![](bg92.jpg)
143
tente entre as figuras femininas de Madalena e Cristina, a primeira forte, determinada em seus
objetivos e capaz de impô-los aos outros – não à toa, Eça lhe atribui “em intrigas sentimen-
tais, a finura das duquesas de Balzac”
438
– a segunda tímida, frágil, própria a satisfazer as ne-
cessidades de domínio do herói: enquanto uma detém o saber e o poder capazes de conduzir o
herói à meta por ela mesma – intratextualmente – fixada, a outra é o instrumento operacional
da transformação do herói, que se conclui através da relação amorosa . A mesma relação, exi-
gindo a existência de duas heroínas, pode ser evocada também para uma explicação mais am-
pla dos pares femininos presentes em Uma Família Inglesa e Os Fidalgos da Casa Mourica..
Em maior ou menor grau, ela se aplica também aos pares Jenny e Cecília e a Gabriela e Berta.
Note-se, porém, que nenhuma dessas heroínas antagônicas, no sentido em que uti-
liza o termo Susan Suleiman
439
, que determina as mudanças do herói, é propriamente um ca-
ráter forte, “em constante oposição”, pretendendo provar aos homens que pode “prescindir de
sua proteção”, como diz Madalena. Não, porque, segundo a verdade narrativa essa seria uma
maneira inadequada de agir. Mesmo quando comandam, as mulheres devem parecer não co-
mandar. Esse princípio, implícito em todas as narrativas de Dinis, é explicitado no fecho de A
Morgadinha dos Canaviais, quando o narrador fala de Madalena:
Madalena é sempre a mulher que foi; se é que as nobres quali-
dades já reveladas nos seus actos de juventude, não se vão caracterizando a-
inda melhor, à medida que de mais graves deveres se incumbe a sua missão
de mulher. Inteligência temperada por um bom senso natural, que a educação
esmerada não estragou, como a tantas acontece, carácter apaixonado, mas de
trato afável e insinuante, meiga sem indolência, grave sem severidade, a-
companha-a o encanto que a todos prende, que não faz sentir a ninguém o
peso da obediência.
440
438
EÇA DE QUEIRÓS, Obras. v. 3, p. 914.
439
Os romances de Dinis são, no sentido largo que lhe dá essa autora, “romances de tese”, na medi-
da em que possuem um sistema de valores não ambíguo, dualista, embora implícita, uma regra de
ação endereçada ao leitor. Dentro desse tipo de texto, o herói antagônico define-se pelas seguintes
características: 1. possui desde o começo da história os valores corretos, ele “tem razão”: é esse o
caso de todas as protagonistas principais de Dinis; 2. faz parte de um grupo, com o qual, em última
instância, se confunde: todas as heroínas dinisianas atuam enquanto membros de uma comunidade
familiar ou local, cujos interesses incorporam; 3. luta, enquanto membro do grupo, pela realização dos
bons valores: de novo, essa é a tarefa das protagonistas de Dinis; nem Jenny, nem Madalena, nem
Gabriela buscam, nas transformações que operam, um objetivo de caráter egoísta; é ao bem de to-
dos (embora em “todos” bastante restrito) que elas visam; 4. no que se refere à adesão a esses valo-
res, o herói antagônico não muda, uma vez que se encontra, desde o início da narrativa no lugar i-
deológico do bem; mais uma vez, é esse o caso de todas as heroínas de Dinis. Cf. SULEIMAN, Su-
san. Le roman à thèse ou l’autorité fictive. p. 131.
440
DINIS, Júlio. Obras. v. 1, p. 587.