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essência humana. No entanto, para o pensamento de Heidegger a questão é bem diferente. A
natureza, como vimos no início do capítulo, será compreendida à luz da poesia de Hölderlin.
Para entender melhor o que Hölderlin diz com a palavra natureza é preciso remeter-
se ao termo grego fu/sij. Na leitura de Heidegger, o que esta palavra representou para os
pensadores gregos antigos não se sustentou quando da tradução para natura, natureza. A
tradução fez com que esta palavra perdesse sua força ao ganhar elementos novos que não
dizem respeito ao que ela significou no início. Heidegger chama nossa atenção para o fato de
que ainda assim, na poesia de Hölderlin, a palavra natureza carrega algo que lembra seu
significado antigo.
Fu/sij significa “o crescimento”, lembrando que para os gregos a palavra
crescimento nada tem a ver com aumento quantitativo, evolução ou ocorrer sucessivo. A
fu/sij nomeia “um surgir e sair, é um abrir-se que, ao eclodir, ao mesmo tempo retorna ao
surgimento e, deste modo, se encerra naquilo que em cada ocasião lhe outorga a presença ao
que se apresenta. Fu/sij, pensado como palavra fundamental, significa sair ao aberto, é o
aclarar desse claro
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que é o único em cujo interior pode chegar a aparecer algo, pode situar-
se em seu contorno, mostrar-se em seu ‘aspecto’”.
130
A fu/sij, entendida ao modo dos
gregos, é o que traz e mantém as coisas na presença. Ela cria e mantém aberto o espaço no
qual as coisas se apresentam. Assim como a natureza, “a fu/sij é o que está presente em
tudo”.
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Por essa razão, diz Heidegger, é que neste poema Hölderlin chama de “natureza”
àquela “que tudo cria”, a “sempre viva”.
No poema, a palavra utilizada por Hölderlin não é fu/sij, e sim natureza. No
entanto, para Heidegger, mesmo que Hölderlin não tenha conhecido o significado mais inicial
129
Muito embora os tradutores espanhóis da obra Aclaraciones a la poesía de Hölderlin tenham traduzido a
palavra Lichtung como “claro”, acreditamos que uma tradução mais precisa seria “clareira”. Na nota de número
13, página 65, os próprios tradutores aludem para o fato de que a palavra que traduzem como “claro” é Lichtung.
Por sua vez, “claro”, em língua alemã se diz hell. Acreditamos que tal equívoco de tradução ocorreu porque a
palavra Lichtung é derivada de Licht (luz). A maioria dos tradutores brasileiros realiza uma tradução mais
precisa de Lichtung como “clareira”. Optamos por “clareira” levando em conta também, o fato de que a Lichtung
tem seu sentido cunhado, por Heidegger, justamente no seu encontro com a poesia de Hölderlin. A clareira é um
lugar aberto, um deserto no meio do ente. Ela é um meio clarificante, que envolve, circunda o ente. Ao mesmo
tempo em que é luz, a clareira é também encobrimento. Essa luz encobridora pode se dar de duas maneiras no
meio do ente, como recusa (começo da clareira) e como dissimulação (interior da clareira). No primeiro tipo de
encobrimento acontece um recusar-se do ente e o que nos resta é dizer que ele é. Tal recusa não deve ser vista
como um limite imposto ao nosso conhecimento acerca do ente, já que ela é apenas o começo da clareia. Na
dissimulação o ente faz-se passar por outro que não ele mesmo. Os dois modos de encobrimento (recusa e
dissimulação) acontecem ao mesmo tempo e por isso é difícil definir quando se esta diante de um ou do outro. A
clareira só permite que o ente seja iluminado em um ou outro aspecto, ela não concede acesso à totalidade do
ente. Essa dinâmica da clareira acaba por preservar o ente em sua riqueza.
130
HEIDEGGER, Martin. Aclaraciones a la poesía de Hölderlin. Madrid: Alianza Editorial, 2005. p. 63.
(Tradução nossa).
131
Ibid. p. 63. (Tradução nossa).