
9
na hora determinada retornar ao mundo de origem de “todos”, a “Planície Racional”, onde
“finalmente reinaria a total paz e harmonia” entre os homens.
Desde o falecimento de Manoel, em 13 de janeiro de 1991, quem dirige a Cultura
Racional é Atna Jacintho Coelho, sua filha. Hoje ela é tida como representante do Racional
Superior na terra, e “teria sido instituída” como tal por ele. Isso reflete o modo centralista e
personalista como o movimento é organizado, já que num movimento baseado na
“revelação” que Manoel “teria tido”, nada mais “tranqüilizador” e paternalista do que a
instituição de sua filha como a nova líder para dar continuidade a seu trabalho.
Em relação aos fatores marcantes de nosso interesse pelo estudo da Cultura
Racional, um deles é a pouquíssima familiaridade da academia com o tema. Desse modo, o
estudo sobre a Cultura Racional pretende inserir um novo elemento no campo
14
religioso
brasileiro, bem como um novo objeto de pesquisa na área das religiosidades
15
e da cultura
brasileira. Agregamos à lista de elementos motivadores de nossa pesquisa, a peculiar
articulação que o discurso da Cultura Racional tem com o discurso religioso, já que a
Cultura Racional não se mostra como religião, apresentando-se como um movimento
cultural, uma organização, que teria como objetivo levar as pessoas à compreensão de sua
14
Vamos nos ater à noção de campo religioso, conforme aparece em Pierre Bourdieu, como um desigual
sistema de forças (religiosas), dotadas de uma desigual acumulação de capital simbólico. Ou, nas suas
palavras “Equanto resultado da monopolização da gestão dos bens de salvação por um corpo de especialistas
religiosos, socialmente reconhecidos como os detentores exclusivos da competência específica necessária à
produção ou à reprodução de um ‘corpus’ deliberadamente organizado de conhecimentos secretos (e portanto
raros), a constituição de um campo religioso acompanha a desapropriação objetiva daqueles que dele são
excluídos e que se transformam por essa razão em leigos (ou profanos,no duplo sentido do termo) destituídos
do capital religioso (enquanto trabalho simbólico acumulado) e reconhecendo a legitimidade desta
desapropriação pelo simples fato de que a desconhecem enquanto tal”. Ver BOURDIEU, Pierre. Estrutura e
gênese do campo religioso In: A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1987, p. 39.
15
Nossa pesquisa insere-se em uma vertente que privilegia as religiosidades como objeto de pesquisa,
atenuando a presença anteriormente dominante das religiões. Antes de mais nada, porque reconhecemos como
Pierre Sanchis, que o campo religioso, na atualidade, tornou-se mais complexo. Não mais formado apenas por
aquilo que a sociologia tradicional enfocava como “religião” (doutrina específica através de uma teologia,
corpo sacerdotal, sistema hierarquizado e institucionalizado). Por religiosidade passamos a entender, “a
procura espiritual de uma relação com o sagrado, e não um processo de identificação com um conjunto de
regras rituais e normativas de uma igreja”. Ver SANCHIS, Pierre. O Campo religioso será ainda o campo das
religiões? In: HOORNAERT, Eduardo. História da Igreja na América Latina e no Caribe (1945-1995). O
debate metodológico. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 92. Também nos atemos ao pensamento de Albuquerque
que, citando Dominique Júlia, mostra a abordagem da chamada “história religiosa”. Essa, que usaremos em
nosso trabalho, privilegia o contexto histórico no qual se insere a religião. Desse modo não é valorizada da
mesma forma a independência e a peculiaridade do objeto, como é feito na história das religiões, onde os
objetos de pesquisa como instituições religiosas, por exemplo, são compreendidas somente a partir deles
mesmos.) Ver ALBUQUERQUE, Eduardo Bastos de. Distinções no campo de estudos da religião e da
História. In: GUERREIRO, Silas. O estudo das religiões. Desafios contemporâneos. São Paulo: Paulinas,
2003, p. 65.