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psicopatológicos. Nessa via, as classificações teriam por objetivo servir à intervenção
médica positiva, o que reiteraria o seu valor de utilidade e operação. De fato, os Manuais,
em sua estrutura, não apresentam as possíveis implicações etiológicas nos diversos
“Transtornos”
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(aqui enfocando os depressivos) e a descrição classificatória, como
dissemos, tentaria seguir uma linha descritiva pura, sem relação com pressupostos teóricos.
Contudo, a existência de fatores carregados de premissas teóricas inexoravelmente
presentes nesta operação é ponto que não pode deixar de ser considerado. Neste traçado
lógico Bogochvol (op. cit.), aponta que as concepções químicas “(...) nortearam grande
parte da organização das nosografias contemporâneas (o CID-10 e o DSM-IV), que,
ironicamente, são apresentadas como ateóricas, denegando, assim, seus próprios
pressupostos” (p. 45).
Visamos sustentar nesse âmbito que a medicina psiquiátrica, ao construir os
Manuais, não escapa da presença do observador, o qual, segundo uma análise mais
rigorosa, é atravessado por sua doutrina e seu instrumental (Cf. SONENREICH, op. cit.).
Ou seja, por mais que uma nosografia purista busque alcançar existência legítima, ela cai
inevitavelmente em engrenagens teóricas e até mesmo ideológicas.
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A única exceção que se apresenta em termos de etiologia nos Manuais aparece nos chamados “Transtornos
de Humor Devido a uma Condição Médica” e “Transtornos de Humor induzidos por Substancia”, onde se
definem marcadores causais, seja por uma “condição médica” qualquer, seja pela introdução de alguma
substância que altere o estado psíquico do indivíduo.
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É preciso frisar que não estamos desconsiderando, ao fazermos esta análise, o indiscutível aumento no
número de pacientes que demandam tratamento por fatores clínicos cujo traçado aponta para sintomas
depressivos, o que se faz notar nos últimos tempos de maneira mais preponderante tanto nos institutos de
saúde quanto nos consultórios privados. Questionamos, entretanto, a proeminência de um movimento
classificatório que dilui no diagnóstico depressivo outras especificações importantes como a melancolia,
quando aquela aparece na maioria das vezes de maneira inespecífica ou de maneira associada a outras tantas
patologias. Como veremos, a psicanálise observa casos de depressão tanto na histeria quanto na melancolia.
No presente trabalho definiremos, a partir da linha de pesquisa desenvolvida no NEPECC/UFRJ da qual
participamos, um tipo de depressão que difere da melancolia e da histeria e que é específico à contextualidade
sócio-cultural contemporânea. Destaca-se aqui a importância da subjetividade, bem como da cultura, no
aparecimento de uma depressão crônica ou aguda.
Também não estamos sugerindo, com isso, que a medicina não deva se valer da intervenção química em
determinados quadros cuja cronicidade alcança níveis insustentáveis de suportabilidade. O que se
problematiza sobre isso é a utilização da psicofarmacologia na
legitimação do reducionismo biologizante para
a etiologia da depressão, baseada nos efeitos muitas vezes prodigiosos dos medicamentos bem como nas
análises não muito ainda consistentes sobre as alterações neuroquímicas. Conforme pudemos verificar,
contudo, o índice de pacientes deprimidos não diminuiu nos últimos anos apesar da incisiva intervenção