rindo que não queria nada com solteirões. Disse-me outras coisas e convidou-me a jantar no
domingo próximo. Fui; namorei-me da filha dele, D. Rufina, moça de dezenove anos, bem
bonita, embora um pouco acanhada e meio morta. Talvez seja a educação, pensei eu.
Casamo-nos poucos meses depois. Não convidei o caiporismo, é claro; mas na igreja, entre
as barbas rapadas e as suíças lustrosas, pareceu-me ver o carão sardônico e o olhar oblíquo
do meu cruel adversário. Foi por isso que, no ato mesmo de proferir a fórmula sagrada e
definitiva do casamento, estremeci, hesitei, e, enfim, balbuciei a medo o que o padre me
ditava...
Estava casado. Rufina não dispunha, é verdade, de certas qualidades brilhantes e
elegantes; não seria, por exemplo, e desde logo, uma dona de salão. Tinha, porém, as
qualidades caseiras, e eu não queria outras. A vida obscura bastava-me; e contanto que ela
ma enchesse, tudo iria bem. Mas esse era justamente o agro da empresa. Rufina (permitam-
me esta figuração cromática) não tinha a alma negra de lady Macbeth, nem a vermelha de
Cleópatra, nem a azul de Julieta, nem a alva de Beatriz, mas cinzenta e apagada como a
multidão dos seres humanos. Era boa por apatia, fiel sem virtude, amiga sem ternura nem
eleição. Um anjo a levaria ao céu, um diabo ao inferno, sem esforço em ambos os casos, e
sem que, no primeiro lhe coubesse a ela nenhuma glória, nem o menor desdouro no
segundo. Era a passividade do sonâmbulo. Não tinha vaidades. O pai armou-me o
casamento para ter um genro doutor; ela, não; aceitou-me como aceitaria um sacristão, um
magistrado, um general, um empregado público, um alferes, e não por impaciência de
casar, mas por obediência à família, e, até certo ponto, para fazer como as outras. Usavam-
se maridos; ela queria usar também o seu. Nada mais antipático à minha própria natureza;
mas estava casado.
Felizmente — ah! um felizmente neste último capítulo de um caipora, é, na verdade,
uma anomalia; mas vão lendo, e verão que o advérbio pertence ao estilo, não à vida; é um
modo de transição e nada mais. O que vou dizer não altera o que está dito. Vou dizer que as
qualidades domésticas de Rufina davam-lhe muito mérito. Era modesta; não amava bailes,
nem passeios, nem janelas. Vivia consigo. Não mourejava em casa, nem era preciso; para
dar-lhe tudo, trabalhava eu, e os vestidos e chapéus, tudo vinha "das francesas", como então
se dizia, em vez de modistas. Rufina, no intervalo das ordens que dava, sentava-se horas e
horas, bocejando o espírito, matando o tempo, uma hidra de cem cabeças, que não morria
nunca; mas, repito, com todas essas lacunas, era boa dona de casa. Pela minha parte, estava
no papel das rãs que queriam um rei; a diferença é que, mandando-me Júpiter um cepo, não
lhe pedi outro, porque viria a cobra e engolia-me. Viva o cepo! disse comigo. Nem conto
estas coisas, senão para mostrar a lógica e a constância do meu destino.
Outro felizmente; e este não é só uma transição de frase. No fim de ano e meio,
abotoou no horizonte uma esperança, e, a calcular pela comoção que me deu a notícia, uma
esperança suprema e única. Era o desejado que chegava. Que desejado? um filho. A minha
vida mudou logo. Tudo me sorria como um dia de noivado. Preparei-lhe um recebimento
régio; comprei-lhe um rico berço, que me custou bastante; era de ébano e marfim, obra
acabada; depois, pouco a pouco, fui comprando o enxoval; mandei-lhe coser as mais finas
cambraias, as mais quentes flanelas, uma linda touca de renda, comprei-lhe um carrinho, e
esperei, esperei, pronto a bailar diante dele, como Davi diante da arca... Ai, caipora! a arca
entrou vazia em Jerusalém; o pequeno nasceu morto.