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mudado na Rússia e a liberdade religiosa está voltando aos poucos e encontrando
multidões sedentas da verdade e cansadas do ateísmo compulsório. Há muito que
Helena Isvolski chamou a atenção desse fenômeno de humanização do próprio sovietismo
em contato com a realidade. Julgo a esse respeito oportuno transcrever aqui o que em 26
de junho de 1942 julguei necessário publicar para retificar os conceitos unilaterais de uma
“declaração de princípios” assinada em 10 de junho de 1942, por um numeroso grupo de
intelectuais patrícios. Foi há dias publicada uma “declaração de princípios” subscrita por
alguns eminentes nomes das nossas letras. Terá esse documento, no futuro, e já hoje o
tem, considerável interesse histórico. Trata-se de uma definição muito clara de atitudes
por parte de um grupo de escritores, vindos dos mais afastados horizontes sociais e
ideológicos. Não houve, pois, o propósito de fazer uma declaração de princípios filosófi-
cos e apenas uma definição de uma atitude social em face dos acontecimentos políticos
contemporâneos. Não nos defrontamos, portanto, com uma simples manifestação de
intelectuais esquerdistas, por mais que a maioria assim o seja. A não ser que se atribua
ao termo esquerdista, como se ouve por vezes em certos arraiais, um significado
generalizador e polêmico, que sofre daquele mal tão corrente nos nossos dias, a ausência
do espírito de distinção. É justamente pela qualidade intelectual da maioria dos signatá-
rios desse manifesto e por discordar radicalmente do ponto de vista unilateral e partidário
em que se colocam, que me sinto na obrigação de não silenciar perante esse documento
de tão legítima importância. E o meio, a meu ver, mais adequado a distinguir o que me
parece aceitável do que julgo suspeito e rejeitável nesse depoimento é definir também
uma atitude, ao menos por desencargo de consciência.
***A inteligência não pode conservar-se indiferente em face dos acontecimentos sociais.
O que está se passando no mundo atual não é apenas uma luta de interesses e ideologias
contraditórias, e sim uma transmutação de valores que representa o fim de uma era
histórica e o início de uma nova era. Há, realmente, valores em perigo. E um deles, o maior,
porventura é a liberdade. A liberdade, porém, não é um valor abstrato. Se ela se acha
ameaçada é porque pesa uma ameaça direta sobre sua fonte imediata – o homem. É o ser
humano, como valor supremo na ordem temporal, que corre o risco de ser absorvido pelas
forças do mal espalhadas pelo mundo. Essas forças do mal encontram-se hoje encarnadas
em mitos sociais que dominam os horizontes modernos e ameaçam destruir as próprias
fontes da vida. O mito da raça, na Alemanha, o mito da classe ou do partido, na Rússia, o
mito da nação, na Itália, o mito do império, no Japão, não são os únicos, sem dúvida, mas
são aqueles que mais ameaçam nossos tempos, porque embora encontrando-se acidental-
mente em campos opostos, estão todos unidos pela mesma idolatria totalitária, que nega
o valor imortal da pessoa humana e sua medida eterna em Jesus, o Cristo, fonte de todo
o bem e de toda a verdade para espalharem nas consciências as falsas místicas neopagãs
que estão incendiando os horizontes do século. Como brasileiros e como cristãos, como
responsáveis pela orientação de muitas consciências, não podemos silenciar ante a mar-
cha dos acontecimentos, cada vez mais catastróficos, nem permitir que nossa abstenção
venha a ser interpretada como uma aceitação dos males que se abateram sobre nossos
tempos. Na hora dos riscos é que se impõem as definições. O que se dá, apenas, é
repudiarmos por tão perigosa quanto os males a denunciar, toda a simplificação exagerada
dos acontecimentos. Se condenamos o fascismo, o nazismo ou o nipotismo, condenamos
também o comunismo ou a falsa democracia. São todas modalidades do mesmo imperia-
lismo totalitário, em perfeita contradição com valores humanos. Se queremos manter
nossa pátria livre, queremo-la dentro das tradições cristãs e históricas que a formaram. Se
queremos deixar aos nossos descendentes um nome honrado e uma tradição de indepen-
dência varonil. Queremo-lo dentro da dignidade da alma imortal, que não se dobra perante
as tiranias, mas se curva frente à Fonte eterna e suprema de toda a liberdade e de toda a
ALCEU AMOROSO LIMA_fev2010.pmd 21/10/2010, 07:4176