quando me escondo, qual maçã cozida, no jarro de uma velha delambida: tropeço-lhe nos beiços, sem
que o veja, e no regaço entorno-lhe a cerveja. A sábia tia, às vezes, numa história de enredo triste e
perenal memória, pensa me ter, qual um banquinho, à mão; então me afasto e, bum! vai ela ao chão, e
enxertando na história um disparate reclama em altas vozes o alfaiate, sem parar de tossir. Em
gargalhadas as comadres rebentam, de malvadas, saltam de gozo e juram, da janela, não terem visto uma
hora como aquela. Retira-te; Oberon vem com o seu bando.
FADA - E a senhora também. Fosse ele andando!
(Entra, por um lado, Oberon com o seu séqüito: por outro, Titânia com o dela.)
OBERON - Orgulhosa Titânia, é mau indício assim nos encontrarmos ao luar.
TITÂNIA - O ciumento Oberon! Fadas, partamos; abjurei do seu leito e companhia.
OBERON - Detém-te, presunçosa; acata as ordens de teu senhor.
TITÃNIA - Então, senhora eu sou. No entanto eu sei que do país das fadas vieste furtivamente, após a
forma tomares de Corino, e o dia inteiro na avena rude versos amorosos a Fílida cantavas. Por que causa
vieste aqui ter, deixando a Índia longínqua? Certamente tão-só pela imperiosa Amazonas de botas
elegantes, vossa guerreira amada, que está a ponto de casar com Teseu.
OBERON - Não te envergonhas, Titânia, de atirar-me esses remoques pelo interesse que eu dedico a
Hipólita, se eu não ignoro que amas a Teseu? Com tua ajuda, numa noite fosca, não pode ele fugir de
Perigônia, que ele próprio raptara? Quem não sabe que o fizeste violar os juramentos feitos a Egle
formosa, a Ariadne, a Antíopa?
TITÂNIA - Tudo isso é o ciúme que a inventar vos leva. Desde aquele verão, nunca podemos nos reunir
na floresta, pelos prados, nas colinas, nos bosques, junto às fontes em que os juncos vicejam, pelas praias
sonorosas do mar, para dançarmos em coro ao som dos ventos sibilantes, sem que em nossa alegria não
nos víssemos perturbadas por tuas invectivas. Por isso os ventos, como em represália de em vão nos
assobiarem, do mar vasto aspiraram vapores contagiantes, e estes, pelo país se derramando, tanto
deixaram túmidos os rios, que as margens inundaram, de orgulhosos. Em vão os bois no jugo se
cansaram; perdeu o suor o lavrador; o verde trigo podre ficou antes de a barba juvenil lhe nascer; os
currais se acham vazios nas campinas alagadas; cevam-se os corvos no pestoso gado: as quadras de
pelota estão desertas e cobertas de lama; quase esfeitos na verde relva os belos labirintos, porque ora já
ninguém neles transita. Falta aos homens mortais o frio inverno; com hinos e canções, as noites claras já
não são abençoadas como outrora. E assim, a lua, que o mar vasto impera, pálida de rancor, todo o ar
deixa úmido, abundando os catarros. Em tamanha desordem vemos as sazões trocadas: do seio brando da
virente rosa sacode a geada a cândida cabeça, enquanto sobre o queixo e nos cabelos brancos do velho
inverno, por escárnio, brotam grinaldas de botões odoros do agradável estio. A primavera, o estio, o
outono procriador, o inverno furioso as vestes habituais trocaram, de forma tal que o mundo, de
assombrado, para identificá-los não tem meios. Pois bem; toda essa prole de infortúnios de nossas
dissenções, tão-só, provêm; geradores e pais somos de todos.
OBERON - Dai o remédio, então; tendes os meios. Por que há de contrariar, sempre, Titânia seu
Oberon? Não peço muito, apenas uma criança perdida, para dela fazer meu pajenzinho.
TITÂNIA - Tal cuidado tirai do coração. Nem todo o reino das fadas me comprara este menino. Ao meu
culto sua mãe era votada, Muitas e muitas vezes, na atmosfera perfumada das Índias, me aprazia ouvi-la