASMA TEM MEDO
Autor: Emerson Aparecido Ferreira
Série: 8ª A
TEXTO 3 – REVIRAVOLTA
Autora: Gabriela de Almeida Moraes
Série: 8ª A
TEXTO 4 – TERRA DOS EPITÁFIOS
Autora: Taís Ribeiro Muniz Bouvier
Série: 8ª A
TEXTO 5 – PERDIDOS NA FLORESTA
Autora: Dirléia Paixão
Série: 8ª B
TEXTO 6 – A CIDADE
Autora: Ana Luíza Buch
Série: 8ª C
TEXTO 7 – A SALA
Autora: Ana Paula S. B. da Silva
Série: 8ª C
71
TEXTO 8 – A HERANÇA
Autora: Shirlei Fonseca dos Anjos
Série: 8ª C
TEXTO 9 – A MENINA E A CASA DOS SONHOS
Autora: Gabriela Alves de Sousa
Série: 8ª D
TEXTO 10 – AS SOMBRAS
Autor: Rafael Maia Fiorani
Série: 8ª D
3.2 – Procedimentos de análise
Para a análise pretendida, os textos selecionados serão apresentados na íntegra
para que se possa demonstrar com mais clareza as ocorrências de anáforas indiretas
e das possíveis âncoras. Estas últimas correspondem aos elementos e segmentos
textuais que servem como suporte interpretativo para as anáforas indiretas.
Durante a análise, serão destacadas porções textuais de extensões variadas em
função das ocorrências desse tipo de anáfora e da presença dos elementos que
ancoram sua construção. As anáforas indiretas estarão grafadas na cor vermelha e
os termos que lhes servem de âncora estarão grafados em negrito.
Não serão levantadas e analisadas todas as ocorrências de anáforas indiretas
nos textos selecionados, uma vez que não temos como propósito para esta pesquisa
esgotar todos os casos de referenciação implícita constitutivos desses textos.
Dessa forma, procuramos levantar algumas ocorrências de referenciação
anafórica indireta em cada texto e analisá-las do ponto de sua constituição e de sua
72
contribuição para o estabelecimento da coerência. Para a realização dessa análise,
buscamos respaldo nos aportes teóricos que compõem os capítulos um e dois desta
dissertação.
3.3 – Análise
3.3.1 - TEXTO 1
MISTÉRIO
Era um dia comum, como todos os dias, ou pelo menos era o que eu achava.
Eu acordei, fui para a escola, encontrei minha amiga Taís. Tivemos as três
primeiras aulas até que chegou o recreio. Nessa hora o corredor costuma ficar vazio e eu
e minha amiga somos sempre as últimas a sair da sala.
5 Quando saímos, começamos a andar pelo corredor e ouvimos passos. Nós ficamos
curiosas para saber quem era e os passos continuaram. Até que eles pararam.
que não tinha ninguém, nós voltamos a andar, mas quando olhamos para baixo,
encontramos um papel onde estava escrito “Rua Bartolomeu da Silva, 486”.
- Eu sei onde é – disse a Taís – É perto da minha casa.
10- Legal! E quem mora lá? – eu perguntei.
- Não sei – ela respondeu.
Então nós resolvemos ir até para descobrir que mistério era esse. Nós fomos
depois da escola e encontramos uma casa enorme e velha. O portão era negro e o jardim
em frente à casa era grande e mal cuidado. Quando chegamos perto do portão, ele se
15abriu. Começamos a andar pelo jardim, estava muito escuro e eu não sabia por onde
estava andando.
Quando estávamos quase chegando perto da porta, a Taís escorregou e caiu. Só ouvi
o grito dela e eu também gritava: Taís! Taís!
- Não se preocupe. – disse uma voz.
20 Eu olhei em direção à casa e vi uma velha na porta.
- O buraco vai dar na casa dela. a velha falou e falou também que esse buraco
aparecia onde ela quisesse e levava as pessoas para onde ela quisesse. Então ela me
convidou para entrar na casa e tomar um chá, pois estava muito frio.
Resolvi entrar e perguntei à ela quanto tempo ela morava naquela casa e ela
25respondeu que vivia ali fazia uns duzentos anos.
Eu pulei da cadeira e perguntei quase sem voz:
- Vo... vo...vo...você está morta?!
73
Ela respondeu que sim. Então eu abri a porta e saí correndo pelo jardim escuro, mas
eu havia me esquecido do buraco e acabei caindo nele.
30 Eu fui parar direto no meu quarto e, então, por um instante, achei que estava tendo
um pesadelo e fui para a cama.
No dia seguinte, levantei sonolenta e fui ao banheiro. Quando olhei para o espelho,
vi algo escrito em vermelho:
“RUA BARTOLOMEU DA SILVA, 486” – VENHA TOMAR UM CHÁ.
Ana Carolina L. Lamotte – 8ª A (2007)
No trecho compreendido nas linhas 1 a 4, identificamos as anáforas indiretas
grafadas em vermelho:
Era um dia comum, como todos os dias, ou pelo menos era o que eu achava.
Eu acordei, fui para a escola, encontrei minha amiga Taís. Tivemos as três
primeiras aulas até que chegou o recreio. Nessa hora o corredor costuma ficar vazio e
eu e minha amiga somos sempre as últimas a sair da sala.
Essas anáforas foram introduzidas no texto com base na expressão em negrito
que lhes serve de âncora: a escola.
As AI as três primeiras aulas e o recreio são entidades novas no discurso cuja
interpretação se a partir de relações conceituais estabelecidas por meio de um
vínculo lexical que mantêm com a âncora escola.
Nota-se que, embora o elemento que suporte a essa construção anafórica
não seja pontualmente identificável, ele é recuperado no contexto enunciativo por
meio da ativação de representações conceituais compartilhadas pelos sujeitos sobre
eventos que fazem parte da rotina de uma instituição educacional tais como esportes,
estudos, aulas, recreio, entre outros.
74
Nesse sentido, deve-se atentar para a relevância dos aspectos cognitivos
requeridos nas atividades de construção e de interpretação desse tipo anafórico,
observando-se que as associações realizadas dependem, sobretudo, do acionamento
de modelos cognitivos necessários ao estabelecimento de ligações entre as anáforas
e a âncora para que se possa produzir coerência.
Para Schwarz (2007), esse tipo de anáfora figura como uma espécie de
ampliação do conhecimento semântico. Nota-se que as AI levantadas são
introduzidas como entidades conhecidas, e na verdade o são, que o conhecimento
de mundo permite associá-las à uma instituição escolar, pois as informações trazidas
por elas são legitimadas pelo co(n)texto sociocognitivo dos enunciadores.
A introdução de elementos que fazem parte do mesmo campo semântico é um
procedimento que possibilita a formação de uma rede por meio da qual é possível se
estabelecer relações pragmático-discursivas entre termos ou segmentos textuais
contribuindo para a produção de coerência.
No trecho compreendido nas linhas 30 e 31, identificamos a anáfora indireta
grafada em vermelho:
Eu fui parar direto no meu quarto e, então, por um instante, achei que estava tendo
um pesadelo e fui para a cama.
Essa anáfora foi ativada no texto com base no termo em negrito que lhe serve
de âncora: quarto.
75
A AI a cama estabelece uma relação lógica de sentido com a âncora quarto,
pois, como é do conhecimento geral, determinados objetos são concebidos como
particularmente associados à determinadas entidades. Nesse caso, o quarto é
definido como um lugar que se convencionou abrigar penteadeiras, cômodas,
armários, camas, entre outros. Portanto, o autor do texto, pressupondo que o leitor
seja capaz de inferir que o objeto-de-discurso em questão está vinculado a um lugar
que lhe é próprio, introduziu essa entidade, nova no texto, mas dada no modo de
conhecida.
Diante dessa questão, confirma-se a importância da realização de processos
inferenciais baseados em “representações conceituais ou relações cognitivas
encapsuladas em modelos mentais” (Marcuschi, 2005: 63) nas atividades de
interpretação, pois, embora a expressão nominal a cama apresente-se como uma
entidade estreitamente relacionada à âncora quarto, seu processamento depende,
entre outros fatores, das possíveis associações realizadas com base em
conhecimentos estereotipados sobre objetos que possam pertencer a um
determinado ambiente.
Dessa forma, a ativação da anáfora a cama, entidade que faz parte do mesmo
campo semântico do item “quarto”, possibilita o estabelecimento de relações
pragmático-discursivas entre termos e/ou segmentos textuais contribuindo para a
progressão do texto e para a produção de coerência.
No trecho compreendido nas linhas 17 a 23, identificamos a anáfora indireta
grafada em vermelho:
76
Quando estávamos quase chegando perto da porta, a Taís escorregou e caiu.
ouvi o grito dela e eu também gritava: Taís! Taís!
- Não se preocupe. – disse uma voz.
20 Eu olhei em direção à casa e vi uma velha na porta.
- O buraco vai dar na casa dela. a velha falou e falou também que esse buraco
aparecia onde ela quisesse e levava as pessoas para onde ela quisesse. Então ela me
convidou para entrar na casa e tomar um chá, pois estava muito frio.
Essa anáfora foi introduzida no texto com base na expressão em negrito que lhe
serve de âncora: a Taís escorregou e caiu.
Nessa ocorrência, é possível que tenha sido desencadeado um processo
associativo no qual os conhecimentos supostamente vinculados ao verbo “cair”,
sejam a fonte para a saturação dessa anáfora, embora, em momento algum o autor
explicite que a garota tenha caído “no buraco”, a produção de sentidos não fica
comprometida.
A interpretação dessa anáfora demanda um esforço cognitivo extra, pois as
hipóteses levantadas sobre a queda precisam ser (re)trabalhadas por meio de
inferências com base em experiências comumente vivenciadas pelos sujeitos sociais.
De fato, o autor do texto prevê esse tipo de procedimento, uma vez que cabe ao
leitor preencher “as lacunas” do texto por meio de atividades inferenciais para que o
mesmo se torne coerente. Nesse sentido, o conhecimento de mundo construído a
partir de eventos vivenciados pelos sujeitos sociais permite a associação entre buraco
e quedas, orientando a produção do sentido desejado pelo autor do texto.
77
3.3.2 - TEXTO 2
ATÉ FANTASMA TEM MEDO
Em uma noite comum como todas as outras, estava voltando para casa depois de
trabalhar o dia inteiro e, por pura infelicidade, o meu carro acabou a gasolina. Mas
como desgraça pouca é bobagem, tinha esquecido o galão de gasolina que eu sempre
deixo no porta-malas.
5 Então fui andando até chegar em frente a um castelo que, por incrível que pareça, eu
nunca tinha reparado. Resolvi entrar, já que o portão estava aberto.
Bati na porta três vezes e, de repente, como que por magia, a porta abriu sozinha e
apareceu um homem que por sinal era bem feio e esquisito. Ele olhou para mim e disse:
- Pois não, senhor. Gostaria de quê, meu caro amigo?
10Então eu expliquei para ele que tinha acabado a gasolina do meu carro e
perguntei se ele tinha gasolina. Ele disse que não.
Então eu perguntei se tinha como eu dar um telefonema para chamar um táxi e ele
disse que a linha tinha sido cortada por não ser paga.
Eu pensei: “Como um castelo desse não tem dinheiro para pagar uma conta de
15telefone?” Mas como eu estava num mato sem cachorro, perguntei se tinha como eu
dormir naquela noite e ele, com uma certa desconfiança, me disse que sim, mas
falou, também, para eu não ter medo de nada e eu respondi para ele:
-Eu sou brasileiro, meu filho! Já vi de tudo nessa vida!
Ele me olhou, deu uma risada meio fantasmagórica e saiu.
20De repente saiu um fantasma da parede. Ele tinha umas roupas estranhas, creio
que um tapa-olho e uma perna-de-pau.
Ele chegou cantando: “Hum, hum, hum, vou depenar esse ramelão e tomar uma
taça de rum!” Quando chegou perto de mim perguntou se eu não tinha medo dele e eu
respondi:
25-Eu sou brasileiro, meu amigo!
-Vou te tomar e você não vai correr, gritar ou coisa parecida!
Eu respondi:
- te falei que sou brasileiro, meu amigo! Além do mais, moro no Rio de Janeiro,
meu colega! Você é ficha! Estou acostumado a ver criança sendo arrastada por carro, a
30ver traficante matando polícia e até a ver os 40 ladrões ou parlamentares me
roubando e você acha que eu vou ter medo de você?
Antes de eu terminar de falar, o bicho saiu rasgando de tal maneira que quando eu
percebi já estava acordando. Foi que me dei conta que estava dormindo e pensei:
“Até assombração tem medo do Brasil”!
Emerson Aparecido C. Ferreira – 8ª A (2007)
78
No trecho compreendido nas linhas 1 a 4, identificamos as anáforas indiretas
grafadas em vermelho:
Em uma noite comum como todas as outras, estava voltando para casa depois de
trabalhar o dia inteiro e, por pura infelicidade, o meu carro acabou a gasolina. Mas
como desgraça pouca é bobagem, tinha esquecido o galão de gasolina que eu sempre
deixo no porta-malas.
Essa anáfora foi introduzida no texto com base no termo em negrito que lhe
serve de âncora: carro.
Observa-se que a AI o porta-malas, embora seja uma entidade nova no plano
textual, é dada como conhecida, pois sua construção está ancorada em uma entidade
introduzida previamente, com a qual mantém um vínculo de inclusão, e que dá
suporte à construção e à interpretação desse anafórico. A menção da expressão que
serve de desencadeador dessa anáfora, carro, evoca os conhecimentos que se tem
sobre essa âncora e sobre propriedades compartilhadas pelo senso comum
referentes a elementos que possam ser concebidos como peculiares a carros, tais
como rodas, retrovisores, bancos, porta-malas, entre outros. Portanto, o traço
semântico comum a essa anáfora e a âncora permite que o leitor estabeleça relações
lógicas de sentido, destacando-se a relação meronímica existente entre ambas e que
constitui a motivação para o desencadeamento de tal associação.
Nessa construção anafórica identificou-se um processo associativo que
pressupõe o acionamento simultâneo de conhecimentos lexicais e conhecimento de
mundo, pois além das informações obtidas por meio do léxico, destaca-se a
relevância do acesso a modelos mentais cujas propriedades de um carro sejam
recuperadas e o leitor possa atribuir coerência ao texto.
79
No trecho compreendido nas linhas 28 a 31, identificamos a anáfora indireta
grafada em vermelho:
- te falei que sou brasileiro, meu amigo! Além do mais, moro no Rio de Janeiro,
meu colega! Você é ficha! Estou acostumado a ver criança sendo arrastada por carro, a
30ver traficante matando polícia e até a ver os 40 ladrões ou parlamentares me
roubando e você acha que eu vou ter medo de você?
Essa anáfora foi introduzida no texto com base na expressão em negrito que lhe
serve de âncora: sou brasileiro.
A AI os 40 ladrões ou parlamentares está menos ligada ao léxico e mais a
conceitos. Portanto sua interpretação aponta para a exigência da mobilização de
estratégias cognitivas baseadas em conhecimento de mundo, mais especificamente
vinculadas a conhecimentos sócio-culturalmente compartilhados.
Essa anáfora exige que se mobilize uma complexidade de estratégias cognitivas
responsáveis pela recuperação de informações disponíveis na memória discursiva do
leitor sobre os bastidores da política brasileira e a corrupção que assola o nosso país.
A escolha pelo nome-núcleo “ladrões” reitera o posicionamento do autor em
relação ao tema em andamento e, segundo Koch (2005: 35), uma das funções das
formas nominais “é a de imprimir, aos enunciados em que se inserem, bem como ao
texto como um todo, orientações argumentativas conformes à proposta enunciativa
de seu produtor”.
Portanto, por meio de processos inferenciais, associa-se a AI os 40 ladrões ou
parlamentares ao Brasil e resgata-se, em uma recuperação indireta, as informações
implícitas contidas na expressão sou brasileiro, informações, estas, que garantem o
suporte à argumentação do autor .
80
3.3.3 - TEXTO 3
REVIRAVOLTA
Numa noite fria e chuvosa, eu estava em um bairro que não conhecia direito, pois
havia acabado de me mudar. Não sabia em que rua estava. Como fazia muito frio e
chovia muito, achei melhor me abrigar naquela casa que parecia estar abandonada.
A casa era antiga, as portas sem alguns pedaços que foram corroídos pelos cupins,
5as janelas quebradas e as paredes pichadas davam um ar sombrio à casa.
Mesmo com esse cenário, resolvi entrar. Logo me deparei com a sala cheia de
móveis antigos e empoeirados, quadros e retratos de decoração e um lindo lustre que
dava um ar luxuoso para a época.
Com todos esses detalhes, resolvi vasculhar a casa. No primeiro quarto se
10encontrava um berço e vários carrinhos e ursinhos decoravam o quarto que,
provavelmente, pertencia a uma criança. O segundo era uma biblioteca bem empoeirada e
cheia de teias de aranha.
Andando pelo corredor tive a impressão de estar sendo seguida, mas continuei.
Quando me aproximei do terceiro quarto, uma mão veio sobre meu pescoço
15querendo me estrangular. Comecei a gritar e pedir socorro, mas ninguém me ouvia,
pois só estávamos eu e ele naquela casa.
Ele então abriu a porta do quarto e me amordaçou imediatamente. Começou a me
dizer um monte de coisas estranhas, sem sentido, parecia louco. Disse que todas as
pessoas que tentaram entrar naquela casa, ao vê-lo, saíram correndo e a única forma de
20alguém chegar perto dele seria assim, prendendo à força. Me pediu desculpas, mas
precisava de ajuda.
Tudo começou quando em uma viagem ao litoral, Amadeu e sua família se
encontravam no carro quando um caminhão desgovernado os atingiu provocando a morte
de todos, menos de Amadeu. Ele sofreu muito e acabou entrando em uma profunda
25depressão.
O fato de as pessoas fugirem dele é que muitas vezes ele tratava as pessoas com
ignorância ou estupidez. Me comovi com o caso dele e pedi para ele confiar em mim. Eu
era formada em psicologia e iria ajudá-lo.
O tempo passou e o dia ia embora, tentei ir para casa, mas ele não me deixava
30sair.
Passaram-se quatro meses e, presa dentro, consegui conquistar a confiança dele.
Aos poucos ia se recuperando até que uma decisão poderia mudar tudo: a mudança dele
para outra casa, sem tantas recordações seria melhor. Acabou aceitando minha proposta e
foi arrumar as malas.
35 Durante esses meses me liguei muito a ele e já nem queria mais ir embora. Como era
sozinha, sem família, fui com ele para a Espanha.
Passaram-se vários anos. Ele se recuperou e virou o amor da minha vida e eu da
vida dele.
Gabriela de Almeida Moraes – 8ª A (2007)
81
No trecho compreendido nas linhas 31 a 34, identificamos a anáfora indireta
grafada em vermelho:
Passaram-se quatro meses e, presa lá dentro, consegui conquistar a confiança dele.
Aos poucos ia se recuperando até que uma decisão poderia mudar tudo: a mudança dele
para outra casa, sem tantas recordações seria melhor. Acabou aceitando minha proposta
e foi arrumar as malas.
Essa anáfora foi introduzida no texto com base no trecho em negrito que lhe
serve de âncora: a mudança dele para outra casa.
A AI as malas é uma entidade nova no discurso, porém dada como conhecida
por causa do vínculo semântico estabelecido entre ela e a âncora. Isso significa que
sua construção é autorizada por uma base textual de apoio. As informações implícitas
subjacentes a essa base textual aliam-se a conceitos apreendidos ao longo de uma
existência sobre as diversas situações que motivam alguém a fazer as malas.
Portanto, a AI as malas desencadeia modelos cognitivos arquivados na memória
discursiva do leitor sob a forma de um frame de mudança, abrindo possibilidades para
o estabelecimento de relações de sentido entre malas e mudança, malas e viagem,
malas e hotel, entre outras.
Como se observa, embora a âncora dessa AI não seja um elemento
pontualmente identificável, ela é recuperável por meio da ativação de modelos
mentais. Percebe-se que a âncora a mudança dele para outra casa ativa
determinadas representações compartilhadas pelos sujeitos sobre eventos, hábitos, e
ocasiões em que uma pessoa faz uso de uma mala.
Dessa forma, a introdução dessa anáfora, entidade que faz parte do mesmo
campo semântico do item “mudança”, possibilita o estabelecimento de relações
82
pragmático-discursivas entre termos ou segmentos textuais contribuindo para a
progressão do texto e para a produção de coerência.
No trecho compreendido nas linhas 4 a 8, identificamos a anáfora indireta
grafada em vermelho:
A casa era antiga, as portas sem alguns pedaços que foram corroídos pelos
cupins, 5as janelas quebradas e as paredes pichadas davam um ar sombrio à casa.
Mesmo com esse cenário, resolvi entrar. Logo me deparei com a sala cheia de
móveis antigos e empoeirados, quadros e retratos de decoração e um lindo lustre que
dava um ar luxuoso para a época.
Essa anáfora foi introduzida no texto com base no trecho em negrito que lhe
serve de âncora: A casa era antiga, as portas sem alguns pedaços que foram
corroídos pelos cupins, as janelas quebradas e as paredes pichadas davam um
ar sombrio à casa.
Como se pode notar, essa expressão anafórica encapsulou, sob a forma de uma
expressão nominal, uma parte do co-texto precedente e transformou-a em referente,
atribuindo-lhe um estatuto que não possuía antes.
Os nomes-núcleos resultantes de nominalizações são entidades que nomeiam
referentes abstratos, como se pode constatar na ocorrência do anafórico esse
cenário. Essa anáfora, por não possuir antecedentes pontualmente delimitáveis,
que se refere a uma série de informações difusas no co-texto, e por expressar um
sentido não-específico, precisa ser cognitivamente (re)construída pelo leitor.
Nota-se que essa anáfora, além de encapsular a porção textual destacada em
negrito e introduzir um novo referente no discurso, ainda tem por função organizar o
83
texto, ou seja, ela marca a finalização de uma etapa de descrição de determinado
quadro configurado no cotexto, sinalizando a passagem para um novo estágio do
processo discursivo.
3.3.4 - TEXTO 4
TERRA DOS EPITÁFIOS
Talvez minha vida não tivesse sentido se aquela casa não existisse. Morei nela
durante alguns anos, tinha um grande quintal com um ipê roxo, um de laranja, um
abacateiro e muitas outras plantas. Era bastante velha, espaçosa e tinha uma varanda na
frente, mas o melhor de tudo era o porão. Naquele porão que eu insistia em dizer que era
5minha “casinha” foi que minha vida passou a ter mais sentido.
Foi numa pica tarde de primavera, com o sol batendo na janela do quarto, o vento
mexendo as folhas das árvores e o cheiro do bolo no forno que eu resolvi arrumar os
utensílios da minha casinha. Eu estava no porão colocando as coisas nos seus devidos
lugares quando tive a atenção tomada por uma pequena grade naquela parede fria e
10úmida.
Cheguei mais perto a fim de tentar observar o que havia do outro lado daquela tela
de ferro, mas estava muito escuro e eu não vi absolutamente nada. Parecia que era outro
porão, mas onde seria a entrada?
Minha curiosidade fluiu pelos meus poros. Fui até a lavanderia e peguei a lanterna
15de meu pai. Fiquei horas tentando ver mais alguma coisa, mas a luz era muito fraca e
não alcançava tudo. Foi quando ouvi minha mãe gritando para que eu fosse jantar. Deixei
o que estava fazendo e fui apreciar o delicioso assado que minha mãe preparara.
Depois de jantarmos, escovei os dentes, assisti um pouco de televisão e fui dormir.
tinha me esquecido de tudo sobre o porão, mas uma semana depois, em uma
20madrugada tempestuosa, minhas aventuras recomeçariam.
Estava com insônia e decidi ir até a cozinha tomar um copo de água. Foi quando
percebi uma movimentação, uns barulhos estranhos. A princípio achei que fosse o
vizinho, mas depois percebi que vinha de baixo do piso da cozinha. A madeira parecia
que tremia com o estardalhaço lá embaixo.
25Fiquei espantada, mas muito curiosa. Esqueci a água e desci até minha casinha.
Quando me aproximei os barulhos cessaram. Fui bem devagar e encostei o ouvido na
parede e, não sei como, no lugar que eu encostei abriu uma espécie de passagem. Quando
eu percebi, estava do outro lado do porão. Assustada, levantei-me e peguei a lanterna,
que por sinal não estava muito longe e iluminei a nova descoberta.
30Era tudo muito estranho, havia cinzas no chão. Caminhei por aquele lugar
tentando achar algo, até que tropecei em uma pedra. Quando olhei para baixo, um som
horripilante de trovão ecoou pela madrugada: tinha tropeçado em uma lápide!
84
Fiquei sem ação por alguns segundos, mas depois me abaixei e comecei a limpar a
poeira da pedra a fim de ler suas escrituras. Quando toquei na lápide, senti como se
35estivesse em profundo estado de transe, então eu relaxei e tentei pensar que aquilo não
passava de imaginação, mas eu estava errada.
Abri os olhos e vi que me encontrava em um campo de aroma tão doce, de vento
tão puro, com flores, árvores e junto à linha do horizonte, gigantescas montanhas de
cume branco. Estava tudo tão calmo e iluminado...
40Comecei a caminhar pela relva com os cabelos levemente agitados pela brisa.
Daquele mar de margaridas brotavam borboletas douradas como o sol. Um sol jovem, de
outro mundo.
Deitei-me na relva e fiquei observando a paisagem até que começou a escurecer.
Então eu notei, maravilhada, pequenas fadinhas dançando ao meu redor. As pequeninas
45luzes zanzavam pra lá e pra cá ao som doce de uma canção que vinha com o vento.
Fiquei encantada e comecei a me sentir novamente em transe e, de repente, eu
estava de novo na minha casinha. Fui para o quarto, mas não consegui dormir.
Quando amanheceu, desci até o porão para verificar se a fenda na parede ainda
estava lá, mas estranhamente não havia nem sinal da janelinha de ferro, a parede estava
50lisinha.
Nessa hora minha mãe me chamou para ir ao mercado com ela e eu subi correndo.
No caminho do mercado, eu comecei a reparar em volta e então percebi que o mundo está
horrivelmente cinza, não se ouve mais o vento, não se mais o brilho das estrelas ou a
face prateada dos rios, a lua, e as matas. Tudo estava muito diferente daquele mundo que
55eu conheci do outro lado do porão e que batizei de “Terra dos Epitáfios”.
Talvez isso que eu vivi seja uma prova de que depois da morte, a vida pode renascer,
se nós quisermos.
Taís Ribeiro Muniz Bouvier – 8ª A (2007)
No trecho compreendido nas linhas 21 a 24, identificamos a anáfora indireta
grafada em vermelho:
Estava com insônia e decidi ir até a cozinha tomar um copo de água. Foi quando
percebi uma movimentação, uns barulhos estranhos. A princípio achei que fosse o
vizinho, mas depois percebi que vinha de baixo do piso da cozinha. A madeira parecia
que tremia com o estardalhaço lá embaixo.
Essa anáfora foi introduzida no texto com base na expressão em negrito que lhe
serve de âncora: o piso da cozinha.
85
A construção anafórica a madeira é ativada a partir de uma relação de matéria,
ou seja, a associação feita na busca pelo sentido da anáfora em questão está
baseada na relação estabelecida entre a âncora o piso da cozinha e a madeira, que
é o material de que ele é feito.
Nota-se que a associação entre madeira e piso não é tão óbvia quanto aquela
representada por meio de associações como parte-todo, entretanto, a interpretação
da anáfora a madeira não é problemática porque não uma delimitação rígida para
as associações. Dessa forma, pode-se afirmar que o próprio universo discursivo é o
responsável pela imposição desses limites.
Embora não haja congruência ontológica entre piso e madeira, o autor apostou
na emergência dos sentidos a partir de atividades inferenciais baseadas no
conhecimento comum de que existem diversos tipos de materiais com os quais se
pode fazer um piso, tais como cimento, ladrilho, mármore, madeira e outros.
No trecho compreendido nas linhas 30 a 57, identificamos a anáfora indireta
grafada em vermelho:
30 Era tudo muito estranho, havia cinzas no chão. Caminhei por aquele lugar
tentando achar algo, até que tropecei em uma pedra. Quando olhei para baixo, um
som horripilante de trovão ecoou pela madrugada: tinha tropeçado em uma lápide!
Fiquei sem ação por alguns segundos, mas depois me abaixei e comecei a limpar a
poeira da pedra a fim de ler suas escrituras. Quando toquei na lápide, senti como se
35estivesse em profundo estado de transe, então eu relaxei e tentei pensar que aquilo
não passava de imaginação, mas eu estava errada.
(...)
Talvez isso que eu vivi seja uma prova de que depois da morte, a vida pode renascer, se
nós quisermos.
86
Essa anáfora foi introduzida no texto com base no trecho em negrito, destacado
acima, que lhe serve de âncora.
Observa-se que a AI a morte não retoma itens lexicais nem tem sua construção
motivada por uma âncora específica, mas, sim, é inferida a partir de pistas textuais
inespecíficas distribuídas pelo cotexto precedente. Conforme explica Marcuschi
(2005:64), essa AI é “fundada em conhecimentos (re)trabalhados por estratégias
inferenciais maximizadas pelo conjunto de conhecimentos textuais mobilizados.
Assim, as pistas textuais são a alavanca que desencadeia a (re)construção dos
conhecimentos do leitor em seu percurso cognitivo na busca pelo estabelecimento da
coerência.
À medida que o texto progride, forma-se um contexto que deixa entrever
estágios de opressão e angústia, no entanto, para se chegar a esse sentido é preciso
bem mais do conhecimentos lingüísticos: faz-se necessária a mobilização de um
vasto universo cognitivo para que se possa recuperar os implícitos do texto
ampliando-se, dessa forma, o mundo textual por meio de inferências.
A simples menção do termo “mortecria expectativas específicas a respeito do
tópico em andamento: a morte está associada a coisas negativas, a maus presságios.
O trecho destacado como âncora fornece informações tais como o chão coberto de
cinzas, o fato de o lugar estar deserto e a existência de uma lápide coberta pelo pó
sinalizam que o planeta Terra está morto, ou está morrendo por causa do descaso
dos seres humanos em relação à Natureza.
Verifica-se que a escolha pela expressão a morte fundamenta-se na
necessidade de o autor especificar sua avaliação sobre o quadro configurado no
87
cotexto. Dessa forma, a escolha do nome-núcleo dessa expressão referencial é
responsável pela orientação argumentativa dos segmentos destacados.
No trecho compreendido nas linhas 37 a 57, identificamos a anáfora indireta
grafada em vermelho:
Abri os olhos e vi que me encontrava em um campo de aroma tão doce, de
vento tão puro, com flores, árvores e junto à linha do horizonte, gigantescas
montanhas de cume branco. Estava tudo tão calmo e iluminado...
40Comecei a caminhar pela relva com os cabelos levemente agitados pela
brisa. Daquele mar de margaridas brotavam borboletas douradas como o sol. Um
sol jovem, de outro mundo.
Deitei-me na relva e fiquei observando a paisagem até que começou a escurecer.
Então eu notei, maravilhada, pequenas fadinhas dançando ao meu redor. As
45pequeninas luzes zanzavam pra lá e pra ao som doce de uma canção que vinha
com o vento.
Fiquei encantada e comecei a me sentir novamente em transe e, de repente, eu
estava de novo na minha casinha. Fui para o quarto, mas não consegui dormir.
(...)
Talvez isso que eu vivi seja uma prova de que depois da morte, a vida pode renascer, se
nós quisermos.
Essa anáfora foi introduzida no texto com base no trecho em negrito, destacado
acima, que lhe serve de âncora.
Como na ocorrência anafórica apresentada anteriormente, nota-se que a AI a
vida não retoma itens lexicais nem tem sua construção desencadeada por um único
elemento. Essa anáfora é inferida a partir de diversas pistas lingüísticas inespecíficas
distribuídas pelo cotexto precedente e essas pistas fornecem as informações
necessárias à construção dos sentidos.
88
A entidade “vida” cria expectativas específicas a respeito do tópico em
andamento: a vida está associada a coisas positivas. O trecho destacado como
âncora fornece informações tais como campos de aroma doce, vento puro, as árvores
cuja cor simboliza a esperança, flores, seres fantásticos, um sol jovem, entre outros.
Os elementos descritos no cotexto configuram um quadro no qual se apresenta um
mundo novo, talvez esteja se referindo aos primórdios do planeta Terra. Nota-se que
a autora se refere a um sol jovem, emoldurando um cenário que ainda o sofreu a
intervenções dos homens.
Tal contexto precisa ser (re)construído inferencialmente pelo leitor e, para tanto,
existe a necessidade de se (re)trabalhar conceitos e conhecimentos vários no sentido
de se desvendar as informações implícitas no texto, ampliando-se o modelo do
mundo textual.
Pode-se supor que a escolha da expressão a vida encontra-se fundamentada na
necessidade de se destacar a avaliação que se faz do quadro configurado pelo
co(n)texto. Dessa forma, a escolha do nome-núcleo dessa expressão referencial é
responsável pela orientação argumentativa dos segmentos destacados.
As anáforas a morte e a vida, de certa forma, obrigam o leitor a realizar
movimentos prospectivos e retrospectivos na leitura buscando “costurar” as
informações da superfície textual. Essas anáforas estão mais ligadas a processos
inferenciais e apenas farão sentido no momento em que o leitor conseguir
estabelecer relações entre os elementos que, supostamente, possam representar a
morte e os que possam representar a vida.
89
3.3.5 - TEXTO 5
PERDIDOS NA FLORESTA
Eu e meu irmão estávamos fazendo trilha pela floresta e de repente eu percebi que
já estava noite.
Não tínhamos para onde ir. Andamos bastante até que avistamos uma casa muito
antiga em cima de um morro. Subimos até lá para vermos se tinha alguém, mas estava
5tudo quieto, tudo apagado.
Nós entramos e procuramos o interruptor, mas percebemos que não tinha luz e
ficamos perdidos no meio do escuro. Foi quando meu irmão se lembrou que tinha uma
caixa de fósforos no bolso, então ele acendeu um palito.
Acontece que a chama era muito fraca e não dava para ver quase nada. Depois ele
10acendeu outro palito e nós conseguimos ver algumas velas em cima de uma mesa,
pegamos as velas e começamos a andar pela casa. Estava toda mobiliada, mas os móveis
estavam todos cobertos.
Notamos que havia alguns retratos pendurados na parede da sala, eram de um rapaz
e os retratos pareciam bem antigos.
15 Pensamos em ir para o andar de cima para ver se encontrávamos um sofá, uma
poltrona, qualquer coisa que desse para sentar e descansar.
Nessa hora, enrosquei o no pano que cobria um dos móveis que estava perto das
escadas. Na hora que o pano caiu eu e meu irmão demos um grito de pavor: aquilo não
era um móvel, era o rapaz das fotos.
20 A posição que ele estava era assustadora, pois mesmo depois de morto ele continuava
em pé, do mesmo jeito que estava no quadro. Os braços estavam esticados e duros e os
olhos pareciam atormentados. Era muito assustador.
Depois daquela cena horripilante, nós saímos dali e fomos de novo para a floresta,
pois era melhor ficar perdido no meio do mato do que ver aquilo que nós vimos.
Dirléia Paixão – 8ª B (2007)
No trecho compreendido nas linhas 6 a 9, identificamos a anáfora indireta
grafada em vermelho:
Nós entramos e procuramos o interruptor, mas percebemos que não tinha luz e
ficamos perdidos no meio do escuro. Foi quando meu irmão se lembrou que tinha uma
caixa de fósforos no bolso, então ele acendeu um palito.
Acontece que a chama era muito fraca e não dava para ver quase nada.
90
Essa anáfora foi introduzida no texto com base no trecho em negrito que lhe
serve de âncora: meu irmão se lembrou que tinha uma caixa de fósforos no
bolso, então ele acendeu um palito.
A construção da anáfora a chama encontra motivação nas informações
apresentadas no cotexto precedente, embora a superfície lingüística explicite apenas
uma parte das informações, cabendo ao co-enunciador recuperar as informações
implícitas. É sabido que o plano textual constitui a base na qual o leitor se apóia para
acionar representações mentais arquivadas em sua memória discursiva.
Dessa forma, recuperam-se os conhecimentos prévios relativos a palito de
fósforo, tais como seu formato, sua utilidade e todas as propriedades atribuídas a
esse objeto. Segundo o conhecimento geral, o fósforo é um palito de madeira cuja
cabeça, é composta por materiais que, ao entrarem em atrito com superfícies
ásperas, se inflama produzindo uma pequena chama.
Os elementos distribuídos pela superfície do texto fornecem algumas pistas que
criam uma expectativa quanto à introdução desse anafórico: os personagens
verificaram que no ambiente não havia luz, em algum momento um deles se lembrou
que tinha uma caixa de sforos no bolso e acendeu um dos palitos que,
consequentemente produziria uma chama. Diante desse contexto, a ativação dessa
entidade acontece como algo natural e previsível.
Essa AI constitui um novo nó informacional, uma vez que, a partir de sua
introdução novas entidades são ativadas no texto contribuindo para o
desenvolvimento do mesmo.
91
No trecho compreendido nas linhas 13 a 22, identificamos as anáforas indiretas
grafadas em vermelho:
Notamos que havia alguns retratos pendurados na parede da sala, eram de um rapaz
e os retratos pareciam bem antigos.
15Pensamos em ir para o andar de cima para ver se encontrávamos um sofá, uma
poltrona, qualquer coisa que desse para sentar e descansar.
Nessa hora, enrosquei o no pano que cobria um dos móveis que estava perto das
escadas. Na hora que o pano caiu eu e meu irmão demos um grito de pavor: aquilo não
era um móvel, era o rapaz das fotos.
20A posição que ele estava era assustadora, pois mesmo depois de morto ele
continuava em pé, do mesmo jeito que estava no quadro. Os braços estavam esticados e
duros e os olhos pareciam atormentados. Era muito assustador.
Essas anáforas foram introduzidas no texto com base na expressão em negrito
que lhe serve de âncora: o rapaz das fotos.
As AI os braços e os olhos são entidades novas no texto, mas dadas como
conhecidas, pois apresentam como traço definidor de sua constituição as relações
meronímicas com a expressão o rapaz das fotos, isto é, esses anafóricos são
marcados como “partes” de uma entidade maior com a qual encontram-se
intrinsecamente relacionados.
Embora a relação anafórica não se de forma linear, como é o caso das
relações referenciais tradicionalmente concebidas, presume-se que não
obstáculos que impeçam ou dificultem o processamento dessas anáforas, uma vez
que existe um saber construído sobre as partes que constituem um corpo humano,
tais como braços e olhos, que são entidades essencialmente marcadas como partes
integrantes de um corpo.
92
A presença da âncora textual o rapaz das fotos, por si , cria determinadas
expectativas em relação à introdução de elementos pertencentes ao mesmo campo
semântico, de forma que as informações contidas na âncora não sejam arquivadas na
memória do leitor.
No trecho compreendido nas linhas 20 e 24, identificamos a AI grafada em
vermelho:
20 A posição que ele estava era assustadora, pois mesmo depois de morto ele
continuava em , do mesmo jeito que estava no quadro. Os braços estavam
esticados e duros e os olhos pareciam atormentados. Era muito assustador.
Depois daquela cena horripilante, nós saímos dali e fomos de novo para a floresta,
pois era melhor ficar perdido no meio do mato do que ver aquilo que nós vimos.
Essa anáfora foi introduzida no texto com base no termo em negrito, destacado
acima, que lhe serve de âncora.
A AI “aquela cena horripilante”, encapsula e nomeia a porção textual que a
precede, atribuindo-lhe um estatuto referencial que não possuía antes. Além disso,
essa anáfora organiza o texto de modo a facilitar a interpretação do mesmo.
Essa expressão nominal é constituída por determinante, nome-núcleo e um
modificador. O nome-núcleo genérico “cena” oferece instruções suficientes para que
o leitor possa estabelecer relações entre a AI e a âncora, contudo, o modificador
sinaliza que não se trata de uma cena qualquer, mas, sim, de uma cena cuja visão
desencadeou sensações terríveis. O modificador “horripilante”, embora não seja
essencial para a identificação desse referente, apresenta-se como uma ferramenta
93
indispensável à orientação argumentativa que se pretende dar ao enunciado,
funcionando como um guia para a produção de sentido.
3.3.6 - TEXTO 6
A CIDADE
Na noite anterior eu tinha decidido que precisava descansar e resolvi fazer uma
viagem sozinha.
Quando amanheceu, peguei meu carro e saí pela estrada sem destino. Decidi que eu
iria onde a sorte me levasse.
5 Eu estava tão empolgada que nem via as placas e parei para colocar gasolina.
Aproveitei para perguntar ao frentista que cidade era aquela, mas ele não me olhou nem
me respondeu.
Terminei de abastecer e comprei uns salgadinhos, uns refrigerantes e fui conhecer a
cidade. Tive uma grande surpresa quando vi que tudo estava fechado, ninguém nas ruas,
10as janelas fechadas, totalmente deserto.
De repente meu carro parou de funcionar e eu, sem saber o que fazer, peguei meus
documentos e fui andando à pé pela rua para procurar alguém para me ajudar.
Foi quando comecei a ouvir algumas vozes que iam se aproximando de mim e
fiquei muito nervosa. Aquela situação estava ficando sinistra. Virei para trás com
15tudo e vi um grupo de jovens bem perto de mim.
Eles puxaram conversa e eu falei que meu carro tinha quebrado e contei para eles
sobre a minha viagem, então eles me convidaram para acampar com eles. Como eles
pareciam confiáveis, aceitei o convite.
estava quase anoitecendo e eu me lembrei que minhas coisas ainda estavam no
20carro. Fomos até lá e peguei tudo que ia precisar para dormir no mato.
Na única barraca que tinha estávamos eu, Jach, Billy, Will e Mandy. Para eles a
noite foi ótima, mas para mim foi um horror, cheio de moscas, um cheiro horrível de
carne podre, e estava muito frio. Demorei muito para dormir.
Quando acordei fiquei desorientada porque tinha eu lá. Nem barraca, nem
25pessoas, até a floresta não era a mesma: estava num descampado, foi então que percebi
que estava em um cemitério!
Eu entrei em desespero, não conseguia nem andar, fiquei paralisada. Quando
consegui dar um passo, vi que tinha chutado alguma coisa. Era uma lápide e nela estava
escrito: “Aqui estão descansando os melhores amigos: Jach, Billy, Will e Mandy”.
30Depois de ler aquilo, vi tudo ficar escuro e acordei hoje, dia 16 de outubro de
2004, aqui em casa. Não sei quem me trouxe, sei que meu carro está na garagem,
94
limpo, funcionando e com as malas dentro, do jeito que eu deixei três anos, quando
decidi sair sem rumo por aí.
Sei que estou vivo. Ou será que não estou?...
Ana Luíza Buch – 8ª C (2007)
No trecho compreendido nas linhas 1 a 4, identificamos a anáfora indireta
grafada em vermelho:
Na noite anterior eu tinha decidido que precisava descansar e resolvi fazer uma
viagem sozinha.
Quando amanheceu, peguei meu carro e saí pela estrada sem destino. Decidi que eu
iria onde a sorte me levasse.
Essa anáfora foi introduzida no texto com base na expressão em negrito que lhe
serve de âncora: uma viagem.
Observa-se que a construção e a interpretação da AI levantada nesse exemplo
passa por um elaborado processo cognitivo baseado em modelos armazenados na
memória. Dessa forma, os processos inferenciais baseados em esquemas cognitivos
e modelos mentais é que permitem o processamento das informações veiculadas por
esse tipo de anáfora, pois é preciso acionar conhecimentos de mundo para fazer as
devidas associações entre as entidades que funcionam como âncoras e os referentes
ativados com base nessas entidades.
Nesse exemplo analisado, o co(n)texto fornece as pistas necessárias à
recuperação de um modelo de viagem: o parágrafo anterior à ocorrência da AI
levantada apresenta a informação de que será feita uma viagem. Essa informação,
por si só, cria expectativas tais como: qual será o destino dessa viagem e quais
serão os meios empreendidos para tal propósito.
95
Na tentativa de ser cooperativo, o autor introduz novas informações no cotexto
explicitando que a viagem será feita de carro. Diante desse contexto, a ativação da AI
a estrada acontece como algo absolutamente normal e previsível, que viagens de
carro autorizam a existência de estradas.
Essa AI constitui um novo informacional a partir do qual serão introduzidas
novas entidades propiciando o desenvolvimento textual ao servir, posteriormente,
como âncora para a introdução de novos referentes.
No trecho compreendido nas linhas 5 a 7, identificamos a anáfora indireta
grafada em vermelho:
5 Eu estava tão empolgada que nem via as placas e só parei para colocar gasolina.
Aproveitei para perguntar ao frentista que cidade era aquela, mas ele não me olhou nem
me respondeu.
Essa anáfora foi introduzida no texto com base no trecho em negrito que lhe
serve de âncora: parei para colocar gasolina.
A AI o frentista tem como suporte a informação precedente de que a
personagem parou para abastecer o carro, expressa pela âncora parei para
abastecer o carro. Conforme explicam Koch e Elias (2009), as âncoras funcionam
como gatilhos para a interpretação das anáforas indiretas.
Neste caso tem-se uma AI de natureza cognitiva: o elemento frentista entra no
nosso enquadre sócio-cognitivo de posto de gasolina. Na interpretação dessa anáfora
o leitor percorre dois caminhos: primeiro ele recupera a informação implícita de que
96
os automóveis são abastecidos apenas em locais destinados a esse fim, que são os
postos de combustíveis para veículos automotores.
A inferência a respeito do frentista se mediante um modelo cognitivo
estabilizado que permite processar o conhecimento de que nesse tipo de
estabelecimento existem pessoas que desempenham funções específicas auxiliando
os clientes dos postos. Portanto, a informação de que frentistas são pessoas que
trabalham em postos de gasolina não precisa ser explicitada, pois é pressuposta
como um saber arquivado na memória dos enunciadores e do qual o leitor pode
dispor quando for necessário.
Dessa forma, a ativação dessa AI se de forma contextualizada e sua
presença não causa estranhamento. Ela contribui para a construção do sentido, pois
é um elemento que acrescenta determinadas informações às que o leitor possui,
ampliando o modelo textual.
Vê-se que nesse jogo de produção de sentidos entram em cena tanto aspectos
lingüísticos (informações textuais) quanto conceituais (acionamento de esquemas
mentais), isto é, as informações dispostas na superfície linguística corroboram para
uma (re)organização de conhecimentos ativados pela AI o frentista.
No trecho compreendido nas linhas 8 a 10, identificamos as anáforas indiretas
grafadas em vermelho:
Terminei de abastecer e comprei uns salgadinhos, uns refrigerantes e fui conhecer a
cidade. Tive uma grande surpresa quando vi que tudo estava fechado, ninguém nas ruas,
10as janelas fechadas, totalmente deserto.
97
Essas anáforas foram introduzidas no texto com base na expressão em negrito
que lhes serve de âncora: a cidade.
As anáforas destacadas nesse segmento não retomam elementos pontuais,
mas, sim, ancoram em elementos textuais que servem de base para sua constituição.
O que se observa nesses casos é que elas são introduzidas por determinantes
definidos. Esse recurso permite que se interprete essas entidades como conhecidas,
embora sejam novas no plano textual-discursivo. De fato, essas expressões são
conhecidas, pois estão associadas a informações advindas da âncora textual a
cidade.
Note-se que a entidade as janelas não ancora diretamente no elemento cidade,
mas, sim, na âncora implícita casas. Essa âncora está representando uma entidade
não-expressa linguisticamente, mas recuperável por meio de um saber compartilhado
ficando, conforme Cavalcante (2002), potencialmente saliente no universo discursivo
por ocasião da ativação da anáfora as janelas.
Os saberes socialmente difundidos subjacentes a âncora a cidade permitem a
(re)construção de uma representação mental sobre elementos que fazem parte do
cenário de uma cidade. Nesse caso, ao introduzir essas expressões anafóricas, o
autor do texto julgou que as associações entre cidade, ruas e janelas não seriam
problemáticas, que, parte-se do conhecimento comum de que uma cidade tem
ruas, que essas ruas têm casas e que as casas possuem janelas.
Embora a relação léxico-semântica existente entre essas entidades seja, em
boa medida, determinante na constituição desse tipo de anáfora, não se pode deixar
de evidenciar o papel das atividades inferenciais no processamento das mesmas,
98
observando-se que existe uma atividade cognitiva bastante intensa antes que se dê o
estabelecimento dos sentidos do texto.
Schwarz (2007) aponta que esse tipo de anáfora é uma espécie de ampliação
do conhecimento semântico. Nesse sentido, tem-se que essas construções estão
vinculadas ao xico, formando, assim, cadeias referenciais que promovem a
expansão dos conhecimentos semânticos e a progressão do texto.
3.3.7 - TEXTO 7
A SALA
Mais uma manhã começava. O sol que atravessava a janela do meu quarto, no
colégio interno, me fez despertar de meu sono.
Foi quando me lembrei que era final de semana e eu iria retornar à minha casa.
Ao chegar em casa todos estavam à minha espera. Todos estavam reunidos em
5volta da mesa de jantar onde aconteciam os jantares em família e o motivo daquela
reunião é que iríamos nos mudar daquela casa velha.
Nossos pertences haviam sido empacotados cada qual em seu devido lugar e
estavam naquelas caixas enfileiradas pela sala e pelos corredores.
Odiei a decisão, pois foi tomada sem ao menos saberem da minha opinião,
10mesmo que não importasse, eu também era membro daquela família, mesmo que
passasse a maior parte do tempo no colégio.
Ao sair para a varanda, olhei pela última vez aquela casa de tijolos laranja, que por
causa das plantas que estavam por cima tornaram-se pretos. Ali deixaria uma parte de
mim.
15 Foi quando minha mãe pediu que eu pegasse a última mala e uma estátua velha.
Ao tocar na estátua comecei a ouvir vozes. A vontade de saber o que era aquilo e
descobrir o que soltava aquelas risadas e gritos era maior que o medo que tinha por saber
de histórias que minha mãe contava em frente da lareira.
Não resisti e segui as vozes e risadas e fui parar em uma sala que ficava no último
20andar da casa. Ali, a luz que transpassava a janela surgia nas coisas velhas que foram
deixadas.
Nessa hora eu reparei em um pote estranho que nunca tinha visto. Dentro dele
estavam mergulhadas centenas de chaves em um quido vermelho. Peguei o pote e me
deparei com uma porta pequena, o verniz todo descascado.
99
25 Tentei abrir, mas nada adiantou, ela estava trancada. Queria saber onde estava a
chave. Ainda com o pote na mão me senti uma idiota: ali tinha centenas de chaves!
Comecei a testar as chaves até que consegui abrir a porta.
Ao entrar, algo fez a porta se fechar e exalar um odor que me fez adormecer. Em
meu sonho vi peças cobertas e no chão, uma espécie de símbolo desenhado com giz. De
30repente uma música começou a tocar e duas crianças apareceram dançando em volta
daqueles símbolos como se fosse um ritual.
Acordei com o jardineiro apertando meu braço e me criticando por tamanha
curiosidade. Saí correndo dali, com medo daquele homem e nem olhei para trás, mas não
comentei nada com minha família. Eles não acreditariam em mim, até eu tentava pensar
35que tudo não passava de um delírio meu.
Dois meses depois desse episódio, em meu novo quarto, uma rajada de vento abriu
as janelas e eu me levantei para fechá-las.
Quando olhei para fora, pensei ter visto o jardineiro da nossa antiga casa e pulei
para trás assustada, pois a notícia que me havia sido passada era que ele tinha morrido no
40dia da nossa mudança. Quando eu me joguei para trás, me desequilibrei e bati a cabeça
na ponta da penteadeira.
Desmaiei na mesma hora e comecei a delirar. Nesses delírios eu vi o jardineiro vivo
e muitas crianças tentando fugir dele. Foi então que eu descobri que o que acontecera
naquela sala misteriosa na casa antiga, era um ritual que o jardineiro praticava para
45roubar as almas e a vitalidade de crianças, assim ele viveria para sempre. que como
eu entrei naquela sala e presenciei um ritual, eu absorvi as almas de todas as crianças que
estavam aprisionadas no corpo do jardineiro e ele morreu. Agora o espírito dele estava
atrás de mim.
Será que esse pesadelo nunca vai ter fim?!
Ana Paula S. B. da Silva – 8ª C (2007)
No trecho compreendido nas linhas 25 e 26, identificamos a anáfora indireta
grafada em vermelho:
25 Tentei abrir, mas nada adiantou, ela estava trancada. Queria saber onde estava a
chave. Ainda com o pote na mão me senti uma idiota: ali tinha centenas de chaves!
Essa anáfora foi introduzida no texto com base no termo em negrito que lhe
serve de âncora: abrir.
100
Esse tipo de anáfora, de acordo com Schwarz (2000), é construída tendo por
base conhecimentos lexicais e mantém uma relação semântica com o elemento que
lhe dá suporte.
Compartilhando dessas considerações, Borba (1996) explica que as
propriedades sintático-semânticas dos verbos permitem a seleção de determinados
elementos que preenchem “espaços” autorizados pelos verbos. Seria como se
estabelecer a seguinte relação: quem abre, abre algo com alguma coisa (um
instrumento).
Nesse caso, a AI a chave é ativada inferencialmente por ficar pressuposta a
relação sintático-semântica inscrita pelo papel temático do verbo abrir, observando-
se que esse verbo tem entre seus papéis temáticos o de instrumento. Dessa forma, o
item lexical chave cumpre o argumento que ficou implícito com o uso de abrir.
No trecho compreendido nas linhas 16 a 49, identificamos a anáfora indireta
grafada em vermelho:
Ao tocar na estátua comecei a ouvir vozes. A vontade de saber o que era aquilo
e descobrir o que soltava aquelas risadas e gritos era maior que o medo que tinha
por saber de histórias que minha mãe contava em frente da lareira.
Não resisti e segui as vozes e risadas e fui parar em uma sala que ficava no
20último andar da casa. Ali, a luz que transpassava a janela surgia nas coisas velhas
que foram deixadas.
Nessa hora eu reparei em um pote estranho que nunca tinha visto. Dentro dele
estavam mergulhadas centenas de chaves em um líquido vermelho. Peguei o pote e
me deparei com uma porta pequena, o verniz todo descascado.
101
25Tentei abrir, mas nada adiantou, ela estava trancada. Queria saber onde
estava a chave. Ainda com o pote na mão me senti uma idiota: ali tinha centenas de
chaves!
Comecei a testar as chaves até que consegui abrir a porta.
Ao entrar, algo fez a porta se fechar e exalar um odor que me fez adormecer.
Em meu sonho vi peças cobertas e no chão, uma espécie de mbolo desenhado com
giz. 30De repente uma música começou a tocar e duas crianças apareceram
dançando em volta daqueles símbolos como se fosse um ritual.
Acordei com o jardineiro apertando meu braço e me criticando por tamanha
curiosidade. Saí correndo dali, com medo daquele homem e nem olhei para trás,
mas não comentei nada com minha família. Eles não acreditariam em mim, até eu
tentava pensar 35que tudo não passava de um delírio meu.
Dois meses depois desse episódio, em meu novo quarto, uma rajada de vento
abriu as janelas e eu me levantei para fechá-las.
Quando olhei para fora, pensei ter visto o jardineiro da nossa antiga casa e
pulei para trás assustada, pois a notícia que me havia sido passada era que ele tinha
morrido no 40dia da nossa mudança. Quando eu me joguei para trás, me
desequilibrei e bati a cabeça na ponta da penteadeira.
Desmaiei na mesma hora e comecei a delirar. Nesses delírios eu vi o jardineiro
vivo e muitas crianças tentando fugir dele. Foi então que eu descobri que o que
acontecera naquela sala misteriosa na casa antiga, era um ritual que o jardineiro
praticava para 45roubar as almas e a vitalidade de crianças, assim ele viveria para
sempre. que como eu entrei naquela sala e presenciei um ritual, eu absorvi as
almas de todas as crianças que estavam aprisionadas no corpo do jardineiro e ele
morreu. Agora o espírito dele estava atrás de mim.
Será que esse pesadelo nunca vai ter fim?!
Essa anáfora foi introduzida no texto com base no trecho em negrito, destacado
acima, que lhe serve de âncora.
102
Segundo Apothéloz (2003), uma das particularidades das nominalizações é
“transformar” em objeto-de-discurso um estado ou processo de coisas que não
possuía estatuto discursivo, isto é, por meio da nominalização, é possível sumarizar
informações apresentadas no co-texto precedente, atribuindo-lhes estatuto referencial
sob a forma de uma expressão nominal.
Observa-se que por não haver elementos pontualmente identificáveis como
antecedentes para a construção da anáfora esse pesadelo, ocorre uma (re)
configuração dos conhecimentos arquivados na memória para que se possa
interpretar essa nova expressão, inclusive porque ela explicita uma apreciação do
autor, que é um indicativo sobre os sentidos que o leitor pode inferir a partir dela.
Conte (2003) argumenta que quando o nome-núcleo da expressão resultante de
nominalização é um axiológico, evidencia o forte poder argumentativo desse novo
objeto-de-discurso, podendo exercer grande influência na maneira como esse objeto
será interpretado.
Faz parte do conhecimento geral que pesadelos nunca estão associados a
acontecimentos agradáveis e a momentos felizes. O sentimento de incômodo e de
mal-estar gerados pelos acontecimentos descritos no texto são indicados por meio de
um nome que simboliza coisas negativas. Evidentemente o termo “pesadelo” carrega
em si uma negatividade e seus predicativos fazem parte do conhecimento de mundo
fundado em experiências vivenciadas pelos sujeitos sociais.
A anáfora esse pesadelo marca a finalização de uma etapa discursiva e
organiza o texto ao encapsular a porção textual destacada em negrito. Além disso,
apresenta forte poder argumentativo que indica como o autor do texto deseja que
essa expressão seja interpretada.
103
No trecho compreendido nas linhas 32 a 35, identificamos a anáfora indireta
grafada em vermelho:
Acordei com o jardineiro apertando meu braço e me criticando por tamanha
curiosidade. Saí correndo dali, com medo daquele homem e nem olhei para trás, mas não
comentei nada com minha família. Eles não acreditariam em mim, até eu tentava pensar
35que tudo não passava de um delírio meu.
Essa anáfora foi introduzida no texto com base na expressão em negrito que lhe
serve de âncora: minha família.
Para Marcuschi (2001), a anáfora esquemática é um fenômeno da enunciação,
pois sua ativação pode ocorrer tanto a partir de elementos textuais quanto de uma
situação configurada discursivamente, na qual os elementos que fornecem as bases
interpretativas para esse tipo de anafórico precisam ser (re)construídos por meio de
inferenciações.
A AI eles não está retomando antecedentes explícitos, mas, sim, ativando um
novo referente no plano textual com base em informações potencialmente salientes
no universo discursivo. Nesse excerto, a forma pronominal eles tem sua interpretação
ancorada na expressão minha família. Observa-se que com o uso desse anafórico
não se apresentam elementos nomeados nem designados quantitativamente, o que
se vislumbra é um caso de designação de indivíduos virtuais, pois se trata de
indivíduos que fazem parte de uma coletividade. Nesse sentido, as operações
cognitivas necessárias ao processamento de eles o baseadas em modelos de
família. Dessa forma, destaca-se a necessidade de se processar cognitivamente essa
anáfora e se inferir sobre as pessoas que possam, supostamente, compor essa
família.
104
3.3.8 - TEXTO 8
A HERANÇA
Numa tarde de outono, recebi uma carta enviada por minha tia, pedindo que eu
fosse ver minha avó que estava doente.
Naquele mesmo instante, peguei o carro e segui em direção ao aeroporto. Eu
precisava pegar um avião até a Irlanda, onde minha avó morava.
5 Ao chegar lá, minha tia foi me buscar no aeroporto. Minha avó morava em um ponto
bem remoto, em uma pequena cidade no interior daquele país.
A casa era grande e antiga, com aspecto assustador. Por dentro, a mobília era gasta
pelo tempo, porém, era um lugar interessante. Nas paredes havia quadros de mulheres e
todas estavam com um aspecto triste. As cortinas eram grossas, longas e feitas de veludo
10azul-marinho. Havia muitos candelabros, o suficiente para iluminar todo aquele
casarão.
A fachada da casa era sombria, porque era o lugar onde o sol menos batia. A
pintura estava descascada, o jardim mal cuidado e o portão, além de quebrado, estava
enferrujado.
15Cuidei de minha avó até o último instante. Até que ela faleceu. Chorei muito.
Logo minha tia chamou o advogado da família para ler o testamento. Minha avó
deixou todos os bens para minha tia e, para mim, deixou um baú velho.
Minha tia disse que nunca tinha visto o que havia nesse baú e que ele estava na
família séculos. Na tampa tinha um símbolo e, por acaso, eu tinha visto um igual na
20biblioteca da casa.
Fui até lá e peguei o livro. Dentro dele havia uma chave que abria o baú.
Ao abri-lo encontrei um vestido antigo, uma caixa de jóias, um álbum de fotos e
uma carta.
Nela minha avó dizia para eu ter força para enfrentar o que viria pela frente, pois eu
25fazia parte de uma dinastia de bruxas que foram amaldiçoadas porque uma de minhas
ancestrais, acidentalmente matou uma criança em uma batalha com uma bruxa inimiga.
Por causa disso, nossos espíritos tinham sido condenados a vagar pela Terra sem
descanso até que uma de nós quebrasse a maldição.
Achei aquilo tudo uma besteira, mas quando abri o álbum, ao invés de fotos,
30havia uma pintura de uma batalha de feiticeiras. Quando toquei na pintura, ela me
puxou para dentro da cena e eu estava presenciando aquela guerra. Eu gritava:
-Parem! Não! Por favor, parem com isso!
De repente, quando minha ancestral foi jogar um feitiço, a outra bruxa apanhou uma
criança que tentava se esconder e usou-a como escudo. Foi que eu entrei na frente e o
35feitiço pegou em mim, salvando a vida da criança.
Logo que abri os olhos, estava deitada em minha cama com aquele álbum nas mãos.
Achei que tinha sido um sonho, mas para minha surpresa, na carta que minha avó
havia me deixado estava escrito um só palavra: Obrigada!
105
Quando comecei a andar pelos corredores da casa, notei que as mulheres
40daqueles quadros, ao invés da aparência triste e deprimida, agora estavam sorrindo
alegremente, pois descansariam em paz.
Shirlei Fonseca dos Anjos – 8ª C (2007)
No trecho compreendido nas linhas 18 a 21, identificamos a anáfora indireta
grafada em vermelho:
Minha tia disse que nunca tinha visto o que havia nesse baú e que ele estava na
família séculos. Na tampa tinha um símbolo e, por acaso, eu tinha visto um igual na
20biblioteca da casa.
Fui até lá e peguei o livro. Dentro dele havia uma chave que abria o baú.
Essa anáfora foi introduzida no texto com base na expressão em negrito que lhe
serve de âncora: a biblioteca da casa.
A AI o livro é um referente novo, mas introduzido no modo de conhecido. A
ativação dessa anáfora evidencia um processo de construção referencial baseada em
uma compatibilidade semântica estabelecida entre a anáfora e a âncora textual.
Embora o conhecimento lingüístico figure como fator indispensável à construção
textual, Marcuschi (2005) esclarece que a relação entre esse tipo de AI e sua fonte é
estabelecida, principalmente, a partir de representações conceituais.
A introdução do anafórico o livro provoca a ativação de operações cognitivas
que possibilitam o “resgate” de representações mentais sobre objetos que podem
estar associados a uma biblioteca. Nesse caso, as associações realizadas na
construção dos sentidos dependem do conhecimento comum de que o acervo de
uma biblioteca é formado basicamente por livros.
106
Esse tipo de informação prévia está disponível na memória discursiva do leitor,
motivo pelo qual a anáfora o livro é tida como informação dada, embora apareça no
texto pela primeira vez e não apresente indício de correferencialidade com outros
elementos textuais.
A anáfora levantada nesse segmento textual tem por função contribuir para a
progressão textual e para a produção de coerência, que por meio dela é possível
recuperar saberes acumulados sobre o elemento no qual está ancorada,
estabelecendo-se, dessa forma, relações de sentido entre as partes do texto.
No trecho compreendido nas linhas 15 a 17, identificamos a anáfora indireta
grafada em vermelho:
15 Cuidei de minha avó até o último instante. Até que ela faleceu. Chorei muito.
Logo minha tia chamou o advogado da família para ler o testamento. Minha avó
deixou todos os bens para minha tia e, para mim, deixou um baú velho.
Essa anáfora foi introduzida no texto com base no termo em negrito que lhe
serve de âncora: faleceu.
A anáfora destacada ancora em informações apresentadas no modelo do mundo
textual que a precede. No quadro que se delineia, o leitor dispõe da informação de
que uma pessoa faleceu. Essa seria a informação base para a interpretação da
anáfora o testamento. Contudo, à medida que o texto progride o leitor obtém novas
informações que o auxiliam na realização de inferências como, por exemplo, o fato de
a avó possuir bens que seriam divididos entre os familiares.
107
Dessa forma, associando as informações de que dispõe, o leitor resgata
representações mentais sobre as formalidades adotadas em virtude do falecimento
de alguém e, dentre essas formalidades, está a leitura do testamento, que é um
documento escrito por um testador no qual uma pessoa dispõe de seu patrimônio,
elegendo os herdeiros que usufruirão desses bens.
Embora os referentes não estejam dispostos linearmente, a compreensão não
fica comprometida, pois a produção de sentidos também se dá de forma o-linear,
ou seja, o olhar do leitor percorre o texto prospectiva e retrospectivamente
estabelecendo as conexões necessárias entre uma informação e outra para que,
então, o texto se constitua como uma unidade de sentido.
No trecho compreendido nas linhas 24 a 28, identificamos a anáfora indireta
grafada em vermelho:
Nela minha avó dizia para eu ter força para enfrentar o que viria pela frente, pois eu
25fazia parte de uma dinastia de bruxas que foram amaldiçoadas porque uma de minhas
ancestrais, acidentalmente matou uma criança em uma batalha com uma bruxa inimiga.
Por causa disso, nossos espíritos tinham sido condenados a vagar pela Terra sem
descanso até que uma de nós quebrasse a maldição.
Essa anáfora foi introduzida no texto com base na expressão em negrito que lhe
serve de âncora: foram amaldiçoadas.
Esse processo de construção referencial introduz novos referentes no plano
textual-discursivo por meio da remissão a um elemento apresentado no discurso.
De acordo com estudos de Apothéloz e Chanet (2003), em casos como o que se
configura na construção anafórica levantada nesse exemplo, o nome-núcleo da
108
expressão resultante de processo de nominalização, ou substantivo predicador na
concepção dos autores, “é um derivado morfológico” (Apothéloz e Chanet, 2003:
158), de um verbo que aparece em uma proposição descrita anteriormente.
Portanto, a AI a maldição constitui um caso de nominalização no qual o nome-
núcleo “maldiçãoevidencia o vínculo etimológico existente entre esse anafórico e a
expressão foram amaldiçoadas, apresentada no cotexto anterior.
3.3.9 - TEXTO 9
A MENINA E A CASA DOS SONHOS
Morávamos em uma casa na capital de São Paulo. Meu pai tinha muito dinheiro
porque ele era um grande empresário, mas estava cansado de morar na cidade grande e,
um dia, resolveu comprar uma casa mais afastada da cidade.
Ele achou uma casa muito grande e disse que aquela era a casa dos sonhos dele,
5então fomos conhecê-la no final de semana.
Quando chegamos foi uma decepção: a casa parecia um daqueles castelos antigos e
desabitados. O aspecto daquela casa era horrível. Precisava de uma boa faxina. A casa
não era o que eu esperava, mas, pelo meu pai, resolvi passar o final de semana naquele
lugar que parecia assombrado.
10 Aqueles quartos eram enormes, tudo muito rústico, fora os quadros que estavam nas
paredes. Havia fotos de pessoas velhas espalhadas pela sala.
Uma foto chamou minha atenção: era de uma menina linda de cabelos
encaracolados, usava um lindo vestido rosa, um chapéu branco e segurava uma boneca
nos braços. A porcelana até brilhava na foto. Não tiramos os quadros das paredes porque
15meu pai não quis.
Na casa havia dez quartos e estávamos em seis pessoas: minha mãe, meu pai, meu
tio Azevedo, meu irmão, minha irmã e eu. Dividimos os quartos. Na primeira noite tudo
bem, mas da segunda em diante comecei a ouvir ruídos pela casa. Pensava que era coisa
da minha cabeça porque não conseguia dormir cedo.
20 No outro dia, decidi sair e conhecer os vizinhos, ver se encontrava alguém da minha
idade pelas redondezas. Conheci uma menina chamada Alexandra e perguntei a ela sobre
a história daquele casarão. Ela contou que o Senhor Alencar, o antigo dono daquele
casarão, matou a família, os empregados e depois se matou. Mas havia um grande
mistério, pois ninguém nunca havia encontrado os corpos.
25 Fiquei muito intrigada com essa história e resolvi procurar os corpos daquelas
pessoas. Falei para os meus pais, mas ninguém acreditou em mim e até me chamaram de
louca.
109
Comecei a procurar pela casa para ver se encontrava paredes falsas ou passagens
secretas. Acabei encontrando uma passagem. Quando tocava em uma estátua que ficava
30na escrivaninha, uma parede se abria.
Entrei por essa passagem secreta e cheguei ao porão. estavam os restos mortais
dos empregados, da filha e da esposa do Senhor Alencar.
Depois disso, saímos de e nunca mais voltamos naquele lugar. Meu pai disse que
quando fosse comprar alguma outra casa, iria pesquisar a história do lugar primeiro para
35não passar o que nós passamos.
Gabriela Alves de Sousa – 8ª D (2007)
No trecho compreendido nas linhas 12 a 15, identificamos a anáfora indireta
grafada em vermelho:
Uma foto chamou minha atenção: era de uma menina linda de cabelos
encaracolados, usava um lindo vestido rosa, um chapéu branco e segurava uma boneca
nos braços. A porcelana até brilhava na foto. Não tiramos os quadros das paredes porque
15meu pai não quis.
Essa anáfora foi introduzida no texto com base na expressão em negrito que lhe
serve de âncora: uma boneca.
A AI a porcelana configura-se como um caso de construção referencial baseada
na relação “objeto-matéria”, isto é, trata-se de um tipo de anáfora postulada por
Marcuschi (2005) cuja associação não se baseia na relação “parte de um todo”, mas,
sim, na relação entre o objeto e o material de que ele é feito.
Neste segmento textual, a expressão nominal a porcelana introduz uma
informação nova sobre a boneca, entidade na qual encontra-se ancorada e
representa o material do qual essa boneca é feita.
Nota-se que a associação entre boneca e porcelana não é tão evidente e
estreita quanto nos casos em que as associações são determinadas entre as partes e
110
o todo de uma entidade. Por esse motivo, destaca-se que o conhecimento lingüístico,
por si só, não é suficiente nas atividades de construção dos sentidos. Assim, entram
em jogo operações cognitivas que desencadeiam um processo inferencial a partir do
qual se dá a (re)construção da informação implícita de que a boneca tratada no texto
é feita de porcelana.
As atividades associativas e os processos inferenciais possibilitam uma
“reorganização” dos conhecimentos armazenados na memória, traduzindo-se em
novas representações arquivadas na memória. Essa reorganização é responsável
pela ampliação do modelo do mundo textual.
No trecho compreendido nas linhas 20 a 24, identificamos a anáfora indireta
grafada em vermelho:
20 No outro dia, decidi sair e conhecer os vizinhos, ver se encontrava alguém da
minha idade pelas redondezas. Conheci uma menina chamada Alexandra e perguntei a
ela sobre a história daquele casarão. Ela contou que o Senhor Alencar, o antigo dono
daquele casarão, matou a família, os empregados e depois se matou. Mas havia um
grande mistério, pois ninguém nunca havia encontrado os corpos.
Essa anáfora foi introduzida no texto com base na expressão em negrito que lhe
serve de âncora: matou a família, os empregados e depois se matou.
esse tipo anafórico é fundado em “conhecimentos retrabalhados por estratégias
inferenciais maximizadas pelo conjunto de conhecimentos textuais mobilizados“
(Marcuschi, 2005: 64), ou seja, as informações apresentadas no texto, aliadas aos
diversos tipos de conhecimentos, são cognitivamente processadas gerando a
produção de sentidos.
111
A AI os corpos tem como suporte para sua construção a informação precedente
de que pessoas haviam sido assassinadas. Essa informação é encontrada na
expressão que funciona como âncora matou a família, os empregados e depois se
matou.
Por meio de um cálculo inferencial ancorado no conhecimento de mundo, o leitor
recupera a informação contida no saber comum de que, quando alguém morre ou é
assassinado, fica pressuposta a existência de um corpo. O verbo matar oferece
subsídios para a introdução de elementos pertencentes ao mesmo campo semântico,
dessa forma, a introdução da AI os corpos não causa estranhamento no leitor.
A introdução de elementos que pertencem ao mesmo campo semântico é um
procedimento que possibilita a ampliação do mundo textual. A partir desse recurso de
construção referencial é possível se estabelecer relações pragmático-discursivas
entre termos ou segmentos do texto, contribuindo para a progressão do mesmo e
para a produção de coerência.
3.3.10 - TEXTO 10
AS SOMBRAS
Certo dia, fui a uma linda casa de campo com minha família. Havíamos programado
essa viagem há meses.
Chegando lá, vi que a casa era mais bonita do que eu havia imaginado e maior.
Chegávamos quase a nos perder dentro dela. Tudo dentro era feito de mármore
5branco: anjos, flores, leões e outras coisas.
Tinha um enorme hall com uma linda escadaria e entradas para uma sala de estar e
uma sala de jantar. No segundo andar, o corredor era extenso com uns doze cômodos.
Estávamos todos felizes e cansados, então descarregamos o carro e fomos jantar.
Depois de jantar, pegamos a bagagem e levamos para os quartos e fomos dormir.
112
10Acordamos no meio da noite com o barulho das portas batendo e gemidos de dor.
As crianças falaram que viram sombras se mexendo e queriam dormir conosco.
Logo me deu vontade de ir ao banheiro. Quando entrei no banheiro, vi uma criatura
de costas para mim, mas parecia um ser humano. Quando se virou eu pude ver os olhos
vermelhos como dois rubis. Saí do banheiro correndo de volta para o quarto e o tranquei.
15Não dormi o resto da noite.
Depois desses acontecimentos, tudo ficou mais calmo e acabamos ficando naquela
casa. Mas, quando faltavam alguns dias para irmos embora, essas criaturas apareceram no
hall. Era meio dia, mas a decoração que era branca, ficou negra como a noite.
Eles falaram que eu seria o próximo, mas não falaram para que eu seria o próximo.
20Fiquei com muito medo, mas fiquei para ver o que ia acontecer.
No penúltimo dia, eles reapareceram e me levaram para um lugar da casa que eu
nunca tinha visto ou estado antes. Era como se fosse um jardim, mas totalmente negro. A
grama era negra, as paredes eram negras e até o chafariz no centro do jardim era negro.
Como ainda era dia, eu conseguia enxergar alguma coisa.
25Eu vi um túmulo e fui mais perto para ver de quem era. O nome do falecido era
“Jhon Ijetes” e estava escrito em seu túmulo: “Não estou morto, apenas dormindo com as
sombras que um dia serão eternas”.
Eu imaginei que eles iam me matar e matar toda minha família, então saí correndo
chamando todo mundo e fomos embora o mais rápido possível daquele lugar.
Rafael Maia Fiorani – 8ª D (2007)
No trecho compreendido nas linhas 1 a 11, identificamos a anáfora indireta
grafada em vermelho:
1 Certo dia, fui a uma linda casa de campo com minha família. Havíamos programado
essa viagem há meses.
(...)
10 Acordamos no meio da noite com o barulho das portas batendo e gemidos de dor. As
crianças falaram que viram sombras se mexendo e queriam dormir conosco.
Essa anáfora foi introduzida no texto com base na expressão em negrito que lhe
serve de âncora: minha família.
A AI as crianças foi ativada com base em representações conceituais que,
segundo Marcuschi (2005), “representam focos implícitos armazenados em nossa
113
memória de longo prazo como conhecimentos de mundo organizados” que autorizam
a ativação desse anafórico no co(n)texto.
No processo de interpretação dessa anáfora, o leitor recorre ao material
lingüístico que tem à disposição e alia as informações apresentadas na superfície do
texto aos conceitos apreendidos ao longo da vida e culturalmente compartilhados,
desencadeando operações inferenciais que o auxiliam na produção de sentidos.
Portanto, embora não se saiba exatamente quem são as crianças mencionadas no
cotexto, o leitor não encontra dificuldades em associá-las à família a que o texto se
refere, uma vez que o conhecimento de mundo permite inferir sobre possíveis
modelos de família com pai, mãe e crianças.
A tendência, na interpretação de uma AI, é buscar nas representações mentais o
conhecimento necessário à interpretação do anafórico e para a identificação da
âncora que suporte à construção da AI, estabelecendo relações pragmático-
discursivas entre termos elementos co(n)textuais contribuindo para a progressão do
texto e para a produção de coerência.
No trecho compreendido nas linhas 25 a 27, identificamos a anáfora indireta
grafada em vermelho:
25Eu vi um túmulo e fui mais perto para ver de quem era. O nome do falecido era
“Jhon Ijetes” e estava escrito em seu túmulo: “Não estou morto, apenas dormindo com as
sombras que um dia serão eternas”.
Essa anáfora foi introduzida no texto com base na expressão em negrito que lhe
serve de âncora: um túmulo.
114
A introdução da AI o falecido, entidade nova no plano textual, mas dada no
modo de conhecida, é um indicativo de que o autor prevê a mobilização dos
conhecimentos necessários para se promover a relação entre túmulo e falecido.
Os elementos que estão sendo relacionados, túmulo e falecido, são entidades
distintas, porém é possível se estabelecer um vínculo analógico entre elas por meio
de cálculos inferenciais respaldados pelo conhecimento de que um túmulo é um
monumento erguido em memória de um ser, sobre o local onde seu corpo se
encontra sepultado. A priori, são sepultados seres que o apresentam indícios de
presença de vida, seres cujos sinais vitais foram à falência.
Portanto, a informação de que túmulos abrigam corpos de pessoas falecidas não
precisa ser explicitada, que é pressuposta como um saber armazenado na
memória dos enunciadores e do qual o leitor pode dispor para interpretar a anáfora
em questão.
115
CONSIDERAÇÕES FINAIS
116
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em nossa pesquisa, não tivemos a pretensão de apresentar dados conclusivos,
mas, sim, buscamos propor uma análise de ocorrências anafóricas implícitas em
produções escritas de alunos, analisando-as do ponto de sua constituição e de sua
contribuição para a construção da coerência.
Nesse percurso investigativo, observamos que as formas referenciais implícitas
desempenham importantes funções na articulação de textos e estão estreitamente
relacionadas com a linha de coerência dos mesmos. Portanto, torna-se imprescindível
uma reflexão a respeito da relevância dos processos de constituição de referentes na
produção textual e, mais especificamente, sobre a pertinência dos estudos da
anaforização indireta no ensino da produção escrita.
As AI funcionam como poderosos recursos de introdução de informações novas
no plano discursivo e, ancoradas em informações dadas, possibilitam a criação de
novas representações mentais e a ampliação do modelo do mundo textual. As novas
informações trazidas por esses anafóricos fornecem instruções de conexão, tanto no
plano lingüístico quanto no conceitual, entre elementos dispersos em diferentes
partes do texto, garantindo a continuidade referencial, a manutenção do tópico
discursivo e, consequentemente, a progressão textual.
A remissão constante a elementos lingüísticos e também, com muita freqüência,
a referentes que se encontram armazenados na memória dos interlocutores como
conhecimentos de mundo organizados permite que se construam as chamadas
cadeias referenciais. A formação dessas cadeias possibilita que as informações
117
trazidas pelas âncoras sejam mantidas em estado de ativação na memória dos
enunciadores, funcionando como uma espécie de “prolongamento semântico” e
garantindo, dessa forma, a continuidade do sentido nos constantes movimentos
realizados nas atividades de construção da coerência.
As cadeias referenciais constituídas por AI o criadas a partir de processos
associativos desencadeados por elementos lingüísticos ou por entidades salientes no
universo discursivo, recuperáveis do contexto sociocognitivo dos enunciadores.
Juntamente com Koch (2007), compreendemos que a formação das cadeias coesivas
que ocorre a partir de relações entre os elementos do texto contribui para o
estabelecimento de sentido entre “segmentos textuais de extensões variadas;
segmentos textuais e conhecimentos prévios e segmentos textuais e conhecimentos
e/ou práticas socioculturalmente partilhados” (KOCH, 2007: 29).
Nas produções dos alunos observamos que as cadeias referenciais que
ocorrem com maior freqüência são aquelas formadas por AI construídas por meio de
processos associativos nos quais se evidenciam as relações semânticas de
meronímia e, conforme Schwarz (Schwarz, 2000 apud Marcuschi, 2005), esse tipo de
anáfora está mais ligada aos conhecimentos semânticos armazenados no léxico.
Todos os textos analisados apresentaram, no mínimo, uma cadeia referencial
formada por esse tipo de AI.
Possivelmente, a freqüência dessas ocorrências anafóricas tenha relação com o
tipo textual “narração” e com o gênero “mini-conto” trabalhado pelos alunos. Contudo,
para que pudéssemos fazer tal afirmação, seria necessário e prudente que
desenvolvêssemos uma pesquisa mais acurada e específica sobre a ocorrência e
118
freqüência de determinados tipos de AI em diferentes tipologias e em diferentes
gêneros discursivos, o que não foi o objetivo traçado para este trabalho.
As ocorrências de AI do tipo lexical observadas nos textos selecionados para
nosso corpus nos induz a uma reflexão sobre a importância do léxico na constituição
das AI de um modo geral. Essas anáforas, embora não sejam marcadas pelo traço da
correferencialidade, necessitam de uma base textual ou informação-suporte que crie
as condições necessárias à ativação e ao processamento da anáfora implícita.
A nosso ver, a qualidade dos textos que analisamos tem uma relação direta com
as atividades realizadas em sala de aula, pois os procedimentos didáticos adotados
contribuíram para ampliar os conhecimentos prévios dos alunos em relação aos
temas discutidos. A relevância do trabalho desenvolvido em sala de aula encontra-se
alicerçada na nossa crença de que a base ou informação-suporte que alimenta os
processos cognitivos requeridos na construção e na interpretação de uma AI emerge,
necessariamente, do cotexto, isto é, existe uma base lexical a partir da qual todo e
qualquer processo cognitivo/inferencial pode ser iniciado. Logo, é importante que os
enunciadores selecionem formas lexicais adequadas ao contexto enunciativo, pois
estas servirão de gatilho para a mobilização dos conhecimentos necessários ao
processamento dos referentes anafóricos indiretos.
As expressões anafóricas indiretas, além de promoverem o acréscimo de
informações novas no discurso, também são responsáveis, em parte, pela introdução
de elementos que indicam como determinados enunciados podem ser interpretados.
Consideramos que a linguagem é essencialmente argumentativa e que os usuários
continuamente selecionam elementos que venham ao encontro de seus propósitos
comunicativos criando determinados efeitos” de sentido, exprimindo
119
intencionalidades, fazendo uso de expressões que denotam suas crenças, valores e
opiniões.
Nesse sentido, consideramos que as AI, dentre outros mecanismos de
constituição de um texto, são entidades que apresentam acentuada orientação
argumentativa, que são formas referenciais que desempenham, também, a função
de orientar os leitores/ouvintes à uma possível interpretação. Dentre essas anáforas,
podemos destacar aquelas que apresentam modificadores ou qualificadores em sua
constituição, tal como verificamos na ocorrência anafórica “aquela cena horripilante”,
no texto 5 (linha 23). O nome-núcleo “cena”, acompanhado do modificador
“horripilante”, assume nova configuração e adquiri características diferenciadas com
alto poder de orientação à interpretação pretendida em relação aos enunciados
anteriores.
Nesse caso, o papel exercido pelos modificadores é decisivo para a orientação
argumentativa que se deseja dar a um enunciado. Conforme Francis (2003), os
modificadores classificam e definem o significado do nome-núcleo de um objeto,
adicionando informações essenciais sobre esse nome nuclear. Inclusive, segundo o
autor, alguns modificadores parecem ser mais informativos do que a idéia
apresentada pelos núcleos que lhes dão suporte.
Também observamos, na análise do corpus, a orientação dos sentidos
implicada com o uso da AI com a função de rotular um segmento do texto. Isso ocorre
com a introdução da AI “esse pesadelo”, no texto 7 (linha 49). Essa expressão
encapsula praticamente todo o cotexto anterior rotulando-o e conduzindo o leitor a um
processo inferencial bastante complexo na busca pelos referentes que ancoram a
introdução de tal anáfora.
120
Observamos que, nos casos de rotulação, apenas por meio da contextualização
das informações anteriores é que o leitor poderá construir sentidos, isto é, após
estabelecer as relações entre o anafórico e o segmento textual que lhe oferece
suporte interpretativo a é que o leitor poderá calcular a dimensão do sentido proposto
pelo enunciador.
Evidentemente, essas anáforas constituem importantes estratégias de
construção de textos, pois colaboram significativamente para o estabelecimento da
coerência, apresentando informações essenciais sobre o referente e orientando à
determinada interpretação dos enunciados. Sem dúvida, esse tema descortina um
horizonte amplo em relação a novas pesquisas que nos permitam compreender com
maior profundidade as diversas funções desempenhadas pelas rotulações no plano
discursivo.
Também em nossa análise, observamos a ocorrência de AI esquemática em:
“Saí correndo dali, com medo daquele homem e nem olhei para trás, mas não comentei nada
com minha família. Eles não acreditariam em mim, até eu tentava pensar que tudo não
passava de um delírio meu.” (texto 7, linhas 33 a 35)
Podemos Inferir que a baixa freqüência desse tipo de anáfora nos textos
analisados ocorra em função do gênero “mini-conto”, escolhido para ser trabalhado
com os alunos, uma hipótese que poderá orientar novas investigações sobre o
assunto, respaldada em reflexões de Marcuschi (2001), segundo as quais a anáfora
esquemática é uma estratégia de referenciação bastante comum na fala e é possível
que ocorra, eventualmente, em determinados gêneros escritos, tais como cartas
pessoais, bilhetes, depoimentos, notícias, entre outros, nos quais é possível se
observar determinados traços de informalidade.
121
Uma questão importante a ser destacada é que esse tipo de anáfora, além de
todas as características apresentadas anteriormente, não obedece a restrições
morfológicas, pois nota-se que a forma pronominal “eles” (texto 7, linha 34) não
concorda em gênero e também não concorda em número com “minha família”,
expressão utilizada como âncora ou suporte interpretativo para a anáfora pronominal
“eles”. Nesses casos, a produção de sentido se torna mais dependente dos contextos
enunciativos e dos conhecimentos comuns aos sujeitos do discurso do que
subordinada à regularidade sistemática da língua.
Convém, portanto, salientar que o conhecimento lexical, o gramatical e o
sintático não são suficientes para que se a produção e a interpretação da anáfora
indireta, pois há casos em que uma análise puramente gramatical não consegue
explicar o fenômeno, como o das anáforas esquemáticas.
Nesse sentido, destacamos a importância de concebermos a língua como uma
atividade cognitiva, social e interativa. Assim, os estudos relativos à língua
contemplam-na como um conjunto de práticas sociais e cognitivas historicamente
situadas.
Nesse contexto, verificamos que a referenciação, de um modo geral, é
determinada por processos cognitivos que abrangem diversos tipos de
conhecimentos e que a escolha por determinadas expressões referenciais depende
do enquadre sociocognitivo dos enunciadores, isto é, os referentes são
“contextualizados cognitivamente” de acordo com os conhecimentos e as
experiências presentes na memória discursiva dos sujeitos em interação.
122
Sabemos que um texto se configura como uma unidade significativa global a
partir da organização dos elementos lingüísticos em sua superfície e, também, por
meio dos diversos conhecimentos armazenados, e em constante transformação, na
memória coletiva de uma comunidade. Por isso, ao operarmos com textos, não
podemos ignorar dois aspectos fundamentais na constituição dos mesmos: sua
organização linear e sua organização reticulada. Devemos salientar que esses
processos serão descritos isoladamente apenas a título de exposição, lembrando que
os fenômenos da língua não ocorrem separadamente, pois se encontram interligados
e interdependentes como as peças de uma engrenagem.
A organização linear de um texto diz respeito ao tratamento estritamente
lingüístico que ocorre na abordagem dos elementos coesivos. O conhecimento
lingüístico, portanto, é o responsável pela seleção, organização e uso dos elementos
na superfície do texto.
Por outro lado, a organização reticular ou não linear opera com base nas pistas
semânticas do texto e está ligada aos aspectos cognitivos dos interlocutores,
portanto, ela se encontra nos níveis de sentido e intenções. A construção da
coerência é concebida, dessa forma, como um fenômeno que se manifesta de modo
a considerar a plurilinearidade do texto, uma vez que a produção dos sentidos não
está condicionada a linearidade do plano lingüístico.
Embora saibamos que é possível estabelecermos coerência a partir de textos
aparentemente incompreensíveis e que os elementos coesivos não são suficientes
para a produção dos sentidos, cremos que a superfície lingüística favorece a
configuração de uma estrutura semântica textual, tornando salientes os sentidos
pretendidos pelo enunciador em dado contexto enunciativo.
123
Nesse ponto podemos destacar o papel das AI, pois à medida que um texto vai
sendo construído, vai se tornando cada vez mais evidente a necessidade da ativação
de expressões referenciais que deem suporte ao discurso e favoreçam nossas
intenções comunicativas. O próprio “desenrolar” do discurso orienta a escolha e a
ativação de determinados referentes em detrimento de outros. Assim, os processos
anafóricos implícitos respondem, dentre outras atribuições, pela função de moldar e
manipular o discurso à medida que esse vai sendo sociocognitivamente construído.
Consideramos que as AI, de um modo geral, redimensionam pragmaticamente o
conteúdo discursivo, pois elas são responsáveis não apenas pelo dito e pelo que
se dirá discursivamente, mas, sobretudo, pelo “sugerido”. Por esse motivo,
ressaltamos a importância do contexto e dos conhecimentos partilhados pelos
sujeitos no momento da interação, pois durante a produção discursiva eles acionam
inúmeros tipos de conhecimentos que convergem para os processos inferenciais
necessários à interpretação das AI.
A essencialidade dos processos cognitivos, especialmente nos casos de
referenciação implícita, nos conduz à observação das AI baseadas em esquemas
cognitivos e processos mentais. Essas anáforas são mais ligadas ao conhecimento
de mundo dos enunciadores e demandam processos cognitivos e inferenciais em
diferentes escalas de complexidade, conforme observamos nas ocorrências
anafóricas “o recreio” (texto 1 – linha 3), “a morte” (texto 4 – linha 60), “a vida” (texto 4
linha 60), “o frentista” (texto 6 linha 6), “o testamento” (texto 8 linha 16), entre
outras. Esses exemplos representam apenas uma pequena parcela das ocorrências
anafóricas implícitas construídas nos textos analisados no corpus desta pesquisa.
124
A partir de nosso estudo, verificamos que as AI podem ser caracterizadas como
entidades constitutivamente marcadas pela dimensão interacional da língua, fato que
reforça o caráter pragmático da produção textual escrita.
A interação é a motivação maior do ser humano. Nesse sentido, acreditamos
que os sujeitos produzam textos escritos com a intenção de interagir e de serem
compreendidos por seus leitores. Para tanto, e supondo que esses leitores
compartilhem um conjunto de conhecimentos, seleciona referentes cuja interpretação
pode ser desencadeada a partir de informações veiculadas por formas referenciais
lexicalizadas e/ou por meio de informações recuperáveis do contexto semântico-
discursivo.
Nesse ponto, cumpre que tenhamos em mente a noção de que toda atividade
discursiva é uma via de mão dupla que se fundamenta em contextos históricos e
socialmente situados nos quais os indivíduos interagem providos de seus elementos
culturais. Portanto, a interação por meio da escrita presume a existência de um
produtor e de um leitor, pois um texto pode ser concebido como tal à medida que
esteja sendo processado por alguém.
Isso nos remete à questão da leitura significativa, à leitura realizada de modo
reflexivo, por meio da qual os alunos consigam trilhar os caminhos que os levem à
construção de sentidos para os textos. Assim, cumpre destacar, mais uma vez, o
papel das AI: é muito importante que agucemos a percepção do aluno quanto ao
valor expressivo que essas anáforas imprimem aos textos, que elas contemplam
uma visão de referenciação segundo a qual se postula a existência de todo um
universo de sentidos potencialmente saliente no discurso.
125
Sob esse prisma, é inegável que a referenciação constitui um tema prolífero no
ensino da produção textual entendida como atividade discursiva, pois, a nosso ver,
uma reflexão bem orientada quanto ao uso dos anafóricos pode auxiliar o aluno na
produção e na interpretação de elementos fundamentais à manutenção temática, ao
desenvolvimento de tópicos discursivos e à progressão textual de um modo geral.
Considerando que o principal objetivo no ensino de línguas é propiciar
condições ao aluno para que ele seja capaz de operar efetivamente com os recursos
que a língua oferece em todo e qualquer contexto de interação, esperamos que nosso
estudo suscite reflexões sobre os papéis exercidos pelas AI na dinâmica textual e
desejamos que esta dissertação contribua para o trabalho do professor no ensino da
produção textual escrita.
126
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
127
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