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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
(UFPI)
Núcleo de Referência em Ciências Ambientais do Trópico Ecotonal do Nordeste
(TROPEN)
Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente
(PRODEMA)
Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente
(MDMA)
ÁGUA PARA TODOS:
UM DESAFIO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
FELIPE MENDES DE OLIVEIRA
TERESINA
2006
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
Núcleo de Referência em Ciências Ambientais do Trópico Ecotonal do Nordeste (TROPEN)
Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA)
Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente (MDMA)
FELIPE MENDES DE OLIVEIRA
ÁGUA PARA TODOS:
UM DESAFIO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Dissertação apresentada ao Programa Regional de
Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio
Ambiente da Universidade Federal do Piauí
(PRODEMA/UFPI/TROPEN) como requisito
para obtenção do título de Mestre em
Desenvolvimento e Meio Ambiente. Área de
Concentração: Desenvolvimento do Trópico
Ecotonal do Nordeste. Linha de Pesquisa: Política
de Desenvolvimento e Meio Ambiente.
Orientadora: Profa. Dra. Maria do Socorro Lira
Monteiro
TERESINA
2006
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA
COMUNITÁRIA JORN. CARLOS CASTELO BRANCO - UFPI
O48a Oliveira, Felipe Mendes de.
Água para todos: um desafio para o desenvolvimento
Sustentável / Felipe Mendes de Oliveira. - Teresina, 2006.
99f.
Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio
Ambiente) – Universidade Federal do Piauí.
1. Água - Abastecimento. 2. Desenvolvimento
sustentável - Brasil. 3. Água – Abastecimento – Piauí. I.
Título.
CDD – 628.1
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FELIPE MENDES DE OLIVEIRA
ÁGUA PARA TODOS:
UM DESAFIO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Dissertação aprovada no Programa Regional de
Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio
Ambiente da Universidade Federal do Piauí
(PRODEMA/UFPI/TROPEN) como requisito
para obtenção do título de Mestre em
Desenvolvimento e Meio Ambiente. Área de
Concentração: Desenvolvimento do Trópico
Ecotonal do Nordeste. Linha de Pesquisa: Política
de Desenvolvimento e Meio Ambiente.
Teresina, 22 de março de 2006.
______________________________________________________________
Profa. Dra. Maria do Socorro Lira Monteiro
Universidade Federal do Piauí (PRODEMA/UFPI)
______________________________________________________________
Profa. Dra. Marisete Dantas de Aquino
Universidade Federal do Ceará (UFC)
_______________________________________________________________
Profa. Dra. Jaíra Maria Gomes Alcobaça
Universidade Federal do Piauí (PRODEMA/UFPI)
3
AGRADECIMENTOS
São muitas as pessoas a quem devo a realização deste trabalho, que começou a ser
idealizado a partir de conversas com o amigo e colega Prof. Dr. Francisco de Assis Veloso
Filho, de quem recebi incentivo para candidatar-me a uma vaga no Curso de Mestrado em
Desenvolvimento e Meio Ambiente, inclusive aceitando a condição, que lhe propus, de ser
meu orientador. Suas observações sobre o que viria a ser o projeto foram valiosas, mas,
posteriormente, outros afazeres acabaram por obrigá-lo a pedir sua substituição pela então co-
orientadora, a também amiga e colega Profa. Dra. Maria do Socorro Lira Monteiro, que
gentilmente aceitou o encargo.
Os demais professores e professoras do Curso – Antônia Jesuíta de Lima, Antônio
Alberto Jorge Farias de Castro, Gérson Albuquerque de Araújo Neto, Jaíra Maria Alcobaça
Gomes, João Batista Lopes, Luís Evaldo de Moura Pádua, Maria Dione Carvalho de Moraes e
Washington Bonfim – contribuíram em suas respectivas disciplinas com o estímulo e a
formação que souberam transmitir aos mestrandos e a mim, especialmente. O convívio no
TROPEN/PRODEMA, dentro e fora da sala de aula, com os servidores e alunos das demais
turmas, ajudou também no processo de aprendizagem, e a todos eu agradeço na pessoa da
dedicada funcionária Maridete de Alcobaça Brito.
No período de coleta de informações, tive a inestimável cooperação de amigos, que a
seguir relaciono para incluí-los como parte do trabalho. No Instituto de Pesquisas Econômicas
Aplicadas (IPEA), em Brasília, Constantino Cronemberger Mendes fez comentários a respeito
do projeto de pesquisa, que ajudaram na definição de seus objetivos, e Maria Emília Barbosa
Veiga, do setor de documentação, franqueou-me valiosas informações sobre o setor de
saneamento básico.
Tive acesso aos balanços da AGESPISA, de 1994 a 2003, graças a requerimento
apresentado à Mesa Diretora da Assembléia Legislativa pelo deputado Irmão Elias, do Partido
Progressista, aprovado em 25/5/2004, mediante instrumento regimental que garantiu o
fornecimento das informações imprescindíveis à análise do desempenho da empresa estadual
de abastecimento de água e de serviços de esgotos. Edes Maria de Meneses Costa dos Santos,
4
Bacharel em Ciências Contábeis, ajudou-me na análise dos dados dos balanços da
mencionada empresa, que revelam sua pouco recomendável trajetória administrativa.
Iolete Benvindo da Costa, do Arquivo Público do Estado, foi diligente na pesquisa de
documentos e jornais do final do século XIX e início do século XX, que permitiram conhecer
leis e decretos relativos à implantação do primeiro sistema de abastecimento de água de
Teresina. Na Unidade Estadual do IBGE, em Teresina, Pedro Soares da Silva foi sempre
solícito na busca das publicações utilizadas no levantamento dos dados estatísticos.
Os engenheiros Marcos Airton Freitas, da Agência Nacional de Águas (ANA), e Simon
Bolívar Maia Mendes contribuíram com informações e opiniões sobre o setor de
abastecimento de água. Recebi ajuda do Prof. Dr. Luís Evaldo Pádua, na elaboração de
projeções de alguns dados estatísticos, assim como de Francisco Prancacio de Araújo
Carvalho, meu ex-aluno do curso de Ciências Econômicas, atual colega professor do
Departamento de Economia da UFPI, e também colega do Curso de Mestrado, na montagem
de tabelas e gráficos por meio do Programa Excel.
Finalmente, registro a contribuição de Almir Cassimiro Queiroga (revisão ortográfica),
de Janice Batista (normas de apresentação), de Carlos Seabra (tradução para o inglês do
Resumo) e de Maria do Socorro Campos Reinaldo (ficha catalográfica).
As críticas e sugestões recebidas das Prof
as
Dr
as
Jaíra Alcobaça, Marisete Dantas de
Aquino e Socorro Lira, esta a dedicada Orientadora, contribuíram substancialmente para
melhorar a qualidade deste trabalho. Entretanto, as falhas e deficiências remanescentes são de
minha inteira responsabilidade.
RESUMO
Entre os Estados do Nordeste, o Piauí detém o terceiro maior potencial hídrico e a segunda
maior disponibilidade hídrica social, mas apresenta o segundo menor índice de utilização de
seus recursos hídricos. Nesse sentido, questiona-se: se a disponibilidade de água não é
problema, por que mais da metade da população piauiense não tem água canalizada no
domicílio? Nessa perspectiva, o trabalho aborda, por um lado, a política de recursos hídricos e
de abastecimento de água no Brasil e no Piauí, inclusive com um retrospecto do
abastecimento em Teresina, desde a inauguração do primeiro sistema, em 1906. E, por outro
lado, analisa a evolução do abastecimento de água no Brasil e no Piauí, de 1960 a 2000, tendo
como referência os dados relativos a domicílios com água canalizada em pelo menos um
cômodo. A partir do final da década de 1980, a extinção do Plano Nacional de Saneamento
(PLANASA), a crise econômica dos governos federal e estadual e a ineficiência da gestão das
empresas concessionárias dos serviços de saneamento limitaram a capacidade de investimento
no setor, reduzindo, por conseguinte, o atendimento dos serviços. Destaca-se ainda a
diferença de tratamento das políticas públicas de abastecimento de água em relação às
populações urbanas e rurais, em prejuízo destas, assim como o privilégio ao atendimento
domiciliar de energia elétrica, em relação ao abastecimento de água. Sendo assim, entende-se
que, para implementação de uma política de abastecimento de água, que conduza ao
desenvolvimento sustentável, devem ser considerados os princípios de que a água tem um
valor econômico e de que o acesso à água é um direito humano fundamental; como também a
eficiência econômica, a eqüidade social e a observância da meta constante dos Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio, propostos pela ONU para serem alcançados até 2015, que
estabelece a redução à metade do número de pessoas sem acesso seguro à água, comparando-
se com os dados de 1991. A análise das estimativas de crescimento da população e do número
total de moradores em domicílios particulares permanentes com água canalizada em pelo
menos um cômodo, no período 2000/2015, permite concluir que o número de moradores sem
esse benefício em 2015 será da ordem de 3,2 milhões no Brasil e de cerca de 900 mil no Piauí.
Como o abastecimento nas cidades está próximo de alcançar a universalização, os números
apontados representam o déficit na zona rural, que assim continuará em desvantagem em
relação às zonas urbanas. Tendo em vista a dificuldade do financiamento dos investimentos
com recursos públicos, propõe-se a realização de parcerias público-privadas, sem que isso
implique em propriedade privada dos serviços de distribuição e, muito menos, da água.
Palavras-Chave: Abastecimento de água. Desenvolvimento sustentável. Brasil. Piauí.
ABSTRACT
Piauí has the third largest water potential and the second largest social availability of the
Northeast of Brazil, and yet it features the second lowest rate of utilization of its water
resources. For this reason it is fair to pose the following question: If the availability of water
is not a problem in itself, why does not more than half of the population have water
connection in their homes? Within this perspective, this study focuses, on one hand, the policy
of water supply in Brazil and Piauí State, including a retrospect of water supply in Teresina
City, since the start of the first system in 1906. And, on the other hand, it analyses the
evolution of water supply in Brazil as well as in Piauí from 1960 to 2000 based upon data of
homes having water connection in at least one room. From the end of the 1980 decade on, the
extinction of the Plano Nacional de Saneamento – The National Sanitation Plan (PLANASA),
the economic crisis of both the Federal and State Governments and management failures of
the companies granted with Government Licence to provide sanitation services limited the
capacity of investment in the sector, thus, reducing the provision of services. Another
outstanding point in the difference between public policies of water supply for urban and for
rural areas, detrimental to the latter ones, as well as the privilege as the home service of
electricity in relation to water supply which points to a sustained development, some
principles should be considered which have water as an economic asset and that the access of
is a fundamental human right in addition to the economic efficiency, the social equality and
the compliance with the target of the Millennium Development Goals, proposed by the United
Nations to be attained by 2015, which determines the reduction to half of the current number
of people without safe access to water. The assessment of the estimates of the total number of
residents in permanent private homes with water connection in at least one room in the 2000-
2002 period, leads to the conclusion that the number of residents without this benefit in 2015
will amount to 3.2 millions in Brazil and about 900 thousand in Piauí. As water supply in
urban areas is close to reaching universalization, the figures pointed forward represent the
deficit of the rural area, which will remain in disadvantage in relation to the urban areas. In
view of the difficulty of funding investments with public money, the study proposes public-
private partnerships without implying the private ownership of the service of water supply.
Keywords: Water Supply, Sustainable Development, Brazil, Piauí.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1 - Comparação dos fundamentos do Projeto de Lei e da Lei nº 9.433/1997
com os Princípios definidos pela Conferência de Dublin-------------------------- 20
Quadro 2 - A influência do Relatório Brundtland na Constituição Federal do Brasil-------- 34
Gráfico 1 - AGESPISA: evolução da despesa total/m³ e da tarifa/m³ - 1996-2003 ---------- 59
Gráfico 2 - AGESPISA: produtividade do pessoal e despesa média anual por
empregado - 1995-2003 ------------------------------------------------------------- 60
Gráfico 3 - AGESPISA: receitas totais e prejuízos operacionais - 1995-2004 - R$
milhões----------------------------------------------------------------------------------- 61
Gráfico 4 - AGESPISA: capital social, patrimônio líquido e prejuízos acumulados,
em milhões de reais - 1995-2004 ---------------------------------------------------- 62
Gráfico 5 - Número de domicílios particulares permanentes com água canalizada, em
percentual do total de domicílios, segundo a classe de rendimentos –
Brasil e Piauí – 2000 ------------------------------------------------------------------- 80
Gráfico 6 - Número de domicílios particulares permanentes com energia elétrica e
água canalizada – Brasil – total – 1960/2000 (em %) ---------------------------- 81
Gráfico 7 - Número de domicílios particulares permanentes com energia elétrica e
água canalizada – Brasil – urbano – 1960/2000 (em %) ------------------------- 82
Gráfico 8 - Número de domicílios particulares permanentes com energia elétrica e
água canalizada – Brasil – rural – 1960/2000 (em %)----------------------------- 83
Gráfico 9 - Número de domicílios particulares permanentes com energia elétrica e
água canalizada – Piauí – total – 1960/2000 (em %)------------------------------- 83
Gráfico 10 - Número de domicílios particulares permanentes com energia elétrica e
água canalizada – Piauí – urbano – 1960/2000 (em %)---------------------------- 84
Gráfico 11 - Número de domicílios particulares permanentes com energia elétrica e
água canalizada – Piauí – rural – 1960/2000 (em %) ----------------------------- 85
Quadro 3 - Critérios de comparação da água como valor econômico e direito humano----- 88
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - AGESPISA: produtividade do pessoal e despesa média anual por
empregado (R$1.000) - 1995-2003 --------------------------------------------------- 60
Tabela 2 - Número de moradores em domicílios particulares permanentes com água
canalizada em pelo menos um cômodo, em milhares - Brasil - total -
1960/2000 -------------------------------------------------------------------------------- 67
Tabela 3 - Número de moradores em domicílios particulares permanentes com água
canalizada em pelo menos um cômodo, segundo a situação, em milhares –
Brasil – 1960/2000 ---------------------------------------------------------------------- 68
Tabela 4 - Número de moradores em domicílios particulares permanentes com água
canalizada em pelo menos um cômodo - Brasil - urbano, em milhares -
1960/2000 -------------------------------------------------------------------------------- 69
Tabela 5 - Número de moradores em domicílios particulares permanentes com água
canalizada em pelo menos um cômodo, em milhares - Brasil - rural -
1960/2000 -------------------------------------------------------------------------------- 70
Tabela 6 - Número de moradores em domicílios particulares permanentes com água
canalizada em pelo menos um cômodo, em milhares - Piauí – total -
1960/2000 -------------------------------------------------------------------------------- 72
Tabela 7 - Número de moradores em domicílios particulares permanentes com água
canalizada em pelo menos um cômodo, em milhares - Piauí - urbano -
1960/2000 -------------------------------------------------------------------------------- 73
Tabela 8 - Número de moradores em domicílios particulares permanentes com água
canalizada em pelo menos um cômodo, em milhares - Piauí - rural -
1960/2000 ------------------------------------------------------------------------------- 74
Tabela 9 - Número de moradores em domicílios particulares permanentes com e sem
água canalizada em pelo menos um cômodo, em milhares - Brasil e Piauí
- 1960/2000 e estimativas 2005, 2010 e 2015 --------------------------------------- 75
Tabela 10 - Número de domicílios particulares permanentes - total e com água
canalizada em pelo menos um cômodo, segundo as classes de rendimento
do responsável - Brasil - 2000 -------------------------------------------------------- 77
Tabela 11 - Número de domicílios particulares permanentes - total e com água
canalizada em pelo menos um cômodo, segundo as classes de rendimento
do responsável - Piauí - 2000 --------------------------------------------------------- 79
9
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ------------------------------------------------------------------------------------ 10
1.1 Procedimentos metodológicos ------------------------------------------------------------------ 14
1.2 Estrutura da dissertação -------------------------------------------------------------------------- 16
2 A POLÍTICA DE RECURSOS HÍDRICOS E DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA
NO BRASIL ----------------------------------------------------------------------------------------- 17
2.1 A política de recursos hídricos no Brasil ------------------------------------------------------ 18
2.2 A política de abastecimento de água no Brasil------------------------------------------------ 22
2.3 Bases para uma nova política de abastecimento de água ------------------------------------ 24
2.3.1 O valor econômico da água ------------------------------------------------------------------- 26
2.3.2 Água: um direito humano fundamental------------------------------------------------------ 33
2.3.3 Valor econômico e direito humano: conceitos complementares ------------------------- 40
2.3.4 Os objetivos de desenvolvimento do milênio------------------------------------------------ 44
2.3.5 A política de abastecimento de água proposta pelo governo federal ------------------- 48
3 A POLÍTICA DE RECURSOS HÍDRICOS E DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA
NO PIAUÍ------------------------------------------------------------------------------------------ 52
3.1 AGESPISA: de sua criação à atual crise------------------------------------------------------- 56
4 O ABASTECIMENTO DE ÁGUA NO BRASIL E NO PIAUÍ – 1960/2000-------------- 65
4.1 O Brasil na década de 1960---------------------------------------------------------------------- 66
4.2 Abastecimento de água no Brasil – 1960/2000 ----------------------------------------------- 66
4.3 Abastecimento de água no Piauí – 1960/2000 ------------------------------------------------ 71
4.4 Acesso à água: não é só uma questão de renda ----------------------------------------------- 76
4.5 Políticas prioritárias: energia, sim; água, nem tanto------------------------------------------ 80
5 CONCLUSÃO--------------------------------------------------------------------------------------- 87
REFERÊNCIAS --------------------------------------------------------------------------------------- 94
1 INTRODUÇÃO
Indagado sobre o problema das secas no Nordeste, que não se resume à periódica falta
de chuvas na região semi-árida, Furtado (1988, p. 51) exemplificou o Piauí, onde "a água não
é problema, e isso é o mais terrível, pois se sofre tanto com a seca e a água está ali – só que é
mal utilizada". A propósito do assunto, Rebouças (2002) afirma que o Piauí detém o terceiro
maior potencial hídrico do Nordeste, com 24,8 km³/ano, inferior apenas ao dos Estados da
Bahia e do Maranhão, e apresenta a segunda maior disponibilidade hídrica social da região,
com 9.185 m³/hab/ano, superado pelo Maranhão, mas desfruta do segundo menor nível de
utilização, com apenas 1,05% de sua disponibilidade hídrica por habitante/ano, à frente
somente do Maranhão.
São vastas as possibilidades de aproveitamento dos recursos hídricos no processo de
desenvolvimento sustentável, como no abastecimento humano, na agricultura irrigada, na
produção de energia elétrica, no transporte fluvial, na pesca e na recreação. Todavia, esta
investigação se debruçará apenas sobre o abastecimento de água à população, por ser um tema
oportuno e sempre importante. Ressalte-se a simbologia de que, em 2006, completam-se 100
anos de conclusão das obras do sistema de abastecimento de água de Teresina, o primeiro do
Piauí, e também 20 anos da extinção do Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), que, ao
longo de sua curta existência, muito contribuiu para a melhoria das condições de vida da
população urbana brasileira e piauiense.
Se, como se sabe, no Piauí a água não é problema, por que os serviços de abastecimento
ainda deixam grande parte da população sem atendimento domiciliar? A resposta comporta
um conjunto de fatores, como a inexistência de uma política adequada e de recursos para
financiamento de novas obras, para atendimento à demanda crescente, como resultado da falta
de uma definição do marco institucional e de regras claras de competência e responsabilidades
para os diferentes níveis de governo. Verifica-se, assim, uma ausência de articulação entre os
órgãos municipais, estaduais e federais, o que dificulta uma ação coordenada entre os três
níveis de governo.
No Piauí, encontram-se estabelecidos o Departamento Nacional de Obras Contra as
Secas (DNOCS), a Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais (CPRM), a Fundação
10
11
Nacional de Saúde e, desde 2000, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São
Francisco e do Parnaíba (CODEVASF), órgãos federais que atuam (ou deveriam atuar) no
setor de abastecimento de água, de diferentes formas. Entre os órgãos estaduais, mencionam-
se a empresa Águas e Esgotos do Piauí S.A. (AGESPISA), concessionária dos serviços de
abastecimento de água e de esgotos em 141 dos 223 municípios do Estado, a Companhia de
Desenvolvimento do Piauí (COMDEPI), que constrói açudes e barragens, a Secretaria de
Obras e Serviços Públicos, igualmente encarregada da construção de obras de infra-estrutura
hídrica, a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMAR), com a incumbência
de formular e executar a política relativa à gestão dos recursos hídricos, e as Secretarias
Estaduais de Educação e de Saúde e o Programa de Combate à Pobreza Rural (PCPR), que
executam ações próprias de suas respectivas áreas de atuação.
É imprescindível, ainda, na definição de uma política estadual para o setor, a
participação das Prefeituras Municipais, que devem atuar na regulação e na execução direta
ou na concessão dos serviços.
Destaca-se, também, o problema administrativo e financeiro da AGESPISA, que resulta
em crises de abastecimento e deficiência no atendimento. Em conseqüência, grandes
consumidores, como indústrias, edifícios e condomínios, procuram alternativas como a
perfuração de poços particulares para assegurar o fornecimento de água, ou para a redução de
custos.
Não obstante o presente estudo tenha o Piauí como foco principal, analisou-se a
temática em seus aspectos globais e sob a perspectiva do Brasil como um todo, não apenas
para efeito de comparação, mas, sobretudo, porque a política a ser formulada e executada no
Piauí depende fundamentalmente das definições e recursos financeiros do governo federal.
As primeiras tentativas do governo estadual para a implantação do sistema de
abastecimento de água em Teresina datam do final do século XIX, buscando-se inicialmente
atrair o interesse do empresariado privado para construir e operar o serviço, que foi afinal
realizado pelo governo, mediante empréstimo tomado junto a empresários locais. A política
para o setor teve uma nova etapa a partir de 1962, com a criação da empresa de economia
mista AGESPISA, a qual desempenhou importante papel no desenvolvimento desse setor no
Estado, embora restrito ao período em que havia disponibilidade de recursos do PLANASA,
nas décadas de 1970 e 1980.
12
A AGESPISA enfrenta grave crise financeira desde a década de 1990, resultando,
conseqüentemente, na redução do volume de investimentos para expansão da rede e na queda
da qualidade dos serviços prestados, comprometendo o atendimento às populações ainda não
servidas.
Em razão desses problemas, a Prefeitura de Teresina vem desde 2004 avaliando o seu
papel de órgão concedente dos serviços de abastecimento de água e esgoto na cidade,
considerando-se a necessidade do estabelecimento de normas regulatórias para os serviços e
de melhoria do atendimento à população, o que implica a discussão do próprio
relacionamento com a concessionária.
Ademais, em conformidade com o Programa de Avaliação da Água no Mundo, das
Nações Unidas, 1,1 bilhão de pessoas no mundo não têm acesso seguro à água de qualidade
(WWAP, 2004). No Brasil, o Censo Demográfico de 2000 informa que o número de pessoas
sem água canalizada no domicílio é de 15,7 milhões nas cidades e de 19,3 milhões na zona
rural, o que totaliza 35 milhões de pessoas sem o serviço, ou seja, 24,2% da população total.
No Piauí, 1,5 milhão de pessoas não têm água canalizada no domicílio, o que equivale a
53,8% da população total de 2,8 milhões. Tanto no Piauí quanto no Brasil, encontra-se na
zona rural a quase totalidade da população não atendida com abastecimento domiciliar de
água.
A necessidade de mudar tal quadro é imperiosa. No cenário internacional, é crescente o
esforço da Organização das Nações Unidas (ONU) e de seus Programas e Órgãos vinculados,
assim como de agências multilaterais de financiamento, como o Banco Mundial e o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), na definição de estratégias de ação para o
desenvolvimento sustentável, tendo como base a utilização racional da água, não só por sua
escassez em muitas áreas do planeta, mas também em razão de sua importância como
instrumento para a melhoria das condições de saúde da população e, por extensão, de suas
condições econômicas.
Nesse sentido, as políticas públicas em relação à água devem levar em conta as
recomendações dos documentos aprovados em Conferências internacionais realizadas pela
ONU, desde a Conferência sobre o Ambiente Humano, em Estocolmo (1972) até a
Conferência de Johannesburg (2002), passando pelo Relatório Nosso Futuro Comum (1987)
também conhecido como Relatório Brundtland, da Comissão Mundial do Ambiente e do
13
Desenvolvimento, (World Commission on Environment and Development, criada em 1983
pela ONU), a Declaração da Década Internacional da Água (1981-1991), os Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio, definidos em 2000, concluindo-se com a Resolução da ONU,
de 2002, que reconhece o acesso à água um direito humano fundamental de toda pessoa
humana.
Nos últimos anos, muitas reuniões internacionais tiveram a água como tema exclusivo,
destacando-se as Conferências de Mar del Plata, Argentina (1977), de Dublin, Irlanda, (1992),
de Noordwijk, Holanda (1994) e de Bonn, Alemanha (2001). Acrescente-se que as reformas
econômicas empreendidas a partir da década de 1990 incluíram os serviços de abastecimento
de água como tema passível de privatização, introduzindo um elemento novo na discussão do
problema. Em 1996 foi criado o Conselho Mundial da Água (World Water Council), entidade
privada que organiza, a cada três anos, o Fórum Mundial da Água (World Water Forum). Já
foram realizados em Marraquesh, no Marrocos (1997), Haia, na Holanda (2000) e Kyoto, no
Japão (2003). O quarto Fórum Mundial da Água foi realizado na Cidade do México, em
março de 2006.
Dentro dessa problemática, o objetivo geral centra-se em demonstrar que, sendo o
abastecimento de água um fator estratégico para o desenvolvimento econômico sustentável e
para a inclusão social, o Piauí ainda apresenta níveis de atendimento muito inferiores à média
brasileira, mesmo dispondo de recursos hídricos suficientes. Como desdobramento, analisam-
se especificamente as políticas de investimento público em abastecimento de água no Brasil e
no Piauí, destacando as diferenças de atendimento às populações urbanas e rurais; o
desempenho administrativo da AGESPISA; as possibilidades de o Brasil e de o Piauí
atingirem a meta incluída nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, estabelecidos pela
Organização das Nações Unidas, de "reduzir pela metade, até 2015, a proporção da população
sem acesso permanente e sustentável a água potável segura", e também comparam-se os
resultados da política de abastecimento de água com a de energia elétrica para os domicílios,
desde 1960, para reforçar a demonstração de que é necessário maior atenção para o setor.
14
1.1 Procedimentos metodológicos
As pesquisas seguiram duas linhas simultâneas: uma, de revisão bibliográfica e de
análise do estado da arte referente ao tema, e a outra, de pesquisa e levantamento de dados
estatísticos para a análise e para a fundamentação das conclusões.
Na primeira, estudou-se a evolução dos temas "ambiente" e "desenvolvimento", quando
relacionados à água para abastecimento, tratados nas Conferências internacionais patrocinadas
pela ONU, destacando-se os trabalhos realizados pelos organismos vinculados à ONU, como
a Comissão das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), a
Organização Mundial da Saúde (OMS), o Fundo das Nações Unidas para a Infância
(UNICEF) e a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), e mais as agências
multilaterais como o Banco Mundial e o BID.
Além disso, analisou-se a política de abastecimento de água implementada pelos
governos federal e estadual, desde a década de 1960. Outrossim, investigou-se a série de
dados de balanço da AGESPISA e do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento
(SNIS), com o objetivo de apreciar a capacidade da empresa concessionária de atender à
demanda dos serviços no Estado.
Na segunda linha, realizou-se o levantamento de dados junto ao Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), especialmente os Censos Demográficos desde 1960 até 2000,
para a coleta das informações referentes ao abastecimento domiciliar de água no Brasil e no
Piauí. Como objeto de estudo, optou-se por utilizar o número de moradores em domicílios
particulares permanentes "com canalização interna", ou seja, "com água canalizada em pelo
menos um cômodo", computando-se os dados constantes das formas de abastecimento
classificadas como "rede geral" e "poço ou nascente", e mais os de canalização interna
relativos a "outra forma" de abastecimento.
Esta opção se deve ao fato de o número de moradores em domicílios conectados à rede
geral ser majoritariamente representados por domicílios urbanos, enquanto nas zonas rurais o
número de moradores em domicílios com água canalizada em pelo menos um cômodo,
proveniente de poço ou nascente, é superior ao número de moradores em domicílios ligados à
rede geral. Ao longo do trabalho, a expressão "água canalizada" refere-se ao conceito de
15
"água canalizada em pelo menos um cômodo" do domicílio, e as referências a "domicílio
particular permanente" serão simplesmente "domicílios".
Salienta-se, ainda, que entre os domicílios ligados à rede geral muitos não têm água
canalizada internamente, mas apenas no terreno ou na propriedade. Segundo o Censo
Demográfico de 2000, encontram-se nessa situação cerca de 2,2 milhões de domicílios no
Brasil e 95,6 mil domicílios no Piauí.
Outra diferença entre os dois tipos de abastecimento refere-se à qualidade da água, que
é melhor (supostamente por ser tratada) no serviço de distribuição da rede geral. Entretanto, a
comodidade das pessoas é maior nos domicílios com água canalizada em pelo menos um
cômodo do que aqueles que, mesmo abastecidos pela rede geral, possuem água canalizada só
na propriedade ou no terreno em que se localiza o domicílio.
Justifica-se a não-utilização dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(PNAD) pela própria conceituação de censo e de amostra, que diferencia os dados obtidos, e
por ter a PNAD sido realizada pela primeira vez em 1967, sendo interrompida nos anos dos
Censos Demográficos, e por sua área de abrangência, gradativamente ampliada, ainda exclui
as áreas rurais da região Norte, o que desaconselha a comparação com os resultados
censitários.
Para uma melhor compreensão da política do governo federal em relação ao
abastecimento de água, faz-se uma análise comparativa com o setor de energia elétrica,
evidenciando-se a disponibilidade, nos domicílios, dos serviços de iluminação elétrica e de
água canalizada em pelo menos um cômodo, no Brasil e no Piauí, conforme os dados dos
Censos Demográficos de 1960 até 2000.
Consultou-se o Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos, realizado desde 1995 pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em conjunto com o atual o Ministério das
Cidades, cujos dados, que resultam do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento
(SNIS), subsidiaram a análise sobre o desempenho da AGESPISA, além daqueles obtidos em
seus balanços anuais, no período de 1995 a 2004.
16
1.2 Estrutura da dissertação
Com vistas à compreensão da temática proposta, esta investigação encontra-se
estruturada em cinco Capítulos. No primeiro (Introdução), apresentam-se a problemática, os
objetivos e o procedimento metodológico, enquanto o segundo explicita a política de recursos
hídricos e de abastecimento de água no Brasil, desde a promulgação do Código de Águas, em
1934, e da primeira lei que instituiu a política de saneamento no País. Aborda os fundamentos
para elaboração de uma nova política de abastecimento de água no Brasil e no Piauí,
considerando os conceitos de valor econômico da água e o acesso à água como um direito
fundamental da pessoa humana, ressaltando a interdependência entre ambos. Expõe os
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, propostos pela ONU, com destaque para a Meta
10 do Objetivo 7, que consiste em reduzir pela metade, até o ano 2015, a proporção de
pessoas sem acesso à água em todo o mundo, comparando-se com os dados de 1990. O
Capítulo encerra-se com uma análise do Projeto de Lei nº 5.296/2005, apresentado pelo
Executivo ao Congresso Nacional, instituindo a política nacional de saneamento básico,
comentando-se essa proposta à luz dos fundamentos expostos anteriormente.
O Capítulo 3 trata da Política de recursos hídricos e de abastecimento de água no Piauí,
incluindo os antecedentes históricos da implantação do sistema de abastecimento de água de
Teresina, há um século, e mais a análise econômico-financeira da AGESPISA. Já o Capítulo 4
apresenta e analisa os dados relativos ao abastecimento de água domiciliar no Brasil e no
Piauí, estabelecendo a relação entre os períodos em que havia uma política para o setor, com
recursos definidos (décadas de 1970 e 1980) e o conseqüente resultado no crescimento do
número de pessoas atendidas, em contraste com os períodos de 1960-1970 e a partir da década
de 1990, em que, por falta de instrumentos de política pública, o crescimento foi reduzido.
Comparam-se, ainda, os setores de energia elétrica e de abastecimento de água, no que
concerne ao atendimento domiciliar, relacionando-o em função do rendimento dos moradores
dos domicílios do Piauí e do Brasil, evidenciando-se que a renda familiar não consiste na
única variável definidora do nível de atendimento dos serviços, haja vista a intervenção
governamental constituir-se em instrumento fundamental de distribuição de renda. Por fim, o
Capítulo 5 explicita as conclusões obtidas ao longo da execução de toda a investigação,
acompanhadas de recomendações para a Política governamental relacionada ao abastecimento
domiciliar de água.
17
2 A POLÍTICA DE RECURSOS HÍDRICOS E ABASTECIMENTO DE ÁGUA NO
BRASIL
Neste Capítulo, analisa-se a política do governo federal e a experiência do Piauí em
relação a recursos hídricos e abastecimento de água, especialmente nas últimas quatro
décadas. Preliminarmente, esclarece-se que o termo "água" se aplica ao elemento natural,
independentemente de sua utilização, enquanto a expressão “recursos hídricos” se refere à
água como um bem passível de utilização econômica (REBOUÇAS, 2002). Distinguem-se,
também, os conceitos de água como um serviço, sobretudo para uso doméstico, e de água
como um recurso econômico, que deve ser utilizada adequadamente como fator de
desenvolvimento, o que inclui a necessidade da preservação ambiental.
Procura-se, portanto, demonstrar que a política dos governos federal e estadual para o
setor de abastecimento de água não tem sido satisfatoriamente executada, e que somente a
partir da Constituição Federal de 1988 começou-se a discutir um novo marco regulatório,
ainda não completamente definido, o que impede a existência de instrumentos de
financiamento dos investimentos necessários para a expansão e melhoria dos serviços,
inclusive de fundos públicos federais. Os recursos consignados no Orçamento da União para
transferências voluntárias para os Estados e Municípios não têm um fluxo regular de
liberação, seja por motivos políticos, seja para garantir as metas de superávit fiscal,
comprometendo a capacidade de atingir os objetivos e metas para o setor.
No sentido de analisar a temática, este Capítulo, a princípio, expõe o processo histórico
do surgimento da Política de recursos hídricos e, no item seguinte, o de abastecimento de água
no Brasil, seguindo-se a apresentação das bases para uma nova Política, que são os conceitos
de valor econômico da água e do direito humano de acesso à água, complementada por uma
análise que justifica serem esses conceitos interdependentes. Os dois últimos itens deste
Capítulo tratam dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, imprescindíveis para as
Políticas de desenvolvimento em geral de todos os Países, e uma apresentação do Projeto de
Lei enviado pelo Executivo ao Congresso Nacional instituindo a Política Nacional de
Saneamento.
18
2.1 A política de recursos hídricos no Brasil
No Brasil, a política de águas, ou, como veio a se chamar mais tarde, de recursos
hídricos, teve início com a edição do Decreto nº 24.643, de 10/7/1934, conhecido como
Código de Águas, o qual admitia, em suas considerações iniciais, que "o uso das águas no
Brasil tem-se regido até hoje por uma legislação obsoleta, em desacordo com as necessidades
e interesses da coletividade nacional." (BRASIL, 2005a, p. 339).
O Decreto classificou as águas em públicas (Art. 1º) e em particulares (Art. 8º), mas
assegurava o uso gratuito de qualquer corrente ou nascente de água, para as primeiras
necessidades de vida, "se houver caminho público que a torne acessível" (Art. 34). Não
havendo o acesso, os proprietários não podiam impedir que seus vizinhos a utilizassem para
aquele fim, desde que indenizados dos prejuízos que viessem a sofrer com o trânsito por suas
propriedades (Art. 35).
O aproveitamento das águas públicas era permitido, de acordo com os regulamentos
(Art. 36), mas em caso de derivação a preferência era para o abastecimento da população
(§ 1º), e o uso comum podia ser gratuito ou retribuído.
As águas públicas não podiam ser derivadas para aplicações na agricultura, na indústria
e na higiene sem uma concessão administrativa (Art. 43). O princípio hoje conhecido como
poluidor-pagador já era previsto pelo Código, que estabelecia:
Art. 53 – Os utentes das águas públicas de uso comum ou os proprietários
marginais são obrigados a se abster de fatos que prejudiquem ou embaracem
o regime e o curso das águas [...].
§ único – Pela infração no disposto neste artigo, os contraventores, além das
multas estabelecidas nos regulamentos administrativos, são obrigados a
remover os obstáculos produzidos. Na sua falta, a remoção será feita à custa
dos mesmos pela administração pública.
Mais adiante, o Código de Águas prescrevia:
Art. 109 – A ninguém é lícito conspurcar ou contaminar as águas que não
consome, com prejuízo para terceiros.
Art. 110 – Os trabalhos para a salubridade das águas serão executados à
custa dos infratores, que, além da responsabilidade criminal, se houver,
responderão pelas perdas e danos que causarem pelas multas que lhes forem
impostas nos regulamentos administrativos.
19
Apesar desses dispositivos, o Código de Águas foi utilizado muito mais como
instrumento da política de aproveitamento da hidroeletricidade do que para os demais usos da
água, especialmente o abastecimento às populações. Um ano antes da aprovação do Código, o
governo havia criado, na estrutura do Ministério da Agricultura, o Departamento Nacional da
Produção Mineral, no qual foi incluído o Serviço de Águas, "encarregado de tratar dos
assuntos relativos à exploração de energia hidráulica, irrigação, concessão e legislação de
águas." (DIAS, 1988, p. 80)
De acordo ainda com o referido autor, Getúlio Vargas extinguiu o Serviço de Águas, em
1939, e instituiu, como parte da reforma administrativa do novo regime, o Conselho Nacional
de Águas e Energia, depois transformado em Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica
(CNAEE), subordinado à Presidência da República, situação que perdurou até 1960, com o
surgimento do Ministério de Minas e Energia. Em 1965, foi criado o Departamento Nacional
de Águas e Energia (DNAE), vinculado ao Ministério de Minas e Energia, e o antigo
Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica (CNAEE) teve suas funções absorvidas pelo
DNAE em 1967.
A gestão dos recursos hídricos esteve subordinada ao setor de energia elétrica até 1995,
quando foi criado o Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e Amazônia Legal,
pela Medida Provisória nº 813, de 1º/1/1995. Na estrutura do novo Ministério incluía-se a
Secretaria dos Recursos Hídricos, que tinha os objetivos de
cumprir e fazer cumprir a legislação específica relacionada às águas;
planejar, supervisionar, controlar, executar e fazer executar a Política
Nacional de Recursos Hídricos e do Aproveitamento Hidroagrícola; e
orientar, incentivar e cooperar com entidades públicas e privadas na
realização de pesquisas e estudos destinados ao aproveitamento sustentável
dos recursos hídricos. (MMARHAL, 1998, p. 121)
O Código de Águas de 1934 foi substituído pela Lei nº 9.433, de 8/1/1997, que instituiu
a Política Nacional de Recursos Hídricos, cuja aprovação ocorreu oito anos depois que o
Executivo encaminhou o projeto ao Congresso. Os fundamentos da nova política
governamental basearam-se na titularidade pública da água para a União e para os Estados,
estabelecida respectivamente pelos Arts. 20, inciso II, e 26, inciso I da Constituição de 1988
(BRASIL, 2005a), e pelos conceitos introduzidos pela Conferência Internacional sobre Água
e Ambiente, realizada em Dublin, em 1992, os quais foram incluídos na Agenda 21, aprovada
20
na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no
Rio de Janeiro, também em 1992.
O Quadro 1 compara o texto dos fundamentos (ou princípios) do Projeto de Lei enviado
pelo governo ao Congresso, em 1991, com os da Conferência de Dublin e a redação dada pela
Lei nº 9.433/1997.
PROJETO DE LEI - 1991
CONFERÊNCIA DE
DUBLIN - 1992
LEI Nº 9.433, DE 1997
Art. 2º
I – É direito de todos o
acesso aos recursos hídricos;
II – A distribuição da
disponibilidade da água
deverá obedecer a critérios
econômicos, sociais e
ambientais;
III – O planejamento da
utilização dos recursos
hídricos deve considerar, em
todas as fases, além dos
benefícios, os impactos
adversos com abrangências
nacional, regional e local;
IV – A cooperação
internacional visará ao
intercâmbio científico,
tecnológico e industrial.
Princípios:
I – A água doce é um recurso
finito e vulnerável, essencial
para sustentar a vida, o
desenvolvimento e o ambiente;
II – O desenvolvimento e a
gestão da água devem ser
baseados na participação de
usuários, planejadores e
elaboradores da política, em
todos os níveis;
III – As mulheres têm um papel
central na provisão, gestão e
proteção da água;
IV – A água tem um valor
econômico em todos os seus
usos e deve ser reconhecida
como um bem econômico.
Art. 1º
I – A água é um bem de domínio
público;
II – A água é um recurso natural
limitado, dotado de valor econômico;
III – Em situações de escassez, o uso
prioritário dos recursos hídricos é o
consumo humano e a dessedentação de
animais;
IV – A gestão dos recursos hídricos
deve sempre proporcionar o uso
múltiplo das águas;
V – A bacia hidrográfica é a unidade
territorial para implementação da
Política Nacional de Recursos Hídricos
e atuação do Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos;
VI – A gestão dos recursos hídricos
deve ser descentralizada e contar com a
participação do Poder Público, dos
usuários e das comunidades.
Quadro 1 - Comparação dos fundamentos do Projeto de Lei que deu origem à Lei nº 9.433/1997 e os
princípios definidos pela Conferência de Dublin.
Fontes: BRASIL.Congresso Nacional. Projeto de Lei nº 2249/1991; INTERNATIONAL CONFERENCE
ON WATER AND THE ENVIRONMENT, 1992; BRASIL, 2005a.
Nota-se que os conceitos de que a água é um recurso natural limitado e de que tem um
valor econômico, junto com o princípio da participação dos usuários e da comunidade no
processo de planejamento e gestão, contidos na Lei nº 9.433/1997, seguiram os princípios da
Conferência de Dublin, que haviam sido, anteriormente, incluídos na Agenda 21.
Observa-se ainda que o Projeto de Lei garantia o acesso de todos aos recursos hídricos
(Art. 2º, I) - sem particularizar o acesso à água para consumo humano, que, como visto
anteriormente, são conceitualmente diferentes - nem determinava a participação dos usuários
e das comunidades na gestão dos recursos hídricos, como foi colocado na Lei nº 9.433/1997.
21
A Lei nº 9.433/1997, em seu Art. 5º, criou os seguintes instrumentos da Política
Nacional de Recursos Hídricos: os Planos de Recursos Hídricos; o enquadramento dos corpos
d’água em classes, segundo os usos preponderantes da água;
a outorga dos direitos de uso de
recursos hídricos; a cobrança pelo uso de recursos hídricos; a compensação a municípios; e o
Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos. (BRASIL, 2005a, p. 356)
A Lei definiu em seu Art. 7º que os Planos de Recursos Hídricos "visam a fundamentar
e orientar a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e o gerenciamento dos
recursos hídricos", exigindo como conteúdo mínimo, entre outros, o diagnóstico da situação
atual dos recursos hídricos, estudo das alternativas de crescimento demográfico e da
produção, balanço das disponibilidades e demandas, metas de racionalização do uso e
diretrizes para a cobrança pelo uso dos recursos hídricos.
O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, conforme o Art. 32 da
referida Lei, é responsável pela coordenação da gestão integrada e pela implementação da
Política Nacional de Recursos Hídricos. Para cumprimento do inciso V do Art. 1º, que prevê a
gestão descentralizada, foi criado o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (Art. 34),
composto por representantes dos diversos órgãos federais envolvidos com a gestão ou com o
uso dos recursos hídricos e por representantes dos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos,
dos usuários e das organizações civis ligadas a recursos hídricos.
Além da Lei nº 9.433/97, outros marcos regulatórios são a Lei nº 8.987, de 13/2/1995,
que disciplina a concessão de serviços públicos, entre os quais o serviço de abastecimento de
água e de esgotos sanitários, e a Lei nº 9.984, de 17/7/2000, que criou a Agência Nacional de
Águas (ANA), encarregada da implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e de
coordenação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, conforme previsto
nos Arts. 41 a 44 da Lei nº 9.433/1997.
22
2.2 A política de abastecimento de água no Brasil
Somente a partir da Lei nº 5.318, de 26/9/1967, que instituiu a Política Nacional de
Saneamento e criou o Conselho Nacional de Saneamento, o Brasil passou a ter uma política
de abastecimento de água. Anteriormente, tem-se como fato significativo a criação, em 1942,
do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), depois transformado em Fundação SESP, hoje
Fundação Nacional de Saúde, cujo objetivo principal era a implantação de sistemas de
abastecimento de água em pequenas localidades.
O Plano de Ação Estratégica do Governo (PAEG), para o período 1964-1967,
estabeleceu a meta de abastecimento de água para 70% da população urbana brasileira até o
final da década de 1960 (MPO/SPU;IPEA, 1995), mas o Censo Demográfico de 1970
registrou 26,7 milhões de moradores em domicílios urbanos servidos por rede geral, ou seja,
em um total de 50,4 milhões apenas 52,9% da população urbana total do País eram atendidos
pelo serviço.
As principais definições da Lei nº 5.318/1967 estabeleciam que a Política Nacional de
Saneamento, "formulada em harmonia com a Política Nacional de Saúde, compreenderá o
conjunto de diretrizes administrativas e técnicas destinadas a fixar a ação governamental no
campo do saneamento" (Art.1º), abrangendo o saneamento básico, compreendendo o
abastecimento de água, sua fluoretação e destinação de dejetos; os esgotos pluviais e
drenagem; o controle da poluição ambiental, inclusive do lixo; o controle das modificações
artificiais das massas de água; e o controle de inundações e de erosões. (CABRAL, 1997, p.
107)
No sentido de implementar a política de saneamento, o governo editou em 13/10/1969 o
Decreto-Lei nº 949, autorizando o Banco Nacional da Habitação (BNH) a aplicar recursos do
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) nos financiamentos do setor de
saneamento. Em 1971, foi criado o Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), com os
seguintes objetivos:
23
Eliminar o déficit de saneamento básico no menor tempo possível e manter
o equilíbrio entre a demanda e a oferta de serviços do setor em núcleos
urbanos, tendo por base o planejamento, programação e controle
sistematizado;
Promover auto-sustentação financeira, através da evolução dos recursos,
em nível estadual, dos Fundos de Financiamento de Água e Esgotos (FAE);
Instituir uma política tarifária que, de acordo com as possibilidades dos
consumidores e com a demanda de recursos e serviços, e levando em conta a
produtividade do capital e do trabalho, mantenha o equilíbrio entre a receita
e a despesa;
Realizar o desenvolvimento institucional das companhias estaduais de
saneamento básico, através de programas de treinamento e assistência
técnica;
Realizar programas de pesquisas tecnológicas que possibilitem alcançar
soluções alternativas de baixo custo. (MPO/SPU;IPEA, 1995, p. 98-99)
A Constituição Federal de 1988 incluiu entre as competências dos municípios a de
"organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços
públicos de interesse local" (Art. 30, inciso V), fortalecendo o poder local e alterando a matriz
institucional do modelo de gestão implantado pelo PLANASA, cuja execução tinha como
suporte as grandes companhias estaduais de saneamento.
Em 1992, o governo federal reuniu as várias linhas de crédito existentes na área do
PLANASA no Programa de Saneamento para Núcleos Urbanos (PRONURB), extinguindo o
PLANASA, e em seguida criou o Programa de Saneamento para Populações de Baixa Renda
(PROSANEAR).
Em 1993, o governo federal criou o Projeto de Modernização do Setor Saneamento
(PMSS), coordenado atualmente pelo Ministério das Cidades, cuja segunda etapa (PMSS II)
teve início em 2000, com a conclusão prevista para 2007. Tem como objetivos melhorar a
eficiência dos prestadores públicos de serviços, de modo a tornarem-se auto-suficientes;
promover a reforma institucional do setor, incluindo novas estruturas de regulação,
fiscalização e controle; ampliar a cobertura dos serviços de água e esgotos; e promover a
recuperação e a proteção ambiental em áreas castigadas pela falta de saneamento básico.
O PMSS II tem duas linhas estratégicas de ação: a modernização do setor e a promoção
de programas de investimentos, voltados para as áreas de reforma institucional, regulação,
gerenciamento e promoção, e para desenvolvimento operacional. Tem o financiamento do
24
Banco Mundial, como resultado do Acordo de Empréstimo celebrado em 1999.
(MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2005)
O Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), institucionalizado em
1995, é um banco de dados sobre saneamento ambiental e de indicadores de desempenho das
empresas e entidades prestadoras de serviços de distribuição de água e de esgotamento
sanitário, constituindo-se em preciosa fonte para o planejamento de setor.
Infere-se, portanto, que o governo federal somente estabeleceu uma política de
abastecimento de água e de saneamento no curto período de 1967 (com a Lei nº 5.316) até a
extinção do PLANASA, em 1986. Desde a década de 1990, tem buscado definir uma nova
política, sem ter aprovado ainda a lei que institui a Política Nacional de Saneamento e os
marcos institucionais para o setor. Entre os motivos para a não aprovação mencionam-se o
conflito de interesses entre as companhias estaduais de saneamento e as Prefeituras, a
necessidade de definição das responsabilidades de investimentos de cada esfera de governo e
a participação do setor privado no financiamento e gestão dos serviços de saneamento.
2.3 Bases para uma nova política de abastecimento de água
Com a extinção do PLANASA, no final da década de 1980, o Brasil deixou de ter uma
política de saneamento básico, consubstanciada pelos investimentos públicos federais e
estaduais direcionados às empresas estaduais concessionárias dos serviços, que perderam sua
principal fonte de financiamento para a expansão dos sistemas e melhoria dos serviços. As
empresas que não se adaptaram à nova realidade, adotando medidas de redução de custos e de
aumento de receitas, passaram a viver em dificuldades financeiras. Além disso, os estados,
seus acionistas majoritários, também reduziram sua capacidade de investimento e de
endividamento, deixando de aportar recursos para as concessionárias.
A política de ajuste fiscal implantada com o Plano Real ainda repercute na diminuição
dos recursos orçamentários destinados a investimentos, não escapando nem mesmo os setores
sociais, como o saneamento básico. Ao mesmo tempo, e por causa do esgotamento da
capacidade de investimento do setor público, ganhou força a corrente do pensamento
25
econômico que defende políticas neoliberais, entre as quais se destaca a privatização de
atividades desenvolvidas pelo governo.
Na década de 1990, o Congresso aprovou diversas emendas constitucionais revogando
os monopólios do Estado, resultando na privatização e mesmo desnacionalização de empresas
estatais. No caso do saneamento básico, algumas privatizações foram efetivadas, como em
Manaus (AM) e Limeira (SP), em meio a polêmicas sobre a validade de "privatizar a água". O
Congresso também aprovou a Lei nº 8.967, de 13/2/1995, que trata da concessão de serviços
públicos, mas desde 1991 discute uma nova política de saneamento básico para o País, sem
que se aprove a Lei que a institui.
Desta forma, é oportuno o debate de idéias e propostas que possam contribuir para o
desenvolvimento do setor, mesmo quando apresentem contradições, como as contidas em
Pereira (1994), que relacionou os desafios para a universalização dos serviços de
abastecimento de água como sendo o montante de recursos necessários para investimento; a
necessidade de participação de todos os municípios no financiamento, mesmo aqueles mais
pobres; a introdução de padrões tecnológicos mais simples e baratos; e a concepção de um
sistema de subsídios para garantir o acesso à população de baixa renda, devendo o Estado
subsidiar os usuários de menor renda.
A autora reconhece que "a promoção do financiamento do setor deve ser uma das
responsabilidades da União e fazer parte integrante da política nacional de desenvolvimento"
(p. 189), mas sugere, por outro lado, a proibição, "mediante instrumento legal adequado, da
aplicação – direta ou indireta – de recursos do [Orçamento Geral da União] OGU em
programas de saneamento, incorporando-os às linhas de crédito administradas por instituições
financeiras oficiais" (p. 189-190). Em vez de propor um marco institucional com funções
definidas para os três níveis de governo, a autora (que à época pertencia à Diretoria de
Políticas Públicas do IPEA) recomenda que os municípios mais pobres possam subsidiar as
tarifas, mas exclui a União do esquema de investimento direto no setor, o que constitui um
evidente contra-senso.
Como se observa, a temática comporta opiniões diferentes e opostas. Assim, analisam-
se as questões básicas envolvidas na discussão da política de saneamento básico, restritas ao
abastecimento de água, como os conceitos já consagrados de que a água tem um valor
econômico e, por outro lado, o direito de todas as pessoas terem acesso à água como um
26
direito humano fundamental. Esses dois conceitos não são antagônicos, e devem nortear as
políticas públicas para o setor de saneamento.
2.3.1 O valor econômico da água
Adam Smith, em A Riqueza das Nações, analisa o valor enquanto dois significados
justapostos: por um lado, a utilidade de um determinado bem consiste no valor de uso, e, de
outro lado, o poder de compra de um bem em relação a outros se constitui no valor de troca.
Com vistas à materialidade da análise, apresenta o exemplo da água e do diamante:
Nada é mais útil que a água, e no entanto dificilmente se comprará alguma
coisa com ela, ou seja, dificilmente se conseguirá trocar água por alguma
outra coisa. Ao contrário, um diamante dificilmente possui algum valor de
uso, mas por ele se pode, muitas vezes, trocar uma quantidade muito grande
de outros bens. (SMITH, 1983, p. 61)
David Ricardo, nos Princípios de Economia Política e Tributação, ao mesmo tempo em
que concorda com o conceito de valor de uso de Smith, diferencia sua definição de valor de
troca, devido à inclusão da escassez como uma das fontes determinantes, ou seja:
A água e o ar são extremamente úteis; são, de fato, indispensáveis à
existência, embora, em circunstâncias normais, nada se possa obter em troca
deles. O ouro, ao contrário, embora de pouca utilidade em comparação com
o ar ou com a água, poderá ser trocado por uma quantidade de outros bens.
[...] Possuindo utilidade, as mercadorias derivam seu valor de troca de duas
fontes: de sua escassez e da quantidade de trabalho necessária para obtê-las.
(RICARDO, 1982, p. 43)
O referido autor (1982, p. 49) acrescenta que "não só o trabalho aplicado diretamente às
mercadorias afeta o seu valor, mas também o trabalho gasto em implementos, ferramentas e
edifícios que contribuem para sua execução", o que significa a composição orgânica do
capital, ou seja, os capitais fixo e circulante são empregados na obtenção da mercadoria.
Smith e Ricardo foram contemporâneos dos primeiros tempos da Revolução Industrial
na Inglaterra, quando o processo econômico passou por grandes transformações, resultando na
produção e no consumo em massa, como também a poluição da atmosfera e das águas.
Embora Ricardo tenha tido a percepção de que o valor de uma mercadoria era determinado
27
pelo trabalho e pelo capital gastos em sua produção, não estendeu esse conceito à água
distribuída para consumo domiciliar (ainda que não canalizada), que certamente tinha um
custo para chegar às casas, e portanto tinha um valor.
No caso da água, não está em discussão o preço do elemento natural, que sempre será
provido gratuitamente pelo ciclo hidrológico da natureza, e é considerado, em todas as
nações, um bem de domínio público, como expressa o Art. 1º, I, da Lei nº 9.433/1997. O
debate centra-se nas formas de financiar os custos de captação, adução, reservação, tratamento
e distribuição ao consumidor, assim como a gestão dos recursos hídricos, com os diversos
usos da água, especialmente para abastecimento às populações.
A controvérsia sobre o valor econômico da água é motivada por sua escassez e pela
necessidade de controle da poluição, especialmente nas áreas densamente povoadas e
industrializadas. A partir da Conferência de Estocolmo, em 1972, todas as demais
Conferências internacionais realizadas com o objetivo de discutir os problemas ambientais e
os relativos à água, em particular, acentuaram a importância de preservação e
desenvolvimento dos recursos hídricos sem, no entanto, inserir o debate a respeito do valor
econômico da água.
Todavia, como a década de 1990 caracterizou-se pela liberalização econômica, iniciada
anos antes na Inglaterra, com Margareth Tatcher, e fortalecida com o colapso do sistema
socialista na Europa, na Conferência Internacional sobre Água e Meio Ambiente, realizada
em Dublin – Irlanda, em 1992, as questões econômicas relacionadas à água foram um dos
temas dominantes. Sendo assim, a Conferência aprovou em sua Declaração os quatro
princípios que passaram a nortear a política de gestão de recursos hídricos em quase todo o
mundo, inclusive no Brasil, os quais são:
A água é um recurso finito e vulnerável;
Os usuários devem participar do processo de gestão;
As mulheres devem ter um papel central na gestão e proteção das águas;
A água tem um valor econômico em todos os seus usos e deve ser reconhecida
como um bem econômico.
28
No sentido de explicar o Princípio 4, a Declaração de Dublin ressaltou que se deve,
primeiro, "[...] reconhecer o acesso à água e ao saneamento como um direito básico de todos
os seres humanos [...]", mas acrescenta que "[...] a um preço suportável."
(INTERNATIONAL CONFERENCE ON WATER AND ENVIRONMENT, 1992, p. 4,
tradução nossa)
A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada
no Rio de Janeiro, em 1992, aprovou vários documentos, entre os quais a Agenda 21, cujo
Capítulo 18, dedicado à proteção da qualidade e do abastecimento dos recursos hídricos,
propiciou o prosseguimento das decisões aprovadas na Conferência de Dublin, consagrando
em diversas Proposições a combinação dos conceitos da água como um bem econômico e
finito, e como um direito humano básico, dentre as quais se sobressaem as seguintes:
Promover planos de uso racional da água, por meio de conscientização
pública, programas educacionais e imposição de tarifas sobre o consumo da
água e outros instrumentos econômicos.
Um pré-requisito para o manejo sustentável da água enquanto recurso
vulnerável e escasso é a obrigação de reconhecer em todo o planejamento e
desenvolvimento seus custos totais. No planejamento devem-se considerar
os investimentos em benefícios, a proteção ambiental e os custos
operacionais, bem como os custos de oportunidade que reflitam o uso
alternativo mais valioso da água. A cobrança de tarifas não precisa
necessariamente sobrecarregar os beneficiários com as conseqüências dessas
considerações. Os mecanismos de cobrança, no entanto, devem refletir, tanto
quanto possível, o custo real da água quando usada como um bem
econômico e a capacidade do consumidor de pagar.
O papel da água como um bem social, econômico e sustentador da vida
deve-se refletir em mecanismos de manejo da demanda e ser implementado
por meio de conservação e reutilização da água, avaliação de recursos e
instrumentos financeiros.
Aplicação, quando apropriado, do princípio de que ‘quem polui paga’ a
todos os tipos de fontes, inclusive o saneamento in situ e ex situ.
Deve-se considerar a água como um recurso finito, que tem valor
econômico, com implicações sociais e econômicas significativas, refletindo
a importância de satisfazer as necessidades básicas. (NAÇÕES UNIDAS,
1996, p. 335; 337; 347 e 363)
Essas Proposições foram acolhidas pela Lei nº 9.433, aprovada em 1997, que em seu
Art. 19 explicita que a cobrança pelo uso da água tem como objetivos:
I – reconhecer a água como um bem econômico e dar ao usuário uma
indicação de seu real valor;
II – incentivar o uso racional da água;
29
III – obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e
intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos.
Ainda na década de 1990, outras Conferências internacionais dedicaram-se mais aos
aspectos econômico-financeiros da água, especialmente os Fóruns Mundiais da Água: o
primeiro, em Marraquesh, Marrocos (1997), o segundo, em Haia, Holanda (2000), o terceiro,
em Kyoto, Japão (2003), e o quarto, na Cidade do México (2006), sob o patrocínio do
Conselho Mundial da Água (World Water Council), entidade de direito privado, que reúne
empresas do setor de água e saneamento, a representação de governos e organismos
internacionais ligados à ONU.
As Declarações aprovadas em Conferências internacionais e o acolhimento na
legislação do conceito de que a água tem um valor econômico são fundamentos utilizados na
formulação de políticas relativas à gestão de recursos hídricos e, em particular, de
abastecimento de água.
Todavia, o estabelecimento de preços para a água é um assunto complexo, por envolver
objetivos conflitantes: de um lado, o retorno do investimento e a eficiência econômica; e, de
outro lado, a eqüidade e a acessibilidade. O retorno do investimento exige que as tarifas
devem gerar receitas que cubram os custos financeiros e administrativos do serviço, enquanto
a eficiência econômica se refere aos consumidores, ao fornecedor ou concessionário e aos
investidores. Os consumidores devem conhecer os custos financeiros e ambientais que recaem
sobre a economia, e assim se conscientizarem de não desperdiçar água. A eqüidade consiste
em tratar igualmente os consumidores com características iguais, e a acessibilidade implica
que a água deve ser ofertada aos mais pobres, mediante custos mínimos ou mesmo
subsidiados, se necessário. (KESSIDES, 2004)
Para Dinar; Rosengrant; Meinzen-Dick (1997), a exploração dos recursos hídricos deve
conciliar os interesses econômicos (eficiência) e os objetivos sociais (eqüidade). A eficiência
refere-se à quantidade de bem-estar que se pode proporcionar com uma determinada base de
recursos, enquanto a eqüidade relaciona-se com a distribuição desse bem-estar por toda a
sociedade. Os autores propõem quatro mecanismos de alocação da água, mas advertem que
nenhum deles é o melhor em todos os contextos:
Precificação segundo o custo marginal (marginal cost pricing) – o preço da água
é igual ao custo marginal da oferta da última unidade de água. Igualando-se o
30
preço unitário da água (o valor marginal) com o custo marginal tem-se uma
alocação economicamente eficiente, ou socialmente ótima. A maior vantagem
desse mecanismo é ser teoricamente eficiente, sobretudo em condições de
escassez, por desestimular o desperdício. A maior desvantagem é a própria
dificuldade de definição do custo marginal;
Alocação pelo governo – três razões justificam a intervenção do governo no
desenvolvimento e alocação de recursos hídricos: a) dificuldade de considerar a
água como a maioria dos bens do mercado; b) a água é em geral aceita como um
bem público; e c) o desenvolvimento em larga escala dos recursos hídricos é
geralmente muito caro para o setor privado. A principal vantagem desse
mecanismo é a de promover a eqüidade social, em benefício dos mais pobres, a
sustentabilidade ambiental e garantir as necessidades mínimas de água. Embora
uma agência pública possa utilizar o mecanismo de precificação segundo o custo
marginal, a alocação pública está mais preocupada com a eqüidade, com a
soberania e com a responsabilidade de prover o bem público. Como desvantagens
da alocação pelo governo, apontam-se: a) os preços cobrados não representam
nem o custo da oferta da água nem seu valor para o usuário; b) não cria
mecanismos de incentivo aos usuários para a conservação da água e para a
eficiência de seu uso;
Mercados de água – a alocação baseada no mercado refere-se à troca de direitos
de uso da água. A vantagem para o vendedor é a possibilidade de aumentar seu
lucro, e para o comprador, é o encorajamento para que o mercado aumente a
disponibilidade de água. As desvantagens incluem a dificuldade de medir a água
consumida, definir os direitos sobre a água, fazer cumprir os regulamentos,
investir em sistemas de adução, os efeitos de externalidades sobre terceiros e a
degradação ambiental;
Alocação baseada no usuário – a administração de sistemas irrigados é um dos
exemplos mais comuns desse tipo de alocação, devido à utilização de critérios
como o volume de água consumida, ou cotas, entre outros. A maior vantagem é a
flexibilidade potencial para adaptar o fornecimento de água para satisfazer
necessidades locais, enquanto a desvantagem é a exigência de estruturas
institucionais transparentes, nem sempre disponíveis.
31
Qualquer que seja o mecanismo adotado, a universalização dos serviços de
abastecimento de água (ou seja, reconhecer o acesso à água como um direito humano)
depende de investimentos em obras de expansão dos serviços, para prover aos mais pobres
(eqüidade social). Entretanto, a crise financeira do setor público, em seus três níveis, requer a
participação de recursos da iniciativa privada. Os investidores privados, por sua vez, somente
teriam interesse em participar de empreendimentos havendo um ambiente institucional
favorável, com marco regulatório que garanta a estabilidade das regras por um período de
tempo suficiente para o retorno do investimento.
Isto, por sua vez, depende de um sistema tarifário que compatibilize as metas de
universalização com a necessidade de retorno do investimento. Desta forma, a opção pela
privatização dos serviços de abastecimento de água (e de esgotamento sanitário e outras
atividades relacionadas à infra-estrutura) decorre de três motivos básicos:
A gestão ineficiente por parte do governo, seja a administração direta ou indireta;
Em conseqüência do primeiro, pela falta de capacidade do órgão público
concessionário de realizar os investimentos necessários para a melhoria e a
expansão dos serviços;
O governo prioriza outros investimentos, em detrimento do setor de
abastecimento de água.
Nesse contexto, a opção de privatizar a gestão dos serviços resulta, antes de tudo, da
gestão pública ineficiente e das exigências da população por melhoria e expansão dos
sistemas. Não é uma questão ideológica. Entretanto, convém esclarecer que a privatização
envolve diversas alternativas, segundo Kessides (2004):
Contrato de gestão, ou de arrendamento: a propriedade e o financiamento são
públicos, e a operação é privada;
Concessão: a propriedade é pública, e o financiamento e operação são do setor
privado;
Contrato de construção/operação/transferência: a propriedade é privada, e depois
de certo tempo passa ao domínio público, e o investimento e a operação são
privadas;
32
Propriedade conjunta: a propriedade, o financiamento e a operação são realizadas
em conjunto pelo poder público e pela iniciativa privada.
Uma outra classificação é apresentada por Turolla (2002), para quem há dois modelos
básicos de gestão privada do abastecimento de água e do saneamento:
O inglês, em que a propriedade dos ativos e a gestão são privadas, com uma
agência reguladora pública;
O francês, em que a propriedade dos ativos é pública e a gestão é privada, com a
regulação sendo exercida não por uma agência, mas por contratos.
O Brasil ainda não definiu qual modelo adotar, até por falta da legislação básica, mas
tende a escolher uma posição intermediária aos dois modelos citados, ou seja, a propriedade
dos ativos é pública, com gestão privada, mas a regulação é feita por uma agência pública. A
aprovação da Lei nº 11.079, de 30/12/2004, que institui normas para licitação e contratação de
parcerias público-privadas, abre um caminho para a participação dos investimentos privados
no setor de saneamento.
O Banco Mundial e outros organismos internacionais de financiamento têm sido
criticados por sua posição de defesa do capital privado nos setores de infra-estrutura, inclusive
de abastecimento de água e de serviços de saneamento. Uma justificativa para a participação
dos investimentos privados é a ineficiência dos operadores públicos, que não conseguem
universalizar o atendimento porque trabalham com receitas inferiores aos custos, em geral por
estarem submetidos a ingerência política, e por não terem capacidade de financiamento.
A esse respeito, o Banco Mundial expõe:
Sob o Plano de Ação para Infra-Estrutura [apresentado ao Board em 8 de
julho de 2003], o Grupo do Banco Mundial revitalizará suas operações nesse
setor, trabalhando em todas as opções de participação dos setores público e
privado para provisão e financiamento desses serviços. [...] O Plano enfatiza
que o Grupo do Banco Mundial deve permanecer concentrado na eficiência
dos serviços de infra-estrutura, em vez de simplesmente na construção de
novas instalações físicas [...] O Banco continuará comprometido com as
empresas públicas eficientes e em processo de reforma, mas o financiamento
de empresas ineficientes, que carecem de um programa de reformas, é coisa
do passado, que não produz melhoramentos sustentáveis nos serviços.
(WORLD BANK, 2004, p. 1, tradução nossa)
33
A eventual participação do setor privado na operação de um sistema de distribuição de
água não significa uma "privatização da água", até porque no Brasil, como em outros países, a
própria Constituição assegura a titularidade pública da água, mas compreende diversas formas
englobadas genericamente sob a denominação de Parceria Público-Privada, que apresenta
distintas opções de ser operacionalização, com variações em relação aos modelos inglês e
francês.
2.3.2 Água: um direito humano fundamental
A idéia de que o acesso à água é um direito humano fundamental está compreendido no
direito à saúde, à alimentação e ao bem-estar. Em síntese, o direito à água está contido no
direito à vida, tal como expresso no Art. 23, inciso 1 da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, aprovada pelas Nações Unidas em 1948:
Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à
sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao
vestuário, à moradia, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais
necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na
invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de
subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade. (NAÇÕES
UNIDAS, 1948)
A primeira grande Conferência internacional sobre o meio ambiente, realizada pela
Organização das Nações Unidas em Estocolmo, em 1972, aprovou 26 Princípios em sua
Declaração, dos quais o primeiro afirma:
O homem tem o direito fundamental à liberdade, igualdade e condições
adequadas de vida, em um ambiente de qualidade que permita uma vida com
dignidade e bem-estar, e assume uma solene responsabilidade de proteger e
melhorar o ambiente para a presente e as futuras gerações. (UNITED
NATIONS, 1972, p. 4, tradução nossa)
Esta foi uma definição seminal, por conter o cerne do conceito de desenvolvimento
sustentável - a condição de que o usufruto do ambiente pela atual geração não resulte em
prejuízo para as futuras gerações.
34
Cinco anos depois da Conferência de Estocolmo, as Nações Unidas realizaram a
primeira Conferência internacional sobre água, em Mar del Plata, Argentina, cujos temas
principais foram a avaliação dos recursos hídricos e o uso eficiente da água. A Declaração
aprovada na Conferência reconheceu que "todos os povos, quaisquer que sejam seu estágio de
desenvolvimento e suas condições sociais e econômicas, têm o direito ao acesso à água
potável em quantidade e qualidade à altura de suas necessidades básicas" (apud NAÇÕES
UNIDAS, 1996, p. 352). Outro resultado de Mar del Plata foi a instituição, pela ONU, da
Década Internacional da Água Potável e do Saneamento (1981-1990).
Em 1983, a ONU criou a Comissão Mundial sobre Ambiente e Desenvolvimento, que
se notabilizou por seu Relatório Nosso Futuro Comum, publicado em 1987, também
conhecido como Relatório Brundtland, cujos Princípios Gerais, Direitos e Responsabilidades
foram em parte incorporados posteriormente à legislação de muitos países. O Brasil os incluiu
quase literalmente no texto constitucional de 1988, como mostra o Quadro 2.
RELATÓRIO BRUNDTLAND, 1987 -
PRINCÍPIOS GERAIS, DIREITOS E
RESPONSABILIDADES
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988 -
CAP. VI – DO MEIO AMBIENTE
Direito Humano
1. Todos os seres humanos têm o direito
fundamental a um ambiente adequado à sua saúde e
bem-estar.
Eqüidade intergeracional
2. Os Estados devem conservar e usar o ambiente e
os recursos naturais em benefício das gerações
presentes e futuras.
Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-
se ao poder público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
Conservação e Uso Sustentável
3. Os Estados conservarão os ecossistemas e
processos ecológicos essenciais ao funcionamento
da biosfera, preservarão a biodiversidade e
observarão o princípio da produção sustentável
ótima no uso de recursos naturais e ecossistemas.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito,
incumbe ao poder público:
I – preservar e restaurar os processos ecológicos
essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e
ecossistemas.
Quadro 2 – A influência do Relatório Brundtland na Constituição Federal do Brasil.
Fontes: UNITED NATIONS, 1987 (tradução nossa); BRASIL, 2005a.
Os dois documentos mencionados reafirmaram os direitos da pessoa humana, de 1948, e
os termos da Declaração da Conferência de Estocolmo e acrescentaram o dever do Estado em
garantir aqueles direitos. O direito à água está contido no direito à saúde, e, portanto, no
direito à vida, e este inclui, por sua vez, o direito à alimentação e à moradia. Em última
análise, todos esses direitos dependem de um ambiente "ecologicamente adequado".
35
Um outro importante documento que expressa o direito à água é a Convenção dos
Direitos da Criança, aprovada por Resolução da Assembléia Geral das Nações Unidas em
novembro de 1989, que entrou em vigência em 1990. Em seu Art. 24, "c", declara que os
Estados reconhecem o direito da criança desfrutar o melhor padrão de saúde possível e
deverão adotar medidas que promovam, entre outros, o combate à doença e à subnutrição,
incluindo "[...] a provisão de alimentos adequados e água potável, levando em conta os riscos
da poluição ambiental". (UNITED NATIONS, 1989, tradução nossa)
Em 1990 realizou-se em Nova Delhi, Índia, a Consulta Mundial sobre Água Potável e
Saneamento Ambiental para a Década de 1990, cuja Declaração enfatizou a necessidade de se
oferecer, em bases sustentáveis, "acesso à água em quantidade e qualidade para todos." (apud
NAÇÕES UNIDAS, 1996, p. 352).
Mesmo tendo definido o Princípio segundo o qual a água tem um valor econômico, e
como tal deve ser reconhecida como um bem econômico, a Conferência de Dublin,
preparatória da Conferência Rio-92, ressalva em sua Declaração que
[...] é vital reconhecer, primeiro, o direito básico de todos os seres humanos
de terem acesso à água limpa e ao saneamento em condições de preço
acessível. Erros do passado, em reconhecer o valor econômico da água, têm
levado ao desperdício e aos danos ambientais a esse recurso. A gestão da
água como um bem econômico é um importante caminho para alcançar o
uso eficiente e eqüitativo, e para encorajar a conservação e a proteção dos
recursos hídricos. (INTERNATIONAL CONFERENCE ON WATER AND
THE ENVIRONMENT, 1992, p. 4, tradução nossa)
A Agenda 21, aprovada na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, afirma que "uma gestão de água
confiável e o saneamento ambiental são vitais para proteger o meio ambiente, melhorando a
saúde e mitigando a pobreza." (NAÇÕES UNIDAS, 1996, p. 351)
O Programa proposto pela Agenda 21 está baseado em quatro Princípios: a) proteção
ambiental e salvaguarda da saúde por meio do manejo integrado dos recursos hídricos; b)
reformas institucionais, inclusive para permitir a participação da mulher em todos os níveis de
decisão; c) manejo comunitário dos serviços, com o fortalecimento das instituições locais na
implementação e sustentação de programas de saneamento e abastecimento d’água; e d)
práticas financeiras saudáveis, conseguidas por meio de melhor administração dos ativos
existentes e amplo uso de tecnologias apropriadas. (NAÇÕES UNIDAS, 1996, p. 352)
36
A Conferência das Nações Unidas sobre População e Desenvolvimento, realizada no
Cairo, Egito, em 1994, é exemplo axiomático do debate sobre a água nas conferências
temáticas promovidas pela ONU. Seu Princípio 2 declara que "os seres humanos são o centro
das preocupações para o desenvolvimento sustentável. [...] Eles têm o direito a um adequado
padrão de vida para si e para suas famílias, inclusive alimentação, vestuário, moradia, água e
saneamento adequados." (UNITED NATIONS, 1994b, p. 20, tradução nossa)
Na Carta Européia sobre os Recursos Hídricos, de 2001, o Comitê de Ministros
recomendou aos Estados Membros da União Européia que "todos têm o direito a uma
quantidade suficiente de água para suas necessidades básicas" (Parágrafo 5), mas
complementou, no Parágrafo 19, que, "sem prejuízo do direito à água para satisfazer as
necessidades básicas, a oferta de água deve ser sujeita a pagamento de forma a cobrir os
custos financeiros associados à produção e utilização dos recursos hídricos." (COUNCIL OF
EUROPE, 2001, tradução nossa)
O Plano de Ação aprovado na Conferência de Johannesburg afirma no Cap. II –
Erradicação da Pobreza, nº 8, que "a oferta de água limpa e potável e de serviços adequados
de saneamento é necessária para proteger a saúde humana e o meio ambiente." (UNITED
NATIONS, 1992a, tradução nossa) No Cap. IV – Proteção e gestão da base de recursos
naturais do desenvolvimento econômico e social, nº 25, propõe a adoção de medidas no
sentido de
Mobilizar recursos financeiros nacionais e internacionais, transferir tecnologias,
melhorar as práticas e apoiar o fortalecimento da capacidade de criação de infra-
estruturas e serviços de abastecimento de água e de saneamento, assegurando que
essas infra-estruturas e serviços permitam atender às necessidades dos pobres e
tenham em conta as questões de gênero;
Facilitar o acesso à informação pública e à participação, em todos os níveis,
inclusive das mulheres, em apoio à adoção de políticas e decisões relativas à
ordenação dos recursos hídricos e à execução de projetos nessa esfera;
Estimular os governos para que adotem, em caráter prioritário, com apoio das
partes interessadas, medidas de gestão dos recursos hídricos, fortalecimento da
capacidade de planejamento e mobilizar recursos financeiros novos e adicionais e
37
tecnologias inovadoras para aplicar as recomendações do Capítulo 18 da Agenda
21;
Intensificar as atividades de prevenção da contaminação da água, para reduzir os
perigos à saúde e proteger os ecossistemas introduzindo tecnologias de
saneamento e tratamento de águas residuais industriais e domésticas a preço
acessível, mitigando os efeitos da contaminação da água subterrânea e
estabelecendo, em nível nacional, sistemas de vigilância e regimes jurídicos
eficazes;
Adotar medidas de prevenção e proteção para promover o aproveitamento
sustentável da água e resolver o problema da escassez de água (UNITED
NATIONS, 1992b, tradução nossa)
Em 2002, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais do Conselho
Econômico e Social das Nações Unidas aprovou o Comentário Geral nº 15, em que discorre
sobre os Arts. 11 e 12 do Acordo Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, adotado em 16/12/1966 e que entrou em vigência em 23/1/1976. O Art. 11
reconhece o "direito de todos a um adequado padrão de vida para si e para a sua família,
incluindo alimentação, vestuário e moradia, e a uma contínua melhoria das condições de
vida", enquanto o Art. 12 refere-se "ao direito de desfrutar do melhor padrão possível de
saúde física e mental." (apud SALMAN; McINERNEY-LANKFORD, 2004, p. 113-114,
tradução nossa)
O aludido Comentário Geral nº 15 associa o direito à água como “inextricavelmente
relacionado" aos direitos previstos nos Arts. 11 e 12, acima citados, assim como aos outros
direitos inscritos na Declaração Universal dos Direitos do Homem. (UNITED NATIONS,
2002, p. 2, tradução nossa)
Segundo a Organização Mundial da Saúde, em mais de 100 países a Constituição
garante o direito ao ambiente limpo e sadio (WHO, 2003, p.19), o que significa cuidados com
os recursos hídricos, em geral, e com o abastecimento de água e com os serviços de
saneamento, em particular. Países que aprovaram uma nova Constituição, ou a emendaram, a
partir da década de 1990, incluíram explicitamente o direito à água, como é o caso da África
do Sul, que promulgou nova Constituição em 4/12/1996, em cujo Art. 27.1.b ficou
estabelecido que "toda pessoa tem direito a ter acesso a suficiente alimento e água", mas
38
ressalvou adiante, no Art. 27.2, que "O Estado deverá adotar medidas razoáveis para alcançar
a progressiva realização desse direito." (SOUTH AFRICA, 2004, tradução nossa)
O I Fórum Alternativo Mundial da Água, realizado em março de 2003, em Florença,
Itália, promovido por organizações não-governamentais, agiu como um contraponto ao Fórum
Mundial da Água, na medida em que se posicionou contrário à participação do setor privado,
aprovando quatro princípios para a água como um serviço público:
O acesso à água em suficientes quantidade (mínimo de 40 litros por dia, por
pessoa, para uso doméstico) e qualidade para a vida, deve ser reconhecido como
um direito humano universal, social e constitucional;
Há que se considerar a água como um bem comum, pertencente a todos os seres
humanos e espécies vivas do planeta;
As comunidades, desde as comunas locais até as uniões continentais e a
comunidade mundial, devem assegurar o financiamento dos investimentos
necessários para concretizar o direito à água potável para todos e o uso sustentável
da água como um bem;
Os cidadãos têm de participar diretamente ou por representantes nas definições e
realizações das políticas da água, em nível local e mundial (FAME, 2005,
tradução nossa)
No Uruguai, realizou-se em 2004 um plebiscito que aprovou, por 62,75% dos votos,
emenda à Constituição para incluir, no Art. 47, o dispositivo segundo o qual "a água é um
recurso natural essencial para a vida [e] o acesso à água e ao saneamento constitui direitos
humanos fundamentais", estabelecendo ainda que os critérios de gestão dos recursos hídricos
tenham como base a participação dos usuários e a sustentabilidade, acrescentando que "o
serviço público de saneamento e o serviço público de abastecimento de água para o consumo
humano serão prestados exclusiva e diretamente por pessoas jurídicas estatais." (HALL,
LOBINA e DE LA MOTTE, 2004, p. 3, tradução nossa)
O mais recente documento das Nações Unidas sobre água, saneamento e assentamentos
humanos é a decisão adotada pela Comissão de Desenvolvimento Sustentável, ligada ao
Conselho Econômico e Social, na 13ª Sessão realizada em 11 e 12 de abril de 2005, na qual,
em relação aos serviços básicos, são feitas as seguintes recomendações:
39
Dar prioridade à água nos planos nacionais, facilitando a todos o acesso à água;
Fortalecer a capacidade das autoridades em níveis nacional e local, no sentido da
alocação de recursos e gestão, controle da qualidade, desenvolvimento e
implementação de projetos de abastecimento e monitoração dos serviços;
Apoiar o planejamento e desenvolvimento da infra-estrutura hídrica;
Envolver todas as partes interessadas, especialmente mulheres e jovens, no
planejamento e gestão dos serviços de água e, quando possível, no processo de
decisão;
Empregar instrumentos de política, como regulação e recuperação de custos, que
contribuam para a sustentabilidade dos serviços, sem que a recuperação de custos
seja obstáculo às pessoas pobres terem acesso à água segura;
Direcionar os subsídios para os pobres, inclusive para cobrir os custos de ligação
domiciliar;
Desenvolver tecnologias de baixo custo, com ênfase em dessalinização,
tratamento de contaminantes e coleta de água de chuva, dedicando-se especial
atenção aos pobres de regiões áridas e semi-áridas, tendo em vista a escassez da
água (UNITED NATIONS, 2005, tradução nossa)
Outras Conferências internacionais, promovidas anteriormente pela ONU, para tratar de
diferentes temas, também incluíram declaração de princípios sobre a importância da água
como um direito humano. Mencionam-se, entre outras, a Cúpula Mundial sobre
Desenvolvimento Social, em Copenhague, Dinamarca (1995), a Quarta Conferência das
Nações Unidas sobre a Mulher, em Pequim, China (1995), e a Cúpula Mundial da
Alimentação, em Roma, Itália (1996).
A questão da eqüidade social e da água como um direito proporciona novos elementos
para o estabelecimento de tarifas diferenciadas de água, como defendem a ONU e seus
organismos vinculados, e também as organizações não-governamentais preocupadas com o
desafio da oferta de água para todos.
Entre as diversas alternativas que possibilitam o acesso dos pobres à água, destacam-se:
40
Garantir um volume mínimo, gratuitamente, como na África do Sul, que provê
cada domicílio de 200 litros por dia;
Tarifas progressivas;
Subsídios diretos, como na Colômbia, que desenvolveu um esquema com seis
estratos de renda domiciliar, em que os de mais baixa renda recebem subsídio e os
de renda mais alta pagam uma sobretaxa. Em muitos países, os grandes
consumidores industriais e comerciais subsidiam os consumidores pobres.
(UNITED NATIONS, 2004c, tradução nossa)
Um dos maiores desafios para os países pobres e em desenvolvimento é a
universalização dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário. As
disparidades entre ricos e pobres são enormes. Em escala mundial, as nações desenvolvidas
têm um consumo médio de 400 a 500 litros de água por dia, por pessoa, enquanto nos países
pobres e em desenvolvimento essa média é de apenas 20 litros (LENTON; WRIGHT, 2004 p.
9, tradução nossa)
As bases para uma nova política de abastecimento de água no Brasil estão incorporadas
à legislação recente, tais como os conceitos de valor econômico, de domínio público da água e
a gestão democrática dos recursos hídricos, trazidos de Conferências internacionais e acatadas
na Lei nº 9.433/1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos. Para completar,
resta a aprovação, pelo Congresso Nacional, do Projeto de Lei que institui a Política Nacional
de Saneamento. Como se verá adiante, o texto em discussão na Câmara dos Deputados abriga
a conceituação de que o acesso à água é um direito humano fundamental, bem como os
critérios de eqüidade social, eficácia econômica e sustentabilidade ambiental, colocando o
Brasil, desta forma, entre os países mais adiantados na legislação, embora não tenha
correspondência prática na prioridade dos investimentos públicos.
2.3.3 Valor econômico e direito humano: conceitos complementares
A análise do valor econômico da água se concentra basicamente no lado da oferta,
compreendendo os custos de captação, adução, tratamento e distribuição da água, o
41
financiamento dos serviços, o retorno dos investimentos, entre outros. Por outro lado, o acesso
à água como um direito humano remete à análise da demanda, especialmente dos pobres, que
não podem pagar pelos serviços e que em geral são obrigados a morar longe da rede de
distribuição ou de fontes seguras de água.
A população ainda não foi suficientemente esclarecida sobre o fato de que a água deve
ser aceita como um bem econômico, embora todos compreendam que a água não é uma
mercadoria qualquer, em razão de sua essencialidade para a saúde e para a própria vida – de
todos os seres vivos – mas facilmente reconhece o acesso à água como um direito humano,
que ao Estado cabe assegurar.
Conciliar essas idéias aparentemente contrárias significa solucionar um dos problemas
mais instigantes, ou seja, como financiar as obras e os serviços que proporcionem o acesso à
água para os mais pobres, que não podem pagar sequer o consumo equivalente às
necessidades básicas de qualquer ser humano, e por isso não são consumidores preferenciais
para a empresa concessionária.
Para esses consumidores, que são acima de tudo seres humanos, há que se definir um
sistema tarifário que inclua subsídios, que podem ser classificados, conforme o Art. 2º, incisos
XIX a XXIII do Projeto de Lei nº 5.296/2005, em:
Simples, quando têm origem em receitas não geradas pela prestação dos
serviços, constituindo-se, em geral, de transferências de recursos do orçamento
público;
Cruzados, que são baseados em receitas geradas pelos serviços, dividindo-se em
cruzados internos quando se processam dentro da estrutura de cobrança no
território de um só município, ou na área de atuação de entidade responsável pela
gestão associada desses serviços ou pela integração da organização, do
planejamento e da execução dos serviços, quando caracterizados como funções
públicas de interesse comum; e em cruzados externos, quando se processam
mediante transferências ou compensações de recursos originados de área ou
território diferente.
Os subsídios, simples ou cruzados, podem ser ainda diretos, quando se destinam a
usuários determinados.
42
Segundo Yepes (2003), as tarifas devem promover o uso eficiente dos recursos
(financeiros, humanos e naturais); proporcionar os recursos financeiros necessários para a
operação, manutenção e expansão dos serviços; e assegurar o acesso de toda a população aos
serviços básicos de água potável e saneamento básico, mediante a aplicação de adequados
subsídios. Além disso, o sistema de tarifas precisa ser entendido por todos os usuários. O
autor considera, portanto, que as tarifas compreendam os aspectos da eficiência, da eqüidade e
da sustentabilidade ambiental.
A combinação da questão econômica da água com o aspecto do direito humano envolve,
segundo Winpenny (2003), quatro razões: a) o acesso à água é um direito e uma necessidade
básica do ser humano; b) é vital para a realização de outros direitos sociais, como a educação,
a saúde, a igualdade de gênero e a redução da pobreza, mas c) a oferta de água pura e segura
não tem merecido a devida atenção por parte dos governos, ao contrário de outros setores, e,
ademais, d) o aproveitamento e a gestão dos recursos hídricos são essenciais para a
preservação do meio ambiente, para o crescimento econômico e para a redução da pobreza.
Um outro ponto indispensável para o equilíbrio entre as duas vertentes é a
implementação de gestão racional, caracterizada pela existência de órgão regulador distinto
do concessionário dos serviços, mesmo que seja órgão público pertencente à mesma esfera de
governo. A regulação dos serviços de abastecimento de água, segundo Kessides (2004), deve
permitir que sejam alcançados três objetivos: eficiência, eqüidade e sustentabilidade
ambiental.
A eficiência nos sistemas de abastecimento de água é um elemento importante na
dimensão econômica do desenvolvimento sustentável, pois significa captar e distribuir a água
a um custo mais baixo possível, como condição para a prestação do serviço em bases
contínuas, com qualidade e regularidade.
A eqüidade compõe a dimensão social do desenvolvimento, na medida em que garante
que todos tenham acesso ao volume mínimo de água, independentemente da capacidade de
pagamento, configurando-se, assim, uma política de inclusão social, enquanto a
sustentabilidade ambiental refere-se à conservação dos recursos hídricos, minimizando-se os
riscos de poluição.
43
Esta conceituação fundamenta-se na Agenda 21, em seu item 18.8, que aponta a
necessidade da junção desses três aspectos, ao recomendar que "ao desenvolver e usar os
recursos hídricos deve-se dar prioridade à satisfação das necessidades básicas [ou seja, a
eqüidade], e à proteção dos ecossistemas [sustentabilidade ambiental]. Entretanto, uma vez
satisfeitas essas necessidades, os usuários da água devem pagar tarifas adequadas
[eficiência]." (NAÇÕES UNIDAS, 1996, p. 333)
Nas recentes Conferências internacionais sobre a água, promovidas pela ONU ou por
organizações privadas, presencia-se a proximidade desse consenso. Em 4/12/2001, a
Declaração aprovada pela Sessão Ministerial da Conferência Internacional sobre Água Fresca,
em Bonn, Alemanha, reconheceu a necessidade de o setor privado aliar-se ao governo e à
sociedade civil no esforço de ofertar água e serviços de saneamento às populações não
atendidas, mas ressaltou que "a gestão privada dos serviços não implica a propriedade dos
recursos hídricos", e que “os concessionários devem sujeitar-se a uma efetiva regulação e
monitoração." (MINISTERIAL DECLARATION, 2001, tradução nossa)
Nas Recomendações para a Ação, a Conferência de Bonn reafirmou que a água é um
bem econômico e social e deve ter como uso prioritário a satisfação das necessidades
humanas, mas por prudência reconheceu apenas que "muitas pessoas consideram o acesso à
água de beber e ao saneamento como um direito humano." (INTERNATIONAL
CONFERENCE ON FRESHWATER, 2001, tradução nossa)
Segundo Gleick (2004, p. 205; 209), os Estados Unidos explicitamente retiraram a frase
"a água é um direito humano" da Declaração de Bonn, e novamente recusaram-se a aceitar a
expressão "direito humano à água" da declaração oficial do III Fórum Mundial da Água,
realizado em Kyoto, Japão, em 2003, promovido pelo Conselho Mundial da Água (World
Water Council), que é uma entidade privada.
A Declaração Ministerial intitulada "Mensagem do Lago Biwa e da Bacia Yodo",
aprovada pelos Ministros e Chefes de Delegação participantes do III Fórum Mundial da Água,
reconheceu que a boa governança, a capacidade de construção e o financiamento são os
principais fatores para que os objetivos de prover água e saneamento básico para todos sejam
alcançados, tornando-se necessário buscar outros arranjos financeiros, inclusive com a
participação do setor privado (Parcerias Público-Privadas), mas assegurando, ao mesmo
tempo, "o controle público necessário aos planos legais para a proteção dos interesses
44
públicos, dando uma ênfase particular aos interesses dos pobres." (DECLARAÇÃO
MINISTERIAL, 2003)
Ainda sobre o III Fórum Mundial da Água, Cain (2004, p. 189 e 190) afirma que "a
questão chave girou em torno de se a água deveria ser considerada primeiro como um direito
humano ou como um bem econômico", mas, no final, a Declaração Ministerial "não
considerou a água como um direito humano". No entanto, a Declaração das Organizações
Não-Governamentais, presentes em Kyoto, contém a recomendação de que "os governos
devem reafirmar que o acesso à água e ao saneamento é um direito humano básico." (apud
CAIN, 2004, p. 202, tradução nossa)
Essas preocupações, entretanto, não são recentes. Em 1979, o Banco Mundial e o
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) criaram o Programa da Água
e do Saneamento (Water and Sanitation Program) com o objetivo de proporcionar água
segura e saneamento para os pobres em todo o mundo. Atualmente, o Programa trabalha no
sentido de reunir esforços dos diferentes níveis de governo, de organizações não-
governamentais, do setor privado e de agências financiadoras para definir as reformas
necessárias para o setor de abastecimento de água e de saneamento. (WSP, 2003)
A discussão sobre as fontes de financiamento da melhoria e da expansão dos serviços de
abastecimento de água não comporta a defesa extremada de um ou de outro conceito. A
eficácia econômica, isoladamente, não proverá os serviços aos mais pobres, nem a eqüidade
social, sozinha, resolverá o problema, até porque uma se aloja na outra, ou seja, sem eficácia
econômica o governo não pode realizar a eqüidade social, e sem esta o desenvolvimento
estará incompleto.
Atualmente, ao governo e ao setor privado veio juntar-se a sociedade civil organizada,
seja no papel de usuários ou como grupos comunitários interessados, como parte responsável
pela solução dos problemas que lhe atingem diretamente.
45
2.3.4 Os objetivos de desenvolvimento do milênio
Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, aprovados na Cúpula do Milênio,
realizada na sede da ONU em Nova Iorque, de 6 a 8 de setembro de 2000, em que
representantes de 191 países, dos quais 147 Chefes de Estado ou de Governo - a maior
reunião já promovida pela Organização das Nações Unidas – reafirmaram compromissos pela
paz e pelo desenvolvimento de todos os povos da Terra, consistem em importantes
referenciais para definição de políticas de desenvolvimento.
No Documento "Declaração do Milênio" das Nações Unidas (2000, p. 1-2), os líderes
mundiais reconhecem a necessidade de "respeitar e defender os princípios da dignidade
humana, da igualdade e da eqüidade, a nível mundial", ressaltando o desafio de que "a
globalização venha a ser uma força positiva para todos os povos do mundo." No entanto,
destacam que, ao tempo em que oferece grandes possibilidades, hoje seus benefícios estão
sendo distribuídos de forma desigual. Nessa perspectiva, foram fixados oito objetivos:
erradicar a pobreza extrema e a fome; atingir o ensino primário universal; promover a
igualdade entre os sexos e a autonomização das mulheres; reduzir a mortalidade infantil;
melhorar a saúde materna; combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças; garantir a
sustentabilidade ambiental; e criar uma Parceria Mundial para o Desenvolvimento.
Diretamente, a água está presente na Meta 10 do Objetivo 7, que consiste em reduzir
para a metade, até 2015, a proporção da população mundial sem um acesso permanente a água
potável salubre. Entretanto, aparece em todos os demais objetivos, porque o abastecimento de
água e a gestão dos recursos hídricos desempenham papel fundamental em quaisquer aspectos
da vida humana.
Assim, a oferta de serviços de abastecimento de água domiciliar contribui para reduzir
as condições de pobreza, bem como a disponibilidade de água para irrigação possibilita
melhores níveis de segurança alimentar, em razão da maior oferta de alimentos e de mais
oportunidades de trabalho. Condições adequadas de saneamento nas escolas aumentam a
freqüência dos alunos, enquanto nas zonas rurais a oferta de água nos domicílios, ou nas
proximidades, permite às crianças e adolescentes mais tempo disponível para os estudos. As
mulheres são mais beneficiadas com a existência de serviços de abastecimento de água nos
46
domicílios, seja por diminuir o tempo gasto para apanhar a água em fontes distantes, seja por
melhorar as condições de higiene e, conseqüentemente, por limitar as chances de ocorrência
de doenças nas crianças, com a queda das taxas de morbidade e mortalidade infantil.
Além disso, há ainda a redução de doenças relacionadas à água, como diarréias,
esquistossomose e outras, que são resultado da deficiência do abastecimento domiciliar e do
saneamento ambiental inadequado.
No penúltimo parágrafo do documento Declaração do Milênio, os Chefes de Estado ou
de Governo pedem à Assembléia Geral da ONU para examinar periodicamente os progressos
alcançados na aplicação das medidas propostas, com a publicação de Relatórios periódicos de
avaliação, tendo o primeiro sido publicado em setembro de 2001. Para a elaboração dos
Relatórios, a ONU criou o Projeto Milênio (Millennium Project), formado por um grupo de
assessores independentes, dirigidos pelo economista Jeffrey Sachs, sob a coordenação do
Secretário-Geral, Kofi Annan, e do Administrador do PNUD, Mark Malloch Brown. O
Projeto Milênio divide-se em 10 grupos de trabalho ("forças-tarefa"), com os temas que
formam os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, sendo um encarregado de avaliar as
metas relativas a água e saneamento. (LENTON; WRIGHT, 2004, tradução nossa)
Com relação ao Brasil, o governo criou em 31/10/2003 um Grupo Técnico composto
por representantes de vários Ministérios e órgãos federais encarregado de subsidiar a
elaboração de um plano de ação do governo brasileiro para o alcance das Metas e Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio e de coordenar a elaboração de relatório nacional sobre o
acompanhamento dos resultados das ações do governo para esse fim.
O primeiro relatório de avaliação no Brasil dos Objetivos de desenvolvimento do
milênio foi publicado em setembro de 2004, sob a coordenação do IPEA e do IBGE, com a
participação de diversos organismos internacionais, entre os quais o PNUD. (BRASIL,
Presidência da República, 2004)
O estudo utiliza dados da PNAD, realizada pelo IBGE, referentes ao período de 1992 a
2002, embora o ano de 1990 tenha sido definido pelas Nações Unidas como a data-base para a
avaliação dos resultados, ou seja, no caso da Meta 10 do Objetivo 7, a redução para a metade
do número de pessoas sem abastecimento de água, em 2015. Nota-se que esta é uma meta
mínima, pois a meta máxima seria a universalização do atendimento, com a melhoria dos
47
níveis para os atualmente servidos, ou seja, quem tem acesso à rede geral apenas com um
ponto de água à frente da casa, passaria a ter pelo menos um cômodo com água, e assim por
diante.
O Relatório mostra a evolução no Brasil do percentual de moradores em domicílios
particulares com acesso a uma fonte de água tratada – para as zonas urbanas, com
abastecimento por rede geral – que passou de 88,3%, em 1992, para 91,3%, em 2002. Para as
áreas rurais, o acesso a uma fonte de água tratada foi considerado somando-se os percentuais
da população ligada à rede geral e os de abastecimento por poço ou nascente, que
apresentaram, no período, um aumento de 76,2% para 80,6%. Admite que a água proveniente
de poço ou nascente, na zona rural, é "uma alternativa relativamente adequada" (BRASIL.
Presidência da República, 2004, p. 72), o que na prática não ocorre, pois há diferenças de
qualidade da água de poços artesianos, profundos, e de poços cacimbão, que podem ser
abertos e de pequena profundidade e, portanto, suscetíveis à contaminação.
Ressalta-se, ainda, que os dados apresentados pela PNAD, nos anos de 1992 a 2002, não
incluem as populações rurais dos Estados de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e
Amapá, e que as pesquisas dos Censos Demográficos e as da PNAD não têm nível de
detalhamento suficiente para incluir informações relativas à qualidade da água fornecida, ou
se as fontes de água utilizadas são protegidas, se a água é tratada adequadamente, se há filtros
no domicílio, qual a distância da fonte utilizada, etc.
Na zona rural, as informações do IBGE não distinguem, em "outro tipo" de
abastecimento, se a água é coletada da chuva e armazenada em cisternas, se provém de poço
artesiano ou de outra fonte segura, o que classifica o acesso como "melhorado", muito menos
a distância para a fonte. No caso das cisternas para armazenar água de chuva, ressalte-se o
programa desenvolvido no semi-árido nordestino por organizações não-governamentais como
a Cáritas, que tem como meta a construção de um milhão de cisternas.
Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio são referências para qualquer plano de
desenvolvimento, sobretudo quando têm como público-alvo as populações mais pobres. No
caso da Meta 10 do Objetivo 7, de reduzir pela metade, até 2015, a proporção da população
sem acesso permanente e sustentável à água potável segura, em relação aos dados de 1991,
observa-se que, como o Brasil é um país de desigualdades, não basta explicitar uma única
meta, nem realizar seu acompanhamento somente a partir das médias nacionais.
48
2.3.5 A política de abastecimento de água proposta pelo governo federal
O governo federal encaminhou ao Congresso Nacional, em 23/5/2005, o Projeto de Lei
nº 5.296/2005, em substituição ao Projeto de Lei nº 4.147/2001, que institui as diretrizes para
os serviços públicos de saneamento básico e a Política Nacional de Saneamento Básico
(PNS), o qual deverá ser discutido e emendado antes de sua aprovação pela Câmara dos
Deputados e pelo Senado Federal. Uma análise sucinta, neste trabalho, contribui para uma
avaliação prévia da nova política que poderá ser implementada visando ao desenvolvimento
dos serviços de abastecimento de água no Brasil.
O Projeto de Lei define saneamento básico como
o conjunto de serviços e ações com o objetivo de alcançar níveis crescentes
de salubridade ambiental, nas condições que maximizem a promoção e a
melhoria das condições de vida nos meios urbano e rural, compreendendo o
abastecimento de água, o esgotamento sanitário, o manejo de resíduos
sólidos e o manejo de águas pluviais. (BRASIL, 2005)
No Título I – das Disposições Preliminares, o Capítulo I trata do Objeto e do Âmbito de
Aplicação da Lei, depois de aprovado o projeto, observando-se que os dispositivos da Política
Nacional de Saneamento serão aplicados à administração direta e indireta da União, inclusive
de entidades ou fundos direta ou indiretamente sob seu controle. Aos demais entes federativos
(Estados e Municípios) e às entidades privadas, sua aplicação se dará mediante adesão
expressa, sem a qual a unidade federada ou o prestador de serviço não poderá receber
transferências voluntárias da União para ações de saneamento básico.
No Capítulo II são apresentadas definições que esclarecem os diversos aspectos
constitutivos do saneamento básico. Nesse sentido, analisam-se os dispositivos do Projeto de
Lei que se relacionam com os principais conceitos relativos à temática analisada neste
trabalho, quais sejam, o valor econômico e o acesso à água como um direito humano
fundamental, centrando-se no âmbito da eficiência, da eqüidade e da sustentabilidade
ambiental:
O valor econômico da água.
49
O Projeto de Lei em apreço trata, em vários dispositivos, das questões econômicas do
abastecimento de água à população e dos serviços públicos de saneamento básico em geral.
Nas diretrizes para os serviços públicos de saneamento básico incluem-se a eficiência, no
sentido de que "a prestação dos serviços deve satisfazer as necessidades dos usuários com a
imposição do menor encargo sócio-ambiental e econômico possível" (Art. 6º, VI) e a
modicidade dos preços públicos, inclusive das tarifas e das taxas (Art. 6º, VII).
A Seção XII do Capítulo II versa especificamente das diretrizes relativas aos aspectos
econômicos e financeiros. O Art. 29 determina que "os serviços públicos de saneamento
básico deverão ter a sustentabilidade econômico-financeira assegurada mediante, tanto quanto
possível, receitas provenientes de preços públicos ou de taxas, nos termos da norma local",
acrescentando, no § 1º, a possibilidade da existência de subsídios simples ou cruzados
externos para a universalização dos serviços.
O Art. 30 define condições para a fixação dos preços públicos dos serviços de
saneamento básico, entre as quais a recuperação dos custos e gastos na prestação dos serviços,
incluindo provisões para sua manutenção, melhoria e expansão, observando-se a eficiência e a
eficácia das empresas prestadoras dos serviços, a remuneração adequada do capital investido,
devendo, ainda, inibir o consumo supérfluo e o desperdício dos recursos e privilegiar o
consumo de água e o uso dos serviços destinados à subsistência humana, assegurando o
atendimento das necessidades da saúde individual e coletiva.
Como uma síntese dos conceitos da água como um direito e como um bem econômico,
o Projeto de Lei assegura que "é direito de todos receber serviços públicos de saneamento
básico que tenham sido adequadamente planejados" (Art. 14), incluindo, como um dos
instrumentos de implementação da política nacional de saneamento, a elaboração de planos de
saneamento ambiental (Art. 49, III), com vigência no prazo de 20 anos (Art. 51, § 2º).
No caso dos planos municipais, cria-se a exigência de identificação e seleção de
alternativas para a ampliação e melhoria dos serviços públicos de saneamento e seus
respectivos custos (Art. 53, I, 3), de previsão e identificação das fontes de financiamento (Art.
53, I, 4), de definição dos elementos necessários à sustentabilidade econômica e financeira
dos serviços, inclusive as políticas de remuneração dos investimentos e de subsídios para a
garantia do acesso universal, integral e equânime.(Art. 53, III, 5) e de ações de educação
sanitária e ambiental, de combate ao desperdício e de mobilização social (Art. 53, III, 7).
50
A água como um direito humano
Com relação ao direito de todos ao abastecimento de água, o referido Projeto de Lei
estabelece, em seu Art. 3º, que "todos têm direito à vida em ambiente salubre, cuja promoção
e preservação é dever do Poder Público e da coletividade", enquanto o Art. 4º garante a todos
"o direito a níveis adequados e crescentes de salubridade ambiental". o art. 6º relaciona 23
diretrizes básicas dos serviços públicos de saneamento básico, entre as quais se destacam a
universalização, ou seja, a garantia a todos de acesso aos serviços (Art. 6º, I), assim
considerada quando, em um território, for assegurado o atendimento das necessidades básicas
vitais das pessoas, "independentemente de sua condição sócio-econômica, em todos os
domicílios e locais de trabalho e de convivência social, de modo ambientalmente aceitável e
de forma adequada às condições locais" (Art. 6º, § único), e a eqüidade, que significa a oferta
dos serviços sem qualquer forma de discriminação ou restrição, exceto quando para priorizar
o atendimento da população de menor renda (Art. 6º, III).
No caso de inadimplência do usuário residencial de baixa renda (conceito a ser
definido), e também de estabelecimentos de saúde, educacionais e de internação coletiva, o
projeto prevê a garantia de abastecimento em quantidade mínima necessária e com qualidade
(Art. 7º, § 2º).
Presencia-se o conceito de sustentabilidade em vários dispositivos do Projeto de Lei,
tendo em vista que estabelece como uma das diretrizes básicas dos serviços públicos de
saneamento a "garantia do caráter duradouro dos benefícios das ações, considerados os
aspectos jurídico-institucionais, sociais, ambientais, energéticos e econômicos relevantes a
elas associados" (Art. 6º, XI), a preservação e a conservação do meio ambiente, "mediante
ações orientadas para a utilização dos recursos naturais de forma sustentável e a reversão da
degradação ambiental, observadas as normas ambientais e de recursos hídricos" (Art. 6º,
XVII), e como diretriz específica para os serviços públicos de abastecimento de água, no que
se refere à sustentabilidade, o projeto destaca "a promoção e o incentivo à preservação, à
proteção e à recuperação dos mananciais e ao uso racional da água, à redução das perdas e à
minimização dos desperdícios" (Art. 7º, III).
O Título III do referido Projeto apresenta um novo modelo institucional para o setor de
saneamento básico, ao definir, no Art. 37, a política nacional como "o conjunto de ações e
normas a serem executadas e observadas por todos os órgãos e entidades que integram o
51
Sistema Nacional de Saneamento (SISNASA)", sendo composto por órgãos e entidades do
governo federal, pelos estados e municípios, por representantes dos usuários e dos prestadores
dos serviços, inclusive empresas privadas, pelos órgãos financiadores e por órgãos colegiados.
Compõem ainda o SISNASA o Sistema de Financiamento do Saneamento Básico (SFSB),
formado por agentes e fundos financeiros, públicos e privados, e o Conselho Nacional das
Cidades.
Ressalta-se que a participação dos estados e municípios e de entidades privadas se dará
por adesão, sem a qual o ente federado ou o prestador do serviço não poderá receber da União
transferências voluntárias nem com ela celebrar contrato, convênio ou outro instrumento
congênere para a realização de ações de saneamento básico (Art. 1º, § 2º, III; Art.38, § 2º; e
Art. 40).
Os instrumentos de implementação da Política Nacional de Saneamento, segundo o Art.
49, são a legislação e os regulamentos; os contratos, convênios e instrumentos congêneres; os
planos de saneamento ambiental; os relatórios anuais de salubridade ambiental; o Sistema
Nacional de Informação e de Avaliação em Saneamento Ambiental (SINISA), o Sistema
Nacional de Desenvolvimento Institucional e de Capacitação de Recursos Humanos em
Saneamento Ambiental (SINDISA); e os fundos de universalização do saneamento ambiental.
O Projeto de Lei nº 5.296/2005 foi apensado ao Projeto de Lei nº 1.144/2003, da
Deputada Maria do Carmo Lara, juntamente com os Projetos de nº 172/2003, 2.627/2003 e
4.092/2004, respectivamente dos Deputados Eduardo Paes, Antônio Carlos Mendes Thame e
Eduardo Cunha. O Parecer preliminar do Relator, Deputado Júlio Lopes, está concluído para
votação na Comissão Especial. Aprovado o Parecer, e após a conversão do Substitutivo em
Lei, pelo Congresso, espera-se que os três níveis de governo possam articular-se de modo a
implementar a política de saneamento básico no País, que possa, conciliando a eficiência
econômica, a eqüidade social e a sustentabilidade ambiental, garantir a toda a população o
acesso à água de qualidade e ao saneamento em geral.
52
3 A POLÍTICA DE RECURSOS HÍDRICOS E DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA NO
PIAUÍ
O aproveitamento dos recursos hídricos do Piauí, como parte de uma estratégia de
desenvolvimento, teve apenas dois momentos significativos: o primeiro, com a transferência
da Capital, de Oeiras para Teresina, em 1852, justificada pela necessidade de aproveitamento
do rio Parnaíba como meio de transporte. No porto de Parnaíba crescia o movimento de
embarcações nacionais e estrangeiras, especialmente para a exportação de produtos do
extrativismo vegetal. O primeiro barco a vapor chegou a Teresina em 1859, iniciando um
ciclo econômico no Estado, que durou até 1957, ano em que a última embarcação foi
desativada.
O segundo momento é representado pela construção da usina hidrelétrica de Boa
Esperança, no rio Parnaíba, iniciada em 1964 e concluída em 1970, marcando o início de uma
nova etapa no desenvolvimento do Piauí, cuja principal deficiência de infra-estrutura, até
então, era a falta de energia elétrica, que impedia, entre outros benefícios, a instalação de
indústrias.
Satisfeitos com a disponibilidade de água em grande parte do território do Piauí, os
sucessivos governos não se interessaram pela construção de açudes e barragens,
especialmente na região semi-árida, para combater os efeitos das secas, nem perceberam que a
simples existência de recursos hídricos não garantia a geração de riquezas. Até 1989, quando
o DNOCS completou 80 anos de criação, os açudes construídos por aquela Autarquia no Piauí
tinham uma capacidade de acumulação de apenas 181 milhões de m³ de água, o que
representava 1,1 % do total dos açudes do Nordeste.
De acordo com Mendes (2003), a partir da Constituição de 1988, que restabeleceu a
prerrogativa de emendas ao Orçamento no Congresso Nacional, a alocação de recursos
federais pela bancada piauiense para a construção de açudes e barragens proporcionou a
realização de obras que elevaram a capacidade de acumulação para quase 2 bilhões de m³ de
água. A utilização desses recursos em grande escala, em atividades como irrigação,
piscicultura e recreação, pode representar um terceiro momento importante no processo de
desenvolvimento do Piauí.
53
Quanto ao abastecimento de água, logo após a Proclamação da República os primeiros
Governadores do Piauí tentaram implantar o serviço em Teresina, oferecendo incentivos para
empresas privadas interessadas em investir e explorar a atividade, já que os recursos públicos
eram insuficientes.
O Decreto nº 72, publicado em 2/5/1891, autorizava a concessão de privilégios fiscais
por 50 anos para um grupo de pessoas que se reuniram para fundar uma empresa com vistas à
implantação e administração do serviço de abastecimento de água de Teresina, o que não
chegou a ser concretizado. Conforme APPI (1891), o referido Decreto estabelecia condições,
ou normas regulatórias, para a concessão do serviço, cujas principais características são a
seguir apresentadas, para comparação com as atuais exigências da legislação:
Propriedade – as máquinas e aparelhos utilizados para elevar a água, os
reservatórios e o encanamento até as edificações a serem atendidas pertenceriam à
empresa, e ao final da concessão (50 anos) o governo poderia, a seu critério,
resgatar os investimentos, "com base no custo original e tendo em vista a
depreciação." Em caso contrário, a empresa poderia vender a terceiros ou
permanecer com o negócio, mas sem os privilégios;
Qualidade da água – a empresa se obrigaria a empregar "os processos conhecidos
de filtração ou decantação, quando as águas se tornassem toldadas ou sujas,"
assim como os reservatórios deveriam estar "cobertos do sol, resguardados de
vegetação e quaisquer animais que possam inquinar a pureza das águas";
Monopólio – logo que os chafarizes públicos começassem a funcionar, ficaria
proibida a venda de água na cidade por outras pessoas que não a empresa
concessionária, cabendo multa de 50.000 réis aos infratores (equivalente a 50.000
litros de água);
Tarifa – o preço da água vendida nos chafarizes públicos era fixado em 1 real
1
por litro, o mesmo que para os demais consumidores, mas estes teriam um
desconto de 10% quando o volume total fornecido alcançasse 2.850.000 litros, e
de 15% quando alcançasse 3.850.000 litros. A água necessária para o combate a
incêndios seria fornecida gratuitamente nas torneiras públicas, e os
1
Moeda antiga, vigente no Brasil desde a Colônia. Plural, Réis. O mil-réis designava a unidade monetária
substituída em 1942 pelo Cruzeiro. (1000 Réis = 1 Cruzeiro) (BACEN, 2006). Para simples comparação com
outros produtos da época, o preço de 1 kg de pães torrados era de 1.300 réis e uma cerveja "fria ou gelada"
custava 2.000 réis (JORNAL O TEMPO, 1905, p. 4).
54
estabelecimentos de caridade mantidos pelo governo teriam água gratuita até o
limite de 25.000 litros por mês. A água para irrigação, salubridade e limpeza da
cidade seria fornecida mediante contrato, não podendo o preço ser superior a 1
real por litro. Uma outra cláusula estabelecia que o preço da água não poderia ser
aumentado sob pretexto algum;
Controle – a empresa se obrigaria a construir reservatórios de capacidade
suficiente para não haver interrupção do fornecimento, sob pena do pagamento de
multa de 100.000 réis por dia de interrupção, salvo o caso de força maior,
devidamente provado perante o Governador;
Privilégios (incentivos) fiscais - o governo solicitaria dos órgãos competentes a
isenção de impostos de importação de todos os materiais necessários ao
investimento, e as obras e propriedades da empresa não pagariam impostos
estaduais ou municipais de qualquer espécie.
Sem conseguir atrair interessados, em 29/3/1900 o governo publicou outro Decreto, de
nº 163, apresentando várias modificações em relação ao anterior, concedendo privilégios no
prazo de 60 anos para a implantação do serviço de água e de 50 anos para a implantação da
iluminação elétrica em Teresina. Segundo APPI (1900), entre as cláusulas destacam-se as
seguintes:
Qualidade da água – a empresa teria permissão para usar processos de filtração
semelhantes aos utilizados em cidades como Toulouse e Lyon, na França, mas o
Decreto não especifica quais são esses processos, nem justifica por que menciona
aquelas cidades;
Tarifa – o preço da água seria cobrado a partir de um consumo mínimo de 500
litros por dia, para os prédios de morada inteira, e de 300 litros/dia para as meia
moradas, levando-se em conta, para esses limites, os usos indispensáveis à vida e
aos fins higiênicos no interior dos prédios, e o preço a pagar seria,
respectivamente, de 12.000 réis e 7.200 réis, valores que aumentariam
proporcionalmente quando o consumo ultrapassasse aqueles limites. A água para
consumo industrial teria um desconto de 30%, e o preço nas torneiras públicas
seria de 1 real por litro, mas com uma quantidade mínima de 20 litros. A água
fornecida para os estabelecimentos de caridade mantidos pelo governo seria
55
gratuita até 60.000 litros por mês. Se até o final do primeiro ano a empresa
atingisse 750 casas abastecidas, haveria um desconto de 10% sobre o preço da
água;
Incentivos fiscais – além dos incentivos fiscais, já previstos no Decreto anterior,
o governo se obrigaria a pagar à empresa uma subvenção de 15 contos de réis pelo
prazo de 10 anos (equivalia ao consumo de 1.250 casas de morada inteira).
Novamente, não houve interesse dos empresários, o que levou o governo a realizar
diretamente o investimento, tendo sido necessária a contratação de um empréstimo no valor
de 335 contos de réis a um comerciante local e a uma senhora da sociedade, somando-se ainda
170 contos de réis de recursos orçamentários. As obras foram iniciadas em 1904 e, em
19/6/1906, o governo editou o Decreto nº 309, dando novo regulamento para a "concessão
d’água do abastecimento público aos prédios particulares", com modificações nas normas
técnicas em comparação com os Decretos editados para o serviço administrado por empresa
privada, como a cláusula que eximia o governo de pagar indenização por interrupção
temporária do fornecimento, ou variação de pressão. Além disso, os prédios federais e
municipais pagariam uma taxa de consumo igual à das casas de menor valor locativo. Sendo
assim, em conformidade com APPI (1906), as tarifas foram recalculadas e divididas em
quatro categorias:
12.000 réis para casas de valor locativo superior a 240.000 réis e indústrias,
chácaras e hortas, com um fornecimento de 1.000 litros/dia;
7.000 réis para as demais casas;
5.000 réis para as vilas operárias, ou construções semelhantes, e casas de palha,
desde que com paredes de barro e quintais cercados;
O preço nos chafarizes continuava 1 real por litro.
O pagamento seria feito mensalmente à Secretaria da Fazenda, até o dia 10 do mês
seguinte, após o que seria cobrada multa de 10%.
Segundo Chaves (1983), o sistema foi inaugurado em 1º de maio de 1906, sem
festividades, haja vista que, para sua conclusão, o Governador Álvaro Mendes teve que
retardar a construção da sede da Assembléia Legislativa, invertendo a preferência de muitos
governantes, de construções vistosas em vez de saneamento.
56
Quase 50 anos depois, o governo aprovou a Lei nº 1.128, de 27/5/1955, criando o
Instituto de Águas e Energia Elétrica (IAEE), autarquia vinculada à Secretaria de Viação e
Obras Públicas, Agricultura, Indústria e Comércio, tendo como objetivos o fornecimento de
energia elétrica, o sistema de abastecimento de água e o serviço telefônico em Teresina.
Segundo a referida Lei, o IAEE podia operar esses serviços em outros municípios, mas
durante sua existência restringiu suas atividades a Teresina (APPI, 1955), em virtude de ser
esse serviço definido como de competência municipal, expressamente, pela Constituição
Federal de 1946, o que dava motivos ao governo a permanecer operando apenas na Capital.
3.1 AGESPISA: de sua criação à atual crise
Em 1962, a Lei nº 2.281, de 27 de julho, autorizou o governo do Estado a organizar uma
sociedade de economia mista denominada de Águas e Esgotos do Piauí S.A. (AGESPISA),
incorporando o patrimônio do Instituto de Águas e Energia Elétrica (IAEE) relativo ao
sistema de água de Teresina. (APPI, 1962)
A referida Lei proibia o fornecimento gratuito, ou com redução de tarifa, de água e
serviços de esgotos. A nova empresa foi constituída por Assembléia Geral realizada em
28/1/1964, e tinha os objetivos "planejar, executar, ampliar, remodelar e explorar, diretamente
ou em convênio com entidades públicas ou privadas, serviços urbanos de água potável e
esgotos sanitários no território do Estado do Piauí". (AGESPISA, 1983, p.6)
Registra-se que o governo admitiu a possibilidade de participação do capital privado na
exploração dos sistemas, estratégia atualmente denominada de parceria público-privada, que é
um meio termo entre a estatização e a privatização de serviços públicos e de atividades
econômicas. Destaca-se, também, que a lei estadual autorizava a nova empresa a realizar
serviços urbanos de abastecimento de água e esgotos, matéria de competência municipal,
segundo a Constituição Federal de 1946 que assegurava, no Art. 28, inciso II, alínea "a", a
autonomia municipal na organização dos serviços públicos locais. (BRASIL, 1986)
As primeiras obras da AGESPISA eram financiadas com recursos do DNOCS e da
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), mencionando-se, em
57
particular, a execução da segunda etapa do sistema de abastecimento de água de Teresina,
iniciada em 1961, com financiamento que o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)
havia concedido para a obra. Em 1969, outra importante obra foi a execução dos serviços do
primeiro sistema de esgotos sanitários de Teresina, com recursos do governo do Estado e da
SUDENE.
Até 1970, a AGESPISA atuava somente em Teresina. Contudo, a partir de outubro de
1971, com a assinatura do primeiro convênio com o BNH, o Piauí tornou-se o quinto Estado a
aderir ao PLANASA, e assim a empresa passou a implantar obras no interior, assumindo a
gestão de novos sistemas. Por outro lado, no final de 1971, a AGESPISA incorporou os
sistemas administrados em oito cidades pela Companhia de Águas e Esgotos do Nordeste
(CAENE), subsidiária da SUDENE, e em seguida assumiu os serviços em quatro cidades, que
estavam sob o encargo do DNOCS, e em uma cidade, sob a responsabilidade da Fundação
Serviços Especiais de Saúde Pública (F. SESP). Esses sistemas, somados aos que a
AGESPISA implantou no interior do Estado até o final de 1975, levaram a um total de 31
cidades operadas pela empresa, em um universo de 118 cidades.
De acordo com Piauí (1979), no período compreendido entre março de 1975 a dezembro
de 1978, a AGESPISA elevou de 31 para 85 cidades com sistema de abastecimento de água,
estimando-se que a população beneficiada alcançava 402,3 mil pessoas, representando 50%
da população urbana total do Estado. Na Mensagem que encaminhou à Assembléia
Legislativa, em 1º de março de 1983, o Governador Lucídio Portella registrou a implantação
de 11 sistemas urbanos de
abastecimento de água, e com isso todas as então 118 cidades
piauienses dispunham de adequados sistemas de abastecimento de água potável, além de
alguns povoados. (PIAUÍ, 1983)
No período de vigência do PLANASA (1971 a 1986) a AGESPISA contou com um
significativo fluxo de recursos para a realização de obras, sem os quais não teria sido possível
o rápido aumento de sua área de atuação e da população atendida, mas não teve a necessária
preocupação em racionalizar custos administrativos e operacionais, chegando a ser pródiga
em benefícios, como a Resolução aprovada em 1977, concedendo uma gratificação extra aos
funcionários equivalente a um 14º salário, o que corresponde a 8,3% sobre o salário.
Em conformidade com AGESPISA (1983), em 1981 foi instituída uma gratificação para
premiar cada funcionário que completasse cinco anos de serviço com um aumento de 10%
58
sobre o salário, seguindo-se um acréscimo de 5% a cada cinco anos, correspondendo, ao final
de 30 anos, um acréscimo salarial real de 40,4%, além de reajustes acima da inflação e de
eventuais progressões na carreira.
Ao tempo em que os recursos para investimento se tornavam escassos, a AGESPISA
passou a sofrer influências políticas prejudiciais ao seu desempenho administrativo e
operacional. Como resultado, poucos anos depois do fim do PLANASA e do aporte de seus
recursos, a AGESPISA mergulhou em crise que se torna cada dia mais grave, como foi
explicitado na Mensagem enviada à Assembléia, em 15/2/1992, pelo Governador Freitas
Neto:
A situação administrativa, operacional e financeira da AGESPISA,
encontrada pelo atual governo, revelou-se em estado de pré-colapso: 92 das
118 cidades encontravam-se com os sistemas de abastecimento d’água em
situação precária. [...] Os encargos financeiros da dívida junto à Caixa
Econômica Federal representam 85% de sua arrecadação anual, e a
contratação de novos financiamentos, necessários para a recuperação dos
empréstimos anteriores, está condicionada ao pagamento de empréstimos
anteriores, que o governo passado deixou de pagar (PIAUÍ, 1992a, p. 37)
Os dados a seguir apresentados, para análise da evolução do desempenho da
AGESPISA, estão disponíveis no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento
(SNIS), cujo "Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos" é realizado desde 1995, ano a
partir do qual também foram analisados os balanços da empresa.
A crise financeira da AGESPISA é conseqüência da falta de controle por parte do
acionista majoritário, o governo estadual, que não impõe metas físicas e financeiras a serem
alcançadas e não corrige, em alguns casos, o desvio de conduta de alguns de seus dirigentes,
nem sempre comprometidos integralmente com o desenvolvimento do Estado.
O Gráfico 1 apresenta a evolução, no período 1996-2003, da despesa total por m³ de
água e da tarifa média, também por m³ de água. Enquanto a despesa cresceu 178,8%,
passando de R$0,80, em 1996, para R$2,23, em 2003, a tarifa média teve um aumento de
46,5%, evoluindo de R$0,86 para R$1,26. Como ainda não são disponíveis os dados relativos
a 2004 e 2005, não é possível concluir que a redução da despesa total por m³, ocorrida de
2002 para 2003, seja o prenúncio de uma reversão da tendência.
59
Gráfico 1 – AGESPISA: evolução da despesa total/m³ e da tarifa/m³ - 1996-2003.
Fonte: Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS, 2005).
De outra forma, tomando-se 1995 como ano-base, chega-se a resultado semelhante ao
comparar-se a despesa média anual por empregado com a produtividade do pessoal, esta
representada pelo número de economias
2
por empregado. A partir de 1996, e até 2002, a
produtividade do pessoal foi inferior à de 1995, recuperando-se em 2003, quando pela
primeira vez ultrapassou o ano inicial da série estudada.
A despesa média anual por empregado, ao contrário, é crescente em todos os anos do
período, registrando-se um aumento de 126% em 2003, comparado a 1995. Isto significa que
o crescimento das despesas de pessoal não se traduz em ganhos de produtividade, refletindo a
gradativa perda de eficiência da empresa, conforme apresenta a Tabela 1.
2
Número de unidades cadastradas para fins de abastecimento de água (SNIS, 2005).
2,23
2,39
1,83
1,541,52
1,08
0,80
1,49
1,29
1,17
1,19
1,42
1,32
1,16
1,02
0,86
0,00
0,50
1,00
1,50
2,00
2,50
3,00
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
R$
Despesa Total por m³ (R$/m³)
Tarifa Média de Água (R$/m³)
60
Tabela 1 - AGESPISA: produtividade do pessoal e despesa média anual por
empregado - 1995-2003
ANOS
PRODUTIVIDADE DO PESSOAL
(Nº DE ECONOMIAS/EMPREGADO)
DESPESA MÉDIA ANUAL POR
EMPREGADO (R$1.000)
1995 238 19,2
1996 194 22,2
1997 226 22,4
1998 194 26,1
1999 202 26,7
2000 197 30,0
2001 224 32,6
2002 229 37,7
2003 254 43,4
Fonte: Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS, 2005).
O descompasso entre a produtividade do pessoal, em confronto com a despesa média
anual por empregado, pode ser também compreendido na forma como se apresenta no Gráfico
2, transformando-se em números índices os dados apresentados na Tabela 1, em que se
observa, a partir de 1997, uma crescente distância entre as duas variáveis:
Gráfico 2 – AGESPISA: produtividade do pessoal (nº de economias por
empregado) e despesa média anual por empregado (R$
1.000/empregado) – em números índices.
Fonte: Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS, 2005).
O Gráfico 3 demonstra a evolução dos valores absolutos das receitas totais e dos
prejuízos operacionais. Denota-se que as receitas apresentaram um crescimento expressivo
entre 1995 e 2000, da ordem de 109%, enquanto o crescimento entre 2000 e 2004 foi de
apenas 1,0%. Os prejuízos operacionais, por seu turno, registraram um crescimento
relativamente pequeno no período de 1995 a 1999, representando em média R$10,8 milhões
82
95
82
85 83
94
96
107
139
136
116
117
156
170
196
226
0
50
100
150
200
250
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
ÍNDICE
Produtividade do pessoal
Despesa média por empregado
61
por ano, ou 15,7% da receita média anual. Já no período de 2000 a 2004, enquanto as receitas
se mantinham estáveis, os prejuízos saltaram rapidamente até atingirem R$80 milhões,
correspondendo a uma média anual de R$ 56,1 milhões, ou 59,6% das receitas médias desse
período.
Gráfico 3 – AGESPISA: receitas totais e prejuízos operacionais – R$ milhões -
1995-2004.
Fonte: AGESPISA - Balanços anuais (1995-2004).
A acumulação de prejuízos crescentes, no período analisado, gera a conseqüência
imediata, entre outras, da redução do patrimônio líquido da empresa. Em 1996, contabilizou-
se a atualização dos valores referentes ao Capital Social, elevado para R$470,2 milhões,
resultando um patrimônio líquido de R$412,1 milhões, valor que tem decrescido ano a ano,
chegando a R$156,1 milhões em 2004. Permanecendo a tendência, mostrada no Gráfico 3,
infere-se que em pouco tempo o patrimônio líquido da AGESPISA estará negativo.
A propósito, registra-se que em 31/12/2004, no encerramento do exercício, a dívida da
empresa atingiu um montante de R$367.569.000,00, segundo o balanço patrimonial. Menos
de seis meses depois, em 24/6/2005, o presidente da empresa afirmou, em artigo publicado na
imprensa, que a AGESPISA "tem um déficit mensal de R$ 3,5 milhões e aproximadamente
R$450 milhões em dívidas." (CARVALHO, 2005).
96,0
95,4
93,6
90,2
95,1
91,2
80,6
69,8
56,3
45,4
78,0
53,3
36,3
39,1
16,9
10,3
5,3
11,0
10,3
73,9
0,0
20,0
40,0
60,0
80,0
100,0
120,0
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
R$ milhões
Receitas
Prejuízos Operacionais
62
Gráfico 4 - AGESPISA: capital social, patrimônio líquido e prejuízos acumulados, em
milhões de reais 1995-2004.
Fonte: AGESPISA - Balanços anuais (1995-2004).
Em decorrência desse cenário crítico, recorde-se que já que em 1992, segundo Piauí
(1992b), a Lei nº 4.474, de 22 de abril, autorizou o Poder Executivo a refinanciar a dívida do
Estado junto à União, inclusive as da empresa, firmando-se em 1º de dezembro de 1993
contrato particular de confissão e assunção de dívidas entre a Caixa Econômica Federal, o
Estado do Piauí e a AGESPISA, mediante o qual o governo estadual assumiu a totalidade da
dívida da empresa, no valor de CR$53.739.566.672,12, de acordo com as notas explicativas
ao Balanço de 1993.
Esse valor, corrigido pela Taxa de Referência (TR), a preços de dezembro de 2005,
equivale a R$448,6 milhões, sem aplicação de juros e encargos, ou ainda, equivalente a
R$828,5 milhões, utilizando-se o Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M)
3
. Esses dados
explicitam que se o governo do Estado não tivesse assumido a dívida da empresa, em 1994, a
AGESPISA estaria devendo um montante superior a um bilhão de reais.
Essa operação não evitou que a empresa insistisse nas mesmas práticas administrativas,
que a levaram conseqüentemente a acumular novas dívidas, até que em 13/12/2002, o governo
estadual assumiu outra vez o passivo da empresa junto ao Instituto Nacional de Seguridade
Social (INSS), no valor de R$80,2 milhões, que estavam incluídos no Programa de
Recuperação Fiscal (REFIS), e de R$18,6 milhões referentes ao período de fevereiro de 2000
3
Cálculos realizados pelo Banco Central, no site: www4.bcb.gov.br/pec/correção/indexCorrige.asp&id=correção.
25,9
508,2
508,2508,2
470,2470,2470,2470,2470,2
470,2
156,1
225,4
6,5
277,5
321,0
353,3
394,7389,6
408,0
412,1
367,6
289,8
233,5
167,0
131,2
87,888,9
66,4
58,3
43,4
0
100
200
300
400
500
600
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
R$ milhões
Capital s ocial
Patrimônio líquido
Prejzos acumulados
63
a abril de 2001. A empresa solicitou outros parcelamentos especiais, conforme a Lei nº
10.684, de 30/5/2004, e outros dois pedidos de parcelamento de dívidas fiscais e trabalhistas,
inclusive novamente junto ao INSS, relativas a 2003 e 2004. (AGESPISA, 2005)
Os Auditores Independentes, no Parecer sobre o Balanço da AGESPISA, referente ao
exercício de 2004, afirmam que a liquidação das dívidas "[...] dependerá do incremento nos
resultados ou na disponibilização de recursos por parte do acionista majoritário" e concluem,
pessimistas, admitindo a "possibilidade de descontinuidade administrativa da Companhia,
tendo em vista os prejuízos acumulados e dívidas vencidas." (AGESPISA, 2005)
A AGESPISA não consegue desvincular-se de práticas administrativas que a conduzem
para crescentes prejuízos, nem o governo estadual dispõe de capacidade financeira para
aportar recursos indefinidamente para a empresa, e, mesmo que o tivesse, não seria justo
continuar assumindo suas dívidas, em detrimento de outras prioridades. Além disso, os
investimentos realizados na implantação ou expansão dos sistemas de abastecimento de água
das cidades em que opera a AGESPISA têm sido financiados em geral por empréstimos
contraídos ou assumidos pelo governo estadual, sendo assim pagos pelo Tesouro. Isto
significa que toda a sociedade paga para que uma parte da população tenha acesso aos
serviços, os quais deveriam ser financiados pelos usuários, mediante tarifas adequadas, que
poderiam admitir a utilização de recursos tributários (subsídios cruzados externos) apenas
para o financiamento dos investimentos direcionados para que as populações mais pobres
tenham acesso à água.
Recente estudo sobre a situação financeira e administrativa da AGESPISA, elaborado
por técnicos da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades,
resultado de convênio entre o governo do Estado e o PMSS, é contundente ao afirmar que as
ações propostas para sua recuperação:
[...] devem ser vistas como o último suspiro de uma empresa agonizante,
totalmente endividada, operando em condições técnico-operacionais das
mais precárias possíveis, num quadro de extrema ineficiência e baixos
padrões de qualidade, e sem a menor perspectiva de alavancar recursos para
os investimentos necessários ao desenvolvimento operacional, à expansão
dos sistemas existentes e à consolidação de novos sistemas. (MINISTÉRIO
DAS CIDADES, 2004, p. 59)
Cabe ao governo do Estado, detentor de 98,13% do Capital Social, a tarefa ingente e
inadiável de promover definitivamente o saneamento financeiro da empresa, mas recorde-se
64
que, em 1992, sua situação era semelhante, de pré-colapso tanto nos aspectos da qualidade
dos serviços quanto nos aspectos financeiros. Verifica-se, hoje, que aquele esforço foi em vão,
com a reincidência de apresentar crescentes prejuízos, que se transformam em dívidas
incontroláveis, não sendo justo o governo estadual continuar assumindo a incompetência dos
gestores da empresa, até porque a capacidade de endividamento e de investimento do Estado,
mesmo que não estivesse esgotada, deve atender a outras prioridades da população piauiense.
A AGESPISA se defronta, portanto, com perspectivas de incerteza em relação a seu
futuro próximo, o que põe em cheque a capacidade de se atingirem as metas de
universalização do acesso à água para todos os piauienses.
65
4 O ABASTECIMENTO DE ÁGUA NO BRASIL E NO PIAUÍ – 1960/2000
A análise da situação do abastecimento domiciliar de água no Brasil e do Piauí
compreende os dados dos Censos Demográficos realizados pelo IBGE desde 1960, referentes
ao número de moradores em domicílios particulares permanentes
4
(ou ao número de
domicílios) beneficiados com água da rede geral,
5
de poço ou nascente
6
ou de outra forma
7
de
abastecimento de água.
8
Para melhor caracterização da qualidade do atendimento com água canalizada, são
analisados neste Capítulo os dados relativos aos domicílios com água canalizada em pelo
menos um cômodo, situando-os no contexto político e econômico do Brasil na década de
1960 e, em seguida, analisando-os nos períodos censitários até 2000. A mesma análise se
aplica ao Piauí, com suas transformações econômicas na década de 1960 e a evolução do
abastecimento domiciliar de água no mesmo período.
Dois outros itens completam a análise, comparando-se o Piauí ao Brasil: uma
demonstração de que o acesso à água não depende exclusivamente da renda domiciliar, mas
sobretudo da ação política do governo, e um confronto de prioridades entre os setores de
energia elétrica e abastecimento de água, que evidencia a opção pelo primeiro, em detrimento
da água, reforçando a análise anterior.
4
Domicílio particular permanente: "quando construído para servir exclusivamente à habitação e, na data de
referência, tinha a finalidade de servir de moradia a uma ou mais pessoas." (IBGE, 2002b, p. 120).
5
Rede geral: "quando o domicílio, ou o terreno, ou a propriedade em que estava localizado, estava ligado à rede
geral de abastecimento de água." (IBGE, 2002b, p. 122).
6
Poço ou nascente (na propriedade): "quando o domicílio era servido por água de poço ou nascente localizados
no terreno ou na propriedade onde estava construído." (IBGE, 2002b, p. 122).
7
Outra forma: "quando o domicílio era servido de reservatório (ou caixa), abastecido com água das chuvas, por
carro-pipa ou, ainda, por poço ou nascente localizados fora do terreno ou da propriedade onde estava
localizado." (IBGE, 2002b, p. 122).
8
Abastecimento de água: "refere-se ao abastecimento com canalização interna para pelo menos um cômodo do
domicílio particular permanente, decorrente de rede geral de distribuição ou outra proveniência (poço, nascente,
reservatório abastecido por carro-pipa, chuva, etc.); ou sem canalização interna para pelo menos um cômodo do
domicílio particular permanente, decorrente da rede geral de distribuição canalizada para o terreno ou
propriedade em que se localiza o domicílio; ou outra proveniência.” (IBGE, 2005, p. 357).
66
4.1 O Brasil na década de 1960
No início da década de 1960 o Brasil vivia uma fase de grandes transformações
econômicas, resultado da execução do Plano de Metas do governo do Presidente Juscelino
Kubitschek (1955-1961), que concentrou os investimentos públicos e os incentivos aos
investimentos privados nas áreas de energia, transporte e indústrias de base, que receberam
93,6% do total previsto, enquanto os setores de alimentação e de educação foram
contemplados, respectivamente, com os restantes 3,6% e 2,8%. (ORENSTEIN;
SOCHACZEWSKI, 1990)
Em 21/4/1960, com a inauguração de Brasília, o Rio de Janeiro deixou de ser a capital
federal, marcando o início da ocupação dos vastos territórios do Centro-Oeste e do Norte do
País. O Presidente Jânio Quadros, que tomou posse em 31/1/1961, renunciou em 25 de agosto
provocando uma crise política de grandes proporções, que se arrastou até 31 de março de
1964, quando ocorreu o golpe militar que destituiu o então Presidente João Goulart.
Segundo Skidmore (1998), a crise política afetou o processo de crescimento econômico,
ao tempo em que a inflação cresceu de 25,4%, em 1960, para 89,9%, em 1964. Na década de
1960 acelerou-se o processo de urbanização, inclusive a população urbana superou a
população rural, passando de 45%, em um total de 70,1 milhões, em 1960, para 56%, em
1970, quando a população brasileira atingiu um total de 93,1 milhões de habitantes.
Logo, a crescente urbanização no Brasil implicou uma necessidade adicional de
recursos públicos, nos três níveis de governo, para investimento nos setores de infra-estrutura
e de saneamento básico em geral e de abastecimento de água, em particular.
4.2 Abastecimento de água no Brasil – 1960/2000
A partir de 1964, os planos passaram a ter um caráter global e não apenas setorial, como
o Plano de Metas. O Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG) e, posteriormente, os
Planos Nacionais de Desenvolvimento contemplaram o setor de saneamento básico entre as
67
prioridades do governo. Além disso, o governo federal criou o BNH, com a finalidade de
executar a política de saneamento no País, e instituiu, em 1967, a Política Nacional de
Saneamento, complementada, em 1971, com a criação do PLANASA. O estabelecimento de
tais políticas proporcionou uma mudança significativa nos indicadores do setor de
saneamento, especialmente no tocante ao abastecimento de água, como demonstra a Tabela 2.
Tabela 2 - Número de moradores em domicílios particulares permanentes com água
canalizada em pelo menos um cômodo, em milhares - Brasil - total -
1960/2000
NÚMERO DE
MORADORES
NÚMERO DE MORADORES EM
DOMICÍLIOS COM ÁGUA CANALIZADA
ANOS
Total (A)
Acréscimo no
período
Total (B)
Acréscimo
absoluto
Acréscimo médio
anual
B/A (%)
1960 69.222,8 - 15.950,7 - - 23,0
1970 89.965,8 20.743,0 28.287,6 12.336,9 1.233,7 31,4
1980 117.179,2 27.213,4 62.872,6 34.585,0 3.348,9 52,7
1991 145.657,8 28.478,6 103.760,1 40.887,5 3.717,1 71,2
2000 168.370,9 22.713,1 133.373,6 29.613,5 3.290,4 79,2
Fonte: IBGE – Censos Demográficos (1960/2000).
Observa-se que, em 1960, o número total de moradores em domicílios particulares
permanentes era de 69,2 milhões, dos quais aproximadamente 16,0 milhões tinham água
canalizada no domicílio, ou seja, menos de um em cada quatro moradores. Em conseqüência,
naquele ano havia no Brasil 53,2 milhões de moradores em domicílios particulares
permanentes sem o benefício de ter água canalizada.
Na década de 1960, o número total de moradores aumentou em 20,7 milhões, enquanto
o número de moradores em domicílios com água em pelo menos um cômodo acresceu apenas
12,3 milhões, circunstância que expressa que a política implementada pelos governos
(municipal, estadual e federal) não conseguiu atender nem o crescimento populacional
ocorrido no referido período.
A situação se inverteu nos anos de 1970. O número total de moradores atingiu 117,2
milhões, em 1980, com um acréscimo absoluto de 27,2 milhões, enquanto o número de
beneficiados passou para 62,9 milhões, registrando-se um acréscimo absoluto de 34,6
milhões. Note-se que o aumento anual médio do número de pessoas beneficiadas subiu de
1.233,7 para 3.458,5 de uma década para outra. Em 1980, mais da metade dos moradores
68
(53,7%) já dispunha do benefício da água canalizada em pelo menos um cômodo do
domicílio. O crescimento mais acelerado na década de 1970 se deveu aos investimentos
proporcionados pelo PLANASA.
No período de 1980 a 1991, o aumento absoluto do número total de moradores foi de
28,5 milhões, semelhante ao da década de 1970-1980, o que significa uma estabilização da
taxa de crescimento demográfico no País. Por outro lado, o número de moradores
beneficiados com água canalizada no domicílio passou de 62,9 milhões, em 1980, para 103,8
milhões em 1991, registrando-se, assim, um acréscimo absoluto de 40,8 milhões de pessoas
beneficiadas, que já representavam 71,2% do número total de moradores. Nesse intervalo de
tempo, o acréscimo anual médio do número de moradores com água canalizada foi de 3,7
milhões.
Já entre 1991 e 2000, o crescimento do número total de moradores alcançou 22,7
milhões de pessoas, denotando-se uma redução na taxa de crescimento populacional e no
acréscimo absoluto de moradores com água canalizada em pelo menos um cômodo, que foi de
29,6 milhões, mas ainda assim suficiente para aumentar a proporção do número de moradores
com o benefício da água canalizada para 79,2% do total de moradores. Entretanto, o aumento
médio anual caiu para 3.290,4 mil pessoas beneficiadas. Credita-se esse cenário à extinção do
PLANASA, em 1986.
Na perspectiva de analisar a distribuição do número de moradores com água canalizada,
segundo a localização do domicílio, no período 1960/2000, apresenta-se a Tabela 3.
Tabela 3 - Número de moradores em domicílios particulares permanentes com água
canalizada em pelo menos um cômodo, segundo a condição do domicílio,
em milhares – Brasil – 1960/2000
ANOS
TOTAL
(A)
ZONA URBANA
(B)
ZONA RURAL
(C)
B/A (%) C/A (%)
ÍNDICE DE
URBANIZAÇÃO*
(%)
1960 15.950,7 14.603,9 1.346,8 91,6 8,4 44,2
1970 28.287,6 25.769,3 2.518,3 91,1 8,9 56,0
1980 62.872,6 56.122,6 6.750,0 89,3 10,7 67,6
1991 103.760,1 93.158,6 10.601,5 90,2 9,8 75,6
2000 133.373,6 121.268,6 12.105,0 90,9 9,1 81,4
Fonte: IBGE – Censos Demográficos (1960/2000).
Nota (* ) – Número de moradores em domicílios particulares permanentes nas zonas urbanas em
relação ao total.
69
Observando-se os dados da Tabela 3, verifica-se que o número de moradores com água
canalizada no domicílio concentra-se nas zonas urbanas, que representam cerca de 90% dos
domicílios com água canalizada, independentemente do índice de urbanização, que passa de
44,2%, em 1960, para 81,4%, em 2000.
Analisando-se em separado a evolução do benefício nas zonas urbanas, de acordo com a
Tabela 4, observa-se que na década de 1960 o aumento absoluto do número total de
moradores na zona urbana foi de 19,8 milhões, enquanto o número de moradores com água
canalizada no domicílio aumentou de 14,6 milhões para 25,8 milhões, com um acréscimo de
11,2 milhões. Esse desempenho permitiu que a participação do número de moradores com
água canalizada em pelo menos um cômodo crescesse apenas de 47,7%, em 1960, para 51,1%
do número total, em 1970.
Tabela 4 - Número de moradores em domicílios particulares permanentes com
água canalizada em pelo menos um cômodo, em milhares - Brasil -
urbano - 1960/2000
NÚMERO DE
MORADORES
NÚMERO DE MORADORES EM
DOMICÍLIOS COM ÁGUA CANALIZADA
ANOS
Total (A)
Acréscimo no
período
Total (B)
Acréscimo no
período
Acréscimo
médio anual
B/A (%)
1960 30.594,4 - 14.603,9 - - 47,7
1970 50.386,3 19.791,9 25.769,3 11.165,4 1.116,5 51,1
1980 79.221,8 28.835,5 56.122,6 30.353,3 3.035,3 70,8
1991 110.146,4 30.924,6 93.158, 6 37.036,0 3.703,6 84,6
2000 137.015,7 26.869,3 121.268,6 28.110,0 3.123,3 88,5
Fonte: IBGE – Censos Demográficos (1960/2000).
Já na década de 1970, o aumento do número de moradores com água em pelo menos um
cômodo aumentou em 30,4 milhões, superior ao aumento do número total de moradores, que
alcançou 28,8 milhões de pessoas. Esse incremento permitiu que a participação do número de
moradores com água canalizada em pelo menos um cômodo tivesse um salto expressivo de
51,1%, em 1970, para 70,8%, em 1980, em relação ao número total de moradores.
No período de 1980 a 1991, o número total de moradores passou de 79,2 milhões para
110,1 milhões, com um aumento absoluto de 30,9 milhões, enquanto o número de moradores
com água canalizada em pelo menos um cômodo cresceu de 56,1 milhões para 93,2 milhões.
70
A proporção entre o número de moradores com água canalizada em pelo menos um cômodo,
em relação ao número total de moradores, passou de 70, 8%, em 1980, para 84,6%, em 1991.
No período de 1991 a 2000, o número total de moradores passou de 110,1 milhões para
137,0 milhões (24,4% de aumento), enquanto o número de moradores com água em pelo
menos um cômodo aumentou de 92,4 milhões para 121,3 milhões (31,3% de aumento),
elevando, assim, de 84,6% para 88,5% sua participação no período.
Esses resultados refletem o impacto dos investimentos realizados pelo PLANASA, que
se direcionavam apenas para as zonas urbanas, haja vista que a média anual do acréscimo de
pessoas beneficiadas com água canalizada no domicílio passou de 1,1 milhão para 3,0 milhões
na década de 1970 e 3,7 milhões, entre 1980 e 1991, caindo para 3,1 milhões no último
período, de 1991 a 2000.
Nos últimos 40 anos o Brasil apresentou ao mesmo tempo uma redução absoluta do
número total de moradores em domicílios particulares permanentes no meio rural, resultado
do êxodo para as cidades, que se torna mais forte a partir da década de 1970. Semelhante
fenômeno ocorreu com a população como um todo.
Assim, vê-se na Tabela 5 que o número de moradores em domicílios particulares
permanentes na zona rural cresceu de 38,6 milhões, em 1960, para 39,6 milhões, em 1970,
ano a partir do qual passa a decrescer seguidamente a cada período, atingindo 38,0 milhões,
em 1980, 35,0 milhões, em 1991, e 31,4 milhões, em 2000.
Tabela 5 - Número de moradores em domicílios particulares permanentes com água
canalizada em pelo menos um cômodo, em milhares - Brasil - rural -
1960/2000
NÚMERO DE
MORADORES
NÚMERO DE MORADORES EM
DOMICÍLIOS COM ÁGUA CANALIZADA
ANOS
Total (A)
Acréscimo no
período
Total (B)
Acréscimo no
período
Acréscimo
médio anual
B/A
(%)
1960 38.628,5 - 1.346,8 - - 3,5
1970 39.579,5 951,0 2.518,3 1.171,5 117,2 6,4
1980 37.954,4 - 1.625,1 6.321,5 3.803,2 380,3 16,7
1991 35.511,4 - 2.443,0 10.010,8 3.689,3 335,4 28,2
2000 31.355,2 - 4.156,2 12.105,0 2.094,2 232,7 38,6
Fonte: IBGE – Censos Demográficos (1960/2000).
71
Por outro lado, embora em quantidades relativamente pequenas, o acréscimo do número
de moradores com água canalizada no domicílio é crescente em todos os períodos, exceto
entre 1991 e 2000, como resultado da retração dos investimentos públicos ocorrida a partir da
década de 1990. Ainda assim, por causa da redução absoluta da população rural, desde 1980,
a participação dos moradores em domicílios com água canalizada, em relação ao total,
aumentou de 3,5%, em 1960, para 38,6%, em 2000. Ademais, salienta-se que o maior
acréscimo ocorreu no período de 1970-1980.
4.3 Abastecimento de água no Piauí – 1960/2000
O Piauí na década de 1960 vivia uma fase de transição econômica e social, pois ao
mesmo tempo se encontrava em processo de abandono do modelo extrativista-exportador e de
integração às economias nacional e regional, que ingressavam em um novo processo de
desenvolvimento, baseado na industrialização. O governo do Estado adotava medidas para
modernizar a administração, adaptando-se às mudanças conduzidas pelo governo federal.
Com efeito, desde o final da década anterior diversas instituições foram criadas à semelhança
do modelo federal de gestão que emergia, no qual o papel do Estado se tornava cada vez mais
forte e com maior intervenção no processo econômico.
Em pouco mais de 10 anos surgiram na esfera estadual as principais instituições
responsáveis pela transformação socioeconômica do Piauí: Banco do Estado do Piauí S.A.,
em 1958; Centrais Elétricas do Piauí S.A. (CEPISA), em 1959; Telefones do Piauí S.A.
(TELEPISA), em 1960; e Águas e Esgotos do Piauí S.A. (AGESPISA), em 1962, e, em 1966,
a Associação Nordestina de Crédito e Assistência Rural (ANCAR-PIAUÍ, que é o atual
Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural – EMATER), e a reorganização da
Comissão de Desenvolvimento do Estado (CODESE), transformada em Secretaria do
Planejamento em 1971.
Da parte do governo federal, o DNOCS contratou em 1961 os estudos complementares
para a construção da usina hidrelétrica de Boa Esperança, no rio Parnaíba, cujas obras foram
iniciadas em 1964 e concluídas em 1970. Em 1968, o Presidente Costa e Silva sancionou a
Lei nº 5.528, de 12 de novembro, que criou a Universidade Federal do Piauí, instalada em
72
março de 1971. A energia de Boa Esperança e a UFPI simbolizam a inserção do Piauí em
nova fase de desenvolvimento. (MENDES, 2003)
A evolução do abastecimento de água no Piauí, desde 1960, constitui um importante
aspecto no estudo do processo de desenvolvimento. No Estado, a análise do número de
moradores em domicílios particulares permanentes com água canalizada em pelo menos um
cômodo, em comparação com o número total de moradores, confirma uma situação ainda
mais desfavorável que a encontrada no Brasil, explicitando a desigualdade no processo de
desenvolvimento ao longo do período sob investigação.
Com vistas a esclarecer essa disparidade, apresenta-se na Tabela 6 a evolução do
número de moradores em domicílios com água canalizada no Piauí.
Tabela 6 - Número de moradores em domicílios particulares permanentes com
água canalizada em pelo menos um
cômodo, em milhares - Piauí - total
– 1960/2000
NÚMERO DE
MORADORES
NÚMERO DE MORADORES EM
DOMICÍLIOS COM ÁGUA CANALIZADA
ANOS
Total (A)
Acréscimo no
período
Total (B)
Acréscimo no
período
Acréscimo médio
anual
B/A
(%)
1960 1.230,3 - 27,6 - - 2,2
1970 1.629,1 398,8 90,8 63,2 6,3 5,6
1980 2.113,8 484,7 389,7 298,9 29,9 18,4
1991 2.573,4 459,6 868,1 478,4 43,5 33,7
2000 2.831,6 258,2 1.308,3 440,2 48,9 46,2
Fonte: IBGE – Censos Demográficos (1960/2000).
No Piauí, em 1960, apenas 2,2% do número total de moradores possuíam água
canalizada em pelo menos um cômodo do domicílio, enquanto no Brasil esse índice era de
23,0%. No período 1960-1970, o acréscimo no número de pessoas com o benefício foi de 63,2
mil, elevando a participação para 5,6% do total de moradores, mas no Brasil essa relação
passou para 31,4%.
A partir da década de 1970 houve grandes saltos, com acréscimos consideráveis no
número de moradores em domicílios com água canalizada, atingindo 298,9 mil, 478,4 mil e
de 440,2 mil nos períodos de 1970/1980, 1980/1991 e 1991/2000, respectivamente. Destaca-
se que a média de acréscimo anual foi sempre crescente, exceto no último período, e que nos
73
períodos de 1980/1991 e 1991/2000 o acréscimo no número de moradores com água
canalizada no domicílio superou o acréscimo no número total de moradores, no entanto
ressalta-se a contribuição adicional da redução no crescimento absoluto do número total de
moradores a partir de 1980.
Já conforme a Tabela 7, em 1960 apenas 9,6% dos moradores em domicílios
particulares permanentes urbanos do Piauí tinham água canalizada em pelo menos um
cômodo do domicílio, bem distante do índice no Brasil, que alcançava 47,7%.
Tabela 7 - Número de moradores em domicílios particulares permanentes com
água canalizada em pelo menos um cômodo,
em milhares - Piauí -
urbano – 1960/2000
NÚMERO DE
MORADORES
NÚMERO DE MORADORES EM
DOMICÍLIOS
COM ÁGUA CANALIZADA
ANOS
Total (A)
Acréscimo no
período
Total (B)
Acréscimo no
período
Acréscimo médio
anual
B/A
(%)
1960 278,7 - 26,9 - - 9,6
1970 524,9 246,2 89,0 62,1 6,2 17,0
1980 887,8 362,9 367,3 278,3 27,8 41,4
1991 1.360,8 473,0 824,0 456,7 41,5 60,5
2000 1.780,8 420,0 1.222,2 398,2 44,2 68,6
Fonte: IBGE – Censos Demográficos (1960/2000).
A partir da década de 1970 houve saltos consideráveis no número de moradores com
água canalizada, atingindo 298,9 mil, 478,4 mil e de 440,2 mil nos períodos de 1970/1980,
1980/1991 e 1991/2000, respectivamente. Salienta-se que a média de acréscimo anual foi
sempre crescente, ao contrário do Brasil, que registrou uma queda no período 1991/2000 em
relação ao período anterior.
Nos períodos seguintes, observa-se um rápido crescimento do número de moradores
com água canalizada, até atingir, em 2000, uma participação de 68,6% em relação ao total de
moradores, mas continuava distante da relação encontrada no País, que alcançava 88,5%.
Diferentemente do Brasil, que apresentou uma queda entre 1991 e 2000, como resultado da
retração dos investimentos públicos. No Piauí, ao contrário, o acréscimo médio anual foi
sempre crescente a cada período, haja vista que a AGESPISA voltou a contrair
financiamentos junto à Caixa Econômica Federal em 1996, 1997 e 1998 para ampliação dos
sistemas.
74
Na zona rural piauiense, os moradores em domicílios particulares permanentes têm
maior carência no atendimento dos serviços de abastecimento de água, seja em comparação
aos moradores das cidades, seja em comparação aos dados apresentados para a zona rural do
Brasil como um todo, como demonstra a Tabela 8.
Tabela 8 - Número de moradores em domicílios particulares permanentes com
água canalizada em pelo menos um cômodo, em milhares - Piauí -
rural – 1960/ 2000
Número de moradores
Número de moradores em domicílios com água
canalizada
Anos
Total (A)
Acréscimo no
período
Total (B) Acréscimo no período
Acréscimo médio
anual
B/A
(%)
1960 951,6 - 0,7 - - 0,08
1970 1.104,2 152,6 1,8 1,1 0,1 0,16
1980 1.226,0 121,8 22,4 20,6 2,1 1,83
1991 1.212,6 - 13,4 44,1 21,7 2,0 3,64
2000 1.050,7 - 161,9 86,0 41,9 4,7 8,19
Fonte: IBGE – Censos Demográficos (1960/2000).
No Piauí, em 1960, o número de moradores em domicílios particulares permanentes da
zona rural com água canalizada em pelo menos um cômodo representava apenas 0,08% do
total de moradores, índice que evoluiu para 0,16% em 1970, 1,83% em 1980, 3,64% em 1991
e 8,19% em 2000. Ademais, o Piauí caracteriza-se pelo crescimento do número total de
moradores na zona rural até 1980, contrariamente ao Brasil, onde tal fato ocorreu apenas na
década de 1960/1970.
Por outro lado, embora com acréscimos absolutos pequenos, a média anual no período
1991/2000 foi superior em mais de duas vezes ao crescimento médio verificado nos dois
períodos anteriores. Explica-se esse desempenho destacado pelos investimentos do Programa
de Apoio ao Produtor Rural (PAPP), sucedido pelo Programa de Combate à Pobreza Rural
(PCPR), e pelos recursos do Orçamento da União transferidos mediante convênios para as
Prefeituras Municipais realizarem diretamente obras de abastecimento de água em
comunidades rurais.
Apresenta-se, na Tabela 9, uma estimativa da evolução da população total e do número
de moradores em domicílios particulares permanentes com água canalizada em pelo menos
um cômodo no Brasil e no Piauí, para os anos de 2005, 2010 e 2015.
75
Tabela 9 - Número de moradores em domicílios particulares permanentes com e sem água
canalizada em pelo menos um cômodo, em milhares - Brasil e Piauí - 1960/2000
e estimativas 2005, 2010 e 2015
Fonte: IBGE, Censos Demográficos (1960/2000).
Nota: Para as projeções, utilizou-se na planilha de cálculos EXCEL o ajustamento da linha de tendência,
encontrando-se as seguintes equações: a) Número total de moradores em domicílios particulares
permanentes - Brasil: Y = 34.176,88 X² - 132.270.322,15 X + 127.969.235.572,58 (R² =1,00); b)
Número de moradores em domicílios particulares permanentes com água canalizada em pelo menos
um cômodo - Brasil: Y = 5.241,98 X² - 18.223.811,47 X + 15.650.969.967,59 (R² = 1,00); c) Número
total de moradores em domicílios particulares permanentes - Piauí: Y = 706,03 X² - 2.762.935,61 X +
2.703.078.375,63 (R² = 1,00); e d) Número de moradores em domicílios particulares permanentes com
água canalizada em pelo menos um cômodo - Piauí: Y = -200,86 X² + 836.272,93 X – 866.252.317,02
(R² = 1,00). Os resultados encontrados são semelhantes aos das projeções do IBGE (2004), em relação
à população residente total do Brasil e dos estados, até 2050, observando-se que os conceitos de
"número de moradores em domicílios particulares permanentes" e de "população residente" são
diferentes.
Observa-se, na Tabela 9, que o número efetivo de moradores sem água canalizada em
pelo menos um cômodo do domicílio (coluna C) aumenta em termos absolutos, no Brasil, no
período de 1960 a 1970, reduzindo-se desde então até alcançar, em 2000, aproximadamente
35 milhões de moradores, representando 20,8% da população brasileira.
A meta 10 do Objetivo de Desenvolvimento do Milênio nº 7, como todas as demais,
estabelece 1990 como ano-base, mas, no Brasil, por causa do Censo Demográfico ter sido
realizado em 1991, tomam-se os dados desse ano para comparação. Assim, a meta de que em
2015 esteja reduzida à metade a proporção do número de pessoas sem acesso à água segura
refere-se aos dados registrados em 1991.
No Brasil, a meta seria alcançar, em 2015, uma proporção de 14,85% da população sem
água canalizada no domicílio, que é a metade dos 29,7% encontrados em 1991. Como a
proporção estimada para 2015 é de 1,5%, conclui-se que, com pequeno reforço no montante
BRASIL PIAUÍ
ANOS
Nº total de
moradores
(A)
Com água
canalizada (B)
Sem água
canalizada
C= (A – B)
C/A
(%)
Nº total de
moradores
(A)
Com água
canalizada
(B)
Sem água
canalizada
C= (A – B)
C/A
(%)
1960 69.222,8 15.950,7 53.272,1 77,0 1.230,3 27,6 1.202,7 97,8
1970 89.965,8 28.287,6 61.678,2 68,6 1.629,1 90,8 1.538,3 94,4
1980 117.179,2 61.776,3 55.402,9 47,3 2.113,8 389,7 1.724,1 81,6
1991 145.657,8 103.760,1 43.248,0 29,7 2.573,4 868,1 1.705,3 66,3
2000 168.370,9 133.373,6 34.997,3 20,8 2.831,6 1.308,3 1.523,3 53,8
2005 185.118,6 159.151,7 25.966,9 14,0 3.012,7 1.650,7 1.362,0 45,2
2010 199.232,3 183.990,9 15.331,4 7,7 3.161,8 2.009,6 1.152,2 36,4
2015 213.608,1 210.359,0 3.249,1 1,5 3.300,8 2.400,8 900,0 27,3
76
dos investimentos para o setor, em 2015 a população brasileira poderá estar inteiramente
beneficiada com água canalizada no domicílio.
Pode-se também admitir que, mantido o volume anual médio de investimentos aplicados
no período de 1960 a 2000, a totalidade da população urbana brasileira estará contando com
água canalizada em pelo menos um cômodo até 2015, considerando-se que o índice de
atendimento às populações urbanas em 2000 era de 88,5%, significando que praticamente
todo o déficit do atendimento estará localizado nas zonas rurais. Quanto à meta estabelecida
pela ONU, observa-se que o número de pessoas sem esse benefício, em 2005, representava
14,0%, equivalendo a menos da metade da proporção encontrada em 1991, donde infere-se
que a meta será alcançada sem qualquer esforço adicional da política governamental.
O Piauí encontra-se em situação mais desconfortável que a do Brasil. Em 1960, a quase
totalidade (97,8%) da população não contava com água canalizada no domicílio. Até 1970 a
redução foi pequena, no entanto até 2000 apresentou uma considerável melhora. Porém,
mesmo assim, 1,5 milhão de pessoas, correspondente a pouco mais da metade do total
(53,8%), não tinha acesso ao benefício. As estimativas mostram que, em 2015, 27,3% dos
moradores ainda estarão sem água canalizada no domicílio, totalizando cerca de 900 mil
pessoas. Embora atenda à meta da ONU, pois essa proporção é metade da observada em 1991,
conclui-se que o Piauí poderia antecipar a meta se fosse realizado um esforço nesse sentido.
4.4 Acesso à água: não é só uma questão de renda
O acesso à água segura e permanente é uma função da renda e de outras variáveis, como
a prioridade conferida pelo governo, a capacidade financeira do órgão gestor, a política
tarifária adotada e a própria disponibilidade da água. No Brasil, e também no Piauí, o nível de
atendimento domiciliar com abastecimento de água cresce à medida que cresce a renda dos
77
moradores, o que reforça a necessidade de políticas compensatórias que permitam aos mais
pobres
9
o acesso à água.
Como demonstrado anteriormente, a participação relativa do número de moradores em
domicílios com água canalizada em pelo menos um cômodo, comparado ao número total de
moradores, é menor no Piauí do que no Brasil, o que apenas confirma a regra geral de que,
sendo a renda per capita do Estado menor que a média do País, os indicadores de
desenvolvimento do Estado serão também inferiores aos do Brasil. As Tabelas seguintes
complementam a análise:
Tabela 10 - Número de domicílios particulares permanentes - total e com água
canalizada em pelo menos um cômodo, segundo as classes de
rendimento¹ - Brasil - 2000
TOTAL
COM ÁGUA CANALIZADA
EM PELO MENOS UM
CÔMODO
CLASSES DE
RENDIMENTO
Domicílios (A) % Domicílios (B) %
B / A
(%)
Sem Rendimento² 4.099.011 9,2 2.889.347 7,8 70,5
Até 1/4 351.299 0,7 89.963 0,2 25,6
Mais de 1/4 a 1/2 946.803 2,1 344.889 0,9 36,4
Mais de 1/2 a 3/4 1.348.068 3,0 595.463 1,6 44,2
Mais de 3/4 a 1 8.273.303 18,6 5.768.812 15,5 69,7
Mais de 1 a 1 1/4 936.041 2,1 672.539 1,8 71,8
Mais de 1 1/4 a 1 1/2 2.377.488 5,3 1.861.578 5,0 78,3
Mais de 1 1/2 a 2 5.366.880 12,0 4.651.382 12,5 86,7
Mais de 2 a 3 4.956.305 11,1 4.592.417 12,4 92,7
Mais de 3 a 5 6.045.671 13,5 5.774.713 15,6 95,5
Mais de 5 a 10 5.874.877 13,1 5.732.234 15,4 97,6
Mais de 10 a 15 1.579.606 3,5 1.551.900 4,2 98,2
Mais de 15 a 20 1.084.781 2,4 1.070.284 2,9 98,7
Mais de 20 a 30 651.079 1,5 643.756 1,7 98,9
Mais de 30 903.889 2,0 893.656 2,4 98,9
TOTAL 44.795.101 100,0
3
37.132.933 100,0 82,9
Fonte: IBGE, Censo Demográfico (2000) - Características da População e dos Domicílios -
Resultados do Universo (1 CD-ROM).
Notas: 1) Classes de rendimento nominal mensal da pessoa responsável pelo domicílio, em salário
mínimo (equivale a R$ 151,00). 2) Inclusive os domicílios cuja pessoa responsável recebia
somente em benefícios. 3) Não foram considerados os arredondamentos parciais.
9
Não há um critério único para a conceituação de pobreza. Segundo o IPEA (2005, p. 86-87), "podem ser
considerados pobres aqueles cuja renda é inferior a meio salário mínimo [...] e indigentes os indivíduos que
ganhassem menos de uma quarta parte do salário mínimo".
78
No País, segundo a Tabela 10, o número total de domicílios em 2000 era de 44,8
milhões, dos quais 37,1 milhões (82,9%) dispunham de água canalizada em pelo menos um
cômodo. Os 351,3 mil domicílios cujos responsáveis ganhavam até 1/4 do salário mínimo
(indigentes) representavam 0,7% do número total, mas apenas aproximadamente 90,0 mil
tinham água canalizada em pelo menos um cômodo, ou seja, 0,2%.
Os domicílios cujos responsáveis percebiam até meio salário mínimo (linha da pobreza)
representavam 2,8% do total e 1,1% do número dos que tinham água canalizada. Na outra
ponta da distribuição da renda, os domicílios cujos responsáveis ganhavam mais de 10
salários mínimos superavam o índice de 98% com água canalizada. Tal fato evidencia a
necessidade de investimentos direcionados para os mais pobres, promovendo-se, assim, a
distribuição da renda e a melhoria da qualidade de vida de toda a população, tendo em vista os
efeitos do saneamento sobre toda a comunidade.
Com relação ao Piauí, observa-se na Tabela 11 que o número de domicílios com água
canalizada é de 48,7% do total de 661,4 mil domicílios, muito distante do índice do Brasil,
que é de 82,9%. A proporção de domicílios cujos responsáveis percebiam até um quarto do
salário mínimo (indigentes) era de 5,2% do total de domicílios, muito superior à média do
Brasil (0,7%), e representavam apenas 1,2% do número total de domicílios com água
canalizada. A proporção de domicílios com água canalizada nessa faixa de renda é de um para
cada nove domicílios, enquanto no Brasil é de um em cada quatro domicílios.
Os domicílios cujos responsáveis ganhavam até meio salário mínimo (linha de pobreza)
somavam 14,9% em um total de 661,4 mil do Estado, mas representavam apenas 4,8% do
total de domicílios que tinham água canalizada em pelo menos um cômodo. Por seu turno, os
domicílios que superavam o índice de 98% com água canalizada correspondiam à faixa de
mais de 20 salários mínimos, enquanto no Brasil esse índice de atendimento era alcançado
pelos domicílios cujos responsáveis ganhavam mais de 10 salários mínimos.
79
Tabela 11 - Número de domicílios particulares - total e com água canalizada em pelo
menos um cômodo, segundo as classes de rendimento ¹ - Piauí - 2000
TOTAL
COM ÁGUA CANALIZADA
EM PELO MENOS UM
CÔMODO
CLASSES DE
RENDIMENTO
Domicílios (A) % Domicílios (B) %
B / A
(%)
Sem Rendimento² 39.236
5,9
13.298 4,1 33,9
Até 1/4 34.693
5,2
3.939 1,2 11,4
Mais de 1/4 a 1/2 63.974
9,7
11.514 3,6 18,0
Mais de 1/2 a 3/4 59.172
8,9
14.756 4,6 24,9
Mais de 3/4 a 1 201.879
30,5
88.154 27,4 43,7
Mais de 1 a 1 1/4 18.622
2,8
8.693 2,7 46,7
Mais de 1 1/4 a 1 1/2 39.419
6,0
20.870 6,5 52,9
Mais de 1 1/2 a 2 68.404
10,3
43.649 13,6 63,8
Mais de 2 a 3 41.738
6,3
32.364 10,0 77,5
Mais de 3 a 5 39.990
6,0
33.861 10,5 84,7
Mais de 5 a 10 32.472
4,9
30.057 9,3 92,6
Mais de 10 a 15 8.285
1,3
7.886 2,5 95,2
Mais de 15 a 20 5.354
0,8
5.185 1,6 96,8
Mais de 20 a 30 3.327
0,5
3.260 1,0 98,0
Mais de 30 4.801
0,7
4.733 1,5 98,6
TOTAL 661.366 100,0³ 322.219 100,0 48,7
Fonte: IBGE, Censo Demográfico (2000) - Características da População e dos Domicílios - Resultados
do Universo (1 CD-ROM).
Notas: 1) Classes de rendimento nominal mensal da pessoa responsável pelo domicílio, em salário
mínimo (equivale a R$ 151,00). 2) Inclusive os domicílios cuja pessoa responsável recebia
somente em benefícios. 3) Não foram considerados os arredondamentos parciais.
Comparando-se ainda os dados do Piauí com os do Brasil, observa-se que, dos
moradores com rendimento de até 1/4 do salário mínimo no Estado, que representam 5,2% do
número total, 11,4% tinham água canalizada no domicílio, enquanto no Brasil representam
0,7% do total, mas participam com 25,6% daqueles que dispõem de água canalizada no
domicílio.
O Gráfico 5 permite uma melhor compreensão dos dados apresentados nas Tabelas 10 e
11, ou seja, de que o acesso à água cresce à medida que cresce a renda.
80
Gráfico 5 - Número de domicílios particulares permanentes com água canalizada em pelo
menos um cômodo, em percentual do total de domicílios, segundo a classe de
renda (salário mínimo) - Piauí - Brasil - 2000.
Fonte: Dados originais - IBGE, Censo Demográfico (2000) – Características da População
e dos Domicílios – Resultados do Universo (1 CD-ROM).
Observa-se que, no Piauí, o acesso ao abastecimento domiciliar de água é menor do que
no Brasil em qualquer faixa de renda, mas a diferença se reduz à medida que cresce a renda
dos moradores, especialmente a partir da classe de cinco salários, chegando a ser praticamente
igual na classe de 20 salários em diante. Ao contrário, nas camadas de menor renda, a
diferença relativa para as respectivas classes no Brasil é de mais do dobro, nas classes de até
1/4 e acima de 1/4 a 1/2 salário mínimo, e só começam a decrescer a partir da classe de mais
de 1 a 1 1/4 salário.
4.5 Políticas prioritárias: energia, sim; água, nem tanto
A partir da década de 1950 o governo federal implementou políticas de
desenvolvimento transferindo para o domínio estatal funções próprias do setor privado, como
os monopólios da exploração do petróleo, da geração, transmissão e distribuição de energia
elétrica e das telecomunicações. Esse modelo era liderado pelas empresas estatais criadas para
%
98,9
98,9
98,7
25,6
70,5
36,4
44,2
69,7
71,8
78,3
86,7
92,7
95,5 97,6 98,2
92,6
84,7
77,5
63,8
52,9
46,7
43,7
24,9
18,0
98,6
98,096,8
33,9
11,4
95,2
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
Sem Rendimento
Até 1/4
Mais de 1/4 a 1/2
Mais de 1/2 a 3/4
Mais de 3/4 a 1
Mais de 1 a 1 1/4
Mais de 1 1/4 a 1 1/2
Mais de 1 1/2 a 2
Mais de 2 a 3
Mais de 3 a 5
Mais de 5 a 10
Mais de 10 a 15
Mais de 15 a 20
Mais de 20 a 30
Mais de 30
Brasil
Piauí
81
esse fim na esfera federal: PETROBRAS (1953), ELETROBRAS (1962) e TELEBRAS
(1972), complementado por empresas criadas pelos governos estaduais para atuarem nos
setores de energia e telecomunicações. No Piauí, foram criadas a CEPISA (1959) e a
TELEPISA (1960), sendo a primeira federalizada em 1997 e a segunda, privatizada em 1998.
Para o setor de saneamento básico, as referências são a aprovação da Lei nº 5.318, de 1967,
que instituiu a Política Nacional de Saneamento, e a criação do PLANASA, em 1971.
A exploração de atividades relativas a bens privados (petróleo, energia e comunicações)
tem um arranjo institucional claramente definido, inclusive após a emenda constitucional que
quebrou os monopólios. O Brasil atingiu a auto-suficiência em petróleo e caminha para a
universalização da energia elétrica, mas não tem ainda uma política definida para o setor de
saneamento, donde se infere que as políticas de governo para este setor não têm merecido a
mesma prioridade concedida ao setor de infra-estrutura e, em particular, ao de energia
elétrica.
De acordo com o Gráfico 6, observa-se que no Brasil o número total de domicílios com
energia elétrica é maior que o de domicílios com água canalizada ao longo do período
estudado.
Gráfico 6 - Número de domicílios particulares permanentes com energia elétrica e água
canalizada -Brasil – total - 1960/2000 (em %)
Fonte: Dados originais - IBGE Censos Demográficos (1960/2000).
Essa diferença no índice de atendimento diminui pouco, de 14,2%, em 1960, para
11,6%, em 2000, revelando, aqui também, a necessidade de mais investimentos no setor de
abastecimento de água.
82
O Gráfico 7 demonstra que praticamente a totalidade dos domicílios urbanos já dispõe
de energia elétrica em 2000, enquanto o número dos beneficiados com água canalizada em
pelo menos um cômodo ainda não havia ultrapassado os 90 %.
Gráfico 7 - Número de domicílios particulares permanentes com energia elétrica e água
canalizada - Brasil - urbano – 1960/2000 (em %)
Fonte: Dados originais - IBGE - Censos Demográficos (1960/2000).
Constata-se, aqui também, que no período de 1970 a 1991 houve um crescimento
relativo maior dos índices de abastecimento de água, em razão dos investimentos realizados
pelo PLANASA.
No meio rural brasileiro, a situação era desfavorável tanto em energia elétrica como em
abastecimento de água, quando comparado com as zonas urbanas, até 1970, quando começa a
aumentar a vantagem dos domicílios com energia elétrica.
99,1
97,3
88,2
75,6
72,5
47,9
52,6
72,0
85,9
89,7
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
1960
1970
1980
1991
2000
%
Com energia elétrica
Com água canalizada
83
Gráfico 8 - Número de domicílios particulares permanentes com energia elétrica e água
canalizada - Brasil - rural – 1960/2000 (em %).
Fonte: Dados originais - IBGE Censos Demográficos (1960/2000).
A partir de 1980 os índices de atendimento com energia elétrica crescem mais que os
relativos ao abastecimento de água, e deverão continuar crescendo, em função do Programa
Luz para Todos, lançado pelo governo federal em 2003, que prevê a universalização do
atendimento às famílias rurais até 2008.
No Piauí, nota-se que tanto os dados totais relativos a energia elétrica e abastecimento
de água eram muito baixos até 1970, como indica o Gráfico 9.
Gráfico 9 - Número de domicílios particulares permanentes com energia elétrica e
água canalizada - Piauí - total -1960/2000 (em %)
Fonte: Dados originais – IBGE, Censos Demográficos (1960/2000).
71,5
49,4
21,4
8,48,4
42,4
32,5
16,0
6,23,4
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
1960
1970
1980
1991
2000
%
Com energia elétrica
Com água canalizada
84
A partir de 1970, começa a aumentar a diferença a favor dos domicílios com energia
elétrica, em razão de ter sido inaugurada, naquele ano, a usina hidrelétrica de Boa Esperança,
no rio Parnaíba.
O Gráfico 10 mostra a evolução dos dois indicadores nas zonas urbanas do Piauí, com a
particularidade de que o número relativo de domicílios com energia elétrica caiu de 32,6%,
em 1960, para 27,6%, em 1970. Isto se deve ao fato de que a construção da usina hidrelétrica
de Boa Esperança, iniciada em 1964, levou o governo do Estado e as Prefeituras a não
ampliarem o atendimento com geradores termelétricos existentes, na espera da nova fonte de
energia.
Gráfico 10 - Número de domicílios particulares permanentes com energia elétrica e
água canalizada - Piauí -urbano - 1960/2000 (em %).
Fonte: Dados originais – IBGE, Censos Demográficos (1960 / 2000).
Neste caso, a situação dos domicílios urbanos piauienses melhora proporcionalmente
mais com o benefício da energia elétrica do que com a água canalizada, com a diferença
relativa entre eles crescendo de 12,8%, em 1970, para 27,6%, em 1991, acusando uma
pequena queda, para 27,2%, em 2000.
Com relação à zona rural, o Gráfico 11 mostra a situação ainda mais desfavorável nos
dois aspectos analisados. Até 1970, menos de 1% dos domicílios contavam com energia
elétrica e água canalizada. Em 1980, apenas 3,1% contavam com energia elétrica e 1,7%
dispunha de água canalizada, o que evidencia maior desatenção para os moradores rurais. Um
aumento considerável da participação relativa dos domicílios com água canalizada se dá a
96,6
87,9
63,3
27,6
32,6
7,6
14,8
39,6
60,3
69,4
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
1960
1970
1980
1991
2000
%
Com energia elétrica
Com água canalizada
85
partir de 1991, quando representava 3,7%, chegando a 8,8% em 2000, ainda assim um índice
extremamente baixo.
Gráfico 11 - Número de domicílios particulares permanentes com energia elétrica e
água canalizada - Piauí - rural – 1960/2000 - (em %).
Fonte: Dados originais – IBGE, Censos Demográficos (1960/2000).
A diferença de prioridade do governo federal para os setores de energia e de
abastecimento de água, evidenciada pela análise dos gráficos anteriores, pode também ser
avaliada pelos programas de investimento existentes.
Para o saneamento básico, o Projeto de Lei que institui a Política Nacional de
Saneamento foi enviado ao Congresso em 2005, em substituição a outro Projeto que tramitava
desde 2001, encontrando-se em fase de aprovação do Substitutivo do Relator, na Comissão
Especial da Câmara dos Deputados, mas não há previsão de quando poderá ser convertido em
lei. Permanece, portanto, a indefinição do arranjo institucional e das responsabilidades dos
governos federal, estaduais e municipais, bem como da participação do setor privado no setor
de saneamento. A ampliação dos serviços fica à mercê da escassa capacidade de investimento
da maioria das concessionárias públicas, ou de eventuais operadoras privadas.
Para o setor energético, no entanto, o governo federal criou em 2003 o Programa
Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica, denominado de "Luz para
Todos", que se destina a financiar o atendimento com energia elétrica às famílias rurais do
País ainda não beneficiadas. O Programa é gerido por uma Comissão Interministerial e por
Comitês Gestores nos estados. (BRASIL, 2003)
37,8
16
3,1
0,4
0,4
8,8
3,7
1,7
0,2
0,1
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
1960
1970
1980
1991
2000
%
Com energia elétrica
Com água canalizada
86
Os investimentos atingem um total de R$7 bilhões, dos quais R$5,3 bilhões do governo
federal, ficando a cargo das empresas distribuidoras de energia e dos governos estaduais o
restante dos investimentos, prevendo-se beneficiar mais de 12 milhões de pessoas até 2008. A
primeira comunidade beneficiada foi a de Nazaré, no município piauiense de Novo Santo
Antônio
10
, que apresenta o menor índice de acesso à energia elétrica em todo o País, com
apenas 8% dos domicílios atendidos. (MME, 2004)
Acrescenta-se que o governo federal criou, em 2004, pela Lei nº 10.847, a Empresa de
Pesquisa Energética (EPE), com a finalidade de realizar estudos e projetos para subsidiar o
planejamento do setor elétrico nacional. (BRASIL, D.O.U., 2004)
Apesar de ter sido realizado um considerável esforço de transformação econômica e
social nos últimos 40 anos, uma característica do processo de desenvolvimento do Brasil foi
ressaltada neste Capítulo, qual sejam as desigualdades interpessoais, inter-regionais e
intersetoriais de participação nesse processo. O Piauí, como representante das regiões mais
pobres, conquanto tenha sido beneficiado, continua em situação desfavorável em relação à
média nacional. As desigualdades também se revelam entre as populações urbanas e rurais,
em desvantagem para estas. Alguns setores, de maior resposta econômica para os
investimentos, como é o caso da energia elétrica, sobrepõem-se aos setores chamados de
sociais, como o de abastecimento de água.
Outro aspecto a salientar refere-se à capacidade do setor público de responder por todas
as demandas sociais, abrindo-se lugar para a participação do capital privado na construção e
operação da infra-estrutura econômica e social, inclusive o setor de saneamento básico e, em
especial, do abastecimento de água, como forma de superação das desigualdades apontadas.
10
Segundo o Censo de 2000, o Município de Novo Santo Antônio, criado em 1994, contava com 70 domicílios
particulares permanentes na zona urbana. O sistema de abastecimento de água, operado pela Prefeitura, tinha 51
domicílios ligados à rede geral, dos quais 35 com água canalizada em pelo menos um cômodo (IBGE, 2000).
5 CONCLUSÃO
Nos últimos 40 anos, a política de recursos hídricos no Brasil sofreu profundas
transformações, incorporando-se à legislação temas e conceitos recentes, discutidos e
aprovados em Conferências internacionais promovidas pela ONU. Reconhecido o valor
econômico da água, a análise de sua oferta tem como principais variáveis o custo dos
serviços, o lucro e o retorno do investimento, enquanto o estudo da demanda preocupa-se
mais com a universalização do atendimento e com uma estrutura tarifária que beneficie os
mais pobres. Como corolário, o interesse da gestão dos serviços, no primeiro caso, é o da
eficiência econômica, determinada por redução de custos e aumento da lucratividade e da taxa
de retorno do investimento, enquanto o interesse das políticas públicas com foco no direito de
todos terem acesso à água tem a eqüidade social como elemento norteador.
No enfoque econômico, a fonte principal dos investimentos deve ser a tarifa, para
permitir o retorno do investimento e também a expansão dos serviços conforme a demanda. A
abordagem do problema sob o aspecto do direito humano de acesso à água leva
necessariamente à questão dos subsídios, inclusive com o aporte de recursos públicos. De um
lado, o resultado do investimento, ou a principal motivação, é o lucro, e do outro lado, é a
universalização do acesso. Em uma situação extrema, alguns querem considerar a água uma
simples commodity, mas não há dúvida de que deve ser um bem social e cultural.
O gestor dos serviços de abastecimento de água tende a tratar o consumidor como um
cliente, mas, de sua parte, o consumidor deve ser considerado antes de tudo um ser humano
que merece ter os seus direitos respeitados. Por último, o critério de análise do valor
econômico da água reduz-se à dimensão econômica da sustentabilidade, tornando-se
necessária a inclusão da dimensão social, que significa a inclusão de todos,
independentemente da renda, como beneficiários dos serviços de abastecimento de água.
Na prática, os dois conceitos não existem separadamente, embora o primeiro seja mais
freqüente. O ideal, entretanto, é conciliar os interesses aparentemente contrários embutidos
nos conceitos de valor econômico da água e de acesso à água como um direito humano
fundamental. O Quadro 3 apresenta um resumo das características da argumentação em defesa
dos dois conceitos, que de fato são interdependentes.
87
88
CRITÉRIOS
COMO VALOR
ECONÔMICO
COMO UM DIREITO
HUMANO
Análise econômica Oferta Demanda
Interesse da gestão Eficácia econômica Eqüidade social
Fonte dos investimentos Tarifa Tarifa + orçamento público
Resultado do investimento Lucro Universalização do acesso
Classificação Commodity Bem social e cultural
Relação com o consumidor Cliente/Usuário Ser humano
Dimensão da sustentabilidade Econômica Social
Quadro 3 - Critérios de comparação da água como valor econômico e direito humano.
Junto com essa análise comparativa, é necessário ter em mente as inúmeras funções da
água como fator de desenvolvimento, em especial agora, que a ONU instituiu a Década
Internacional da Água para o período de 2005 a 2015, sob o tema "Água, Fonte de Vida".
Trata-se de uma expressão comum e ao mesmo tempo significativa da importância da água
para todo ser humano e para a Natureza, e qualquer que seja a qualificação que se dê ao
desenvolvimento - sustentável ou humano – a gestão dos recursos hídricos e o abastecimento
de água devem ser parte de uma política governamental bem definida, que explicite o papel
dos setores público e setor privado.
A água como fundamento para o processo de desenvolvimento se expressa como um
recurso e como um serviço. O primeiro aspecto tem embasamento na gestão racional dos
recursos hídricos, preservando-os da poluição e do uso desordenado, com a finalidade de
atingir objetivos relacionados ao combate à fome e à redução da pobreza, por meio de
projetos de irrigação, de piscicultura e outras atividades econômicas geradoras de emprego e
renda; de minimizar os efeitos das secas e enchentes, mediante investimentos adequados em
infra-estrutura hídrica; e de reduzir as doenças de veiculação pela água, investindo-se em
obras de saneamento ambiental e drenagem. A água como um serviço, por seu turno, centra-se
em que o abastecimento domiciliar de água reduz a incidência de doenças, com o uso de água
pura e segura para as necessidades mínimas de consumo e de higiene pessoal; melhora as
condições gerais de saúde pessoal, e conseqüentemente de bem-estar social e produtividade
do trabalho; como também a auto-estima das pessoas beneficiadas; e aumenta o tempo
disponível para outras atividades, evitando a perda de tempo em buscar água longe do
domicílio, especialmente nas zonas rurais.
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Neste trabalho, centrou-se a investigação nas questões relativas ao abastecimento
domiciliar de água e nos desafios para que todos tenham acesso à água segura e de qualidade.
Nesse sentido, são complexos os desafios que Governo e Sociedade devem enfrentar para
solucionar os problemas relativos ao abastecimento de água. Em primeiro lugar, torna-se
imperioso garantir que o acesso de todos à água segura não seja apenas uma figura da lei, ou
dos discursos. Para isso, outro enorme desafio é como financiar os investimentos necessários
para garantir esse direito, e estes investimentos, por sua vez, precisam ter retorno, ou seja, não
podem ser "a fundo perdido", exceto aqueles destinados a subsidiar o consumo mínimo das
pessoas de mais baixa renda, o que obriga as concessionárias ou operadoras do serviço a
terem eficiência econômica em sua gestão.
Essa dificuldade expressa que o atendimento domiciliar no Brasil ainda deixa muito a
desejar, haja vista que o número de moradores em domicílios particulares permanentes com
água canalizada em pelo menos um cômodo corresponde a 79,2 % do total, em 2000,
enquanto a média da região Nordeste chega a 60,0%. No Piauí a deficiência é ainda maior que
a média brasileira. Naquele ano, menos da metade (48,7%) do número total de moradores em
domicílios particulares permanentes possuía água canalizada em pelo menos um cômodo.
Considerando-se os moradores das cidades, cerca de dois terços (68,6%) tinham água em pelo
menos um cômodo do domicílio, enquanto na zona rural o benefício alcançava tão-somente
8,2% dos moradores.
No Brasil, em 2000, apenas um em cada três domicílios, cujo responsável declarou
possuir renda até meio salário mínimo, dispunha de água canalizada em pelo menos um
cômodo, enquanto 98,6% dos domicílios cujo responsável ganhava mais de 10 salários
mínimos tinham esse benefício. No Piauí, a mesma relação era de um domicílio em cada seis,
na faixa de renda de até meio salário mínimo, e de 96,8% na faixa de renda de 10 e mais
salários mínimos.
A realização de políticas públicas que incluam metas e objetivos de aumento da
cobertura e de melhoria dos serviços de abastecimento de água, e que levem em conta o
princípio da eqüidade, poderia elevar rapidamente os indicadores de desenvolvimento do
Brasil e do Piauí, independentemente dos investimentos privados em atividades relacionadas
aos demais usos da água.
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Para o Brasil, e mesmo especificamente para o Piauí, os Objetivos de Desenvolvimento
do Milênio devem constituir referências obrigatórias na formulação e execução de políticas de
desenvolvimento, inclusive com o acompanhamento periódico e sistemático de suas
realizações. No caso estudado, observou-se que o Brasil já teria alcançado a meta de reduzir à
metade a proporção da população sem acesso à água segura e de qualidade, em relação a
1991, por volta do início do novo século, ou seja, bem antes de 2015. Quanto ao Piauí, as
estimativas apontam para o cumprimento da meta por volta de 2015, cabendo ressaltar que,
ainda assim, restarão cerca de 900 mil piauienses sem o benefício, o que recomenda, desde já,
a intensificação dos esforços no sentido de que a política de investimentos possa incorporar ao
processo de desenvolvimento aqueles que, na geração futura, ainda estarão marginalizados.
Tomando-se especificamente o Piauí, os resultados apresentados para as zonas urbanas
guardam estreita relação com as dificuldades por que passa a AGESPISA, empresa
concessionária dos serviços de abastecimento de água em 141 das 223 cidades piauienses, e
que teve um desempenho expressivo no período de 1971 a 1983, quando implantou sistemas
de abastecimento de água em todas as 118 cidades do Estado, na época. Esse período áureo,
quanto ao aspecto de capacidade construtiva, prolongou-se até o final da década de 1980,
quando o fluxo de investimentos do PLANASA escondia um modelo de gestão pródigo na
concessão de benefícios funcionais, leniente nos controles administrativos e financeiramente
insustentável, como demonstra a crescente dívida da empresa.
O governo brasileiro deveria adotar metas específicas para serem alcançadas até 2015,
mais elevadas do que a adotada pela ONU, estabelecendo a universalização para as
populações urbanas, em período mais próximo, diferenciando-as das populações rurais.
Deveriam ser definidas também metas qualitativas a serem alcançadas, ou seja, o
aumento do número de pessoas com um ou mais pontos de água em seus domicílios, para
melhorar as condições da habitação, promovendo melhores práticas de higiene e valorizando a
condição da mulher, que em muitos casos não dispõe de banheiros privativos. Por outro lado,
as metas deveriam ser apresentadas por Unidades da Federação e por Municípios, envolvendo
necessariamente a participação dos governos estaduais e das Prefeituras, bem como de
dirigentes de órgãos federais na definição e execução da nova política de abastecimento de
água.
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A exemplo do setor de energia elétrica, o governo federal deveria criar o Programa
Água para Todos, com metas definidas para o abastecimento nas cidades e na zona rural,
dentro do projeto de acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, em
especial as ações compreendidas pela Década Internacional da Água (2005-2015).
Para os diversos tipos de abastecimento de água a ação do governo e de organizações
não-governamentais pode assumir diferentes formas, como no caso da construção de cisternas
para coleta e armazenamento de água de chuva na região semi-árida nordestina, onde se
realiza um formidável esforço de entidades como a Cáritas, que coordena a execução de um
Programa de implantação de 1 milhão de cisternas na região.
A Política de investimentos do governo, em outros setores, pode igualmente contribuir
para a melhoria da oferta dos serviços de abastecimento de água, como a inclusão nos
contratos de financiamento rural, com recursos dos Bancos Oficiais, de cláusulas que
obriguem o proprietário a instalar água canalizada nas casas dos empregados e moradores do
imóvel rural, com subsídios do governo, empregando-se tecnologias apropriadas em cada
caso, inclusive a construção de cisternas para coleta de água de chuvas, ou a criação de
incentivos aos municípios que adotarem e venham a cumprir metas de expansão e de melhoria
dos serviços de abastecimento de água, compreendendo a dispensa de contrapartidas em
convênios para liberação de recursos, vantagens no cálculo do rateio para repartição de
tributos, como o Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Da mesma forma, a legislação que trata das condições para a emancipação de
municípios deveria incluir a exigência de que um povoado somente poderá se transformar em
cidade se apresentar um percentual de domicílios ligados à rede geral pelo menos igual ao da
média da população urbana do Estado, o que induziria a própria comunidade a lutar pela
melhoria das condições de abastecimento de água como pré-requisito da emancipação,
tornando-se causa, em vez de conseqüência da emancipação.
No caso específico do Piauí, sugere-se maior integração entre os órgãos federais e
estaduais ligados à área de recursos hídricos e de abastecimento de água, incluindo-se as
Prefeituras, para aperfeiçoar os mecanismos de formulação e execução da Política de
desenvolvimento desses setores.
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Como recomendação, é inadiável que, nos contratos de concessão das Prefeituras à
AGESPISA (ou para outra concessionária, mesmo que um serviço da própria Prefeitura),
devem ser incluídos objetivos e metas a serem cumpridos, tal como determina a legislação
pertinente, com metas para a qualidade da água, para os investimentos que atendam à
melhoria e à expansão dos serviços, entre outras, e que o governo do Estado, acionista
majoritário da AGESPISA, imponha rigorosas metas de desempenho gerencial, baseadas em
indicadores utilizados no sistema de informações do setor de saneamento, como número de
empregados por economia, relação das despesas de pessoal com a receita total, além de metas
físicas e financeiras, como último esforço de recuperação da empresa, independentemente das
soluções em curso, visando à criação de consórcios municipais para a gestão dos serviços.
Não é mais possível repetir-se indefinidamente o socorro financeiro do governo estadual
à AGESPISA, cujos investimentos foram provenientes, de uma forma ou de outra, do
Tesouro. Neste aspecto, conclui-se que os investimentos realizados pela AGESPISA foram e
têm sido pagos por toda a sociedade, inclusive por quem não tem acesso aos serviços, e não
pelos usuários, por intermédio de tarifas adequadas, caracterizando, assim, um exemplo de
evidente ineqüidade social.
A comparação com os dados do setor de energia elétrica relativos ao Brasil e ao Piauí
demonstra a diferença de prioridade das políticas públicas em relação ao abastecimento de
água. A disponibilidade de energia elétrica nos domicílios já alcança, na prática, a
universalização dos serviços nas cidades brasileiras (99,1%, em 2000), enquanto no Piauí esse
índice está próximo (96,6%). Nas zonas rurais, entretanto, o número de domicílios sem
energia elétrica alcançava 28,5% no Brasil, em 2000, para os quais o governo federal criou o
Programa Luz para Todos, em 2003. No Piauí, em 2000, o número de domicílios sem energia
elétrica alcançava 62,2% do total, os quais poderão receber o benefício até 2008, segundo as
metas do mencionado Programa.
Para o abastecimento de água, como foi visto, não há perspectivas de que as metas de
universalização sejam alcançadas até 2008, mesmo somente nas cidades, nem que seja
alcançada nas zonas rurais, até 2015.
O desafio de prover água para todos significa a realização dos objetivos do
desenvolvimento sustentável, quais sejam a garantia de que as atuais gerações possam
usufruir benefícios sem prejuízo das futuras gerações. No caso da água, como ficou
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evidenciado, trata-se também de oferecer o seu acesso às gerações atuais, representadas pelas
camadas mais pobres que estão à margem do processo de desenvolvimento. Por outro lado,
sem a preservação dos recursos hídricos compromete-se o seu aproveitamento pelas próximas
gerações.
Cumprir o desafio de prover água para todos significa também realizar o
desenvolvimento humano, pois consiste em uma oportunidade para melhoria das condições de
vida e em uma capacidade para o exercício da cidadania.
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