WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
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passado, e não vivendo, aliás, parasitariamente, senão das conquistas
que outros abnegados fizeram, transcorrem a vida toda a adotar
figuras e coisas que passaram.
Não seria de todo desinteressante estudar a maneira pela qual os
passadistas dizem venerar os grandes que já se foram, deixando
uma réstia de luz no templo, marcando a sua trajetória. Eles os
adoram, contemplativamente, isto é, negando-os, porque a verdadeira
maneira de os venerar seria não comemora-los em banquetes
suntuosos, onde tudo a gente se lembra, menos dos comemorados,
mas sim seguir os seus ensinamentos, continuar o caminho que eles
iniciaram, granjeando, para a humanidade inteira, e não para o
gozo pessoal egoístico, sabedoria e bem-estar.
Passadista era nosso avô, quando não concebia e até se recusava
categoricamente a viajar em estrada de ferro, pelo simples fato de
ter sido a locomotiva, a seu tempo, uma coisa nova, um produto
da “maluquice”.
Eram passadistas os que acenderam a fogueira de Gusmão e
de Giordano Bruno, como eram passadistas todos aqueles que,
na aurora da aviação, tiveram ânimo de rir de Santos Dumont.
Eles formavam entre os que, no tempo da Renascença, choravam
pela época dos góticos, achando-a maravilhosa, naturalmente
na mesma relação em que achavam horríveis a arte dos dias em
que viviam, com atitude idêntica à dos nossos tradicionalistas que
acham estupendo os tempos dos góticos e dos renascentistas, na
proporção exata em que supõe verdadeiramente catastróficos,
menos agarrados à rocha da tradição, como ostras monstruosas,
que foi futurista o homem que, primeiro, entre seus semelhantes
mentalmente preguiçosos, procurou utilizar-se do fogo, para a
manipulação dos seus alimentos primitivos, para a luta contra os
rigores invernais, para a produção da força, por intermédio do
vapor ou da explosão; futurista foi aquele que, insatisfeito com a
vida rude que levava, na gruta pré-histórica, conseguiu, com um
machadinho rudimentar de pedra, derrubar a primeira árvore,
tentando construir a choupana, a residência adequada à sua
condição de criatura humana, conduzindo, depois, por esse mero
gesto de proteção individual ao seu corpo, toda a humanidade
pelo caminho da construção residencial, e, daí, a uma verdadeira
arte, como é a arquitetura. Futuristas foram, enfim, todos os grandes
homens de Estado, todos os artistas, todos os abnegados, como
Head e como Berthelch, que, olhando para o futuro, chegaram até
a sacrificar o seu presente, para dar a esta grande humanidade,
que, afinal, nem sempre se lembra deles com carinho, o estado do
progresso e a possibilidade do bem-estar que ela hoje desfruta.
Foram futuristas, isto é, procuraram e conseguiram, em grande
parte, adivinhar o sentido do futuro, os grandes hoje justamente
venerados, como Leonardo, como Gusmão, como Verne, e até –
por que não dizer? – como Mauá e José Bonifácio.
Passadistas
E passadistas? Que são os passadistas? São aqueles que, apenas
lembram-se do passado, não conhecendo nada mais do que o