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MESTRADO EM DIREITO
A INSTITUIÇÃO DO PROCESSO MISTO DOS CRIMES FALIMENTARES NO
BRASIL
Darcom Pereira de Araújo
Orientador: Prof. Dr. João Mestieri
Área de Concentração: Direito Econômico e Desenvolvimento
Linha de pesquisa: Estado, Empresa, Tributação e Responsabilização Civil
Penal e Administrativa
Rio de Janeiro – 2009
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2
MESTRADO EM DIREITO
A INSTITUIÇÃO DO PROCESSO MISTO DOS CRIMES FALIMENTARES NO
BRASIL
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado em Direito, área de
concentração em Direito Econômico e
Desenvolvimento, na linha de pesquisa:
Estado, Empresa, Tributação e
Responsabilização Civil, Penal e
Administrativa, como requisito para
obtenção do título de Mestre em Direito,
sob a orientação do Professor Doutor
João Mestieri.
Rio de Janeiro – 2009
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MESTRADO EM DIREITO
A INSTITUIÇÃO DO PROCESSO MISTO DOS CRIMES FALIMENTARES NO
BRASIL
Dissertação apresentada ao Programa
de Mestrado em Direito, submetida à
apreciação da Banca Examinadora
composta pelos seguintes membros:
Prof. Dr. João Mestieri
(orientador)
Prof. Dr. Manoel Messias Peixinho
Prof. Dr. Pedro Tórtima
Prof. Dr. Álvaro Mayrink da Costa
Rio de Janeiro – 2009
4
Ao Deus de Abraão, Isaque e Jacó. Aos meus queridos
pais, Pedro Belarmino e Sody Pereira de Araújo.
À minha adorável e dedicada esposa, Andréa Miranda
pelo incentivo constante e, sobretudo, pela confiança no
meu crescimento.
5
“O trabalho de criação jurídica é de natureza cultural.”
João Mestieri
Manual de direito penal. Parte geral. Vol. 1. Rio de Janeiro:
Forense, 1999, p. 6.
6
AGRADECIMENTOS
Ao prof. Dr. João Mestieri, pela dedicação, paciência e empenho, que muito
contribuiu com discussões, sugestões e apontar erros, corrigindo o rumo dessa
dissertação.
Ao prof. Dr. Heitor da Costa Junior, pela sua disponibilidade, dedicação e zelo
que muito contribuiu para a confecção desse trabalho, com discussões, sugestões e
apontar erros que, caso contrário, nos teriam escapado.
Ao Prof. Dr. Manoel Messias Peixinho, mestre dedicado, por sua contribuição
valiosa ao conteúdo e forma deste trabalho, bem como pela sua disponibilidade em
integrar a pré-banca e banca examinadora.
Ao Prof. Dr. Pedro Tórtima, reconhecido historiador brasileiro do sistema
penal brasileiro, com suas orientações pertinentes ao tema e pela sua
disponibilidade em integrar a pré-banca e banca deste trabalho.
Ao Prof. Dr. Álvaro Mayrink da Costa, por nos honrar com sua presença na
banca e enriquecer nossos argumentos com suas críticas e observações.
A meu estimado amigo, professor mestre Felipe Vieira, pela sua gentil
dedicação e disponibilidade de revisar o texto.
Ao Governador do Estado de Pernambuco, Eduardo Henrique Accioly
Campos; ao Secretário de Defesa Social, Servilho Silva de Paiva; ao Delegado
Chefe de Polícia, Manoel Carneiro Soares Cardoso, os quais anuiram na minha
licença para cursar o mestrado na Universidade Candido Mendes.
A Universidade Candido Mendes por proporcionar-me o mestrado em
Ciências Jurídicas.
7
RESUMO
A presente dissertação versa sobre a instituição do processo penal misto nos
crimes falimentares no Brasil, com o advento da Lei n° 11.101/2005, em substituição
ao Decreto-lei n° 7.661/1945.
Neste trabalho, o sistema penal falimentar é compreendido como legítimo na
medida em que cada órgão estatal atua de forma sistêmica, conforme a ordem
constitucional brasileira, na repressão a essa modalidade delitiva econômica.
O que se pretende com esse estudo é demonstrar que o sistema processual
penal falimentar é, de regra, misto, onde a apuração preliminar da responsabilidade
criminal faz-se na fase pré-processual, por intermédio da Polícia Civil, e a apuração
definitiva da imputação é realizada na fase processual por meio do Poder Judiciário
Estadual. Por via reflexa, também o sistema processual penal brasileiro é, em
princípio, misto.
Palavras-chave: Estado, sociedade, sistema penal falimentar, direito penal
econômico.
8
ABSTRACT
This dissertation addresses the institution of the mixed penal
proceeding in Brazilian bankruptcy crimes, within the meaning of the Act
11.101/2005, in substitution to the Law-Decree n° 7.661/1945.
In this work the bankruptcy penal system is understood as legitimate as each
state entity acts in a systemic way, in accordance with the Brazilian constitutional
order, in the repression of this modality of economical crime.
The purpose of this study is to show that the bankruptcy penal procedural
system is, as a rule, a mixed system where the preliminary investigations of the
criminal liability occurs in the pre-proceeding phase under the responsibility of the
Civil Police, and the final determination of the imputation is achieved in the
procedural phase by the State Judiciary Power . As a reflection, the penal procedural
system of Brazil is mixed in essence.
Key – words: State, Society, Falimentar penal system, economic penal law.
9
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS ...................................................................................................06
INTRODUÇÃO .............................................................................................................12
CAPÍTULO I BREVE HISTÓRIA DO CONTEXTO SÓCIO-POLÍTICO-
ECONÔMICO DO PROCESSO NOS CRIMES FALIMENTARES NO
BRASIL...................................................................................................20
1.1 Considerações Históricas do Direito Concursal ......................................................20
1.1.1 Idade Antiga ...................................................................................................20
1.1.2 Idade Média....................................................................................................20
1.1.3 O Instituto da Falência....................................................................................21
1.2 O Contexto Sócio-Político-Econômico da Responsabilização dos Crimes
Falimentares no Brasil...................................................................................................22
1.2.1 Período Brasil-Colônia.................................................................................22
1.2.1.1 Época do Arrendamento Mercantil e Capitanias Hereditárias ..........22
1.2.1.2 A Instituição do Governo Geral e a Câmara Municipal.....................24
1.2.1.3 Brasil como Vice-Reinado e Povoamento e Estratificação Social ....28
1.2.2 O Brasil na Qualidade de Reino Unido ao de Portugal................................29
1.3 Período Imperial ....................................................................................................29
1.3.1 Primeiro Império ............................................................................................30
1.3.2.Segundo Império ...........................................................................................30
1.3.2.1 Instituição do Cargo de Chefe de Polícia e Delegado de Polícia.......32
1.3.2.2 A Divisão: Polícia Administrativa e Polícia Judiciária ........................35
1.3.2.3 Separação da atividade judicante da atividade policial .....................35
1.3.2.4 Efetividade do Sistema Penal no Brasil até 1830........................................36
1.3.2.5 Código Comercial Brasileiro de 1850 ...............................................37
1.4 Período Republicano ..............................................................................................38
1.4.1 República Velha .............................................................................................38
1.4.1.1 A Continuação do Poder Oligárquico na República Velha .................38
1.4.1.2 República Nova e Estado Novo..........................................................41
1.5 Constituições e Unidade Penal e Processual..........................................................42
CAPÍTULO II – INSTITUTOS DO DIREITO FALIMENTAR IMPRESCINDÍVEIS AO
PROCESSO PENAL.....................................................................................................44
2.1 Considerações Iniciais.............................................................................................44
2.2 Conceito Jurídico de Falência .................................................................................44
2.3 Principais Distinções entre o Decreto-lei nº 7.661/1945 e a Lei nº 11.101/2005.....45
2.4 Espírito da Nova Lei ................................................................................................48
2.5 Princípios da Recuperação e da Falência da Empresa...........................................49
2.6 Pessoas Sujeitas a Incidência da Lei de Recuperação e Falência .........................51
2.6.1 Consideração Preliminar ................................................................................51
2.6.2 Superação do Conceito de Comerciante para Empresário ............................51
2.6.3 Empresário Individual.....................................................................................54
2.6.4 Sociedade Empresarial ..................................................................................54
2.7 Sociedades Empresárias não Sujeita à Lei de Recuperação e Falência ................55
10
2.7.1 Notas iniciais ..................................................................................................55
2.7.2 Empresa Pública e Sociedade de Economia Mista ........................................55
2.7.3 Instituições Financeiras e Equiparadas..........................................................57
2.7.4 Sociedades Civis............................................................................................58
2.8 Jurisdição da Recuperação e da Falência...............................................................59
2.8.1 Considerações Gerais....................................................................................59
2.8.2 Espécies de Recuperação..............................................................................59
2.8.3 Recuperação Judicial .....................................................................................60
2.8.4 Recuperação Extrajudicial..............................................................................62
2.9 Órgãos da Recuperação Judicial e da Falência......................................................63
2.9.1 Considerações Gerais....................................................................................63
2.9.2 Magistrado......................................................................................................64
2.9.3 Ministério Público ..........................................................................................64
2.9.4 Administrador Judicial ....................................................................................65
2.9.5 Assembleia-Geral de Credores ......................................................................67
2.9.6 Comitê de Credores .......................................................................................69
CAPÍTULO III - INSTÂNCIAS FORMAIS DE RESPONSABILIZAÇÃO NO
PROCESSO PENAL FALIMENTAR.............................................................................72
3.1.1 Considerações Preliminares...............................................................................72
3.1.2 Noções Gerais .....................................................................................................72
3.2 Poder Judiciário Estadual Criminal .........................................................................73
3.2.1 Noções Gerais ...............................................................................................73
3.2.2 Funções Judicante do Juízo Penal Falimentar ..............................................76
3.3 Administrador Judicial............................................................................................76
3.4 Ministério Público Estadual....................................................................................77
3.4.1 Notas Históricas............................................................................................77
3.4.2 Funções no Âmbito da Persecução Penal Falimentar ..................................84
3.4.2.1 Poder-dever de Requisitar a Instauração de Inquérito Policial .........84
3.4.2.2 Promoção da Ação Penal Pública.....................................................85
3.4.3 Ação Penal Particular ...................................................................................86
3.5 Polícia Civil Estadual .............................................................................................86
3.5.1 Notas Históricas...........................................................................................86
3.5.1.1 Primórdios da Atividade Policial.......................................................86
3.5.1.2 Considerações Gerais Atuais...........................................................88
3.5.2 Noções de segurança pública......................................................................91
3.5.3 Distinção entre Poder de Polícia e Poder da Polícia....................................92
3.5.4 Funções Gerais da Polícia Civil .................................................................95
3.5.5 A Polícia Civil na Seara Falimentar..............................................................99
3.6 Os Procedimentos em Juízo por Crimes Falimentares..........................................102
3.6.1 O Procedimento Sumaríssimo ......................................................................102
3.6.2 O Procedimento Sumário..............................................................................106
3.6.3 A Suspensão Condicional do Processo........................................................123
3.6.4 Sentença Penal Condenatória e seus Efeitos...............................................123
3.6.5 Recursos.......................................................................................................124
CAPÍTULO IV A INSTITUIÇÃO DO PROCESSO MISTO DOS CRIMES
FALIMENTARES NO BRASIL......................................................................................126
4.1 Considerações Iniciais.............................................................................................126
4.2. Marcos Conceituais................................................................................................126
11
4.2.1 Conceito de Responsabilidade Criminal........................................................126
4.2.2 Conceito de Controle Social ..........................................................................127
4.2.3 Conceito de Sistema Penal ...........................................................................128
4.2.4 O Sistema Processual Penal sob o Enfoque Sistêmico ................................128
4.3 Sistemas Processuais Penais .................................................................................131
4.3.1 Sistema Acusatório ........................................................................................132
4.3.2 Sistema Inquisitório .......................................................................................135
4.3.3 Sistema Misto ...............................................................................................137
4.3.4 O Moderno Processo Penal Brasileiro............................................................141
4.3.5 Investigação criminal: Polícia Judiciária versus Ministério Público.................147
4.3.6 A Eleição do Sistema Processual Misto à Luz da Lei 11.101/2005, Face
à Constituição Federal ..................................................................................................153
4.4 Distinção entre Competência Jurisdicional da Recuperação e da Falência com a
Jurisdição Criminal ........................................................................................................160
4.4.1 Aspectos Fundamentais do Juízo da Recuperação e da Falência sobre o
Juízo Criminal................................................................................................................161
4.4.2 Preliminar .......................................................................................................162
4.4.3 Prisão Preventiva na Esfera Cível..................................................................162
4.4.4 Noticia CrIminis do Juízo da Recuperação e da Falência ..............................163
4.4.5 Pressupostos Objetivos de Punibilidade: Sentença Concessiva de
Recuperação Judicial ou Extrajudicial ou Decreta a Falência.......................................163
4.4.6 A Natureza Jurídica da Sentença Concessiva de Recuperação Judicial ou
Extrajudicial ou Declaratória da Dalência......................................................................164
4.4.7 Segurança Jurídica versus Pretensão Punitiva nas Três Modalidades de
Sentença Falimentar .....................................................................................................166
CONCLUSÃO ...............................................................................................................168
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................171
LEGISLAÇÃO...............................................................................................................177
ARTIGOS .....................................................................................................................177
SITES............................................................................................................................179
12
INTRODUÇÃO
1 Objetivos
O modelo de resoluções de conflitos de interesses na sociedade de natureza
penal é uma questão de opção política. Cada país desenvolve o seu sistema de
acordo com suas peculiaridades próprias, levando-se em consideração entre outros
fatores, o tamanho do seu território, sua cultura jurídica e social, suas experiências
passadas, etc. O certo é que ainda não existe um paradigma perfeito e
universalmente aceito.
No decurso do tempo da cultura jurídica ocidental destacaram-se três
modelos jurídicos penais, a saber: o sistema acusatório, o sistema inquisitivo e o
sistema misto. Se considerarmos a história da Europa sob a ótica dos historiadores
franceses, os quais dividem os tempos históricos com base em eventos políticos, o
território brasileiro somente foi descoberto no começo da Idade Moderna
1
.
Desde outrora, um modelo processual penal adequado a nossa realidade foi
implantado em 1841, até agora em vigor com as alterações nas atribuições dos
órgãos do sistema penal no decurso do tempo. Tal sistema foi confirmado e
reforçado com a constitucionalização do sistema de segurança pública, onde a
apuração preliminar da responsabilidade criminal dar-se-á, em princípio, na fase pré-
processual por intermédio da Polícia Civil ou Polícia Federal, conforme o caso, e
apuração definitiva da imputação realizar-se-á na fase processual, no âmbito do
Poder Judiciário.
O regime democrático pressupõe o espírito crítico à Constituição Federal e as
leis infraconstitucionais, aquela base da nossa forma de organização político-social.
O desvirtuamento do modelo político de resolução dos conflitos de interesses
penais configura-se inconstitucional, pois somente será legítimo o padrão processual
se compatível com a Lei Fundamental.
Numa expressão sintética não podemos dizer que o sistema penal brasileiro
adota uma visão sistêmica, mas uma disputa política por espaço de poder entre
seus órgãos. No nosso caso específico, são órgãos do sistema penal, o Poder
1
http://pt.wikipedia.org/wiki/Idade_Moderna. Acesso em: 22jul.2009, às 09:00h.
13
Judiciário Estadual, o administrador judicial, o Ministério Público Estadual e a Polícia
Civil Estadual.
A gestão do interesse público sob a forma processual penal deve ser
concebida como monopólio do Estado e não dos seus órgãos. Esta é uma verdade
sociológica e política que precisa ser garantida pelo ordenamento jurídico, sob pena
de criar uma insegurança jurídica, que traz como consequência, a perda da
autoridade desse ordenamento e instabilidade para o desenvolvimento da
sociedade. Sob esse prisma, a visão do cidadão deve ser clara: “quem faz o quê no
sistema penal falimentar”, senão, acentua-se a crise existente de animosidade
velada entre as instituições.
É oportuno esclarecer que a nossa Carta Política não criou um novo sistema
processual penal, apenas confirmou e reforçou o existente, dando relevo também
aos órgãos do sistema de segurança blica, tendo eles funções genéricas e
específicas, os quais são inseridos dentro do bojo do sistema penal.
O objetivo geral é comprovar que o processo penal brasileiro adota como
regra geral, o sistema misto.
O objetivo específico da presente dissertação é demonstrar as funções
específicas de cada órgão integrante do sistema penal falimentar em decorrência da
nova realidade jurídica processual no âmbito econômico em decorrência da nova Lei
n° 11.101/2005 (a nova lei de falência e recuperação judicial e extrajudicial do
empresário e da sociedade empresária), em substituição ao Decreto-lei
7.661/1945 (a antiga lei de falência e concordata), qual seja, o processo penal misto.
O Direito Falimentar na sua vertente de Direito Penal Econômico e Processual
Penal adquiriu nova sistemática com a extinção e criação de tipos penais
falimentares
2
, bem como inovações em procedimentos processuais, tais como a
implantação do inquérito policial que sucedeu o inquérito judicial, este, no nosso
sentir, após a Carta Magna de 1988, inconstitucional por violação do sistema
adotado na Lei Fundamental.
2
A expressão "Crimes Falimentares" foi abolida pelo legislador infraconstitucional, a lei refere-se tão-
somente a “crimes em espécie”, afastando-se do modelo anterior, porquanto, agora, crimes que
podem ser cometidos antes, durante ou depois da sentença de recuperação judicial ou extrajudicial,
como também da declaratória de falência da empresa. Contudo, a expressão crimes falimentares é
tradicional no meio jurídico e deve permanecer, principalmente porque os tipos estão contidos na
nova Lei de Recuperação e Falência, embora o novo instituto de recuperação da empresa tenha
proeminência.
14
Segundo Nilo Batista: “o objeto jurídico dos crimes falimentares é o
patrimônio, visto a partir de sua função social, o sujeito passivo será a coletividade
dos credores e qualquer deles individualmente considerado.”
3
Nos parece, salvo
melhor juízo, que o objetivo primordial da proteção jurídica nos crimes falimentares é
a própria preservação do sistema capitalista de economia de mercado. Como bem
lembrou o professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra, Eduardo Correia: “A vida económica é o sangue da sociedade.”
4
Tanto é
assim, que um dos efeitos da condenação por crime falimentar é a inabilitação para
o exercício da atividade empresarial, apesar de não ser um efeito automático, bem
como a violação da inabilitação constitui-se modalidade delitiva (ver 3.6.2 e 3.6.4 do
Capítulo III).
2 Problema Central
O problema central da presente dissertação será a análise do sistema
processual penal falimentar brasileiro à luz da Lei 11.101/2005, em harmonia com
a Constituição Federal. Além de trazer à baila, de forma reflexa, a discussão sobre o
sistema processual penal brasileiro.
Para se chegar ao problema desta dissertação partiu-se da análise das leis
processuais penais que vigoraram ou vigoram no território nacional.
3 Hipóteses
A partir do exposto, o presente trabalho acadêmico pretende discorrer sobre o
sistema penal falimentar sob uma perspectiva analítica das reais características
históricas dos sistemas processuais penais.
A hipótese central é a busca do real sistema processual penal falimentar; a
secundária, o sistema processual penal adotado como regra no Direito brasileiro.
4 Metodologia
3
BATISTA, Nilo. Lições de Direito Penal Falimentar. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p. 87-88.
4
CORREIA, Eduardo. In: Notas críticas à penalização de actividades económicas. ed. Lisboa:
Centro de estudos jurídicos, abril, 1985, p. 22.
15
A metodologia adotada neste trabalho será aquele que visa à interpretação
harmoniosa do ordenamento jurídico brasileiro, o qual congrega os quatro elementos
tradicionais da hermenêutica jurídica, a saber: o método literal, lógico, histórico e
teleológico, isto é, o método sistêmico.
5
A pesquisa opera-se no campo teórico-
interpretativo da realidade jurídica ao longo do tempo, partindo-se daquilo que é
conhecido. Amplia-se o já conhecido, do particular para o geral, com o objetivo de se
elaborar uma forma de conhecimento real do sistema penal nacional.
O tempo social refere-se ao período da formação jurídica processual penal
brasileira tendo como referências legislativas, as Ordenações Filipinas, o Código de
Processo Criminal do Império de 1832, reformado por meio da Lei 261/1841,
Código de Processo Penal de 1941, Constituição Federal de 1988, e, atualmente
sob a égide das alterações do sistema processual penal realizado por intermédio da
Lei n° 8.862/1994, da Lei 11.689/2008, da Lei 11.690/2008 e da Lei n°
11.719/2008, sucessivamente.
O método de procedimento será o monográfico, com a abordagem de um
único tema. É importante ressaltar que se o método histórico não chegou a
constituir-se o método principal, entretanto, acabou por influir de maneira decisiva na
evolução das ideias, podemos até afirmar que foi imprescindível para a
comprovação das hipóteses defendidas. Na esteira de pensamento de Savigny
(1797-1891), interpretar é compreender o pensamento do legislador manifesto no
texto da lei.
No início do século XIX, o jurista alemão sustentava que o trabalho científico
do jurista deveria fundamentar-se em considerações históricas.“O objetivo da ciência
jurídica é, por conseguinte, apresentar historicamente as funções legislativas de um
Estado.”
6
Mutatis mutandis, ninguém mais sustenta, na atualidade, que o direito é
puro produto da história, mas ele evolui de acordo com os acontecimentos
históricos.
A técnica de pesquisa privilegiada foi à bibliográfica, tendo sido realizado um
amplo levantamento de várias disciplinas afetos ao tema.
5
PEIXINHO, Manoel Messias. A interpretação da constituição e os princípios fundamentais:
elementos para uma hermenêutica constitucional renovada. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003,
p. 50.
6
SAVIGNY, F. Karl Non. Metodologia jurídica. Tradução de Heloísa da Graça Buratti. São Paulo:
Rideel, 2005, p. 19.
16
5 Fontes Primárias e Secundárias
As fontes primárias são extraídas da doutrina elaborada pelos autores
clássicos do Direito nas áreas de Direito Constitucional, Direito Processual Penal,
Direito Penal, Direito Empresarial, Direito Falimentar, Direito Administrativo, Direito
Civil, Filosofia do Direito, Criminologia, as Ordenações Filipinas, o Código de
Processo Criminal do Império de 1832, reformado por meio da Lei 261/1841, o
Código de Processo Penal de 1941, atualizado, recentemente, por intermédio da Lei
8.862/1994, da Lei 11.689/2008, da Lei 11.690/2008, da Lei 11.719/2008
e Constituição Federal de 1988. As fontes secundárias o emanadas da doutrina
ministrada pelos autores clássicos da história do desenvolvimento econômico do
Brasil.
6 Justificativa e Inserção da Presente Dissertação na Proposta do PMD-UCAM
O desenvolvimento econômico também pressupõe uma tranquilidade pública
que possibilite a atividade econômica a desenvolver seus potenciais de câmbios de
bens e serviços com segurança jurídica. Neste diapasão, funcionam os órgãos do
sistema penal quando os agentes econômicos nos seus negócios empresariais não
respeitam as regras do jogo, causando prejuízo econômico-financeiro a vitima
individual, bem como ao sistema de produção de bens e serviço. O risco é o
elemento sempre presente na seara empresarial, sendo a insolvência um elemento
não desejável, mas previsível.
A quebra em si pode ser uma circunstância normal na sociedade, mas
também pode camuflar ilícitos penais, daí a importância do sistema penal como
agente do controle social para restaurar o abalo da confiança, via investigação
policial e processo penal, objetivando a responsabilização penal dos agentes
causadores do dano.
A Lei 11.101/2005, restaura o espírito sistêmico do sistema penal com a
extinção da figura do inquérito judicial criado por meio do Decreto-lei 7.661/1945,
o qual transformou juízes em investigadores nos delitos falimentares.
17
A relevância do objeto de estudo é fundamental na seara falimentar, pois em
consulta ao banco de teses da CAPES
7
(Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior) encontramos poucos trabalhos situados no cenário da
produção do conhecimento nesta área específica falimentar.
A tabela mostra o quantitativo de teses obtidas quando se lança as palavras-
chave relacionadas ao foco do presente estudo. Os resultados obtidos podem ser
verificados na tabela abaixo.
A tabela acima revela a quantidade de trabalhos obtidos quando se lançam as
principais palavras-chave relacionadas ao foco do presente estudo. É importante
ressaltar que “P” se refere a trabalhos resultantes de Mestrados Profissionalizantes,
“M” àqueles frutos do Mestrado Acadêmico e “D” os defendidos em curso de
Doutorado.
Do mesmo modo, o tema em questão se enquadre na área de concentração
de Direito Econômico e Desenvolvimento, na linha de pesquisa: Estado, Empresa,
Tributação e Responsabilização Civil, Penal e Administrativa do PMD-UCAM
8
.
A construção dessa dissertação valeu-se de pesquisa multidisciplinar,
contou-se com contribuições oriundas da Ciência Econômica, da Ciência Política,
Filosofia do Direito, História, da Sociologia e da Criminologia. Além do mais, contou
com a experiência do autor em sua observação do sistema processual penal na
práxis jurídica, seja na qualidade de advogado e delegado da Polícia Civil do Estado
de Pernambuco, respectivamente.
Procuramos, assim, formular nosso trabalho numa perspectiva de ciências
sociais aplicadas a nossa realidade sem distorcer a verdade histórica, além de o
perder o foco da proposta institucional-acadêmica do PMD-UCAM. É isso que
7
http://servicos.capes.gov/capesdw/ . Acesso em: 18agosto.2009, às 15:00h.
8
Programa de Mestrado em Direito da Universidade Candido Mendes.
Palavras-
chave
P M D
Sistema
penal
falimentar
00 04 01
18
impede que nosso objeto de pesquisa não se torne uma proposta generalista e sem
objetividade. Por tal motivo, convidamos para integrar a banca examinadora desse
estudo professores doutores da área do Direito e História com afinidade ao tema: A
Instituição do Processo Penal Misto dos Crimes Falimentares no Brasil.
7 Síntese do Conteúdo dos Capítulos
A dissertação está dividida em quatro Capítulos, além da introdução,
conclusão e das referências bibliográficas.
7.1 Capítulo I
O Capítulo I aborda de forma sucinta sobre a história do contexto sócio-
político-econômico do processo penal falimentar no Brasil, tendo como antecedentes
o processo de execução coletiva desde a Antiguidade até a Idadedia, pois
nestes períodos visava atender exclusivamente os interesses dos credores. no
começo na Idade Moderna, o Brasil foi descoberto sendo o processo falimentar
menos primitivo, tendo em vista que visava o patrimônio e a liberdade do devedor.
As Ordenações Filipinas equiparava os mercadores a ladrões. O Código
Penal do Império de 1830, punia a bancarrota fraudulenta com prisão. O Código de
Processo Criminal do Império de 1832, sofreu uma reforma através da Lei n° 261, de
03 de dezembro de 1841, sendo instituído os cargos de chefe de polícia e delegado
de polícia com atribuições de investigação criminal em substituição do juiz de paz. O
Código Comercial de 1850, institui a falência genuinamente nacional. O Decreto
738/1850, estabeleceu o processo falimentar. Na República, o Decreto
917/1890, revogou as disposições do Código Comercial em relação à falência. No
Estado Novo, Getúlio Vargas baixou o Decreto-lei 7.661/1945, substituído
atualmente pela Lei 11.101/2005, que estabeleceu os atuais tipos penais e novas
normas processuais penais aplicáveis à espécie.
Em fim, procurou-se trazer à baila, em linhas gerais, o sistema penal
falimentar do sistema econômico capitalista nacional na organização social
hierarquizada da sociedade brasileira.
7.2 Capítulo II
19
No Capítulo II vamos discorrer sobre os principais institutos do Direito
Falimentar indispensáveis como pressupostos à compreensão do fenômeno do
processo penal falimentar, tais como os conceitos contemporâneos de falência, os
princípios da nova lei, empresas sujeitas ou não ao regime falimentar da LREF.,
espécies de recuperação e órgãos da recuperação e da falência.
7.3 Capítulo III
O Capítulo III nos dedicaremos ao estudo dos órgãos do sistema penal
responsáveis pelo processo de criminalização dos crimes falimentares, os
procedimentos em juízo com a análise elementar dos tipos penais, a suspensão
condicional do processo, a sentença penal condenatória e seus efeitos, além dos
recursos.
7.4 Capítulo IV
O Capítulo IV estuda especificamente os marcos conceituais aplicáveis à
percepção do sistema penal, o sistema processual sob o enfoque sistêmico,
sistemas processuais penais propriamente ditos, o moderno processo penal
brasileiro, a controvérsia sobre a investigação criminal entre a Polícia Judiciária e o
Ministério Público, a eleição do sistema processual misto no Direito brasileiro,
aspectos fundamentais do juízo cível sobre o juízo criminal, natureza jurídica da
sentença de falência, recuperação judicial e extrajudicial, notitia criminis falimentar,
pressupostos de punibilidade, por último, a questão da segurança jurídica.
20
CAPÍTULO I
1 BREVE HISTÓRIA DO CONTEXTO SÓCIO-POLÍTICO-ECONÔMICO DO
PROCESSO NOS CRIMES FALIMENTARES NO BRASIL
1.1 Considerações Históricas do Direito Concursal
1.1.1 Idade Antiga
Nos primórdios da civilização, sob a égide das XII Tábuas, o devedor que não
saldasse a obrigação no prazo convencionado respondia com seu próprio corpo, o
qual podia ser vendido como escravo no estrangeiro.
9
Permitia-se, inclusive, que o
credor pudesse dispor do corpo do devedor e de sua vida em virtude do caráter
pessoal da obrigação, na Índia, no Egito e na Grécia
10
. Neste sentido, no Egito
admitiu-se a escravidão para pagamento de dívidas e no direito helênico o devedor
vendia sua própria pessoa ao credor.
11
Na Mesopotâmia, permitia-se a venda da
esposa e dos filhos do devedor, além da sua escravização por um prazo limitado de
três anos, conforme o Código de Hammurabi.
12
Em Roma não existia a separação entre Direito Civil e Direito Comercial.
13
Na
evolução da civilização humana, tal forma de execução foi gradativamente sendo
proibida, sendo o patrimônio do devedor a única fonte de garantia do credor. Nesta
direção, em 428 a.C., surge a Lex Poetelia Papiria, onde o vínculo obrigacional
deixou de ser pessoal e passou a ser real.
14
1.1.2 Idade Média
9
COELHO, bio Ulhoa. Comentários à nova lei de falência e de recuperação de empresa. ed.
São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 189-190.
10
LOBO, Jorge Joaquim. Direito concursal: direito concursal contemporâneo, acordo pré-concursal,
concordata preventiva, concordata suspensiva, estudos de direito concursal. Rio de Janeiro: Forense,
1998, p. 3.
11
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência comentada. 4ª ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 34.
12
BATISTA, Nilo. Lições de direito penal falimentar. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p. 29.
13
PAIS, Paulo Roberto Tavares. Curso de direito comercial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985,
p. 5.
14
LOBO, Jorge Joaquim. Direito concursal: direito concursal contemporâneo, acordo pré-concursal,
concordata preventiva, concordata suspensiva, estudos de direito concursal. Rio de Janeiro: Forense,
1998, p. 3.
21
O Direito Falimentar, desde seus primórdios e durante séculos, tinha por
finalidade exclusivamente atender aos interesses dos credores, mesmo com
sacrifício da liberdade e até da vida do devedor. O processo coletivo de execução,
precursor do processo de falência, inicia-se na Idade Média nas cidades italianas do
norte (Florença, Veneza Milão, Gênova).
15
Com base nos estudos das origens do
Direito Comercial, concluí-se que este ramo do direito, como um corpo sistematizado
surgiu na Idade Média.
16
Nilo Batista nos afirma que nesta época, isto é, a partir do
século XII, surgiram os crimes falimentares derivados do direito estatutário destas
cidades italianas, incluindo, Bolonha.
17
A Idade Média teve como base o direito romano e o direito canônico,
formando seu direito comum. Nessa fase, o processo de execução se aperfeiçoa em
decorrência do crescimento da autoridade estatal que procurou coibir os abusos de
caráter privado, mas isso não fez abolir a repressão penal, sendo esta, traço
característico daquela época. A partir do século XIII, está em formação um direito
comercial informal e cosmopolita, o instituto da falência abrangia tanto o devedor
comercial quanto o devedor civil, sendo o falido coberto de infâmia, tido como
fraudador, sujeito a severas medidas penais, além da perda total de seu
patrimônio.
18
A nota de “infâmia” sempre acompanhou o devedor durante toda Idade Média,
na Itália, na França e na Inglaterra, pois o Direito Falimentar caracterizava-se pelo
nítido objetivo de punir com sanções humilhantes o devedor insolvente.
19
1.1.3 O Instituto da Falência
A palavra falência vem do latim: fallere (faltar). Expressa a ideia de falta com
o prometido, identifica-se, outrossim, com o verbo enganar.
20
Utilizava-se como
sinônimo de falência a expressão “quebra”, haja vista que a banca dos devedores
15
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência comentada: lei
11.101: comentários artigo por artigo. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 35.
16
GUERRA, Érica. LITRENTO, Maria Cristina (org). Nova lei de falência: lei 11.101 de 9/2/2005,
comentada. Campinas/SP: LZR, 2005, p. 10.
17
BATISTA, Nilo. Lições de direito penal falimentar. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p. 34.
18
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência comentada. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 35.
19
LOBO, Jorge Joaquim. Direito concursal: direito concursal contemporâneo, acordo pré-concursal,
concordata preventiva, concordata suspensiva, estudos de direito concursal. Rio de Janeiro: Forense,
1998, p. 17.
20
CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência
empresarial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 3.
22
era quebrada pelos credores, conforme as Ordenações do Reino, bem como a
denominação “bancarrota”.
21
Quanto à evolução do instituto falimentar na era
contemporânea, faremos um maior aprofundamento no Capítulo II
.
1.2 O Contexto Sócio-Político-Econômico do Processo nos Crimes
Falimentares no Brasil
1.2.1 Período Brasil-Colônia
A responsabilidade penal nos crimes falimentares no Brasil está dentro de um
contexto sócio-político-econômico, o qual não se pode ignorar, qual seja: a nossa
própria evolução histórica, enquanto sociedade. Ela abrange “quem faz o quê e
como se realiza no mundo fático” (ver 3.2, 3.3, 3.4 e 3.5 do Capítulo III) para
concretizar o tipo penal geral e abstrato através do processo penal. Logo, ela tem
duas dimensões ao mesmo tempo, processual e penal. Apesar de não ser objeto do
presente trabalho fazer uma profunda análise sobre os aspectos sócio-político-
econômico que envolvem a questão no tempo e no espaço, procuraremos trazer à
baila uma visão sistêmica deles, ainda que de forma limitada e modesta, pois, de
regra, os doutrinadores dão um enfoque particular sobre sua área de conhecimento
científico específico. Daí, a nossa missão será por natureza difícil e imperfeita devido
à sua complexidade.
1.2.1.1 Época do Arrendamento Mercantil e Capitanias Hereditárias
Na época do descobrimento de Brasil, ou seja, no dia 22 de abril de 1500,
vigorava em Portugal o regime monárquico absolutista, onde o rei detinha em suas
mãos todo o poder, sem limitação, inclusive outorgava o ordenamento jurídico.
Sob o prisma do Direito Internacional do velho continente, nasceu para a
coroa portuguesa o direito de propriedade e consequente exploração dos recursos
21
CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência
empresarial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 3.
23
naturais da nova terra, mas, também, o problema de manutenção do domínio
territorial.
22
Preliminarmente, como podemos observar, o governo português tinha a
intenção de explorar economicamente o território, sem qualquer preocupação de
colonização. Todavia, em face à possível ameaça de invasão, pois os franceses
faziam pirataria com o pau-brasil, o monarca extingue o arrendamento e institui o
sistema jurídico de doação das capitanias hereditárias, objetivando promover a
posse efetiva da terra com a sua defesa e povoamento.
Neste tipo de concessão articulavam-se duas práticas jurídicas: a) a doação
de bens do Estado a particulares como retribuição a serviços; b) o procedimento
genovês de conceder aos credores dessa República direitos sobre terras
subordinadas colonialmente
23
. De início, quinze foram os lotes distribuídos entre
doze donatários, entre eles: Pernambuco, concedido a Duarte Coelho; São Vicente e
Rio de Janeiro a Martim Afonso de Sousa; Santana, Santo Amaro e Itamaracá a
Pero Lopes.
24
Com o instituto jurídico, D. João III, procurou valer-se dos recursos
particulares para a obra da posse e da colonização, demasiadamente onerosa para
a Coroa Portuguesa. Nasciam aí, as oligarquias brasileiras
25
, os grandes
latifundiários, implanta-se na nova terra o sistema econômico basicamente feudal,
todavia, encontrava-se em curso na Europa a revolução capitalista mercantil.
26
Na gênese do sistema econômico brasileiro, destacavam-se os produtores de
açúcar (principalmente, Pernambuco, além da maior proximidade com Portugal e
22
Logo após o descobrimento, em 1502, a Coroa cedia os direitos de extração do pau-brasil aos
comerciantes de Lisboa, pelo sistema de arrendamento. Convém fixar que essa atividade não
conduziu ao povoamento da terra, pois os brancos carregavam os navios da madeira e regressavam
à Europa. Todavia, poucos anos após o descobrimento essa política foi mudada no sentido de fixação
do homem ao solo através do povoamento, pois se temia invasões do território por outros povos,
como de fato aconteceu pelos franceses e holandeses tempos depois.
23
ALBUQUERQUE, Manoel Maurício de (1927-1981). Pequena história da formação social brasileira.
4ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1986, p. 72.
24
Segundo Álvaro de Brito, são as seguintes razões que determinaram D. João III a instituir o regime
das capitanias hereditárias: o principal motivo foi a incapacidade de Portugal de manter a posse
efetiva da terra em face dos contrabandistas do pau-brasil; uma carta do Dr. Diogo de Gouveia (29-2-
1532), ilustre português que vivia em Paris e apelos anteriores de Cristóvão Jacques e João de Melo
da Câmara; com o sistema de doação das capitanias, D. João III procurou valer-se dos recursos
particulares para a obra da posse e da colonização, demasiadamente onerosa para a Coroa
Portuguesa. O sistema fora empregado com sucesso, nas ilhas atlânticas de Portugal. (História
político-administrativa social e econômica do Brasil. Rio de Janeiro: Interciência, 1979. p. 28.)
25
Podemos chamar de oligarquias, pequenos grupos de pessoas, da mesma camada social, de
poder aquisitivo similar, que exercem forte interferência nos negócios públicos, garantindo para si
força política.
26
E, Raúl Zaffaroni, BATISTA, Nilo, ALAGIA, Alejandro, SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro:
primeiro volume – teoria geral do direito penal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003, pp. 393-394.
24
São Vicente, também pelo cultivo de cana-de-açúcar e porto natural de sua
enseada). Entretanto, especialmente na colônia brasileira, as relações de trabalho
eram predominantemente escravocratas.
Nesta fase de domínio português, a alçada administrativa e judicial ficou a
cargo dos capitães-donatários
27
. Conforme podemos constatar, a administração
pública ficou privatizada nas mãos dos capitães, não havendo qualquer separação
entre atividade jurisdicional, militar e de policiamento naquela época. Salvo melhor
juízo, não há qualquer registro de pessoa estrangeira presa, julgada e condenada
pelos capitães antes da existência do Governo Geral. Entretanto, com a
institucionalização do governo português através de agentes estatais na Colônia, os
poderes dos capitães foram gradualmente reduzidos. De acordo com Teixeira da
Silva, as capitanias continuavam a existir: “a última a ser extinta será São Vicente,
em 1791.”
28
1.2.1.2 A Instituição do Governo Geral e a Câmara Municipal
O modelo das capitanias entrou em crise, sendo substituído pelo Governo
Geral. O novo sistema foi implantado pelos seguintes motivos: insuficiência de
recursos dos donatários; anarquia dos colonos e rebelião dos indígenas. O ápice da
questão foi o assassinato do donatário da Bahia, Francisco Pereira Coutinho,
executado pelos índios tupinambás. A Coroa resgatou a capitania, pagando uma
indenização aos herdeiros dele, com o objetivo de estabelecer naquela localidade a
capital da Colônia. Em 29 de março de 1549, Tomé de Sousa chegou à Bahia,
sendo o chefe político e militar da Colônia por designação do rei D. João III
29
.
27
Francisco Carlos Teixeira da Silva destacou os poderes que os capitães dispunham no tocante à
administração pública: a) tinham o monopólio da baixa e da alto justiça, “ressalvando a morte natural
ou retalhamento de membros” em pessoas de condição nobre, mas com alçada até a morte sobre
escravos, gentios e homens livres de menor qualidade, além do direito de impor degredo de até dez
anos aos homens de qualidade e a morte, sem apelação ao rei, nos casos de traição, heresia,
sodomia e moeda falsa; b) visando a promover o povoamento, tinham o direito de doar sesmarias,
conforme o regimento de dom Fernando (1367-1383) e as Ordenações Manuelinas, de 1521, sem
ônus para o sesmeiro, mas com a obrigação de cultivá-las no prazo ximo de cinco anos, sob pena
de perda das terras; c) tinham, ainda, o comando militar e o direito de alistar os colonos e formar
milícias. (História geral do Brasil. Org. Maria Yedda Linhares. 9ª ed: Rio de Janeiro: Elsevier, 1990. In:
Conquista e colonização da américa portuguesa, p. 58).
28
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. História geral do Brasil. Org. Maria Yedda Linhares. 9ª ed: Rio
de Janeiro: Elsevier, 1990. In: Conquista e colonização da américa portuguesa, p. 67.
29
Conforme Álvaro de Brito, a comitiva do governador contada com 6 navios, mais de mil pessoas
auxiliares da administração, artífices, 600 soldados, 400 degredados, 6 jesuítas. (História político-
administrativa social e econômica do Brasil. Rio de Janeiro: Interciência, 1979, p. 33).
25
Tomé de Sousa logo tomou as seguintes providências: construiu uma vila, a
primeira do Brasil, São Salvador; inicia sua ação punitiva contra os tupinambás,
matando e cativando aquela parte deles como castigo exemplar, conforme
determinou o rei.
No campo político-administrativo deram-se as seguintes mudanças: os
capitães-donatários perderam algumas de suas prerrogativas, tais como a de
ministrar justiça e arrecadar os impostos. O principal mandatário do novo sistema
passou a ser o governador-geral, o qual adotou um modelo administrativo
centralizador, a exemplo do Estado Português, o qual adotava uma forma unitária de
Estado, tendo como principais auxiliares: o provedor-mor da Fazenda: Antônio
Cardoso de Barros; o ouvidor-mor ou geral: Pero Borges; capitão-mor da costa: Pero
de Góis. Encarregados, respectivamente, dos negócios das Finanças, da Justiça, de
evitar invasões, principalmente o contrabando do pau-brasil. O principal feito
administrativo de Tomé de Sousa foi à fundação da cidade de Salvador, inaugurada
solenemente a de novembro de 1549, onde se estabeleceu o centro da atividade
governamental na Colônia.
30
No plano da defesa, o governo colonial, ainda preocupava-se com dois pontos
específicos: invasão do território e combate ao contrabando de pau-brasil.
Possivelmente, desde aquela época, a aplicação ou não da lei penal dependia
da qualidade do réu. Os relatos da administração Tomé de Souza indicam que ele
exerceu o poder de punir conforme as conveniências do momento. Ainda no ano da
fundação de Salvador, foram vítimas de canibalismo quatro colonos por obra de
índios. Nas palavras de Francisco Adolfo (1816-1878): “Soube-o Tomé de Souza: e
encarregou da desafronta a Pêro Góis, o qual, conseguindo prender dois principais
dos culpados, os mandou fuzilar à boca de um canhão.”
31
Porém, para dois franceses presos no Rio de Janeiro, em 1550, por
contrabando de pau-brasil, atividade considerada pela Coroa digna da mesma
punição, a punição legal foi ignorada.
32
30
BRITO, Álvaro de. História político-administrativa social e econômica do Brasil. Rio de Janeiro:
Interciência, 1979, pp. 32, 33 e 34.
31
VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História geral do Brasil: Antes da sua separação e
independência de Portugal. 6ª ed. Tomo I. São Paulo: Melhoramentos, 1965, p. 243.
32
Quando o ouvidor-geral e o provedor-mor haviam de São Vicente, Pero de Góes voltou para o
norte. Entrando no Rio de Janeiro, encontrou fazendo brasil dois franceses, que logo prendeu e
depois mandou à Bahia (...). Tomé de Sousa dizia mui tranqüilamente deles ao rei que os não
mandara enforcar, porque tinha necessidade de gente que não cobrasse do Tesouro. VARNHAGEN,
26
Após a descoberta do Brasil, o combate ao crime e a punição dos criminosos
se fizeram, em tese, por meio das Ordenações Afonsinas, de 1446. Ordenações
Manuelinas, de 1521. Ordenações Filipinas, de 1603, sucessivamente. No sentido
da não aplicação efetiva das normas legais no território nacional, ficamos com a
orientação de E. Raúl Zaffaroni, Batista, Alejandro Alagia e Alejandro Slokar, quando
dizem: “As Ordenações Afonsinas, em cuja vigência (1447-1521) se deu a
descoberta do Brasil, não tiveram qualquer influência na nova colônia.”
33
Conforme
José Nunes:
Até 1669, a autoridade máxima estava concentrada na pessoa do
Governador, quando passou para os Ouvidores-Gerais, por força do
Regimento dos Ouvidores-Gerais, trazido de Lisboa pelo Ouvidor-
Geral, João de Abreu e Silva. Os Ouvidores-Gerais tinham alçada
especial e exclusiva sobre escravos, índios e peões brancos.
Também competia-lhes a aplicação das penas de prisão, até o limite
de 6 anos, aos nobres, moços da Câmara e fidalgos e tinham, ainda,
de ser ouvidos quando da soltura de sentenciados e homiziados.
34
Em tese, no Brasil, conforme Manoel Justino, o primeiro diploma que cuidou
da matéria falimentar foi a Lei de 8 de março de 1595, promulgada por Filipe II, que
veio a influenciar as Ordenações Filipinas, promulgadas oito anos depois, em
1603”.
35
Tal diploma legal de 08 de março de 1595,
36
definia a situação jurídica da
quebra dos comerciantes, que, por assim dizer, caíssem em insolvência sem culpa.
Antes, o devedor, a depender da gravidade do caso, poderia ser punido com
prisão ou até a morte. Logo, naquela época, a falência em si, salvo melhor juízo, era
considerada como crime passível da pena de morte. A Lei de 08 de março de 1595
institui a chamada “pobreza sem culpa”. A pessoa falia, mas não tinha culpa, desta
forma, retirava-se a culpabilidade objetiva caracterizadora da pena de morte.
37
Francisco Adolfo de. (História geral do Brasil: antes da sua separação e independência de Portugal.
8ª ed. Tomo I. São Paulo: Melhoramentos, 1975, p. 247).
33
E, Raúl Zaffaroni, BATISTA, Nilo, ALAGIA, Alejandro, SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro:
primeiro volume – teoria geral do direito penal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 413.
34
SANTOS. José Nunes dos. A Instituição policial. In: Ligeiro escorço histórico. Coord. Julita
Lemgruber. Rio de Janeiro: Revista da OAB/RJ, n° 22, 1985, p. 16.
35
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência comentada. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 35.
36
http:///.boletimjuridico.com/doutrina/texto.asp?id=1730. Acesso em: 12agosto.2009, às 10:30h.
37
http://jusvi.com/artigos/19017. Acesso em: 12agosto.2009, às 10:00h.
27
As Ordenações Filipinas consideravam como ladrões todos os mercadores
que quebrassem levantando-se com mercadorias que lhes foram fiadas ou dinheiro
que tomaram a câmbio. As penas oscilavam da morte à interdição do trabalho
comercial, passando por degredo e galés. A prisão do devedor, até que solvesse a
dívida, estava contemplada numa lei de Dom Diniz, recolhida e ampliada pelas
Ordenações Afonsinas e reproduzida nas Filipinas, as quais tiveram vigência no
Brasil.
38
Como não poderia ser de outra forma, o Brasil, na época colonial adotou o
modelo municipal lusitano. As câmaras municipais ou senados tinham atribuições
políticas, administrativas e judiciais no município. Segundo nos consta, a Câmara
Municipal de São Vicente foi a primeira a ser instalada no solo brasileiro no dia 22 de
janeiro de 1532.
39
A câmara era composta por um juiz, seu presidente nato, mais três ou quatro
vereadores, um escrivão, um procurador e, em alguns lugares, um tesoureiro. Seus
membros eram chamados de “oficiais ou homens bons”, os quais eram também a
classe dominante, ou seja, os proprietários de terras. A câmara tornou-se a base da
administração colonial. Não destacaremos as funções específicas das câmaras, pois
elas variavam no tempo, não sendo o nosso objeto de estudo. Em princípio,
competia às câmaras construir prisões e conservá-las, organizar a defesa militar da
cidade, objetivando velar pela segurança da população contra ataques inimigos e
reprimir a pirataria.
Outro evento político que não poderia passar despercebido na formação
jurídica brasileira foi a contribuição do domínio espanhol. A União Ibérica (1580-
1640), realizado pelos Habsburgo de Espanha fora um velho sonho de Dom Manuel
I, que se enredara em sucessivos casamentos com parentes de Carlos V, tendo,
portanto, laços de sangue com Felipe II.
40
A publicação das Ordenações Filipinas em
1603, contribuiu com a nossa cultura jurídica, pois seu livro dedicado ao Direito Civil
vigorou por mais de 300 anos só revogado em 1917, pelo Código Civil brasileiro.
38
BATISTA, Nilo. Lições de direito penal falimentar. Rio de Janeiro: Revan, 2006, pp. 36-37.
39
http://www.camarasaovicente.sp.gov.br/camara/berco.asp. Acesso em: 01jun.2009, às 09:00h.
40
O domínio espanhol sobre o Brasil foi de suma importância para a nossa história, pois moldou
inúmeras das instituições do país e permitiu a sua pré-figuração territorial na visão de Teixeira da
Silva, pois teve as mesmas preocupações de povoar a terra, expulsar os franceses e controlar o
gentio, seja pelo extermínio, seja pela catequese. História geral do Brasil. Org. Maria Yedda Linhares.
9ª ed: Rio de Janeiro: Elsevier, 1990. In: Conquista e colonização da américa portuguesa, p. 67
28
1.2.1.3 Brasil como Vice-Reinado e Povoamento e Estratificação Social
A transferência da sede do governo geral da Bahia para o Rio de Janeiro em
1763 com a vinda do vice-rei Conde da Cunha foi motivado por necessidades
político-econômicos
41
. Portugal instalou o centro da administração próximo à região
mais rica da Colônia, na época, a região de Minas Gerais, produtora de ouro e
diamante, além do mais, necessitava dar efetiva assistência à Sacramento, a qual
vivia em constante conflito com os espanhóis do Rio da Prata. No que se refere aos
poderes, não houve diferença nenhuma entre o governador-geral e vice-rei. A única
diferença é uma questão de linhagem, pois o tulo de vice-rei era dado aos
mandatários recrutados da classe fidalga; enquanto o título de governador-geral era
dado aos advindos da classe plebeia, homens da administração ou das armas.
O povoamento do Brasil se fez com o trabalho e o lucro resultante da
economia açucareira. Devemos ao açúcar a base econômica do povoamento e da
colonização brasileira. Ele foi o nosso primeiro grande produto de exportação, mas
trouxe os seguintes vícios que prejudicaram a economia brasileira: a escravidão
negra; a monocultura, a pouco tempo representada pelo café; a lavoura de
exportação; o latifúndio; a destruição das florestas, etc. A organização social da
colônia brasileira era constituída sob uma forma de sistema piramidal contendo três
camadas sociais, as quais se constituíram sobre as desigualdades e os privilégios.
No topo da pirâmide, encontravam-se os grandes proprietários, senhores de
engenho e de escravos; no intermediário, os brancos livres: comerciantes, artesãos,
militares, funcionários, técnicos e trabalhadores manuais dos engenhos e das
cidades; na base larga e sólida, os escravos.
42
Por seu turno, Caio Prado Júnior
(1907-1990), sintetizava o panorama da sociedade colonial nas seguintes
expressões: “incoerência e instabilidade no povoamento; pobreza e miséria na
economia; dissolução nos costumes; inércia e corrupção nos dirigentes leigos e
eclesiásticos.”
43
No comércio interno da Colônia eram importados de Portugal, os seguintes
gêneros alimentícios: trigo, bacalhau, azeite, sal, vinho, etc. Bem como artigos
41
BRITO, Álvaro de. História Político-administrativa social e econômica do Brasil. Rio de Janeiro:
Interciência, 1979, pp. 90-91.
42
Idem, ibidem, p. 48.
43
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. 15ª ed. São Paulo, 1977, p. 356.
29
manufaturados que eram recebidos da Europa e os escravos do continente africano.
Em relação aos bens produzidos no próprio Brasil, temos: feijão, mandioca,
arroz, farinha, carne-seca, etc. Também circulavam no litoral colonial, o ouro,
diamantes e os produtos agrícolas da exportação. Quanto ao comércio externo, que
era monopólio português. Os principais centros de exportação eram: Rio, Bahia, São
Luís e Belém. Os quais exportavam gêneros alimentícios e metais, entre eles:
açúcar, café, algodão, cacau, madeiras, fumo, plantas medicinais, ouro e diamantes.
Quanto à carga tributária, em princípio, a Coroa cobrava o quinto (20%) dos
metais e pedras preciosas e o dízimo (10%) de todos os produtos da terra.
44
No tocante ao processo falimentar, diz Manoel Justino: “Em 1756, o Marquês
de Pombal outorga o Alvará de 13 de dezembro, tratando do processo de falência.”
45
1.2.2 O Brasil na Qualidade de Reino Unido ao de Portugal
Com a chegada da família real no Brasil em 1808 D. João criou ou
transplantou para o nosso País os seguintes órgãos de administração e cultura:
Biblioteca Nacional, Museu Nacional, Banco do Brasil. Intendência Geral de Polícia,
Academia Militar, Academia de Marinha, etc.
46
O Brasil é elevado à categoria de Reino Unido ao de Portugal pela carta de lei
de D. João, datada em 16 de dezembro de 1815, passando o Rio de Janeiro a ser a
Capital do Reino em decorrência da invasão das tropas francesas a Portugal.
47
A contribuição da vinda da corte portuguesa para o desenvolvimento
econômico do Brasil nos relata Caio Prado Júnior nos seguintes termos:
“Constroem-se estradas (as primeiras de boa qualidade no Brasil)
melhoram-se os portos (como o de Recife), introduzem-se novas
espécies vegetais (entre outras, o chá) promove-se a imigração de
colonos europeus, tenta-se aperfeiçoar a mineração do ouro.”
48
1.3 Período Imperial
44
BRITO, Álvaro de. História político-administrativa social e econômica do Brasil. Rio de Janeiro:
Interciência, 1979, pp. 92 e 80.
45
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência comentada. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 35.
46
BRITO, Álvaro de. História político-administrativa social e econômica do Brasil. Rio de Janeiro:
Interciência, 1979, p. 99.
47
Idem, ibidem, p. 100.
48
PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. 9ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1965, p. 133.
30
1.3.1 Primeiro Império
Proclamada a Independência, em 07 de setembro de 1822, o País adquiriu
sua emancipação política. Convocada a Assembléia Constituinte e Legislativa de
1823, esta através da lei de 20 de outubro, mandou aplicar no Brasil as leis
portuguesas vigentes
49
. D. Pedro I outorgou a Constituição do Império, em 25 de
março de 1824.
No dia 07 de abril de 1831, por causas internas e externas, D. Pedro I abdicou
de sua coroa imperial deixando o Brasil no dia 13 do mesmo mês, numa fragata com
destino a Portugal.
1.3.2 Segundo Império
No mesmo dia 07 abril, começou o período regencial que durou até o dia 23
de julho de 1840, quando D. Pedro II, assumiu o pleno exercício dos seus direitos
majestáticos, após a declaração da sua maioridade.
O Código Criminal do Império de 1830, punia a bancarrota fraudulenta com a
pena de prisão com trabalho por 1 a 8 anos (art. 263).
50
Durante o período regencial foi instituído o Código de Processo Criminal de
29 de novembro de 1832, o qual confiou ao juiz de paz atribuições policiais e
judiciais. Conforme Luiz Carlos Rocha
51
: “O Código estabeleceu primeiramente
normas de organização judiciário-policial, mantendo a divisão territorial do País em
distritos, termos e comarcas”. Com o novo texto legal revogou-se o Livro V das
Ordenações Filipinas.
Continuando, comentando o Código de Processo Penal do Império de 1832,
declara Luiz Carlos:
Por esse estatuto, em cada distrito havia um juiz de paz, um
escrivão, inspetores de quarteirão e oficiais de justiça. Os juízes de
49
REQUIÃO, RUBENS. Curso de direito comercial. 1° volume, 26ª ed. 2ª Tiragem. São Paulo:
Saraiva, 2005, p. 16.
50
BATISTA, Nilo. Lições de direito penal falimentar. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p. 39.
51
ROCHA, Luiz Carlos. Organização policial brasileira: polícia federal, polícia rodoviária federal,
polícia ferroviária, polícias civis, polícias militares, corpos de bombeiros militares, guardas municipais.
São Paulo: Saraiva, 1991, p. 35.
31
paz eram eleitos pelo povo, os inspetores e escrivães eram
nomeados pela Câmara Municipal. Os juízes municipais e
promotores da Corte eram nomeados pelo Governo, e nas
Províncias pelos seus Presidentes, sob proposta das câmaras
municipais em listas tríplices, trienalmente feitas. Os juízes de direito
eram nomeados pelo Imperador.
52
Vejamos alguns dispositivos legais do texto de 1832, os quais nos darão uma
visão panorâmica da fusão entre as atividades judicante e policial, conforme
transcrito no rodapé.
53
O sistema adotado pelo Código de Processo Criminal de 1832 não funcionou
de forma satisfatória e foi extinto, transferindo-se as atribuições policiais do juiz de
paz para os chefes de polícia, seus delegados e subdelegados por intermédio da
reforma processual estabelecida pela lei de 03 de dezembro de 1841.
A figura do juiz de paz permanece no nosso ordenamento jurídico tão-
somente com funções ligadas ao matrimônio e outras previstas na legislação, sem
caráter jurisdicional (CF, arts. 98, II e 30 da ADCT).
52
ROCHA, Luiz Carlos. Organização policial brasileira: polícia federal, polícia rodoviária federal,
polícia ferroviária, polícias civis, polícias militares, corpos de bombeiros militares, guardas municipais.
São Paulo: Saraiva, 1991, p. 35.
53
Cf. previa a Lei de 20 de novembro de 1832, ipsis litteris:
“Art. 6.° Feita a divisão haverá em cada Comarca um Juiz de Direito; na Cidades populosas porém
poderão haver até trez Juizes de Direito com jurisdicção comulativa, sendo um delles o chefe de
policia.
Art. 9.° A nomeação, ou eleição dos Juizes de Paz se fará na fórma das Leis em vigor, com a
differença porém de conter quatro nomes a lista do Eleitor de cada Districto.
Art. 12. Aos Juizes de Paz compete:
§ 1.° Tomar conhecimento das pessoas, que de novo vierem habitar no seu Districto, sendo
desconhecidos, ou suspeitos; e conceder passaporte ás que lh’o requererem.
§ 2.° Obrigar a assignar termo de bem viver aos vadios, mendigos, bebados por habito, prostitutas
que perturbam o sossego publico, aos turbulentos, que por palavras, ou acções offendem os bons
costumes, a tranquilidade publica, e a paz das familias.
§ 3.° Obrigar a assignar termo de segurança aos legalmente suspeitos da pretenção de commetter
algum crime, podendo cominar neste caso, assim como aos comprehendidos no paragrapho
antecedente, multa até trinta mil réis, prisão até trinta dias, e tres mezes de Casa de Correcção, ou
Officinas publicas.
§ 4.° Proceder a Auto de Corpo de delicto, e formar a culpa aos delinquentes.
§ 5.° Prender os culpados, ou o sejam no seu, ou em qualquer outro Juizo.
§ 6.° Conceder fiança na fórma da Lei, aos declarados culpados no Juizo de Paz.
§ 7.° Julgar: 1as contravenções ás Posturas das Comarcas Municipais: 2.° os crimes, a que não
esteja imposta pena maior, que a multa até cem mil réis, prisão, degredo, ou desterro até seis mezes,
com multa correspondente a metade d’este tempo, ou sem ella, e trez mezes de Casa de Correcção,
ou Officinas Publicas onde as houver.
§ 8.° Dividir o seu Districto em Quarteirões, contendo casa um pelo menos vinte e cinco casas de
habitantes.” PESSOA, Vicente Alves de Paula (1828-1889). Codigo do processo criminal de primeira
instancia do Brazil com a lei de 3 de dezembro de 1841, N.° 261 e Regulamento N.° 120 de 31 de
janeiro de 1842. Disposição Provisória e Decreto de 15 de março de 1842 com todas as que se lhes
seguirem, até hoje, explicando, revogando e alterando muito de suas disposições. ed. Rio de
Janeiro: Ribeiro Santos, 1899, pp. 14, 23 e 29-36.
32
A nosso ver, a lei processual do Império fracassou neste ponto específico
porque era, exatamente, totalmente política a escolha funcional. A função policial em
si não pode misturar-se com a questão político-partidária. O jogo político é,
infelizmente contaminado por vários interesses, inclusive escusos. Neste contexto,
prevalece, muitas vezes, o interesse político-econômico e não os verdadeiros
interesses da administração da justiça, fundado numa justiça imparcial e igualitária.
Além do mais, continuavam misturadas as funções policiais e judiciais no
mesmo agente estatal, como também ocorria em Portugal, o qual, salvo melhor
juízo, decorreu do próprio sistema acusatório que vigorou em Roma que serviu de
modelo ao sistema processual penal brasileiro inicial (ver 4.3.1 do Capítulo IV).
1.3.2.1 Instituição do Cargo de Chefe de Polícia e Delegado de Polícia
Com o fracasso do sistema adotado pelo Código de 1832, então, deu-se uma
nova reforma processual por intermédio da Lei n° 261, de 03 de dezembro 1841, que
reformou o Código de Processo Criminal do Império, sendo extinta a Intendência
Geral de Polícia e criaram-se os cargos de chefe de polícia, de delegados de polícia.
Conforme podemos observar, no art. 6.° do Código de Processo Penal
imperial, a expressão “chefe de polícia” tinha sido utilizada, todavia, o era um
cargo específico, mais uma função pública exercida por um juiz de direito. a nova
Lei 261, criou cargos específicos
54
e suas correspondentes funções. Vejamos os
arts. 1.° e 2.° da mencionada lei
55
, ipisis litteris:
Art. 1.° Haverá no Municipio da Côrte, e em cada Provincia um
Chefe de Policia, com os Delegados e Subdelegados necessarios,
os quaes, sobre proposta, serão nomeados pelo Imperador, ou
pelos Presidentes. Todas as Autoridades Policiaes são
subordinadas ao Chefe de Polícia.
Art. 2.° Os Chefes de Policia serão escolhidos d’entre os
Desembargadores, e Juizes de Direito: os Delegados e
54
Cargo público é o lugar instituído na organização do serviço público, com denominação própria,
atribuições e responsabilidades específicas e estipêndio correspondente, para ser provido e exercido
por um titular, na forma da lei. Função é a atribuição ou o conjunto de atribuições que a
Administração confere a cada categoria profissional ou comete individualmente a determinados
servidores para a execução de serviços eventuais, sendo comumente remunerada através de pro
labore. Todo cargo tem função, mas pode haver função sem cargo. MEIRELLES, Hely Lopes (1917-
1990). Direito Administrativo brasileiro. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, pp. 387-388.
55
Collecção das leis do Imperio do Brasil de 1841. Lei N. 261, de 3 de dezembro de 1841. ed.
Tomo IV. Parte I. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1864, p. 75.
33
Subdelegados d’entre quaesquer Juizes e Cidadãos: serão todos
amoviveis, e obrigados a aceitar.
Diante do texto legal, podemos observar o critério escolhido pelo legislador
para selecionar os chefes de polícia e delegados, os quais deveriam ser,
respectivamente, desembargadores e juízes de direito; quaisquer juízes e cidadãos.
O prestígio legal dos cargos de chefe de polícia e delegado de polícias
podemos comprovar através de suas funções legais abaixo mencionadas.
56
Tal norma deu-lhes atribuições de polícia administrativa e polícia judiciária,
bem assim competência para julgarem os chamados crimes policiais (crimes de
menor gravidade).
No Império, legalmente, o cargo de delegado nasceu com a garantia da
inamovibilidade (conforme o art. 2.° da Lei 261, já visto). Ótimo, uma bênção para
o povo brasileiro, salve a Assembléia Geral e o Imperador que anuíram nesta norma
tão moralizante. Os súditos teriam, pelo menos, em tese, uma polícia imparcial,
dirigida por autoridades com relativa imunidade às pressões dos detentores do
poder. Tudo ilusão legal, pois veio o Regulamento N. 120, de 31 de janeiro de 1842,
o qual regulamentou a mencionada lei. Comprovamos nossa afirmação, não com
56
Cf. previa o art. 4.° Lei n° 261/1841, in verbis:
“Art. 4.° Aos Chefes de Policia em toda Privincia e na Côrte, e aos Delegados nos respectivos
districtos compete:
§ 1.° As attribuições conferidas aos Juizes de Paz pelo art. 12 §§ 1.°, 2.°, 3.°, 4.°, 5.° e 7.° do Codigo
do Processo Criminal.
§ 2.° Conceder fiança, na fórma das leis, aos réos que pronunciarem ou prenderem.
§ 3.° As attribuições que ácerca das Sociedades secretas e ajuntamentos ilicitos concedem aos
Juizes de Paz as leis em vigor.
§ 4.° Vigiar e providenciar, na fórma das leis, sobre tudo que pertence á prevenção dos delictos e
manutenção da segurança e tranquilidade publica.
§ 5.° Examinar se as Camaras Municipaes tem providenciado sobre os objetos de Policia, que por Lei
se achão a seu cargo, (...).
§ 6.° Inspeccionar os Theatros e espectaculos publicos, fiscalisando a execução de seus respectivos
Regimentos, e podendo delegar esta inspecção, (...).
§ 7.° Inspeccionar, na fórma dos Regulamentos as prisões da Provincia.
§ 8.° Conceder mandados de busca, na fórma da Lei.
§ 9.° Remetter, quando julgarem conveniente, todos os dados, provas e esclarecimentos que
houverem obitdo sobre um delicto, com uma exposição do caso e de suas circumstancias, aos Juizes
competentes, a fim de formarem a culpa.
Se mais de uma autoridade competente começarem um processo de formação de culpa,
proseguirá nelle o Chefe de Polícia ou Delegado, salvo porém o caso da remessa de que se trata na
primeira parte deste paragrapho.
§ 10. Velar em que os seus Delegados, e Subdelegados, ou subalternos cumprão os seus
regimentos, e desempenhem os seus deveres, no que toca a Policia, e formar-lhes culpa, quando o
mereção.
§ 11. Dar-lhes as instrucções que forem necessarias para melhor desempenho das attribuições
policiaes que lhes forem incumbidos.” Collecção das leis do Imperio do Brasil de 1841. Lei N. 261, de
3 de dezembro de 1841. Tomo IV. Parte I. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1864. pp. 75-76.
34
argumento sem comprovação normativa, mas de acordo com o próprio texto
regulamentar
57
, in verbis:
Art. 22. Serão conservados nos lugares, enquanto bem servirem, e o
governo julgar conveniente.
Art.23. Deixarão os mesmos lugares nos casos seguintes:
1.° Sendo removidos de uns para outros, quando o exigir o bem do
serviço.
2.° Sendo dispensados, ou por mera deliberação do governo, ou a
requerimento seu, a que annúa o mesmo governo.
Art.28. Os Delegados serão conservados enquanto bem servirem, e
o julgarem conveniente o Governo na Côrte, e os Presidentes nas
Provincias.
Ora, por força de uma manobra jurídica através dos arts. 22 e 28 acima
transcritos, o Imperador tornou sem efeito (letra morta) a mencionada
“inamovibilidade”, pois os cargos de chefe de polícia e delegados eram cargos em
comissão
58
. Portanto, naquela época, quem exercia o desempenho do cargo de
executivo de polícia não adquiria o direito à continuidade na função, pois dependia
da confiança do superior hierárquico. Daí a livre nomeação e exoneração.
Se os cargos de chefe de polícia e delegado eram em comissão e não de
provimentos efetivos, o que adiantaria a inamovibilidade?
Além do mais, o conteúdo do 1.° do art. 23 do regulamento conflitava com o
art. 2.° da Lei 261, sendo ilegal, pois exterminava uma garantia funcional sem
autorização expressa em lei, exorbitando o âmbito de sua competência regulamentar
para fiel execução da lei. O que constatamos, na própria Constituição Imperial, a
qual limitava o seu alcance normativo
59
, ipsis litteris:
Art. 102. O Imperador é o Chefe do Poder Executivo, e o exercita
pelos seus Ministros de Estado.
São suas principaes attribuições
XII. Expedir os Decretos, Instrucções, e Regulamentos adequados á
boa execução das Leis.
57
Collecção das leis do Imperio do Brasil de 1842. Regulamento N. 120, de 31 de janeiro de 1842.
ed. Tomo V. Parte II. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1865, pp. 35-36.
58
Cargo em comissão É o que admite provimento em caráter provisório (isso significa que o
nomeado permanece no cargo enquanto entender conveniente a autoridade pública que o nomeou).
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 389.
59
CAMPANHOLE, Adriano. CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituição política do Império de 25 de
março de 1824. Todas as constituições do Brasil. 2ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Atlas, 1976, p. 534.
35
Em face ao exposto, no campo da concretude fática, o dispositivo legal que
previa a “amovibilidade” foi falacioso. Em outras palavras, para inglês ver, pois se
alguém ousasse contestar sua remoção, provavelmente, seria exonerado.
No campo da atividade econômica, depois de demorada tramitação nas duas
Casas Legislativa, foi sancionada a Lei 556, de 25 de junho de 1850, que
promulgava o Código Comercial brasileiro, diploma elogiado por sua precisão e
técnica, o qual teve como fontes, o Código francês de 1807, e espanhol de 1829 e o
português de 1833.
60
1.3.2.2 A Divisão: Polícia Administrativa e Polícia Judiciária
Outra novidade do Regulamento N. 120, foi que ele adotou o sistema policial
francês, consagrando a divisão das funções policiais em Polícia Administrativa e
Polícia Judiciária ou de Investigação, conforme o texto normativo, in verbis
61
: “Art.
1.° A Policia Administrativa e Judiciária é imcumbida, na conformidade das Leis e
Regulamentos.” Segundo a concepção de Luiz Carlos Rocha. “O Regulamento
Policial de 16 de abril de 1842 subordinou a guarda policial em cada termo ao
respectivo delegado de polícia e nos distritos aos subdelegados.”
62
1.3.2.3 Separação da Atividade Judicante da Atividade Policial
Antes de 20 de setembro de 1871, não havia no nosso sistema jurídico uma
separação nítida entre atividade judicante e policial, pois as mencionadas funções
eram quase unificadas, perdurando a confusão quanto aos poderes e atribuições
entre os agentes estatais. Somente com a Lei n° 2.033, de 20 de setembro de 1871,
regulamentado pelo Decreto 4.824, de 22 de novembro separou-se a polícia
judiciária da justiça de mesma organização estatal. Eis a íntegra do § 4.°, do art.
60
REQUIÃO, RUBENS. Curso de direito comercial. 1° volume, 26ª ed. 2ª Tiragem. São Paulo:
Saraiva, 2005, pp. 16-17.
61
Collecção das leis do Imperio do Brasil de 1842. Regulamento N. 120, de 31 de janeiro de 1842.
ed. Tomo V. Parte II. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1865, p. 31.
62
ROCHA, Luiz Carlos. Organização policial brasileira: polícia federal, polícia rodoviária federal,
polícia ferroviária, polícias civis, polícias militares, corpos de bombeiros militares, guardas municipais.
São Paulo: Saraiva, 1991, p. 35.
36
1.° da Lei n° 2.033, que simbolizou a divisão
63
: “§ 4.° E’ imcompativel o cargo de Juiz
Municipal e substitutos com o de qualquer autoridade policial.”
O Decreto N. 4.824, também criou o inquérito policial até hoje existente, nos
seguintes termos
64
:
Art. 10. As attribuições do Chefe, Delegados e Subdelegados de
Polícia subsistem com as seguintes reducções:
1.° (...).
2.° (...).
Art. 11. Compete-lhes, porém:
1.° (...).
2.° Proceder ao inquerito policial e a todas diligencias para o
descobrimento dos factos criminosos e suas circumstancias,
inclusive o corpo de delicto.
1.3.2.4 Efetividade do Sistema Penal no Brasil até 1830
Sobre a aplicação efetiva da norma penal no território nacional, desde o
período colonial até parte do período imperial, aderimos ao pensamento de E. Raúl
Zaffaroni, Nilo Batista, Alejandro Alagia e Alejandro Slokar, quando, assim se
manifestaram:
Diversamente das Afonsinas, que não existiram para o Brasil, e das
Manuelinas, que não passaram de referência burocrática, casual e
distante em face das práticas penais concretas acima noticiadas, as
Ordenações Filipinas constituíram o eixo da programação
criminalizante de nossa etapa colonial tardia, sem embargo da
subsistência paralela do direito penal doméstico que o escravismo
necessariamente implicava. A vigência das Filipinas, em matéria
penal, avançou ...., até a promulgação do código criminal de 1830.
65
Em outras palavras, podemos dizer que no território nacional somente as
Ordenações Filipinas teve aplicação efetiva como sistema penal formal, paralelo a
ele, o informal, onde o poder punitivo se manifestava por intermédio de açoites,
amputação de orelhas ou nariz, marca de ferro quente no peito e/ou rosto e outras
63
Collecção das leis do Imperio do Brasil de 1871. Lei N. 2033, de 20 de setembro de 1871. ed.
Tomo XXXI. Parte I. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1871, p. 126.
64
Collecção das leis do Imperio do Brasil de 1871. Decreto N. 4824, de 22 de novembro de 1871. 1ª
ed. Tomo XXXIV. Parte II. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1871, pp. 657-658.
65
E, Raúl Zaffaroni, BATISTA, Nilo, ALAGIA, Alejandro, SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro:
primeiro volume – teoria geral do direito penal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 417.
37
coisas semelhantes, na qual os senhores afligiam seus escravos. Naquela época
predominava o sistema processual penal inquisitivo, mas com a presença de
elementos do sistema acusatório na fase posterior a devassa (ver 4.3.3 do Capítulo
IV).
1.3.2.5 Código Comercial Brasileiro de 1850
O Brasil como colônia de Portugal, naturalmente teve a aplicação do direito
consubstanciado nas Ordenações do Reino. Todavia, após Código Comercial
francês, de 1807, aquelas ideias espalharam-se para todo mundo ocidental,
inclusive, no direito português e, em consequência, no direito brasileiro.
66
Com a instituição do Código Comercial, inaugura-se, assim, a primeira fase
histórica do instituto da falência genuinamente nacional. Sua terceira parte dedicou-
se às “quebras”, inaugurando assim, a primeira fase histórica desse instituto no
direito brasileiro. Nesse período, o que caracteriza a falência era a cessação de
pagamentos (art. 797). No Império do Brasil, iniciou-se um processo de
industrialização na década de 1850, pois naquela época o País dispunha de pouco
mais de 60 estabelecimentos industriais.
67
O diploma comercial também previa
crimes falimentares, sendo seus autores processados pelos juízes municipais até a
pronúncia e julgados pelos juízes de direito, entre alguns crimes, os de bancarrota
(arts. 1.° e 2.°). O procedimento foi determinado pelo decreto n° 707, de 9 de
outubro de 1850, o qual vigorou até o digo de Processo Penal federal de 1941.
68
Transcreveremos um dispositivo da mencionada norma
69
:
Art. 18. No crime de bancarota ou quebra com culpa e quebra
fraudulenta, formarão a culpa até ao 1° de Janeiro de 1851 os Juizes
Municipais. Desta data em diante será a mesma attribuição exercida
pelos referidos Juizes tão sómente nas Provincias onde houver
Tribunal de Commercio, ou Relação.
66
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência comentada. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 35.
67
E, Raúl Zaffaroni, BATISTA, Nilo, ALAGIA, Alejandro, SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro:
primeiro volume – teoria geral do direito penal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 440.
68
BATISTA, Nilo. Lições de direito penal falimentar. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p. 39.
69
Collecção das leis do Império do Brasil. Decreto N. 707, de 8 de outubro de 1850. Tomo XIII. Parte
II. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1909, p. 119.
38
Um pouco mais adiante, o Decreto N. 737, de 25 de novembro de 1850,
disciplinou o processo cível das quebras nos seus artigos 102 até 187.
70
1.4 Período Republicano
1.4.1 República Velha
Com o advento da proclamação da República, em 15 de novembro de 1889,
foi instalado o Governo Provisório Republicano, que teve como sua primeira meta a
formulação de uma nova Constituição que contemplasse o novo ideal de Estado
federal e republicano.
1.4.1.1 A Continuação do Poder Oligárquico na República Velha
Na verdade, a queda da monarquia, tramada pelas forças oligárquicas da
época, após a abolição da escravatura, representou um golpe de Estado sem
qualquer participação popular, executada pelo Exército através do Marechal
Deodoro do Fonseca, o qual foi o primeiro presidente da República por imposição da
força militar, mas que não conseguiu perdurar no poder, renunciando ao cargo.
Floriano Peixoto, vice-presidente, conseguiu levar o mandato até o fim.
71
A partir de 1894, o Brasil passa a viver sob o domínio das elites civis, com a
eleição de Prudente de Morais
72
. A nova Carta Política de 1891, ampliou o rol dos
cidadãos eleitores, nos seguintes termos
73
:
Art. 70. São eleitores os cidadãos maiores de 21 annos, que se
alistarem na forma da lei.
70
Collecção das leis do Império do Brasil. Decreto N. 737, de 25 de novembro de 1850. Tomo XIII.
Parte II. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1909, pp. 335-353.
71
Os integrantes das oligarquias têm o poder econômico, mas querem obter o poder político e o
dividir entre si. Na história brasileira, da Colônia até a República Velha, o poder econômico, social e
político encontravam-se nas mãos dos grandes proprietários de terra, plantadores de cana-de-açúcar,
de café e criadores de gado. Até meados do século XIX, Os senhores de engenho de Pernambuco e
da Bahia eram os mais poderosos senhores de terras e escravos, depois ocorreu a transferência de
prestígio para os grandes produtores de café de São Paulo.
72
Prudente de Morais representava a força hegemônica da burguesia latifundiária, o qual tinha
poder econômico e conseguiu o poder político.
73
CAMPANHOLE, Adriano e CAMPANHOLE Hilton Lobo. Constituição da República dos Estados
Unidos do Brazil. Todas as constituições do Brasil. ed. tiragem. São Paulo: Atlas, 1976, pp. 70-
71.
39
§ Não podem alistar-se eleitores para as eleições federais, ou
para as dos Estados:
1° Os mendigos;
2° Os analphabetos;
As praças de pret, exceptuados os alumnos das escolas militares
de ensino superior;
4° Os religiosos de ordem (...).
Neste novo contexto, os grandes fazendeiros passaram a controlar a vida
política e econômica do País. A República Velha foi marcada pelo domínio das
oligarquias agrárias e pela fraude eleitoral
74
, pois a condição para ser eleitor não era
mais lastreada na renda anual e não existia Justiça Eleitoral, a qual só foi criada pelo
Código Eleitoral de 1932.
A historiadora, Deusa da Cunha Bruna
75
, nos mostra a arquitetura do poder
político naquela época:
no ápice da pirâmide, o presidente; logo abaixo, o partido
Republicano, partido Republicano Paulista e os partidos
republicanos estaduais; na base, o coronel e sua família, amigos,
parentes e dependentes, com as oligarquias estaduais,
centralizando em suas mãos, nos sertões os três poderes da
República, pois legislavam, julgavam e executavam. (...). O prefeito,
o delegado, e quase sempre o juiz, todos ligados ou dependentes do
chefe do clã – o coronel.
A Constituição da República dos Estados Unidos do Brazil, promulgada a 24
de fevereiro de 1891, não fez qualquer menção a qualquer modelo de segurança
pública, silenciando a respeito, mas pelo princípio federativo, coube aos Estados-
membros a organização dos seus órgãos de segurança pública, bem como fixar o
modelo de resolução processual penal dos conflitos sociais, pois não havia qualquer
vedação constitucional a respeito. Eis o art. 63
76
, in verbis: “Cada Estado reger-
74
Com a queda da Monarquia, a nova fórmula para adquirir e manter o poder político foi baseada nas
relações intergovernamentais. O princípio federativo aumentou a força dos governadores, gerando o
coronelismo, oriundo da manipulação dos municípios por chefes locais. Os coronéis eram os donos
de terra, que, com suas próprias leis, protegia, socorria, dava guarida e sustentava materialmente
seus agregados, mas deles exigia a vida, a obediência e a fidelidade. O coronelismo foi uma força
política e militar que elegia os governadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores,
que o país era essencialmente agrário. O voto de fidelidade aos coronéis corrompeu o sistema
eleitoral.
75
BRUNO, Deusa da Cunha. Brasil república: O jogo do poder oligárquico. Niterói: EDUFF, 1995, p.
43.
76
CAMPANHOLE, Adriano e CAMPANHOLE Hilton Lobo. Constituição da República dos Estados
Unidos do Brazil. Todas as constituições do Brasil. 2ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Atlas, 1976, pp. 474.
40
se-há pela Constituição e pelas leis que adoptar, respeitados os principios
constitucionaes da União.” Da mesma forma, a Constituição do Império do Brazil não
tratava do Ministério Púbico. Nas palavras de Orlando Soares podemos observar a
pouco relevência do parquet na era imperial:
O Código de Processo Criminal de 1832, reformado em 1871,
colocou o Ministério Público em posição subalterna, bastando dizer
que ocorria a seguinte curiosa situação: os eleitores podiam ser
jurados; os jurados podiam ser promotores; um analfabeto, que
podia ser eleitor e jurado, estava apto, portanto, a ser promotor,
embora, é certo, o art. 36 do referido Código desse preferência às
“pessoas que fossem instruídas nas leis.
77
A Constituição Republicana somente ressaltou a figurado do Procurador-
Geral da República, bem como trouxe como novidade a quebra do monopólio do
governo central em matéria legislativa, pois cabia a cada Estado-membro a
competência para legislar sobre o Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Penal
e Direito Processual Penal, bem como organizar suas respectivas justiças e polícias,
seguindo o exemplo dos Estados Unidos da América.
Com essa estrutura, a República Velha ou a Primeira República manteve-se
no poder até o novo golpe militar de 1930, pois era impossível ganhar o poder nas
urnas em face das fraudes. Mais outra vez, a conquista do poder deu-se pelas
armas. O fundamento do movimento revolucionário era moralizar o regime, a
representação, a justiça, a instituição do voto secreto, bem como se esgotou a
estrutura cio-econômica baseada na exportação de produtos agrícolas,
principalmente o café. Um dado estatístico relevante nos apresenta Caio Prado
Júnior na seara da economia nacional, no ano de 1920, até 42% do capital
empregado na indústria brasilera pertencia a firmas individuais.
78
Na visão de Mircea Buescu e Vicente Tapajós (1917-1998), na hierarquia
social, em geral, a estratificação social no Brasil se fez pelos resultados
econômicos.”
79
O poder econômico trouxe como consequência o poder social e
político. O ciclo do pau-brasil não criou estrutura social específica, mas foi no ciclo
77
SOARES, Orlando. Comentários à constituição da república federativa do Brasil: (promulgada em
05.10.1988). Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 658.
78
PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. 9ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1965, p. 269.
79
BUESCU, Mircea e TAPAJÓS, Vicente. História do desenvolvimento econômico do Brasil. Rio de
Janeiro: Sul Americana, 1968, pp. 106-116.
41
do açúcar que se formou o esqueleto da sociedade brasileira agrária, baseada na
posse da terra, onde os donos de engenho, fazendeiros detinham grande força
econômica e política. O ciclo da mineração criou a classe de mineradores ricos, que
durou pouco tempo, restando, uma classe média. O ciclo do café acrescentou, em
cima da pirâmide, a classe dos grandes fazendeiros de café.
80
Na área falimentar, o governo provisório republica optou por revogar,
inteiramente as disposições sobre falências do Código Comercial através do Decreto
917, de 24/10/1890. Após, seguem-se: a Lei 859/1902 e a Lei 2.024/1902, revista
pelo Decreto 5.746/1929.
81
1.4.1.2 República Nova e Estado Novo
Getúlio Vargas perdeu a eleição presidencial para Júlio Prestes em de
março de 1930, candidato da oligarquia agrária exportadora, porém o País mudara,
uma nova classe dia, urbana e industrial surge, no seu seio, o oficialato do
Exército e da Marinha, funcionários públicos civis, profissionais liberais,
comerciantes e pequenos industriais. Neste novo contexto social, dar-se outro golpe
militar. Em 03 de novembro de 1930, Getúlio Vargas entrou no Rio de Janeiro à
frente das forças revolucionárias comandadas pelo general do Exército Góes
Monteiro, Getúlio é empossado no governo da Nova República.
82
No plano econômico, o Brasil passava por recessão, que o café continuava
sendo quase a nossa única fonte de divisas de parte da sociedade, perdurando os
efeitos da crise econômica de 1929, provocada pela quebra da Bolsa de Valores de
Nova Iorque.
Com a chamada revolução de 1930, podemos observar mudanças nas três
dimensões: a) politicamente, a revolução exprime uma reação contra o federalismo
da primeira República, que se materializou na política de governadores, fundada no
80
O ciclo se caracterizava, sobretudo, pela supremacia de um produto na exportação, exceto no ciclo
do ouro e diamante, pois durante ele, ainda predominava a exportação do açúcar em termos de valor
econômico. (BUESCU, Mircea e TAPAJÓS, Vicente. História do desenvolvimento econômico do
Brasil. Rio de Janeiro: Sul Americana, 1968, p. 27).
81
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência comentada. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 36.
82
No entender da historiadora Deusa da Cunha, com Getúlio Vargas no poder perde a oligarquia dos
senhores de terra e ganha a dos senhores do capital (banqueiros e industriários) e parte da classe
média, mais ainda distante do proletariado e dos trabalhadores rurais, apesar da aparecimento da
Consolidação das Leis do Trabalho –CLT., em 1943 (BRUNO, Deusa da Cunha. Brasil república: o
jogo do poder oligárquico. Niterói: EDUFF, 1995, pp. 64-145).
42
poder dos coronéis, tal reação resultou num fortalecimento do poder central; b) em
1930, economicamente, marca a implantação da intervenção do Estado na atividade
econômica, pois com a crise internacional de 1929, o modelo agro-exportador
estagnou-se; c) com a intervenção estatal na economia surgiu um surto industrial
cujo ritmo só seria contido com a 1° Guerra Mundial.
Nilo Baptista e outros nos demonstram um quadro do desenvolvimento
econômico daquela época, nos seguintes termos:
A produção de bens de capital, medida em termos de ferro, aço e
cimento, recomeçou a crescer já em 1931, e em 1932 aumentara de
60% em relação a 1929; a produção industrial, de modo geral,
cresceria 50% entre 1929 e 1937. Dos 49.418 estabelecimentos
industriais registrados pelo senso de 1940, 34.691 haviam sido
fundados após 1930.
83
No dia 16 de julho de 1934, promulga-se a nova Constituição Federal. O texto
constitucional formulava um compromisso formal entre capital e trabalho, um
arcabouço de uma democracia social, sob a influência alemã de Weimar de 1919.
Com a Constituição outorgada em 1937, instala-se a ditadura Vargas que
durou quinze anos, conhecida historicamente como “Estado Novo”, a qual implanta
uma política de industrialização, que, de certa forma trouxe o progresso econômico e
desenvolvimento, mudando o perfil populacional da sociedade brasileira que era
majoritariamente rural e passou a predominar a urbana. O Código Penal de 1940, no
que diz respeito a crimes falimentares, manteve a tipologia do Império ao qualificar a
falência em culposa ou fraudulenta.
84
Por fim, com a omissão de algumas normas não imprescindíveis, chega-se
aos dois últimos diplomas legais até então vigentes no País, Manoel Justino
arremata: “Finalmente, nos últimos meses da ditadura de Getúlio Vargas, em
21.06.1945, foi promulgado o Decreto-lei 7.661, que era a nossa Lei de Falência,
substituída agora pela Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.”
85
1.5 Constituições e Unidade Penal e Processual
83
E, Raúl Zaffaroni, BATISTA, Nilo, ALAGIA, Alejandro, SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro:
primeiro volume – teoria geral do direito penal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 460.
84
BATISTA, Nilo. Lições de direito penal falimentar. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p. 43.
85
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência comentada. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 35-36.
43
A Constituição Republicana de 1934, restaura o princípio da unidade penal e
processual penal na formação social brasileira existente desde a Constituição
Imperial de 1824, extinguindo o regime processual e penal pluralista da Constituição
de 1891. A Carta Política de 1946, manteve o mesmo regime da unidade processual
e penal existia, da mesma feita, a Constituição de 1967, bem como a Emenda
Constitucional I, de 1969. De acordo com Constituição Federal de 05 de outubro
de 1988, compete a União, privativamente, legislar sobre Direito Penal e Direito
Processual Penal. Restando aos Estados e ao Distrito Federal legislar de forma
suplementar sobre procedimentos em matéria processual (CF, art. 24, XI, § 2.°). O
que é fundamental para nosso objeto de estudo, pois a conduta do criminoso, bem
como o procedimento policial e processual penal para concretizar a norma penal
incriminadora só terá como única fonte, a lei federal, exceto a ressalva
mencionada na questão do procedimento, pois aos Estados e ao Distrito Federal
têm competência legislativa para legislar sobre a forma de organização judiciária,
competência e funcionamento de seus órgãos, visando atender as peculiaridades
locais.
No Capítulo a seguir, abordaremos de forma mais consistente as noções
sobre os institutos do Direito Falimentar, ramo do Direito Empresarial, essa a
disciplina jurídica do desenvolvimento econômico, afeto à caracterização da
responsabilização nos delitos falimentares no bojo do Direito Penal Econômico e
Processual Penal.
44
CAPÍTULO II
2 INSTITUTOS DO DIREITO FALIMENTAR IMPRESCINDÍVEIS AO PROCESSO
PENAL
2.1 Considerações Iniciais
Nesta secção, trabalharemos com as noções essenciais dos institutos do
Direito Falimentar imprescindíveis para compreendermos os procedimentos que nos
leva a responsabilidade criminal da pessoa no sistema processual penal brasileiro,
via de regra, através do sistema misto.
2.2 Conceito Jurídico de Falência
Na doutrina nacional falimentar vários conceitos de falência, por oportuno,
apresentamos os seguintes:
Segundo Sampaio de Lacerda (1909-1981), sob a égide do direito concursal
anterior, a falência se caracteriza como “um processo de execução coletiva,
instituído por força de lei em benefício dos credores.”
86
Segundo Fábio Ulhoa: “A
falência é, assim, o processo judicial de execução concursal do patrimônio do
devedor empresário, que, normalmente, é uma pessoa jurídica revestida na forma
de sociedade por quotas de responsabilidade ou anônima.”
87
No entender de
Rubens Requião, sob a orientação da antiga legislação “A falência é a solução
judicial da situação jurídica do devedor-comerciante que não paga no vencimento
obrigação líquida.”
88
Para Sérgio Campinho, a falência “é a medida judicialmente realizável para
resolver a situação jurídica do devedor insolvente.”
89
Não havendo a possibilidade
da recuperação da empresa, sendo ele inviável, liquida-se o patrimônio do
empresário insolvente, pois na economia contemporânea, prestigia, com regra, a
86
LACERDA, Sampaio de. Manual de direito falimentar. 12ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Editora
Freitas Bastos, 1985, p. 17.
87
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (lei n.
11.101, de 9-2-2005). 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 192.
88
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. Vol. 1, 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 6.
89
CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência
empresarial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 4.
45
recuperação. Predomina-se, portanto, a ideia de falência-liquidação. Tratar-se de
uma forma de saneamento do mercado. Ela visa preservar o mercado e ao mesmo
tempo, assegurar aos credores do devedor insolvente um tratamento racional na
realização de seus créditos de forma igualitária entre os credores da mesma
categoria, se baseado no princípio de que o patrimônio do devedor constitui-se a
garantia geral dos credores.
90
Percebe-se, ainda, que na falência, uma presunção de insolvência, que
por seu turno é diferente do inadimplemento, pois este é um fato relativo à própria
pessoa física não empresarial; enquanto a insolvência é um estado que diz respeito
ao patrimônio empresarial, a qual se manifesta pela impossibilidade de pagar, o que
releva o estado de falência.
91
Conforme salienta Sérgio Campinho: “Apreciada economicamente, a falência
interessa não somente à economia individual como à pública, pois,
incontestavelmente, perturba o crédito público, produz a dispersão de capitais,
trazendo dano para a economia geral.”
92
Finaliza, Campinho, ao definir o instituto
nos seguintes termos:“A falência, em outras palavras, é um processo de execução
concursal ou coletiva, instituída por lei em favor dos credores.”
93
Sampaio Lacerda
utiliza a expressão execução coletiva”; Sérgio Campinho, “execução concursal”,
termos sinônimos.
A Lei 11.101/2005, também conhecida como LREF
94
., foi fiel ao princípio
da preservação da empresa. Na falência, o afastamento do devedor de suas
atividades visa preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e
recursos produtivos, inclusive os intangíveis (LREF, art. 75).
2.3 Principais Distinções entre o Decreto-lei 7.661/1945 e a Lei
11.101/2005
90
CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência
empresarial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pp. 6-7.
91
VALVERDE, Trajano de Miranda (1892-1972). Comentários à lei de falência (decreto-lei n.° 7.661,
de 21 de junho de 1945). Vol. 1, 3ª ed. São Paulo: Forense, 1962, p. 29.
92
CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência
empresarial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 8.
93
Idem, ibidem, p. 55.
94
Adotamos a sigla LREF., pois o objetivo principal da nova legislação é recuperação da empresa e,
excepcionalmente, a falência.
46
Na lei anterior, os institutos de concordata preventiva e suspensiva
95
; ao
passo que no novo diploma legal existem os institutos da recuperação judicial e
extrajudicial em substituição à concordata. Assim, a nova lei de falência abriu a
possibilidade de reestruturação às empresas economicamente viáveis que passem
por dificuldades momentâneas. Tais instituições têm por base de inspiração, a teoria
da importância social da empresa.
No antigo novel, para administrar a falência, era nomeado um síndico (art. 59
do Decreto-lei 7.661/1945), que exercia sua função sob a imediata direção e
superintendência do juiz. Na concordata, o devedor conservava a administração de
seu negócio (art. 167 do diploma anterior), fiscalizado pelo comissário que também
era nomeado pelo juiz, a quem prestava contas. Hoje, o síndico passou a chamar-se
administrador judicial. No novo diploma legal é minimizada a participação do
Ministério Público na falência, antes, ele era considerado para certos doutrinadores
e leis como curador de massa falidas
96
, apesar de existir divergências doutrinárias
neste ponto específico. Rubens Requião considera imprópria a denominação de
curador fiscal de massas falidas existente em algumas leis de organização judiciária,
que os bens do falido não se achavam sob a administração e guarda do MP
97
.
Agora, o fiscal da lei, não precisa intervir em todos os processos de que seja
parte ou interessada a massa falida, além de não ser ouvido no pedido de falência.
A Instituição participa do processo quando houver indícios de crime,
desobediência à lei ou ameaça de lesão ao interesse público. Nas palavras de Fábio
Ulhoa em relação à recuperação: “o Ministério Público só deve ser chamado a
intervir no processo de recuperação de empresa quando expressamente previsto.”
98
Hoje, a falência com base na impontualidade injustificada, é cabível, se o
valor da dívida em atraso for superior a 40 salários nimos. Tal obstáculo não era
previsto na lei anterior, pois o o pagamento de obrigação líquida, sem relevante
95
No que diz respeito a vigência da lei no tempo e no espaço, não podemos dizer que o Decreto-lei
7.661/1945 foi revogado, conforme o próprio dispositivo da Lei 11.101/2005, in verbis: Art. 192.
Esta Lei não se aplica aos processos de falência ou de concorda ajuizados anteriormente ao início de
sua vigência, que serão concluídos nos termos do Decreto-lei 7.661, de 21 de junho de 1945.
Portanto, somente podemos dizer que o Decreto-lei n° 7.661/1945 foi revogado, quando for extinto o
último processo de falência ou concordata existente no Brasil sob a égide da lei anterior, pois a nova
lei não se aplica aos processos de falência e concorda ajuizados antes do início de sua vigência.
Ainda vivemos um momento de transição, com predominância dos princípios que informam o conflito
de leis no tempo.
96
TZIRULNIK, Luiz. Direito falimentar. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 195.
97
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. Vol. 1, 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 244.
98
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (lei n.
11.101, de 9-2-2005). 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 31.
47
razão de direito, fazia presumir a falência do devedor comerciante. Tal realidade
fática caracterizava-se por meio do protesto do título de crédito
99
. Altera-se a ordem
de classificação dos credores na nova legislação, os titulares de garantia real
passam a ter preferência sobre os credores fiscais. Antigamente, à ordem de
pagamento dos créditos fiscais precediam os titulares de garantia real.
Na área penal, no conflito entre tipos penais da nova lei e lei anterior, há
casos de abolitio criminis e casos de novos tipos penais na nova lei e também tipos
penais repetidos.
100
Neste mesmo sentido, não há mais a configura típica da
simulação de despesas e perdas, conforme previa o art. 188, IV da antiga lei de
falência.
101
O novo diploma aumentou as penas, e.g., a existência do popularmente
conhecido “caixa dois” passa a ser agravante do crime falimentar. Extingue-se a
prescrição bienal do antigo regime, bem como a existência de delitos falimentares
culposos
102
. Na atualidade, a prescrição do crime falimentar passa a reger-se pela
previsão geral do Código Penal.
Por fim, não sendo a última mudança, mas a mais importante sob a égide do
nosso objeto de estudo, refere-se à investigação criminal. No antigo diploma, previa-
se a existência do inquérito judicial, o qual era presidido pelo juiz competente para o
processo de falência e concordatas.
103
Nelson Abrão definiu o inquérito judicial, nos
seguintes moldes: peça preliminar básica, formada no juízo cível, para a
instauração do procedimento penal por crimes falimentares.”
104
Hoje, a investigação
é realizada pela Polícia Civil, órgão constitucionalmente incumbido de tal missão. O
desaparecimento do inquérito judicial é digno de consideração, pois se configurava
uma incoerência sistêmica, pois quem presidia o inquérito era o mesmo juiz que
recebia a denúncia.
105
Nos parece que no sistema anterior configurava-se uma
verdadeira anomalia, principalmente nas unidades da federação onde se admitia que
o juiz da falência também presidisse inquérito e também julgasse o mérito da
99
VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à lei de falência (decreto-lei n.° 7.661, de 21 de
junho de 1945). Vol. 1, 3ª ed. São Paulo: Forense, 1962, pp. 28-29.
100
BATISTA, Nilo. Lições de direito penal falimentar. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p. 46.
101
SILVA, Antonio Paulo C. O. Silva. Comentários às disposições penais da lei de recuperação de
empresas e falências. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 79.
102
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. Vol. 2, 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, pp. 168-
174.
103
MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado: referências doutrinárias,
indicações legais, resenha jurisprudencial. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 1301.
104
ABRÃO, Nelson. Curso de direito falimentar. ed. São Paulo: Livraria e Editora Universitária,
1997, p. 263.
105
SILVA, Antonio Paulo C. O. Silva. Comentários às disposições penais da lei de recuperação de
empresas e falências. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 268.
48
demanda penal, sendo difícil acreditar que seu provimento final de mérito viesse a
contrariar sua decisão anterior, neste caso, quase impossível acreditamos na
imparcialidade do órgão julgador.
2.4 Espírito da Nova Lei
Com o advento da Lei 11.101/2005, editada no dia 09 de fevereiro, a nova
lei entrou em vigor cento e vinte dias após sua publicação, ou seja, no dia 09 de
junho de 2005. O legislador infraconstitucional procurou exterminar de uma vez por
todas com a visão liquidatária do Decreto-lei 7.661/1945, vez que, a partir da
vigência do novo diploma legal, o operador do direito terá que ter como diretriz
interpretativa o princípio da recuperação da empresa economicamente viável,
procurando-se, sempre que possível e for viável, manter a atividade econômica
organizada. Trata-se, na verdade, de um novo paradigma, onde a recuperação é a
regra e a falência, a exceção, uma espécie de ultima ratio. Desde os primórdios, o
decreto de falência tinha um caráter punitivo, mas sempre houver algum tipo de
preocupação com a possibilidade de recuperar o devedor em crise.
106
O objetivo principal do novo diploma legal é sanear a situação de crise
econômico-financeira da empresa devedora, salvaguardando a manutenção da fonte
produtora do emprego de seus trabalhadores e os interesses dos credores, a
viabilizar dessa forma, a realização da função social da empresa (LREF, art. 47).
Mais precisamente, visa à lei a defender os interesses coletivos, pois a
recuperação da empresa possibilita que as atividades econômicas viáveis possam
continuar sendo exploradas, mantendo a fonte produtiva de riquezas e,
consequentemente, a continuação dos contratos de trabalho, a arrecadação
tributária, a circulação de bens e prestação de serviços. Empresa, agora
denominada pela norma como também “unidade produtiva e agente econômico”.
A nova lei traz a expectativa da recuperação da empresa e, portanto, da
plenitude do exercício de sua função social, consagrada pela Constituição
Federal.
Na seara penal, o sentido da nova lei é promover a responsabilidade penal
dos dirigentes da empresa pelos prejuízos causados ao particular e também à
106
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falências comentada: lei
11.101/2005: comentário artigo por artigo. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 45.
49
coletividade. Busca-se reduzir a impunidade do antigo regime falimentar. A nova lei
traz em seu bojo inovações de extrema importância com repercussões não só
jurídicas, além de econômicas e sociais.
2.5 Princípios da Recuperação e da Falência da Empresa
Os princípios que regem à LREF., consoante o relatório elaborado pelo
Senador Ramez Tebet
107
, membro do parlamento na 52ª legislatura, falecido em
17/11/2006, são os seguintes abaixo
108
:
a) preservação da empresa: em razão de sua função social, a empresa deve ser
preservada sempre que possível, pois gera riqueza econômica e cria emprego e
renda, contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento social do País. Além
disso, a extinção da empresa provoca a perda do agregado econômico representado
pelos chamados intangíveis como nome, ponto comercial, reputação, marcas,
clientela, rede de fornecedores, know-how, treinamento, perspectiva de lucro futuro,
entre outros.
b) separação dos conceitos de empresa e de empresário: a empresa é o conjunto
organizado de capital e trabalho para a produção ou circulação de bens ou serviços.
Não se deve confundir a empresa com a pessoa natural ou jurídica que a controla.
Assim, é possível preservar uma empresa, ainda que haja a falência, desde que se
logre aliená-la a outro empresário ou sociedade que continue sua atividade em
bases eficientes.
c) recuperação das sociedades e empresários recuperáveis: sempre que for possível
a manutenção da estrutura organizacional ou societária, ainda que com
modificações, o Estado deve dar instrumentos e condições para que a empresa se
recupere, estimulando, assim, a atividade empresarial.
d) retirada do mercado de sociedades ou empresários não recuperáveis: caso haja
problemas crônicos na atividade ou na administração da empresa, de modo a
inviabilizar sua recuperação, o Estado deve promover de forma rápida e eficiente
sua retirada do mercado, a fim de evitar a potencialização dos problemas e o
107
http://www.senado.gov.br//sf/senadores_institucional.asp?a&tipo=3&nlegis=528end=s&codparl=69.
Acesso em: 03jun.2009, às 18:00h.
108
http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1730. Acesso em: 03jun.2009, às 09:00h.
50
agravamento da situação dos que negociam com pessoas ou sociedades com
dificuldades insanáveis na condução do negócio.
e) proteção aos trabalhadores: os trabalhadores, por terem como único ou principal
bem sua força de trabalho, devem ser protegidos, não só com precedência no
recebimento de seus créditos na falência e na recuperação judicial, mas com
instrumentos que, por preservarem a empresa, preservem também seus empregos e
criem novas oportunidades para a grande massa de desempregados.
f) redução do custo do crédito no Brasil: é necessário conferir segurança jurídica aos
detentores de capital, com preservação das garantias e normas precisas sobre a
ordem de classificação de créditos na falência, a fim de que se incentive a aplicação
de recursos financeiros a custos menores nas atividades produtivas, com o objetivo
de estimular o crescimento econômico.
g) celeridade e eficiência dos processos judiciais: é preciso que as normas
procedimentais na falência e na recuperação de empresas sejam, na medida do
possível, simples, conferindo-se celeridade e eficiência ao processo, reduzindo-se a
burocracia que atravanca seu curso.
h) segurança jurídica: deve-se conferir às normas relativas à falência, à recuperação
judicial e à recuperação extrajudicial tanta clareza e precisão quanto possível, para
evitar que múltiplas possibilidades de interpretação tragam insegurança jurídica aos
institutos e, assim, fique prejudicado o planejamento das atividades das empresas e
de suas contrapartes.
i) participação ativa dos credores: é desejável que os credores participem
ativamente dos processos de falência e de recuperação, a fim de que, diligenciando
para a defesa de seus interesses, em especial o recebimento de seu crédito,
otimizem os resultados obtidos com o processo, com redução da possibilidade de
fraude ou malversação dos recursos da empresa ou da massa falida.
j) maximização do valor dos ativos do falido: a lei deve estabelecer normas e
mecanismos que assegurem a obtenção do máximo valor possível pelos ativos do
falido, evitando a deterioração provocada pela demora excessiva do processo e
priorizando a venda da empresa em bloco, para evitar a perda dos intangíveis.
l) desburocratização da recuperação de microempresas e empresas de pequeno
porte: a recuperação das micro e pequenas empresas não podem ser inviabilizadas
pela excessiva onerosidade do procedimento. Portanto, a lei deve prever, em
51
paralelo às regras gerais, mecanismos mais simples e menos onerosos para ampliar
o acesso dessas empresas à recuperação.
m) rigor na punição de crimes relacionados à falência e à recuperação judicial: É
preciso punir com severidade os crimes falimentares, com o objetivo de coibir as
falências fraudulentas, em função do prejuízo social e econômico que causam. No
que tange à recuperação judicial, a maior liberdade conferida ao devedor para
apresentar proposta a seus credores precisa necessariamente ser contrabalançado
com punição rigorosa aos atos fraudulentos praticados para induzir os credores ou o
juízo a erro.
Waldo de Fazzio nior
109
classifica os princípios do regime de insolvência do
agente econômico em: a) princípio da viabilidade da empresa; b) princípio da
relevância do interesse de credores; c) princípio da publicidade dos procedimentos;
d) princípio da par conditio creditorum; e) princípio da maximização dos ativos; e f)
princípio da preservação da empresa.
2.6 Pessoas Sujeitas à Incidência da Lei de Recuperação e Falência
2.6.1 Consideração Preliminar
O art. 1.º da Lei 11.101/05, deixa claro que os institutos concursais
somente se aplicam à empresa. Tais institutos são típicos do Direito Empresarial,
ramo esse do direito privado, também chamado de Direito Comercial
110
. Por seu
turno, a empresa, apresenta-se sob “duas formas de constituição”: a empresa
individual, também chamada de empresário individual e a empresa coletiva ou
sociedade. Nesta segunda hipótese, distinguindo-se, os sócios da sociedade da
empresa empresária.”
111
2.6.2 Superação do Conceito de Comerciante para Empresário
109
FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de direito comercial. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 616.
110
Quanto à terminologia, Direito Empresarial ou Direito Comercial não há consenso doutrinário sobre
a superação do último pelo primeiro. Rubens Requião e Fábio Ulhoa Coelho continuam a utilizar a
expressão Direito Comercial, ver, respectivamente. Curso de direito comercial. Vol. 1, 26ª ed. o
Paulo: Saraiva, p. 8. Curso de direito comercial. Volume 1: direito de empresa. 12ª ed. São Paulo:
Saraiva, p. 3.
111
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (lei n.
11.101, de 9-2-2005). 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 18.
52
Com o advento do novo Código Civil
112
, o conceito tradicional de comerciante
foi substituído pelo de empresário. Da mesma forma, deixou-se de analisar os atos
de comércio isoladamente, passando ao estudo da atividade organizada
desenvolvida pelo empresário, cuja marca essencial é a obtenção de lucros com o
oferecimento ao mercado de bens ou serviços.
113
Nas palavras de Rubens Requião:
“Não dúvida de que o empresário, na linguagem do direito moderno, é o antigo
comerciante.”
114
Vejamos a definição legal genérica de empresário, conforme preceitua o
Código Civil, in verbis: “Art. 966. Considera-se empresário quem exerce
profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação
de bens ou de serviços.”
Inversamente, o mesmo texto legal exclui do conceito de sociedade
empresária outras atividades, a seguir expostas:
Art. 966.(...).
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce
profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística,
ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o
exercício da profissão constituir elemento de empresa.
115
Assim, destacam-se as seguintes características do empresário: atividade
econômica; atividade organizada e profissionalismo.
É atividade econômica no sentido de ser apta a gerar lucros para quem a
explora na produção ou circulação de bens e serviços. A noção de produção ou
circulação de bens ou serviços, diz respeito à fabricação de produtos, pois, toda
atividade industrial é empresária, citam-se como exemplos: fábrica de
eletrodomésticos, montadoras de veículos, confecção de roupas etc. De outro lado,
112
Desde a entrada em vigor do Código Civil de 2002., a pessoa sujeita às normas do Direito
Comercial passou a ser identificado como empresário, por adoção da teoria da empresa eleita pelo
legislador brasileiro, a exemplo do italiano, o qual não define empresa, mas sim empresário. Sobre a
teoria da empresa ver COELHO, Fábio Ulhoa, Comentários à nova lei de falência e de recuperação
de empresa. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 10-13. O Código Comercial brasileiro de 1850
adotou a teoria dos atos do comércio conforme o sistema francês. Agora, superado for força da opção
do legislador. Sobre a teoria da empresa e a teoria dos atos do comércio ver COELHO, Fábio Ulhoa.
Curso de direito comercial. Vol. 1, 12ª ed. São Paulo: Saraiva, pp. 12-28.
113
Define-se, hoje, a atividade de empresário não mais por sua natureza (atos de comércio), mas
pela forma com que a atividade econômica é explorara, ou seja, a forma organizada.
114
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. Vol. 1, 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 76.
115
JUNIOR NERY, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 782.
53
a produção de serviços, é relativa à prestação de serviços, como exemplos: bancos,
seguradoras, hospitais, escolas, estacionamentos, provedores de acesso à internet
etc. Quanto à circulação de bens e serviços, a primeira é atividade do comércio, e a
segunda é intermediação na prestação de serviços. Organizada, no sentido de
refere-se aos quatro fatores de produção: capital, mão-de-obra, insumos e
tecnologia.
116
O profissionalismo exige três condições: a) habitualidade, que não se
considera empresário quem não produz ou presta serviços de forma habitual; b)
pessoalidade, pois o empresário no exercício de suas atividades deve contratar
empregados, ou seja, produzir e fazer circular bens e serviços, assim o empresário
na condição de profissional exerce a atividade empresarial pessoalmente, enquanto
os empregados produzem ou circulam bens e serviços, fazendo-se em nome do
empregador; c) o monopólio de informações, pois o empresário é um profissional
que tem o dever de conhecer as características e outros aspectos dos bens ou
serviços que coloca no mercado, e.g., a oferta, publicidade, a proteção à saúde,
segurança, condições de uso, qualidades, riscos, defeitos, vício do produto e
serviço. Por sua vez, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery consideram
como requisitos da atividade empresarial: a) a profissionalização; b) o exercício de
atividade econômica organizada (o que pressupõe a existência de empregados e fim
lucrativo); c) a produção ou circulação de bens ou a prestação de serviços.
117
Indaga-se: O que é empresa? Nos ensinamentos de Rubens Requião: “O
conceito de empresa se assenta nesse conceito econômico. Em vão os juristas têm
procurado construir um conceito jurídico próprio para tal organização.”
118
Na visão
deste tratadista, a empresa é um fenômeno econômico e jurídico, como entidade
jurídica, é uma abstração. “A sociedade, assim, é empresária, jamais a empresa. É a
sociedade, como empresária, que irá exercitar a atividade produtiva.”
119
A sociedade
é que adquire personalidade jurídica e não a empresa. Nosso Código Civil ao adotar
a teoria da empresa de origem italiana em oposição à teoria dos atos de comércio
de matriz francesa quebra uma tradição jurídica brasileira existente desde o Código
Comercial de 1850.
116
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. Vol. 1, 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 11.
117
JUNIOR NERY, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. digo civil comentado. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 782.
118
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. Vol. 1, 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 50.
119
Idem, ibidem, pp. 59-60.
54
Fábio Ulhoa conceitua a empresa nos seguintes termos, embora admita
imprecisões: “Empresa é a atividade econômica organizada para a produção ou
circulação de bens e serviços.”
120
Não há consenso doutrinário sobre a própria “ideia
de empresa.” Na sua dissertação de mestrado, Guilherme Sant' Anna Gomes, sob a
orientação do Prof. Ivair Coelho Lisboa, ele demonstrou que o direito o criou a
empresa, ela é um instituto em evolução constante, difícil de compreendê-la em
contornos rígidos, mutatis mutandis, concordam com Rubens Requião, daí, até hoje
é impossível conceituá-la em termos definitivos.
121
2.6.3 Empresário Individual
Segundo Sérgio Campinho, “empresário individual é a pessoa física ou
natural que exerce a empresa. O fará sob uma firma, constituída a partir de seu
nome, utilizada de forma completa ou abreviada.”
122
O empresário para beneficiar-se
da lei deve registrar-se no registro Público de Empresas Mercantis (Junta
Comercial), na respectiva sede da empresa.
2.6.4 Sociedade Empresarial
Para Fábio Ulhoa, “Sociedade empresária é a que explora sua atividade
econômica de forma empresarial, isto é, organizada.”
123
Destaca o mencionado
autor que os sócios da sociedade não são empresários, mas empreendedores ou
investidores. Os empreendedores colaboram com capital e trabalho, na condição de
seus administradores; já os investidores, aportam apenas o capital.
124
Diversamente,
Rubens Requião afirma que existe o empresário, “a empresa somente nasce quando
120
COELHO, bio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. Vol. 1. 1ed. São Paulo:
Saraiva, 2008, p. 19.
121
GOMES, Guilherme Lemos Sant' Anna Gomes. A evolução da idéia de empresa no direito
brasileiro: Do código comercial de 1850 ao código civil de 2002. Rio de Janeiro. Dez/2003.
Dissertação de Mestrado apresentada na Universidade Candido Mendes como parte dos requisitos
para obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. Ivair Coelho Lisboa.
122
CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência
empresarial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pp. 17-18.
123
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (lei n.
11.101, de 9-2-2005). 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.19.
124
Idem, ibidem, p. 18.
55
se inicia a atividade sob a orientação do empresário.”
125
Ele é a figura central da
empresa.
126
De acordo com Campinho, sociedade empresária “é a pessoa jurídica que
exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a circulação ou a
produção de bens ou de serviços.”
127
A sociedade empresarial
128
é a pessoa jurídica constituída por várias
pessoas, os quais formam uma sociedade com personalidade própria e patrimônio
próprio, distinto da personalidade e do patrimônio das pessoas físicas que a
compõem registrada no registro mercantil. Tal registro tem o propósito de criar uma
personalidade mercantil e identificar qual a sua atividade econômica, seja ela
produção, distribuição ou venda de mercadorias no mercado consumidor, podendo
ser de forma isolada ou cumulativa, tudo dependendo do objeto da empresa. Em
síntese, empresa mercantil é aquela que trabalha com produção ou a circulação de
bens e serviços. Todavia, este não é o único critério adotado pelo legislador, e.g., a
sociedade anônima, for força da lei será sempre mercantil, qualquer que seja o
objeto social da empresa. O novo Código Civil chama esse tipo societário de
“sociedade empresária”.
2.7 Sociedades Empresárias não Sujeitas à Lei de Recuperação e Falência
2.7.1 Notas Iniciais
Há pessoas jurídicas excluídas da incidência da lei de recuperação e falência,
a qual ela própria excepciona no seu art. 2.º Tal rol é explicativo. Não é nosso objeto
de estudo aprofundar-se sobre estas pessoas. Todavia, é importante ressaltar que o
regime de exclusão de algumas sociedades empresárias do regime falimentar, por
assim dizer, a grosso modo, existia na lei anterior, sendo apenas reafirmada e
ampliada.
2.7.2 Empresa Pública e Sociedade de Economia Mista
125
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. Vol. 1, 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 59.
126
Idem, ibedem, p. 75.
127
CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência
empresarial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 22.
128
5 tipos de sociedades empresarias, a saber: sociedade limitada, anônima, comandita por
ações, nome coletivo e comandita simples.
56
A sociedade de economia mista e a empresa pública não estão sujeitas ao
processo falimentar, pois cabe ao Estado a iniciativa de dissolvê-las, arcando com o
pagamento dos valores devido aos credores.
129
Na hipótese de insolvência, podem
os credores demandar seus créditos diretamente contra a pessoa jurídica de direito
público controladora.
130
Com fundamento no interesse blico, o legislador deixou à
legislação especial a questão da recuperação e insolvência da sociedade de
economia mista e empresa pública, mas prevê o art. 195 da LREF., a falência da
concessionária, se ela não for empresa pública ou sociedade de economia mista.
131
Felipe Vieira conceitua essas duas entidades nos seguintes moldes:
A empresa pública é a pessoa jurídica de direito privado, criada a
partir de uma autorização legislativa, podendo assumir qualquer das
formas admitidas em Direito (comercial), dotada de patrimônio
próprio e capital exclusivo da Administração, tem por finalidade a
exploração de atividade econômica por força de contingência ou de
conveniência administrativa. A sociedade de economia mista é a
pessoa judica de direito privado, constituída sob a forma de
sociedade anônima (S.A) e sob controle majoritário da entidade
estatal ou de outra entidade da Administração Indireta, combinando
o capital público com o privado (particular).
132
quem entenda que a exclusão das empresas públicas e sociedades de
economia mista da incidência do novo diploma legal é inconstitucional
133
. A doutrina
faz distinção entre a empresa pública que explora atividade econômica daquela que
presta serviço público. Aquela é regida por normas de direito privada, esta por
normas de direito público.
134
Hoje, o exemplo mais expressivo de empresa pública
que presta serviço publico no Brasil é a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos
–ETC. Logo, excluída de forma absoluta da incidência da LREF. Segundo Eros
Grau: “Serviço público é atividade indispensável à consecução da coesão social.
129
CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência
empresarial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 24.
130
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (lei n.
11.101, de 9-2-2005). 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 196.
131
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falências comentada: lei
11.101/2005: comentário artigo por artigo. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 53.
132
VIEIRA, Felipe. Lições de direito administrativo: doutrina fundamental para concursos públicos. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2007, pp. 51 e 53.
133
http://conjur.estadao.com.br/static/text/32886,1>. Acesso em: 20abril.2009, às 20:00h.
134
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, pp. 421-
422.
57
Mais: o que determina a caracterização de determinada parcela da atividade
econômica em sentido amplo como serviço público é a sua vinculação ao interesse
social.”
135
Entretanto, o próprio conceito de serviço público é polêmico na doutrina e
jurisprudência.
136
2.7.3 Instituições Financeiras e Equiparadas
Instituições financeiras públicas ou privadas, cooperativas de crédito,
consórcios, entidades de previdência complementar, sociedades operadora de plano
de assistência à saúde, sociedades seguradora, sociedades de capitalização e
outras entidades legalmente equiparadas às anteriores. De acordo com a Lei
4.595/64, o sistema financeiro brasileiro é o conjunto de instituições bancárias,
oficiais e privadas, estabelecimentos de seguro, previdência e capitalização
137
. As
instituições financeiras encontram-se submetidas a um regime especial prevista na
Lei 6.024/74. Numa primeira fase, far-se-á a intervenção pelo Banco Central,
podendo ocorrer tão-somente à liquidação extrajudicial. Todavia, pode o Banco
Central autorizar o liquidante a requerer a falência da entidade. Logo, nesta última
hipótese, as instituições falimentares poderão ser sujeito passivo de falência.
138
Quanto à sociedade operadora de plano de assistência à saúde, aplica-se a
espécie, a Lei n° 9.656/98 c/c Decerto-lei 73/66, sujeitando-se ao regime de
135
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 12ª ed. o Paulo: Malheiros,
2007, p. 130.
136
Na Antiguidade, conforme Gilles, a Cidade Romana era dotada de serviços destinados
particularmente a segurança, a subsistência, a higiene e a saúde, o que levou à construção de infra-
estrutura, como aquedutos, esgotos, iluminação das ruas, termas, celeiros, hipódromos e arenas
(ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direitos dos serviços púbicos. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.
27). Conforme Odete Medauar, o se pode negar que o serviço público sempre refletiu a evolução
da sociedade e do Estado, sendo afetados por fatores econômicos, sociais e tecnológicos
(MEDAUAR, Odete. Serviços Públicos e Serviços de Interesse Econômico Geral. In: Uma avaliação
das tendências contemporânea do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renavan, 2003, p 115). Na
visão de Hely Lopes Meirelles não se pode, em doutrina, indicar as atividades que constituem serviço
público (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 2 ed. São Paulo: Malheiros,
2001, p. 311). Nesta linha de pensamento, tanto serviços vitais (polícia, saúde) são serviços públicos,
como, por exemplos, no Brasil é serviço público a Loteria Federal, bem como o jogo de cassino no
principado de Mônaco. O que prevalece é a vontade soberana do Estado, qualificando o serviço
como público ou de utilidade pública, para a sua prestação direta ou indireta, pois serviços que,
por sua natureza, são privativos do Poder Público e por seus órgãos devem ser executados, e
outros são comuns ao Estado e aos particulares, podendo ser realizados por aquele e estes, na
concepção do doutrinador (Idem, ibidem, p. 312). Logo, serviço público é aquilo que o Estado diz que
é não tem natureza jurídica definida.
137
CASTILHO, Ela Wiecko V. de. O controle penal nos crimes contra o sistema financeiro nacional.
Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 100.
138
CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência
empresarial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pp. 25-26.
58
liquidação extrajudicial. Já a entidade de previdência complementar, submete-se aos
termos da Lei Complementar 109/2001, que prevê a intervenção e liquidação
extrajudicial.
139
As sociedades empresárias arrendadoras dedicadas à exploração de
leasing, as administradoras de consórcios de bens duráveis, fundos mútuos e as
sociedades de capitalização estão submetidas ao regime de liquidação extrajudicial.
As duas primeiras pelo Banco Central; as duas últimas de responsabilidade
da SUSEP.
140
Quanto à sociedade seguradora, encontra-se regida nos termos do
Decreto-lei 73/66, cabendo à Superintendência de Seguros Privados SUSEP
proceder à liquidação extrajudicial.
141
Enfim, quanto à sociedade cooperativa, se
sujeita a Lei n° 5.764/71, não passível de falência.
142
2.7.4 Sociedades Civis
outras espécies de sociedade que exercem atividades econômicas
previstas no nosso ordenamento jurídico que também não estão sujeitas ao
regramento mercantil, e.g., as empresas que se dedicam à administração de
imóveis, as cooperativas. Embora aquela seja prestadora de serviços; esta trabalhe
com mercadorias, a lei impõe que elas sejam empresas civis. Razão pelas quais se
registram no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas e não na Junta
Comercial.
Os agricultores que exploram propriedade rural para fins de subsistência
familiar. Esse tipo de atividade não é considerado empresarial, porquanto não
produz para suprir o mercado consumidor; as sociedades civis de prestação de
serviços profissionais relativos ao exercício de atividade legalmente regulamentada
e aos que prestem funções que exerçam tarefa profissional autônoma, de forma
individual ou organizada. É o caso dos escritórios de advocacia, contabilidade, onde
tais profissionais prestam serviços, sob a forma de um tipo de sociedade, mas não
têm caráter empresarial.
139
CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência
empresarial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pp. 28-29.
140
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (lei n.
11.101, de 9-2-2005). 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 197-198.
141
CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência
empresarial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pp. 27-28.
142
Idem, ibidem, p. 30.
59
2.8 Jurisdição da Recuperação e da Falência
2.8.1 Considerações Gerais
O juízo competente para conhecer, processar e julgar os pedidos
relacionados à recuperação judicial, extrajudicial e falência está previsto no art. 3.°
da LREF
143
., mantendo-se, desta forma, a tradição do Direito brasileiro na eleição do
juízo do principal estabelecimento do devedor, ou seja, a sede administrativa, o
ponto central de negócios e não a competência territorial do domicílio do réu, se
pessoa física, conforme previsto no art. 94 do CPCB., se pessoa jurídica, no lugar de
sua sede ou onde se achar a agência ou sucursal, quanto às obrigações que ele
contraiu, de acordo com o art. 100, IV, “a” e “b”. (ver distinção entre jurisdição civil e
criminal no item 3.4 do Capítulo III). O processo falimentar tem por objetivo
satisfazer, no todo ou em parte, as obrigações assumidas pelo falido, evitando a
desarmonia social.
O juízo da recuperação judicial e da falência é uno, indivisível e universal,
sendo competente para conhecer todas as ações e reclamações sobre bens,
interesses e negócios do devedor. Ele exerce a vis atractiva sobre as execuções que
estejam correndo contra a empresa devedora e outros feitos, salvo exceções legais.
Regra geral, todas as ação devem ser propostas no juízo da falência, quando
o devedor for à massa falida ou empresa em recuperação judicial.
144
2.8.2 Espécies de Recuperação
2.8.2.1 Nova Perspectiva
O novo diploma legal criou no nosso ordenamento jurídico duas espécies de
recuperação, a saber: a recuperação judicial e a extrajudicial. O principal objetivo
central da nova lei é a recuperação da empresa, viabilizando a superação da crise
defrontada pelo devedor, o qual tem dificuldades de saldar pontualmente suas
dívidas, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos
143
CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência
empresarial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pp. 33-34.
144
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (lei n.
11.101, de 9-2-2005). 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 51-52 e 198-199.
60
trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da
empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica, tendo por
fundamento o princípio da viabilidade econômico-financeira. A ideia hoje dominante
no direito concursal brasileiro é que a empresa, como unidade econômica, deve ser
preservada, sempre que se manifestar viável e, portanto, econômica e socialmente
útil. Fechar a empresa é a última opção. Em última análise, o fundamento do
instituto é promover a superação do estado de crise com a manutenção da empresa
em face de uma insolvência que poderá ser ultrapassada.
145
No sistema anterior, existiam três alternativas: a concordata preventiva ou
suspensiva e a falência. Agora, eliminou-se a concordata, criando-se dois novos
procedimentos de recuperação, além de manter e aprimorar o instituto da falência.
No antigo regime, visava-se a proteção ao crédito; agora, à superação da
crise econômico-financeira da empresa.
2.8.3 Recuperação Judicial
A recuperação judicial pode ser conceituada sob duas perspectivas. A
primeira como instituto de Direito Econômico e a segunda, sob o ângulo processual.
No conceito econômico, a recuperação apresenta-se como um somatório de
providências de ordem econômico-financeiras, econômico-produtivas,
organizacionais e jurídicas, visando reabilitar a empresa em situação de crise
econômico-financeira, permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego e a
composição dos interesses dos credores. No aspecto processual é uma medida
implantada por meio de uma ação judicial, de iniciativa do devedor, com o escopo de
viabilizar a superação de sua situação de crise.
146
A recuperação judicial da empresa passa a comportar duas modalidades,
conforme o momento em que é requerida, a saber: a recuperação preventiva e a
suspensiva, tal como ocorria com a concordata, mutatis mutandis. A intenção fora a
de distinguir o homem da empresa que ele administra e conferir ao órgão judiciário
competente a opção de garantir a sobrevivência da empresa em crise, segundo um
critério econômico objetivo.
145
CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência
empresarial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pp. 121-122.
146
Idem, ibidem, pp. 10-11.
61
A recuperação judicial destina-se às empresas que estejam em situação de
crise econômico-financeira, com possibilidade, porém, de superação, pois aquelas
em tal estado, porém em crise de natureza insuperável, devem ter sua falência
decretada, até para que não se tornem elemento de perturbação do bom andamento
das relações econômicas do mercado. Coloca-se, como primeiro objetivo, a
manutenção da fonte produtora, a manutenção do emprego, enfim, assegurar a paz
social.
147
Relevante ressalva é a situação criada pelo legislador em prol da arrecadação
fiscal, pois dentre os requisitos previstos no art. 48 da LREF., para a concessão da
recuperação judicial da empresa o se encontra regularidade fiscal. Todavia, mais
adiante ela determinou outra condição prévia, assim prevista, in verbis:
Art. 57. Após a juntada aos autos do plano aprovado pela
assembléia-geral de credores ou decorrido o prazo previsto no art.
55 desta Lei sem objeção de credores, o devedor apresentará
certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151,
205, 206 da Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário
Nacional.
Reforçada com a edão da Lei Complementar 118, de 09 de fevereiro de
2005, cujos dispositivos alteraram em alguns pontos a redação do Código Tributário
Nacional, dentre os quais, inseriu o artigo 191-A, cuja redação é a seguinte: “Art.
191-A. A concessão de recuperação judicial depende da apresentação da prova de
quitação de todos os tributos, observado o disposto nos arts. 151, 205 e 206 desta
Lei.”
Todavia, a legislação com o fim de preservar o fisco e ao mesmo tempo
possibilitar a recuperação da empresa estabeleceu o parcelamento dos débitos
tributários, conforme previsto no §7.º do art. 6.º da Lei 11.101/05, nos seguintes
termos: “As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da
recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do
Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica”.
Portanto, a empresa devedora, para a suspensão das execuções fiscais
deverá obter o parcelamento dos créditos tributários na Fazenda Pública, juntando
aos autos, Certidão Positiva de Débitos Tributários com Efeito de Negativa, de
147
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falências comentada: lei
11.101/2005: comentário artigo por artigo. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 136.
62
acordo com o art. 206 do Código Tributário Nacional. Também o crédito tributário
não é atingido com a recuperação extrajudicial.
148
Ora, ao analisarmos tais disposições, depreende-se que a concessão da
recuperação judicial fica condicionada à apresentação de prova de quitação de
todos os tributos, isto é, regularidade fiscal. Condiciona-se o benefício legal à
apresentação da certidão negativa de débitos tributários, parece-nos um contra-
senso, pois a exigência de quitação dos débitos tributários para a concessão de
recuperação judicial inviabilizaria a própria recuperação da empresa, o que contraria
o objetivo da nova lei. Em princípio, no momento de dificuldade financeira são os
tributos os primeiros pagamentos suspensos pela empresa.
2.8.4 Recuperação Extrajudicial
O instituto da recuperação extrajudicial consiste num acordo celebrado entre
empresário e seus credores, realizado fora do âmbito judicial, no qual o empresário
expõe as condições econômicas da empresa aos seus credores, propondo um
acordo entre as partes e futuramente esse acordo será levado à presença do
judiciário para sua homologação.
Tal acordo é instrumentalizado através do chamado plano de recuperação
extrajudicial. Neste novo instituto, o Estado fica fora dessa negociação, a
intervenção estatal nesta relação privada somente se em um momento a
posteriori da avença celebrada entre o devedor e seus credores. Essa intervenção
que se materializa através da homologação do acordo será realizada para
salvaguardar alguns credores que porventura não tenham sido convocados para
participar dessa negociação. Na homologação, o juiz em seu despacho inicial
verificará se os requisitos e os documentos necessários para este pedido estão
presentes. Estando presentes, determinará o processamento da ação convocando
todos os possíveis credores, sejam eles os que aderiram ao plano de recuperação
ou outros que tenham ficado fora do acordo. Essa intervenção é importante, pois
procura prevenir uma possível simulação de fraude por parte dos credores que
aderiram ou não ao plano de recuperação. Além de preservar a empresa, garantido
o seu pleno funcionamento.
148
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falências comentada: lei
11.101/2005: comentário artigo por artigo. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 49.
63
O principal motivo de o Estado ficar de fora dessa negociação e só aparecer
ao final é o fato de que um dos objetivos desta nova lei é a conservação da
empresa, tendo em vista o desenvolvimento econômico e a produção nacional.
No regime do Decreto-lei 7.661/45, tal inovação trazida pela Lei
11.101/2005, era caracterizada como ato de falência
149
, uma vez que, se o
empresário convocasse seus credores para propor uma renegociação da dívida
estava sujeito ao pedido de quebra e por consequência a decretação de sua
falência, conforme previa o disposto no artigo 2.º, inciso III. Relembramos o
dispositivo legal, in verbis: “Art. 2.º Caracteriza-se, também, a falência, se o
comerciante: III convoca credores e lhes propõe dilação, remissão de créditos ou
cessão de bens.” Há credores excluídos da recuperação extrajudicial, são eles
150
: os
créditos de natureza tributária; decorrentes da legislação do trabalho e derivados de
acidente de trabalho; o proprietário fiduciário; o arrendador mercantil; o vendedor ou
promitente vendedor de imóvel por contrato irrevogável; o vendedor titular de
reserva de domínio e a instituição financeira credora por adiantamento ao exportador
de contrato de câmbio. Conforme a ideologia liberal, o ideal é que empresa e seus
credores encontrem a melhor forma de negociação entre si, sem a intervenção do
Estado.
Com relação à recuperação extrajudicial em linhas gerais, podemos afirmar
que nada mais é que um acordo celebrado entre o devedor e seus credores, com o
intuito de negociar dívidas da empresa. Nesse plano, a função do Estado-juiz será
de apenas chancelar o pacto firmado entre as partes para produção dos seus
efeitos, constituindo-se a sentença de homologação do plano, título executivo
judicial. O plano poderá abranger a totalidade ou parcela de uma ou mais espécies
de créditos, ressalvados, os excluídos desta forma de composição.
151
2.9 Órgãos da Recuperação Judicial e da Falência
2.9.1 Considerações Gerais
149
CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência
empresarial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 449.
150
Idem, ibidem, pp. 449 e 455.
151
Idem, ibidem, pp. 451, 453 e 455.
64
Na lei anterior, para administração da falência era nomeado um síndico (art.
59 da antiga lei de falência), que exercia sua função, sob a imediata direção e
superintendência do juiz, o qual podia figurar entre os próprios credores do
empresário-devedor. Entretanto, por ter interesses individuais vinculados ao
processo era enorme a probabilidade de fraudes no sistema concursal. Na
concordata, o devedor conservava a administração de seu negócio, fiscalizado pelo
comissário, que também era nomeado pelo juiz, a quem prestava contas, conforme
visto. Na nova lei, nasce um novo regime a partir de um modelo de
profissionalização do sistema de administração da falência e da recuperação de
empresas. Devido à complexidade e multiplicidade dos interesses e relações
jurídicas envolvidos neste processo, há atos judiciais e administrativos que são
praticados por seus principais órgãos, a seguir, mencionados, conforme definidos
por Sérgio Campinho
152
, a seguir expostos:
2.9.2 Magistrado
No processo de natureza falimentar, cabe ao juiz presidi-lo, dirigindo e
superintendendo os trabalhos com funções judicante e administrativa. Nas funções
judicante destaca-se, quando decide, aplicando a lei ao caso concreto; nas funções
administrativa, quando fixa a remuneração dos auxiliares do administrador judicial,
autoriza a venda antecipada de bens, etc. Também nas funções judicante estão
entre elas, às medidas cautelares de busca e apreensão, prisão preventiva e outras
medidas de igual natureza.
2.9.3 Ministério Público
Nos processos de falência e de recuperação, atua o órgão do Ministério
Público como fiscal da lei, intimado após o juiz deferir o processamento da
recuperação judicial e de sua final concessão, bem como da sentença que decreta a
falência, a fim de que tome conhecimento do feito. A atuação deste órgão estatal
deve-se limitar às situações que a lei expressamente determina, sob pena de impor
morosidade processual indesejável.
152
CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência
empresarial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pp. 47, 48 e 49.
65
Na visão de Campinho, o Ministério Público na qualidade de custos legis não
está legitimado a requerer a falência, mas poderá propor ação civil pública para
executar eventual crédito que nela for apurado, pois lhe cabe a defesa dos
interesses sociais e individuais indisponíveis, podendo, utilizar, o inquérito civil
visando colher elementos probatórios necessários à propositura da ação.
153
No
prisma do Fábio Ulhoa, a participação do Ministério blico no processo de
recuperação é mínima, intervindo quando expressamente previsto
154
, em suas
palavras: “O Ministério Público começa a participar do processo falimentar depois
da sentença declaratória da falência.”
155
2.9.4 Administrador Judicial
A figura do administrador judicial sucedeu o papel do síndico, o qual mutatis
mutandis, vai exercer a missão deste.
156
Ao decretar a falência ou deferido o
processamento da recuperação judicial incumbe ao juiz nomear um administrador
judicial, o qual poderá ser pessoa física ou jurídica.
157
Ele é o agente auxiliar do juiz
que, em nome próprio, deve cumprir com as funções cometidas pela lei, sendo
escolhido pelo juiz e será sempre uma pessoa de sua confiança, tendo a
incumbência de auxiliá-lo na administração da massa falida
158
. Tratar-se da figura
indispensável do sistema de administração da falência e da recuperação de
empresa. A pessoa do administrador judicial tem suas funções disciplinadas de
forma mais precisa nos arts. 21 até 25, além de outras previstas na mesma Lei
11.101/05.
São requisitos pessoais de qualificação profissional do administrador: ser um
profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de
empresas, contador ou pessoa jurídica especializada (LREF, art. 21).
153
CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência
empresarial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pp. 52-53.
154
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (lei n.
11.101, de 9-2-2005). 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 30.
155
Idem, ibidem, p. 31.
156
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falências comentada: lei
11.101/2005: comentário artigo por artigo. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 89.
157
CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência
empresarial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pp. 58-59.
158
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (lei n.
11.101, de 9-2-2005). 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 57.
66
Manoel Justino Bezerra Filho, assim se posiciona sobre a qualificação
profissional do administrador judicial
159
:
O processo de recuperação e de falência é bastante complexo, por
envolver inúmeras questões que o técnico, com conhecimento
especializado da matéria, poderá resolver a contento, prestando real
auxílio ao bom andamento do feito.
De uma forma geral, podemos afirmar que, na recuperação judicial, o seu
principal papel seria de fiscalizar as atividades do devedor e o cumprimento do plano
de recuperação judicial, haja vista que em tal situação não há, necessariamente, o
afastamento do devedor de suas atividades.
na falência, as atribuições do administrador judicial aumentam, pois neste
caso o afastamento do falido da administração de seus bens, passando aquele a
representar a massa falida do devedor.
As atribuições gerais do administrador judicial na recuperação judicial e na
falência estão elencadas nos seguintes dispositivos da LREF: Art. 22, caput, inciso
I. As específicas, no tocante à recuperação judicial estão dispostas no art. 22, II; e
as específicas, relativas à falência, no art. 22, III.
Tal profissional deve ser nomeado pelo juiz, conforme frisamos, no
momento da decretação da falência ou por ocasião do deferimento do
processamento da recuperação judicial (LREF, arts. 99, IX e 52, I).
Pela atividade desempenhada, o profissional em evidência faz jus a uma
remuneração a ser fixada pelo juiz que estipulará o valor e a forma de pagamento da
mesma, observados a capacidade de pagamento do devedor, o grau de
complexidade do trabalho e os valores praticados no mercado para o desempenho
de atividades semelhantes.
Tal remuneração, contudo, não poderá exceder a 5% (cinco por cento) do
valor devido aos credores submetidos à recuperação judicial ou do valor de venda
dos bens na falência e será paga pelo devedor ou pela massa falida.
Investido em sua função, o administrador permanecerá nela até sentença final
que decrete o encerramento da falência ou recuperação judicial, salvo se for
destituído, substituído ou renunciar.
160
159
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falências comentada: lei
11.101/2005: comentário artigo por artigo. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 90.
67
2.9.5 Assembleia-Geral de Credores
Sérgio Campinho nos a noção da assembleia-geral de credores nos
seguintes moldes
161
:
A assembléia-geral de credores consiste na reunião dos credores
sujeitos aos efeitos da falência ou da recuperação judicial,
ordenados em categorias derivadas da natureza de seus respectivos
créditos, com o fim de deliberar sobre as matérias que a lei venha
exigir sua manifestação, ou sobre aquelas que possam lhes
interessar.
Tal órgão terá na recuperação judicial a função de deliberar sobre (LREF, art.
35, I): a) aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial
apresentado pelo devedor; b) a constituição do comitê de credores, a escolha de
seus membros e sua substituição; c) o pedido de desistência do devedor,
considerando que este, depois de deferido o processamento de sua recuperação
judicial, somente poderá desistir de tal demanda mediante autorização da
assembleia-geral de credores; d) o nome do gestor judicial, quando do afastamento
do devedor; e) qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores.
Na falência (LREF, art. 35, II): a) a constituição do comitê de credores, a
escolha de seus membros e sua substituição; b) a adoção de outras modalidades de
realização do ativo, na forma do art. 145 desta Lei; c) qualquer outra matéria que
possa afetar os interesses dos credores.
A instalação da assembleia-geral de credores na recuperação judicial será
obrigatória ou facultativa. Na obrigatória, a reunião dos credores funciona como
condição necessária e indispensável à solução de uma questão do processo (na
recuperação, e.g., aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação
apresentado pelo devedor); já a facultativa será motivada por interesse de cunho
geral ou particular a uma categoria de credores (na falência, não hipótese de
160
CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência
empresarial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 60.
161
Idem, ibidem, p. 77.
68
instalação obrigatória, será sempre facultativa, e.g., constituição do comitê de
credores).
162
A assembleia-geral será convocada pelo juiz da falência por edital publicado
no órgão oficial e em jornais de grande circulação nas localidades da sede e filiais
do falido, com antecedência mínima de 15 (quinze) dias; devendo a pia do aviso
de convocação ser afixado de forma ostensiva na sede e filiais do devedor (art. 36).
Na recuperação, as despesas de publicação serão pagas pelo devedor e na
falência pela massa falida, salvo se for convocada pelo comitê de credores ou por
25% do total dos créditos, neste caso, arcará com as despesas quem tomou a
iniciativa da convocação.
163
Além de outros casos expressamente previstos, poderão os credores que
representem no mínimo 25% (vinte e cinco por cento) do valor total dos créditos de
uma determinada classe requerer ao juiz a convocação de assembleia-geral (art. 36,
§ 2.°).
A assembleia em questão será presidida pelo administrador judicial. Havendo
incompatibilidade deste com a decisão a ser tomada em assembleia, esta será
presidida pelo credor presente que tenha maior crédito. Instalar-se-á, em
(primeira) convocação, com a presença de credores titulares de mais da metade dos
créditos de cada classe, computados pelo valor, e, em (segunda) convocação,
com qualquer número. O voto do credor, na assembleia, será proporcional ao valor
de seu crédito, ressalvado, nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial,
o caso dos credores trabalhistas; que votarão o referido plano (que afete seus
créditos), através de voto democrático, onde cada trabalhador terá direito a um voto,
independentemente do valor de seu crédito. Terão direito a voto na assembleia, a
princípio, as pessoas arroladas no quadro-geral de credores. O quórum de
deliberação é norteado pela seguinte regra geral, considerar-se-á aprovada a
proposta que obtiver votos favoráveis de credores que representem mais da metade
do valor total dos créditos presentes à assembleia-geral (...). A assembleia geral
será composta pelas seguintes classes de credores: a) titulares de créditos
derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes do trabalho; b)
titulares de créditos com garantia real; c) titulares de créditos quirografários, com
162
CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência
empresarial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pp. 77-78.
163
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falências comentada: lei
11.101/2005: comentário artigo por artigo. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 120-121.
69
privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados. Tudo conforme determina
os arts. 37, §§ 2.°, 3.°, 38, 39, 41 e 42.
2.9.6 Comitê de Credores
É um órgão de existência facultativa, tanto na falência quanto na recuperação
judicial, composto por representantes de cada classe de credores do devedor
submetidos ao processo falimentar na jurisdição cível, que tem como principal
finalidade zelar pelo bom andamento do feito, sendo o terceiro órgão do sistema de
administração da falência e da recuperação de empresa. Conforme podemos
observar, ele é um órgão colegiado criado por deliberação da assembleia-geral de
credores a partir da indicação de três classes de credores: a) um representante
indicado pela classe de credores trabalhistas, com dois suplentes; b) um
representante indicado pela classe de credores com direitos reais de garantia ou
privilégios especiais, com dois suplentes; c) um representante indicado pela classe
de credores quirografários e com privilégios gerais, com dois suplentes. Ele não é
uma figura nova, pois era previsto nos arts. 122 e 123 da lei anterior.
164
Nada
impede que o comitê venha a ter membros das outras classes de credores, no
entanto, as três anteriormente citadas são de presença obrigatória para a sua
formação.
Na escolha dos representantes de cada classe no comitê de credores,
somente os respectivos membros poderão votar. Os titulares de créditos derivados
da legislação do trabalho votam na sua classe com o total de seu crédito, mesmo
considerando que os créditos trabalhistas acima de 150 salários mínimos, por
credor, serão considerados quirografários. os titulares de créditos com garantia
real votam na sua classe somente no limite do valor do bem onerado, e na classe
dos quirografários pelo restante do valor de seu crédito.
Uma vez escolhidos os membros do órgão referenciado, eles serão
nomeados pelo juiz da falência, que determinará a intimação pessoal dos mesmos
para, em 48 (quarenta e oito) horas, assinarem, na sede do juízo, o termo de
compromisso de bem e fielmente desempenhar o cargo e assumir todas as
164
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falências comentada: lei
11.101/2005: comentário artigo por artigo. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 105.
70
responsabilidades a ele inerentes. Os próprios membros do conselho escolherão,
entre eles, quem irá presidi-lo.
Na recuperação judicial e na falência o comide credores terá dentre outras,
as seguintes atribuições: a) fiscalizar as atividades e examinar as contas do
administrador judicial; b) zelar pelo bom andamento do processo e pelo cumprimento
da lei; c) comunicar ao juiz, caso detecte violação dos direitos ou prejuízo aos
interesses dos credores; d) apurar e emitir parecer sobre quaisquer reclamações dos
interessados; e) requerer ao juiz a convocação da assembléia-geral de credores;
f) manifestar-se nas hipóteses previstas na LREF. Em princípio, os administradores
da empresa em recuperação serão mantidos na função, na hipótese de afastamento
assumirá suas atribuições o comitê de credores até a nomeação do gestor para a
administração.
165
Especificamente, na recuperação judicial, o comitê terá, dentre outras, as
seguintes atribuições: a) fiscalizar a administração das atividades do devedor,
apresentando, a cada 30 (trinta) dias, relatório de sua situação; b) fiscalizar a
execução do plano de recuperação judicial; c) submeter à autorização do juiz,
quando ocorrer o afastamento do devedor nas hipóteses previstas na LREF., a
alienação de bens do ativo permanente, a constituição de ônus reais e outras
garantias, bem como atos de endividamento necessários à continuação da atividade
empresarial durante o período que antecede a aprovação do plano de recuperação
judicial.
Caso não haja comitê, na recuperação judicial ou na falência, as atribuições
deste serão exercidas pelo administrador judicial ou, na incompatibilidade deste,
pelo juiz.
Não será paga qualquer remuneração aos membros do comitê pelo devedor
ou pela massa falida. Daí se entendendo que estes não terão remuneração (serão
voluntários não remunerados) ou que tal despesa será assumida pelos membros de
cada classe no tocante ao seu respectivo representante.
Igualmente, não pode integrar referido órgão quem tiver relação de
parentesco ou afinidade até o terceiro grau com o devedor, seus administradores,
controladores ou representantes legais ou deles for amigo, inimigo ou dependente.
Os mesmos impedimentos acima também se aplicam ao administrador judicial.
165
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falências comentada: lei
11.101/2005: comentário artigo por artigo. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 109.
71
Cabe ao juiz da falência, de ofício ou mediante requerimento fundamentado,
destituir o membro do comitê, quando verificar desobediência aos preceitos da
LREF., descumprimento de deveres, omissão, negligência ou prática de ato lesivo
às atividades do devedor ou a terceiros.
Destituído membro do comitê, no mesmo ato o juiz convocará o respectivo
suplente para assumir as funções do destituído. Ressalte-se, ainda, que os
membros do comitê, assim como o administrador judicial, responderão pelos
prejuízos causados à massa falida, ao devedor ou aos credores por dolo ou culpa.
Assim sendo, prevê o art. 32 da LREF., que o membro que não concorde com
determinada decisão do comitê, que possa causar prejuízos a terceiros, deve
consignar sua discordância em ata para eximir-se de responsabilidade.
Resumindo, são órgãos obrigatórios na recuperação judicial e na falência, o
juiz, o Ministério Público e o administrador judicial, mas facultativos, na falência, a
assembleia-geral de credores e o comitê de credores, no entanto, comitê de
credores é opcional na recuperação judicial.
166
Na ordem estabelecida, demonstraremos os órgãos do sistema penal formal
que atuam no sistema falimentar, desde apuração preliminar, acusação, apuração
definitiva e julgamento por intermédio do procedimento próprio em juízo, suspensão
condicional do processo, sentença penal condenatória e recursos.
166
CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência
empresarial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pp. 91 e 98.
72
CAPÍTULO III
3 INSTÂNCIAS FORMAIS DE RESPONSABILIZAÇÃO NO PROCESSO PENAL
FALIMENTAR
3.1 Considerações Preliminares
O presente Capítulo tem por objeto demonstrar o papel dos agentes formais
responsáveis pelo processo de responsabilização nos delitos falimentares, sob o
ponto de vista do Direito Processual Falimentar. Por outro lado, do ponto de vista da
operacionalização do sistema jurídico penal, não se pode separar por completo esse
do Direito Penal Falimentar, pois as penalidades previstas neste determina qual o
procedimento adotado na investigação policial e na instrução processual penal.
Entretanto, utilizaremos os tipos penais falimentares tão-somente para melhor
elucidar o procedimento penal cabível sem a preocupação de um estudo mais
profundo dos mesmos, pois foge ao nosso objeto de estudo. Da mesma forma, não
adentraremos no estudo da Criminalística, a qual governa as perícias contábeis, as
perícias documentais, as perícias do meio eletrônico e as perícias de áudio e
imagem que são em regra, as perícias técnico-científicas comprovadoras da
materialidade dos delitos falimentares, etc.
3.1.2 Noções Gerais
Em regra, no processo de responsabilização dos delitos apurados por
intermédio do Poder Judiciário estadual, duas fases bem definidas, uma pré-
processual e outra processual propriamente dita, uma ordem, em princípio, quase
natural e cronológica. A fase pré-processual inicia-se com a investigação, em
princípio, através do inquérito policial presidida por delegado da Polícia Civil. Após a
conclusão do procedimento, os autos são remetidos ao juízo competente (art. 10, §
1.° do CPPB), que abrirá vista ao membro do Ministério Público
167
, na hipótese de
167
Após a Constituição Federal de 1988, alguns tribunais e órgãos do Poder Judiciário adotam o
entendimento através de atos administrativos de que os autos do inquérito policial serão remetidos
diretamente ao Ministério Público, pois o parquet é o órgão do sistema penal encarregado de
proceder a ação penal em juízo. Vide o Provimento 7, de 14 de abril de 1997, do Corregedor Geral
de Justiça do Distrito Federal; o Provimento47, de 12 de novembro de 1996, do Vice-Presidente e
do Corregedor do Tribunal Regional Federal da Região. Provimento CGJ 33, de 06/11/2000, da
lavra do Corregedor Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Des. Paulo Gomes da Silva.
73
crimes de ação pública incondicionada, condicionada à representação ou requisição
ou tratando-se de ação penal privada, os autos aguardarão a iniciativa do ofendido
ou do seu representante legal (art. 19 do CPPB). Não obrigação legal da
autoridade policial informar ao ofendido a respeito da data provável ou data certa da
conclusão do inquérito policial, todavia, é de bom alvitre, informá-lo mediante ofício,
fazendo-se juntar aos autos respectiva pia da respectiva comunicação. Inicia-se a
segunda fase com o recebimento da denúncia ou queixa no juízo criminal, iniciando-
se a fase processual propriamente dita. Na responsabilização criminal nos crimes
falimentares, em regra, a ordem é outra, sui generis. Em primeiro lugar, cabe ao juiz
da recuperação e da falência abrir o caminho para possibilitar a punibilidade do (s)
agente (s) causador (es) do dano através da sentença que decreta a falência,
concede a recuperação ou homologa a recuperação extrajudicial (tal providência
jurisdicional constitui-se, a grosso modo, uma conditio sine qua non para proceder à
investigação preliminar, apuração e julgamento desta espécie de modalidade
delitiva); depois o Ministério Público é intimado e poderá intentar a ação penal ou
aguardar o relatório circunstanciado do administrador judicial com o devido laudo
contábil. Todavia, se não existir material probatório suficiente para ensejar justa
causal penal, aí, sim, requisita-se a instauração do inquérito policial. Após conclusão
do procedimento policial, havendo provas indiciatórias suficientes, caberá o
Ministério Público ajuizar a ação penal. Logo, é uma hipótese muito específica do
Direito Processual Penal brasileiro. Inicia-se a averiguação no processo cível e
concluí-se a responsabilização com condenação ou absolvição no processo penal,
passando-se por vários procedimentos administrativos e judiciais.
3.2 Poder Judiciário Estadual Criminal
3.2.1 Notas Históricas
A nossa evolução histórica como jurisdição genuinamente brasileira é
historicamente recente, somente através do Alvará de 10 de maio de 1808, o
Resolução CJF 63, de 26/06/2009, que trata da tramitação direta dos inquéritos policiais entre a
Polícia Federal e o Ministério Público Federal, norma de lavra do Presidente do Conselho de Justiça
Fedaral, Min. Cesar A. Rocha. Todavia, tais atos administrativos encontram-se desconforme o
enunciado no § 1.° do art. 10 do CPPB.
74
Príncipe Regente D. João criou no solo nacional, no Rio de Janeiro, a Casa da
Suplicação do Brasil em substituição ao Tribunal da Relação então existente.
168
A nossa primeira constituição política como Estado independente, isto é, a
Constituição Imperial de 1824
169
, consagrava o Poder Judiciário
170
como um dos
poderes do Estado unitário brasileiro, assim descrito: “Art. 10. Os Poderes Politicos
reconhecidos pela Constituição do Imperio do Brazil são quatro: o Poder Legislativo,
o Poder Moderador, o Poder Executivo, e o Poder Judicial.”
Conforme descrito por Pontes de Miranda (1892-1979), a Lei Fundamental de
1824, trazia a seguinte disciplina constitucional quanto aos membros do Poder
Judiciário
171
:
Art. 153: “Os juízes de direitos serão pertétuos; o que, todavia, se
não entende que não possam ser mudados de uns para outros
lugares pelo tempo e maneira que a lei determinar”.
Art. 154: “O Imperador poderá suspendê-los por quiexas contra êles
feitas, procedendo audiência dos mesmos juízes, informação
necessária, e ouvido o conselho de Estado. (...)”.
Na Constituição do Império, os magistrados ficavam à merce do
poder político do Imperador. Pelo predomínio do Poder Moderador,
não existia uma nítida separação entre os poderes, podendo o
monarca aplicar pena administrativa disciplinar a membros do Poder
Judiciário, o que fragilizava a independência deste poder, para não
dizer que o governo central tinha o controle quase absoluto do
Judiciário, que poderia remover juízes e aplicar-lhes sanção
administrativa.
Nas palavras de José Frederico Marques
172
, a nomeação dos juízes de
direito, cabia ao Imperador. O que podemos conferir, conforme previsto no art. 102,
III
173
, in verbis:
168
SILVA, Paulo R. Paranhos da. A casa da suplicação do Brasil: a modernidade na justiça brasileira.
Rio de Janeiro: sem editora: 1993, pp. 33, 35.
169
CAMPANHOLE, Adriano. CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituição do Império do Brazil de 1824.
Todas as constituições do Brasil. 2ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Atlas, 1976, p. 524.
170
A Casa da Suplicação como órgão de última instância passou a denominar-se de Supremo
Tribunal de Justiça com a Constituição de 1824; depois Supremo Tribunal Federal com a Constituição
de 1891 até a presente data.
171
MIRANDA, Pontes de. Comentários à constituição de 1946. Tomo III. 3ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi,
1960, p.171.
172
MARQUES, JoFrederico. Elementos de direito processual penal. Vol. I. Campinas: Bookseller,
1997, p. 100.
173
CAMPANHOLE, Adriano. CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituição do Império do Brazil de
1824.Todas as constituições do Brasil. 2ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Atlas, 1976, p.534.
75
Art. 102. O Imperador é o Chefe do Poder Executivo, e o exercita
pelos seus Ministros de Estado.
São suas principais attribuições
I. (...).
II. (...).
III. Nomear Magistrados.
A Constituição de 1891 transformou o Estado unitário em Estado federal, bem
como a forma de governo republicano em substituição ao monárquico hereditário.
Os Estados-membros sucederam as Províncias. Na forma de organização
federal, há, a grosso modo, duas ordens bem definidas: a União e dos Estados-
membros. Há o Poder Judiciário Federal; o Ministério blico Federal e a Polícia
Federal, como também o Poder Judiciário Estadual, o Ministério Público Estadual
e a Polícia Civil.
174
As constituições seguintes, ou seja, a Constituição Federal 1934; a
Constituição Federal de 1937; a Constituição Federal de 1946; a Constituição
Federal de 1967; a Emenda Constitucional I, de 17 de outubro de 1969,
outorgada pelos Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica
Militar, mantiveram o mesmo espírito federal e republicano do texto constitucional de
1891.
Após o recente período ditatorial (1964-1985), o País reencontrou o seu
caminho rumo à normalidade democrática. O processo de redemocratização nos
trouxe como fruto à Constituição Federal de 1988, a qual em relação ao Poder
Judiciário consagrou garantias de independência para realizar sua elevada missão.
Conforme José Afonso da Silva são duas espécies de garantias:
(1) garantias institucionais, as que protegem o Poder Judiciário
como um todo, e que se desdobram em garantias de autonomia
orgânico-administrativa e financeira; (2) garantias funcionais ou de
órgãos, que asseguram a independência e a imparcialidade dos
membros do Poder Judiciário, previstas, aliás, tanto em razão do
próprio titular mas em favor ainda da própria instituição.
175
174
vários órgãos do Poder Judiciário da União e dos Estados-membros, bem como vários
órgãos do Ministério Público da União e dos Estados-membros, além de existirem vários órgãos
policiais na esfera federal e estadual. Tão-somente os municípios não têm tais órgãos estatais, por
opção omissiva do legislador constituinte na Carta Magna de 1988.
175
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28ª ed. São Paulo: Malheiros,
2007, p. 588.
76
As garantias institucionais o estabelecidas no caput do art. 99 da Norma
Fundamental, nos seguintes termos: “Art. 99. Ao Poder Judiciário é assegurada
autonomia administrativa e financeira.” A autonomia administrativa do Judiciário
consiste no poder de forma independente de: a) eleger seus órgãos diretivos; b)
elaborar seu regimento interno, em harmonia com o texto constitucional e
infraconstitucional; c) prover os cargos de membros da magistratura e demais
servidores, na forma prevista na Constituição ou legal; d) organizar suas Secretarias
e serviços auxiliares e dos juízos vinculados; e) conceder licença, férias e outros
afastamentos de seus membros e servidores, etc.
3.2.3 Funções Judicante do Juízo Penal Falimentar
Como bem nos lembra o art. 183 da LREF., compete ao juiz criminal da
jurisdição onde tenha sido decretada a falência, concedida a recuperação judicial ou
homologado o plano de recuperação extrajudicial, processar e julgar a ação penal
nos crimes falimentares. Parece-nos que José Roque cometeu uma impropriedade
ao afirmar que: “Compete ao juiz da falência ou da recuperação judicial conhecer da
ação penal pelos crimes previstos na Lei da Recuperação Judicial.”
176
Salvo, se
existir na comarca apenas juízo único, como é natural na maioria dos municípios do
Brasil. Conduto, se houver na comarca dois juízos, um cível e outro penal, forçoso é
reconhecer que a intenção do legislador foi repartir as competências.
177
O Decreto-lei 7.661/1945, no âmbito processual penal, adotava o sistema
dualista, em que o Ministério Público deveria oferecer denúncia junto ao juízo
falimentar, se ela fosse recebida, os autos do processo seriam remetidos ao juízo
criminal através de livre distribuição. A nova lei adotou o sistema unitário, onde o
juízo criminal deverá processar o julgar os supostos autores dos delitos falimentares.
Além do mais, será cabível ao magistrado tomar as medidas ex officio
necessárias ao bom andamento do feito (ver 4.3.6 do Capítulo seguinte).
3.3 Administrador Judicial
176
ROQUE, Sebastião José. Direito de recuperação de empresa. São Paulo: Ícone, 2005, p. 304.
177
Nas comarcas da capital de São Paulo e Rio de Janeiro (na capital carioca, há sete várias
especializadas), por força de normas locais, será compete para conhecer e julgar os delitos
falimentares as respectivas varas empresarias.
77
No processo de responsabilização no sistema penal falimentar cabe também
a este órgão, especificamente, na falência, a atribuição de imputar ao devedor e/ou
outros responsáveis atos que possam constituir crimes relacionado com a
recuperação judicial ou com a falência, ou outro delito conexo a estes, juntando no
seu relatório circunstanciado o competente laudo do contador. (LREF, art. 22, III,
letra “e” c/c art. 186, caput e parágrafo único). O texto do art. 22, III, letra “e” faz-nos
entender que o administrador poderá imputar a conduta criminosa tão-somente
quando houver decreto falimentar. Entretanto, parece-nos que na sua função
fiscalizadora na recuperação judicial, o mesmo poderá relatar ao juiz, conduta, que a
seu juízo, constitui crime, até porque os crimes falimentares são de ação pública
incondicionada. Em se tratando de falência, em geral, este será o segundo relatório,
pois o primeiro terá por finalidade relatar ao magistrado a respeito dos bens
arrecadados, a confecção do quadro-geral de credores, os livros da empresa que
tenham sido examinados pelo perito-contador, o qual elaborarou o laudo contábil.
178
O prazo para apresentação deste relatório é de 40 (quarenta) dias, prorrogável por
igual período, contado a partir da assinatura do termo de compromisso prestado pelo
administrador judicial (LREF, art. 22, III, letra “e” c/c art. 33). Apropriado na espécie,
o alegado por Fábio Ulhoa quando diz: “prevê a lei uma pré-investigação, pelo
administrador judicial.”
179
Na realidade, o texto normativo não atribui função
investigativa criminal ao auxiliar do juiz, até porque seria inconstitucional, pois tal
atribuição é da Polícia Civil (CF, art. 144, § 4.°), não tendo ele, poderes de polícia e
da polícia, ilegal seria, e.g., intimar e ouvir testemunhas, etc.
3.4 Ministério Público Estadual
3.4.1 Notas Históricas
Na evolução histórica da prestação dos serviços ofertados pelo Ministério
Pública em vários países do mundo e em diferentes épocas, tinha ele diversas
funções, mas todas ligadas à defesa dos interesses da sociedade. As maiorias dos
tratadistas acreditam que o MP teve origem na Idade Média, na França através da
178
ROQUE, Sebastião José. Direito de recuperação de empresas. São Paulo: Ícone, 2005, pp. 303-
304.
179
COELHO, bio Ulhoa. Comentários à nova lei de falência e de recuperação de empresas: (lei n.
11.101, de 9-2-2005). 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 412.
78
figura dos procuradores do rei. Na esteira deste entendimento, Pinto Ferreira
declarou: “Foi realmente à França que coube a criação do MP, como ensina
Garsonnet, dizendo que “a ordenação de 25 de março de 1302 é a primeira que faz
menção do Ministério blico, referindo-se aos “procuradores do rei”.
180
No século
XIV, nasce o Ministério Público com a atribuição de promover a ação penal pública
através de um funcionário especial.
181
Não vamos adentrar numa análise profunda da origem histórica da Instituição
no nosso território, pois foge ao nosso intento. Todavia, na era contemporânea, a
esfera da atuação da Instituição vem, gradativamente, ampliando-se, não só no
âmbito da pretensão punitiva do Estado, mas também em outras matérias de
relevância social. Neste sentido, a lei criou o inquérito civil público e ação civil
pública (Lei n° 7.347/1985), a qual legitimou o MP a ter meios destinados à proteção
dos interesses difusos ou direitos coletivos, principalmente a instituição do inquérito
civil público, o qual tem por fim obter provas para embasar a ação civil pública, tendo
natureza jurídica de procedimento administrativo. Nas palavras de Tourinho Filho:
Ministério Público traz a idéia de um órgão incumbido de defender os
interesses da sociedade, seja na área penal, (...), seja no campo
extrapenal, em que não incansável é sua tarefa, na defesa dos
interesses sociais ou individuais indisponíveis.
182
Nas palavras do promotor de justiça do Estado de São Paulo, José Reinaldo
Guimarães: “com a publicação da Lei 261/1841, criou-se, no Brasil, a figura do
promotor público”.
183
Conforme Orlando Soares: “Aponta-se o Dec. n° 5.618, de
02.05.1874 (art. 18), como o diploma legal que empregou, pela primeira vez no
Brasil, a expressão Ministério Público.”
184
180
FERREIRA, Pinto. Comentários à constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 95.
181
TORNAGHI, Hélio Bastos. Instituições do processo penal. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959,
p. 24.
182
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. ed. São Paulo: Saraiva,
2006, p. 343.
183
CARNEIRO, JoReinaldo Guimarães. O ministério blico e suas investigações independentes:
Reflexões sobre a inexistência de monopólio na busca da verdade real. São Paulo: Malheiros, 2007.
p. 90.
184
SOARES, Orlando. Comentários à constituição da república federativa do Brasil: (promulgada em
05.10.1988). Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 658.
79
A Constituição Federal dos Estados Unidos do Brazil de 1891, também foi
silente, exceto quanto à figura do Procurador-Geral da República, vejamos o
dispositivo constitucional
185
, ipsis litteris:
Art. 58. Os Tribunais Federaes elegerão de seu seio os seus
presidentes e organizarão as respectivas secretarias.
§ 1.° (...)
§ 2.° O Presidente da República designará, dentre os membros do
Supremo Tribunal Federal, o Procurador Geral da República, cujas
atribuições se definirão em lei.
Somente com o advento da Constituição Federal de 1934, houve a
institucionalização do Ministério Público como órgão de status constitucional.
Vejamos o texto constitucional transcrito por Pontes de Miranda
186
, in verbis:
Art. 95: “O Ministério blico será organizado na União, no Distrito
Federal e nos Territórios por lei federal, e, nos Estados, pelas leis
locais”.
§ 1.°: “O Chefe do Ministério Público federal nos juízos comuns é o
Procurador Geral da República, de nomeação do Presidente da
República, (...), dentre cidadãos com os requisitos para os Ministros
da Côrte Suprema. Terá os mesmos vencimentos dêsses Ministros,
sendo, porém, demissíveis ad nutum”.
§ 2.°: “Os chefes do Ministério Público no Distrito Federal e nos
Territórios serão de livre nomeação do Presidente da República
(...)”.
§ 3.°: “Os membros do Ministério Público criados por lei federal e
que sirvam nos juízos serão nomeados mediante concurso e
perderão os cargos, nos têrmos da lei, por sentença judiciária, ou
processo administrativo, no qual lhes será assegurado ampla
defesa”.
na Constituição federal do Estado Novo (1937), como não poderia ser
diferente numa Constituição ditatorial, assim era previsto a instituição ministerial, nos
comentários de Pontes de Miranda
187
:
185
CAMPANHOLE, Adriano e CAMPANHOLE Hilton Lobo. Constituição federal dos Estados Unidos
do Brazil. Todas as constituições do Brasil. 2ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Atlas, 1976, p. 471.
186
MIRANDA, Pontes de. Comentários à constituição de 1946. Tomo III. 3ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi,
1960, p. 494.
187
Idem, ibidem, p. 494.
80
Art. 99: O Ministério Público federal terá por chefe o Procurador
Geral da República, que funcionará junto ao Supremo Tribunal
Federal e será de livre nomeação e demissão do Presidente da
República, devendo recair a escolha em pessoa que reúna os
requisitos exigidos para Ministro do Supremo Tribunal Federal.
Com o advento do Código de Processo Penal de 1941, o Ministério Público
conquistou o poder de requisição de instauração de inquérito policial, bem como, em
regra, a titularidade da ação penal pública (arts. 5.°, II e 24, caput, 29 do CPPB).
Na volta à normalidade democrática, fruto da Constituição Federal de 1946, o
Ministério Público seja federal ou estadual teve uma nova configuração quanto aos
seus membros concursados. Todavia, quanto à escolha do chefe da Instituição, o
critério permaneceu exclusivamente político, sendo cargo
de livre nomeação e
exoneração do Presidente da República, sem exigir que a escolha recaísse em
Ministro do Supremo Tribunal Federal como previa a Constituição de 1891. Eis os
dispositivos constitucionais
188
:
Art. 125. A lei organizará o Ministério Público da União junto à
Justiça comum, à militar, à eleitoral e à do trabalho.
Art.126. O Ministério Público federal tem por chefe o Procurador-
Geral da República. O Procurador, nomeado pelo Presidente da
República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, (...),
é demissível ad nutum.
Art. 127. Os membros do Ministério Público da União, do Distrito
Federal e dos Territórios ingressarão nos cargos iniciais de carreira
mediante concurso. Após dois anos de exercício, não poderão ser
demitidos senão por sentença judiciária ou mediante processo
administrativo em que se lhes faculta ampla defesa; nem removidos,
a não ser mediante representação motivada do chefe do Ministério
Público, com fundamento em conveniência do serviço.
Art. 128. Nos Estados, o Ministério Público também organizados em
carreira, observados os preceitos do artigo anterior e mais o
princípio de promoção de entrância a entrância.
Conveniente é registrar o repúdio de Pontes de Miranda à situação
demissionária do Procurador-Geral da República:
O Procurador Geral da República demissível é deturpação completa
de sua figura. Tornar-se agente político do Govêrno. Como se há de
188
MIRANDA, Pontes de. Comentários à constituição de 1946. Tomo III. 3ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi,
1960, pp. 493-494.
81
esperar que denuncie altas autoridades da administração financeira
e da polícia quem, com tal atitude, se exporia à demissão?
189
Em relação à Constituição anterior, a Constituição Federal de 1967 manteve
inalterada a situação dos membros do parquet em relação as suas garantias
funcionais, vejamos o texto constitucional transcrito por Pontes de Miranda
190
:
Art. 138. (...).
§ 1.° Os membros do Ministério Público da União, do Distrito Federal
e dos Territórios ingressarão nos cargos iniciais de carreira,
mediante concurso público de provas e títulos. Após dois anos de
exercício, não poderão ser demitidos senão por sentença judiciária,
ou em virtude de processo administrativo em que se lhes faculte
ampla defesa; nem removidos, a não ser mediante representação do
Procurador-Geral, com fundamento em conveniência do serviço.
Pontes de Miranda ao comentar a Constituição Federal de 1967, utilizava a
expressão estabilidade” para os membros do Ministério Público, após os dois anos
de efetivo exercício.
191
Na mesma linha seguida na Constituição de 1967, a Emenda Constitucional
I, de 17 de outubro de 1969, assim definia a situação funcional dos membros do
Ministério Público
192
:
Art. 95. (...).
§ 1.° Os membros do Ministério Público da União, do Distrito Federal
e dos Territórios ingressarão nos cargos iniciais de carreira,
mediante concurso público de provas e títulos; após dois anos de
exercício, não poderão ser demitidos senão por sentença judiciária
ou em virtude de processo administrativo em que se lhes faculte
ampla defesa, nem removidos a não ser mediante representação do
Procurador-Geral, com fundamento em conveniência do serviço
.
A Carta Magna de 1988, com uma visão de implantar no Brasil um Estado
realmente democrático de fato e de direito, deu uma configuração sui generis a
Instituição, mesmo não sendo um poder do Estado na concepção clássica de
189
MIRANDA, Pontes de. Comentários à constituição de 1946. Tomo III. 3ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi,
1960, p. 495.
190
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários a constituição de 1967. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1967, p. 323.
191
Idem, ibidem, p. 328.
192
CAMPANHOLE, Adriano e CAMPANHOLE Hilton Lobo. Emenda constitucional 1, de 17 de
outubro de 1969. Todas as constituições do Brasil. 2ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Atlas, 1976, p. 39.
82
Montesquieu, todavia, com garantias institucionais e para os seus membros como se
fosse, bem como ampliou consideravelmente suas funções. Na lição de José Afonso
da Silva: “Ainda assim não é aceitável a tese de alguns que querem ver na
Instituição um quarto poder do Estado, ao lado do Legislativo, do Executivo e do
Judiciário.”
193
Na realidade, o novo Ministério Público após 1988 é uma Instituição
que honra a cidadania e nos faz acreditar que é possível acreditar numa sociedade
mais justa e igualitária.
Conforme Tourinho Filho, “incumbe ao Ministério Público, tal como dispõe o
art. 127 da Magna Carta, tríplice atividade: a defesa da ordem jurídica, a do regime
democrático e a dos interesses sociais e individuais indisponíveis.”
194
O que nos
interessa ressaltar no presente estudo, sob o prisma constitucional é a reprodução
dos seguintes dispositivos constitucionais, lembrando o § 2.° do art. 127 e § 5.°, I,
alínea “c” do art. 128, todos conforme redação determinada pela Emenda
Constitucional 19/1998, bem como a alínea “b” do art. 128, de acordo com a
redação determinada pela Emenda Constitucional n° 45/2004, ipsis litteris:
Art. 127. (...).
§ 1.° São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a
indivisibilidade e a independência funcional.
§ 2.° Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e
administrativa (...).
§ 3.° O Ministério Público elaborará sua proposta orçamentária
dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias.
Art. 128. (...)
§ 5.° Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é
facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a
organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público,
observadas, relativamente a seus membros:
I – as seguintes garantias:
a) vitaliciedade, (...);
b) inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, mediante
decisão do órgão colegiado competente do Ministério Público, pelo
voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada ampla
defesa;
c) irredutibilidade de subsídio (...).
193
SILVA, José Afonso da. Comentários contextual à constituição. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007,
p. 594.
194
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. ed. São Paulo: Saraiva,
2006, p. 345.
83
Importante distinção nos traz à colação, José Afonso da Silva, em relação à
independência funcional e autonomia administrativa previstas nos §§ 1.° e 2.° do art.
127, nos seguintes termos
195
:
Autonomia é o poder de gerir os próprios assuntos dentro de um
círculo prefixado. (...). Portanto, independência funcional que dizer
apenas que no exercício de sua atividade-fim o membro do
Ministério Público, assim como seus órgãos colegiados, tem inteira
liberdade de atuação, não fica sujeito a determinação superiores, e
deve observância à Constituição e às leis. Essa independência
não exclui fique o membro do Ministério Público sujeito a correições
dos órgãos superiores (Corregedoria, em especial) no que tange à
sua conduta administrativa. (...). Logo, “autonomia funcional”,
prevista no art. 127, § 2°, significa que o Ministério Público exerce
suas funções livre de ingerências de qualquer outro órgão do
Estado. (...). A “autonomia administrativa” significa que cabe à
Instituição organizar sua administração, suas unidades, praticar atos
de gestão, decidir sobre situação funcional de seu pessoal, propor
ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus serviços
auxiliares, prover cargos nos termos da lei, estabelecer a política
remuneratória, observado o art. 169, e os planos de carreira de seu
pessoal (agentes políticos como agentes administrativos).
Quanto à autonomia financeira, o mencionado mestre leciona: “É limitada
essa autonomia do Ministério Público. Resume-se na competência para elaborar sua
proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na Lei de Diretrizes
Orçamentárias.”
196
Ressalta-se que até o dia 20 de cada mês, tem o Poder
Executivo a obrigação de fazer remessa dos recursos financeiros consignados nas
dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais a ele
destinados (CF, art. 168). Portanto, a gestão dos recursos cabe ao próprio órgão.
Não restam dúvidas de que o constituinte originário de 1988 deu um
tratamento de destaque a essa importante Instituição, assegurando-lhe autonomia
administrativa e financeira, bem como independência funcional dos seus membros
no exercício de suas funções. Em outras palavras, isto significa que seus membros
não estão sujeitos às ordens de superiores hierárquicos, sob o ponto vista
institucional, pois o membro da Instituição somente deve respeito às normas
constitucionais e legais. Todavia, há hierarquia no âmbito administrativo.
195
SILVA, José Afonso da. Comentários contextual à constituição. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007,
pp. 596-597.
196
Idem, ibidem, p. 597.
84
3.4.2 Funções no Âmbito da Persecução Penal Falimentar
3.4.2.1 Poder-dever de Requisitar a Instauração de Inquérito Policial
O art. 187 da lei de LREF., cuidou da questão nos seguintes termos:
“Intimado da sentença que decreta a falência ou concede a recuperação judicial, o
Ministério Público, verificando a ocorrência de qualquer crime previsto nesta Lei,
promoverá imediatamente a competente ação penal ou, se entender necessário,
requisitará a abertura de inquérito policial.” Logo, Se houver suspeita da existência
de delito falimentar, porém, inexiste material probatório suficiente para dar justa
causa à promoção da ação penal, deve o membro do Ministério Público requisitá-lo,
bem como acompanhá-lo, se for conveniente, na forma prevista no art. 10, IX, “e” da
Lei n° 8.625/1993.
Indaga-se: Será que o delegado de polícia poderá recusar instaurar inquérito
policial com base em requisição? De acordo com parte da doutrina e jurisprudência
pátria, a requisição equivale a ordem emanada da autoridade judiciário ou do órgão
do Ministério Público
197
. Todavia, não concordamos com tal orientação, pois a
autoridade policial não é subordinada hierarquicamente nem ao magistrado ou ao
promotor de justiça. A nosso ver, o fundamento da requisição deve basear-se na
ordem jurídica e não vontade pessoal do órgão estatal. Em que pesem as doutas
considerações neste sentido, delas ousamos discordar, pois, salvo melhor juízo,
ministrou-se uma ideologia de ordem hierárquica inexistente. Neste ideia é relevante
mencionar a posição de Guilherme Nucci.
198
Logo, não havendo justa causa por
completa ausência de tipicidade e no caso específico de crime falimentar, inexistindo
a condição objetiva de punibilidade, pode sim, o delegado de polícia recusar-se a
instauração de inquérito policial, desde que fundamente seu entendimento em
sentido contrário.
197
MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado. ed. São Paulo: Atlas, 2002,
p. 39. In verbis: “Pode o inquérito ser instaurado mediante requisição, que equivale a ordem”, da
autoridade judiciária ou do Ministério Público.”
198
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004, p. 77. In verbis: “Requisição: é a exigência para a realização de algo,
fundamentada em lei. Assim, não se deve confundir requisição com ordem, pois nem o representante
do Ministério Público, nem tampouco o juiz, são superiores hierárquicos do delegado, motivo pelo
qual o lhe podem dar ordens. Requisitar a instauração do inquérito é diferente, pois é um
requerimento lastreado em lei, fazendo com que a autoridade policial cumpra a norma e não a
vontade particular do promotor ou do magistrado.”
85
Ressalta-se, todavia, que a sentença de que trata o art. 163 da LREF., é
condição objetiva de punibilidade. Portanto, antes de ocorrer qualquer dessas
decisões não poderá ser instaurada a instância penal.
199
Nem mesmo qualquer
investigação criminal para apurar a existência de crime falimentar.
3.4.2.2 Promoção da Ação Penal
Tendo em vista que todos os crimes previstos na LREF., são de ação pública
incondicionada, tem o representante do parquet legitimidade para acionar o falido
ou qualquer outro agente que se enquadre numa das condutas típicas trazidas pelo
diploma legal, bem como outro delito conexo a ele, entre eles: sócios, diretores,
gerentes, administradores e conselheiros, de fato ou de direito, bem como o
administrador judicial e outros agentes (LREF, art. 177), na medida de sua
culpabilidade.
O texto legal diz de forma expressa que intimado da sentença que decreta a
falência ou concede a recuperão judicial ou extrajudicial, verificando a ocorrência
de qualquer crime previsto neste diploma legal, o Ministério Público promoverá
imediatamente a competente ação penal. Na prática, dificilmente o promotor de
justiça oferecerá denúncia antes relatório do administrador judicial, exceto se o réu
estiver preso. Nesta situação, oferecerá denúncia no prazo de 5 dias, se solto ou
afiançado, no prazo de 15 dias.
200
Parece-nos que a vitima(s) que sofreu os danos
financeiros do crime falimentar, pode(m) se habilitar como assistente(s) da
acusação, pois se aplica subsidiariamente o Código de Processo Penal por
disposição expressa legal (LREF, art. 188). Ressalta-se que o órgão ministerial não
está vinculado a opinião do administrador judicial ou do juiz quanto à existência de
crime falimentar, sendo titular do dominus litis, podendo, inclusive, requerer o
arquivamento das peças de informação ou inquérito policial. Entretanto, se o juiz
discordar do seu entendimento, fará uso do princípio da devolução, aplicando o
disposto no art. 28 do Código de Processo Penal, a fim de que o chefe da
Instituição, o Procurador-Geral de Justiça confirme ou não o pleito do promotor de
primeiro grau. Caso o Procurador-Geral discorde do seu colega de Instituição,
199
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. Vol. 4. 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008,
p. 171.
200
Idem, ibidem, p. 170.
86
denunciará ou nomeará outro para fazê-lo. Na hipótese da manutenção do pedido,
então, o juiz estará obrigado a proceder o arquivamento do procedimento policial ou
peças de informação.
3.4.3 Ação Penal Particular
Se o representante do Ministério Público não oferecer a denúncia no prazo
legal, qualquer credor ou o administrador judicial poderá interpor queixa-crime
subsidiária da pública, no prazo decadencial de seis meses (LREF, parágrafo único
do art. 184). Aqui, tratar-se de caso de inércia, se ele requisitar a instauração de
inquérito policial não caberá ação penal privada subsidiária da pública, pois
aguardará a conclusão da investigação policial. A possibilidade de ão penal
privada subsidiária da pública tem assento tanto constitucional quanto legal (CF, art.
5.º, LIX, c/c os arts. 29 e 100, § 3.º, todos do CPPB., além do parágrafo único do
art. 184 da LREF).
3.5 Polícia Civil Estadual
201
3.5.1 Notas Históricas
3.5.1.1 Primórdios da Atividade Policial
A atividade policial em si, sempre existiu, desde as primeiras civilizações da
Antiguidade.
202
Conforme Maria Di Pietro: “O vocábulo polícia origina-se do grego
201
Utilizamos à terminologia Polícia Civil Estadual, pois no âmbito da nossa organização policial
nacional há duas polícias civis, a Polícia Federal e a Polícia Civil dos Estados-membros, com
atribuições específicas de acordo com o pacto federativo.
202
Em termos conceituais, trabalharemos com a ideia moderno de policiamento defendida por Robert
Reiner, reconhecido como um dos mais respeitáveis estudiosos da polícia na sociedade moderna, em
especial da história e da sociologia da polícia britânica. Ele conceitua o policiamento como o conjunto
de atividades cujo objetivo é preservar a segurança de uma ordem social particular ou da ordem
social em geral. É importante distinguir as ideias de “polícia” e “policiamento”. “Polícia” se refere a um
certo tipo de instituição social, enquanto “policiamento” implica um conjunto de processos com
funções sociais específicas. Nem toda a sociedade tem “polícia”. o “policiamento” é, com certeza,
uma necessidade em qualquer ordem social, e pode ser levada a efeito por inúmeros processos e
feições institucionais diferentes. Um órgão de “polícia” especializado, organizado pelo Estado, do tipo
moderno, é apenas um dos exemplos de policiamento. Resumindo, o “policiamento” é um aspecto
dos processos de controle social, que ocorre universalmente em todas as situações sociais onde
houver, no mínimo, potencial para conflito, desvio ou desordem (Ob. cit., p. 27). Desta distinção
conceitual, a grosso modo, podemos concluir que a polícia é uma espécie do nero policiamento. O
87
politeia, sendo utilizado para designar todas as atividades da cidade-estado (polis),
sem qualquer relação com o sentido atual da expressão.”
203
Em Roma, a palavra em
latim politia tinha o mesmo sentido da palavra grega: governo de uma cidade,
administração, forma de governo. Com a evolução da sociedade e suas instituições,
a elasticidade do conceito de polícia foi restringido. Concordamos então com Luiz
Carlos Rocha quando diz: “Na atualidade a palavra polícia é empregada para
designar a instituição, corporação ou órgão incumbido de manter o cumprimento da
lei, a ordem e a segurança pública”.
204
Neste novo conceito de polícia, passa a
estender-se também à ordem econômica, social, política e não apenas à ordem
pública em sentido estrito.
A Polícia Civil, como organização estatal organizada, somente surgiu no País,
quando ele ainda encontrava-se na qualidade de Vice-Reinado. No Brasil, D. João
através do Alvará de 10 de maio de 1808,
205
criou a Intendência Geral de Polícia da
Corte e do Estado do Brasil, semelhante à forma da organização policial existente
em Portugal, criada por meio do Alvará de 25 de janeiro de 1760. O primeiro
Intendente-Geral de Polícia da Corte e do Estado do Brasil foi Paulo Fernandes
policiamento pode ser feita por profissionais empregados pelo Estado, por corporações estatais com
outras funções primárias, como o exército, profissionais empregados por firmas especializadas em
policiamento privado ou também por cidadãos como voluntários em organizações policiais estatais ou
em associação com a polícia estatal. (REINER, Robert. A política da polícia. São Paulo: Universidade
de São Paulo, 2004, pp. 20, 22 e 27).
203
DI PIETRO, Maria S. Zanella. Direito administrativo. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 109.
204
ROCHA, Luiz Carlos. Organização policial brasileira: polícia federal, polícia rodoviária federal,
polícia ferroviária, polícias civis, polícias militares, corpos de bombeiros militares, guardas municipais.
São Paulo: Saraiva, 1991, p. 3.
205
Texto integral do Alvará: Eu o Principe Regente faço saber aos que o presente Alvará virem,que
tendo consideração a necessidade que há de se crear o lugar de Intendente Geral da Policia da Côrte
e do Estado do Brasil, da mesma forma e com a mesma jurisdição que tinha o de Portugal, segundo o
Alvará da sua creação de 25 de junho de 1760, e do outro de declaração de 15 de janeiro de 1780:
sou servido creal-o na sobredita maneira com o mesmo ordenado de 1:600$000, estabelecido no
referido Alvará de declaração. Pelo que mando á mesa do Desembargo do Paço, e da consciencia e
ordens, aos Governadores das relações do Rio de Janeiro e Bahia, aos Governadores e Capitães
Generais, a todos os Ministros de Justiça e mais pessoas, a quem pertencer o conhecimento e
execução deste Alvará, que cumpram e guardem e façam cumprir e guardar tão inteiramente, como
nele se contem, não obstante quaesquer Leis, Alvarás, Decretros, Regimentos ou ordens em
contrario, porque todas e todos hei por bem derogar, para este effeito somente, como se delles
fizesse expressa e individual menção, ficando aliás sempre em seu vigor. E este valerá como carta
passada na Chancellaria, ainda que por ella não de passar, e que seu effeito haja de durar mais
de um anno, sem embargo das Ordenações em contrario: registando-se em todos os logares, onde
se costumam registar semelhantes Alvarás. Dando no Palacio do Rio de Janeiro em 10 de Maio de
1808. Collecção das leis do Brazil de 1808. Alvará de 10 de maio de 1808. ed. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1891, pp. 26-27.
88
Viera, antigo juiz de Direito de Minas Gerais e desembargador do Paço. Conforme
Edna de Araujo, “ele é considerado o fundador da Polícia Civil do Brasil.”
206
Luigi Ferrajoli, jurista italiano, o qual criou o modelo penal garantista,
discorrendo sobre o sistema punitivo italiano e seu subsistema penal de polícia,
assim manifestou-se sobre as ambíguas funções da Polícia Judiciária (administrativa
e auxiliar da jurisdição), as quais nestes aspectos são semelhantes ao regime do
Brasil:
A Polícia é, de fato, uma atividade administrativa formalmente
organizada e dependente do Poder Executivo. Diversamente dos
outros ramos da administração pública, ela é uma administração que
tem diretamente que ver com as liberdades fundamentais; e tem que
ver não apenas enquanto função auxiliar da jurisdição, mas,
também, em virtude de competências próprias e autônomas, como
aquelas variantes preventivas e cautelares, exercitadas em relação
aos sujeitos perigosos ou suspeitos.
207
3.5.1. 2 Considerações Gerais Atuais
Na evolução das Instituições de segurança pública nacional, pela primeira vez
na história do Brasil, uma constituição federal dedicou um capítulo próprio para o
sistema de segurança pública, dando legitimidade a tais órgãos estatais no status
máximo do ordenamento jurídico e conferindo-lhes atribuições gerais e específicas.
Temos a partir do modelo constitucional, funções genéricas de todos os
órgãos de segurança pública: preservação da ordem pública, incolumidade das
pessoas e do patrimônio, além das funções específicas de cada órgão, definidas
pelo próprio texto constitucional.
Não adentraremos no estudo do sistema de segurança pública, pois vai além
do nosso objetivo
208
. Outrossim, é importante lembrar a noção de federação, pois as
206
SANTOS, Edna de Araujo Alves dos. Polícia civil: princípios institucionais e prática cartorária. Rio
de Janeiro: Espaço Jurídico, 1997, p. 31.
207
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer
Sica, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. ed. o Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006, p. 707.
208
A atual Constituição Federal estabelece a competência de cada órgão do sistema de segurança
pública, no âmbito da ordem interna, in verbis:
“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para
a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos
seguintes órgãos:
I – polícia federal;
89
atribuições dos órgãos do sistema de segurança pública são derivadas deste
conceito, já que o País é organizado sob a forma federativa. Por seu turno, aderimos
ao conceito de federação formulada por Michel Temer: “Federação, de foedus,
foederis, significa aliança, pacto, união. Pois é da união, da aliança, do pacto entre
Estados que ela nasce”.
209
Na lição de Manoel Gonçalves: “Há em nossa Constituição três ordens e não
duas, como é normal no Estado federal. Em primeiro lugar, a ordem central a
União – em segundo lugar, ordens regionais os Estados – em terceiro lugar,
ordens locais – os Municípios.”
210
Na organização federativa não há hierarquia, como bem ressaltou Dalmo
Dallari: “Na federação, a Constituição Federal estabelece uma distribuição de
competência. Cada um é superior no âmbito de sua competência. (...). O que existe
II - polícia rodoviária federal;
III – policiais civis;
Iv – policiais militares e corpos de bombeiros militares.
§ 1°. A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se
a:
I apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e
interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras
infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme,
segundo se dispuser em lei;
II – prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho,
sem prejuízos da fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III – exercer as funções de polícia marítima, aérea e de fronteiras;
IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
§ 2°. A polícia rodoviária federal, órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se, na forma da
lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.
§ 3°. A polícia ferroviária federal, órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se, na forma da
lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.
§ 4°. Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a
competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as
militares.
§ 5°. Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de
bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de
defesa civil.
§ 6°. As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército,
subordinan-se, justamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e
dos Territórios.
§ 7°. A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança
pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.
§ 8°. Os Municípios poderão construir guardas municipais destinados à proteção de seus bens,
serviços e instalações, conforme dispuser a lei.
209
TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 59.
210
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 32ª ed. São Paulo: Saraiva,
2006, p. 58.
90
são atribuições próprias e específicas de cada uma delas. Uma não é superior à
outra.”
211
A palavra competência é a palavra-chave na federação, pois um ato
normativo pode ser constitucional ou inconstitucional. Um ato administrativo poder
ser legal ou ilegal, dependendo da competência do órgão estatal. Em outros termos,
todos os ente da federação tem competência para exercer seu poder dentro da sua
esfera de competência fixada no pacto federativo. No nosso caso particular, cabe a
União legislar exclusivamente sobre a Polícia Federal; os Estados-membros gozam
da autonomia administrativa, legislativa e política, portanto, têm o poder de auto-
organização, inclusive de legislar sobre as Polícias Civis, desde que respeitado os
parâmetros constitucionais. Na questão da competência, quem pode legislar sobre a
Polícia Civil? Conforme o art. 24, XVI da Carta Magna, compete à União, aos
Estados e ao Distrito Federal legislar, concorrentemente sobre organização,
garantias, direitos e deveres das Polícias Civis. Em todos os casos em que
competência legislativa concorrente, cabe a União estabelecer regras gerais. A
norma constitucional prevista no art. 24, § 1.° da Carta Magna é muito importante
para a organização administrativa da Polícia Civil, pois tal comando significa uma
limitação da própria ação legisferante federal. Compreende-se por normas gerais, os
fundamentos, jamais o pormenor de organização, o procedimento interno, o
funcionamento, etc. Se a lei federal exorbitar nesta seara será inconstitucional neste
ponto específico do excesso.
Atualmente, os Estados têm competência legislativa plena em relação as
Polícias Civis, pois inexiste lei federal que dispõe sobre normas gerais (CF, art. 24,
§ 3.°). De acordo Luiz Carlos: “Em 07 de agosto de 1984 foi encaminhado, pelo
Ministério da Justiça, à Presidência da República o primeiro anteprojeto de Lei
Orgânica da Polícia Civil, em nível nacional, não se tendo notícias sobre a sua
posterior tramitação.”
212
No Congresso Nacional já tramitam vários projetos que
tratam da matéria há quase 20 anos sem qualquer êxito, pois nenhum projeto
converteu-se em lei.
211
DALLARI, Dalmo de Abreu. A polícia à luz do direito: um seminário na faculdade de direito da
USP. In: A polícia civil no estado brasileiro. Coord. Ada Pellegrini Grinover e Bismael B. Moraes. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, pp. 67-68.
212
ROCHA, Luiz Carlos. Organização policial brasileira: polícia federal, polícia rodoviária federal,
polícia ferroviária, polícias civis, polícias militares, corpos de bombeiros militares, guardas municipais.
São Paulo: Saraiva, 1991, p. 37.
91
No governo atual do preside Luiz Inácio Lula da Silva, foi elaborado pelo
Ministério da Justiça um anteprojeto que institui a Lei Geral da Polícia Civil, a qual
tramita da Câmara dos Deputados como projeto de lei 1949/07, com reais
chances de aprovação.
3.5.2 Noções de Segurança Pública
A palavra “segurança” assume o sentido geral de garantia, proteção,
estabilidade de situação patrimonial, econômica, coletiva e em outros vários
aspectos, dependente do adjetivo que a qualifica. Temos a segurança jurídica,
segurança social, etc. A segurança nacional refere-se às condições básicas de
defesa do Estado; a segurança pública diz respeito à manutenção da ordem
pública interna. Na definição de José Afonso da Silva:
a segurança pública consiste numa situação de preservação ou
restabelecimento dessa convivência social que permita que todos
gozem de seus direitos e exerçam suas atividades sem perturbação
de outrem, salvo nos limites de gozo e reivindicação de seus
próprios direitos e defesa de seus legítimos interesses. Na sua
dinâmica, é uma atividade de vigilância, prevenção e repressão de
condutas delituosas.
213
Conforme Manoel Gonçalves:
a segurança pública é a garantia da ordem pública, aqui distinguida
da incolumidade da pessoa e do patrimônio. a ordem pública,
neste passo, é a ausência de desordem, a paz, de que resultam a
incolumidade da pessoa e do patrimônio.
214
Como podemos observar no caput do art. 144 da nossa Carta Política, a
segurança não é apenas um dever do Estado exercido através dos órgãos próprios,
mas um direito e responsabilidade de todos. Diante desta nova realidade
constitucional, impõe-se a necessidade de uma integração entre os órgãos de
segurança pública e a comunidade. Há uma nova concepção da participação
213
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28ª ed. São Paulo: Malheiros,
2007, p. 778.
214
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à constituição brasileira de 1988. Vol. 3. São
Paulo: Saraiva, 1990-1994, p. 82.
92
popular na questão da segurança pública. É uma nova visão democrática, onde a
comunidade participa na discussão dos problemas na busca das soluções dos
problemas desta área (prevenção da violência, o combate à criminalidade,
elaboração e acompanhamento de políticas públicas de segurança). Daí extrai-se
que a Polícia existe para o cidadão e não para o Estado. Neste contexto, a Polícia
deve adequar-se às condições e exigências de uma sociedade democrática.
3.5.3 Distinção entre Poder de Polícia e Poder da Polícia
O poder de polícia é, a grosso modo, um poder genérico da Administração
Pública em geral, de onde decorre o poder da polícia. O último é repartido entre os
órgãos da Segurança Pública, sendo a força pública o braço armado do Estado na
questão da ordem interna do País. O poder da polícia na sua atividade-fim está
intimamente ligado ao Direito Constitucional e Direito Processual Penal; a Policia
na sua atividade-meio trabalha mais intensamente com o Direito Administrativo, e.g.,
quando faz licitações.
Historicamente, a expressão police power ou poder de polícia surgiu de
origem jurisprudencial no direito norte-americano, criada por eminentes magistrados
daquele País, em votos profundos, cuja repercussão se estendeu até os nossos
dias. Neste sentido doutrina José Cretella Jr
215
, “em 1827, no caso Brows “versus
Maryland, o juiz Marshall, presidente da Corte do Supremo dos Estados Unidos,
trata do poder de polícia.” Modernamente, o poder de polícia é visto como a
atividade estatal que limita o exercício dos direitos individuais em benefício do
interesse público. Segundo Di Pietro, “o fundamento do poder de polícia é o princípio
da predominância do interesse blico sobre o particular, que à Administração
posição de supremacia sobre os administrados.”
216
Após a revolução francesa de 1789, o poder de polícia estava centrado na
policia de segurança. Hoje, o conceito do poder de polícia é mais amplo, ele é o
gênero do qual a polícia de segurança é uma de suas espécies. O poder de polícia
no Estado federal como o brasileiro é dividido entre os entes da federação (União,
Estados, Distrito Federal e Municípios), que abrange desde as limitações dos
215
CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. 17ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000,
p. 538.
216
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 109.
93
direitos individuais, sociais, econômicos e até o meio ambiente. Bem como na
atividade realizada nas três esferas poder, embora seja atividade típica do Poder
Executivo e atípica dos poderes Legislativo e Judiciário. Segundo Di Pietro, ipisis
litteris:
pelo conceito clássico, ligado à concepção liberal do século
XVIII, o poder de polícia compreendia a atividade estatal que
limitava o exercício dos direitos individuais em benefício
da segurança. Pelo conceito moderno, adotado no direito
brasileiro, o poder de polícia é a atividade do Estado
consistente em limitar o exercício dos direitos individuais
em benefício do interesse público.
217
A definição legal do poder de polícia no direito pátrio está inserida no art. 78
do Código Tributário Nacional, nos seguintes termos
218
, in verbis:
Art. 78. Considera-se poder de polícia a atividade da administração
pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou
liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de
interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos
costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de
atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização
do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à
propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
Desta definição legal extrai-se que o interesse público diz respeito aos mais
variados setores da sociedade, sendo o poder de polícia uma atividade da
Administração Pública. Daí a divisão da polícia administrativa em vários ramos:
polícia de segurança, das florestas, das águas, de trânsito, sanitária, etc.
José Cretella Júnior distingue poder de polícia do poder da polícia,
219
nos
seguintes termos:
217
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 111.
218
LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Código tributário nacional. 5ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000, p. 102.
219
CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. 17ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000,
p. 542.
94
o poder de polícia tem contornos indeterminados, estendendo-se
para qualquer setor em que o bem-estar se encontra ameaçado.
Instrumento do legislador, afasta o interesse privado diante dos
interesses superiores da comunidade, garantidos pelas normas
constitucionais. A polícia, ao contrário, tem conteúdo específico,
porque seu objeto é a proteção da integridade das pessoas, das
coisas e da moral pública.
Seguindo a lição de José Cretella Júnior, podemos diferenciar o poder da
polícia do poder de polícia, nos seguintes moldes: ao passo que o poder da polícia é
algo em concreto, é um conjunto de atividades coercitivas exercidas na prática
dentro de um grupo social; o poder de polícia é uma faculdade, uma possibilidade,
um poder-dever que o Estado tem de através do órgão policial próprio, termo usado
no sentido amplo, limitar as atividades nefastas dos cidadãos.
Sob o ponto de vista jurídico, é o poder de polícia que legitima o poder da
polícia, o qual não deve ser excessivo ou desnecessário, de modo a não configurar
o abuso de poder, encontrando os seus limites jurídicos na Constituição e nas leis.
Segundo Heitor da Costa Júnior, “todo poder no Estado de Direito é limitado e
outra coisa não poderia ocorrer com a polícia que será também regulada por normas
jurídicas.”
220
Nesta mesma linha de raciocínio, conclui Celso A. Bandeira de Mello
221
em uma frase sintetizante sobre o regime jurídico-administrativo do Brasil: “A
atividade administrativa deve não apenas ser exercida sem contraste com a lei, mas,
inclusive, só pode ser exercido nos termos de autorização contida no sistema legal.”
No prisma constitucional, destacamos as seguintes limitações ao poder da
polícia: a) ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou
degradante; b) são invioláveis a intimidade, a vida privada, à hora e a imagem das
pessoas; c) a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela pode penetrar sem
consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para
prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; d) é inviolável o sigilo
da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações
telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a
lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; e) é
assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; f) o civilmente
220
COSTA JÚNIOR, Heitor da. A instituição policial. In: O controle da violência da polícia pelo sistema
penal. Coord. Julita Lemgruber. Rio de Janeiro: Revista da OAB/RJ, n° 22, 1985, p. 87.
221
MELLO, Celso A. Bandeira de. Curso de direito administrativo. 17ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2000, p. 73.
95
identificado não será submetido à identificação criminal, salvo nas hipóteses
previstas em lei; g) ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem
escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de
transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; h) a prisão de
qualquer pessoa e o local onde se encontra serão comunicados imediatamente ao
juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada; i) o preso será
informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe
assegurado a assistência da família e de advogado; j) o preso tem direito à
identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial; l)
ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade
provisória, com ou sem fiança; m) não haverá prisão civil por dívida, salvo a do
responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia
e a do depositário infiel.
De acordo com Maria Di Pietro, “costuma-se apontar como atributos do poder
de polícia a discricionariedade, a auto-executoriedade e a coercibilidade, além
do fato de corresponder a uma atividade negativa.”
222
Portanto, o poder de polícia do
Estado manifesta-se no mundo fático por intermédio dos órgãos estatais que agem
por si próprios. Entretanto, barreiras impostas nas atividades dos agentes da
Administração Públicas em conformidade com o ordenamento jurídico. Cabendo tão-
somente, entre outros deveres, respeitarem os direitos humanos, caso contrário,
responderão por seus abusos, na forma da lei.
3.5.4 Funções Gerais da Polícia Civil
A nossa Lei Fundamental de forma diversa como fez em relação à Polícia
Federal (CF, art. 144, § 1.°, IV), não estabeleceu a “exclusividade” do exercício das
funções da polícia judiciária à Polícia Civil no âmbito estadual. Assim, diz o texto
constitucional no § 4.° do Art. 144. Ipsis litteris: “§ 4.° Às polícias civis, dirigidas por
delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as
funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as
222
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 113.
96
militares.”
223
Para alguns doutrinadores
224
a expressão “Polícia Civil” é considerada
como sinônimo de Polícia Judiciária. Sob o prisma do seu objeto de atuação, a
Polícia Civil tem duas funções principais: a) apurar a existência das infrações penais
e apontar sua respectiva autoria, co-autoria e participação, exceto nos delitos da
competência da União e delitos militares do âmbito da União ou dos Estados (leia-
se: delitos apurados pela Polícia Federal ou delitos militares investigados pelas
Forças Armadas ou infrações penais militares investigados pelas policiais militares
dos Estados-membros e do Distrito Federal e Territórios
225
); b) na qualidade de
Polícia Judiciária, a Polícia Civil tem a missão fornecer às autoridades judiciárias as
informações necessárias à instrução e julgamento dos processos; realizar as
diligências requisitadas pelo juiz ou Ministério Público; cumprir os mandados de
prisão, etc.
Na sua missão principal, ou seja, a investigativa, a Polícia Civil prende ou
apreende quem esteja em situação de flagrante delito; representar ao Poder
Judiciário no sentido da decretação da prisão preventiva (art. 13 do CPPB) ou prisão
temporária (Lei 7.960/1989); representar no sentido de proceder ao exame da
sanidade mental do indiciado; cumprir cartas precatórias expedidas na área da
investigação criminal; colhe informações sobre a vida pregressa do indiciado;
procede a apreensão de coisas relacionada ao crime, bem como à restituição,
quando cabível, de coisas apreendias; representar sobre a necessidade de
interceptações telefônicas, nos termos da Lei 9.296/1996; representar no sentido
de busca e apreensão de documentos e objetos; representar sobre o sequestro de
bens imóveis adquirido pelo indiciado como resultado da infração penal; requisitar
perícias de corpo delito; representar sobre medidas de proteção nos termos da Lei
n°11.330/2006, etc.
223
PINTO, Antonio Luiz de Toledo. WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos. CÉSPEDES, Livia.
Constituição da república federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 40ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2007, p. 110.
224
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. ed: São Paulo: Saraiva,
2006, p. 64.
225
O conceito de crime militar constitui-se o ponto fundamental do Direito Penal Militar, pois em torno
de tal definição diferencia-se a Jurisdição Criminal Comum e Militar, além de definir qual o órgãos
estatal responsável pela investigação criminal preliminar. O Código Penal Militar não define o que
seja crime militar, tão-somente enumera o que considera crime militar. Sobre este tema tormentoso,
valiosa é a lição de Álvaro Mayrink, in verbis: “O legislador, no Decreto-Lei 1.001, adotou o critério
rationi legis, isto é, crime militar é o que a lei considera com tal. (COSTA, Álvaro Mayrink da. Crime
militar. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 7).
97
O Estado de Pernambuco, e.g., na sua autonomia de auto-organização,
conforme o princípio federativo legislou sobre a organização do seu sistema de
segurança pública, referiu-se às atribuições da Polícia Civil não com a expressão
“com exclusividade”, mas utiliza o advérbio “privativamente”, o que nos parece
correto, pois as exceções constitucionais. Senão vejamos o que estabeleceu a
Constituição Pernambucana, in verbis
226
:
Art. 103 - À Polícia Civil, dirigida por Delegado de Polícia, ocupante
do último nível de carreira, incumbem, privativamente, ressalvada a
competência da União:
I – as funções de Polícia Judiciária e a apuração de infrações
penais, exceto as militares.
A própria Constituição Federal distingue as funções de apurar as infrações
penais e as da Polícia Judiciária. Ao dissertar sobre a finalidade da Polícia Civil,
Pinto Ferreira, destacou:
Ela tem uma dupla função, a administrativa e a judiciária. Com a
primeira ela assegura a ordem pública, buscando impedir ou
impedindo a prática de crimes, com uma atuação preventiva. Com a
segunda função, atuando depois do crime, ela é repressiva, colhe ou
coleta os elementos do crime, para permitir a fundamentação da
ação penal.
227
Na realidade, a denominação Polícia Civil, na seara estadual serve para
diferenciá-la da Polícia Militar. Uma forma de organização policial não militarizada.
Fazendo uma analogia com a Justiça Estadual, a competência da Polícia Civil
é residual. O que é extremamente abrangente
228
. Se a Polícia Civil é dirigida por
delegado de polícia. Logo, quem preside a Instituição e os procedimentos policiais
só poderá ser o delegado de polícia.
Conforme Tourinho Filho, discorrendo sobre a atividade investigativa da
Polícia Civil, diz: “O inquérito, de regra, é policial, isto é, elaborado pela Polícia
226
http://www.alepe.pe.gov.br/constestad/default.html. Acesso em: 21maio.2009, às 10:OOh.
227
FERREIRA, Pinto. Comentários à constituição brasileira. Vol. 5. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 245.
228
A palavra competência” aqui empregada é utilizada no sentido do poder concedido a um
funcionário público de tomar conhecimento de determinado assunto e possa realizar procedimentos
de conformidade com a lei.
98
Civil.”
229
Por exceção, inquéritos policiais militares destinados a apurar os delitos
considerados militares. Além de outros classificados como inquéritos extrapoliciais,
ou seja, elaborados por outras Instituições, entre eles: a) as investigações sob a
presidência do Procurador-Geral ou outro Procurador por ele designado para apurar,
em tese, infração penal cometida por um membro do Ministério Público (parágrafo
único do art. 40 da Lei 8.625/1993); b) as investigações sob a Presidência do
Tribunal para apurar, em tese, infração penal cometida por membro da magistratura
(art. 33 da Lei Complementar n° 35/1979); c) inquéritos elaborados pelas Comissões
Parlamentares (CF, art. 58, § 3.°, regulado pela Lei 1.579/1952); d) inquérito civil
criado pela Lei n° 7.347/1985. Tal inquérito, presidido pelo órgão do Ministério
Público.
230
Arremata o doutrinador: “Conclui-se, pois, que os inquéritos nem sempre
são policiais; os extrapoliciais têm a mesma finalidade.”
231
Com a concessa venia,
concordamos em parte, com a conclusão do mencionado jurista, pois a questão
ainda é controvertida, pois tais hipóteses são excepcionais, principalmente quando a
Constituição diz que compete “exclusivamente” a Polícia Federal exercer as funções
de polícia judiciária da União (CF, art. 144, § 1.°, IV). O único ponto pacífico na
doutrina e na jurisprudência é a competência que tem a Comissão Parlamentar de
Inquérito de elaborar inquérito, inclusive, indiciando os suspeitos de ilícitos penais,
pois expressa disposição constitucional neste sentido (CF, art. 58, § 3.°). Quanto
à inclusão do inquérito civil na classificação de inquéritos extrapoliciais, parece-nos
inadequado o seu enquadramento nesta categoria, pois ele tem por objetivo colher
elementos para a propositura da ação civil pública e não ão penal. Logo, melhor
seria seu enquadramento nos procedimentos extrajudiciais de natureza civil.
Achamos mais apropriado à terminologia utilizado por Sérgio Ricardo de
Souza
232
, mutatis mutandis, ao mencionar outras espécies de inquérito, além dos
inquéritos policiais desenvolvidos pela Polícia Judiciária. Neste sentido, existem
inquéritos ou procedimentos de investigação desenvolvidos por outras instituições,
mas equiparam-se com aqueles, sendo exceção à regra geral. Neste sentido
podemos citar: a) os inquéritos policiais militares; b) os inquéritos parlamentares; c)
os inquéritos ministeriais ou procedimentos investigativos do Ministério Público que
229
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. ed. São Paulo: Saraiva,
2006, p. 65.
230
Idem, ibidem, pp. 65-67.
231
Idem, ibidem, p. 67.
232
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Temas de direito processual penal constitucional aplicado. Rio de
Janeiro: Impetus, 2006, p. 4.
99
tenham, em tese, a finalidade de apurar delitos cometidos por seus próprios
membros; d) os inquéritos judiciais ou procedimentos investigativos do Poder
Judiciário, que tenham, em tese, o fim de apurar delitos realizados por seus
membros. As duas últimas hipóteses foram incluídas por nós, pois são situações
excepcionais amparadas por previsão legal (Lei Complementar 35/1979 e a Lei
Ordinária 8.625/1993), não declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal
Federal.
Entretanto, a polêmica de que quem seria competente para investigar uma
autoridade pública detentora do privilégio de foro por prerrogativa de função ainda
permanece, e. g., quem tem a atribuição de investigar um governador, um senador,
deputado federal ou estadual, etc.? Quem é competente para processar e julgar
também é competente para investigar? Sérgio Ricardo de Souza analisa a questão
nos seguintes termos:
Em decorrência dessa competência originária para conhecer da
causa e julgá-la, difundiu-se a idéia de que também compete ao
Tribunal respectivo a instauração do inquérito policial, sob a
presidência de um dos Ministros ou Desembargadores e com os
poderes inerentes aos delegados de polícia. Entretanto, até mesmo
por uma questão operacional, parece pouco provável, que um
Ministro do Supremo Tribunal Federal ou de outra Corte Superior
atuar diretamente como autoridade policial, presidindo o inquérito
policial e realizando as diligências que estão compreendidas dentre
as atribuições dos Delegados de Polícia. Isso não seria somente
minimizar as relevantes funções de um Ministro de Tribunal Superior
ou mesmo de um Desembargador estadual ou federal, mas também
incumbir uma autoridade sem experiência investigativa de campo
para atuar em substituição à autoridade policial, cujas funções são
tipicamente essas, ou seja, a investigação de crimes.
233
3.5.5 A Polícia Civil na Seara Falimentar
Nesta área específica da criminalidade econômica, a Polícia Civil no Brasil
encontra-se defasada em relação à nova realidade legislativa, somente o Estado de
São Paulo tem Delegacia especializada que trata desta questão específica. Com a
nova sistemática poderá o delegado de polícia instaurar inquérito policial para
investigar supostos delitos falimentares, pois tais são persequíveis mediante ação
233
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Temas de direito processual penal constitucional aplicado. Rio de
Janeiro: Impetus, 2006, p. 5.
100
publica.
234
Portanto, poderá o delegado de polícia proceder ex officio, desde que
cumprida a exigência legal, isto é, a sentença que decreta a falência, concede a
recuperação judicial ou homologa a recuperação extrajudicial.
Fazendo uma breve retrospectiva, o Decreto-lei nº 7.661/1945, excluía a
Polícia Civil da investigação criminal, atribuindo tal função ao juízo da falência e
concordata. Apesar de não ser imprescindível, normalmente os fatos eram
investigados através de inquérito judicial, cabendo a presidência do feito ao juiz do
Juízo onde tinha sido proferida o decreto falimentar. O ndico apresentava em
cartório um relatório com a exposição de elementos que possam caracterizar o ilícito
penal, tal peça era fundamental para que o inquérito policial fosse instaurado.
235
Relevante é repetir a definição de inquérito judicial formulada por Nelson
Abrão, o qual corresponde em termos, ao inquérito policial, “o inquérito judicial é
peça preliminar básica, formada no juízo cível, para a instauração do procedimento
penal por crime falimentar.”
236
Acreditamos que a extinção do inquérito judicial
representou apenas uma reafirmação do sistema processual penal misto implantado
desde outrora e consolidado com o advento da Constituição Federal de 1998, pois
tal instrumento processual já era incompatível com a nova ordem constitucional e
definitivamente sepultado com a Lei n° 11.101/2005.
Quanto à investigação específica nesta seara, consideramos que a Polícia
Civil contribuirá de forma valiosa, fornecendo subsídios, inclusive, periciais que
servirão de lastro para formação de justa causa para a atuação do membro do
parquet. Nesta área vigora o princípio da especialização da investigação. Ab initio,
em toda e qualquer investigação sempre tem por objetivo responder as seguintes
indagações: O que? Quem? Quando? Onde? Como? Por quê? A investigação
falimentar não foge a essa regra geral, entretanto, a investigação falimentar
apresenta características próprias da criminalidade não-convencional, uma
subespécie da criminalidade conhecido por “colarinho branco”, pois tal aflorar no
ambiente do trato empresarial. Em princípio, seria uma modalidade criminosa de
empresários contra empresários, mas também prejudica a confiança no sistema
econômico e também poderá atingir o consumidor, na hipótese de interrupção ou
234
SILVA, Antonio Paulo C. O. Silva. Comentários às disposições penais da lei de recuperação de
empresas e falências. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 47.
235
TZIRULNIK, Luiz. Direito falimentar.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, 193.
236
ABRÃO, Nelson. Curso de direito falimentar. ed. São Paulo-SP: Livraria e Editora Universitária
de Direito Ltda, 1997, pp. 262-263.
101
não prestação do serviço contratado ou não entrega do bem objeto da avença. A
pesquisa criminal nesta área deve ter como parâmetro o conhecimento das práticas
empresariais e do seu ramo jurídico específico (Direito Empresarial), principalmente
os títulos de créditos e contratos que governam os negócios entre as empresas.
237
A
cautela deve ser o princípio norteador da investigação criminal para não criminalizar
a insolvência decorrente do próprio risco natural da atividade empresarial. Visa-se,
tão-somente criminalizar as condutas, em princípio, fraudulentas.
Quanto à autoria na investigação especializada, busca-se individuar o
responsável pelo dano, não sendo admitida a responsabilização de forma genérica,
tendo por base o contrato social ou estatuto social, embora possa ter proveito do
ilícito toda empresa. O prejudicado poderá buscar o ressarcimento na esfera cível,
se for o caso. Lembramos que nesta hipótese específica vigora o princípio da
responsabilidade penal subjetiva
238
, princípio garantista implícito na dignidade da
pessoa humana, pois não se pode responsabilizar a pessoa física se ela não obrou
com dolo nem participou do evento danoso. In casu, inexiste a responsabilidade
penal objetiva nem mesmo a responsabilidade penal da pessoa jurídica, pois a Lei
11.101/2005, foi omissa neste particular (ver CF, § 5.° do art. 173). O juízo de
culpabilidade incide prevalentemente sobre o protagonista da ação típica e
ilícita.
239
No âmago da investigação, averigua-se a culpabilidade pelos elementos
colhidos nos depoimentos das testemunhas, timas, do indiciado, o qual poderá até
confessar nos autos do procedimento policial.
Em relação ao exame de corpo de delito nas modalidades delitivas
falimentares, destacam-se as perícias contábeis, perícias documentais e
eventualmente perícias em computadores e mídias eletrônicas em gerais, além
perícias em registros de áudio e imagem.
Na documentoscopia, documento, em sentido estrito, é toda peça escrita que
condensa graficamente o pensamento de alguém, podendo provar um fato ou a
realização de algum ato de significação ou relevância jurídica. A falsidade
documental pode ser material (imitação da verdade por contrafação ou alteração) ou
ideológica (diversidade entre o que devia ser escrito e o que realmente consta do
237
RIZZARDO, Arnaldo. Títulos de crédito: lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Rio de Janeiro:
Forense, 2006.
238
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral. 2ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000, p. 81.
239
MESTIERI, João. Manual de direito penal. Parte geral. Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.
157.
102
documento).
240
Lato sensu, a principal perícia de comprovação ou não do delito
falimentar é a perícia contábil. Na verdade, tratar-se também de uma espécie de
perícia documental, pois ela é realizada tendo por base os documentos contábeis da
empresa falida ou em recuperação judicial ou extrajudicial. Outra modalidade de
perícia tendo por base o documento é a perícia grafotécnica que tem por objetivo
proporcionar a comparação da letra do próprio punho do agente e aquele cuja
autoria está sendo pesquisada e que constitui o corpo de delito. Tal diligência
destina-se a comprovar ou não a autenticidade de documento ou proclamar sua
falsidade. Outra modalidade de perícia na área da documentoscopia é a perícia para
comprovar alteração ou supressão do conteúdo do documento, cuja autenticidade
da assinatura do subscritor não está sendo questionada. Outros tipos de perícias
que ganham relevo na atualidade são as perícias em computadores e mídias
eletrônicas em gerais, pois nestes equipamentos podem conter informações
contábeis e outras de interesse penal. De regra, as perícias em computadores
colhem as informações contidas no hard disk, ou seja, em português, no disco rígido
desses equipamentos.
3.6 Os Procedimentos em Juízo por Crimes Falimentares
3.6.1 O Procedimento Sumaríssimo
Omissão dos documentos contábeis obrigatórios
O texto legal define o crime de omissão de documentos contábeis
obrigatórios, nos seguintes termos, in verbis:
Art. 178. Deixar de elaborar, escriturar ou autenticar, antes ou
depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação
judicial ou homologar o plano de recuperação extrajudicial, os
documentos de escrituração contábil obrigatórios. Pena detenção,
de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais
grave.
241
240
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado: referências doutrinárias,
indicações legais, resenha jurisdicional. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 207.
241
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 576.
103
Conforme Guilherme Nucci, o dispositivo legal tratar-se de norma penal em
branco.
242
São livros obrigatórios: os fiscais; os trabalhistas; previdenciários e
comerciais. Para efeitos do direito penal falimentar, somente os livros comerciais
interessam.
243
A posse e conservação dos livros comerciais é obrigação legal do
empresário.
244
Ele tem a obrigação legal de registrar suas atividades negociais
diárias.
São livros obrigatórios no direito brasileiro, conforme o digo Civil de 2002,
previsto no art. 1.180: a) Diário, sendo que tanto o balanço patrimonial (art. 1.188 do
CC) quanto o Balanço de resultando econômico (art. 1.188 do CC) serão
obrigatoriamente lançados no Diário (art. 1.184, § CC); b) Se a empresa emite
duplicata, também deverá ter o livro de Registro de Duplicatas (art. 19 da Lei
5.474/68). O livro Diário como o livro de Registro de Duplicatas devem ser
autenticados no Registro Público de Empresas Mercantis (art. 1.181 CC). Mesmo se
a sociedade empresária tenha optado por escrituração mecanizada ou eletrônica
245
deverá manter um livro apropriado para o lançamento do balanço patrimonial e do
de resultado econômico (art. 1.181, parágrafo único do CC).
246
Conforme o art. 1.185 do CC., o empresário ou sociedade empresária que
adotar o sistema de fichas de lançamentos poderá substituir o livro Diário pelo livro
242
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 576.
243
BATISTA, Nilo. Lições de direito penal falimentar. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p. 73.
244
NERY JUNIOR, Nelson. ANDRADE, Rosa Maria. Código civil comentado. 6ª ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 841.
245
Na sociedade complexa brasileira contemporânea, infrações penais que são praticadas no
interior das empresas, residências e repartições blicas, etc. A exemplo dos crimes realizados por
intermédio dos meios das comunicações eletrônicas” que não são alcançáveis pelo policiamento
ostensivo. Delitos que podem prejudicar um número indeterminado de pessoas, dando um prejuízo
de milhões ou bilhões ao Brasil ou terceiros. No mundo global, Infelizmente, esses delitos são ainda
pouco combatidos diante da sofisticação do modus operandi” e falta de investimentos na infra-
estrutura policial: falta de capacidade técnica do pessoal devido à ausência especialização; recursos
materiais deficientes ou inexistentes. A nova realidade de delitos perpetrados sem violência física,
entre ausentes, no mundo globalizado, os chamados delitos cibernéticos”. Hoje, com o avanço da
tecnologia, quase não precisamos andar com dinheiro, veículos são rastreados por satélites, câmaras
de vídeo são espalhadas por todos os lados, entramos na era do controle e a Polícia Judiciária está
desaparelhada humanamente e materialmente para os benefícios e malefícios da globalização. Um
enter num micro-computador transmite nominalmente bilhões entre instituições financeiras em
diferentes partes do mundo e não estamos preparados para isso, pois trabalhos com o princípio de
territorialidade como marco da responsabilização penal. Diante deste fato, não nos resta deixa
alternativa senão investirmos na Polícia Judiciária seja da União ou dos Estados, na cooperação
entre os diversos órgãos do sistema penal dos diversos países envolvidos neste processo. Parece-
nos que a era da virtualização é irreversível.
246
NERY JUNIOR, Nelson. ANDRADE, Rosa Maria. Código civil comentado. 6ª ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, pp. 73, 74, 75 e 76.
104
Balancetes Diários e Balanços, observadas as mesmas formalidades extrínsecas
exigidas para aquele.
247
As empresas que optarem pelo Simples terão de se submeter à escrituração
simplificada, conforme consta do ENM 26 § 1.° II, cujas regras deverão ser fixadas
pelo Comitê Gestor da Tributação das Microempresas e Empresas de Pequeno
Porte. Sobre a escrituração eletrônica ver o Decreto 6022/07 (DOU 22.1.2007),
que institui o Sistema Público de Escrituração Digital, cuja implantação e
funcionamento ficou a cargo da SRF.
248
As microempresas e as empresas de pequeno porte, for força da Lei n°
8.864/94 estão obrigadas a manterem o livro Diário. Todavia, se optar pelo chamado
Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições, elas estarão isentas
da obrigação de escriturar o Diário, desde que mantenham em substituição, dois
outros livros: o Caixa e o Registro de Inventário. No Caso delas emitirem duplicatas,
necessário também o livro de Registro de Duplicatas.
249
O delito em estudo é classificado como doloso, formal, de forma livre,
omissivo, de perigo abstrato, instantâneo, unissubsistente, unissubjetivo e não
admite tentativa, tendo-se como sujeito ativo o empresário, bem como quem tenha,
por lei, a obrigação de promover a regularidade dos livros contábeis obrigatórios ou
o administrador judicial, após a falência. Sujeitos passivos o os credores e o
Estado.
250
Além de subsidiário, pois ele prevalece, se o fato não constitui crime
mais grave.
Tipo objetivo: o núcleo do tipo penal são condutas alternativas: “deixar de
elaborar, escriturar ou autenticar os documentos contábeis. Logo, são três condutas
omissivas distintas”. O núcleo deixar de elaborar significa não realizar uma tarefa,
uma obrigação legal. O núcleo deixar de escriturar que dizer deixar de registrar com
regularidade as operações realizadas no dia-a-dia. O núcleo de deixar de autenticar,
se aperfeiçoa quando o empresário não procede à autenticação dos livros
obrigatórios e, se for o caso, as fichas na Junta Comercial, antes de postos em uso,
conforme a determinação legal prevista do art. 1.181 do CCB. A escrituração
247
NERY JUNIOR, Nelson. ANDRADE, Rosa Maria. Código civil comentado. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 842.
248
Idem, ibidem, pp. 841-841.
249
BATISTA, Nilo. Lições de direito penal falimentar. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p. 78-79.
250
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 576.
105
contábil é a base documental do registro das transações empresariais, nela deve
constar tanto o ativo quanto o passivo da empresa, por isso ela é imprescindível.
Objetivos material e jurídico: o objetivo material é o documento de
escrituração contábil obrigatório. O objeto jurídico é a proteção aos credores e
também à atividade fiscalizadora do Estado.
251
Este crime encontra correspondência no art. 188, inciso VII do Decreto-lei nº
7.661/45, a seguir descrito:
Art. 188. Será punido o devedor com a mesma pena do artigo
antecedente, quando com a falência concorrer algum dos seguintes
fatos:
VII - omissão, na escrituração obrigatória ou não, de lançamento que
dela devia constar, ou lançamento falso ou diverso do que nela
devia ser feito.
O juízo competente para julgar e processar tal infração penal será o juizado
especial criminal, adotando-se o rito sumaríssimo. Ele é o único apenado com
detenção e cuja pena o coloca no patamar das infrações de menor potencial
ofensivo, consoante os ditames da Lei 9099/95, em face da derrogação do art. 61
da mencionada lei pela redação do parágrafo único do art. 2.º da Lei n° 10.259/01, a
qual instituiu os juizados federais no Brasil. Portanto, admite-se a suspensão
condicional do processo, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva
de direitos e a suspensão condicional da pena.
252
Entendemos que cabe ao Estado-administração demonstrar por meio de
provas, no mínimo, a viabilidade da ação penal. Se com as peças de informação, o
Ministério Público não encontrar elementos para manejar a ação penal, deve
requisitar a instauração de procedimento policial, pois não é razoável a alegação de
maior complexidade (art. 3.° da Lei 9.099/95) para embasar o pedido de
encaminhamento dos autos à vara criminal comum. Hoje, o próprio art. 538 do
CPPB., determina que cabe o rito sumário no juízo criminal comum nos crimes de
menor potencial ofensiva. Logo inútil será tal requerimento, pois, se deferido,
mudará o feito de juízo
253
. Cabe ao Estado colher as provas (depoimentos, laudos
251
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 576.
252
Idem, ibidem, p. 577.
253
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 8ª ed. Rio de Janeiro:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 878.
106
periciais de toda natureza afeto à caracterização do delito falimentar), na esfera pré-
processual, isto é, por meio da Polícia Judiciária através do procedimento próprio
com o fim de colher provas suficientes a fundamentar à denúncia ou queixa, nesta
última hipótese, no caso de inércia do órgão oficial acusador. Na espécie,
dificilmente caberá uma investigação criminal para saber quem deveria cuidar da
regularidade documental contábil da empresa, pois tratar-se de crime formal.
Excepcionalmente, é possível verificar tal hipótese, e.g., em uma grande
companhia onde rios sócios, diretores, gerentes, administradores e conselheiros
negam serem responsáveis pela regularidade da escrituração contábil. Lembremos
que na espécie não se deve admite denúncia genérica, deve-se apurar a
responsabilidade penal pessoalmente.
3.6.2 O Procedimento Sumário
Nas palavras de Guilherme Nucci: “sumário é a qualidade do que é resumido,
feito sem formalidades.”
254
No regime anterior, o procedimento observado era o
especial previsto nos arts. 503 até 512 do CPPB., sendo competente para processar
e julgar o juiz singular. Antes da Lei 11.719/2008, era observado o procedimento
sumário, com uma oportunidade facultativa para defesa escrita e requerimento de
diligências, além da possibilidade de arrolar três testemunhas, etc.
255
Hoje, pode-se
arrolar até cinco testemunhas, conforme a recente mudança do CPPB., por
intermédio da Lei n° 11.719/2008.
Apesar de existir opiniões divergentes
256
, o legislador federal (LREF, art. 185),
legitimamente constituído, conforme os ditames constitucionais e com a sanção
presidencial, elegeu o rito comum sumário como sendo o adequado para que o
Poder Judiciário possa processar e julgar os crimes falimentares (LREF, art. 168
uísque art. 178). Também no sentido de reconhecer a legitimidade deste
254
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 8ª ed. Rio de Janeiro:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 877.
255
BATISTA, Nilo. Lições de direito penal falimentar. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p. 50.
256
Segundo Fernando Tourinho, apesar da revogação dos arts. 503 a 512 do CPP., o procedimento
nos crimes falimentares continua sendo especial, salva se a pena cominada à infração o
ultrapassar 2 anos, neste caso, o procedimento adequado será o sumariíssimo, da dicção do art. 61
da Lei n. 9.099/95, em sua nova roupagem ditada pelo parágrafo único do art. 2.° da Lei do Juizado
Criminal Federal e pela Lei 11.313/2006. Pouco importa se o crime é apenado com reclusão,
detenção ou até mesmo se trata de simples contravenção (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa.
Processo penal. Vol. 4°, 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 18).
107
procedimento, manifestou-se Damásio de Jesus, segundo o qual, o procedimento
dos atos processuais se dará conforme estabelecido nos arts. 531 e 540 do
CPPB.
257
Em princípio, tal procedimento é de ordem pública e não poderá ser violado,
sob pena de nulidade processual. Não obstante, entendemos ser perfeitamente
admissível a adoção do rito ordinário em lugar do sumário, pois ele possibilita maior
amplitude de defesa do réu. Em harmonia com tal entendimento se manifestaram
vários tribunais, entre eles, mutatis mutandis, o TJGO e o TJSC.
258
O rito dos atos processuais no juízo criminal falimentar antes da Lei
11.719/2008, era da seguinte maneira:
a) recebimento da denúncia ou queixa, com a designação da data para o
interrogatório do réu, determina-se sua citação, bem como intimava-se o Ministério
Público ou querelante e, havendo, o assistente de acusação; b) interrogatório do réu;
c) o prazo de três dias para a defesa prévia, oferecendo-se, eventualmente, o rol
de testemunhas de defesa, com, no máximo de cinco nomes; c) audiência de
instrução para ouvir as testemunhas de acusação; d) despacho saneador, após
sanar as nulidades, se houver, o juiz determina neste mesmo despacho a realização
de diligências indispensáveis e intimação das testemunhas de defesa; e) designação
de audiência para ouvir as testemunhas de defesa e efetuar os debates orais (a
palavra é dada às partes para alegações orais, pelo tempo de vinte minutos,
prorrogáveis por mais dez, o mesmo vale para o assistente de acusação, se houver)
e julgamento (proferido em audiência ou no prazo de cinco dias).
259
Com a nova atualização CPPB., por meio da Lei 11.719/2008, Guilherme
de Souza Nucci, nos apresenta um novo rito dos atos processuais no juízo criminal
nos feitos sumários, o que nos parece mais correto na espécie falimentar e nas
demais infrações penais sujeitas ao mesmo rito:
a) recebimento da denúncia ou queixa (art. 396); b) possibilidade de rejeição liminar,
cabendo o recurso em sentido estrito, nesta hipótese (art. 581, I); c) recebimento da
denúncia ou queixa, com rol de testemunhas de até cinco testemunhas, determina-
se a citação do réu para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 dias (art.
257
JESUS, Damásio de. Código de processo penal anotado. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.
421.
258
FRANCO, Alberto Silva. STOCO, Rui. Código de processo penal e sua interpretação
jurisprudencial. Vol. 4, 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 336.
259
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 584.
108
396); d) resposta do réu, a qual poderá conter, eventualmente, preliminar e
alegações interessantes à sua defesa. Podem ser oferecidos documentos e
justificações, além de especificação de provas e rol de testemunhas de defesa, com,
no máximo de cinco nomes (art. 396-A); e) não apresentada resposta no prazo legal,
nomeia-se defensor dativo para oferecê-la, no prazo de 10 dias. Se o réu tiver
defensor constituído, será considerado indefeso, nomeando-se defensor dativo para
substituí-lo (art. 396-A, § 2.°); f) possibilidade de absolvição sumária nas hipóteses
do art. 397, I a IV do CPP); g) não havendo absolvição, designação de dia e hora
para a audiência única de instrução e julgamento. Intima-se o acusado, seu
defensor, o Ministério Público e, ser for o caso, o querelante e o assistente. Devem
ser intimadas as testemunhas, se as partes assim requererem (art. 399); h) prazo de
30 dias para realização da audiência. Ouvem-se o ofendido, as testemunhas de
acusação e de defesa, nesta ordem, os peritos, se indicados. Faz-se acareação e
reconhecimento de pessoas e coisas, se preciso. Interroga-se o réu (art. 513); i)
debates orais, a palavra é dada às partes, a acusação e defesa, pelo tempo de vinte
minutos, prorrogáveis por mais dez, o mesmo vale para o assistente de acusação,
se houver, depois é novamente concedido dez minutos à defesa para contraditar o
assistente (art. 534); j) sentença no termo (art. 534). Embora não haja previsão legal,
o magistrado pode chamar o processo à conclusão para sentenciar em outra
ocasião. Porém, a regra é a sentença ser prolatada em audiência.
260
Diante do rito processual exposto acima, faremos uma breve descrição dos
tipos falimentares sujeitos a tal procedimento na ordem legal.
Fraude contra credores
O crime de fraude contra credores encontra-se descrito no art. 168 da LREF.,
nos termos abaixo:
Art. 168. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a
falência, conceder a recuperação judicial ou homologar a
recuperação extrajudicial, ato fraudulento de que resulte ou possa
resultar prejuízo aos credores, com o fim de obter ou assegurar
vantagem indevida para si ou para outrem. Pena reclusão, de 3
(três) a 6 (seis) anos, e multa.
260
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 8ª ed. Rio de Janeiro:
Revista dos Tribunais, 2008, pp. 879-880.
109
Nota-se grande semelhança com o artigo 187 do diploma legal revogado,
contudo, com apenação mais elevada.
261
a) sujeito ativo: trata-se de crime próprio, pois somente o empresário devedor
poderá praticar a ação criminosa; b) sujeito passivo: é o credor lesado ou em vias de
sê-lo. Secundariamente, pode ser o Estado, quando se tratar de fraude após a
intervenção judicial; c) tipo objetivo: o núcleo do tipo é praticar, ou seja, agir, fazer,
realizar, cometer, executar; d) elemento subjetivo: é o dolo, com a finalidade
específica de obter ou assegurar vantagem indevida; e) classifica-se como crime
formal, havendo o prejuízo atinge-se o exaurimento, de forma livre, comissivo,
instantâneo, de dano ou de perigo concreto, unissubjetivo, plurissubsistente, não
admite a forma tentada quando o ato fraudulento precede a decretação da falência,
concessão de recuperação judicial ou homologação da recuperação extrajudicial,
admite a tentativa nas formas pós-falência e recuperações; f) objetos material e
jurídico: objeto material é qualquer ato fraudulento. O objeto jurídico é,
primordialmente, o patrimônio dos credores. Secundariamente, a administração da
justiça.
262
Observe-se que, o crimes análogos ao delito em questão aqueles contidos
nos arts. 171, 175, 177 e 179 do Código Penal, quais sejam: estelionato, fraude no
comércio, fraudes e abusos na fundação ou administração de sociedade por ações e
fraude à execução, bem como aqueles preceituados no art. 11 da Lei 7.492/86 e
art. 1.° da Lei nº 8.137/90.
Causas de aumento de pena
O novo diploma legal dispõe acera da questão, conforme se no art.168,
§§1.º, 2.º, in verbis:
§ 1
o
A pena aumenta-se de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se o
agente:
I – elabora escrituração contábil ou balanço com dados inexatos;
261
SILVA, Antonio Paulo C. O. Silva. Comentários às disposições penais da lei de recuperação de
empresas e falências. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 73.
262
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, pp. 557, 559 e 560.
110
II omite, na escrituração contábil ou no balanço, lançamento que
deles deveria constar, ou altera escrituração ou balanço verdadeiros;
III destrói, apaga ou corrompe dados contábeis ou negociais
armazenados em computador ou sistema informatizado;
IV – simula a composição do capital social;
V destrói, oculta ou inutiliza, total ou parcialmente, os documentos
de escrituração contábil obrigatórios.
Contabilidade paralela
§ 2
o
A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até metade se o devedor
manteve ou movimentou recursos ou valores paralelamente à
contabilidade exigida pela legislação.
Assim, caso o agente, em momento anterior ou posterior ao decreto
falimentar, à concessão da recuperação judicial ou à homologação da recuperação
extrajudicial, pratique qualquer das condutas acima mencionadas, o juiz, ao
quantificar a pena, deverá aumentá-la de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), atentando-
se, ainda, ao art. 59 do Código Penal.
263
Cumpre examinarmos, nesse passo, cada uma das causas de aumento de
pena do § 1.°:
O inciso I trata da elaboração de escrituração contábil ou de balanço inexatos.
A conduta consiste no verbo “elaborar”, ou seja, preparar, formar, organizar,
dispor etc., escrituração contábil ou balanço com dados inexatos. Não se exige a
falsidade material, na espécie, encaixa-se melhor a figura da falsidade ideológica.
264
O balanço contábil pode ser definido como o registro contábil acerca da
situação financeira de uma empresa em uma determinada data, o qual indica os
ativos, exigibilidade e patrimônio líquido da mesma.
O inciso II, por sua vez, trata da omissão, na escrituração contábil ou no
balanço, de lançamento que neles deveria constar, ou da alteração da escrituração
ou do balanço verdadeiros.
A primeira parte do inciso trata da omissão própria daquele que teria a
obrigação de lançar na escrituração contábil ou no balanço algo que tivesse
relevância para a recuperação judicial, recuperação extrajudicial ou falência.
A segunda parte do inciso, por sua vez, traz a modalidade alterar, ou seja,
modificar, transformar, mudar a escrituração ou o balanço verdadeiro.
263
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 560.
264
Idem, ibidem, p. 560.
111
O inciso III incrimina as condutas de destruir (arruinar, extinguir, dar fim,
aniquilar), apagar (suprimir) ou corromper (adulterar) os dados contábeis ou
negociais armazenados em computador ou sistema informatizado, tendo a nova lei
adaptado-se à constante utilização da informática. Importante ressaltar, que inserir
dados falsos; alterar ou excluir indevidamente dados corretos em sistemas
informatizados já constituem o núcleo do tipo legal chamado peculato eletrônico (art.
313-A CP).
265
Além do mais, os livros mercantis são equiparados, para efeitos
penais, aos documentos públicos (art. 297, § 2.° do CP).
266
O inciso IV cuida da simulação de composição de capital social. A simulação
é o disfarce, o embuste, o simulacro, o fingimento, a impostura, a declaração
enganosa da verdade, com o objetivo claro de produzir efeito diverso daquele que se
indica. A importância do capital social reside no fato de que com a demonstração
dele, pode-se obter créditos, vantagens, respeitabilidade, etc. Estando ele viciado,
manipulado, estar-se-á diante de um falsário. Interessante se faz mencionar que,
caso o crime de simulação de composição de capital social seja cometido fora da
falência, da recuperação judicial ou da recuperação extrajudicial, o sujeito ativo
poderá incorrer no delito preceituado pelo art. 177 do Código Penal que dispõe
acerca de fraudes e abusos na fundação ou administração de sociedade por ações.
O inciso V cuida da eliminação total ou parcial de documentos de escrituração
obrigatórios (ver 4.7.1 deste Capítulo).
O § 2.° Trata da contabilidade paralela, o conhecido “caixa dois” que muitas
empresas têm, seja para fugir da carga tributária, seja para contornar problemas
econômicos imediatos. De regra, nesta hipótese ocorre ou crimes tributários ou
financeiros, além de iludir credores, provocando a falta de pagamento de dívidas,
bem como enriquecimento ilícito do empresário.
267
No Decreto-lei 7.661/45, não havia tal previsão de causas específicas de
aumento de pena.
Causa de diminuição ou de substituição de pena
265
BATISTA, Nilo. Lições de direito penal falimentar. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p. 77.
266
Idem, ibidem, p. 69.
267
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, pp. 561562.
112
Também inovou a Lei nº 11.101/2005, ao tipificar uma causa de diminuição ou
de substituição de pena, conforme disposição do art. 168, § 4.º, ipsiis litteris:
§ 4.º Tratando-se de falência de microempresa ou de empresa de
pequeno porte, e não se constatando prática habitual de condutas
fraudulentas por parte do falido, poderá o juiz reduzir a pena de
reclusão de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) ou substituí-la pelas
penas restritivas de direitos, pelas de perda de bens e valores ou
pelas de prestação de serviços à comunidade ou a entidades
públicas.
Conforme o comando legal, caso haja condenação, pode o magistrado aplicar
uma diminuição na pena privativa de liberdade, bem como é possível a substituição
dele por penas restritivas de direitos.
268
As penas restritivas de direitos estão previstas no art. 43 do Código Penal, a
seguir mencionadas:
Art. 43. As penas restritivas de direitos são:
I – prestação pecuniária;
II – perda de bens e valores;
III – (vetado);
IV – prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas;
V – interdição temporária de direitos;
VI – limitação de fim de semana.
Admitir-se-á a possibilidade de substituição das penas privativas de liberdade
pelas penas restritivas de direitos, se o condenado atender as seguintes condições
legais previstas no art. 44, in verbis:
Art. 44. As penas privativas de liberdade pelas penas restritivas de
direito deverão ocorrer se existir as seguintes condições
I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e
o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa
ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;
II – o réu não for reincidente em crime doloso;
III a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a
personalidade do condenado, bem como os motivos e as
circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.
268
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 562.
113
Acrescente-se que a prestação de serviços à comunidade ou entidades
públicas é aplicável às condenações superiores a 06 (seis) meses de privação da
liberdade (art. 46, caput, CP) e será determinado pelo juízo das execuções penais,
em obediência ao art. 149, inciso I, da Lei 7.210/84 (Lei das Execuções Penais).
Nas comarcas do interior dos Estados-membros, de regra, o próprio juiz que
proferiu a sentença condenatória, após o transito em julgada, determina o seu
cumprimento, se não há juízo das execuções penais correspondente.
Violação de sigilo empresarial
A Lei 11.101/2005, de maneira inédita, em seu art. 169, criou uma nova
tipificação legal, nos seguintes moldes:
Art. 169. Violar, explorar ou divulgar, sem justa causa, sigilo
empresarial ou dados confidenciais sobre operações ou serviços,
contribuindo para a condução do devedor a estado de inviabilidade
econômica ou financeira. Pena reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro)
anos, e multa.
Estamos diante de um crime falimentar novo. Tratar-se de um crime de
resultado,
269
pois na lei anterior inexistia crime correspondente. A violação de sigilo
empresarial poderá ser consumada via internet.
270
a) sujeito ativo: qualquer pessoa; b) sujeito passivo: o empresário devedor.
Secundariamente, os credores e o Estado; c) elemento subjetivo do tipo: é o dolo; d)
tipo objetivo ou elementos normativos do tipo: o tipo menciona três condutas típicas
de modo alternado: “violar, explorar ou divulgar”. Violar significa infringir, transgredir,
forçar. Explorar significa tirar proveito, tirar vantagem, abusar da boa fé. Divulgar
significa tornar público, propalar, difundir, fomentar; e) objetos material e jurídico: o
objeto material é o segredo mantido pela atividade empresarial ou o dado
confidencial sobre operação ou serviço da empresa. O objeto jurídico é a
regularidade do desenvolvimento da atividade empresarial, bem como o patrimônio
269
BATISTA, Nilo. Lições de direito penal falimentar. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p. 213, 215.
270
SILVA, Antonio Paulo C. O. Silva. Comentários às disposições penais da lei de recuperação de
empresas e falências. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 117.
114
do devedor e também do credor; f) classificação doutrinária: é crime comum,
material, de forma livre, comissivo, instantâneo, de dano, unissubjetivo,
plurissubsistente, unissubsistente, não admite a tentativa.
271
Vale esclarecer que, caso o agente pratique a mencionada conduta sem a
existência do decreto falimentar, da decisão concessiva de recuperação judicial ou
da decisão homologatória de recuperação extrajudicial, poderá, em tese, configurar
um dos tipos previstos nos arts. 151, 152, 153 e 154 do Código Penal, que
correspondem, respectivamente, aos delitos de violação de correspondência,
sonegação ou destruição de correspondência, violação de comunicação telegráfica,
radioelétrica ou telefônica, correspondência comercial, divulgação de segredo e
violação de segredo profissional.
De outro lado, se a conduta do infrator violar direitos inerentes à propriedade
industrial, o mesmo poderá, em tese, responder ao delito de concorrência desleal
definido pelo art. 195 da Lei nº 9.279/96.
Divulgação de informações falsas
Este tipo de conduta criminosa também se configura uma inovação legislativa,
assim mencionada, ipisis litteris: “Art. 170. Divulgar ou propalar, por qualquer meio,
informação falsa sobre devedor em recuperação judicial, com o fim de levá-lo à
falência ou de obter vantagem. Pena reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e
multa.” Tratar-se de uma falsidade ideológica comissiva, estruturada como um crime
formal.
272
a) sujeito ativo: qualquer pessoa poderá compor o pólo ativo da ação; b)
sujeito passivo: é o próprio devedor em recuperação judicial, em segundo plano, os
credores e o Estado; c) tipo objetivo: a conduta pica concentra-se nos verbos
“divulgar ou propalar”. Divulgar significa tornar público, fomentar, difundir, publicar.
Propalar tem o significado de dar curso a informação falsa divulgada por outrem.
d) elemento subjetivo: o elemento subjetivo consiste no dolo direto, ou seja, o sujeito
ativo age com o objetivo de divulgar ou propalar informação falsa sobre o devedor,
além do dolo específico, ou seja, o agente age com a finalidade de levar o devedor à
falência ou de obter vantagem; f) objetos material e jurídico: o objeto material é a
271
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, pp. 564-465.
272
BATISTA, Nilo. Lições de direito penal falimentar. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p. 221.
115
informação falsa divulgada ou prolatada. O objeto jurídico: é a proteção ao
patrimônio dos credores, como a administração da justiça; g) classificação: crime
comum, formal, de forma livre, comissivo, instantâneo, de perigo concreto,
unissubjetivo, plurissubsistente, unissubsistente, admite a tentativa.
273
Não configurada qualquer condição objetiva de punibilidade, o agente
responderá pelos crimes de difamação, previsto no art. 139 do Código Penal,
divulgação de informação falsa ou incompleta sobre instituição financeira tipificada
no art. 3.º da Lei nº 7.492/86 ou concorrência desleal regulado pelo art. 195 da Lei nº
9.279/96.
Indução a erro
Mais uma vez inovou a LREF., ao preceituar como crime a indução a erro,
tipificada no art. 171, ipsis litteris:
Art. 171. Sonegar ou omitir informações ou prestar informações
falsas no processo de falência, de recuperação judicial ou de
recuperação extrajudicial, com o fim de induzir a erro o juiz, o
Ministério Público, os credores, a assembléia-geral de credores, o
Comitê ou o administrador judicial. Pena reclusão, de 2 (dois) a 4
(quatro) anos, e multa.
Tratar-se de crime formal, mas como requisito de ofensividade vinculado à
idoneidade lesiva. O crime é unissubsistente, ou seja, se consuma no momento em
que tais informações falsas são prestadas.
274
a) sujeito ativo: qualquer pessoa; b) sujeito passivo: é o Estado; c) tipo objetivo:
as seguintes condutas incriminadas de maneira alternativa: sonegar, omitir ou
prestar informação falsa. O verbo “sonegar” é empregado no sentido de ocultar,
encobrir, dissimular informação. “Omitir”, por sua vez, tem o significado de inércia,
ausência de ão, deixar de prestar informação. Prestar informação falsa consiste
em informar, afirmar, declarar informação ideologicamente falsa; d) tipo subjetivo: é
o dolo direto consistente na vontade do agente de prestar informações falsas,
exigindo-se, ainda, o dolo específico, ou seja, o objetivo de induzir a erro o juiz, o
273
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 565.
274
BATISTA, Nilo. Lições de direito penal falimentar. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p. 185.
116
Ministério Público, os credores, a assembleia geral de credores, o comitê ou o
administrador judicial; e) objetos material e jurídico: o objeto material é a informação
relevante não transmitida ou o informe falso. O objeto jurídico é a administração da
justiça; f) classificação: crime comum, formal, de forma livre, omissivo na modalidade
de “sonegar ou omitir”, comissivo na forma prestar informação falsa, instantâneo, de
perigo concreto, unissubjetivo, plurissubsistente, unissubsistente, não admite a
tentativa, pois é delito condicionado ao evento da falência, e recuperações, admite a
tentativa quando após falência e recuperações.
275
Importante observar, que são tipos análogos ao crime em apreço os crimes
de falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal), gestão fraudulenta de instituição
financeira (art. 4.º da Lei nº 7.492/86) ou fraude à fiscalização ou a investidor (art. 9.º
da Lei nº 7.496/86).
Favorecimento de credores
A nova LREF., traz condutas típicas similares ao art. 189, incisos I e III, do
Decreto-lei 7.661/45, além do acréscimo na penalidade, assim determina o art.
172. In verbis:
Art. 172. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a
falência, conceder a recuperação judicial ou homologar plano de
recuperação extrajudicial, ato de disposição ou oneração patrimonial
ou gerador de obrigação, destinado a favorecer um ou mais credores
em prejuízo dos demais. Pena reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco)
anos, e multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre o credor que, em
conluio, possa beneficiar-se de ato previsto no caput deste artigo.
Tratar-se de crime de perigo, comissivo. O termo legal da falência é a
fronteira entre o exercício de faculdade jurídica e o cometimento de um delito, o qual
não poderá retroagir a mais de noventa dias, contados do pedido de falência, do
pedido de recuperação judicial ou do primeiro protesto for falta de pagamento válido.
Da mesma forma, após a sentença que homologa o plano de recuperação
extrajudicial ou defere a recuperação judicial. Neste caso específico, se houver
275
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 566.
117
conluio, o credor beneficiado poderá ser co-autor.
276
Com este tipo legal, busca-se
preservar o princípio da igualdade entre credores. Na lei anterior, no art. 188, II
semelhança com o mencionado dispositivo.
277
a) sujeito ativo: é o empresário devedor; b) sujeito passivo: é o credor.
Secundariamente, o Estado; c) tipo objetivo: é a conduta consiste na prática de
qualquer ato de disposição ou oneração do patrimônio do devedor ou gerador de
obrigação efetuado dentro do termo legal; d) elemento subjetivo: é o dolo específico;
f) objetos material e jurídico: o objeto material é o ato de disposição ou oneração
patrimonial ou gerador de obrigação. O objeto jurídico é a proteção ao patrimônio
dos credores. Secundariamente, o Estado; g) classificação: é crime próprio, formal,
de forma vinculada, comissivo, instantâneo, de perigo concreto, unissubjetivo,
plurissubsistente, não admite a tentativa antes da falência ou recuperações, mas
admite a forma tentada após tais eventos.
278
Cumpre observar que o termo legal
está contido no art. 99, inciso II da Lei 11.101/05, podendo ser definido como o
período dentro do qual determinados atos que oneram os bens do devedor são tidos
como ineficazes, por se entender que foram praticados em prejuízo da massa.
Convém ressaltar, que o crime de favorecimento de credores era regulado
no art. 189, incisos I e III, do Decreto-lei nº 7.661/45, com a seguinte redação:
Art. 189. Será punido com reclusão de um a três anos:
I - qualquer pessoa, inclusive o falido, que ocultar ou desviar bens da
massa;
II - (...);
III - o devedor que reconhecer como verdadeiros créditos falsos ou
simulados.
Desvio, ocultação ou apropriação de bens
Mais uma vez, a Lei nº 11.101/2005, dá redação similar ao art. 188, inciso III e
189, inciso I do Decreto Lei 7.661/45. Todavia, é mais abrangente, ao incluir as
condutas de ocultar ou apropriar bens, conforme se verifica: “Art. 173. Apropriar-se,
276
BATISTA, Nilo. Lições de direito penal falimentar. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p. 198 e 202, 206,
210 e 211.
277
SILVA, Antonio Paulo C. O. Silva. Comentários às disposições penais da lei de recuperação de
empresas e falências. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 131.
278
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 567.
118
desviar ou ocultar bens pertencentes ao devedor sob recuperação judicial ou à
massa falida, inclusive por meio da aquisição por interposta pessoa. Pena
reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.”
a) sujeito ativo: na apropriação, somente quem tem o bem, em confiança. Nas
figuras de desvio e ocultação, qualquer pessoa; b) sujeito passivo: é o credor,
secundariamente, o Estado; c) tipo objetivo: o tipo descreve três condutas possíveis:
“apropriar-se, ocultar ou desviar bens”. Apropriar-se significa tomar posse de bem do
devedor em recuperação judicial ou extrajudicial ou da massa falida, utilizando-o
como se proprietário fosse, sem intenção de restituí-lo. Ocultar consiste em
esconder os bens. Desviar tem o sentido de dar emprego diverso do que foi
determinado ao agente; d) tipo subjetivo: é o dolo; f) objetos material e jurídico: é o
bem desviado, ocultado ou sujeito ao apossamento por terceiro. O objeto jurídico é a
proteção do patrimônio dos credores, secundariamente, o Estado; g) classificação:
crime próprio na modalidade apropriar-se, comum em relação às outras duas
condutas, material, de forma livre, comissivo, instantâneo no caso de apropriação e
desvios, permanente na ocultação, de dano, unissubjetivo, plurissubsistente, admite
tentativa.
279
O crime de desvio de bens encontrava-se tipificado nos artigos 188, inciso III
e 189, inciso I do Decreto-lei nº 7.661/45, nos seguintes termos:
Art. 188. Será punido o devedor com a mesma pena do artigo
antecedente, quando com a falência concorrer algum dos seguintes
fatos:
I - (...);
II - (...);
III - desvio de bens, inclusive pela compra em nome de terceira
pessoa, ainda que cônjuge ou parente;
Art. 189. Será punido com reclusão de um a três anos:
I - qualquer pessoa, inclusive o falido, que ocultar ou desviar bens da
massa.
É relevante ressalta que, o ocorrendo qualquer das condições objetivas de
punibilidade, o agente responderá pelos crimes de apropriação indébita ou
receptação previstos nos arts. 168 e 180 do Código Penal.
279
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, pp. 568-569.
119
Aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens
Esta modalidade delitiva não encontra paralelo com lei falimentar anterior,
sendo mais uma inovação legislativa específica em relação à receptação descrita no
art. 180 do CPB. Vejamos a figura típica da receptação falimentar, nas três
modalidades alternativas, ipsis litteris: “Art. 174. Adquirir, receber, usar, ilicitamente,
bem que sabe pertencer à massa falida ou influir para que terceiro, de boa-fé, o
adquira, receba ou use. Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.”
Na receptação falencial, três núcleos do tipo: adquirir, receber e usar é
crime material; já a receptação imprópria é crime de mera atividade, que dispensa
qualquer resultado material e o admite tentativa.
280
O núcleo da receptação
imprópria falimentar concentra-se no verbo “influir”.
a) sujeito ativo: pode ser sujeito ativo do delito qualquer pessoa; b) sujeito passivo: é
o credor, secundariamente, o Estado; c) tipo objetivo: são três condutas típicas, a
saber: adquirir, receber e usar; d) tipo subjetivo: é o dolo direto, o qual consiste na
prática de um dos verbos mencionados com a consciência de que o bem almejado
pertença à massa falida; e) objetos material e jurídico: objeto material é o bem
pertencente à massa falida. Objeto jurídico: é a proteção ao patrimônio dos
credores, secundariamente, o Estado, bem como o patrimônio de terceiro de boa-fé;
g) classificação: crime comum, material, de forma livre, comissivo, instantâneo nos
casos de adquirir, receber e influir, mas permanente na figura de usar, ao menos na
primeira parte, de dano, unissubjetivo, plurissubsistente, admite a tentativa nas duas
partes do tipo, não admite na segunda parte.
281
Habilitação ilegal de crédito
O art. 175 da LREF., guarda correspondência com os incisos II e III do art.
189 do Decreto Lei 7.661/45, que, por sua vez, a lei nova implementou uma pena
mais rigorosa, in verbis: “Art. 175. Apresentar, em falência, recuperação judicial ou
recuperação extrajudicial, relação de créditos, habilitação de créditos ou reclamação
280
BATISTA, Nilo. Lições de direito penal falimentar. Rio de Janeiro: Revan, 2006, pp. 151-154.
281
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 570.
120
falsas, ou juntar a elas título falso ou simulado: Pena reclusão, de 2 (dois) a 4
(quatro) anos, e multa.”
Tratar-se de crime de perigo e doloso.
282
Tratar-se crime formal e de perigo,
que se consuma com o dano potencial, independentemente da ocorrência do efeito
desejado pelo agente.
283
Além de ser crime pós-falimentar ou passível de
punibilidade após a concessão da recuperação judicial, da homologação da
recuperação extrajudicial ou da decretação da falência.
a) sujeito ativo: é aquele que apresenta na falência ou durante a recuperação judicial
ou extrajudicial relação de créditos, habilitação de créditos ou reclamação falsas; b)
sujeito passivo: é o autêntico credor e, secundariamente, o Estado; c) elemento
subjetivo: é o dolo; d) tipo objetivo: o tipo fala em apresentar, ou seja, ajuizar,
pleitear, peticionar, submeter à apreciação de, na falência, recuperação judicial ou
extrajudicial relação de créditos, habilitação de créditos ou reclamação falsas; e)
objetos material e jurídico: o objeto material é a relação de credores, a habilitação de
créditos ou a reclamação, bem como o título falso a elas anexado. O objeto jurídico:
é a proteção ao patrimônio dos credores e, secundariamente, o Estado; f)
classificação: é crime comum no tocante à apresentação de habilitação ou
reclamação falsa, mas própria em relação à apresentação da relação de credores,
formal, de forma livre, comissivo, instantâneo, de perigo abstrato, unissubjetivo,
plurissubsistente, admite tentativa, embora de difícil configuração.
284
Ressalte-se que essa norma é específica em relação aos crimes de falso
ideológico ou material tipificados nos arts. 297 ou 299 do Código Penal.
Interessante se faz mencionar que, no caso de habilitação ilegal de crédito
referente a instituição financeira, responderá o agente pelo crime do artigo 14 da Lei
nº 7.492/86.
Tão-somente para efeitos de comparação entre redações, transcreveremos o
dispositivo legal antigo, assim exposto:
Art. 189. Será punido com reclusão de um a três anos:
I - (...)
282
BATISTA, Nilo. Lições de direito penal falimentar. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p. 189 e 193.
283
SILVA, Antonio Paulo C. O. Silva. Comentários às disposições penais da lei de recuperação de
empresas e falências. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 202.
284
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, pp. 571-572.
121
II - quem quer que, por si ou interposta pessoa, ou por procurador,
apresentar, na falência ou na concordata preventiva, declarações ou
reclamações falsas, ou juntar a elas títulos falsos ou simulados;
III - o devedor que reconhecer como verdadeiros créditos falsos ou
simulados;
IV - (...).
Exercício ilegal de atividade
O crime de exercício ilegal de atividade está tipificado no artigo 176 da Lei
11.101/2005, com a seguinte redação: “Art. 176. Exercer atividade para a qual foi
inabilitado ou incapacitado por decisão judicial, nos termos desta Lei: Pena
reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.”
É um crime de mão própria, mais também habitual, existindo a possibilidade
de suspensão condicional do processo.
285
A inabilidade referida tratar-se de efeito
da condenação e não pena acessória.
286
a) sujeito ativo: é o falido ou condenado, inabilitado ou incapacitado a exercer
determinada atividade por decisão judicial; b) sujeito passivo: é o Estado,
secundariamente, os credores que venham a ser prejudicados pelo indevido
exercício da atividade ou da gestão de patrimônio pessoal; c) tipo objetivo: é o
exercício de atividade para o qual o agente foi incapacitado ou incapacitado por
decisão judicial, conforme o art. 99 da LREF., o tipo faz remissão a outras normas. É
consequência da falência a inabilitação (falta de autorização para exercício de um
direito, neste caso, a proibição de exercer qualquer atividade empresarial) e
incapacidade a proibição de gerir seu patrimônio), nos termos, respectivamente,
nos arts. 102 e 103 da nova lei falimentar; d) tipo subjetivo: é o dolo; f) objetos
material e jurídico: o objeto material é a atividade vedada. O objeto jurídico é a
administração da justiça e a proteção ao patrimônio dos credores; g) classificação: é
crime próprio, formal, de forma livre, comissivo, habitual, de perigo abstrato,
unissubjetivo, plurissubsistente, não admite tentativa.
287
Violação de impedimento
285
BATISTA, Nilo. Lições de direito penal falimentar. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p. 231, 232, 233
286
SILVA, Antonio Paulo C. O. Silva. Comentários às disposições penais da lei de recuperação de
empresas e falências. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 206.
287
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, pp. 572-573.
122
Tal figura delitiva já se encontrava presente na lei anterior, mas vejamos a
redação atual, conforme o comando legislativo:
Art. 177. Adquirir o juiz, o representante do Ministério Público, o
administrador judicial, o gestor judicial, o perito, o avaliador, o
escrivão, o oficial de justiça ou o leiloeiro, por si ou por interposta
pessoa, bens de massa falida ou de devedor em recuperação
judicial, ou, em relação a estes, entrar em alguma especulação de
lucro, quando tenham atuado nos respectivos processos:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Na lei anterior (art. 190), a lei atual, substituiu a fórmula remissiva por uma
figura autônoma, cujos traços gerais foram agora reproduzidos. Tratar-se de crime
próprio, formal que dispensa qualquer resultado patrimonial negativo.
288
a) sujeito ativo: somente poder ser o juiz, o representante do Ministério Público, o
administrador judicial, o gestor judicial, o perito, o avaliador, o escrivão, o oficial de
justiça ou o leiloeiro. Por interpretação extensiva gica e necessária, permitimo-nos
acrescentar qualquer servidor da justiça; b) sujeito passivo: é o Estado; c) tipo
objetivo: a conduta tipificada é a de “adquirir”, ou seja, torna-se proprietário ou
assenhorar-se dos bens da massa falida ou dos bens do devedor em recuperação
judicial (a título gratuito ou oneroso), bem como de entrar em alguma especulação
de lucro; d) tipo subjetivo: é o dolo; e) objetos material e jurídico: o objeto material é
o bem da massa falida ou de devedor em recuperação judicial ou qualquer outro
negócio, que propicie lucro, vinculado à massa falida ou ao devedor em recuperação
judicial. O objeto jurídico é a lisura e a moralidade da justiça. Secundariamente,
protege-se o patrimônio dos credores; f) classificação: é crime próprio, formal, de
forma livre, comissivo, instantâneo, de perigo abstrato, unissubjetivo,
plurissubsistente, admite tentativa.
289
Este delito encontrava-se tipificado na antiga lei falimentar, apenas para
efeitos de comparação entre redações, transcreveremos o dispositivo legal do
Decreto-lei nº 7.661/45, assim mencionado:
288
BATISTA, Nilo. Lições de direito penal falimentar. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p. 225, 226 e 227.
289
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, pp. 574-575.
123
Art. 190. Será punido com detenção, de um a dois anos, o juiz, o
representante do Ministério Público, o síndico, o perito, o avaliador, o
escrivão, o oficial de justiça ou o leiloeiro que, direta ou
indiretamente, adquirir bens da massa, ou, em relação a eles, entrar
em alguma especulação de lucro.
3.6.3 A Suspensão Condicional do Processo
No delito de exercício ilegal de atividade, em decorrência da pena mínima de
1 (um) ano, admissível é a concessão da suspensão condicional do processo (art.
89 da Lei 9.099/95). Se tal não se der, na hipótese de condenação, permitir-se-á
a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou dependendo
do caso concreto, da aplicação da suspensão condicional da pena.
290
Todavia, neste
delito é questionável a possibilidade de suspensão condicional do processo, pois,
nesta hipótese específica, constitui-se um pressuposto lógico e jurídico, a existência
de uma decisão judicial que proíbe o exercício empresarial, logo, o réu será
reincidente.
No delito de violação de impedimento, quando houver condenação, cabível
somente na espécie, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos ou a aplicação da suspensão condicional da pena.
291
Nesta modalidade
criminal não é cabível a suspensão condicional do processo, pois a pena mínima é
superior a 1 (um) ano, ou seja, ela é de 2 (dois) anos de reclusão.
No delito de omissão dos documentos contábeis obrigatórios, cabível também
na espécie, a suspensão condicional do processo. Se não for viável, possibilitar-se a
substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou a aplicação da
suspensão condicional da pena.
292
3.6.4 Sentença Penal Condenatória e seus Efeitos
Relevante é descreve a previsão legal que prevê efeitos penais e extrapenais
da condenação nos crimes falimentares, in verbis:
290
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 574.
291
Idem, ibidem, p. 576.
292
Idem, ibidem, p. 577.
124
Art. 181. São efeitos da condenação por crime previsto nesta Lei:
I – inabilitação para o exercício de atividade empresarial; II o
impedimento para o exercício de cargo ou função em conselho de
administração, diretoria ou gerência das sociedades sujeitas à Lei de
Falências; III impossibilidade de gerir empresa por mandato ou por
gestão de negócio.
No âmbito penal, há efeitos principais e secundários. O principal efeito penal é
o cumprimento da pena. Os secundários podem ser desde a revogação de uma
suspensão condicional da pena, dentre outros. Quanto aos efeitos extrapenais,
os genéricos, os quais não precisam ser explicitados na sentença e os específicos,
dentre eles, há os enumerados no art. 92 do Código Penal e os previstos em leis
especiais, que não são de aplicação automática, devem ser fixados com clareza na
sentença condenatória e devidamente motivados. É exatamente o caso do art. 181
da Lei n° 11.101/2005, que estabelece para os condenados efeitos extrapenais.
293
Como podemos observar, tais efeitos não são automáticos, devendo ser
declarados motivadamente na sentença, pois perdurarão por cinco anos após a
extinção da punibilidade, salvo se anteriormente foi o condenado beneficiado por
reabilitação criminal. Lembre-se que transitada em julgado a sentença penal
condenatória deve o juiz determinar notificação ao Registro Público de Empresas
para que tome as providências cabíveis de molde a impedir novo registro em nome
dos inabilitados.
3.6.5 Recursos
No juízo vel, o sistema recursal da LREF., não segue a lógica do regime
recursal das ações cíveis do Processo Civil. Vejamos a relação recursal do novo
diploma legal: a) o recurso cabível da sentença que decreta a falência é o agravo de
instrumento (art. 2.°); b) da sentença que não decreta a falência, seja de mérito ou
não, guerrea-se mediante apelação; c) na hipótese da sentença que decreta a
falência, com base na impontualidade, cabível é o recurso de embargos, julgado
pelo próprio juízo falimentar, julgados os embargos, cabível agora, o recurso de
apelação, que será julgado no tribunal.
293
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, pp. 578-579.
125
A lei menciona os recursos de agravo e apelação "sem efeito suspensivo".
Quanto à apelação, a lei é expressa ao vedar o efeito suspensivo (art. 164, § 7.º). No
que tange aos agravos (arts. 59, § 2.º e 100), a regra é que sejam recebidos apenas
no efeito devolutivo.
Quanto ao juízo criminal, caso o juiz rejeite a denúncia ou queixa oferecida,
admite-se o recurso em sentido estrito, consoante art. 581, I do CPPB. Quanto à
rejeição, admite-se o mesmo recurso, mas entendimento diverso no sentido de
que o recurso cabível é apelação (art. 581, III do CPPB).
294
No lado do réu, admite-
se habeas corpus para trancar ação penal por falta de justa causa.
Divide-se a doutrina quanto ao recurso cabível contra a decisão que concede
o sursis processual, apelação ou recurso em sentido estrito. Os que se posicionam
pela apelação fundam-se na impossibilidade do recurso em sentido estrito em sede
de juizados especiais criminais. Contudo, as mais recentes decisões dos tribunais
tendem para o recurso em sentido estrito, conforme a possibilidade de aplicação
subsidiária do CPPB., consoante permissivo do art. 92 da Lei 9.099/95. Neste
sentido: STJ (RESP 296343-MG; RESP 260217-SP; RESP 246085-SP; RESP
164387-RJ; REVJMG 146/465, RT 762/583, JSTJ 2/384).
Da decisão definitiva condenatória ou absolutória, o recurso cabível será a
apelação, de acordo com art. 593, I do CPPB.
295
Por fim, passaremos a estudar o sistema penal falimentar tendo como foco
central os sistemas penais. A eleição do sistema penal misto o qual garante, ao
mesmo tempo, apurar as responsabilidades através dos órgãos da persecução
criminal e garante ao investigado, indiciado, acusado, réu seus direitos
fundamentais, com a lide processual penal julgada com imparcialidade por órgão do
Poder Judiciário independente.
294
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado: referências doutrinárias,
indicações legais, resenha jurisdicional. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994, pp. 98-99.
295
NUCCI, Guilherme de souza. Código de processo penal comentado. ed. 3ª tiragem. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 593.
126
CAPÍTULO IV
4 A INSTITUIÇÃO DO PROCESSO MISTO DOS CRIMES FALIMENTARES NO
BRASIL
4.1 Considerações Iniciais
Com o advento da Lei n° 11.101/2005, em substituição ao Decreto-lei
7.661/45, o Direito Falimentar na sua vertente de Direito Penal Econômico e
Processual Falimentar adquiriu nova sistemática no campo do Direito Penal e parte
do Processual Penal, com a extinção e criação de tipos penais falimentares, bem
como inovações em procedimentos processuais, tais como a instituição do inquérito
policial que sucede o inquérito judicial, este, no nosso sentir, após a Carta Magna de
1988, inconstitucional, por violação do sistema adotado na Lei Fundamental. No
juízo criminal foi estabelecido o rito sumário, exceto no delito de omissão de
documentos contábeis obrigatórios, sendo cabível na espécie, o procedimento
sumaríssimo. Logo, há uma nova concepção no processo penal falimentar, ainda
que sujeito a críticas. A seguir, trabalharemos com marcos conceituais que serão
úteis na compreensão do processo criminal nesta área específica da criminalidade
econômica.
4.2. Marcos Conceituais
4.2.1 Conceito de Responsabilidade Criminal
De ordinário, a maioria dos doutrinadores preferem utilizar o termo
“imputabilidade” ao invés de “responsabilidade”. Imputar é atribuir a alguém a
responsabilidade de alguma coisa. Imputabilidade penal é o conjunto de condições
pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a
prática de um fato punível.
296
Para Magalhães Noronha, imputabilidade e responsabilidade não são
sinônimos, embora para muitos sejam, distingue-as nos seguintes termos:
296
BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral. Tomo 2, 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 39.
127
Responsabilidade é a obrigação que alguém tem de arcar com as
conseqüências jurídica do crime. É o dever que tem a pessoa de
prestar contas de seu ato. Ela depende da imputabilidade do
indivíduo, pois não pode sofrer as conseqüências do fato criminoso
(ser responsabilizado) senão o que tem a consciência de sua
antijuridicidade e quer executá-la (ser imputável). A imputabilidade é
o conjunto de requisitos pessoais que conferem ao indivíduo
capacidade, para que, juridicamente, lhe possa ser atribuído um fato
delituoso.
297
A imputabilidade consiste na capacidade de entender e de querer, segundo a
concepção dominante na doutrina e nas legislações.
298
Não é nosso objeto estudo a teoria do delito em si. A teoria causal; a teoria
social; a teoria finalista; a teoria da imputação objetiva. Não nos interessa se “a”
praticou fato pico, antijurídico, se ele é responsável ou não na medida de sua
culpabilidade. Mas, tão-somente estudar o sistema processual penal no qual se
atribui a alguém a responsabilidade penal através da atividade dos órgãos
encarregados pelos procedimentos, “quem faz o quê” sob o ponto de vista sistêmico
constitucional. Partimos da premissa de que o agente praticou o fato típico,
antijurídico e culpável. Logo, é responsável penalmente.
4.2.2 Conceito de Controle Social
A expressão “controle social” é utilizada por diversas ciências com
significados diversos. Na Sociologia, e.g., nos ensina Sebastião Vila Nova que
“controle social é qualquer meio de levar as pessoas a se comportarem de forma
socialmente aprovada.”
299
Sob o viés da Criminologia, apresentamos o conceito de controle social de
Garcia-Pablos, o qual define o controle social como o conjunto de instituições,
estratégias e sanções sociais que pretendem promover e garantir a submissão do
297
NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 164.
298
JESUS, Damásio E. de. Direito penal. Parte Geral. Vol. 1, 25ª ed. o Paulo: Saraiva, 2002, pp.
470-471.
299
VILA NOVA, Sebastião. Introdução à sociologia. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1992, p. 89.
128
indivíduo aos modelos e normas comunitárias.
300
A finalidade aparente do controle
social é obter a disciplina do comportamento humano em sociedade. O controle
social pode ser primário, secundário e terciário.
301
Quanto à classificação, o controle
social pode ser formal ou informal e são exercidos por órgãos, agentes ou
portadores do controle social.
302
4.2.3 Conceito de Sistema Penal
Como podemos observar, o sistema penal é uma espécie do gênero controle
social. Na Criminologia, a expressão “controle social jurídico-penal” equivale às
expressões: controle do delito, controle penal, controle sociopenal, controle jurídico-
penal.
303
Ela Wiecko define o controle jurídico-penal ou o controle penal como sendo
“o conjunto de instituições, estratégias e sanções sociais que visa promover e
garantir a submissão do indivíduo às normas de conduta protegidas penalmente.”
304
Neste estudo, elegemos como marco conceitual a definição de sistema penal
formulada por E. Raúl Zaffaroni, Nilo Batista, Alejandro Alagia e Alejandro Slokar,
nos seguintes termos: “Por sistema penal entendemos o conjunto das agências que
operam a criminalização (primária e secundária) ou convergem na sua produção.”
305
4.2.4 O Sistema Processual Penal sob o Enfoque Sistêmico
300
MOLINA, Antonio Garcia-Pablos de. Criminologia: uma introdução a seus fundamentos. São
Paulo: Revista dos Tribunias, 1992, p. 75.
301
Prevenção primária diz respeito a programas de educação e socialização, casa, trabalho, bem-
estar social e qualidade de vida. Prevenção secundária refere-se aos programas dirigidos
seletivamente àqueles grupos que ostentam maior risco de se envolverem no problema criminal.
Prevenção terciária dirige-se aos condenados, para evitar a reincidência. (MOLINA, Antonio Garcia-
Pablos de. Criminologia: uma introdução a seus fundamentos. São Paulo: Revista dos Tribunias,
1992, p. 254).
302
Dentro das instâncias informais operam como agentes de controle: a família, os vizinhos, os
amigos, a escola, a igreja, os colegas de trabalho, os meios de comunicação de massa etc. No
controle formal os agentes atuam por meio da Polícia, Ministério Público, Judiciário, órgãos de
execução penal, etc.
303
CASTILHO, Ela Wiecko V. de. O controle penal nos crimes contra o sistema financeiro nacional.
Belo Horizonte: Del Rey,1998, p. 41.
304
Idem, ibidem, p, 41.
305
E, Raúl Zaffaroni, BATISTA, Nilo, ALAGIA, Alejandro, SLOKAR, Alejandro. Direito penal
Brasileiro:primeiro volume – teoria geral do direito penal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 60.
129
Na visão do sociólogo, Niklas Luhmann (1927-1998), “Sociologia é, pois, a
ciência dos sistemas sociais.“
306
Transportando-se o pensamento do mestre alemão
para o campo da hermenêutica constitucional e legal, partirmos do ponto de vista
sistêmico, segundo o qual, a Constituição é vista como um sistema que tem sua
coerência interna, pois o ordenamento jurídico que ela preside dever ser compatível
com seus princípios e regras, sob pena de nulidade por intermédio do vício da
inconstitucionalidade. Assim, bem lembrou Luís Roberto Barroso: “A Constituição
escrita ordena sistematicamente os princípios fundamentais da organização política
do Estado e das relações entre esse Estado e o povo que o compõe.”
307
Tal ordem
jurídica é um sistema lógico-sistêmico, onde a norma superior prevalece sobre a
norma inferior, levando-se em consideração de que no ordenamento jurídico não
podem coexistir normas incompatíveis.
308
A interpretação constitucional e infraconstitucional impõe ao intérprete a
utilização de múltiplos métodos. Neste trabalho utilizaremos com prioridade o
método sistêmico, a qual concebe a norma como parte de um sistema. Nesta
mesma linha de raciocínio, colocamos em relevo o pensamento de Eros Grau:
“jamais se interpreta um texto normativo, mas sim o direito, não se interpretam textos
normativos constitucionais, isoladamente, mas sim a Constituição, no seu todo. Não
se interpreta a Constituição em tiras, aos pedaços.”
309
Neste diapasão, compreende-
se o sistema processual penal brasileiro como parte integrante do sistema maior: “O
sistema constitucional”.
Na lição de Paulo Dourado de Gusmão: “A ordem, sem a qual não há
segurança, é finalidade instrumental, fim-meio, condição de vigência do direito justo.
Ordem e segurança são condições da justiça e da liberdade.”
310
Dito de outra forma,
a ordem, seja jurídica, seja ordem pública é um pressuposto do estado democrático
de direito, pois sem ela, instala-se o caos social, a anarquia, o reino da insegurança.
Nos tempos modernos para alguns e para outros nos tempos pós-moderno é
a lei, como pacto social geral quem garante a ordem e a segurança individual e
306
LUHMANN, Niklas. A nova teoria dos sistemas. Org. Clarissa Eckert Beata Neves e Eva Machado
Barbosa Samios. Porto Alegra: Universidade/UFRGS, 1997, p. 10.
307
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma
dogmática constitucional transformadora. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 58.
308
Idem, ibidem, 2004, p. 9.
309
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 1ed. o Paulo: Malheiros,
2007, p. 166.
310
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Filosofia do direito. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 79.
130
coletiva através dos órgãos estatais próprios, possibilitando a realização da justiça
na sociedade, expurgando o direito da força e implantando a força do direito.
No Brasil, se levarmos em consideração o rigor sistêmico, não se pode dizer
que as instituições que lutam contra a criminalidade e violência constituem um
sistema
311
, ou seja, um conjunto articulado de órgãos, cada qual com funções
específicas, perseguindo um objetivo comum. Na verdade uma incoerência
sistêmica por conta da busca por espaço de poder.
Na área do controle penal dos crimes falimentares, desde a edição da
Constituição Federal de 1988, a investigação criminal deveria ficar a cargo do órgão
do sistema penal instituído pela Lei Fundamental com essa missão, todavia, a
Polícia Civil continuou sendo excluída desse processo. Desprezou-se o fenômeno
da constitucionalização do sistema de segurança pública com seus órgãos e
respectivas funções. Tão-somente com o advento da Lei 11.101/2005, tal fato
reverteu-se, prevalecendo a real intenção do constituinte. Neste particular, é
relevante o ensinamento hermêutico de Nelson Nery Junior, quando diz:
O intérprete deve buscar a aplicação do direito ao caso concreto,
sempre tendo como pressuposto o exame da Constituição Federal.
Depois, sim, deve ser consultada a legislação infraconstitucional a
respeito do tema. Caso a lei infraconstitucional esteja em desacordo
com o texto constitucional, não deve, por óbvio, ser aplicada. (...).
Esta é a razão pela quais todos devem conhecer e aplicar o Direito
Constitucional em toda a sua extensão, independentemente do ramo
do direito infraconstitucional que se esteja examinando.
312
Os argumentos que se levantam contra o órgão constitucional estadual
competente para promover a investigação criminal nos delitos falimentares ou o
frutos de puro preconceito ou derivados do argumento a fortiori, mencionado na
Antiguidade por Ulpiano (Digestos, 50, XVII, 21): Non debet, cui plus licet, quod
311
A palavra sistema é polissêmica, daí a dificuldade de saber o que ele realmente significa.
Vulgarmente, a palavra sistema é usada para designar várias estruturas, dependendo do ponto de
vista de quem a emprega e qual o objeto a que se refere. Neste texto, o sistema de segurança
pública significa uma espécie do sistema judico ou ordenamento jurídico (sistema de regras e
princípios). Acolhemos a definição de Toledo, para o qual, o ordenamento jurídico é um sistema
aberto, no sentido de que está sempre recebendo influências externas que lhe podem alterar ou
enriquecer os comandos, nele incorporadas por um processo cuja disciplina suas próprias regras se
incumbem de prever. (TOLEDO, Gastão Alves de. O direito constitucional econômico e sua eficácia.
Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 34).
312
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2004, pp. 25-26.
131
minus est non licere (Não deve ser proibido o menos a quem é lícito o mais)
313
. Na
última hipótese, se considerarmos esse raciocínio correto, legítimo, então, seria
quem pode julgar também poderá investigar, acusar, defender. Logo, mutatis
mutandis, voltaremos ao estágio da evolução histórica da sociedade ocidental do
processo penal inquisitório puro.
Em Roma, antes do modelo acusatório, existia o inquisitio, neste cabia ao
magistrado funções inquisitivas, sendo negligenciada por ele, pois durante um certo
período da República de Roma na Antiguidade, dependia, ele, de aprovação
popular
314
! Leia-se: a magistratura era eletiva. Em tese, ele seria responsável pela
aplicação da lei, pela investigação. Na prática, será que o magistrado iria inquirir
com imparcialidade seus eleitores? Quem eram os cidadãos eleitores em Roma?
Pelo sistema processual vigente e sua interconexão com a Lei Maior não se
admite acusação penal sem que haja um mínimo suporte probatório relativamente à
imputação constante na denúncia ou queixa, pois a simples instauração do processo
penal ou a instauração de inquérito penal pode afetar o denominado status
dignitates das pessoas.
4.3 Sistemas Processuais Penais
No decorrer da evolução do sistema processual penal de origem cultural
europeia, se destacaram três espécies de processos mais conhecidos entre os
doutrinadores, são eles: o acusatório, inquisitório e o misto. São sistemas que
variam não só do ponto de vista histórico quanto teórico e prático. O cerne do
trabalho visa responder a tal indagação: Qual o modelo político-jurídico de resolução
dos conflitos de interesses na esfera penal dos crimes falimentares à luz da Lei
11.101/2005, face à Constituição Federal? A seguir faremos a distinção entre eles,
sob o ponto de vista histórico, bem como pelas características predominantes.
Partimos da premissa de que na persecução penal no Brasil por tradição
histórica legislativa, há, em regra, duas fases: a) a investigação preliminar; b) ação
penal (processo)
315
e seu rito procedimental, conforme determina a lei.
313
FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo de direito: cnica, decisão, dominação.
2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 340.
314
TUCCI, Rogério Lauria. Persecução penal, prisão e liberdade. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 63.
315
GOMES, Luiz Flávio. Direito processual penal. Vol. 6. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.
65.
132
Preliminarmente, consideramos essencial distinguir, de imediato, os dois
principais tipos de processo, os quais deram origem ao processo misto. Nas
palavras de Hélio Tornaghi (1915-2004):
O que distingue a forma acusatória de inquisitiva é o seguinte: na
primeira, as três funções de acusar, defender e julgar estão
atribuídas a três órgãos diferentes: acusador, defensor e juiz; na
segunda, as três funções estão confiadas ao mesmo órgão.
316
4.3.1 Sistema Acusatório
O sistema acusatório com acusação popular surgiu na Antiguidade criado
pelos gregos, desenvolvido pela República romana e conservado em termos, até
hoje, na Inglaterra. O sistema inglês é o que mais se assemelha ao sistema
acusatório antigo, pois o processo penal é de partes, via de regra, o juiz não produz
provas de ofício.
317
Embora no direito inglês não exista a figura do órgão oficial de
acusação como no Brasil. Conforme Rogério Lauria:
Era a acusatória, com efeito, a forma procedimental utilizada em
toda a antigüidade. Assim como expressa Hélio Tornaghi
(Instituições de direito processual penal, 2. ed., São Paulo, 1977, v.
2, p. 2-3), os gregos, os romanos, os germanos e os povos das
cidades italianas da Idade Média, adotavam-na, relevando “um
princípio fundamental, do qual lhe vem o nome: ninguém pode ser
levado a juízo sem uma acusação Nemo in iudicium tradettur
sine accusatione.
318
Na Antiguidade, em Roma, a accusatio, como prerrogativa outorgada a
qualquer cidadão, e especialmente ao ofendido, de munido de provas, deduzir
perante o povo a imputação à margem da inquisitio, e de, assim, promover a ação
penal, projetou-se durante a República, pois os magistrados negligenciavam suas
funções inquisitivas, já que eram postos na dependência de aprovação popular, fato
gerador de impunidades. Portanto, em virtude dessa falha sistêmica, permitia-se ao
316
TORNAGHI, Hélio Bastos. Instituições do processo penal. Vol. 2, ed. São Paulo: Forense,
1977, p. 1.
317
PACHECO, Denilson Feitoza. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. ed. Niterói/RJ:
Impetus, 2008, pp. 54-55.
318
TUCCI, Rogério Lauria. Persecução penal, prisão e liberdade. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 62.
133
particular promover a ação penal perante o povo.
319
No caso de adultério, somente o
ofendido podia acusar. O juiz não tomava a iniciativa de apurar os delitos, competia
a prova dos fatos às partes
320
. Na maioria dos casos, qualquer cidadão poderia
ofertar a acusação popular. Tal acusação era formalizada num libelo, recebido a
acusação, era o acusado citado, se no interrogatório confessasse era condenado
sem qualquer outra indagação, se negasse perante o pretor, o acusador e o
acusado retornavam ao juízo. então era que se realizava a investigação do fato
tido como criminoso feito pelo próprio acusador por delegação do magistrado via
mandado, isto é, delegava-se ao particular o poder de investigar. Era um verdadeiro
inquérito, neste procedimento, envolto de publicidade, predominava a oralidade, o
acusado permanecia em liberdade, exceto em se tratando de crimes graves, quando
podia ser preso provisoriamente. Com a composição do órgão julgador, o
magistrado designava a data dos trabalhos de instrução e julgamento, após a
apresentação das provas em juízo, os jurados absolviam ou condenavam o
acusado. O empate na votação implicava a absolvição do acusado.
321
Na época
imperial, a inquisitio era feito antes da accusatio, para assegurar a repressão dos
crimes, conforme os ensinamentos de João Mendes de Almeida Junior (1856-
1923).
322
Conforme o ensinamento de José Frederico Marques (1912-1993), o
conceitos basilares ou podemos dizer que o características do sistema acusatório,
na visão do saudoso mestre, ipisis litteris
323
:
a) separação entre os órgãos da acusação, defesa e julgamento,
instaurando-se assim um processo de partes; b) liberdade de
defesa e igualdade de posição das partes; c) a regra do
contraditório; d) livre apresentação das provas pelas partes; e)
regra do impulso processual autônomo, ou ativação inicial pelos
interessados.
319
TUCCI, Rogério Lauria. Persecução penal, prisão e liberdade. São Paulo: Saraiva, 1980, pp. 62,
63 e 64.
320
TORNAGHI, Hélio Bastos. Curso de processo penal. Vol. 1, ed. São Paulo: Saraiva, 1987, p.
11.
321
TUCCI, Rogério Lauria. Persecução penal, prisão e liberdade. São Paulo: Saraiva, 1980, pp. 66,
67, 68, 69 e 70.
322
ALMEIDA JUNIOR, João Mendes. O processo criminal brazileiro. Vol. 1, ed. Rio de Janeiro:
Typ. Baptista de Souza, 1920, 246.
323
MARQUES, José Frederico. Estudos de direito processual penal. ed. Campinas: Millennium,
2001, p.19.
134
Com a mesma maestria, respectivamente, Rogério Lauria Tucci e Hélio
Tornaghi demonstram a característica “principal” do sistema acusatório:
a proposta de acusação, formulada pelo cidadão que se apresenta
como acusador, perante o órgão judiciário encarregado de recebê-
la. Havia casos, como o de adultério, em que somente o ofendido
podia acusar.
324
Para a realização das investigações o magistrado concedia ao
acusador uma lex, isto é, um mandado, que era quase uma
mandato, uma vez que por meio dela, ele, magistrado, delegava ao
acusador o poder de investigar, que lhe pertencia. Munido da lex, o
acusador procedia a buscas, fazia apreensões, ouvia testemunhas,
examinava documentos, colhia elementos materiais que pudessem
servir a prova da infração, enfim, fazia tudo quanto hoje se faz no
inquérito policial. Era o inquisitio posterior à accusatio, convém
insistir neste ponto.
325
Logo, da junção do enunciado de ambos autores, extraem-se a essência do
sistema processual acusatório: promoção de ação penal e investigação a cargo do
particular ou cidadão”. Portanto, dos elementos essenciais mencionados pelos três
autores, apresentamos como características elementares do sistema acusatório:
a) promoção de ação penal e investigação a cargo do particular ou cidadão;
b) separação entre os órgãos da acusação, defesa e julgamento, instaurando-se,
assim, um processo de partes;
c) liberdade de defesa e igualdade de posição das partes;
d) a regra do contraditório;
e) livre apresentação das provas pelas partes;
f) regra do impulso processual autônomo, ou ativação inicial pelos interessados.
No sistema acusatório caberiam ao particular, por delegação do magistrado,
as funções de coletar provas e acusar (investigar e propor a acusação em juízo). Tal
faculdade era fonte de impunidade, pois qual o particular que iria investigar e acusar,
e.g., um homem conhecido por vários homicídios, integrante de uma família
numerosa e violenta? De acordo com José Frederico Marques:
Duas formas pode então assumir o processo, conforme o princípio
que o inspire: ou a acusatória, ou a inquisitória. O princípio
324
TUCCI, Rogério Lauria. Persecução penal, prisão e liberdade. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 66.
325
TORNAGHI, Helio Bastos. Instituições do processo penal. Vol. 2, 2ª ed. São Paulo: Forense, 1977,
p. 4.
135
inquisitivo significa a investigação unilateral da verdade, enquanto o
acusatório traduz a regra de que a descoberta da verdade se opera
através do exercício de funções específicas e distintas, dos órgãos
fundamentais do processo.
326
Todavia, se esqueceu o saudoso jurista de mencionar as características do
sistema processual misto existente no Brasil desde o Código de Processo Criminal
do Império, com raízes nas Ordenações Filipinas.
Por fim, finalizamos o sistema acusatório com as palavras Hélio Tornaghi, o
qual revela os gravíssimos inconvenientes desse modelo
327
:
Impunidade de criminosos; facilitação da acusação falsa; desamparo
dos fracos, deturpação da verdade; Impossibilidade de julgamento,
em muitos casos, inexeqüibilidade da sentença, em outros.
4.3.2 Sistema Inquisitório
O sistema inquisitivo apareceu nos regimes monárquicos e se aperfeiçoou
com o Direito canônico, o qual foi adotado em quase todas as legislações europeias
dos séculos XVI, XVII e XVIII. Ele surgiu em oposição ao sistema acusatório privado
até então vigente. O sistema inquisitivo reivindica que cabe ao Estado a iniciativa da
persecução penal e não ao particular como era de outrora. O Estado traz para si o
poder de reprimir a prática dos delitos. Substitui-se, desta forma, as funções de
acusar do particular para o Estado. O Estado-juiz concentrava em suas mãos as
funções de acusar e julgar, comprometendo, assim, sua imparcialidade.
328
O sistema processual penal inquisitivo se estendeu por toda a Europa
continental do século XIII ao século XVIII, triunfando sobre o direito germânico e
sobre a organização feudal de administração da justiça. Ele correspondia à
concepção de um poder central absoluto com concentração de poderes em uma
única pessoa. O desenvolvimento deste modelo deu-se na convergência dos
interesses da Igreja Católica que lutava contra os infiéis e dos Estados nacionais,
326
MARQUES, José Frederico. Estudos de direito processual penal. ed. Campinas: Millennium,
2001, p.17.
327
TORNAGHI, Hélio Bastos. Curso de processo penal. Vol. 1, ed. São Paulo: Saraiva, 1987, pp.
11-12.
328
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 11ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pp. 45-46.
136
sob o regime de monarquia absoluta que procuravam se firmar contra o poder
feudal
329
.
Tal procedimento excepcional e subsidiário tornou-se o sistema comum em
substituição ao acusatório. No século XIII, mais precisamente, no Concílio de Latrão,
em 1215, o processo inquisitório foi adotado pela Igreja Católica na repressão das
infrações penais praticadas pelos hegeres
330
. Por obra do Papa Inocência III
331
.
Para Hélio Tornaghi, o sistema inquisitório surgiu em Roma, todavia, não
soube precisar a época exata em que ocorreu, o certo que ele surgiu como
subsidiário do acusatório e ambos coexistiram durante muitos séculos.
332
O procedimento inquisitivo aflorou devido à decadência do procedimento
acusatório, pois era insuficiente para repressão de delinquência, pois incutia no
espírito do acusador o desejo de vingança e, por igual, acentuava o ânimo de
litigiosidade entre o acusador e o acusado
333
. Tal procedimento excepcional e
subsidiário tornou-se o sistema comum em substituição ao acusatório. Nas palavras
de Rogério Lauria, in vebis:
O procedimento inquisitório, assim projetado nas justiças
eclesiásticas, teve a sua aplicação ampliada cada vez mais, e,
tornando-se a sua “regra comum”, com o tempo passou para as
justiças laicas, seculares (cf., ainda, A. Esmein, Histoire, cit., p. 89,
n. II; João Mendes Júnior, O processo, cit., v. 1, p. 226-7, n. 148 e
149). E, nada obstante, seus incontáveis e proclamados defeitos,
alastrou-se por toda a Europa, inclusive, obviamente, Portugal, como
se pode notar nas ordenações do Reino Afonsinas, Manuelinas e
Filipinas.
334
Concordamos com Rogério Lauria, quando afirmou: “o processo inquisitivo
revelou-se um instrumento tecnicamente inidôneo.”
335
Não dúvidas que o
procedimento inquisitivo, pelos relatos históricos, tornou-se uma fonte de arbítrio. A
regra do segredo, o uso da tortura e concentração de poderes na mão do juiz, onde
o réu não podia defender-se adequadamente. Portanto, fez-se necessário surgir um
329
PACHECO, Denilson Feitoza. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. ed. Niterói/RJ:
Impetus, 2008, p. 55.
330
TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal. Vol. 1, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 15.
331
TUCCI, Rogério Lauria. Persecução penal, prisão e liberdade. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 75.
332
TORNAGHI, Hélio Bastos. Curso de processo penal. Vol. 1, ed. São Paulo: Saraiva, 1987, p.
14.
333
TUCCI, Rogério Lauria. Persecução penal, prisão e liberdade. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 71.
334
Idem, ibidem, p. 75.
335
TUCCI, Rogério Lauria. Persecução penal, prisão e liberdade. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 78.
137
novo modelo procedimental que superasse tanto o procedimento acusatório quanto
o inquisitivo. Então, surgiu o sistema processual misto, o qual nasceu com o
propósito de corrigir as falhas do sistema acusatório, entre elas, a mais grave, no
nosso sentir, a investigação e promoção da ação penal pelo particular. Quanto ao
sistema inquisitivo, suas principais imperfeições são: a concentração de poderes nas
mãos do juiz; a negação da ampla defesa ao acusado.
Podemos destacar como principais características do sistema inquisitivo:
a) as três funções (acusar, defender e julgar) concentram-se nas mãos de uma
pessoa, o juiz, o qual agia ex officio, além de deter a função de investigar;
b) o processo é regido pelo sigilo, de forma secreta, não há ampla defesa, o
acusado é mero objeto do processo e não sujeito de direitos;
c) o sistema de provas é o da prova legal, sendo a confissão, a rainha das provas.
336
De acordo com José Frederico Marques, são regras capitais ou em outros
termos, características do sistema inquisitivo, in verbis
337
:
a) concentração das funções processuais no órgão judiciário, de
forma a tornar este o acusador principal e também juiz da própria
acusação; b) restrição dos direitos da defesa, com o encargo com
ao juiz de suprir a atividade do réu, conforme o princípio
CARPSOVIO, de que judex supplere debet defensiones rei ex
officio; c) supressão do contraditório; d) instrução judicial inquisitiva
com atribuição ao juiz, do dever “de reunir, por sua própria atividade,
o material do litígio”; e) impulso processual ex officio.
4.3.3 Sistema Misto
Conforme José Frederico Marques, o sistema processual misto surgiu após a
revolução francesa. Neste sistema, o processo é dividido em duas fases: a fase
instrutória e a fase de julgamento, naquele predomina o sistema inquisitivo e no
período de julgamento, o sistema acusatório.
338
O sistema misto se desenvolveu durante o século XIX, tendo por lei
fundamental o Code d’instruction criminelle francês de 1808, que se expandiu pela
Europa continental a partir das ideias da Revolução Francesa. O sistema misto
336
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 11ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 46.
337
MARQUES, José Frederico. Estudo de direito processual penal. ed. Campinas:Millennium,
2001, p. 19.
338
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Vol. 1, 1ª ed. tiragem.
Campinas-SP: Bookseller, 1998, p. 93.
138
retém duas das principais características do sistema inquisitivo: a) a persecução
penal pública; b) a averiguação da verdade histórica como meta do procedimento
penal.
339
Entretanto, encontramos no Livro V das Ordenações Filipinas dispositivos
normativos que acentua o caráter misto do processo penal naquela época. Todavia,
o processo penal era de índole predominantemente inquisitivo, pois cabia ao juiz
proceder às devassas gerais e especiais, mas existia a citação, o contraditório,
partes, arrolamento de testemunhas pelo autor e réu, promotor, agravo, apelação,
etc., o que denota que o processo penal não apresentava a principal característica
do procedimento inquisitivo, isto é, a concentração das três funções do processo nas
mãos da mesma pessoa, bem como a investigação criminal não caberia ao
particular por delegação do magistrado, pelo contrário, a investigação criminal era
responsabilidade do magistrado que procedia as devassas, conforme podemos
observar, ipisis litteris:
Titulo CXV
Devassas
340
25. Todos os Juizes de fóra tirarão nos lugares de sua jurisdição
devassa particular em cada hum anno, desde principio de Junho até
por todo o mez de Agosto, sobre quem levou gados para fóra do
Reino, ou deu ajuda, azo, ou favor para se levarem.
26. E quando vier á sua noticia, que alguma pessôa de qualquer
qualidade, e condição que seja, passou gado para forá do Reino, ou
mandou passar, ou deu para isso azo, ajuda, ou favor, tirarão logo
sobre isso devassa specialmente, e prenderão os culpados, e
procederão contra elles por parte da Justiça, ainda que não haja
339
PACHECO, Denilson Feitoza. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. ed. Niterói/RJ:
Impetus, 2008, p. 56.
340
Devassas eram inquirições (que na atualidade podemos equiparar a investigações para desvendar
delitos e/ou autoria) para informação dos delitos. Existiam as devassa gerais e as devassas
especiais. A competência para as devassas gerais era dos juízes de foro e ordinários e dos
corregedores nas suas corregedorias. A competência para as devessas especiais era dos juízes no
território onde fora cometido o delito ou de outros juízes comissionados para isso. As devessas eram
classificadas em duas espécies: 1. As gerais; 2. As especial. As gerais, subdividia-se em dois tipos
de devassas: a) para apurar delitos incerto, as quais eram realizadas, anualmente, quando os juízes
principiavam a servir os seus cargos; b) as chamadas Janeirinhas, que, em relação a alguns crimes,
se tiravam em janeira de cada ano. 2. Nas devassas especiais, partiam-se da premissa de que
existia o delito, porém incerta a autoria. As devassas gerais deviam terminar dentro de trinta dias
depois de começadas; as especiais deviam começar dentro de oito dias, exceto nos casos de
incêndio e de flagrante delito, e terminar dentro de trinta dias (MARQUES, José Frederico. Elementos
de direito processual penal. Vol. 1, ed. 2ª tiragem. Campinas-SP: Bookseller, 1998, pp. 95-96). Na
atualidade, as devassas equiparam-se aos inquéritos, pois ambos servem para apurar se o delito
existe ou se existe, desvendar quem seja seu autor. Logo, são procedimentos investigatórios.
Naquela época, não se tratando de delitos contra a católica, a apuração dava-se através do juiz
secular; hoje, de regra, a apuração do fato supostamente criminoso e sua autoria, dar-se por
intermédio da autoridade policial.
139
accusador, dando appellação, e aggravo, nos casos em que couber,
posto que a parte não appelle.
Titulo CXXIV
Da ordem do Juizo nos feitos crimes (1).
Depois que algum fôr preso, não será solto até que a parte cujo
requerimento fôr preso, ou á quem a accusação Pertencer, seja
citado na fórma de nossas Ordenações.
E recebido o libello na audiencia, haverá por brevidade a demanda
por contestada per negação por parte do réo, e mandará ao réo que
venha com sua contrariedade até segunda audiencia, no qual termo
poderá o réo allegar as excepções, se as tiver, e quizer.
2. E recebido os artigos da replica e treplica na fórma acima dito, o
Julgador assinará tempo ás partes, para darem sua prova aos ditos
artigos, guardando ácerca das dilações, que assinar, o que temos
dito no Liv. 3, tit. 54: Das dilações.
E mandará ás partes, que nomêem as testemunhas, per que
entenderem provar seus artigos, guardando nisso o que temos dito
no Liv. 3 tit. 55: Das testemunhas que hão de ser perguntadas.
O que não haverá lugar nas cazas da Suplicação e do Porto, ou no
caso, em que além da querélla houver devassa, porque o Promotor
fará libello o mais breve que podér, conforme a querélla e
devassa.
341
Esse novo modelo surgiu, parecer-nos, da evolução tanto do sistema
acusatório quanto inquisitivo, aproveitando-se os pontos positivos e desprezando-se
os negativos de ambos. No sistema acusatório, e.g., no caso de homicídio, caberia
aos familiares do falecido “investigar e acusar”, o que poderia gerar, talvez, mais
crimes, uma guerra entre famílias, mais impunidade, um ciclo de vingança privada.
Por seu turno, no sistema inquisitivo, o juiz concentrava em suas mãos todo o
poder de investigar, acusar, defender e julgar o cidadão, o qual não tinha garantias
processuais nem era sujeito de direitos, mas mero objeto do processo.
Ele denomina-se de misto, porque nele o processo se desdobra em duas
fases: a primeira é tipicamente inquisitória; a outra é acusatória.
342
Ele surgiu com fortes influências do sistema acusatório privado de Roma e do
posterior sistema inquisitivo desenvolvido a partir do Direito canônico e da formação
dos Estados nacionais sob o regime da monarquia absolutista. Na espécie, a
persecução penal continuava a cargo do Estado, porém numa fase anterior à ação
penal e levada a cabo pelo Estado-juiz. As investigações criminais eram feitas pelo
341
ALMEIDA, Candido Mendes de. Codigo philippino ou ordenações do reino de Portugal. 14ª ed. Rio
de Janeiro: Typographia do Instituto Philomathico, 1870, pp. 1270, 1288 e 1289.
342
TORNAGHI, Hélio Bastos. Curso de processo penal. Vol. 1, ed. São Paulo: Saraiva, 1987, p.
18.
140
magistrado, todavia, a acusação passava a ser feita, agora, pelo Estado-
administração: o Ministério Público.
343
Na lição de Rogério Lauria:
Alastrando-se pela Europa e, por igual, pelos países americanos de
origem latina, esse novo tipo procedimental, denominado misto, foi
também, obviamente, implantado no Brasil, em que a persecutio
criminis se desenvolve em duas fases, a saber: a) a primeira,
realizada, quase toda, inquisitorialmente por agente estatal
encarregado da investigação criminal, em regra pertencente à
polícia judiciária, para a constatação da prática delitiva ou
contravencional e da respectiva autoria; b) a segunda, denominada
de ação penal, dirigida por órgão do Poder Judiciário, e com a
presença dos órgãos técnicos da acusação e da defesa, postos em
contradição recíproca, num procedimento público e, ainda que
parcialmente, informado pela oralidade.
344
São características essenciais do sistema misto:
1) Na primeira fase da persecução penal:
a) a investigação criminal do fato tido como criminoso, com o fim de imputar a
autoria se dá, em regra, através da polícia judiciária por intermédio de procedimento
administrativo, escrito, sem contraditório, em princípio, sigiloso;
b) o suspeito, o indiciado é objeto de investigação;
c) oferecimento da peça acusatória em juízo, seja por meio do Ministério Público ou
do particular na ação penal privada ou subsidiária da pública.
2) Na segunda fase da persecução penal:
a) o recebimento da denúncia ou queixa pelo órgão jurisdicional
345
;
b) o procedimento informado pelo contraditório, através de órgãos técnicos de
acusação e defesa e forma oral em audiência;
343
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 11ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 50.
344
TUCCI, Rogério Lauria. Persecução penal, prisão e liberdade. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 79.
345
quem entenda que existe processo penal com a simples oferta da peça acusatória em juízo,
e.g., TOURINHO FILHO, Fernado da Costa, in verbis: inicia-se o proceso “com a propositura da ação
penal”. Processo penal. Vol. 4, 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 9. Entendemos de modo diverso,
pois só há processo penal quando há o recebimento da denúncia ou queixa em juízo, pois a
instauração do processo penal afeta o chamado status dignitatis das pessoas. Neste particular, deve-
se prevalecer o princípio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República
Federativa do Brasil (art. 1.°, III). O simples fato da legislação processual prevê a possibilidade de
recursal nesta hipótese não significa que há processo penal, mas sim um pedido da pretensão
punitiva. O fato de existir tramitando tal pretensão em juízo não o transforma em processo penal
propriamente dito. Caso haja recurso da acusação, entendemos que cabe ao magistrado, em
homenagem princípio constitucional do contraditório e ampla defesa, promover a ciência ao acusado
sobre o pleito penal, para, se querendo, contra-arrozoar o recurso. Após este tramite, o juiz fará a
remessa dos autos ao juízo a quo. Se julgada improcedente o pedido recursal e transitando-se em
julgado, estará sepultada a pretensão punitiva. Se julgada procedente, transitando em julgado, aí,
sim, haverá o processo penal contra o acusado.
141
c) rígida separação entre as funções de acusar, julgar e defender, as quais o
distribuídas a pessoas ou órgãos diferentes;
d) o acusado é sujeito de direitos, pois faz parte de uma relação jurídica processual.
Rogério Lauria, ao concluir seu raciocínio sobre a eleição do sistema
processual penal misto no Brasil, arremata: “Temos para nós que o adotado, em
nosso país, é o procedimento penal misto.”
346
Neste mesmo sentido, Hélio Tornaglhi:
“O Direito brasileiro. Segue um sistema que, com maior razão, se poderia
denominar de misto. A apuração do fato e da autoria é feito no inquérito policial
(somente nos crimes falimentares o inquérito é judicial). O processo judiciário
compreende a instrução e o julgamento.”
347
Hoje, a investigação dos crimes
falimentares se dá através de inquérito policial for força da Lei n° 11.101/2005, o que
reforça a eleição do sistema processual penal misto em harmonia com a Carta
Magna.
4.3.4 O Moderno Processo Penal Brasileiro
Não podemos adentrar na questão do moderno processo penal brasileiro sem
antes tecermos algumas considerações sobre as seguintes premissas distintas: O
que é procedimento? O que é processo? Tal esclarecimento faz-se necessário pela
evidência reiterada da confusão terminológica e, até conceitual entre processo e
procedimento. Na exposição de motivos do Código de Processo Penal brasileiro,
Francisco Campos utilizou a expressão, “inquérito policial como processo
preliminar.”
348
Talvez, ele utilizou essa expressão no sentido de que o inquérito seja
o instrumento através do qual se opera a função investigativa da autoridade policial
com o fim de apurar as infrações penais e sua autoria. Além do mais, também cabia
a autoridade policial ou o juiz, a função de iniciar o processo penal relativo às
contravenções. Por analogia, pudesse dizer que o inquérito policial equiparava-se ao
processo judicial, no sentido material do termo.
346
TUCCI, Rogério Lauria. Persecução penal, prisão e liberdade. o Paulo: Saraiva, 1980, pp. 79-
80.
347
TORNAGHI, Hélio Bastos. Curso de processo penal. Vol. 1, ed. São Paulo: Saraiva, 1987, p.
18.
348
MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado: referências doutrinárias,
indicações legais, resenha jurisprudencial. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994, pp. 25 e 17.
142
Atualmente, cabe ao Ministério Público promover a ação penal nos crimes de
ação penal pública, por revogação tácita do art. 531 do CPPB., por força do art. 129,
I da CF.
349
O termo “procedimento” no sentido genérico da expressão não é exclusivo da
ciência jurídica, e.g., o procedimento médico, etc. (procedimento como o modo e
a forma através dos quais os atos são feitos). Sob o ponto de vista jurídico
doutrinário e jurisprudencial existe o consenso de que procedimento legislativo,
executivo e judiciário. No sentido geral, todos de natureza administrativa. No caso
específico do processo penal, em regra, dois procedimentos, um administrativo
(inquérito policial ou termo circunstanciado de ocorrência) e outro judicial. A
confusão conceitual no que diz respeito ao procedimento policial e judicial, parece-
nos que se devido ao fato de que os autores conceituam o procedimento tão-
somente sob o ponto de vista do processo judicial.
Na contemporaneidade, no processual penal, em regra, duas fases
procedimentais bem definidas. A pré-processual e a processual. Na primeira fase,
cabe à Polícia Judiciária, em princípio, por intermédio do inquérito policial, apurar a
autoria e materialidade da infração penal. Embora, em princípio, objetive imputar a
alguém a prática de ilícito penal não é nele que se julga o mérito da causa, pois tal
decisão é concretizada nos autos do processo penal judicial mediante procedimento
próprio. Tecnicamente, o mais apropriado seria chamar o procedimento policial de
administrativo inquisitivo, o qual poderá servir de base à acusação em juízo, logo,
dois procedimentos, o policial e o judicial.
Podemos conceituar o procedimento policial como sendo o conjunto de atos
procedimentais que se sucedem, de modo sequencial ou não, com a finalidade de
apurar a responsabilidade criminal da pessoa. o procedimento judicial é o
conjunto de atos processuais que se sucedem, coordenadamente, com a finalidade
de resolver, jurisdicionalmente, o litígio.
350
No âmbito jurídico, o termo “processo” também não é exclusivo do processo
judicial, há o processo administrativo, etc. O processo, seja administrativo ou judicial,
tem um objetivo teleológico, qual seja, julgar uma demanda, e.g., no procedimento
administrativo disciplinar, a autoridade administrativa, respeitando o contraditório e
349
MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado: referências doutrinárias,
indicações legais, resenha jurisprudencial. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994, pp. 610-611.
350
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. Vol. 4, 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008,
pp. 1-2.
143
ampla defesa, vai julgar se o funcionário público cometeu ou não infração
administrativa, impondo-lhe a pena correspondente se for culpado ou será absolvido.
Na espécie criminal, tratar-se do processo tipicamente revelador da função
jurisdicional de resolução de conflitos de interesse penal. No que diz respeito ao
termo “processo”, no meio doutrinário, até hoje não consenso do que seja
realmente o processo, pois se busca desvendar a natureza jurídica do processo.
Para a doutrina francesa contratualista dos séculos XVIII e XIX, via no
processo um verdadeiro acordo de vontades entre o demandante e demandado em
aceitar a decisão do magistrado, então, a natureza jurídica do processo é uma
relação contratual entre as partes.
351
Outra parte da doutrina, tendo seu
representante maior, Arnault de Guényveau, diz que a relação processual não se
trata de contrato, mais de quase-contrato, posto que o consentimento das partes não
é inteiramente livre. Para James Goldschmidt, o processo é uma situação jurídica.
Na visão de Guasp, uma instituição. Para Couture, o processo é uma instituição
como a família, o Estado, a empresa, sendo o vocábulo instituição empregado com o
significado de organização, criação, instituto.
352
Para outros, entre eles, Oskar von Bülow, o processo tem natureza jurídica de
relação jurídica, distinta da relação jurídico-material que nela se discute. Neste
sentido, processo = relação jurídica entre autor, juiz e réu. Entre nossos cultores
processualistas penais, destaca-se Hélio Tornaghi Bastos
353
, que em 1945, publicou
a relação processual penal, adotando tal teoria para o nosso processo penal,
segundo o qual a concepção do processo penal como relação jurídica obedece a
uma razão de conveniência e responde às conclusões de uma elaboração científica.
No Brasil, tal teoria é aceita como predominante, tendo apoio de José
Frederico Marques, Moacyr Amaral dos Santos, Rogério Lauria Tucci, Ada Pellegrine
Grinover, Cândido Rangel Dinamarco entre outros.
354
Rogério Lauria define processo nos seguintes termos: “o instrumento
mediante o qual toda a atividade compreendida na ação judiciária se desenvolve
um instrumento, técnico, público, político e ético de distribuição de justiça.”
355
351
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. Vol. 4, 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008,
p. 2.
352
Idem, ibidem, pp. 3 e 5.
353
BASTOS, Hélio Tornaghi. A relação processual penal. Rio de Janeiro: A noite, 1945, p. 15.
354
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. Vol. 4, 3 ed. São Paulo: Saraiva,
2008, p. 3.
144
Tourinho Filho define processo nos seguintes termos: “processo é aquela
atividade desenvolvida pelo Juiz, como o concurso dos demais sujeitos processuais
– partes e auxiliares da justiça – visando à solução do litígio.”
356
Na metáfora jurídica, podemos dizer que o processo é o corpo e o
procedimento é o espírito da mesma realidade. Quando se vai ao fórum procura-se o
processo e não o procedimento!
No nosso sentir, o processo penal é uma criação humana, doutrinária e não
obra da natureza. O processo é um produto cultural. Logo, cabe ao homem defini-lo,
por isso não há consenso doutrinário a respeito de sua natureza jurídica.
Esclarecedor neste sentido é a opinião do mestre João Mestieri quando diz: “o
trabalho de criação jurídica é de natureza cultural.”
357
Hoje, a doutrina dominante no
Brasil é aquela que diz ser o processo uma relação jurídica triangular, sendo os seus
principais sujeitos processuais: juiz, autor e réu. Não quem está certo ou errado,
mas ponto de vista divergente sobre o mesmo objeto.
Tourinho Filho adere à teoria do processo como relação jurídica, diz o
doutrinador: “Proposta a ão e triangularizada a relação processual, os atos vão
sendo praticados até o definitivo pronunciamento jurisdicional. Isto é
progressividade.”
358
A relação processual penal tem as seguintes fases: postulatória,
instrutória (bifurcando-se em probatória e das alegações), decisória e,
eventualmente, há as fases recursal e a executória.
359
O processo penal inicia-se
com o recebimento da ação em juízo e termina, em regra, com a prestação
jurisdicional, solucionando o litígio, dizendo qual dos dois tem razão. Feitas tais
considerações, relevante é ressaltar o moderno processo penal brasileiro, o qual
adota, via de regra, o sistema misto.
Paulo Rangel divide o sistema misto em duas fases procedimentais distintas,
a saber
360
:
355
TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do direito processual penal: ação e processo penal (estudo
sistemático). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 157.
356
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. Vol. 4, 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008,
p.1.
357
MESTIERI, João. Manual de direito penal. Parte geral. Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 6.
358
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. Vol. 4, 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008,
p. 8.
359
Idem, ibidem, p. 8.
360
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 11ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 50.
145
1ª) instrução preliminar: nesta fase, inspirada no sistema inquisitivo,
o procedimento é levado a cabo pelo juiz, que procede às
investigações, colhendo as informações necessárias a fim de que
possa, posteriormente, realizar a acusação perante o tribunal
competente;
2ª) judicial: nesta fase, nasce a acusação propriamente dita, onde as
partes iniciam um debate oral e público, com a acusação feito por
um órgão distinto do que irá julgar, em regra, o Ministério Público.
Denilson Feitoza divide a persecução criminal no processo penal brasileiro
nos seguintes moldes
361
, o que nos parece mais de acordo com o texto
constitucional:
a) persecutio criminalis extra iudicio, que é a investigação criminal,
normalmente conduzida pela polícia investigativa (“polícia
judiciária”), mas que pode ser feita, dependendo do caso, por outras
autoridades, como ocorre, por exemplo, com as comissões
parlamentares de inquérito (CPIs);
b) persecutio criminis in iudicio, que é feita pelo acusador no
processo penal, que é normalmente o Ministério Público e, com
exceção, um particular.
Em relação ao sistema adotado por nossa legislação processual penal, o qual
teve como referência histórica remota efetiva, as Ordenações Filipinas, desde a
reforma processual de 1841, até hoje, vigora o sistema misto, com as devidas
alterações legislativas, o qual reparte em duas fases bem distintas a persecução
penal, a saber:
1ª) procedimento preliminar: nesta fase, inspirada no sistema
inquisitivo, a investigação criminal é levado a cabo, em princípio,
pelo delegado de polícia, que procede às investigações, colhendo as
informações necessárias a fim de que possa, posteriormente,
realizar a acusação perante o tribunal competente;
2ª) judicial: nesta fase, nasce a acusação propriamente dita, onde as
partes iniciam um debate oral e público, com a acusação feito por
um órgão distinto do que irá julgar, em regra, o Ministério Público.
O sistema processual brasileiro contemporâneo apresenta as seguintes
características:
361
PACHECO, Denilson Feitoza. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. ed. Niterói/RJ:
Impetus, 2008, pp. 47-48.
146
a) a fase preliminar de investigação, em regra, é levada a cabo por delegado de
polícia, seja da Polícia Federal ou Civil (art. 144, §1.°, I, II, III e IV, § 4.° todos da
Constituição federal c/c art. 4.° do Código de Processo Penal);
b) na fase preliminar, o procedimento é, em princípio, sigiloso, escrito e o suposto
autor é mero objeto de investigação
362
, não havendo contraditório nem ampla
defesa, pois ele é influenciado por seu caráter inquisitivo;
c) a fase judicial é inaugurada com o recebimento da peça acusação em juízo
(denúncia do Ministério blico ou queixa-crime em ão penal privada ou
subsidiária da pública), onde haverá o debate oral, público e contraditório com
igualdade plena de direitos e deveres entre acusação e a defesa;
d) o acusado, na fase processual, é sujeito de direitos, com a presunção da
inocência em seu favor, pois cabe a acusação provar a sua culpa;
e) o procedimento na fase judicial é contraditório, assegurado ao acusado à ampla
defesa, garantida a publicidade dos atos processuais, sendo eles praticados em
audiência, ressalvados as exceções legais.
Nosso sistema legal processual penal não adotou o sistema denominado de
“juízo de instrução”, pois neste, a coleta das provas é realizada por um juiz de
instrução. Aqui, a investigação criminal é, em prinpio, realizada pelo Polícia
Judiciária. Tal solução parece-nos mais acertada, tendo em vista que somos um
Estado com dimensão continental, além do mais, a função jurisdicional deve ficar
equidistante da fase preliminar, atuando somente por provocação e
excepcionalmente, ex officio. Os argumentos de Francisco Campos, parece-nos o
mais correto, mutatis mutandis, o sistema processual vigente é mais prudente, pois
evita apressados e errôneos juízos. Aquele poderia expor a justiça criminal aos
azares do detetivismo, o inquérito preparatório assegura uma justiça menos aleatória
e serena. A instrução imediata e única, provavelmente seria um desastre tanto para
credibilidade dos órgãos do Poder Judiciário quanto para as garantias do cidadão
362
A característica de ser uma investigação sigilosa vem sendo mitigada. Tal sigilo nunca valeu para
o juiz competente, onde o inquérito policial foi distribuído, bem como o membro do Ministério blico
do caso. Agora, o advogado do suspeito ou indiciado poderá ser acesso aos autos do procedimento
investigativo na forma estabelecida na Lei n° 8.906/94, art. 7.°, XIII a XV e § 1.° (Estatuto da
Advocacia). Tal lei foi reforçada com a edição da súmula vinculante 14 do STF. In verbis: É direito
do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que,
documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia
judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.
147
acusado de delitos. Além do mais, se hoje o legislador quisesse adotar tal sistema
necessário seria, emendar a Constituição Federal.
363
4.3.5 Investigação Criminal: Polícia Judiciária versus Ministério Público
Não entraremos no âmago da disputa eminentemente “política”, mas também
jurídica entre a Polícia Judiciária (Polícia Civil e Polícia Federal) e o Ministério
Público (estadual e federal) sobre a investigação criminal
364
. A questão é
relativamente recente, mas aflorou, principalmente, após a Carta Maior de 1988. Tal
Lei Fundamental conferiu um tratamento de relevo ao Ministério Público nunca visto
nas constituições anteriores, semelhante ao do Poder Judiciário.
O problema criado é complexo e polêmico, não faz parte do nosso objeto de
estudo, entretanto, afetá-lo de modo indireto, embora não atinja seu ponto central,
qual seja: a eleição constitucional do sistema processual misto. Pelo contrário,
reforça-o, pois se a natureza jurídica do inquérito civil presidido pelo membro do
parquet é administrativa (pacífico é o entendimento jurídico neste sentido), por
decorrência lógica terá a mesma natureza o procedimento ministerial que objetive
apurar ilícitos penais. Logo, seja quem for que apure a infração penal, o modelo
processual será o misto, como regra geral.
Achamos dignos de registro tecermos algumas considerações sobre a
questão, ainda que de forma resumida, sob o ponto vista sistêmico, pois estudar
com profundidade o tema não faz parte do objetivo de estudo.
A questão de fundo é a seguinte: deve-se aumentar os poderes do Ministério
Público para concorrer com a Polícia Judiciária na seara da investigação criminal.
No Brasil, até a Constituição Federal de 1988, o delegado de polícia poderia
instaurar ação penal pública, no denominado procedimento de rito sumário das
contravenções penais, conforme previsto no art. 17 da Lei de Contravenções Penais
e art. 26 e partes dos arts. 531 e 538 do CPPB. Promulgada a nova Carta Política,
tal atribuição passou a ser, privativamente, do Ministério Público nos crimes de ação
penal pública (CF, art. 129, I). No nosso entender, a Polícia Civil, seja da União, dos
363
MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado: referências doutrinárias,
indicações legais, resenha jurisprudencial. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 17.
364
inúmeras ações direta de inconstitucionalidade tramitando no Supremo Tribunal Federal sobre
o poder investigativo criminal, entre elas, vamos citar as ADIs: 3317, 3318, 3329, 3337, 3370, 3479 e
3494.
148
Estados ou Distrito Federal faz parte de um sistema maior, o sistema penal, onde
cada Instituição tem sua missão específica. O que o legislador constituinte originário
fez na Lei Fundamental, em primeiro lugar, foi constitucionalizar o sistema de
segurança pública e outros sistemas. Em segundo lugar, na seara processual penal
repartiu as competências entre os órgãos que atuam posteriormente à prática do
ilícito penal, na persecutio criminis, na fase pré-processual. Tanto a Polícia
Judiciária quanto o Ministério Público trabalham na atividade repressiva do Estado.
O grande problema atual entre as Instituições consiste em responder a
seguinte pergunta: Pode o Ministério Público, concorrentemente com a Polícia
Judiciária, investigar, diretamente e de forma ampla, condutas, em tese, definidas
como delituosas?
O membro do Ministério Público do Estado de São Paulo, Valter Foleto
Santin, na sua dissertação de mestrado, defendeu a tese de que os órgãos do
parquet podem investigar, entre outros argumentos, declarou:
O reconhecimento do monopólio investigatório da polícia fere o
princípio da igualdade (art. 5.°, caput e I, CF), tendo em vista que a
polícia é dependente do Executivo, o qual pode exercer direta
influência sobre o trabalho de investigação e impedir a apuração de
crimes de pessoas influentes social e politicamente.
365
No mesmo sentido, o seu colega de Instituição, José Reinaldo Guimarães,
defendeu o mesmo ponto de vista, alegando, entre outros argumentos, “O aumento
da criminalidade no país – especialmente a criminalidade organizada –, e a notória e
lamentável falta de recursos materiais destinados à polícia judiciária pelo Estado.”
366
Concordamos, em parte, com o mestre Foleto Santis, pois, de fato, o
executivo pode influenciar na investigação, o que acontece, em muitos casos.
Também aceitamos a sua ideia de que o poder investigativo não é
“monopólio” das instituições policiais, e.g., as investigações realizadas nas
comissões parlamentares de inquérito (CF, art. 58, § 3.°). Entretanto, data venia,
discordamos de sua posição de tenta legitimar o órgão oficial de acusação de
365
SANTIN, Valter Foleto. O ministério público na investigação criminal. ed. Bauru/SP: Edipro:
2001, p. 64.
366
CARNEIRO, JoReinaldo Guimarães. O ministério blico e suas investigações independentes:
reflexões sobre a inexistência de monopólio na busca da verdade real. São Paulo: Malheiros, 2007, p.
90.
149
promover diretamente investigação criminal ao arrepio do texto constitucional, pois
as exceções estão expressas na própria Carta Política e nenhuma delas contempla
o Ministério Público, exceto a previsão legal de investigar seus próprios membros
com fundamento no parágrafo único do art. 18 da Lei Complementar 75/1993
(Estatuto do Ministério Público da Uno) e parágrafo único do art. 41 da Lei
Ordinária n° 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público).
Quanto aos argumentos levantados por José Reinaldo, com o devido respeito,
pouco acrescenta a tese do seu colega, Foleto Santis, pois há uma grande distância
entre o discurso e a prática. Afinal, de onde vêm os recursos do Ministério Público?
Será que o ser humano, membro do Ministério Público vai resolver o
problema da criminalidade nacional, se realizar investigação criminal?
Parece-nos, salvo melhor juízo, que o discurso de combate à impunidade com
base na retórica moralizante, na realidade, camufla o real pano de fundo do
problema, isto é, aumentar o poder do Ministério Público. Por outro lado, é
importante saber se o poder geral de investigação é bom ou não para a Instituição
numa avaliação de custo/benefício. Poder de investigação traz consigo
consequências. Será que o Ministério Público deverá ariscar-se em ter seus
membros chamados torturadores, ao menos na modalidade psicológica, forjadores
de provas, violadores da ampla defesa, dos direitos humanos, etc., como acontece
com os delegados de polícia? É um problema que deve ser analisado com
profundidade, pois credibilidade se ganha e perde-se, bem como por ementa
constitucional pode-se diminuir ou ampliar os poderes do parquet. Imagine-se a
hipótese de um promotor de justiça na tentativa de demonstrar eficiência e visando
promoção pessoal, numa investigação falsificar provas. Réu condenado e preso.
Mais adiante em revisão criminal, prova-se a sua inocência. Indaga-se: como ficará
a imagem do Ministério Público perante o povo? Outro problema, quem vai fiscalizar
o promotor-investigador?
No Estado Democrático de Direito, o ponto de partida de qualquer
interpretação é a Constituição Federal. Na espécie, o texto constitucional
estabeleceu um sistema equilibrado e harmônico, onde os principais órgãos dos
Estados têm seu campo de atuação delimitado. No que tange a investigação
criminal, o texto constitucional foi bastante claro, cabendo ao órgão ministerial
requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (CF, art.
129, VIII).
150
Na leitura dos dispositivos constitucionais que tratam das funções
institucionais do Ministério Público (CF, art. 129), está explicito que não foi previsto o
poder de investigar infrações penais, diretamente, entre as suas atribuições. Extrair
interpretação em sentido contrário seria legislar sobre matéria que o constituinte
deliberadamente não o fez. Aliás, conforme a doutrina administrativista unânime,
cabe ao particular fazer tudo aquilo que a lei não proíbe. Quando tratar-se de órgãos
públicos, o entendimento é diverso. A eles não são permitidos fazer o que não está
proibido, mas, tão-somente, o que lhe é autorizado a realizar, expressamente no
conteúdo da lei permissiva.
367
Leia-se: lei no sentido formal e material.
Neste sentido também se manifestou Cezar Roberto Bitencourt, no seu artigo
publicado no IBCCRIM
368
, com apoio nos pareceres de Ada Pellegrini Grinover, José
Afonso da Silva, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Luis Guilherme Vieira, Luiz
Alberto Machado. Eis aí parte do seu pronunciamento:
Sintetizando, os próprios termos da Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público não atribuem poderes investigatórios ao aludido
órgão, na esfera criminal. Não na Constituição, repetindo, nada
que autorize o Ministério Público a presidir investigação criminal.
Em sua opinião contrária a investigação presidida pelo parquet, Rogério
Lauria Tucci ressalta: Não , portanto, como confundir, posto que são bem
definidas as instituições ministerial e policial, a finalidade e o campo de atuação de
cada uma delas, assim como as respectivas atribuições.”
369
Não foi intenção do legislador constituinte originário criar uma competência
concorrente, uma tensão entre os órgãos do Estado. Não podemos trazer para a
espera pública o princípio da competição (princípio do âmbito econômico), uma
desarmonia sistêmica, mais uma ambiente de integração e colaboração. Os
argumentos de Valter Santin e José Reinaldo podem ser até plausíveis, porém se
fossem acolhidos, criariam um sistema desarmônico com hipertrofia do MP.
Conforme registrado pelo próprio José Reinaldo Guimarães, autor digno de
consideração, o Projeto de Lei 5.047, de 2005, de autoria do Deputado Gustavo
367
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 63.
368
BITENCOURT, Cezar Roberto. Revista brasileira de ciências criminais-instituto brasileiro de
ciências criminais. In: A inconstitucionalidade dos poderes investigatórios do ministério público. São
Paulo: Revista dos Tribunais, n. 66, maio-junho, 2007, p. 247.
369
TUCCI, Rogério Lauria. Ministério público e investigação criminal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 76.
151
Fruet, o qual buscava estabelecer regras procedimentais penais acerca da
investigação direta, pelo Ministério Público, foi rejeitado, sendo relatora, a Deputada
Federal, juíza aposentada, Denise Frossart, a qual votou pelo arquivamento do
projeto de lei por vício de inconstitucionalidade, em 28 de setembro de 2005.
370
Não tem sentido criar um sistema, onde dois órgãos fazem a mesma missão,
um fazendo mais do que o outro. Se fosse assim, é melhor que um englobe o outro.
A Carta Magna delineou com exatidão as fronteiras, mas isso não quer dizer
que ambas as Instituições não possam trabalhar em cooperação, sem que isto
represente usurpação de atribuições, pois ambas trabalham para o mesmo fim na
seara penal, o jus puniendi do Estado.
Tal controvérsia não pode ser analisada tão-somente levando-se em
consideração a paixão institucional, mas o futuro e o fortalecimento de ambas as
Instituições. Deve-se procurar o consenso e não o dissenso, a união e não a
discórdia, o trabalho em conjunto e não a promoção pessoal.
Parece-nos, salvo melhor juízo, que o Ministério Público enfrenta um
processo político que busca diminuir sua influência no cenário nacional, o que não é
bom para o Estado Democrático de Direito. A Lei Fundamental originária
determinava que a quebra da inamovibilidade do membro do parquet poderia
ocorrer por motivo de interesse público, por voto de 2/3 do órgão colegiado
competente do Ministério Público. Hoje, com a Emenda Constitucional 45/2004,
exige-se, apenas, o voto da maioria absoluta. A Lei n° 11.448/2007, atribuiu a
Defensoria Pública a legitimidade para promover ação civil pública, tendo sua
constitucionalidade contestada através da Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI
3943, promovida pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público -
CONAMP. A nova lei de falência prevê uma atuação minimalista do Ministério
Público, pois, só após a sentença do processo falimentar é ele intimado.
371
No meio
jornalístico é questionado a sua atuação
372
, na Revista Época, o jornalista Ricardo
Amaral, publica o artigo, Quem Vigia os Vigilantes? Alega, entre outros argumentos:
370
CARNEIRO, JoReinaldo Guimarães. O ministério blico e suas investigações independentes:
reflexões sobre a inexistência de monopólio na busca da verdade real. São Paulo: Malheiros, 2007,
pp. 90, 91 e 92.
371
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falência e de recuperação de empresas: (lei n.
11.101, de 9-2-2005). 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 30-31.
372
AMARAL, Ricardo. Comer bem para viver melhor. In: Quem vigia os vigilantes? Rio de Janeiro:
Revista Época, n° 574, maio, 2009, p. 41.
152
Ministério Público que não tem rigor com seus gastos e erros perde
autoridade para fiscalizar os outros. (...). O balanço da Corregedoria
e dos dados da pesquisa revelam uma instituição em que a maioria
dos membros se consideram acima dos outros poderes e do
cidadão comum.
Na edição seguinte da mesma Revista, ou seja, 575, maio, 2009, p. 9. O
presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério, José Carlos
Cosenzo, indagou: “A quem interessa enfraquecer uma instituição que tem a sublime
missão de defender a sociedade e o regime democrático?”
No campo político, não pode o membro do Ministério Público achar que pode
fazer às vezes de defensor público ou delegado de polícia e não sofrer reações.
A melhor solução para o problema da interferência político-econômica na
polícia é, em parte, conceder à Polícia Civil, autonomia financeira e administrativa,
bem como estabelecer garantias funcionais para os delegados de polícia, via lei
orgânica nacional, conforme previsto no art. 22, XXI da CF. Quanto a esta questão já
se manifestou Luigi Ferrajoli em relação à Polícia Judiciária da sua pátria, todavia,
perfeitamente compatível com nosso modelo nacional:
Em particular, a polícia judiciária, destinada, à investigação dos
crimes e a execução dos provimentos jurisdicionais, deveria ser
separada rigidamente dos outros corpos de polícia e dotada, em
relação ao Executivo, das mesmas garantias de independência que
são asseguradas ao Poder Judiciário do qual deveria,
exclusivamente, depender.
373
Parece-nos que o melhor caminho é fortalecer o sistema como um todo. O
parquet deve esforça-se juntamente com a Polícia Judiciária e a Defensoria Pública
no sentido de buscar o bom funcionamento de todas as Instituições e não tentar
aumentar suas atribuições, desvirtuando o sistema em seu benefício. O Ministério
Público deve ser Ministério Público”, uma Instituição que tem a nobre missão de
defender a sociedade, o regime democrático, os direitos indisponíveis. Nunca é
demais relembrar a situação difícil de seus membros antes da Carta Política de
373
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer
Sica, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. ed. o Paulo: Revista dos
Tribunais, p. 709, 2006.
153
1988, conforme nos relatou Augusto Thompson.
374
Afinal, o que não é bom para nós
não devemos desejar para o próximo!
4.3.6 A Eleição do Sistema Processual Misto à Luz da Lei 11.101/2005, Face
à Constituição Federal
Concordamos, em parte, com José Frederico Marques quando diz que o
processo penal brasileiro tem um caráter estritamente acusatório, pois mantém
absoluta separação entre as funções básicas do processo.
375
Leia-se: acusar,
defender e julgar no processo penal, ou seja, aquele onde a acusação foi recebida
em juízo e triangulou-se a relação jurídica processual. Entendemos o “caráter
estritamente acusatório como sendo predominantemente acusatório”. Se adotarmos
a teoria da relação processual como sendo a teoria contemplada no processo penal
374
THOMPSON, Augusto (1931-2007). Quem são os Criminosos. O crime e o criminoso: entes
políticos. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, pp. 152, 153, 154 e 155. In verbis: ESCÂDALO
DA MANDIOCA. “Brasília Todo procurador é pressionado. Se não cede é removido. A denúncia é
de um dos 20 procuradores da República sediados em Brasília, que diz estarem todos revoltados
com o fato de não terem independência no acompanhamento dos inquéritos, apesar de ingressarem
na carreira por concurso público. Segundo a mesma fonte, a revolta aumentou depois do afastamento
do inquérito e posterior assassinato em Recife do procurador Pedro Jorge de Melo e Silva, o
denunciante do escândalo da mandioca, mas a queixa contra a falta de independência é antiga. O
procurador Osvaldo Degrazia, por exemplo, afirmar estar lutando 10 anos contra a censura que o
procurador sofre na redação do seu parecer”. BANCO CIDADE. Outro episódio recente também
envolve um escândalo financeiro. No início do ano passado, a Polícia Federal concluiu inquérito que
apurou crimes de sonegação fiscal e remessa ilegal de dólares para o exterior, a partir de um
escritório clandestino ligado ao Banco Cidade, que funcionava em São Paulo, sem autorização do
Banco Central. A partir do momento em que o inquérito chegou à Justiça Federal, a procuradora
Márcia Dometila de Carvalho passou a pedir providências ao Banco Central, para que entrasse nas
investigações, e à Receita Federal, para obtenção de provas dos crimes de sonegação fiscal. Desde
então, o procurador-geral da República na época, Firmino Ferreira Paz, passou a pressionar o chefe
do Ministério Público em São Paulo, Célio Benevides de Carvalho, para que afastasse a procuradora
do inquérito. Este fato foi denunciado por Célio de Carvalho, que se negou a atender ao procurador-
geral, porque Márcia Dometila garantia haver sérios indícios de criminalidade no inquérito. Firmino
Paz, hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, precisou ir a São Paulo afastar Márcia Dometila e
avocar o processo, isto é, trazê-lo para Brasília, a fim de examiná-lo pessoalmente. Em protesto,
Célio de Carvalho entregou o cargo de procurador-chefe. O procurador Firmino Paz argumentou que
a denúncia dos envolvidos no escândalo do Banco Cidade - os irmãos Joseph e Ibrahim Abadi -
desatendia aos interesses nacionais. Ele nomeou para resolver o caso o procurador Pedro Rotta, que
arquivou o inquérito definitivamente. ULISSES GUIMARÃES. Outro caso de pressão ocorreu no
Governo Geisel contra o procurador-geral Henrique Fonseca de Araújo. Contemporâneo seu na
Procuradoria informa que o Governo o pressionou a denunciar o Deputado Ulisses Guimarães por
ofensa ao regime ao apresentar-se, com outros parlamentares da Oposição, na televisão no dia 29 de
junho de 1977. Do episódio saíra cassado o Deputado Alencar Furtado e, pouco depois, Henrique
Fonseca de Araújo denunciou Ulisses Guimarães ao Supremo Tribunal Federal. O argumento era o
de que o parlamentar aproveitara um programa destinado a divulgar doutrina partidária para fazer
declarações acusando o Governo da prática de torturas. Por unanimidade, no entanto, o STF
entendeu que a denúncia não preenchia os requisitos legais.
375
MARQUES, José Frederico. Estudo de direito processual penal. ed. Campinas: Millennium,
2001, p.24.
154
brasileiro, a qual define processo como relação processual
376
. Mesmo assim, o
processo penal brasileiro o pode ser caracterizado como absolutamente
acusatório, onde o juiz, apesar de ser o presidente da instrução processual
permanece “inerte” aguardando os requerimentos das partes. No processo penal
brasileiro, ao contrário, o juiz pode tomar muitas providências ex officio, na fase pré-
processual e processual, em homenagem ao princípio da verdade real. Entre elas:
requisitar a instauração de inquérito policial; remeter papéis ao Ministério Público
com indicativos de ilícitos penais; remeter o processo para o Ministério Público aditar
a denúncia, se houver possibilidade de nova definição jurídica do fato; remessa dos
autos do inquérito ou peças de informação ao chefe do Ministério Público, quando o
membro da Instituição requer seu arquivamento ao invés de ofertar a denúncia;
decretar prisão preventiva; interceptação telefônica; condenar por classificação
diversa daquela mencionada denúncia; condenar mesmo diante do pedido de
absolvição do Ministério Público; determinar medidas protetivas de urgência em
favor da ofendida, nos termos da Lei 11.340/2006 (a conhecida Lei Maria da
Penha)
377
; pode o juiz, antes de iniciada a ação penal (fase pré-processual),
determinar a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes;
após a instauração do processo penal, pode o magistrado, antecipar a ouvida de
testemunha que necessita se ausentar, bem como por enfermidade ou velhice,
inspire receio de falecimento antes da audiência de instrução; na instrução
processual, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante;
repetir, a todo tempo, o interrogatório do réu; ouvir testemunhas; juntar aos autos
documento relativo a ponto relevante da acusação ou da defesa; na fase pré-
processual e processual, busca e apreensão de coisas ou bens necessários à prova
da infração ou à defesa do réu; busca pessoal (vide os arts. 156, caput e incs. I e II,
196, 209, 225, 234, 240 e 242 todos do CPPB)
378
, etc.
No que diz respeito ao sistema processual adotado no Brasil, divergência
doutrinária sobre o tema. Endentem alguns, impropriamente, que o processo penal
brasileiro adotou o sistema acusatório, indo mais além neste sentido, Geraldo Prado,
o qual afirma que a própria Constituição Federal de 1988, o abraçou, tendo como
376
MARQUES, José Frederico. Estudo de direito processual penal. ed. Campinas: Millennium,
2001, p. 20.
377
PACHECO, Denilson Feitoza. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. ed. Niterói/RJ:
Impetus, 2008, pp. 543-544.
378
JESUS, Damásio E. de. Código de processo penal anotado. 2ed. São Paulo: Saraiva, 2009, pp.
159, 197, 181, 189, 210, 202 e 203.
155
ponto de partida, talvez, a antiga lei de falência e concordata, entre outros
argumentos sintetiza, in verbis: “embora não o diga expressamente, a Constituição
da República o adotou.”
379
Geraldo Prado, data vania, apoiando-se principalmente no argumento de
autoridade do mestre José Frederico Marques, o qual assina a existência de uma
estrutura acusatória de nosso processo penal, salientando que o chamado sistema
misto ou francês, com instrução inquisitiva e posterior juízo contraditório e de forma
amplamente acusatória, também não pode informar nossas leis de processo.
380
Refutar-se a conclusão a qual chegou Geraldo Prado, pois não fez uma
análise das leis processuais penais brasileiras no tempo e espaço para demonstrar
sua tese, bem como não apresentou as características originais dos sistemas
penais. Conforme ministrou João Mestieri: “A lei uma vez em vigor, e não se
destinando a vigência temporária, permanece eficaz até que outra a modifique ou
revogue, é o princípio da continuidade das leis”.
381
Bem como não apresentou com
precisão as características predominantes do sistema acusatório original.
Ora, não podemos afirmar que tal sistema é esse ou aquele com base na
exceção, mas, sim, com base na regra geral do nosso sistema processual penal
pátrio. Não se pode conceber um sistema com base na legislação ou doutrina
alienígena. Além do mais, quem tem prática forense no Brasil sabe que o processo
penal, na sua maioria absoluta, surge com base no procedimento policial
investigativo.
No nosso sentir, feita uma análise sob o ponto de vista histórico da genuína
legislação processual penal brasileira, após nossa independência política, sem fazer
referência ao período da Constituição da República dos Estados Unidos do Brazil,
promulgada a 24 de fevereiro de 1891, a qual deferiu competência aos Estados-
membros, à moda norte-americana para legislar sobre matéria penal e processual
penal, podemos constatar o seguinte:
a) durante o período regencial, o Código de Processo Criminal foi instituído em 29
de novembro de 1832, o qual confiou ao juiz de paz atribuições policiais e judiciais.
Os juízes de paz eram eleitos pelo povo; os inspetores e quarteirão e escrivães,
379
PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p. 171.
380
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Vol. 1, ed. tiragem,
Campinas-SP: Bookseller, p. 73 e 71.
381
MESTIERI, João. Manual de direito penal. Parte geral. Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.
77.
156
nomeados pela câmara municipal. Como na Inglaterra foi instituído o grande e o
pequeno Júri: o primeiro decidia sobre a admissibilidade da acusação, e o segundo
sobre a procedência desta, pelo que era chamado de Júri de sentença. Cabia ao juiz
de paz, após a formação da culpa, declarar ou o procedente a queixa ou
denúncia: na primeira hipótese, remetia-se o processo ao Júri de acusação, a fim de
ser sustentada ou não a pronúncia; e, na segunda hipótese, podia o queixoso ou
denunciante recorrer ao ri de acusação contra o que fora decidido pelo juiz de
paz.
382
O nosso Código tirou do sistema inglês, o pequeno e grande Júri e do
sistema francês, o Ministério Público e a instrução secreta, escrita, procedimento ex
officio.
383
Conforme Luiz Carlos Rocha
384
: “O Código estabeleceu primeiramente
normas de organização judiciário-policial, mantendo a divisão territorial do País em
distritos, termos e comarcas”. Com o novo texto legal mencionado, revogou-se o
Livro V das Ordenações Filipinas. Aqui, institui-se com nitidez o sistema
procedimental misto, pois competia ao juiz de paz apurar e julgar, a grosso modo, os
ilícitos penais menores (contravenções e crimes). Entretanto, competia aos juízes de
direito das comarcas especiais e os juízes municipais dos termos das comarcas
gerais o julgamento dos feitos de maior gravidade.
385
b) Relevante é repetir o comentário de Luiz Carlos Rocha sobre o Código de
Processo Penal do Império de 1832:
Por esse estatuto, em cada distrito havia um juiz de paz, um
escrivão, inspetores de quarteirão e oficiais de justiça. Os juízes de
paz eram eleitos pelo povo, os inspetores e escrivães eram
nomeados pela mara Municipal. Os juízes municipais e
promotores da Corte eram nomeados pelo Governo, e nas
Províncias pelos seus Presidentes, sob proposta das câmaras
municipais em listas tríplices, trienalmente feitas. Os juízes de
direito eram nomeados pelo Imperador.
386
382
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Vol. 1, ed. tiragem.
Campinas/SP: Bookseller, 1998, pp. 100-101.
383
ALMEIDA JUNIOR, João Mendes de. O processo criminal brazileiro. Vol. 1, ed. Rio de Janeiro:
Typ. Baptista de Souza, 1920, p. 264.
384
ROCHA, Luiz Carlos. Organização policial brasileira: polícia federal, polícia rodoviária federal,
polícia ferroviária, polícias civis, polícias militares, corpos de bombeiros militares, guardas municipais.
São Paulo: Saraiva, 1991, p. 35.
385
TORNAGHI, Helio Bastos. Instituições do processo penal. Vol. 2, ed. Rio de Janeiro: Forense,
1959, pp. 112, 113.
386
ROCHA, Luiz Carlos. Organização policial brasileira: polícia federal, polícia rodoviária federal,
polícia ferroviária, polícias civis, polícias militares, corpos de bombeiros militares, guardas municipais.
São Paulo: Saraiva, 1991, p. 35.
157
c) com o fracasso do sistema adotado pelo Código de 1832, então, deu-se uma nova
reforma processual. Em 03 de dezembro 1841, editou-se a Lei n° 261, a qual
reformou o Código de Processo Criminal do Império, sendo extinta a Intendência
Geral de Polícia e criaram-se os cargos de chefe de polícia de delegados de polícia
e subdelegados, os quais passaram a exercer as atribuições policiais e judiciais dos
juízes de paz no âmbito processual penal. Sob a égide desse diploma processual
penal brasileiro, Almeida Junior declarou: “O nosso Código de Processo Criminal,
consagra o systema mixto.”
387
d) em 20 de setembro de 1871, deu-se uma nova reforma do processo, separando-
se a atividade judicante da atividade policial. Eis a íntegra do § 4.°, do art. 1.° da
Lei N. 2.033, que simbolizou a divisão
388
: “§ 4.° E’ imcompativel o cargo de Juiz
Municipal e substitutos com o de qualquer autoridade policial.” O Decreto N.
4824/1871, criou o inquérito policial até hoje existente, nos seguintes termos
389
:
Art. 10. As attribuições do Chefe, Delegados e Subdelegados de
Polícia subsistem com as seguintes reducções:
1.° (...).
2.° (...).
Art. 11. Compete-lhes, porém:
1.° (...).
2.° Proceder ao inquerito policial e a todas diligencias para o
descobrimento dos factos criminosos e suas circumstancias,
inclusive o corpo de delicto.
e) a Constituição Republicana de 1934, restaura o princípio da unidade penal e
processual penal existente no País desde a Constituição Imperial de 1824,
extinguindo o regime processual e penal pluralista da Constituição de 1891. Em
1941, nasce o atual digo de Processo Penal brasileiro, o qual mantém a
continuidade na tradição das leis anteriores, permanecendo o sistema procedimental
misto, atribuíndo a função instrutória preliminar a autoridade policial nos seguintes
termos
390
: “Art. 4.° A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no
387
ALMEIDA JUNIOR, João Mendes de. O processo criminal brazileiro. 3ª ed. Rio de Janeiro: Typ.
Baptista de Souza, 1920, p. 254.
388
Collecção das leis do Imperio do Brasil de 1871. Lei N. 2033, de 20 de setembro de 1871
. ed.
Tomo XXXI. Parte I. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1871, p. 126.
389
Collecção das leis do Imperio do Brasil de 1871.
Decreto N. 4824, de 22 de novembro de 1871. 1ª
ed. Tomo XXXIV. Parte II. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1871, pp. 657-658.
390
JESUS, Damásio E. de. Código de processo penal anotado. 23ª ed. São Paulo: Sariava, 2009, p.
4.
158
território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações
penais e de sua autoria.”
f) vejamos a junção do texto da Lei Fundamental com a LREF., no que diz respeito a
apuração dos crimes falimentares. A lei infraconstitucional que exterminou o
inquérito judicial. Portanto, seguem-se os seguintes dispositivos, in verbis:
Art. 144. (...)
§ Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira,
incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de
polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as
militares.
Art. 187. Intimado da sentença que decreta a falência ou concede a
recuperação judicial, o Ministério Público, verificando a ocorrência
de qualquer crime previsto nesta Lei, promoverá imediatamente a
competente ão penal ou, se entender necessário, requisitará a
abertura de inquérito policial.
A simples leitura dos dois dispositivos normativos deixa claro a intenção do
constituinte e do legislador ordinário de adotar o sistema processual misto.
A lei de recuperação e falência está em conformidade com o nosso sistema
constitucional, o qual engloba o Direito Penal e o Direito Processual Penal; aquele
estabeleceu tipos penais e a correspondente pena, em linhas gerais; este regula o
funcionamento e atuação dos executores das instituições do sistema penal, cujo fim
consiste na solução legítima dos conflitos de interesses travados no ambiente penal.
h) por derradeiro, as recentes alterações legislativas promovidas através da Lei
8.862/1994; da Lei 11.690/2008, reformaram quase por completo o sistema de
provas do processo penal brasileiro; da Lei 11.689/2008 (sobre o Júri); da Lei
11.719/2008 (sobre procedimentos penais), acentuaram, ainda mais, o seu caráter
misto, com vimos anteriormente. Tal constatação decorre do fato que o processo
penal adota como princípio dos princípios, “o princípio da verdade real”, o qual não
objetiva prejudicar ou favorecer o suspeito, indiciado ou réu, tão-somente busca a
descoberta da verdade do fato. Tal princípio orienta toda atividade dos órgãos
estatais que atuam na fase pré-processual e processual do processo penal. Dele
deriva, o princípio do processo penal misto, o qual consiste no poder-dever dos
órgãos estatais de buscar a verdade do fato, ausente o contraditório no
procedimento pré-processual e presente ele, no procedimento processual.
159
A persecução penal rege-se, enquanto atividade estatal juridicamente
vinculada por padrões normativos que são consagrados na Constituição e nas leis,
traduzem limitações significativas ao poder punitivo do Estado. Fora dos marcos da
Constituição e das leis não pode o Estado impor sanção penal aos supostos autores
das infrações penais. Tratar-se de assegurar o exercício legítimo do poder punitivo
dentro dos princípios éticos adotados de forma expressa ou implícita na Carta
Magna. Podemos representar essa complexa relação sistêmica da seguinte forma: o
ciclo de maior diâmetro envolve o menor, assim sucessivamente, de modo que o
círculo constitucional envolve todos os outros, os quais devem ser compatíveis com
ele.
Diante do exposto, podemos observar que os sistemas processuais
estudados são frutos de uma “opção política” em cada época histórica. No Brasil,
com a reforma do Código de Processo Penal do Império de 1832, pela Lei n°
261/1841, a apuração preliminar delitiva caberia a Polícia Judiciária, depois do
Decreto-lei 7.661/1945, tal atribuição passou a ser responsabilidade do juiz da
falência e concordata. Com o advento da Lei n° 11.101/2005, a investigação criminal
retornou à Polícia Judiciária. Não podemos afirmar que o sistema processual penal
brasileiro é acusatório com fundamento em dispositivos legais excepcionais.
Enxergar de maneira diversa é negar o óbvio em face da própria evolução da
legislação brasileira no tempo e no espaço. Por isso, entendemos como Hélio
Tornaghi, que o sistema processual brasileiro é misto (modelo político-jurídico de
resolução dos conflitos de interesses na esfera penal), isto porque a apuração do
fato e da autoria é feita, em regra, no inquérito policial. O processo judiciário
compreende a instrução e julgamento.
391
Também Rogério Lauria Tucci esposa tal
tese, fundamentando-se na inquisitoriedade peculiar dos atos preliminares de
apuração das infrações penais
392
. Logo, sem qualquer paixão ideológica, necessário
é reconhecer que o processo penal brasileiro é predominantemente inquisitivo, na
fase pré-processual e acusatória com resquício inquisitivo na fase processual.
Portanto, configura-se um processo penal misto.
391
TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal. Vol. 1, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 18.
392
TUCCI, Rogério Lauria. Persecução penal, prisão e liberdade. o Paulo: Saraiva, 1980, pp. 79-
80.
160
4.4 Distinção entre Competência Jurisdicional da Recuperação e da Falência
com a Jurisdição Criminal
Como sabemos, a jurisdição é una. Contudo, a Constituição Federal distribuiu
a competência jurisdicional entre vários tribunais e juízes. No caso específico,
compete à jurisdição estadual comum processar e julgar as questões cíveis e penais
em ralação à matéria falimentar, pois tal competência é residual, incluído aí a
competência do juizado especial criminal.
393
A Lei 11.101/2005, diferencia a competência do juízo da recuperação e
falência do juízo criminal, nos seguintes termos:
Art. 3°. É competente para homologar o plano de recuperação
extrajudicial, deferir a recuperação judicial ou decretar a falência o
juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou filial da
empresa que tenha sede fora do Brasil.
Art. 183. Compete ao juiz criminal da jurisdição onde tenha sido
decretada a falência, concedida a recuperação judicial ou
homologado o plano de recuperação extrajudicial, conhecer da ação
penal pelos crimes previstos nesta Lei.
394
Conforme podemos constatar, de acordo com os dispositivos acima, o
legislador infraconstitucional quis fixar 02 (duas) instâncias judiciais distintas para a
solução dos conflitos derivados do processo de recuperação ou de falência do
empresário devedor. A jurisdição falimentar e da recuperação, de natureza cívil e a
jurisdição criminal.
A questão da fixação da competência do juízo cível da recuperação e falência
é sempre um tema tormentoso, pois o critério “principal estabelecimento” é preciso
quando a empresa tem um único estabelecimento. Neste caso, será competente o
juiz da comarca na qual o empresário tem o seu estabelecimento. Entretanto,
dificuldades quando a empresa tem vários estabelecimentos e, em cada um deles,
exercer grande número de atividades ou concentra administradores, em cada um
393
PACHECO, Denilson Feitoza. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. ed. Niterói/RJ:
Impetus, 2008, p. 300.
394
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, pp. 555 e 580.
161
deles com poder amplo de decisão. In casu, se houver contestação quanto ao juízo
competente, somente a decisão judicial fixará o juízo competente.
395
Sérgio Campinho ao ministrar sobre a natureza da competência do juízo da
recuperação e da falência, nos traz à colação de que neste juízo os interesses
envolvidos não são meramente privados, mas suas regras se dirigem ao interesse
público. Portanto, a competência traduzida no artigo 3.° da LREF., é absoluta, neste
sentido se manifestaram o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de
Justiça, respectivamente, RE 98.928-RJ, Turma, decisão unânime, Rel. Min.
Fafael Mayer. CC n° 37.736, 2ª Seção, Rel. Nancy Andrighi.
396
Quanto à questão da competência do juízo criminal também é controvertido
na doutrina e jurisprudência. Para bio Ulhoa, o art. 183 da LREF., é
inconstitucional, pois cabe à lei estadual de organização judiciária definir a
competência para a ação penal por crimes falimentares, organizar os serviços
judiciários e não compete a União fixá-la.
397
Nesta mesma direção de
inconstitucionalidade do dispositivo legal manifestou-se Tourinho Filho, pois segundo
o doutrinador, o dispositivo legal mencionado está usurpando uma função que é da
Lei de Organização Judiciária dos Estados e do Distrito Federal. No Estado de o
Paulo através da Lei estadual 3.947/1993, atribui-se aos juízes das Varas de
Falência da Capital competência para processar e julgar os crimes falimentares.
Sendo alegado a inconstitucionalidade da lei, o STF., decidiu que o diploma
paulista era constitucional. Pela Resolução 200/2005, o Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo remanejou as 48.ª, 49.ª e 50.ª Varas Cíveis do Foro Central da
Capital para 1.ª, 2.ª e 3 Varas de Falência e Recuperações Judiciais, com
competência, inclusive, para as ações penais, respectivas.
398
Entretanto, conforme a
nova legislação, provavelmente, a questão deverá ser novamente discutida no
Supremo Tribunal Federal, só o tempo dirá o resultado.
4.4.1 Aspectos Fundamentais do Juízo da Recuperação e Falência sobre o
Juízo Criminal
395
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência comentada: Lei
11.101/2005: comentário artigo por artigo. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 55-56.
396
CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: O novo regime da insolvência
empresarial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 38.
397
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei
n. 11.101, de 9-2-2005). 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 410.
398
TOURINHO, FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. Vol. 4, 30ª ed. São Paulo: Saraiva,
2008, pp. 172, 173, 174.
162
4.4.2 Preliminar
A priori, não é nosso objeto de estudo, o processo e o procedimento da
recuperação e da falência, seus institutos, características, suas peças processuais
fundamentais, tais como a petição inicial e outros documentos essenciais que a
instruem, deferimento ou não do processamento da recuperação judicial, concessão
ou não da recuperação judicial, plano de recuperação, convolação da recuperação
judicial em falência, homologação da recuperação extrajudicial, arrecadação e
alienação de bens, recursos, etc. Somente trabalharemos com os institutos que nos
parece que dão origem ao fenômeno da jurisdição criminal, os quais são: a sentença
que decreta a falência; a sentença que concede a recuperação judicial; a sentença
que concede a recuperação extrajudicial, a seguir, examinadas.
4.4.3 Prisão Preventiva na Esfera Cível
Prevê o art. 99, VII, da LREF., que ao prolatar a sentença declaratória de
falência do devedor, o juiz, dentre outras determinações poderá ordenar a prisão
preventiva do falido ou de seus administradores quando requerida com fundamento
em provas da prática de crime definido nesta lei. Interessante observar que o
decreto prisional em apreço terá como o primeiro pressuposto, o prévio
requerimento, o que faz presumir que tem legitimidade para tal solicitação tanto a
parte lesada quanto o Ministério Público. Já foi visto que uma das funções do
administrador judicial consiste em apresentar, no prazo de 40 (quarenta) dias,
contado da assinatura do termo de compromisso, prorrogável por igual período,
relatório sobre as causas e circunstâncias que conduziram à situação de falência, no
qual apontará a responsabilidade civil e penal dos envolvidos, observado o disposto
no art. 186 desta Lei (LREF, art. 22, caput, III, e). No mesmo art. 186, § 4.º, vem a
determinação de que se for apontada responsabilidade penal de qualquer dos
envolvidos, o Ministério Público será intimado para tomar conhecimento de seu teor.
Levando-se em consideração que o administrador judicial é órgão auxiliar do
órgão jurisdicional, nos parece que também a ele é deferida a legitimidade para
postular a prisão do falido ou dos seus administradores. Obviamente, além do
pedido prévio, o decreto prisional deverá estar lastreado com base nos mesmos
163
pressupostos do art. 312 do CPPB. Por óbvio, também caberá a prisão preventiva
no juízo criminal.
4.4.4 Notitia Criminis do Juízo da Recuperação e da Falência
A LREF, em seu art. 187, § 2.º diz: “Em qualquer fase processual, surgindo
indícios da prática dos crimes previstos nesta Lei, o juiz da falência ou da
recuperação judicial ou da recuperação extrajudicial cientificará o Ministério Público.”
Ora, o magistrado é o dominus processus e dentre seus poderes anômalos
estão o de requisitar inquérito policial ou levar diretamente ao Ministério blico a
notitia criminis. O conteúdo do dispositivo legal deve ser interpretado como sendo
um indicativo, pois os delitos falimentares são apurados por meio de ação pública
incondicionada, podendo, o magistrado, se achar conveniente, optar por requisitar
diretamente a abertura do inquérito policial.
399
4.4.5 Pressupostos Objetivos de Punibilidade: Sentença Concessiva de
Recuperação Judicial ou Extrajudicial ou Decreta a Falência
Na lei anterior, tanto a investigação quanto a ação penal nos delitos
falimentares, dependia, como pressuposto indissociável, o decreto de falência. Sem
ele, os órgãos do sistema penal não poderiam atuar. Logo, existia apenas um
pressuposto autorizativo. Hoje, são três decisões que constituem condição objetiva
de punibilidade. Referindo-se ao diploma legal anterior (Decreto-lei 7.661/1945),
Bezerra Filho declara: “No sistema da lei anterior, apenas existiria o crime falimentar
depois que houvesse o decreto de falência. (...). Na lei anterior durante o
processamento da concordata preventiva, não havia crime falimentar.”
400
Após o
advento da lei nova, não dúvida de que o legislador ampliou a possibilidade da
responsabilização na seara empresarial. Não obstante a discussão doutrinária a
respeito da natureza jurídica da sentença, os órgãos formais que atuam no controle
da criminalidade empresarial no âmbito da recuperação e da falência tão-somente
necessitam do respaldo da decisão do juízo cível para atuarem de forma legítima,
399
JESUS, Damásio E. de. Código de processo penal anotado. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.
8.
400
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência comentada: lei
11.101/2005: comentário artigo por artigo. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 396.
164
pois os crimes falimentares são de ão pública incondicionada. No nosso
entendimento, rompido o obstáculo legal com a sentença cível abri-se a
oportunidade para que os órgãos estatais busquem o jus persequendi e o jus
puniendi.
4.4.6 A Natureza Jurídica da Sentença Concessiva de Recuperação Judicial
ou Extrajudicial ou Decreta a Falência
A resposta a essa indagação, constitui-se, talvez, o ponto de maior
divergência doutrinária sobre a questão falimentar. Seria tal decisão: a) condição
objetiva de procedibilidade; b) elemento constitutivo do tipo falimentar; c) mista; d)
condição objetiva de punibilidade.
Para Tourinho Filho, “a sentença declaratória da falência é mera condição de
procedibilidade”, de natureza em tudo semelhante à representação ou à requisição,
pois o art. 507 do Código de Processo Penal preceitua que “a ação penal não
poderá ser iniciada antes de declarada a falência (...)”.
401
Heleno Fragoso (1926-1985), abraça a segunda tese, analisando a questão
sob o império da lei anterior, pois para ele, a sentença falimentar, “é elemento
constitutivo do fato punível.”
402
Em outras palavras, o decreto falimentar é integrante
do tipo, ou seja, é elemento constitutivo do crime. Neste mesmo sentido, declara
José Frederico Marques: “Parece-nos, porém, que a sentença falimentar compõe o
tipo como um dos elementos constitutivos da descrição legal.”
403
Há, ainda, o posicionamento de César Roberto Bittencourt. Ele defende como
sendo “mista” a natureza jurídica da(s) sentença(s) existente no processo falimentar.
Isso, por entender que se trata, também, de condição objetiva de procedibilidade, ou
seja, para o jurista, não que se falar em processo, ou mesmo, em punição sem
que, antes, haja a decretação de qualquer das sentenças
404
. Neste mesmo diapasão,
para Rubens Requião, ainda sob o prisma da lei anterior, “a sentença declaratória da
401
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. Vol. 4, 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 1990,
p. 105.
402
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1980, p. 223.
403
MARQUE, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Vol. III, ed. Rio-São Paulo:
Forense, 1962, p. 333.
404
http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=952. Acesso em: 20maio.2009, às 10:00h.
165
falência constitui inexoravelmente uma condição de processabilidade do delito
falimentar e uma condição objetiva caracterizadora desse delito.”
405
Entendemos ser a melhor tese que expressa a natureza jurídica da sentença
nos delitos falimentares, aquela defendida pelo doutrinador João Mestieri, muito
antes do legislador consagrá-la como condição objetiva de punibilidade, nos
ensinava:
Na lei falimentar, e.g., podemos dizer que os delitos falimentares
ocorridos antes da sentença declaratória da falência têm nela uma
condição de punibilidade (...). Neste caso, ela será pressuposto
necessário da punibilidade.
406
Neste sentido, O Direito Penal em determinados tipos penais prevê certas
condições que são fatos futuros e incertos dos quais faz depender a punibilidade do
delito. Assim, as condições de punibilidade não são elementos constitutivos do
delito, mas pressupõe a existência de tipo penal anteriormente consumado. Sua
missão é de apenas a de possibilitar a aplicação da pena, tornar o fato punível.
Neste mesmo diapasão defendeu Álvaro Mayrink: os pressupostos materiais
da punibilidade se encontram fora do tipo.”
407
Nesta mesma direção, manifestou-se Mirabete, mutatis mutandis, no caso
específico do delito falimentar, o fenômeno de exclusão da punibilidade é decorrente
de motivos de política criminal, sendo exemplo de condição objetiva de punibilidade,
a sentença que decreta a falência ou concede a recuperação judicial ou a
extrajudicial.
408
Assim, se partirmos do pressuposto de que o crime é a ação humana típica,
ilícita e culpável. Logo, o crime de natureza falimentar pode até estar configurado,
mas não poderá existir apuração ou ação penal, salvo se a condição legal for
satisfeita, caso contrário, haverá constrangimento ilegal passível de ser sanado, via
habeas corpus. Exceto, se apuração ou ação penal fundamentar-se em outros tipos
penais o falimentares. Portanto, nada poderá fazer a Polícia Civil ou o Ministério
Público, se não ocorrer à condição. Nesta orientação é relevante a lição concedida
405
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. Vol. 2, 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 161.
406
MESTIERI, João. Manual de direito geral. Parte geral. Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.
316.
407
COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito penal. Vol. 2, 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 1229.
408
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2006, pp. 399-400.
166
por Nilo Batista, no sentido de ser obrigatória a presença da sentença, como
requisito legitimador da ação dos órgãos estatais responsáveis pela persecução
penal: “será abusiva qualquer procedimento criminal, seja inquérito policial ou a
própria ação penal, cujo trancamento por habeas corpus será irrecusável (art. 648,
inc. I CPPB).”
409
Concluímos com as palavras do mestre João Mestieri: “A
punibilidade não é elemento constitutivo do crime, mas a conseqüência de se
reconhecer presentes os seus elementos constitutivos.”
410
Nos ensinamentos de
Damásio de Jesus:
se a condição objetiva de punibilidade se acha fora do crime, é
evidente que não depende do dolo do agente, pois este faz parte do
tipo. (...). Assim, se a punibilidade não é requisito do crime, a
circunstância que a condiciona não pode encontrar-se no crime, mas
fora dele. Além disso, essa circunstância não depende da vontade
do sujeito.
411
4.4.7 Segurança Jurídica versus Pretensão Punitiva nas Três Modalidades de
Sentença Falimentar
A questão é relevante, pois afeta os princípios da dignidade da pessoa
humana e o da segurança jurídica. Como sustentamos, o crime de natureza
falimentar pode ocorrer antes ou após a sentença de natureza falimentar. Todavia,
faz-se necessário saber se as decisões de grau de jurisdição sem trânsito em
julgado são suficientes para caracterizar a condição objetiva de punibilidade”. Em
princípio, as sentenças sob comento, combatem-se por intermédio de recursos cujo
efeito é meramente devolutivo (LREF art. 59, § 2.º; art. 100 e art. 164, § 7.º), dessa
feita, produzem seus efeitos independentemente de qualquer eventual recurso que
possam obstá-los. Parece-nos que o legislador quis dar celeridade na apuração e
punição nestes tipos de delitos, independentes da possibilidade recursal. Neste
sentido, consideramos que se o recurso interposto não for recebido com efeito
suspensivo, estar-se-á configurada a condição objetiva de punibilidade, mesmo se
considerado o seu eventual provimento. Entretanto, se o relator, no tribunal, atribuir
409
BATISTA, Nilo. Lições de direito penal falimentar. Rio de Janeiro: Revan, 2006, pp. 53-54.
410
MESTIERI, João. Manual de direito penal. Parte geral. Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.
315.
411
JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte geral. Vol. 1. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p.
678.
167
"efeito suspensivo ao agravo de instrumento” (art. 527, III do CPCB)
412
, de forma a
impedir que a sentença surta seus efeitos, não se operará a condição objetiva de
punibilidade. Nesta hipótese, os órgãos do sistema penal ficam impedidos de
proceder à apuração e punição do suposto infrator. Por outro lado, se o falido não
conseguir o efeito suspensivo ficará sujeito a responder penalmente. Todavia,
entendemos como Juarez Tavares, quando afirmou, sob o império da lei falimentar
anterior em relação ao decreto falimentar, mas ampliamos seu raciocínio e incluímos
nele a sentença concessiva de recuperação judicial ou extrajudicial, in verbis:
a declaração de falência continua sendo uma condição objetiva de
punibilidade também dos crimes pós-falimentares, de tal sorte que
se essa sentença, por algum motivo for reformada ou anulada,
embora os fatos se tenham consumado, restarão impuníveis.
413
412
MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado artigo por
artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 540.
413
TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. 1ª ed. B. Horizonte: Del Rey, 2000, p. 204.
168
CONCLUSÃO
O presente estudo objetivou desenvolver a ideia de um sistema penal
falimentar harmônico, onde todos os órgão do sistema têm sua missão principal e
importância conforme os ditames constitucionais e infraconstitucionais.
A racionalidade central proposta encontra-se, principalmente nos Capítulos III
e IV, onde toda essa discussão subjacente situa-se. A premissa maior da questão
está no fato de que a própria Constituição Federal prevê de forma clara as funções
específicas de cada órgão no sistema.
No Capítulo I foi analisado de forma sumária, a história do contexto sócio-
político-econômico do processo penal falimentar no Brasil, bem como a evolução
histórica legislativa do sistema processual penal nacional, o qual desde outrora
predomina o sistema processual misto.
No Capítulo II foram apresentado os principais institutos do Direito Falimentar
indispensáveis a ciência do processo penal falimentar.
No Capítulo III demonstramos as reais funções de cada órgão no sistema
penal falimentar.
No Capítulo IV se desenvolveu a ideia central do tema, um sistema em
consonância com o ordenamento jurídico nacional, o sistema misto.
À luz do exposto, acreditamos que conforme a sistemática processual penal
falimentar adotada através da Lei 11.101/2005, a persecução penal nos delitos
falimentares no Brasil efetua-se, via de regra, por intermédio do sistema processual
misto, onde a apuração preliminar da responsabilidade criminal dar-se-á na fase pré-
processual, sendo o órgão estatal constitucionalmente responsável pela
investigação falimentar, à Polícia Civil.
No prinpio, nas Ordenações Filipinas, cabia ao juiz criminal efetuar a
investigação criminal e julgamento dos feitos. Com a instituição do Código de
Processo Criminal de Império 1832 a responsabilidade de investigação criminal e o
julgamento de pequenos ilícitos penais passaram a ser atribuições do juiz de paz,
com a reforma processual de 3 de dezembro de 1841, tais atribuições judiciais e
policiais do juiz de paz foram transferidas ao chefe de polícia, os delegados de
polícia e subdelegados de polícia, na forma da lei. Tal reforma não foi fruto do acaso
ou imposição tirânica do parlamento e do governo da época, mas uma necessidade
169
social. Lembra-nos Almeida Junior, mutatis mutandis, os exageros das ideias liberais
ameaçaram a ordem pública, a lei de 3 de dezembro é a lei de maior importância
histórica e política da nossa legislação processual, pois naquela época reinava a
anarquia.
414
Mais adiante relatou o mencionado jurista
415
:
“Tão certo é isso que o partido liberal, subindo ao poder, não
não revogou a Lei de 3 de Dezembro, como ainda uma
comissão tirada do seio desse partido, e na qual figurou o
proprio Theophilo Ottoni, o mais apaixonado adversario da Lei,
disse que a experiencia não aconselhava a sua reforma, o que
nos autoriza a concluir que os nossos adversarios não eram
sinceros (...) contra sua execução.”
Hoje, a insuficiência do Estado na gestão pública da segurança, a partir das
carências de recursos materiais, operacionais e tecnológicos não deve servir de
pretexto para violar-se o sistema penal pré-constituído através do modelo
constitucional concebido para apuração da infração penal na esfera pré-processual,
cabe à sociedade prover essas necessidades em benefício de sua própria defesa e
preservação.
A unidade de ordenamento jurídico, como pressuposto sistêmico, objetiva que
os órgãos do sistema penal brasileiro tenham suas funções típicas, as quais devem
ser respeitadas em decorrência da coerência lógica do sistema constitucional sob
pena de existir uma desarmonia sistêmica, um conflito de atribuições, uma batalha
política por espaço de poder. Infelizmente, tal realidade encontra-se presente no
cenário nacional.
Os sistemas processuais penais o obras da cultura humana. Logo, são
discutidos e discutíveis sob todos os aspectos. Por outro lado, deve-se preservar a
real integridade histórica deles através da demonstração fiel das suas características
originais, caso contrário, haverá danos irreparáveis a cultura jurídica em prol de
visão deturpada para fundamentar tal ou qual ponto de vista.
Deve-se buscar o fortalecimento das instituições que labutam no sistema
penal em benefício da paz social, na soma dos seus esforços em buscar a
diminuição da violência e criminalidade existente na sociedade brasileira. Em
414
ALMEIDA JUNIOR, João Mendes de. O código criminal brazileiro. Vol. 1, ed. Rio de Janeiro:
Typ. Baptista de Souza, 1920, p. 215.
415
Idem, ibidem, p. 228.
170
particular, em amenizar as incertezas presentes no ambiente empresarial, sob a
forma de fraudes ao sistema econômico através dos delitos falimentares. Nesta
espécie de criminalidade econômica impossível existir a prevenção tradicional dos
órgãos de segurança pública. A única prevenção possível dar-se-á somente no
âmbito das próprias organizações empresariais e governamentais por meio de
bancos de dados, etc. Portanto, a punição penal é único meio de prevenção especial
e geral nesta modalidade delitiva, o que o significa dizer ser a pena de prisão a
única alternativa.
No sistema processual penal falimentar brasileira em relação aos órgãos do
sistema penal não há uma instituição superior ou melhor do que a outra, cada
instituição tem a sua importância devido à sua missão específica. Todavia, há ordem
e subordinação quanto ao conteúdo decidido no âmbito jurisdicional, caso contrário,
haveria desordem social, o próprio extermínio do sistema. Se algum órgão não
estiver funcionado adequadamente deve-se corrigir o problema e não criar um
ambiente de competição. Se houver uma infecção a alguma célula isso não significa
que o órgão todo está contaminado. de forma excepcional, pode-se admitir que
um órgão exerça atribuição do outro.
Por via reflexa, não podemos aceitar a concepção equivocada a qual afirma
ser o sistema processual penal brasileiro acusatório, pois tal “tese” vai de encontro
ao nosso ordenamento jurídico atual, desde a atual Constituição Federal até as
normas infraconstitucionais. Além do mais, o desenvolvimento histórico da nossa
legislação jurídico-processual penal demonstra o oposto.
A guisa de ilustração, a extinção do inquérito judicial para apurar os delitos
conhecidos como falimentares (Lei 11.101/2005); as recentes reformas do
processo penal pátrio promovidas através da Lei 8.862/1994; da Lei
11.690/2008, reformaram quase por completo o sistema de provas do processo
penal brasileiro; a Lei 11.689/2008 (sobre o Júri); a Lei 11.719/2008 (sobre
procedimentos penais), acentuaram, ainda mais, o seu caráter misto, pois
providências ex officio é uma característica do processo inquisitivo e não acusatório.
Por fim, quem tem prática forense sabe que à maioria absoluta dos processos
penais que tramitam no Poder Judiciário brasileiro têm como base de
fundamentação a investigação criminal realizada por intermédio da Polícia Judiciária,
pensar de modo contrário é negar o óbvio.
171
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