
servir ao conhecimento laico e à promoção da lógica e da ciência, os mosteiros
teriam sobrevivido como centros do saber, e as universidades não teriam surgido.
Também a própria Igreja Católica, caso tivesse a intenção e a capacidade de
entender as mensagens recebidas por séculos a fio sobre a necessidade de se adaptar
aos novos tempos, teria evitado a Reforma Protestante do século XVI. Foi, sobre-
tudo, por ter insistido na infalibilidade de suas interpretações, na perfeição de
suas instituições e no rigor de seus rituais que ela veio a provocar o surgimento
do grande movimento evangelizador que fez surgir uma outra religião dentro dos
mesmos princípios cristãos. O mesmo pode ocorrer com a universidade, de uma
forma ou de outra: ela pode ou vir a ser substituída por outras instituições que,
de fora, estão exigindo que ela mude, ou ela pode transformar-se a si própria. Essa
transformação implicaria a ampliação, ainda maior, de seus princípios fundamentais,
por meio do avanço do conhecimento superior, criando instrumentos para libertar a
humanidade, aumentar a riqueza, tanto a material quanto a intelectual, ampliar o
horizonte social de igualdade de oportunidade, incluindo a todos, principalmente
os jovens, independentemente de classe, raça, gênero e lugar de nascimento.
Ao longo de seus oito séculos e meio de existência, a universidade foi refundada
por algumas vezes. Uma entidade secular só consegue sobreviver se houver uma
razão muito forte para sua existência e, ao mesmo tempo, se ela possuir uma forte
capacidade para se transformar e se adaptar às exigências de cada momento
histórico. Os exércitos, mais antigos que as universidades, mantendo o compro-
misso maior de defender seus países, passaram por inúmeras transformações ao
longo da história. As igrejas, por outro lado, tendem a resistir às mudanças,
insistindo em manter seus dogmas intactos, provocando, assim, cismas e dis-
sidências. Elas preferem romper sua unidade a ter de se refundar.
Por ser autônoma e não ter dogmas, a universidade, mais que qualquer outra
instituição, tem a obrigação de refundar-se a si própria, sempre que necessário.
A refundação por que passou a universidade brasileira ocorreu em fins da década
de 60 do século XX, sob os auspícios dos militares e da influência americana, por
meio do acordo MEC-USAID. Desde essa época até o começo do século XXI:
• o regime militar chegou ao fim;
• não houve censura oficial a qualquer forma de atividade intelectual;
• o Brasil tornou-se democrático, chegando até mesmo a eleger um presidente
metalúrgico, proveniente de um partido nitidamente de esquerda;
• as universidades foram reorganizadas em segmentos corporativos que, rapi-
damente, descobriram possuir um poder que, alguns anos antes, seria inimaginável, e
usaram esse poder com uma intensidade que os governos e a sociedade jamais sus-
peitaram ser possível;
• há eleições diretas para reitor;
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A UNIVERSIDADE NUMA ENCRUZILHADA