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seu passado. Esquivando-se de falar sobre suas crenças e rituais de outrora, ela faz questão de
evidenciar um conceito preconceituoso, fruto de suas novas convicções religiosas, acerca do
tempo em que vendia o acarajé, que hoje, na cidade, é vendido apenas por algumas “baianas”
de Nazaré, mas que armam os seus tabuleiros na Praça Municipal e não no largo de Iemanjá,
na Festa da Sereia.
Excetuando-se os tradicionais festejos de São João, as festas de fim de ano, as
comemorações de aniversário de Emancipação Política, realizadas em 9 de junho e a festa da
Padroeira da cidade Nossa Senhora Sant`Anna, dia 26 de julho, a única festa que se insere no
calendário popular do município de Aratuípe é a festa da Sereia, não só pela coincidente data
de réveillon, mas, sobretudo, por estar fincada na memória das pessoas.
Muitos esperavam a turistificação
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da Festa da Sereia, o que não aconteceu, pois,
desde 31 de dezembro de 1997, inverteu-se o atrativo da cidade para a festa com atrações
musicais na Praça Municipal, o que implicou uma justaposição de uma festa à outra. Mesmo
tendo a primeira mantido a sua estrutura religiosa e histórica, foi suplantada em visibilidade e,
aos olhos de muitos, em importância.
Na festa da última passagem de ano, desde às dezoito horas começaram a ser
tocados, esporadicamente, alguns fogos de artifício, um chamado da comunidade para o
evento, e na cabana, repleta de folhas no chão, já havia um clima de candomblé, ocasião em
que, através de uma caixa de som amplificada, já se podia ouvir músicas típicas desta religião,
e preparados para a festa, além da ornamentação típica, com destaque para as cores rosa e
branca e os atabaques. Grande parte das pessoas que circulavam pelo local eram visitantes que
desconheciam aquela festa e foram atraídos pela festa da Praça Municipal, tanto que muitos,
mesmo após a festa ter começado, insistiam em deixar o som dos seus automóveis em
máximo volume, inclusive com a conivência dos donos dos bares, tocando ritmos variados,
mas que destoavam do sentido da festa realizada.
Há uma disputa evidente entre os candomblés locais pelo domínio da Festa da
Sereia, um conflito explícito opondo, muitas vezes, figuras tradicionais, presenças marcantes
nas festas em todos os anos, e que se privam de ir por não aceitarem que aquele grupo ou
aquele candomblé esteja à frente da organização do evento naquele ano. Ainda na Festa deste
último final de ano, o festeiro foi o babalorixá Wilson Santos, morador do bairro da Cidade de
Palha, dono de um terreiro que vem sendo restaurado com o apoio da Prefeitura Municipal,
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Sobre Turistificação ver Marutzschka Moesch, para quem, “O turismo é uma combinação complexa de inter relacionamentos entre
produção e serviços, em cuja composição integram-se uma prática social com base cultural, com herança histórica, a um meio diverso,
cartografia natural, relações sociais de hospitalidade, troca de informações interculturais”. MOESCH, Marutzschka. A produção do saber
turístico. São Paulo, 2002, Contexto, p. 09.