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Universidade da Amazônia
Amor e Pátria
de Joaquim Manuel dede Joaquim Manuel de
MacedoMacedo
NEAD – NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Av. Alcindo Cacela, 287 – Umarizal
CEP: 66060-902
Belém – Pará
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Amor e Pátria
de Joaquim Manuel de Macedo
Personagens:
Plácido
Prudêncio
Luciano
Velasco
Afonsina
Leonídia
Senhoras e Cavalheiros
Povo
A ação se passa no dia 15 de Setembro de 1822.
Drama em Um Ato
ATO ÚNICO
O teatro representa uma sala ornada com luxo e esmero em relação à
época. Duas portas ao fundo, uma dando saída para a rua, e outra comunicando
com uma sala; portas à direita; janelas à esquerda.
CENA I
Plácido, Prudêncio, Leonídia e Afonsina, que observa curiosa uma caixa que está
sobre uma cadeira, e a porta da sala do fundo que se acha fechada.
Plácido – Ela já nem pode disfarçar a curiosidade que a atormenta; tem andado em
volta da caixa mais de quatro vezes.
Leonídia – Coitadinha! Aquilo é tão natural na sua idade...
Prudêncio – Acrescente-lhe: e no seu sexo... Nunca vi pais tão desfrutáveis!
Plácido – Agora lá vai ela direitinha olhar pelo buraco da fechadura da porta: então
que disse eu?...
Leonídia – Faz-me pena vê-la assim martirizando-se.
Plácido – É para que no fim ainda mais agradável e completa lhe seja a surpresa.
Prudêncio – E vocês acham muito bonito o que está fazendo minha sobrinha?...
Plácido – Então que lhe acha, senhor tenente rabugento?...
Prudêncio – Nada: apenas uma comédia em que uma sala trancada e uma caixa
fechada fazem lembrar o pomo vedado, e em que Afonsina representa o papel de
Eva e minha irmã e meu cunhado o da serpente tentadora ou do diabo, que é a
mesma coisa.
Leonídia – Este meu irmão tem lembranças felizes!
Prudêncio – Vocês hão de acabar por perder completamente aquela menina! O
senhor meu cunhado com as idéias que trouxe da sua viagem à França e a senhora
minha irmã com a sua cegueira de mãe extremosa, deram-lhe uma educação como
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se a quisessem para doutora de borla e capelo: fizeram-na aprender tudo quanto ela
podia ignorar, e a deixaram em jejum a respeito do que devia saber. Assim, minha
sobrinha dança melhor do que as bailarinas do teatro de S. João; toca o seu cravo a
ponto de admirar ao padre José Maurício: canta e gorjeia que parece um dos
italianos da capela real; conversa com os homens como se eles fossem mulheres; é
capaz de discutir sobre teologia com Frei Sampaio, e sobre arte militar com o
general Corado; mais se lhe perguntarem como se toma ponto a uma das meias,
como se prepara um bom jantar, como se governa uma casa, espicha-se
completamente: eu até aposto que ela não sabe rezar.
Leonídia – Afonsina é um tesouro de talentos e de virtudes, e você na passa de
uma má língua.
Prudêncio – Oh! Pois não! Nem os sete sábios da Grécia lhe dão volta! Ela faz
versos como o defunto padre Caldas; fala em política e é tão eloqüente como o
Antônio Carlos; é tão revolucionária como o Barata... Não sei por que ainda não quis
se deputado às cortes!...
Havemos de lá chegar: creio, porém, que já escreve seus artigos para o
Reverbero, e que para isso está de inteligência com o Ledo e o padre Januário: até
bem pode ser que vocês já a tenham feito pedreira livre, e que a menina fale com o
diabo à meia-noite.
Afonsina (Vem à frente) – Minha mãe...
Leonídia – Que tens, Afonsina? Pareces-me triste...
Plácido – É verdade, minha filha: que quer dizer esse ar melancólico no dia dos teus
anos, e quando te preparamos uma bela festa?...
Afonsina – É que ...eu...meu pai, eu não posso mais...
Prudêncio – Talis arbor, talis fructus! De um casal sem juízo na podia nascer senão
uma doidinha.
Leonídia – Mas que te falta, dize?
Afonsina – Ah! Minha mãe, aquela sala e esta caixa atormentam-me, exasperam-
me...
Prudêncio – Andem depressa...andem...satisfaçam a curiosidade da menina, antes
que ela arranje algum faniquito.
Plácido – E que tens que ver com aquela sala e com essa caixa?...
Afonsina – É uma curiosidade bem natural: esta caixa, que está fechada, talvez
contenha algum objeto interessante, e aquela porta, que e sempre esteve aberta e
que hoje amanheceu trancada, encerra necessariamente algum mistério, e
portanto...
Prudêncio – Vamos à conseqüência, que há se ser sublime!...
Afonsina – A conseqüência, meu tio?... Ei-la, aí vai:
Deixar de ser curiosa
Por certo não está em mim:
É pecado feminino,
Por força hei de ser assim.
O que em todas se perdoa,
Também se desculpe em mim:
Mamãe sabe que as mulheres
São todas, todas assim.
Mamãe, aquela caixa,
Papai, aquela sala,
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Encerram um segredo
Que o meu sossego abala.
Juntamente
Afonsina — Saber desejo
O qu’ali’stá;
Eu sou teimosa,
Sou curiosa
Sou caprichosa,
Sou ardilosa,
Serei vaidosa;
Mas não sou má.
Plácido e Leonídia — Ninguém lhe diga
O qu’ali’stá;
Será teimosa
E curiosa,
E caprichosa,
E ardilosa;
Será vaidosa:
Mas não és má.
Prudêncio — Ninguém lhe diga
O qu’ali’stá;
Tu és teimosa
E curiosa,
E caprichosa,
E ardilosa,
Muito vaidosa,
E também má.
Não foras tu mulher, minha rica sobrinha!
Afonsina – Meu tio, não é muito que eu tenha um defeito que é comum nas
mulheres, quando falta à vossa mercê uma das primeiras virtudes dos homens.
Plácido – Afonsina!
Prudêncio – Deixem falar a retórica; diga lá, minha senhora: qual é então essa
virtude que me falta?
Afonsina – É a coragem, meu tio.
Prudêncio – Ora, fico-lhe muito obrigado! Sou um grandíssimo poltrão, porque não
entro em revoluções nem em bernardas, e guardo a minha espada de tenente de
ordenanças para as grandes crises e os momentos supremos?
Afonsina – Então é bem para recear que a sua espada fique eternamente na
bainha.
Prudêncio – Pode fazer o favor de dizer por quê?
Afonsina É bem simples: é porque vossa mercê nem considera momento
supremo aquele em que se trata da regeneração e da independência da pátria.
Prudêncio – E eu creio que era mais próprio da senhora ocupar-se com bilros e
agulhas, do que com independências e regenerações políticas: uma mulher metida
em negócios do Estado, é capaz de transformar a nação em casa de Orates.
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Afonsina – Porém, meu tio, olhe que nem por isso o momento deixa de ser
supremo, e é preciso que nos dê provas do seu valor.
Prudêncio – Provavelmente quer que eu deite a correr pelas ruas, dando vivas ao
que não entendo e morras a quem nunca me fez mal, e que me exponha a ter a
sorte do Tiradentes, como está fazendo o seu querido Luciano, que é um doido de
pedras.
Leonídia – Mano Prudêncio, atenda ao que diz!
Plácido – Luciano cumpre o seu dever: a causa que adotou é a de sua pátria, e se
morrer por ela será um mártir, um herói; nunca, porém, um louco.
Prudêncio – Pode-se bem servir à pátria sem fazer traquinadas.
Afonsina – É verdade; meu tio tem razão: Luciano é um louco, e ele um homem de
muito juízo, de uma bravura e de um patriotismo como nunca vi!
Prudêncio – A senhora parece que quer divertir-se comigo?
Afonsina – Eu quero somente recordar agora alguns fatos. A nove de janeiro deste
ano, o senado da câmara foi, em nome do povo, representar ao príncipe contra a
sua retirada do Brasil; não houve um só patriota que não corresse ao largo do Paço;
meu tio, o momento era supremo e quando se ouviu repetir o glorioso – Fico – do
Príncipe, o primeiro que o saudou com um viva entusiástico foi Luciano, e entre
aqueles que responderam a esse brado patriótico, ouvi dizer que não se achava
meu tio.
Prudêncio – Estava retido em casa com um ataque de maleitas.
Plácido (A Leonídia) – Afonsina esqueceu-se da sala e da caixa.
Leonídia (A Plácido) – Pois se foram ofender o seu Luciano!
Afonsina Dois dias depois, a onze de janeiro, Avilez e as tropas lusitanas
ocuparam o morro do Castelo; a luta parecia dever começar; os brasileiros correram
para o campo de Santana e Luciano foi o chefe de uma companhia de voluntários.
Meu tio, o momento era outra vez supremo, e ouvi dizer que vossa mercê não
apareceu durante três dias.
Prudêncio – Estava de erisipela, senão veriam!
Plácido (A Leonídia) – Olha a cara com que está o mano Prudêncio.
Leonídia (A Plácido) – Bem feito: é para não ser bazófio.
Afonsina – Mas Avilez retirou-se com os seus para a Praia Grande; o perigo não
tinha ainda passado, e no campo do Barreto reuniram-se as milícias brasileiras e as
falanges dos patriotas: Luciano, à frente dos seus bravos companheiros, lá se achou
pronto para o combate e fiel à causa da pátria. Ah! Meu tio, o momento era de novo
ou continuava a ser supremo, e eu ouvi dizer que não houve quem pudesse
descobrir onde vossa mercê se escondia.
Prudêncio – Achava-me atacado de reumatismo nas pernas.
Afonsina – Ah! É que vossa mercê é um compêndio de todas as moléstias, e eu
tenho reparado que sempre adoece a propósito!
Prudêncio – Eu sou o que diz o meu nome: Prudêncio! O homem da prudência; não
hei de nunca desonrar a minha espada de tenente de ordenanças em bernardas de
pouco mais ou menos; chegue, porém, o dia de uma grande e verdadeira batalha,
em que haja cargas de cavalaria, descargas de infantaria, trovoada de artilharia, e
verão como brilho no meu elemento!
Afonsina – Com vossa mercê na batalha há de haver por força uma carnagem
horrorosa!
Plácido, Leonídia e Afonsina, juntamente.
Se os tambores rufassem deveras,
À peleja os guerreiros chamando,
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O tenente Prudêncio, chorando,
Fugiria medroso e poltrão.
Prudêncio – Não!não! não!
Se os tambores rufassem deveras,
À peleja os guerreiros chamando,
Meu ginete veloz cavalgando,
Eu voara com a espada na mão.
Façam de conta
Que negra afronta
Sem mais tardar
Corro a vingar.
A uns degolo,
Outros esfolo,
Outros imolo,
Sem trepidar.
Zás! Cutilada!
Zás! Estocada!
Zás! Pistolada!
Sem descansar:
E derribando,
E cutilando,
E decepando
Sem respirar,
Só me detenho
No fero empenho,
Quando não tenho
Mais quem matar.
(Ouve-se o rufar de tambores)
(Assusta-se) Misericórdia! Que é isto?
Plácido, Leonídia e Afonsina – Avante! Avante! Prossiga!
Chama o tambor os guerreiros!
Prudêncio – Estou com dor de barriga.
Leonídia – Que tremor é esse, mano Prudêncio? dir-se-ia que tem medo!
Prudêncio – Não é medo, não; mas vocês sabem que eu sou muito nervoso, e
assim...um rufar de repente...
Afonsina (Que tem ido à janela) – Sossegue, meu tio: é apenas a guarda do paço
que se vai render.
Prudêncio – E quem foi que se assustou aqui?
O rufo dos tambores
Exalta o meu valor
Com a durindana em punho,
Nas asas do furor,
Eu levo aos inimigos
A morte e o terror.
Plácido, Leonídia e Afonsina, juntamente
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O rufo dos tambores
Abate o seu valor;
Não sabe mais da espada,
Tem medo e não furor,
E em dores de barriga
Disfarça o seu terror.
Afonsina – Realmente, meu tio, vossa mercê vale os doze Pares de França juntos!
Prudêncio – Eu sou assim; sou o homem das grandes ocasiões!
CENA II
Os precedentes e Luciano
Luciano – Mas o pior é, tio Prudêncio, que as suas grandes ocasiões não chegam
nunca.
Prudêncio – Ora, eis aí o senhor espalha-brasas conosco! Faça coro ali com a
senhora, e venha também divertir-se comigo.
Luciano – Nada de amofinar-se; o dia de hoje é de festa, e portanto não se enfade.
Plácido – Entretanto, vejo-te de chapéu na mão, e disposto a roubar a Afonsina
algumas horas de um dia, que deveria ser todo consagrado a ela.
Luciano – Meu pai, eu conto com o perdão de Afonsina e com o seu, asseverando
que somente motivos da mais grave importância me obrigam a sair por uma hora.
Prudêncio – Oh! Pois não! O senhor anda sempre ocupado com assuntos da mais
elevada transcendência; não há bernarda em que não entre, nem revolucionário a
quem não conheça; agora então vive sempre pelas grimpas; freqüenta a casa do
advogado Rocha, já é maçom, e ainda ontem foi duas vezes à casa do ministro José
Bonifácio.
Plácido – Muito bem, Luciano! Muito bem! Estas amizades fazem a tua glória: vai,
meu filho, e continua a proceder como até aqui. (Tocam cornetas)
Prudêncio – Pior vai ela! Que diabo de tempo em que a cada instante se ouvem os
ecos das cornetas e o rufar dos tambores!
Luciano – Creio que hoje deve ter lugar algum acontecimento importante; o nosso
magnânimo Príncipe está a chegar de S. Paulo; mas...tio Prudêncio, por que não vai
saber que novidades há?
Prudêncio – Pensa que tenho medo? ... pois vou imediatamente. (À parte) Hei de
pôr a cabeça na rua; mas, pelo sim, pelo não, deixarei o corpo no corredor. (Vai-se)
Luciano — Meu pai, procurei um meio de afastar o tio Prudêncio, porque antes de
sair preciso dizer-lhe duas palavras em particular.
Leonídia – Visto isso, também devemos retirar-nos?
Luciano – Por um instante só, minha mãe.
Leonídia ( A Plácido) – Acho Luciano hoje mais sério do que costuma mostrar-se.
Luciano (A Afonsina) – Afonsina, eu voltarei nas asas do amor.
Afonsina (A Luciano) – Nunca sem tardar muito para a minha saudade.
Leonídia – Vem, Afonsina. (Vai-se)
Afonsina (À parte) – E ainda não sei o que contém a caixa nem a sala. (Vai-se)
CENA III
Plácido e Luciano
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Plácido – Estamos sós, Luciano, e eu confesso que estou ansioso por saber que
espécie de confidência me queres fazer.
Luciano – Meu pai, é força que eu lhe dirija uma pergunta, que aliás considero
desnecessária. Oh! Por Deus o juro: não duvido, nem duvidei jamais da única
resposta que vossa mercê vai dar-me; mas... julgou-se...é essencial que eu a ouça
da sua boca.
Plácido – Excitas a minha curiosidade e começas a desassossegar-me: Fala.
Luciano – Algum dia... vossa mercê se pronunciou contra o Príncipe e contra a
causa do Brasil?...Mandou alguma vez socorros ou comunicações a Avilez quando
ele esteve na Praia Grande, ou o aconselhou a resistir às ordens do Príncipe?
Plácido – Luciano! És tu que me devias fazer uma tal pergunta?
Luciano – Não...não...eu bem o sei, eu o conheço, meu pai sinto que o ofendo: mas
aceite que era indispensável que eu lhe fizesse esta pergunta, como é indispensável
que eu ouça um – não – pronunciado pela sua boca.
Plácido – É possível!
Luciano – Oh! Responda-me por compaixão!
Plácido – Pois bem: pela minha honra, pela honra de minha mulher, pela pureza de
minha filha, eu te afirmo que não.
Luciano – Obrigado, meu pai! Mil vezes obrigado! Nestas épocas violentas, nestes
dias de crise, há às vezes quem duvide da consciência mais pura e da probidade
mais ilibada; oh! mas a pátria de seus filhos é também a sua pátria e...oh meu Deus!
Que imensa felicidade me inunda o coração! (Abraça Plácido)
Plácido – Sim! Eu amo o Brasil, como o mais patriota dos seus filhos!
Luciano – Tocamos a hora suprema, meu pai! O Príncipe chegará de São Paulo
talvez hoje mesmo; a última carta vai ser jogada, e o Brasil será contado entre as
nações do mundo. Oh! sinto abrasar-me a chama do patriotismo! O Grito de
liberdade e da independência soa já em meus ouvidos e em meu coração! Meu pai,
um dia de glória vai brilhar para a minha pátria, e se combate houver, e se nele
sucumbir teu filho, não o lamentes, porque morrerei a morte dos bravos, defendendo
a mais santa das causas e mais bela das pátrias!
Plácido – Sim! Avante! Avante! avante!(Abraçam-se; soam trombetas)
Soam de novo as trombetas...Que será?
Luciano – A trombeta belicosa
Chama os bravos à peleja!
Infame, maldito seja
Quem recusa combater.
Da liberdade da pátria
A causa é sagrada e bela;
É honra vencer com ela,
Honra por ela morrer.
Quebrar da pátria o jugo
É dos heróis a glória:
Às armas, brasileiros;
A morte ou a vitória!
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CENA IV
Plácido () – Como é sublime o grito do patriotismo! Mas esta pergunta que
Luciano acaba de fazer-me envolve talvez algum sinistro mistério!...embora! tenho a
minha consciência tranqüila; para longe as idéias tristes: o aniversário natalício da
minha Afonsina seja todo de alegria e de ventura...e é já tempo de revelar o segredo
da caixa e da sala: Leonídia! Afonsina! Então que é isso?...querem ficar lá dentro dia
inteiro?
CENA V
Plácido, Leonídia e Afonsina
Leonídia – Plácido, Afonsina ainda não me deixou sossegar um instante, e quer por
força que eu lhe revele o nosso segredo.
Plácido – Tens então muita vontade de saber o que encerra esta caixa e que se
acha naquela sala?
Afonsina – Oh! muita, meu pai... e também para martírio já é bastante.
Plácido – Pois bem: eis aqui a chave da sala; abre a porta e olha. (Dá a chave,
Afonsina vai ver) Que vês?...
Afonsina – Um altar!...para que se armou aqui um altar?
Plácido (O mesmo) – Abre agora a caixa; aqui tens a chave.
Afonsina – Ah!
Leonídia – Que encontraste na caixa, Afonsina!...
Afonsina – Um vestido...um véu...e uma coroa de noiva...
Leonídia – E não sabes a quem devem pertencer?...
Afonsina – Minha mãe ...eu não sei...
Plácido – Afonsina, minha Afonsina: não te lembras que ao receber cheio de júbilo o
pedido de tua mão, que nos fez Luciano, eu exigi que o dia do casamento fosse
marcado por mim?...Pois esse dia feliz é hoje, hoje, que também é o dia dos teus
anos e que será o mais belo da minha vida!
Afonsina – Meu pai!...minha mãe!...
Leonídia – Estás contente, Afonsina?...Oh! mas atua alegria não excede a que
enche o coração de tua mãe!...
Prudêncio (Dentro) – Então já está descoberto o segredo?... Pode-se cumprimentar
a noiva com todos os ff e rr do estilo?
Plácido – Sim ...sim...Afonsina já abriu a caixa e a sala.
Prudêncio – em tal caso, avanço com o meu batalhão...avante, camaradas!
CENA VI
Os precedentes, Prudêncio, cavalheiros e senhoras
Coro –
Salve o ditoso
Dia propício
De natalício
E de himeneu
Salve, mil vezes,
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Noiva adorada,
Abençoada
Por Deus no céu.
(Plácido cumprimenta; as senhoras cercam Afonsina, etc)
Plácido – Obrigado, meus senhores, obrigado!
Prudêncio – Muito bem! Excelentemente; e agora queira Deus que o encanto do
casamento, que põe a cabeça à roda a todas as moças, queira pelo contrário dar à
minha sobrinha a única coisa que lhe falta, isto é, o juízo no seu lugar.
Leonídia – Mano Prudêncio, você esquece o respeito que deve à princesa da festa.
Prudêncio – Pois se eu tenho a cabeça completamente aturdida com os tambores
que rufam lá fora, e com os parabéns e alegrias que fervem cá dentro!não sei como
hei de haver! Na praça a guerra, que é o meu elemento, e em casa um casamento
que e faz encher a boca d’água. Olhe: até me havia esquecido de lhe entregar uma
carta, que há pouco veio trazer um criado da nossa prima, a mulher do intendente da
polícia.
Leonídia – Uma carta do intendente?...Que novidade haverá?
Plácido – Aposto que adivinhou o casamento de Afonsina...
Leonídia (Lendo) – Meu Deus!...
Plácido – Leonídia muda de cor e treme!...Que será?
Prudêncio – A cartinha, pelo jeito, parece mais um convite de enterro, do que carta
de parabéns: quem sabe se não é notícia de alguma bernarda?...Ora, que não se
pode ter sossego neste tempo de revoluções!...tomara que eu levasse o diabo a
todo o patriota que não é como eu amigo do cômodo.
Plácido – Recebeste, por certo, uma notícia desagradável...
Afonsina – Minha mãe, que há?
Leonídia – Que há de ser?...Minha prima se mostra ressentida, porque não a
prevenimos do teu casamento; queixa-se de mim, e declara-se enfadada; mas vou já
obrigá-la a fazer as pazes comigo; voltarei dentro em pouco; no entanto, minhas
senhoras...
Prudêncio – As honras da casa ficam por minha conta: minhas senhoras, aquela
porta dá caminho para o jardim; aquela, meus senhores, abre-se para uma sala de
jogo: às senhoras as flores, aos homens as cartas! Vamos... (Repetem o canto e
vão-se)
CENA VII
Plácido e Leonídia
Plácido – Houve há pouco uma pessoa, a quem não conseguiste enganar, Leonidia.
Leonídia – Nem tive esse pensamento, meu amigo; lê esta carta; mas lembra-te de
que hoje é o dia do casamento de nossa filha: tem coragem e prudência.
Plácido (Lendo) – “Cumpro um dever de amizade e prevenindo-te de que teu marido
foi denunciado como inimigo do Príncipe e da causa do Brasil; o governo toma
medidas a esse respeito; o denunciante, cujo nome não te posso confiar, é um moço
ingrato e perverso, que deve tudo a teu marido, que o acolheu em seu seio e tem
sido o seu constante protetor. Vês bem que este aviso, que te dou, pode, se chegar
ao conhecimento do governo, comprometer ao intendente. Fala-se na deportação do
senhor Plácido; mas há quem trabalhe em seu favor. Adeus.” Infâmia!
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Leonídia – Silêncio...
Plácido – Mas é uma horrível calúnia que me levanta!
Leonídia – Sê prudente, meu amigo; convém que não transpire este segredo; eu
vou imediatamente falar à minha prima, e conto desfazer toda esta intriga. Deus há
de ser por nós..Promete-me ficar sossegado...
Plácido – Sim...sim...vai...e sobretudo, e antes de tudo, traze-me o nome do infame
caluniador.
Leonídia – Hei de trazer-te a alegria, mas não me lembrarei da vingança. (Vai-se)
CENA VIII
Plácido e logo Velasco
Plácido – Que abominável trama! Quem será o infame denunciante? (Lendo) “...Um
ingrato que me deve tudo” Meu deus! Diz-me a consciência que tenho estendido a
mão e socorrido a muitos infelizes... Qual seria então dentre esses o que assim me
calunia, e me faz passar pó inimigo de um Príncipe heróico e do país abençoado,
que me deu felicidade e riqueza! Por inimigo da causa do Brasil, do Brasil, que é a
pátria querida de minha mulher e de minha filha!... e é, em tal circunstância, que
nem Luciano me aparece? Oh! nem tenho um amigo a meu lado!
Velasco – É porque não quer voltar os olhos, senhor Plácido.
Plácido – Velasco...senhor Velasco...
Velasco – Velasco, dizia bem; pode tratar-me como um filho, pois que tem sido meu
pai.
Plácido – Obrigado.
Velasco – Chamava um amigo seguro: eis-me aqui.
Plácido – Mas...
Velasco – Senhor, não procuro arrebatar-lhe um segredo; sei que um negro pesar
atormenta o seu coração, e que um desejo ardente se agita no seu espírito.
Plácido – Como?...que quer dizer?
Velasco – O pesar nasceu de uma denúncia caluniosa e malvada: o desejo é de
saber o nome do miserável denunciante.
Plácido – É isso, é isso mesmo: quero saber esse nome...diga e ...
Velasco – Vou dizê-lo, senhor; antes, porém, é força que eu traga à sua memória os
benefícios que lhe devo.
Plácido Perderá assim um tempo muito precioso: diga-me o nome do meu
denunciante.
Velasco – Ouça primeiro, senhor: cheguei, há três anos, da ilha do Faial, minha
pátria, e desembarcando nas parias do Rio de Janeiro, achei-me só, sem pão, sem
protetor, sem amparo; mas o senhor Plácido condoeu-se de mim, recebeu-me em
sua casa, fez-me seu caixeiro, deu-me a sua mesa, deu-me o teto que me abrigou, e
enfim abriu-me o caminho da fortuna: já estabelecido há um ano, chegarei um dia a
ser talvez um rico negociante, graças unicamente ao seu patrocínio. A meus pais
devi acidentalmente a vida; ao senhor Plácido devo tudo, tudo absolutamente, e
portanto, é vossa mercê para mim ainda mais do que são meus pais.
Plácido – Senhor, antes dos pais, Deus, e a pátria somente; mas a que vem essa
história?...
Velasco – Repeti-a para perguntar-lhe agora se um homem que lhe deve tanto
poderia procurar enganá-lo?
Plácido – Senhor Velasco, nunca duvidei da sua honra, nem da sua palavra.
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Velasco – E se eu, pronunciando agora o nome do seu denunciante, quebrar uma
das fibras mais delicadas do seu coração? Se...
Plácido – Embora...eu devo, eu quero saber esse nome...
Velasco – Pois bem: o seu denunciante...foi...
Plácido – Acabe...
Velasco – O senhor Luciano.
Plácido – Mente!
Velasco – Senhor Plácido!...
Plácido – Perdoe-me...fui precipitado; mas Luciano...não...não é possível!
Velasco – E no entanto foi ele!
Plácido – Está enganado: Luciano é a honra...
Velasco – Tenho um patrício empregado na polícia, e dele recebi esta confidência:
vi a denúncia escrita pela letra do senhor Luciano.
Plácido – Meu Deus! É incrível! (Reflete) Não... Luciano não pode ser; o noivo de
minha filha...o meu filho adotivo...o meu...não, não: é falso.
Velasco – Cumpri o meu dever; o mais não pe da minha conta; rogo-lhe somente
que não comprometa o meu amigo, que perderia o seu emprego se descobrisse
que...
Plácido Pode sossegar...não o comprometerei; mas Luciano!... com que fim
cometeria ele uma ação tão indigna?
Velasco – Senhor Plácido, a sua pergunta não é difícil de ser satisfeita: o senhor
Luciano há dois dias que não deixa a casa do ministro José Bonifácio: uma
deportação pronta e imediata precipitaria o casamento desde tanto por ele
suspirado, e ao mesmo tempo deixaria em suas mãos a riqueza imensa do
deportado, ficando o segredo da traição oculto nas sombras da polícia.
Plácido – Quem poderia acreditá-lo!... Mas... realmente todas as presunções o
condenam: há pouco ele tremeu e confundiu-se, ouvindo Prudêncio dizer que o tinha
visto ontem entrar duas vezes na casa do ministro: a carta da mulher do intendente
diz que o denunciante é um ingrato, que tudo me deve, que eu acolhi em meu seio,
é de quem tenho sido o constante protetor... Oh! miséria da humanidade!...oh!
infâmia sem igual! Foi ele! O caluniador, o infame; o denunciante foi Luciano!
Velasco – Ainda bem que a verdade brilha a seus olhos; mas... não se exaspere: a
inocência triunfará e o crime deve ser condenado ao desprezo.
Plácido – Ao desprezo? Não: o seu castigo há de ser exemplar: juro, que um ingrato
não será o esposo de minha filha; o demônio não se há de unir a um anjo de
virtudes: oh! o céu me inspira ao mesmo tempo o castigo do crime e o prêmio do
mérito. Senhor Velasco, há dois meses pediu-me o senhor a mão de minha filha, e
eu lhe recusei, dizendo que Afonsina estava prometida em casamento a Luciano;
pois bem, o motivo da recusa desapareceu: minha filha será sua esposa.
Velasco – Senhor...
Plácido – Recusa a mão de minha filha?...
Velasco – Oh! não, mas a senhora Dona Afonsina ama ao senhor Luciano.
Plácido – Aborrecê-lo-á dentro em pouco: minha filha ama somente a virtude, e um
ingrato há de inspira-lhe horror.
Velasco – Mas eu nem mesmo assim serei amado: e em tal caso...
Plácido – Respondo pelo coração de Afonsina; não pretendo coagi-lo...
Velasco – Senhor, é a felicidade que me está oferecendo; abre-me as portas do
céu: e pensa que eu hesitarei em beijar-lhe a mão, recebendo de sua boca o nome
de filho?
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Plácido – Ainda bem! Oh! Luciano! Luciano! Mal sabes o que te espera!...Senhor
Velasco, vá reunir-se aos nossos amigos, e...silêncio. (Vai para dentro).
Velasco Acabo de lançar-me em um caminho perigoso; embora: quem não
arrisca, não ganha. Se eu perder no jogo, terei pelo menos feito beber fel e vinagre a
esse revolucionário que detesto, a esta família estúpida que não me aprecia
bastante, e ao senhor Plácido, que, sendo meu patrício, me havia posto de lado para
casar a filha e dar a sua riqueza a um brasileiro!... Ânimo! O dia é para mim de jogo
forte. Vou jogar. (Entra).
CENA IX
Afonsina e logo Luciano
Afonsina – Como sou feliz! O horizonte da minha vida é um quadro de flores: amo,
sou amada; meus pais abençoam o meu amor e meus votos; meus juramento de
envolta com os de Luciano vão ser levados ao céu nas asas dos anjos!Oh! Meu
Deus! Meu Deus! O coração é muito pequeno para tão grande felicidade.
Luciano – Afonsina! Minha Afonsina!
Afonsina – Luciano...já sabes...
Luciano – Encontrei na casa do intendente nossa mãe, que tudo me disso, e vejo a
coroa e o véu de noiva em tua cabeça patenteando a minha glória: oh! de joelhos!
de joelhos! Agradeçamos a Deus tanta ventura!
Afonsina – Sim... sim... é impossível mais felicidade do que a nossa.
Luciano – E ainda é maior do que pensas; errarei muito se não é verdade que
saudaremos hoje a um só tempo o triunfo sincero do amor e o triunfo heróico da
pátria: Afonsina, os cantos de amor vão misturar-se com os hinos da liberdade...
Afonsina – Como?
Luciano – Creio que um acontecimento grandioso teve lugar. O ministro José
Bonifácio acaba de receber despachos e notícias do Príncipe; oh! o meu coração
transborda de entusiasmo, e eu espero saudar hoje a pátria da minha Afonsina,
como nação livre e independente.
Afonsina – Oh! praza ao céu que a glória da pátria venha refletir seus raios
brilhantes sobre a pira do nosso himeneu.
Luciano – E a pátria será tua única rival; a amada única que terei além de ti!
Afonsina – Mas a essa minha rival eu amo, eu adoro também! Nem eu te quisera
para meu esposo se não a amasses tanto! A essa minha rival...Oh! meu Luciano,
amo-a! adoro-a tanto, como a mim! Ainda mais do que a mim!...
Luciano – Afonsina!
Afonsina – (Correndo a abraçar-se) – Luciano!
CENA X
Os precedentes, e Plácido aparecendo.
Plácido – Separai-vos!...
Afonsina – Meu pai!...
Luciano – Senhor!...
Plácido – Separai-vos, disse: Afonsina, o teu casamento só mais tarde terá lugar, e
outro será teu esposo, porque este senhor é...um...infame...
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Luciano – Infame! Infame!...oh! meu Deus! Eu mataria outro qualquer homem que
ousasse dizê-lo!
Afonsina – Luciano!... é meu pai!
Luciano – Estás vendo que o não esqueci.
Plácido – Nada mais há de comum entre nós: o senhor sabe que praticou uma
infâmia,e tanto basta. Seja feliz...suba...conquiste posição...honras...fortuna;
pressinto que terá um futuro imenso... é hábil...conseguirá tudo, menos ser esposo
de minha filha.
Afonsina – Meu pai, caluniaram a Luciano.
Plácido – Não; foi ele que se desonrou.
Afonsina – É calúnia, meu pai!
Luciano – Obrigado, Afonsina; juro-te pela nossa pátria, que me faze justiça. (A
Plácido) Senhor, ninguém no mundo, e nem vossa mercê, é mais honrado do que
eu.
Plácido Acabemos com isto (Falando para dentro). Venham todos, entrem,
senhores!
Afonsina – Oh! meu Deus!...Luciano...
Luciano – Sossega.
CENA XI
Os precedentes, Prudêncio, Velasco, Senhoras, Cavalheiros.
Prudêncio – São horas do casamento?...
Plácido – Justiça seja feita!
Prudêncio – Justiça! Tenho muito medo desta senhora, porque padece da vista, e
às vezes dá pancada de cego.
Plácido – Senhores, tenho de cumprir um ato de solene justiça; ouçam-me.
Afonsina – Eu tremo!...
Plácido – Sejam todos testemunhas do que vou dizer, e do que se vai passar.
Senhores, acabo de romper o casamento que devia celebrar-se hoje. O senhor
Luciano é indigno da mão de minha filha.
Prudêncio – Então como diabo foi isso?
Plácido – Esse mancebo, a quem sempre servi de pai desvelado, atraiçoou-me,
feriu-me com a mais perversa calúnia. Esperando, sem dúvida, ficar de posse dos
meus bens e riqueza, denunciou-me ao governo como inimigo do Príncipe e da
causa do Brasil, e pediu a minha imediata deportação.
Afonsina – Luciano? é impossível, meu pai!...
Prudêncio – Já não há impossíveis no mundo, minha senhora: e ia esta pombinha
sem fel cair nas garras daquele revolucionário!
Velasco – (Á parte) – Chegamos ao fim do jogo: tenho esperanças de ganhá-lo;
mas confesso que estou com receio da última cartada.
Plácido – A perfídia do ingrato foi a tempo descoberta: espero em Deus não ser
deportado; e ainda bem que posso salvar minha filha!
Prudêncio – Apoiado! Nada de contemplações...
Plácido – E agora, senhores, revelarei a todos um segredo de família, que eu hoje
tinha de confiar somente ao senhor Luciano. Sabem os meus amigos que eu tive um
irmão querido, meu sócio nos prazeres e nas aflições da vida, e também meu sócio
no comércio; a morte roubou-me esse irmão, cuja fortuna herdei, como seu único
parente. Pois bem, esse irmão muito amado, ferido de súbito pelo mal que o devia
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levar em poucos instantes à sepultura, reconhecendo o seu estado, e vendo que se
aproximava do transe derradeiro, chamou-me para junto de seu leito e disse-me:
“Plácido, sabes que tenho um filho, penhor de um amor infeliz e ilegítimo; ignorem
todos este segredo, e tu recolhe meu filho, educa-o, zela a fortuna que deixo e que
deve pertencer-lhe; e se ele se mostrar digno de nós, se for um homem honrado ,
entrega-lhe a sua herança.” Concluindo estas palavras, meu irmão expirou.
Senhores, o filho de meu irmão é o senhor Luciano!
Luciano – Grande Deus!...
Afonsina – É me primo!
Prudêncio – Esta é de deixar um homem de boca aberta um dia inteiro!
Velasco – (À parte) – Complica-se o enredo...e...palavra de honra, creio que isto
acaba mal.
Plácido – Senhor Luciano, creio que cumpri à risca o meu dever; zelei os seus
bens,a sua fortuna, amei-o e eduquei-o como...um filho. Hoje que sou vítima de sua
ingratidão, podia guardar para mim a herança que lhe pertence, pois que nenhum
documento lhe assegura, e todos ignoravam o que acabo de referir: quero, porém,
dar-lhe um último e inútil exemplo de probidade. (Dando papéis) Eis aqui as minhas
contas: pode mandar receber a sua herança; o senhor possui quinhentos mil
cruzados.
Prudêncio – Este meu cunhado é doido!
Afonsina – Como procederá agora Luciano?...
Plácido – eis as minhas contas, repito; examine-as e dê-me as suas ordens. Uma
última palavra: compreenda que faço um sacrifício falando-lhe ainda, e que estou
ansioso por concluir depressa. Senhor, sei que se ufana do nome de patriota; é um
belo nome, sem dúvida, e que exprime uma idéia grandiosa; mas não basta ser
valente para ser patriota, como ser bravo não é ser honrado. O patriota é aquele que
além de estar pronto a dar a vida pela causa do seu país, sabe também honrá-lo
com a prática de virtudes, e com o exemplo da honestidade; o patriota prova que o é
no campo de batalha, nos comícios públicos, no serviço regular do estado e nos seio
da família; em uma palavra, quem não é homem probo, não pode ser patriota. Eis o
que pretendia dizer-lhe; agora separemo-nos para sempre: aqui tem as minhas
contas, e dê-me as suas ordens. (Luciano fica imóvel)
Afonsina – Oh! ele não aceita!
Plácido – Receba-as, senhor, e deixei-nos em paz. (Luciano recebe os papéis).
Afonsina – E aceitou...meu Deus!
Velasco (À parte) – Quinhentos mil cruzados de menos no bolo!
Luciano – Vou retirar-me; antes, porém, de o fazer, também direi uma única...e
derradeira palavra. Fui condenado sem ser ouvido: transformou-se contra mim a
calúnia em verdade, e puniram-me com o insulto e com a humilhação. Curvo-me
diante do único homem que o podia fazer impunemente. Senhor, fácil me fora
desfazer em um instante todo esse indigno enredo em que me envolveram, mas o
meu orgulho me cerra os lábios, e não descerei a desculpar-me; ao insulto seguirá
em breve o arrependimento; no entanto...vou retirar-me; esta riqueza, porém, que
vossa mercê me atirou ao rosto em um tal momento...essa riqueza...oh! senhor, um
patriota também prova que o é, levantando-se diante do opróbrio...
Oh! vossa mercê definiu perfeitamente o patriota e o homem honrado: deu-
me, porém, a definição e não me apresentou o exemplo; pois o exemplo quero eu
dar-lho: Ei-lo aqui! (Rasga os papéis)
Afonsina – É o meu Luciano! Eu o reconheço!...
Plácido – Senhor! Despreza a herança de seu pai?...
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Luciano – Não desprezo a herança de meu pai; revolto-me contra a afronta de meu
tio. Riquezas! Eu as terei; a terra abençoada por Deus, o Brasil, minha bela e
portentosa pátria, abre ao homem que trabalha um seio imenso repleto de tesouros
inesgotáveis; colherei, pois, esses tesouros por minhas mãos, enriquecerei com o
meu trabalho, e ninguém, ninguém jamais terá o direito de humilhar-me!
Prudêncio – É outro doido! Creio que a loucura é moléstia hereditária nesta família.
Luciano – Vossa mercê não será deportado, eu o juro; descanse; mas o seu
denunciante, esse...esse miserável que se esconde nas trevas, esse...hei de
conhecê-lo e curvá-lo de joelhos a meus pés, e ...adeus, senhor...Afonsina!...
Afonsina – Luciano!
Leonídia (Dentro) – Parabéns! Parabéns!
Plácido – Leonídia...
Velasco (Á parte) – Pior está essa!...
CENA XII
Os precedentes, e Leonídia
Leonídia – Plácido!...(Abraça-o) Cheguei tarde, meu amigo, tudo já estava feito:
Luciano tinha assinado uma fiança por ti e suspendido a tua deportação...
Plácido – Luciano?! perdão, meu filho! Perdoa a teu pai!
Luciano – Meu pai! O meu coração nunca o acusou...
Velasco (À parte) – Chegou o momento de por-me longe daqui...vou sair
sorrateiramente...
Leonídia – Pois duvidaste de Luciano? dele, que há dois dias só se ocupa de
salvar-te?
Plácido – Senhor Velasco!... (Voltando-se) Devo-lhe o ter feito a meu filho uma
grande injustiça; venha defender-me...(Trá-lo pelo braço)
Velasco Segue-se que fui enganado também...palavra de honra...palavra de
honra...
Plácido – Não jure pela honra...não a tem para jurar por ela...
Prudêncio – Mas que alma de Judas foi então o denunciante?
Leonídia – Negam-me o seu nome; mas eis aqui uma carta para Luciano.
Luciano (Depois de ler) – O denunciante...Ei-lo! (Mostrando Velasco).
Plácido – Miserável!... (Luciano o suspende).
Prudêncio – Pois vocês caíram em acreditar naquele ilhéu?...
Luciano – Sirva-lhe de castigo a sua vergonha: os bons vingam-se de sobra do
homem indigno, quando o expulsam da sua companhia...o denunciante é baixo e vil,
e o denunciante falsário um abjeto, a quem não se dirige a palavra, nem se concede
a honra de um olhar. (Sem olhá-lo, aponta para a porta, e Velasco sai confuso e
envergonhado) Afonsina!
Plácido – É tua, meu filho...o altar vos espera...não nos demoremos...vamos.
Leonídia – Vai, minha filha, vai e sê feliz! (Abre-se a porta da sala do fundo; os
noivos e a companhia vão para o altar: Leonídia só fica na cena, ajoelha-se e ora).
Coro –
Nas asas brancas o anjo da virtude
Os puros votos leve deste amor,
E aos pés de Deus depositando-os, volte
E aos noivos traga a bênção do Senhor.
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Afonsina e Luciano – Minha mãe!...
Leonídia (Abraçando-os) – Meus filhos!...
Prudêncio – Agora ao banquete! Ao banquete! Estou no meu elemento!...(Ouve-se
música e gritos de alegria) Misericórdia!...parece toque de rebate...
Luciano – Oh! é a feliz nova que rebenta, sem dúvida! Meu pai! Minha mãe!
Afonsina! É a Independência...eu corro...(Vai-se)
Plácido – Os sinais não são de rebate, são de alegria...
Leonídia – E Luciano...se ele se foi expor...
Afonsina – Não, minha mãe; meu esposo foi cumprir o seu dever.
Prudêncio – Esta minha sobrinha nasceu para general.
CENA XIII
Os precedentes, e Luciano ornado de flores
Luciano – Salve!salve! o Príncipe imortal, o paladim da liberdade chegou de S.
Paulo, onde a 7 deste mês, nas margens do Ipiranga, soltou o grito “Independência
ou Morte” grito heróico, que será doravante a divisa de todos os
Brasileiros...ouvi!ouvi! (Aclamação dentro Sim! – Independência ou Morte!”
Prudêncio Por minha vida! Este grito tem assim alguma coisa que parece
fogo...faz ferver o sangue nas veias, e é capaz de fazer de um medroso um herói...O
diabo leve o medo!...quando se escuta um destes gritos elétricos, não há, não pode
haver Brasileiro, de cujo coração e de cujos lábios não rompa esse mote sagrado...
“Independência ou Morte!”
Vozes (Dentro) – Viva a Independência do Brasil!... Viva! Viva!
CENA XIV
Os precedentes e multidão – Homens ornados de flores e folhas; um traz a bandeira
nacional. Entusiasmo e alegria. Vivas à Independência.
Luciano (Tomando a Bandeira) – Eis o estandarte nacional; Viva a nação
brasileira!...
Afonsina – Dá-me essa nobre e generosa bandeira. (Toma-a) Meu pai: eis o
estandarte da pátria de teus filhos! Abraça-te com ele, e adota por tua pátria a nação
brasileira, que vai engrandecer-se aos olhos do mundo!...
Plácido – Terra de amor, terra de liberdade, terra de futuro e de glória! Brasil
querido! Aceita em mim um filho dedicado!...
(Aclamações, vivas e o Hino da Independência)
FIM
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