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CAMILA SOARES DE OLIVEIRA
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
Dissertação apresentada à Universidade Presbiteriana
Mackenzie como requisito para obtenção do título de
Mestre em Arquitetura e Urbanismo.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Isabel Villac
São Paulo
2008
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O48w
Oliveira, Camila Soares de
Warchavchik: ensaio para a Modernidade - Camila Soares de
Oliveira. São Paulo, 2008.
228 f. : il., 30 cm
Dissertação (Mestrado em arquitetura e urbanismo) Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Presbiteriana
Mackenzie São Paulo, 2008.
Referências bibliográficas : p. 176-179.
1. Arquitetura Moderna. 2. Arquitetura brasileira.
3. Modernismo. 4. Arquitetura pré-moderna.
6. Warchavchik, Gregório. I. Título
CDD 720.981
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CAMILA SOARES DE OLIVEIRA
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
Dissertação apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie como
requisito para obtenção de título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.
Aprovada em 8 de agosto de 2008.
BANCA EXAMINADORA
Profa. Dra. Maria Isabel Villac
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Profa. Dra. Eunice Helena Sguizzardi Abascal
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Profa. Dra. Maria Cristina Schicchi
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
Para a minha mãe, Neide Hahn,
eterna incentivadora dos estudos,
do trabalho e do amor.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
aos estudos e ao amor pela arquitetura.
Ao amigo-chefe-arquiteto Gui Mattos, pela compreenção e incentivo.
Ao irmão-amigo, Diogo Oliveira, por me acompanhar, me entender
e me ensinar.
À amiga Julie Lockley, pela ajuda na captação de imagens.
Ao amigo e arquiteto Gustavo Magalhães, pela ajuda nos desenhos
de análise.
À amiga Titi Wessel, pelo projeto gráfico, tratamento das imagens e
diagramação.
À amiga e arquiteta Betina Lorenzetti, pela valiosa colaboração na
etapa final.
Ao amigo Rogério Granja, pela compreenção e paciência.
Aos colegas de mestrado e doutorado, que me acompanharam: Aline
Regino, Carolina Rocco, Élida Zuffo, Gustavo Mestriner, Ricardo Caco
e Vinicius Stump.
AgrAdecimentos
À minha orientadora, Maria Isabel Villac, pelo carinho e por tudo
que me fez aprender. Além do conteúdo, a forma de aprender.
Às professoras Maria Cristina Schicchi e Eunice Abascal, pelos
comentários e sugestões na banca de qualificação.
À CAPES pela concesão da bolsa de estudo e ao fundo Mack-
Pesquisa pelo provimento da reserva técnica.
Ao arquiteto Paulo Mauro Mayer de Aquino, pela concesão de
pesquisa no acervo da família Warchavchik, situado no escritório
de arquitetura de Carlos Warchavchik.
Aos professores do curso de mestrado da Universidade Presbiteriana
Mackenzie pelas aulas ministradas.
Ao amigo e engenheiro Jean Saveur (in memoria), pelo incentivo
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
Etre moderne n´est pas une mode, c´est un état. Il faut
comprendre l´histoire et qui comprend l´histoire sait trouver
la continuité entre ce qui était, ce qui est, et se qui sera.
Le Corbusier
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
No momento de escolher o tema, os alunos o direcionados a
eleger um arquiteto de seu país para elaborar suas teses. A partir de
uma lista de importantes nomes da arquitetura moderna brasileira,
me chamou a atenção o trabalho de Gregori Warchavchik – tanto
sua importância como arquiteto em defesa da arquitetura moderna
a princípios do século XX como a falta de conhecimento de seu
nome e trabalho fora do Brasil, entre colegas e professores. Além
disso, ler os textos dele, escritos nos anos 20 e 30, são mensagens
que podem continuar sendo escritas nos dias de hoje, para tentar
educar a mentalidade da sociedade e do mercado imobiliário ou
dos próprios arquitetos.
De volta ao Brasil, em 2002, tinha a intenção dar continuidade aos
estudos e um dia, voltar para a Espanha para defender a tese. As
ocupações profissionais dominaram os interesses e o tempo ficou
escasso. Foi em 2006 que o interesse acadêmico e a idéia de não
deixar para trás um trabalho iniciado e não concluído voltaram a
ter importância.
O material gráfico a ser consultado tem a colaboração do arquiteto
Paulo Mauro Mayer de Aquino, responsável pelo acervo da família
Warchavchik.
Prólogo
O interesse pelo tema teve inicio no ano 2000, num curso de
Doutorado, na Universidade Politécnica da Catalunha, Barcelona.
Os créditos foram cumpridos, mas a tese não foi concluída. O
projeto, sim, aprovado.
Desanimada com o mercado de trabalho, e em busca de novos
conhecimentos, tanto acadêmicos como pessoais, Barcelona foi a
cidade escolhida para me acolher nesta experiência. Tinha que sair
daqui com um objetivo: estudar. Ou seria um pretexto?
Arquitetura Moderna foi, é e continuará sendo para mim, o assunto
mais prazeroso de investigar. Dentre os cursos oferecidos pela
universidade, o Doutorado era mais acessível economicamente, e o
era pré-requisito ter o titulo de mestre. O assunto de interesse estava lá:
El Sentido de La Forma Moderna, Proyectos Arquitectonicos.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
Superior de Arquitetura de Vallès (1996), de Iñaki Alday, que define
casa-manifesto como o limite das possibilidades de experimentação
pessoal, as casas que se convertem em manifestos construídos a partir
de uma determinada posição teórica ou profissional e são discursos
fundamentais na proclamação de distintas posturas arquitetônicas.
O trabalho proe uma recopilação e análise da prodão de obras
residenciais unifamiliares do arquiteto, abordando sua concepção e
construção e a relação com seu discurso – conceitos, idéias, valores.
As casas a serem estudadas são: 1928: Casa da rua Santa Cruz
SP; 1929: Casa da rua Melo Alves SP; 1930: Casa da rua
Itápolis – SP; 1930: Casa da rua Bahia – SP; 1931: Casa da rua
Estados Unidos – SP.
Os textos a serem analisados: “Acerca da arquitetura moderna”,
publicado originalmente em italiano, com o título “Futurismo?”, no
jornal Il Picollo (São Paulo, 14 de junho de 1925; “Arquitetura
brasileira” (entrevista), publicado originalmente em Terra Roxa e
Outras Terras (São Paulo, 17 de setembro de 1926); “Decadência
e renascimento da arquitetura”, publicado originalmente no Correio
Paulistano (São Paulo, 05 de agosto de 1928); “Arquitetura nova”,
publicado originalmente no Diário da Noite (São Paulo, 20 de
dezembro de 1928); “A arquitetura atual na América do Sul”,
publicado originalmente em Cahiers d’Art (Paris, n. 2, 1931).
Palavras chave: arquitetura Moderna, Arquitetura Brasileira,
Modernismo, Arquitetura pré-moderna, Gregori Warchavchik.
resumo
Este trabalho trata de conferir a obra em relação ao discurso de
Gregori Warchavchik, como referência para os antecedentes da
arquitetura moderna no Brasil. O período a ser estudado é de 1925
a 1931, quando foram projetadas as casas mais significativas,
“casas-manifesto”, que fizeram parte do início de importante
transformação arquitetônica. Todas elas em São Paulo, antes da
construção do Ministério da Educação (1936), conhecido como o
marco inicial da arquitetura moderna brasileira.
Entende-se por “casas-manifesto”, as obras de Warchavchik
apresentadas para o público com a intenção de esclarecer os seus
ideais, que eram os mesmos de Le Corbusier, até então desconhecidos
em território nacional. As construções aparecem como expressão
dos pressupostos teóricos, colocando em prática o seu pensamento
de maneira concreta.
Esse termo foi “retirado” de uma publicação da Escola Técnica
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
AbstrAct
This research is about what have the architect Gregori Warchavchik
realized, verifying his writings in comparison to his constructions,
as a reference for the antecedents of modern architecture in Brazil.
The period to be studied is from 1925 to 1931, when the most
significant houses were projected, “manifest-houses”, which were
part of the important beginning period of architectural transformation.
All of them in São Paulo, before the construction of Ministério da
Educação (1936), known as the initial mark of the Brazilian modern
architecture.
“Manifest-houses” is defined as Warchavchik’s constructions presented
to the public with the intension of clarifying his ideals that were
the same of Le Corbusier, until then unknown in national territory.
The buildings are showed as the expression of theoretical ideals,
applying his thoughts in a concrete way.
This term was taken from a publishing from Architecture Superior
School of Vallès (1996), written by Iñaki Alday, that define manifest-
house as the limit of the possibilities of personal experience, the
houses that become built manifests from a theoretical or professional
determined position and they are fundamental discourse on the
proclamation of distinct architectural point of view.
The reserch proposes a compilation and analysis of the one-family
houses projected by the architect, approaching his conception and
construction and the existent relation to his speech – concepts, ideas
and values.
Houses to be studied: 1928: Casa da rua Santa Cruz – SP; 1929:
Casa da rua Melo Alves SP, 1930: Casa da rua Itápolis SP;
1930: Casa da rua Bahia SP; 1931: Casa da rua Estados
Unidos – SP.
Writings to be analysed: “Acerca da arquitetura moderna”, originally
published in italian, named “Futurismo?”, in the paper Il Picollo
(São Paulo, 14th of june 1925; “Arquitetura brasileira” [interview],
originally published in Terra Roxa e Outras Terras (São Paulo, 17th
of setember 1926); “Decadência e renascimento da arquitetura”,
originally published in Correio Paulistano (São Paulo, 05th of august
1928); “Arquitetura nova”, originally published in Diário da Noite
(São Paulo, 20th of december 1928); “A arquitetura atual na
América do Sul”, originally published in Cahiers d’Art (Paris, n. 2,
1931).
Key Words: modern Architecture, Brazilian Architecture, Modernism,
Pre-Modern Architecture, Gregori Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
sumÁrio
INTRODUÇÃO....................................................................................................................................
Capítulo 1: O INICIO DA TRAJETORIA DE GREGORI WARCHAVCHIK..........................................................
1.1 A formação do arquiteto e a trajetória do arquiteto................................................................
1.2 A vinda para o Brasil.......................................................................................................
1.3 A visita de Le Corbusier ao Brasil e o CIAM.........................................................................
1.4 A participação acadêmica de Warchavchik e o trabalho com L. Costa ...................................
Capítulo 2: ARQUITETURA MODERNA E SEUS ANTECEDENTES.................................................................
2.1 Linha do Tempo..............................................................................................................
2.2 Os Conceitos da Arquitetura Moderna – pertinentes ao trabalho de Gregori Warchavchik...........
Capítulo 3: AS CASAS E O DISCURSO DE GREGORI WARCHAVCHIK.........................................................
3.1 1928: A Casa da rua Santa Cruz......................................................................................
3.2 1929: A Casa da rua Melo Alves......................................................................................
3.3 1930: A Casa da rua Itápolis............................................................................................
3.4 1930: A Casa da rua Bahia.............................................................................................
3.5 1931: A Casa da rua Estados Unidos................................................................................
CONCLUSÃO.....................................................................................................................................
BIBLIOGRAFIA.....................................................................................................................................
ANEXOS............................................................................................................................................
11
16
16
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180
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
11
introdução
Esta investigação se centra na busca das origens da modernidade
arquitetônica mundial e anima os arquitetos a dirigir seus interesses
à importância da produção arquitetônica brasileira. Trata-se de um
esforço em resgatar informações dispersas que, em muitos casos,
correm o risco de se perderem para sempre.
Ao estudar os antecedentes da Arquitetura Moderna brasileira,
Warchavchik emerge em muitos textos, como figura capital, se bem
que a maioria deles não é esgota seu papel real na formação da
nova arquitetura nacional.
Arquitetura Moderna Brasileira, arquitetura de tal qualidade que
foi aclamada no exterior, ombreando-se com o que de melhor foi
realizado em todo o mundo. Como se deu essa passagem do
clássico para a modernidade?
Gregori Warchavchik foi estudado por Geraldo Ferraz e Agnaldo
Farias, autores para os quais o arquiteto de origem russa, que se
radicou no Brasil a partir de 1923, é o pioneiro da Arquitetura
Moderna neste país.
Geraldo Ferraz marca sua importante contribuão para a valorizão
da obra de Warchavchik, buscando resgatar o papel de pioneiro do
grupo paulista, a partir de um cuidadoso levantamento documental.
Atenta para a grande movimentação ocorrida entre passadistas e
modernistas e a opinião pública, em relação à Casa da rua Santa Cruz,
a primeira casa modernista da América do Sul, construída em 1928.
Warchavchik engloba tudo: começa situando a concepção da
beleza do passado na referência do homem moderno, que considera
os objetos das épocas pretéritas “obsoletos e às vezes ridículos”,
para mencionar o exemplo das máquinas de nosso tempo, para
destacar a “racionalidade da construçãoa que obedecem, em suas
linhas e formas, atentas às razões da economia e do conforto.
1
Agnaldo Farias, em sua dissertação de mestrado “A arquitetura
eclipsada – Notas sobre história e arquitetura a propósito da obra
de Gregori Warchavchik, introdutor da Arquitetura Moderna no
Brasil”, diz que:
A obra de Warchavchik, por tudo quanto ela significa, pela sua
qualidade e pioneirismo, pelas dificuldades que ele passou na sua
carreira profissional, exige um tratamento à altura. Construindo sua
1 FERRAZ, Geraldo. Warchavchik e a Introdução da nova arquitetura no Brasil: 1925 a 1940. São
Paulo: Museu Arte, 1965. pg. 21.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
12
obra, Warchavchik percorreu um caminho sinuoso, cheios de idas
e vindas, envolvendo-se em todos os aspectos relativos à profissão:
o projeto, a construção, a divulgação, a polêmica, o magistério, a
incorporação e a venda.
2
Para estes autores, as “casas-manifesto da Rua Santa Cruz e da Rua
Itápolis, de 1928 e 1930, são o ponto de partida da Arquitetura
Moderna brasileira. Se aceita aqui, entretanto, a tese de Sophia
Silva Telles, para quem Gregori Warchavchik defendeu o movimento
moderno em detrimento ao tradicionalismo arquitetônico da época,
mostrou sua estética, mas ainda realiza projetos e obras que antecedem
o procedimento mais propriamente moderno equacionado pelas
artes e pela literatura do Modernismo brasileiro.
Para o solo brasileiro, um arquiteto pré-moderno. Nas investigações
estéticas que se analisam no panorama internacional, também um
pré-moderno de influência definitiva na estética da Arquitetura
Moderna brasileira. Se aceitarmos a análise de Kenneth Frampton,
podemos fazer um paralelo ao arquiteto Adolf Loos, cujas intenções
plásticas eram incompatíveis com a técnica construtiva moderna na
quais as articulações estruturais estão à mostra.
[...] Essas intenções plásticas eram basicamente incompatíveis com
uma arquitetura de distinção consistente entre elementos estruturais e
não estruturais [...] Em quase toda a sua obra residencial, as junções
2 FARIAS, Agnaldo. A arquitetura eclipsada – Notas sobre história e arquitetura a propósito da obra de
Gregori Warchavchik, introdutor da arquitetura moderna no Brasil. Dissertação de Mestrado. Campinas:
FAU Campinas, 1990.
estruturais são invariavelmente ocultas por revestimento, seja com o
objetivo de esconder problemas não resolvidos, seja por estar em
pauta o desejo de criar um nível apropriado de decoro.
3
Para Frampton, as preocupações estéticas e espaciais de Loos o
colocam como o primeiro a postular o problema de “como combinar
a propriedade da massa platônica com a conveniência do volume
irregular”
4
e sua influência é decisiva na síntese dos objetos-tipo do
mundo moderno.
Max Risselada organiza um livro, “Raumplan versus Plan Libre (1991),
no qual compara a arquitetura de Loos com a de Le Corbusier através de
uma pesquisa ilustrada, apontando os elementos tradicionais e clássicos
em contraposição aos inovadores conceitos do “espírito novo”.
No livro, Risselada faz a seguinte introdução:
[...] On the one hand, the work of both is concerned with the autonomy
of architecture means; on the other hand both try, each in his own
way, to place his work in a social context, something which each
makes particulary clear in his writing.
For Loos, the point of departure is the practice of traditional methods,
the task being socially determined. The correct formulation for this is
geared to a reconsideration of the discipline of craftmanship.
3 Frampton, Kenneth História crítica da arquitetura moderna. Tradução: Jefferson Luiz Camargo. São
Paulo: Martins Fontes, 2000. p.108.
4 Ibid, p.109.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
13
In Le Corbusier’s case the division between the design and its actual
realization becomes a fact. In the design itself the new task and
the ways and means of realizing it are formulated in terms of new
technologies.
5
Neste livro, aparecem outros colaboradores como Stalislaus Von Moos,
que mostra uma forte influência das idéias de Loos nas obras de Le
Corbusier. O manifesto “Ornamento e Crime”, de Loos, foi traduzido
na íntegra, na revista L’Esprit Noveau, nº 2 (1921), junto com um
editorial de introdução no qual Loos foi louvado como precursor.
Sophia Silva Telles afirma que:
Na Europa, a arquitetura se impõe como um dos pólos do próprio
olhar moderno. Ordem, clareza, evidência da técnica e de novos
procedimentos, formas puras. [...] O Modernismo aqui acolhe
imediatamente esse sinal de progresso e racionalidade com o qual
o Brasil precisa aprender a conviver. Mas a presença da natureza,
o interior sensível, imensa superfície de território virgem, de sertão
noturno, a presença indígena e cabocla não permanece sendo
essa a interioridade modernista? [...] A opção modernista pela
Arquitetura Moderna continua sendo, antes de tudo, estética.
6
5 RISSELADA, Max. Raumplan versus Plan Libre. Netherlands: by the authors, 1991.
6 TELLES, Sophia. “A arquitetura modernista Um espaço sem lugar”. In: Sete ensaios sobre o moder-
nismo, Arte Brasileira Contemporânea, Caderno de Textos 3, Rio de Janeiro: FUNARTE,1983. p. 20.
Afirma ainda que:
[O Modernismo] Sua ambigüidade está em reconhecer o irracional,
o imaginário um campo afetivo que seria a naturalidade brasileira
ao mesmo tempo em que reconhece a razão moderna termo
indissolúvel desse olhar que constrói agora certa imagem do Brasil.
7
Gregori Warchavchik iniciou seus estudos de arquitetura em Odessa,
cidade onde havia nascido, e se graduou arquiteto, em 1918, no
Instituto Superior de Belas Artes de Roma. Ainda na Itália, trabalhou com
alguns arquitetos como Marcelo Piacenttini, arquiteto neoclassicista,
com quem contribuiu em diversos projetos na Itália. No Brasil, esta
experiência em projetos de tendência “historicizante” revivals que
reafirmam a continuação do espírito eclético e os estilos decorativistas
serão abandonados em prol do despojamento ornamental e de
construções de “estilo” moderno em uma clara aproximação ao
universo da “estética” da Arquitetura Moderna um sistema objetivo
de relações universais -, mas ainda sem incorporar a subjetividade
que permanece como fundo do Modernismo brasileiro.
Segundo Sophia Telles, estas considerações definem Gregori
Warchavchik, arquiteto “precursorda Arquitetura Moderna. Pois esta
se revelará em solo brasileiro quando incorporar a ambigüidade
modernista.
[...] a arquitetura moderna que Warchavchik traz para o Brasil, logo
após a Semana de 22, constrói a Casa Modernista com o novo
7 TELLES, Sophia. “A arquitetura modernista Um espaço sem lugar”. In: Sete ensaios sobre o moder-
nismo, Arte Brasileira Contemporânea, Caderno de Textos 3, Rio de Janeiro: FUNARTE,1983. p. 20.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
14
conceito de solo urbano – espaço não natural, mas social. Por isso
mesmo, embora introduza a planta moderna, a generalização do
cimento armado e dos materiais industrializados, apesar de marcar
o início das formas retas, dos balcões em balanço, as grandes
aberturas, a arquitetura de Warchavchik está condenada aqui a ser
ainda uma operação estética.
8
No início do século, a elite paulistana era formada por famílias de
imigrantes que enriqueceram com o café, que tinham como ideal
resgatar o estilo dos palacetes europeus – isso lhes parecia nobre.
E as linhas retas e sem ornamentos surgiam para contrapor esses
ideais de estilos passados.
A situação brasileira de então assemelhava-se ao de quase todos
os países do Ocidente: roupagem “fachadesca” dos palácios e das
casas onde cada elemento profissional pescava motivos decorativos
nos álbuns da História.
9
Assumimos então Gregori Warchavchik como precursor, no sentido
de difundir as novas idéias, a partir do seu discurso e de sua obra
que, em 1927, realizou o projeto da Casa da rua Santa Cruz, no
bairro de Vila Mariana, em São Paulo. A obra foi concluída em
1928 e foi considerada a primeira casa moderna do país, que
surge como uma revolução no panorama arquitetônico paulistano.
8 TELLES, Sophia. “A arquitetura modernista Um espaço sem lugar”. In: Sete ensaios sobre o moder-
nismo, Arte Brasileira Contemporânea, Caderno de Textos 3, Rio de Janeiro: FUNARTE,1983. p. 20
9 BARDI, P.M. Lembrança de Le Corbusier – Atenas, Itália, Brasil. São Paulo: Nobel, 1984.
Em 1930, foi realizada a “Exposição da de uma Casa Modernista”,
por Warchavchik, na Casa da rua Itápolis a casa foi exposta
ao público, reunindo arquitetos, decoradores, artistas plásticos e
os mais importantes nomes da literatura moderna, na mais famosa
exposição de arte paulistana.
Warchavchik escreveu diversos manifestos polêmicos para a imprensa
da época, sempre defendendo o movimento moderno em detrimento
ao provincianismo arquitetônico que então se realizava. Em 1929,
foi nomeado por Le Corbusier chefe do CIAM da América do Sul.
Nos anos 30, associou-se ao arquiteto carioca Lucio Costa, quando
participaram juntos de alguns projetos, sendo o único significativo a
vila operária de Gamboa, em 1933. Alguns de seus projetos, como
as cinco casas que serão abordadas neste trabalho, são, hoje,
importantes fontes de estudo para entender os antecedentes da
Arquitetura Moderna no Brasil.
Suas obras aparecem nas principais publicações internacionais
sobre a Arquitetura Moderna brasileira: Sigfried Giedion publicara,
em 1931, fotos e plantas, nos Cahiers d’Art, nº2, as casas da rua
Santa Cruz, a da rua Itápolis e a de Cândido da Silva. Os livros
mais significativos, publicados, foram: “Gli Elementi dell’architettura
Funzionale”, de Alberto Sartoris (Milão: Urico Hoelpli, 1932); “Brazil
Builds”, de Philip Goodwin (New York: The museum of Modern
Art, 1943); “Arquitetura Moderna no Brasil”, de Henrique Mindlin,
título original em inglês: “Modern Architecture in Brazil” (Nova York:
Reinhold Publishing Corporation,1956; L’architettura Moderna in
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
15
Brasile, de Sergio Bracco (Milan: Capelli, 1967)).
Importante notar como, ultimamente, tem se dado importância para
a documentão arquitenica brasileira, através de inúmeras
publicações ou reedições de livros por exemplo, “Os escritos de
Warchavchik”, organizado por Carlos Ferreira Martins (São Paulo:
Cosacnaify, 2006) ou a reimpressão em fac-símile do livro de
Alberto Xavier, Lucio Costa: Sobre Arquitetura (Porto Alegre: Editora
Ritter dos Reis, 2007. Edição original: 1962). A participação em
organizações como o Docomomo e outros simpósios também têm o
Brasil como personagem sempre presente.
Para então desenvolver o estudo sobre a importância de Gregori
Warchavchik como precursor da Arquitetura Moderna no Brasil,
este trabalho se estrutura da seguinte maneira: foram selecionados
os principais conceitos encontrados em: autores fundamentais que
estudaram a História do Movimento Moderno e da Arquitetura Moderna.
O movimento é repercutido no Brasil através de alguns artistas e autores
importantes da literatura nacional e a arquitetura, através de Gregori
Warchavchik. Estudaremos suas idéias mais importantes, fazendo
um paralelo com os conceitos fundamentais da arquitetura nova. Os
conceitos selecionados para análise são aqueles que apontam o
alinhamento ao projeto modernista, têm a presença de tendências
classicizantes e predisposição moderna e o quanto destas questões
se verifica na obra construída.
Insere-se o personagem Gregori Warchavchik no contexto histórico,
dando importância ao início de sua carreira, a partir da bibliografia
que trata da época das questões do modernismo e da modernidade.
O trabalho incorpora publicações originais, importantes como
documentação reunida e como aspecto de veracidade.
Para o estudo das cinco obras escolhidas, além do material gráfico,
o trabalho consiste no histórico, na reunião das publicações, em
análises de composição, conceituais e discurso e na situação atual
dos edifícios, para os que ainda existem.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
16
cAPÍtulo 1
o inÍcio dA trAJetóriA de gregori WArcHAVcHiK
1.1. A formação e a trajetória profissional do arquiteto
Gregori Warchavchik teve seu diploma de arquiteto pelo Instituto
Superior de Belas-Artes de Roma, em 1920. Renato Anelli, que estudou
a trajetória de arquitetos de formação italiana e que trabalharam
no Brasil, ressalta a importância da participação de arquitetos com
essa formação para a constituição da Arquitetura Moderna em São
Paulo. Gregori Warchavchik e Rino Levi participaram do primeiro
momento da implantação da arquitetura nova e, posteriormente,
Lina Bo Bardi e Giancarlo Palanti.
A formação romana se expressa pela reprodução, por estes
arquitetos, do perfil de atuação profissional denominado “arquiteto
integral”, desenvolvido em Roma, durante os anos 20. Tratava-se
de um arquiteto capaz de unir princípios artísticos acadêmicos com
os novos conhecimentos técnicos necesrios para a construção
e para o uso.
10
10 ANELLI, R. “Interlocuções com a arquitetura italiana”. Revista Oculum n˚3. p. 3.
Esta fusão entre arte e técnica origem a todos os conceitos
de composição, baseada nas ordens de proporção e simetria do
classicismo, que são a base erudita característica da Arquitetura
Moderna.
A oposição entre arte e técnica está presente na formação desses
alunos. Para eles, era necessária a modernização e, ao mesmo
tempo, não romper com a tradição clássica. Um dos componentes
do modernismo é a arquitetura industrial, que se desenvolveu na
Alemanha. Os princípios desenvolvidos pela Werkbund (1907-
1933) e pela Bauhaus (1919-1933) foram reproduzidos pela
escola romana.
A Werkbund foi uma associação de artesãos ingleses e alemães,
formada pelos arquitetos Hermann Muthesius e Henry van de Velde
inspirada nos ideais de Walter Gropius. A Deutcher Werkbund pregava
o renascimento das artes industriais a partir de uma colaboração
entre designers e engenheiros. Eles também apoiavam a máxima
de Gropius que dizia que a forma seguia a função e de que todo
o ornamento deveria ser abolido.
A Bauhaus, fundada por Walter Gropius em Weimar, foi uma das
maiores e mais importantes expressões do que é chamado Modernismo
no design e arquitetura, sendo uma das primeiras escolas de design
do mundo, que além do próprio design, ensinava artes plásticas e
arquitetura de vanguarda. Bauhaus significa “casa da construção”, onde
seus princípios se fundavam na produção industrializada do artesanato,
transformando a arte em produto acessível para a sociedade
.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
17
Sobre a Bauhaus, Sophia da Silva Telles, afirma que:
A Bauhaus define o método de projetação como uma operação
ao mesmo tempo técnica e sensível ao final da qual a forma surge
como o modo de aparecer no mundo para a consciência.
11
Segundo a autora, a técnica e a função no espaço moderno, no
Brasil, acabam por determinar um desenho de superfície.
[...] O campo problemático que então estava exposto era o
deslocamento do mundo sensível que parecia escapar ao julgamento
de uma subjetividade desfeita. É como se o acordo reflexivo estivesse
sendo constrangido a se passar integralmente para o lado dos objetos
que, na atualidade de produto da era industrial, deveriam sublimar
a causa eficiente e a causa final em nome da preeminência da
Forma e Matéria.
12
Apesar de sua formação ter sido realizada em meio academicista,
Warchavchik tinha uma visão dos novos conceitos que se falavam na
Europa, enquanto que no Brasil nem sequer haviam cursos de arquitetura.
Seu perfil profissional, ainda que delineado por lições clássicas, não
descartava em absoluto a investigação de uma arquitetura funcional,
livre de ornamentos, de economia e de composição estrutural clara.
Na verdade, todos esses preceitos estavam disseminados na Europa
entre alguns mestres como o francês Auguste Perret (1874-1954) e
o austríaco Adolf Loos (1870-1933).
11 TELLES, Sophia da Silva. Arquitetura Moderna no Brasil: o desenho da superfície. Dissertação de
Mestrado – FFLCH, USP, 1988.
12 Ibid, p. 6.
Geraldo Ferraz (1965), ao explicar a atuação de Warchavchik,
aponta que o arquiteto resistiu ao contato dos anos em que trabalhou
com Marcello Piacentini, para chegar à América, embebido das idéias
novas que estavam em elaboração nos centros culturais da Europa.
José Tavares Correia de Lira (2007) apresentou um artigo recentemente,
no XXX Encontro Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Ciências Sociais (ANPOCS), com o intuito de discutir as relações
entre as vanguardas e a sociedade brasileira. Esse artigo, “Ruptura
e construção”, contribui para o trabalho no sentido de complementar
algumas informações sobre a biografia do arquiteto.
No artigo, ele comenta sobre a emigração desde Odessa, a
cidade natal de Gregori Warchavchik, para a Itália em 1918,
período anterior ao fluxo de artistas russos de vanguarda para o
exílio no Ocidente, que ocorreu depois de 1920. Aparentemente,
sua decisão de emigrar se deu pela guerra civil, que colocou a
economia e a sociedade russa em situação precária, sem muitas
perspectivas para a comunidade judia e de poucos recursos.
Lira enfatiza a importância da situação de reforma que passava
o Instituto Superior de Belas-Artes de Roma, caracterizada por
grandes transformações pedagógicas e profissionais do sistema
arquitetônico italiano e a oposição entre as escolas politécnicas e
as academias e institutos de belas-artes. Como Warchavchik chega
a Roma em 1918, neste momento de transição, obtém os dois
diplomas: o tradicional de Professor de Desenho Arquitetônico e o
do Curso Especial de Arquitetura. Segundo o autor, Warchavchik
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
18
gradua-se no último ano de vigência experimental, em pouco mais
de dois anos de freqüência na escola, o que sugere uma formação
prévia na Ucrânia, mas não há documentação sobre isso.
Sobre a sua atuação profissional, conta que, além de Marcello
Piacentini que aparece em todas as suas biografias, trabalhou
também com Vincenzo Fasolo, Manfredo Manfredi, Augusto Innocenti
e Alighiero Roster. Com isso, consegue adquirir um vasto repertório
arquitetônico, trabalhando com projetos de habitações econômicas,
cineteatros, cenografia e decoração.
Marcello Piacentini é conhecido por uma arquitetura que fica
entre o classicismo do grupo novecento e o racionalismo italiano,
entre o arquiteto conservador e o renovador; foi professor na Escola
Superior de Arquitetura de Roma. Vincenzo Fasolo foi, segundo Lira,
o principal antagonista de Piacentini na polêmica pedagógica em
torno das relações entre o ensino dos estilos históricos e a prática
compositiva. Com Manfredo Manfredi, outro professor de Roma,
Warchavchik desenhou a cenografia de Hamlet, em montagem em
1921. Augusto Inocentti era dono do escritório Studio Artístico
per le Decorazioni Edilizie, com quem Warchavchik trabalhou em
projetos de decoração. E por último, trabalhou com o engenheiro
Alighiero Roster, no Studio Técnico Industriale, em projeto de casas
econômicas.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
19
Em alguns dos projetos apresentados no livro de Geraldo Ferraz, que
Warchavchik desenvolveu em Roma, o projeto de uma residência e
estudo para um teatro, Lira aponta:
[...] nota-se uma tentativa de objetivação da forma por meio de
critérios compositivos menos codificados retoricamente. Reduções
estereométricas, simplificações ornamentais e efeitos de textura que
antecipam uma fuga às reminiscências italianas e russas, na linha
talvez da visibilidade pura tão peculiar às arquiteturas proto-
racionalistas da Europa Ocidental no pré-guerra.
13
1.2. A vinda para o Brasil
Ainda no artigo de Lira, encontramos detalhes destacados na história
da vida de Warchavchik, tanto relacionados à época quanto à sua
própria trajetória. São muitas vezes fatos que sugerem os porquês
das suas decisões, nem sempre tendo em mãos documentos que
comprovem a veracidade das afirmações, mas, na maioria das
vezes, bastante pertinentes.
Ele comenta sobre a condição de Gregori Warchavchik ser judeu
e russo, refugiado na Europa Ocidental, no período entre as duas
Grandes Guerras. Em suas relações sociais e ou profissionais, sempre
seria considerado estrangeiro, aquele que fugiu das guerras, da
fome e do racismo. Se estabelecer na Itália poderia ser perigoso.
13 LIRA, José Tavares Correia. Ruptura e Construção: Gregori Warchavchik, 1917-1927. artigo apresentado
no XXX Encontro Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS): Novos Estudos 78,
julho de 2007. p. 152.
Em 1922, Mussolini assumia o poder na Itália, desfavorecendo
todos aqueles que fossem “estranhos” à nação que renascia, e
Stalin ameaçava a extradição para as antigas províncias e nações
russas. A condição cidadã indefinida estava explícita em toda a
sua documentação.
A população brasileira, desde as últimas décadas do século XIX
tinha um fator bastante relevante, o da imigração. Milhares de
europeus e asiáticos chegaram ao país em busca de trabalho e
oportunidades, que em seus países de origem a situação não era
muito favorável. São Paulo tinha uma forte demanda de trabalho por
conta da lavoura de café, no primeiro surto de imigração. Depois
da primeira guerra, havia campo para trabalhar nas indústrias ou
para se instalar como indústria.
O Estado de São Paulo passava por um processo de desenvolvimento
capitalista caracterizado pela diversão agrícola, a urbanização e
o surto industrial. Inicialmente, os imigrantes encontraram condições
precárias de habitação e trabalho, mas com o correr do tempo,
alguns foram ganhando ascensão social, virando fazendeiros ou
donos de indústria e se tornaram, assim, parte da elite paulistana.
Os negócios do café lançaram as bases para o primeiro surto da
indústria por rias razões: em primeiro lugar, ao estimular as transações
em moeda e o crescimento da renda, criou um mercado para
produtos manufaturados; em segundo, ao promover o investimento
em estrada de ferro, ampliou e integrou esse mercado; em terceiro, ao
desenvolver o comércio de exportação e importação, contribui para
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
20
a criação de um sistema de distribuição de produtos manufaturados;
em quarto, ao promover a imigração, assegurou a oferta de mão-
de-obra. Por último, o café fornecia, através das exportações, os
recursos para se importar maquinaria industrial.
14
O principal ramo industrial era o têxtil e em seguida os de
alimentação, bebidas e vestuário. Os investimentos estrangeiros
que aqui se estabeleceram eram companhias de seguro, empresas
de navegação, bancos e empresas geradoras e distribuidoras de
eletricidade, tendo um papel importante para a modernização
do país.
O momento anterior ao modernismo é marcado, na arquitetura
paulista, pelo estilo neoclássico dos italianos, muito bem representado
por Ramos de Azevedo, arquiteto brasileiro, formado na Bélgica.
Foi considerado o arquiteto oficial do governo e arquiteto de
toda a classe alta paulistana, formada por imigrantes italianos
enriquecidos, que tratavam de valorizar sua arquitetura de origem,
considerada nobre.
Edifícios também “eruditos”, para ninguém botar defeitos e que, por
sua vez também serviriam de modelo a outras construções, inclusive
portando-se como centro de interesse de um complexo arquitetônico
maior, envoltório ali composto de sobrados também voltados para
a Praça da e adjacências, todos eles com o mesmo ritmo de
envasaduras, com as mesmas janelas coroadas pelos mesmos
14 Fausto, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006.
p. 161.
tímpanos e mesmas cimalhas de mesmas platibandas.
15
Segundo Lemos, Ramos de Azevedo sempre esteve muito ligado
a profissionais italianos, desde desenhistas, mestres de obras e
até artesãos. Os professores do Liceu de Artes e Ofícios, quase
todos italianos, junto com Ramos de Azevedo, representaram uma
instituição muito importante na evolução da arquitetura popular da
classe média paulistana, ditando regras sobre o que era bom ou
ruim durante mais de cinqüenta anos.
Toda casa que se prezasse tinha deveria possuir grades, gradis,
cancelas, portões e portas, guarda-corpos e grimpas de “serralheria
artística” executada no Liceu. Dobradiças trabalhadas e maçanetas
de bronze fundido. Lambris e forros artesoados, plenos de lavores
entalhados inspirados na decoração renascentista. Estofados e
móveis incríveis, nas madeiras mais finas, em “puro estilo provençal”.
Mosaicos, estuques, escaiolas variadíssimas, molduras gregas e
festões de gesso decorado. Sem dúvida, Ramos de Azevedo e o
Liceu condicionaram o senso estilístico popular paulistano. Ambos
eram sinônimos de qualidade e bom gosto.
16
Podemos citar alguns fatores que, entre 1912 e 1922, prepararam
a eclosão do movimento modernista brasileiro. Em 1912, Oswald
de Andrade trazia ecos do manifesto futurista de Marinetti; Lazar
Segal fez a primeira exposição de pintura não acadêmica no Brasil
15 LEMOS, Carlos. “Alvenaria Burguesa, breve história da arquitetura residencial de tijolos em São Paulo a
partir do ciclo econômico liderado pelo café”. São Paulo: Nobel, 1989. p. 110.
16 Ibid, p. 116, 118.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
21
(São Paulo, 1913); Anita Malfatti realizou sua primeira exposição
de pintura, em São Paulo (1914) com telas influenciadas pelo
expressionismo alemão; neste mesmo ano, foi publicado em “O
Estado de São Paulo”, “As lições do futurismo”, de Ernesto Bertarelli.
Entre 1915 e 1917, várias manifestações literárias ocorriam em
São Paulo. Malfatti continua agitando os meios culturais com outra
exposição em 1917. Em 1918, chama atenção a presença de
novas vozes na poesia nacional. Em 1920, a obra do escultor Victor
Brecheret “Monumento às Bandeiras” influenciou novos artistas. Em
1921, se formava um grupo de idéias revolucionárias para realizar
a manifestação no ano de 1922.
É conhecido como movimento modernista no Brasil, o movimento
de renovação literária, musical e artística que teve origem com a
Semana de Arte Moderna, realizada em São Paulo, de 11 a 18
de fevereiro de 1922, que teve implicações tanto culturais como
políticas. A Europa vivia uma turbulência espiritual e no Brasil
imperava uma estagnação no campo das artes, o que levou um
grupo de artistas e intelectuais a tomar frente de uma verdadeira
revolução, cujo marco foi o evento.
Durante a Semana, a entrada do Teatro Municipal estava aberta ao público.
No hall de entrada, se encontrava uma exposição de artes plásticas com
obras de Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Brecheret, entre outros. Nas noites
dos dias 13, 15 e 17 se realizaram conferências e apresentações de
musica, dança e poesia artistas expunham considerações a favor da
liberdade artística e dos movimentos vanguardistas.
Foi intenso o impacto junto ao público, que reagiu com incompreensão
sobre as novas tendências. Muitas apresentações foram vaiadas e
outras aplaudidas, mos o que se queria mesmo era o escândalo:
chocar para mudar, apresentar ousadas novidades que revelassem
a realidade brasileira como tal.
O movimento era contra o passado, contra a ênfase oraria, a
eloqüência, a perfeição parnasiana, o culto às rimas ricas, o metro
perfeito, convencional, a linguagem clássica e lusitana, contra o
academicismo, o tradicionalismo, contra os tabus e os preconceitos.
Estava em favor da busca permanente de três princípios fundamentais:
o direito à investigação estética, atualização da inteligência artística
brasileira, estabilização de uma consciência criadora nacional,
segundo Mario de Andrade, em seu manifesto “O Movimento
Modernista”, de 1942.
O crítico de arte Ronaldo Brito, em um texto publicado no Caderno
de Textos da Funarte, apresenta todos os meios para nos fazer crer
que a modernidade no Brasil ainda se tratava de uma questão de
estudo, que era apenas uma intenção, um querer ser uma realidade
diversa daquela que queríamos imitar. Porém, no último parágrafo
ele deixa claro que bem ou mal, essa foi, e continua sendo a
nossa história.
Ele aponta a modernidade como sendo o nosso presente e fala da
Semana de 22 como um fetiche academizado, que faz parte de uma
memória passiva. Representou o primeiro esforço para olhar o Brasil
moderno, mas de uma maneira diferente da modernidade européia.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
22
[...] O olhar moderno não pode ser senão um problema, uma
interrogação. Ele não a conhece inteira, não domina a própria
ordem que o preside. O olhar moderno está ainda se olhando.
Nesse movimento especular, nesse jogo de espelhos, a arte moderna
constrói a sua visibilidade. Ou melhor, as suas visibilidades.
A orientação construtiva de Tarsila do Amaral e a tendência expressionista
de Anita Malfatti seriam, com toda a certeza, incompatíveis entre
si dentro de uma vanguarda européia. Aqui, formavam um bloco
contra o academicismo vigente.
17
Critica a maneira que nos colocávamos em ser modernos, quando
na verdade, queríamos ser modernos. E se queríamos, não éramos.
Queríamos ser como a Europa, mas ao mesmo tempo buscávamos
uma identidade nacional, enquanto se buscava acabar com tudo o
que se relacionava com identidade e tradição, aqui nos esforçávamos
para assumi-las. A questão do internacionalismo se depara a que
com esta contradição: ser internacional, porém nacional.
Isso não quer dizer que a modernidade não tenha tido sentido, pois é
a nossa história. Apenas importante registrar que o nosso movimento
de vanguarda ficou registrado como movimento, mesmo antes de
acontecer. As tentativas de transformação foram consumidas antes
de se efetivar.
A autora Sophia da Silva Telles, em texto publicado no mesmo
caderno, faz uma análise crítica do modo como o movimento
17 BRITO, Ronaldo. A semana de 22 – o trauma do moderno. In: Sete ensaios sobre o modernismo. Rio
de Janeiro: Funarte, 1983. p. 14.
moderno foi introduzido no Brasil. Comenta sobre as idéias que
vieram de fora, trazidas por Warchavchik e Flávio de Carvalho, e
como não era pertinente para a realidade brasileira aplicá-las aqui.
Se todo o movimento cultural era contrário à civilização industrial,
como era possível trazer a idéia da máquina, como forma de
construir?
Ora, como pensar, no Brasil, o fato da modernidade? Pode-se
dizer que aqui havia, menos do que uma posição, uma disposição.
O modernismo brasileiro se propunha a enfrentar a dispersividade
típica do sujeito moderno ali onde ele ainda não aparecera de todo:
enfrentar uma ausência, um vazio manifesto na impossibilidade da
individualização do real brasileiro sociabilidade marcada por
outra dissolvência, densidade rarefeita pela extensão do território,
resíduo da tradição colonial onde a presença da técnica e sua
lógica abstrata apenas conseguiam emergir, aqui e ali, no horizonte
da industrialização.
18
Na visão de Sophia Telles, Warchavchik trata de associar conceitos
da Bauhaus e da influência de Le Corbusier à realidade brasileira.
O projeto racionalista do movimento moderno exterioriza a questão
construtiva, tornando a estética (forma) quase que solitária dentre
todas as questões da nova arquitetura.
Os tetos jardins e as grandes aberturas para a vista são ainda lições
de Le Corbusier. O projeto de Warchavchik acaba por associar
18 TELLES,Sophia. Arquitetura Modernista: um espaço sem lugar. In: Sete ensaios sobre o modernismo. Rio
de Janeiro: Funarte, 1983. p. 19, 20.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
23
fundamento urbano abstrato da Bauhaus a incorporação pictórica
da natureza. Essas diferenças apontam, entretanto, para uma
unidade anterior: o projeto racionalista do movimento moderno,
que desloca sua arquitetura para fora do solo especificamente
modernista, fora enfim do espaço imaginário, do mapa sensível do
Brasil. E essa exterioridade é própria da questão construtiva, pois
assim como a planta matriz do projeto para todo o movimento
moderno é imediatamente forma, sua interioridade é negada
pela livre articulação das funções: o objeto arquitetônico, como
expressão de uma individualidade ideal, tende a se diluir no
planejamento e na industrialização. A raiz construtiva propõe o
design como a necessária exteriorização do processo produtivo,
por sua legibilidade formal e expansão infinita na série. De certa
maneira, a circulação das funções no novo espaço social dissolve
toda interioridade possível. Todo gesto expressivo é ao mesmo
tempo um puro exterior – uma objetividade.
19
O arquiteto e historiador Abílio Guerra, através de três autores da
literatura brasileira, identifica através de suas obras, os conceitos
de nacionalidade. Mário de Andrade em “Macunaíma”; Oswald
de Andrade com o “Manifesto Antropófago” e o “Manifesto Pau-
Brasil; e Raul Bopp em “Cobra Norato”“.
Duas correntes intelectuais do século XIX: a positivista-evolucionista
e a romântico- psicológica- culturalista. Elemento central de todas
19 TELLES,Sophia. Arquitetura Modernista: um espaço sem lugar. In: Sete ensaios sobre o modernismo. Rio
de Janeiro: Funarte, 1983. p. 19, 22.
essas discussões, o homem brasileiro aparece no final desse amplo
processamento intelectual tensionado por duas forças antagônicas
– a que o prende atavicamente à sua condição primitiva e a que o
impulsiona para um futuro emancipador.
20
Warchavchik chega ao Brasil em 1923, por um contrato com uma
empresa construtora de Santos, dirigida por Roberto Simonsen, que se
encontrava frente a grandes construções por todo o território nacional.
A Companhia Construtora de Santos foi fundada em 1912, e
se tornaria a mais importante empreiteira de obras públicas do
país. Empresa pioneira em termos de organização racional e
desenvolvimento de novas relações de trabalho, bem como pela
composição de equipes especializadas, conceitos esses defendidos
por Frederick Taylor (1856-1915) nos Estados Unidos, desde o final
da Primeira Guerra, que ficaram conhecidos como taylorismo.
Suas preocupações baseavam-se na racionalização do trabalho,
buscando maior produtividade e menor conflito de classes e ao mesmo
tempo, acreditava ser indispensável uma política de protecionismo e
intervencionismo do Estado em prol da indústria.
A Construtora não obteve tanto sucesso com as questões políticas,
por se tratar de um sistema liberal e com poder concentrado no
mercado agrário, mas conseguiu implantar em sua empresa a
racionalização, sem entrar no mérito de grandes revoluções. Colega
de Simonsen, Armando Sales de Oliveira e outros interessados
20 GUERRA, Abílio. O primitivismo modernista em Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Raul Bopp. In:
Revista Oculum n˚ 2. p. 58.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
24
desenvolviam estudos tayloristas em meados da década de 20.
Formou-se um grupo, junto ao industrial Mario Aldo de Azevedo, que
buscava uma associação econômica, independente de questões
políticas. Com o apoio do “Estado de São Paulo”, criaram o Instituto
Racional do Trabalho (Idort).
Destacamos aqui, parte do texto de Roberto Simonsen, publicado
na “Revista do Arquivo” em uma série de conferências e palestras
lidas durante a “Jornada da Habitação Econômica”, promovida
em São Paulo em 1941, pelo Instituto de Organização Racional
do Trabalho de São Paulo (Idort), para termos claro quais eram as
idéias desse empresário, tão importante na vida profissional de
Warchavchik:
A casa moderna é uma verdadeira instituição biológica. Com
o conceito do direito da vida que tem de ser por toda a parte
generalizada, a moradia para o ser humano precisa conter um
número mínimo de atributos e proporcionar elementos essenciais
de conforto.
Essa casa tem que possuir as indispensáveis condições higiênicas,
tem de assegurar o abrigo e repouso aos componentes da família,
tem que proporcionar o aparelhamento necessário ao preparo
e serviço das refeições, tem que facilitar a criação e educação
conveniente da prole, e finalmente, tem que possibilitar um mínimo
de distrações para os seus habitantes, de todas as idades.
O problema das moradias das grandes massas nas cidades
populosas passa a ser questão de urbanismo, subordinado às
necessidades de ordem individual, social, técnica, demográfica e
econômica.
Para a sua integral solução, torna-se indispensável à intervenção
do Estado.
21
Nesta época, no Brasil, não havia nenhuma distinção entre arquiteto
e engenheiro, somente dez anos depois surge a arquitetura como
profissão. Foi neste relativo deserto, onde não se conheciam os novos
conceitos, que Warchavchik se encarregou de buscar caminhos,
sem muita expectativa, entretanto, de poder expandir suas idéias
sobre as novas direções da arte de construir.
A atenção de Warchavchik a estas discussões seria visível em seus
primeiros manifestos em direção ao modernismo. Segundo Bruand
(1982):
Warchavchik explorou com habilidade as vantagens inerentes à sua
qualidade de imigrante. Valendo-se do prestígio de sua formação
técnica européia e não estando ligado sentimental ou socialmente à
terra onde recém chegara, era mais livre para propor um programa
revolucionário do que alguém nascido no país; o espírito do
pioneiro que veio para conquistar um mundo novo e está disposto
a vencer os obstáculos, constituía para ele um trunfo considerável,
ao qual se associava o fato de estar a opinião pública naturalmente
21 SIMONSEN, Roberto. “Conferência Inaugural” In: Revista do Arquivo Municipal LXXXII Jornada
da Habitação Econômica. São Paulo: Prefeitura do Município de São Paulo Departamento de Cultura,
1942. p. 25
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
25
mais inclinada a respeitar e a perdoar as inconveniências de um
estrangeiro do que a traição (ou aquilo que a maioria tomasse
como tal) de um brasileiro de cepa.
22
Nesse momento, o Brasil, enquanto sociedade e produção ecomica
passava por intensas transformações e a empresa na qual
Warchavchik veio trabalhar apresentava um ambiente empresarial
inovador. Não poderia haver situação mais oportuna para que o
arquiteto estabelecesse relações adequadas quanto ao processo
de modernização – do país, da empresa e da construção.
[...] Se naqueles anos Behrens, na Alemanha, ou o próprio Le
Corbusier, na França, vinham se convertendo às elites tecnocráticas
nacionais, o papel de Warchavchik talvez mereça ser reavaliado
também à luz do envolvimento com a empresa construtora. Note-se
que Simonsen, um dos representantes mais promissores da vocação
ideológica e política dos politécnicos, empresário de sucesso e líder
da burguesia industrial paulista, assim como seu sócio Francisco
da Silva Telles, estavam desde 1922 entre os poucos assinantes
brasileiros da revista L’Esprit Noveau, dirigida por Le Corbusier.
23
Em junho de 1925, escreveu o manifesto “Futurismo?”, publicado
em italiano no jornal Il Piccolo, onde apareciam os conceitos
defendidos por Le Corbusier em relação à engenharia, à máquina e
22 BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1982. p. 64.
23 LIRA, José Tavares Correia. Ruptura e Construção: Gregori Warchavchik, 1917-1927. artigo apresentado
no XXX Encontro Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS): Novos Estudos 78,
julho de 2007. p. 152.
à indústria. Em outubro do mesmo ano, publicou-se o manifesto de
Rino Levi (1901-1965), com o título “A Arquitetura e a Estética das
Cidades”, através de uma carta enviada de Roma, onde cursava
ele a Real Escola Superior de Arquitetura.
Clamava ele pela praticidade, a economia, a arquitetura de
volumes, linhas simples, poucos elementos decorativos, mas sinceros
e bem em destaque, nada de mascarar a estrutura do edifício para
conseguir efeitos que no mais das vezes são desproporcionados ao
fim, e que constituem sempre uma coisa falsa e artificial.
24
Foram os dois primeiros discursos de fundo moderno publicados
no Brasil. No mês de novembro, publicou-se a versão brasileira do
manifesto de Warchavchik, “Acerca da Arquitetura Moderna”, no
periódico carioca Correio da Manhã.
Warchavchik conseguia estender seu contrato de trabalho ano após
ano, até que em 1927, se casou com Mina Klabin, abriu escritório
próprio em São Paulo e se fixou definitivamente no Brasil. A situação
social e econômica e a simpatia ao movimento moderno da esposa
incentivaram-o a construir a própria casa, num estilo sem precedentes
no Brasil, a Casa da rua Santa Cruz. A condição de genro de
Maurício Klabin, poderoso industrial com interesses também em
loteamentos e construções, proporcionou a Warchavchik programas
de habitações de luxo e conjuntos de casas de aluguel, além de
lhe facilitar a aproximação com um circulo da burguesia paulista, na
ocasião o único grupo simpatizante da arte de vanguarda.
24 SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900-1990. São Paulo: USP, 1997. p. 43, 44.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
26
A década dos anos 20, como vimos, foi marcada por uma época
de mudanças. Com a repercussão do pós-guerra e a crise da
república oligárquica, surge a expectativa de uma nova sociedade.
Artistas e intelectuais fazem questionamentos inéditos, enquanto
buscam a identidade social: ao mesmo tempo em que buscam uma
ruptura com a tradição e os estilos passados, querem se identificar
com o “brasileiro”, o nacional, o popular.
Na arquitetura, a busca às tradições locais, um pouco antes dos anos
20, era na verdade, a volta à arquitetura colonial, representada por
Ricardo Severo, responsável pelos primeiros exemplos de arquitetura
neocolonial em São Paulo.
A partir de 1920, o estilo “tradicional” teria crescente sucesso
entre os setores dominantes brasileiros, particularmente em São
Paulo. Suas conotações simbólicas adequavam-se como uma
luva à ideologia das classes proprietárias. Transcendendo o mero
nacionalismo, ilustrava anseios pela recuperação dos valores ditos
“tradicionais” no país a economia agrária, o patriarcalismo, a
dominação de base fundiária, o mundo rural. Nesse sentido, era
uma linguagem que negava a modernidade urbana, identificada
com o cosmopolitismo e o artificialismo dos estilos europeus.
25
No ano de 1922 ocorre o Congresso Internacional de Arquitetos,
no Rio de Janeiro, paralelamente aos festejos do centenário. Os
temas que mobilizavam o programa eram a habitação operária,
25 Campos, Candido Malta. Os rumos da cidade: urbanismo e modernização em São Paulo. São
Paulo: Editora Senac São Paulo, 2002. p. 175.
a regulamentação da profissão de arquiteto e a questão do estilo
arquitetônico a ser adotado no país.
Os projetos apresentados tinham como características a linguagem
eclética das Belas Artes de Paris e variantes do neocolonial,
assinados pelo arquiteto Arquimedes Memória – Palácio das Festas
e Palácio das Indústrias. Isso revela a indecisão em relação ao
estilo arquitetônico brasileiro, ora cosmopolita, ora tradicional.
Internacionalismo ou regionalismo?
De um lado, os modos de vida das grandes cidades brasileiras
iam tomando a forma moderna, com o desenvolvimento da
indústria e da urbanização e de outro lado, a ideologia parecia
não acompanhar essas transformações.
A cidade começava a ganhar referências próprias, deixando de
ser aspirante a sede da civilização transplantada, emuladora de
inatingíveis modelos europeus, e passando a reconhecer suas
particularidades como valores a ser explorados. Algumas iniciativas
urbanísticas haviam adquirido, com Freire e Bouvard, caráter
independente em face dos padrões “haussmannianos” importados
via Rio de Janeiro; abrindo caminhos para soluções menos ligadas
à busca da representatividade simbólica que marcava os centros
decisórios da capital agroexportadora.
26
Enquanto o Brasil passava por todas essas transfrmões, ainda
que antecedentes a alguma mudança concreta, a Europa e a
26 Campos, Candido Malta. Os rumos da cidade: urbanismo e modernização em São Paulo. São
Paulo: Editora Senac São Paulo, 2002. p. 175.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
27
União Soviética já assumiam os conceitos defendidos pela
Bauhaus. Conceitos estes baseados na relão do progresso
com a colaboração entre os povos e a um correto uso de técnicas
e de modernas capacidades produtivas.
Gropius, Mies e Kandinsky na alemanha; Mondrian, Rietveld e
Doesburg na Holanda; os construtivistas soviéticos Malevich, Tatlin
e Melnivok na União Soviética; Le Corbusier na França.
A Arquitetura Moderna tem também as suas origens na reconstrução
dos países europeus destruídos pela 1ª. Grande Guerra, na tentativa
de atender a sociedade em transformação. Anterior a esse período
dos anos 20 e 30, a Revolução Industrial já vinha modificando os
hábitos sociais em todo o mundo, gerando uma nova classe de
trabalhadores que precisavam ser atendidos quanto às necessidades
de habitação, locomoção, trabalho e lazer. Essas necessidades eram
bem diferentes daquelas, anteriores à era industrial, pois se tratava
de uma sociedade nova e, portanto, requeria novas maneiras de
conceber o espaço.
A sociedade industrial era constituída de uma superpopulação que migrou
do
campo para a cidade em busca de melhores condições de vida, mas
o que encontraram ali foram cortiços, sem a menor regulamentação
quanto à higiene e conforto. Depois da guerra, as condições de
habitação dos trabalhadores eram ainda mais precárias.
Na Alemanha, assim como em outros países da Europa Ocidental,
as cidades se encontravam em ruínas e pretendia-se uma vida
melhor através das transformações das relações sociais e políticas.
Na União Soviética, após a Revolução de 1917, o que se buscava
era atender as massas sociais, fazendo surgir uma sociedade mais
justa, mais fraterna e mais igualitária.
É nesse contexto que surgem os funcionalistas: o “Novembergruppe”
na Alemanha; Le Corbusier e o movimento do L’Esprit Nouveau
na França; os construtivistas russos, que integraram os problemas
sociais à arquitetura e ao urbanismo.
Novembergruppe, “grupos de novembro” foi um grupo de pressão
alemão, formado após a Primeira Guerra Mundial por artistas
revolucionários. Dedicou-se à revitalização das artes na Alemanha.
Seu nome se deve ao mês da Revolução Republicana alemã. Alguns
de seus membros pertenceram posteriormente à Bauhaus.
L’Esprit Nouveau “O Espírito Novo”, foi uma revista francesa concebida
e editada por Le Corbusier e Amédée Ozenfant em 1921, com
objetivo de renovar a arte e a arquitetura. Na revista foi publicado
o manifesto do Purismo, tendência pós-cubista proposta por Le
Corbusier e Ozenfant. O espírito novo representava o espírito de uma
nova sociedade onde o automóvel e os progressos tecnológicos
tinham um papel importante e revolucionário. A revista “L’Esprit Nouveau”
continha em média 100 páginas e teve 28 números publicados entre
1920 e 1925. Seu conteúdo compunha-se de artigos, reproduções
fotográficas e anúncios publicitários, constituindo um instrumento
de exposição e difusão das esticas da era mecanicista. Em 1923,
Le Corbusier retoma muitas teses, já enunciadas na revista, em sua
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
28
primeira obra teórica: o livro Por uma Arquitetura, que lhe renome
internacional.
O instinto primordial de todo ser vivo é de se assegurar um abrigo. As
diversas classes ativas da sociedade não têm mais um abrigo conveniente,
nem o operário nem o intelectual. É uma questão de construção que está
na chave do equilíbrio rompido hoje: arquitetura ou revtolução.
27
Diversos conjuntos habitacionais foram construídos na Alemanha e
na Áustria, os “Siedlungen”, para resolver o problema habitacional.
As técnicas utilizadas eram novas, a produtividade era maior e o
que diminuía eram os prazos e os custos.
A nova arquitetura na Alemanha é conhecida como “Neus Bauen”
e tem a preocupação de produzir industrialmente objetos que
tenham qualidades artísticas e que alcancem as massas populares,
preocupação esta que não passava pelos princípios das academias
ou da era industrial do século XIX. A arte deveria ser orientada para
o povo e não mais restrita às elites e é com base nesse avanço
tecnológico que se constitui o “Werkbund”.
Na França não existiu um movimento claro por uma nova arquitetura
nos meios artísticos ou intelectuais. Existiram sim alguns nomes,
entre eles Le Corbusier, cuja contribuição individual para a difusão
da Arquitetura Moderna foi mais significativa do que a de todos
os seus colegas estrangeiros, que o governo soviético ou que o
partido social alemão. Ele defendeu a arquitetura concebida para
27 LE CORBUSIER. Vers une Architecture. Tradução: Ubirajara Rebouças. São Paulo: Perspectiva, 2004.
p. 191.
o “homem novo”, aberta para o exterior, para a vida, para a luz e
para o sol, desprezando o falso luxo do mobiliário e dos objetos
de “estilo”, se aproximando da natureza e do esporte que deveria
ser praticado junto às residências.
Uma casa é uma máquina de morar. Banhos, água quente, água
fria, temperatura conforme a vontade, conservação dos alimentos,
higiene, beleza pela proporção. Uma poltrona é uma máquina de
sentar. [...] As jarras são máquinas de se lavar [...].
28
Segundo o arquiteto Anatole Kopp (1990), havia pontos em comum
na busca dessa nova sociedade mais justa, tanto na URSS quanto
na Europa:
[...] o papel predominante reservado a indústria na produção
arquitetônica e artística, em detrimento do artesanato; a pesquisa
de soluções de massa para as necessidades de massa; a crença
nas virtudes pedagógicas do ambiente construído considerado
como um instrumento de transformação social.
29
O discurso social existente no Movimento Moderno, segundo Kopp
(1990), tem uma de suas origens na Revolução Russa de 1917, na
correlação existente entre o projeto arquitetônico e o projeto social
como principal interesse das pesquisas desta época, transformando
a arquitetura em uma causa social e política ao mesmo tempo em
28 LE CORBUSIER. Vers une Architecture. Tradução: Ubirajara Rebouças. São Paulo: Perspectiva, 2004.
p. 65, 67.
29 KOOP, Anatole. Quando o moderno não era um estilo e sim uma causa. [tradução Edi G. de Oliveira].
– São Paulo: Nobel Editora da USP, 1990. p. 17.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
29
que um movimento de vanguarda.
A princípio, a ideologia progressista não estava relacionada
às posições políticas, mas toda essa atenção ao proletariado e
o sucesso que na União Soviética da Arquitetura Moderna e a
construção das “residências comunitárias” fez com que os capitalistas
norte-americanos, de certo modo, rejeitassem os conceitos da nova
arquitetura.
Do outro lado do mundo, a crise de 1929, que teve inicio nos
Estados Unidos, repercutiu em todo o mundo. No Brasil, a revolução
de 1930 ocorreu porque uma grave crise econômica e política
atingiam o país. A quebra da bolsa de valores de Nova Iorque
refletiu tremendamente no Brasil e fábricas fecharam, demissões
em massa ocorreram, salários caíram e havia dois milhões de
desempregados no país.
Caíram as cotações de café no mercado internacional. Politicamente
também a situação se conduzia mal. Havia entre São Paulo e Minas
Gerais um revezamento na presidência da república, o chamado
esquema “café com leite”. Esse esquema sofreu um grande abalo.
Atendendo aos apelos dos fazendeiros paulistas, o presidente
Washington Luis impôs o nome de Júlio Prestes para sua sucessão
em 1930, quebrando o acordo anterior. Inconformado, o partido
republicano mineiro uniu-se ao do Rio Grande do Sul, formando a
Aliança Liberal e lançando a candidatura de Vargas à presidência.
Mas, por trás dessa aliança havia participantes do movimento
tenentista, jovens oficiais que desde 1922 lutavam para derrubar
a República Velha. Líderes como Miguel Costa, Luis Carlos Prestes,
Juarez Távora, Siqueira Campos e outros que eletrizaram o país
em 1924/25 na campanha da coluna Prestes, representavam
perspectivas de mudanças.
Em 1930, a Aliança Liberal era a grande esperança brasileira,
mantendo um programa progressista. O programa apresentado por
Getúlio Vargas prometia ainda solucionar as questões sociais isto é,
fazer justiça ao povo.
A Aliança Liberal, com Getúlio à frente, partiu para o “assalto
armado” ao poder e derrubou a velha situação. Em 1930 Getúlio
Vargas toma posse da presidência da república.
Em 1933, o então presidente americano Roosevelt, adotou a potica
do New Deal, contra os efeitos da crise econômica, diretamente ligada
ao problema dos cortiços das grandes cidades americanas. O New
Deal, cuja tradução literal em português seria “novo acordo”, foi o
nome dado à série de programas implementados nos Estados Unidos
entre 1933 e 1937, sob o governo do Presidente Franklin Roosevelt,
com o objetivo de recuperar e reformar a economia norte-americana, e
assistir aos prejudicados pela Grande Depressão. O nome dessa série
de programas foi inspirado no Square Deal, nome dado pelo anterior
Presidente Theodore Roosevelt à sua política econômica.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
30
Diversos planos de habitação foram implantados nos Estados
Unidos em busca de higiene, segurança e conforto. Porém, havia
sempre uma preocupação com a economia liberal e privada, que
deixaria de se desenvolver por conta da intervenção do Estado.
O projeto do New Deal nunca teve a intenção de transformar a
sociedade, apenas de melhorar as suas condições. Essa era a
diferença fundamental em relação às realizações da República de
Weimar e da União Soviética nos anos 20 e 30.
A introdução dos princípios da nova arquitetura na América foi
inicialmente difundida pela exposição “Modern Architecture
International Exhibition”, em 1932, no Museu de Arte Moderna
de Nova Iorque. Os responsáveis pela exposição, Henry Russel-
Hitchcock e Philip Johnson, mostram ao público exemplos europeus -
importantes nomes, segundo os autores, do “novo estilo” arquitetônico
como Peter Behrens, Victor Bourgeois, Walter Gropius, Ludwig
Hilberseimer, Le Corbusier, Mies van der Rohe, J. J. Peter Oud, Mart
Stam, Max Taut, e outros.
Os conceitos difundidos para a América eram de ordem estritamente
técnica e formal. Enquanto os pioneiros da Arquitetura Moderna
tinham como ponto de partida questões mais políticas e sociais
do que formais, na América, aqueles que trouxeram com eles os
princípios da nova arquitetura, se restringiram às questões mais
técnicas e de composição, dando origem à nomenclatura “estilo
moderno”.No Brasil, Warchavchik e Rino Levi publicavam e construíam,
sempre em dentro do “estilo moderno”, baseado nas novas técnicas
que surgiam para solucionar os novos problemas da era moderna.
Se inicialmente, não conseguiram alcançar completamente seus
objetivos, na teoria, a intenção era bastante clara.
1.3. A visita de Le Corbusier ao Brasil e a nomeação para
o CIAM
Foi em 1929, na casa de Paulo Prado, um dos participantes do
movimento que antecedeu a Semana de Arte Moderna e muito
interessado em tudo o que podia incentivar a renovação nacional,
que ficou hospedado Le Corbusier. O arquiteto suíço daria uma
conferência na Argentina e Prado sugeriu que adicionasse em seu
itinerário uma passagem por São Paulo e pelo Rio de Janeiro.
Paulo Prado (1869-1960) teve um importante papel na história do
Brasil e do modernismo brasileiro. Integrante da alta sociedade
paulistana e advogado, o que naquela época, automaticamente o
colocava frente às questões políticas, ao poder do Estado. Autor de
importantes títulos da literatura brasileira como “Paulística” (1925),
que trata da história do café, da política e do caráter brasileiro
paralelamente à história do modernismo; e “Retrato do Brasil”
(1928), no qual denuncia os males da política, cuja retórica vazia
e oportunista impede o enfrentamento da questão social.
Na entrevista, publicada no Diário da Noite em novembro de
1929, ele dizia:
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
31
As condições da vida humana em sociedade só podem ser
estáveis quanto mais facilitadas forem as condições de trabalho.
Uma organização urbanística, no meu modo de ver, controla,
precisamente, a intervenção do homem na vida mecanizada de
hoje, sem, todavia contrariar as suas tendências naturais. Isto porque
a excessiva mecanização da vida produz no animal humano uma
reação que se traduz em neurastenias e doenças nervosas. Aliás,
essa reação natural está entre os dois extremos, o da cidade
mecanizada excessivamente, e o da cidade desorganizada.
30
Le Corbusier foi convidado a visitar as obras do arquiteto Warchavchik
e do escultor Celso Antônio, junto com Paulo Prado e Geraldo Ferraz.
Ele foi uma das primeiras pessoas a visitar a casa do Pacaembu
onde, meses depois, se realizaria a grande exposição de março
de 1930.
Essas foram as impressões do mestre estrangeiro, sobre a Casa da
rua Itápolis, segundo Geraldo Ferraz:
Le Corbusier não esconde a impressão primeira que tem, desce
aos detalhes, escolhendo o que lhe agrada e comenta o valor
da cor, melhor realçada pelo fundo branco. Considera, também,
a combinação de elementos divergentes como a madeira das
guarnições das portas e as paredes de cimento. Acompanhamo-lo
ao fundo do quintal fechado por um muro branco redondo, que ele
elogia pelo caráter plástico. E sobre a Casa da rua Melo Alves:
30 FERRAZ, Geraldo. Warchavchik e a Introdução da Nova Arquitetura no Brasil: 1925 a 1940. São Paulo:
Museu de Arte,1965. p. 28.
“Le Corbusier e os que o acompanham rondam a casa branca e
vermelha, no meio do jardim”. Le Corbusier admirou o conjunto
de linhas e planos, porque todo o conjunto é de uma unidade
excepcional, realçada pelo verde da vegetação. A cor vermelha
no branco agrada muito ao polemista de “L’esprit Noveau”. Ele
acha que o proprietário da casa deve possuir cultura bastante para
aceitar tantas inovações arquitetônicas como as que constata.
31
Le Corbusier fez sua primeira conferência no Brasil, no Instituto de
Engenharia, com o nome de “A Revolução Arquitetural Contemporânea”,
em 1929, onde apontou a grande qualidade das obras visitadas
em São Paulo, citando a cidade como estando em processo de
progresso cultural.
Na casa de Warchavchik se reuniram arquitetos, vários artistas e
jornalistas para receber Le Corbusier. Lá, sugeriu-lhes o mestre que
São Paulo deveria participar do CIAM, Congressos Internacionais
de Arquitetura Moderna, iniciado em La Sarraz em 1928, e
convidou Gregori Warchavchik para ser o representante do Brasil
e da América do Sul como delegado dos CIAM.
O CIPARC (Comte International pour la Réalisation dês Problemes
d’Architecture Contemporaine) era o executivo dos CIAM, composto
dos delegados nacionais. Warchavchik indica Lúcio Costa e outros
nomes como candidatos da organização. O ano de 1933 foi
marcado por abalos de ordem política e econômica mundial e
31 FERRAZ, Geraldo. Warchavchik e a Introdução da Nova Arquitetura no Brasil: 1925 a 1940. São Paulo:
Museu de Arte,1965. p. 28.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
32
acarretou grande confusão no movimento intelectual e artístico
até declarar-se a Segunda Guerra Mundial e, assim, Warchavchik
perdeu seus contatos com os grupos europeus.
1.4. A participação acadêmica de Warchavchik e o trabalho
com L. Costa
A revolução de 1930 repercutiu, e muito, nos âmbitos artísticos
nacionais. Houve uma esperança de que os processos renovadores
teriam chance de se desenvolver e Lúcio Costa foi nomeado
diretor da Escola de Belas-Artes do Rio de Janeiro, contratando
professores modernos para revolucionar o ensino, entre eles Gregori
Warchavchik.
O Jornal do Brasil, em 19 de abril de 1931, um dos jornais mais
conservadores do Rio de Janeiro, publicava:
Acabam de ser convidados para professores da Escola Nacional
de Belas-Artes o arquiteto Gregori Warchavchik, o escultor Celso
Antonio e o arquiteto A. S. Buddeus. O convite foi feito pelo diretor
da Escola de Belas Artes Lúcio Costa, que iniciou, com esses atos,
uma reforma nos métodos de ensino artístico no Brasil, integrando
a nossa primeira escola de artes plásticas no movimento moderno
contemporâneo.
32
Neste ano de 1931, realiza-se no Rio de Janeiro, o primeiro Salão
Moderno de Artes Plásticas que houve no Brasil. Organizado pelos
32 FERRAZ, Geraldo. Warchavchik e a Introdução da Nova Arquitetura no Brasil: 1925 a 1940. São Paulo:
Museu de Arte,1965. p. 35.
alunos e professores da escola, que rompiam o compromisso com
o passado.
Warchavchik, com entusiasmo cooperou para a reforma do ensino
nacional. Meses depois, as forças reacionárias subiram novamente
e Lúcio Costa e outros professores se demitiram do cargo. Entretanto,
alguns alunos, em busca dos ensinamentos e orientações racionalistas,
mantiveram contato. Sob protesto, fizeram greve contra o sistema
reacionário, indignados com a renúncia do professor Costa.
Ainda neste perturbado ano de 1931, Warchavchik inaugurou a
exposão da primeira casa modernista no Rio de Janeiro, a da Rua
Toneleiros, que contou com a presença do arquiteto Frank Lloyd Wright.
E, no ano seguinte, realizava-se a “Exposição de um Apartamento
Moderno”, na Avenida Atlântica. Isso para mostrar os laços que o
arquiteto tratava de firmar com a então capital do país.
Logo após essa exposição, formou-se a parceria Warchavchik
e Lúcio Costa, para quem trabalhou Oscar Niemeyer. Segundo
Geraldo Ferraz:
[...] foi ali que Lúcio Costa realizou as primeiras construções
modernas, pois até então, sua defesa ao movimento moderno se
limitava a idéias e princípios. Este período foi marcado por uma
grande depressão econômica mundial, iniciada em 1929, e não
deu fruto a muitos projetos. Os projetos conhecidos que fizeram em
parceria são a residência Schwartz (1932); residências de aluguel
para a sra. Maria Gallo (1932); Pavilhão com bar sobre a cobertura
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
33
(sem data), onde Roberto Burle Marx realizou seu primeiro trabalho;
a residência Duarte Coelho (1933) e o mais importante projeto,
a Vila Operária da Gamboa, conjunto de casas econômicas,
publicado na Revista Base n. 1, em agosto de 1933.
33
O Primeiro Salão de Arquitetura Tropical, inaugurado em 17 de abril
de 1933, contou com Frank Lloyd Wright como presidente e Lúcio
Costa, Gregori Warchavchik e Emilio Boungart como precursores.
O catálogo da exposição apresentou os regulamentos dos CIAM,
adotados em 1928 e palavras de Walter Gropius, informando o
espírito organizador do evento.
Warchavchik mantinha seu escritório em São Paulo e estava bastante
envolvido com os compromissos dos CIAM. Tinha dificuldades de
acompanhar os projetos à distância e, como também não eram
muitos, tratou de interromper os trabalhos com a firma.
Todos esses fatos, consultados na bibliografia ou verificados nas
publicações fazem parte da história de Gregori Warchavchik.
Interessante notar como um nome, uma obra ou um acontecimento
vão se relacionando para então ser possível contar a sua trajetória.
Alguns conceitos importantes para o trabalho aparecem destacados
no texto e maiores detalhes sobre os aspectos mais relevantes
aparecerão ainda, mais adiante.
33 FERRAZ, Geraldo. Warchavchik e a Introdução da Nova Arquitetura no Brasil: 1925 a 1940. São Paulo:
Museu de Arte,1965. p. 184-192.
1 Diário da Noite. São Paulo, 6 de agosto de 1931. Anunciam-se informações sobre o Primeiro Salão
Modernista da Escola Nacional de Belas Artes, defendendo a diretriz renovadora e colocando os nomes que
fazem parte do júri: Anita Malfatti, Portinari, Lucio Costa, Celso Antônio e Manoel Bandeira, que permitiram
artistas que nunca haviam sido aceitos no Salão Oficial. Fala-se do prazo para as inscrições e quais artistas
já estavam inscritos: Tarsila do Amaral, Portinari, Lasar Segal, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Cícero Carvalho,
Esther Bessel, Celso Antonio, Victor Brecheret, Gregori Warchavchik, Reidy e Flavio de Carvalho.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
34
1 Diário da Noite. São Paulo, 25 de abril de 1931. Texto de Celso Antônio, comentando sobre os valores da
arte que estava disposto a ensinar na Escola de Bellas Artes, tirando partido da tradição brasileira junto ao
aprendizado técnico. Dizia que ele e Warchavchik “haveriam de dar expansão ao desejo de trabalhar pela
verdadeira arte, esforçando sinceramente dentro do raio de ação plástica, no sentido de dar uma orientação
nova aos futuros artistas do Brasil.”
2 Correio da Tarde. São Paulo, 27 de abril de 1931. Geraldo Ferraz assina o artigo, comentando favoravel-
mente a entrada do arquiteto Gregori Warchavchik e do escultor Celso Antônio no corpo docente da Escola de
Bellas Artes do Rio de Janeiro. Comenta sobre os passadistas, aqueles que não admitem a renovação, que
chamam a arquitetura moderna de estrangeira e questiona o que vem a ser a arquitetura brasileira.
3 Diário da Noite. São Paulo, 26 de agosto de 1931. Gregori Warchavchik comenta sobre a reforma da
Escola de Bellas Artes e o Salão Oficial deste ano, enquanto catedrático. Fala sobre a modernização do
ensino, que segue o que ocorreu nas escolas da Europa e que o mundo, em matéria de arquitetura, está
mais adiantado que a teoria. Em relação ao Salão, diz que o resultado da exposição mostra o perfil do que
se estava fazendo, sem que o júri interferisse no tipo de trabalhos que foram aceitos, se modernos ou não.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
35
1 A Noite. Rio de Janeiro, 1 de setembro de 1931. Comenta-se sobre a inauguração do Salão de Exposição,
no Edifício da Escola de Bellas Artes. “Forte manifestação que a nossa mocidade faz de seu adiantamento
cultural artístico.”
2 Diário da Noite. Rio de Janeiro, 1 de setembro de 1931. Sobre a inauguração do Salão, sob uma orien-
tação inteiramente nova, com liberdade e transigência com as tendências mais avançadas. Este incentivo
aumentou o número de expositores. Estimou-se um total de 700 trabalhos para 300 artistas.
3 O Jornal. Rio de Janeiro, 2 de setembro de 1931. Faz-se uma análise superficial das obras apresentadas,
mas sobre o conjunto, se diz de excepcional brilhantismo. Aponta o não comparecimento de Getúlio Vargas,
não demonstrando estímulo ao momento revolucionário em que se vivia. Alguns membros do júri tiveram
salas especiais e artistas não de acordo com os conceitos modernos, que foram não somente liberados, mas
estimulados a se apresentares, não compareceram.
4 Diário Nacional. São Paulo, 5 de setembro de 1931. Manuel Bandeira assina o artigo, contando sobre
o apelido que deram à exposição, “Salão dos Tenentes”: os expositores, tenentes da arte moderna contra
os generais da arte acadêmica. Segundo Alberto Petrina, em artigo publicado na AU (Especial Lucio Costa),
essa “piada” “provoca a violenta oposição dos professores mais reacionários e termina com o afastamento
de Costa após seis meses de greve. Suas idéias e propostas, porém, tinham-se mostrado vitoriosas, e este
escândalo final contribuirá para a renovação do pensamento artístico do país”.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
36
1 Última Hora. Rio de Janeiro, 12 de setembro de 1931. Sobre a greve dos estudantes, anuncia-se que a
renúncia do diretor Sr. Lúcio Costa provoca protestos de solidariedade dos paradistas. Os alunos continuariam
em pare até a designação do novo diretor da Escola.
2 Diário Nacional. 4 de outubro de 1931. Mario de Andrade assina o artigo, comentando sobre a perspicá-
cia do professor Lucio Costa, na reforma do ensino acadêmico. Ao invés de substituir cargos, fez com que os
novos e os velhos convivessem entre si: “Uns davam pros alunos a imitação do passado e a ignorância do
presente. Os outros davam a curiosidade, a liberdade de ser. Está claro que os alunos não tinham por onde
escolher entre a tuberculose e a saúde”.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
37
cAPÍtulo 2
ArQuiteturA modernA e seus Antecedentes
2.1. Linha do Tempo
19191917
1 Anita Malfati inaugura
Exposição de arte moderna
que sofre crítica de Monteiro
Lobato.
1 Fundação da BAUHAUS.
1920
1 Monumento às Bandeiras,
Victor Brecheret, 2 Primeira
Universidade do Brasil,
3 Manifesto Realista em Moscou,
Naum Gabo e Antonie Pevsner;
4 Revista Caniballe em Paris.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
38
1920
Warchavchik
recebe o título
de arquiteto.
Instituto de Belas
Artes de Roma.
5 Antonio Gomide e Ismael Nery se
instalam em Paris. 6 Tarsila frequenta
a Academia Julian.
1921
Warchavchik
trabalha como
assistente de
M. Piacentini.
2 Wasily Kandinsky, Laszlo
Moholy-Nagy e Theo van
Doesburg se juntam a Bauhaus.
1920 1921
7 Grupo Dada se
constitui na Alemanha.
1 G. Aranha, Plínio
Salgado, R. Couto, M. I.
Bandeira, R de Carvalho
e Sergio B. de Holanda
aderem ao M. Moderno.
1922
1 Semana de Arte Moderna no Teatro
Municipal de São Paulo; 2 Revista Klaxon SP;
3 forma-se em São Paulo o Grupo dos Cinco;
4 Mario de Andrade, Paulicéia Desvairada.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
39
1922
5 Movimento dos Tenentes, Forte
Copacabana; 6 Diego Rivera pinta seu
1ª mural, México; 7 André Liothe funda
a Academia de Pintura em Paris.
1923
1 Victor Brecheret ganha prêmio em Paris;
2 Tarsila pinta “A Negra”; 3 Le Corbusier
publica Vers une Architecture; 4 Revista Merz,
Alemanha; Di Cavalcanti viaja a Paris.
1924
1 Oswald de Andrade escreve o Manifesto Pau-Brasil;
2 Tarsila do Amaral inicia a fase Pau-Brasil; 3 André
Breton: primeiro Manifesto Surrealista em Paris.
1925
1 Criação de uma corrente nacionalista verde-
amarela por Guilherme de Almeida; 2 Gilberto
Freire participa do Congresso Regionalista, em
Recife com Manifesto Nacionalista; 3 Primeira
exposição Surrealista em Paris; 4 Rino Levi escreve
o manifesto “Arquitetura e estética das cidades”.
Warchavchik chega ao Brasil.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
40
1925
5 Início do Movimento Art-Decó; 6 Gregri
Warchavchik escreve manifesto “Acerca da
Arquitetura Moderna”; 7 Revolução China,
Chiang Kai-Shek.
1926
1 Filipo Tomaso Marinetti visita São Paulo
e Rio de Janeiro; 2 Joaquim Torres Garcia
se instala em Paris; 3 Piet Mondrian:
primeira exposição em Nova Iorque;
4 Warchavchik concede entrevista:
“Arquitetura Brasileira”.
1928
1 Tarsila do Amaral pinta “O Abapuru”;
2 Revista Antropofágica nª 1; 3 Mário
de Andrade escreve Macunaima; 4 G.
Warchavchik: A Casa da rua Santa Cruz.
1927
1 Ismael Nery viaja a Paris e estabelece
contato com os surrealistas; 2 Mario de
Andrade realiza viagem ao Amazonas;
3 René Magritte chega a Paris e se junta
aos surrealistas.
Warchavchik abre
escritório próprio
em São Paulo.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
41
1928
5 Warchavchik publica
“Decadência e Renascimento
da Arquitetura”; 6 Warchavchik
escreve “Arquitetura Nova”.
1929
1 Le Corbusier visita São Paulo e Rio
de Janeiro e estabelece contato com
o Movimento Moderno; 2 Guignard
retorna ao Brasil depois de viver na
Europa; 3 Contrução do Pavilhão Mies
van Der Rohe em Barcelona.
1930
1 Djanira da Motta e Silva se instala no Rio de Janeiro; 2 Joaquim
Torres Garcia e Michael Seuphor fundam o movimento Cercle &
Carré; 3 Warchavchik: apresentação pública da Casa da rua
Itápolis – Exposição de uma Casa Moderna e de Arte Moderna.
1929
4 Fundação MOMA
(Museu de Arte Moderna
de Nova Iorque; 5 Vila
Savoye, L.C.; 6 Casa rua
Melo; Alves. Quebra da
Bolsa de Nova Iorque.
Warchavchik
é nomeado por
Le Corbusier
chefe do CIAM
da América
do Sul.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
42
1930 1931
1 Exposição Geral de
Belas Artes no Rio de
Janeiro, organizada
por Lúcio Costa,
conhecida como
Salão Revolucionário.
1932
1 Fundação da Sociedade Pro Arte
Moderna (SPAM) em SP, Lasar Segall
teve atuação de destaque; 2 Fundação
do Clube dos Artistas Modernos (CAM),
por Flávio de Carvalho em São Paulo;
3 Revolução da Constituição em SP.
1931
2 Museu de Arte Moderna de Moscou adquire
“O Pescador”, de Tarsila do Amaral; 3 organizão
do grupo Abstraction – Creation, em Paris;
4 A Casa da rua Estados Unidos. Publicado
o livro de Alberto Sartoris, com obras de
Warchavchik.
Lúcio
Costa tenta
reorganizar
a ENBA
e convida
Warchavchik
para lecionar.
1932
4 Manifesto de Outubro de
plinio Salgado; 5 BAUHAUS
se transfere para Berlim; G.W:
Exposição de um Apartamento
Moderno, na avenida Atlântica
no Rio de Janeiro.
Gregori Warchavchik
se associa à Lúcio
Costa, tendo como
colaborador técnico
Oscar Niemeyer.
4 Casa da rua
Bahia; 5 Gregoori
Warchavchik: A
arquitetura atual
ma América do Sul
(carta ao CIAM).
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
43
1933
1 Candido Portinari pinta Retirantes;
2 M. Pedrosa estréia como crítico de arte,
escreve o primeiro ensaio de inspiração
marxista; 3 A. Calder cria os primeiros
móbiles; 4 Arte Abstrata é considerada
como Arte Degenerada pelos nazistas.
1934
1 Fundação da USP; 2 Getulio
Vargas, Presidente pela Constituição;
3 fundação Taller-Torres-Garcia, em
Montevideo; 4 Realismo Socialista
como único estilo para escritores e
artistas russos.
1935
1 Criação do grupo SEIBI, artistas japoneses e
descendentes; 2 criação do grupo Santa Helena;
3 manifestações comunistas por L. C. Prestes;
4 Max Bill se opõe à noção de Arte Abstrata
e passa a defender a idéia de Arte Concreta,
proposta por Theo van Doesburg, em 1930.
1936
1 Le Corbusier chega ao Rio de Janeiro como
consultor para o projeto da Sede do Ministério da
Educação; 2 Ernesto de Fiore chega ao Brasil e se
aproxima do Grupo Santa Helena; 3 Frank Lloyd
Wright: Falling Water.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
44
2.2. Os Conceitos da Arquitetura Moderna – pertinentes ao
trabalho de Gregori Warchavchik
Muitos foram os historiadores e arquitetos que estudaram a Arquitetura
Moderna. “Espaço, Tempo e Arquitetura” (1941), de Sigfried Giedion,
é o mais clássico da historiografia canônica e faz uma análise da
nova tradição da arquitetura, a inter-relação com outras atividades
humanas e a semelhança com métodos empregados na construção,
pintura, urbanismo e ciência. Hoje, um clássico, este livro foi re-editado
diversas vezes, e suas alises servem à defesa do movimento
moderno.
Outro nome importante é Nikolaus Pevsner, conhecido por seus
clássicos “Pioneiros do Movimento Modeno” (1936) e “Pioneiros do
Desenho Moderno” (1974). Estas obras sintetizam acontecimentos
que transformaram a Arquitetura e o Design, desde a Revolução
Industrial até a 1a. Guerra.
A exposição destas três linhas principais de progresso resume
alguma antecedência ao Movimento Moderno. Segundo o autor:
“É fundamental compreender o estilo do século XX como uma síntese
do movimento de Morris, o desenvolvimento da construção em
aço e da Art Noveau.”
34
Dos textos da historiografia do Movimento Moderno, foram
selecionados alguns autores que estudaram as origens do
movimento moderno para verificar quais as questões importantes
34 PEVSNER, Nikolaus. Os Pioneiros do Desenho Moderno - de Willian Morris à Walter Gropius.
Tradução: João Paulo Monteiro. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 144.
que geraram os novos conceitos na arquitetura internacional e que,
de certa maneira, refletiram na arquitetura brasileira. Interessam-
nos autores que se aproximem das questões que se quer analisar
no discurso e na obra de Gregori Warchavchik.
Os autores escolhidos foram:
Hitchcock e Philip Johnson (O Estilo Internacional, 1932). No
panorama de entendimento de uma intenção plástica na Arquitetura
Moderna, a exposição no Museu de Arte Contemporânea de Nova
Iorque e, posterior, livro The International Style: Architecture since
1922, editado em 1932, por W. W. Norton & Co. Inc., New
York, Hitchcock e Phillip Johnson publicam um manual normativo
de Arquitetura Moderna a partir de algumas considerações.
Apresenta a arquitetura modernista como estilo o que se trata
de uma caracterização não defendida por todos os autores ou
arquitetos, mas importante para a operação estética de Gregori
Warchavchik.
Lúcio Costa (textos do autor publicados em Lúcio Costa: Sobre
Arquitetura, 1962) Mostra seu ponto de vista em relação às questões
da modernidade, sendo o responsável por formular o projeto
modernista no Brasil. As questões abordadas por ele podem ser
comparadas com as defendidas pelos autores citados anteriormente
e colocadas frente às preocupações de Gregori Warchavchik. Mais
adiante, entraremos na questão da Arquitetura Moderna brasileira
e veremos o nome de Lúcio Costa como arquiteto. Como teórico
da arquitetura, podemos colocá-lo neste primeiro capítulo, a fim
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
45
de abordar os conceitos gerais da nova arquitetura, que ele
é reconhecido como primeiro teórico da Arquitetura Moderna no
Brasil. Trata-se aqui de demonstrá-lo como teórico especialista da
Arquitetura Moderna no Brasil, ainda não como arquiteto e nem
como brasileiro. Os conceitos de arquitetura, segundo Lúcio Costa,
estão baseados na técnica, que teve seu aprimoramento com a
revolução industrial, o advento da máquina. Contra os conceitos,
então vigentes dos academicistas, ele buscava, através da liberdade
que a nova técnica podia oferecer uma arquitetura simples, clara,
elegante e econômica.
Peter Collins (Os ideais da Arquitetura Moderna, 1965) por inserir
o movimento moderno num panorama histórico e falar dos ideais da
Arquitetura Moderna que serão úteis para o estudo em questão. Faz
um recorrido na história geral da arquitetura, explicando as bases
práticas e teóricas das construções romanas, gregas, renascentistas
e góticas, buscando as origens dessa nova forma de projetar, ou
de pensar, que é o Projeto Moderno.
Kenneth Frampton (História Crítica da Arquitetura Moderna, 1980),
porque valoriza as arquiteturas que se desenvolveram na periferia
da Europa central e que defende a tese de que estas arquiteturas
do regionalismo crítico são manifestações da Arquitetura Moderna
e não sua negação. Estuda as origens da arquitetura do século XX,
passando pelas transformações culturais, territoriais e técnicas, desde
1750. Uma das questões abordadas é a p-modernidade, ou seja,
como a diversidade e a inter-relação de instâncias mundiais e locais
resultaram na consolidação da Arquitetura Moderna em diferentes
países. Entre eles: Dinamarca (Jørn Utzon), Catalunia (Oriol Bohigas),
Portugal (Alvaro Siza), Mexico (Barragan), Brasil (Niemeyer),
Argentina (Amancio Willians), Venezuela (Carlo Raul Villanueva),
e EUA (Neutra).
Alan Colquhoun (Modernidade e Tradição Clássica ensaios
sobre arquitetura, 1989). Foca o modernismo e o pós-modernismo,
em ensaios que indicam a tradição em que a Arquitetura Moderna
está imersa, constituindo um quadro de referências que ajuda a
perceber a configuração de suas vertentes atuais. Trata de conceitos
filosóficos e históricos complexos, constitutivos da modernidade.
Se esses autores falam de um assunto comum, a Arquitetura Moderna
encontramos neles conceitos comuns e que se relacionam entre si.
Não que eles tenham as mesmas idéias sobre eles. E é que
surge um debate de idéias, uma maneira dinâmica de despertar
o interesse do trabalho. O objetivo é buscar nestes textos as idéias
que apontam o alinhamento ao projeto modernista, a presença de
tendências classicizantes e predisposição moderna e o quanto destas
questões se verificam na obra construída de Gregori Warchavchik.
2.2.1. Estilo
A questão do estilo é bastante discutida para definir as bases da
Arquitetura Moderna. Contra os estilos passados, se cria um novo
estilo, adequado às novas técnicas e às necessidades da época em
que se vive. Entendendo como estilo o conjunto de características
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
46
que distinguem determinada forma de expressão, pode-se falar em
estilo moderno.
O internacionalismo, nome dado à exposição International
Style sugestivamente a colocou como um estilo e o como
um movimento, destacando o aspecto da universalidade a que
se propunha a nova arte e questionando o espírito nacionalista
que inspirava tanto as manifestações políticas como as culturais
da Europa, naquele momento, lançando, até mesmo, um tom
provocativo. Tanto na França como na Alemanha, embora de
modo diferente, cada vez que se falava de internacionalismo
pensava-se realmente numa seção supra-histórica ou coletiva, a
nação européia, que se contrapunha à internacional de classes.
Significava também a conquista maior do mundo moderno, um
estágio único de desenvolvimento para todas as sociedades, onde
não haveria mais espaço para ser exclusivamente americano, ou
mesmo novaiorquino, mas todas as necessidades e interesses seriam
compartilhados por todos. No campo da arquitetura, a expressão
International Style ficou diretamente associada à produção
inspirada nas formas puras da Siedlungen de Weissenholf, que
até aquele momento tinha sido a maior e a mais fiel realização
da Arquitetura Moderna.
[...] La necesidad de forma, como ingrediente básico de la
modernidad, aparece como una fuerza aun mayor ahora que la
arquitectura moderna ha sido convertida en estilo, un estilo tanto más
confundido con la pura forma cuanto más nace de una arquitectura
que se manifiesta despreocupada por la forma [...].
35
A exposição Weissenhoff Siedlung foi realizada em 1927 e se tornaria
um forte exemplo da arquitetura do século XX, pois apresentava
projetos de habitação coletiva com os requisitos modernos de higiene
e qualidade e como esta nova arquitetura era a expressão moderna
de um novo estilo de vida. A exposição era uma demonstração
sistemática da nova habitação, tendo em conta os modernos
problemas sociais, espaciais, construtivos e higiênicos. Os principais
arquitetos fundadores do Movimento Moderno, que participaram
desta realização foram: Peter Behrens, Victor Bourgeois, Walter
Gropius, Ludwig Hilberseimer, Le Corbusier, Mies van der Rohe, J. J.
Pieter Oud, Mart Stam, Max Taut, etc.
Hitchcock e Philip Johnson trataram de isolar os elementos característicos
do Estilo Internacional e construir a partir deles definições e regras,
em definitiva, um manual de conselhos para projetar. Um estilo que
nasceu com o propósito de acabar com todos os estilos.
No importaba cual fuera la causa, porque el acuerdo existía ya y
la arquitectura moderna se presentaba como un auténtico nuevo
estilo que, por su aparición simultánea en diversos países y por la
amplitud de su difusión, debían llamarse Estilo Internacional.
36
35 HITCHCOCK, Henry-Russell e JOHNSON, Philip. El Estilo Internacional: Arquitectura desde 1922. Tradução:
Carlos Albisu. Murcia: Artes Gráficas Soler, 1984. p. 19.
36 Ibid, p. 14.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
47
Em contraposição, Frampton afirma que a Arquitetura Moderna não
pode ser considerada universal, portanto, estilo internacional
regido por motivações exclusivamente formais. Ao se importar com
o movimento moderno, que se difundiu pelo mundo, defendia a
idéia de o projeto era imposto pela natureza do homem, tendo
que ser modificado de acordo com o funcionamento nervoso e
fisiológico de cada um.
Sob muitos aspectos, o Estilo Internacional foi pouco mais que uma
expressão conveniente, denotando uma modalidade arquitetônica
cubista [...] Sua aparente homogeneidade era enganadora, uma
vez que sua forma planar despojada era sutilmente modulada de
modo a responder a diferentes condições climáticas e culturais.
Ao contrário do estilo neoclássico do mundo ocidental de fins do
século XVIII, o Estilo Internacional nunca se tornou verdadeiramente
universal. o obstante, implicava uma universalidade de abordagem
que em geral favorecia a técnica leve, os materiais sintéticos e
modernos e as partes modulares padronizadas, de modo a facilitar a
fabricação e a construção. Como regra geral, tendia à flexibilidade
hipotética da planta livre, razão pela qual preferia a construção
baseada em um esqueleto à alvenaria. Essa predisposição tornou-
se formalista nos casos em que condições específicas, fossem elas
climáticas ou econômicas, não pudessem suportar a aplicação de
uma tecnologia leve e avançada. As villas ideais de Le Corbusier
nos últimos anos da década de 1920 anteciparam esse formalismo
pelo fato de se disfarçarem de formas brancas, homogêneas e feitas
por máquinas, quando na verdade eram construídas com blocos de
concreto unidos por uma estrutura de concreto armado.
37
Também Peter Collins defende a idéia de que o existe o conceito
de estilo moderno. Na sua visão, criar um estilo seria voltar ao
academicismo, e assim ir contra tudo aquilo que o modernismo
pregava.
Já Lúcio Costa enxerga a Arquitetura Moderna como um estilo. Um
estilo que se trata de um sistema construtivo geral, independente da
categoria do edifício.
Os estilos se formam e apuram, precisamente, à custa dessa repetição
(de umas tantas formas que lhe são peculiares) que perdura enquanto
se mantém as razões profundas que lhe deram origem.
38
Costa dizia que embora a técnica tenha sido o ponto de partida da
transformação, não se tratava simplesmente dessa racionalidade
funcional, havia uma preocupação artística com intenções econômicas
e sociais.
Frampton se recusa a abandonar os aspectos emancipatórios e
progressistas do legado arquitetônico moderno; manifesta-se como
uma arquitetura consciente delimitada que, em vez de enfatizar a
construção como um objeto independente, faz a ênfase incidir sobre
o território a ser estabelecido pela estrutura erguida no lugar.
37 FRAMPTON, Kenneth História crítica da arquitetura moderna. Tradução: Jefferson Luiz Camargo. São
Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 303.
38 COSTA, L. ‘Razões da Nova Arquitetura”, 1930. In: XAVIER, A. (org.) Lúcio Costa: Sobre Arquitetura.
Porto Alegre - RS: Ed. UniRitter. 2007. p. 34.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
48
Essas definições de regionalismo crítico podem explicar o modernismo
brasileiro, que seria a versão nacional do moderno europeu, opondo-
se à tendência de “civilização universal” e gerando uma “cultura
mundial” de bases regionalistas. Elas valorizam manifestações
localizadas da universalidade do projeto moderno e, portanto, se
aproxima do projeto modernista brasileiro, no qual a Arquitetura
Moderna evolui como um esforço cultural e não como um esforço
civilizatório.
[...] O conceito de cultura local ou nacional é uma proposição
paradoxal não apenas devido à atual e óbvia antítese entre cultura
de raiz e civilização universal, mas também porque todas as
culturas, tanto antigas quanto modernas, parecem ter dependido,
para seu desenvolvimento intrínseco, de uma certa fertilização
cruzada com outras culturas [...] manter qualquer tipo de cultura
autêntica irá depender, em última instância, de nossa capacidade
de gerar formas vitais de cultura regional enquanto nos apropriamos
de influências estrangeiras tanto no plano da cultura quanto no da
civilização.
39
Frampton faz referência à vinda de Le Corbusier ao Brasil, em
1936, quando prestou consultoria ao projeto do Ministério da
Educação, no Rio de Janeiro, considerado o marco inicial da
Arquitetura Moderna brasileira.
39 FRAMPTON, Kenneth História crítica da arquitetura moderna. Tradução: Jefferson Luiz Camargo. São
Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 382.
[...] Mas a versão final, erguida sobre um peristilo de pilotis, deu
ensejo à primeira aplicação monumental de muitos dos elementos
corbusianos característicos, inclusive o toit-jardin, o brise-soleil e o pan-
verre. Os jovens seguidores brasileiros de Le Corbusier transformaram
imediatamente esses componentes puristas numa expressão nativa
extremamente sensual que fazia eco, em exuberância plástica, ao
barroco brasileiro do século XVIII.
40
O arquiteto Lúcio Costa assume a Arquitetura Moderna de forma
contraditória. A Arquitetura Moderna, no mundo todo, trata de
romper com tudo que diz respeito às tradições. Lucio Costa, assim
como os modernistas da arte, da literatura e da música da Semana
de 22 trata de resgatar as tradições locais. Não deixa de ser
sincero quanto a sua intenção entender as necessidades da cultura
brasileira em sua época. Era ainda impossível trazer a indústria pré-
moldada para a nossa realidade.
2.2.2. Racionalismo
Baseado nos procedimentos da razão, Collins afirma que o racionalismo
se manifesta através da crença de que a arquitetura obtém sua
melhor expressão com o uso econômico das formas estruturais.
La mejor definición del racionalismo se encuentra en un artículo
escrito por César Daly en 1864, traducido en The Builder el mismo
año. [...] Daly definió el racionalismo como la convicción de que las
40 FRAMPTON, Kenneth História crítica da arquitetura moderna. Tradução: Jefferson Luiz Camargo. São
Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 310.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
49
formas arquitectónicas no solo requieren una justificación racional,
sino que solamente podían justificarse si sus leyes derivaban de las de
la ciencia. [...] En otras palabras, los racionalistas eran, simplemente,
aquellos arquitectos que creían que la forma arquitectónica era
esencialmente la forma estructural [...] O racionalismo estrutural,
tanto clássico como gótico, segue presente nos ideais da arquitetura
contemporânea.
41
O racionalismo construtivo surgiu com a tentativa de adaptar as
regras clássicas às novas tecnologias da época da industrialização.
Faz parte da proposta moderna e, por definição, rejeita o que
é sentimento, colocando a arquitetura mais como ciência do que
como arte. A arquitetura como ciência é vista através de Vitruvius
e, como arte, através de Aristóteles (imitação da natureza). Vitruvius
foi um arquiteto romano, cuja obra em 10 volumes, aos quais deu o
nome de De Architectura (aprox. 40 a.C. ), constitui o único tratado
europeu do período grego-romano que chegou aos nossos dias e
serviu de fonte de inspiração a diversos textos sobre construções
arquitetônicas desde a época do Renascimento. Os seus padrões
de proporções e os seus princípios arquiteturais: utilitas, venustas
e firmitas (utilidade, beleza e solidez), inauguraram a base da
Arquitetura Clássica.
Colquhoun (1989) coloca o racionalismo através de quatro
vertentes: a busca da beleza, a busca da utilidade, a busca da
autenticidade, e a busca da transparência. Ciência é igual à
41 COLLINS, Peter Los Ideales de la Arquitectura Moderna; su Evolución (1750-1950). Traduçõa: Ignasi
de Solà Morales Rubió. Barcelona: Gustavo Gilli, 1998. p. 203.
razão e arte é igual à emoção. Assim como esses conceitos não se
definem de forma simples, a arquitetura não pode ser definida ou
como arte ou como ciência. Arquitetura racional, como definição,
tão pouco é constante no decorrer da História. De uma maneira
geral, segundo Colquhoun, trata-se de entender que a arquitetura é
o resultado da aplicação de regras gerais estabelecidas pela razão.
Mas é necessário observar que o conceito da racionalidade na
arquitetura depende de fatores econômicos, sociais e filosóficos.
2.2.3. Funcionalismo
O funcionalismo, outra proposta da nova arquitetura, defende a idéia
de que a forma segue a função. Define-se também como uma teoria
segundo a qual a característica principal dos processos psicológicos
está em seu poder de adaptar o organismo ao ambiente.
Collins (1965) utiliza a analogia biológica para explicar o termo,
que entre outras tantas idéias, aparece como forte referência para
as doutrinas da Arquitetura Moderna. As características comuns
aparecem na relação do organismo com o ambiente, a co-relação
entre os órgãos, a relação entre forma e função e no princípio de
vitalidade.
[…] El término funcionalismo […] Puede significar la noción
filosófica de que un objeto que cumple perfectamente su función es
automáticamente bello […] Puede significar la noción filosófica de
que un objeto que cumple perfectamente su función corresponde por
este motivo a su época, aunque no sea atractivo […] Puede significar
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
50
la noción filosófica de que un objeto que cumple perfectamente su
función hecho para llevar a cabo su función económicamente posee
integridad estructural (aunque en este sentido “funcionalismo’ llega a
ser sinónimo de […] racionalismo. Pero su significado más importante
está relacionado con el planeamiento. Es la noción, expresada
primero por la analogía biológica, de que la organización interna
de un edificio (o de una ciudad) es la causa de su apariencia
exterior; o como lo expresó Le Corbusier que “el plan procede de
dentro hacia fuera; el exterior es el resultado del interior.
42
A relação entre forma e função nos leva a polêmica de qual
segue qual e atenção para que, na analogia funcional, a relação
entre forma e função se considera necessária para a beleza e,
na biológica, se considera necessária para a vida. Entendendo
forma como tudo o que está relacionado com volume, composição,
harmonia, estética e plástica. E função com o que se aplica ao uso
e a pertinência da existência dos elementos construtivos.
O funcionalismo aparece para Hitchcock e Phillip Johnson (1932)
como uma nova concepção de que a construção é uma ciência
e não uma arte. São citados os doutrinários dos funcionalistas
antiestéticos. Giedion afirma que o mundo moderno da arquitetura
de resolver uns problemas práticos tão enormes que as questões
estéticas hão de seguir para um segundo plano na crítica arquitetônica.
Hannes Meyer acredita que se um edifício cumpre a sua função
adequada e completamente é um bom edifício, seja qual seja o
42 COLLINS, Peter Los Ideales de la Arquitectura Moderna; su Evolución (1750-1950). Traduçõa: Ignasi
de Solà Morales Rubió. Barcelona: Gustavo Gilli, 1998. p. 223.
seu aspecto. Dão à construção moderna uma expressão direta:
empregam elementos estandarizados, sempre que podem e negam
a ornamentação ou o detalhe não necessário.
El arquitecto que construye dentro del estilo internacional busca
reflejar el verdadero carácter de su construccn y expressar
claramente cómo ha resuelto las necesidades funcionales.
43
A regularidade substitui a simetria axial como meio fundamental para
ordenar o desenho. Seu princípio depende da típica ordenação
regular que possui o esqueleto subjacente na construção moderna.
A estandarização possibilita uma grande coerência entre os elementos,
gerando regularidade como resultado e, por isso, os arquitetos
não precisam da simetria para alcançar uma ordem estética. A
assimetria pode ser forte e definida, em outros casos poderá ser
sugerida, mas nunca com demasiada ênfase e essas decisões não
devem ser arbitrarias nem ocasionais, tendo em conta os conceitos
da arquitetura funcional.
[...] Los pilares de las construcciones en retícula suelen distar lo mismo
entre sí, de manera que las cargas se reparten com uniformidad
[...] las consideraciones de tipo econômico favorecen la utilización
de elementos estandarizados em toda la estructura [...] las diversas
funciones que realiza cada piso son tan semejantes que pueden
43 HITCHCOCK, Henry-Russell e JOHNSON, Philip. El Estilo Internacional: Arquitectura desde 1922. Tradução:
Carlos Albisu. Murcia: Artes Gráficas Soler, 1984. p. 59.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
51
emplearse la misma planta y altura entre forjados a todo lo alto del
edifício [...]
44
Colquhoun (1989) faz referência à estética de Le Corbusier “a casa
é uma máquina de morar“. A utilização da máquina como modelo
para uma obra de arte cuja forma e estrutura eram determinadas
por leis internas a si próprias, a identidade entre ciência e arte.
Encontramos em Lúcio Costa (1962), uma definição para construção
baseada nesses conceitos de racionalismo e funcionalismo:
Construção concebida com o propósito primordial de ordenar o
espaço para determinada finalidade e visando a determinada
intenção [...] determinada pelo cálculo, preconizada pela técnica,
condicionadas pelo meio, reclamada pela função ou imposta pelo
programa.
45
2.2.4. Composição e Programa
Como conseqüência das novas idéias e aplicação das propostas
racionais e funcionais, surge um novo tipo de composição, que
atente ao programa moderno.
Para Collins (1965), o termo “programa” sofreu uma mudança
completa de significado. Segundo ele, devemos considerar quatro
44 HITCHCOCK, Henry-Russell e JOHNSON, Philip. El Estilo Internacional: Arquitectura desde 1922. Tradução:
Carlos Albisu. Murcia: Artes Gráficas Soler, 1984. p. 73, 74.
45 COSTA, L. “O arquiteto e a Sociedade Contemporânea”, 1952. In: XAVIER, A. (org.) Lúcio Costa:
Sobre Arquitetura. Porto Alegre - RS: Ed. UniRitter. 2007. p. 244.
aspectos para estabelecer o seu real significado: a maneira de
determinar as necessidades de um edifício, a maneira de relacioná-
lo com a distribuição de espaços interiores, a maneira de relacioná-
lo com a disposição de espaços interiores e fachadas e a maneira
de levar em consideração o entorno.
Compor volumes e espos mudou completamente quando as
possibilidades materiais e estruturais passaram a ser outras, substituindo
as paredes de carga por pontos de suporte, liberando as plantas e
organizando os espaços de maneira mais funcional.
O progresso se desenvolveu em busca de atender as novas
expectativas em relação à higiene e conforto, gerando assim
novos programas residenciais. Contribuíram também para isso as
transformações artísticas, políticas, econômicas e sociais.
A arquitetura como volume, criada pela tecnologia construtiva
moderna, torna possível o esqueleto independente das paredes e
das fachadas. O Crystal Palace (1900) aparece como exemplo do
nascimento de um princípio do desenho moderno: a ênfase das
superfícies sejam elas opacas ou transparentes.
Na Arquitetura Clássica, o princípio de volume não aparecia muito
em voga porque não havia muitas alternativas, a massa sólida era
conseqüência dos muros portantes. Com os avanços tecnológicos,
se fez possível a arte de compor livremente, podendo o recobrimento
exterior estar aonde a composição mandar.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
52
El pesado aspecto de solidez estática, que hasta hoy había sido
la cualidad más importante de la Arquitectura ha desaparecido
prácticamente; em su lugar hay una apariencia de volumen, o, más
exactamente, de superficies planas que encierran um volumen. El
principal símbolo arquitectónico no es ya el ladrillo macizo, sino la
caja abierta. De hecho, la gran mayoría de los edifícios son em
realidad um volumen. Con la construcción em esqueleto envuelta
em una simple pantalla protectora, el arquitecto difícilmente puede
evitar el crear dicha apariencia de superficie de volumen, a menos
que por respeto al diseño tradicional em términos de masa se
tome la molestia de buscar el efecto contrario.
46
Alguns elementos clássicos aparecem na composição da Arquitetura
Moderna como referência de traços reguladores, harmonia e proporção.
O classicismo de Le Corbusier, segundo Colquhoun (1989), era
bastante explícito e fundamentava-se em uma aceitação generalizada
da tradição clássica francesa, o formalismo esquemático que se
associa às tendências clássicas.
A teoria moderna trata de uma fusão entre a arte e a tecnologia. Em
Le Corbusier, essa teoria moderna está associada ao classicismo
como retorno aos princípios fundamentais. A teoria corbusiana do
L’Esprit Noveau concentra a liberdade criativa junto à referência
a tradição. O classicismo inerente ao conceito de arquitetura de
Le Corbusier é imediatamente aparente em sua definição dos três
parâmetros de desenho – volume, superfície e planta.
46 HITCHCOCK, Henry-Russell e JOHNSON, Philip. El Estilo Internacional: Arquitectura desde 1922. Tradução:
Carlos Albisu. Murcia: Artes Gráficas Soler, 1984. p. 56.
2.2.5. Sinceridade e Verdade
A expressão da verdade é outro princípio fundamental da Arquitetura
Moderna, ao entender a arquitetura como uma arte ética que se
baseia em valores morais e princípios ideais da conduta humana.
Segundo Collins (1965), a verdade na arquitetura está relacionada
à objetividade, comparando o que é uma estrutura e o que ela
aparenta ser e a sinceridade está ligada à subjetividade, sendo
o arquiteto sincero aquele que desenha um edifício da maneira
que ele acredita e não sob encomenda do cliente. A sinceridade
artística é característica da época moderna e aparece pela primeira
vez nos escritos de Jean-Jacques Rousseau.
O projeto modernista é baseado nos adventos da máquina e na
exclusão da ornamentação. Até aí, podemos dizer que se trata
de uma arquitetura “verdadeira”, transparente em relação a sua
estrutura e concebida para funcionar. Rigor, economia, precisão e
universalidade.
A questão do estilo volta à tona, pois construir algo do passado
com as técnicas do presente é não aplicar a arquitetura “sincera”.
Segundo Collins, o academicismo é causa de insinceridade e
pode ser original resistindo à influência do ensino acadêmico.
La búsqueda de la sinceridad ha creado la desconfianza en los
“estilos”. En la época clásica, el arte implicaba el estímulo consciente
de las emociones de la belleza; después de la revolución romántica,
esto se consideró como algo artificial, enemigo de la expresión
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
53
sincera. Rousseau temía la influencia del estilo, que todo lo hacía
monótono y artificial. Quería respetar y preservar la espontaneidad
en la escritura; una actitud semejante a la de Walter Gropius, que
nunca habla de “estilo” excepto en el sentido de “estilo histórico”;
un “estilo Bauhaus” habría sido la confesión de un fracaso y el
retorno al academicismo contra el cual había creado su sistema
educativo.
47
Recorremos a uma definição de Viollet-le-Duc (1814-1879), considerado
um precursor teórico da Arquitetura Moderna, apontada por
Frampton (1980), sobre autenticidade, que nada mais é que a
conseqüência de ser sincero e verdadeiro:
Em arquitetura dois modos necessários de ser autêntico. Pode-se
ser autêntico de acordo com o programa e autêntico de acordo
com os métodos de construção. Ser autêntico de acordo com o
programa é cumprir exata e simplesmente as condições impostas
pela necessidade; ser verdadeiro de acordo com os métodos de
construção é empregar os materiais de acordo com suas qualidades
e propriedades. (...) As questões puramente artísticas de simetria e
forma aparente são apenas condições secundárias na presença de
nossos princípios dominantes.
48
47 COLLINS, Peter Los Ideales de la Arquitectura Moderna; su Evolución (1750-1950). Tradução: Ignasi
de Solà Morales Rubió. Barcelona: Gustavo Gilli, 1998. p. 213.
48 FRAMPTON, Kenneth História crítica da arquitetura moderna. Tradução: Jefferson Luiz Camargo. São
Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 69.
Isso quer dizer que a necessidade dita as regras que definem o
problema (programa), que pode ser resolvido ou não, conforme as
soluções encontradas. Os métodos construtivos estão mais sujeitos
a possibilidade de forjamento, como empregar elementos que
não são necessários à construção ou esconder a estrutura atrás de
revestimentos.
2.2.6. Arte Abstrata
Collins (1965) aponta três principais manifestações da arte abstrata,
diretamente relacionadas à arquitetura: por suas formas angulosas, o
cubismo e o neoplasticismo; por suas formas estruturais, o construtivismo
e o elementalismo; por suas formas sinuosas, o expressionismo.
Cabe explicar as teorias do cubismo e do neoplasticismo, correntes
na obra de Gregori Warchavchik. Segundo a autora citada, Sophia
da Silva Telles, a obra de Warchavchik é exemplar não apenas na
afirmação geométrica da arquitetura, mas também nos revestimentos
e acabamentos industriais.
O Cubismo se manifestou como uma reação à arte acadêmica
através do pintor espanhol Pablo Picasso em 1907 com a tela Les
Demoiselles d’Avignon. Em 1908, Matisse, ao participar do júri do
Salão de Outono, comentando a tela Les Maisons à l’Estaque,
de Braque, qualificou-a como “caprichos cúbicos”, surgindo daí
então o termo cubismo. Foi somente em 1913, quando o poeta
francês Guillaume Apollinaire, procurando aproximar as técnicas
da pintura com as da poesia, lança um “Manifesto-Síntese”, é
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
54
que são apresentadas as bases que deram origem ao cubismo
de modo oficial. Valoriza a decomposição da estrutura clássica, a
representação da realidade pelas estruturas geométricas, em busca
da verdadeira beleza, a busca de novas experiências com a noção
de “perspectiva” – decomposição dos objetos em diferentes planos
geométricos e ângulos retos. A imagem “parece” ser apresentada
através de diferentes ângulos ao mesmo tempo.
O Neoplasticismo de Mondrian foi a expressão teórica mais extrema
do De Stil (em português, O Estilo), grupo de artistas holandeses que
tomou o seu nome da revista com o mesmo título fundada por Theo
van Doesburg em 1917. O seu objetivo era o desenvolvimento de uma
arte totalmente abstrata que fosse “a expressão direta do universal”.
Os pintores Piet Mondrian e Bart van der Leck eram associados do
grupo, bem como o arquitecto J. P. Oud e o arquitecto e designer
de mobiliário Gerrit Rietveld. Apenas ângulos rectos na posição
horizontal e vertical (as ortogonais) poderiam ser usados, e que as
cores seriam apenas as primárias acompanhadas com as neutras,
o preto, o branco e o cinzento.
A arte abstrata surgiu como uma arte sem significado e, partindo
do pressuposto que arquitetura é arte, se coloca em questão as
qualidades vitruvianas de utilidade. Como a arquitetura (arte) tem o
seu significado em si mesma, abandona os elementos inúteis e se
estrutura nas suas próprias formas primárias, puras.
[...] Se diría que su fin principal [de arte abstracta] fue conseguir
la mayor austeridad, ya que, para ellos, la virtud de la pintura y la
escultura abstracta parece ser su carácter de arte “puro” [...] Esta
pureza se entendía principalmente en términos de economía de
esfuerzos [...] Esta búsqueda de la pureza también era característica
de la arquitectura más revolucionaria del período. Frecuentemente,
exigía una completa supresión de las realidades estructurales de
un edificio. Las superficies se dejaban completamente lisas por
el interés que ofrecían las superficies “puras”, y cuando había
elementos estructurales se enyesaban con una suavidad uniforme;
las cubiertas de tejas y las cornisas desaparecieron; los antepechos
acristalados fueron atenuados; los interiores se redujeron a paredes
blancas con uno o dos cuadros abstractos colgados; y a toda la
arquitectura se le daba la calidad de quirófano [...].
49
Os arquitetos revolucionários defendiam que a arquitetura é, sobretudo,
uma arte, e somente como tal produzi formas significativas.
49 COLLINS, Peter Los Ideales de la Arquitectura Moderna; su Evolución (1750-1950). Tradução: Ignasi
de Solà Morales Rubió. Barcelona: Gustavo Gilli, 1998. p. 284.
1 Les Demoiselles d’Avignon (Picasso, 1907) www.moma.com;
2 Les Maisons à l’Estaque (Braque, 1908) www.productionyarts.com;
3 Blue Plane (Mondrian, 1921) www.esg.cidsnet.de
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
55
O resultado desta busca e dessa afirmação é a pureza, a não
ornamentação.
A produção de ornamentos perde seu sentido, por não serem
artesanais. Foram perdendo suas características tradicionais de
geração para geração e a tentativa de produzir ornatos com
técnica moderna resultou numa total falta de sentido.
O ornato no sentido artístico e humano que sempre presidiu a
sua confecção é, necessariamente, um produto manual. O século
XIX, vulgarizando os moldes e fôrmas, industrializou o ornato,
transformando-o em artigo de série, comercial, tirando-lhe assim
a principal razão de ser - a intenção artística -, e despindo-o de
qualquer interesse como documento humano.
50
Segundo Lúcio Costa (1962), a nova técnica reclama a revisão dos
valores plásticos tradicionais. O que a caracteriza e, de certo modo,
comanda a transformação radical de todos os antigos processos de
construção, é a ossatura independente. Isso trás, como resultado a
planta livre, a fachada livre, os cantos aparentes do prédio não têm
mais responsabilidades de amarração, a expressão dos edifícios
torna-se o jogo dos cheios e vazios. As paredes deixam de ser
suportes estruturais e passam a ter somente a função de vedação.
Para concluir este capítulo, podemos dizer que os conceitos
apresentados foram encontrados para fundamentar teoricamente as
bases da Arquitetura Moderna, sendo que todos eles aparecem
50 COSTA, L. “Razões da Nova Arquitetura”, 1930. In: XAVIER, A. (org.) Lúcio Costa: Sobre Arquitetura.
Porto Alegre - RS: Ed. UniRitter. 2007. p. 34.
primeiro como intenção (discurso) e depois como prática, na obra
construída de Gregori Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
56
cAPÍtulo 3
As cAsAs e o discurso de gregori WArcHAVcHiK
Neste capítulo, serão apresentadas as cinco casas escolhidas para
análise através de material gráfico, publicações e estudos sobre a
composição, os conceitos e o discurso.
Os escritos de Gregori Warchavchik foram inovadores e polêmicos,
em defesa da Arquitetura Moderna. Esta análise busca a compreensão
dos principais conceitos que Warchavchik tinha em mente e fazia
questão de divulgar para seus colegas, clientes e amigos – para a
sociedade em geral. A partir daí, é possível fazer um paralelo entre
os conceitos, anteriormente estudados e os que ele propõe, onde
se claramente, referências aos pressupostos de Le Corbusier e de
outros mestres precursores da Arquitetura Moderna.
Em 1929, foram projetadas por Warchavchik outras pequenas
residências que não são objetos de estudo neste trabalho, mas
que vale a pena citá-las e apresentá-las enquanto parte do seu
importante curriculum, configurado nesta época.
São elas:
1 1929: Casa da rua Anhandava; Geraldo Ferraz, 1965; Residência de
um casal; 2 1929: Casa da rua Tomé de Souza; Alberto Sartoris, 1932;
Proprietário: Candido da Silva.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
57
1 1929: Casa da rua Netto Araújo; Geraldo Ferraz, 1965; Proprietário:
João de Souza Lima.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
58
Casa da rua saNTa CruZ: 1928
3.1. 1928: A Casa da rua Santa Cruz
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
59
3.1.1 Ficha Técnica
CASA RUA SANTA CRUZ
Local VIla Mariana, São Paulo, SP
Endereço rua Santa Cruz, 325
Proprietário Gregori Warchavchik
Início do projeto 1927
Obra concluída 1928
Área do terreno 6.150 m
2
Área construída 287,97 m
2
Número de pavimentos 2
Arquitetura, interiores e mobiliário Gregori Warchavchik
Paisagismo Mina Klabin
1930: mapa sara br-a3 Guia de ruas: www.maplink.com.br Mapa atual: www.googleearth.com.br
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60
1 Implantação: desenho a partir da planta; 2 Planta
de localização: acervo de Warchavchik; 3 Planta de
situação: acervo de Warchavchik.
3.1.2 Material gráfico
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61
Sobre o seu traço, podemos dizer que o próprio desenho
caracteriza os diferentes materiais a serem utilizados, tornando
fácil reconhecer o uso do espaço.
1 Planta téreo: acervo de Warchavchik; 2 Planta 1º andar: acervo de
Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
62
1 Corte a-b: acervo de Warchavchik; 2 Corte c-d: acervo de Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
63
1 Vista esquina: acervo de Warchavchik; 2 Vista lateral: acervo de Warchavchik; 3 Fachada principal
noturna: Yves Bruand, 1982; 4 Detalhe jardim: Alberto Sartoris, 1932; 5 Fachada posterior: Geraldo
Ferraz, 1965.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
64
Vista interna: acervo de Warchavchik Vista interna: acervo de Warchavchik
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
65
Planta téreo: acervo Warchavchik Planta superior: acervo Warchavchik Fachada principal: acervo Warchavchik
Planta téreo: acervo Warchavchik Planta superior: acervo Warchavchik Fachada principal: acervo Warchavchik
1928
1934
A reforma de 1934: sala de estar ampliada, avançando sobre
a varanda; quarto princial ampliado sobre o terraço existente;
acrescentado um novo banheiro; o telhado da varanda deu lugar
a uma laje; os caixilhos de ferro foram substituídos por caixilhos de
madeira; introduzida uma marquise na lateral (acesso). Esta reforma
é apontada por alguns críticos como desconfiguração da proposta
modernista original.
Painel explicativo no parque modernista
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
66
3.1.3 Memorial Descritivo
MEMORIAL DESCRIPTIVO PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA CASA
PARA A HERANÇA DE MAURICIO F. KLABIN À RUA SANTA CRUZ
(SEM NÚMERO), transcrito conforme grafia original.
ALICERCES Os alveolos para a fundação terão a largura de 0,50
nas paredes de 0,30. O fundo dos alicerses será convenientemente
apizoado com soquetes de 70 kilos e será posta uma laje de
concreto.
ALVENARIA DE TIJOLOS Toda a alvenaria de tijolos será
assentação de 1:3, e entre as paredes externas, levarão montantes
de concreto.
CINTAS DE CONCRETO Cada pavimento levará uma cinta de
concreto na proporção 1:3:7.
PÉS DIREITOS – Do pavimento terreo, 3,50 e do 1˚andar de 3,50.
MADEIRAMENTO DO TELHADO Será de peroba com dimensões
comuns e compatíveis com a resistencia que devem offerecer a
carga do telhado que vae suportar.
COBERTA – Será feita com telhas francezas typo Marselha de bôa
qualidade, sendo os espigões cobertos por cumieiras do mesmo
typo da telha. As aguas furtadas serão retomadas com folhas de
flandres de espessura commum, typo 26.
REVESTIMENTOS DAS PAREDES As paredes internas e externas
serão revestidas com reboque de cal e areia.
IMPERMEABILISAÇÃO As paredes do W.C. e cosinha serão
impermeabilisadas até a altura de 1,50 com barra a.
FORROS – Os forros serão de estuque com tela metálica.
PAVIMENTAÇÃO A pavimentação será feita com taboas de
peroba de 0,09 por 2,5, exceto os pisos, cosinha e banheiro, que
serão ladrilhos com ladrilhos impermeáveis.
ESQUADRIAS – Todas as portas internas serão de pinho do Paraná
em batentes de peroba, e portas externas e janellas serão de cedro
com protecção de escuros de pinho do Paraná.
VENEZIANAS – Os dormitórios levarão venezianas.
ELETRICIDADE Em todo o prédio haverá instalação electrica,
executada com material de primeira qualidade e distribuida em
todos os commodos.
PINTURA A sala de jantar, sala de visitas, Hall e dormitorios serão
decorados e a fachada será caiada.
Memorial descritivo: acervo
Warchavchik
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
67
Diário Nacional - SP, junho de 1928: acervo de Warchavchik
3.1.4 Publicações
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
68
Revista Ilustração Brasileira nº 109 - RJ, setembro de 1929
acervo de Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
69
Revista Ilustração Brasileira nº 109 - RJ, setembro de 1929
acervo de Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
70
La maison G.W. fut la première habitation moderne realisée au
Brésil. Il s’agissait d’avoir au rez-de-chaussée um studio d’architecte,
une salle de musique, une petite salle a manger au premier étage,
des chambres à coucher et des chambres de domestiques et les
dépendances dans le jardin. N’ayant trouvé à São Paulo des
materiaux isolants de bonne qualité, l’architecte renonça à construire
une maison à toit-terrasse comme il em avait l’intention. Il couvrit done
la maison de tuiles. Il ne put davanteage obtenir des portes ni des
fenêtres modernes. Peu à peu, dans chaque construction nouvelle, il
réalisa certaines améliorations, et aujourd’hui, il n’emploie que des
portes unies, qu’il fait fabriquer lui-même, et des fenêtres em fer qu’il
fait exécuter d’aprés ses dessins. Tout, d’ailleurs, doit être dessiné en
détail par l’architecte.
Revista Cahiiers d’Art nº 2 - Paris 1931
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
71
O jardim de Mina Warchavchik servia para completar a arquitetura
de Gregori, fazendo uso das plantas tropicais, coisa não usual
na época, porque tudo era cópia do que havia na Europa, assim
como na arquitetura.
No começo do século XX, a maioria dos jardins acompanhava
o mau gosto e o ilogismo das casas: sob pretexto de tradição,
caíra-se na rotina, no academicismo e na imitação. As casas estilo
1900 eram adornadas com jardins sem personalidade, cheios de
“florzinhas” e “plantinhas”. Só de vez em quando surgia um jardim
mais amplo, mas então era a réplica de um jardim inglês, francês
ou italiano. os velhos jardins do governo ainda lembravam a
nobreza do passado. Nestes, encontravam-se plantas tropicais ao
lado das importadas, porém por mero acaso. Ninguém pensara
ainda em se aproveitar da magnífica flora nacional para criar
jardins exuberantes, originais e racionais.
Yvone Jean da Fonseca
Revista Flores - inverno de 1956
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
72
3.1.5 Análise
Uma obra polêmica em vários aspectos. Primeiro pela repercussão
que se deu na sociedade provinciana que era São Paulo naquela
época, com suas formas retas, brancas e livres de qualquer ornamento.
Depois com uma discussão que perdura até os dias atuais, se pode
ser considerada ou não uma arquitetura propriamente moderna,
que vários elementos construtivos eram ainda considerados
tradicionais.
Muitos autores não consideram uma obra modernista por conta
destas contradições encontradas em sua obra, mas de certa
forma, pode ser considerado pioneiro em relação à ruptura com a
arquitetura passadista. Segundo Hugo Segawa,
Warchavchik teve o importante papel de agitador cultural ao
mobilizar a opinião pública com suas realizações e promover uma
causa – a Arquitetura Moderna racionalista.
51
Ainda segundo Segawa, a residência da Rua Santa Cruz não pode
ser considerada um trabalho fiel ao ideário moderno europeu, tão
pouco ao seu discurso revolucionário:
Era uma casa que aparentava ter uma geometria própria para
racionalização da construção, mas era toda de tijolo revestido
e não empregava o concreto armado, tampouco materiais pré-
fabricados.
52
51 SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900-1990. São Paulo: Edusp Editora da Universidade
de São Paulo, 1998. p. 48.
52 Ibid, p. 46.
Pode-se dizer que Gregori Warchavchik foi pioneiro da nova
estética da arquitetura no Brasil, quanto à sua intenção, mas para
muitos críticos apenas essa intenção plástica, como resultado formal,
não era suficiente para abordar toda a carga conceitual contida
no Movimento Moderno, que em outras artes como a música, a
literatura e as artes plásticas já haviam alcançado.
Nenhuma das obras pioneiras de warchavchik correspondeu
plenamente ao discurso modernizador panfletado em seus artigos
e é precisamente nesses textos que o próprio arquiteto reconheceu
as limitações locais quanto aos materiais e técnicas construtivas
disponíveis, inadequados aos conceitos de racionalização ou
escala industrial [...].
53
Segundo Yves Bruand (1982), existe contradição com o manifesto
em pelo menos quatro pontos:
1. Parecia tratar de uma construção em concreto armado – que era
a idéia original -mas o edifício foi construído quase que inteiramente
de tijolos, ocultados sob um revestimento de cimento branco.
2. As janelas horizontais de canto davam à obra um toque
característico inegável, mas, sob o ponto de vista técnico, não se
justificavam numa construção executada com materiais tradicionais,
tendo elas acarretado complicados problemas de construção.
53 SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900-1990. São Paulo: Edusp Editora da Universidade
de São Paulo, 1998. p. 48.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
73
3. A solução que consistia em dar à ala da fachada o mesmo
aspecto externo da ala esquerda, quando esta correspondia a uma
varanda e não a um interior como a ala oposta, contradizia a
afirmação feita em termos por demais absolutos no manifesto de
1925: “a beleza de uma fachada deve resultar da racionalidade
da planta da disposição interna, assim como a forma de uma
máquina é determinada pelo mecanismo, que é sua alma”.
4. A cobertura do corpo principal não era um terraço, conforme se
poderia supor, mas um telhado de telhas coloniais cuidadosamente
escondido pela platibanda.
54
Mas ao mesmo tempo, o autor parece entender suas limitações:
[...] as inovações de Warchavchik limitaram-se ao plano estético,
entendidas por ele como um primeiro passo. [...] De fato, as
concessões de ordem prática e estética que fora obrigado a fazer
nesta primeira obra eram provisórias – o que confirmou plenamente
nas obras posteriores.
55
Em relação às características da Nova Arquitetura, podemos
perceber os ângulos retos, a horizontalidade, a continuidade do
espaço, a relação interior-exterior através de grandes aberturas.
A composição é baseada em formas elementares. A ausência de
elementos decorativos nos remete a Adolf Loos (Casa Steiner,
1910).
54 BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1982. p. 66.
55 Ibid, p. 67.
1 Fachada principal - Santa Cruz: acervo de Warchavchik; 2 Fachada
principal - Steiner: www.greatbuldings.com.br.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
74
Em relação à forma e função na arquitetura, conceitos pregados
em seus discursos, o resultado desta primeira residência também
é contraditório, como abordado por Bruand. A fachada não é
verdadeira”, sendo a janela de canto do lado direito correspondente
à varanda e não a um cômodo como parece ser. Neste caso, nos
parece que a função seguiu a forma, que a fachada foi rigorosamente
composta e a planta, adaptada a ela.
Segundo o manifesto de 1925, “Acerca da Arquitetura Moderna”,
a compreensão da beleza está ligada à época histórica em que se
vive. A época moderna tem uma estética relacionada às maquinas,
vapores, locomotivas... e para o homem moderno, as formas e
linhas de objetos do passado parecem antigas e ridículas.
Os obstáculos que marcaram o início do modernismo no Brasil foram
a hostilidade da opinião pública, a legislação local, o alto custo
dos materiais industrializados, métodos construtivos artesanais.
Os impasses do momento eram o tradicional contra o moderno; o
Internacional contra o Nacional; as Belas Artes contra a Engenharia
(técnica); as Artes Aplicadas contra a Industrialização - a Arquitetura
Acadêmica contra a Arquitetura Nova.
Havia uma legislação de fachada, na época, que não aprovava
fachadas lisas, livres de ornamentação. Warchavchik teve que submeter
o desenho à prefeitura com alguns detalhes, que posteriormente,
alegou falta de recursos financeiros para terminar os acabamentos
da obra.
1 Projeto apresentado na prefeitura: Yves Bruand; 2 Projeto real: acervo de
Warchavchik;
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
75
Segundo Warchavchik, quando o arquiteto prega uma fachada
postiça, imitando algum velho estilo, sacrifica a comodidade por uma
beleza ilusória e com custo de construção mais alto. Lembramos
do arquiteto Adolf Loos, que pregou essas mesmas idéias em seu
manifesto “Ornamento e Crime”, em 1908. Contra a ornamentação,
o espírito das tradições clássicas e a imitação cega da técnica da
Arquitetura Clássica,contra as decorações absurdas.
Uma casa é, no final das contas, uma máquina cujo aperfeiçoamento
técnico permite uma distribuição racional de luz, calor, água fria
e quente, etc...[...] A forma pura é um exemplar de Arquitetura
Moderna, mas quando ao construtor se soma o decorador, “é
que, em nome da arte, começa a ser sacrificada a arte”.
56
56 WARCHAVCHIK, Gregori. Acerca da Arquitetura Moderna. In: MARTINS, Carlos A. Ferreira. Arquitetura
do século XX e outros escritos – Gregori Warchavchik. São Paulo: Cosacnaify ,2006. p. 34.
Define planos de composição: Adolf Loos e Mondrian.
1 Composição Mondrian, 1920 produto.mercadolivre.com.br;
2 Vista interna: acervo Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
76
Em relação à identificação que o arquiteto deve ter com a época da
história em que se vive, utilizando as novas técnicas possibilitadas
pelo progresso, Warchavchik em sua primeira obra, se adianta no
tempo. A fim de colocar em prática os conceitos modernizadores,
acaba por pregar teorias que não se aplicam na prática.
Aspectos da tradição local podem ser verificados através de alguns
elementos: varanda em “L”; cobertura em telha canal aparente no
terraço dos fundos; e o jardim tropical, projetado por Mina Klabin.
Cactáceas e espécies tropicais, que até então não eram utilizadas,
referência a Burle Max, conhecido como pioneiro do paisagismo
moderno no Brasil e que também fazia uso de plantas nacionais.
As janelas do pavimento superior ainda mantêm proporções
predominantemente verticais, em sequência rítmica.
do século XX e outros escritos – Gregori Warchavchik. São Paulo: Cosacnaify ,2006. p. 36.
A não ornamentação é o elemento principal da Casa da rua Santa
Cruz, sendo a primeira fachada livre de ornamentos, tanto que muito
espanto causou no público da época e muita polêmica em torno
das leis de censura das fachadas. Não copiar estilos passados foi
o que marcou o seu pioneirismo, a ruptura com o passado.
Seguem alguns argumentos de Loos para uma conferência no ano
de 1908, e posteriormente publicada em Cahiers d’Aujourd’hui,
em 1913:
[..] la evolución de la cultura es proporcional a la desaparición
del ornamento en los objetos utilitarios. [...] será un delito contra la
economia nacional pues, com ello (el ornamento), se echa a perder
trabajo humano, dinero y material. [...] El ornamento que se crea
hoy no tiene ninguna conexión con nosotros, no tiene en absoluto
conexione humanas, ninguna conexión con el ordem del mundo.
[...].
57
Na época clássica, os objetos de uso familiar (móveis, carros de
cerimônia) têm o mesmo estilo da casa onde se encontram.
O arquiteto moderno deve não somente deixar de copiar antigos
estilos, como também deve deixar de pensar no estilo. O caráter
da nossa arquitetura, como o das outras artes, o pode ser
propriamente um estilo para nós, os contemporâneos, mas sim,
para as gerações que nos sucederão.
58
57 LOOS, Adolf. Ornamento y Delito, 1908. In: Adolf Loos escritos I. Tradução: OPEL, Adolf e
Quetglas, Josep. Madrid: El Croquis, 1993.p. 349 e 351.
58 WARCHAVCHIK, Gregori. Acerca da Arquitetura Moderna. In: MARTINS, Carlos A. Ferreira. Arquitetura
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
77
Fachada posterior - Santa Cruz: acervo de Warchavchik. Fachada casa colonial: www.skyscrapercity.com.br
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
78
Planta/corte/elevação: A partir de uma volumetria pré-determinada,
o programa se instala subjugado a uma decisão formal.
No texto “Acerca da Arquitetura Moderna”, destaco os seguintes
conceitos, que se relacionam com os apresentados pelos primeiros
autores: o pressuposto estético fundamental, que se pela
expressão da época em que se vive; o classicismo, para ressaltar
a importância das ordens de proporção e ao mesmo tempo dizer
não a ornamentação; o estilo, que no texto é colocado como um
conceito que não deve existir; e o racionalismo, que defende a
estética da máquina.
Para Gregori Warchavchik o que era na Arquitetura Clássica tão somente
uma necessidade construtiva torna-se um detalhe inútil e absurdo.
O arquiteto moderno deve estudar a Arquitetura Clássica para
desenvolver seu sentimento estético e para que suas imposições
reflitam o sentimento de equilíbrio e medida, sentimentos próprios à
natureza humana.
59
Podemos reconhecer claramente o sentimento estético através de
regras de composição e proporção, encontrados na Arquitetura
Clássica, em busca do equilíbrio das medidas.
Assim como Le Corbusier, Warchavchik também está imbuído de
concepções que podem ser caracterizadas como “classicizantes” ou
“acadêmicas”, como a valorizão estética dos volumes elementares,
admiração pela arquitetura grega antiga, uso de esquemas e regras
de composição e proporção oriundas da tradição clássica elementos
estes fundamentais para dar à obra a sua qualidade artística.
59 WARCHAVCHIK, Gregori. Acerca da Arquitetura Moderna. In: MARTINS, Carlos A. Ferreira. Arquitetura
do século XX e outros escritos – Gregori Warchavchik. São Paulo: Cosacnaify ,2006. p. 35.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
79
A Casa da rua Santa Cruz, apresenta claramente alguns prinpios da
arquitetura tradicional: Simetria e Equilíbrio como traços reguladores
da Arquitetura Clássica.
A estética da máquina de morar, por razões funcionais, segundo
Warchavchik, é o que resulta na beleza, naturalmente. No caso
da Casa da rua Santa Cruz, como citado, alguns elementos não
foram naturais, mas forçados para se obter o resultado formal.
Além da visível inspiração nos conceitos de Le Corbusier, divulgados
em L’esprit Noveau, vemos também uma relação com passagens
do livro Internationale Architektur, de Walter Gropius (1883-1969),
originalmente escrito em 1924, que tratava de uma defesa do
Movimento Moderno numa apologia dos novos tempos.
Simetria x Equilibrio: Ao traçar os eixos principais, se nota a porta de entra
da centralizada, proporcionando a perfeita simetria na fachada, mas não
na planta.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
80
Outras relações sobre a composição da Casa da rua Santa Cruz
podem ser observadas, a partir dos conceitos abordados pelos
autores Pause & Clark.
A iluminação natural se dá pelo número de aberturas e pelo
tamanho delas. Além disso, os recuos são bastante importantes, e
neste caso, bastante generosos.
Sobre a circulação, podemos identificar espaços integrados como
o estar e o jantar e a relação entre interior e exterior, que se
pelas aberturas que dão acesso ao jardim. No andar superior, o
espaço é organizado a partir de um núcleo (hall).
Circulação x espaço-uso
Iluminação natural
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
81
Os ambientes são constituídos de grandes e pequenos retângulos,
que formam a composição. Uma forte relação entre Estas formas
geométricas, tanto em planta quanto na fachada.
Esses quadrados e retângulos são as unidades, que estão contidas
no conjunto. A unidade é uma entidade identificada pertencente ao
edifício. Nesse caso, se apresentam de maneira espacial e formal.
Repetitivo x Singular Unidade x Conjunto
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
82
Geometria
Foi traçada uma malha imaginária de acordo com as áreas compartimentadas,
onde estão absorvidos os pilares. Geometria extremamente rígida.
Adição e subrtação
O processo de subtração aplicado sobre o volume preestabelecido. São
retiradas algumas partes, mantendo-se a percepção virtual do prisma
original.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
83
Segundo o manifesto de Warchavchik de 1925, a utilização de
elementos industrializados é um dos pontos fundamentais, porém
a industrialização brasileira da época, não acompanhava as
exigências da nova arquitetura. O resultado é contraditório porque
se tinha que produzir elementos de forma artesanal, indo contra
o caráter econômico, um dos principais da Arquitetura Moderna.
Com relação ao mobiliário, que foi projetado pelo arquiteto, o
paradoxo se repete. Não existiam no mercado brasileiro elementos
que atendessem à sua demanda, então tudo foi executado em sua
oficina.
Também por não haver materiais disponíveis no mercado, não
foi executada a laje plana. Para dar a impressão deste tipo de
cobertura, foi usado o artifício da platibanda cobrindo o telhado
de telhas coloniais.
Massa
A composição é univolumétrica, tendo apenas um volume como elemento
principal.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
84
É possível verificar o princípio de horizontalidade em mestres
pioneiros da Arquitetura Moderna, como Mies Van der Rohe
(Pavilhão de Barcelona, 1929) e Frank Lloyd Wright (Casa da
Cascata, 1935).
O modernismo, enquanto adaptação ao clima e aos costumes
do lugar e o uso de materiais disponíveis é discutível. Conceitos
internacionais foram trazidos por Warchavchik e foram impostos
a uma sociedade ignorante em relação às novas idéias, usando
técnicas e materiais ainda não encontrados no mercado.
A contradição entre estilo e não estilo resulta na operação estética
como estilo. Warchavchik deixa de pensar num estilo para aplicar
outro. Pode não ter sido esta a sua intenção, mas o que aparece
como resultado é isso, a luta por um novo estilo, um novo modo de
projetar.
1 Pavilhão de Barcelona, Mies van der Rohe: www.greatbuildings.com.br;
2 Casa da cascata, Frank Lioyd Wright, 1935: www.peterbeers.net.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
85
Vista da esquina
Fachada lateral
Detalhe da fachada
Marquise de acesso
3.1.6 Situação atual
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
86
Acesso jardim
Fachada principal
Acesso lateral
Grade de proteção
Porta principal
Escada marinheiro
Estado atual: protegida pelo IPHAN
(Instituto Histórico e Artístico Nacional)
desde 1986. Projeto de restauro em
andamento, porém muito lento.
Fotos tiradas no local, 2008.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
87
Casa da rua MELO aLVEs: 1929
3.2. 1929: A Casa da rua Melo Alves
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
88
3.2.1 Ficha Técnica
CASA RUA MELO ALVES
Local Jardins, São Paulo, SP
Endereço rua Melo Alves, 106
Proprietário Max Graf
Início do projeto 1928
Obra concluída 1929
Área do terreno 295,88 m
2
Área construída 147,04 m
2
Número de pavimentos 2
Arquitetura, interiores e mobiliário Gregori Warchavchik
Paisagismo Mina Klabin
1930: mapa sara br-a3 Guia de ruas: www.maplink.com.br Mapa atual: www.googleearth.com.br
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
89
Implantação: desenho a partir da planta
3.2.2 Material gráfico
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
90
Planta térrea: Alberto Sartoris, 1932.
Planta primeiro andar: Alberto
Sartoris, 1932.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
91
Corte A-B: acervo Warchavchik. Corte C-D: acervo Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
92
1 Fachada principal: Alberto Sartoris, 1932; 2 Fachada posterior: Alberto
Sartoris, 1932.
1 Vista do fundo do jardim: Geraldo Ferraz, 1965; 2 Vista da esquina:
Geraldo Ferraz, 1965.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
93
3.2.3 Memorial descritivo
MEMORIAL DESCRIPTIVO
Para a construção de uma casa de propriedade do Snr. Max
Graf, à rua dr. Mello Alves N˚106 (antigo 76).
ALICERCES – em concreto de pedregulho e cimento.
PAREDES alvenaria de tijollos assentes com algamassa de cal
e areia.
REVESTIMENTO interna e externamente as paredes serão
revestidas de cal e areia.
COBERTURA – telhas de barro sobre madeiramento de peroba.
SOALHOS taboas estreitas de peroba sobre madeiramento da
mesma madeira.
ALTURAS – pavimento térreo 2,80 – andares 3 metros.
ESQUADRIAS – portas e janelas de cedro, os quartos de dormir
serão providos de venezianas.
CAMADA ISOLADORA constituida de trez fiadas de tijollos
assentes com algamassa de cimento, as paredes tanto interna
como externamente n’uma faixa de 0,30cms. serão cimentadas.
COSINHA E BANHEIRO – com pizo revestido de ladrilhos
ceramicos assentes sobre pavimento de cimento armado, no
redor das paredes leva uma barra de olio impermeavel até a
altura de 150 cms.
Memorial descritivo: arquivo municipal da prefeitura.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
94
3.2.4 Publicações
1 Vista do fundo do jardim: Geraldo Ferraz, 1965; 2 Vista da esquina:
Geraldo Ferraz, 1965.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
95
“Arquitetura do Século XX” foi uma série de artigos, feita sob
encomenda do jornal Correio Paulistano durante os últimos meses
de 1928 e dedica a apresentar a visão do arquiteto Gregori
Warchavchik sobre os ideais da Arquitetura Moderna. Foram oito
meses de polêmica discussão em torno da arte renovadora. De
um lado, os artigos de Warchavchik e de outro, a contestação de
Dácio de Moraes.
Nesta edição da Revista Vanitas, foi publicado somente um
destes artigos, “Passadistas e Futuristas”. Parte deles foi transcritos e
analisados por Agnaldo Farias em sua Dissertação de Mestrado
(1990) e posteriormente publicada na Revista Oculum nº2 (1992).
Todos os artigos foram publicados, na íntegra, no livro organizado
por Carlos Martins (2006).
Este artigo traz para o público a ênfase que Warchavchik faz em
relação a construir, fazer arquitetura, de acordo com a época em
que se vive.
Nesta tentativa arrojada, de destruir, primeiro, o velho conceito
arquitetônico, e de criar depois, o conceito novo, aquele que de
dar a plenitude da expressão do nosso tempo, da nossa alma, da
nossa cultura, com todos os seus maravilhosos defeitos, conjugamos
os nossos esforços, porque somos jovens. Pode ser que estejamos
errados. Uma coisa, porém, se sabe desde já: nada, do passado,
poderá predominar no futuro; o futuro é daqueles que marcham, não
dos que se embalam ao som da marcha nebre das idades mortas.
Gregori Warchavchik
Revista Vanitas, março, 1930 - São Paulo: acervo Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
96
A Revista Forma publica este artigo, mostrando fotos das residências
do sr. Candido da Silva e a da rua Melo Alves. Faz referência à
nova corrente européia, na qual está integrado o arquiteto Gregori
Warchavchik. Elementos geométricos simples e puros fazem parte
do gosto e do conforto da vida moderna.
Felizmente hoje na Europa uma corrente muito forte que se esforça
por adaptar a arte de construcção ao padrão da vida moderna.
Para esses artistas que vivem bem o seu tempo a architectura deixou
de ser o baile de mascaras dos estylos desuetos oh tão poéticos!
Architectura é construcção desenvolvendo-se bem logicamente de
dentro para fora, a fachada é apenas conseqüência do plano de
distribuição interior e resultará bella se aquelle plano houver sido
bem resolvido. Essa architectura nova se caracteriza pelo desprezo
absoluto de preconceito decorativo. Ella está na realidade criando
o estylo da nossa época, valendo-se dos materiais novos, ferro,
cimento, vidro aproveitados, com outra largueza de vista e como
o permite o immenso progresso da technica industrial; satisfazendo
as necessidades de simplificação, lógica, hygiene e economia em
que se funda o espírito esportivo do mundo moderno.
Revista Forma nº1, setembro, 1930 - Rio de Janeiro: acervo Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
97
3.2.5 Análise
Moradia para uma pequena família. A Casa da rua Melo Alves foi
construída no mesmo período da Casa da rua Santa Cruz. Nesta
construção, se apresentam elementos que se aproximam mais
dos pressupostos modernos, como a laje plana, que na residência
anterior ainda não havia sido possível realizar, tecnicamente.
Geraldo Ferraz, ao descrever a residência para uma pequena
família, conta que Max Graf foi o primeiro cliente a aceitar o novo
estilo para a sua moradia.
Nas suas dificuldades para conseguir a aprovação das plantas
e das fachadas por parte dos censores da prefeitura, o arquiteto,
de novo, se viu obrigado a apresentar nos desenhos as fachadas
ligeiramente camufladas, como se vê no desenho. Depois de pronta
a obra, vindo os fiscais reclamar contra a discordância que se
verificava, Warchavchik declarou tristemente: que tendo o dinheiro
do dono da casa acabado, não lhe fora possível executar os
enfeites que o projeto especificava.
60
Le Corbusier, quando esteve no Brasil em 1929, visitou as obras de
Warchavchik em São Paulo. Sobre a Casa da rua Melo Alves, estas
foram as impressões descritas por Geraldo Ferraz, no periódico
Diário da Noite, em 22 de novembro deste ano:
60 FERRAZ, Geraldo. Warchavchik e a Introdução da Nova Arquitetura no Brasil: 1925 a 1940. São
Paulo: Museu de Arte,1965. p. 69.
Le Corbusier e os que acompanham rondam a casa branca e
vermelha, no meio do jardim. Le Corbusier admirou o conjunto
de linhas e planos, porque todo o conjunto é de uma unidade
excepcional, realçada pelo verde da vegetação. A cor vermelha
no branco agrada muito ao polemista de “L’esprit Noveau”. Ele
acha que o proprietário da casa deve possuir cultura bastante para
aceitar tantas inovações arquitetônicas como as que constata.
61
61 FERRAZ, Geraldo. Warchavchik e a Introdução da Nova Arquitetura no Brasil: 1925 a 1940. São
Paulo: Museu de Arte,1965. p. 91.
Desenho da fachada principal: Geraldo Ferraz, 1965.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
98
Segundo Bruand, a partir do projeto desta casa, o estilo de
Warchavchik estava realmente definido:
[...] empregou decididamente o concreto armado, tendo substituído
a varanda por uma audaciosa marquise, em projeção sobre a
fachada; suas grandes dimensões criavam um lugar de repouso e
sombra, propiciando para os moradores o desfrute do vasto jardim
que circundava a casa. Era um prédio pequeno mas concebido
com perfeição, baseado num programa rigorosamente lógico. A
unidade de estilo era total, não havendo desta vez nenhuma
influência visível da arquitetura do passado; a pureza dos volumes
prismáticos, o culto ao ângulo reto e a ausência de ornamentação,
característicos da fachada principal da Casa da rua Santa Cruz,
eram aqui encontrados com o mesmo rigor, mas somados a novas
pesquisas plásticas: a simetria e o tratamento num único plano, que
predominavam na obra anterior, foram substituídos por uma certa
preocupação com o jogo de planos e volumes na disposição dos
diversos elementos; resultava daí um ritmo reforçado pelo contraste
das persianas vermelhas com o branco das paredes e o verde do
jardim circundante.
62
A simetria,nero de equibrio, aborda o emprego de unidades
iguais aos dois lados de uma reta implícita. Neste caso, o corpo
principal é simétrico; o dos fundos, assimétrico e a marquise
frontal, sem simetria porém equilibrada.
62 FERRAZ, Geraldo. Warchavchik e a Introdução da Nova Arquitetura no Brasil: 1925 a 1940. São
Paulo: Museu de Arte,1965. p. 91.
simetriaxequilibrio
COZINHA
LIVING
TERRAÇO
JANTAR
A
B
W.C.
Simetria x Equilíbrio
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
99
É nessa passagem do clássico para o moderno que a igualdade se
torna equivalência; a simetria, equilíbrio e a hierarquia, classificação.
Segundo Agnaldo Farias: “A nova harmonia alcançada deixa para
trás as vozes de regras de equilíbrio superadas, baseadas no princípio
do equilíbrio estável e da hierarquia rigorosa das partes”.
63
Agnaldo Farias concorda com Bruand no aspecto de que na Casa da
rua Melo Alves, os valores da Arquitetura Moderna estão expostos com
muito mais clareza, não apresentando as ambiquidades apontadas
na casa anterior, resultando numa concepção lógica-racional.
Nela acontece a adoção inequívoca da linguagem abstrata,
desaparecendo, em contrapartida, qualquer vestígio de elementos
figurativos, como os que ainda pairavam na Casa da rua Santa
Cruz. O motivo adotado é o cubo, na sua qualidade de sólido
geométrico puro, constituído por linhas elementares, e que aqui
acomoda de forma funcional e rigorosa todas as atividades
concernentes a uma residência de porte médio.
64
63 BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1982. p. 68.
64 FARIAS, Agnaldo Aricê Caldas. “A arquitetura Eclipsada Notas sobre historia e arquitetura a
propósito da obra de Gregori Warchavchik, introdutor da arquitetura moderna no Brasil” – Dissertação
de mestrado Universidade Estadual de Campinas, 1990. p. 210.
geometria
COZINHA
LIVING
TERRAÇO
JANTAR
A
B
W.C.
massa
Massa
Geometria
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
100
Em relação à implantação, é possível perceber caráter dinâmico
com o exterior através das aberturas e da relação com o terreno e
o volume ao fundo.
A forma é funcional e rigorosa cubo, forma geométrica simples
e estática mas apresenta elementos que sugerem movimento. O
cubo é dividido em quatro partes iguais.
As janelas são aberturas e as paredes são planos a função dos
elementos têm significado estético; corredores suprimidos para
aproveitamento do espaço.
Em São Paulo, no quinzenário “Terra Roxa e outras Terras”, (17 de
setembro de 1926) que pertencia ao grupo dos remanescentes da
Semana de Arte Moderna de 1922, entre os quais Mário e Oswald
de Andrade, Warchavchik publica, em forma de entrevista, as suas
idéias sobre arquitetura.
O texto introdutório apresenta o “distinto engenheiro russo” que
concede tal entrevista para explicar sobre a renovação estética,
dada profunda confusão que reinava entre os arquitetos.
Os princípios da grande indústria, baseados no elemento lógico,
como portas e janelas padrão ajudam o arquiteto a criar o futuro do
nosso tempo. De acordo com Warchavchik, “a beleza da fachada
tem que resultar da racionalidade do plano da disposição interior,
como a forma da máquina é determinada pelo mecanismo, que é
a sua alma.”
65
65 FARIAS, Agnaldo Aricê Caldas. “A arquitetura Eclipsada Notas sobre historia e arquitetura a
planta/corte/elevação
QUARTO
QUARTOQUARTO
BANHO
TERRAÇO
A
B
circulaçãoxespaço-uso
QUARTO
QUARTOQUARTO
BANHO
TERRAÇO
A
B
COZINHA
LIVING
TERRAÇO
JANTAR
A
B
W.C.
Planta/corte/elevação Circulação x Espaço-uso
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
101
Podemos relacionar os conceitos apresentados por Warchavchik
com a idéia de Frampton sobre “racionalismo estrutural”, que inclui
três aspectos principais relacionados entre si: a expressão da época
em que vivemos através da arquitetura; a estética da máquina e
uma visão racionalista da história da arquitetura.
A estética da máquina e a negação dos estilos históricos a favor do
modelo industrial foram conceitos pregados por Le Corbusier, em “Vers
une architecture”, publicado em 1923.
A Casa da rua Melo Alves se apresenta de maneira mais
condizente com os pressupostos discursados por Warchavchik. A
planta já não é prejudicada por conta de fazer uma bela fachada,
mas ainda não é um exemplo de planta totalmente livre.
Segundo Warchavchik, quando analisamos o equilíbrio, a perfeição
e a eterna juventude dos edifícios renascentistas, “vemos que provém
de estarem os construtores integrados em sua época e as suas obras
corresponderem exatamente às necessidades de então.”
66
A impressão que se tem ao ver o que pregava o arquiteto é que
ele anuncia as novas necessidades da época antes mesmo dos
usuários saberem do que se tratam estas.
propósito da obra de Gregori Warchavchik, introdutor da arquitetura moderna no Brasil” – Dissertação
de mestrado Universidade Estadual de Campinas, 1990. p. 210.
66 WARCHAVCHIK, Gregori. Acerca da Arquitetura Moderna. In: MARTINS, Carlos A. Ferreira. Arquitetura
do século XX e outros escritos – Gregori Warchavchik. São Paulo: Cosacnaify ,2006. p. 40.
A iluminação e a ventilação entram abundantemente na construção
moderna, em busca da saúde e da higiene, elementos fundamentais
para a vida na cidade moderna, atendendo às necessidades da
época.
iluminação natural
Iluminação natural
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
102
De acordo com a visão de Sophia Telles, como vimos anteriormente,
a preocupação de Warchavchik, naquele momento, parecia ser
unicamente estética, substituindo uma maneira de fazer fachada
por outra:
A Arquitetura Moderna que Warchavchik traz para o Brasil, logo
após a Semana de 22, constrói a Casa Modernista com o novo
conceito de solo urbano – espaço não natural, mas social. Por
isso mesmo, embora introduza a planta moderna, a generalização
do cimento armado e dos materiais industrializados, apesar de
marcar o início das formas retas, dos balcões em balanço, as
grandes aberturas, a arquitetura de Warchavchik está condenada
aqui a ser ainda uma operação estética.
67
O classicismo aparece como sentimento estético e vai aparecer
em todos os textos divulgados por Warchavchik: “Deve o moderno
arquiteto estudar os antigos não com o fito de imitá-los, mas com o
desenvolver sua capacidade estética no sentido do equilíbrio e das
medidas.”
68
Segundo Warchavchik, quando um arquiteto projeta uma casa, a
primeira coisa que leva em conta é o material que dispõe. Hoje,
existem meios novos que nos dão sugestões arquitetônicas que
não ocorreriam outrora. No passado, capitéis, colunas, folhas de
67 TELLES,Sophia. A semana de 22 – o trauma do moderno. In: Sete ensaios sobre o modernismo.
p. 20.
68 WARCHAVCHIK, Gregori. Arquitetura Brasileira. In: MARTINS, Carlos A. Ferreira. Arquitetura do
século XX e outros escritos – Gregori Warchavchik. São Paulo: Cosacnaify, 2006. p. 44.
acanto... No presente, a maior ausência possível de ornatos a fim
de diminuir o custo e resolver o uso dos equipamentos domésticos.
Na Casa da rua Melo Alves, assim como nas outras apresentadas
neste trabalho, essa questão do uso dos materiais disponíveis é bastante
apresentada na teoria, mas parece que o que ele faz é a operação
inversa, fazendo com que a instria e o mercado se adaptem às
necessidades da Arquitetura Moderna e não o contrário.
em relação à não ornamentação, o arquiteto consegue com
sucesso aplicar os seus dizeres na obra construída e nos remete mais
uma vez, à Loos com a repulsa aos ornamentos: “é imperdoável
disparate construir no maravilhoso cenário tropical do Rio de Janeiro
edifícios com pacotilha pseudo-Luís XVI”.
69
Ou quando Warchavchik afirma que: “Os que copiam cegamente um
estilo do passado sem reparar nos inconvenientes desta cópia cometem
grave erro, porque ignoram como foi que ele se elaborou”.
70
Encontramos também argumentos comuns aos do mestre Le Corbusier,
quando coloca que: “a nova habitação é uma máquina complexa
e simples a um tempo, pelos seus aperfeiçoamentos modernos, e
por isso mesmo avessa à indumentária de outras épocas em que
estes não existiam”.
71
69 WARCHAVCHIK, Gregori. Arquitetura Brasileira. In: MARTINS, Carlos A. Ferreira. Arquitetura do
século XX e outros escritos – Gregori Warchavchik. São Paulo: Cosacnaify, 2006. p. 46.
70 Ibid, p. 49.
71 Ibid, p. 43.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
103
Em “Arquitetura Brasileira”, Warchavchik aponta que quando um
arquiteto inicia o estudo de uma obra, encontra 3 problemas:
atender praticamente os fins da obra, adaptá-la ao clima e aos
costumes do lugar e observar o uso possível do material de que
dispõe para harmonizar.
Responde bem às questões do modernismo brasileiro quando
comenta sobre a importância do clima e dos costumes do país
quando se constrói uma casa:
É quase ocioso repisar a importância do clima e dos costumes do
país relativamente à construção de casas. Na França, a tonalidade
cinzenta das frontarias de pedra e a mancha negra causada pelo
telhado de ardósia são amenizadas pela vegetação que lhes fica
próxima, cuja cor é viva, alegre, mormente durante a primavera,
quando a folhagem chega a ser de um verde quase translúcido.
Entre nós, a cor das árvores é muito mais carregada, convindo pois
casas claras para chegarmos ao mesmo contraste.
72
O arquiteto revela ainda que o modernismo tenha vantagens
econômicas pela simplicidade da fachada, que facilita o conforto
e o luxo interior, valorizando assim a habitação. É conveniente se
aproveitar da generosidade da Terra, utilizando o pau-marfim, a
imbuia ou o jacarandá nas portas, tetos e lambris dos aposentos.
72 WARCHAVCHIK, Gregori. Arquitetura Brasileira. In: MARTINS, Carlos A. Ferreira. Arquitetura do
século XX e outros escritos – Gregori Warchavchik. São Paulo: Cosacnaify, 2006. p. 48.
A composição é formada por quadrados e retângulos, que se
repetem, se agregam para formar o conjunto. A disposição deles,
além da composição formal, deve ser analisada quanto ao uso e à
circulação, ou seja, como eles se relacionam entre si.
A relação repetitivo-singular impõe aos elementos espaciais e
formais atributos que os traduzem em entidades múltiplas ou
singulares. O que se leva em conta nessa relação, além das formas,
é a orientação, a situação, o contorno, a configuração, a cor, o
material e a textura.
O elemento de partida é, sem dúvida, o cubo. Outros elementos
se agregam a ele. É possível identificar quais são esses elementos
“secundários”, como a marquise, o terraço, a circulação e o WC.
Na hierarquia, eles não se apresentam como tão importantes como
o cubo, mas são elementos fundamentais para a composição das
fachadas e para estabelecer a relação entre os volumes.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
104
unidadexconjunto
QUARTO
QUARTOQUARTO
BANHO
TERRAÇO
A
B
COZINHA
LIVING
TERRAÇO
JANTAR
A
B
W.C.
repetitivoxsingular
QUARTO
QUARTOQUARTO
BANHO
TERRAÇO
A
B
COZINHA
LIVING
TERRAÇO
JANTAR
A
B
W.C.
adição e subtração
COZINHA
LIVING
TERRAÇO
JANTAR
A
B
W.C.
hierarquia
COZINHA
LIVING
TERRAÇO
JANTAR
A
B
W.C.
Unidade x Conjunto Repetitivo x Singular Adição x Subtração
Hierarquia
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
105
3.3 1930: A Casa da rua Itápolis
Casa da rua ITÁPOLIs: 1930
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
106
3.3.1 Ficha técnica
CASA RUA ITÁPOLIS
Local Pacaembu, São Paulo, SP
Endereço rua Itápolis, 961
Obra concluída 1930
Área do terreno 497,56 m
2
Área construída 182,22 m
2
Número de pavimentos 2
Arquitetura, interiores e mobiliário Gregori Warchavchik
Paisagismo Mina Klabin
1930: mapa sara br-a3 Guia de ruas: www.maplink.com.br Mapa atual: www.googleearth.com.br
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
107
RUAÿITÁPOLIS
3.3.2 Material gráfico
Implantação: desenho a partir da planta. Movimento de terra: acervo Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
108
Planta térrea: Alberto Sartoris, 1932.
Planta superior: Alberto Sartoris, 1932.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
109
Em relação ao desenho, podemos observar a força
com que representa a estrutura através das sapatas
que aparecem nos cortes.
Corte A-B: acervo Warchavchik. Corte E-F: acervo Warchavchik.
Corte G-H: acervo Warchavchik.Corte C-D: acervo Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
110
Vista da esquina: acervo Warchavchik.
Fachada posterior: acervo Warchavchik.
Fachada principal: Alberto Sartoris, 1932.
Desenho original: acervo Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
111
Sala de estar: acervo Warchavchik. Dormitório: acervo Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
112
3.3.3 Memorial descritivo
MEMORIAL DESCRIPTIVO, transcrito conforme grafia original.
Para a construcção de uma casa de propriedade do Sr. Gregori I.
Warchavchik – Rua Itápolis s/n.
TERRENO – O terreno será todo nivelado com 2 terraços na frente
e com rampa para automovel.
ALICERCES – Em concreto de pedregulho e cimento.
PAREDES Alvenaria de tijolos assentes com argamassa de cal e
areia.
REVESTIMENTO Interna e externamente as paredes serão
revestidas de cal e areia.
COBERTURA - Lajes de tijolos furados intercalados com ferro de
¼ - impermeabilizado.
SOALHOS Taboas estreitas de peroba sobre madeiramento da
mesma madeira.
ALTURAS – Pavimento terreo 2,80 – andares 3 metros.
ESQUADRIAS Portas e janellas de cedro, os quartos de dormir
serão providos de venezianas.
CAMADA ISOLADORA – Constituída de tres fiadas de tijolos
assentes com argamassa de cimento. As paredes tanto interna
como externamente n’uma faixa de 0,30 cms. serão cimentadas.
COSINHA E BANHEIRO Com piso revestido de ladrilhos
ceramicos, assentes sobre pavimento de cimento armado. Em
redor das paredes serão colocados azulejos brancos.
Memorial descritivo: acervo Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
113
3.3.4 Publicações
Essa publicação traz ao público o conhecimento da Exposição da
Casa Modernista Brasileira, na rua Itápolis. A foto que aparece
no alto da página é da Casa da rua Anhandava. O texto fala de
Gregori Warchavchik, como a figura que revolucionou o campo
da arquitetura, em São Paulo, com seus ideais modernistas e ao
mesmo tempo, preocupado com as condições locais.
Sobre a exposição, Warchavchik conta, resumidamente, como a
preparou e o que pretendia mostrar.
O Diário da Noite repetidas vezes tem tratado da architectura nova
em São Paulo, e de seu desenvolvimento, accentuado nos dois
últimos annos, com a fecunda actividade que o architecto Gregório
Warchavchik vem desdobrando em muitas dezenas de novas
construcções. A casa para residência, de Gregorio Warchavchik,
representa sempre, em cada um de seus exemplares, uma criação
cuja finalidade é resolver os múltiplos problemas da casa lógica. E
assim, desde sua primeira construção, que rompeu em São Paulo,
com os velhos moldes que o preconceito sustentava, esse architecto
tem procurado novas soluções ao complicadíssimo problema da
habitação racional, econômica e dentro dos novos rumos da
estética contemporânea. Hoje, architectura nova, victoriosa, deve
o seu triumpho, em São Paulo, em grande parte, a esse incansável
trabalhador.
Diário da Noite – fevereiro, 1930, São Paulo: acervo Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
114
Esse artigo anuncia a Exposição da Casa Modernista, como sendo
o evento mais importante do ano de 1930, artístico e social, que
junto com a Semana de Arte de 1922, se torna um marco na
história de arte moderna no país.
Tudo isso é mostrado ao olhar do visitante com a finalidade de
o fazer comprehender, entre outras coisas, quaes as immensas
possibilidades que o conforto moderno permitte no Brasil, com
os recursos ainda deficientes com que contamos aqui, e nos
aproveitando desses recursos.
Pela sua alta significação, a exposição que o sr. Gregorio
Warchavchik vae realizar representará a culminância da techinica
de construir e arrumar um ambiente despido absolutamente das
roupagens complicadas de outras épocas consentâneo, portanto,
com as novas realidades da era machinista.
Diário da Noite – março, 1930, São Paulo: acervo Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
115
Diário da Noite – abril, 1930, São Paulo: acervo Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
116
A arquitetura futurista de Warchavchik encontrava no meio
acadêmico muita rejeição. Neste artigo, Christiano das Neves
(1880-1982), arquiteto e professor, faz uma longa crítica à residência
do Pacaembú, considerando-a feia e sem arte. Muito bem escrito,
se refere à beleza e às necessidades de nossa época de maneira
completamente oposta às crenças de Gregori Warchavchik, que se
baseava na simplicidade dos materiais e na funcionalidade e que
isso, naturalmente, tornaria o edifício belo.
Como architecto e professor da mal comprehendida arte architectonica
no Brasil, protestamos vehementemente que se qualifique como
obra de architectura as taes machinas de habitar”, semsaboronas
e feias, atarracadas e banaes, que, permanentemente, affligirão os
nossos olhos.
A machina de habitar do Pacaembu é uma nota dissonante do
aristocrático bairro que a Cia City nos presenteou. Esta benemérita
empresa que traçou com tanta arte o lindo arrabalde obriga os
proprietários a cumprirem umas tantas e justas exigências nas
construcções.
É inconcebível que tenha permittido a edificação da “casa mechanica”
que, externamente é um monstrengo.
Christiano das Neves
Diário da São Paulo – abril, 1930, São Paulo: acervo Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
117
Em resposta às críticas de Christiano das Neves à sua arquitetura e
à sua pessoa, presentes no artigo anterior “A machina de habitar do
Pacaembu” e um outro, “Architectura e Futurismo”, publicado dois
dias antes, Warchavchik se defende educadamente, explicitando a
falta de ética do colega.
Como architecto e professor da mal comprehendida arte Com este
seu methodo de fazer critica, o illustre sr. se eliminou por si mesmo das
fileiras dos críticos imparciaes e independentes, e como o referido
senhor (isto é do domínio público) não estudou architectura em
nenhuma das grandes academias de Bellas Artes que tenha prestigio
nos meios profissionaes, não lhe reconheço, em absoluto, autoridade
para fazer crítica, mesmo do ponto de vista puramente acadêmico.
Gregori Warchavchik
Architecto e professor pelo Real Instituto Superior de Bellas Artes de
Roma, conforme diplomas registrados na Secretaria de Agricultura
desta cidade, “Fls. 103 a 107 e 107 a 109 v. do livro 4”. Membro
do Instituto de Engenharia de São Paulo. Ex membro da Sociedade
de Architectos da Companhia Construtora de Santos. Cidadão
brasileiro pelo artigo 69, paragrapho 5 da Constituição da
República dos Estados Unidos do Brasil.
Diário da São Paulo – abril, 1930, São Paulo:
acervo Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
118
Capa da revista Movimento Brasileiro – julho, 1930, Rio de Janeiro:
acervo Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
119
Como toda polêmica, existem os contras e os prós. Nesse artigo
para a revista Mundo Ilustrado, Mario Longo, que parecia nem
saber escrever o nome de Gregori Warchavchik, elogia o arquiteto,
colocando-o como precursor da Arquitetura Moderna no país. Faz
uma breve explicação da situação completamente desordenada
que se encontrava a nossa arquitetura naquela época, com todos
os estilos trazidos pelos imigrantes de diversos lugares diferentes.
E diz que Warchavchik surgiu como figura surpreendente para
maravilhar a cidade com suas obras magníficas.
Jovem, cheio de talento, olhando a arte com pureza, Warchawchick,
senhor de um perfeito entendimento da technica de Le Corbusier, à
maneira do que se faz na Rússia, na Allemanha e na América do
Norte, começou a surpreender e a maravilhar a cidade com suas
creações magníficas.
Fez a arte pura. A architectura sem complicações e sem tortura, sem
estylisação.
Promoveu uma exposição dos seus talentos.
Revolucionou.
Tirou às janellas a antiga forma vertical. Destruiu os enfeites.
Aboliu os elementos supérfluos. Fez, emfim, da casa uma cousa
útil, simples, directa, primitiva, pura, recta, com uma expressão
brasileira, cheia de luz.
Mundo Ilustrado – março, 1931, Rio de Janeiro: acervo Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
120
Étant destinée à recevoir um locataire aprés l’exposition, celle
maison fut bâtie d’après um plan convenant à une petite famille
plutôt modeste. Elle contient trois chambres, une salle à manger et
um “living room”. La salle à manger a des boiseries d’un beau bois
brun poli, des rideaux de la même couleur el des meubles noirs. Le
crépi de la maison est d’un blane ivoire brillant, gracê à l’addition de
parcelles de mica; les fenêtres el les persiennes sont d’um vert mat.
Revista Cahiers d’Art nº2 – 1931, Paris: acervo Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
121
3.3.5 Análise
A Casa da rua Itápolis, contriída em 1929, ficou conhecida como
Casa Modernista.
Estimulado pelo reconhecimento profissional e pelos avanços
tecnológicos, Warchavchik constrói uma casa que não havia
sido encomendada por ninguém. Faz dela um laboratório, onde
consegue alcançar plenamente seus objetivos, ainda não atingidos
em sua primeira casa.
Mais de 20.000 pessoas foram visitar a casa do Pacaembú na
primeira exposão de arte moderna ocorrida no Brasil. Segundo
Geraldo Ferraz, esse acontecimento permitiu um balanço do que se
produzia no Brasil em termos de arte moderna, desde a Semana de
Arte de 1922, pois além da produção nacional, a exposição também
apresentou objetos das vanguardas artísticas internacionais.
Participaram da exposição: Tarsila do Amaral, Lasar Segall, Anita
Malfati, Menotti del Picchia, Victor Brecheret, entre outros.
São Paulo, Pacaembu. A “Exposição de uma Casa Modernista”
26 de março a 20 de abril de 1930. A partir desta “exposição”
estava dado o grande impulso à renovação arquitetônica brasileira.
O acontecimento foi transcendente na quietude provinciana,
inaugurando uma nova fase nas preocupações da vanguarda,
tornando-se uma referência, e o complemento da revolução
assinalada pela “Semana de Arte Moderna” de 1922.
73
73 FERRAZ, Geraldo. Warchavchik e a Introdução da Nova Arquitetura no Brasil: 1925 a 1940. São
Paulo: Museu de Arte,1965. p. 85.
Fachada principal com a placa da exposição:
www.vejasaopaulo.abril.com.br.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
122
É possível estabelecer uma referência em relação à Le Corbusier,
em suas idéias apresentadas em L’Esprit Noveau, em relação
à máquina de morar”, contra o decorativismo e em busca de
argumentos funcionais e econômicos. A discussão da estética da
máquina aparece também no texto do citado autor Alan Colquhoun,
sendo esta um modelo para uma obra de arte concebida por
engenheiros. Sequem alguns conceitos de Le Corbusier em relação
à máquina, à não ornamentação e a economia, como base da
constrão funcional:
Uma casa é uma máquina de morar. Banhos, água quente, água
fria, temperatura conforme a vontade, conservação dos alimentos,
higiene, beleza pela proporção. Uma poltrona é uma máquina de
sentar [...] As jarras são máquinas de se lavar [...].
74
Os floes, as mpadas e as guirlandas, as ovais rebuscadas
onde pombas triangulares se beijam e se entre beijam, as alcovas
guarnecidas de almofadas em forma de abóboras de veludo, de
ouro e de preto, não são mais que os testemunhos insuportáveis de
um espírito morto.
75
74 LE CORBUSIER. Por Uma Arquitetura. Tradução: Ubirajara Rebouças. São Paulo: Perspectiva,
2004. p. 65.
75 Ibid, p. 61.
Que os olhos vejam: esta harmonia está aí, em função do labor
regido pela economia e considerado pela fatalidade da física.
Esta harmonia tem razões; não é o efeito de caprichos, mas o de
uma construção lógica e coerente com o mundo ambiente. [...] A
harmonia está nas obras que saem da oficina ou da usina [...] são
obras cotidianas de todo um universo que trabalha com consciência,
inteligência, precisão, imaginação, ousadia e rigor.
76
76 LE CORBUSIER. Por Uma Arquitetura. Tradução: Ubirajara Rebouças. São Paulo: Perspectiva,
2004. p. 68.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
123
Podemos fazer uma analogia em relação a alguns elementos
utilizados na Villa Stein (1927), de Le Corbusier. O volume saliente
que movimento à fachada na obra de Warchavchik tem a função
de marquise e, na de Corbusier, de acesso. As janelas apresentam
a mesma horizontalidade.
A lógica, plenamente visível, é de uma precisão matemática. Quem
aponta isso na obra de Warchavchik é Agnaldo Farias e na de
Corbusier é Colin Rowe.
A lógica, plenamente visível, é de uma precisão matemática. São
pontos dignos de nota, por exemplo, o volume saliente situado no
canto esquerdo inferior do cubo com seu “L” formado sucessivamente
pela porta de acesso, pelo lustre/caixa de ferro com vidro
opalescente e pela janela horizontal, capaz de imprimir ao olhar
um movimento tão intenso, que este se propaga conectando-se ao
plano situado logo acima que corresponde à janela que tem a
função de iluminar a escada interior e termina colidindo com o
beiral, empurrando-o até o ponto de romper a linearidade da sua
aresta e lhe criar um plano recortado.
77
77 FARIAS, Agnaldo Aricê Caldas. “A arquitetura Eclipsada Notas sobre historia e arquitetura a
propósito da obra de Gregori Warchavchik, introdutor da arquitetura moderna no Brasil” – Dissertação
de mestrado Universidade Estadual de Campinas, 1990. p. 213.
1 Fachada principal da Casa da rua Itápolis:
acervo Warchavchik
;
2 Fachada principal da Villa Stein, 1927: www.picasaweb.google.com.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
124
[…] the primary demonstrations of the mathematical discipline;”
at Garches, for example, Le Corbusier “carefully indicates his
relationships by an apparatus of regulating lines and figures and
by placing on the drawings of his elevations the ratio of the golden
section, A:B=B:(A+B).
78
A forma da Casa da rua Itápolis aparece como um cubo, elemento
articulador da construção com elementos de dinamização os
planos horizontais. O cubo é dividido em quatro partes iguais.
A função se apresenta através da planta funcional e econômica
completa harmonia entre disposição interior e fachada; redução
das áreas de passagem (corredores).
Em relação à técnica, é utilizada a laje plana e planos em balanço,
que são os volumes marcantes da composição.
É possível perceber o abandono total das regras clássicas de total
simetria entre as partes.
Não se tem a pretensão de uma arquitetura de raízes puramente
brasileiras, não havendo elementos tradicionais, exceto o jardim
projetado por Mina Klabin, que utiliza espécies nacionais. Cria-se
uma nova concepção do que é adequado à época e ao lugar.
78 Rowe, Colin. “The Mathematics of the Ideal Villa: Palladio and Le Corbusier compared,” In: The
Mathematics of the Ideal Villa and Other Essays. Cambridge: MIT Press, 1976.
massa
C
D
A
B
DORM. DORM.
DORM.
CORREDOR
BANHO
TERRAÇO
TERRAÇO
TERRAÇO
D
planta/corte/elevação
C
D
A
B
DORM. DORM.
DORM.
CORREDOR
BANHO
TERRAÇO
TERRAÇO
TERRAÇO
D
planta/corte/elevação
Massa
Planta/corte/eleveção
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
125
Publicado no Correio Paulistano, em 5 de agosto de 1928,
“Decadência e Renascimento da Arquitetura” de Gregori Warchavchik,
fala sobre a incapacidade dos arquitetos compreenderem as
possibilidades surgidas no século XIX e, por conseqüência, o erro de
utilizar a nova técnica e os novos materiais para copiar dos exemplos
do passado aquilo que era secundário, o ornamento.
Neste texto, novamente destaco o pressuposto estético fundamental,
ligado ao progresso, o racionalismo à técnica e o modernismo às
questões de adaptabilidade. o estilo aparece como tal, se fala
de um estilo universal quando em outros textos se falava que este
conceito não deveria ser considerado.
Para o autor, uma arquitetura européia, uma sul-americana, outra
americana. Todas juntas formarão o estilo mundial, para não dizer
internacional.
[...] criado pelas mesmas exigências da vida, pelo material
idêntico usado para a construção, o concreto, o ferro, o vidro.
Aliás, construindo pelas mesmas leis da mecânica, da estática, da
ótica, da acústica, leis estas todas universais, usando do concreto,
do ferro e do vidro, seremos obrigados a formas todas científicas,
das quais não será possível libertar-nos e que serão as mesmas
para todos os países do mundo.
79
79 WARCHAVCHIK, Gregori. Decadência e Renascimento da Arquitetura. In: MARTINS, Carlos A. Ferreira.
Arquitetura do século XX e outros escritos Gregori Warchavchik. São Paulo: Cosacnaify, 2006.
p. 59.
Fazer desta arquitetura uma arquitetura regional, própria ao lugar
e de absoluto conforto e beleza dá origem ao modernismo.
Os arquitetos da nova geração, procurando ardentemente a verdade,
procurando o contato com a terra, procurando compreender as
exigências da vida de hoje, aprendendo a usar materiais novos,
e aproveitando-se das possibilidades de uma nova técnica (com
as quais as gerações passadas nem teriam ousado sonhar), estão
criando a arquitetura nova.
80
Essas diferenças, em relação ao clima e aos costumes, nos faz
voltar à Frampton (1980), em sua definição de regionalismo crítico,
que leva em conta o território aonde a obra é construída, tornando
a Arquitetura Moderna a mais regional possível.
A Casa da rua Itápolis pode ser considerada um aperfeiçoamento
da anterior, em menor escala, a da rua Melo Alves. Importante
ressaltar que, mais uma vez, Warchavchik era seu próprio cliente
neste projeto e isso possibilitou executar tudo da maneira que ele
acreditava, transformando o espaço em local de exposição para
mostrar ao público a arte e a Arquitetura Moderna.
80 WARCHAVCHIK, Gregori. Decadência e Renascimento da Arquitetura. In: MARTINS, Carlos A. Ferreira.
Arquitetura do século XX e outros escritos Gregori Warchavchik. São Paulo: Cosacnaify, 2006.
p. 59.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
126
Seguem algumas outras descrições em relação aos princípios de
composição e da técnica utilizada na Casa da rua Itápolis:
[...] acentuou-se o caráter plástico, sem afetar a austeridade do
conjunto: o tema da grande marquise, formada por duas lajes de
concreto armado (uma horizontal, outra vertical), foi retomado na
casa modernista de São Paulo [...].
81
[...] Nessa casa ele agrega à fachada dois grandes planos/varandas/
coberturas, e cria uma série de dispositivos formais que proporcionam
lateralidades, evidenciam a composição pictural de retângulos e
quadrados diferenciados pelas sombras que proporcionam, ou
mesmo, caso das janelas frontais, pela inflexão dos planos que
as compõe -, além de alternar sucessivamente os cheios e vazios
de formatos díspares entre si, etc. O trato e a investigação desses
elementos faz com que o arquiteto depure ainda mais sua poética
copulativa entre máquina e arquitetura.
82
81 BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1982. p. 70.
82 FARIAS, Agnaldo Aricê Caldas. “A arquitetura Eclipsada Notas sobre historia e arquitetura a
propósito da obra de Gregori Warchavchik, introdutor da arquitetura moderna no Brasil” – Dissertação
de mestrado Universidade Estadual de Campinas, 1990. p. 212.
geometria
C
D
A
B
JANTAR
HALL
COZINHA
W.C.
LIVING
COPA
TERRAÇO COBERTO
S
Geometria
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
127
A quantidade, a qualidade e a intensidade da luz influenciam
em como se percebem a massa e o volume. Alguns elementos
projetam sombra na fachada, trazendo diferentes efeitos conforme
a intensidade e o movimento da luz, conforme as horas do dia.
A hierarquia se dá pelas figuras geométricas justapostas ao volume
predominante. As marquises e os terraços fazem o papel secundário,
mas são fundamentais para o jogo de volumes que faz, da fachada,
uma composição dinâmica.
Nesta casa, podemos notar um equilíbrio entre as partes, mas não
uma simetria rígida.
iluminação natural
hierarquia
C
D
A
B
JANTAR
HALL
COZINHA
W.C.
LIVING
COPA
TERRAÇO COBERTO
S
simetriaxequilibrio
C
D
A
B
JANTAR
HALL
COZINHA
W.C.
LIVING
COPA
TERRAÇO COBERTO
S
simetriaxequilibrio
C
D
A
B
JANTAR
HALL
COZINHA
W.C.
LIVING
COPA
TERRAÇO COBERTO
S
Iluminação natural
Hierarquia
Simetria x Equilíbrio
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
128
A utilização do quadrilátero como gerador formal, resultando em
prismas assentados diretamente sobre o solo, é o principal elemento
de composição.
Os elementos são os quadrados e retângulos que se compõem de
maneira a cumprir o papel de elementos ordenadores, determinando
o posicionamento das áreas compartimentadas ou de elementos
estruturais.
Esse conjunto nos diferentes perspectivas, conforme o ângulo de
visão, ao adentrar pela casa e fora da casa – princípio do cubismo.
unidadexconjunto
C
D
A
B
JANTAR
HALL
COZINHA
W.C.
LIVING
COPA
TERRAÇO COBERTO
S
C
D
A
B
DORM. DORM.
DORM.
CORREDOR
BANHO
TERRAÇO
TERRAÇO
TERRAÇO
D
repetitivoxsingular
C
D
A
B
JANTAR
HALL
COZINHA
W.C.
LIVING
COPA
TERRAÇO COBERTO
S
C
D
A
B
DORM. DORM.
DORM.
CORREDOR
BANHO
TERRAÇO
TERRAÇO
TERRAÇO
D
Unidade x Conjunto Repetitivo x Singular
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
129
O processo de anexação de formas construídas cria a composição;
o retângulo subtraído da planta baixa não foi reincorporado em
outra parte.
A circulação, em ambos os pavimentos, se a partir de um núcleo
central. Duas aberturas, a entrada principal e o acesso ao jardim
pelo terraço da sala, marcam a relação interior-exterior.
adição e subtração
C
D
A
B
JANTAR
HALL
COZINHA
W.C.
LIVING
COPA
TERRAÇO COBERTO
S
adição e subtração
C
D
A
B
JANTAR
HALL
COZINHA
W.C.
LIVING
COPA
TERRAÇO COBERTO
S
circulaçãoxespaço-uso
C
D
A
B
JANTAR
HALL
COZINHA
W.C.
LIVING
COPA
TERRAÇO COBERTO
S
C
D
A
B
DORM. DORM .
DORM.
CORREDOR
BANHO
TERRAÇO
TERRAÇO
TERRAÇO
D
Adição x Subtração Cinculação x Espaço-uso
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
130
Fachada principal
Acesso ao jardim, fundos
Fachada posterior
Terraço superior, visto de baixo
3.3.6 Situação atual
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
131
Sala de estar
Armário cozinha
Caixilho – sala de jantar – para o jardim
Vista da sala de estar desde a sala de jantar
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
132
Arandela externa
Caixilho – escada
Arandela interna
Porta de acesso aos dormitórios
Caixilho – sala de estar Porta lateral
Fachada posterior
Estado atual: protegida pelo IPHAN
(Instituto Histórico e Artístico Nacional)
desde 1986. Projeto de restauro em
andamento, porém muito lento.
Fotos tiradas no local, 2008.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
133
3.4 1930: A Casa da rua Bahia
Casa da rua BaHIa: 1930
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
134
3.4.1 Ficha técnica
Casa rua BaHIa
Local Pacaembu, São Paulo, SP
Endereço rua Bahia, 114
Proprietário Luiz da Silva Prado
Obra concluída 1930
Área do terreno 714,29 m
2
Área construída 413,67 m
2
Número de pavimentos 4
Arquitetura, interiores e mobiliário Gregori Warchavchik
Paisagismo Mina Klabin
1930: mapa sara br-a3 Guia de ruas: www.maplink.com.br Mapa atual: www.googleearth.com.br
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
135
3.4.2 Material gráfico
Implantação: acervo Warchavchik.Desenho isométrico: acervo Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
136
Planta subsolo: acervo Warchavchik.
Planta térrea: acervo Warchavchik.
Planta primeiro andar: acervo Warchavchik.
Planta segundo andar: acervo Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
137
Corte A-B: acervo Warchavchik.
Corte C-D: acervo Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
138
Fachada principal: Alberto Sartoris, 1932. Fachada principal: acervo Warchavchik.
Fachada posterior: Alberto Sartoris, 1932. Fachada posterior: acervo Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
139
Vista interna: acervo Warchavchik. Vista interna: acervo Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
140
Imagens da casa em construção: acervo Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
141
Revista Forma – dezembro-janeiro, 1930-31, Rio de Janeiro: acervo
Warchavchik.
3.4.3 Publicações
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
142
Gregori Warchavchik é entrevistado pelo Diário da Noite para
falar sobre a resolução do Prefeito Anhaia Mello, a censura das
fachadas. Ao introduzir o entrevistado, o periódico lembra que este
foi o responsável pela renovação da arquitetura em São Paulo, se
referindo à exposição da “Casa Modernista”, que ocorrera um
ano antes.
As determinações do prefeito Anhaia Mello hoje publicadas,
referentemente à parte esthetica-architectonica de São Paulo merecem,
pelas intenções que as dictaram, os melhore applausos. A iniciativa
em si muito eleva o conceito em que é tido o illustre urbanista que
São Paulo tem à frente de sua administração.
Entretanto, as circumstancias que hão de cercar a realização dos
trabalhos da comissão que irá controlar a esthetica architectonica,
não promettem, segundo meu ponto de vista, uma fiel execução
das puras intenções que inspiraram as referidas determinações.
Como generalidade primeira no assumpto eu penso que o estylo
deve ser absolutamente livre.
Gregori Warchavchik
Diário da Noite – janeiro, 1931, São Paulo : acervo Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
143
A revista Para Todos publica um artigo sobre a arquitetura contemporânea
em São Paulo, colocando a cidade como metrópole moderna e
grande centro de comércio e indústria. Como exemplo do progresso
e da evolução arquitetônica, mostra fotos da Casa da rua Bahia,
entre outras obras de Warchavchik.
Metrópole moderna e o maior centro de commercio e industria
mundial em sua altitude, não podia porém, a bizarra “urbs”, quedar-se
alheia ao movimento que, em prol da architectura contemporanea,
está se agitando nos paizes mais cultos do velho e novo mundo.
Os aspectos que os nossos “clichês” põe à vista dos leitores, além
de impressionantes pela originalidade, realçam a feição nova e
differente que a moderna Piratininga offerece no quadro immenso
por onde se distende victoriosa.
Para completar a obra do architecto Warchavchik, está também a
reclamar S. Paulo um paysagista audaz que, fugindo à mesmice de
buxos e pinheiros monótonos, tivesse a coragem de recompor com
mais largueza a moldura vegetal da grande cidade, plasmando-a
com um cunho e um caracter bem diverso e actual.
Revista Para Todos – abril, 1931, Rio de Janeiro: acervo Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
144
O Diário da Noite narra o passeio dos excursionistas, que visitaram
os terrenos da Companhia City (empresa estrangeira que comprou
terrenos em vários bairros paulistanos), passando pelos bairros
Jardim América, Pinheiros, Nova Alliança e Pacaembú. Faz elogios à
Casa da rua Itápolis e considera a Casa da rua Bahia a mais bela
casa de São Paulo.
Sobre uma colina, cercada de jardins brasileiros em planos, dando, ao
longe, a impressão de um transatlântico em forma de cubo, simples, cheio
de luz e de saúde, ergue-se a casa construída pelo architecto modernista
Gragory Warchavchik, professor da Escola Nacional de Bellas Artes, do
Rio de Janeiro.
Essa residência que, por sua belleza pura, arrancou do maior dos
architectos do mundo, Le Corbusier, palavreas de enthusiasmo é, sem
favor, a mais bella casa de São Paulo.
Do jardim plantado de cactus, os excursionistas passaram a visitar o interior
da casa, onde tudo é novo. Paredes lisas, sem complicações, sem enfeites,
lustres embutidos nos tectos puros, ar em abundancia, luz em profuo, emfim
o que exige a mentalidade avaada e verdadeira que, dia a dia, vae
tomando conta do mundo.
Diário da Noite – maio,1931:
acervo Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
145
A Folha da Noite conta, assim como no artigo anterior, sobre
a visita dos excursionistas do Congresso da Habitação. Faz
uma descrição sobre a Casa da rua Bahia, colocando todas as
vantagens existentes dentro do resultado estético que apresenta a
arquitetura de Warchavchik.
uma symetria das paredes, no desenho em massa de suas linhas
sem contornos, sem devaneios da theoria architectonica, o argumento
pratico das realizações e um profundo estimulo para os instantes alegres
da existencia humana. Porque, entrando em contato raciocinado com a
natureza tropical, com a diffusão desencontrada da nossa luz solar, Gregori
Warchavchik disciplinou o exaggero das nuanças e conseguiu o tom
completo da côr. De tudo isso, seguindo uma forma de salutar simplicidade,
de uma hygienica origem de conforto, quasi que poderíamos dizer de uma
útil razão scientifica, surge a verdade reformadora de sua obra.
Folha da Noite – maio,1931,
São Paulo: acervo Warchavchik.
Folha da Noite – maio,1931,
São Paulo: acervo Warchavchik.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
146
3.4.4 Análise
A Casa da rua Bahia foi construída em concreto armado e alvenaria
e foi pintada com tinta mineral verde claro.
Dois cubos de tijolo de vidro servem de iluminação.
Pelos desenhos originais, se nota o revestimento em azulejo à meia
altura no revestimento das paredes dos banheiros.
A utilização da laje plana (terraço-jardim) foi empregada como
exemplo do uso e da técnica da nova arquitetura.
Publicado no Diário da Noite, São Paulo, 20 de dezembro de
1928, o texto “Arquitetura Nova” foi uma resposta a critica de
Dacio de Moraes aos escritos de Warchavchik sobre a Arquitetura
Nova, que lutava pelo progresso e pela vitória da arte moderna
no Brasil”.
Assim como Le Corbusier, Warchavchik teve o papel de difundir
(ou de pelo menos tentar) e disseminar conceitos da arte e da
Arquitetura Moderna. Nesse artigo, dizia fazer isso de forma segura
e madura através de suas convicções, sem atacar a oposição, mas
sem aceitar que seus escritos fossem alterados por terceiros.
O fato de não termos adotado método algum, de termos
escrito salteadamente sobre problemas econômicos, estéticos
e técnicos de arquitetura, e de termos, mesmo assim, mantido
uma orientação firme, poderia prover a todas as pessoas
de boa e de mente esclarecida, a segurança e a maturidade
das nossas convicções. Não queremos, porém, de forma
alguma, que as nossas idéias, expostas no Diário da Noite,
sejam alteradas arbitrariamente por interpretações pouco
leais.
83
Neste texto, o racionalismo e a máquina são novamente trazidos à
tona. Aparece o conceito de ser verdadeiro quanto às exigências
da funcionalidade e assim obter um resultado estético.
É verdade que existe uma estética de maquinas modernas,
tais como o automóvel, o aeroplano, etc., estética que está
subordinada ao emprego utilitário dessas máquinas, sendo de
notar, porém, que nunca se fizeram, nem se farão maquinas
que tenham a sua estrutura modificada em obediência a
qualquer lei ou princípio estético. Tudo o que é racional, na
estrutura íntima da máquina, é justamente o que lhe imprime
o cunho de beleza. Qualquer aperfeiçoamento técnico ou
cientifico traz, em conseqüência, a necessidade de uma
forma nova, e do critério de necessidade dessa forma, da
sua utilidade intrínseca, nasce, virtualmente, um sentido
estético.
84
83 WARCHAVCHIK, Gregori. Arquitetura Nova. In: MARTINS, Carlos A. Ferreira. Arquitetura do século
XX e outros escritos – Gregori Warchavchik. São Paulo: Cosacnaify, 2006. p. 154.
84 Ibid, p. 155.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
147
Defendendo a estética da máquina moderna, Warchavchik aponta
que esta nunca teria sua estrutura modificada para atender razões
estéticas e essa estrutura é justamente o que a caracteriza como bela. O
modernismo é ressaltado como pressuposto da estética fundamental,
que acompanha os passos da história.
Se depois de colocada a viga, dispusermos sobre ela colunas ou
pilares inúteis, unicamente no intuito de fazer com que o ambiente
apresente tal ou qual característica de estilo, poderá dizer-se que
o cimento armado é inerte e mentiroso.
85
Ao escrever sobre a importância de Le Corbusier, Alan Colquhoun,
cita a relação entre a engenharia e a arquitetura, sempre presente
nos seus escritos e nas suas obras. Warchavchik defende essa
mesma idéia, ao dizer que: “O arquiteto tem que ser engenheiro.
O arquiteto que não for engenheiro será apenas um decorador
ingênuo e de mau gosto.”
86
Warchavchik afirma que a beleza das máquinas nasce espontaneamente
da necessidade que há para garantir estabilidade, adencia,
resistência, etc...
As atuais máquinas de corrida, que são belas por sua
aparência esguia, com as rodas desprovidas de para-lamas,
e com o centro de gravidade baixo, dependem de cálculos
85 WARCHAVCHIK, Gregori. Arquitetura Nova. In: MARTINS, Carlos A. Ferreira. Arquitetura do século
XX e outros escritos – Gregori Warchavchik. São Paulo: Cosacnaify, 2006. p. 157.
86 Ibid, p. 158.
massa
Massa
matemáticos que são feitos para garantir a estabilidade,
a aderência ao solo, a diminuição da resistência do ar,
etc. A preocupação dos seus fabricantes não é bem a sua
estética, a sua beleza nasce espontaneamente do critério de
necessidade que há, de que as tais linhas sejam como são,
e não de outra forma qualquer.
87
Relaciona a harmonia e a beleza com a funcionalidade. A máquina,
por sua simples existência, cria um tipo de beleza e não o contrário.
Nas fábricas de automóveis, existem naturalmente desenhistas
que procuram dar formas belas a acessórios e guarnições, mas
sabem que produzem coisas belas cuja estética é resultante não
da aplicação de um estilo passado, e sim do estudo perfeito da
utilidade a que tais acessórios ou guarnições se destinam.
87 WARCHAVCHIK, Gregori. Arquitetura Nova. In: MARTINS, Carlos A. Ferreira. Arquitetura do século
XX e outros escritos – Gregori Warchavchik. São Paulo: Cosacnaify, 2006. p. 155-56.
.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
148
Daí se deduz que a máquina, por sua simples existência, cria, por
eventualidade, um tipo de beleza, mas que não é uma forma
predeterminada que orienta o fabricante na construção da máquina.
88
A Arquitetura Nova se manifesta por formas novas, como conseqüência
do pensamento e da técnica novos. Quando se constrói uma casa,
procura-se a razão de ser e isso resulta na aparência externa, de
perfeita utilidade e funcionamento e que não custe mais do que
o necessário. É possível perceber o movimento de vanguarda que
Warchavchik pretende estabelecer no território nacional através da
sua vivência na Europa e ao acesso às idéias de Le Corbusier.
Nós, modernistas, sabemos que a arte que fazemos é da nossa
época e que, portanto, tem que passar também quando os tempos
modificarem [...] num futuro que não se sabe quando virá, ao
passo que a arte velha naufragou muito tempo, graças a
inteligentíssima impiedade da história.
89
Nessa afirmação, o autor reforça, mais uma vez, que as construções
devem estar de acordo com o progresso da nossa época, argumento
que, infelizmente, permanece bastante atual nos dias de hoje.
São a consequência lógica de um pensamento mais profundo e da
técnica nova. Por exemplo: construindo uma máquina, uma casa,
88 WARCHAVCHIK, Gregori. Arquitetura Nova. In: MARTINS, Carlos A. Ferreira. Arquitetura do século
XX e outros escritos – Gregori Warchavchik. São Paulo: Cosacnaify, 2006. p. 156.
.
89 Ibid, p. 159.
uma peça de mobília, procuramos descobrir a sua razão de ser, e
deste ponto de vista lhe daremos a aparência externa.
90
Podemos dizer então que, nos discursos de Warchavchik, há
uma forte referência à Loos quanto à não ornamentação e à Le
Corbusier quanto à nova técnica, que traz nova aparência a Nova
Arquitetura: a máquina.
Os arquitetos da nova gerão, buscando compreender as
exigências da vida de hoje, usando materiais novos e aproveitando
uma nova técnica, estão criando arquitetura nova.
Sabemos hoje que a técnica encerra em si todas as possibilidades
futuras, a nova arte futura, e a nova vida futura. Mas com a condição
expressa de somente procurarmos nesta técnica o que ela nos
pode dar.
91
90 WARCHAVCHIK, Gregori. Decadência e Renascimento da Arquitetura. In: MARTINS, Carlos A. Ferreira.
Arquitetura do século XX e outros escritos Gregori Warchavchik. São Paulo: Cosacnaify, 2006.
p. 56.
91 Ibid, p. 56.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
149
A implantação da Casa da rua Bahia aproveita a declividade do
terreno para distribuir seus ambientes em quatro níveis úteis.
O fato de considerar o terreno como ponto de partida para a conceão
arquitetônica indica a definição do termo “funcionalismo”.
A forma é um bloco monolítico que se compões em um jogo de
volumes.
A técnica permite o uso da laje plana (terraço-jardim), sendo a
residência construída em concreto armado e alvenaria.
Os princípios de Le Corbusier aparecem quase que integralmente.
RUAÿBAHIA
RUAÿITÁPOLIS
Implantação: desenho a partir da planta.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
150
Os conceitos de adição e subtração, como citados, são elementos
que se validam através da inclusão e da exclusão para gerar o
conjunto. Neste caso, os terraços são os elementos de subtração.
A hierarquia é definida como a manifestação física da ordenação
por categorias classificação. As categorias podem ser relativas
à maior e menor, aberto e fechado, simples e complexo, público e
privado, sagrado e profano, servido e servidor e indivíduo e grupo.
Nesta composição, analisamos três volumes principais: o central,
que é o mais alto; o médio, da direita, que tem o terraço na
cobertura; e o mais baixo, que se abre para os fundos do terreno.
Da iluminação natural se analisa o modo e o lugar por onde penetra
no edifício. Os recuos laterais não são tão generosos, mas grandes
aberturas e terraços dão para o fundo do terreno, um jardim
escalonado de 20m de comprimento.
adição e subtração
C
D
A
B
ESTAR
HALL
COZINHA
COPA
JANTAR
VEST. W.C.
DORM.
DORM.
BANHO
HALL
TERRAÇO
C
D
A
B
hierarquia
DORM.
DORM.
BANHO
HALL
TERRAÇO
C
D
A
B
iluminação natural
Adição x Subtração
Iluminação natural
Hierarquia
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
151
As unidades podem ser “iguais a”, “contidas em”, “menores que”
e “agregadas a” para formar o conjunto. Quadrados e retângulos
iguais, contidos, menores e agregados formam o volume e além
da formas, podemos observar o material externo e a cor, que são
homogêneas, externamente.
A utilização de áreas em subsolos trazem elementos que não chegam
a ser visíveis a partir do nível da rua, não fazendo assim parte da
composição. Nesta residência, os ambientes reservados para esse
pavimento, são garagem e dormitórios de serviço. As circulações
sociais e de serviços são bem separadas; sem corredores, os
próprios espaços são as circulações para o exterior.
DORM.
DORM.
BANHO
HALL
TERRAÇO
C
D
A
B
unidadexconjunto
C
D
A
B
ESTAR
HALL
COZINHA
COPA
JANTAR
VEST. W.C.
DORM.
DORM.
BANHO
HALL
TERRAÇO
C
D
A
B
unidadexconjunto
C
D
A
B
ESTAR
HALL
COZINHA
COPA
JANTAR
VEST. W.C.
C
D
A
B
ESTAR
HALL
COZINHA
COPA
JANTAR
VEST. W.C.
circulaçãoxespaço-uso
DORM.
DORM.
DORM.
TOUCADOR
HALL
CORREDOR
BANHO
C
D
A
B
DORM.
DORM.
BANHO
HALL
TERRAÇO
C
D
A
B
Unidade x Conjunto Circulação x Espaço-uso
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
152
Manifestações múltiplas ou únicas são aquelas que definem o
repetitivo e o singular. Nesta residência, os elementos singulares
coincidem com os de subtração, que são os terraços.
A estabilidade entre os componentes se estabelece para criar a
forma construída e é aí que se percebe que a simetria rigorosa do
classicismo lugar ao equilíbrio entre as partes. Em planta, se
traça um eixo central, que separa duas partes bastante equivalentes
e quando se olha da perspectiva da fachada, a simetria desaparece
sem perder o equilíbrio, o senso da proporção.
repetitivoxsingular
C
D
A
B
ESTAR
HALL
COZINHA
COPA
JANTAR
VEST. W.C.
DORM.
DORM.
BANHO
HALL
TERRAÇO
C
D
A
B
simetriaxequilibrio
C
D
A
B
ESTAR
HALL
COZINHA
COPA
JANTAR
VEST. W.C.
Repetitivo x Singular Simetria x Equilibrio
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
153
A relação entre a planta, o corte e a elevação se produz de
rias maneiras distintas. Pode se manifestar por igualdade,
proporcionalidade, inversão ou analogia. No caso da Casa da rua
Bahia, esta relação se pela proporção, onde a configuração da
planta ou de parte do corte ou da elevação apresenta elementos
em comum.
geometria
C
D
A
B
ESTAR
HALL
COZINHA
COPA
JANTAR
VEST. W.C.
Geometria
C
D
A
B
ESTAR
HALL
COZINHA
COPA
JANTAR
VEST. W.C.
planta/corte/elevação
DORM.
DORM.
BANHO
HALL
TERRAÇO
C
D
A
B
Planta/corte/elevação
A geometria pode se apresentar como básica através de formas
geométricas simples; como combinadas, através do uso de mais
de uma forma; como múltipla, onde se estabelecem relações entre
várias formas iguais; ou como manipulações geométricas, onde são
aplicados os conceitos de indução, rotação e retícula.
Na Casa da rua Bahia, podemos estabelecer relações de geometria
múltipla: retângulos 1.4, resultado de aplicar a diagonal um giro
de 45˚, com a finalidade de encontrar o maior lado; quadrados
adjacentes; e retângulos 1.6, gerados pelo giro da diagonal da
metade de um quadrado.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
154
Arquitetura de navios transatlânticos. Le Corbusier descreve, tanto
em Por uma Arquitetura (1923), quanto em Mensagens aos Estudantes
de Arquitetura (1943), o símbolo do progresso através da conquista
do homem ao colocar uma casa na água.
A máquina de morar, propriamente dita. Ele diz que o arquiteto
que conseguir resolver todos os problemas de uso e circulação de
um transatlântico torna-se apto a solucionar qualquer outro tipo de
programa.
Encontramos na arquitetura de Giuseppe Terragni (1904-1943) essa
forma de camarotes, que remete à imagem de um transatlântico.
Essas linhas são comuns entre a Casa da rua Bahia e a Casa del
Fascio (1936), de Terragni.
1 Fachada principal da Casa da rua Bahia:
acervo Warchavchik
;
2 Fachada da Casa del Fascio, 1936: www.sapere.it.
Desenho de navio:
Le Corbusier, 1930.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
155
A visível semelhança entre a arquitetura de Warchavchik e do
arquiteto francês Mallet-Stevens (1886-1945) foi citada por João
Carlos Durand no texto “Le Corbusier no Brasil”, acessado pelo site
www.anpocs.org.br. (10/05/08). Na breve pesquisa sobre este
arquiteto, até então desconhecido para mim, foram encontrados
alguns projetos com muitos elementos comuns com a arquitetura
de Warchavchik, como o hotel particular de Jan et Joël Martel, rue
Mallet-Stevens, Paris, (1926-1927). Stevens foi o primeiro designer a
introduzir os ideais de função e simplicidade na França, influenciado
por Hoffman que criticava o excesso decorativo do Art Nouveau.
Algumas peças de mobiliário também foram encontradas com traços
bastante semelhantes.
Hotel Martel, Mallet-Stevens,
1926-27:
www.anpocs.com.br.
Casa da rua Bahia, Wasrchavchik,
1930:
acervo Warchavchik.
Residência Cavrois, Mallet-Stevens,
1929-32:
www.anpocs.com.br.
Residência Cavrois, Mallet-Stevens,
1929-32:
www.anpocs.com.br.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
156
Vista da esquina
Fachada posterior
Fachada principal
Detalhe do terraço
3.4.5 Situação atual
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
157
Fachada lateral, onde foi fechado o antigo terraço
Caixilho vertical: vista externa Caixilho vertical: vista interna
Jardim, preservado como o original
Vista do terraço
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
158
Detalhe do forro
Antigo living, atual sala de espera
Escada principal
Lavabo
Estado atual:
a antiga casa
se transformou
em escritório.
Conservada.
Fotos tiradas
no local, 2008.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
159
3.5. 1931: A Casa da rua Estados Unidos
Os desenhos originais apresentam um terreno quase quadrado de
79.50m por 79.30m, porém ao redesenhar a casa, percebemos
que esse quadrado é bem maior que o representado. Não aparece
nenhuma indicação de linhas seccionadas, representando o tamanho
real, tão pouco a exata localização da residência no terreno.
Casa da rua EsTadOs uNIdOs: 1931
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
160
3.5.1 Ficha técnica
CASA RUA ESTADOS UNIDOS
Local Jardins, São Paulo, SP
Endereço rua Estados Unidos, 205
Proprietário Antonio da Silva Prado Neto
Início do projeto 1928
Obra concluída 1929
Área do terreno 6.208,46 m
2
Área construída 396,05 m
2
Número de pavimentos 1
Arquitetura, interiores e mobiliário Gregori Warchavchik
Paisagismo Mina Klabin
1930: mapa sara br-a3 Guia de ruas: www.maplink.com.br Mapa atual: www.googleearth.com.br
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
161
Os desenhos originais da Casa da rua Estados Unidos apresentam
um terreno quase quadrado de 79,50m por 79,30m, porém, ao
redesenhar a casa, percebemos que esse quadrado é bem maior
que o representado. Não aparece nenhuma indicação de linhas
seccionadas, representando o tamanho real; tão pouco a exata
localização da residência no terreno.
RUAÿESTADOSÿUNIDOS
RUAÿMADREÿTHEODORA
RUAÿJOSÉÿCLEMENTE
3.5.2 Material gráfico
Implantação: acervo FAU-USP.
Implantação: desenho a partir da planta.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
162
Planta: Alberto Sartoris, 1932.
LEGENDA
1 Entrada
2 Lavabo
3 Estar
4 Jantar
5 Copa
6 Cozinha
7 Dormitório pagem
8 Dormitório crianças
9 Banheiro
10 Rouparia
11 Terraço
12 Hall
13 Closet
14 Sala de banho
15 Dormitório casal
16 Terraço
17 Espelho d’água
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
163
Existe grande divergência entre o projeto original, conseguido no
acervo da família Warchavchik, e as fotos da residência construída.
É provável que tenha sido o projeto apresentado para a prefeitura,
que fachadas lisas, totalmente livres de ornamento, não eram
bem quistas naquela época. Nos desenhos aparecem três telhados,
no desenho isométrico, extraído do livro de Geraldo Ferraz, uma
laje única, completamente plana.
Corte A-B: acervo FAU-USP.
Corte C-D: acervo FAU-USP.
Fachada principal: acervo FAU-USP.
Desenho isométrico: Geraldo Ferraz, 1965.
Fachada posterior: acervo FAU-USP.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
164
Vista da piscina: Alberto Sartoris, 1932. Vista da rua: Alberto Sartoris, 1932.
Vista do terraço: Alberto Sartoris, 1932.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
165
A Casa da rua Estados Unidos, assim como a da rua Melo Alves, a
da rua Bahia e a da rua Itápolis, se encontra em bairros que foram
urbanizados pela Companhia City.
A história da Companhia City começa quando o arquiteto francês
J. Bouvoir chegou à capital do Estado de São Paulo, em 1911,
contratado pela Prefeitura para planejar e construir o alargamento
da avenida São João. De volta à França, Bouvoir resolve constituir
uma sociedade anglo-francesa para investir em São Paulo.
Em 1912, a empresa comprou do município 12 milhões de metros
quadrados de terra e trouxe da Inglaterra um dos maiores urbanistas
da época: Barry Parker. Seu primeiro projeto foi o Jardim América,
em 1915.
Parker utilizou nos loteamentos o conceito dos “bairros-jardins”, que
reservava uma parte dos terrenos para áreas verdes e incentivava a
arborização das calçadas, até hoje o reconhecidos como modelos
de urbanização e preservação da paisagem urbana integrada à
vegetação.
Sobre a Companhia City: www.veja.abril.com.br.
3.5.3 Análise
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
166
Todos os bairros loteados pela City eram amplamente divulgados
pela imprensa da época, sempre salientando o conforto da família
e a fuga dos aluguéis. Nos anos 50, a Deltec, uma empresa
das Bahamas que atuava no Brasil desde 1946, adquiriu no
mercado acionário londrino o controle da então Companhia City
de Desenvolvimento.
Em São Paulo, a cidade-jardim foi um sucesso. Depois do Jardim
América, foram lançados muitos outros bairros no mesmo estilo, tais
como Pacaembu, Jardim Guedala e Alto de Pinheiros, levando o
desenvolvimento urbano para diversas áreas da cidade. Com menos
de 25 anos de atuação, a Cia. City era a maior organização
imobiliária e urbanística da América do Sul.
O terreno da rua Estados Unidos é um dos exemplos da urbanização
realizada pela Cia City, visto que a Casa da rua Melo Alves, de
Gregori Warchavchik, também foi construída nos Jardins e as da rua
Itápolis e Bahia, no Pacaembú.
Sobre a Companhia City: www.cofeci.gov.br.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
167
Na Casa da rua Estados Unidos, o volume é solidamente ancorado
no solo.
A forma, é um paralelepípedo (horizontalidade); espaços mais
amplos – livre transição entre eles.
A integração dos espaços entre si e com o exterior traz o aspecto
de funcionalidade.
A técnica se apresenta com a cobertura em balanço; concreto
armado e alvenaria são os materiais empregados.
Grandes panos de vidro emoldurados por elegantes perfis metálicos;
acabamentos perfeitos, precisos e rigorosos.
Segundo Ferraz (1965), esta residência merece uma menção especial
por sua arquitetura de um modernismo muito avançado para a sua
época.
Segundo Agnaldo Farias (1990), a plasticidade das formas
arquitetônicas, remete nesta obra, mais a arquitetura de Mies do
que a de Le Corbusier.
Segundo Segawa (1998), a Casa da rua Estados Unidos pode ser
considerada a mais ousada experiência de Warchavchik, tendo em
conta sua planta mais elaborada e sua estrutura em concreto armado.
Segundo Geraldo Ferraz (1965), a Casa da rua Estados Unidos
é considerada uma das mais modernas, em relação aos princípios
empregados em sua concepção.
1 Casa da rua Estados Unidos, Warchavchik, 1931:
Geraldo Ferraz, 1965
;
2 Casa Farnsworth, Mies van der Rohe, 1946: www.greatbuildings.com.br.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
168
Esta resincia, constrda no ano de 1931, merece uma meão
especial por sua arquitetura de um modernismo muito avançado
para a sua época. Não esqueçamos que estávamos em 1931.
Se fosse construída nos dias de hoje, ainda seria considerada
moderníssima em suas linhas arquiteturais.
92
Por isso, foi selecionado o relatório para o III CIAM Congresso
Internacional de Arquitetura Moderna para a discussão dos conceitos
sobre o modernismo conferidos no discurso de Warchavchik. No
segundo semestre de 1930, atendendo a um pedido de Siegfried
Giedion, Warchavchik envia um relatório sobre a situação da
Arquitetura Moderna no Brasil e na América do Sul, parcialmente
publicado na revista Cahiers d’Art nº 2, em Paris.
Giedion introduz assim o artigo “A arquitetura atual na América do Sul”:
No III Congresso Internacional de Arquitetura Moderna de Bruxelas, em
novembro de 1930, recebemos relatórios sobre os obstáculos que
se opõe ao surgimento de uma arquitetura nova e consideramos
apesar das diferenças de povos, raças, e climas – que as objeções
à Arquitetura Moderna são mais ou menos as mesmas na Finlândia
e na América do Sul.
93
O texto trata sobre as vantagens e as desvantagens de se implantar
92 FERRAZ, Geraldo.Warchavchik e a introdução da Nova Arquitetura no Brasil: 1925-1940. São
Paulo: Museu de Arte, 1965. p. 121.
93 WARCHAVCHIK, Gregori. A Arquitetura Atual na América do Sul. In: MARTINS, Carlos A. Ferreira.
Arquitetura do século XX e outros escritos Gregori Warchavchik. São Paulo: Cosacnaify, 2006.
p. 172.
a Arquitetura Moderna nos trópicos em relação ao clima, aos
costumes e à mentalidade.
Os obstáculos para a implementação da Arquitetura Moderna no Brasil
estavam baseados na mentalidade tradicional, na não existência de
material construtivo moderno e no treino da mão de obra. No trópico
uma intensidade excessiva de raios de sol, o que é um obstáculo
para os grandes panos de vidro. Há que se adaptar.
Havia uma falta absoluta de compreensão do século em que vivemos.
As condições materiais da indústria brasileira, pouco desenvolvida,
o podiam fornecer cimento ferro e vidro alvenaria, ferragem,
reboco, tinta, para realizar as novas obras. No Brasil encontrávamos
tijolo e madeira de excelente qualidade. Resultado: o Brasil não
precisava usar somente material industrial. Seria um contra senso
utilizar materiais importados, quando o que se queria era conquistar
o público pelas vantagens econômicas. O segundo ponto era o
de aproveitar a o–de–obra e a grande habilidade do operio
brasileiro, embora difícil formá-lo para a constrão moderna.
As facilidades para o sucesso da implantação dos conceitos
modernos para aqueles que o aceitavam e defendiam eram, em
primeiro lugar, se tratar deum país novo, onde o verniz clássico
ainda não era muito espesso; temperamento curioso e maleável do
sul americano que se adapta rapidamente à novidade; interessavam-
se muito pelos problemas da habitação, onde predominava o tipo
residencial unifamiliar. Um grande aliado na natureza tropical como
moldura verde e a luz que destaca os perfis.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
169
Para a arquitetura que podemos executar aqui, o temos dificuldades
técnicas particulares, ou seja, diferentes daquelas que encontraria em
qualquer outro país. Posso somente observar, a título de curiosidade,
que em São Paulo, por exemplo, a diferença de temperatura entre
noites frias e dias quentes o tais que o ferro, ao se dilatar, causa
fissuras no concreto, se não forem tomadas as precauções suficientes.
Bastaram-me algumas experiências para encontrar a melhor maneira
de evitar esses pequenos problemas.
94
Para Warchavchik, o século XIX deu origem à técnica, mas a
humanidade, acostumada ao trabalho individual, não percebeu
o potencial desta descoberta. Imitando a arte antiga, com a
utilização de métodos novos e máquinas modernas, iniciou essa
época de triste decadência do gosto. hoje, estamos nos livrando
dessa herança, sabendo que a técnica encerra enfim todas as
possibilidades do futuro.
Durante o século passado, a arte de construir perdeu-se por completo.
Degenerou-se até o ponto de chamarem arquitetura ao seguinte:
ornamentos grudados em profusão sobre prédios construídos ao
acaso, sem nenhuma idéia matemática ou estética.
95
94 WARCHAVCHIK, Gregori. A Arquitetura Atual na América do Sul. In: MARTINS, Carlos A. Ferreira.
Arquitetura do século XX e outros escritos Gregori Warchavchik. São Paulo: Cosacnaify, 2006.
p. 172.
95 Ibid, p. 55.
Para a análise compositiva da Casa da rua Estados Unidos, podemos
estabelecer as seguintes relações:
A planta, o corte e a elevação são convênios ao serviço da
reprodução das configurações horizontal e vertical dos edifícios.
Neste caso, a representação do corte e da elevação são tão
semelhantes, que foi desenhado um deles, o corte. A planta
pode ser considerada geradora da forma.
A simetria é analisada a partir de uma linha central imaginária, que
divide o conjunto em partes proporcionais e uma segunda divisão
entre as partes. Componentes espaciais e formais se apresentam de
maneira equilibrada.
A massa, apesar de representada como uma fachada em duas
dimensões, tem caráter de configuração tridimensional, é a imagem
perceptiva do edifício em sua integridade. Neste caso, o bloco
térreo se apresenta como um paralelepípedo, porém apresenta
elementos como aberturas e vazios que transformam a composição
em um volume não sólido.
A entrada de luz e ventilação é beneficiada pelas grandes dimensões
da edificação. Cortina de vidro contínua em volta da esquina foi
o elemento marcante da arquitetura desta residência, aproveitando
a técnica que permitiu esta escolha e assim, ganhando luz natural
em abundância.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
170
planta/corte/elevação
A
B
simetriaxequilibrio
JANTAR
ESTAR
COPA
QUARTO
QUARTO
ROUPARIA
QUARTO
QUARTO
COZINHA
WC
TERRAÇOÿDEÿESTAR
JARDIM
A
B
massa
iluminaçãoÿnatural
Planta/corte/elevação Simetria x Equilibrio Iluminação natural
Massa
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
171
Os elementos de subtração são os vazios do “sólido”, que são esse
grande terraço em forma de “L” na parte frontal e o retângulo ao
fundo, que é o espelho d’água.
Esses mesmos elementos são secundários na relação de classificação
da hierarquia em relação ao volume principal. Mais uma vez,
componentes secundários com exisncia fundamental para a
composição.
Em um primeiro momento, ao redesenhar a casa, se nota uma porção
de recortes e imagina-se que não se encontra nenhuma relação
geométrica entre as partes. Entretanto, ao se aprofundar a análise,
deparamos com quadrados perfeitos e retângulos proporcionais
que se relacionam entre si.
A circulação é feita através dos próprios ambientes, os espaços
sociais e de serviço são bem setorizados e existem grandes
aberturas para os terraços externos.
geometria
JANTAR
ESTAR
COPA
QUARTO
QUARTO
ROUPARIA
QUARTO
QUARTO
COZINHA
WC
TERRAÇOÿDEÿESTAR
JARDIM
A
B
JANTAR
ESTAR
COPA
QUARTO
QUARTO
ROUPARIA
QUARTO
QUARTO
COZINHA
WC
TERRAÇOÿDEÿESTAR
JARDIM
A
B
circulaçãoxespaço-uso
adiçãoÿeÿsubtração
A
B
hierarquia
A
B
Geometria Circulação x Espaço-uso Adição x Subreação Hierarquia
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
172
A relação mais direta que se pode apresentar entre unidade e
conjunto se produz quando estas são iguais. Neste caso, não são
idênticas, mas são semelhantes: quadrados e retângulos, como nas
casas anteriores.
Os elementos singulares são os mesmos que se subtraem e que tem
o papel secundário na classificação: o terraço e o espelho d’água.
E além desses, o terraço do dormitório das crianças.
unidadexconjunto
JANTAR
ESTAR
COPA
QUARTO
QUARTO
ROUPARIA
QUARTO
QUARTO
COZINHA
WC
TERRAÇOÿDEÿESTAR
JARDIM
A
B
repetitivoxsingular
JANTAR
ESTAR
COPA
QUARTO
QUARTO
ROUPARIA
QUARTO
QUARTO
COZINHA
WC
TERRAÇOÿDEÿESTAR
JARDIM
A
B
Unidade x Conjunto Repetitivo x Singular
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
173
conclusão
Para entender a importância de Gregori Warchavchik para a
Arquitetura Moderna Brasileira foi necessário estudar a História do
Brasil e do Mundo e nela, inserir a trajetória do arquiteto.
O processo deste trabalho consistiu em:
1. selecionar autores
2. selecionar conceitos
3. selecionar fatos históricos relevantes
4. selecionar textos do arquiteto
5. selecionar textos sobre o arquiteto
6. adquirir material gráfico
7. fazer a análise das casas
Gregori Warchavchik: www.soarquitetura.com.br.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
174
Coloco assim, por itens, pois foi assim que o trabalho foi concebido.
Para se transformar numa dissertação, foi necessário ler e entender
cada um desses “componentes” e relacionar todos entre si.
Tratamos aqui dos antecedentes da Arquitetura Moderna e não
de sua consolidação, mas colocamos à disposição um material
completo sobre um personagem que, se para alguns não foi o
pioneiro da Arquitetura Moderna Brasileira, seguramente deixou o
território preparado para que esta se desenvolvesse.
Ou por falta de recursos ou por falta de persuasão na defesa de
sua estética, a arquitetura de Warchavchik não é reconhecida
como pioneira moderna e, por isso, foi chamada de ensaio.
Também porque seu olhar estrangeiro não enxergava a importância
dos elementos tipicamente brasileiros nem re(conhecia) a cultura,
tão fundamentais para o Movimento Modernista. Tudo isso foi
alcançado pelo arquiteto Lúcio Costa, que começou a se interessar
e projetar segundo os conceitos da nova arquitetura depois que
conheceu e trabalhou com Warchavchik.
Os anos 50 e 60 foram marcados pela preocupão com um projeto
social e, sim, o processo ideológico de criação se aproxima com
mais ênfase dos pressupostos originais do Movimento Moderno.
A análise das casas nos serviu para refletir sobre o que discursava
e o que construía Warchavchik e acompanhar o progresso que se
deu desde o projeto da Casa da rua Santa Cruz até o projeto da
Casa da rua Estados Unidos. Conseguiu colocar, cada vez mais
em prática, aquilo que teorizava.
A meu ver, o principal mérito deste arquiteto foi a ruptura com a
fachada ornamental e, isso, definitivamente, ninguém pode negar.
Foi o primeiro a construir uma fachada lisa no Brasil, livre de qualquer
ornamentação. Lutando a favor da liberdade de expressão, das
necessidades de sua época, contra as leis vigentes que estavam
tanto nas regras de construção da cidade quanto na mentalidade
das pessoas.
Gregori Warchavchik: www.cosacnaify.com.br.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
175
A Casa da rua Santa Cruz aparece justamente como esse marco
de ruptura entre a fachada ornamental e a fachada lisa; a da rua
Melo Alves é o primeiro projeto contratado, onde a rigidez da
fachada plana e simétrica não existe mais. Pode-se dizer que
foi um ensaio para a Casa da rua Itápolis, sem cliente, que foi a
que abrigou a primeira exposição de arte moderna no país. A
Casa da rua Bahia apresenta soluções corbusianas e um ótimo
aproveitamento do terreno. A Casa da rua Estados Unidos foi a que
melhor representou os conceitos teóricos do arquiteto, levando em
consideração a identificação com a época em que se vive, a não
ornamentação ou cópia dos estilos passados, o sentimento estético
através das regras de composição e proporção encontrados na
Arquitetura Clássica, em busca do equilíbrio das medidas. Também
estão presentes a funcionalidade da planta (programa) que resulta
a aparência exterior, o não internacionalismo como conceito
de Arquitetura Moderna, levando em consideração as condições
climáticas e o uso de materiais disponíveis, e a contradição entre o
estilo e não estilo.
Nenhuma das casas é levantada do solo (pilotis) e tão pouco
apresentam a clara independência entre as partes (estrutura e
fechamento), mas já apresentam todas essas idéias acima citadas,
com a preocupação com a saúde, a higiene, a luz e os espaços
integrados. Ensaio para a modernidade.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
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WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
180
sonhando em imitar algum protótipo. Esta é a razão por que as nossas
máquinas modernas trazem o verdadeiro cunho de nosso tempo.
A coisa é muito diferente quando examinamos as máquinas para
habitação os edifícios. Uma casa é, no final das contas, uma
quina cujo aperfeiçoamento técnico permite, por exemplo, uma
distribuição racional de luz, calor, água fria e quente, etc. A
construção desses edifícios é concebida por engenheiros, tomando-
se em consideração o material de construção da nossa época,
o cimento armado. o esqueleto de um tal edifício, poderia ser
um monumento característico da Arquitetura Moderna, como
o são também pontes de cimento armado e outros trabalhos,
puramente construtivos, do mesmo material. E esses edifícios, uma
vez acabados, seriam realmente monumentos de arte da nossa
época, se o trabalho do engenheiro construtor não se substituísse
em seguida pelo arquiteto decorador. É que, em nome da
Arte, começa a ser sacrificada a arte. O arquiteto, educado no
espírito das tradições clássicas, não compreendendo que o edifício
é um organismo construtivo cuja fachada é sua cara, prega uma
fachada postiça, imitação de algum velho estilo, e chega muitas
vezes a sacrificar as nossas comodidades por uma beleza ilusória.
Uma bela concepção do engenheiro, uma arrojada sacada de
cimento armado, sem colunas ou consoles que a suportem, logo é
disfarçada por meio de frágeis consoles postiços assegurados com
fios de arame, os quais aumentam inútil e estupidamente tanto o
peso quanto o custo da construção.
AneXo i
teXtos [teXtos AnAlisAdos]
1925: Acerca da Arquitetura Moderna
A nossa compreensão de beleza, as nossas exigências quanto à
mesma, fazem parte da ideologia humana e evoluem incessantemente
com ela, o que faz com que cada época hisrica tenha sua lógica da
beleza. Assim, por exemplo, ao homem moderno, não acostumado
às formas e linhas dos objetos pertencentes às épocas passadas,
eles parecem obsoletos e às vezes ridículos.
Observando as maquinas do nosso tempo, automóveis, vapores,
locomotivas, etc., nelas encontramos, a par da racionalidade da
construção, também uma beleza de formas e linhas. Verdade é
que o progresso é tão rápido que tipos de tais máquinas, criadas
ainda ontem, nos parecem imperfeitos e feios. Essas máquinas
são construídas por engenheiros, os quais, ao concebê-las, são
guiados apenas pelo princípio de economia e comodidade, nunca
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
181
Encontrarão os nossos filhos a mesma harmonia entre os últimos
tipos de automóveis e aeroplanos de um lado e a arquitetura de
nossas casas de outro? Não, e esta harmonia não poderá existir
enquanto o homem moderno continue a sentar-se em salões estilo
Luís tal ou salas de jantar estilo Renascença e não ponha de lado os
velhos métodos de decoração das construções. Vejam as clássicas
pilastras, com capitéis e vasos, estendidas até o último andar de
um arranha-céu, numa rua estreita das nossas cidades! É uma
monstruosidade estética! O olhar o pode abranger de um
golpe a enorme pilastra, vê-se a base e não se pode ver o alto.
Exemplos semelhantes não faltam.
O homem num meio de estilos antiquados deve sentir-se como num
baile, fantasiado. Um jazz-band com as danças modernas num
salão estilo Luís XV, ou um aparelho de telefonia sem fio num salão
estilo Renascença, é o mesmo absurdo como se os fabricantes
de automóveis, em busca de novas formas para as máquinas,
resolvessem adotar a forma dos carros dos papas do século XIV.
Para que a nossa arquitetura tenha seu cunho original, como o têm
as nossas máquinas, o arquiteto moderno deve não somente deixar
de copiar os velhos estilos, como também deixar de pensar no estilo.
O caráter da nossa arquitetura, como o das outras artes, não pode
ser propriamente um estilo para nós, os contemporâneos, mas sim as
gerações que nos sucederão. A nossa arquitetura deve ser apenas
racional, deve basear-se apenas na lógica, e esta lógica devemos
opô-la aos que estão procurando por força imitar na construção
Do mesmo modo, cariátides suspensas, numerosas decorações não
construtivas, como também abundância de cornijas que atravessam
o edifício, são coisas que se observam a cada passo na construção
de casas nas cidades modernas. É uma imitação cega da técnica na
Arquitetura Clássica, com essa diferença que o que era tão só uma
necessidade construtiva tornou-se agora um detalhe inútil e absurdo.
Os consoles serviam antigamente de vigas para os balcões, as
colunas e cariátides suportavam realmente as sacadas de pedra.
As cornijas serviam de meio estético preferido da arquitetura clássica
para que o edifício, construído inteiramente de pedra de talho,
pudesse parecer mais leve em virtude de proporções achadas entre
as linhas horizontais. Tudo isso era lógico e belo, mas não é mais.
O arquiteto moderno deve estudar a Arquitetura Clássica para
desenvolver seu sentimento estético e para que suas composições
reflitam o sentimento de equilíbrio e medida, sentimentos próprios
à natureza humana. Estudando a Arquitetura Clássica, poderá ele
observar quanto os arquitetos de épocas antigas, porém fortes,
sabiam corresponder às exigências daqueles tempos. Nunca nenhum
deles pensou em criar um estilo, eram apenas escravos do espírito do
seu tempo. Foi assim que se criaram espontaneamente os estilos de
arquitetura conhecidos, não somente por monumentos conservados
edifícios -, como também por objetos de uso familiar colecionados
pelos museus. E é de se observar que esses objetos de uso familiar
são do mesmo estilo que as casas onde se encontram, havendo
entre si perfeita harmonia. Um carro de cerimônia traz as mesmas
decorações que a casa de seu dono.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
182
manifestações do espírito humano, como a arte do pintor moderno
ou poeta moderno deve conhecer a vida de todas as camadas da
sociedade.
Tomando por base o material de construção de que dispomos,
estudando-o e conhecendo-o como os velhos mestres conheciam sua
pedra, não receando exibi-lo no seu melhor aspecto do ponto de
vista da estética, fazendo refletir em suas obras as idéias do nosso
tempo, a nossa lógica, o arquiteto moderno saberá comunicar à
arquitetura um cunho original, cunho nosso, o qual será talvez tão
diferente do clássico como este o é do gótico.
Abaixo as decorações absurdas e viva a construção lógica, eis a
divisa que deve ser adotada pelo arquiteto moderno.”
[Publicado originalmente em italiano, com o título “Futurismo?”, no jornal
Il Picollo, São Paulo, 14.junho. 1925. No mesmo ano com o título “Acerca
da Arquitetura Moderna”, no Correio da Manhã, 1.novembro.1925,
incluído Ferraz, Geraldo, Warchavchik e a Introdução da Nova
Arquitetura no Brasil: 1925 a 1940. São Paulo: Museu de Arte de São
Paulo, 1965; Xavier, Alberto (org.), Depoimento de uma Geração. São
Paulo: Cosac Naif, 2003 e Martins, Carlos A. Ferreira (org.), Arquitetura
e outros Escritos. São Paulo: Cosac Naif, 2006].
algum estilo. É muito provável que este ponto de vista encontre
uma oposição encarniçada por parte dos adeptos da rotina. Mas
também os primeiros arquitetos do estilo renaissance bem como os
trabalhadores desconhecidos que criaram o estilo gótico, os quais
nada procuravam senão o elemento lógico, tiveram que sofrer uma
crítica impiedosa de seus contemporâneos. Isso não impediu que
suas obras constituíssem monumentos que ilustram agora álbuns da
história da arte.
Aos nossos industriais, propulsores do progresso técnico, incumbe o
papel dos Médici na época da Renascença e dos Luíses da França.
Os princípios da grande indústria, a estandardização de portas e
janelas, em vez de prejudicar a Arquitetura Moderna, poderão
ajudar o arquiteto a criar o que, no futuro, se chamará o futuro
do nosso tempo. O arquiteto será forçado a pensar com maior
intensidade, sua atenção não ficará presa pelas decorações de
janelas e portas, busca de proporções, etc. As partes estandardizadas
do edifico são como tons de música dos quais o compositor constrói
um edifício musical.
Construir uma casa a mais cômoda e barata possível, eis o que deve
preocupar o arquiteto construtor da nossa época de capitalismo
incipiente, onde a questão de economia predomina sobre todas
as demais. A beleza da fachada tem que resultar da racionalidade
do plano da disposição interior, como a forma da máquina é
determinada pelo mecanismo que é a sua alma.
O arquiteto moderno deve amar sua , com todas as suas grandes
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
183
todo, que resulta jamais nos parecerem antiquados os palácios de
Roma, Florença ou Veneza dos séculos XV a XVII. Ao analisarmos
as causas, vemos que provém de estarem os construtores integrados
em sua época e as suas obras corresponderem exatamente às
necessidades de então. Na Roma papal, os palácios apostólicos
ou cardinalícios requeriam enormes pátios e vastos portões para
dar ingresso às carruagens puxadas por várias parelhas de
cavalos ladeadas de batedores e guardas armados. No interior do
edifício necessitavam largas escadarias e galerias para o cortejo
representado pelo séqüito dos príncipes da igreja. Faziam também
amplas antecâmaras, mais enormes dependências, cozinhas, etc.,
para abrigar a famulagem da casa. No Quirinal, duas coisas logo
impressionam o visitante: uma, a massa enorme do palácio, outra,
ao entrar, as proporções do pátio. Narra a crônica romana que
M. de Lavardin chegou ao palácio Farnese à testa de um pequeno
exército quando assumiu o cargo de embaixador de Luís XIV, rei
da França, e pôde alojar-se comodamente na embaixada. Por
essa época ainda realizavam os numerosos príncipes da Itália,
continuamente acrescidos pelo nepotismo, na suntuosidade dos
paços. Aos arquitetos que contratavam não mediam condições;
apenas indicavam que lhes conseguissem maiores esplendores
do que os do vizinho. Assim não havia peias à concepção do
artista que, no idear templos e palácios, podia expandir livremente
o seu estro. Eram mantidas as fabulosas despesas que tal fausto
acarretava pela devoção dos monarcas católicos e quando esta
esmorecia por qualquer motivo fossem guerras, fossem escassez
1926: Arquitetura Brasileira [entrevista]
É tão comum a confusão que reina entre nossos arquitetos, em maria
de renovação estética, que julgamos altamente oportuno ouvir sobre
o assunto a palavra de um entendido, o dr. Gregori Warchavchik,
durante a sua permanência em o Paulo. Conhecedor perfeito das
tendências artísticas modernas, dispondo de extensa erudão,
formado em Roma, portanto familiarizado da melhor forma com os
clássicos, o distinto engenheiro russo está em condições particularmente
favoráveis para nos esclarecer questão tão importante.
Tanto nos seus artigos publicados no Correio da Manhã, do Rio,
quanto em seus projetos, há qualidades admiráveis que lhe tornam
o parecer extremamente valioso. Chamamos a atenção de todos
que se interessam pela beleza das nossas habitações e comodidade
das nossas cidades, para esta entrevista na qual o dr. Warchavchik
manifesta sua opinião acerca da construção mais apropriada para
o Brasil.
Quanto mais estudamos a obra dos antigos arquitetos, disse-nos
o dr. Warchavchik, maior é o nosso assombro perante o grau de
perfeição que atingiram. Os grandes mestres que se celebrizaram
no passado, como sucedeu no Renascimento italiano, contrariam
a marcha dos anos mercê de leis tão sábias como as da própria
natureza. Deram eterna juventude aos edifícios que construíram,
passando o tempo por eles sem deixar outros vestígios além dos
danos materiais. Aqueles monumentos possuem em si tal equilíbrio
de proporções, tão grande harmonia do mínimo pormenor ao
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
184
melhor orientação possível a firmeza de sua obra. Se souber ver
e aproveitar as indicações das coisas que tem à roda de si. Não
é somente o pesquisador de formas para uma locomotiva elétrica
ou para a quilha de um navio que se preocupará de ir para frente,
também o desenhista especializado em ornamentação de interiores
deverá observar a síntese de linhas que rege nosso atual conforto.
Igualmente ao arquiteto compete fazer com que caibam tanto em
um projeto de fachada como na planta anterior fios de iluminação,
telefone, antenas de radiotelefonia e demais acessórios que surgem
a cada passo, tornando-os quanto possível quase invisíveis.
Tenho um amigo que mandou fazer uma casa com os últimos
aperfeiçoamentos conhecidos. Trata-se de pessoa culta, possuidora
de numerosos objetos antigos que procurou realçar na nova
habitação. Aconteceu porém que, ao realizar este intento, se viu
repentinamente diante de dificílimo problema. Sem as antiguidades,
aquela casa nova formava com os móveis igualmente novos
um conjunto reconfortante, claro, sadio, a tresandar alegria. Com
ela, quebrava-se essa harmonia feliz, embora fossem preciosos os
objetos causadores do desacordo. Não foi possível harmonizar os
gêneros antagônicos. Pareciam demasiadamente inúteis, mesquinhos
mesmo, os contornos de talha dourada de um tocheiro Dom João
V junto duma poltrona cujos acolchoados eram idênticos aos do
mais cômodo automóvel. Era desagradável ver, ao dos cristais
retilíneos de um licoreiro moderno, repousar sobre uma mesa
de forma simples e robusta uma caixa antiga de prata com seus
lavores polidos do tempo e amassados das quedas. Depois de
de remessas de ouro e diamantes das Índias havia ainda as
dádivas das populações não menos fervorosas que os soberanos.
Além disso, os negócios da cúria romana, caudal sem fim de
proventos para o sacro colégio, onde avultam os rendosos maneios
de solicitadores tais como o famigerado Paz, em tempos d’el rei d.
João III de Portugal.
Hoje estamos numa era completamente diversa. No século que
assiste ao triunfo da aviação, da televisão, da radiotelefonia e
tantas outras maravilhas, a maior expressão do gênio inventivo
do arquiteto não está mais no templo, porém na fábrica, nem
tampouco no palácio, mas no estádio para esportes. Neste ele
pode atirar à tremenda distância um lance de cimento armado, que
irá resguardar do sol e das intempéries os milhares de espectadores
dum torneio esportivo sem lhes molestar a vista com colunas. Ou
então cobrirá dezenas de automóveis com um telhado sem suportes
ao meio, deixando-lhe o solo livre para suas evoluções.
Diminuiu hoje, ao contrário das datas anteriores à locomotiva,
a importância da habitação como elemento representativo da
época. Houve certos períodos como o do Modern Style, que nos
permitem identificar a infeliz data em que surgiram, porém são de
pouca monta. Muito mais característico é o que vemos suceder em
1926 com elementos associados à nossa existência. Parecem-nos
ridículos os tipos de automóveis criados ontem, por exemplo. Daí se
a extrema importância para um arquiteto de seguir com os olhos
atentos o envolver diário da existência que o cerca. Conseguirá a
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
185
asseguradas com fios de arame que aumentam inutilmente o
peso e o custo da obra. É oposto o caso dos antigos. Estes sim
tinham motivos para colocar cariátides e outros suportes visto que
sustentavam de fato a sacada. Em São Paulo, onde carência de
pedra para construção, temos sobejas razões para não imitar com
reboco ornatos europeus feitos com materiais nobres. Antigamente
eram as cornijas o meio estético preferido da arquitetura, a fim
de tornar mais leve o edifício construído de pedra de talho. Desta
arte eram aligeiradas as proporções conseguidas entre as linhas
horizontais. Da mesma forma, as consolas serviam de vigas e as
colunas suportavam pesados balcões ou os brasões monumentais,
feitos de mármore, das fachadas dos antigos palácios construídos
pelos Barberi, Borghese, Chigi, Medici.
Tudo isso era belo e racional sob Paulo III, passou e não tem mais
razão de ser. Deve o moderno arquiteto estudar os antigos não
com o fito de imitá-los, mas com o de desenvolver sua capacidade
estética no sentido do equilíbrio e das medidas. Nossos maiores
pouco se preocupavam em inventar estilos; seguiam apenas as
necessidades “do seu tempo”. E foi assim que os outros se criaram
sem que de momento ninguém os percebesse para mais tarde as
gerações seguintes os encontrarem perfeitamente delineados.
Ao iniciar os estudos de uma construção, vê-se o arquiteto diante
de três problemas: 1. atender praticamente aos fins da obra; 2.
adapta-la ao clima e aos costumes do lugar; 3. observar do ponto
de vista estético as possibilidades concedidas pelo material de que
muitas tentativas meu amigo, que possui esclarecido gosto a par
de muito senso prático, resolveu construir no jardim um pavilhão
isolado para as antiguidades. Teve pois de recorrer à única solução
cabível para o caso. Todos os obstáculos que lhe antolhavam
as conciliatórias intenções decorativas provinham de ser a nova
habitação uma máquina complexa e simples a um tempo, pelos
seus aperfeiçoamentos modernos, e por isso mesmo avessa à
indumentária de outras épocas em que estes não existiam.
Ao conceber um plano de construção, a primeira coisa que
considera o arquiteto são os materiais de que dispõe. Segundo
as possibilidades que se lhe deparam, usará deste ou daquele
recurso. Hoje estamos providos de meios desconhecidos de
outrora que nos dão outras sugestões arquitetônicas. Antigamente,
necessitaram empregar a coluna e souberam fazer dela um ornato
decorativo. Em 1926, a dispensamos para obtermos expressão
muito maior, porque é incomparavelmente mais valioso o efeito
conseguido com as proporções de um todo do que o alcançado
com seus pormenores. No passado, eram os capitéis, folhas de
acanto, etc., que inspiravam o arquiteto: em nossos dias, é a maior
ausência possível de ornatos que nos dirige a fim de minorar o
preço da obra e resolver praticamente o emprego dos elevadores,
ventiladores, caixa para registro de eletricidade, de água e todos
os demais acessórios da construção moderna. Infelizmente muitos
arquitetos contemporâneos, que não se identificam com a sua
época, destroem o feliz arrojo que tiveram: uma bela sacada de
cimento armado sem esteios, para toldá-la com consolas postiças
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
186
Portanto as diretrizes aplicadas na construção do Hotel de Salm,
no Bagatelle, no Petit Trianon e tantos outros edifícios espalhados
pela França são inaplicáveis a construções modernas de gênero e
fins completamente diversos. Mesmo no que diz respeito às casas
de apartamentos, que agora vemos com oito, nove e mais andares,
nada havia sob Luís XVI que se lhes assemelhasse. Por conseguinte,
nem sequer os ornatos então aplicados às habitações coletivas
são apresentáveis nos nossos dias. Destinavam-se a edifícios com
determinadas proporções, de sorte que falham ao serem transportadas
para superfícies diferentes. não nos referimos às casas comerciais
feitas agora naquele gênero, cujo aspecto se torna ignóbil assim
que recebem as tabuletas dos ocupantes. Retornamos pois ao que
dizíamos a principio. Isto é, muito louvável o estilo Luís XVI em
sua época (como aliás todos os estilos), porque correspondia às
necessidades dos seus contemporâneos, mas prejudicial no Brasil,
onde não se harmoniza nem com a natureza nem com os costumes.
Naquele tempo ainda estavam em moda as pastorais, a rivalizar
com a nascente imitação dos costumes ingleses. Era o conde
de Artois, proprietário de Bagatelle, propagandista de costumes
britânicos por causa das corridas de cavalos. Seus primos, os
príncipes de Conti, adotavam o “chá à inglesa”, segundo nos diz um
quadro célebre, e a nobreza deliciava-se com novidades filosóficas.
Nas vésperas da terrível revolução, a vida decorria amável em
pavilhões, petites maisons e retiros bucólicos, cuja voga chegou até
d. Carlota Joaquina, no Rio de Janeiro, onde, devido à influência
inglesa, também se ensaiaram corridas sob a regência de d. João.
dispuser no momento e harmonizá-lo da melhor forma possível com
as características da época.
Seguindo com acerto este postulado, o arquiteto fará certamente
trabalho útil e duradouro porque toda a obra executada com bom
senso tem probabilidade de se furtar às variações da opinião.
Existe a moda na arquitetura como em tudo o mais. Varia em
extremo segundo a cultura e o progresso do meio, o que nos faz
vaticinar a reprovação que brevemente atingirá certo gênero de
construções ora epidêmico entre nós. Mais do que em São Paulo, é
imperdoável disparate construir no maravilhoso cenário tropical do
Rio de Janeiro edifícios com pacotilha pseudo-Luís XVI. É a mesma
sem tirar nem pôr que vemos repelida de todo francês culto que
a considera sacrílega paródia de um estilo nobilíssimo. Sempre
foi a melhor de se respeitar alguma coisa não lhe tocar e muito
menos com mãos desastradas; essas infelizes construções estão
para as autênticas, que existem em Paris, no Faubourg Poissonière,
S. Honoré, S. Germain e outros bairros, como um cafre está para
um silesiano. Todo francês dotado de critério estético ridiculariza
o chamado “stile president Loubet” que até pouco tempo regia
desastrosamente as construções oficiais francesas. São condenados
os ornatos da ponte Alexandre III, os dos dois edifícios próximos
destinados a exposições, os da nova galeria do museu do Louvre;
os da Quaid d’Orsay e outros mais pelos críticos apegados às
tradições. Nem podia deixar de ser assim, visto que no tempo
de Kraften e Ransonett não havia como hoje enormes edifícios
para estações de ferro-carris, por exemplo, cuja forma é especial.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
187
cegamente um estilo do passado sem reparar nos inconvenientes
dessa cópia cometem grave erro, porque ignoram como foi que ele
se elaborou. No fim do reinado de Luís XVI era a Itália a meca dos
artistas franceses. Estava no apogeu da eficiência o pensionato na
Villa Médici. David, Percier e Fontain, futuros criadores do estilo
império e inúmeros outros sorviam na península os conhecimentos
que mais tarde, engenhosamente adaptados às condições da
vida francesa, haveriam de lhes granjear a celebridade. Por esta
altura também se achava Grandjean de Montigny a estudar
apaixonadamente os adornos dos túmulos do Renascimento, sem
que, entretanto, os reproduzisse no Brasil quando aqui esteve a
chamado do conde da barca. Afigura-se-nos muito dessemelhante
uma fachada italiana do século XVI de uma francesa do diretório.
Dificilmente adivinharíamos a oculta influência de uma sobre a
outra se ignorássemos os estudos dos artistas que a promoveram.
É que foi tão completa a transposição da Itália para a irlatina
França que o hábil trabalho nos passa despercebido de tão
perfeito. Não houve cópia, porém transformação. Não se trouxe
para Paris o telhado peninsular próprio para o céu italiano nem se
expuseram, sob as tristes brumas da Ilha de França, os atavios que
se destinavam à luz radiosa de Monte Cavallo.
Foram simplificados até serem moldados ao caráter de Paris. Da
mesma forma não se concebe um edifício colonial português em
plena Charing Cross, nem se pode admitir uma casa Luís XVI em
São Paulo.
Nas ruas de 1780 não havia os atropelos das grandes cidades
modernas. Usavam-se então pacíficas seges que nos transportam,
muito longe dos bondes elétricos, motocicletas, automóveis, e,
como conseqüência de tudo isso, das bombas de gasolina, dos
grilos e postes para sinais de São Paulo. Podia-se sossegadamente
parar defronte a uma casa a fim de pairecer a vista pelos vasos,
grinaldas, laços, panóplias e figuras em tudo semelhantes aos
desenhos do ilustre ourives Vinsac – que lhe adornavam a fachada.
Tampouco havia o perigo de tais ornatos serem, logo depois de
aplicados, cobertos de placas de dentistas ou anúncios luminosos
de empresas comerciais.
Esse tempo passou e, se quisermos reproduzir o estilo Luís XVI, ou
outro qualquer, devemos cop-lo tal qual sem acrescentar um metro
na fachada nem outra inovação por insignificante que seja. Nestas
condições as únicas com que podemos respeitar os estilos de outrora
– é impossível faze-los corresponder às necessidades da época atual.
É quase ocioso repisar a importância do clima e dos costumes do
país relativamente à construção de casas. Na França, a tonalidade
cinzenta das frontarias de pedra e a mancha negra causada pelo
telhado de ardósia são amenizadas pela vegetação que lhes fica
próxima (tanto no campo como nas cidades onde os bulevares são
arborizados), cuja cor é viva, alegre, mormente durante a primavera,
quando a folhagem chega a ser um verde quase translúcido. Entre
nós a cor das árvores é muito mais carregada, convindo pois casas
claras para chegarmos ao mesmo contraste. Os que copiam
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
188
mulheres, Paris seria francamente insuportável.
Graças à sua viva inteligência e à tradição que possuem, os
brasileiros hão de querer por certo evitar o contra-senso que molesta
seus vizinhos do sul. Tenho confiança nos paulistas porque nesta
cidade de há muito existem arquitetos nacionais de primeira ordem
com excelentes realizações. Não podemos ajuizar levianamente
algum excesso de ornamentação que porventura lhes sobrecarregam
os projetos, porque quem pertence ao ofício e esteve em contato
com o cliente pode conceber a quanta extravagância somos
compelidos muito contra nossa vontade. Assim sendo, desde que o
profissional não possa dar curso a sua originalidade porque o cliente
deseja coisa vista, é preferível recorrer ao estilo do passado mais
apropriado ao lugar. Aconselharíamos a São Paulo que seguisse o
belíssimo período do classicismo em que se construiu grande parte
das residências dos antigos fazendeiros no bairro Campos Elíseos.
Existem ainda interessantes exemplares, tais como os palacetes do
finado conde do Pinhal, da família Paula Souza, à esquina da rua
do mesmo nome com a Florêncio de Abreu; logo ao lado o do dr.
Antônio Paes de Barros, hoje pertencente ao sr. Cunha Bueno; o
Conceição, da rua Duque de Caxias; o do dr. Adolfo Gordo, na
praça da República; do da família Almeida Prado, à rua Brigadeiro
Tobias; e no centro da cidade a antiga Prefeitura, atualmente Fórum
Cível. Mas acima de todos, como imponência e perfeição está o
ex-Grande Hotel, cuja fachada para o lado da Travessa lembra
um Vitrúvio. Antes desse período houve um também interessante,
posto que um pouco primitivo, durante o qual foram erguidos o
No Brasil, onde não neve, não se justifica nem pela utilidade
nem pela estética o fúnebre caixão de ardósia que entenebrece
milhares de habitações francesas. Devemos evitar esse responsável
pela tristeza parisiense sob pena de incidirmos no absurdo que tanto
prejudica Buenos Aires. Na capital argentina, necessariamente sem
tradições, com uma cultura insipiente, o “pastiche” atingiu o auge.
Sobrevêm males pouco lisonjeiros, onde só existe a semi-erudição,
mormente na região platina desprovida de belezas naturais que
possam compensar os absurdos perpetrados pelos habitantes.
Quando os conhecimentos de um burguês de cidade rica, situada
num país novo, mal dão para entender o estilo Luís XVI, surge logo
o macaquismo. Na argentina ele está no galarim. Nada se vê de
original na sede portenha. Tudo ali é de importação, da coisa mais
ínfima a mais importante. Qualquer forasteiro que chega ao Prata
à procura do país percebe extravagante paródia do que tem em
sua própria casa.
Foi sempre condenável a cópia servil e a ninguém passará pela
mente decalcar os efeitos alheios. Ora, o caixão de ardósia a servir
de telhado é o principal causador do desgracioso aspecto de Paris.
Tem esta cidade dois terríveis defeitos em suas construções: o telhado
de ardósia e a pedra de Clermont que lhe enegrece as fachadas. É
desastrosa a reunião de ambas. Sirvam de exemplo os numerosos
casarões gênero “Eugenie”, feitos no tempo do barão Haussmann,
que reduzem muito o apelido de “Cidade Luz”, doado a uma das
mais sensaboronas aglomerações urbanas do mundo. Não fossem
os objetos das montras, o movimento das ruas e, principalmente, as
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
189
Quantos benefícios não adviriam para a cidade se os proprietários
de 80% das casas da avenida Paulista deixassem jardins, roseiras,
glicínias e outras plantas nacionais urdirem suas retuças sobre os
horríveis gessos gogulados sobre as fachadas que tanto dinheiro lhes
custaram. o se pode dizer o mesmo das residências do bairro
Higiepolis, que aparentam mais gosto e discrição, além de belos
jardins onde um esboço do que aconselhamos. Proveniente da
generosidade da terra, a paramentação externa duma casa moderna
deixaria saldo, como vimos acima, para a melhoria da qualidade
do material empregado no interior. Poderíamos então proceder de
forma a apresentar aos olhos do estrangeiro a suntuosidade do
pau-marfim, da imbuia e do jacarandá, nas portas, tetos e lambris
dos aposentos.
Caminha rápido o progresso da cultura geral em São Paulo, o que
nos dará para muito breve os valiosos frutos do bom entendimento
entre o público e o profissional. Somente é preciso que se esforcem
os arquitetos em substituir os estrangeiros. Estes são os grandes
causadores dos disparates cometidos em terras novas. Se o arquiteto
for alemão fará castelos “margem do Reno”; se inglês, cottages
“margem do Tâmisa”; se italiano, as abomináveis macarronices que
assolaram Milão de 1900 até a guerra. O único que pode criar
realmente o estilo para o país é seu próprio filho, porque as afinidades
que tem em si fazem-no acertar assim que se liberta das influências
exóticas. Seria ingenuidade fiar-se em indivíduos que para
vieram com intenção de lucro, pois é improvável que façam como
Fioravanti, arquiteto italiano que foi à Rússia atraído por Ivan, o
palacete barão de Piracicaba à rua Brigadeiro Tobias, que possui
a mais bela grade de São Paulo; algumas casas da rua São Luís
e adjacências, como o palacete Souza Queiroz, antes de ser
reformado pelo Circolo Italiano e outros.
Para habitações mais modestas, contanto que sejam singelas, serve
o estilo português conhecido por “colonial”, dada a sua razão de
ser no Brasil. Todos os modelos de países meridionais prestam-se
mais do que os de regiões nórdicas em razão da semelhança de
costume e do clima.
Traz-nos igualmente embaraços o desacordo entre as posses do
cliente e suas ambições. Neste caso evidenciam-se as vantagens
do modernismo, porque a grande simplicidade da fachada facilita
o acabamento, o conforto e o luxo do interior, que valorizam em
extremo uma habitação.
No Brasil inúmeras razões para adotarmos as linhas puras sem
adereços inúteis, devido à falta de pedra de talho, porque
a flora nos faculta (referimo-nos a moradias situadas em jardins)
meios para dispensarmos o reprovável emprego de estuque na
ornamentação. É pena que até hoje nenhuma pessoa de gosto
se lembrasse desse esplêndido elemento. Apesar da inesgotável
variedade de trepadeiras e arbustos nacionais e estrangeiros que
existem nos hortos paulistas.
Diz com acerto o sr. Teobaldo Vieira que no Brasil a natureza, de
parceria com o tempo, se encarrega de consertar os erros dos homens.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
190
terrível. Mandou o tzar que lhe arrancassem os olhos a fim que
jamais pudesse reproduzir a catedral de Vassili Blageni, de Moscou.
De tal forma, o infeliz aproveitara a arte popular russa quando
chegou, que as maravilhas conseguidas acabaram por despertar
os zelos do déspota. Foi um extraordinário caso de discernimento
estético cuja sagacidade foi bem mal recompensada. Sofreu o
martírio aquele gênio porque produzira uma obra-prima.
No entanto, em todos os tempos vemos mais arquitetos ascenderem
ao fastígio da glória justamente por serem maus arquitetos. “E o pior
é que chegam intactos a este estado, de forma a poder realizar
ainda em ponto maior as chatices que por ironia do destino lhes
trouxeram a remansosa prosperidade.”
[Publicado originalmente em Terra Roxa e Outras Terras, São Paulo, 17
de set. 1926; incluído em Ferraz, Geraldo, Warchavchik e a Introdução
da Nova Arquitetura no Brasil: 1925 a 1940. São Paulo: Museu de Arte
de São Paulo, 1965; e Martins, Carlos A. Ferreira (org.), Arquitetura e
outros Escritos. São Paulo: Cosac Naif, 2006].
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
191
arquitetura, das lições do imortal Palladio, do genial Bramante.
Copiando e sempre copiando o que nestes grandes mestres servia
de ornamento, de acordo com as modas do seu tempo, e não
percebendo ats destes ornamentos a idéia principal, matemática,
fundamento de todas as arquiteturas de todos os tempos, desde os
templos egípcios, desde as pirâmides, desde os gregos através
de todas as épocas, para, esquecidas no século XIX, tornar a
renascer agora, vitoriosa, e, por assim dizer, nova, depois de
tanto esquecimento.
Os arquitetos da nova geração, procurando ardentemente a verdade,
procurando o contato com a terra, procurando compreender as
exigências da vida de hoje, aprendendo a usar materiais novos,
e aproveitando-se das possibilidades de uma nova técnica (com
as quais as gerações passadas nem teriam ousado sonhar), estão
criando a arquitetura nova.
Esta se manifesta por formas novas.
São a conseqüência lógica de um pensamento mais profundo e da
técnica nova. Por exemplo: construindo uma máquina, uma casa,
uma peça de mobília, procurando descobrir a sua razão de ser, e
deste ponto de vista lhe daremos a aparência externa.
Na construção aperfeiçoada de uma máquina não procuramos criar
um objeto de beleza. Queremos que seja de perfeita utilidade, de
perfeito funcionamento, queremos também que não custe mais que o
necessário a esse perfeito funcionamento. Disto resultam proporções
1928: Decadência e Renascimento da Arquitetura
Durante o século passado, a arte de construir perdeu-se por completo.
Degenerou-se até o ponto de chamarem arquitetura ao seguinte:
ornamentos grudados em profusão sobre prédios construídos ao
acaso, sem nenhuma idéia matemática ou estética.
Esses ornamentos, além de o terem ligação nenhuma com a
construção propriamente dita, de preferência eram copiados,
executados em material ordinário de gesso e arame, ao passo que,
nos monumentos que serviram de modelo, foram obras de arte feitas
por artistas, feitas para este monumento e diretamente esculpidas na
pedra ou no mármore.
No século XIX nasceu a técnica.
A humanidade, acostumada ao trabalho individual, não soube
compreender o que lhe podia dar a maravilhosa descoberta.
Começou a imitar a arte antiga com os métodos novos e maquinais,
iniciando-se esta época de triste decadência do gosto. Somente
agora começamos a nos livrar desta herança pesada, e começamos
a ver caminho novo, e isto graças a esta mesma técnica, que foi
a causa do desastre. Sabemos hoje que a técnica encerra em si
todas as possibilidades futuras, a nova arte futura, e a nova vida
futura. Mas com a condição expressa de somente procurarmos
nesta técnica o que ela nos pode dar.
Os arquitetos desta época passada esqueceram-se de ser
arquitetos, esqueceram-se das lições dos grandes mestres de
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
192
Mudaram-se os tempos. Temos telefones, telégrafo, rádio, submarino,
aeroplano.
Com os meios rápidos de transmissão do pensamento humano, a
idéia original, agora distribuída por todo o globo, penetrando até
os últimos confins da terra, depressa chegará aos cérebros capazes
de compreendê-la, e estes lhe formarão um exército de invencível
força de defesa.
Isto nos explica a aparição conjunta, em todas as partes do mundo,
da nova idéia arquitetônica, idéia nascida em muitas cabeças ao
mesmo tempo.
Primeiro na França: os grandes arquitetos Corbusier, Tony Garnier,
irmãos Perret, Freyssinet, seguidos por inúmeros e entusiasmados
adeptos.
Na Alemanha, o arquiteto Gropius fundou a Bauhaus, escola
modelo de arquitetura e artes aplicadas. [Há] inúmeros arquitetos
da escola nova na Alemanha. Queremos citar somente Poelzig,
Taut, Mendelsohn.
Na Rússia quase não se citam nomes. Tão popular ficou esta arte
que a antiga não existe mais. Renova-se o fenômeno dos tempos
góticos, onde o individuo desaparece e constrói a coletividade, tão
poderosa a “idéia”.
Na Áustria, Hoffmann, Behrens, Loos e muitos outros. Na Itália,
Alberto Sartoris e C. E. Rava. Na Holanda, Van de Velde, Doesburg
e formas tão harmoniosas e convincentes que não pensamos por
um único segundo que essas formas poderiam ser diferentes.
Defronte a uma perfeita locomotiva, a um telescópio, defronte a
qualquer maquinismo aperfeiçoado, temos o sentimento feliz e
seguro de que assim, e não de outra maneira, poderiam estes
instrumentos ser construídos.
Em arquitetura, os problemas são os mesmos e da mesma maneira
poderão ser resolvidos.
Não queremos copiar modas passadas. Imitação e cópia são
certidão de pobreza espiritual; nunca um gênio verdadeiro deixou
de ser original. Original, no sentido filosófico desta palavra, quer
dizer: novo, claro, limpo, compreensível não digo a todos, porque
isto seria pedir demais, mas perfeitamente compreensível a uma
“elite”, espiritualizada e culta, esparsa pelo globo.
É particularidade do gênio estar sempre adiantado a sua época.
Com aguda intuição adivinha e cria o que poucos escolhidos
compreenderão no seu tempo e que todos admirarão um século
mais tarde.
Poucos daqueles que hoje adoramos foram compreendidos em
vida, sofrendo ao contrário perseguições atrozes.
Lembramo-nos com amargura de Espinosa exilado, de Galileu
torturado porque dizia ser a terra redonda.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
193
habitantes. Assim as construções terão caráter original, formar-se-á
um estilo novo, próprio ao lugar, confortável e de absoluta beleza.
O arquiteto de talento, procurando ser original e sincero, transformando
idéias novas em formas novas, apesar de se conservar no molde
destas leis todas, apesar de submetido à disciplina férrea da técnica,
será um artista muito individual pela força de seu espírito criador.
Estejamos certos disso.
Então se voltará mais às formas antigas. Poderemos admirá-las
quando perfeitas, como admiramos nos museus, roupas, mobílias e
artes de tempos passados.
A escola nova de arquitetura continuará a antiga tradição dos
verdadeiros grandes mestres. Nunca deixaram estes de ser criadores,
renovadores, de acordo com as exigências novas de épocas novas,
e nunca deixaram de ser originais no melhor sentido da palavra.
Nos meus próximos artigos, mostrarei a importância do movimento
e os triunfos que a arquitetura nova está alcançando.
[Publicado originalmente em Correio Paulistano, São Paulo, 05 de agosto
de 1928; incluído em Martins, Carlos A. Ferreira (org.), Arquitetura e
outros Escritos. São Paulo: Cosac Naif, 2006].
e outros. Na Hungria, Torbat, Molnar, Breuer, etc. Na Dinamarca,
Linbey, Holm. Nos Estados Unidos, Frank Lloyd Wright, Waid. Na
Pérsia, Guewrekian.
Deixo de citar muitos outros países e muitos outros nomes, por ser
impossível citar todos. Espero poder ter demonstrado a importância
do movimento de renascença na arquitetura.
Pouco tempo passará, e não se poderá mais falar de estilos gótico,
Renascimento, Luís XV e outros sem parecer ridículo, salvo referindo-
se ao passado.
Haverá um estilo moderno, com as suas diferenças oriundas do
clima e dos costumes. Teremos talvez uma arquitetura européia,
outra sul-americana. Finalmente, todas juntas formarão um só estilo
mundial, criado pelas mesmas exigências da vida, pelo material
idêntico usado para a construção, o concreto, o ferro, o vidro. Als,
construindo pelas leis da mecânica, da estica, da ótica, da acústica,
leis estas todas universais, usando do concreto, do ferro e do vidro,
seremos obrigados a formas todas cientificas, das quais não será
possível libertar-nos e que serão as mesmas para todos os países do
mundo. Apesar disto, esta arquitetura será a mais regional possível,
porque sua primeira e principal exigência será a de adaptar-se à
região, ao clima, aos costumes do povo.
O arquiteto do futuro não copiará coisa alguma. Procurará inspirar-
se no material, do qual usará sempre o mais nobre possível, estudará
os arredores imediatos e as exigências da vida particular dos futuros
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
194
e aquele que se diz o nosso antagonista, não caberia a nenhum
dos contendores o juízo da vitória ou da derrota, e sim do público,
porquanto a opinião pública pode e deve julgar aquilo que é
submetido ao seu critério.
Seja pelas colunas do Diário na Noite, seja pelos rodapés do
Correio Paulistano, a nossa conduta tem obedecido a uma diretriz
única, muito embora não tenhamos fixado de antemão um método
especial. O fato de não termos adotado método algum, de termos
escrito salteadamente sobre problemas ecomicos, esticos e técnicos
de arquitetura, e de termos, mesmo assim, mantido uma orientação
firme, só poderia prover a todas as pessoas de boa fé e de mente
esclarecida, a segurança e a maturidade das nossas convicções.
Não queremos, porém, de forma alguma, que as nossas idéias,
expostas no Diário da Noite, sejam alteradas arbitrariamente por
interpretações pouco leais.
E por tal razão explicamos aos leitores do Correio Paulistano, a
quem o sr. Dacio de Moraes, acérrimo defensor de uma arquitetura
que nada tem a ver com este século e com a mentalidade das
gerações atuais, explica, a seu modo, as nossas idéias. Isto não vi
interromper a nossa série de artigos sobre a “Arquitetura do século
XX”, ainda não terminada.
É verdade que existe uma estética de maquinas modernas, tais como
o automóvel, o aeroplano, etc., estética que está subordinada ao
emprego utilitário dessas máquinas, sendo de notar, porém, que
nunca se fizeram, nem se farão maquinas que tenham a sua estrutura
1928: Arquitetura Nova
Tendo publicado um artigo de caráter popular, no Diário da Noite
de 25 de dezembro último, sob o título “Arquitetura nova”, poucos
dias depois fomos surpreendidos com a aparição, no Correio
Paulistano, de um artigo do sr. Dacio de Moraes, para o qual s.
s. fala do nosso título “Arquitetura nova” para criticar e desfolhar o
nosso escrito. Será que s. s. é mesmo incorrigível ou será que sabe
escrever somente desta maneira sobre arquitetura? Desfolhando
trabalho de outros? Por que não escreve simples e francamente
sobre o pensamento como nós temos feito, lutando pela vitória de
uma idéia, como nós temos lutado pelo progresso e pela vitória da
arte moderna no Brasil?
Garanto a s. s. que se tivéssemos adotado o seu sistema poderíamos
ter feito rir bastante à sua custa, citando algumas de suas frases
mais engraçadas. Não tendo, porém, interesse para um gênero
de polêmica tão mesquinho, e por desejarmos responder, uma vez
por todas a s. s., que, com grande surpresa da nossa parte, no
artigo que publicou sob o nosso título “Arquitetura nova”, declarou
arbitrariamente que fomos vencidos na polêmica, contentamos-nos
com o seguinte.
Desejaríamos saber, antes de tudo, em qual polêmica perdemos
terreno. Nenhuma polemica entabulamos com quem quer que
seja, e nos parece infantilidade supor que os nossos trabalhos
tenham visado alguma pessoa, quando eles visam, visaram e visarão
somente os problemas. Ainda que tivesse havido polêmica entre nós
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
195
Nas fábricas de automóveis, existem naturalmente desenhistas que
procuram dar formas belas à acessórios e guarnições, mas sabem que
produzem coisas belas cuja estética é resultante não da aplicação
de um estilo passado, e sim do estudo perfeito da utilidade a que
tais acessórios ou guarnições se destinam.
Daí se deduz que a máquina, por sua simples existência, cria,
por eventualidade, um tipo de beleza, mas que não é uma forma
predeterminada que orienta o fabricante na construção da máquina.
A figura de um aeroplano é tão bela que empolga. É natural que,
no futuro, com o aperfeiçoamento da mecânica, formas mais belas
ainda serão dadas, mas o que é certo é que nunca se desenharão
nem se esculpirão ornamentos inúteis, em estilos obsoletos, nos
aparelhos de voar.
Falando sobre o cimento armado, o nosso suposto antagonista disse:
“massa inerte, com vida artificial, é cem vezes mentirosa na sua
forma construtiva, ainda tão decantada”. E não percebe que isso
ficaria magnificamente bem aplicado não ao cimento armado em
si, mas às ornamentações sem graça, com as quais certos arquitetos
costumam profanar as linhas claras e exatas da estrutura do cimento
armado.
Aos olhos de um espectador moderno, um grande vão, sem suportes
de espécie alguma e sem consolas, é mais belo e harmonioso do que
se tivesse pilares. A viga que sustenta o peso de uma parede, para
fazer o vão, parece-nos bela, na sua franqueza robusta e simples.
modificada em obediência a qualquer lei ou princípio estético.
Tudo o que é racional, na estrutura íntima da máquina, é justamente
o que lhe imprime o cunho de beleza. Qualquer aperfeiçoamento
técnico ou cientifico traz, em conseqüência, a necessidade de uma
forma nova, e do critério de necessidade dessa forma, da sua
utilidade intrínseca, nasce, virtualmente, um sentido estético.
É o que se pode verificar, por exemplo, com o automóvel. Os autos
antigos, de vinte ou mais anos atrás, hoje nos parecem muito
feios. Percebe-se neles não o aperfeiçoamento e sim apenas uma
evolução indecisa do coche de séculos passados, com a parte
traseira desmesurada e a dianteira miseravelmente curta. O tipo e a
colocação dos motores daquele tempo não permitiam outra coisa.
Mas, com o desenvolvimento da engenharia mecânica, aperfeiçoou-
se o motor, determinou-se-lhe outra colocação, e, portanto, a linha
geral do auto foi alongada, possibilitando a apresentação desses
tipos elegantes de hoje, que são estéticos para nós.
As atuais máquinas de corrida, que são belas por sua aparência
esguia, com as rodas desprovidas de para-lamas, e com o centro de
gravidade baixo, dependem de cálculos matemáticos que são feitos
para garantir a estabilidade, a aderência ao solo, a diminuição da
resistência do ar, etc. A preocupação dos seus fabricantes não
é bem a sua estética, a sua beleza nasce espontaneamente do
critério de necessidade que há, de que as tais linhas sejam como
são, e não de outra forma qualquer.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
196
Para por um ponto final nesta ameaça de polêmica que não
procuramos e que não desejamos, podemos assegurar que
concordamos com aquele que se supõe nosso antagonista quando
ele diz que “o artista e assim o arquiteto m de ser de elite,
verdadeiros e sempre expoentes dos grandes públicos”. É isso
mesmo que nos leva a crer que nenhum passadista é de elite
salvo exceções de mentalidades privilegiadíssimas, porque nenhum
deles, hoje, é expoente de público algum.
É preciso notar que, nos raros pontos em que o nosso suposto
antagonista afirma que estamos de acordo com ele, a verdade não
está bem clara. Não é que não estejamos de acordo com ele, é
que na fúria de defender um modo de pensar que não tem defesa,
sem querer, ele usou, levianamente, para a sua causa, de argumentos
que podem ter função lógica em arte moderna, resultando daí
a aparente concordância entre nós e ele, quando, em realidade, o
que houve foi apenas confusão mental da parte dele!
Citaremos ainda em seu trecho: “Essa mentalidade artística falsa
e mentirosa, avassaladora do século XX, terá que naufragar nesse
tumultuoso mar de ideologias fragorosas”.
Seria muito mais interessante encarar o problema de outra maneira.
Nós, modernistas, sabemos que a arte que fazemos é da nossa época
e que, portanto, tem de passar quando os tempos modificarem.
Mas o suposto antagonista não percebe parece incrível que,
se é verdade que a nossa arte tem de naufragar, isso se deve à
fatalidade da evolução da história. Em todo caso, a arte moderna
Se depois de colocada a viga, dispusermos sobre ela colunas ou
pilares inúteis, unicamente no intuito de fazer com que o ambiente
apresente tal ou tal característica de estilo, aí poderá dizer-se que o
cimento armado é inerte e mentiroso. Mas é inerte e mentiroso não
porque seja cimento armado, e sim porque, nesse caso, o arquiteto
falha. Os engenheiros que trabalham em cimento armado, que
fazem cálculos perfeitos para a distribuição das cargas, dos vãos,
etc., produzem obra estética em sua estrutura, e essa obra tem que
ficar patente mesmo depois de retiradas as formas. A distribuição
das “nervuras e barras de ferro” nada perde de sua beleza quando
a linha é pura, quando não se aplicam tolices tolices estilísticas que
ninguém mais sente nem compreende.
No trabalho matemático, aliado à função arquitetônica dos materiais,
é que está a possibilidade estética do futuro. Tal trabalho,
embora variando em particularidade de objetivo, é idêntico ao
do engenheiro que cria tipos de máquinas sem se preocupar de
antemão com a sua aparência estética, e sim subordinando esta
aparência estética às urgências das leis mecânicas indispensáveis
para destinar à máquina um determinado fim. O arquiteto tem de
ser engenheiro. O arquiteto que não for engenheiro será apenas um
decorador ingênuo e de mau gosto.
Por terem compreendido esta grande verdade, que não é proferida
apenas por nós, todas as boas academias de arquitetura estão
reformando os seus programas de ensino, a fim de produzir, na medida
do possível, mentalidades adequadas ao tempo em que vivemos.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
197
“tem de naufragar” ainda, num futuro que não se sabe quando virá,
ao passo que a arte velha naufragou muito tempo, graças à
inteligentíssima impiedade da história.
[Publicado originalmente no Diário da Noite, São Paulo, 20 de dez.
1928; incluído em Martins, Carlos A. Ferreira (org.), Arquitetura e outros
Escritos. São Paulo: Cosac Naif, 2006].
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
198
Recentemente, realizou-se no Rio de Janeiro um congresso pan-
americano, e pude estudar então a situação da arquitetura sul-
americana. As duas correntes mencionadas dominaram o evento; e,
com exceção do Uruguai, que mostrou ter um espírito mais moderno,
as manifestações modernas foram isoladas e individuais.
Esse congresso foi a demonstração de uma falta absoluta de
compreensão do século em que vivemos. De determinado ponto de
vista, esse congresso foi uma farsa, com uma encenação primorosa.
Apresentando-se depois do Uruguai, que trouxe uma contribuição
bem interessante, o Brasil moderno foi representado por três arquitetos.
O trabalho do arquiteto moderno na América do Sul (portanto,
também no Brasil) tornou-se bastante difícil pelo fato de o cimento, o
ferro e o vidro, por serem importados, aumentarem significativamente
o preço das construções. A indústria do ps, ainda pouco
desenvolvida, não pode nos oferecer nem a alvenaria, nem as
ferragens, nem o reboco, nem as tintas, nem as placas e outros
materiais empregados para o revestimento das paredes, nem os
materiais isolantes indispensáveis.
Por outro lado, temos por toda parte, pelo menos no Brasil, belos
e bons tijolos e madeiras excelentes em grande quantidade.
Consequentemente, a Arquitetura Moderna no Brasil não tem a
necessidade imperiosa de apenas empregar o material industrial,
que uma matéria prima de tão boa qualidade será fácil de
obter, e sobretudo com melhores preços. Seria um contra-senso
1930: A Arquitetura Atual na América do Sul
[relatório para o III CIAM Congresso Internacional de Arquitetura
Moderna]
No III Congresso Internacional de Arquitetura de Bruxelas, em
novembro de 1930, recebemos relatórios sobre os obstáculos que
se opõe ao surgimento de uma arquitetura nova e consideramos
apesar das diferenças dos povos, raças e climas que as objeções
são mais ou menos as mesmas na Finlândia e na América do Sul.
Publicamos aqui uma parte do relatório enviado pelo delegado
brasileiro G. Warchavchik (São Paulo).
Siegfried Giedion
As tendências arquitetônicas da América do Sul podem ser divididas
em duas correntes distintas: a da arquitetura chamada colonial e a da
arquitetura chamada clássica. Os professores e arquitetos pertencentes
a essas correntes não vêem com bons olhos a Arquitetura Moderna
ganhar espaço e fazem todo o possível para desconsiderá-la junto ao
público. A hostilidade dos primeiros encontra no nacionalismo limitado,
que protege a arquitetura chamada colonial, um bom pretexto para
combater a Arquitetura Moderna, que é internacional. Quanto aos
segundos, em geral estudaram arquitetura na Escola de Belas Artes de
Paris, descaracterizada pelas diferentes escolas de menor importância
às quais devem seus conhecimentos, e são mais realistas que o rei.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
199
da casa. Somos ainda muito primitivos.
Evidentemente, a maioria dos problemas poderia ser resolvida por
meio do aquecimento central e de um sistema de aeração artificial,
mas isso ainda é coisa para o futuro. Por enquanto, praticamente
ninguém quer ouvir falar dessas instalações, e o preço excessivo
delas impede sua difusão.
Para a arquitetura que podemos executar aqui, não temos
dificuldades técnicas particulares, ou seja, diferentes daquelas
que encontraria em outro país. Posso somente observar, a título
de curiosidade, que em São Paulo, por exemplo, as diferenças de
temperatura entre noites frias e dias quentes são tais que o ferro,
ao se dilatar, causa fissuras no concreto, se não forem tomadas
as precauções suficientes. Bastaram-me algumas experiências para
encontrar a melhor maneira de evitar esses pequenos problemas.
Depois de descrever o que nos cria dificuldades, convém citar o
que, apesar de tudo, garante o sucesso da arquitetura racional e
moderna.
Em primeiro lugar, esses países são novos, americanos em suma,
e o verniz clássico ainda não é muito espesso. A curiosidade e
a maleabilidade do temperamento dos sul-americanos fazem com
que as novidades sejam adotadas rapidamente, sobretudo quando
se trata de questões científicas e de melhorias técnicas. Opõe uma
resistência bastante forte às coisas relativas à arte e à estética
modernas. No entanto, é apenas uma questão educação, pois, nos
querer impor materiais industriais muito caros num país em que
a Arquitetura Moderna deve conquistar o público mais por suas
vantagens econômicas do que por suas qualidades estéticas. Nos
países americanos as construções são erguidas rapidamente e
não são calculadas para durarem mais de vinte ou trinta anos. O
desenvolvimento rápido das cidades exige por vezes a demolição
de bairros inteiros para que outros sejam construídos. Precisamos
vencer pela boa organização do trabalho e suprimir tudo o que seja
supérfluo, por vezes até o luxo dos materiais de boa qualidade.
uma outra dificuldade: não podendo contar com a industria,
precisamos aproveitar a mão de obra. O operário no Brasil, onde
se constrói muito rapidamente, adquire uma grande habilidade.
No entanto, não é fácil formá-lo para o trabalho moderno, e
confrontei-me com sérias dificuldades, quando quis organizar os
diversos grupos capazes de executar meus projetos. Eu mesmo tive
que montar ateliês para que fossem executadas janelas, portas de
madeira lisa, móveis, etc., porque a indústria, que aliás trabalha
bastante bem para a arquitetura comum, não pôde realizar o que
eu lhe pedia com a precisão e o cuidado necessários.
Uma das maiores dificuldades para a arquitetura contemporânea,
nos países tropicais, consiste na intensidade excessiva dos raios do
sol, o que nem sempre torna muito agradável os grandes vãos de
vidro, e nos obriga a encontrar um meio de isolá-los perfeitamente
durante as horas de grande calor. Por outro lado, sendo o país
úmido, as grandes aberturas são muito agradáveis para a ventilação
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
200
[Publicado originalmente em Cahiers d’Art, Paris, n. 2, 1931; incluído
em Martins, Carlos A. Ferreira (org.), Arquitetura e outros Escritos. São
Paulo: Cosac Naif, 2006].
meios cultos, interessam-se muito pelas novidades, e contamos
com um grande número de individualidades que reconheceram
a importância da evolução arquitetural. E depois, em geral,
interessam-se muito pelos problemas da habitação e da construção,
o que é natural num país em que predomina a casa destinada
somente a uma família. Todos tiveram, durante a vida, a ocasião
de se ocupar desse problema. Só no decorrer dos últimos cinco ou
seis anos que o edifício de apartamentos começou a se difundir;
anteriormente, essa maneira de morar era desconhecida. E durante
esses poucos anos, se encontraram meios de construir em São
Paulo um arranha-céu de vinte e cinco andares e um outro, de altura
mais ou menos semelhante, no Rio de Janeiro, o que demonstra o
espírito de iniciativa.
Mas nossos aliados mais eficazes, pelo menos no Brasil, são a
natureza tropical, que emoldura tão favoravelmente a casa moderna
com cactos e outros vegetais magníficos, e a bela luz, que põe em
destaque os perfis claros e nítidos das construções contra o fundo
de vegetação escura.
Além disso, utilizando bons sistemas de isolamento e sobretudo
coberturas em terraço, e estudando um sistema convincente de
ventilação para o verão, pode-se conseguir criar tipos de casas
que se adaptem tão bem ao ambiente do país que o arquiteto,
encarregado de construir a casa no meio do jardim, vai desempenhar
essa tarefa com um verdadeiro prazer.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
201
Acabava de passar dez anos na Europa. Ao voltar para o Brasil,
ficou impressionada com a exuberância e beleza da natureza
tropical. Por que não usaria estas plantas?
Sua casa tinha um terreno imenso, completamente despido de
vegetação. Planejou o jardim do presente e o jardim do futuro, pois
quem arquiteta um jardim tem que pensar, ao mesmo tempo, no
jardim que as árvores formarão, mais tarde, ao crescer.
Um clima generoso
Plantou diversas qualidades de cactos, agaves e outras plantas
ornamentais de efeito imediato. Assim, conseguiu, rapidamente,
um jardim simpático que completava a casa. Tratava os cactos
como se fizesse escultura. Porém, ao mesmo tempo, ia plantando
mudas que seriam, algum dia, grandes árvores.
Costuma dizer que não apreciamos a generosidade de nosso clima,
que nos permite ver crescer, durante nossa vida, árvores magníficas
que, na Europa, precisariam de séculos para se desenvolver.
Em dez anos, suas arvorezinhas eram belas árvores que formavam
a base de um novo jardim.
[Revista Flores, inverno de 1956]
AneXo ii
PublicAçÕes trAnscritAs com A grAFiA originAl
O JARDIM TROPICAL DE MINA WARCHAVCHIK
Yvone Jean da Fonseca
No como do século XX, a maioria dos jardins acompanhava
o mau gosto e o ilogismo das casas: sob pretexto de tradição,
caíra-se na rotina, no academicismo e na imitação. As casas estilo
1900 eram adornadas com jardins sem personalidade, cheios de
“florzinhas” e “plantinhas”. Só de vez em quando surgia um jardim
mais amplo, mas então era a réplica de um jardim inglês, francês
ou italiano. os velhos jardins do governo ainda lembravam a
nobreza do passado. Nestes, encontravam-se plantas tropicais ao
lado das importadas, porém por mero acaso. Ninguém pensara
ainda em se aproveitar da magnífica flora nacional para criar
jardins exuberantes, originais e racionais.
Por que não usar também nossas plantas?
Em 1927, o arquiteto Gregori Warchavchik construiu a primeira casa
“moderna” de São Paulo. Então, Mina Warchavchik, que sempre
amou e estudou as plantas e que, desde menina, sonhava com um
jardim “diferente”, resolveu continuar a casa e completá-la com um
jardim digno do novo estilo que estava nascendo, tentando libertar-
se da rotina.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
202
Será talvez leviandade de nossa parte querer, neste artigo, desfazer
essa confusão, essa posão negativa dos vocábulos. Mas o se
difícil, e poderá ser útil a muitos tentar atenuar tal confusão e, ao
mesmo tempo, procurar relocar, no seu devido alcance, duas
significações que são, sem exagero, o pomo da discórdia dos
artistas da atualidade.
Embora a palavra futurismo seja nova, formulada há poucas
décadas, o seu sentido existia na mente dos povos mais remotos,
da mesma forma que a palavra estética, formulada por Baumgarten,
veio designar uma ciência outrora sem nome, mas amplamente
explorada pelos filósofos da Antiguidade, e que o conjunto de
observações relativas à atualidade da alma modernamente
recebeu o nome científico de psicologia.
Futuristas
Futurista é e foi todo o homem que, não se contentando com o
existente, com o atualmente conseguido, procurou e procura caminhos
novos, a fim de se aperfeiçoar. É aquele que, tendo conseguido um
estado de perfeição relativa, não se por amplamente satisfeito,
sabendo que o seu cérebro, em perpétua evolução, tende, por
natureza, a investigar, a correr em busca de novas possibilidades,
seja para suavizar a vida, em seu sentido material, que é impossível
esquecer ou desprezar, seja para a enaltecer, em tudo o que ela
tem de claramente espiritual, que também é necessário ao homem
requintado. Assim, pode-se dizer que, mesmo com o risco de ir
milindrar os escrúpulos fraseológicos dos passadistas mais ou
PASSADISTAS E FUTURISTAS
Gregori Warchavchik
Um problema fraseológico
Seria nosso desejo continuar, hoje, nas nossas breves exposições
periódicas das principais teorias que surgiram, ultimamente, em
relação à arte, e, principalmente, à arquitetura. Todavia achamos
que é oportuno, antes de mais nada, fazermos uma pequena
digressão pelo mundo da fraseologia, porque é a fraseologia a
causadora de muitas das desinteligências agora reinantes entre
futuristas e passadistas, isto é, entre criaturas da mesma época,
autoras em conjunto da mesma civilização, e que, mesmo assim,
se colocam em posições diametralmente opostas, a ponto não
de não se compreenderem, mas até de se guerrearem, como
verdadeiros inimigos.
De fato, o que é futurismo? Que é passadismo?
Poucas, bem poucas pessoas saberiam dar a estes vocábulos uma
definição precisa, ou, pelo menos, isenta de partidarismo entusiástico
ou malévolo. São palavras, que, com o andar dos tempos, e com o
abuso feito ora por uma, ora por outra das partes que se acham em luta,
parecem já ter perdido o seu verdadeiro significado. De tal forma esse
fenômeno se produziu, que, agora, quem disser futurismo, dirá loucura,
desequilíbrio, irracionalidade; da mesma maneira que, para certos
espíritos, quem disser passadismo, significará algo de supremamente
equilibrado, de puro, de grandioso, de aticamente elevado.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
203
passado, e não vivendo, aliás, parasitariamente, senão das conquistas
que outros abnegados fizeram, transcorrem a vida toda a adotar
figuras e coisas que passaram.
Não seria de todo desinteressante estudar a maneira pela qual os
passadistas dizem venerar os grandes que se foram, deixando
uma réstia de luz no templo, marcando a sua trajetória. Eles os
adoram, contemplativamente, isto é, negando-os, porque a verdadeira
maneira de os venerar seria não comemora-los em banquetes
suntuosos, onde tudo a gente se lembra, menos dos comemorados,
mas sim seguir os seus ensinamentos, continuar o caminho que eles
iniciaram, granjeando, para a humanidade inteira, e não para o
gozo pessoal egoístico, sabedoria e bem-estar.
Passadista era nosso avô, quando não concebia e até se recusava
categoricamente a viajar em estrada de ferro, pelo simples fato de
ter sido a locomotiva, a seu tempo, uma coisa nova, um produto
da “maluquice”.
Eram passadistas os que acenderam a fogueira de Gusmão e
de Giordano Bruno, como eram passadistas todos aqueles que,
na aurora da aviação, tiveram ânimo de rir de Santos Dumont.
Eles formavam entre os que, no tempo da Renascença, choravam
pela época dos góticos, achando-a maravilhosa, naturalmente
na mesma relação em que achavam horríveis a arte dos dias em
que viviam, com atitude idêntica à dos nossos tradicionalistas que
acham estupendo os tempos dos góticos e dos renascentistas, na
proporção exata em que supõe verdadeiramente catastróficos,
menos agarrados à rocha da tradição, como ostras monstruosas,
que foi futurista o homem que, primeiro, entre seus semelhantes
mentalmente preguiçosos, procurou utilizar-se do fogo, para a
manipulação dos seus alimentos primitivos, para a luta contra os
rigores invernais, para a produção da força, por intermédio do
vapor ou da explosão; futurista foi aquele que, insatisfeito com a
vida rude que levava, na gruta pré-histórica, conseguiu, com um
machadinho rudimentar de pedra, derrubar a primeira árvore,
tentando construir a choupana, a residência adequada à sua
condição de criatura humana, conduzindo, depois, por esse mero
gesto de proteção individual ao seu corpo, toda a humanidade
pelo caminho da construção residencial, e, daí, a uma verdadeira
arte, como é a arquitetura. Futuristas foram, enfim, todos os grandes
homens de Estado, todos os artistas, todos os abnegados, como
Head e como Berthelch, que, olhando para o futuro, chegaram até
a sacrificar o seu presente, para dar a esta grande humanidade,
que, afinal, nem sempre se lembra deles com carinho, o estado do
progresso e a possibilidade do bem-estar que ela hoje desfruta.
Foram futuristas, isto é, procuraram e conseguiram, em grande
parte, adivinhar o sentido do futuro, os grandes hoje justamente
venerados, como Leonardo, como Gusmão, como Verne, e até
por que não dizer? – como Mauá e José Bonifácio.
Passadistas
E passadistas? Que são os passadistas? São aqueles que, apenas
lembram-se do passado, o conhecendo nada mais do que o
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
204
negar que, em realidade, essa palavra surgiu de um relâmpago
de genialidade de Marinetti. É a palavra símbolo, por excelência.
É tão genialmente vaga e dinâmica, que nenhum espírito, velho
ou moço, continua a ser indiferente, depois de a ter ouvido pela
primeira vez. Foi um prodígio. Essa palavra, composta de palavras
simplicíssimas, teve o condão de criar uma verdadeira barreira,
tanto espiritual, entre as duas grandes facções da humanidade:
entre os que agem e os que adormentam a sombra dos benefícios
resultantes da atividade dos outros. Depois de criada essa barreira,
declarou-se violentamente a luta entre os dois partidos.
Antigamente, o que havia eram lutas entre tendências. Quando
Delacroix lutava em prol do romantismo pictórico e Ingres reafirmava
a sua fé na arte da Antiguidade clássica, a luta era entre pontos de
vista. Hoje, não é um ponto de vista que se discute: é uma razão
histórica que se esclarece, é uma fatalidade psicronológica que se
revela. Não meio termo: ou se está com nosso tempo, ou se está
com o tempo dos que não existem, e, portanto, contra o nosso
tempo.
Marinetti, hoje, aliás, pode ser considerado passadista, homem que
parou. Mas o verbo continua a atuar, e, o que mais importa, a luta
por ele declarada, além de ficar claramente estabelecida, tornou-
se uma questão mais de história da evolução do pensamento, em
geral, do que um mero incidente na cronologia da arte.
A eterna tragédia
para a arte e para a ciência, os dias em que vivemos. Passadistas,
na mais lógica acepção desse vocábulo, são aqueles que nascem
velhos; os incapazes de um esforço no sentido de perfeição; os
que têm o que têm porque é o que lhes deram ou lhes legaram.
Infelizmente, assim como velhos igual a Pirandello e a Bernard
Shaw, cujos espíritos desconhecem as influências acomodatícias
que o tempo exerce, também há jovens cujos espíritos já nasceram
caducos, cujos neurônios já viram ao mundo frouxos e combalidos
e que se sentem bem quando nenhum esforço lhes é exigido,
seja para que fim for.
Ser passadista significa não ser coisa alguma, porque nenhuma
existência tem sentido quando desfocalizada de seu tempo. “Querer
ser clássico”, como diz Ortega y Gasset, “é assim como partir
para a Guerra dos Trinta Anos.” Querer fazer literatura em torno
do grande sonho de Ícaro e detestar, depois, a nova maneira de
sentir que a realização mecânica, perfeita, absoluta daquele sonho
proporcionou à humanidade, é como adotar Leonardo, porque foi
antigo, condenando-o, ao mesmo tempo, pela descoberta primeira
das leis da perspectiva geométrica, porque essa descoberta foi,
em seu quadro histórico, futurista, da mesma forma que é futurista,
em certo sentido, aquele que, hoje, procura criar novas leis de
perspectiva.
Uma palavra genial e dinâmica
O mal todo, ou se quiserem, uma grande parte do mal, está em
que se inventou, modernamente, a palavra “futurista”. Não se pode
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
205
Pode-se dizer, sem temor de erro, que a luta entre passadismo e
futurismo é a eterna tragédia da vida humana; é a luta da juventude,
confiante e criadora, contra a velhice acomodatícia. No fundo
da alma de cada jovem sempre um impulso de aventureiro.
Ser jovem é ser cigano em busca de todas as coisas novas, de
todos os movimentos imprevistos, de todas as belezas ainda não
suspeitadas.
Ser velho é viver a chorar o tempo em que se foi jovem, achando
lindas apenas as mulheres que floriram na sua juventude, maravilhosa
somente a arte que se consagrava nos seus verdes anos, magnífica
a jovialidade, provavelmente ingênua, de quando ele ia para a
escola.
Raros são os velhos em idade que não sejam passadistas: Edison,
Bernanrd Shaw e Amundsen são exceções. gente que, mesmo
jovem, se revela velha pelo temor de viver sem se apoiar na tradição.
Há, também, indivíduos ardorosos sem especificação de idade.
Todos esses são futuristas, são pesquisadores das interrogativas que
serão formuladas pelo tempo que há de vir.
O ritmo de nossa época
Ser futurista, hoje, é ser, portanto, investigador das tendências espirituais
do século XX, embora sem esquecer o manancial de sabedoria que
os outros nos deixaram. É estar marchando com o ritmo da nossa
época, época em que novas filosofias se sistematizam, novas artes
se criam, novas religiões se fundam.
Uma nova arte eis um grande passo para satisfação das
aspirações da gente de nosso tempo. Uma arte, e, portanto, também
uma arquitetura, que não seja a repetição cansada de tudo o que
contemplou. Nessa grande ânsia, neste grande problema da
expressão da alma contemporânea, a arquitetura joga um papel
importante. Tão importante que nenhum povo, desses que se dizem
estar, ou que estão, de fato, na vanguarda da civilização, o pode
esquecer nem desprezar.
Nesta tentativa arrojada, de destruir, primeiro, o velho conceito
arquitetônico, e de criar depois, o conceito novo, aquele que de
dar a plenitude da expressão do nosso tempo, da nossa alma, da
nossa cultura, com todos os seus maravilhosos defeitos, conjugamos
os nossos esforços, porque somos jovens. Pode ser que estejamos
errados. Uma coisa, porém, se sabe desde já: nada, do passado,
poderá predominar no futuro; o futuro é daqueles que marcham, não
dos que se embalam ao som da marcha fúnebre das idades mortas.
[Revista Vanitas, março de 1930, originalmente publicado no Correio
Paulistano, 23 de setembro de 1928]
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
206
É dessa forma que Gregório Warchavchik vae inaugurar, dentro de
poucos dias, a exposição de uma casa modernista. Essa exposição
interessará, sobremaneira, pois mostrará aos paulistanos uma residência
completamente nova, original, desde sua fachada, o seu jardim,
até os detalhes mínimos dos interiores.
ENTREVISTANDO O ARCHITECTO
Pedimos ao organizador dessa exposição, que será um dos grandes
acontecimentos do anno, que nos contasse alguma coisa a seu
respeito. E Gregório Warchavchik concedeu-nos a entrevista que
reproduzimos abaixo:
“Em primeiro logar cabe-me dizer ao “Diário da Noite” que me
sinto feliz por ter encontrado em São Paulo um ambiente artístico
e social de suficiente cultura, que me permitiu effectuar em pouco
tempo grande numero de construcções dentro da nova orientação.
E o progresso afirmou-se em todos os pontos, até mesmo no que
se refere ao material, que agora me é fácil encontrar para as
necessidades das construcções.
Impressionado pela natureza, pela maravilhosa luz dos trópicos,
e obedecendo aos imperativos do clima, tentei, e consegui
bastante nesse sentido, fundir tudo isso dentro do meu ideal de
modernista. As construcções que realizei aqui differenciam-se das
construcções modernistas européas pela sua pronunciada nota
local. Os architectos Steinhof e Le Corbusier, visitando as minhas
casas, assim o reconheceram e por isso me felicitaram.”
UMA EXPOSIÇÃO DA CASA MODERNISTA SERÁ INAUGURADA
EM BREVE, NESTA CAPITAL
O seu organizador é o architecto Gregorio Warchavchik
O “Diário da Noite” repetidas vezes tem tratado da architectura
nova em São Paulo, e de seu desenvolvimento, accentuado nos dois
últimos annos, com a fecunda actividade que o architecto Gregório
Warchavchik vem desdobrando em muitas dezenas de novas
construcções. A casa para residência, de Gregorio Warchavchik,
representa sempre, em cada um de seus exemplares, uma criação
cuja finalidade é resolver os múltiplos problemas da casa lógica. E
assim, desde sua primeira construção, que rompeu em São Paulo,
com os velhos moldes que o preconceito sustentava, esse architecto
tem procurado novas soluções ao complicadíssimo problema da
habitação racional, econômica e dentro dos novos rumos da estética
contemporânea. Hoje, a rchitectura nova, victoriosa, deve o seu
triumpho, em São Paulo, em grande parte, a esse incansável
trabalhador.
Gregório Warchavchik, comprehendendo que o problema da casa
é differente para a América do Sul, criou a casa modernista para o
nosso continente, utilizando o material que aqui encontrou. O seu
objectivo não tinha somente o fim pratico, mas também o artístico, e
elle criou o typo de jardim brasileiro, e os interiores que, condizendo
com as nossas aspirações, de conforto e de satisfacção esthetica,
são perfeitamente identificados com o nosso temperamento.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
207
A ESPOSIÇÃO DA CASA MODERNISTA
“A exposição que estou preparando, de uma casa modernista
brasileira, é o resultado da experiência destes annos em que aqui tenho
trabalhado, e é uma homenagem que vou prestar à cidade...
Realizada a casa modernista, fiz desenhos para os moveis que
mandei construir com madeiras nacionaes. Também desenhei os
apparelhos de illuminação e todos os outros detalhes.
Para completar esse ambiente, que o povo paulistano terá
opportunidade de visitar, consegui diversas obras de arte, como
quadros de Tarsila do Amaral, de Lasar Segall, de Anita Malfatti,
de Esther Bessel, de Cícero Dias, de Jenny Segall, e trabalhos de
Celso Antonio, Oswaldo Goeldi e outros, emfim de tudo quanto
de moderno se realizou nas artes plásticas. Incluirei, além disso,
objectos de arte moderna de collecções particulares.
Na biblioteca desta casa, vou expor, ainda, os livros dos escriptores
modernos do Brasil.”
E ahi têm os leitores do “Diário da Noite”, resumidamente, a notícia
da exposição da casa modernista brasileira, que será inaugurada
nestes trinta dias.
[Diário da Noite, 13 de fevereiro de 1930]
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
208
E o jardim de plantas tropicaes, verdes e decorativas, em que
sobressaem os cactus aggressivos e sérios.
Tudo isso é mostrado ao olhar do visitante com a finalidade de
o fazer comprehender, entre outras coisas, quaes as immensas
possibilidades que o conforto moderno permitte no Brasil, com
os recursos ainda deficientes com que contamos aqui, e nos
aproveitando desses recursos.
Pela sua alta significação, a exposição que o sr. Gregorio
Warchavchik vae realizar representará a culminância da techinica
de construir e arrumar um ambiente despido absolutamente das
roupagens complicadas de outras épocas consentâneo, portanto,
com as novas realidades da era machinista.
E assim sendo, essa exposição, que a cidade poderá visitar na
próxima semana, será também uma lição demonstrativa do gosto
moderno, única em seu gênero até agora no paiz, e quiçá no
mundo. Com a Semana de Arte Moderna de 1922 – a exposição
da casa modernista ficará como mais um marco de grande relevo
na história da arte moderna em São Paulo.
O Diário da Noite” pode dar hoje, em primeira mão, uma
photographia da fachada da casa em que se realizará a exposição
a que nos referimos.
[Diário da Noite, 19 de março de 1930]
A EXPOSIÇÃO DA CASA MODERNISTA INAUGURA-SE NA
PRÓXIMA SEMANA
UMA INTERESSANTE LIÇÃO DE PRATICA E GOSTO ARTÍSTICO
NA ERA DA MACHINA
Conforme temos noticiado, é no dia 26 do corrente que se inaugura
a exposição da casa modernista de Gregório Warchavchik. Essa
exposição, que será o maior acontecimento do anno artístico e
social de 1930, está sendo installada na ultima casa construída
por aquelle notável architecto, à rua Itápolis, n. 119. A rua Itápolis
é uma das estradas vermelhas que cortam as colinas do Pacaembu,
o novo bairro elegante da cidade.
A exposição que o bom gosto do architecto Gregório Warchavchik
preside, desde a construcção da casa aos mínimos detalhes do
mobiliário, reunirá a producção fragmentada do trabalho realizado
nestes últimos annos pelos artistas modernostas do Brasil, das artes
plásticas à literatura.
A exposição da casa modernista a que nos vimos referindo será a
maior reunião de objectos de arte brasileira, em que apparecerá o
brilho escuro das estatuas de Brecheret nos ambientes modernamente
e finamente mobiliados, enfeitando-se com os quadros de Tarsila,
de Annita Malfatti, de Segall, de Cícero Dias e outros, as paredes
brancas, em cujos ângulos se ostenta a illuminaria moderna que
Warchavchik realizou admiravelmente.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
209
que os domina, sobretudo si são ricos.
Discutir assumptos de arte tornou-se chic e fácil nos meios de
cultura artística, incipiente como o nosso. Envolve opinião pessoal,
estribada no velho e falsíssimo adágio “Gosto não se discute”
quando applicado às artes do desenho.
Effectivamente, a opinião ingênua pode encontrar belleza onde
esta não existe na opinião do resto da humanidade. Si as obras
d’arte fossem julgadas segundo a opinião pessoal, seriam ellas mais
variáveis que a phantasia e menos durável que a moda, segundo
muito bem disse um eminente estheta francez.
Imagine-se agora a opinião dos curiosos em obras que não são de
arte, como essa da casa modernista, uma machina de habitar!
Não queremos repisar aqui a nossa opinião contraria à allucinação
esthetica avassalante destes últimos tempos.
Desejamos não somente lavrar o nosso protesto contra o attentado,
já não dizemos a magna arte, mas, ao mais comesinho bom gosto
e que é a casa que a Prefeitura consentiu que se construísse, em
flagrante desacordo com o seu Código de Obras Arthur Saboya.
Protestamos também contra a irreverência de profanos às grandes
producções architectonicas dos nossos antepassados da grande
raça latina, porque a actual geração é decadente em gosto e
espírito. Ademais, tal geração é apenas uma gotta d’agua no oceano
immenso da nobre arte millenar.
A “MACHINA DE HABITAR”, DO PACAEMBÚ
Christiano das Neves
“Without beauty, there is no architecture, and it is the most intangible
qualities we employ an architect to attain.” C. H. EDGELL, Prof. de
architectura da Universidade de Harvard.
Com grande alarde, sem o que ninguém daria attenção, foi
inaugurada a exposição de uma casa, do typo “machina de
habitar”, lá pelos lados da antiga chácara do Wanderley.
É a casa preconizada por um constructor sem gosto, “sol disant”
architecto, que aqui andou recentemente, fazendo uma série de
jocosas conferencias e comettendo innumeras “gaffes”.
A casa do Pacaembu é um bloco disforme de concreto, inteiramente
despido de arte e portanto de estylo; um producto da industria
das casas baratas para construcção em série, mas, nunca uma
producção de architetectura.
SEM BELEZA NÃO HÁ ARCHITECTURA
Architectura é cousa mais transeendente que não está ao alcance
de qualquer e cujas producções não podem ser analysadas por
gente bisonha na matéria, como vemos entre nós frequentemente.
Dahi as mais disparatadas opiniões vehiculadas, na imprensa e em
rodas elegantes, por curiosos, arvorados em esthetas pelo snobismo
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
210
não pode ser separado do dever de se as fazer bellas. Todo edifício
intercepta o ar que respiramos, a luz que nos aquece e illumina;
cobre uma porção da superfície do globo onde a nossa existencia
se move. É portanto justo que nos compense, ao menos por sua
belleza, dos benefícios de que nos priva.
Poder-se-ia obstruir a circulação, comprimir o ar, nos roubar os
raios de sol, sem compensação? Esconder-nos a vista do céo, a
graça da paysagem ou horizonte do mar, as bellezas da natureza
emfim, sem que nos offereça em troca o espectaculo de uma outra
belleza? E o que seria então se ao direito de limitar e de construir
addicionassemos ainda a faculdade de affligir nossos olhos pela
imagem da feiúra?
O capricho de um poderia condemnar, a nós e aos nossos
descendentes, a supportar, como um supplicio diário, uma
disformidade em pedras de talhe... Não, as sociedades não se
formaram em taes condições. O respeito que lhe é devido obriga
o constructor a se tornar architecto e a fazer do culto da belleza
um dever.
O philosopho americano Emerson chama “egoísta” tudo que
é construído sem arte, e essa palavra encerra um pensamento
profundo que um artista inglez, M. Garbette (Rudimentary Treatise
on design), desenvolveu nos seguintes termos:
O desprazer que nos causa um edifício sem architectura é visto
e sentido, embora a massa dos espectadores não saiba formar
Seria pretensão demasiada que a nossa geração, fosse expontanea
em arte, pois em épocas de grandes gênios isto jamais se verificou.
Protestamos ainda que se abuse da ingenuidade do nosso povo
em matéria que desconhece, impondo-lhe essa insensatez artística
e expondo-o ao ridículo perante as pessoas cultas que visitam a
nossa cidade.
Para que se não diga que a nossa opinião, contraria a taes
absurdos, é pessoal ou caprichosa, vemo-nos obrigados a transmitir
aos leitores o que, sobre o assumpto, dizem os grandes mestres.
Preferimos errar com estes.
No seu magistral livro, diz Charles Blanc, o grande estheta francez:
“A beleza da architectura responde a uma idéia de dever.
Desprovido de belleza, um edifício pode ser uma obra de industria:
não é mais uma obra d’arte. A própria definição da architectura
lhe impõe a lei de ser bella. Mas um outro sentimento a governa,
um sentimento vago, ainda não definido, e que entretanto reside no
fundo da consciência universal.
Se o homem vivesse no deserto e pudesse construir edifícios
para si ser-lhes-ia permittido concebel-os bizarros, feios e grotescos,
pois que agradariam ao constructor e não offenderiam os olhos de
ninguém; mas desde que uma sociedade se forma, desde que ella
occupa uma extensão limitada por montanhas, rios ou mares, desde
que ella não se reúna em cidades, o direito de erigir construcções
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
211
“O estylo architectonico e decorativo é completamente livre,
enquanto não se opponha ao decoro e a regras de arte de construir.
A Directoria de Obras poderá recusar os projetos de fachadas que
acusem um flagrante desaccordo com os preceitos básicos da
architectura”.
Ora, quer isso dizer que é permittida a construcção em qualquer
dos estylos architectonicos, mas, logicamente, quando ella não
obedece a nunhum estylo deve ser prohibida. Logo, a casa do
Pacaembu não poderia ser construída, porque não tendo arte, não
pode ter estylo. Tal casa está portanto em flagrante desaccordo
com os preceitos básicos da architectura, porque não tem belleza.
O mal à esthetica de nossa cidade, e à sua edificação, provem do
facto de não existir na Diretoria de Obras da Prefeitura uma secção
technica de architectura encarregada de examinar os projectos,
apesar de São Paulo ser uma cidade de mais de um milhão de
habitantes.
Não estabeleceremos polemica com dilettantes e apologistas de
taes aberrações estheticas. Não perderemos nosso tempo em discutir
com quem não entende de arte. Fique isso bem consignado. Não
é esse o nosso fim e nem lhes daremos respostas. Falamos como
paulistas que zelam pelo bom nome de nossa terra.
Almejamos apenas que se cuide mais da esthetica urbana e se
comprehenda melhor a architectura, afim de que o senso esthetico de
nosso povo não fique desvirtuado com os entorpecentes do futurismo.
juízo do defeito chocante da construcção. Este defeito é o egoísmo
(selfishness). Poderá rir quem quizer, pode-se me dizer que ahi um
vicio moral que nada tem que ver com as pedras e tijolos; sustento
que a expressão desse vicio moral ou de todo outro da mesma
natureza, tem muito que ver com a belleza de um edifício, porque
é o espírito que se vê; o olho se limita a apresentar os objectos;
é o espirito que se discerne. Assim sendo, não é evidente que as
qualidades que nos agradam ou os defeitos que nos desagradam
num edifício pertencem à ordem moral? É possível que o branco e
o preto, a linha recta e a linha curva, affectem o espírito, não
fossem as idéias que representam? Um edifício fere os olhares de
todos os espectadores, quando estes sentem que o construíram sem
se pensar nelles, sem se inquietar que haveriam ahi olhos, tanto fora
como dentro. Esta rudeza egoísta deve ser suavizada pela polidez
e a esta polidez, chamamos architectura.”
Nos tempos antigos, o cuidado de zelar pela dignidade dos edifícios
era uma magistratura invejada. Assim como a policia das cidades
prohibe nas vias publicas as dissonâncias cruéis, igualmente o edil
antigo protegia a vista dos cidadãos contra a feiúra, e representava
assim a belleza na lei.
Eis um capitulo da magistral obra do grande mestre eu vem a cathar
no caso que discutimos.
É lamentável que a Prefeitura tenha permitido a construcção dessas
casas grotescas, quando o seu Código de Obras Arthur Saboya,
no art. 146 § 2˚, determina:
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
212
bem adaptadas ao seu communismo.
Os typos de construcções allemãs, slavas e israelitas, não são
dignos de ser imitados pelos povos de raça latina. Outros povos
que, igualmente, não têm affinidade comnosco, reconhecem a
superioridade do gênio creador latino e seguem-lhe as pegadas na
architectura (inglezes, norte-americanos, japonezes).
Como architecto e professor da mal comprehendida arte architectonica
no Brasil, protestamos vehementemente que se qualifique como
obra de architectura as taes “machinas de habitar”, semsaboronas
e feias, atarracadas e banaes, que, permanentemente, affligirão os
nossos olhos.
A machina de habitar do Pacaembu é uma nota dissonante do
aristocrático bairro que a Cia City nos presenteou. Esta benemérita
empresa que traçou com tanta arte o lindo arrabalde obriga os
proprietários a cumprirem umas tantas e justas exigências nas
construcções.
É inconcebível que tenha permittido a edificação da “casa
mechanica” que, externamente é um monstrengo.
Imagine-se o que seessa cidade jardim si continuarem a apparecer as
casas tumulares de cimento armado. Se inevitável a desvalorisão
desses terrenos, que mais pareceo um prolongamento do cemirio
do Araçá.
Isso de fazer casas com interiores práticos, para dispensar empregados
Não podemos ouvir uns tantos conceitos sobre a mais nobre das
artes que são verdadeiras heresias.
Ninguém nega que a architectura tem evoluído com as necessidades
da vida actual, desenvolvimento dos processos constructivos e emprego
de novos materiaes. Mas, a sciencia, applicada à edificação, será
sempre subsidiaria da arte.
Por isso, não poderão ser jamais abandonadas as formas consagradas
da architectura, por milhares de séculos, e por civilizações, cujo
grao de mentalidade esthetica ainda não conseguimos igualar e
muito menos ultrapassar. E isto seria muita pretensão em face das
obras primas que nos foram legadas.
A verdadeira e sensata corrente da architectura contemporânea
condemna os excessos do tradicionalismo ou regionalismo. Adapta as
grandes regras da architectura às necessidades actuaes, modernizando
os grandes estylos históricos, melhorando os secundários. Mas, não
admitirá jamais as idéias esdrúxulas do gosto pessoal, postas em
pratica por gente bisonha, afim de “éparter le bourgeois”.
É incrível que se condemne, num paiz de tradição latina, a
orientação da architectura da França, Itália e Hespanha, que deram
as maravilhas que todas as pessoas cultas conhecem.
Estimula-se, no entretanto, os typos de construcção sem estylo,
adoptados por povos sem affinidade alguma comnosco. Preferem-
se as “machinas de habitar”, muito apreciadas na Rússia e muito
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
213
na limpeza e manutenção, não é fazer architectura e nem é novidade.
No livro “Landhaus und Garden” de Hermann Muthesius, publicado
em 1910, encontramos esses arranjos de simples esboçadores de
plantas de casas.
Estamos fartos de que venha gente extranha ao nosso meio,
pretender divertir-se à nossa custa, aproveitando-se da ingenuidade
de certas pessoas que chegam a adquirir extravagantes quadros,
que, por incomprehensiveis, são collocados nas paredes de pernas
para o ar.
A irreverência dos futuristas já está profanando até as nossas
necrópoles, onde vemos túmulos são também que affronta a nossa
própria religião.
[Diário de São Paulo, 16 de abril de 1930]
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
214
recta, o mais simples dos elementos geométricos”.
A mais destas palavras que são verdadeiros insultos, elle escreve, e
isto é mais grave ainda, que a Prefeitura não deve aprovar os meus
projectos, e os da corrente moderna em geral; e que a Companhia
City não deve permitir a construcção de casas que obedecem à
nova orientação architectonica, nos seus bairros.
Estas insinuações emittidas com o fim evidente de prejudicar
moral e materialmente a um collega de profissão, só por si vem
demonstrar que o sr. Christiano das Neves não tem siquer noção
dos seus deveres de profissional, o que vem completar o quadro
da preverbial ignorância fácil de ser provada pela leitura dos
seus numerosos e divertidos artigos, onde elle se obrigado
a citar tenentes coronéis como em autoridades em assumptos
architectonicos, quando não encontra material para citação no seu
inseparável conselheiro, o livro de Charles Blanc.
Com este seu methodo de fazer critica, o illustre sr. se eliminou
por si mesmo das fileiras dos críticos imparciaes e independentes,
e como o referido senhor (isto é do domínio público) não estudou
architectura em nenhuma das grandes academias de Bellas Artes
que tenha prestigio nos meios profissionaes, não lhe reconheço, em
absoluto, autoridade para fazer crítica, mesmo do ponto de vista
puramente acadêmico.
EM TORNO DA CASA MODERNISTA DO PACAEMBÚ
Gregori Warchavchik
Breve resposta para o professor Christiano das Neves.
O professor Christiano das Neves, em dois artigos que publicou,
respectivamente nos dias 14 e 16 de abril, sob os títulos “Architectura
e Futurismo” e “A Machina de habitar do Pacaembu”, actualmente
em exposição pública (à qual elle nem deu a honrra de sua visita),
e também à minha pessôa (embora não tenha citado o nome) e
em termos taes que, ultrapassando os direitos critico e fevindo até
os predeitos da mais elementar ethica profissional, destes seus
artigos se deprehende claramente que elle procura desvalorisar o
meu trabalho, por eu ser, como elle diz, de outros nortes, de outra
origem e de outra religião.
Escreve: “Estamos fartos de que venha gente extranha ao nosso
meio, pretender divertir-se à nossa custa, aproveitando-se da
ingenuidade de certas pessoas!!...” e outra vez escreve “Protestamos
ainda que se abuse da ingenuidade do nosso povo em matéria que
desconhece, impondo-lhe essa insensatez artística e expondo-o ao
ridículo perante as pessoas cultas que visitam a nossa cidade”. Com
estas palavras insinua que todos os architectos modernos (inclusive
eu) são uns ignorantes tão completos que somente se arvoram em
modernistas “por lhes ser difícil, (como elle escreve textualmente)
compôr com a infinidade de linhas curvas e por desconhecerem
mesmo as regras da composição architectural; traçam a esmo a
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
215
Gregori Warchavchik
Architecto e professor pelo Real Instituto Superior de Bellas Artes de
Roma, conforme diplomas registrados na Secretaria de Agricultura
desta cidade, “Fls. 103 a 107 e 107 a 109 v. do livro n. 4”. Membro
do Instituto de Engenharia de São Paulo. Ex membro da Sociedade
de Architectos da Companhia Construtora de Santos. Cidadão
brasileiro pelo artigo 69, paragrapho n. 5 da Constituição da
República dos Estados Unidos do Brasil.
Com isso, termino a resposta para o professor Christiano das Neves.
[Diário de São Paulo, 20 de abril de 1930]
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
216
uma figura surpreendente, que encarnava toda a serenidade do
espírito moderno: Gregorio Warchawcihck.
Jovem, cheio de talento, olhando a arte com pureza, Warchawcihck,
senhor de um perfeito entendimento da technica de Le Corbusier, à
maneira do que se faz na Rússia, na Allemanha e na América do
Norte, começou a surpreender e a maravilhar a cidade com suas
creações magníficas.
Fez a arte pura. A architectura sem complicações e sem tortura, sem
estylisação.
Promoveu uma exposição dos seus talentos.
Revolucionou.
Tirou às janellas a antiga forma vertical. Destruiu os enfeites. Aboliu
os elementos supérfluos. Fez, emfim, da casa uma cousa útil, simples,
directa, primitiva, pura, recta, com uma expressão brasileira, cheia
de luz.
Ao gênio maravilhoso do grande artista, São Paulo deve as únicas
construcções modernas que possue.
Graças a Gregorio Warchawchick é que hoje o Brasil é um dos 9
paizes do mundo que possuem um numero regular de construcções,
levantadas sobre os alicerces das as leis de architectura, inspiradas
na emoção mais verdadeira do espírito moderno.
[Revista Mundo Ilustrado, 11 de março de 1931]
GREGORIO WARCHAWCICK E A ARCHITECTURA MODERNA EM
SÃO PAULO
Mario Longo
Gregorio Warchawcick representa na historia da architectura
brasileira o mesmo papel que Villa-Lobos desempenha na historia
da musica nacional: o papel de precursor.
Quando, em São Paulo, eram construídas 2 casas por hora, 48
monstros architectonicos se levantavam, diariamente, às margens
das ruas da cidade do trabalho.
O dinheiro era redondo: rolava.
Um fazendeiro vinha do sertão e mandava edificar um palácio
colonial, com balcões chinezes e detalhes gothicos. Um syrio vinha
da rua 25 de março e amontoava uma vivenda complicada, cheia
de rethorica, cheia de estylisações orientaes, rodeada de jardins
brasileiros. Um italiano vinha do Braz e ordenava a construcção
de uma vivenda hysterica, com columnas romanas, frontespicios
florentinos e telhados venezianos.
E a cidade se transformava numa espécie de carnaval
architectonico...
O mestre de obras tomava a posição do artista...
Ninguém se entendia: era uma complicação.
Dessa complicação, rica de máo gosto, dessa complicação surgiu
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
217
pelas intenções que as dictaram, os melhore applausos. A iniciativa
em si muito eleva o conceito em que é tido o illustre urbanista que
São Paulo tem à frente de sua administração.
Entretanto, as circumstancias que hão de cercar a realização dos
trabalhos da comissão que irá controlar a esthetica architectonica,
não promettem, segundo meu ponto de vista, uma fiel execução das
puras intenções que inspiraram as referidas determinações. Como
generalidade primeira no assumpto eu penso que o estylo deve ser
absolutamente livre.
Naturalmente, há restricções a fazer conforme a parte do mundo a
que se applicam certos conceitos. Este, que acabo de enunciar, não
caberiam, por exemplo, em Roma, Florença, Veneza, Nuremberg,
Minich, conhecidas como cidades-museus da architectura antiga,
e onde a renovação que hoje sacode toda a architectura iria
desvirtuar o valor tradicional e turístico...”
A COMISSÃO DE PROFISSIONAES
“Mas o conceito do estilo livre, entre nós, nomeada e em
funccionamento essa comissão, soffrerá, sem dúvida alguma, um
rude golpe, se os componentes dessas commissões, profissionaes
como o são, entenderem de influir também com os preconceitos das
escolas em que se formaram no desenvolvimento da urbis... E é ahi
que está o ponto delicado da questão, pois não se póde negar que
uma commissão de profissionaes não tenha seus pontos de vista
RESGUARDANDO A ESTHETICA ARCHITECTONICA DA PAULICÉA
O “Diário da Noite” entrevista sobre as determinações do prefeito
Anhaia Mello, o architecto modernista sr. Gregorio Warchavchik
Foi publicada hoje a regulamentação da Prefeitura Municipal
relativa a parte esthetica da architectura que vae compôr a cidade
de amanhã. São Paulo, cujo desenvolvimento registra innumeras
manifestações artísticas de variado feitio, precisa, evidentemente,
ter melhorada a feição architectonica de seus bairros, que passam
de um extremo a outro os mais eloqüentes disparates com que a
architectura de todos os tempos já sonhou...
Entretanto, qual é a opinião dos nossos architectos sobre o
assumpto? Hoje procurávamos ouvir o sr. Gregorio Warchavchik,
cujos trabalhos possuem um cunho completamente renovador, a que
por diversas vezes nos referimos. É bem lembrada de todos, ainda
hoje, a exposição da “Casa Modernista”, do Pacaembu, realizada
no anno passado, e na qual o distincto architecto definitivamente
se impoz como um dos renovadores da Paulicéa, em sua parte
architectural.
O sr. Gregorio Warchavchik disse-nos o seguinte:
UMA INICIATIVA LOUVÁVEL A PRINCÍPIO
“As determinações do prefeito Anhaia Mello hoje publicadas,
referentemente à parte esthetica-architectonica de São Paulo merecem,
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
218
delimitados por cânones rígidos da arte de construir. Uma comissão
de não profissionaes avaliaria melhor da parte exclusivamente
esthetica da architectura, como ninguém o poderá negar. Agora,
também, espero que esses profissionaes abandonem, a tempo, a
profissão...
O assumpto é tão delicado, para ser tratado numa ligeira palestra,
que prefiro parar por aqui.”
[Diário da Noite, 15 de janeiro de 1931]
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
219
Os aspectos que os nossos “clichês” põe à vista dos leitores, além
de impressionantes pela originalidade, realçam a feição nova e
differente que a moderna Piratininga offerece no quadro immenso
por onde se distende victoriosa.
Para completar a obra do architecto Warchavchik, está também a
reclamar S. Paulo um paysagista audaz que, fugindo à mesmice de
buxos e pinheiros monótonos, tivesse a coragem de recompor com
mais largueza a moldura vegetal da grande cidade, plasmando-a
com um cunho e um caracter bem diverso e actual.
[Revista Para Todos, 04 de abril de 1931]
A ARCHITECTURA CONTEMPORANEA EM SÃO PAULO
A evolução architectonica da cidade de São Paulo constitue, sem
duvida, uma das faces mais empolgantes do progresso brasileiro.
Basta considerar o que era 25 annos a Paulicéa quando se
operou a febre de reformas importantes, tendo por núcleo inicial a
construção do Theatro Municipal, para melhor se aquilatar o valor
de taes melhoramentos.
De par também com a remodelação do centro urbano, as casas
de residência e os bairros de moradia experimentaram notável
desenvolvimento, dando logar a que a venda de terrenos e a
profissão de architecto se constituíssem uma das formas mais
interessantes da actividade paulista.
Apesar de ser a cidade mais bem construída do Brasil, por isso
mesmo que passou da taipa de soquete ao cimento armado, sem os
incovenientes das grandes construcções pombalinas do Rio, Recife
e Bahia, onde a pedra e a cantaria eram o material mais usado,
S. Paulo cahiu na monotonia da architectura “standard” embora o
seu relevo topographico e as clareiras das chácaras patriarchaes
lhe dessem uma physionomia especial.
Metrópole moderna e o maior centro de commercio e industria
mundial em sua altitude, não podia porém, a bizarra “urbs”, quedar-se
alheia ao movimento que, em prol da architectura contemporanea,
está se agitando nos paizes mais cultos do velho e novo mundo.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
220
A Companhia City fazia-se representar pelos seus directores drs.
Erasmo Assumpção, Amaral Villares, Mr. J. C. Belprage, dr. Charles
Tonchon, engenheiro, e outros auxiliares technicos e da administração
que, durante todo o percurso davam aos excursionistas as mais
detalhadas informações.
JARDIM AMÉRICA
Pela avenida Paulista, alcançamos o Jardim América, todo construído
sobre terrenos da City, que, dentro da manhã nevoenta de hoje,
ostentava o pittoresco das suas casas e dos seus parques amáveis.
Percorridas as diversas ruas do Jardim América, os excursionistas
tomaram a direção de Pinheiros, o bairro de clima magnífico e
que muito deve também à empreza de terras que, aos poucos, o
construiu, povoando-o de esplendidas e confortáveis vivendas.
De Pinheiros, passamos para Nova Alliança, propriedade da
mesma companhia.
VISITA AO PREDIO DA RUA ITAPOLIS
Seguindo a avenida Pacaembu, chegamos finalmente à rua Itápolis,
onde foi visitada a casa que aquella empreza acaba de construir.
Confortável, bem mobiliada, cercada de optimo jardim, é o que se
pode considerar uma deliciosa vivenda. As installações de cosinha,
CONGRESSO PAULISTA DE HABITAÇÃO
OS CONGRESSISTAS VISITARAM HOJE OS TERRENOS DA
COMPANHIA CITY E A CASA DA RUA BAHIA, CONSTRUIDA
POR WARCHAVCHIK
em nossa primeira edição publicamos uma detalhada reportagem
sobre a visita que os delegados do Congresso Paulista da Habitação,
a convite da Companhia City, fizeram aos terrenos dessa empreza,
no Jardim América, em Pinheiros, Nova Alliança Pacaembu e Alto
da Lapa. Os excursionistas, que eram em grande numero, como já
dissemos, visitaram em seguida uma das residências da propriedade
da City, edificada à rua Pennapolis e a casa moderna do sr. Luiz
do Prado, construída pelo architecto Gregory Warchavchik, à rua
Bahia, 114.
Durante a excursão os convidados posaram gentilmente para as
objetivas dos jornaes que se fizeram representar.
O “cliché” que publicamos representa dois aspectos apanhados
pelo “Diário da Noite”: o de cima no interior da residência do Sr.
Prado e o de baixo na sala de entrada da Casa da rua Itápolis.
A convite da Companhia City, os architectos que estão tomando
parte no Congresso Paulista de Habitação, fizeram, hoje pela
manhã, uma visita aos terrenos daquela poderosa empreza.
Às 9 horas, da porta da Sociedade Paulista de Architectos, à rua
Christovão Colombo, partiram os excursionistas, em automóveis.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
221
luz em profusão, emfim o que exige a mentalidade avançada e
verdadeira que, dia a dia, vae tomando conta do mundo.
Entre os excursionistas, notamos as seguintes pessoas: madame
Gragory Warchavchik, srs. Heitor Eiras Garcia, Carlos Lobo,
Alberto da Silva Grude, Miguel de Noce, J. Nogueira de Almeida,
Jarbas Andréa, Lino Silveira, Lucio R. Filho, J. M. Pinheiro Junior,
Gregory Warchavchik, Celso José Gerin, Mario Ferreira, Alberto
Zagattes, Abel Brigueta, N. Nascimento, Mario Cunha, Luiz Maia,
F. Telles e outros.
[Diário da Noite, 27 de maio de 1931]
copa ebanheiro são a ultima palavra em conforto.
Por uma gentileza dos directores da Companhia City, na sala de
refeições do prédio foi aos presentes servidos um aperitivo
acompanhado de frios. Dos presentes apenas o sr. Alexandre
Albuquerque pretendeu esboçar um pequeno discurso que teve
mais caracter de palestra.
VISITA A “CASA MODERNA DE S. PAULO”
Depois de posarem para os photografos dos diversos jornaes que
se faziam representar, os excursionistas partiram para a rua Bahia,
114, onde está construída a casa do sr. Luiz Prado, conhecida
mais vulgarmente como “a casa moderna de São Paulo”.
Sobre uma colina, cercada de jardins brasileiros em planos, dando,
ao longe, a impressão de um transatlântico em forma de cubo,
simples, cheio de luz e de saúde, ergue-se a casa construída pelo
architecto modernista Gragory Warchavchik, professor da Escola
Nacional de Bellas Artes, do Rio de Janeiro.
Essa residência que, por sua belleza pura, arrancou do maior dos
architectos do mundo, Le Corbusier, palavreas de enthusiasmo é,
sem favor, a mais bella casa de São Paulo.
Do jardim plantado de cactus, os excursionistas passaram a visitar o
interior da casa, onde tudo é novo. Paredes lisas, sem complicações,
sem enfeites, lustres embutidos nos tectos puros, ar em abundancia,
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
222
desencontrada da nossa luz solar, Gregori Warchavchik disciplinou
o exaggero das nuanças e conseguiu o tom completo da côr. De
tudo isso, seguindo uma forma de salutar simplicidade, de uma
hygienica origem de conforto, quasi que poderíamos dizer de uma
útil razão scientifica, surge a verdade reformadora de sua obra.
De resto, não podemos discutir, numa noticia apressada, longe de
qualquer preconcebido intuito de analyse esmerada, os resultados
estheticos, especulativos e modernistas de suas casas. Warchavchik
merece, com justiça, o exame pensado e o estudo sereno, visto
que o assumpto de seus projetos e realidades, está numa ordem
de factos acima das tentativas supérfluas. No entretanto, o que
não cabe suspeitar, o que fica conscientemente provado, é o bem
enorme de suas casas e o effeito civilizado que o fixa a physionomia
de sua architectura.
A intelligencia nova que encaminha os vários problemas urbanos,
os homens que estão entregues as iniciativas reformistas das nossas
cidades acceitaram os ensinamentos audaciosos e louváveis de
Gregori Warchavchik. Mesmo porque, deante de suas casas,
dentro do quadrilátero claro, transparente, dessas mesmas casas,
onde cada aposento impõe aos nossos semelhantes uma saúde
natural de optimismo, não se descobre nem se encontra a falsa
comprehensão de futurismo e outros rótulos complicados. Tudo, nas
suas habitações, demonstra o contrário: facilidade de ar, atmosphera
de largueza e o bem estar tranquillo do infinito em cada recanto. Para
um povo como o nosso, cheio de inquieta nervosidade, lutando a todo
O DIA DE HOJE DO CONGRESSO DE HABITAÇÃO
A EXCURSÃO AOS TERRENOS DA COMPANHIA CITY DE S.
PAULO REUNIÃO DAS COMISSÕES DE THESES FARÁ HOJE, À
NOITE, UMA CONFERENCIA O DR. ALEXANDRE ALBUQUERQUE
SOBRE “CODIGOS MUNICIPAES DE CONSTRUCÇÕES”
[...] Dahi encaminharam-se todos os presentes para a Casa da rua
Bahia n.114, construída pelo architecto Gregorio Warchavchik.
A casa que Gregori Warchavchik acaba de construir, dentro de uma
technica acertada com as exigências da architectura revolucionaria,
significa um presente para a mentalidade moderna.
Na sua feição exterior, isto é, no volume simples, puro, de sua
fachada, apparece a tendência da unidade das coisas e que rege
as novas construcções do universo de agora.
O mundo actual, cujo rythmo de vida é procurar o ponto apenas
objectivo das coisas, encontra em Gregori Warchavchik o seu
penetrante interprete. Suas edificações, nascidas da espontaneidade,
da syntheses, das impressões de fácil entendimento visual, deixam
no ambiente brasileiro uma admirável harmonia.
uma symetria das paredes, no desenho em massa de suas
linhas sem contornos, sem devaneios da theoria architectonica, o
argumento pratico das realizações e um profundo estimulo para
os instantes alegres da existencia humana. Porque, entrando em
contato raciocinado com a natureza tropical, com a diffusão
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
223
instante com a variabilidade climaterica, com a indomitez bravia
da coloração pantheista, nada tão tonico e agradável, como a
parcella de calma, de dosagem colorida, imposta pelas edificações
de Warchavchik. Quando as raças evoluídas e experimentadas,
após as mais fundas experiências, nessas questões de moradia,
acceitaram o estylo que é o mesmo reflectido nas casas de Gregori,
salientando apenas o effeito de adaptação, por que também
deixarmos de acceital-o? Certo, diante da utilidade que toda prova
suggestiona, dentro em breve teremos o habito de gostar das casas
de Gregori Warchavchik.
Depois da visita, deu-se o regresso dos excursionistas que chegaram
à cidade às 13 horas e meia.
A residência da rua Itápolis, n. 61, propriedade da City, foi
construída pelo engenheiro architecto Chaves Ponchon. A alludida
companhia obriga-se à conservação de 75 kilometros de ruas.
[Folha da Noite, 28 de maio de 1931] O mesmo texto foi publicado na
Folha da Manhã, na mesma data.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
224
mysterio e perfume do passado, acharão seccas e sem graça as
casas do Warcahwsky: mas as pessôas que as visitam por dentro
ficam encantadas; sentem que ali se viverá com inteiro conforto a
vida dos nossos dias.
E os que aceitam as formas modernas com o gosto da vida moderna,
esses acham deliciosas as surpresas de harmonia e plástica que
apresentam os exteriores de Warchawsky, obtidas por meio dos
elementos geométricos mais simples e mais puros.
[Revista Forma, setembro de 1930]
GREGORI WARCHAVCHIK ARCHITECTO MODERNO
A architectura tinha degenerado, um pouco por toda parte, mas
sobretudo entre nós, num fachadismo de tal ordem, que não fazia
mais pensar em construção: era pura scenographia. A nossa
gente abastada não dá impressão de morar em casas de verdade.
Na verdade, parece viver atrás de uma fachada. Accrescente-se que
quasi sempre a fachada é feia, senão grotesca. As nossas avenidas
Beira-Mar e Atlântica estão cheias desses aleijões lamentáveis.
Felizmente hoje na Europa uma corrente muito forte que se esforça
por adaptar a arte de construcção ao padrão da vida moderna.
Para esses artistas que vivem bem o seu tempo a architectura deixou
de ser o baile de mascaras dos estylos desuetos oh tão poéticos!
Architectura é construcção desenvolvendo-se bem logicamente de
dentro para fora, a fachada é apenas conseqüência do plano de
distribuição interior e resultará bella se aquelle plano houver sido
bem resolvido. Essa architectura nova se caracteriza pelo desprezo
absoluto de preconceito decorativo. Ella está na realidade criando
o estylo da nossa época, valendo-se dos materiais novos, ferro,
cimento, vidro aproveitados, com outra largueza de vista e como
o permite o immenso progresso da technica industrial; satisfazendo
as necessidades de simplificação, lógica, hygiene e economia em
que se funda o espírito esportivo do mundo moderno.
Gregori Warchawsky está integrado nessa corrente intelligentissima.
Os que vivem suspirando por poesia e para quem poesia é falbalá,
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
225
1931
Residência de Antônio da Silva Prado Neto (Casa Silva Prado
Neto) – São Paulo
A Casa Modernista do Rio a primeira casa modernista do Rio
de Janeiro
Sede Social do Clube Esportivo “Harmonia” – São Paulo
Imóvel de rendimento para o Sr. Lincoln Nodari - Rio de Janeiro
Residência para o Sr. Guimarães da Fonseca – Rio de Janeiro
Bar restaurante na Praia de Copacabana – Rio de Janeiro
AneXo iii
listA de obrAs dentro do PerÍodo estudAdo
1927
Residência Warchavchik a primeira casa modernista do Brasil,
em São Paulo.
1929
Moradia para uma pequena família – São Paulo
Residência para um casal – São Paulo
Residência de João de Sousa Lima – São Paulo
Residência do Sr. Cândido da Silva – São Paulo
Casas econômicas em série – São Paulo
1930
Blocos de casas econômicas para a classe média – São Paulo
A Casa Modernista de São Paulo – Pacaembu, São Paulo
Residência Luís da Silva Prado (Casa da rua Bahia) – São Paulo
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
226
“Estudo sobre os arranha-céus”, entrevista publicada pelo O Jornal,
Rio de Janeiro, em 9 de dezembro de 1928.
“Arquitetura Moderna”, publicado em Acrópoles, São Paulo, 29
de dezembro de 1928.
1929
“Arquitetura Nova”, publicado pelo Correio Paulistano, 20 de
janeiro de 1929.
“São Paulo e Arquitetura Nova”, publicado na revista Ilustração
Brasileira, Rio de Janeiro, setembro de 1929.
1930
“Passadistas e Futuristas”, publicado na revista Vanitas, São Paulo,
março de 1930.
“Em torno da Casa Modernista do Pacaembu”, breve resposta ao
professor Christiano das Neves, publicado no Diário de São Paulo,
20 de abril de 1930.
“Como julgar a tendência da moderna arquitetura: Decadência
ou ressurgimento?”, tese apresentada, mas não aceita ao IV
Congresso Pan Americano de Arquitetura, Rio de Janeiro, 1930,
depois publicada no Diário da Noite, São Paulo, em 28 de junho
de 1930.
AneXo iV
listA de Artigos PublicAdos dentro do PerÍodo
estudAdo
1925
“Futurismo?”, publicado em italiano no Il Piccolo, São Paulo em
15 de junho de 1925.
“Acerca da Arquitetura Moderna”, artigo-manifesto, publicado
pelo Correio da Manhã, Rio de Janeiro em de novembro de
1925.
1926
“Arquitetura Brasileira”, publicado em Terra Roxa e Outras Terras,
São Paulo, em 17 de setembro de 1926.
1928
“Decadência e Renascimento da Arquitetura”, publicado pelo
Correio Paulistano em 5 de agosto de 1928.
“A Arquitetura do Século XX”, série de 10 artigos, publicado pelo
Correio Paulistano, em 29 de agosto, 5, 14 e 23 de setembro, 9
e 21 de outubro, 4 e 21 de novembro, e finalmente em 2 e 16 de
dezembro de 1928.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
227
1931
“Relatório para o III Congresso Internacional de Arquitetura
Moderna”, Bruxelas, novembro de 1930 e publicado em Cahiers
d’Art, Paris, nº. 2, 1931.
“A Arquitetura Viva”, publicado em O Jornal, Rio de Janeiro em 1º
de novembro de 1931.
WARCHAVCHIK: ENSAIO PARA A MODERNIDADE
228
AneXo V
listA de eXPosiçÕes dentro do PerÍodo estudAdo
1930
“Exposição de uma casa modernista e de arte moderna”, São
Paulo, Rua Itápolis 116, de 20 de março à 20 de abril.
1931
“Exposição do Congresso de Habitação”, São Paulo, maio
de 1931. Organizada pelo Instituto de Engenharia, Divisão de
Arquitetura. Fotografias de desenhos de obras e de interiores
realizados.
“XXXIII Exposição Geral de Belas Artes”, Salão Oficial, Rio de
Janeiro, setembro de 1931: “Casa Luiz Prado” na rua Bahia em
São Paulo (10 ampliações e 17 fotografias de interiores); “Casa
Cândido da Silva” em São Paulo (uma ampliação); “1ª Casa
Modernista de São Paulo” (1 ampliação); “Casa para um casal”,
na rua Avanhandava em São Paulo (1 ampliação); “Maquete para
um clube de tênis” em São Paulo (projeto da sede); “Projeto para
uma casa de campo” (desenho); “Projeto para um bar-restaurante”
(desenho); “Exposição da primeira Casa Modernista do Rio de
Janeiro”, 22 de outubro de 1931, Rua Toneleros.
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