
Psicologia e Sociologia:
O Sociólogo como Profissional das Ciências Humanas
©2008 Jacob (J.) Lumier
51
Websitio Produção Leituras do Século XX – PLSV:
Literatura Digital
http://www.leiturasjlumierautor.pro.br
experiência e conhecimento, tem aqui sua origem. Nos dirá nosso autor que a moralidade ligada à
Magia como obra e conteúdo é uma moralidade de aspiração e de imagens simbólicas ideais: é a pri-
meira forma da moral laica e “terrestre”, não religiosa, que faz apelo ao esforço autônomo do homem -
nas sociedades arcaicas o apelo à liberdade humana não provém da Religião, tanto mais que, como se
sabe, só as religiões muito evoluídas, como o cristianismo e o budismo, dirigem um apelo, pelo menos
parcial, à liberdade humana para se elevar até a divindade (cf. ib. p.100).
Podemos ver, então, que a sociologia,
a teoria sociológica des-
cobre com independência uma visão própria do mundo dos valores a partir do estudo da situ-
ação humana nas sociedades arcaicas (Homo Faber)
, e que as objeções contrárias identificando a
sociologia dialética de Gurvitch à
fenomenologia existencial
e censurando-o por insistir em posicio-
nar-se como um sociólogo “empírico” - nas palavras de Gorman
45
- mostram-se como já o assinala-
mos, objeções absolutamente improcedentes e exageradas. Todo o estudo gurvitcheano do simbolismo
do saber arcaico dá prova do contrário. A sociologia como ciência da condição humana está toda ela
contida no fato da perspectivação sociológica do conhecimento que se verifica na análise do saber
arcaico mostrando-nos, como já foi dito, que o mundo desses “objetos de paixão” que chamamos “os
valores”, na
analogia do Maná
,
na analogia do ser coletivo
não só supõe para ser apreendido os
atos afetivos coletivos, como também é um simples produto, uma projeção desses atos, um aspecto da
força coletiva da sociedade.
Não há, pois, nenhuma filosofia prévia na colocação dos valores em
perspectiva sociológica, mas apenas a subjetividade coletiva
.
Tanto mais que o Sagrado entre os arcaicos é igualmente apreen-
dido em atos coletivos, só que diferentes daqueles em que o é o Maná, de tal sorte que é inegável a
oposição das duas forças sobrenaturais heterogêneas, com o estudo diferenciado das suas repercussões
sociais - posto que as há - mostrando, todavia, manifestações distintas, concorrentes ou combinadas.
Gurvitch nos mostra essa perspectivação sociológica do conhecimento nos relatos etnográficos, pondo
em relevo seu alcance crítico em face das teses concorrentes.
Desse modo, observando os relatos etnográficos, e pressupondo
em toda a sua análise notadamente as descrições de Mauss e Hubert (ver Mauss, Marcel: “
Antropolo-
gia e Sociologia”, vols.I e II
, op.cit.), Gurvitch nos mostra as três espécies do Maná, seguintes: 1)- o
Maná humano; 2)- o Maná dos animais, das plantas e das coisas inanimadas; 3)- o Maná das divinda-
des. Antes de resumi-las, assinala nosso autor que o termo Maná designa igualmente: (a) - pensar,
amar, desejar, e o objeto do pensamento, do amor, do desejo; (b) - o êxito, a felicidade; (c) - a força
sobrenatural que conduz ao êxito e à felicidade, a qual se ama e se deseja; (d) - o prestígio social de que
se desfruta, o grau do ascendente social que se possui, a escala da “classe” social que se ocupa e a me-
dida do poder social que se detém.
Sublinhe-se que Gurvitch relaciona essas designações dos itens (c)
e (d) em termos da experiência humana dos diferentes Nós, e não experiência de agentes sociais inde-
terminados na particularidade de uma sociedade arcaica, pondo desse modo em relevo que a experiên-
cia do êxito e da felicidade, como objetos que se ama e se deseja é ligada à experiência dos Nós huma-
nos e não somente à do homem arcaico. O mesmo se aplica aos objetos sociais do item (d), quer
dizer: o prestígio social é algo que “desfrutamos”; o grau do ascendente social é algo que “possuímos”.
Trata-se de objetos da referência humana que alcançam tanto os
“históricos” quanto os “arcaicos”, e que a análise do Maná, como produto da sociedade e projeção dos
atos coletivos, permite descrever. Essa análise de Gurvitch como já vimos põe em foco o agir de uma
forma eficaz, sendo o Maná o potencial sobrenatural de uma eficácia ativa, um fluido vital que se reali-
45
Ver: Gorman, Robert A.: “A Visão Dual: Alfred Schutz e o mito da Ciência Social Fenomenológica”,
trad. Lívia de Holanda, Rio de Janeiro, Zahar, 1979, 245 pp. (1ªedição em Inglês, Londres, 1977); pág.228.