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levar em poucos instantes à sepultura, reconhecendo o seu estado, e vendo que se
aproximava do transe derradeiro, chamou-me para junto de seu leito e disse-me:
“Plácido, sabes que tenho um filho, penhor de um amor infeliz e ilegítimo; ignorem
todos este segredo, e tu recolhe meu filho, educa-o, zela a fortuna que deixo e que
deve pertencer-lhe; e se ele se mostrar digno de nós, se for um homem honrado ,
entrega-lhe a sua herança.” Concluindo estas palavras, meu irmão expirou.
Senhores, o filho de meu irmão é o senhor Luciano!
Luciano – Grande Deus!...
Afonsina – É me primo!
Prudêncio – Esta é de deixar um homem de boca aberta um dia inteiro!
Velasco – (À parte) – Complica-se o enredo...e...palavra de honra, creio que isto
acaba mal.
Plácido – Senhor Luciano, creio que cumpri à risca o meu dever; zelei os seus
bens,a sua fortuna, amei-o e eduquei-o como...um filho. Hoje que sou vítima de sua
ingratidão, podia guardar para mim a herança que lhe pertence, pois que nenhum
documento lhe assegura, e todos ignoravam o que acabo de referir: quero, porém,
dar-lhe um último e inútil exemplo de probidade. (Dando papéis) Eis aqui as minhas
contas: pode mandar receber a sua herança; o senhor possui quinhentos mil
cruzados.
Prudêncio – Este meu cunhado é doido!
Afonsina – Como procederá agora Luciano?...
Plácido – eis as minhas contas, repito; examine-as e dê-me as suas ordens. Uma
última palavra: compreenda que faço um sacrifício falando-lhe ainda, e que estou
ansioso por concluir depressa. Senhor, sei que se ufana do nome de patriota; é um
belo nome, sem dúvida, e que exprime uma idéia grandiosa; mas não basta ser
valente para ser patriota, como ser bravo não é ser honrado. O patriota é aquele que
além de estar pronto a dar a vida pela causa do seu país, sabe também honrá-lo
com a prática de virtudes, e com o exemplo da honestidade; o patriota prova que o é
no campo de batalha, nos comícios públicos, no serviço regular do estado e nos seio
da família; em uma palavra, quem não é homem probo, não pode ser patriota. Eis o
que pretendia dizer-lhe; agora separemo-nos para sempre: aqui tem as minhas
contas, e dê-me as suas ordens. (Luciano fica imóvel)
Afonsina – Oh! ele não aceita!
Plácido – Receba-as, senhor, e deixei-nos em paz. (Luciano recebe os papéis).
Afonsina – E aceitou...meu Deus!
Velasco (À parte) – Quinhentos mil cruzados de menos no bolo!
Luciano – Vou retirar-me; antes, porém, de o fazer, também direi uma única...e
derradeira palavra. Fui condenado sem ser ouvido: transformou-se contra mim a
calúnia em verdade, e puniram-me com o insulto e com a humilhação. Curvo-me
diante do único homem que o podia fazer impunemente. Senhor, fácil me fora
desfazer em um instante todo esse indigno enredo em que me envolveram, mas o
meu orgulho me cerra os lábios, e não descerei a desculpar-me; ao insulto seguirá
em breve o arrependimento; no entanto...vou retirar-me; esta riqueza, porém, que
vossa mercê me atirou ao rosto em um tal momento...essa riqueza...oh! senhor, um
patriota também prova que o é, levantando-se diante do opróbrio...
Oh! vossa mercê definiu perfeitamente o patriota e o homem honrado: deu-
me, porém, a definição e não me apresentou o exemplo; pois o exemplo quero eu
dar-lho: Ei-lo aqui! (Rasga os papéis)
Afonsina – É o meu Luciano! Eu o reconheço!...
Plácido – Senhor! Despreza a herança de seu pai?...