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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUCSP
MARINA APARECIDA OLIVEIRA DOS SANTOS CORREA
Alteração das Características Tradicionais da Igreja
Assembléia de Deus
Um estudo a partir da igreja do bairro Bom Retiro em São Paulo
SÃO PAULO
2006
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUCSP
MARINA APARECIDA OLIVEIRA DOS SANTOS CORREA
Alteração das Características Tradicionais da Igreja
Assembléia de Deus
Um estudo a partir da igreja do bairro Bom Retiro em São Paulo
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação, Pesquisa e Extensão em Ciências da
Religião da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como parte dos requisitos para a obtenção do
Título de Mestre em Ciências da Religião, sob a
orientação da Prof Dr João Décio Passos.
SÃO PAULO
2006
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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Correa, Marina Aparecida Oliveira dos Santos
Alteração das Características Tradicionais da Igreja Assembléia de Deus: Um
estudo a partir da igreja do bairro Bom Retiro em São Paulo / Marina Aparecida Oliveira
dos Santos Correa. -- São Paulo: PUC / SP, 2006.
xii, 170f. ; 7 cm
Orientador: Prof. Dr. João Décio Passos
Dissertação (Pós-Graduação Stricto sensu) – PUC / SP, Pós-Graduação Strictu
sensu em Ciências da Religião, 2006.
1. Religião – Histórico. 2. Religião – Igrejas Evangélicas. 3. Pentecostalismo. 4.
Movimento Neopentecostal – Tese. I. Passos, João Décio. II. Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. III. Título. IV. Título: Alteration of the traditional characteristics of
the Assembly of God church.
BANCA EXAMINADORA:
________________________________________
PROF. DR
________________________________________
PROF. DR.
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PROF. DR.
________________________________________
PROF. DR.
Dedico este trabalho a minha família: Carlos, esposo e
grande companheiro que com carinho e dedicação soube
esperar pacientemente o término desse trabalho; aos meus
filhos: Carlos Alberto, de caráter forte e genioso, nunca
deixou de demonstrar o seu amor. Marco Aurélio, meigo e
terno, sempre amigo nas horas difíceis; e a minha filha e
sobrinha Jane, discreta e amorosa, sabe me consolar com o
gesto mais nobre: a dedicação. Sem vocês, Jamais me
sentiria uma mulher completa.
AGRADECIMENTOS:
Primeiramente, agradeço a Deus pela conclusão deste trabalho, ele me fez
sentir forte nas horas mais difíceis, me inspirou, transbordou a minha paciência e,
muitas vezes me colocou de pé quando quis parar, para continuar nesta tarefa até o
fim.
Gostaria de agradecer a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo que
proporcionou o valioso espaço e atenção para que este trabalho pudesse ser
realizado.
Ao Prof. Dr. João Décio Passos, um agradecimento especial, pela orientação
paciente e animadora durante o tempo em que estive cursando as disciplinas e
desenvolvendo essa dissertação; por ter lido minhas idéias iniciais e me mostrado o
caminho da dedicação para que este trabalho fosse realizado.
Aos professores da Banca qualificadora da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo – PUCSP – Ênio José da Costa Brito e Antonio Elias Silveira Leite
(Tolias) pelas orientações e sugestões valiosas que muito me ajudaram para a
finalização deste trabalho.
Honradamente agradeço aos meus pais, João Bispo dos Santos e Francina
Gonçalves de Oliveira, os melhores educadores que já tive, eles me ensinaram a
caminhar com garra, honestidade e determinação e nunca desistir diante dos meus
ideais.
Agradeço ao padre Geraldo Alves Pereira, pároco da Igreja Santa Teresinha do
Jaçanã, pela amizade, dedicação e, principalmente, pela compreensão e incentivo
no decorrer desta jornada.
Em especial agradeço a professora, psicóloga e amiga Larissa Zeggio
Figueredo, que dedicou horas de seu tempo para me ouvir, incentivar, corrigir,
elogiar, sorrir...Muitas vezes, acalentou meu pranto, usando o saber que a Psicologia
lhe ensinou e, ao mesmo tempo, os ensinamentos de sua vida. Muito obrigada.
A todos os colegas pela interação e agradável convívio ao longo do curso que
nos proporcionou este caminhar mais leve.
Aos meus amigos e amigas que não ousaria citar nomes por medo de esquecer
alguém, que souberam esperar por esse longo tempo de ausência.
Cordialmente, agradeço a Livraria Cortez, representada nas pessoas de
Antonio Deusivan de Oliveira (Ivan) e Patrícia Macedo de Oliveira, pela simpatia e
pela informação disponível em todos os momentos que procurei ajuda.
À amiga e futura nora, Karine Teresa dos Santos, pelo sorriso, dedicação e
empenho dispensado nas correções textuais, sugerindo sempre um novo caminho
de escrita, me ensinando brincar com as palavras.
Quero registrar também meu agradecimento a minha amiga e futura nora,
Mariana Rossi Massitelli, pelo carinho e confiança.
Aos pastores da Igreja Assembléia de Deus – Bom Retiro: o pastor Rubinho
pelo carinho com que me recebeu no primeiro contato com a igreja; O pastor Alencar
Gonçalves, pelas entrevistas e pastor Aécio Ribeiro pela simpatia, compreensão e
respeito dispensado a mim todas as vezes que precisei de dados para esse
trabalho.
Gentilmente, gostaria de registrar meu agradecimento aos professores com os
quais tive a oportunidade de discutir sobre as idéias desse tema.
Desejo agradecer as pessoas que direta e ou indiretamente contribuíram para a
realização desta tese de mestrado em especial a minha querida cunhada Valéria
Cristina Correa, pela amizade sincera.
Aos colegas de trabalho da UNINOVE representados por Aline Alves de
Andrade e Renato Rodrigues dos Santos pelo apoio e compreensão em todos os
momentos em que senti cansada diante dessa árdua tarefa.
Não poderia deixar de agradecer ao amigo Renato Soares Ramos pela
amizade e a paciência que me socorreu nos momentos em queria desistir.
Finalmente, aos meus familiares eu peço desculpas pela ausência durante o
período do curso e agradeço por me apoiarem. Este caminho de crescimento não
seria possível sem eles.
“(...) Bom mesmo é ir a luta com determinação, abraçar a
vida com paixão, perder com classe e vencer com ousadia,
porque o mundo pertence a quem se atreve e a vida é
MUITO para ser insignificante” (Chaplin)
RESUMO:
Correa, Marina Aparecida Oliveira dos Santos. Alteração das Características
Tradicionais da Igreja Assembléia de Deus: Um estudo a partir da igreja do bairro
Bom Retiro em São Paulo (dissertação de mestrado). São Paulo: PUC / SP, 2006.
A presente pesquisa é fruto de constantes inquietações sobre como a igreja se
transforma frente à renovação do ambiente e de seus fiéis, bem como de sua época.
Alterar uma característica significa muito mais que fazer diferente, antes é
preciso renovar posturas e pensamentos, sem os quais não se atinge o sucesso
previsto.
Estudar a igreja Assembléia de Deus no bairro paulistano do Bom Retiro, suas
características tradicionais e fatores sócio-culturais, dentre outros, possibilitou
entender como as sociedades humanas estabelecem vínculos a partir de
necessidades em comum; e, em nosso caso, como a procura de novos perfis de fiéis
gera uma nova imagem para a igreja.
Existe também, um rompimento com suas origens filósofo-teológicas,
aparecendo novas formas, práticas, maneiras distintas e divergentes de se articular
com a fé, gerando assim, um pluralismo religioso e novas teologias de compreensão
em seus discursos.
Essa alteração de características vem ao encontro com fatores econômicos
relacionados ao bem estar e ao modo de vida arraigado na idéia do estado mínimo,
ou seja, a auto determinação das pessoas frente aos seus objetivos almejados.
Portanto, temos hoje uma igreja em trânsito, que segue os perfis objetivados
em determinados momentos ou situações, não necessariamente em acordo com as
regras pré-estabelecidas, mas rompendo com esses padrões tradicionais e
ampliando sua continuidade de trabalhos.
Hoje, parece não ser mais o fiel quem se adapta aos moldes da igreja, mas a
igreja quem se adapta aos perfis de seus fiéis.
Palavras-chave: Assembléia de Deus, tradicionalismo, pentecostalismo, cisão,
neopentecostalismo, modernidade, adaptação social.
ABSTRACT:
Correa, Marina Aparecida Oliveira dos Santos. Alteration of the traditional
characteristics of the Assembly of God church. (Master in Religious Science). São
Paulo: PUC / SP, 2006.
The present research is fruit of constant fidgets on as the church if it transforms
front to the renewal of the environment and its people, as well as of your time.
To modify a characteristic means that not to make different, before is necessary
to renew positions and thoughts, without which the foreseen success is not reached.
To study the church Assembly of God in the São Paulo's neighbor of the Bom
Retiro, its traditional characteristics and socio-cultural factors, amongst others, made
possible to understand as the societies human beings establish bonds from interests
in common; and, in ours case, the search of new profiles of people appears a new
image for the church.
It also exists, a disruption with its philosopher-theological origins, appearing new
forms, practical, distinct and divergent ways of if articulating with the faith, thus
generating, a religious pluralism and new theology of understanding in its speeches.
This alteration of characteristics comes of meeting with economic factors related
to the welfare and the way of life based in the idea of the minimum state, or either,
the auto determination of the people front to its longed for objectives.
Therefore, we today have a church in transit, that follows the profiles objectified
at definitive moments or situations, not necessarily in agreement with the daily pay-
established rules, but breaching with these traditional standards and extending its
continuity of works.
Today, it is not more the people that adapts to the molds of the church, but is
the church that adapts to the profiles of its people.
Key-words: Assembly of God, Traditionalism, Pentecostalism, split, Neo-
Pentecostalism, modernity, social adaptation.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................13
CAPÍTULO I HISTÓRICO DO PENTECOSTALISMO..............................................25
1. R
AÍZES HISTÓRICAS DO PENTECOSTALISMO...........................................................26
2. M
ETODISMO E A DOUTRINA DA SANTIFICAÇÃO ........................................................29
3. O
PENTECOSTALISMO NO BRASIL..........................................................................39
4. C
RESCIMENTO DO PENTECOSTALISMO NO BRASIL ..................................................42
5. P
ERFIL DOS PENTECOSTAIS ..................................................................................48
CAPÍTULO II A IGREJA ASSEMBLÉIA DE DEUS..................................................55
1. A
S “ONDASDO PENTECOSTALISMO.....................................................................56
2. O
PERFIL DA ASSEMBLÉIA DE DEUS ......................................................................61
3. A
S CISÕES DENTRO DA PRÓPRIA IGREJA AD..........................................................65
4. O T
RÂNSITO RELIGIOSO NOS ADEPTOS DA AD .......................................................74
5. C
ISÕES INTERNAS, EXTERNAS E O PRENÚNCIO DAS ALTERAÇÕES DA IGREJA AD ......79
CAPÍTULO III A ASSEMBLÉIA DE DEUS DO BOM RETIRO.................................82
1. D
O DEPÓSITO AO TEMPLO.....................................................................................82
2 . G
RANDE TEMPLO E MÚLTIPLAS OFERTAS ..............................................................88
2.1. Cultos: o receptor como foco ......................................................................89
2.2. Os comunicadores da emoção: falando ao coração ...................................91
3. A N
EOPENTECOSTALIZAÇÃO DA AD......................................................................94
3.1.Neopentecostalismo: a ruptura com o tradicional ........................................98
4. A
S PRODUÇÕES NEOPENTECOSTAIS DA AD BOM RETIRO .....................................105
4.1. O discurso e a orientação para a prosperidade na AD..............................106
4.2. Os rituais e símbolos da AD – Bom Retiro................................................111
4.3. Teatro e templo na AD..............................................................................113
4.4. Organização e lógica empresarial.............................................................115
4.5. Ofertas carismáticas e organização racional.............................................116
CAPÍTULO IV AD – BOM RETIRO: PENTECOSTALISMO E MODERNIZAÇÃO.121
1. O B
OM RETIRO: DAS VARANDAS ÀS TELEVISÕES..................................................122
1.1. Dias antes da Luz......................................................................................124
1.2. De capital da solidão para capital do desassossego.................................126
2. O P
ENTECOSTALISMO DA PERIFERIA AO CENTRO..................................................129
2.1. O microcosmo das vilas operárias na transição da realidade ...................130
2.2. Igrejas: em busca de necessidades da comunidade.................................132
2.3. Arrebatação evangélica teocentrista.........................................................134
3. I
GREJAS PENTECOSTAIS E NEOPENTECOSTAIS NA MODERNIDADE..........................138
3.1. Os fiéis da AD – Bom Retiro: convicção do próprio valor..........................143
3.2. O pastor: perito nos ensinamentos............................................................147
3.3. Discurso: o palco da prosperidade............................................................150
3.4. Culto: espetáculo da emoção ao efêmero.................................................152
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................154
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................160
ANEXOS.................................................................................................................164
ANEXO 1: ROTEIROS DE ENTREVISTAS PILOTO..........................................164
ANEXO 2: FOLDER DA PROGRAMAÇÃO DOS HORÁRIOS DOS CULTOS ..165
ANEXO 3: FOLDER DETALHADO COM HORÁRIOS, CURSOS E FICHA PARA
VISITANTES........................................................................................................166
ANEXO 4: ROTEIROS DE ENTREVISTAS SEMI-DIRIGIDAS...........................167
ANEXO 5: ENVELOPE DO DÍZIMO ...................................................................169
ANEXO 6: FICHA DE MEMBROS ......................................................................170
ANEXO 7: FOLDER DA CAMPANHA PORTAS ABERTAS..............................171
ANEXO 8: FOLDER DE CURSOS......................................................................172
ANEXO 9: FOLDER DA FESTA DOS ESTADOS ..............................................173
INTRODUÇÃO
O Brasil ainda possui uma forte tradição católica e, grande parte da
população permanece adepta a essa religião, todavia, os dados apresentados por
inúmeras pesquisas têm mostrado cada vez mais o decaimento do número de
adeptos da igreja católica. Por outro lado, as igrejas denominadas evangélicas que,
como veremos, vêem de um histórico protestante e pentecostal, têm crescido
assustadoramente em relação ao número de igrejas e adeptos.
Na primeira década do séc XX, no Brasil, surgiram as duas primeiras
igrejas pentecostais, com práticas independentes uma da outra, e com apenas um
ano de diferença na chegada ao país. Essas igrejas foram originárias dos
movimentos de santidade que eclodiram nos Estados Unidos nessa mesma época.
Diversos autores discutem sobre o surgimento do pentecostalismo no
Brasil e sobre a fundação da Assembléia de Deus (AD) entre eles, Souza apresenta
o primeiro estudo sistemático e de caráter científico sobre as denominações
pentecostais em nosso meio, analisando as múltiplas funções da vida religiosa nas
sociedades contemporâneas. D`Epinay contribui com um estudo sobre as demandas
da fé cristã no contexto latino-americano, descrevendo o surgimento,
desenvolvimento e mudanças sociais ocorridas principalmente no Chile, Mariano
descreve as origens do pentecostalismo, seu crescimento e anuncia a chegada do
neopentecostalismo e suas características, Freston interpreta as igrejas pentecostais
e as classificam em “ondas”, Campos e Rolin abordam o pentecostalismo no Brasil.
Todos eles procuram demonstrar o surgimento e crescimento dos pentecostais a
14
partir do processo de urbanização ocorridas na América Latina e,
conseqüentemente, às mudanças sócio-culturais e religiosas.
A primeira igreja pentecostal a chegar no Brasil foi à igreja “Congregação
Cristã do Brasil” fundada em 1910, no bairro do Brás, em São Paulo; e, em seguida,
em 1911, a fundação da igreja “Assembléia de Deus”, em Belém do Pará, no
extremo oposto do país. Ambas formam o marco do pentecostalismo brasileiro, com
um novo tipo de igreja e experiência religiosa. Neste período, os missionários suecos
Vingren e Berg chagaram ao Brasil, em Belém do Pará, e fundaram a Assembléia de
Deus nesse mesmo ano. Nascida de cisão da igreja batista, em 1914, se organizou
com o nome de “General Council” nos Estados Unidos. Se firmou depois com o
nome Igreja Assembléia de Deus e, atualmente, é conhecida como a maior igreja
pentecostal brasileira em números de adeptos. É considerada também como uma
igreja de “primeira onda”
1
e teve um papel importantíssimo em nosso meio por
apresentar maneiras e técnicas diferentes vivenciada até aquele momento.Os
fundadores da AD eram tidos como escolhidos de Deus. Firmavam nos corações
dos fiéis a presença e os sinais de Deus para serem vividos e revividos na história e
converter até aqueles de corações mais adormecidos e que viviam distantes da
esperança.
2
O objeto desta dissertação é a investigação sobre a alteração das
características tradicionais da igreja Assembléia de Deus – O estudo é feito a partir
1
FRESTON,P, apresenta aos movimentos das igrejas como ondas. O autor se utiliza a analogia “ondas” para
referir-se ao início, expansão e reversão desses movimentos religiosos ao longo do tempo. Ele coloca que
existem três períodos dos movimentos, que correspondem cronologicamente a primeira, segunda e terceira onda.
A primeira onda é da década de 1910, com a chegada da Congregação Cristã (1910) e da Assembléia de Deus
(1911). A segunda onda pentecostal é dos anos 1950 e início de 1960 e a terceira onda como no final dos anos
1970 e ganha força nos anos 1980. Suas principais representantes são a Igreja Universal do Reino de Deus
(1977) e a Igreja Internacional da Graça de Deus, (1980). Cf. FRESTON, P, Nem Anjos nem Demônios:
Interpretações sociológicas do pentecostalismo.
2
Os principais autores que apresentam o histórico do pentecostalismo e da história da AD nos Estados Unidos e
no Brasil são: ROLIN, F.C. Pentecostalismo, Brasil e América Latina. SOUZA, B. M. A experiência da
salvação – pentecostais em São Paulo.
15
da igreja do bairro Bom Retiro em São Paulo e busca a relação entre essa igreja e
os fatores sócio-culturais que influenciam uma possível alteração nos seus
paradigmas tradicionais.
A análise centra-se no contraste entre as características da igreja AD no
momento de sua fundação no Brasil e entre as características atuais, observadas na
igreja Assembléia de Deus, localizada na cidade de São Paulo, na rua Afonso Pena,
n. 560 – bairro do Bom Retiro. A localização, como veremos, denuncia a relação
inerente entre o neopentecostalismo e a atual fase sócio-cultural produzida pela
grande cidade. De fato, o Bairro do Bom Retiro expressa, nas suas condições atuais,
o processo histórico de mudança dos bairros, enquanto lugar de habitação e de
oferta de serviços ocorrida principalmente pela ocupação dos grandes comércios.
Nesse sentido, o objetivo da presente tem como ponto central, a análise
da alteração das características tradicionais da igreja Assembléia de Deus,
descrevendo seu perfil, na época do surgimento e seu perfil atual, e discutindo quais
são os elementos que influenciam neste processo. Dentre os objetivos específicos
são propostos: a) caracterizar a igreja Assembléia de Deus no momento de sua
fundação; b) identificar as características da igreja Assembléia de Deus que foram
alteradas desde a sua fundação até os dias de hoje; e c) discutir os motivos que
levaram a alteração das características da Assembléia de Deus no Brasil e, em
especial, em São Paulo.
A partir da problemática e do objeto expostos, a hipótese desse trabalho
gira em torno da idéia de que as igrejas pentecostais “tradicionais”, isto é, aquelas
consideradas de “primeira onda”, estão alterando suas características rígidas
(ascéticas) para atrair mais adeptos, segundo os parâmetros do neopentecostalismo.
16
Assim, a hipótese específica desse projeto é que a igreja Assembléia de
Deus (Bom Retiro – SP) alterou suas características em função dos valores e das
práticas sócio-culturais atuais que giram em torno: a) do prazer imediatista e, não
mais tanto, do sofrimento para obter prazer e recompensa apenas no reino dos céus,
b) que se centra no indivíduo e não tanto na comunidade restrita e de relações
diretas; c) que utiliza em seus cultos, estratégias de espetáculo e não tanto o apelo
ético, e d) que todas essas mudanças significam uma adaptação do pentecostalismo
às dinâmicas sócio-culturais das grandes cidades modernas.
Foram usados dois roteiros de entrevistas: o primeiro roteiro de entrevista
continha questões que versavam sobre o perfil sócio-demografico dos adeptos; perfil
do adepto na AD; e um relato de experiência de conversão. O segundo roteiro de
entrevista é mais complexo e está dividido em cinco categorias: a) perfil sócio-
demografico do adepto; b) perfil de entrada na AD; c) rotina e características atuais
da AD; d) mudança da rotina e características da AD nos últimos anos; e e)
percepção do impacto e motivos da mudança pelo adepto. Ambos os roteiros são
apresentados em anexo, ao final do trabalho. As entrevistas e visitas efetuadas na
AD - Bom Retiro se iniciaram em maio de 2005 e terminaram em julho de 2006.
Todas as referências a visitas e/ou entrevistas referem-se aos dados coletados
nesse período
.
A pesquisa encaminhará conjugando duas abordagens metodológicas.
Uma primeira estratégia para a validação da hipótese apresentada que é a descrição
das características da AD por meio de sondagem e levantamento empírico. Os
dados apresentados foram obtidos por meio de observação direta (visita aos templos
e cultos da igreja em diferentes horários) e de entrevistas que complementaram as
observações que foram feitas em dois momentos desta pesquisa. Assim, trata-se de
17
uma pesquisa de natureza qualitativa que busca estabelecer relações entre as
alterações institucionais da AD e as alterações sociais contemporâneas.
Uma segunda estratégia metodológica se constitui da análise de
recuperação e sistematização de noções já construídas sobre os paradigmas da AD,
buscando um aprofundamento e uma nova interpretação de estudos clássicos sobre
a temática. Podemos também manusear fontes históricas fornecidas pela igreja AD.
. A AD era composta, em sua maioria, de adeptos com baixa escolaridade
e de camadas mais pobres da população, e era perseguida tanto pela igreja católica
quanto pelos protestantes históricos.
3
Se caracterizava também pela ênfase no “dom
de línguas”, na crença no retorno de Cristo, na salvação paradisíaca, no forte apelo
ao sectarismo e ascetismo de rejeição do mundo, além do grande antagonismo à
igreja católica.
4
A igreja AD é tradicionalmente conhecida como rígida, pela maneira de
vestir e se comportar frente às demais igrejas, classificada como igreja pertencente à
primeira “onda” pentecostal (Freston), sempre despertou curiosidade no mundo
evangélico, por apresentar exuberante número de adeptos no Brasil (a maior das
igrejas evangélicas) e, até mesmo, maior diante de sua matriz nos Estados Unidos.
Em princípio, será feito um levantamento histórico da igreja AD, com base
nos estudos históricos do sociólogo Francisco Rolin, sobre a origem e
desenvolvimento da AD e da classificação de Paul Freston sobre o desenvolvimento
histórico do Pentecostalismo, com o conceito de “ondas”. Essa classificação tem o
mérito de fornecer uma visão da dinâmica de ruptura e transformação das igrejas
pentecostais no Brasil, assim, como fornecer a base para a análise das mudanças
ocorridas na igreja AD em particular, como objetamos nesse estudo.
3
MARIANO, R, Neopentecostais – Sociologia do novo pentecostalismo no Brasil, p. 20.
4
SOUZA, B. M. A experiência da Salvação - Pentecostais em São Paulo, passim.
18
Será feita também uma análise mais profunda da posição da AD,
comparando os resultados das entrevistas e visitas realizadas nesse trabalho com
os dados de autores que já analisaram o pentecostalismo de terceira “onda”, o
neopentecostalismo, como Mariano e Campos.
5
Todavia, as igrejas consideradas de terceira “onda” possuem uma cultura
de constante alteração, que prega cada vez mais o individualismo e o prazer
imediato a todo custo – herdada e aprofundada do éthos
6
capitalista -, onde agora o
lucro e o prazer imediato são tidos como “obrigatórios” – certas características dos
próprios indivíduos estão se exacerbando. As pessoas não querem apenas ser
felizes “no paraíso”, viver em sofrimento para obter prazer e recompensa no céu. O
imediatismo traz a tendência de colocar os preceitos da igreja tradicional em
segundo plano e se apoiar muito mais numa teologia da prosperidade
7
. Assim, as
características das próprias igrejas pentecostais clássicas, que possuem condutas
mais rígidas em relação às vestimentas, comportamentos, etc – como a AD
marcadamente um ícone do pentecostalismo brasileiro de primeira “onda” – parecem
estar se alterando.
Atualmente, denotam-se novos hábitos dos adeptos da igreja AD,
principalmente na maneira de se vestir, o uso de adornos, cabelos alinhados (no
caso das mulheres), e até mesmo no discurso dos pastores: a modernidade parece
ter chegado a essa igreja. Visivelmente observa-se que a AD dos velhos tempos
está mesmo ficando apenas na memória dos fiéis mais antigos.
5
As obras desses autores que servirão de base na análise desse trabalho são: MARIANO, R, Neopentecostais -
Sociologia do novo pentecostalismo no Brasil e CAMPOS, L. S. Na força do Espírito: os pentecostais na
América Latina, um desafio aos protestantes históricos. São Paulo.
6
Éthos: conjunto dos costumes e hábitos fundamentais, no âmbito do comportamento (instituições, afazeres etc.)
e da cultura (valores, idéias ou crenças), característicos de uma determinada coletividade, época ou região.
Exemplo: o éthos da Antiguidade grega, do povo brasileiro, dos nordestinos, dentre outros. Dicionário Houaiss.
7
A teologia da prosperidade refere-se a um aglomerado de idéias, formuladas nos Estados Unidos, que
valorizam o consumo de bens e serviços como forma de demonstrar o que adepto, ou fiel, convive com Deus.Cf.
CAMPOS, L.S. Ibidem pp.54-55.
19
O forte e rígido controle que norteava essa igreja parece estar passando
por uma revisão ou, até mesmo, a urgência da criação de um novo modelo frente a
tantas igrejas e divisões causadas pelos tempos atuais.
O fervor usado pelas igrejas pentecostais sempre causou espanto e, ao
mesmo tempo, despertou curiosidade daqueles que de alguma maneira buscam
respostas para seus problemas considerados insolúveis. Assim, os adeptos, levados
pela informalidade e simplicidade familiar que o ambiente pentecostal oferece,
encontraram respostas e segurança para desfrutar de salvação imediata.
O movimento pentecostal que antes era tido como prática de pequenos
grupos, assustou a burguesia e nunca mais parou de crescer. A oração em “línguas
estranhas” trazida pelos missionários rompeu o silêncio de um povo sofrido,
acostumado à obediência. O resultado foi uma explosão de novas igrejas, credos e
maneiras diferentes de falar com Deus, alargando assim, as portas da sociedade e
das igrejas que reinavam nas classes médias de antes, abrindo caminhos para as
camadas populares que não se faziam ouvir diante do poder.
O pentecostalismo encontrou formas de acomodação no interior da
cultura latino-americana e da nova sociedade de consumo, porque no decorrer do
processo de surgimento e desenvolvimento, foi incorporando símbolos, discursos e
forças que seguem o processo ideológico da “teologia da prosperidade”.
Seguindo a análise de Freston – que categorizou o pentecostalismo
brasileiro em três “ondas”, a AD será analisada em relação as suas características
atuais e a análise das características da terceira “onda”, denominada por diversos
autores de neopentecostalismo.
O pentecostalismo, particularmente em sua última versão
neopentecostalista, participa com sua nova visão no mundo e do novo modo de
20
apresentação da religião em nossa sociedade, isto é, um modo marcadamente
centrado nos problemas dos adeptos, seja estes de ordem espiritual, afetiva ou
financeira.
8
Mariano diz que o prefixo neo é apropriado, principalmente, por duas
razões: a primeira diz respeito à formação recente (temporal) dessas igrejas; e a
segunda se refere ao caráter inovador do neopentecostalismo.
Cabe ressaltar que a postura contrária ao ascetismo tradicional
pentecostal faz dos neopentecostais uma vertente de aceitação e vivência no
mundo. Existe uma inversão de valores: o que antes era rejeitado – como a riqueza
e o gozo no mundo – hoje é incentivado, principalmente, pela Teologia da
Prosperidade.
Essa alteração da ênfase dos valores que norteiam os adeptos e suas
crenças também versa sobre a observância de regras bíblicas como “tornar-se
herdeiro das bênçãos divinas” e, nesse sentido, o principal sacrifício demandado por
Deus aos seus fiéis é de natureza financeira: dízimos, e entrega de ofertas com
alegria, amor e desprendimento.
As mudanças detectadas na AD serão classificadas e analisadas sobre a
ótica da teoria weberiana, destacando os tipos de dominação. Max Weber aponta
que a relação de dominação não acontece, necessariamente, apenas por influência
de meios econômicos nem, essencialmente, para esse mesmo fim, como
classicamente ela é concebida. A dominação pode se dar por interesses materiais
ou por motivos ideais e também por aqueles afetivos ou racionais, e precisa ser
considerada legítima para que a relação de dominação aconteça.
8
CAMPOS, L. S, op. cit, pp. 54-55.
21
Nesse sentido, a tipologia de dominação de Max Weber pode oferecer
elementos para compreender as mudanças de paradigma da AD, como a passagem
da tradicional para a carismática (esta última que o autor descreve com
características emocionais e de cunho participativo). Além disso, é possível ainda
analisar a AD do ponto de vista do tipo racional, na medida em que se observa certa
racionalidade midiática nas práticas da AD, que vão de encontro às práticas do
neopentecostalismo. A passagem de uma organização tradicional para uma prática
carismática e uma organização racional configura um quadro que, à luz da teoria
weberiana, mistura no tempo e no espaço aqueles tipos puros
9
.
Serão também investigados os processos sócio-culturais subjacentes às
mudanças religiosas ocorridas nos últimos tempos nas igrejas evangélicas, em
especifico da Assembléia de Deus – Bom Retiro, no contexto da sociedade moderna
urbanizada, utilizando-se dos estudos realizados pelos teóricos Giddens e Harvey
frente aos aspectos de individualização, competitividade, prazer imediato e
consumo, derivados do conceito de modernidade.
De fato, atualmente, nunca se falou tanto em “Um ser Supremo”, “Deus”,
“Energia”, “Demônios”, “reencarnação” entre tantos outros nomes e denominações
no Brasil, unindo a ciência e a razão, mudando discursos, fixando novos
comportamentos na sociedade, buscando novas estruturas, seja para suprir as
necessidades humanas, carências ou até mesmo firmar dentro de si o que podemos
chamar de “Fé”.
Dentro do próprio crescimento evangélico é possível perceber diferenças
entre as igrejas. Desde 1960 as várias igrejas no Brasil romperam com as suas
respectivas unidades ideológico-teologicas, aparecendo novas formas, práticas,
9
Cf. WEBER, M, Economia e Sociedade, pp.139 – 160.
22
maneiras distintas e divergentes de se articular com a fé, gerando assim, um
pluralismo religioso e novas teologias de compreensão em seus discursos.
A sociedade atual cria um novo perfil religioso e tem atraído grande parte
da população. Os grupos “evangélicos” atuais – ao contrário da rigidez das igrejas
tidas como clássicas (pentecostalismo tradicional) que antes se preocupavam com a
vida após morte – hoje não são voltados apenas para a salvação pós-morte, mas
buscam um poder mágico que, se manipulado corretamente, conserta os danos que
o “demônio” causou na vida de cada um para viver as promessas e bênçãos de
Deus nesse mundo. “Os homens não estão atrás de Deus. Estão atrás do milagre”
“Deus é o poder que faz a vontade dos homens, se as fórmulas mágicas forem
usadas segundo a receita”.
10
Assim, quais seriam as possibilidades para a insatisfação dos adeptos?
Podemos pensar que, se os adeptos estão insatisfeitos, existem duas
possibilidades para os movimentos religiosos: a primeira diz respeito ao trânsito
religioso, isto é, a migração dos adeptos de uma igreja para a outra, na tentativa de
encontrar um espaço que seja parecido com aquilo que o adepto necessita e deseja,
o que, conseqüentemente, gera uma diminuição do número de adeptos às igrejas
clássicas; a segunda possibilidade se refere também a uma mudança, mas agora
não do adepto e sim da igreja, para que esta não perca seus adeptos e ainda tenha
possibilidade de atrair, inclusive, os indivíduos sem religião e/ou descontentes com
suas igrejas atuais.
As igrejas evangélicas são as que mais crescem atualmente. Fica a
indagação de porque esse fenômeno acontece e o que faz, não só as novas igrejas
– aquelas de “terceira onda” -,mas as igrejas tidas como tradicionais estarem
10
ALVES, R, Religião e Repressão, p.13.
23
aumentando seu número de adeptos. Qual seria a fórmula? Não é possível imaginar
que os paradigmas não tenham mudado... Algum movimento interno (das igrejas) ou
externo (da sociedade) deve ter desencadeado a migração religiosa efetiva...
Uma das proposições possíveis é que para as igrejas não
desaparecerem, e crescerem, elas precisam se adaptar. A análise dessa nova
quimera auxiliará, em certa medida, a compreensão do fenômeno religioso brasileiro
e das igrejas brasileiras tidas como tradicionais, como é o caso da AD.
O corpo do trabalho organiza-se de forma a tentar responder as duas
questões centrais apresentadas: a alteração das características da AD tradicional e
a sua transição para o neopentecostalismo.
Dessa forma, foi abordado o histórico do pentecostalismo que eclodiu no
séc. XIX, nos Estados Unidos, sua origem e fundadores passando por Martinho
Lutero, João Calvino, João Wesley entre outros, relatando a chegada ao Brasil em
1910, com a fundação das igrejas Congregação Cristã no Brasil (1910) e Assembléia
de Deus (AD) em Belém do Pará em 1911, descrevendo ainda o perfil dos
pentecostais na América Latina e seu crescimento, principalmente sobre o viés de
seus fundadores Vingren e Berg; as características da AD; dados estatísticos;
crescimento; além dos testemunhos de conversão realizados na igreja AD do Bom
Retiro – SP.
Complementarmente, apresenta o histórico do pentecostalismo e suas
cisões desde a chegada ao Brasil, apontando as diferentes características das
igrejas que se consideram pentecostais. Poderemos observar três cisões principais
no pentecostalismo, denominadas de primeira, segunda e terceira ondas
pentecostais, as diferenças e os inúmeros “recomeços” do pentecostalismo no Brasil
24
que alteraram os paradigmas clássicos dessa vertente religiosa e, nos dias atuais,
encontra sua maior expressão no neopentecostalismo.
As observações empíricas e entrevistas realizadas com adeptos da AD do
Bom Retiro – SP visaram apresentar uma nova AD, realizando discussões sobre as
alterações das características tradicionais da AD e propondo que esta esteja se
tornando mais um exemplo do neopentecostalismo.
CAPÍTULO I
HISTÓRICO DO PENTECOSTALISMO
O Pentecostalismo é um movimento religioso que eclodiu nos Estados
Unidos no começo do século XX. Ele é considerado descendente do metodismo
Wesleyano e do movimento “holiness”. Segundo Mariano, o pentecostalismo
diferencia-se do protestantismo por acreditar na contemporaneidade dos dons do
Espírito Santo, dos quais destacam-se três principais características: a glossolalia
(falar em línguas), a cura, e o discernimento de espíritos.
11
Assim, os pentecostais acreditam em Deus por intermédio do Espírito
Santo e em nome de Cristo. Praticam e acreditam nas mesmas características do
cristianismo primitivo, isto é, acreditam na realização de milagres através da cura de
enfermos, bênçãos e distribuição de dons espirituais e também praticam a expulsão
de demônios, bem como acreditam no diálogo com Cristo.
De certa forma, as raízes históricas do pentecostalismo vão ainda mais
longe e estão impregnadas com os movimentos protestantes que se iniciaram nos
Estados Unidos em 1901. Desses movimentos, e da cisão com a igreja católica,
vieram as principais características e crenças existentes no pentecostalismo.
11
MARIANO, R, op cit, p. 23.
26
1. Raízes históricas do Pentecostalismo
As raízes do pentecostalismo estão ligadas à vários nomes, um deles é o
monge agostiniano, Martinho Lutero (1483-1546) que protestou contra as práticas
vividas pela Igreja Católica pela maneira de agir e viver do clero romano no início do
séc. XVI, ganhando força à partir da publicação das 95 teses do próprio Lutero, entre
o período de 1517 e a morte de João Calvino (1509-1564).
12
Martinho Lutero protestava contra o papado e a igreja da sua época em
favor da liberdade de consciência individual relacionada com a fé, tendo como base
as escrituras sagradas. Nas suas discórdias com relação à igreja romana, Lutero
tinha dois pontos importantes de sua doutrina: a justificação individual pela fé, isto é,
onde as pessoas com fé seriam salvas pela misericórdia de Deus, mediante o
sacrifício do seu filho Jesus Cristo, e não necessariamente por seus atos como
pregava a igreja católica; e a autoridade da Bíblia, maior de que a autoridade da
igreja, diminuindo assim a mediação do sagrado por meio da igreja católica, uma vez
que o fiel deveria interpretar a mensagem de Deus por meio da Palavra Divina (que
está na Bíblia), que até aquele momento era interpretada apenas pelo clero romano.
Assim, Lutero entendia que as pessoas deveriam interpretar as escrituras
a partir do seu interior, seguindo os seus corações, para compreender o verdadeiro
significado da Palavra de Deus e alimentar-se dessa Palavra.
Para entender melhor a doutrina da justificação que Martinho Lutero
defendia se faz necessário explicitar aqui, um pouco da história da igreja e a
interpretação da justificação citada pelo apóstolo Paulo no Novo Testamento que foi
seguido por Lutero como base.
12
FILORAMO, G. As Religiões de Salvação, p. 83-89.
27
O apóstolo Paulo afirma em suas encíclicas Bíblica, que somos
justificados pela fé, somente pela fé (Rm 5,1) e por mediação em Jesus Cristo é que
teremos acesso à graça, sem ele não há porque o homem se glorificar, pois a glória
da justiça de Deus está em reconhecer a salvação somente pelo sangue derramado
pelo Cordeiro Divino (Rm 5,9). Claramente, isto significa que o homem precisa entrar
em comunhão com Deus, pois o mesmo se encontra em pecado, está fragilizado,
incapaz de se libertar de tal situação, agindo pelo livre arbítrio não tem visão
suficiente para sair do pecado, mas, a justificação se dá, justamente, em reconhecer
a misericórdia de Deus pela fé e pela graça salvadora em Jesus Cristo, só assim o
homem pode agradar a Deus.
Para a igreja católica além da fé, as pessoas deviam praticar também as
boas obras. As práticas diárias seriam um contrapeso para se justificar diante de
Deus e o pecado. A igreja pregava que a graça e a cooperação humana com Deus
serviam para impedir o pecado.
Acreditava-se, mais concretamente, que a justificação é uma
transformação, é a aquisição de novas disposições, a formação de um estado moral
e espiritual particular que, a partir daí, os indivíduos seriam transformados pela graça
de Deus e, pela ação divina, seriam agraciados pelos Dons espirituais existentes em
cada um.
13
Assim, para receber a justificação, as pessoas deveriam se preparar para
a chegada da graça divina - uma vez que a graça não vinha sem aviso - sendo que o
mérito era indiscutivelmente gratuito de Deus e o próprio Deus a distribuía conforme
a sua vontade, pois a todo tempo a ação de Deus era livre.
13
Ibidem, p.85.
28
Lutero acreditava que Deus era quem tomava as decisões na vida dos
homens, sendo Cristo o mediador. Dessa forma, a vontade humana era inerente a
vontade divina, o poder decisivo era único e exclusivamente de Deus, pois, os
homens seriam incapazes de possuir e até mesmo cultivar a graça transformadora
se não fosse por decisão do próprio Deus em Jesus Cristo.
Dessa maneira, Lutero acreditava na importância de Cristo como
mediador entre Deus e os homens. Cristo fez o resgate das nossas dívidas com a
própria vida, homem justo e obediente, era o único fiel capaz de requerer a nossa
redenção diante de Deus. Assim, fomos agraciados pela virtude de Jesus, o único
sacerdote santo capaz de firmar a aliança da salvação entre Deus e a humanidade
por meio da sua santidade.
Lutero combatia também, as práticas que a igreja desenvolveu desde o
início da sua formação, como exemplo a prática das indulgências, o comércio das
relíquias, a alienação em que eram tratados seus fiéis. Por ter formação teológica,
acreditava que tudo aquilo que ele conheceu nos estudos deveria ser extensivo a
todos e não um privilégio para uma pequena parcela.
Para ele a igreja já não tinha mais a importância mediadora entre Deus e
os homens – visto que Cristo era o único mediador habilitado a essa mediação -, o
clero não podia agir como juiz da vontade “Divina”. Na sua visão, Lutero acreditava
que na medida em que os adeptos se abrissem para as inspirações do Espírito, mais
se aproximariam da justificação em Cristo e, essa prática exercitada no dia-a-dia, os
levaria a herdar a misericórdia divina, uma vez que a graça de Deus é um dom
gratuito.
A Reforma contou com a adesão de novos movimentos religiosos e
diferentes confissões de fé. O luteranismo conduzido pelo próprio Lutero, o
29
Calvinismo por João Calvino e o Anglicanismo de Henrique VIII, foram os principais
reformadores que participaram desse movimento.
Os acontecimentos não pararam, o povo sempre buscou incessantemente
uma experiência mística com Deus. Cada movimento que surgia em nome de Deus,
deixava clara uma vontade de transcender as inspirações ensinadas pelos nossos
reformadores na história da igreja. E as divisões religiosas discutidas até aqui
geraram outra divisão no protestantismo, a divisão do protestantismo em
pentecostalismo.
Para compreender as características atuais do pentecostalismo é
necessário discutir mais atentamente a figura de John Wesley (1703-1791), teólogo
anglicano, que liderou uma reforma dentro do anglicanismo (séc. XVIII), que resultou
na igreja metodista.
2. Metodismo e a doutrina da santificação
John Wesley, membro da Igreja Anglicana, por iniciativa própria, fundou
outro movimento religioso renovado em Oxford em 1729, notável e radical pela
maneira de dedicar-se ao estudo da Bíblia usando métodos específicos e também
pela prática diária de oração pessoal, com hinos, cânticos, celebração da santa ceia
e ainda, no campo social, não podia deixar de lado as obras de caridade. Ele
acreditava em um “cristianismo missionário e leigo que ultrapassasse as fronteiras
formais estáticas do anglicanismo provocando uma experiência de fé”.
14
14
PASSOS, J.D. Teogonias Urbanas: O Re-nascimento Dos Velhos Deuses: Uma Abordagem Sobre A
Representação Religiosa Pentecostal, p. 115.
30
Dessa maneira, John Wesley acreditava que a conversão exigia
santidade, mudança plena na vida do adepto que, uma vez convertido, deveria viver
e mudar seus hábitos praticados até o momento. A oração metódica (origem do
nome metodista) o levaria a uma proximidade maior com Deus, libertando-o da vida
pecaminosa do passado.
Wesley, inspirado por Lutero, acreditava no dom da fé, não pela crença,
mas pela confiança, “senti que realmente acreditava em Cristo, Cristo apenas nele,
para a salvação; e me foi dada uma certeza de que ele levou meus pecados, e me
salvou da lei do pecado e da morte”
15
e foi pela palavra de Deus que o mesmo
começou a proclamar a graça redentora de Deus em Cristo.
Assim, John Wesley proclamava que os seus pecados haviam sido
perdoados pelo salvador do mundo e, seguindo literalmente a Bíblia, afirmava que o
Cristo lhe fizera, o Espírito de Deus confirmara e a confiança tomara conta dos seus
atos transformando-o para sempre.
As inspirações de John Wesley sobre a santificação, inovaram a alma dos
fiéis. Para ele, o fim do homem era a salvação e o meio para alcançar a salvação era
a fé. Ao mesmo tempo ele definia as duas palavras (fé e salvação), como sendo
difíceis de serem definidas, pois essas palavras seriam a coluna central da Bíblia e
não poderiam sofrer desvio de interpretação.
16
Diante do questionamento entre a salvação e a fé, Wesley lançava a
primeira pergunta: “o que é salvação?”, Wesley questionava as pessoas além das
suas razões, onde dizia que pela palavra “salvação” o fiel deveria entender que a
graça alcançada era para ser vivida no tempo presente e não no final da vida, ou no
céu, após a morte. Era algo presente, a benção de Deus era imediata para aqueles
15
SHELLEY, B.L. História do cristianismo: ao alcance de todos, p.374.
16
WESLEY, J. Sermões, vol. 2, pp. 58-77.
31
que se arrependessem de seus pecados e com fé acreditassem na misericórdia de
Deus, a graça seria alcançada “desde o primeiro despertar” na alma daqueles que
se lançassem em busca da glória eterna.
O fiel deveria ampliar a alma para alcançar a “graça preveniente”; buscar
o “atrair do Pai”, as inspirações de Deus e submeter-se a ela para ir em direção do
Cristo, e, sendo o Cristo a direção, a lâmpada para esse mundo, o guia, o fiel
deveria praticar a justiça, amar a misericórdia e depois caminhar com o próprio
Deus, seguindo as inspirações do Espírito Santo.
17
Para John Wesley o fiel deveria, então, se apoiar na justificação e na
santificação como caminho certo para a remissão dos pecados. Sendo o próprio
Cristo o justificador dos pecados, depois do arrependimento, o fiel receberia
imediatamente a aceitação de Deus, pois o sangue derramado pelo cordeiro divino
seria a fonte do resgate diante de Deus (justificação), que por sua vez, derramaria o
Espírito Santo de amor nos corações dos fiéis e santificação pela fé.
Dessa forma, o amor de Deus abriria caminho para a salvação afastando
o fiel das paixões mundanas, a inveja, os maus pensamentos, a raiva, o luxo, as
vaidades entre outras coisas, seriam banidas da mente humana e depois em Cristo
experimentar o “nascer de novo”.
A santificação era o ponto primordial proclamado por Wesley. Dizia ele,
que a graça transformadora invadiria os corações dos fiéis. O perdão do Pai era o
canal do AMOR, arrependido, o convertido era chamado a uma intimidade maior
com as inspirações vindas do Espírito Santo em Cristo para experimentar uma nova
pureza, uma comunhão ininterrupta herdando, assim, os propósitos do Pai celestial.
17
Ibidem, p. 27.
32
A contemplação, a oração, o falar com Deus, aquecia de tal maneira o
coração de Wesley que o levara as mais diversas experiências com Deus. O próprio
Wesley pensava que ele era “uma criatura de um dia” que a sua existência fora
apenas de um dia, seria como um passar de um raio, ou, uma flecha, que pairava
sobre o abismo a caminho do céu. Até as palavras ditas por Wesley eram
cuidadosamente pensadas, para que a sua pronúncia não tomasse o rumo da
intelectualidade, ele temia as palavras rebuscadas, por medo de não levar ao
entendimento aqueles que os ouviam.
Como verdadeiro herói, Wesley sai dos campos, para o mundo, vencendo
todas as barreiras passadas, todos os obstáculos experimentados até o momento,
para se tornar o “homem de coração aquecido” um verdadeiro missionário, que
chegou a pregar para milhares de pessoas, difundindo o metodismo não só na
Inglaterra, mas para o mundo inteiro.
A nova maneira de pregação usada por Wesley trazia um novo ardor.
Cansados da descrença social, a pregação convidava os indivíduos a se tornarem
pregadores, bastava para isso ouvir as novas inspirações dadas pelo Espírito Santo
e anunciar, depois disso, a “boa nova em nome de Deus”.
Essa experiência não foi transformadora somente para Wesley, mas,
também para a maioria das pessoas de classes de baixa renda da época que, em
sua maior parte, eram mineiros e viviam de pouca esperança.
A intenção de Wesley não era fundar uma nova igreja, mas, ao contrário,
levá-los para a igreja anglicana a qual pertencia e da qual nunca se desligou. A sua
preocupação era, especialmente, levar para o povo uma nova vida espiritual e
também material em favor do próprio povo, daí o surgimento posterior de orfanatos,
33
ambulatórios, centro de artesanato entre outros recursos, de acordo com os
pressupostos de caridade.
Todavia, diante da expulsão dos púlpitos da igreja anglicana a qual
pertencia, Wesley começou a sua pregação em espaços livres para todo aquele que
também desejava uma mudança. Em 12 de maio de 1739, foi fundada a “primeira
capela” metodista, segundo Mateo Lelievre:
(...) com solenidade, exclamações de louvor e ações de graças, a pedra
fundamental daquele modesto templo que viria ser a primeira capela
metodista a levantar-se no mundo inteiro.
18
Em suma, o carisma de Wesley como pregador e revitalizador da fé era
sem dúvida centralizado em Jesus Cristo e na Palavra de Deus, sendo seguindo
como modelo e fonte inspiradora para a realidade da época. Essa herança foi
seguida e levada adiante até os dias atuais.
Uma característica marcante, até hoje, no meio pentecostal vinda de
Wesley é a oração pelos nossos perseguidores e inimigos; com o novo nascimento o
adepto demonstra uma nova capacidade de perdoar não somente para quem
perdoa, mas também uma mudança no coração dos perseguidores.
Com base nas doutrinas ensinadas por John Wesley, surgiu nos Estados
Unidos, em meados do século XIX, o movimento de santificação ou (holiness) como
foi chamado. Distinguindo conversão de santificação, este movimento pregava uma
nova oferta de salvação, pois o fiel além da conversão deveria se santificar
passando por um novo batismo, o “batismo do Espírito Santo”, conforme narrado no
18
LELIEVRE, M. João Wesley, p.78.
34
Livro de Atos capítulo 2, os pregadores acreditavam na promessa do “derramamento
do Espírito Santo” como forma de se elevar a Deus.
Essa prática intitulada como movimento de santidade “holiness” e seguida
por várias igrejas, entre elas a Igreja dos Nazarenos (1906). Os adeptos acreditavam
em uma conversão individual, da conduta de vida. A salvação não era justificada
somente por vontade de Deus, mas, em nome de Cristo, o fiel deveria temer o
pecado e sentir a necessidade de mudança.
19
A base teológica do movimento está sustentada em dois pontos: a
justificação, o primado da graça sobre a liberdade e a santificação: certificação da
salvação imediata, no “aqui e agora”.
O movimento “holiness” desenvolveu a teologia da “segunda benção”,
posteriormente intitulada por outros seguidores de: “batismo no Espírito Santo”.
Quem passava por esse “batismo” ganhava poder espiritual, recebia os dons do
Espírito Santo, orava em línguas e, em nome de Jesus, curava os enfermos,
expulsava “demônios”, entre outros poderes.
Essa experiência de salvação vinha do sentimento imediato de
santificação por meio de práticas de base extremamente emocional, incluindo as
leituras bíblicas que eram feitas de forma extremamente marcante, na tentativa de
tocar emocionalmente os seguidores.
Max Weber comenta que:
A ênfase sobre o sentimento (...) levou o metodismo, que desde o início, viu
a sua missão entre a massa, a tomar um caráter fortemente emocional,
especialmente na América. A obtenção do arrependimento envolvia, em
certas circunstâncias, uma luta emocional de tal intensidade que levava aos
19
CAMPOS, L,C, Pentecostalismo, p.36.
35
mais terríveis êxtases, que, na América, muitas vezes ocorriam em reuniões
públicas.
20
Esses fenômenos de experiência de salvação e santificação aconteciam
pela ação do Espírito Santo sobre o adepto e por intermédio de Cristo. O Espírito é
concebido como uma grandeza divina e transcendente e, dentre as suas funções e
efeitos, ele pode manifestar-se de maneira perceptível. Os fenômenos físicos e
psíquicos que os adeptos exibem são os próprios “sinais exteriores e irrefutáveis” da
presença e ação do Espírito Santo.
21
Todavia, era na figura do líder carismático que a ação do Espírito Santo
acontecia e era possível, isto é, havia a necessidade de um “condutor” da ação do
Espírito para que as graças (salvação e santificação) fossem alcançadas. Wesley,
nesse sentido, era a figura do líder carismático, aquele que possuía “poderes ou
qualidades sobrenaturais ou, pelo menos, extracotidianos específicos ou então
tomado como enviado por Deus”.
22
O movimento “holiness” pode ser considerado um fenômeno baseado na
relação de dominação (a probabilidade de encontrar obediência para ordens
específicas, dentro de um determinado grupo de pessoas), assim como grande parte
dos movimentos religiosos.
Weber aponta que a relação de dominação não acontece,
necessariamente, apenas por influência de meios econômicos nem, essencialmente,
para esse mesmo fim, como classicamente ela é concebida. A dominação pode se
dar por interesses materiais ou por motivos ideais e também por aqueles afetivos ou
20
WEBER, M. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, p 98.
21
LACOSTE, J. (org). Dicionário Crítico De Teologia, pp. 650 – 653.
22
WEBER, M. Economia e Sociedade, p.159.
36
racionais, e precisa ser considerada legítima para que a relação de dominação
aconteça.
Dentre os tipos puros de dominação que Weber apresenta, se encontram
dois que merecem destaque:
(...) de caráter tradicional: baseada na crença cotidiana da santidade das
tradições vigentes desde sempre e na legitimidade daqueles que, em
virtude dessas tradições, representam a autoridade (dominação tradicional);
de caráter carismático: baseada na veneração extracotidiana da santidade,
do poder heróico ou do caráter exemplar de uma pessoa e das ordens por
esta reveladas ou criadas (dominação carismática).
23
Pode-se dizer que a figura do padre, pastor ou quaisquer representantes
das igrejas, exercem dominação, em parte, pelo caráter tradicional, visto que são
representantes legais das tradições cotidianas. Alguns movimentos que tiveram
início com o surgimento do pentecostalismo (e outros mais contemporâneos que
serão discutidos nos próximos capítulos, como é o caso do neopentecostalismo),
somaram ao poder de dominação tradicional (institucional), o poder de dominação
de caráter carismático, fazendo da figura de um indivíduo, “líder”, isto é, alguém que
precisa ser obedecido por suas características extracotidianas.
A “experiência do coração aquecido”, chamada por John Wesley de “novo
nascimento” serviu de base para a plenitude espiritual cristã da época e também
serviu de semente germinadora para o mundo pentecostal nos dias atuais.
Os eleitos, isto é, aqueles indivíduos que foram escolhidos por Deus para
serem salvos e se mostrarem escolhidos através da sua fé acreditavam que dessa
23
WEBER, M. op.cit., p. 141.
37
maneira por meio da santificação e das práticas de estudo da Bíblia, atendiam os
designos de Deus, que a verdade contida na Bíblia pertenciam a eles.
Conhecedores da verdade poderiam se tornar reveladores da mesma palavra,
influenciando pregadores antigos, gerando novos missionários com práticas
diferentes vivenciadas até o momento, criando novas técnicas de falar com Deus. “A
pregação de Wesley despertou grande interesse e atraiu numerosos ouvintes”.
24
Uma oferta certa e imediata de salvação parece responder, de fato, aos
anseios de uma sociedade, que passa por profundas transformações e adaptações
econômicas, sociais e culturais. O surgimento do movimento “holiness” aconteceu,
ao mesmo tempo, em que o surgiu a grande cidade moderna, do tipo industrial e,
conseqüentemente, dos fenômenos urbanos. Assim, pode-se imaginar que esse
movimento se expande por atender, predominantemente, duas funções sociais: a)
uma função identitaria e relacional da prática religiosa (visto que os diversos
conjuntos de imigrantes necessitavam de algo em torno do que se agrupar); b) uma
prática espiritual que confirma a imediaticidade da sociedade modernizada.
25
O movimento “holiness” também disseminou valores e experiências
significativas capazes de alterar, não só uma pequena parcela de adeptos, mas de
uma sociedade, a sociedade inglesa em plena revolução social.
As igrejas e líderes que simbolizaram essa mudança no cenário
protestante – no início do pentecostalismo americano e brasileiro – são bastante
estudados até hoje. As datas mais significativas de mudança nesse cenário
americano são os anos de 1901, em Topeka, Kansas, 1906, em Los Angeles, e
1907, em Chicago, onde os movimentos pentecostais se enraizaram. Apenas alguns
anos depois, as sementes dessas mudanças já haviam chegado ao Brasil.
24
LELIEVRE,M, op. cit. p. 92.
25
PASSOS, J.D, Pentecostais, Origens e começo, p. 50.
38
No início do século XX, pessoas insatisfeitas com o protestantismo
questionavam as próprias experiências. Nesse contexto, Seymour, um pastor negro
da igreja dos nazarenos em Los Angeles, tendo como referência a passagem da
Bíblia Atos 2,4: “Todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar em
línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem”. Começou a pregar
uma forma primitiva de oração, baseada nos dons do Espírito Santo. Estes dons,
entre eles a oração em línguas (também chamada de glossolalia) cria uma nova
maneira de falar com Deus, onde além da conversão e da santificação, o batismo
pelo Espírito Santo era considerado uma benção essencial.
26
Devido a essa experiência, Seymour foi expulso da igreja a qual pertencia
pastoreada por Neeley Terry, também negra. Isso fez com que Seymour começasse
a se reunir em casas particulares para continuar sua pregação.
Em um desses encontros, no dia 06 de abril de 1906, um menino de oito
anos, entre outras pessoas, começou a orar em línguas fazendo com que Seymour
reafirmasse a sua crença e, junto com alguns seguidores, alugasse um novo espaço
para seus encontros. Esse espaço ficou famoso e reconhecido como base de
formação e divulgação mundial do moderno movimento pentecostal, seu endereço
era: Azuza Street, 312.
Pessoas de todo mundo, curiosas com esse movimento, vinham conhecer
de perto os acontecimentos no templo de Seymour e de lá saíam missionárias para
o restante do mundo.
Com dissidência dos metodistas, a prática pentecostal foi difundida
rapidamente entre outros países, com maior aceitação na América Latina. Com
ênfase no Espírito Santo, os missionários estrangeiros queriam encontrar novas
26
Para conhecer com maiores detalhes a história de W. J. Seymour, ver CAMPOS JR,L.S, Pentecostalismo,
p.22.
39
terras levando em suas bagagens a “segunda benção” e a “santificação”: a novidade
de Deus para aqueles que ainda viviam do passado.
3. O pentecostalismo no Brasil
Diversos autores discutem sobre o surgimento do pentecostalismo no
Brasil e sobre a fundação da Assembléia de Deus (AD) entre eles, D`Epinay,
Mariano, Freston, Campos, e Rolin, nas obras supracitadas. O histórico e
questionamentos descritos a seguir se baseiam nos estudos, principalmente, desses
autores.
Na primeira década do séc XX, no Brasil, surgem as duas primeiras
igrejas pentecostais, com práticas independentes uma da outra, e com apenas um
ano de diferença na chegada ao país. Essas igrejas foram originárias dos
movimentos de santidade que eclodiram nos Estados Unidos nessa mesma época,
apresentados anteriormente.
Fundada em 1910, no bairro do Brás, em São Paulo, a primeira igreja
pentecostal a “Congregação Cristã do Brasil” e, em seguida em 1911, a fundação da
igreja “AD” em Belém do Pará, no extremo oposto do país formam o marco do
pentecostalismo brasileiro, com um novo tipo de igreja e experiência religiosa.
Assim, missionários cheios de fervor e sob as inspirações do Espírito
Santo, querendo ganhar o mundo para Cristo, levaram as primeiras pregações às
terras estrangeiras, tendo como alvo as classes sociais marginalizadas pela
pobreza, encontrando solo fértil no Brasil na cidade de Belém do Pará, com a
chegada dos suecos Vingren e Berg.
40
Vale ressaltar que a forma como o pentecostalismo surgiu remete a idéia
apresentada anteriormente de que a viabilização de novos grupos religiosos, assim
como o surgimento de diversos grupos não religiosos está baseado na relação de
dominação pelo caráter carismático discutida por Weber.
27
Tanto nos Estados
Unidos como no Brasil, foi através da figura de um líder que o pentecostalismo se
expandiu e atraiu novos seguidores.
O sueco Vingren, um convertido ao pentecostalismo, direcionado por um
“sonho profético”, recebeu a missão de pregar no Brasil, juntamente com seu amigo
Berg. Os mesmos procuraram o endereço em uma biblioteca em Chicago e
chegaram ao Brasil, mais exatamente no Pará. Foram acolhidos por uma igreja
batista, da qual também foram expulsos depois de contestar o diácono sobre a
oração em línguas realizada por uma mulher, argumentando que o importante é
levar o maior números de almas para Deus.
Quando saíram da igreja um grande número de pessoas os aguardava e
esse grupo os levou a fundar uma nova igreja, denominada AD. De forma
particularmente interessante, a AD possui hoje um número muito maior de adeptos
no Brasil do que sua própria matriz nos Estados Unidos.
O fervor usado pelas igrejas pentecostais sempre causou espanto e, ao
mesmo tempo, despertou curiosidade daqueles que de alguma maneira buscam
respostas para seus problemas considerados insolúveis. Assim, os adeptos, levados
pela informalidade e simplicidade familiar que o ambiente pentecostal oferece,
encontraram respostas e segurança para desfrutar de salvação imediata.
Denota-se que as igrejas pentecostais sempre se serviram da mesma
informalidade usada por W. J. Seymour para fundar novas comunidades. “Sempre
27
WEBER, M, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, pp. 139 – 161.
41
inspiradas pela ação do Espírito Santo”, as novas igrejas surgem rapidamente em
lugares variados, com a missão de anunciar a fé, curar e libertar as camadas
marginalizadas pela pobreza ou migrantes vindos da vida rural, dispersos nas
grandes cidades, oferecendo um novo conforto: o conforto espiritual. Para isso,
basta ter uma Bíblia ou textos motivadores da mesma, capazes de revolucionar os
ouvintes a mudar os velhos hábitos, gerando novos conceitos para o futuro, sem
esquecer da oração em línguas (glossolalia) sob ação do mesmo Espírito.
O movimento pentecostal que antes era tido como prática de pequenos
grupos, assustou a burguesia e nunca mais parou de crescer. A oração em “línguas
estranhas” trazida pelos missionários rompeu o silêncio de um povo sofrido,
acostumado a obedecer. O resultado foi uma explosão de novas igrejas, credos e
maneiras diferentes de falar com Deus, alargando assim, as portas da sociedade e
das igrejas que reinavam nas classes médias de antes, abrindo caminhos para as
camadas populares que não se faziam ouvir diante do poder.
Como veremos adiante, em pouquíssimo tempo o pentecostalismo estava
em todo o país – dono de um crescimento exuberante – e se espalhava ao redor do
mundo, levando os preceitos que tinham suas origens no protestantismo norte-
americano.
Um questionamento importante, realizado ainda por esses autores, é de
como esse movimento pentecostalista, em sua origem considerado herético e
sectário composto por membros negros e humildes, conseguiu se desenvolver e
chegar ao Brasil?
42
4. Crescimento do pentecostalismo no Brasil
Inicialmente, a chegada dos pentecostais ao Brasil, e conseqüentemente,
a fundação da Congregação Cristã, em São Paulo (1910) e da Assembléia de Deus
no Pará, em 1911, não preocupou os protestantes que já estavam estavelmente
instalados no Brasil. Todavia, passado algum tempo, cerca de vinte anos, o cenário
começa a mudar. Os pentecostais que antes eram considerados apenas como
membros de uma seita e, portanto, não colocavam em risco a estabilidade
protestante, porque não teriam probabilidade de crescimento, agora, começam a
provocar espanto nestes, pois apresentavam um crescimento maior do que o
previsto, chegando a 27% dos evangélicos no Brasil na década de 30.
César & Shaull reforçam essa idéia:
(em 1930) O protestantismo contava com cerca de 1.100 templos, e os
recém-chegados pentecostais já tinham 267 lugares de culto e somavam
27% dos evangélicos brasileiros. Essa porcentagem sobe ainda mais em
1970, tendo os pentecostais chegando a 58% da população de evangélicos,
com 11.000 templos, estabelecendo uma diferença de apenas menos três
mil templos comparados com as igrejas não pentecostais.
28
Esse padrão de crescimento permanece até os dias de hoje. Isso pode
ser visto, por exemplo, na análise do crescimento da Igreja Assembléia de Deus que
possui hoje a maior quantidade de adeptos, cerca de sete milhões no Brasil.
O pentecostalismo, particularmente em sua versão neopentecostalista,
participa do processo de “reencantamento” do mundo e do novo modo de
28
CESAR & SHAULL, R, Pentecostalismo e futuro das igrejas cristãs, p.23.
43
apresentação da religião em nossa sociedade, isto é, um modo marcadamente
centrado nos problemas dos adeptos, sejam estes de ordem espiritual, afetiva ou
financeira.
29
Para a maioria dos teóricos, esse reencantamento, sua repercussão e
crescimento entre a massa, é decorrente de um conjunto de fatores
desencadeantes. Entre eles, cabe ressaltar o crescimento da indiferença religiosa
entre os cristãos, as mudanças sociais rápidas que levaram as pessoas à perda de
identidade e o aumento dos problemas sociais ligados à falta de assistência
adequada proveniente do governo.
30
A população leiga que era tratada pela igreja católica como massa
passiva, que precisava apenas seguir os preceitos propostos pelos sacerdotes – que
possuíam o conhecimento da doutrina – era agora tratada como igual por essa
vertente religiosa e poderia ser salva por si só, isto é, pelo seu conhecimento e
comportamentos.
Na década de 1960, estudiosos do fenômeno religioso apontavam o
pentecostalismo como “alienação e ópio do povo”. Assim, o pentecostalismo era tido
como expressão religiosa da situação de violência e escravidão das massas, que
empregavam a religião como forma de expressar o seu descontentamento com a
situação de opressão. Dentro desta perspectiva, o desafio maior seria descobrir as
maneiras de se canalizar o “protesto pentecostal” para projetos de real
transformação social.
31
29
CAMPOS JR, L.C. op. Cit, pp. 19-20.
30
TORRESAN, J. L. A interação pastor X fiel da Igreja Universal do Reino de Deus no jornal Folha Universal
– um jornal a serviço de Deus. (dissertação de mestrado) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
31
TORRESAN,J,L, op. cit, p. 62.
44
Nessa época, entre as décadas de 1950 e 1960, foi que se deu explosão
pentecostal, por meio das missões realizadas em todo o território brasileiro
32
.
O crescimento do pentecostalismo, no período, também encontrava um
cenário criado pela igreja católica, pós-concílio de Trento, em 1968. Nesse cenário, a
igreja católica buscava diversas estratégias para conseguir de volta seus adeptos,
que estavam migrando para diversas outras religiões pelo descontentamento com a
igreja. O declínio da igreja católica – com a perda de sua capacidade em influenciar
o Estado – também gerou formas similares ao pentecostalismo, com o surgimento
dos movimentos religiosos que visavam “recatolizar” a população. Entretanto, as
estratégias da igreja católica propostas nesse cenário de crescimento pentecostal
não foram tão eficientes quanto as propostas pentecostais e neopentecostais.
O pentecostalismo encontrou formas de acomodação no interior da
cultura latino-americana e da nova sociedade de consumo, uma vez que, no
decorrer do processo de surgimento e desenvolvimento, foi incorporando símbolos,
discursos e forças que seguem o processo ideológico da “teologia da prosperidade”.
A teologia da prosperidade refere-se a um aglomerado de idéias,
formuladas nos Estados Unidos, que valorizavam o consumo de bens e serviços
como forma de demonstrar que o adepto, ou fiel, convive com Deus.
33
Como se pôde perceber, o pentecostalismo teve, num primeiro momento,
sua expansão gerada por um conjunto de fatores sócio-econômico-espirituais que
estavam intimamente ligados à situação histórica e social característica do início do
século em que se encontravam as massas. São fatores sócio-econômico-espirituais
mais significativos para o primeiro crescimento do pentecostalismo: o crescimento da
32
Cf. SANCHIS, P. Pentecostalismo e Cultura Brasileira, in Revista Sociedade e Religião - se referencia à essas
missões como “Cruzadas de Evangelização”, pois tinham o objetivo de difundir a pratica e crença pentecostal em
todo o território nacional.
33
CAMPOS, JR. L.C, op cit, pp. 54-55.
45
indiferença religiosa entre os cristãos e as rápidas mudanças sociais, entre elas a
situação de opressão e violência no trabalho, além da falta de assistência médico-
social proveniente do governo. Esse contexto social gera o descontentamento das
camadas populares, que vivem na miséria e violência, e precisam de um meio social
para expressar esta revolta.
D`Epinay, utilizando o exemplo da América latina, explica que o
pentecostalismo procurou não se envolver com as realidades políticas e econômicas
do lugar, mesmo tendo consciência dos valores que possuía, poderiam exercer uma
profunda transformação ao país e em seu desenvolvimento. Este ponto de
consideração, inclusive, é constantemente repetido nos encontros da sociedade
protestante, pois, considera-se que o movimento pentecostal deveria eticamente
passar por estas questões.
34
Por sua vez, assim como na ética protestante, um movimento pentecostal
com ênfase no social acarretaria um avanço nas realidades imediatas do grupo, que
dentre outros fatores, se tornariam beneficiários desse esbanjamento.
Dessa forma, os movimentos religiosos na América Latina, não operam
somente no imediatismo das condições de vida familiares, mas também nas
transformações em todos os níveis da sociedade, que de certa forma, estará sempre
avançada em relação ao seu momento anterior.
Este fator é confirmado segundo outros autores, que entendem a crença
nas virtudes sociais dos indivíduos como derivação das práticas protestantes e
justificam assim a postura, muitas vezes antipolitica, das igrejas evangélicas.
Posteriormente, o pentecostalismo começou a se adaptar à realidade e
abandonar seu caráter revolucionário social responsável pelo seu crescimento
34
D’EPINAY,C.L, op. cit, p. 246.
46
inicial; tomando a forma atual de instituição religiosa baseada na idéia da teologia da
prosperidade que está intimamente relacionada com os preceitos do marketing
contemporâneo.
Este segundo momento de crescimento do pentecostalismo possuía uma
dinâmica de movimento pentecostal diferente, fazendo surgir novas igrejas com
características que as diferenciam daquelas da gênesis do movimento. Desta forma,
o pentecostalismo começava a se dividir em vertentes, às vezes ortodoxas à origem,
mas, muitas vezes, apenas com pequenos resquícios daqueles preceitos iniciais.
No Brasil, o crescimento do número de adeptos nas igrejas pentecostais
ocorreu de maneira desigual nas diferentes camadas sociais da população, e
concentrou-se, especialmente, nas camadas mais pobres.
35
Os participantes da pesquisa dessa dissertação relataram que trabalham
como: dona de casa, costureira, professora, vendedor, secretária, lojista, aposentada
e em hospital. A renda media familiar dos entrevistados foi de R$1.580,00 (um mil
quinhentos e oitenta reais), sendo que dos oito participantes, apenas cinco
participantes deram informações sobre a renda.
Os dados encontrados estão de acordo com o que Mariano aponta sobre
a concentração dos adeptos da Assembléia de Deus nas camadas menos
favorecidas da população.
Segundo pesquisa realizada na década de 1990, 60% dos pentecostais
ganhavam até dois salários mínimos, 29% ganhavam entre dois e cinco salários e
somente 10% ganhavam mais de cinco salários mínimos. Outra pesquisa citada por
Sanchis, encontrou resultados semelhantes que indicavam a camada mais pobre da
população como adeptos pentecostais. A pesquisa mostrou, entre outros dados, que
35
MARIANO, M, op. cit., p. 11; SANCHIS, P, op. cit, p.42.
47
além de 11,2% dos adeptos serem analfabetos e 68,3% terem cursado apenas até o
antigo primeiro grau, 33,3% deles ganhavam até dois salários mínimos, 8,2%
estavam desempregados e 27,2% eram trabalhadores autônomos irregulares.
36
O Mariano ainda aponta, que entre os fatores que poderiam ter trazido
essa grande quantidade de pessoas das camadas mais pobres da população para
as igrejas pentecostais, está o fato de estas se sentirem excluídas da sociedade e
desesperançosas quanto as suas vidas.
Com propósito de superar precárias condições de existência, organizar a
vida, encontrar sentido, alento e esperança diante de situação tão
desesperadora, os estratos mais pobres, mais sofridos, mais escuros e
menos escolarizados da população, isto é, os mais marginalizados -
distantes do catolicismo oficial, alheios a sindicatos, desconfiados de
partidos e abandonados a própria sorte pelos poderes públicos –, tem
optado voluntária e preferencialmente pelas igrejas pentecostais.
37
Todavia, por mais que pareça evidente a relação entre pobreza e
pentecostalismo ou marginalização social e pentecostalismo, esse perfil não explica
totalmente os motivos de expansão dos pentecostais e muito menos por que houve
um crescimento desigual das diferentes igrejas que surgiram desse movimento.
Embora essa relação entre pobreza e pentecostalismo pareça clara, é
observado que uma parcela significativa dos adeptos são de camadas sociais mais
elevadas da comunidade.
Neste sentido, é importante ressaltar a transformação do ambiente entre
os cultos. Em alguns horários, é visível a quem se direciona o acontecimento, seja
36
PIERUCCI, A.F. & PRANDI, R. A Realidade Social Das Religiões No Brasil, p.82.
37
MARIANO,R, op. Cit, p.12.
48
com os grupos auxiliares, ou mesmo na quantidade de recursos do lugar, e seus
participantes. Há a mudança no público-alvo, fazendo com que a comunidade como
um todo cresça em grandes proporções.
Esses fatores que levaram ao crescimento do pentecostalismo não estão
totalmente esclarecidos. Mesmo depois de algumas pesquisas, é quase impossível
não perceber a importância em esclarecer seu funcionamento e também seu
crescimento. Atualmente, o Brasil é considerado a maior comunidade protestante do
mundo depois dos Estados Unidos e possui um contingente de cerca de 15 milhões
de volantes evangélicos.
38
5. Perfil dos pentecostais
Segundo critério histórico baseado no surgimento do pentecostalismo em
1901 nos Estados Unidos, como apresentado anteriormente, pentecostais são todos
aqueles que aderiram a grupos religiosos que fizeram da experiência do batismo
com o Espírito Santo – por meio de reações físicas diversas, glossolalia e balbuciar
de sons inarticulados – o seu caráter diferencial.
Para Passos
39
, dentre as características principais dos pentecostais pode-
se salientar que:
a) o adepto pentecostal se considera diferente do mundo profano (rotina
diária) que, para eles, é comandado pelo mal (demônios, etc);
38
CESAR & SHAULL, op. cit,p. 24.
39
PASSOS, J. D. Pentecostais, Origens e Começo, pp. 35-39.
49
b) em vários grupos existe uma grande rigorosidade em relação à forma
de se vestir, de se comportar no meio social e, até mesmo, de práticas políticas;
c) as pregações focam a necessidade de mudança do indivíduo
caracterizada pelo abandono dos pecados, das dores, problemas e sofrimentos de
todos os tipos para uma vida nova repleta de dádivas espirituais e materiais; e:
d) a fim de significar essa mudança, as celebrações, pregações, cantos e
participações os fiéis encenam vividamente e emocionalmente essa passagem da
calma para a euforia, da passividade à participação intensa, do silêncio à
manifestação, da indiferenciação no grupo ao encontro consigo mesmo.
40
Tal qual aponta Weber, a importância e a existência do elemento
emocional foi o que, em grande parte, trouxe os adeptos para a igreja e os fazem
permanecer e concordar com as regras e costumes pentecostais. Esta idéia está
baseada na premissa de que a dominação – definida como a probabilidade de
encontrar obediência dentro de um determinado grupo de pessoas – de caráter
carismático estabelece relações de obediência profundas e inquestionáveis.
41
Essa passagem de emocionalidade e participação intensa dos fiéis, é
descrita também, por César & Shaull, como uma aproximação. Forma encontrada
pelo fiel de expressar suas experiências e encontrar valores que possam aliviar suas
dores para enfrentar os problemas do mundo.
Sanchis afirma que, embora os pentecostais acreditem que o mundo dos
sinais (imagens, símbolos, etc) é vazio, pois venerar uma imagem deve ser
considerado como idolatria, é possível dizer que o culto pentecostal possui uma
dimensão simbólica extremamente exacerbada e com o objetivo de penetrar na
40
Ibidem, p.39.
41
WEBER, M, op.cit, pp.139 – 161.
50
cultura religiosa popular brasileira. A materialização do simbólico pode ser vista na
utilização de:
“água carregada de eflúvios santos, óleo, consagrador, as vezes trazido da
Terra Santa, sal grosso purificador, manto vermelho libertador, consagração
dos bispos portadora de ‘graças” que permeia todo o culto.
42
Nos cultos observados na AD do Bom Retiro –SP nesse estudo, com
destaque para o realizado no dia 24 de julho de 2005, observou-se a grande
participação da comunidade para com seu meio ambiente, e a seu líder. O ambiente
familiar criado pelo presidente denota uma tentativa de trazer todos presentes para
seu círculo, transmitindo-lhes uma sensação de alívio, usando palavras como: “ao
sair daqui vocês sentirão as transformações em suas vidas que não será mais a
mesma”, como se as tormentas diárias não mais existissem, sensação essa,
ampliada pelo frenesi musical, e o êxtase ao quais todos estavam inseridos.
Assim, essa nova experiência gera no fiel um sentimento de confiança
para enfrentar suas angústias diária mudando sua forma de pensar e viver, fazendo
com que este cada vez mais busque novas conquistas espirituais.
Essas manifestações fazem com que os testemunhos sejam cada vez
mais carregados de vitória como, por exemplo, o que segue na entrevista desta
viúva, pensionista, 61 anos:
“Me mudei para São Paulo e continuei a prostituição. Comecei a beber,
fumar e entrei no mundo das drogas. Foi quando entrei aqui (Igreja
Assembléia de Deus) pra não sair mais. Hoje tenho casa em meu nome,
42
SANCHIS, P, op. cit, p. 125.
51
televisão, emprego, sou costureira e tenho pensão do meu marido. Deus me
quebrou em ossos pequeninos e me reconstruiu inteira refez todos os
ossos. Hoje tem 11 anos que sou uma nova mulher”.
Ao testemunhar sobre as experiências vividas no passado, transmitia uma
expressão de sofrimento, a impressão era que cada palavra pronunciada pela
entrevistada revelava a sua dor, porém, no momento que começou a falar sobre a
transformação em sua vida depois da conversão, as palavras pareciam liberadas,
soltas, a mesma sorria e olhava constantemente para o alto e glorificava ao Senhor.
Percebe-se claramente uma face aliviada das dores do passado e a certeza de
novas conquistas espirituais.
“Eu cheguei ate aqui (Igreja Assembléia de Deus) realmente a procura de
Deus, os problemas eram muitos, (...). Cheguei aqui com 45 quilos, com
filha doente do coração, não tinha expectativa de futuro, achava que eu não
era nada. Meu marido era musico (pagodeiro) e queria sair de casa, todas
as minhas expectativas tinham acabado. Cheguei a usar drogas para fugir
dos problemas. Mas Deus foi falando comigo me dando forças para sair do
abismo. Foi assim, aos poucos fui me entregando na palavra de Deus, ele
foi me transformando, o meu intimo foi curado, fiquei cheia da graça de
Deus.
A entrevistada é professora, casada, 27 anos, que ao ser convidada a
falar sobre a sua conversão, relatou que só aceitaria participar se o seu nome não
fosse divulgado mesmo mostrando certa reticência inicial em expor sua vida, pois as
questões de sigilo já haviam sido apresentadas, houve algo que durante o relato, se
transformou em desejo de mostrar cada alteração que a igreja havia lhe trazido.
52
Quando começou a descrever sobre sua vida, sempre com um breve sorriso, não
pensou muito para falar das maravilhas de Deus. Contou dos problemas enfrentados
com seu marido antes da conversão. (atualmente convertido, tem uma banda
evangélica e se apresenta em diversas igrejas e continuam casados) e da
transformação pessoal vivenciada pela mesma. Falou da tranqüilidade e harmonia
na vida diária deixando claro que tudo isso era só o começo das bênçãos
reservadas para eles, falou também que não perde um culto nos finais de semana;
sua filha que sofria do coração está curada. No final da entrevista deixou o seu
telefone para mais informações sobre seu testemunho caso precisasse no futuro.
Durante as visitas a AD do Bom Retiro - SP pôde-se perceber algumas
características marcantes. Os pentecostais falam o tempo todo de suas experiências
pessoais por meio do Espírito Santo. Para eles todos o problemas serão resolvidos
bastando entregá-los às inspirações de Deus. A aproximação entre Deus e o fiel é
de suma importância para que o mesmo receba a graça reservada para ele nos
reservatórios do céu.
Outra característica importante para os pentecostais é a freqüência nos
cultos para abastecimento da alma.
Os cânticos, testemunhos e orações, são proclamados com fervor para
receber as graças de Deus e ao mesmo tempo passar para outras pessoas seu
testemunho como exemplo.
Toda derrota sofrida anteriormente pelo fiel como exemplo, as tentações,
são “obras do demônio”, e o mesmo precisa ser exorcizado até ficar totalmente
liberto para depois servir de instrumento libertador para sua família, amigos e
familiares mais distantes.
53
O Batismo pela imersão é essencial para a nova vida do adepto. Se o
mesmo não passar pelas águas para receber a nova “unção”, e em seguida, o
batismo do Espírito Santo confirmado pelos dons, será sempre uma criatura
vinculada ao passado e a graça ficará impedida pelos resquícios do mal. Deus só
poderá agir se a mudança for radical.
O roteiro seguido pelos pentecostais nos cultos é semelhante: os cânticos
em alta voz, os agradecimentos “gloria a Deus”, “aleluia” são ouvidos a todo o
momento, seguido muitas vezes de testemunhos longos contado pelos fiéis: o antes,
durante e o depois da sua conversão.
As pregações dos pastores são incisivas, depois de várias leituras de
trechos bíblicos, a palavra é proclamada para tocar profundamente os adeptos, a
maioria dos pastores perguntam para a comunidade se eles acreditam que a palavra
irá salvá-los naquele momento e, depois da afirmativa dos mesmos, seguem-se na
palavra profetizando curas, transformações, direcionamentos, libertações etc. E no
final de cada culto, o pastor encerra com a pergunta: “quem quer aceitar Jesus?”.
Muitas pessoas levantam e direcionam-se para o púlpito juntos com os obreiros
seguidos de mais orações.
A emoção invade o local quando uma pessoa rompe o silêncio depois da
pergunta: “quem quer aceitar Jesus?”, e se levanta. Em alta voz a comunidade
glorifica ao Senhor. De um lado o convertido inaugural não sabe o que o aguarda, do
outro, uma comunidade que já experimentou dessa emoção, conduz o convertido
para uma nova vida, o mistério está apenas começando, dali por diante há um longo
caminho a percorrer.
As observações realizadas ao templo da AD do Bom Retiro – SP durante
a pesquisa empírica, foram de grande importância para apontar o padrão de
54
comportamento dos adeptos durante o culto e a própria organização do mesmo,
apresentado acima. Todavia, a compreensão da dinâmica da Igreja Assembléia de
Deus ainda parece longe se ser efetuada. Uma revisão histórica de seu surgimento e
funcionamento se tornam essencial para contextualizar a igreja AD como parte de
um movimento religioso, pentecostal e compreender a inserção desta numa
sociedade em constantes transformações que, por conseguinte, parecem
transformar a própria organização da igreja.
Desta forma, o capítulo seguinte será apresentada uma descrição
histórica do pentecostalismo brasileiro e suas “ondas” de expansão, a fim de
contextualizar e discutir a Assembléia de Deus como migrante de seu
posicionamento tradicional.
CAPÍTULO II
A IGREJA ASSEMBLÉIA DE DEUS
Como vimos, a igreja Assembléia de Deus nasceu do movimento
pentecostal americano em meados de 1901. Por volta de 1910, este movimento
enviou missionários para outras partes do mundo. Os missionários suecos Vingren e
Berg chegaram ao Brasil, em Belém do Pará e fundaram a Igreja Assembléia de
Deus em 1911. Nascida da cisão entre igreja batista, em 1914, se organizou com o
nome de General Council
43
nos Estados Unidos. Se firmou depois com o nome
Igreja Assembléia de Deus e, atualmente, é conhecida como a maior igreja
pentecostal brasileira em números de adeptos. É considerada também como uma
igreja de primeira “onda” que teve um papel importantíssimo em nosso meio por
apresentar maneiras e técnicas diferentes vivenciada até aquele momento.
Os fundadores da AD eram tidos como escolhidos de Deus. Com seus
sonhos proféticos, sinais carismáticos e revelações, logo a obra missionária ganhou
fama e se expandiu para outras regiões.
Assim, firmavam nos corações dos fiéis a presença e os sinais de Deus
para serem vividos e revividos na história e converter até aqueles de corações mais
adormecidos e que viviam distantes da esperança.
43
SOUZA, B. M, A experiência da Salvação, pentecostais em São Paulo, p. 30.
56
1. As “Ondas” do pentecostalismo
A análise do histórico do surgimento e desenvolvimento do
pentecostalismo mostra que, desde seu início, ele nunca foi totalmente homogêneo.
As duas primeiras igrejas pentecostais brasileiras – Congregação Cristã e
Assembléia de Deus, já apresentavam diferenças institucionais e doutrinárias em
sua fundação e, ao longo do tempo, ocasionaram formas e estratégias de
evangelização e de inserção social diferentes.
44
Entretanto, além das diferenças já encontradas logo no início da fundação
do pentecostalismo no Brasil, é correto afirmar que, este teve inúmeros recomeços
que foram classificados também de forma variada pelos pesquisadores do assunto,
a fim de tentar compreender a gênese e a história do pentecostalismo.
Freston apresenta este conceito de maneira fácil quando se refere aos
movimentos religiosos pentecostais como “ondas”. O autor se utiliza da analogia
“ondas” para referir-se ao início, expansão e reversão desses movimentos religiosos
ao longo do tempo. Freston coloca que existem três períodos dos movimentos, que
correspondem cronologicamente a primeira, segunda e terceira onda, sendo a
dificuldade do modelo a separação de igrejas e movimentos de segunda e terceira
onda, já que as características acabam por se fundir em muitos pontos.
45
A análise de Freston sobre o movimento pentecostal se dá a partir de um
corte histórico-institucional e da análise de sua dinâmica interna:
O pentecostalismo brasileiro pode ser compreendido como a historia de três
ondas de implantação de igrejas. A primeira onda é a década de 1910, com
44
MARIANO, R, op. cit, p. 23.
45
FRESTON, P, Nem Anjos nem Demônios, pp.70-72.
57
a chegada da Congregação Cristã (1910) e da Assembléia de Deus (1911)
(...). A segunda onda pentecostal é dos anos 50 e início de 60, na qual o
campo pentecostal se fragmenta, a relação com a sociedade se dinamiza a
três grandes grupos (em meio a dezenas de menores) surgem: a
Quadrangular (1951), Brasil para Cristo (1955) e Deus é Amor (1962). O
contexto dessa pulverização é paulista. A terceira onda começa no final dos
anos 70 e ganha força nos anos 80. Suas principais representantes são a
Igreja Universal do Reino (1977) e a Igreja Internacional da Graça de Deus,
(1980) (...) O contexto é fundamentalmente carioca.
46
Passos corrobora com a idéia de classificação do pentecostalismo em três
fases (ou ondas). O autor afirma que essa classificação capta com mais precisão o
processo de formação do pentecostalismo no Brasil:
(...) suas afinidades com os diferentes contextos históricos que marcam a
progressiva passagem de uma sociedade rural para uma sociedade urbana
e os distintos tipos de igrejas que vão sendo citadas ao longo desse
processo.
47
Para Fonseca, a presença dos evangélicos no Brasil ocorreu já no início
do século XIX com a chegada de imigrantes alemães que fundaram a Igreja de
Confissão Luterana no Brasil em 1824.
48
As Igrejas posteriores chamadas de
“missão” são pertencentes a três grandes classificações que se referem a suas
origens ideológicas: Calvinista, Metodista e Pentecostal.
As denominações empregadas na classificação dos fenômenos religiosos
no Brasil, principalmente o pentecostal, tomaram por base a data de chegada de
46
FRESTON, P, op. cit, p. 70.
47
PASSOS, J.D, Pentecostais, Origens e começo, p. 54.
48
TORRESAN, J, L, op. cit, p. 32.
58
seus pregadores ao país ou a data de fundação do movimento. São, portanto,
classificações baseadas em critérios históricos que Freston complementa também
com a análise da dinâmica interna de sua expansão.
A primeira onda, o pentecostalismo clássico, durou cerca de quarenta
anos – de 1910, desde sua fundação no Brasil com as igrejas Congregação Cristã e
AD, a 1950.
Até 1950, o pentecostalismo clássico reinou sozinho no país. A
fragmentação do pentecostalismo começou nos anos 50, e início dos anos 60, com
o surgimento da igreja Quadrangular, em 1951, Brasil para Cristo, em 1955, e Deus
é amor, em 1962, num contexto essencialmente paulista.
O crescimento pentecostal que já era grande teve nessa época, maior
intensidade. As ondas pentecostais se sucederam com êxito cada vez maior,
especialmente pela inserção cada vez mais orgânica no campo religioso popular
brasileiro.
49
Assim, o estilo “simples, autônomo e improvisado” das igrejas do período
denominado de primeira onda sofreu grande impacto na década de 50 com as novas
igrejas pentecostais. O contexto sócio-cultural estava voltado para a modernização e
industrialização – o presidente da época era Juscelino Kubitscheck, que pregava a
necessidade de modernizar o Brasil – e essas características também se faziam
presentes no discurso e religiosidade pentecostal.
50
Os quarenta anos que separam o início destas duas ondas, já justificam o
corte histórico-instituicional utilizado para diferenciá-las. Todavia, a diferença
teológica entre essas se mostram apenas na ênfase que cada conjunto de igrejas
49
Cf. SANCHIS, P, op cit, p. 126.
50
MAFRA, C, op. cit, p. 34.
59
confere a um ou outro dom do Espírito Santo. A primeira onda enfatiza o “dom de
línguas” e a segunda onda enfatiza o “dom da cura”.
51
Mafra traz outra característica importante e diferenciadora da primeira e
segunda onda, nesta última, houve a quebra da rotina do espaço e de culto como
espaço de constrição e simplicidade. A ênfase se tornou à exuberância demonstrada
com o elemento-signos da modernidade, que podiam ser vistos desde o vestuário do
pastor até outro estilo de manifestação do Espírito expressado nos coros alegres e
contagiantes da igreja.
Uma pesquisa na década de 60, realizada por Beatriz Muniz de Souza,
sobre as igrejas de primeira “onda”, mostra que o núcleo doutrinário de todas essas
igrejas permanecia inalterado em qualquer das ramificações pentecostais. Ao que
tudo parece, era apenas a roupagem da igreja aos olhos dos adeptos que haviam se
transformado para se adaptarem à sociedade.
52
Mafra corrobora essa idéia apontando que:
A ênfase no dom de cura, a incorporação de recursos tecnológicos no culto
e no proselitismo e a preocupação em encontrar formas rituais adequadas a
um público de massa estão presentes na concepção de outras duas
denominações criadas no mesmo período: a Igreja Pentecostal O Brasil
para Cristo (1951) e a Pentecostal Deus é Amor (1962). 53
Desta forma, pôde-se notar que as igrejas denominadas de segunda onda
possuem características comuns no que tangem a dinâmica de cultura de massas,
51
MARIANO, R, Neopentecostais, Sociologia do novo pentecostalismo, p.31.
52
SOUZA, B, M, op. cit, p.27.
53
MAFRA, C, op. cit, p. 36.
60
com o apelo ao fascínio e emocionalidade que seus lideres exercem aos adeptos,
sem, todavia, ter uma única figura norteadora nesse processo.
A terceira “onda” começa no final dos anos 70 com a Igreja Universal do
Reino de Deus, fundada em 1977, e a Igreja Internacional da Graça de Deus, em
1980 e, ao contrário da segunda onda, surgem em um contexto essencialmente
carioca. Esse novo corte histórico-institucional é nomeado de neopentecostal e
classifica as novas igrejas pentecostais.
Esse período, que se estende até os dias atuais, cria um contexto ainda
mais enfático na dinâmica de massas. O líder da Igreja Universal do Reino de Deus
– bispo Edir Macedo – torna-se a personificação da própria instituição religiosa e
transfere seu carisma pessoal à igreja. Os preceitos que norteiam a igreja tornam-se
menos rígidos em relação a contraposição às tendências da sociedade de consumo
atraindo, agora, não só os indivíduos das camadas mais populares – que vindos de
ondas migratórias para as cidades do sudeste, São Paulo e Rio de Janeiro,
intensificaram a miscigenação cultural e religiosa com mistos da cultura católica,
candomblé e umbandista – mas aqueles das camadas média da população, com a
alteração das características do pentecostalismo clássico que se tornavam mais
aceitáveis à esses outros públicos com a diminuição da rigidez de costumes e
condutas.
Uma análise a posteriori mostra que a expansão do pentecostalismo no
Brasil, e o seu fenômeno de crescimento em ondas se dão na proporção do
crescimento urbano. Assim, o crescimento e a “cisão” das ondas acontecem pela
necessidade do surgimento de novas posturas pentecostais adaptáveis às
61
mudanças da cidade, criando, desta forma, um novo éthos pentecostal, juntamente
com o novo éthos urbano.
54
2. O perfil da Assembléia de Deus
Em 15 de novembro de 1927, por direcionamento divino (conforme
relatam os próprios fundadores Gunnar Vingren e Daniel Berg), chegou em São
Paulo, o casal Daniel Berg e sua esposa Sara onde semearam a boa semente do
evangelho de Jesus. O primeiro culto foi realizado no bairro de Vila Carrão, nesse
culto estavam também o casal de missionários suecos, Simon Lundgren e Linnea
Lundgren, onde ficou oficializada a fundação da igreja.
55
Assim como grande parte das igrejas pentecostais, principalmente em seu
início, eram compostas, por uma maioria de adeptos com baixa escolaridade e de
camadas mais pobres da população e perseguida tanto pela igreja católica quanto
pelos protestantes históricos.
56
Vale salientar que a rápida expansão da AD pelo Brasil não acontece
apenas por “direcionamento divino” como explicam seus adeptos, mas, porque
sabiamente acompanha as frentes de migração entre Norte e Nordeste e, depois,
com o término do ciclo da borracha, caminha do Norte para o Sudeste. Pôde-se
notar que o fluxo migratório de expansão da AD é equivalente ao fluxo migratório
dos trabalhadores. Desta forma, foi “seguindo os fluxos da população trabalhadora
54
PASSOS, J, D, op. cit, pp.103 – 107.
55
Extraído do site da Assembléia de Deus, http://www.ad.org.br/ , data de acesso: 20/05/2005.
56
MARIANO, R, op. cit, pp.11-12.
62
nas diferentes frentes de trabalho, que, em poucos anos, a “Igreja do Espírito Santo”
se afirmou como a maior igreja pentecostal em território nacional”.
57
A AD hoje, segundo o IBGE conta com 8,4 milhões de fiéis, situando em
primeiro lugar entre as igrejas pentecostais do país, com 47% dos adeptos desse
grupo religioso.
58
Ela se encontra na maior parte das grandes cidades brasileiras,
principalmente no Rio de Janeiro, onde reúne 760.000 fiéis. Em São Paulo possui
cerca de 500 000 adeptos. A terceira cidade é Recife que conta com
aproximadamente 300 000 adeptos.
59
A taxa de crescimento médio anual é de 14,8%, entre 1991 e 2000,
situando a AD em terceiro lugar quanto ao aumento de fiéis das igrejas pentecostais.
Nos estados do Amazonas, Pará, Tocantins, Maranhão, Ceará e Rio Grande do
Norte, em média, em cada três pentecostais, dois são membros da AD.
A AD se caracterizava pela ênfase no “dom de línguas”, a crença no
retorno de Cristo, na salvação paradisíaca, no forte apelo ao sectarismo e ascetismo
de rejeição do mundo, além do grande antagonismo à igreja católica.
60
Pode-se destacar em sua essência alguns elementos de orientação e
crença como a Salvação. Estando o homem em pecado, reconhecendo e
confessando os seus pecados ele recebe imediatamente a salvação; Como a
santificação é um processo lento e gradual, à medida que o fiel se aproxima de Deus
pelo conhecimento da Palavra, pela prática, vida de oração, ela vai se tornando
semelhante ao Senhor até atingir a estatura de varão perfeito como Jesus Cristo; O
Batismo do Espírito Santo, que é uma das promessas do Senhor para todos os
57
MAFRA, C, op. Cit, p.33.
58
JACOB, C. R.; HEES, D. R.; WANIEZ, P.; BRUSTLEIN, V. Atlas da Filiação Religiosa e Indicadores
Sociais no Brasil, p.42.
59
Ibidem .
60
MARIANO, R, op. cit, pp. 12-15.
63
crentes que vivem na graça; Com a cura divina (l Atos dos Apóstolos), recebe o dom
de curar os enfermos e libertação de oprimidos pelo demônio, também seguindo os
quatro evangelhos de curas realizadas por Jesus e seus apóstolos, e o
arrebatamento da Igreja, eles esperam a segunda vinda do Senhor Jesus Cristo
para serem arrebatados e receber a coroa da glória eterna.
Além dos estudos elaborados por Souza, Rolin e Freston, tendo como
objeto de análise a igreja AD, pode-se destacar também, a pesquisa realizada por
Benedetti que investigou, em Campinas, as características de adesão dos adeptos
em duas igrejas da AD: a matriz, com adeptos provenientes de bairro de classe
média baixa e a filial com adeptos da classe popular.
61
Das características principais observadas pelo autor, está a descrição de
elementos da igreja como: o papel da mulher em cargos de poder; a formação do
pastor e sua prática; aspectos ritualísticos como o batismo; a filiação e agregação
dos adeptos; o culto; e o controle doutrinal.
A filiação e agregação dos adeptos são concretizadas com a criação e
distribuições de credenciais. Essas credenciais possuem informações do adepto
como: nome, função, idade, RG, filiação, data e local de nascimento; e são
assinadas pelo pastor e pelo secretário da igreja.
Ela funciona como uma identidade do adepto e é utilizada como símbolo
de pertencimento ao grupo. O autor diz que, em Campinas, essas credenciais
possuem uma ficha com os dados do adepto na igreja, e se ele tiver algum ato de
indisciplina, este será registrado em sua ficha, mas a credencial também tem
aspectos positivos como no caso de mudança de cidade/estado pelo adepto. Ela
serve como um “identificador”, juntamente com uma carta de mudança ou visita, que
61
BENEDETTI, L. R. in Pentecostalismo, Renovação Carismática Católica e Comunidades Eclesiais de Base,
p. 44.
64
funciona como um passaporte para a entrada e freqüência em um outro templo da
AD.
Segundo a pesquisa do citado autor, o “controle doutrinal é rígido”, não se
realizam concessões sobre as formas de conduta expressas na Bíblia. O autor
aponta que há uma certa circularidade nessa teologia, pois em certos momentos a
bíblia justifica a doutrina e, em outros, a doutrina justifica a bíblia; o “Eu” leva muito
mais a uma leitura literal da bíblia num viés moralista. Complementarmente, então,
os costumes rígidos (como cabelos compridos para as mulheres, curto para os
homens, condenação de pintura, maquiagem e calça comprida para as mulheres,
shorts para os homens, cigarro, bebida para todos) são pregados e justificados
porque há condenação (na Bíblia) do que não faz parte da doutrina.
Para a formação ministerial do pastor, este deverá passar pelo
chamamento divino e não precisa ter especialização ou formação religiosa, o
chamado da parte de Deus é comprovado na disposição para o trabalho e no
batismo no Espírito Santo, não envolvendo nacionalidade, idade ou grau de
instrução. Existe um caminho a ser percorrido para se tornar pastor, primeiro:
presbítero, diácono, evangelista. Reunindo todos os requisitos acima, chega-se à
aprovação ou não da pessoa para assumir o cargo almejado.
No ritual do batismo existem duas formas: o batismo pelas águas e o
batismo no Espírito Santo. “O batismo em águas”, é ministrado a toda pessoa com
doze anos ou mais, e este, deverá proclamar sua fé, sua fidelidade ao Evangelho, as
doutrinas da igreja e aos bons costumes publicamente. “O batismo no Espírito
Santo” continua o mesmo autor, é invisível, pois a pessoa revestida pelo o Espírito
Santo não tem conhecimento do fato, tarefa essa designada para o pastor, a pessoa
65
deverá falar em línguas espirituais, e, conforme as Escrituras, só Deus e seus anjos
as entendem.
No que diz respeito à prática de expulsão de demônios, esse ritual é
praticado de maneira simples, para isso, basta ordenar aos demônios em nome de
Jesus, que os mesmos obedecem prontamente sem barulho excedente,
diferenciando dos neopentecostais como ex. a Igreja Universal do Reino de Deus e
a Igreja Deus é Amor.
O autor descreve ainda em sua pesquisa, a prática e o ritual do culto, este
de maneira uniforme segue o padrão “idêntico” tanto da sede quando na
congregação-filial. Os adeptos vão chegando, todos começam orar em voz alta, em
brados, chorando e orando em línguas. O pastor toca a sineta fazendo cessar as
orações e inicia-se o culto, marcado por cantos, pregações e testemunhos, seguido
de orações e coletas.
Em relação ao papel da mulher em cargos de poder da Igreja Assembléia
de Deus, o autor constatou que elas não podem exercer nenhuma dessas funções.
As mesmas têm direito apenas de serem membros ou, como atividades extras, dirigir
círculos de oração, culto das crianças e coordenar escolas infantis dominicais.
3. As cisões dentro da própria Igreja AD
A igreja AD, devido ao seu rápido crescimento de adeptos, desde sua
fundação, gerou polêmica entre as várias denominações existentes consideradas
66
igrejas evangélicas históricas, segundo Conde
62
: “O medo de que a Assembléia de
Deus viesse a absorver as demais denominações fez com estas se unissem para
combater o Movimento Pentecostal”
63
gerando denúncias e calúnias publicadas em
um importante jornal local, “A Folha do Norte”. A publicação provocou mais
curiosidade nos leitores aumentando ainda mais os números de pessoas curiosas
que iam à igreja para verificar os acontecimentos anunciados pela imprensa escrita.
O seu processo de expansão no início foi moderada. Freston comenta
que nos “primeiros 15 anos o seu crescimento limitou-se praticamente no Norte e
Nordeste”. No final do ano de 1940, essa igreja espalhou-se para todos Estados
brasileiros ultrapassando a igreja Congregação Cristã no Brasil, visto que esta teve
sua fundação um ano antes da AD. O autor ainda complementa essa idéia
apontando dados que mostram o crescimento da Assembléia de Deus:
Em 1915, 3 estados (1 do Norte, 2 do Nordeste); 1920, 9 estados (3 do
Norte, 6 do Nordeste); em 1925, 15 estados (4 do Norte, 6 do Nordeste, 3
do Sudeste, 2 do Sul); em 1930, 20 estados (4 do Norte, 9 do Nordeste, 4
do Sudeste, 3 do Sul) .
64
Conhecida como uma igreja de éthos sueco/nordestino, a AD não viveu
só de glória, na medida em que o tempo passava os membros pertencentes, a essa
igreja, sentiam a necessidade de normas reguladoras e mais autonomia por parte da
administração das igrejas tanto interna quanto externamente. O pastor Gunnar
62
Emilio Conde (1901 – 1971) foi jornalista da CPAD, escreveu sobre a historia da AD e seu crescimento em
todos os Estados brasileiros. O autor é considerado o apóstolo da imprensa evangélica pentecostal no Brasil.
Dedicou três décadas de sua vida ao na Casa Publicadora como escritor e redator do jornal Mensageiro da Paz e
atuou também como escritor e articulista. Compôs 32 hinos da Harpa Cristã. Bibliografia de Conde foi extraída
do seu próprio livro: Cf. CONDE, E, História das Assembléias de Deus no Brasil, texto de capa.
63
CONDE, E. História das Assembléias de Deus no Brasil, p. 33. O autor não especificou os nomes das igrejas
históricas nessa época em que o fato ocorreu, o escritor denominou de crentes históricos.
64
FRESTON, P, op cit, p 116.
67
Vingren liderava todas as igrejas no Brasil inclusive, a AD da cidade do Rio de
Janeiro.
Os missionários suecos cuidavam da supervisão de todas as igrejas da
AD no país e nenhuma autonomia era direcionada aos pastores brasileiros, mesmo
tendo boa parte das igrejas no Norte e Nordeste dirigidas por pastores nacionais.
Os missionários brasileiros da AD não queriam dividir o Movimento
Pentecostal, mas sim, desejavam uma participação mais ativa frente às decisões da
igreja. Sem autonomia, os pastores recebiam as resoluções e as cumpriam, gerando
assim, um certo descontentamento por parte dos mesmos.
Gunnar Vingren ainda não tinha se manifestado em relação as decisões
dos missionários brasileiros, realizando em 1926, na AD do Rio de Janeiro a primeira
Conferencia Pentecostal do Brasil, com intuito de reunir a liderança nacional
periodicamente. Todavia, esse evento não contou com a participação dos obreiros
brasileiros que, justamente, reivindicavam isso.
Em 1930, foi realizada a primeira Convenção Geral
65
, na Cidade de Natal,
em caráter de urgência, com objetivo de “resolverem certas questões que se
prendiam ao progresso e harmonia da causa do Senhor.”
66
Nesse sentido, a pauta
abordada pela primeira Convenção Geral, entre outros assuntos, contou com a nova
direção do trabalho pentecostal do Norte e Nordeste, com o trabalho feminino na
igreja, com a circulação dos jornais editados pela igreja e os relatórios de trabalhos
realizados pelos missionários.
65
Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil – CGADB, com sede no Rio de Janeiro, considerada a
raiz da denominação é a entidade que desde o principio deu corpo organizacional à Igreja. O Pastor José
Wellington Bezerra da Costa, que preside também o Ministério do Belém em São Paulo, uma das grandes
expressões da denominação no país.
66
O pastor José Wellington Bezerra da Costa é Presidente da Convenção Geral das Assembléias de Deus no
Brasil – CGADB – escreveu a apresentação e introdução do livro: Historia da Convenção Geral das
Assembléias de Deus no Brasil, pág. 23.
68
Neste período o Jornal “Mensageiro da Paz” publicou a expectativa dos
obreiros:
Já há muito que as igrejas oravam constantemente para o Senhor abençoar
essa Convenção. Os obreiros que chegaram em Natal com antecedência
ocupavam os dias que a precederam lutando em oração diante do Senhor a
fim de que o espírito de união fosse completo, (...). Gloria a Jesus, que
sempre nos ouve, quando humildemente e com sinceridade a Ele
clamamos.
67
Assim, envolvidos de grande emoção e repercussão, a primeira
Convenção geral de 1930 gerou um clima de harmonia e paz, frente às decisões
confirmadas por todos que participaram do evento, fazendo dos líderes “uma grande
família por todo o Brasil” e, formadores de novas conversões para aqueles que ainda
não tinham experimentado “uma vida nova no Senhor.”
O Pr. Wellington
68
comenta que os líderes da AD queriam seguir as
normas estabelecidas pelos seus fundadores, mas, “ na ânsia de acertar, de fazer a
coisa correta, podem ter exagerado um pouco aqui ou ali (...)”, gerando a
necessidade de passar por novas discussões.
Nesse contexto, o movimento foi liderado dessa vez por Paulo Leivas
Macalão – gaúcho, filho de militar, que, após ficar órfão de mãe aos vinte anos, foi
morar no Rio de Janeiro em companhia de um Tio e converteu-se a igreja AD por
influência de alguns assembleianos vindos do Nordeste.
67
Ibidem, p. 26.
68
O pastor José Wellington Bezerra da Costa é Presidente da Convenção Geral das Assembléias de Deus no
Brasil – CGADB e pastor presidente da igreja Assembléia de Deus – Ministério do Belém em São Paulo, capital
desde 1980.
69
Paulo Macalão iniciou a sua caminhada em uma pequena igreja AD
existente no Rio de Janeiro e logo abraçou a causa de Deus com seu trabalho de
dedicação e pregação, combatendo o pecado no mundo e lutando para resgatar as
pessoas afastadas e pobres da periferia, o que gerou um descontentamento entre os
missionários suecos provocando um cisma ministerial denominado posteriormente
de “Cisma de Madureira”.
Forte em seus discursos, este pregava com convicção contra as coisas do
mundo, não tinha a compreensão dos missionários suecos que conviviam em seu
meio, porém, mesmo assim, foi pregar para aqueles que viviam nos subúrbios do
Rio de Janeiro tornando-se rapidamente “o líder absoluto dos mais miseráveis”.
69
Macalão se apresentava de forma simples no vestir, mais ao mesmo
tempo de “estilo destemido e um rigororismo militar” sem igual, junto com os pobres
estava longe de elevar o seu ministério às classes mais altas. Como ele mesmo dizia
“Jesus se apossava dos subúrbios” e, assim, entrou em choque com os demais
membros da AD. Entretanto, teve uma vantagem: não precisou da ajuda dos suecos
para se converter, sua classe e sua formação social era mais elevada em relação
aos suecos, não se submetendo as orientações deles.
Foi nomeado pastor em 1930, pelo pastor Pethrus
70
, homem de grande
influência dentro da AD. Assim, Paulo Macalão tornou-se independente frente ao
pastoreio da AD. Em 1937, iniciou um trabalho em São Paulo, e também em outros
69
FRESTON, P. Uma breve história do pentecostalismo brasileiro: A Assembléia de Deus, in Revista Sociedade
e Religião, p.116.
70
Lewi Pethrus, líder da igreja Filadélfia, na Suécia, amigo de infância de Daniel Berg, um dos fundadores da
igreja AD no Brasil, Lewi, pastor de ovelhas, depois exerceu a profissão de sapateiro, passou por um período
buscando a fé em relação a divindade de Cristo, enquanto estudava em um seminário batista em Estocolmo.
Recuperou a sua fé, tornou-se pentecostal em Noruega, assumiu o pastorado em uma igreja batista na mesma
cidade acima e foi expulso em 1913. Conheceu também outro fundador da AD no Brasil Vingren e se uniram
pelo ideal missionário. Responsável por enviar a maioria dos missionários pentecostais que ajudaram a
solidificar a igreja AD no Brasil e ficou conhecido como um grande líder pentecostal no Brasil e no final de sua
vida fundou um partido político que atualmente integra o governo. Cf. FRESTON, P, Uma breve história do
pentecostalismo brasileiro: A Assembléia de Deus, in Revista Sociedade e Religião, p. 114.
70
estados do Sudeste e Centro-Oeste. Em 1953, inaugurou o atual templo da sede do
ministério de Madureira, em Madureira, Rio de Janeiro.
Segundo Freston, dessa cisão ministerial, se formaram dois grandes
Ministérios: “Madureira” e “Missão”, e, muitos seguidores atualmente dizem
pertencer ao Ministério de Madureira (Rio de Janeiro) e outros o Ministério da
Missão (Belém do Pará).
A pressão contra Madureira e ao seu líder, durou muito tempo. Ele seguiu
“com mão firme” na sua obra e, ao invés de levar a AD às camadas mais elevadas
da sociedade, tornou-se líder dos desfavorecidos, fato que provocou discórdias
fortíssimas entre ele e os missionários suecos.
A estrutura rigorosa de Macalão dentro da igreja impediu que ele
ultrapassasse os limites de um novo “ministério”, tornando-se mais tarde, presidente
vitalício do Ministério de Madureira.
Em suma, Paulo Macalão não criou “uma nova denominação
independente” e sim, um novo “ministério” dentro da AD.
Madureira participava da Convenção Geral das Assembléias de Deus no
Brasil, com uma representação significativa dentro da Convenção Geral; mas,
acusado de “invasão de campo” e descumprindo as normas da própria Convenção, a
igreja de Madureira foi expulsa em 1989, sete anos depois da morte de seu
fundador.
Pouco depois da morte de Paulo Macalão, surgiram as primeiras
dificuldades entre a “Missão e Madureira”, uma delas era o rigor vivido por
Madureira, a outra era dificuldade de locomoção para outros estados por causa da
revolução civil vivida nesse período.
71
71
Em 1932, aproximadamente 200 mil trabalhadores com o apoio dos empresários e latifundiários de São Paulo
se uniram contra o presidente Getulio Vargas. Vargas que assumiu a presidência do Brasil em 1930 em caráter
71
Assim, os dois ministérios da AD – Missão e Madureira – enfrentavam
agora novas dificuldades e tendências a outra cisão. Enquanto que todas as igrejas
da AD do Brasil reportavam-se ou a Madureira ou a Missão, começaram a surgir
igrejas “independentes” que não se reportavam a nenhum dos ministérios.
Freston ilustra esse período e os conflitos entre os dois ministérios com
um caso ocorrido em Campinas, São Paulo. Campinas possuía uma igreja AD desde
1936, fundada pelos suecos, pertencente ao ministério da “Missão”. Seus
missionários, impossibilitados de se locomover para outras cidades por conta da
revolução constitucionalista, pediram ao ministério de Madureira que lhes enviasse
um pastor para a igreja local. Madureira atendeu o pedido.
Passado algum tempo, os fiéis não adaptados aos costumes trazidos pelo
pastor de Madureira, costumes estes mais rígidos, abandonaram a igreja e, em
1950, fundaram uma nova igreja ligada novamente ao ministério da missão.
A igreja que estava sob orientação do pastor vindo de Madureira, ficou
também descontente com a situação e fundou outra igreja que não estava ligada
nem ao ministério da missão e nem ao de Madureira, mas, era independente.
Essa experiência de criação de uma AD independente multiplicou-se por
várias regiões do país e permanece até hoje. Das igrejas que não são filiadas nem a
Madureira nem a Missão, diz-se que pertencem ao Ministério Independente, mas
isso não significa que todas se reportam a alguém em particular que coordene as
igrejas independentes. Pelo contrario, cada nova igreja da AD que se diz
independente funciona como uma nova igreja-mãe, que pode até, ter filiais
provisório, mas com plenos poderes, destituiu todas as instituições legislativas, desde o Congresso Nacional até
as Câmaras Municipais. Os governadores dos Estados foram depostos. Para suas funções, Vargas nomeou
interventores. A política centralizadora de Vargas desagradou às oligarquias estaduais, especialmente em São
Paulo. As elites políticas, do Estado com maior importância econômica, se sentiram prejudicadas. E
reivindicaram a realização de eleições, nova constituição e o fim do governo provisório O episódio ficou
conhecido como a Revolução Constitucionalista de 1932. Cf. CALDEIRA J, Viagem pela história do Brasil, p.
273.
72
espalhadas pelo país ou se limitar a um único templo. Desta maneira, igrejas como
AD do Bom Retiro ou AD de Betesda, são ministérios independentes que possuem
normas, administração, recursos e etc por si só, e ainda têm filiais em outras
regiões.
73
MINISTÉRIOS DA IGREJA ASSEMBLÉIA DE DEUS
1911: Fundação da AD, em
Belém do Pará por suecos.
Posteriormente chamada de
ministério da Missão
1930: Desentendimento de Macalão com
os missionários suecos. Pregação mais
autônoma no Rio de Janeiro - Madureira
1953:
Fundação da
sede atual da
AD de
Madureira
1989: a AD
de Madureira
é expulsa da
Convenção
Geral da AD
Década de 50: surgimento e multiplicação de igrejas independentes –
Ministério Independente – que não se reportam nem a Madureira, nem a Missão.
1988: Fundada a AD-Bom Retiro
em São Paulo, ministério
independente.
2006: AD-Bom Retiro possui mais de
100 filiais e congregações em São
Paulo e outros Estados (RN, MG, RS)
1911: Fundação da AD, em
Belém do Pará por suecos.
Posteriormente chamada de
ministério da Missão
1930: Desentendimento de Macalão com
os missionários suecos. Pregação mais
autônoma no Rio de Janeiro - Madureira
1953:
Fundação da
sede atual da
AD de
Madureira
1989: a AD
de Madureira
é expulsa da
Convenção
Geral da AD
Década de 50: surgimento e multiplicação de igrejas independentes –
– que não se reportam nem a Madureira, nem a Missão. Ministério Independente
1988: Fundada a AD-Bom Retiro
em São Paulo, ministério
independente.
2006: AD-Bom Retiro possui mais de
100 filiais e congregações em São
Paulo e outros Estados (RN, MG, RS)
O esquema acima sintetiza as diversas cisões da igreja Assembléia de Deus
desde a sua fundação em 1911 até os dias de hoje. Em verde se encontra o tronco
original da AD, de ethos predominantemente sueco e com origem em Belém do
Pará. Em Azul está a vertente e fruto da primeira discordância dos pastores da AD;
Paulo Macalão inicia suas atividades no Rio de Janeiro, após ser ungido por um
pastor sueco, e impõe a administração brasileira as igrejas da AD sob sua direção;
acaba por criar um novo ministério denominado “Madureira” e, posteriormente,
independente da “Missão”. Em vermelho está a terceira cisão, um pouco mais
disforme e sem direção única, denominada justamente de ministério “Independente”
74
por não estar ligada nem a Missão e nem a Madureira. É nesse contexto que surge,
em 1988, a AD –Bom Retiro, objeto desse estudo.
Com isso, após vários episódios vividos anteriormente pela igreja AD,
esta conta, atualmente, com três grandes tipos de ministérios: 1) o Ministério da
“Missão”, de formação histórica e fundada em Belém do Pará; 2) o Ministério de
Madureira, mais rígido, fundado no Rio de Janeiro e fruto da cisão nascida da
primeira formação, como visto acima denominada Missão; e 3) o terceiro tipo de
ministério, denominado Ministério Independente que, embora possua em teoria a
mesma base ideológico-histórica da AD, se separa do Ministério de Madureira e,
também, não está ligado ao ministério da Missão ou qualquer outra formação da AD;
multiplica-se em diversas novas igrejas-mãe.
Nesse contexto de refundações da AD, apresentado acima, nasce a Igreja
Assembléia de Deus do Bairro do Bom Retiro, nosso objeto de estudo. Nasce em 06
de março de 1988, na cidade de São Paulo, fundada pelo Pastor Jabes Alencar.
4. O Trânsito religioso nos adeptos da AD
Denota-se que as igrejas pentecostais principalmente as igrejas
independentes, atualmente, não estão mais muito preocupadas com as suas raízes
históricas. Imbuídas da missão de evangelizar, e, sabendo que na maioria das vezes
existe um processo de adaptação por partes dos novos convertidos, ou ainda,
convertidos que há muito tempo esperam por “novas profecias” que não se
realizaram, surgem cada vez mais novas igrejas e novos pastores, com discursos
75
mais atuais dentro da AD, para ajudar na cura daqueles que se sentem esquecidos
pelo “Senhor”.
Assim, muitos partem em busca de novos horizontes dentro da mesma
denominação pentecostal. Observa-se que as placas denominacionais de
determinadas igrejas são quase iguais, o que muda ou acrescenta-se é apenas a
última palavra: “renovada”, por exemplo, formando um verdadeiro trânsito religioso
dentro das igrejas.
As igrejas pentecostais tentam trabalhar a vida das pessoas não
convertidas, pela cura e libertação, do corpo e da alma. “Aceitar Jesus como
Salvador”, é dado como um momento mágico, significando que os males terão um
fim e não demorando muito para que o adepto testemunhe a vitória de salvação em
sua vida.
Além do trânsito entre os diversos ministérios da própria AD, os adeptos
possuem um perfil migratório interessante de ser discutido. Sabe-se que a religião se
traduz como uma tentativa de controlar as incertezas, o que gera a pluralidade de
religiões observadas atualmente. Benedetti aponta que essa diversidade em busca
da identidade se dá em dois níveis: um nível pessoal e um nível familiar.
No nível pessoal a diversidade se expressa tanto pelo trânsito religioso,
quanto pela aceitação e prática de diversos cultos de outros grupos religiosos. Essa
é uma característica do fiel da AD, que passou por inúmeras igrejas antes da sua
entrada a essa igreja e, mesmo quando pertence a ela, diz ainda ter afinidade por
outras igrejas e cultos.
Na análise dos dados da pesquisa da presente dissertação, esse perfil de
trânsito religioso também foi encontrado. Pôde-se observar um padrão geral de
76
migração da igreja católica para a evangélica com duas vertentes: migração direta e
indireta, perfil do trânsito: católicos para evangélicos.
- Migração direta de católico para evangélico (4), sendo que um
participante freqüentou outra igreja evangélica (IURD) antes de ir para a Assembléia
de Deus.
- Migração indireta de católico para evangélico (3), os participantes eram
católicos, depois passaram para o espiritismo e, posteriormente, para igreja
evangélica. Desses participantes, dois freqüentaram outra igreja evangélica (IURD e
Batista) antes de ir para a AD.
No nível familiar, Benedetti aponta que “cada vez mais a regra é a
convivência de várias religiões numa mesma família. A situação parece ser a de
cada um com a sua religião”. O autor coloca que, na maioria dos entrevistados de
Campinas, era possível notar que não existia uma coesão familiar em relação à
opção religiosa, um ou alguns membros eram da AD enquanto todos os outros se
dividiam em católicos, neopentecostais, religiões afro-descendentes, espiritismo e
outras.
Benedetti corrobora essa idéia afirmando que:
Na Igreja Assembléia de Deus, a convivência de várias religiões na mesma
família é freqüente. (...) Os pais mais jovens nunca declaram a religião dos
filhos. (...) Nessa igreja a emancipação só se dá aos 12 anos, quando, se for
o caso podem receber o batismo.
72
72
BENEDETTI, L. R, op.cit., p. 47.
77
Nas entrevistas realizadas nessa dissertação, também foi observado esse
padrão. Era comum os entrevistados falarem que seus familiares pertenciam a
outras religiões, como relatam essas duas entrevistadas abaixo: a primeira, uma
professora de 27 anos, casada; a segunda, uma aposentada e viúva de 61 anos.
“Cheguei a usar drogas para fugir dos problemas, mas Deus foi falando
comigo me dando forcas para sair do abismo. Foi assim, aos poucos fui me
entregando na palavra de Deus, ele foi me transformando, o meu intimo foi
curado, fiquei cheia da graça de Deus. A minha sogra começou a me
perseguir, pois ela e espírita e recebe “guia”.
“Eu já estava cansada daquela vida, não entendia o porquê eu estava
vivendo tudo aquilo, minhas irmãs (quatro irmãs) mudaram para São Paulo
e foi através de minha irmã mais velha que já era evangélica da igreja
batista que eu me converti”.
Todavia, um perfil não analisado na pesquisa do autor foi obtido com as
nossas entrevistas na presente dissertação. Esse decorreu do fato do núcleo
familiar, embora plural na escolha religiosa, parece ser uma forte influência na
adesão a igreja AD. Isto é, para a grande maioria dos entrevistados foi sempre um
parente que o levou até a igreja (seja diretamente, convidando-o, ou indiretamente
por meio de suas mudanças “para melhor” conforme relato dos entrevistados).
Um adepto casado, vendedor, de 51 anos relata que:
“(...) teve uma fase da minha vida que deixei de freqüentar igrejas, pois à
medida que a gente vive, questiona certas doutrinas e como não
concordava com elas, resolvi seguir a Deus da minha maneira, e nesta fase
78
valia tudo, você entende, né? Esta fase durou bastante tempo, e neste
período meus pais se converteram, um irmão que era alcoólatra, se
converteu e parou de beber, e eles vinham falar que eu deveria seguir o
mesmo caminho, pois eu bebia, fumava, gostava de bagunças, etc... Eu
ficava muito bravo, pois não gostava de CRENTE! Os anos se passaram,
vieram minhas duas filhas, elas cresceram e quando minha filha caçula
tinha 19 anos me disse que virou evangélica, de cara fiquei apreensivo,
porém concordei e fiquei vigiando de longe. Como sempre procurei
conversar bastante com minhas filhas, quando ela chegava da igreja
sempre conversávamos sobre o culto, sobre a mensagem e o interessante é
que as mensagens do pastor estavam sempre em concordância com os
meus pensamentos. Um certo dia, não tinha ninguém que fosse com ela na
igreja e acabei indo só para fazer companhia e lá Deus começou a fazer a
transformação em minha vida.”
Outra entrevistada, uma mulher aposentada de 58 anos e casada,
complementa essa idéia:
“Eu trabalhava no Hospital do Servidor Público e tinha umas colegas que
eram evangélicas e estava tentando me evangelizar e eu continuava firme,
dizia para elas que cada um tinha que ficar na sua (...) foi através de minha
irmã que já era evangélica que eu me converti”.
Mariano aponta que, atualmente, o perfil da igreja AD mudou, ao menos,
em parte. Embora seus adeptos continuem sendo em maioria analfabetos e
provenientes das camadas menos favorecidas economicamente da sociedade, hoje
possuem também setores de classe média, profissionais liberais e empresários
73
.
73
MARIANO, R, op. cit, p.29.
79
Em 1989, isto é, quase oitenta anos depois de sua fundação, a
Assembléia de Deus foi cindida em duas denominações. Hoje, apresenta-se mais
flexível e aberta para acompanhar as mudanças na sociedade e naquelas que estão
acontecendo no próprio movimento pentecostal.
As razões para a pretensa alteração das características da igreja AD já
foram apontadas por Mariano, e dizem respeito ao investimento maciço na mídia –
tanto nos veículos de comunicação de massa como rádio e tv, quanto a participação
na política partidária – e a conseqüente busca de poder, visibilidade e
respeitabilidade pública e social, além de outras modificações em sua estrutura
interna. Tais características denotam o prenúncio da acomodação social da AD.
74
As mudanças da AD foram pouco ou nada estudadas até hoje. Uma
possível hipótese de alteração, como veremos no próximo capítulo, talvez seja sua
“assemelhação” com as características das igrejas pentecostais mais recentes,
aquelas denominadas neopentecostais e que têm um crescimento mais vertiginoso
atualmente.
5. Cisões internas, externas e o prenúncio das alterações da igreja AD
As crises vividas pela igreja AD ao longo dos anos – aquela pequena
igreja que surgiu em 1911 – ficaram gravadas nas páginas dos livros daqueles
preocupados em registrar a sua história.
A teologia dos Ministérios que busca dar uma justificativa tipicamente
tradicional para as igrejas, na medida que, reporta a agremiação ao seu fundador ou
74
MARIANO, R, op.cit, p.30.
80
a uma Igreja – Mãe primordial, tem tido a função de explicar a lógica da dissidência,
germe herdado da própria Reforma Protestante. De fato, os denominados Ministérios
acabam favorecendo a sobrevivência de uma sigla geral – Assembléia de Deus –
com suas ramificações e divergências ao longo de sua história em terras brasileiras.
Atualmente, a igreja AD “enfrenta crises de vários tipos”, seja pela rigidez
pregada em algumas igrejas, pela censura, pela falta de transparência
administrativa, ou até mesmo, pelas divisões internas sobre o poder que a igreja
exerce.
Freston
75
classifica a igreja AD dos dias atuais como “uma complexa teia
de redes compostas de igrejas - mães, igrejas e congregações dependentes”. São
dependentes porque tentam manter sua originalidade, conservando as suas raízes
históricas e os ensinamentos trazidos em sua fonte formadora. Ao mesmo tempo
independentes porque tentam acompanhar a evolução da modernidade vivida pela
sociedade atual e, nem sempre, são acompanhadas pela mesma rede.
Desta forma, algumas igrejas continuam conservadoras, outras já em
processo de modernização ou quase totalmente adaptadas à realidade atual, mas
sempre ligadas pelo lado fraternal, aos pastores da mesma denominação religiosa, a
exemplo disso, são os contatos freqüentes de pastores das igrejas conservadoras
que até realizam pregações nas igrejas mais modernas e vice e versa.
Diante das pressões do imediatismo, “a fôrma usada” como modelo
dentro das igrejas AD perdeu espaço na maioria destas. Se adaptar não é tarefa
fácil para uma comunidade acostumada a viver de maneira tão diferente e por tanto
tempo dentro de uma sociedade que se renova a cada instante, uma sociedade que
traz mudanças e cobra essas mudanças no dia-a-dia na vida de cada indivíduo.
75
FRESTON, P, Uma breve história do pentecostalismo brasileiro: A Assembléia de Deus, in Revista Sociedade
e Religião, p. 118.
81
É inevitável nos dias atuais não viver essas alterações. A tendência de
cisões internas – talvez para se adaptar melhor a sociedade – é cada vez maior
dentro das comunidades religiosas; fato que pode aumentar o trânsito religioso e,
muitas vezes, o número dos que não seguem nenhuma religião.
CAPÍTULO III
A ASSEMBLÉIA DE DEUS DO BOM RETIRO
O terceiro capítulo basicamente foi construído a partir das observações
empíricas e entrevistas realizadas com adeptos e outros membros da Igreja AD do
Bom Retiro - SP no sentido de realizar uma discussão sobre as alterações das
características tradicionais da AD, propondo que essa igreja esteja se tornando mais
um exemplo do neopentecostalismo de terceira “onda” e, não mais, do
pentecostalismo tradicional de primeira onda, como em suas comunidades primeiras
e em grande parte das que se expandiram posteriormente.
1. Do depósito ao templo
A igreja de estudo está situada no bairro paulista do Bom Retiro. Foi
fundada em 06 de março de 1988 e possui um ministério próprio em relação aos
ministérios históricos de Belém do Pará e Madureira no Rio de Janeiro.
No local onde foi fundada a igreja AD no bairro do Bom Retiro,
anteriormente funcionava uma fábrica da cervejaria Antártica. Sua arquitetura
permanece até hoje como em sua origem, todavia, algumas mudanças foram feitas
para a adaptação da igreja no terreno. Dentre as adaptações realizadas estão, por
exemplo, a construção de um auditório situado logo na entrada da igreja e algumas
83
salas para acomodação do seu corpo administrativo; também foi construída uma
estação de rádio, novos banheiros, livraria, etc., mas aproveitando o mesmo galpão
já existente na estrutura da cervejaria.
O templo da AD - Bom Retiro possui uma área de aproximadamente
5000m2, dois estacionamentos nas laterais do templo (com cerca de 200 vagas) e
conta em sua infra-estrutura externa ainda com: uma livraria, um restaurante, uma
lanchonete, uma loja de produtos naturais, um pequeno auditório externo, uma rádio
660am – gospel, salas de estudos de teologia e amplo espaço (com 3000 m2)
utilizado para montar barracas para festas maiores, como congressos, festas, etc;
além de dois banheiros.
76
Figura 1: Foto aérea com a localização da AD-Bom Retiro (espaço externo).
76
Extraído do texto fornecido pela igreja AD – Bom Retiro, Compilado por Clênio Falcão Lins Caldas em
25.02.02.
84
Figura 2: Composição de fotos da aparência externa da AD-Bom Retiro vista de frente (pela entrada
principal situada à Rua Salvador Leme). A direita da foto está a Rua Jorge Velho, e a esquerda a Rua
Afonso Pena. A igreja AD-Bom Retiro toma conta de todo o quarteirão, conforme exposto na figura 2.
O templo fica na lateral esquerda desse terreno, com aproximadamente
3000m2 . Sua estrutura está organizada internamente em seis (06) corredores com
seis (06) blocos divididos da seguinte forma: bancos com cinco (05) lugares cada,
distribuídos em quarenta e sete filas (47), com capacidade para 1410 pessoas; além
deste espaço ao fundo do templo, (próximo a porta de entrada), há outro espaço
repleto de cadeiras individuais que comportam aproximadamente mais 500 pessoas.
O altar fica na parte oposta da entrada e possui cerca de 10 poltronas estofadas, 1
banda musical (01 teclado, uma bateria completa, 01 guitarra, 11 microfones, 1
contrabaixo e 11 vocalistas), 01 telão, 01 retro projetor, vários vasos de flores ao
redor de palco. No centro do palco o “púlpito” com uma Bíblia aberta, 01 microfone e
uma toalha de rosto usada pelo pastor. No centro do templo, entre os bancos onde
ficam os adeptos, tem uma grande mesa de som e projeção, responsável por
difundir o som da pregação em todas as partes da igreja e projetar imagens no telão
que se encontra no centro do altar.
85
A igreja AD – do Bom Retiro conservou, como apontado, o projeto
arquitetônico de fábrica que existia antes de sua fundação. Suas instalações
permanecem quase inalteradas.
Uma explicação para essa ação talvez esteja relacionada a tentativa de
minimizar os custos de infra estrutura da instituição, visto que a arquitetura de
“galpão” atende muito bem as premissas das igrejas pentecostais que não estão tão
focadas no luxo de instalações e decorações, mas na capacidade em relação ao
número de pessoas e ao relacionamento emocional com estas. Além disso, o local
estratégico do grande terreno em que se encontra a AD - Bom Retiro, chama a
atenção e reforça a idéia do pensamento empresarial de praça
77
e de custo-
benefício. O terreno está situado em um local com fácil acessibilidade (a uma
distância pequena, cerca de no máximo um quilômetro, encontram-se quatro
estações de metrô: Luz, Tiradentes, Armênia e Tietê; além da integração trem-metrô
que a estação da Luz possui e, um terminal rodoviário na estação do Tietê) é
rodeado por um grande centro comercial e uma Faculdade de Tecnologia (Fatec).
Assim, independente da estrutura arquitetônica de galpão adaptada – que
atende as necessidades expostas acima – a preocupação desse tipo de instituição
leva em consideração as realizações de milagres, curas e libertações proclamadas
em seus cultos. Os afagos coletivos que a comunidade experimenta e a afetividade
partilhada no ambiente pentecostal é de um carisma sem igual e serve de
fortalecimento e apoio na vida particular de cada adepto.
77
A palavra “praça” refere-se a um dos conceitos mais importantes do marketing empresarial denominado
composto de marketing e largamente discutido por KOTLER, P. Administração de Marketing: análise,
planejamento, implementação e controle. No composto de marketing a estratégia mercadológica de uma empresa
deve estar baseada em quatro pilares, os 4 P’s de marketing: place (praça ou localização), price (preço),
promotion (comunicação e divulgação) e product (produto ou serviço). Cf. KOTLER, P. Administração de
Marketing: análise, planejamento, implementação e controle, p. 555.
86
Nota-se que a função dos cultos pentecostais é provocar nos adeptos
fortes emoções, e para que isso ocorra, o ambiente é cuidadosamente preparado
pela Instituição. Seus pastores, portadores de uma fala carismática, cheia de
certezas e provocações geram reações fortes naqueles que os ouvem. Sua
estratégia de funcionamento traz a certeza de que não importa o tamanho do
sofrimento; a função da igreja é tentar apresentar as soluções em seus diversos
cultos (cultos temáticos para cada tipo de público possível ou para cada graça que
deseja ser alcançada). Fica a critério do “sofredor” escolher qual deles lhe trará a
solução, para isso, basta escolher o dia e horário.
O horário de funcionamento da igreja é das 8:30 às 23:00 horas, todos os
dias da semana, inclusive aos sábados e domingos. Existem cultos ou “reuniões”
realizadas durante o dia todo, todos os dias da semana. Cada reunião possui uma
temática ou um público alvo específico: a)Todos os dias há, ao meio-dia, o culto
intitulado “Benção do meio dia”; b) as segundas existe um culto específico no
período noturno, o “ Noite de Poder”, e também o espaço do “curso de teologia”; c)
as terças, são cinco cultos que acontecem o dia todo com a mesma temática “ Culto
da Resolução dos Sonhos”; d) as quartas a temática é a “Vitória” e são 3 cultos,
manhã, tarde e noite, respectivamente, com esse enfoque: “manhã da Vitória”, “tarde
da Vitória” e “ Culto da Vitória”; e) as quintas só é professado um culto, intitulado
“Culto Avivamento Profético”; f) as sextas, o enfoque é a família e os cultos são
distribuídos ao longo de todo o dia em “Manhã de Jejum e oração”, “Culto de
Mulheres Vitoriosas”, “Culto da Família” e “Noite Jovem”; g) aos sábados e domingos
a atividade na igreja é acentuada e existe uma série de cultos diferentes
dependendo da semana.
78
78
Para detalhes dos horários e nomes dos cultos, ver anexo 2, onde está apresentado o folheto de divulgação dos
cultos da igreja AD-Bom Retiro.
87
Figura 3: Composição de fotos da aparência interna da AD - Bom Retiro. A foto da esquerda mostra
vista do fundo da igreja, onde é possível observar os corredores de cadeiras plásticas, o palco ao
fundo e a mesa de som (branca) em frente e ao lado esquerdo do palco A foto da direita mostra, em
detalhes, a vista do palco e da mesa de som.
Segundo material fornecido pela própria igreja
79
, a AD - Bom Retiro
possui: uma Escola Dominical que reúne aos domingos, cerca de seiscentos
estudantes, conta com um corpo diaconal com mais de cem diáconos e diaconisas,
um Departamento de Jovens que ultrapassa trezentos moços e mocas, um
Departamento de Adolescentes com mais de cem rapazes e mocas, e um
Departamento Infantil que agrega mais de cento e cinqüenta crianças, um
Departamento de Casais com mais de 60 casais, um Departamento de Louvor, com
uma forte equipe vocal além dos músicos que compõem o instrumental, um
Departamento de Aconselhamento onde há equipes que dão atendimento pelo
telefone ou pessoalmente aos que procuram auxilio; além desses, pode-se destacar
o Departamento de Evangelismo, Departamento de Sonoplastia, Departamento de
Novos Convertidos (com o objetivo de doutrinar e orientar os novos convertidos),
79
Em entrevista no dia 04/07/2006 com o Pastor Aécio, relações publicas da AD do Bom Retiro, foram
fornecidos diversos documentos da AD, entre eles, entrevistas realizadas pelos pastores, um relato sobre o
surgimento da AD do Bom Retiro datado de 2002, além do perfil do Pastor Jabes Alencar, o fundador da igreja.
88
Departamento do Amor Maior (que atende pessoas com mais de trinta anos, que são
solteiras ou viúvas); e um Departamento de Assistência Social que presta auxilio a
pessoas carentes e necessitadas da população. Além disso, a AD do Bom Retiro
possui, em Atibaia, um local para acampamentos da igreja.
Em relação aos meios de difusão de comunicação massiva, a AD do Bom
Retiro possui um programa na rádio Morada do Sol (1260Khz, AM) intitulado
“Mensagem de Esperança” e um programa na televisão (Tv – Record, canal 7, que
possui orientação evangélica) com o mesmo nome que o do rádio. Desde junho de
1999, a igreja arrendou a Rádio Musical FM 105,7 Mhz, onde apresenta o
“Mensagem de Esperança”; apresenta também programa diário de televisão, de
igual nome, nos canais da Tv – Gospel, canal 28-NET e Canal 53 UHF.
2 . Grande templo e múltiplas ofertas
A dinâmica dos cultos e da comunicação se insere num conjunto de
estratégias que visam persuadir os adeptos por múltiplos meios (livros, programa de
rádio, cursos, televisão, festas, cultos, etc.). A estrutura está adaptada para essa
diversidade e voltada para um público numeroso que busca soluções e
compreensões salvívicas de Deus.
A comunicação estabelecida nos cultos, tecnicamente planejada,
reproduz um tipo de relação carismática no sentido de envolvimento dos sujeitos
pela via da emoção e da participação frenética. A figura do líder é central e a
experiência do sobrenatural parece ser a meta de condução dessa igreja.
89
Este líder deve mostrar-se continuamente através de atos prodigiosos,
sem os quais não recebe o devido reconhecimento. Seus seguidores por sua vez,
permanecem dentro de um domínio onde a entrega pessoal é repleta de
entusiasmo, esperança, fé e emocionalidade
80
. Essa dominação irracional que é
carismática, não está atrelada, portanto, às regras do planejamento anterior, e neste
sentido o tipo de poder dali orientado é decorrente da emoção, por atos imprevistos,
além do poder econômico.
81
2.1. Cultos: o receptor como foco
Os cultos têm duração aproximada de duas horas e meia, sendo que
durante esse tempo a pregação é dividida em: a) louvor; b) oração de libertação e
cura; c) pregação da palavra; d) canto; e) nova pregação da palavra, mas de forma
breve; f) canto de coletas e dizimo; e por último, g) testemunho dos adeptos.
O louvor é a chamada inicial para que as pessoas participem do culto.
Todos são convidados a saírem de seus lugares e a abraçarem outras pessoas com
mensagens de boas vindas. Ele é sempre acompanhado pelo cantor do grupo de
músicos e um corpo de dança no altar.
Em seguida, inicia-se o momento da oração de libertação e cura que tem
como função amenizar as mazelas que afligem os adeptos que estão presentes ou
familiares que estão ausentes no culto. O pastor os convida a participar de uma
oração especial que servirá de ajuda para os seus familiares. As pessoas que se
80
Temos aqui, o sentido do “dever”, empregado com uma conotação puramente psicológica, envolta em
atmosfera emocional, e não está relacionado ao dever normativo típico de outras esferas da dominação.
81
RIVERA, D. P. B. Tradição, transmissão e emoção religiosa: Sociologia do Protestantismo contemporâneo na
América Latina, passim.
90
sentirem tocadas deverão trazer fotos, carteira profissional, roupas, etc, para serem
ungidas com óleos pelos obreiros e pastores auxiliares que ficam no altar.
A pregação da palavra é feita logo depois, geralmente pelo pastor que
iniciou a oração de cura e libertação ou, por outras vezes, pregadores convidados. É
feita a leitura de um trecho bíblico e a interpretação do pastor que chama a
comunidade que o assiste a mergulhar na palavra proferida, com oração de louvor e
orações em línguas, para que a mesma palavra se realize na vida de cada um ali
presente.
Após algum tempo de pregação, a equipe de música começa um novo
canto, desta vez, um canto de cura a toda comunidade presente, seguido de
revelações, dentro da obra que o Senhor já está realizando naquele momento pela
revelação da palavra na vida de cada um, momento de grande manifestação de
todos.
Na seqüência, é retomada uma nova pregação da palavra, de forma
breve, para finalização e direcionamento de coletas e dízimos, novamente se tem
um canto e a leitura de mais um trecho bíblico para a realização dos mesmos. O
pastor convida a todos a entender sobre as ofertas e dízimos, buscando
compreensão na palavra, para que os doadores saibam qual a vontade de Deus
naquele momento.
Ao final, o adepto pode dar seu testemunho rapidamente ou até mesmo
pedir ajuda dos obreiros para transmitir o seu testemunho, ou ainda, ter o seu
testemunho escrito em uma mesa que fica na entrada da igreja (“mesa de
testemunhos”); e a maioria se retira da igreja.
Segundo informações fornecidas pela própria igreja AD-Bom Retiro, feita
pelo pastor Alencar Gonçalves, vice-presidente da igreja em 11.07.06: “Temos em
91
nossa igreja sede e demais igrejas (filiadas) cerca de 300 pastores e em torno de
1.800 obreiros dos quais os chamamos de diáconos”.
2.2. Os comunicadores da emoção: falando ao coração
Os pastores da igreja AD se apresentam bem trajados, a maioria com
ternos e gravatas. A linguagem trazida pelos pastores é de simples entendimento,
mas ao mesmo tempo incisiva em suas afirmações. As pregações são fortes,
carregadas de certezas que ninguém jamais ousaria duvidar. Em uma das visitas
feitas a essa igreja em 26.06.05, o pastor Rubinho disse que o Espírito de Deus
estava ali, naquele momento, “ele está falando que Deus está neste lugar, ele quer
quebrar todo mal que está em você, você tem que viver de bem com Jesus”.
A certeza com que ele pronunciou a profecia dada pelo Espírito Santo
provocou uma comoção dentre os participantes muito grande, pessoas chorando, se
abraçando, outras acalentando o irmão mais próximo etc, o que deixou clara a
importância da figura do pastor dentro da igreja. Os pastores falam pela “unção do
Espírito Santo” e isso tem um valor sem medida. Ao final do culto, a impressão era
que a comunidade não queria se retirar, a maioria se aglomerou diante de uma porta
lateral para falar com o pastor Rubinho.
A influência e o potencial poder que o discurso religioso desperta nas
pessoas – o que fez com que algumas igrejas tivessem um singular aumento de
adeptos nos últimos anos – se dá pelo ganho de notoriedade que as figuras
carismáticas, carregadas de emocionalidade e persuasão, vêm recebendo nas
instituições religiosas. As figuras carismáticas, como os pastores e alguns padres,
92
provocam nas pessoas mistos de sentimentos: da raiva à compaixão, do
arrependimento à culpa; mas com um único objetivo de vincular por meio da
afetividade as pessoas a um Deus amoroso.
Uma religião de comunidade emocional tem como objetivo expandir essa
emocionalidade cada vez mais dentro das igrejas, por meio de um portador
totalmente carismático, criando uma necessidade de vínculo dos adeptos a figura
representada pelo pastor – no caso da igreja AD – Bom Retiro - de conforto e ao
mesmo tempo de salvação para afastar as ameaças que o dia a dia oferece.
Dessa maneira, a comunidade vive um verdadeiro “frenesi” emocional, os
testemunhos dos convertidos são cada vez mais valorizados e possuem
reconhecimento do grupo de pertença. Dessa forma, servem de exemplo para outras
pessoas ali presentes, criando elos cada vez mais fortes entre a comunidade e o
indivíduo em torno da figura carismática.
No entanto, se o discurso religioso repousa na representação do Sagrado
como valor supremo ao qual se subordinam todos os valores (a atitude e respeito,
confiança e veneração só se estabelece se o adepto for emotivamente atingido e
atraído por essa figura carismática), ambos se envolvem na mesma noção de
dependência, o doar e o receber, criando uma proximidade mais intensa e afetiva
entre os membros de uma comunidade.
É possível notar certa semelhança na dinâmica e postura dos diversos
pastores tanto em seus discursos durante quanto na pregação do culto. Geralmente
eles trazem os últimos acontecimentos vividos pela sociedade, acontecimentos de
grande impacto, e começam a descrever o fato, fazendo uma análise entre os males
do mundo, dizendo que o “inimigo” poderia ter agido na vida das pessoas ali
presentes; e que muitas vezes o “inimigo de Deus” quer desviar o nosso olhar do
93
Senhor. Falam das nossas atitudes descontroladas diante das facilidades oferecidas
pelo mal, fazem uma leitura bíblica de ligação entre Deus e o Mal e desenvolvem
uma dinâmica nos fazendo acreditar que não estamos no culto por acaso, mas
porque fomos escolhidos pelo Senhor para aquele momento.
Dada a euforia que a figura carismática provoca em seu meio, marcado
pela espontaneidade e adesão do grupo, que acredita e aceita viver por meio desse
carisma uma vinculação direta com Deus e, sabendo-se que o carisma é irracional e
instável, se faz necessário que a instituição igreja administre esse carisma em vários
pastores para que a comunidade permaneça na mesma informalidade de conduta e
de regras.
O perfil dos adeptos dentro da igreja AD – Bom Retiro tem uma
característica comum em relação à cultura de massas: um forte apelo ao fascínio e
emocionalidade; a busca, pelas pessoas, a solução para os problemas
experimentado na vida de cada um. Os fiéis procuram viver em cada culto uma
experiência nova, uma nova mensagem ou uma confirmação de Deus para aqueles
que esperam realizar algo novo em suas vidas.
Em relação aos usos e costumes vividos anteriormente pelas igrejas AD,
observa-se que, na igreja AD – Bom Retiro, as mudanças comportamentais são
visíveis, principalmente no vestuário feminino, as mulheres usam calças compridas,
decotes mais alongados, desde que mantidos dentro do padrão de pudor, cortam e
tingem os cabelos, usam maquiagens, jóias e bijuterias etc. Uma análise um pouco
mais detalhada foi realizada no capitulo II, quando da exposição dos dados da
pesquisa nessa dissertação. Foi também observado o trânsito religioso por via tanto
pessoal como familiar. No nível pessoal, ocorre principalmente pela aceitação e
prática de diversos cultos de outros grupos e pela afinidade encontrada em outras
94
igrejas. Além disso, observou-se um padrão geral de migração da igreja católica
para a evangélica em duas vertentes: migração direta e indireta, com o padrão de
católicos para evangélicos. No nível familiar foi observado que existe uma opção
religiosa mais diversificada, alguns membros possuem parentes nas igrejas
neopentecostais, católica, afro-descendentes, espíritas entre outras. Na presente
pesquisa foi observado também que existe uma forte influência em relação a adesão
na igreja AD – Bom Retiro, isto é, para a grande maioria dos entrevistados foi
sempre um parente que o levou até a igreja, direta ou indiretamente esse ingresso
trouxe melhorias na vida dos entrevistados.
3. A Neopentecostalização da AD
Conforme apresentado, as características gerais dos adeptos
pentecostais, que vinham de classes sociais menos privilegiadas, giravam em torno
da experiência mística, carismática, do batismo com o Espírito Santo e suas
conseqüentes reações físicas.
Nos últimos vinte anos, muitas pesquisas e estudos foram realizados
sobre o pentecostalismo, e a maior parte das conclusões afirmam que o mesmo
seguiu um caminho diferente de sua proposta original. Mesmo com novos estudos
voltados para essa “nova” forma de se fazer o pentecostalismo, nossa retrospectiva
baseia-se na idéia de que existem diferenças entre a forma de atuação das igrejas
pentecostais iniciais e das igrejas pentecostais surgidas nas ultimas décadas. Essas
últimas são, por muitos autores, classificadas como “pentecostalismo clássico e
95
autônomo”, “pentecostalismo clássico e de cura divina”, ou ainda, como “igrejas de
mediação e pequenas seitas”.
82
A análise das diferenças particulares ao longo do estabelecimento e
expansão do pentecostalismo brasileiro está muito bem estabelecido por Freston·
em sua teoria que remete a metáfora de “ondas” discutida no capitulo anterior. O
autor anuncia que, a dinâmica das igrejas fundadas nos últimos anos no Brasil – e
que, em teoria, pertencem ao pentecostalismo – pouco tem de similaridade com
aquelas fundadas no início do século passado. Pode-se, portanto, concluir que,
apesar da ruptura, existe certa continuidade nas formas de apresentação em cada
nova onda.
Essa última “fase” do pentecostalismo brasileiro que possui características
diferentes do pentecostalismo clássico (ou tradicional) tem sido chamada de
neopentecostalismo.
Oro & Seman apontam que a intensidade da transformação do
pentecostalismo nesses últimos anos foi tão exacerbada que a proposição de uma
nova denominação para essas igrejas fez-se necessário frente as mudanças
encontradas.
83
O termo neopentecostalismo está ligado a pessoas com pensamento
pentecostal, isto é, aquelas que acreditam nos poderes de cura pelo batismo do
Espírito Santo, mas que se consideram adeptas de uma renovação espiritual, seja
qual for a sua vertente religiosa.
Autores como Campos, Mariano, Jardilino, Oro & Seman apresentam
essas transformações ocorridas. Dentre as principais características estão: a
presença marcante de lideres portadores de personalidade forte e, muitas vezes,
82
PASSOS, J.D, Pentecostais, Origens e começo, p 53.
83
ORO, A. P.; SEMAN, P. Os Pentecostalimos Nos Países do Cone-Sul: Panorama e Estudos, in Religião e
Sociedade, p. 86.
96
carismática; o grande incentivo a expressividade emocional nos cultos; o uso intenso
– e talvez abusivo? – dos veículos de comunicação de massa, com programas de
televisão (criação de inúmeros canais exclusivamente religiosos), programas de
rádio, tablóides semanais, etc; a centralidade do culto no aspecto financeiro (boa
parte do culto tem seu discurso focado nas contribuições dos adeptos, mas também
na melhora de vida financeira do adepto, baseada na Teologia da Prosperidade); o
enfoque na cura divina e exorcismo (que alguns, inclusive dentro do próprio meio
neopentecostal, denominam de Guerra Santa); e o exclusivismo frente ao resto das
expressões religiosas.
84
Jardilino reafirma essa mudança no pentecostalismo clássico, apontando
que essas transformações levam a um menor controle da vida do adepto, por parte
da igreja, e que isto a torna mais atrativa.
De uma forma geral, esse neopentecostalismo enfatiza, segundo
Campos:
(...) o exorcismo, cura divina, dons espirituais, continuidade da revelação
divina através de líderes carismáticos, e uma parte dele aceita a ‘teologia da
prosperidade.
85
Mariano afirma que o prefixo neo é apropriado, principalmente, por duas
razões: a primeira diz respeito a formação recente (temporal) dessas igrejas; e a
segunda se refere ao caráter inovador do neopentecostalismo.
Ainda, segundo o autor o movimento pentecostal, destaca quatro
características fundamentais:
84
ORO, A.P, & SEMAN, P, op. cit, p.89.
85
CAMPOS, L. S. Na força do Espírito: os pentecostais na América Latina um desafio aos protestantes
históricos, p.50.
97
1 - Exacerbação da guerra espiritual contra o Diabo e seu séqüito de
anjos decaídos;
2 - Pregação enfática da Teologia da Prosperidade;
3 - Liberação dos estereotipados usos e costumes de santidade; e
4 - O fato de elas se estruturarem empresarialmente. Elas agem como
empresas e, pelo menos algumas delas, possuem fins lucrativos.
Os pontos apresentados pelos discursos dos especialistas mostram uma
grande ruptura com as características do pentecostalismo tradicional, marcado pelo:
sectarismo e o ascetismo formam então, a base daquele que distingue estes grupos
neopentecostais.
Todavia, vale ressaltar que nem todos os traços propostos para
caracterizar o neopentecostalismo são exclusivos deste último. Algumas dessas
características já estavam presentes anteriormente e, nesta vertente, se mostram
apenas de forma exacerbada.
Segundo Mariano, ao que parece, o pentecostalismo tradicional, embora
tente limitar e disciplinar as manifestações carismáticas no interior de sua estrutura,
vem tentando também uma diminuição da rejeição ao mundo exterior (não sem
retrocessos e cismas) gerando essas sucessivas tentativas de acomodação à
sociedade para que a igreja se torne mais inclusiva.
Assim como as outras religiões denominações pentecostais, o
neopentecostalismo pode ser considerado como uma vertente de afirmação no
mundo. Segundo este mesmo autor, as características desta vertente estão
98
relacionadas às mudanças sociais modernas e alteraram a forma de inserção e
atuação dessas igrejas na sociedade.
86
Cabe ressaltar que a postura contrária ao ascetismo tradicional
pentecostal faz dos neopentecostais uma vertente de aceitação e vivência no
mundo. Isto é, existe uma inversão de valores: o que antes era rejeitado – como a
riqueza e o gozo no mundo – hoje é incentivado, principalmente, pela Teologia da
Prosperidade, pelas estratégias de comunicação e pelos modos de organização dos
grupos religiosos.
A antiga ênfase na pobreza material e sofrimento da carne – onde a
grande maioria dos adeptos eram de camadas populares – é trocada pela ênfase e
crença na busca da riqueza, livre gozo do dinheiro, de status social e dos prazeres –
o que faz sentido com o aumento do número de adeptos de classes média e alta.
Essa alteração da ênfase dos valores que norteiam os adeptos e suas
crenças também versa sobre a observância de regras bíblicas como “tornar-se
herdeiro das bênçãos divinas” e, nesse sentido, o principal sacrifício demandado por
Deus aos seus fiéis é de natureza financeira (dízimos, e entrega de ofertas com
alegria, amor e desprendimento). A idéia é que você deve investir em Deus da
mesma forma, ou mais como investe em sua vida, e isso diz respeito as finanças
também.
3.1.Neopentecostalismo: a ruptura com o tradicional
A vinculação das massas a uma instituição (ou fonte de poder) pode se
dar, segundo Weber, especialmente por três formas: a tradicional, a carismática e a
racional. A dominação tradicional seria, grosso modo, um vínculo de dependência
86
MARIANO, R, op. cit, p. 86.
99
pautado pela legitimidade das normas da instituição estabelecidas pelo cotidiano,
pela tradição. No caso das instituições religiosas, seriam os dogmas e a tradição que
legitimariam o poder da igreja. Esse tipo de dominação – na forma pura –, por mais
que ainda permaneça, parece estar em declínio atualmente. Esse declínio se deve
há uma série de fatores, mas, particularmente, pode-se aventar a alteração dos
paradigmas sociais como grande influenciador nesses fenômenos.
87
Classicamente, a conceituação da igreja AD sempre foi a de que esta era
uma igreja tradicional. Todavia, como repetidas vezes já foi dito ao longo desse
trabalho, suas características estão se alterando e se afastando da nomeação de
igreja tradicional ou clássica.
A sociedade atual nos faz viver em constantes transformações. O avanço
tecnológico nos impulsiona de tal maneira que já não conseguimos mais voltar;
tentamos nos desvencilhar do passado e, ao mesmo tempo, resguardar as nossas
tradições, um processo que muitas vezes parece contraditório e caótico. A religião
também passa por essas transformações e se esforça para se adaptar ao novo
mundo, mas ao contrário do consumismo e experiências vividas pela sociedade, a
religião só se adapta a aquilo que já foi anunciado e aprovado pela própria
sociedade, conservando supostamente sua tradição e fundamentos.
Atualmente, a religião experimenta essas transformações. As igrejas
buscam a cada dia, novas estratégias para atenderem as necessidades atuais dos
adeptos – ou potenciais adeptos – e, com isso, mudam seu perfil, sua estrutura e
aderem a novas concepções anunciadas pela realidade social.
A AD - Bom Retiro é um exemplo vivo dessas mudanças. Sua dinâmica
de funcionamento, com cultos destinados a diversos perfis de adeptos (agora é a
87
WEBER, M, Economia e Sociedade, pp. 140 – 146.
100
igreja quem tem que se alterar para atingir adequadamente o adepto e não mais o
adepto quem deve ser doutrinado pela igreja como uma massa), com a utilização
dos meios de comunicação massiva (como visto, a igreja possui uma editora, um
canal de televisão e um canal de rádio), e a relação mais individualizada com o
adepto (a maioria dos adeptos não se conhece e entram e saem do culto sem trocar
nenhuma palavra com ninguém) enfatiza essa adaptação à sociedade
contemporânea.
Segundo o próprio fundador da AD - Bom Retiro, as igrejas tradicionais
também tentam se adaptar a realidade, embora ainda de forma muito incipiente.
Vejamos as observações do Pastor Jabes Alencar a esse respeito na entrevista feita
para a revista Eclésia em 2006.
88
“Vejo que o número de evangélicos está crescendo exponencialmente. Isto
é resultado de investimentos em evangelismo. Tenho notado, também, que
até as denominações mais tradicionais estão mais abertas para estratégias
de evangelismo pela televisão e outros meios de comunicação. Mas
precisamos melhorar muito ainda. Temos que sair mais, realizar mais
cruzadas, “invadir” o terreno do inimigo e resgatar as vidas. É nosso tempo
de agir.”
A denominação da Assembléia de Deus, sempre foi considerada uma
igreja tradicional e rígida. O ascetismo sempre foi glorificado e imposto aos seus
membros que, então, viviam de forma extremamente rígida e eram chamados de
“crentes” com um tom pejorativo, insinuando um estereótipo do “crente” como um
88
As informações relatadas foram obtidas em entrevista realizada com o Pastor Aécio, no dia 04.07.06 na
própria igreja AD - Bom Retiro. O pastor Aécio é, como dito, Relações Publicas da igreja e nos forneceu
diversos documentos. Dentre os documentos fornecidos estavam duas entrevistas do fundador, o Pastor Jabes
Alencar. Uma entrevista que, no momento da elaboração dessa dissertação a entrevista ainda não havia sido
publicada, mas que será veiculada na edição numero 0117, da revista Eclésia -2006 e outra entrevista que foi
publicada na Revista Consumidor Cristão em 2005.
101
sujeito rígido e retrógrado. A AD - Bom Retiro parece romper com essas
características. Foi possível notar nas diversas visitas ao templo matriz, que homens
e mulheres se vestem e se comportam de uma maneira menos formal. A aceitação
dos adeptos se tornou mais fácil com essa maleabilidade. Muitas vezes os
indivíduos têm vontade de participar de uma determinada igreja, mas não se
identificam com ela, não se identificam com o perfil dos adeptos dela. Grande parte
das pessoas não querem ser taxadas de “crentes”, pejorativamente, e querem estar
dentro da igreja e da sociedade ao mesmo tempo.
O fundador da AD pastor Jabes na mesma entrevista declara que:
“A assembléia de Deus Bom Retiro marcou na historia das Assembléias de
Deus um novo momento, rompendo com tradições que nada acrescentam
ao desenvolvimento espiritual. No aspecto doutrinário – fala de doutrinas
elementares que gerenciam a vida crista como um todo – temos os mesmo
fundamentos das demais Assembléias; mas no que se refere aos costumes,
pregamos a liberdade e educamos essa liberdade. No aspecto litúrgico
também somos diferentes: nossos cultos são mais participativos, com louvor
congregacional e prioridade absoluta para a Palavra. Não ocupamos o
tempo do culto com participações isoladas.”
Assim, a AD - Bom Retiro percebeu tais diferenças rapidamente,
alterando sua metodologia, provavelmente, com o intuito de se tornar mais
identificável com os adeptos presentes e com potenciais adeptos. O corpo diretivo
da igreja confirma essa informação, pelas próprias palavras do fundador Pastor
Jabes, que vê nessa mudança um fator positivo:
102
“No Brasil, a Assembléia de Deus tinha o estereótipo de uma denominação
radical, pautada pelo rigor dos costumes. Rompemos com essa idéia. Não
mudamos os princípios, mas evoluímos com a metodologia. Deus
confirmou.”
O Pastor Jabes completa ainda na mesma entrevista, essa idéia
afirmando que a dinâmica menos rigorosa da AD - Bom Retiro foi a responsável pelo
aumento do número de jovens na igreja.
“(...) nossa metodologia de trabalho é bastante dinâmica. Creio que tenha
sido essa estratégia que atraiu a juventude para a nossa igreja. Também
porque sou jovem (risos). Quanto as diferenças entre o Bom Retiro e as
demais Assembléias, vejo que nós avançamos não para competir, nem
mesmo para agredir algo que vinha sendo feito, mas para afirmar que a
tradição não é atestado de compromisso com Deus. Claro que todo extremo
é perigoso, por isso temos sido cautelosos quanto aos excessos. Não
podemos “engessar” a igreja com métodos obsoletos.”
O pastor Jabes seguramente afirma a nova postura da igreja AD – Bom
Retiro frente às outras igrejas da mesma denominação. Preocupado com velhos
padrões estabelecidos pela igreja em sua origem, e sabendo que a juventude atual
procura nova linguagem para se adaptar, mudou sua estratégia de agir aderindo aos
novos hábitos sociais. Segundo ele, os “velhos hábitos”, na verdade, estão
ultrapassados, visto que a rigorosidade tradicional já não é costume popular e seus
métodos já não funcionam mais. Todavia, é necessário estar atento com os
excessos; isto é, o meio termo – nem completa rigorosidade, nem completa
flexibilidade – parece ser o caminho.
103
De maneira geral, os adeptos da igreja AD – Bom Retiro também
comemoram essas mudanças adotadas pela igreja. Alguns dizem que se a igreja
não fosse renovada eles se mudariam para outras, mostrando que tais opiniões são
muito comuns nos jovens que freqüentam a igreja.
Em entrevista realizada com um jovem em 10.07.06, membro da igreja AD
– Bom Retiro que antes pertencia a igreja Assembléia de Deus-Belém, pertencente
ao ministério do Belém, comemorava a nova escolha, dizendo que as mudanças são
bem vindas nas comunidades cristãs, porque dessa forma as igrejas serão canais de
graças para a conversão de milhares de pessoas, principalmente, para os mais
jovens.
“No meu ponto de vista, o que houve com a igreja cristã nos últimos dias é
algo lindo; porque a igreja acompanha de fato o crescimento da sociedade,
e isso para a nossa fé é muito importante, pois abriu várias janelas de
oportunidades para a salvação de vidas em Cristo Jesus, pois com essa
evolução e crescimento, as pessoas passaram a conhecer Jesus e não os
costumes e dogmas criados por homens. Assim, as pessoas vão adorar a
Deus com liberdade sem opressão das invenções dos homens”.
“As janelas de oportunidades (...), evolução e crescimento” citada pelo
jovem entrevistado acima se faz presente dentro da AD – Bom Retiro, pela grande
quantidade de jovens que freqüentam essa igreja; pela presença de jovens pastores
responsáveis pelos serviços e pregações na igreja; e pela quantidade de bandas
musicais que se apresentam nos cultos com musicas bem atuais, tocadas dentro e
fora da AD, sendo gravadas até mesmo pelos padres carismáticos da igreja católica,
estreitando cada vez mais suas diferenças.
104
O jovem ainda falou dos velhos moldes trazidos pela igreja AD em sua
origem, rebatendo a maneira antiga de viver e de pensar. Ele diz que hoje já não
tem mais espaço para imposição dos homens ditando regras e condutas criadas por
eles mesmos, o que vale, comentou, “é a vontade de Deus na vida de cada um”.
Em suma, a sociedade capitalista infligiu um conjunto de alterações no
modus vivendi das massas. O aumento da velocidade da criação de modelos e da
quantidade de informações, o aumento da competitividade no mercado de trabalho,
o aumento da quantidade de horas de trabalho e a pressão pela perpetua
capacitação e agressividade indiscriminada gerou pessoas cada vez mais
individualistas, que não podiam confiar em ninguém (pois, afinal, todos são
potenciais competidores) e que se sentiam, no fundo, sozinhas, desamparadas e
excluídas.
Frente a esse tipo de população, um discurso dogmático e ascético pouco
se torna atrativo, pois o indivíduo, já fatigado pelo mercado, não se satisfaz em
encontrar nas instituições religiosas apenas mais normas e regras a seguir que
foram determinadas, muitas vezes, por outras gerações; mesmo porque, essa
sociedade “maltratante” criou suas próprias formas de minimizar a dor, que ela
mesma gerava, com um tipo de hedonismo calcado no consumo e no imediatismo:
estratégia brilhante para perpetuar um círculo vicioso contínuo e quase imutável do
capitalismo vigente. Assim, a dominação tradicional, ao menos no que se refere às
instituições religiosas, parece ter perdido um pouco seu poder dentro desse
contexto.
Por outro lado, a dominação carismática – antítese desse modelo
tradicional? – vem ganhando força nesse campo. A dominação carismática está
pautada na vinculação e estabelecimento de dependência (poder) pela afetividade e
105
emocionalidade. A figura de um líder – sacerdote, profeta ou mago – tem como
prioridade monopolizar o poder que se apóia no carisma, pois isso torna esse poder
legítimo. Esse carisma está relacionado a “uma qualidade considerada extraordinária
que faz de seu portador um enviado de Deus e um detentor de forças sobrenaturais”
e fundado “na revelação pessoal, na aceitação das ordens criadas ou reveladas por
uma pessoa e na entrega cotidiana a sua santidade, heroísmo ou exemplaridade”.
89
Para que o reconhecimento e a vinculação à figura carismática
permaneçam, é necessário que o detentor do carisma mostre continuamente a
posse do carisma por meio de prodígios. Dessa forma os seguidores têm o dever no
sentido estrito da palavra, de permanecer dominados e a entrega pessoal é repleta
de entusiasmo, esperança, fé e emocionalidade. Nas comunidades tipicamente
carismáticas, o vínculo emocional é o elemento dominante de coesão e legitimidade.
A dominação carismática é considerada irracional, pois não se atrela à regra e ao
planejamento premeditado, por isso seu poder orienta-se pela emoção, pela
imprevisibilidade e sua economia da autoridade “depende das coletas e das doações
do dia a dia”.
90
4. As produções neopentecostais da AD Bom Retiro
As ofertas são vistas, na lógica pentecostal do ponto de vista do adepto,
como o preço ritualístico para se conseguir a solução dos problemas que Jesus
possui. Para eles a demonstração da fé – e isso inclui, os sacrifícios dos mais
diversos tipos, como de postura e oferenda de dízimos – e a crença arraigada
89
WEBER, M, op cit, pp. 140-144.
90
,Ibidem, pp. 141 -142.
106
profundamente no coração de que Jesus é o detentor do poder e da salvação, faz
com que os adeptos tenham certeza de que aceitando Jesus a solução para todas
as suas mazelas virá, pois é direito seu conforme, a doutrina.
91
Essa lógica de ofertas do ponto de vista da igreja remete, segundo
Passos, a uma estrutura inversa e complementar que aponta a igreja como uma
fonte de relacionamento com Deus que leva, em última instância, a relação de “fé -
doação”. Se o fiel precisa entrar em contato com a palavra de Deus – embora possa
fazer isso isoladamente – mas enxerga nos pastores representantes divinos, então a
igreja se torna a mediadora essencial no processo de estabelecimento e
manutenção da fé. Complementarmente – por causa da idéia arraigada da teologia
da prosperidade – o fiel sabe que precisa mostrar a Deus o tamanho de sua fé e isso
só pode ser feito via sacrifícios e investimentos, enfim, das doações.
As visitas e diversas entrevistas realizadas com os membros da AD - Bom
Retiro mostram que essa igreja vem tentando se adaptar a realidade social
permeada pela contemporaneidade.
4.1. O discurso e a orientação para a prosperidade na AD
As orientações proclamadas pelos pastores nos cultos das igrejas
pentecostais parecem vitais para os adeptos, principalmente quando se trata de
prosperidade. Em visitas feitas nos cultos na igreja AD – Bom Retiro, foi observado
que no momento das ofertas, os fieis participavam de maneira espontânea diante do
apelo para as mesmas; dentro do cenário apresentado: a música, a palavra Bíblica,
91
PASSOS, J. D, Como a Religião se Organiza: tipos e processos, p.52.
107
a escuta silenciosa de cada um para saber qual o propósito de Deus diante das
ofertas concedidas; é um momento muito forte e que acontece em clima de total
respeito e obediência.
Na hora do dízimo e ofertas no culto das 15h realizado em 21/05/06, o
pastor leu a passagem bíblica “Malaquias 3:6” falando da fidelidade das pessoas nos
pagamentos e ofertas, “porque o Senhor é fiel, nós também devemos ser”. Os
obreiros começaram a passar com os envelopes no meio da assembléia, os fiéis
receberam o envelope para recolhimento da quantia ofertada; a música sendo
cantada pela irmã que anteriormente vendia as bijuterias, o pastor pedindo para que
todos fechassem os seus olhos para ouvir a voz do Senhor, “pois era real a
presença de Deus naquele local”, todos orando e os obreiros passando para o
recolhimento dos mesmos.
Terminada a pregação no culto das 17h realizado em 28/05/06, o pastor
começou a falar dos problemas financeiros que alguns ali presentes estavam
passando e, por causa do egoísmo da falta de desprendimento que muitos não
conseguiam a graça de melhorar as suas finanças, foi observado que se tratava da
“oferta”, em seguida surgiram (entre homens e mulheres), mais ou menos 09
pessoas com um carnê e coador (como os de café usados antigamente) com
semblantes sérios, olhares fixos, foram se posicionando na frente do púlpito e assim
que o pastor terminou de falar que também Jesus estava curando muitas “vidas
financeiras” e ainda que não fosse naquele dia, a benção ia acontecer e ainda que
não acontecesse teríamos que continuarmos firmes na fé, os obreiros foram
passando de fila em fila recolhendo a oferta acompanhada de um canto pela banda
presente.
108
No culto das 15h realizado em 29/05/05, o pastor também falou de uma
campanha “portas abertas”, as pessoas retiravam um “Folder” onde marcavam os
nomes das pessoas e qual a graça que precisavam, com isso, segundo o pastor,
firma-se um compromisso com Deus e não mais com ele, e o fiel terá que
comparecer durante 07 domingos, no mesmo horário fazendo com que o mesmo
não quebre seus votos de “obediência”.
Outro aspecto importante apresentado pelo vice-presidente da AD - Bom
Retiro, pastor Alencar na entrevista realizada em 11.07.06, o mesmo disse que a
prosperidade deve ser alcançada em vida, ainda que a paz eterna seja um dos
objetivos transmitidos aos adeptos e independente de sua conduta.
Questionado sobre essa fala de prosperidade e o imediatismo nas coisas
de Deus, ele nos informa que:
“Cremos e pregamos a prosperidade, baseada na Palavra de Deus. De fato,
existe a prosperidade eterna, mas o Senhor Jesus citou sobre aqueles que
o seguirem, neste mundo ganharão cem vezes mais e no futuro a vida
eterna. Com isto, o cristão pode gozar de benefícios não somente no
porvir.Cremos que a prosperidade não está fundamentada no ter muito e
sim no pouco que possui, ela é fiel a Deus e honra seus compromissos
Conheço pessoas que ganham pouco e são prosperas e conheço pessoas
que ganham muito e não são”
Na fala do pastor, pode-se notar uma relação de racionalidade quando diz
que as pessoas podem ser prósperas com o pouco, adiantado que a prosperidade
não está no acúmulo de bens, mas, na maneira de viver bem consigo mesmo.
Com as visitas, foi possível observar que boa parte do discurso da AD
está centrado na prosperidade e no sucesso. Exemplo disso foi observado em uma
109
pregação de um culto realizado em 24.07.05, proferida pelo pastor Silmar Coelho,
que começou a pregação apresentando todos os seus trabalhos entre livros, DVDS
e vídeos cassetes, comentando a temática de cada trabalho publicado. Argumentou
que fez doutorado em Las Vegas e que todos os seus conhecimentos estavam ali.
Em seguida, leu na carta do Apóstolo Paulo aos Coríntios, 9.10, sobre a semente
que supre, multiplica, enriquece e aumenta e, repetiu várias vezes, terminando com
elogios aos entusiasmos das mulheres. Foi conduzindo a pregação nessa temática,
“Deus multiplica, para Deus multiplicar, você precisa fazer alguma coisa pra isso Se
ele der o pão, a semente você planta, você esta comendo semente? Se você tiver
comendo a semente vai faltar para plantar e o que você vai colher?”.
Da mesma forma como o dinheiro é muito citado por conta do dizimo e
doações, foi observado que a assembléia presente ao culto, estava totalmente
voltada para o altar, todos visivelmente alegres, aplaudiam a todo o momento a fala
do pastor que não poupava brincadeiras. A palavra foi direcionada sobre os gastos
excessivos que fazemos com compras, pagando altos valores. Como exemplo o
próprio pastor citou um par de sapatos que havia comprado e que estava usando,
pelo valor R$120,00, valor esse, considerado pequeno diante dos prazeres de
consumo mas, na hora da oferta as pessoas diminuíam esse valor, contribuindo com
apenas R$1,00. Logo em seguida, pediu para os obreiros realizassem a coleta das
ofertas seguida de oração sobre os envelopes e também para as pessoas que iam
contribuir naquele momento. Terminada a coleta o pastor continuou em sua
pregação seguida de cantos.
O discurso também é apresentado como uma graça de Deus pela postura
e conduta na vida do adepto. O culto proferido em 07.08.05, o pastor Rubinho
começou lendo a parábola de Lazaro e em seguida começou a perguntar: “Hoje
110
Jesus pergunta, onde está o morto?” a palavra era de ânimo, :”Se Jesus ressuscitou
Lázaro, não pode curar uma dor de cabeça ?” e seguiu na palavra dizendo que as
pessoas não sabiam confiar, não conheciam a palavra de Deus, por isso não sabiam
as maravilhas que Deus preparava para as mesmas, falou também da unção que
tem a palavra, a transformação que ela, a palavra, realiza na vida das pessoas, a
partir do momento em que elas passam a confiar.
Brincou muito com as pessoas tentando descrever aquele momento da
ressurreição de Lázaro, perguntou a todos: “Será que Lázaro saiu daquele lugar com
o olhar triste, com desconfiança, lógico que não. Eu acredito que Lázaro saiu
pulando, gritando de alegria ao ver que estava vivo” “Têm muitas pessoas aqui hoje
que estão mortas” e à medida que ele falava as pessoas iam glorificando a Deus, e o
pastor pedia aos participantes daquele culto, para mudarem sua conduta de vida,
dizia ainda em alta voz: “não vivam mortos, mas, ao contrário, mudem de vida para
viverem melhores em Deus, meus queridos”.
Deus também é um investimento, não só emocional e de fé, mas “do ouro
e da prata”. Em todas as visitas feitas na igreja AD – Bom Retiro, os pastores
procuravam mostrar ao fiel, vários tipos de cura, inclusive “curas financeiras”. Na fala
dos pastores, ficava claro que: se o fiel não passar por uma cura completa, tanto
emocional, quanto física e financeira, ele ainda não estará totalmente confiante no
poder curador. É importante apontar que os pastores ressaltam que essa graça pode
não vir de imediato, mas, para aquele que confiar nas bênçãos e promessas de
Deus, a prosperidade fará parte de sua vida ainda na Terra.
111
4.2. Os rituais e símbolos da AD – Bom Retiro
As igrejas evangélicas pentecostais evangélicas inseriram em seu meio o
uso de ritos e práticas vindas do passado, principalmente as igrejas consideradas
neopentecostais que usam as “unções sagradas” como forma de mediação entre o
sagrado e o profano.
A igreja AD – Bom Retiro admite usar “óleos ungidos” em suas liturgias
como fonte de libertação e cura para os doentes, estendendo essa unção também
nos pertences e roupas daqueles que estão mais afastados de Deus. Isso pode ser
exemplificado na observação de uma das visitas na AD - Bom Retiro realizada em
21/05/06 às 15h: enquanto o pastor Wellington pregava, os fiéis colocavam fotos,
carteira de trabalho e pertences em geral, para ambos, pastor e obreiros, ungirem
com óleo esses pertences, “ministrando o poder do Espírito Santo”.
Durante a pregação, o pastor convidava os fiéis para entregar os seus
problemas, mágoas, dores, falta de dinheiro, depressão entre outros males, porque
Deus naquele momento “ia trazer a vitória” de maneira particular, na vida dos
presentes no culto.
Quando o pastor Rubinho na observação de campo realizada em
26/06/05 às 15h começou a pregação, em outra observação, pediu para todas as
pessoas que estavam com as chaves de casa, carro, etc, se dirigirem ao palco, pois
Jesus “ia derramar suas bênçãos” em cada carro, casa e todo poder do maligno
seria queimado. As pessoas prontamente o atendeu colocando tais objetos no palco,
uma das obreiras foi levando um a um para receber o óleo ungido e uma oração
juntamente com o pastor Tiago ao lado do altar.
112
Nas várias observações feitas na igreja AD, não se viu nenhuma prática
de exorcismo durante os cultos. Somente uma vez, foi observado que o pastor
Rubinho, depois de pregar no culto das 15h em 26.06.05 fez uma oração em um fiel
e ordenava, em nome do Senhor Jesus, que o maligno saísse imediatamente
daquela vida, mas de maneira discreta e sem chamar atenção dos demais
presentes.
Em outra ocasião, durante conversa feita pela pesquisadora com alguns
membros e um pastor, os mesmos informaram que se acontecer alguma
manifestação diabólica durante o culto eles expulsariam na mesma hora “o maligno”
com a intercessão de todos participantes presentes sem tentar esconder o fato, e
finalizando a fala concluíram: “O demônio precisa ser exorcizado do mundo”.
De maneira geral, a prática de “expulsão de demônios” não é muito usada
dentro da AD – Bom Retiro. Na visão dos pastores e adeptos dessa igreja, a não
manifestação diabólica não significa que o mal foi banido do meio, podendo
aparecer a qualquer momento. Por isso o fiel deve se manter vigilante, segundo os
mesmos, e deve “orar e vigiar, pois o demônio está procurando a quem devorar”.
A igreja católica tem em sua tradição, costumes e rituais de eficácia
simbólica, ou seja, faz a unção de objetos e esses passam a ter valor representativo
no divino, santificado, podendo ser mediadores do poder divino. Por outro lado, o
protestantismo rompeu com essa prática simbólica arraigada nos signos concretos
(imagens de santos, etc) e centrou-se na vivência da palavra. Ao mesmo tempo, é
nessa prática que se dá a simbologia eficaz, isto é, é por meio das palavras
proferidas pelos pastores que se faz a unção das pessoas, objetos, etc durante as
pregações. Assim, o pastor emana o poder de unção na palavra proferida e esta
palavra vale significativamente o mesmo que os signos ungidos do catolicismo.
113
4.3. Teatro e templo na AD
A igreja AD – Bom Retiro nos mostra que existe uma mudança de
comportamento em seus cultos em relação às outras igrejas da mesma ordem
assembleiana. Em suas apresentações evangelisticas há a sensação de que se está
assistindo a um grande espetáculo. Suas apresentações mostram a grandeza de
Deus encenada de maneira a despertar inspirações mais profundas na vida dos
mais afastados e descrentes de graças.
Em observação de campo, realizada em 04.09.05, no culto das 15h,
temos um exemplo do tipo de encenação rotineira na AD - Bom Retiro. O louvor teve
duração de cerca de quarenta minutos, com o som altíssimo, onde o cantor repetia
diversas vezes o refrão do hino “abraça-me .não posso viver longe do teu amor,
Senhor...não posso viver longe do teu afago Senhor...abraça-me, abraça-me com os
teus braços de amor”, e logo o pastor Wellington saiu no meio da assembléia
abraçando a todos por onde ele passava e pedindo para que os mesmos se
abraçassem como se fossem abraçados pelo Senhor.
Em outra visita em 07.08.05 às 17:30 h, o pastor falava de mágoa e a
cantora começou o louvor com cantos bem direcionados ao “poder” e “a confiança”
em Jesus Cristo. A letra da primeira música voltava várias vezes no refrão, as
pessoas que assistiam ao culto cantavam com fervor, emocionadas, dando graças
ao Senhor com palavras de confiança; “aleluia senhor”, “sim senhor Jesus derrama
sua unção”, “oh glória aleluia”, “sim eu creio”. Muitos oravam em “línguas dos anjos”
e até o pastor que presidiu o culto, pastor Rubinho, por vezes dava socos no ar de
114
certeza, e, repetia várias vezes: “este local vai ser revestido de glória do senhor, pois
aqui o demônio não tem poder; Vá saindo em nome do Senhor Jesus!”.
Vale ressaltar que quando o pastor Rubinho, utilizando sua convicção
discursiva, dirigiu-se à platéia, e criou uma espécie de “atmosfera mágica”
envolvente no culto, transformando-o em um canal “animado” de graça e fazendo da
igreja um agente condutor de conversões.
Na entrevista do pastor Jabes feita para Revista Consumidor Cristão em
2005, ele comenta que:
“Nossos projetos são sempre evangelísticos. Tudo o que fazemos está
voltado para a conquista de almas. Grandes eventos são uma estratégia,
daí porque temos realizado a Cruzada Impacto da Fé, em todo o pais,
programas de radio e tv, e as festas na igreja: Festa dos Estados, Festa das
Nações, Festas das Águas, Congresso de Avivamento, além dos outros
eventos que desenvolvemos na nossa programação normal”
O título da Revista acima, não aparece ocasional nem inocente, mas,
expressa neste contexto, uma sugestão comercial de divulgação massiva, não se
restringindo apenas a uma comunidade de “irmãos”, mas ao contrário, essa revista
atinge um público diversificado, que congrega o grande espaço da AD – Bom Retiro.
Neste âmbito, a igreja AD – Bom Retiro cada vez mais se esforça para
atrair novos adeptos ao seu meio: seja pela fala de seus pastores, seja pela eficácia
de seus eventos e cruzadas, o objetivo mesmo é evangelizar, e transformar o velho
em novo, gerar vida nova aos adormecidos de maneira, sobretudo, envolvente e
eficaz.
115
4.4. Organização e lógica empresarial
A comunidade tida como emocional e carismática em primeira vista, não
está atrelada às normas das organizações racionais. Entretanto, o sucesso da
comunidade carismática afetiva demanda mudanças em sua forma inicial, pois a
irracionalidade presente nessa forma não garante os interesses materiais do grupo e
do líder. Assim, a permanência dessa comunidade e desse poder exige a
racionalização, a consolidação da tradição, ou ambas as coisas, incorporadas ao
seu funcionamento.
O que se pode ver nas igrejas denominadas como neopentecostais é sua
vertiginosa expansão e, conseqüentemente, sucesso. É impossível acreditar que
todo esse sucesso seja decorrente simplesmente da boa vontade dos adeptos em
suas doações e do improviso dos pastores em gerir a igreja. Na verdade, o que se
observa é que existe uma grande eficiência no sistema de planejamento e gestão da
igreja que se torna, de fato, uma organização empresarial e não mais apenas uma
instituição religiosa organizada.
Ao entrar no espaço da igreja AD - Bom Retiro, nota-se propagandas
diversas em seu quadro de avisos. Anunciando festas, cultos com pastores famosos,
apresentações de bandas musicais, passeios nos arredores de São Paulo, sem falar
dos anúncios de seus programas televisivos. O “folder” de apresentação da igreja é
bem chamativo, com fotos de seu fundador e esposa, onde o Pr. Jabes de Alencar
dá as boas vindas dizendo que a comunidade é formada por pessoas “que buscam
ser tocadas e transformadas pelo poder de Deus”; oferece os serviços dos
Departamentos com seus obreiros sempre prontos a ajudar. Apresenta ainda, toda
116
programação de cultos, a freqüência da rádio, o canal de televisão, mapa de
localização da AD de como chegar, uma ficha para preenchimento para os
visitantes, horário de funcionamento da livraria; oferece cursos de formação para
professores de Escola Dominical, preparação para Batismo, Intercessores, Teologia
e o endereço de suas filiais espalhadas por todo Brasil.
Não só a divulgação parece ser realizada de forma empresarial. No
sentido de aprimorar a qualidade do seu “serviço”, os pastores são treinados a terem
postura e discurso mais ou menos coerente com seus demais colegas, o culto segue
o mesmo estilo e lógica padronizada; os meios de comunicação massiva são
largamente utilizados; e as estratégias de marketing dentro e fora da igreja causam
inveja a grandes agências publicitárias.
Como se pode ver, a relação da dominação tradicional com a dominação
carismática parece necessitar de uma dinâmica dialética e não antagônica para seu
pleno sucesso. Nesse sentido, a criação de um tipo misto ou uma síntese dos tipos
carismático e tradicional estudada nas categorias de Weber parece ser a escolha
mais adequada.
4.5. Ofertas carismáticas e organização racional
Analisando as igrejas neopentecostais de forma geral, é possível
perceber esse tipo misto de dominação. O neopentecostalismo é marcadamente
centrado na figura do líder carismático, no espetáculo, na atmosfera emocional que
permeia seus cultos e seus templos, todavia, a lógica empresarial – tipicamente
racional – por traz do espetáculo é o que parece, de fato, sustentar essas
117
comunidades por um tempo maior – ou independente – da figura do pastor que
formou a comunidade afetiva, ou da irracionalizacão e falta de estabilidade que
fazem parte dessa comunidade.
Como visto, dentre as características neopentecostais mais marcantes
estão: o discurso voltado para a prosperidade individual; a comunicação com base
no teatro, isto é, a utilização de espetáculos para atrair os fiéis; a estruturação da
instituição igreja de forma empresarial e administrativa; e a presença marcante de
rituais e símbolos da luta contra o demônio (exorcismo, processos de cura, etc).
Nesse sentido, buscou-se levantar elementos da AD - Bom Retiro que contivessem,
de alguma forma, essas quatro características apresentadas.
A igreja AD - Bom Retiro é bem organizada: a impressão é de uma grande
empresa, uma organização empresarial. A movimentação de trabalhos no interior da
igreja é enorme durante a semana, desde a tentativa de colher uma simples
informação até a eficácia do atendimento telefônico, pois o que não faltam são
pessoas para a orientação. É possível observar muitos funcionários trabalhando,
alguns cuidando da limpeza no interior da igreja de maneira geral, outros sempre
fazendo alguns reparos, entrada e saída de entregadores de mercadorias, como
exemplo, galões de água, caixas de papel sulfite, etc. Além disso, existem na igreja:
uma loja de produtos naturais, livraria, lanchonete, “stands” com vendas de DVDS;
Em tempo de festas na igreja, “stands” de bijuterias, propaganda de bancos
anunciando venda de cartões de créditos entre outros produtos. Na entrada da
igreja, porteiros uniformizados controlam a entrada e saídas dos carros no
estacionamento. Nas salas direcionadas aos pastores que prestam plantão em
diversos horários na igreja, sempre apressados pelos corredores falando em seus
118
celulares, nota-se a presença de secretárias sempre prontas para um bom
atendimento.
As instituições religiosas mantêm em suas organizações processos
administrativos, tais como outras empresas não religiosas. Elas planejam e elaboram
sua rotina de trabalho com o mesmo cuidado que empresas comuns para atender a
demanda como verdadeiros prestadores de serviços, e que de fato o são, com a
mesma preocupação e responsabilidade social de bons serviços.
Conforme as categorias de Weber, fica bem nítida a passagem das
dominações carismáticas e tradicionais para o racional, ou seja, essa funciona em
virtude de interesses de natureza material, ou puramente objetiva.
A dominação carismática é irracional à medida que seus detentores se
apresentam possuidores de carisma e a intenção dessa categoria repousa na
veneração extracotidiana de santidade. Por outro lado, a dominação tradicional
procura se legitimar na crença ou na santidade das ordens, obedecendo-se em
virtude da crença pessoal, mantenedores da tradição.
92
As características racionais de dominação, assim como as outras formas
de dominação, se encontram bem aplicadas na AD - Bom Retiro. Baseiam-se na
legitimidade das normas, regras objetivas, na hierarquia de funções e no
planejamento cotidiano, possibilitando que os serviços administrativos tomassem
importância necessária de maneira a garantir sua manutenção dentro do universo de
subsistência.
93
Essa organização racional, e ao mesmo tempo burocrática, é baseada na
idéia de ordem social e material, e pode ser vista nas leis e sanções administrativas,
92
WEBER,M, op cit, p. 140.
93
Ibidem, p. 141.
119
na divisão do trabalho, na produção documental de informações, e no pleno
desenvolvimento do aspecto técnico no modo de se fazer administrativamente
94
.
Conforme apresentado no item de descrição etnográfica da igreja AD no
início desse capítulo, a AD – Bom Retiro possui uma organização que se assemelha
a empresarial, visto a série de departamentos focados a públicos-alvos diferentes,
além de grande ênfase na divulgação da igreja por meio dos meios de comunicação
de massa.
Ao que parece, a estratégia mercadológica da AD - Bom Retiro se apóia
nos fundamentos básicos de marketing e se preocupa com todos os seus pilares:
praça (localização dos templos em relação a fácil acesso e pontos estratégicos de
grande circulação); promoção (realizada brilhantemente pelos meios de
comunicação massiva); produto (ou no caso da AD, serviço, que se refere a
promoção de bem-estar, ligação com Deus e oferecimento de apoio e esperança de
melhora nessa vida); e preço (pago por meio dos dízimos, doações e ofertas dos
adeptos).
Existe uma diferença de serviços prestados pelas instituições religiosas
em relação às outras instituições comerciais não religiosas. As instituições religiosas
têm a missão de – além de administrar os serviços burocráticos, rotineiros realizados
em toda empresa – administrar, principalmente, o carisma em torno dos seus
líderes.
Dessa forma, a igreja, fundada em sua lógica empresarial, se torna
detentora das ofertas carismáticas e dos fiéis, usando de sua estrutura dirigente e
organização racional. Envolve uma estratégia de comunicação e reúne os fiéis –
94
WEBER, M, Ensaios de Sociologia, pp. 129-132.
120
pelo carisma, no uso do poder metodológico –, e, por meio destes, se reproduz na
lógica do espetáculo e na lógica da experiência estética.
Assim, com a chegada dos novos tempos e dentro do processo que
chamamos de modernidade, as instituições religiosas estão alterando o seu modus
vivendi. Adepta a essa alteração, a igreja AD – Bom Retiro tem se destacado frente
às outras igrejas da mesma denominação. Ao que se observa, a igreja se adaptou
mais rapidamente aos valores vividos pela sociedade atual, embora ainda conserve,
na fala de alguns pastores, a preocupação de não “exagerar demais” com as novas
tendências. Seria medo de perder sua tradição? Não se sabe ao certo. Talvez ainda,
demore algum tempo para saber qual o rumo que as instituições tradicionais
pentecostais irão tomar, mas não há como excluir a idéia de que o caminho da
neopentecostalização será mesmo inevitável no futuro para a sobrevivência dessas
igrejas.
CAPÍTULO IV
AD – BOM RETIRO: PENTECOSTALISMO E MODERNIZAÇÃO
A compreensão dos motivos que geraram as alterações da igreja
Assembléia de Deus – do seu aspecto tradicional para esse mais
neopentecostalizado – é uma tarefa desafiante que, muitas vezes, se orienta por
caminhos tortuosos. Já foi visto que a AD - Bom Retiro não se trata apenas de uma
amostra aleatória da igreja AD, discípula da mesma igreja mãe, que foi fundada
inicialmente em Belém do Pará. É a representante viva de um novo tronco das AD e
se considera independente, embora siga basicamente as mesmas doutrinas daquela
primeira. Ao contrário dos preceitos rígidos vividos em sua origem, a AD – Bom
Retiro traz um perfil mais informal, adaptando-se nos moldes atuais da sociedade.
Suas mudanças são significativas principalmente, no que se diz respeito a
celebração dos cultos, vestimentas femininas mais flexíveis, uso de maquiagens,
cabelos modernos para as mulheres etc.
De fato, sua forma de atuação é outra. Sua metodologia a faz uma mestra
em adaptação a realidade sócio-cultural moderna, realidade esta que vem
impactando deveras nas taxas de crescimento e decaimento das instituições
religiosas mundiais e brasileiras.
Compreender, então, quais são os fatores sócio-culturais que
influenciaram essa “neopentecostalização” da AD - Bom Retiro perpassa,
necessariamente, pela análise do tempo e espaço dessa igreja vista sob a luz dos
122
processos de modernização e urbanização, pelos quais passaram São Paulo no
decorrer do último século.
1. O Bom Retiro: das varandas às televisões
É verdade que uma grande metrópole não agrega valores familiares
muitas vezes trazidos por aqueles vindos de lugares tão longínquos vividos,
principalmente como nas zonas rurais. Os indivíduos vindos das pequenas cidades
ou de pequenas vilas, ao se depararem com a cultura dos grandes centros,
geralmente, partem em busca de algum suprimento como forma de acalmar a alma
maltratada pelas frustrações e experiências mal sucedidas experimentadas nas
grandes cidades. Além do mais, a razão da vinda é motivada pela busca de
melhores condições de vida que, a priori, fica colocado como possibilidade para
aquele que migra.
Não poderia ser diferente para aqueles que partiram em busca de
realizações em suas vidas escolhendo São Paulo como moradia pelas ofertas de
trabalho e de ascensão social.
Considerada uma das cidades mais importantes da América Latina, São
Paulo é hoje um lugar de muitos contrastes, de muitos domínios. Não apenas uma
aldeia que cresceu, mas uma megalópole, que faz brotar muitos sonhos e ao mesmo
tempo é dona das desilusões. De muitos credos e raças, São Paulo mudou a história
do Brasil com sua força econômica e a seu estilo multicultural. É hoje a maior cidade
da América do Sul e compõe uma rede de múltiplas culturas de origens planetárias
diversas. No ano de 2005, a população na cidade atinge a marca de 10.744.060,
123
sendo que quase 8% destes (810.102 pessoas) moravam sem qualquer tipo de
urbanização (água, esgoto, eletricidade, etc).
95
De cenário assustador e de indivíduos confinados em si mesmo, para
quem não a conhece, São Paulo pode chocar a primeira vista. A ocupação
desordenada e as transformações diárias contribuem para as incertezas e
inseguranças que assolam os mais desavisados.
Fundada em 25 de janeiro de 1554, e separada do litoral pela muralha da Serra do
Mar, a região de São Paulo desenvolveu-se a partir do litoral em direção ao interior,
nos caminhos descobertos pelos Bandeirantes em suas explorações em busca de
riqueza para si e para o reino português.
Um dos bairros mais antigos da cidade de São Paulo, a região onde hoje
está instalada a igreja AD já abrigou os grandes casarões dos iminentes
cafeicultores durante o auge deste ciclo, que teve como ponto culminante a
inauguração da estação da Luz, no final do século XIX, com o objetivo de ser a sede
da recém criada Companhia São Paulo Railway. Nas primeiras décadas do século
XX, foi a principal porta de entrada à cidade, mas sua maior importância era
econômica: por ali passava o café em direção a Santos e chegavam os produtos
importados que abasteciam a cidade (em uma fase ainda pouco industrializada).
Sendo assim, durante este período a intensa urbanização já era vivida
pela sociedade paulistana.
95
IBGE – Instituto brasileiro de Geografia e Estatística e Fundação SEADE. Extraido do site: www.ibge.com.br,
data de acesso em 02.09.06.
124
1.1. Dias antes da Luz
A região do Bom Retiro, cercada por natureza positiva, irrigada pelos dois
grandes rios – Tietê e Tamanduateí, além de inúmeros canais e vias fluviais logo
propiciou ambiente favorável ao tropeiro passar pela vila de São Paulo. O
microcosmo ali criado com o estabelecimento dos mesmos foi o mais importante
centro comercial da época, pois era ali que os exploradores descarregavam seus
produtos aos escravos e cidadãos em geral, que usando as facilidades do terreno,
faziam chegar às cozinhas e despensas dos moradores estabelecidos na região dos
Campos Elíseos, bem como na outra direção, à Várzea do Carmo, de costas para o
Mosteiro de São Bento e o centro da cidade.
Era comum na época, grande movimentação de mulas carregadas em
direção ao mar e com isso destinadas aos estrangeiros em sua maioria, bem como
na direção contrária, levando necessidades de fora à demanda no interior.
Justamente por isso, a região também passou a ter um aspecto negativo
proporcionado pelas atividades paralelas à vida comercial, como contravenções de
todos os tipos, um relativo tráfico de propriedades, e outros problemas.
Outro fator que também contribuiu para esse “submundo econômico” foi a
maciça imigração estrangeira do início do século XX. Por outro lado considerado um
bairro de constantes inundações, o chamado Bom Retiro não era um local desejado
para construir ou começar algum tipo investimento imobiliário, mas, por ser um ponto
de fácil acesso para o centro, ganhou notoriedade na região.
96
96
TRUZZI, O. M. S. Etnias em convício: o bairro do Bom Retiro em São Paulo, in Estudos Históricos n. 28, p.
03 - 15.
125
Figura 4: Bairro do Bom Retiro com destaque para a localização e área de atuação da AD.
Atualmente, na região onde está localizado o bairro Bom Retiro concentra-se um grande eixo de
transportes coletivos, um centro comercial com ofertas diversificadas e ainda varias igrejas de
diferentes credos. Pode-se notar a existência de sinagogas, igreja católica, colégios religiosos e
grandes templos evangélicos, como é o caso da igreja AD-Bom Retiro (em destaque) objeto desse
estudo.
126
1.2. De capital da solidão para capital do desassossego
Durante século XIX e início do século XX, a situação econômica e política
em países como Itália, Alemanha, Espanha e Irlanda, e de diversos povos e minorias
que viviam sob o domínio dos impérios austro-húngaro, russo e otomano,
produziram grandes levas de emigrantes. Por outro lado, nações do Novo Mundo
com rápida expansão econômica na indústria ou agricultura, dentre elas o Brasil,
necessitavam aumentar sua mão-de-obra para continuar sua expansão. O resultado
foi uma grande imigração européia para as Américas, principalmente de italianos
(que se estabeleceram principalmente nos EUA, Brasil, Argentina e Uruguai),
espanhóis (na Argentina, Brasil e EUA), portugueses (nos EUA, Brasil, Canadá,
Venezuela e Bermudas), alemães (nos EUA, Brasil, Argentina e Chile) e eslavos
(poloneses e russos nos EUA, Brasil e Argentina, e ucranianos no Brasil e
Argentina). Tamanho foi o crescimento da cidade na virada do século, basta
observar que em 1895 a população de São Paulo era cerca de 130 mil habitantes,
dos quais 71 mil eram estrangeiros, chegando a 239.820 em 1900.
97
Alguns povos ou grupos eram vítimas de discriminações e perseguições
em seus países de origem, como os judeus da Europa Oriental, e os armênios, que
viviam no Império Otomano. Isto fez com que muitos decidissem emigrar para fugir
destas perseguições, a partir de fins do século XIX até as duas primeiras décadas do
século XX. Nos países de acolhimento, muitos encontraram tolerância, liberdade
religiosa e condições de prosperarem economicamente. Um exemplo foi o pintor
97
Departamento do Patrimônio Histórico – DPH, da Prefeitura do Município de São Paulo
(www.prodam.sp.gov.br/dph/historia), que tem como título A Cidade de São Paulo e Sua História.
127
expressionista Lasar Segall, russo de origem judia, que emigrou para o Brasil e
tornou-se um dos mais destacados nomes da arte moderna do país.
Do Oriente Médio para as Américas pode-se especialmente destacar a
corrente imigratória de povos árabes, principalmente sírios e libaneses, que se
fixaram no Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e outros, incluindo tanto cristãos
quanto muçulmanos. Os imigrantes árabes fixaram-se principalmente nas grandes e
médias cidades e dedicaram-se em geral ao comércio. Também vieram numerosos
contingentes de japoneses, chineses, indianos (estes em geral se fixaram nas
colônias inglesas, como a Guiana) e, a partir do século XX, coreanos.
O fluxo da Europa Ocidental para as Américas reduziu-se com o início da
Primeira Guerra Mundial, principalmente os oriundos de países como Itália e
Alemanha, que se envolveram naquele conflito. Por outro lado, a imigração de povos
minoritários dentro dos impérios russo e otomano, tais como os poloneses e
ucranianos no primeiro e os armênios no segundo, cresceu.
Para o Brasil, a porta de entrada destes povos foi aberta com a
inauguração da estação da Luz, que se notou saltos populacionais cada vez
maiores. Pessoas e famílias inteiras normalmente pobres em busca de moradias
baratas e empregos sem especialização foram ocupando os espaços então
deixados pelos barões do café, que seguiram para a região da Avenida Paulista e
bairro do Higienópolis, e com elas, seus costumes e culturas.
O espaço urbano então tomou nova forma, das fábricas instaladas nas
proximidades do bairro, como por exemplo, Brás e imediações, os trabalhadores –
que eram formados não só por homens, mas também mulheres e crianças,
normalmente em condições sobre humanas de exploração, se espalhavam nas vilas
128
operárias e cortiços
98
. Numa época onde o discurso tido como oficial era o da
higienização e mais tarde, da eugenização. Em meio aos seus casarões ainda
existentes na época, começava a mostrava sinais de decadência; em vez de jardins
e praças de piqueniques, surgiam moradias coletivas e casas bem mais modestas, o
que antes era local desejado, se tornaram pouco a pouco local de cortiços.
É desta época o fortalecimento da medicina enquanto ciência, com a
maciça propaganda dos seus discursos contra ambientes insalubres, fechados,
ocupados por um excessivo número de pessoas, alcoolismo e prostituição; todos
estes fatores encontrados em torno das fábricas e vilas e, principalmente, na
sociedade “encortiçada”.
99
Um fator que comprova esta definição foi o batismo – não oficial – que a
região acabou recebendo, principalmente após o estabelecimento do Terminal
Rodoviário da Avenida Duque de Caxias, de “Zona do Lixo”, em contrapartida com a
“Zona do Luxo”, que fazia divisa nos arredores da Avenida São João em direção à
região da Consolação e o bairro da Bela Vista.
Nesta época a região já abrigava casas do baixo meretrício e inúmeros
bares, além de habitações de baixo custo e pouca ou nada qualidade, se tornando
um ponto propício para as várias formas de desvios e desvirtualismos.
Impulsionada pelas novas frentes de trabalho, São Paulo concentrou
numerosas categorias produtivas e acumulou diversas atividades. Já não podia ser
vista como uma simples aldeia em crescimento, mas ao contrario, a metrópole
estava presente, cada vez mais assegurando a permanência de pequenos e
grandes comércios para o futuro.
100
98
TRUZZI, O, M, S, op. cit. p.12.
99
MATOS, M. I. S, Trama e Poder: a trajetória e polêmica em torno das indústrias de sacaria para o café (São
Paulo, 1888-1934), pp. 31- 46.
100
SANTOS, M, A Urbanização Brasileira, pp. 66 -104.
129
2. O Pentecostalismo Da Periferia Ao Centro
O pentecostalismo brasileiro nos seus primeiros tempos, está mais
voltado para a população carente e de baixa renda que se concentra na periferia das
grandes cidades. Geralmente são pessoas humildes vindas de região rural ou
pequenas cidades, caracterizadas pelo abandono público, partem em busca de
novas condições econômicas. Essas classes ao se depararem com as dificuldades
dos grandes centros urbanos se agrupam em lugares coletivos ou em terrenos
baldios vivendo em péssimas condições sociais.
O fenômeno das massas que agregaram e agregam as periferias dos
grandes centros urbanos, sempre foram vistos como nichos não só para as igrejas,
mas também pelas fabricas e indústrias que viam e vêem nesse público, serviços de
mão-de-obra barata. De um lado os necessitados ávidos pelo consumo e ascensão
social, por outro lado, vítimas da própria economia e fonte de renda para os mais
ricos.
Nas metrópoles: a negatividade do trabalho, o processo do que se define
como acumulação primitiva, fundante do capitalismo, mas presente hoje,
agora e aqui: as pessoas estão perdendo tudo - o emprego, especialmente
o industrial; o espaço da moradia. São itinerantes dentro da cidade; a vida,
com a violência - e estão inseridas perversamente no mundo do espetáculo,
que lhes retira a identidade. Com o que ficam? Com a negatividade absoluta
do processo moderno do sistema produtor de mercadorias: com a miséria
absoluta e a violência.
101
101
DAMIANI, A. L. The metropolis and the industry: reflections on critical urbanization, p. 08.
130
Assim, os novos moradores das cidades, na esperança de encontrarem
em seu meio, as mesmas relações sociais de suas origens, se desiludem e passam
a “habitar” o universo momentâneo da oportunidade, muitas vezes passando à
margem dos acontecimentos.
Ao constatar essa realidade brasileira, as igrejas pentecostais parecem ter
encontrado um terreno sólido para plantar suas sementes transformadoras como
fonte de cura por meio do “Sagrado” como forma de redenção pelo sofrimento
humano.
2.1. O microcosmo das vilas operárias na transição da realidade
As vilas operárias foram uma forma de extensão da vida cotidiana dos
trabalhadores nas fábricas, e tinham por objetivos a fixação da mão-de-obra, mantê-
la a menor custo e procurar identificá-la com a empresa.
Normalmente com péssimas condições de moradia e super populosos,
esses lugares eram então identificados como “moradias coletivas e precárias, fonte
de tuberculose, alcoolismo e vícios, um ambiente perigoso, principalmente para
mulheres e crianças”.
102
Na verdade, muito mais que uma maneira de morar, as vilas
representaram a vontade de impor ao imigrante-operário uma maneira de ser da
fábrica, onde podemos claramente associar à ocorrência de greves, isto é, nos
102
Cf. MATOS, I, S, Trama e Poder: a trajetória e polêmica em torno das indústrias de sacaria para o café (São
Paulo, 1888-1934),
131
momentos de maior efervescência do movimento operário, seu cotidiano vinha a
debate, e a questão habitacional, entre outras, necessariamente aparecia.
Esses fatores são comuns em regiões que apresentam um crescimento
demográfico rápido e desordenado constante, como a maioria das metrópoles
mundiais.
Os urbanistas da época, por sua vez, se preocuparam em levar o
desenvolvimento estrutural, principalmente aos bairros da classe média e rica,
deixando de lado os lugares periféricos, como boa parte da região do Bom Retiro,
caracterizada principalmente pelas vilas e moradias de baixo custo, procuradas
também pelas pessoas do ambiente rural, que na busca de melhores condições,
deixavam suas terras em direção à cidade.
Ao chegarem aqui, os migrantes rurais se desiludiam, por perceber que a
realidade se mostrava completamente oposta àquela na qual haviam imaginado, e
acabavam se reunindo nos chamados “sítios sociais”
103
, compostos por extremos;
regiões supervalorizadas, higienizadas e fortificadas, bem como regiões decadentes
e miseráveis.
Estes espaços então adquirem vivências e significações importantes para
estas pessoas, colocando no lugar seus sonhos, desejos e realizações. Neste
contexto, as igrejas de um modo geral, e o pentecostalismo em particular, se
apropriaram dessa condição massificada para enraizarem suas estruturas de
formação.
Essas instituições não surgem de acordo com o sentido da cidade, mas
ao contrário disso, se formam em lugares e momentos-marco importantes e de
grande necessidade e aflições por parte das pessoas à sua volta. Neste sentido,
103
SANTOS,M, op. cit, pp. 73 – 76.
132
podemos perceber a formação de centros pentecostais desde cômodos apertados e
sem infra-estrutura, até a reapropriação de construções que serviam a outros fins.
No caso da igreja AD – Bom Retiro, a ocupação da antiga fábrica, além
das razões imobiliárias (grande espaço obtido por menor custo), a localização é
também um fator determinante, sendo uma região de grande fluxo populacional, de
produção econômica de pequenas empresas e de comércio popular. Como vimos, o
neopentecostalismo continua oferecendo seus serviços às classes populares e
estratégias que atraem setores médios da sociedade que, via de regra, estão em
busca de manutenção do “status quo” ou mesmo de ascenção social.
2.2. Igrejas: em busca de necessidades da comunidade
Como vimos anteriormente, as comunidades religiosas se formaram em
torno de necessidades em comum, cresceram a partir da periferia, formando grupos
diferenciados dos demais existentes no mesmo local, tornando-se geradores de
salvação ou de soluções para os desprovidos, uma vez que estes precisam das
mesmas como forma de identificação e representação daquilo encontrado, muitas
vezes, nos ambientes rurais ou de origem. Daí é de onde formam as associações de
bairros e as assembléias, buscando discutir entre si as formas de melhorias de suas
próprias condições, e com isso, o crescimento mútuo. Seus membros, então,
assumem cargos e funções nesta estrutura de relações, e passam a servir à
situação sustentados seus gastos com a expectativa de melhorias neste ambiente,
acreditando que suas sobrevivências dependerão do resultado de seus esforços.
133
As comunidades pentecostais classificadas como primeira “onda”, se
aproveitando dessa necessidade de re-significação do rural para o urbano, formaram
comunidades urbanizadas com a idéia de reutilizar aquilo que eles traziam consigo,
a exemplo: “todos irmãos”
104
, “o sofrimento faz parte de nossas vidas”, “a salvação
um dia chegará”, etc.
Essa linguagem é utilizada, nos grupos pentecostais tradicionais, dentre
eles a Assembléia de Deus originária, onde acreditam na salvação pós-morte, vivem
de maneira diferente dos demais grupos e estão centrados no ascetismo, que é o
entendimento de que a felicidade, ou o benefício, chega somente após a morte do
indivíduo, a salvação celestial.
105
Dessa maneira, começa a ser trabalhada, então, a postura dos fiéis na
renúncia da circunstância atual, preparando estas pessoas para a santidade e
prosperidade, que só chegará com sacrifício. E este é quem vai construir o futuro
próspero do mesmo, seja na terra ou não.
Por muitos anos essas igrejas conseguiram formar em suas comunidades
grupos diferenciados que acreditavam que as posturas radicais (ascéticas) pregadas
pelos discursos de seus pastores os transformariam em “escolhidos de Deus” tendo
como certa a salvação no céu.
Em meados dos anos 1951 e 1970, o pentecostalismo brasileiro passou
por mudanças transformadoras com a chegada de novas igrejas que em seus
discursos pregavam uma linguagem mais atrativa unindo os ensinamentos antigos
às técnicas modernas. A urbanização e a formação de uma sociedade de massas
106
rompem com suas limitações dos modelos vividos no passado. Os discursos
104
COSTA, J.W.B, op. cit, p. 11.
105
Cf. SOUZA, B, M, A experiência da Salvação, pentecostais em São Paulo, passim.
106
FRESTON, P, op cit ,p. 72.
134
pregados pelas igrejas pentecostais consideradas de primeira “onda”
107
já não
tinham mais eficácia nos anseios de seus adeptos visto que a salvação e
prosperidade só seriam encontradas pós-morte.
Essas mudanças tiveram uma rápida aceitação visto que as sociedades
se encontravam nos limites extremos das situações marginais. As experiências
trazidas pelos conceitos de vida rural necessitavam de novos modelos.
2.3. Arrebatação evangélica teocentrista
As igrejas consideradas independentes e as neopentecostais
conhecedoras destas necessidades, e sabendo que não podiam manter esses
grupos coesos em forma de comunidades baseadas apenas nas premissas pós-
morte, investem em suas fundações com discursos preparados ao encantamento de
seus ouvintes. Nessas falas, existe um novo convite: viver as promessas reservadas
no ensinamento teológico, que irão levá-los a pensarem de maneira individual, ou
seja, os grupos nas comunidades acabam investindo em si, uma vez que este
“prêmio” não chega de maneira coletiva, mas recebidos individualmente, conforme a
fé, confiança e troca da premissa básica pela crença: “dar a Deus e receber de
Deus” para isso, “oferto tudo que tenho e ganho mil vezes mais”.
Dentro desta vivência, a modernidade vai trazer uma situação de
abandono e carência do coletivo, passando a priorizar, novamente e na própria
religiosidade popular, a falta de temporalidade e localidade.
107
Ibidem, p.70.
135
O ambiente do pentecostalismo clássico perdeu espaço dentro do que
podemos definir como “comunidade” ou “irmandade”, que foi aproveitado pelas
igrejas pentecostais independentes e neopentecostais, que vão elevar a noção do
individual na busca pela sua própria satisfação de necessidades, que neste
momento não são apenas as básicas ou fisiológicas.
Essas novas necessidades serão geradoras de um novo conflito, onde a
noção do “ter” vai assumir uma importância muito maior do que a noção de “ser”.
Olhando estas igrejas como fonte de novas conquistas e onde se pode assumir a
idéia básica de mercado – existe uma demanda (necessidades) e existe uma nova
oferta. Vejamos a relação entre as demandas e ofertas da cidade e as Igrejas
pentecostais tradicionais e as igrejas neopentecostais:
Relações entre demandas e ofertas no Pentecostalismo clássico – Resistência
DEMANDAS METROPOLITANAS OFERTAS PENTENCOSTAIS
Pentecostalismo Clássico
Diversidade religiosa
Bem estar moderno
Prosperidade e riqueza
Sucesso Individual
Ascenção social
Ascetismo e dogmas
Afastamento em busca da salvação
pós-morte
Discursos para Ética moral, santidade,
recolhimento e salvação.
Salvação de Comunidade de irmãos,
salvação coletiva.
Pobreza material e sofrimento da carne
para atingir a salvação eterna
Pode-se observar que as igrejas pentecostais clássicas resistem às
demandas das grandes cidades em relação à cultura moderna urbanizada. Essas
igrejas vivem na certeza que só poderão desfrutar dos prazeres celestiais em algum
136
momento após a vida, pois acreditam que a salvação só ocorrerá após a morte;
Rejeitam, portanto, a prosperidade, riqueza além da ascensão social, já que estes
são vistos como fonte de perdição. Os seus discursos são centrados na ética,
recolhimento ou a abstenção dos prazeres do mundo, pobreza e santidade, a
Palavra bíblica é um manual de regras e instruções a serem vividos fielmente e,
neste sentido, acabam adotando posturas ascéticas e sectárias.
Relações entre demandas e ofertas no Neopentecostalismo – Reprodução
DEMANDAS METROPOLITANAS OFERTAS PENTENCOSTAIS
Neopentecostalismo
Diversidade religiosa
Bem estar moderno
Prosperidade e riqueza
Sucesso individual
Ascensão social
Flexibilidade
Afirmação do bem estar como dom e
possibilidade.
Riqueza é dom de Deus, conseguida
pela atitude de doação (dízimo)
Sucesso individual
Ascensão social
As igrejas consideradas neopentecostais trabalham justamente o inverso,
vão ao encontro com essa mudança, na possibilidade da indidualização das
pessoas, uma vez que sua reprodução vem com as ofertas. São, portanto,
reformuladas no estabelecimento dos vínculos e da confiança ao líder, muitas vezes,
sem-rosto.
137
Podemos notar que a postura das igrejas pentecostais tradicionais têm
características contrárias em relação às igrejas neopentecostais. Estas assumem
características atuais associadas as grandes demandas urbanas, onde, a despeito
de heterogeneidades sociais, étnicas, etárias, sexuais ou psicológicas, transformam
os indivíduos em uma grande “cultura de massa”. Seus fiéis perdem o compromisso
de comunidade, e diante de novas expectativas, procuram apagar suas mazelas de
modos particulares. Em termos sociológicos, trata-se de um caso de reprodução
cultural e cujo centro localiza-se o indivíduo como consumidor das ofertas religiosas.
A possibilidade de adesão voluntária, posta pela diversidade cultural urbana, rompe
com a tradição religiosa anterior e insere o indivíduo num campo institucional de
baixo controle sócio-religioso. Se, por um lado, essa inserção absorve o indivíduo
religioso numa dinâmica sócio-cultural um tanto massificante, por outro, pode
possibilitar uma espécie de “reflexividade religiosa”, conforme Antony Giddens
caracteriza a sociedade moderna.
108
Essas novas possibilidades, por sua vez, são fruto de sociedades
humanas cada vez mais vinculadas à obtenção plena da vivência dos prazeres –
hedonismo – e juntamente com a tele-tecnologia, são extremamente imediatistas,
bem como mutáveis, e vão se adaptar à medida da intensidade da vivência do
indivíduo.
Portanto, as novas demandas metropolitanas requerem novas ofertas por
parte das igrejas, e é fator principal delas, perceber essas mudanças e proporcionar
ao indivíduo uma experiência que lhe dê o distanciamento dos dados estatísticos e
ao mesmo tempo, um retorno satisfatório destes desejos atuais.
108
Sobre o conceito de reflexividade cf. GIDDENS, A, Sociologia, p. 540.
138
3. Igrejas pentecostais e neopentecostais na Modernidade
A Modernidade trouxe consigo uma série de novas demandas e novas
necessidades humanas que também vão englobar as igrejas pentecostais e
neopentecostais. Por um lado, a garantia da tradição entra em choque direto com
essas mudanças e vão negar em seus discursos, à medida de estabelecer uma
experiência que envolva o fiel por completo, retirando-o de seu espaço constituído e
coloca-o sempre mais como centro de referência de si mesmo e da sociedade.
Vejamos a definição de modernidade sugerida por Antony Giddens:
“[Modernidade] refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que
emergiram na Europa a partir do séc. XVII e que ulteriormente se tornaram
mais ou menos mundiais em sua influência. (...) Os modos de vida
produzidos pela modernidade nos desvencilharam de todos os tipos
tradicionais de ordem social, de uma maneira que não têm precedentes.
Tanto em sua extensionalidade quanto em sua intencionalidade, as
transformações envolvidas na modernidade são mais profundas que a
maioria dos tipos de mudanças característicos dos períodos precedentes.
Sobre o plano extencional, elas serviram para estabelecer formas de
interconexão social que cobrem o globo; em termos intencionais, elas vieram
a alterar algumas das mais intimas e pessoais características de nossa
existência cotidiana.”
109
Segundo Giddens, a história apresenta rupturas não sendo, pois, linear.
Neste sentido, as instituições religiosas. Apesar de possuírem um forte vínculo com
109
GIDDENS, A, As conseqüências da modernidade, pp, 12-13.
139
a tradição, tiveram que se reorganizar assumindo um formato “moderno”. Com isso,
absorveram as inovações, recursos e linguagens (tais como o teatro) mídias
eletrônicas e impressas, que serviram de instrumentos direcionados
predominantemente “a massa de consumidores” espirituais.
Nesse contexto, a grande facilidade na adesão de novas idéias e valores
religiosos, por parte do indíviduo, se dá da mesma forma que o intercâmbio das
idéias que se verificam nas práticas capitalistas modernas.
Em geral, a modernidade abrange certas características como um ideário
(ou visão de mundo) que está relacionada ao projeto de mundo moderno. Ela é
identificada com a crença no progresso linear, com o planejamento racional de
ordens sociais ideais, com as verdades absolutas e totalizantes com a padronização
do conhecimento e da produção. Características essas que são decorrentes de uma
visão de mundo rígida, originada do contexto da Revolução Industrial e do
surgimento da então nascente sociedade capitalista.
110
A História da modernidade é permeada por diversas nuances e marcos, e
embora alguns autores apontem que a modernidade tenha surgido anteriormente, foi
apenas no séc XVIII que o chamado projeto da modernidade entrou em foco.
Esse projeto abrangia o esforço dos pensadores iluministas em
desenvolver a ciência objetiva, a moralidade e as leis universais e a arte autônoma;
e tinha como objetivo e promessa a idéia de que o domínio científico da natureza
promoveria liberdade da escassez, da necessidade e da arbitrariedade das
calamidades naturais. Nesse sentido, o pensamento iluminista estava enraizado na
110
Grande parte das discussões e análises trazidas nesse capitulo sobre, o processo de modernização e
conceituação de modernidade foram extraídas do livro “GIDDENS, A, As conseqüências da modernidade, que
de maneira apropriada entende “modernidade” como ruptura com a sociedade tradicional, ruptura progressiva
que abarca as possíveis fases da época moderna desde sua emergência até sua dissolução nos tempos atuais..
140
idéia do progresso e buscava, ativamente, a ruptura com a história e a tradição
esposada pela modernidade.
O projeto da modernidade pode ser considerado como um movimento
secular que procurou desmistificar e dessacralizar o conhecimento e a organização
social para libertar os seres humanos. Dentre os elementos principais da
modernidade estavam: a descoberta científica (progresso linear) e a busca pela
excelência individual em nome do progresso humano. Os iluministas enxergavam e
aceitavam as mudanças e viam a questão da transitoriedade, do fugidio e do
fragmentário como condição necessária por meio da qual o seu projeto
modernizador poderia ser realizado. Ainda entre as crenças fundamentais do projeto
estava aquela que dizia que a arte e as ciências iriam promover o controle das
forças naturais e a compreensão do mundo e do eu, da moral, da justiça e até da
felicidade.
Giddens diz que a modernidade pode ser entendida como um fenômeno
que promove a abertura de “múltiplas possibilidades de mudança liberando as
restrições dos hábitos e das praticas locais”.
111
Nessa conjuntura de conseqüência da Revolução Industrial e das novas
formas de produção e circulação do capital vigente, surgiu uma crescente
necessidade de enfrentar os problemas psicológicos, sociológicos, técnicos,
organizacionais e políticos da urbanização maciça (em vista da revolução, houve
uma migração do campo para as cidades, gerando urbanização e, conseqüente
modificação do espaço e tempo). Esse foi um dos contextos em que floresceram os
movimentos modernistas.
111
Ibidem, p. 28.
141
A racionalização – proposta de uma nova ordem social de forma racional,
isto é, por via da eficiência tecnológica e do tecnocentrismo – almejava a
emancipação humana e a emancipação do proletariado. O principal problema do
modernismo heróico (aquele no qual o artista proporia representações resolutivas
para a sociedade) foi o fato de que uma vez abandonado o mito da máquina,
qualquer outro mito poderia alojar-se na posição central da “verdade eterna” do
projeto modernista.
Em suma, no contexto da modernidade estava implícita a promessa de
felicidade para a população em geral, visto que as alterações que se configuravam
na sociedade geravam, teoricamente, mais condições para o progresso mundial.
Esse progresso estava centrado em inúmeras características, desde o avanço
científico e tecnológico, o desenvolvimento dos meios de comunicação e técnicas de
tele-difusão, até a “liberdade” que parece permear o modo de pensar e agir das
pessoas.
É possível traçar um paralelo entre a urbanização, em decorrência do
grande fluxo migratório para as “cidades”, e o crescimento inicial do pentecostalismo,
visto que nesses centros urbanos emergentes, emergiam também as necessidades
dos conjuntos de migrantes desgostosos com a realidade social encontrada e,
desacreditados da conquista do sucesso que vieram buscar em são Paulo,
necessidades essas preenchidas pelo apaziguamento que o ascetismo pentecostal
sacrificante como a vida na cidade, prometia num futuro pós - morte. Nesse mesmo
sentido, a alteração cada vez mais rápida da sociedade, com o aumento da pobreza,
abandono e a pungencia da necessidade de alteração social que as classes menos
favorecidas vislumbravam, transforma as igrejas pentecostais, por volta da década
de 50 a 70. Transforma, porque essas assumem uma diferente estratégia para
142
minimizar o sofrimento dos indivíduos na cidade urbana moderna e, ao contrario de
se tornarem mais rígidas e ascetas presenteando os adeptos com a salvação pós -
morte, apresentam características também modernas: individualismo, sucesso
imediato e consumismo (religioso, no caso).
Essas alterações são o prenúncio do surgimento da terceira “onda”
pentecostal denominada neopentecostalismo, pois, como vimos, esse último – com
sua teologia da prosperidade – almeja apaziguar a alma sofrida do adepto na terra
em troca de outros sacrifícios.
A análise dessa dissertação propõe que não só as novas denominações
das igrejas pentecostais assumiram essa postura neopentecostal, mas as
denominações antigas parecem – ao menos em relação à Assembléia de Deus –
criar ministérios neopentecostalizados, com o intuito de se adaptar melhor a
realidade social contemporânea.
Se antes os indivíduos pareciam submissos e conformados com suas
vidas e sociedade: “nossos pais agrupavam-se em silêncio em volta da elite clerical
que parecia tudo pensar por eles”, atualmente mostram uma identidade mais
autônoma: “descobrimos o gozo de pensar alto, de transgredir tabus e de falar no
plural”.
Nesse novo contexto, características como imaginação, originalidade,
desafio e criatividade são vistas como virtudes valorizadas e o oposto é desprezado
socialmente.
112
A sociedade moderna não pode pagar pela felicidade que prometeu, pois
gasta quase todas as suas energias no acumulo – de dinheiro, conhecimento, etc –
pelo acumulo (pelo capitalismo selvagem, egoísta e individualista – já que são esses
112
PARADIS, A, Ética e crises sociais na sociedade contemporânea. In Revista Sociedade e Religião, p. 96.
143
seus pressupostos) acreditando que isso lhe trará felicidade, uma felicidade que não
vem, mas que muitas instituições estão tentando comercializar.
Especificamente nas igrejas pentecostais e neopentecostais, os fiéis são
duplamente investidos. Se por um lado recebem a promessa do alcance de Deus via
igreja, por outro têm a oportunidade de serem reconhecidos como sujeitos
merecedores da salvação.
Analisar a proliferação de igrejas e denominações nesse panorama se
torna mais interessante e inteligível, pois mostra o quanto as instituições religiosas
parecem estar afinadas com a sociedade capitalista moderna (ou já seria pós-
moderna?) e o tipo de população “carente” que foi construída e modelada por esse
contexto.
3.1. Os fiéis da AD – Bom Retiro: convicção do próprio valor
As igrejas oferecem um espaço privilegiado para o exercício do que pode
ser chamado de “experiência de libertação”. Libertação esta, implícita na idéia do
individuo, mas não vivenciada de fato por ele, ou seja, em nossa sociedade o
indíviduo não “está preso” a uma comunidade, ele possui plenos direitos de se
manter protegido com o escudo, no caso a igreja, perante a comunidade ao qual
está inserido.
Todavia, esse progresso teve suas repercussões culturais criando uma
impressão de nonsense na população. O mal-estar situa-se, especialmente, no nível
da identidade, pois alterou o sentimento de pertença coletiva: os indivíduos que
foram culturalmente massacrados para possuir uma formação competitiva,
144
rompendo vínculos com suas raízes culturais e âncoras comunitárias, não
encontraram novos modelos de substituição e não sabem o que esperar de seus
próprios futuros.
Dessa forma, esse indivíduo que se sente fragilizado e com estabilidade
imediata, muitas vezes é levado pelo imediatismo das necessidades, da moda e dos
padrões universais, envolto em uma hipervia de informações exageradas com vários
pontos-ápice, não consegue assimilar seus sentimentos ou a diversidade social e
produz, apenas, novos nichos estereotipados na sociedade
113
. Eles descobrem,
então, que aquela promessa de felicidade feita pela modernidade não é de todo real.
E se submetem sem se dar conta que já não conseguem mais retomar o sentido
daquilo que se deseja, um referencial de conduta.
Filho da mobilidade e da mudança, o homo americanus, pragmático de
nascença, já não tolera os vínculos de socialidade estáveis, as amizades
calorosas, o afeto, a ternura e o amor nos quais geralmente já não
acredita.(...), tudo reflete a angústia profunda que subtende a cultura de
massa da sociedade norte-americana, sofrendo, diz-se, da perda do sentido
da convivibilidade, de comunidade e de equilíbrio dos grandes conjuntos.
114
O indivíduo que está nesta situação procura na igreja um consolo, ou um
ponto de equilíbrio, um novo referencial de confiança para tentar amenizar o conflito
em que se encontra neste momento. A igreja, por sua vez, sendo fonte de
referência, trabalha consciente para suprir essas necessidades.
As conexões criadas dentro das instituições religiosas, mesmo que
geradoras de confiança no primeiro momento, tendem a desaparecer com o passar
113
PARADIS, A, op. cit. p. 97.
114
Ibidem, p. 99.
145
dos tempos. Ao começar o processo de conversão religiosa e sentir outra vez que
existe a possibilidade de mudar o rumo do seu destino, o individuo se isola do ponto
de partida -, no primeiro momento ele precisa de alguém em quem se apoiar, no
segundo, ele se sente mais corajoso -, suas forças vão surgindo lentamente, o medo
já não é tão latente, então ele se une aos grupos mais fortalecidos e experimenta
dar os seus primeiros passos pela fé, quem sabe, ele não será canal da graça para
outras pessoas.
Esse processo de conduta dentro das instituições religiosas é gerador de
confiança e ética social, pois, o indíviduo passa a fazer parte do sistema
institucional, ele passa a ser visto como pessoa merecedora de confiança e é
apontado como resultado do investimento feito pela igreja formando um meio de
novos contatos, Giddens denomina esse processo como “sistemas abstratos com
rostos que são importantes como uma maneira de gerar confiabilidade contínua”
115
,
dentro do ambiente freqüentado. Os laços de confiança, portanto, se ligam às
atividades daqueles nos sistemas abstratos, e os códigos e suas sanções se tornam
os vínculos de confiabilidade e de controle interno.
Dentro da nossa sociedade quaisquer instituições desvinculadas com
tradições anteriores, apresentam uma facilidade de inserção, pois os sujeitos
apresentam uma disposição de adesão ao novo. Fenômeno este, bem aproveitado
pela instituição religiosa agora diferenciada das anteriores, já que demonstra mais
afinidade com instabilidade da economia do que com a solidez da instituição
religiosa da idade média.
Pode-se dizer que surge uma confiança entre o indivíduo e a igreja, uma
vez que a igreja não irá revelar para comunidade os segredos trazidos e depositados
115
GIDDENS, A, op. cit, p.90.
146
em cada culto pelo fiel e ainda, a oportunidade de ofertar todo o mal e sua dor e, em
troca, receber o “bem”. Assim, o resultado é de um investimento atualizado em cada
encontro, fiel e igreja, ambos não se conhecem (“compromissos sem rostos”, ou a
manutenção da fé no funcionamento e do conhecimento em relação ao qual a
pessoa leiga é amplamente ignorante)
116
e, entretanto, confiam. O adepto encontra
um sentido até então fracionado.
Pode-se dizer que a confiança do fiel na sua igreja é o sentimento mais
presente na relação entre ambos. Quando se refere a confiança, aqui não está se
referindo a “fé”, mas em crença. O indivíduo acredita que a instituição, no caso as
igrejas, em seus discursos, vão abrir para ele oportunidades e conquistas imediatas,
criando uma expectativa de mudança jamais almejada por ele até então.
Giddens diz que “a confiança não é o mesmo que fé na credibilidade de
uma pessoa ou sistema; ela é o que deriva da fé. A confiança é precisamente o elo
entre fé e crença, (...)” Portanto, o indíviduo precisa confiar na pessoa em que a
igreja se diz representar, no caso Deus, para exercitar a sua fé, ele acredita estar no
lugar apropriado para isso.
Diante do perigo, o indíviduo corre o risco de colher ou não as promessas
profetizadas por essas igrejas, e ao mesmo tempo ele não tem essa consciência de
que está correndo o risco de não realizá-las. Na verdade o adepto não sabe o perigo
que corre. Assim, sem se conhecerem, indivíduo e igreja se envolvem na mesma
estrutura e partem em busca de manutenção para tal confiança.
Alimentados por essa confiança, nas entrevistas feitas na igreja AD - Bom
Retiro, essa combinação de risco e confiança se faz presente. Os adeptos esperam
realizar as profecias proclamadas pelos pastores ou outros membros da igreja sem
116
Ibidem, p. 91.
147
questionamentos, de um lado “os profetas” afirmam que é vontade de Deus realizar
as profecias proclamadas, do outro, os fiéis esperam as mesmas acontecerem em
suas vidas sem se importarem com a demora, o importante é saber que Deus tem
um propósito na vida do “profetizado”.
As igrejas parecem criar nos adeptos um senso de confiabilidade e
pertença pessoal inquestionável, que será usada mais tarde como base geradora de
novas convicções, mesmo que as profecias não se realizem não foi o “profeta” que
errou, mas o fiel que não cumpriu pontualmente o manual de instruções.
Assim, diante dessa convivência familiar “sem rosto” onde não se corre o
risco dos segredos virem à tona, pode se andar livremente no dia seguinte sem
medo de ser descoberto.
A modernidade se faz dona dos aflitos que ganham confiança e
direcionamento em uma comunidade de contatos “estranho”
117
, onde o envolvimento
é apenas momentâneo, depois podemos simplesmente olhar em outra direção e
seguir o nosso destino, sem nome.
3.2. O pastor: perito nos ensinamentos
Diante do cenário assustador, desestruturado e sem apoio da
modernidade, o ser humano necessita de alguém “ou grupos” que se sintam
“responsáveis”
118
por ele para dividir suas angustias. Nesse caso as instituições
pentecostais e neopentecostais se fazem importante pelo cenário que elas propiciam
aos seus participantes.
117
Ibidem, p. 84.
118
Ibidem, p.87.
148
Servida por grupos voluntários de leigos e leigas bem treinados para
essas tarefas, o indíviduo encontra conforto. Em seu primeiro contato com essas
igrejas, haverá sempre alguém que lhe servirá de apoio e confiança em sua nova
caminhada.
A igreja AD - Bom Retiro conta com uma extensa equipe de ajuda para
quase todos tipos de problemas, tanto de ordem espiritual e social. Citados
anteriormente no capitulo III, os grupos, formados dentro do Ministério pastoral
servem de base para muitos que ingressam nesta igreja. São vistos como primeiro
contato e fonte de ajuda para solucionar os males que assolam a vida dos adeptos
que estão procurando talvez, o seu último recurso.
Arrastados pela carência afetiva deixada pelos novos tempos e diante do
mal-estar que parece não ter solução, o homem precisa de sustentação básica para
viver. A religião ainda é o ponto de partida e luz para essa busca. Os pastores ainda
são os intermediários de Deus, os milagres ainda são os mais desejados e a solução
para quem não quer viver mais nesse “abismo”.
Tidos como Intercessores entre o “bem” e o “mal”, os pastores trazem em
seus ensinamentos carismáticos, novas receitas que adicionada a vontade de Deus,
penetra no mais íntimo de nosso ser, nos provocando a viver novos contatos e
mudar os caminhos já entregue a derrota.
Considerados como profetas, os pastores são verdadeiros peritos de
Deus dentro das igrejas pentecostais e neopentecostais. De olhares firmes, são
marcantes por onde passa, todos querem chegar perto dos pastores de suas igrejas,
parecem guardar um “segredo” que só deve ser confiado à eles.
Extremamente carismáticos os pastores criam um vínculo de confiança
entre eles e a comunidade que pregam. Durante as visitas dentro da igreja AD-Bom
149
Retiro foi observado que os pastores que pregavam lá não poupavam palavras de
confiabilidade, deixavam claro que a distancia que os separavam da comunidade era
apenas o púlpito, falavam de suas famílias, dos problemas de ordem financeira
enfrentado muitas vezes por eles, entre outros, assumindo o modelo de um novo
caminho para os que aceitarem experimentar a nova sorte..
Geradores de uma confiança passiva, os pastores influenciam no
indivíduo um desejo ardente de novas conquistas, embora muitas vezes nem
sempre são bem sucedidos, correm o risco de fazer um investimento fracassado
afastando cada vez mais o indíviduo do sagrado. Mas, na verdade, o investimento é
para que tudo saia bem, aumentando a relação de confiança entre ambos.
A modernidade nos permite viver pelo desejo de “ser” e de “ter”
momentâneo, de maneira a não se conformar com a situação atual. Logo, o
indivíduo parte em busca de novas realizações. As igrejas pentecostais são
geradoras desse conforto, dessas novas promessas, atraindo cada vez mais, pelos
discursos dos pastores, que em todos os momentos se renovam em busca de novos
atrativos.
“A natureza da barganha é governada por misturas específicas de
deferência e ceticismo, alívio e medo”
119
, assim, em meio a todo esse envolvimento
entre ele e pastor, o indivíduo pode recuar e tomar outro rumo se tornando extremo
a toda experiência religiosa. Atualmente é comum ouvir pessoas dizendo que
pertenciam a determinada igreja, mas não freqüenta mais, depois que o pastor se
mudou ou depois de algumas desilusões vivida nessa igreja.
119
Ibidem, p. 93.
150
3.3. Discurso: o palco da prosperidade
Na maioria das vezes as pessoas que procuram a tão almejada “luz”
estão geralmente desorientadas e sem esperanças, com isso, buscam ouvir nas
igrejas tudo aquilo que acham válido para uma purificação interior, independente de
suas necessidades. Sendo assim, principalmente nas igrejas evangélicas, pastores
que gesticulam durante suas falas apontando diretamente para o público, que
movidos por uma grande carência espiritual, recebem tais palavras como se fossem
direcionadas exclusivamente a eles fazendo com que suas angústias desapareçam
momentaneamente, tornando-se de imediato uma espécie de “instrumento”, ungido
pelo o Espírito Santo de Deus.
O discurso religioso está revestido de um sentido e da autoridade daquele
que representa Deus, que fala em seu lugar, mas que também não é Ele: é o que
Orlandi chama de ilusão da reversibilidade: o como se fosse sem nunca ser
120
. Na
verdade, o discurso é estruturado por meio de uma indireta interação entre Deus e
Seu representante aqui na Terra, ou seja, os pastores.O recurso usado como forma
de permear suas palavras com os textos Bíblicos vem confirmar a autoridade da fala
que o discurso possui, com isso garante maior aprovação, aceitação e conformação
às palavras de Deus. Assim, os discursos são chamados de “performativos” do tipo
crer é, tem que, permaneçamos
121
, exercem a função de chamar/ convidar/ convocar
o ouvinte à fé e aproximá-lo de Deus.
Seguindo as características remontadas aos fiéis, o discurso persuasivo
dos pastores vem pela fé, incontestavelmente, desencadeando uma atitude de
submissão e conformação ao discurso proposto.
120
ORLANDI, E. P. Palavra, fé, poder, p. 253.
121
Idem, Discurso e leitura, p. 42.
151
O discurso religioso caracteriza-se com um discurso assimétrico, uma vez
que as relações entre locutor e ouvinte se estabelecem em planos distintos: um da
ordem espiritual (a voz de Deus) e outro de ordem temporal (os ouvintes terrenos),
portanto, trata-se de um tipo de discurso em que a interação é estabelecida de forma
a conter a reversibilidade e cujo sentido fica aprisionado pelo próprio dizer: único e
inquestionável, onde o “divino” é sustentado, desde seu início e origem, pela
desigualdade de papéis e de lugares.
O intertexto constrói-se como estratégia de autoridade, como advertência,
colocando o leitor numa situação em que não há saída: ou ele segue as palavras de
Deus, ou está arruinado. Advertência nesse contexto assemelha-se à ameaça, e não
há chance para a não-adesão prática e discursiva. As palavras de Deus são
incontestáveis, e o texto que se desenvolverá a partir desse fragmento que introduz
o livro será o reflexo de uma verdade já anunciada.
A fala discursiva dentro da igreja AD - Bom Retiro, para quem chega
abatido a esta igreja, é um balsamo, cheia de desafios e ao mesmo tempo
consoladora, os pastores apostam tudo naquele momento para chamar a atenção de
quem os ouve. As promessas de Deus são verdadeiros “oráculos” a serem
cumpridos para quem vivem nas descrenças da fé e envolvidos pela solidão do
imediatismo oferecido pela modernidade.
Usando de manobras fortes e de teor emocional, a fala religiosa assume
ares de convencimento ao defender que as promessas de Deus e seus desejos para
a vida dos fiéis são de abundância material, de prosperidade e de bênçãos. Assim,
jogam com palavras de forma a intencionar que, pela aliança firmada com Deus, as
coisas boas são de Seus servos. A promessa de bem estar parece ser a chave: a
sociedade moderna é a sociedade da aposta no futuro melhor.
152
3.4. Culto: espetáculo da emoção ao efêmero
Como Harvey coloca que a modernidade abrange ao mesmo tempo o
transitório, o fugidio e o contingente como uma metade da arte, sendo a outra
metade o eterno e o imutável.
Essa vida moderna – que estava permeada pelo sentido do fugidio, do
efêmero, do fragmentário e do contingente – trazia uma série de conseqüências:
- a modernidade não pode respeitar sequer o seu próprio passado ou
qualquer ordem social pré-moderna;
- a transitoriedade das coisas dificulta a preservação de todo e sentido
de continuidade histórica; e
- a modernidade envolve uma ruptura com todas e quaisquer condições
históricas precedentes (pois é caracterizada por um processo interminável de
rupturas e fragmentações internas inerentes).
122
Diante dessas rupturas trazidas pela modernidade, as igrejas pentecostais
e as neopentecostais tentam se atualizar o mais profundo de Deus para os seus
ouvintes. Sem se importarem com “o ridículo” em cada culto realizado, elas se
abrem em cortinas da emoção para seus pastores, onde vale tudo: cantar, dançar,
gritar, profetizar, orar, etc., a alegria é a coadjuvante principal e colaboradora do
lúdico, transformando assim, o seu ambiente em um dos palcos mais agradáveis de
se participar.
122
HARVEY,D, op. cit, p. 21.
153
As promessas de realizações de cura, libertação e orações “proféticas”
têm o seu lugar de destaque. Certos da vontade de Deus, pastores e fiéis se
confundem nas orações, cada um em seu papel vive aquele momento como sendo
único. A confiança é o elo entre eles, mas ao mesmo tempo de maneira abstrata,
sem se conhecerem realizam ao que chamamos de “espetáculo de significados”
mais difícil de se entender.
As alterações vividas no contexto urbano parecem mesmo não deixar
saída para os mais simples ou aqueles vindos dos meios rurais. Impulsionados as
novas ofertas anunciadas todos os dias pelos meios de comunicação, conviver nas
grandes metrópoles não é tarefa fácil. O individuo ao se deparar com um mundo
novo cheio de “tudo”, mas ao mesmo tempo carente do “todos” e diante do que
chamamos de Modernidade, como encontrar parte do mundo deixado para traz?
Seria as igrejas o único recurso? Não sabemos ao certo, talvez o tempo seja o
grande provedor dessas e de outras perguntas que ainda surgirão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como vimos no decorrer desse trabalho, o Pentecostalismo é um
movimento que surgiu nos Estados Unidos no começo do século XX. Diferente do
Protestantismo histórico, descendente da Teologia da Santidade do Metodismo
Wesleyano, e do Movimento “Holiness” acredita viver a contemporaneidade dos
dons do Espírito Santo por meio de um novo batismo no mesmo espírito, além de
realizações de curas e milagres, glossolalia, curas físicas e espirituais, bem como no
diálogo com Cristo.
As mudanças sociais e urbanas advindas do seu nascimento, e o
surgimento de novas necessidades sociais fortaleceram as práticas de outros
pequenos grupos formados, principalmente, por pessoas de baixa renda e
marginalizados, que no início não chegaram a “incomodar” as grandes igrejas
Históricas já instaladas. Porém, ao passar do tempo, o resultado visto foi uma
explosão de novas igrejas, credos e maneiras diferentes de falar com Deus.
No Brasil, o surgimento se deu no ano de 1910, com a fundação da igreja
Congregação Cristã do Brasil em São Paulo e, logo em seguida (1911), a fundação
da igreja Assembléia de Deus na cidade de Belém do Pará, no extremo oposto no
país: juntas elas formam o marco do Pentecostalismo brasileiro, com um novo tipo
de igreja e de experiências religiosas. As igrejas formadas traziam um perfil de
práticas diferentes de ver o mundo.
Para essas, toda a formação do mal advém do demônio, as interpretações
na palavra são extremamente rigorosas, fundamentalistas, e há uma modificação
155
nos hábitos e rotinas cotidianas (formas de vestir, comportamento social,
relacionamentos, etc). As vidas dos adeptos estão focadas no sofrimento terreno
como forma de receber as bênçãos celestes do Paraíso. Por isso, suas pregações
são carregadas de emocionalidade e obediência, na figura de culto ao líder, muitas
vezes carismático, que leva as pessoas a se aproximarem da divindade por meio da
reformulação do imaginário de base.
Todavia, como vimos, o pentecostalismo também foi se modificando e se
adaptando, desde seu surgimento, à realidade social brasileira conforme essa era
alterada. As diversas fases (ou ondas, como apontou Freston) seguiam as
alterações do contexto social, urbano e econômico brasileiro e, seguindo essa
estratégia, fizeram prosperar a expansão pentecostalista. Na verdade, podemos
observar um duplo movimento na história do pentecostalismo assembleiano; um
primeiro de institucionalização do carisma pentecostal original, que resultará numa
igreja com características comunitárias e regras disciplinares bem demarcadas, as
clássicas localizadas, sobretudo nas periferias das cidades; um segundo movimento
coloca em crise a primeira na medida em que se adapta às demandas sócio-
culturais da cidade e às estratégias neopentecostais.
A igreja Assembléia de Deus firmada no bairro do Bom Retiro, que foi
objeto dessa pesquisa, deve ser analisada como a terceira versão do pensamento
assembleiano iniciado em 1911; surgiu, na verdade, já com um reflexo das diversas
cisões internas de posturas e pensamentos dos pastores, iniciada pelo Pastor
Macalão nos anos de 1930 – e que visava atender a uma nova demanda social.
Esta igreja, fundada em 1988 pelo Pastor Jabes Alencar, traz
características da primeira formação – no que se refere à interpretação da palavra –
mas conseguiu se reproduzir em si mesma, de maneira a se tornar independente
156
junto às demais e se assemelhando às igrejas denominadas de terceira onda
pentecostal, ou neopentecostais.
No decorrer da pesquisa, havia a idéia que esta igreja continuava a
praticar seu cotidiano da mesma maneira que suas correspondentes mais
tradicionais, porém notou-se um rompimento com estas características, de forma a
tornarem prática, a busca do engrandecimento social e material. Atualmente seus
objetivos principais vão ao encontro às necessidades de uma sociedade
modernizada, com a mesma velocidade e intensidade do hedonismo calcado no
consumo e no imediatismo, uma estratégia para buscar a cura para as mazelas
sociais contemporâneas no aqui e agora; perpetuando, de certa forma, o ciclo
vicioso e contínuo quase imutável do capitalismo vigente.
Tangendo para a análise sociológica da igreja, no que se refere à
dominação tradicional, aparentemente a AD – Bom Retiro perdeu parte desse
caráter, promovendo formas distintas e únicas para manter seus adeptos em um
clima lúdico, explorando formas de um espetáculo efêmero. Os costumes levados
pelos fiéis diferem-se totalmente daqueles esperados em sua origem. Hoje
acompanham as tendências modernas de busca da satisfação material, seja através
de roupas de grife, bem como celulares e carros, dentre outros, mostrando que a
classe excluída já não é mais o único foco principal dessa igreja.
Administrativamente, podemos perceber uma adesão de massa transitória
e serviço instantâneo de característica racional. Existem equipes preparadas
especialmente para cada tipo de demanda, e que almejam o melhor ganho
resultante delas.
Podemos perceber o quão importante é para a entrada e permanência
dos fiéis essa visão de modernidade arraigada na igreja: a diminuição do ascetismo
157
tradicional e a aproximação das características da modernidade trazem a tona
sentimentos de pertença e esperança de uma recompensa terrena pelos seus
esforços, sacrifícios e mazelas.
O emocionalismo e a espontaneidade dos fiéis ainda é conservado por
essa comunidade; a liberdade de expressão, uso de vestimentas, jóias, tinturas, etc,
para as mulheres permite uma observação mais clara, de que esta igreja não prega
o rigorismo trazido em sua origem. De maneira geral, os adeptos da igreja AD – Bom
Retiro dizem que estão satisfeitos com a nova igreja assembleiana, uma vez que,
podem viver mais tranqüilos no seu dia-a-dia sem medo de infringir as regras
“sagradas” contidas na palavra de Deus. Na fala de muitos, Deus também é
moderno e gosta das coisas belas.
Outro aspecto relevante encontrado nas observações empíricas na igreja
AD – Bom Retiro, é o expressivo número de pessoas pertencentes à classe média
participante dos cultos, contrastando com as informações advindas do passado.
Pode-se concluir que, a Assembléia de Deus no bairro do Bom Retiro,
embora use a mesma denominação de “Assembléia de Deus”, se distanciou
largamente de sua origem. Os hábitos praticados atualmente em seus domínios,
mostram uma igreja que caminha lado a lado com as “necessidades sociais” vividas
no contexto urbano por seus membros, ou seja, uma comunidade massificada e
capitalista. Suas características assemelham-se, em grande parte, àquelas típicas
das igrejas denominadas neopentecostais, que se apóiam na sociedade midiática e
fazem da teologia da prosperidade uma forma de estratégia para encontrar e servir a
Deus.
A história do cristianismo não constitui uma exceção a esse processo que
observamos e constatamos na igreja AD – Bom Retiro, na medida em que se centra
158
como um longo percurso de adaptações aos mais variados contextos. O
neopentecostalismo parece ser, de fato, uma versão modernizada do cristianismo
participante de uma sociedade cada vez mais individualizada, consumista e estética.
Todavia, apesar da análise ter sido rica, existem limites para as
generalizações dos dados encontrados. É possível afirmar a partir da pesquisa
realizada nesta igreja, que a neopentecostalização seja uma constante em todas as
igrejas dessa mesma denominação. Embora, os dados encontrados refletiram
características específicas de um determinado público, região, pessoas e comércio
do bairro do Bom Retiro ou, ainda seja, característica daquela vertente assembleiana
nomeada como ministério independente.
Porém, as características encontradas podem refletir um fenômeno maior
nas igrejas tradicionais em geral, especialmente naquelas das grandes cidades que
estejam se adaptando a uma modernidade urbanizada. O cenário apresentado
nessa dissertação deixou claro, por meio das falas dos próprios adeptos, que ainda
existem igrejas que mantém sua forma tradicional e, conseqüentemente, sua postura
ascética rígida, motivo esse que também contribui para a entrada de muitos adeptos
na AD – Bom Retiro. Assim, as igrejas de denominação assembleiana parecem ser
múltiplas em suas formas de atuação e, esse panorama indica que seriam
necessários mais estudos específicos sobre a temática que levassem em
consideração o processo de neopentecostalização ou manutenção das
características tradicionais-clássicas naqueles ministérios da igreja AD apontados no
decorrer desse trabalho: ministério de Belém, ministério de Madureira e ministério
Independente. O processo de neopentecostalização é um fato, mas será que a
manutenção das igrejas tradicionais clássicas também não é um fato complementar
ao fenômeno da modernização das cidades?
159
O processo de neopentecostalização reproduz uma cultura de consumo,
uma cultura moderna que é tipicamente efêmera por definição; uma cultura que
prega a acentuação do individualismo, do distanciamento dos laços comunitários, da
competição a qualquer preço e da felicidade imediata ao custo da permanente
adaptação as mudanças sociais. Será que esse processo – como a própria
modernidade – não estará fadado ao fracasso pela impossibilidade da renovação
permanente da estética de consumo?
Há muito ainda a se avaliar, especialmente no que tange as necessárias
comparações entre as igrejas pertencentes às diversas vertentes assembleianas;
caminho esse muito relevante para próximos estudos.
Em suma, pode-se dizer que a igreja AD – Bom Retiro conserva poucos
traços das igrejas consideradas clássicas de primeira “onda” e assemelha-se em
maior parte as igrejas neopentecostais. Acreditamos que ainda faltam muitas
informações esclarecedoras para que se pudesse obter uma análise completa e de
entendimento aplicável para as outras igrejas da mesma origem. A possibilidade de
a neopentecostalização ser apenas uma etapa de um círculo vicioso que levará as
igrejas de volta ao ponto de partida – a “tradicionalização” –, ou até mesmo para a
não religião, só poderá ser respondida nas próximas décadas.
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Departamento do Patrimônio Histórico – DPH, da Prefeitura do Município
de São Paulo, www.prodam.sp.gov.br/dph/historia, data de acesso: 02/09/2006.
ANEXOS
ANEXO 1: ROTEIROS DE ENTREVISTAS PILOTO
Idade __________________
Estado Civil____________________
Ocupação (profissão e função atual):_______________________
Escolaridade:_________________________________________
Renda Familiar:_______________________________________
Origem (cidade e estado de nascimento):___________________
Opção religiosa atual:__________________________________
Desde quando:_______________________________________
Opção (ou opções) religiosa (s) anteriores:__________________
Período em que pertenceu a esta (s) igrejas (s):______________
Motivo do ingresso na Igreja Atual:_________________________
Relate uma experiência religiosa significativa que te motivou a ingressar (ou a
permanecer) na Igreja Atual:
___________________________________________________________________
165
ANEXO 2: FOLDER DA PROGRAMAÇÃO DOS HORÁRIOS DOS CULTOS
166
ANEXO 3: FOLDER DETALHADO COM HORÁRIOS, CURSOS E FICHA PARA
VISITANTES
167
ANEXO 4: ROTEIROS DE ENTREVISTAS SEMI-DIRIGIDAS
ROTEIRO DE ENTREVISTA
Bom, eu espero que esse momento seja mais um bate papo, mais informal... você
pode falar o que você quiser e, se não se sentir a vontade sobre algo, não precisa
falar.
#1) Pra gente começar, eu queria que você falasse um pouco sobre você. Como é
sua rotina, se trabalha, estuda...
- idade
- estado civil
- se tem filhos
- onde mora
- profissão
- renda (pessoal) e da família
#2) Como você chegou aqui na igreja A D?
- quando entrou (ano)
- porque entrou (motivos)
- como descobriu a igreja? Alguém indicou?
- E antes como era? Pertencia alguma outra igreja? Qual (is)? Por quanto
tempo?
- Se pertencia, por que saiu?
168
#3) E como é aqui na igreja hoje? Conte um pouco sobre a A D...
- rotina da igreja
- costumes
- regras
- dizimo
#4) Você já esta aqui há .... anos. Você sentiu alguma mudança nesses costumes
dentro da igreja? Conte um pouco pra mim.
- como era antes em relação às regras
- em relação às vestimentas, linguagem
- em relação aos comportamentos
(se a pessoa estiver a pouco tempo, perguntar: Você sabe como era a igreja
antigamente?)
#5) (se a pessoa disse que existia diferença) Você acha que essas mudanças foram
boas ou ruins? Porque?
- o impacto das mudanças na rotina do adepto
- as impressões sobre a mudança
- se a mudança contribui para a permanência do adepto na igreja
#6) bom, agora nossa entrevista já esta acabando... eu gostaria que você falasse um
pouco sobre o futuro, quais são as suas perspectivas, seus planos, e no que você
acha que a igreja participa deles.
169
ANEXO 5: ENVELOPE DO DÍZIMO
170
ANEXO 6: FICHA DE MEMBROS
171
ANEXO 7: FOLDER DA CAMPANHA PORTAS ABERTAS
172
ANEXO 8: FOLDER DE CURSOS
173
ANEXO 9: FOLDER DA FESTA DOS ESTADOS
Livros Grátis
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