
No que diz respeito à freqüência escolar, observa-se também diferenças com relação ao grupo
anterior (Gráfico 12). Com efeito, entre os que trabalham, 77% freqüentam a escola contra 92,7% dos
que não trabalham. Portanto, no grupo de 10 a 14 anos, há evidências de que o trabalho precoce afeta a
freqüência escolar. De fato, o trabalho infantil reduz, pelo cansaço, a capacidade de concentração das
crianças e, ao submeter a sua saúde a riscos e abusos, as conduz ao absenteísmo eventual, que, por sua
vez, provoca baixos índices de freqüência escolar e repetência. Em última instância, especialmente se a
qualidade da educação for precária, conduz a criança ao desalento e à evasão.
O conflito entre trabalho e escola tem desdobramentos imediatos por causa do impacto do trabalho
precoce sobre a evasão escolar e, no longo prazo, sobre a escolaridade obtida. No primeiro caso, a
literatura sobre o tema atesta que há uma relação inversa entre trabalho precoce e freqüência à escola
17
.
Todavia, essa evidência não fornece a direção da causalidade. A causalidade relevante ocorre quando o
trabalho precoce é a nítida causa do absenteísmo escolar. A relação inversa é possível
18
quando as
próprias famílias pobres percebem a má qualidade da educação e preferem retirar ou não colocar as
crianças na escola, conduzindo-as precocemente ao mercado de trabalho.
A implicação mais importante desse fato é, independentemente da direção da causalidade, sobre as
estratégias de combate ao trabalho infantil, que devem, de forma inevitável, conter um componente de
inserção dessas crianças em escolas de boa qualidade; porque elevar a qualidade da educação no país é,
de forma geral, uma estratégia eficiente de reduzir a influência que o trabalho infantil exerce sobre o
absenteísmo e a evasão escolar.
No segundo caso, ou seja, naquele em que o trabalho precoce exerce influência sobre a
escolaridade obtida, infere-se que trabalhar hoje pode viabilizar o estudo amanhã, seja para financiá-lo,
seja porque o trabalho é experiência que potencializa a educação futura. Assim, trabalho e estudo podem
ser temporariamente complementares, não apresentando o mesmo grau de conflito observado num dado
momento do tempo. Ou seja, a relação entre trabalho e educação varia ao longo do ciclo da vida.
O trabalho precoce, como causa da transmissão da pobreza entre gerações, fundamenta o
estabelecimento de duas relações: a da pobreza ser uma das causas do trabalho precoce e a de o trabalho
precoce por sua vez, constituir uma das causas da pobreza futura. Assim, o trabalho infantil afeta tanto
os rendimentos futuros, na vida adulta, quanto o grau de escolaridade obtido
19
. Os estudos indicam que,
de forma geral, há um elevado grau de transmissão da pobreza por gerações seguidas e que, quanto
menor a escolaridade do pai, maior a probabilidade de o indivíduo começar a trabalhar precocemente
20
.
As causas do trabalho infantil, portanto, são múltiplas e complexas. Além disso, as relações entre educação e trabalho
precoce também não são triviais. A natureza do problema demanda, por conseguinte, ações do Estado e da sociedade em
várias frentes. A questão exige a mobilização da energia social, criatividade na concepção do marco legal e mecanismos
eficazes para sua aplicação, além da elaboração e do desenvolvimento de programas eficientes de combate a esse fenômeno
socialmente indesejável. As instituições, os instrumentos e os programas para combater o trabalho infantil no Brasil são
descritos na seção seguinte e demonstram os esforços que estão sendo feitos pelo Governo e pela sociedade para vencer o
desafio imposto pelo problema.
17
Barros, Ricardo P. de e Mendonça, Rosane S. P. de Trabalho infantil e evasão escolar. Rio de Janeiro: DIPES/IPEA,1996.
18
Barros, Ricardo P. de e Santos, Eleonora Cruz S. P. de. Conseqüências de longo prazo do trabalho precoce. Rio de Janeiro:
DIPES/IPEA, julho de 199I.
19
Estudo sobre o diferencial de desempenho educacional entre aqueles que trabalham e aqueles que não trabalham concluiu,
para o caso do Nordeste, que adiar em seis meses, em média, a entrada no mercado de trabalho conduziria a uma melhoria
na escolaridade atingida de 0,17 ano de estudo. Esse resultado evidencia que a escolaridade finalmente atingida é
influenciada pela idade de ingresso no mercado de trabalho. Vide Barros e Mendonça, Trabalho Infantil e Evasão Escolar,
op. cit., p. 6-7..
20
Barros e Santos, op. cit., p. IO-1 l.