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FEAD
Mestrado em Administração
Modalidade: Profissionalizante
A MULHER E A TRIPLA JORNADA DE TRABALHO:
COMO É ADMINISTRADO ESSE DESAFIO?
GRAZIELE ALVES AMARAL
Belo Horizonte
2007
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2
Graziele Alves Amaral
A MULHER E A TRIPLA JORNADA DE TRABALHO:
COMO É ADMINISTRADO ESSE DESAFIO?
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado em Administração: Modalidade
Profissionalizante da FEAD, como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre
em Administração.
Área de concentração: Gestão Estratégica
das Organizações
Orientadora: Professora Dr.ª Adriane Vieira
Belo Horizonte
FEAD
2007
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3
Dedico este trabalho a meu pai, grande
idealizador e incentivador deste projeto; à
minha mãe, exemplo de mulher guerreira e
sensível; a meu marido, presença constante a
meu lado, pelo estímulo e apoio afetivo e
emocional; a meus irmãos, grandes amigos e
companheiros.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todas as pessoas que, de alguma forma, tenham colaborado para a
concretização deste trabalho, especialmente:
a meu marido, Érico, pelo apoio, cumplicidade e compreensão nos momentos
mais difíceis; pelas palavras de encorajamento e estímulo; pela paciência e
disponibilidade; pelas sugestões e críticas construtivas;
à minha filha, Letícia, fruto do meu maior projeto, que mesmo antes de nascer,
tem-me ensinado sobre o valor do amor, da família e da vida;
a meus pais, pelo crédito, pelo incentivo, carinho e exemplo de vida; por terem
me ensinado a importância do trabalho, da persistência e do esforço rumo a um
futuro melhor;
a meus irmãos, pelo constante companheirismo e convívio amigo, mesmo à
distância;
à minha orientadora, Professora Drª. Adriane Vieira, pelo estímulo, pelos
ensinamentos e seguro acompanhamento em todas as fases desta jornada;
à Professora Drª. Íris Goulart, pelas relevantes contribuições ao longo de várias
etapas deste trabalho;
à Professora Drª. Solange Pimenta, pelos ensinamentos transmitidos durante o
Curso de Mestrado e pelas valiosas contribuições para o aprimoramento de
meu projeto;
às colegas de Mestrado, que aceitaram participar desta pesquisa,
disponibilizando parte do seu precioso tempo, dividido entre tantas atividades
de sua tripla jornada de trabalho, pelas contribuição aos resultados deste
trabalho e pelos ensinamentos de vida;
aos colegas do Mestrado, principalmente ao Cláudio Salve, pela amizade e
oportunidade de compartilhamento e crescimento;
aos amigos, em especial, à Lívia, Simone e Ana Flávia, por não terem se
ausentado de mim, apesar da minha pouca disponibilidade nos dois últimos
anos.
A todos, o meu muito obrigada!
5
Maria, Maria
Maria, Maria, é um dom, uma certa magia
Uma força que nos alerta
Uma mulher que merece viver e amar
Como outra qualquer do planeta
Maria, Maria, é o som, é a cor, é o suor
É a dose mais forte e lenta
De uma gente que ri quando deve chorar
E não vive, apenas agüenta
Mas é preciso ter força, é preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria, mistura a dor e a alegria
Mas é preciso ter manha, é preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania de ter fé na vida
(Milton Nascimento e Fernando Brant)
6
RESUMO
O novo momento do capitalismo, conhecido como Terceira Revolução Industrial,
caracteriza-se por grandes transformações de natureza econômica, social, política e
tecnológica, cujas conseqüências têm tido relevantes impactos no mundo do
trabalho, dentre as quais a instabilidade do emprego, exigindo do profissional a
constante busca pela garantia da própria empregabilidade, em um mercado cada
vez mais competitivo. Esse cenário abriu espaço para a maior participação da
mulher no mercado de trabalho, não pela necessidade de complementação da
renda familiar e pelas novas oportunidades surgidas, mas também pela quebra dos
padrões comportamentais que essas mudanças trouxeram. Hoje, a presença
expressiva de mulheres em cargos e funções cada vez mais diversificados mostra
que elas vêm ampliando seu espaço no âmbito público de produção; contudo, sua
antiga situação de discriminação foi apenas atenuada, uma vez que as condições de
inserção da mulher no mercado ainda são inferiores em relação às dos homens.
Além disso, mesmo emancipada profissionalmente, a mulher tem sido, muitas vezes,
desafiada no que diz respeito ao desempenho de papéis ligados a questões de
gênero, o que implica continuar sendo a principal responsável pelas funções do lar.
A complexidade da situação feminina agrava-se na atualidade, com a crescente
demanda do mercado por qualificação, exigindo da mulher uma tripla jornada de
trabalho, aqui entendida como a conciliação das atividades profissionais, familiares e
educacionais. Mesmo diante da relevância do papel que a mulher vem assumindo
na economia e na sociedade, tal importância nem sempre é reconhecida. Objetivou-
se, com esta pesquisa, analisar como as mulheres lidam com as pressões advindas
da necessidade de conciliação das atividades profissionais, o cuidado com a família
e as exigências da educação continuada. O presente estudo se sustentou em três
marcos teóricos: mudanças no mundo do trabalho a partir da Terceira Revolução
Industrial; inserção da mulher no mercado de trabalho: ampliação do espaço
feminino, dificuldades e pressões encontradas; mecanismos de defesa freudianos e
estratégias defensivas no trabalho (segundo Dejours). Trata-se de uma pesquisa
qualitativa, cujos sujeitos são cinco mulheres inseridas no mercado de trabalho,
alunas do Mestrado Profissional de Administração da FEAD e mães de, pelo menos,
um filho. Para alcançar o objetivo proposto, a coleta de dados ocorreu através de
entrevista semi-estruturada, buscando obter as histórias orais temáticas dessas
mulheres, que foram solicitadas a narrar a trajetória do trabalho em sua vida, suas
responsabilidade no lar e a realização do curso de mestrado. O material das
entrevistas foi submetido à técnica de análise do conteúdo e organizado em cinco
categorias temáticas: trabalho, atividades do lar, mestrado, conciliação da tripla
jornada de trabalho e significado da vida profissional. Os resultados da pesquisa
apontam formas criativas que as mulheres m utilizado para lidar com as atividades
da tripla jornada de trabalho. Segundo conceito dejouriano, o sofrimento criativo
acontece quando se tem liberdade de transformar criativamente seu trabalho, ou
seja, quando a organização do trabalho possibilita a expressão dos desejos e
necessidades do sujeito, sendo, portanto, mediador da saúde. Nesse caso, o
trabalho é exercido com prazer. As mulheres entrevistadas relataram sua satisfação
por poderem trabalhar, estudar e ter sua família, sendo as atividades da tripla
jornada de trabalho, uma escolha e, portanto, não se constituindo em fator de
adoecimento ou de fadiga, apesar do cansaço oriundo do acúmulo de atividades.
Palavras-chave: Mulher. Trabalho. Estratégias Defensivas.
7
ABSTRACT
The new period of capitalism, known as the Third Industrial Revolution stands out
due to great transformations of an economic, social, political and technological
nature, whose consequences have had important impact in the labor world , amongst
which job instability, which demands of the professional a constant search for his own
employability, in an ever more competitive market. This scene made room for a
greater participation the woman in the job market, not only due to a need for
supplementing .family income as well as new opportunities appearing, but also
because of the breaking up of behavioral patterns which these changes brought
about. Today, the noteworthy presence of women in ever more diversified positions
and activities proves that they are broadening their space in the public place of
production; nonetheless, her former discrimination was barely lessened, since the
insertion conditions of women in the market are still inferior with regard to those of
men. In addition to that, although professionally emancipated, woman has many
times been defied in that which concerns sex questions, which implies that she
continues to be the main person responsible for activities related to the home
activities. The complexity of the feminine situation becomes worsened currently,
demanding women take on a triple work shift, herein meaning as reconciling
professional, family and educational activities. Even in the face of the importance of
the role which the woman has been taking up in the economy and society, such
importance is not always recognized. This research had in mind the analysis of
women dealing with the pressures stemming with the need to reconcile professional
activities, the care of the family and the demands of continuing education. The
present study supported itself on three theoretical frames : changes in the world as
of the Third Industrial Revolution; insertion of woman into the job market; broadening
of the feminine scenario; difficulties and pressures encountered; Freudian defense
mechanisms defense strategies at work (according to Dejours). It deals with a
qualitative research, whose subjects are five women placed in the job market,
students in the Professional Administration FEAD Master’s Degree Program and
mothers of at least one child. In order to reach the proposed objective, data collection
occurred by means of a semi-structured interview, trying to obtain oral thematic
stories from these women who were asked to narrate the trajectory of work in their
life, their responsibilities in the home and the carrying out of the master’s course of
studies. The material of the interview was submitted to the technique of content
analysis and then organized into five thematic categories: work, home activities,
Master’s work, conciliation of the triple work day and meaning of their professional life
in the view of the individuals interviewed. The research results point out creative
ways which the women have used in order to face up to dealing with the activities of
a triple work day. According to the Dejourian concept, creative suffering takes place
when there is freedom to creatively transform your work, that is, when the work
organization allows for the expression of the needs and wishes of the subject, it thus
being a health mediator. In this case, work is carried out with pleasure. The women
interviewed related their satisfaction in being able to work, study and have a family, is
done with pleasure the triple work day activities being a choice and thus, not
becoming a factor of illness or fatigue, despite tiredness due to an accumulation of
activities.
Key words: Woman. Work. Defensive Strategies.
8
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................10
1.1 Justificativa e problemática..............................................................................13
1.2 Objetivos..........................................................................................................15
1.2.1 Objetivo geral .......................................................................................................15
1.2.2 Objetivos específicos............................................................................................16
2 REFERENCIAL TEÓRICO............................................................................. 17
2.1 As transformações no mundo do trabalho.......................................................17
2.2 A inserção da mulher no mercado de trabalho................................................21
2.2.1 Perspectivas históricas..........................................................................................21
2.2.2 Desigualdades das condições femininas no mercado de trabalho.......................25
2.2.3 Participação da mulher brasileira no mercado de trabalho...................................33
2.3 Estratégias defensivas ....................................................................................35
2.3.1 Mecanismos de defesa freudianos.......................................................................35
2.3.1.1 Defesas contra perigos intrapsíquicos.................................................................37
2.3.1.2 Defesas contra perigos extrapsíquicos................................................................40
2.3.2 Psicopatologia do trabalho...............................................................................42
2.3.2.1 Relação do sujeito com o trabalho.......................................................................47
2.3.2.2 Trabalho e sofrimento..........................................................................................48
3 METODOLOGIA..............................................................................................53
3.1 Classificação da pesquisa quanto à abordagem.............................................53
3.2 Classificação da pesquisa quanto aos fins..................................................... 53
3.3 Classificação da pesquisa quanto aos meios................................................. 54
3.4 Caracterização dos sujeitos da pesquisa....................................................... 55
3.5 Coleta dos dados............................................................................................ 57
3.6 Análise dos dados........................................................................................... 58
9
4 HISTÓRIAS ORAIS TEMÁTICAS.................................................................. 61
4.1 Mestranda 1.....................................................................................................61
4.2 Mestranda 2.................................................................................................... 64
4.3 Mestranda 3.................................................................................................... 66
4.4 Mestranda 4. .................................................................................................. 69
4.5 Mestranda 5.. ................................................................................................. 73
5 ANÁLISE DE CONTEÚDO .............................................................................77
5.1 Trabalho ......................................................................................................... 77
5.2 Atividades do lar .............................................................................................82
5.2.1 Esfera familiar versus espaço de produção.....................................................82
5.2.2 Ressignificação do sentimento de culpa.........................................................88
5.3 O mestrado.....................................................................................................90
5.3.1 Mestrado: necessidade de atualização..........................................................90
5.3.2 Dificultadores da conciliação entre o trabalho e mestrado: teoria versus
prática .......................................................................................................................93
5.3.3 Cobrança pessoal...........................................................................................98
5.4 Conciliação da tripla jornada de trabalho........................................................99
5.5 O significado da vida profissional na percepção das entrevistadas..............102
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................110
REFERÊNCIAS .......................................................................................................116
APÊNDICE A: Roteiro de entrevista semi-estruturada.......................................122
10
1 INTRODUÇÃO
O mundo globalizado, competitivo e com grandes avanços tecnológicos,
passou a demandar, a partir do final do culo passado, novas formas de
organização do processo produtivo. Essas mudanças geraram um novo modelo
capitalista, fazendo emergir a especialização flexível. As terceirizações, o trabalho
em tempo parcial, os contratos informais e outras formas alternativas de acordos
tornaram-se, para alguns empregadores, condições para sobreviverem e se
manterem competitivos nesse novo cenário, marcado pela desarticulação das
formas tradicionais de trabalho. A crença no emprego estável, bem pago e por
tempo indeterminado, construída no auge do capitalismo industrial no pós-Segunda
Guerra Mundial, desmoronou (WÜNSCH FILHO, 2004).
Esse cenário abriu espaço para a maior participação da mulher no mercado
de trabalho, não pela necessidade de complementação da renda familiar, mas
também pela quebra de padrões comportamentais que essas mudanças trouxeram.
Bruschini e Lombardi (2003), além de atribuírem o significativo aumento da inserção
feminina na atividade produtiva à necessidade econômica decorrente das mudanças
no mundo do trabalho e às novas oportunidades surgidas a partir de então, apontam
também como causas dessa tendência, as transformações demográficas, culturais e
sociais que vêm modificando o perfil das famílias brasileiras. Isso pode ser
constatado, por exemplo, pela redução do número de filhos e pelo aumento
quantitativo de famílias chefiadas por mulheres. Essas autoras ainda destacam que
as mudanças culturais relativas ao papel social da mulher, decorrentes dos impactos
provocados pelos movimentos feministas iniciados na década de 1970, e o aumento
da presença feminina no mercado de trabalho contribuíram para a sua maior
aceitação no espaço produtivo.
Além disso, o mercado flexível exige habilidades como criatividade, empatia
para lidar com o cliente, docilidade e “jogo de cintura”, características consideradas
femininas. (OLIVEIRA et al, 2000; BRUSCHINI, 1994; VILAS BOAS et al 2003).
Reygadas
1
, citado por Teixeira (2001), defende a idéia de que as organizações
1
REYGADAS, L. Fábricas com aroma de mujer. Las nuevas culturas del trabajo vistas desde la
óptica de gênero. In: ABRAMO, L. & ABREU, A. R. P (orgs). Gênero e trabalho na sociologia latino-
americana. São Paulo, Rio de Janeiro: ALAST, 1998, p. 83-100.
11
estão buscando valores e significados normalmente atribuídos às mulheres, por
terem grande relevância no novo paradigma produtivo. Adams (1990) também afirma
que atributos ditos femininos, como a flexibilidade e a atenção intuitiva vêm
ganhando importância no atual contexto das organizações, mas alerta para a
“armadilha da compaixão”, referindo-se ao risco de a mulher, ao assumir o papel de
cuidadora, desconsiderar outros atributos que possui, reforçando sua posição de
inferioridade na sociedade.
Hoje, a presença expressiva de mulheres em cargos e funções cada vez mais
diversificados mostra que elas vêm delimitando seu espaço no âmbito público de
produção. Além disso, elas estão liderando os índices de escolaridade em relação
aos homens e, ainda que de forma menos expressiva, estão ocupando, com
tendência crescente, cargos de chefia e posições gerenciais e políticas (CORRÊA,
2004; BRUSCHINI e LOMBARDI, 2003). Porém, as antigas condições de
discriminação foram apenas atenuadas, uma vez que a inserção da mulher no
mercado, nesse contexto de relevantes mudanças, foi afetada pela precariedade das
relações de trabalho, em que o trabalhador se vê desprotegido das regulamentações
trabalhistas, em função dos contratos alternativos. As mulheres são mais vulneráveis
a esse tipo de situação que os homens, em decorrência não só das posições
precárias ocupadas por elas (como o trabalho doméstico), mas também em virtude
de circunstâncias como o exercício de atividades em tempo parcial, não
remuneradas ou realizadas para consumo próprio ou da unidade familiar. Além
disso, o processo de promoção é mais lento para elas; o desemprego feminino
cresce mais que o masculino e ainda existem desníveis salariais em relação aos
homens ocupantes do mesmo cargo. Esses e outros fatores dificultadores que se
impõem ao trabalho feminino mostram que elas ainda são vítimas de preconceitos
(GIRÃO, 2001; CORRÊA, 2004; OLIVEIRA et al, 2000; BRUSCHINI, 1994; VILAS
BOAS et al, 2003; BRUSCHINI e LOMBARDI, 2003).
Hirata
2
(1998, apud TEIXEIRA, 2001, p. 346) chama a atenção para um
aspecto negativo da inserção das mulheres no mercado de trabalho: “a manutenção
de uma hierarquia social e técnica com a supremacia do masculino, significando, na
maioria das vezes, um empobrecimento do trabalho e desqualificação”. Segundo
Teixeira (2001), no Brasil, o trabalho masculino é mais valorizado do que o feminino,
2
HIRATA, H. Reestruturação produtiva, trabalho e relações de gênero. In: Revista Latinoamericana
de Estudos del Trabajo. Ano 4, n.7, 1998, p. 5-27.
12
o que implica intensificação da carga de trabalho das mulheres, dupla jornada
(família/trabalho), menores salários e maior instabilidade.
Girão (2001) acrescenta que as questões relativas às representações de
gênero acabam por colocar as mulheres como as maiores responsáveis pelas
obrigações domésticas, principalmente em termos de cuidados com a família. Essas
construções sociais, apesar das transformações do mundo atual, ainda associam o
papel feminino à esfera privada (do lar) e o papel masculino à esfera pública.
que se considerar também o paradoxo entre os avanços cnicos e os
atrasos sociais. Bruschini e Lombardi (2003) ressaltam a existência de algumas
circunstâncias que dificultam a dedicação das mulheres ao trabalho, ou as tornam
trabalhadoras de segunda categoria, caracterizando sua desvantagem no mercado:
elas continuam sendo as principais responsáveis pelas atividades do lar e pelo
cuidado dos filhos e dos demais familiares, o que gera sobrecarga, quando exercem
atividades econômicas concomitantes; além disso, a presença de filhos pequenos
dificulta ou até mesmo inviabiliza suas atividades profissionais, como evidencia o
baixo índice de participação, no setor produtivo, de mães com filhos em idade
inferior a dois anos, em comparação às demais.
Em função de todas essas condições, a inserção da mulher no mercado de
trabalho tem sido tema de muitas pesquisas, constituindo, inclusive, porta de entrada
para os estudos sobre a mulher na sociedade. Porém, apenas os estudos mais
recentes têm enfatizado, de forma integrada, os aspectos público (trabalho) e
privado (família) do trabalho feminino. A ênfase, que recaía sobre a questão da
produção advinda do trabalho da mulher, mudou seu foco para as questões de
gênero relacionadas à divisão sexual do trabalho, tornando-se os papéis sociais
desempenhados pelos homens e pelas mulheres a base da estruturação e da
organização do trabalho (TEIXEIRA, 2001).
A complexidade da situação feminina agrava-se na atualidade com a
crescente demanda do mercado por qualificação, exigindo da mulher uma tripla
jornada de trabalho, aqui entendida como a conciliação das atividades profissionais,
familiares e educacionais, estas últimas limitadas nesta pesquisa ao âmbito da
inserção feminina no curso de mestrado.
É nessa perspectiva que se situou o foco de interesse do presente estudo. No
atual contexto do trabalho, onde as exigências são cada vez maiores, qualquer
profissional, para responder às demandas do mercado quanto ao perfil profissional,
13
precisa manter-se em constante atualização. No caso da mulher, ela precisa
conciliar essas exigências com os desafios relativos ao desempenho de papéis
ligados às questões de gênero, o que implica continuar desempenhando papel
principal nas funções do lar.
Alguns autores, como Bruschini (1994) e Corrêa (2004) destacam as
dificuldades e pressões encontradas pelas mulheres trabalhadoras nesse esforço
para conciliar as atividades domésticas e profissionais, o que, além de representar
fator limitador a que elas alcancem postos de trabalho mais elevados, costuma
constituir motivo de doenças profissionais.
1.1 Justificativa e problemática
Esta pesquisa se justifica pela importância do tema, que a participação da
mulher no mercado de trabalho tem aumentado significativamente nos últimos anos.
No atual contexto produtivo, em escala mundial, tem-se ampliado a
necessidade de dedicação à educação continuada. A fase pós-industrial do
capitalismo trouxe, a partir da década de 1980, novas formas de gestão empresarial
que exigem uma produção flexível e, conseqüentemente, aprendizagem e inovação
constantes, determinando novas exigências para o trabalhador, no que se refere à
busca de atualização do conhecimento, de forma a aprimorar sua capacidade de
tomar decisões e resolver problemas no dia-a-dia do exercício profissional (LEITE e
GOULART, 2006). No caso das mulheres, a necessidade de aprimoramento da
aprendizagem ainda ganha um peso maior, pois, para conquistarem um espaço mais
significativo no mundo do trabalho, até então marcado pela dominação masculina,
elas precisam estar mais bem preparadas. Bruschini e Lombardi (2003) destacam
que, quando as mulheres atingem cargos e salários comparáveis aos dos homens,
em níveis mais elevados, elas normalmente são superdiplomadas.
Considerando a grande participação da mulher como esteio econômico de
muitas famílias (segundo censo de 2000, quase 25% dos lares já eram chefiados por
mulheres), repensar a jornada de trabalho feminino revelou-se importante. Dessa
forma, as relações de gênero precisam ser levadas em consideração não no
âmbito familiar, mas também nas empresas. As questões macrossociais são
14
reproduzidas no contexto das organizações, e as questões de gênero não são
exceção a essa regra, razão pela qual pretende-se, com a presente pesquisa,
proporcionar reflexões sobre a divisão sexual do trabalho no ambiente
organizacional.
Segundo dados do censo de 2002, as mulheres já constituem 42,5% da
População Economicamente Ativa - PEA. Atentar para a qualidade de vida desse
segmento no trabalho é importante não para as trabalhadoras, mas também para
os empregadores, por ser significativa a atuação feminina nas empresas, inclusive
em cargos de chefia, quase 30% dos quais são ocupados por mulheres, segundo
Melo
3
(2001, apud CORRÊA, 2004).
Os dados apontam a relevância do papel que a mulher vem assumindo na
economia e na sociedade, porém, tal importância nem sempre é reconhecida. As
relações desiguais de gênero ainda trazem algumas dificuldades para a participação
efetiva da mulher no mercado de trabalho, as quais passam pela questão da jornada
de trabalho.
A experiência desta pesquisadora na área de consultoria empresarial tem
evidenciado um número significativo de trabalhadoras autônomas em busca de
harmonia e equilíbrio entre diferentes demandas advindas das atividades
profissionais e familiares. Ao ingressar no Mestrado Profissional, a pesquisadora
deparou com mulheres que, além do trabalho e da família, preocupam-se com as
exigências do curso de mestrado, fato que despertou seu interesse pelo estudo do
tema. Como essas mulheres conseguem lidar com as pressões advindas do
trabalho, do lar e do mestrado? Que estratégias defensivas elas utilizam para
conseguirem atender a essas demandas?
A partir dessas indagações e das observações atinentes à experiência dessas
mulheres, julgou-se de crucial relevância aprofundar o estudo do tema, com vistas a
obter respostas para a seguinte questão:
Como as mulheres envolvidas em tripla jornada de trabalho lidam com
as pressões decorrentes desse acúmulo de papéis?
3
MELLO, M. C. O. L. Gerência feminina no setor bancário brasileiro: habilidades diferenciadas e
desafios específicos. In: ASSEMBLÉIA DO CONSELHO LATINO-AMEICANO DE ESCOLAS DE
ADMINISTRAÇÃO, 36, 2001, México. Anais... México: CLADEA, 2001.
15
Cabe ainda ressaltar que, além de satisfazer o interesse pessoal da
pesquisadora com relação ao tema, o desenvolvimento desta pesquisa pode trazer
uma contribuição importante não para mulheres que vivenciam essas
circunstâncias, mas também para empresas que precisam reter e desenvolver
competências de suas profissionais.
O presente trabalho podeainda, além de propiciar contribuições no sentido
de sensibilizar os empregadores e os sindicatos, estimulando a emergência de
programas de atenção para as mulheres, fomentar a criação de ONGs ou projetos
sociais que auxiliem na minimização do sofrimento das mulheres trabalhadoras,
como já acontece em alguns países da Europa.
Por tripla jornada de trabalho, entende-se a conciliação das atividades
profissionais com as do lar e com a educação continuada, aqui representada pela
inserção no curso de mestrado. Dessa forma, pretendeu-se estudar como as
mulheres lidam com as múltiplas pressões do mercado de trabalho em que estão
inseridas, conciliando-as com os cuidados dedicados à família e com a necessidade
de ampliação da própria capacitação, através da educação continuada.
1.2 Objetivos
1.2.1 Objetivo geral
Analisar como as mulheres lidam com as pressões advindas da necessidade
de conciliação das atividades profissionais, o cuidado com a família e as exigências
da educação continuada.
16
1.2.2 Objetivos específicos
Fazer o levantamento das atividades desenvolvidas pelas integrantes da amostra
em sua tripla jornada de atuação;
identificar os motivos pelos quais as mulheres buscam a educação continuada;
descrever como as mulheres com tripla jornada de trabalho conciliam as
atividades profissionais com as do lar e as educacionais;
identificar as principais dificuldades enfrentadas pelas mulheres decorrentes da
necessidade de conciliação das atividades relativas à sua tripla jornada de
trabalho;
identificar as estratégias defensivas elaboradas pelas mulheres para lidar com as
demandas da tripla jornada de trabalho.
17
2 REFERENCIAL TEÓRICO
O presente estudo se sustentou em três marcos teóricos: a primeira parte
enfocou as principais mudanças no mundo do trabalho, a partir da chamada Terceira
Revolução Industrial; a segunda focalizou a inserção da mulher no mercado de
trabalho: a ampliação do espaço feminino no mercado de trabalho e as dificuldades
e pressões encontradas, principalmente no que tange à necessidade de conciliação
entre as exigências do mundo do trabalho e do espaço familiar; a terceira tratou de
questões relativas aos mecanismos de defesa estudados por Freud e às estratégias
defensivas no trabalho, segundo Dejours.
2.1 As transformações no mundo do trabalho
O momento do capitalismo chamado de Terceira Revolução Industrial
caracteriza-se como um período de relevantes transformações no âmbito
econômico, social, político e tecnológico. Nesse contexto, verifica-se grande
instabilidade e sentimento de insegurança em relação ao trabalho, gerados não
pelos altos índices de desemprego constatados mundialmente em função das
inovações tecnológicas e da necessidade das empresas se tornarem mais “enxutas”
e flexíveis, mas também pela falta de mobilização coletiva por parte dos
trabalhadores, advinda da cultura individualista dos novos tempos. Pochmann (1997)
cita como questões presentes nos discursos sobre as mudanças no mundo do
trabalho: o fim do emprego nos moldes tradicionais, o acirramento da competição
entre as nações e o desemprego gerado pelas avançadas tecnologias do nosso
tempo. Nesse contexto, além de novas exigências ao trabalhador, que precisa
investir mais em sua empregabilidade, predomina um ambiente de trabalho
competitivo e instável:
O contexto organizacional pautado na produtividade e
competitividade demanda modernas políticas de gestão e novo perfil
do trabalhador, que, aliado ao desemprego e à exclusão social,
favorece um ambiente de autoritarismo, submissão, e disciplina,
gerando nos trabalhadores estresse, instabilidade emocional,
insegurança e desconfiança (CORRÊA, 2004, p.8).
18
Dejours (2003, p. 28), ao criticar a idéia de que o sofrimento humano no
trabalho foi atenuado com a introdução de tecnologias no sistema produtivo, afirma
que esse discurso não passa de uma vitrine que esconde o sofrimento dos
trabalhadores, os quais temem não corresponder às exigências da nova organização
do trabalho:
[...] imposição de horário, de ritmo, de formação, de informação, de
aprendizagem, de nível de instrução e diploma, de experiência, de
rapidez de aquisição de conhecimentos teóricos e práticos e de
adaptação à cultura e ou à ideologia da empresa, às exigências do
mercado, às relações com os clientes, os particulares ou o público,
etc.
Singer (1999) enfatiza nesse período a precarização das relações de trabalho.
Com a abertura do mercado, em meados dos anos 1980, aconteceu no Brasil a
quebra dos oligopólios, em que as empresas ofereciam uma rede de benefícios aos
empregados e, em troca, tinham garantidos os consumidores de seus produtos.
Esse sistema entrou em crise, pois as organizações se viram obrigadas a baixar
seus custos para se manterem competitivas. Com isso, ocorreram altos índices de
demissões, e as empresas passaram a terceirizar serviços de setores considerados
não-prioritários no negócio. O trabalho assalariado formal está sendo, aos poucos,
substituído por outras formas de relações informais. Novos modelos de organização
também foram adotados, no esforço das empresas por se manterem competitivas no
mercado. Surgiu, então, o que alguns autores chamam de empresa-rede,
caracterizada pela criação, por parte da organização, de uma rede de pequenas e
médias empresas filiadas, subcontratadas. O processo de privatização de grandes
estatais e a Revolução Tecnológica, decorrentes dessa nova fase do capitalismo,
elevaram ainda mais os índices de desemprego e de subempregos.
Leite e Goulart (2006), ao analisarem a emergência do conceito de
competência no mundo do trabalho, assinalam que, com a Revolução Tecnológica,
na segunda metade do século XX, novas exigências ao trabalhador se fizeram
presentes. No modelo de produção taylorista-fordista, ocorria uma distinção entre a
concepção e a execução do trabalho: os gerentes idealizavam, enquanto os
trabalhadores eram apenas executores, que precisavam estar bem treinados para
realizarem cada vez mais rapidamente as tarefas repetitivas. Com o esgotamento
desse modelo de produção, a abertura do mercado e a Revolução Tecnológica, as
empresas precisaram adotar novas formas de gestão. Instalou-se, então, a produção
19
flexível e, com isso, veio a necessidade de adotar um modelo de aprendizagem e
inovação permanentes, passando-se a exigir que os trabalhadores estivessem aptos
a compreender instruções complexas e fazer inferências em relação à utilização dos
novos equipamentos. No final da década de noventa, a Era do Conhecimento e do
Capital Intelectual passou a demandar um trabalhador mais preparado, apto a
responder às exigências de inovação, a dar soluções aos problemas característicos
do mundo do trabalho atual e a tomar decisões acertadas em cada novo contexto
com que se depara.
Freitas (2000), ao assinalar o lugar da qualificação nesse momento do
capitalismo, destaca que a excelência tornou-se um conceito mutável. Não existe
mais um valor definido de excelência, pois ela se encontra em patamares cada vez
mais altos, que todos devem alcançar. Para isso, os conteúdos devem sempre ser
atualizados, e os indivíduos devem estar sempre em busca de dose maior de
saberes, numa corrida frenética para não se tornarem obsoletos. “A excelência
torna-se a palavra-chave e a condição maldita de sobrevivência” (FREITAS, 2000, p.
11). A autora acrescenta que essa busca pela excelência profissional reflete-se no
status do indivíduo em outras dimensões da vida, pois, no momento em que os
valores tradicionais (família, religião) se tornam frágeis, as empresas assumem o
papel de elemento organizador na vida do sujeito.
Neves
4
, ao abordar a relação entre o processo de reestruturação produtiva,
qualificação e divisão sexual do trabalho, no II Congresso Internacional “Women,
Work and Health”, em 1999, destaca que, no novo modelo produtivo, o trabalho não
se restringe à relação operador / máquina / posto de trabalho, pois a flexibilização da
produção exige a participação dos trabalhadores na gestão da operação, ou seja, a
eficácia do processo produtivo não está mais ligada à mecânica da rapidez dos
gestos e movimentos, mas à agilidade no planejamento e na solução de problemas
que surgem nas diferentes situações. Portanto, no atual contexto empresarial, o
trabalhador é chamado a participar de forma mais ativa e, para isso, precisa estar
mais qualificado. A formação profissional adquire importância cada vez maior,
principalmente para as mulheres, submetidas às assimetrias e hierarquias impostas
pela divisão sexual do trabalho.
4
NEVES, M. A. Reestruturação produtiva, qualificação e divisão sexual do trabalho. II
INTERNATIONAL CONGRESS WOMEN, WORK, HEALTH: livro de resumos. 1999, Rio de Janeiro.
p. 195 e 196.
20
Segundo a concepção “relativista e conflitante” de Richard (2003) sobre a
qualificação profissional, trata-se de um conceito socialmente construído, não
dependente apenas do tempo de formação do indivíduo, sendo possível observar a
interferência das representações sociais masculinas e femininas na qualificação de
homens e mulheres. Segundo essa autora, as mulheres com o mesmo nível de
escolaridade dos homens ascendem a empregos menos qualificados. De uma forma
geral, quando elas alcançam categorias profissionais compatíveis com as dos
homens, são superdiplomadas. Além disso, Richard (2003) verificou, em seus
estudos, que tende a aumentar, ao longo da carreira, a diferença de níveis
profissionais das mulheres em relação aos homens, evidenciando que a ascensão é
mais difícil para elas do que para eles. Essa situação, permeada pela questão das
representações sociais, leva à associação de atributos como técnica, eficiência,
razão e poder ao segmento masculino, e de habilidades como comunicação, contato
e diplomacia ao feminino, ou seja, aos homens são atribuídas características
socialmente mais valorizadas. Essas representações mostram como a divisão social
dos espaços masculino e feminino é assimétrica e hierarquizada. Assim, “a
mobilidade feminina seria limitada pelo ‘telhado de vidro’ de uma representação de
autoridade e de poder” (RICHARD, 2003, p. 73).
Sennet (2001) enfatiza as formas de controle do chamado capitalismo flexível
e seus impactos no caráter das pessoas. O capitalismo não deixou de ser o que era:
permanece a ideologia dominadora e o status de poder, porém, agora, a dominação
ganha certa flexibilidade. Antes, as formas de controle eram objetivas e
mensuráveis; agora, passam a ser muito mais sutis, porém, não menos fortes. O
capitalismo, ao rejeitar a rotina burocrática e buscar a flexibilidade, acabou por
produzir, em vez de liberdade, outras formas de controle e poder. A produção em
série deu lugar a uma produção cada vez mais flexível, voltada para o atendimento
às necessidades imediatas do mercado. Para isso, exige-se dos trabalhadores que
sejam rápidos, ágeis, abertos a mudanças, dispostos a correr riscos constantemente
e menos dependentes de regras e procedimentos formais. Em passado ainda
recente, as pessoas podiam ter uma vida pessoal e profissional um tanto quanto
linear; hoje, apesar do maior dinamismo, depara-se constantemente com a
incerteza, que a insegurança passou a fazer parte do repertório de vida das
pessoas. É nessa dinâmica que o autor fala de uma realidade composta de
21
fragmentos, tamanha a necessidade de mudanças e de constante adaptação a
novos contextos e demandas.
Bresciani (1996) analisa a questão da flexibilidade no processo de
reestruturação produtiva e aponta dois aspectos dessa realidade: de um lado, a
flexibilidade torna-se uma característica dos sistemas de produção, uma
necessidade de adaptação dos sistemas produtivos a situações inesperadas, de
forma a atender às demandas do mercado de maneira mais versátil, econômica e
competitiva. De outro lado, a flexibilidade, denunciada como a causa dos males
decorrentes da busca voraz pelo lucro, tem sido relacionada com a
desregulamentação das relações de trabalho e com o processo de reestruturação
produtiva e suas conseqüências: aumento dos trabalhadores autônomos, das
terceirizações, do desemprego, do surgimento de novas formas de remuneração e
de contratos de trabalho.
Os efeitos das condições impostas pela introdução de novas tecnologias e
formas de organização e pela flexibilização do trabalho no processo de
reestruturação produtiva têm afetado de maneira diferenciada homens e mulheres. A
precarização dos nculos empregatícios, assim como os postos de trabalho mal
remunerados e as condições insatisfatórias de exercício profissional são situações
decorrentes dessa flexibilização, que tem atingido maior número de mulheres do que
de homens. (HIRATA, 1998; WÜNSCH, 2004).
2.2 A inserção da mulher no mercado de trabalho
2.2.1 Perspectivas históricas
Gardey (2003), ao retomar as perspectivas históricas sobre o trabalho
feminino, ressalta o fato de as mulheres sempre terem trabalhado; porém, as
categorias habituais de análise econômica e social freqüentemente negam ou
omitem as atividades femininas, desconsiderando o trabalho doméstico e até mesmo
o trabalho no campo ou no comércio, no século XIX. Dessa forma, as trabalhadoras
começaram a ser consideradas como tais a partir do momento em que passaram a
22
participar do trabalho produtivo nas fábricas. Ainda assim, desde o início do
processo de industrialização, a mulher sofria o estigma de não pertencer ao universo
de produção, cabendo-lhe o espaço do lar.
O ingresso das mulheres no mercado de trabalho se deu de forma intensa, a
partir da Revolução Industrial, quando a necessidade de complementação da renda
familiar fez com que elas fossem introduzidas no trabalho remunerado de maneira
forçada, sendo obrigadas a aceitar desempenhar tarefas penosas e mal
remuneradas (GIRÃO, 2001).
A utilização lucrativa da mão-de-obra feminina passou a chamar a atenção,
principalmente no setor têxtil, muito lucrativo, no início do século XIX, quando o
trabalho feminino era visto como provisório, complementar e subalterno, e o capital
utilizava-se disso para abaixar os custos com salários e para substituir os operários
demitidos em épocas de crise (PAOLI, 1985). Assim, é possível perceber, no início
do processo de participação feminina no mercado de trabalho, que cabiam às
mulheres os trabalhos subalternos e, aos homens, os cargos de poder (CORRÊA,
2004).
Ao longo do século XIX, cresceu também a presença das mulheres em outros
ramos da indústria, como a de alimentos e a química. Na França, em 1914, 20% das
mulheres estavam ocupadas na indústria de alimentação e, 12%, na indústria
química (GARDEY, 2003). Na indústria de armamento, o aumento do número de
operárias também foi significativo. A autora analisa o incremento da presença
feminina nas fábricas, no período da Primeira Guerra Mundial, de uma perspectiva
diferente da comumente disseminada. Ela declara que essa mobilização das
mulheres durante o conflito é fato, principalmente em setores onde sua presença
ainda não era significativa, como na indústria de armamento, porém, ressalta que
essa ascensão a certos setores foi seguida por uma rápida desmobilização e retorno
das mulheres ao espaço do lar, no período entre guerras.
Bittencourt (1980) considera que as mulheres foram transformadas em massa
de manobra, sendo mobilizadas para o trabalho em momentos de expansão das
atividades econômicas e obrigadas a voltar para o ambiente do lar em momentos de
recessão econômica. Bruschini (1994) refuta esse tipo de afirmação, argumentando
que as pesquisas revelam um crescimento da participação da mulher no mercado de
trabalho tanto nos anos 1970, período de crescimento industrial e econômico, como
nos anos 1980, período marcado por crises, desemprego e inflação.
23
Paoli (1985) observa que a regulamentação do trabalho feminino pelo
Ministério do Trabalho em 1932, além de caracterizar a mulher como um ser frágil e
inferior, limitava a opção dos empregadores pelo trabalho feminino, reforçando o
papel da mulher nas funções do lar. Essa regulamentação dispunha sobre o fim do
trabalho noturno e em lugares insalubres para as mulheres; previa locais higiênicos
de trabalho e a utilização de cadeiras que permitiam o trabalho sem grande
exaustão; garantia às mulheres grávidas o direito de não trabalharem por dois a três
meses; concedia descansos diários para amamentação dos bebês e lugar nas
fábricas onde eles pudessem ficar. Apesar de, no discurso, os empregadores
concordarem com esses direitos, infrigiam-nos na prática. Logo após a promulgação
da lei, sucederam-se movimentos das operárias, lutando por seus direitos, o que
comprova o desrespeito ao que foi determinado.
Toda a delicadeza da imagem feminina elaborada pelos patrões e
pelo governo para assignar à mulher trabalho tarefeiro, detalhado e
exaustivo, auxiliar de trabalho masculino legítimo, esfacela-se, por
exemplo, na prática de disciplinamento feita por gerentes e mestres,
denunciados como brutais e agressivos ao extrair uma produção alta
e ainda por cima entrecortadas de aproveitamento sexual (PAOLI,
1985, p. 78).
Paoli ainda destaca que o trabalho feminino, apesar de ser tão produtivo
quanto o masculino, era desvalorizado em função de características ditas femininas,
como docilidade, capacidade de adaptação às condições operacionais e
disciplinares, paciência para lidar com trabalhos repetitivos. Essa caracterização da
mulher, oriunda de uma concepção historicamente construída, sujeitava-a a
condições inadequadas de trabalho, a baixas remunerações e a trabalhos pouco
gratificantes. A intolerância ao trabalho feminino, simbolicamente construída,
possibilitava que as leis de proteção à mulher e à maternidade fossem burladas, o
que fazia com que muitas delas retornassem ao ambiente do lar.
Segundo Bruschini (1994), a legislação anterior à Constituição de 1988
baseava-se em princípios femininos (docilidade, papel da mulher pautado na
maternidade e nas funções do lar), fundamentando-se em um modelo de família
patriarcal, que tentava proteger a mulher em seu papel de mãe, restringindo, assim,
o trabalho feminino. Ao historiar a trajetória da mulher no trabalho, Bruschini (1994)
afirma que os ganhos mais consideráveis em relação às políticas públicas femininas
foram os direitos adquiridos com a Constituição de 1988. Os debates que deram
24
origem a essa reformulação constitucional defendiam o entendimento de que os
benefícios que tinham por objetivo proteger a mulher e que, por conseqüência,
acabavam privilegiando-a em relação aos homens, geravam, ao mesmo tempo,
discriminação, razão pelo qual deveriam ser revistos, considerando os avanços
tecnológicos nos processos de trabalho. Essa posição, que lutava pela igualdade de
direitos entre os sexos, exceto no que diz respeito à maternidade, entrava em
choque com outra corrente, que defendia a manutenção de direitos diferenciados
entre os sexos, privilegiando, assim, a proteção à mulher. Segundo a autora, a
Constituição de 1988 atendeu a reivindicações de ambos os lados, eliminando
certos protecionismos e, ao mesmo tempo, considerando algumas diferenças entre
os sexos, principalmente no que se refere à maternidade.
A partir da Primeira Guerra, evidenciou-se a tendência à presença da mulher
nos setores primário, secundário e terciário da economia, ocupando não só o espaço
rural, mas também o da indústria e o de serviços. Gardey (2003) observa que,
mesmo exercendo atividade administrativa, não era dada ao segmento feminino a
oportunidade de promoção, ao contrário do que ocorria com os funcionários
masculinos, que podiam esperar fazer carreira nesse setor. Ao longo do século XX,
as novas tecnologias de comunicação e mecanização das tarefas fizeram acontecer,
contudo, uma revolução administrativa, da qual a mulher fez parte, e a partir da qual
pôde ampliar seu espaço nesse ramo da economia. Portanto, foi apenas ao longo do
século XX que as mulheres passaram a fazer parte da força de trabalho mundial, em
nível de participação no mercado equiparável ao dos homens (CORRÊA, 2004).
Por outro lado, na medida em que a presença das trabalhadoras foi se
tornando mais significativa no meio urbano e, principalmente, em regiões mais
desenvolvidas, as mulheres passaram a se deparar com dificuldades no que diz
respeito à conciliação entre as atividades domésticas e as profissionais. O
incremento da participação feminina no mercado de trabalho trouxe para o mundo
produtivo um número significativo de mulheres maduras, casadas e com filhos, a
partir da década de 1980, gerando outro grande desafio em relação ao trabalho
feminino: a reformulação da organização familiar. “Uma família igualitária, com uma
divisão de trabalho que leve os homens a partilhar com as companheiras tanto as
responsabilidades profissionais quanto as familiares e domésticas, é condição para a
conquista da cidadania pelas mulheres” (BRUSCHINI, 1994, p.31).
25
2.2.2 Desigualdades das condições femininas no mercado de trabalho
Bittencourt (1980) ressalta dois aspectos fundamentais da inserção da mulher
no mercado de trabalho: de um lado, o fato de que as mudanças provocadas pelo
capitalismo possibilitaram a maior participação feminina, sendo vistas como a
salvação para a mulher, uma vez que permitiram sua saída do ambiente doméstico e
a possibilidade de se colocar ao lado do homem na produção social; de outro lado, o
fato de que tal inserção no contexto produtivo não significou sua liberação em
relação às tarefas domésticas, tampouco sua libertação e emancipação, pois ela
continuou sendo submetida a condições de exploração, agora o no âmbito
familiar, mas também no profissional.
Quanto ao entendimento de que as mudanças provocadas pelo capitalismo
propiciaram uma maior participação da mulher no mercado de trabalho, Castells
(2005, p. 40) tem outra visão. Segundo esse autor, “as mudanças sociais são o
dramáticas quanto os processos de transformação tecnológica e econômica”. Em
seu entendimento, não são as mudanças tecnológicas que levam a mudanças
sociais; elas acontecem de forma simultânea e interdependente. Dessa forma, ao
mesmo tempo em que foram ocorrendo as transformações tecnológicas e
econômicas do capitalismo, algumas questões sociais, como a de gênero, também
foram repensadas. O patriarcalismo foi atacado e enfraquecido em muitas
sociedades, havendo uma redefinição do papel das mulheres, dos homens e das
crianças, remodelando as relações familiares, a sexualidade e até a personalidade
dos indivíduos. Portanto, o processo de transformação tecnológica não pode ser
entendido isoladamente, pois o contexto social em que ela se insere será
determinante para seu desenvolvimento: “Na verdade, o determinismo tecnológico é,
provavelmente, um problema infundado, dado que a tecnologia é a sociedade, e a
sociedade não pode ser entendida ou representada sem suas ferramentas
tecnológicas” (CASTELLS, 2005, p. 43).
Simone (1999)
5
, a partir de um trabalho realizado em 1995 em cinco
empresas prestadoras de serviços terceirizados para grandes multinacionais do
5
SIMONE, A. P. A experiência do coletivo de mulheres trabalhadoras de SJ dos Campos e nosso
trabalho cotidiano com as mulheres metalúrgicas da região, no que diz respeito à saúde e o trabalho
e as conseqüências diretas na vida da mulher trabalhadora. II INTERNATIONAL CONGRESS
WOMEN, WORK, HEALTH: livro de resumos. 1999, Rio de Janeiro. p. 222 a 224.
26
setor eletro-eletrônico, relata algumas condições humilhantes e ilegais do ponto de
vista dos direitos trabalhistas, às quais as trabalhadoras eram submetidas, tais
como: exigência de teste de gravidez para admissão; escolha das noivas, casadas e
com filhos nos momentos de demissão; controle pela chefia do tempo gasto no
banheiro; excesso de horas-extras. Tais circunstâncias e pressões de várias
naturezas geravam doenças e até mesmo casos de gravidez interrompida, que
chegaram ao conhecimento público através de queixas ao sindicato.
Hirata (1998) observa que o aumento significativo da atividade feminina no
Brasil coincidiu com o período de maior precariedade do emprego, decorrente das
mudanças no mundo do trabalho na era do capitalismo flexível. Boa parte do que a
mulher conquistou em termos de espaço no mercado refere-se a trabalhos instáveis,
mal pagos e não-qualificados. Nesse sentido, ela levanta a hipótese de serem as
mulheres usadas como cobaias para o desmantelamento do sistema de salários
(ainda que atinja a população masculina), pois elas são tidas como menos
protegidas e mais vulneráveis que os homens.
Dowbor (2003, p.13) levanta alguns questionamentos com relação às
condições de vida e de trabalho dos segmentos fragilizados da sociedade:
No caso brasileiro, pessoas no setor privado formal, com carteira
assinada, são hoje cerca de 20 milhões, um quarto da população
economicamente ativa. Ainda cerca de 7 milhões no setor
público. Mas a população economicamente ativa é de 80 milhões:
como fica essa maioria quando desaparece a família, mingua o
Estado social e reduzem-se o emprego e a renda? Como ficam os
26% de mulheres chefes de família vivendo em condições
absolutamente dramáticas?
Brito (2000) ressalta que a precarização do trabalho tornou a mulher mais
vulnerável e sujeita à insegurança e à instabilidade do que o segmento masculino,
destacando ser maior tanto o índice de desemprego entre as mulheres como a
presença feminina no mercado informal da economia. Para a autora, esses fatores
relacionados com a precariedade do trabalho feminino têm impacto negativo na
saúde das mulheres. Além disso, cabe ressaltar que, o fato de a mulher se dedicar a
atividades não-remuneradas, torna sua carga de trabalho, em média, 13% maior que
a dos homens (BRITO, 2000).
O aumento da presença da mulher no mercado de trabalho tem suscitado
outras questões. Oliveira et al. (2000), Bruschini (1994), Vilas Boas et al. (2003),
Corrêa (2004) e Girão (2001) destacam que uma das formas que as empresas têm
27
buscado para se diferenciar no mercado competitivo e flexível é através da ênfase a
características típicas femininas, como comunicação, sensibilidade, intuição,
persuasão, afetividade e flexibilidade, principalmente valorizadas em áreas em que é
necessário lidar diretamente com o cliente.
Esses mesmos autores colocam como fato importante a conquista pela
mulher de um amplo espaço em diversos ramos do mercado, não em termos de
maior ocupação de postos de trabalho, mas também de melhoria da escolaridade e
de maior presença em cargos de gerência. Porém, tal expansão não significou o fim
do preconceito e da segregação das mulheres; pelo contrário, elas ainda são vítimas
de desníveis salariais em relação aos homens que ocupam o mesmo cargo, de
dominação autoritária (explícita ou velada) e de barreiras culturais que dificultam ou
impedem sua ascensão a níveis mais altos na empresa (CORRÊA, 2004).
Para Girão (2001), as representações definidas socialmente para o homem e
para a mulher são construídas em função dos objetivos empresariais, associando a
mulher à adaptabilidade, à aceitabilidade e à execução de diferentes tarefas, e o
homem à atividade e à criatividade. Essas representações de gênero servem como
suporte ideológico para manter o espaço da mulher na esfera privada (familiar) e o
do homem na esfera pública (atuação profissional). O termo privado remete à idéia
de algo que não pode ser visto nem conhecido; portanto, silencioso, invisível e
desqualificado. Dessa forma, as atividades do lar podem ser consideradas como
invisíveis, por não serem valorizadas, principalmente na concepção capitalista,
que não resultam em nada produtivo para o mercado comercial. O termo público, por
sua vez, traduz aquilo que pode ser visto e ouvido por todos, denotando visibilidade
e acessibilidade. Assim, ao se identificar a mulher com características ligadas a
aspectos como atenção, educação, cuidado, afetividade, sensibilidade e
passividade, percebe-se a construção de uma imagem do seu trabalho associada ao
espaço doméstico; por outro lado, a figura do homem provedor, agressivo, ativo,
forte, empreendedor, inteligente e dominador o coloca como responsável pela esfera
pública. Essa construção de desigualdades entre os sexos, apoiada em construtos
biológicos, ajuda a manter as relações de dominação, exploração e opressão da
mulher.
Adams (1990) chama de “armadilha da compaixão” o conjunto de crenças
difundidas e aceitas socialmente, que atribuem à mulher, como suas funções mais
importantes, os papéis de proteção, criação e promoção do crescimento de outros.
28
Implícito nesse construto está a idéia de que a mulher deve subordinar suas
necessidades pessoais (inclusive as de desenvolvimento e de realização) ao bem-
estar dos outros. É um artifício social que pode fazer com que a mulher se mantenha
sujeita a uma servidão prática e emocional. Esse papel social da mulher acaba por
distorcer sua identidade individual e limitar sua atuação. Assim, ela absorve esse
papel de protetora não em casa, onde os afazeres domésticos e a criação das
crianças recaem sobre elas, como também no âmbito social. As chamadas
profissões de ajuda são exercidas muito mais por mulheres do que por homens, e,
apesar de se tratar de atividades que têm baixo valor na hierarquia social, elas
aceitam esse papel de protetoras, em busca de reconhecimento social, pois reforça-
se a importância desse papel para o bem-estar da sociedade. Por isso, segundo a
autora, não é fácil para a mulher se libertar dessa premissa social, em que se
encontra embutida uma manipulação emocional.
Soares e Carvalho (2003), confrontando os novos papéis assumidos pelas
mulheres com as velhas exigências sociais, ressaltam que, mesmo nos casos em
que a mulher assume a chefia da casa (tanto do ponto de vista financeiro quanto do
emocional), ela está sujeita a ser julgada como transgressora do modelo tradicional
familiar. Esse mecanismo de controle social existe, pois a sociedade ainda não
elaborou maneiras consensuais de equilibrar as questões advindas dessa
emancipação da mulher (por exemplo, o rearranjo de papéis e tarefas será baseado
nas escolhas e preferências individuais de homens e mulheres ou na tradicional
divisão sexual do trabalho?). Enquanto isso, a mulher sofre com os estigmas sociais.
Thiry-Cherques e Pimenta (2003) afirmam que, apesar de a participação da
mulher brasileira no mercado de trabalho estar aumentando cerca de 15% por
década, o equilíbrio entre a participação feminina e masculina está longe de ser
alcançado, em função do preconceito, principal dificultador do ingresso e da
permanência da mulher no mercado de trabalho. O preconceito contra a mulher
decorre basicamente de dois motivos: primeiro, a idéia infundada de que o
desempenho funcional feminino é afetado por alterações de humor decorrentes de
seu ciclo biológico ou de fatores como seu estado conjugal, o número de filhos ou a
idade; segundo, o condicionamento cultural, que abarca pré-concepções sobre a
mulher e a colocam como um ser frágil e limitado intelectualmente, idéia que
também carece de fundamento. Dessa forma, para a mulher delimitar seu espaço,
29
ela precisa estar mais qualificada que o homem e se submeter a salários mais
baixos, já que suas habilidades tendem a ser desqualificadas.
Hirata e Kergoat (2003), ao discorrerem sobre a questão da valorização do
trabalho feminino e do masculino, ressaltam a sobreposição do trabalho biológico ao
social. Nesse sentido, a produção é ligada ao gênero masculino e tem mais valor
que a reprodução, ligada ao feminino. Mesmo quando o homem e a mulher se
dedicam a uma mesma produção, a masculina é mais valorizada que a feminina, em
função da hierarquia entre os sexos, com a supremacia do masculino.
Além disso, as mulheres normalmente têm que conciliar as demandas
relativas ao trabalho com os afazeres domésticos. No confronto entre as atuais
exigências profissionais e o papel de cuidado com as questões do lar, que lhes foi
historicamente conferido, elas se vêem numa encruzilhada que, muitas vezes, pode
lhes trazer sofrimento psíquico. Bruschini (1994) destaca as dificuldades
encontradas pelas mulheres trabalhadoras no meio urbano, para conciliar as
atividades domésticas e profissionais. Segnini
6
(1997, apud Corrêa, 2004) destaca
como um dos motivos por não ter a mulher ainda alcançado conquistas equivalentes
às do homem no mercado de trabalho o fato de cumprir dupla jornada de trabalho,
que ela continua responsável pelas atividades do lar, aspecto a que atribui a maioria
dos casos de doenças profissionais femininas evidenciadas nas pesquisas que
realizou.
Girão (2001) observa que, ainda que esteja sendo muito contestado o modelo
que coloca o homem como responsável pela esfera pública (incluindo sua
participação nas decisões da sociedade e da política) e a mulher como responsável
pelo espaço privado (atividades do lar e educação dos filhos), o estabelecimento de
novas formas de relação está sendo difícil, já que continua recaindo sobre a mulher
o ônus da reestruturação desse processo. Em seu estudo, Girão (2001) constatou
que a representação da mulher como base do lar é tão forte, que se sobrepõe à
queixa em relação ao acúmulo de tarefas. As mulheres, mesmo assumindo funções
técnicas no mercado de trabalho, continuam se sentindo responsáveis pelas funções
do lar, dificultando, assim, a divisão das tarefas domésticas. Segundo o estudo
6
SEGNINI, L. R. P. Aspectos culturais nas relações de gênero e a questão da produtividade em
tempos de trabalho flexível e qualidade total. In: MOTTA, F. C. P. e CALDAS, M. P. (orgs.). Cultura
organizacional e cultura brasileira. São Paulo: Atlas, 1997, p. 184-200.
30
dessa autora, mesmo quando algumas conseguem fazer essa divisão com o
cônjuge, a representação de responsabilidade sobre o lar não se rompe.
Segundo Brito (2000), a divisão sexual do trabalho impõe à mulher uma
jornada ilimitada. Esse aspecto, associado à responsabilidade pelo trabalho familiar
e aos menores recursos de que dispõe, representa para elas um esforço excessivo,
que pode levar à deteriorização de sua saúde física e mental.
Belotti
7
(1993, apud Girão, 2001) explica as representações quanto às
diferenças entre o masculino e o feminino como derivadas dos condicionamentos
sociais a que os indivíduos são submetidos. As estruturas psicológicas assim
formadas levam a mulher a sofrer certo sentimento de culpa, quando opta por
inserir-se no mercado de trabalho, abrindo mão de uma vida dedicada
exclusivamente ao lar; por outro lado, o sentimento de fracasso a persegue quando
opta por realizar-se como mulher, sem participação no mundo do trabalho formal.
Bueno (1999)
8
, ao pesquisar a questão da culpa surgida na relação da mulher
com a maternidade e o trabalho, afirma que esse sentimento aparece quando ela
tenta conciliar as questões do lar e a educação dos filhos com o trabalho extra-lar,
que se impõe para muitas delas como necessidade econômica. Elas se sentem
culpadas pelo ‘abandono’ do papel tradicional de mães e educadoras. Embora a
maternidade seja um ônus, as mulheres estudadas por essa autora não se
abdicariam dessa função, pois a vêem como possibilidade de alcançarem a
plenitude feminina e sua complementação. Por outro lado, também não querem abrir
mão do trabalho remunerado, considerado como libertação do jugo masculino e uma
fonte de auto-estima, que o trabalho doméstico não é capaz de proporcionar-lhes.
Bittencourt (1980), por sua vez, abordando a questão do sentimento das
mulheres submetidas à sobrecarga da dupla jornada de trabalho, ressalta que elas
têm a percepção de que deixam a desejar em ambos os setores, casa e trabalho.
Em estudo sobre os impactos da divisão sexual do trabalho, Figueiredo e
Scavone (1999)
9
entrevistaram doze operárias e doze operários de uma metalúrgica
7
BELLOTI, E. G. Educar para a submissão: o descondicionamento da mulher. Petrópolis: Vozes,
1983.
8
BUENO, C. M. L. B. A mulher e a culpa: relações entre o trabalho e a maternidade (um estudo
realizado com as trabalhadoras das indústrias do setor coureiro-calçadista e smilares da cidade de
Franca). II INTERNATIONAL CONGRESS WOMEN, WORK, HEALTH: livro de resumos. 1999, Rio de
Janeiro. p. 287 e 288.
9 FIGUEIREDO e SCAVONE. Gênero e stress: impactos da divisão sexual do trabalho em um estudo
de caso. II INTERNATIONAL CONGRESS WOMEN, WORK, HEALTH: livro de resumos. 1999, Rio
de Janeiro. p. 282 e 283.
31
e constataram diferenças referentes ao tempo de dedicação ao trabalho e ao lazer
entre os dois segmentos: 83,3% das mulheres entrevistadas e 75% dos homens
relataram dedicar-se a uma atividade fora do trabalho. A maioria absoluta das
mulheres informou não praticar qualquer tipo de esporte, enquanto 66% dos homens
declararam fazê-lo. Quanto às ações relacionadas à maternagem, a pesquisa
revelou prevalência da dedicação feminina, constatando, por exemplo, caber a
83,3% delas levar o filho ao médico quando adoecia, enquanto a porcentagem de
homens responsáveis por essa tarefa era de 7,3%. Além disso, 100% das mulheres
e apenas 4% dos homens declararam realizar atividades domésticas diárias, tais
como cozinhar, lavar e passar. Ressaltam as citadas autoras que essas
discrepâncias na divisão sexual do trabalho interferem na saúde da mulher,
ocasionando-lhe depressão, irritação, dores de cabeça, na coluna e falta de
concentração.
Dowbor (2003) ressalta que a inserção da mulher no mercado de trabalho, ao
mesmo tempo em que traz alguns avanços, contrasta com certos atrasos sociais. A
título de exemplo, observa que, apesar de a mulher estar atingindo um nível de
formação educacional superior ao do homem na sociedade atual, fato importante
para sua inserção no mercado e para sua libertação, há evidentes desníveis salariais
entre homens e mulheres, além de uma divisão desigual da carga de trabalho
familiar. Em outras palavras, a evolução profissional da mulher não tem sido
acompanhada por mudanças sociais, nem no Brasil, nem em países considerados
desenvolvidos.
Hirata (2003) analisa alguns pontos de convergência entre o comportamento
de mulheres brasileiras e européias, dentre os quais cita o aumento da atividade
feminina nos últimos trinta anos, o qual, no caso do Brasil, verificou-se tanto no
mercado formal da economia, quanto no informal. Outros aspectos em comum
apontados pela autora são o elevado número de mulheres submetidas à
precariedade e/ou vulnerabilidade no trabalho e a superioridade da taxa de
desemprego feminino em relação ao segmento masculino, mostrando que ainda
um extenso caminho a percorrer, no que se refere à emancipação das mulheres no
mercado de trabalho. Um fato que torna esse índice mais alto é a atribuição,
principalmente à mulher, dos cuidados relativos aos filhos, fazendo com que muitas
delas permaneçam ativas apenas na esfera doméstica. A autora afirma que a gestão
da esfera familiar, incluindo a prestação de cuidados a crianças ou a adultos
32
dependentes, necessita da disponibilidade de um dos membros do casal, tarefa que
geralmente recai sobre a mulher, limitando sua autonomia e obrigando a que
trabalha a conciliar a vida profissional com a familiar. E acrescenta:
Enquanto a ‘conciliação’ entre a vida profissional e a vida familiar,
trabalho assalariado e trabalho doméstico for pertinente
exclusivamente para as mulheres, as bases em que se sustenta
essa divisão sexual não parecem estar ameaçadas nos seus
fundamentos (HIRATA, 2003, p. 20).
Bittencourt (1980) destaca o quanto o papel de cuidar dos filhos,
principalmente quando eles ainda são pequenos, afasta a mulher do processo de
produção. O recurso encontrado por muitas mulheres para lidar com a necessidade
de cuidar dos filhos e manter-se no mercado de trabalho é a contratação do serviço
de outra mulher (empregada doméstica), situação que perpetua a precarização do
trabalho feminino.
Laufer (2003, p. 127) destaca: “Agora, iguais de direito, as mulheres
permanecem desiguais de fato”. A citada autora aborda os três âmbitos em que
essas desigualdades se manifestam: na esfera profissional, as mulheres ainda não
alcançaram o mesmo patamar de remuneração nem de cargos que os homens; no
aspecto social, elas ainda estão sujeitas aos papéis de esposas e mães, que as
colocam em situação de dependência; no âmbito familiar, sofrem as desigualdades
da divisão sexual do trabalho doméstico:
Embora a igualdade profissional e a igualdade salarial estejam na
agenda política das democracias ocidentais como uma das
dimensões fundamentais da cidadania das mulheres, a divisão
desigual do trabalho familiar e doméstico pesa sobre as
desigualdades entre os homens e mulheres no mercado de trabalho
e limita a autonomia das mulheres (LAUFER, 2003, p. 130).
Outro aspecto abordado pela autora sobre a discrepância existente entre o
trabalho masculino e o feminino diz respeito à conquista pelos homens do direito a
tempo livre, através da redução da jornada de trabalho e das rias pagas,
possibilitando-lhes existir fora da esfera do trabalho; elas, por sua vez, estão
conquistando a liberdade de existir fora da esfera privada, onde ainda vivem em
regime de subordinação doméstica. Portanto, as evidências comprovam que a
situação das mulheres é marcada por movimentos contraditórios, pois, ao mesmo
33
tempo em que o trabalho assalariado lhes acesso à cidadania plena, o direito ao
tempo livre fica-lhes restrito.
2.2.3 Participação da mulher brasileira no mercado de trabalho
Para Bruschini (1994), a partir de 1975, o tema trabalho começou a ser
abordado de forma significativa nas publicações sobre a mulher. Os estudos iniciais
tratavam basicamente da participação feminina no mercado de trabalho; mais
tarde passaram a incorporar a articulação entre trabalho e família. Segundo a autora,
esse foi um importante passo nos estudos sobre o trabalho feminino, pois, para a
mulher, a vivência do trabalho implica a conciliação entre as esferas pública e
privada.
Segundo Bruschini (1994), o impacto desses debates teóricos e dos
movimentos feministas provocou uma nova forma de abordar as questões atinentes
à mulher e ao trabalho, nas pesquisas do censo. Até 1980, em função da maior
valorização social da função reprodutiva da mulher, muitas eram consideradas
inativas economicamente, pois se declaravam donas-de-casa, mesmo quando
exerciam alguma atividade profissional. Além disso, a forma como eram feitas as
perguntas nesse tipo de pesquisa induzia as mulheres a se declararem dedicadas
exclusivamente aos afazeres domésticos, trabalho que até hoje não é contabilizado
como atividade econômica. O conceito de chefe-de-família, até o censo de 1970, era
atribuído a um homem, mesmo que ele não fosse o provedor. A mulher poderia
ser considerada chefe-de-família, quando desquitada, viúva ou vivendo sem a
presença masculina. A partir do censo de 1980, a questão da chefia da unidade
familiar passou a ser investigada, considerando-se a possibilidade de a mulher
exercer esse papel, mesmo quando convivendo com uma figura masculina. As
atividades extra-domésticas da mulher também passaram a ser mais valorizadas por
elas mesmas, tendo igualmente mudado a forma de se pesquisar o trabalho feminino
(BRUSCHINI, 1994).
Segundo fontes do censo de 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatísticas IBGE, as mulheres são a maioria no País, representando 50,78% da
população. Sua importância na sociedade, nos últimos anos, pode ser observada
34
pelo aumento da porcentagem de domicílios sob sua responsabilidade: eram 18,1%
em 1991 e 24,9% em 2000. A população feminina economicamente ativa era 8% em
1940 e 42,5% em 2002, porém, a metodologia de pesquisa do IBGE ainda considera
o trabalho das donas-de-casa como inatividade econômica (CORRÊA, 2004).
Analisando as taxas de atividade feminina e masculina na década de 1990,
Bruschini e Lombardi (2003) destacam seu crescimento para as mulheres e um
pequeno declínio para os homens, em função da consolidação da presença feminina
no mercado. Essas autoras também relatam mudanças ocorridas nas famílias
brasileiras, cujo tamanho reduziu (a taxa de fecundidade caiu de 5,8 filhos na
década de 1970 para 2,3 filhos nos anos 1990), paralelamente ao aumento do
número de famílias chefiadas por mulheres. Segundo as citadas autoras, o impacto
dos movimentos feministas, desde os anos de 1970, contribuiu para alterar padrões
culturais e valores relativos ao papel social da mulher.
Portanto, a mulher tem estado cada vez mais voltada para o espaço
produtivo, o que pode ser observado pela diminuição do número de filhos, o
aumento da participação feminina na População Economicamente Ativa - PEA - e a
expansão de sua escolaridade. Considerando o quantitativo total de concluintes de
cursos superiores, as mulheres representaram percentual majoritário em 1997 (61%)
e 1998 (55,1%). Ainda em termos de escolaridade, no âmbito da PEA, constatou-se
que, em 1998, 29,2% das mulheres tinham onze ou mais anos de estudo, enquanto
essa porcentagem entre os homens era de 20,2%. Por outro lado, entre os mais
escolarizados de ambos os sexos (média de quinze anos de estudo), 85% dos
homens e apenas 67% das mulheres ganhavam mais de cinco salários mínimos
(BRUSCHINI e LOMBARDI, 2003).
Em relação às taxas de desemprego, segundo dados de 2002 da Pesquisa
Mensal de Emprego do IBGE, as mulheres também são as mais atingidas: 7,8%
contra um percentual masculino de 6,7%.
Bruschini e Lombardi (2003) também destacam uma outra característica do
processo de inserção da mulher no mercado de trabalho: a precariedade que tem
atingido a população feminina. Em 1998, 36% da força de trabalho feminina
(correspondente a 10 milhões de mulheres) estavam atuando em nichos precários
do mercado, apesar de se evidenciar o decréscimo de mulheres no trabalho
doméstico e em atividades realizadas para o consumo da família, onde a presença
feminina é marcante. Ainda que 50% dos empregos femininos com carteira assinada
35
sejam trabalhos de menor prestígio social, como serviços administrativos, de
serventia, de higiene, de beleza, de auxílio à saúde, as mulheres têm-se adentrado
em áreas profissionais mais privilegiadas, como a Medicina, a Advocacia, a
Arquitetura e outras.
No balanço da análise dessas autoras sobre o processo de inserção da
mulher no mercado de trabalho, constata-se que, na cada de 1990, as mulheres
continuaram a ganhar menos que os homens, independentemente do seu grau de
escolaridade, da duração de sua jornada de trabalho ou da posição ocupada; porém,
as diferenças entre os sexos vêm diminuindo em função da flexibilização das
atividades industriais, que atingiu o público masculino, e do ingresso maciço de
mulheres em ocupações mais qualificadas e mais bem remuneradas.
2.3 Estratégias defensivas
2.3.1 Mecanismos de defesa freudianos
Freud (1996) descreveu a mente e seu funcionamento, a partir da série
prazer-desprazer, que regula o psiquismo. O desprazer implica aumento da catexia
energética e “pede” uma descarga. O prazer é uma redução da catexia energética.
O termo defesa, segundo Seligmann-Silva (1994), refere-se a mecanismos de
proteção contra o sofrimento, entendendo-se por mecanismos de defesa aqueles
elaborados pelo aparelho psíquico (consciente ou inconscientemente), para evitar ou
tornar suportável o sofrimento. Representam a luta do ego contra idéias ou afetos
dolorosos ou insuportáveis.
Os mecanismos de defesa surgem, pois, da luta do ego para articular forças
antagônicas do aparelho psíquico. As três instâncias psíquicas da teoria freudiana
são: o id, o ego e o superego. O id representa os impulsos instintivos e tem relação
direta com o aspecto biológico, de onde ele extrai a energia instintiva. O id está
localizado, em sua totalidade, na parte inconsciente do psiquismo. Ele é regido pelo
princípio do prazer, que regula os instintos (TALLAFERRO, 1989).
36
Segundo esse autor, o ego seria a parte do aparelho psíquico responsável
pela organização coerente dos processos mentais. O ego lida com as percepções
externas e internas, denominadas de sentimentos e sensações. O ego procura
aplicar a influência do mundo externo ao id e às suas tendências, e força por
substituir o princípio do prazer (que reina no id) pelo princípio da realidade. O ego
representa a razão, e o id, as paixões. Ele controla a descarga de excitações para o
mundo externo. Essa função mediadora do ego é considerada como integradora da
personalidade, pois ele media os impulsos egoístas do id e as representações do
mundo externo: “O principal papel do ego, portanto, é coordenar funções e impulsos
internos, e fazer com que os mesmos possam expressar-se no mundo exterior, sem
conflitos” (TALLAFERRO, 1989, p. 58).
A outra instância psíquica, denominada superego, representa um código de
ética ou de conduta, indispensável para a adaptação do sujeito ao meio social. Ele é
resultado da introjeção das injunções proibitivas dos pais. Tallaferro (1989),
reportando-se à função moral do superego, ressalta seu papel de obrigar o indivíduo
a abandonar os impulsos de natureza sexual e agressiva que ameaçam o ego,
observando, guiando e censurando, da mesma forma como, na infância, os pais
faziam com a criança. O que antes era castigo que os pais imprimiam à criança,
quando adulta, transforma-se em remorso e culpa.
Segundo Tallaferro (1989), como o ego encontra-se situado entre o id e o
meio ambiente e ainda sofre pressões do superego, sua posição é muito delicada, o
que, muitas vezes, leva o sujeito à angústia, decorrente da ameaça ao ego de perda
de sua organização. É nesse contexto que o ego lança mão de mecanismos
defensivos que lhe permitem criar algumas barreiras aos impulsos, de forma a
amenizar os conflitos causados pelas exigências das diferentes instâncias psíquicas.
Os mecanismos de defesa não resolvem o conflito, mas ajudam o sujeito a adaptar-
se a uma situação dolorosa para seu ego.
Tallaferro (1989) observa que a primeira vez que Freud
10
utilizou o termo
“mecanismos de defesa”, foi em 1894, no artigo “As neuropsicoses de defesa”.
Depois, ele o substituiu por “repressão”, que representa as inibições do ego contra
10 FREUD, S. As neuropsicoses de defesa. In: Obras psicológicas completas de Sigmung Freud. Rio
de Janeiro: Imago, 1996. Vol. III, p. 53-66. Edição Standard. Trad.: José Octavio de Aguiar Abreu.
37
os impulsos, mas em 1924, no artigo “Inibições, sintomas e ansiedades”, Freud
11
voltou a empregar o conceito de “mecanismos de defesa” e reformulou o de
“repressão”, a qual considera apenas uma das técnicas utilizadas pelo ego na luta
contra os impulsos instintivos.
Tallaferro (1989) estabelece distinção entre os mecanismos de defesa usados
contra os perigos intrapsíquicos e os extrapsíquicos.
2.3.1.1 Defesa contra perigos intrapsíquicos
Trata-se de mecanismos elaborados em face de situações desagradáveis,
geradas no próprio indivíduo, como forma de proteger-se. A seguir, serão enfocados
os principais.
A repressão representa o mecanismo de defesa através do qual se evita que
as representações desconfortáveis tenham acesso à consciência, mediante a
expulsão do impulso instintivo do sistema pré-consciente, impedindo-o que chegue à
consciência ou que produza alguma ação. Dessa forma, o ego se organiza,
controlando a pulsão e evitando perder o controle (ALMEIDA, 1996). Para
Seligmann-Silva (1994), a repressão está ligada à manutenção da civilização entre
os homens, pois através dela são excluídos da consciência os pensamentos ou
sentimentos perturbadores ou socialmente censurados, porém, quando exacerbada,
a repressão leva a um sintoma ou doença, como costuma ocorrer nos casos de
histeria.
Tallaferro (1989) destaca que a repressão surge a partir do conflito entre
prazer e desprazer, pois a satisfação do impulso instintivo, ao mesmo tempo em que
causaria prazer por si só, seria inconciliável com alguns princípios do ambiente.
Assim, ao se manifestar, seria motivo de grande desprazer. É nesse aspecto que
atua o superego, o qual faz o exame da realidade, impedindo que esse instinto se
manifeste e forçando para que ele permaneça distante da consciência. Esse é um
esforço contínuo e permanente, e o comportamento que ele produz é a inibição.
11 FREUD, S. Inibições, sintomas e ansiedade. In: Obras psicológicas completas de Sigmung Freud.
Rio de Janeiro: Imago, 1996. Vol. XX, p. 79-172. Edição Standard. Trad.: José Octavio de Aguiar
Abreu.
38
Esse esforço contínuo significa grande dispêndio de energia, que será tanto maior
quanto mais significativa for a ideação que precisa ser censurada.
Conteúdos reprimidos voltam à consciência de várias formas: através de
sonhos, sintomas, devaneios, piadas, nas entrelinhas da comunicação ou em
comportamentos explícitos. Esse mecanismo de defesa pode ser rompido por
diferentes ocorrências. Seligmann-Silva (1994) destaca que, em situações extremas,
tais como acidentes de trabalho experimentados pelo próprio sujeito ou por colegas,
ou uma crise mental aguda, podem fazer vir à consciência conteúdos que antes
eram reprimidos, como forma de defesa contra situações de trabalho ansiogênicas
ou até perigosas. Nessas situações extremas, o sujeito pode até mesmo
desenvolver sintomas psicossomáticos capazes de impedi-lo de retornar ao trabalho,
como forma de se proteger contra um perigo do qual agora tem consciência.
Assim como a repressão, a regressão constitui um outro mecanismo de
defesa do ego contra perigos intrapsíquicos. Através desse mecanismo, a atividade
psíquica é conduzida a um estágio cronologicamente anterior ao grau de maturidade
alcançado. Depois de tentativas frustradas de gratificação instintiva, o indivíduo
pode recorrer a estágios anteriores, em que tenha experimentado tais satisfações
(TALLAFERRO, 1989).
Almeida (1996) cita como exemplos de atitudes regressivas desde a
satisfação através dos sonhos ou de momentos de nostalgia até alucinações ou
comportamentos como chupar dedo ou roer unha. Uma situação comum que,
segundo o autor, costuma gerar a regressão diz respeito a situações em que o
indivíduo tenta alcançar um patamar muito alto na vida pessoal ou profissional e,
conseqüentemente, com um grau de responsabilidade muito maior. Essa situação
pode tornar-se ameaçadora, fazendo-o retroceder a estágios anteriores,
conhecidos e, por isso, mais seguros. A regressão, nesses casos, pode aparecer
através do medo do sucesso, da vontade de abandonar o projeto, de momentos de
choro e até depressivos, do pedido de socorro. O autor também se reporta à fixação,
um mecanismo de defesa em que o sujeito se fixa e se cristaliza em fantasias ou
condutas características de estágios anteriores de desenvolvimento.
O isolamento, por sua vez, é o recurso adotado pelo indivíduo que busca
obsessivamente distanciar-se das experiências ameaçadoras, separando a conduta
do sentimento, como forma de não perceber a relação entre o conflito e o sintoma.
Isola-se em seu mundo e não se envolve afetivamente em situações que lhe
39
pareçam ameaçadoras para seu psiquismo, podendo levar ao embotamento afetivo.
(ALMEIDA, 1996)
A anulação, outro mecanismo de defesa, é a tentativa de realização de
determinado ato com o objetivo de desfazer ou anular o significado de outro anterior,
ou seja, faz-se o contrário do que foi feito anteriormente. É um mecanismo presente
no pensamento mágico obsessivo (TALLAFERRO, 1898). Situação típica desse
mecanismo, segundo Almeida (1996), é a tendência revelada por certas pessoas a
trocarem de emprego ou de relação amorosa freqüentemente, como forma de fazer
e depois desfazer.
A formação reativa, por outro lado, diz respeito ao indivíduo que realiza algo
totalmente oposto a seus desejos inconscientes. Almeida (1996) fala de
compromissos transformados em traços de caráter, como maneira de construir uma
barreira constante contra as tendências reprimidas e manter um comportamento
socialmente aceito e aprovado. Seria o caso, por exemplo, de ex-fumantes que se
transformam em defensores radicais de causas anti-tabagistas.
A identificação, segundo Almeida (1996), pode ser considerada sob dois
aspectos: como mecanismo de estruturação do aparelho psíquico, quando a criança
se identifica com os pais para a constituição do seu psiquismo, e como mecanismo
de defesa. É uma das formas mais primitivas de vinculação afetiva e consiste em
transferir algo que é do objeto ao próprio ego. Existe a identificação projetiva, em
que o ego projeta aspectos de si próprio no objeto (de forma simplificada, dir-se-ia
que o sujeito se no objeto), e a identificação introjetiva, em que o sujeito introjeta
o objeto no ego (TALLAFERRO, 1989 e ALMEIDA, 1996). Tallaferro ainda
acrescenta a identificação por deslocamento, mecanismo a partir do qual o sujeito
projeta em determinada pessoa características negativas de outra pessoa de quem
não gosta.
Outro mecanismo de defesa contra os perigos intrapsíquicos, descrito por
Tallaferro (1989), é a projeção, considerada como uma defesa, na medida em que o
indivíduo transfere a um objeto externo suas próprias tendências inconscientes,
inaceitáveis para seu superego, percebendo-as como características do objeto e não
suas. Segundo Almeida (1996, p. 59), “o sujeito projeta o que nega em si próprio,
atribuindo ao outro qualidades, sentimentos ou desejos que seriam originariamente
seus”. Destaca o autor que, em situações cotidianas de pressão ou tensão
40
inaceitáveis, pessoas consideradas normais recorrem à projeção como forma de
manter a homeostase psíquica.
A sublimação é descrita por Tallaferro (1989) como um processo de
adaptação dos impulsos do id às normas do meio ambiente, através da ação do ego
e da influência do superego, com proveito para o sujeito e para a sociedade. Ela é
considerada como uma defesa bem-sucedida, em que o ego consegue, com
sucesso, a harmonização dos impulsos do id com as exigências do meio ambiente e
do superego. Nesse processo, os instintos abandonam seu objetivo original e
elegem um outro fim, mais compatível com as exigências da sociedade e do
superego, conseguindo, assim, um outro tipo de satisfação. Os instintos que antes
eram sexuais ou agressivos se transformam em energia que será utilizada no
trabalho, na realização de uma obra de arte, numa pesquisa científica, enfim, em
qualquer atividade dentro do processo de civilização. Para isso, é necessário que o
instinto se dessexualize ou perca a agressividade, tornando-se subordinado ao ego,
sem ser reprimido.
O autor se refere ao trabalho como uma das formas de orientação da energia
agressiva mais utilizadas, que, de certa forma, pode ser considerado como uma
luta contra algo, por ser uma ação do homem na natureza. Quando o trabalho
assume o sentido de sublimação da energia, ele representa uma atividade
prazerosa, ao contrário do trabalho como formação reativa, que é realizado como
algo forçado, sem prazer.
Segundo Almeida (1996), a sublimação, na medida em que significa a
canalização dos impulsos agressivos para atividades socialmente nobres,
representaria o surgimento da civilização e da cultura.
2.3.1.2 Defesa contra os perigos extrapsíquicos
Trata-se de mecanismos que atuam diante de situações desagradáveis,
provenientes do mundo exterior.
Através da negação, o sujeito nega a realidade com a qual ele se sente
impotente para lidar. Para isso, ele cria uma falsa situação que lhe seja mais fácil de
41
enfrentar do que a real. Nos primeiros anos de vida, a criança utiliza-se desse
mecanismo para negar as situações da realidade que lhe são desprazerosas. Na
fase adulta, o sujeito pode lançar mão desse mecanismo para ampliar os limites de
uma situação desagradável ou para suplantá-la, através de fantasias e devaneios.
Tal reação pode ultrapassar os limites da normalidade, na medida em que gera
atitudes irracionais (TALLAFERRO, 1989 e ALMEIDA, 1996).
Seligmann-Silva (1994) destaca a repressão e a negação como os
mecanismos de defesa mais presentes na infância, porém, o adulto, ao se deparar
com situações ameaçadoras, algumas das quais vivenciadas no ambiente de
trabalho (intensa dominação, baixa autonomia, convívio com riscos de vida ou de
integridade física), chega a recorrer a esses mecanismos de defesa mais primitivos.
Mendes, Costa e Barros (2003) complementam essa idéia, observando ser a
negação utilizada como um mecanismo de defesa no contexto de trabalho, como
forma de controlar o agente causador de conflitos e contradições e geradores de
sofrimento psíquico. Esse controle permite a minimização da ansiedade, do medo e
da insegurança que a situação provoca, mas o permite a mobilização em prol da
modificação desse contexto.
A limitação do ego refere-se à defesa adotada por algumas pessoas contra
fatores desagradáveis externos, levando-as a abandonar uma atividade que lhes
esteja causando desprazer ou receio. O sentimento de fracasso experimentado
diante da comparação do próprio trabalho com o do outro, ou o medo de não dar
conta, podem fazer com que o sujeito abandone uma atividade ou parte dela,
criando ou não uma justificativa para tal atitude. Muitas pessoas que adotam
freqüentemente esse mecanismo de defesa preferem estar na posição de
espectadores, ao invés de correrem o risco do fracasso, caso se lancem na tarefa
(TALLAFERRO, 1989)
A identificação com o agressor temido é outro mecanismo defensivo
trabalhado pelo autor. Refere-se ao processo de adotar as atitudes do objeto
agressor temido, saindo, assim, da posição passiva (em que se sente ameaçado)
para assumir um papel ativo (de quem ameaça).
A renúncia altruísta representa a defesa de quem deixa de utilizar sua energia
para a obtenção dos próprios fins para utilizá-la na vida de outras pessoas, deixando
de viver a própria vida para viver a dos outros. A renúncia altruísta serve para se
42
defender das frustrações narcísicas e também para estabelecer vínculos afetivos e
consolidar relações interpessoais.
Seligmann-Silva (1994) reporta-se a outro mecanismo de defesa, a
racionalização, através do qual o indivíduo atribui à realidade explicações coerentes
do ponto de vista lógico ou aceitáveis do ponto de vista moral, quando se depara
com situações dolorosas. Ainda que a explicação seja consciente, ele não tem
consciência de que está racionalizando tal situação. Segundo Mendes, Costa e
Barros (2003), a utilização desse mecanismo de defesa por determinada categoria
profissional mostra que o grupo está imóvel diante da dificuldade enfrentada na
organização do trabalho, pois não busca modificar o que está errado, nem tampouco
questionar.
Essas autoras ainda citam um outro mecanismo de defesa comum entre
profissionais que não tentam mudar a realidade causadora de sofrimento: a
compensação através de atividades físicas ou de lazer, fora do ambiente de
trabalho. Essa é uma forma de controlar o sofrimento e não de buscar mudanças
para transformar sua situação geradora. Em sua pesquisa sobre as estratégias
defensivas dos operários terceirizados da construção civil, Barros e Mendes (2003)
reportam-se a meios de defesa identificados nesse âmbito tais como negação,
compensação e fuga de situações desagradáveis, com vistas a minimizar o
sofrimento. Evidenciam, contudo, a tendência à alienação dos trabalhadores, no que
tange à busca de mudanças no contexto do trabalho, que esses mecanismos têm
o efeito de produzir certa estabilidade psíquica artificial.
2.3.2 Psicopatologia do Trabalho
Dejours e Abdoucheli (1994) destacam como objeto de pesquisa da
Psicopatologia do Trabalho o sofrimento. Nesse contexto, o termo sofrimento refere-
se a uma série de mecanismos de regulação do psiquismo, ou seja, um estado de
luta do sujeito contra as forças adoecedoras ligadas à organização do trabalho.
Segundo os autores, mesmo que haja sofrimento, não significa necessariamente
que exista doença.
43
O conceito de estratégia defensiva trabalhado por Dejours tem origem nos
estudos de Freud sobre mecanismos de defesa, os quais, segundo Almeida (1996),
surgem a partir da tentativa do indivíduo de ajustar-se diante dos conflitos, quando
estes se acentuam, elevando o nível de tensão. Os conflitos seriam não apenas os
acontecimentos internos ou externos ao indivíduo, que caracterizam um momento
crítico para a própria sobrevivência emocional, fazendo-o sentir-se ameaçado, mas
também a incompatibilidade entre seus sentimentos, desejos e os valores (morais,
sociais, éticos) e papéis que tem que desempenhar. A incompatibilidade entre o
funcionamento psíquico do sujeito e a organização do trabalho, observada por
Dejours, atua como motivo de sofrimento, o qual acontece “[...] quando estão
bloqueadas todas as possibilidades de adaptação entre a organização do trabalho e
o desejo dos sujeitos” (DEJOURS, 1991, p. 10). A luta entre os desejos do sujeito e
a organização do trabalho pode trazer soluções favoráveis à produção no trabalho e
à saúde, caracterizando-se como um sofrimento criativo, mas pode também gerar
soluções desfavoráveis à saúde, instalando-se o sofrimento patogênico, que
acontece após serem explorados todos os recursos defensivos do sujeito
(DEJOURS, 1991).
Dejours e Abdoucheli (1994) diferenciam, portanto, dois tipos de sofrimento
relativos à organização do trabalho: o criativo e o patogênico. O sofrimento
patogênico acontece quando não mais qualquer margem de liberdade que o
sujeito possa explorar para transformar ou aperfeiçoar a organização do trabalho, ou
seja, quando as pressões são rígidas, fixas, incontornáveis, levando o trabalhador à
repetição e gerando-lhe desgaste, frustração e sentimento de impotência. Segundo
os autores, essa situação leva o indivíduo a manifestar uma descompensação
mental ou psicossomática. o sofrimento criativo acontece quando ele pode ser
transformado em criatividade. Esse tipo de sofrimento possibilita a transformação,
contribuindo, então, para a resistência do sujeito à desestabilização. Nesse caso, o
trabalho funciona como um mediador para a saúde.
É justamente o lugar do trabalho na regulação psíquica dos sujeitos que
interessa à Psicopatologia do Trabalho. O sujeito aqui é considerado em sua
intersubjetividade, portanto, um ser pensante e ativo, que interpreta sua vivência
sobre a organização do trabalho, socializa suas percepções, interage com outros
sujeitos, reage e organiza-se mental, afetiva e fisicamente, age sobre o processo de
44
trabalho, influencia-o e é influenciado por ele, contribuindo para a evolução das
relações sociais de trabalho.
Dejours e Abdoucheli (1994), ao traçarem o itinerário da construção dos
estudos no campo da Psicopatologia do Trabalho até os anos 1990, observam que,
na primeira etapa do desenvolvimento dessa área, as pesquisas eram mais voltadas
para a relação entre determinadas doenças mentais e certas categorias
profissionais, sofrendo grande influência do modelo causalista. Os primeiros estudos
sobre Psicopatologia do Trabalho, na década de 1950, eram baseados no modelo
médico clássico, em que se tentava estabelecer uma relação linear de causa-efeito,
determinante dos agentes e/ou condições de trabalho que levavam a determinadas
doenças físicas ou psicológicas. Porém, a dependência desse modelo em relação ao
modelo médico não permitiu avançar muito o estudo sobre as psicopatologias do
trabalho, pois não se levavam em conta questões relativas à significação e à
vivência subjetiva dos trabalhadores, nem seu contexto sócio-histórico. Além disso,
se concebia o impacto do trabalho sobre os sujeitos considerados
individualmente, desqualificando certas regulações que acontecem no nível coletivo
(DEJOURS, 1991).
Dejours (1992) aponta, como um dos principais motivos para a lentidão do
desenvolvimento significativo dos estudos sobre o trabalho, o superdesenvolvimento
de disciplinas como a Psicanálise, pois essa teoria se volta para o relacionamento
entre duas ou três pessoas, não podendo enfocar, assim, as relações de trabalho.
Aos poucos, foi-se observando que, em um grupo de trabalhadores expostos
às mesmas pressões no trabalho, nem todos eram igualmente atingidos em sua
saúde. Além disso, os estudiosos das relações de trabalho depararam com um
fenômeno enigmático: a normalidade. Dejours (2003) desenvolve o conceito de
normalidade sofrente para explicar que a normalidade não significa ausência de
sofrimento. Ela é resultado da dinâmica que se estabelece na luta do sujeito contra o
sofrimento. Portanto, a normalidade não pode ser interpretada como adaptação
passiva do sujeito às condições difíceis do trabalho; ao contrário, é um resultado
alcançado pela luta contra a desestabilização psíquica, em face das pressões do
trabalho.
Diante do questionamento sobre como os trabalhadores expostos a
constrangimentos e situações pressionadoras no trabalho poderiam manter-se na
normalidade, a Psicopatologia do Trabalho passou por uma reviravolta
45
epistemológica. Não podendo evidenciar doenças mentais específicas, os estudos
passaram a abordar o sofrimento no trabalho de forma mais ampla, surgindo, assim,
o interesse pelas defesas utilizadas pelos trabalhadores contra o adoecimento.
Evidenciou-se que, entre as pressões do trabalho e a doença mental, interpõe-se um
indivíduo capaz de dar sentido à situação que está vivenciando, defender-se e reagir
em face das pressões sofridas no âmbito profissional.
Em meados dos anos 1980, iniciou-se um movimento de análise da dinâmica
das situações de trabalho, surgindo o que veio a se denominar mais tarde
Psicodinâmica do Trabalho. A partir de então, os estudos nesse âmbito desviaram o
foco da identificação das profissões e situações de trabalho que levavam a
determinadas doenças mentais ou físicas, para a dinâmica do trabalho e sua relação
com o prazer e o sofrimento (DEJOURS e ABDOUCHELI, 1994 e CUNHA e
MAZZILLI, 2005).
Dejours e Abdoucheli (1994) ressaltam que cada categoria profissional está
exposta a um modo específico de organização do trabalho, que pode ser facilitador
ou não da saúde mental do trabalhador; porém, esse modelo organizacional se
interpõe entre a vivência subjetiva de cada trabalhador e as relações subjetivas que
estabelecem entre si, o que, em seu conjunto, assume um papel fundamental na
determinação do trabalho como uma vivência de prazer ou sofrimento.
A pesquisa qualitativa realizada por Sentone e Gonçalves (2002), através da
análise do discurso de dois indivíduos pertencentes a uma mesma categoria
profissional (enfermagem) e com duplo vínculo empregatício, possibilitou verificar
que vivenciam o trabalho de forma diferente: para um deles, o exercício profissional
é fonte de sofrimento, em virtude da organização rígida do trabalho, do ritmo e da
carga de atividades, além da dificuldade de lidar diretamente com o sofrimento dos
pacientes e com a alteração do próprio ritmo biológico, em função do trabalho
noturno. o outro sujeito pesquisado, exposto às mesmas condições de trabalho,
assume-o como uma fonte de gratificação e prazer, conseguindo vivenciar o
sofrimento de forma criativa, ajudando no enfrentamento da doença e da morte, no
contexto do seu trabalho. Nesse último caso, o trabalho tem um significado especial
para o profissional, em função da história de luta de sua família por melhores
condições de vida.
Com relação à dimensão subjetiva do trabalhador, Dejours e Abdoucheli
(1994) alertam que o pesquisador sempre deve estar ciente de que uma parte
46
importante da realidade pode escapar à sua percepção, pois os próprios
trabalhadores esforçam-se por conter ou ocultar aquilo que é insuportável para sua
vivência. A situação sobre a qual foi construído um mecanismo de defesa
dificilmente se revela apenas através da observação.
Dejours (1991) propõe uma abordagem mais direcionada para a dimensão
organizacional do trabalho (com as divisões das tarefas e as relações sociais), como
forma de compreender como se dá a articulação singular-coletivo, ou seja, a relação
do sujeito com a organização do trabalho tornou-se o eixo de sua pesquisa, de
acordo com o qual é essa relação que irá determinar se o trabalho é estruturante
para o sujeito ou fonte de adoecimento. Nesse contexto, os efeitos do trabalho sobre
o psiquismo ganharam importância. No entendimento do autor, a relação do trabalho
com o prazer ou com o sofrimento não é determinada de antemão, pois depende de
uma dinâmica complexa, que precisa ser analisada em cada caso específico:
“Ocorre que as reações de defesa são fortemente singularizadas em função do
passado, da história e da estrutura de personalidade de cada sujeito” (DEJOURS E
ABDOUCHELI, 1994, p. 123).
Para compreender por que sujeitos expostos a situações de trabalho muito
constrangedoras conseguem preservar o equilíbrio psíquico e manter-se na
normalidade, Dejours (1991) procurou entender quais estratégias defensivas são
elaboradas pelos trabalhadores para enfrentarem normalmente as situações de
trabalho. Dejours e Abdoucheli (1994) destacam ter sido a descoberta mais
surpreendente a construção de estratégias defensivas organizadas e gerenciadas
coletivamente. Ainda que o prazer e o sofrimento sejam vivências subjetivas, vários
sujeitos, experimentando um sofrimento singular, unem forças para construir
estratégias defensivas comuns. Através delas, os trabalhadores se transformam de
vítimas passivas em agentes ativos de uma operação defensiva, em nível mental.
Para que uma estratégia coletiva de defesa funcione, ela precisa ser consensual no
grupo, pois corresponde a uma regra coletiva que precisa ser partilhada. Se não
esse consenso, ela pára de funcionar.
Mesmo que tais estratégias não modifiquem a realidade patogênica, os
trabalhadores conseguem, através delas, minimizar sua percepção quanto às
pressões advindas da organização do trabalho. Como conseqüência, eles correm o
risco de mascarar o sofrimento, ao invés de articular uma luta contra as pressões
patogênicas da organização do trabalho. É o preço que pagam para manter uma
47
certa estabilidade emocional e tornar possível a estruturação de um coletivo de
trabalho. É pertinente observar que as ameaças contra a estratégia defensiva
podem chegar a ser combatidas fortemente, como se o sofrimento fosse advindo do
enfraquecimento das estratégias defensivas e não do trabalho propriamente dito.
2.3.2.1 Relação do sujeito com o trabalho
Dejours (1994), em seu texto “A carga psíquica do trabalho”, publicado
originalmente em 1980, destaca o caráter qualitativo e dinâmico desse fator, que não
pode ser mensurado, pois encontra-se inscrito na subjetividade, sendo influenciado
por sentimentos como frustração, agressividade, satisfação, reconhecimento e
outros. Ressalta o autor que o organismo do trabalhador não é uma quina que
reproduz suas atividades mecanicamente, pois está constantemente sofrendo
influência de excitações exógenas (do ambiente) e endógenas. Além disso, o
trabalhador tem sua história e, portanto, tem aspirações, desejos, motivações e
interesses influenciados por ela. É também em função de sua história enquanto
sujeito que ele descarrega de forma singular a energia proveniente de sua relação
com o trabalho.
Dejours (1994) ressalta que o sujeito, como alvo permanente de excitações,
produz uma tensão psíquica que pode utilizar-se de três vias de descarga: psíquica,
motora e visceral. Em função da história pessoal e do desenvolvimento da
personalidade de cada sujeito, quando essa energia não encontra formas de ser
liberada, são “escolhidas” determinadas vias de descarga, em detrimento de outras.
Assim, alguns indivíduos encontrarão, em suas representações mentais, uma fonte
de relaxamento; outros poderão utilizar a via motora (corpo, musculatura) de
diversas formas, como fonte de descarga, podendo gerar fadiga muscular ou
comportamentos psicomotores, como crises agressivas de raiva; outros ainda
poderão descarregar a tensão visceralmente, o que pode levar a distúrbios
psicossomáticos.
Nessa perspectiva, Dejours (1994) denomina trabalho equilibrante aquele que
possibilita ao sujeito vias de descarga adequadas às suas necessidades; ao
contrário, trabalho fatigante seria aquele que não permite essa descarga, tornando-
48
se grande fonte de tensão. O autor considera a liberdade como condição necessária
à estabilidade psíquica, pois ela permite ao sujeito fazer adaptações no seu trabalho,
de maneira a rearranjar o modo operatório e encontrar formas prazerosas de ação,
ou seja, o sujeito mobiliza seus recursos subjetivos e objetivos (materiais) e encontra
sentido no que faz. Ao contrário, quando se trata de uma organização rígida, que
impeça qualquer adaptação, o trabalho torna-se fonte de tensão e,
conseqüentemente, de sofrimento, ou seja, a falta de controle sobre o contexto de
trabalho é fonte de tensão e desprazer. Hirata e Kergoat (2003), analisando as
dimensões da divisão sexual do trabalho, ressaltam que as mulheres são
normalmente mais sujeitas a esse tipo de trabalho patogênico.
Dejours (1994) relata que a energia que não consegue meios de descarga,
em virtude de rigidez da organização do trabalho, não permanece estancada por
muito tempo. Assim, quando a capacidade de contenção transborda, essa energia
acaba recuando para o corpo, ocasionado algumas perturbações. O mesmo
mecanismo ocorre na fadiga, em que a sobrecarga psíquica procura o organismo
como fonte de descarga. Retomando a questão da subjetividade do indivíduo,
explica o autor que não como afirmar que determinado tipo de trabalho é mais
fatigante que outro, pois seu efeito em cada trabalhador vai depender de sua história
pessoal e de sua estruturação psicomotora, psicossensorial e psíquica.
2.3.2.2 Trabalho e sofrimento
Dejours (1992), ao analisar as repercussões do sistema de Taylor na saúde
dos trabalhadores, observou que, na medida em que esse sistema separa
radicalmente o trabalho mental do manual, ele neutraliza a atividade mental dos
operários. Sem necessidade de pensar e sem permissão para fazê-lo, pressionados
pelo ritmo cada vez mais exigente, os trabalhadores são obrigados a acelerar sua
atividade manual, o que traz prejuízos, num primeiro momento, ao corpo. Para o
autor, o período compreendido entre a Primeira Guerra e o final da década de 1960
representou o auge da exploração do trabalho, em nome dos interesses do capital.
Submetidos às exigências do sistema taylorista, os trabalhadores buscavam
reivindicar direitos básicos como saúde, condições mais dignas de trabalho e
49
redução das jornadas, ou seja, a luta pela saúde do corpo superou a luta pela
sobrevivência.
O trabalho repetitivo também traz repercussões sobre a atividade psíquica,
em função do choque entre a história personalizada de cada trabalhador e a
organização do trabalho, que despersonaliza os sujeitos na medida em que os trata
como máquinas, que devem fazer o sistema funcionar de maneira uniforme.
Segundo Dejours (1992), essa forma de produção gera um sentimento de
indignidade entre os operários, em função da vergonha de serem apenas um
apêndice da máquina, sem necessidade de imaginação nem de inteligência.
Também se sentem inúteis, por não perceberem o significado do seu trabalho, e
desqualificados, pois não necessitam de habilidades honrosas para realizar esse
tipo de tarefa repetitiva:
Mesmo as más condições de trabalho são, no conjunto, menos
temíveis que uma organização de trabalho rígida e imutável. O
sofrimento começa quando a relação homem-organização do
trabalho está bloqueada; quando o trabalhador usou o máximo de
suas faculdades intelectuais, psicoafetivas, de aprendizagem e de
adaptação. Quando um trabalhador usou de tudo de que dispunha
de saber e de poder na organização do trabalho e quando não pode
mais mudar de tarefa: isto é, quando foram esgotados os meios de
defesa contra a exigência física. Não são tanto as exigências
mentais e psíquicas do trabalho que fazem surgir o sofrimento (se
bem que este fator seja evidentemente importante quanto à
impossibilidade de toda a evolução em direção ao seu alívio). A
certeza de que o nível atingido de insatisfação não pode mais
diminuir marca o começo do sofrimento (DEJOURS, 1992, p. 52).
Além do sofrimento, Dejours (1992, p. 63) enfoca a relação entre medo e
trabalho, afirmando que “o medo está presente em todos os tipos de ocupações
profissionais, inclusive nas tarefas repetitivas e nos trabalhos de escritórios, onde
parece ocupar um papel modesto”. Em situações onde o perigo à integridade física é
visível, como na construção civil e em indústrias químicas, os trabalhadores
desenvolvem defesas específicas, de forma que o medo não aparece claramente no
discurso, sendo possível detectá-lo através de sinais indiretos. Esses
mecanismos defensivos são altamente necessários, pois, sem a neutralização do
medo, os trabalhadores não conseguiriam se manter em suas atividades por muito
tempo.
em situações em que o medo advém das exigências de ritmo e de
rendimento cada vez mais elevados, a ansiedade vivenciada individualmente pelo
trabalhador não é muito falada entre o grupo, pois o trabalho parcelado e repetitivo
50
não oportunidade de comunicação entre os trabalhadores. Contra essa
ansiedade geradora de esgotamento e desgaste, cada trabalhador é obrigado a criar
seus próprios mecanismos de defesa.
As relações de trabalho com as chefias, com os supervisores e com os
próprios colegas também são fontes geradoras de tensão. E desta relação provêm
sentimentos como frustração, revolta e agressividade, que, muitas vezes, não
conseguem encontrar uma saída, provocando efeitos sobre o funcionamento mental
dos trabalhadores. Dejours (1992) ainda ressalta que as mulheres são as maiores
vítimas dos jogos de poder nas organizações, expressos através de diversos meios
de controle, de avaliações subjetivas capazes de influenciar no salário e de falsas
promessas de promoções. Segundo Dejours (2004), são formas de manifestação do
mal nas práticas ordinárias de trabalho: o desprezo, as grosserias e obscenidades
para com as mulheres, chantagens e insinuações utilizadas contra os trabalhadores,
como forma de pressioná-los psicologicamente, artifícios geralmente usados como
pretexto para acusações de incompetência e para demissão.
Todo o sofrimento psíquico oriundo da organização rígida do trabalho pode
ser aproveitado pelo capital como forma de aumentar a produtividade, pois “o
sofrimento mental aparece como intermediário necessário à submissão do corpo.”
(DEJOURS, 1992, p. 96). Para ilustrar essa afirmação, o autor cita um estudo
realizado com telefonistas, mostrando que, na medida em que elas ficam nervosas
com determinado interlocutor, somando-se a isso as condições de trabalho
marcadas pelo controle e pelo conteúdo inadequado da tarefa, mais se tornam
agressivas. Para conter a agressividade, a única solução autorizada pela
organização do trabalho é acelerar o atendimento, de modo a se livrar do interlocutor
o mais rápido possível. O autor conclui que não é o trabalho que produz sofrimento,
mas, sim, o sofrimento que produz o trabalho; porém, o que é explorado nessa
relação não é o sofrimento em si, mas os mecanismos de defesa construídos contra
tal sofrimento.
O autor alerta para as conseqüências dos mecanismos de defesa,
observando que, na medida em que ocultam o sofrimento, afastam os trabalhadores
da verdade, e estes, mesmo que estejam vivenciando o sofrimento, não o
reconhecem, e, dessa forma, não lutam contra ele. Portanto, ao mesmo tempo em
que as defesas servem para aliviar o sofrimento, seu poder de ocultação acaba
fazendo com que tais mecanismos se voltem contra seus próprios criadores. O autor
51
busca compreender essa articulação e os tipos de homens que a sociedade fabrica
através da organização do trabalho, ressaltando ser papel da Psicopatologia do
Trabalho encontrar soluções que permitam pôr fim à desestruturação de sujeitos
pelo trabalho.
Dejours (1992) também explora situações em que o trabalho é favorável ao
equilíbrio mental e à saúde do corpo, podendo até contribuir para que o organismo
desenvolva maior resistência à fadiga e a doenças. Nos casos em que a
organização do trabalho é favorável e as exigências intelectuais, motoras e
psicossensoriais da tarefa estão de acordo com as necessidades do trabalhador, o
trabalho é exercido com prazer, ou seja, a descarga de energia proveniente da
execução da tarefa gera uma sensação de prazer, pois a organização do trabalho
vai ao encontro dos desejos psicológicos e das necessidades fisiológicas do sujeito.
Segundo o autor, outra possibilidade de que o trabalho seja favorável ao equilíbrio
mental é quando seu conteúdo é fonte de satisfação sublimatória. Em ambos os
casos, as dificuldades advindas do trabalho são facilmente aceitas, pois, mesmo que
gere algum sofrimento, o prazer de sua realização permite ao sujeito uma melhor
defesa.
Outro aspecto da relação entre sofrimento e trabalho, abordado por Dejours
(2003), diz respeito à banalização da injustiça social. Segundo o autor, vive-se, na
atualidade, uma guerra econômica, em que, sob a égide da sobrevivência
empresarial e do lucro, algumas vítimas são excluídas do processo produtivo, e as
pessoas que permanecem nesse jogo são obrigadas a demonstrar desempenhos
cada vez superiores, em termos de produtividade e de disponibilidade. Essa guerra
entre as empresas ocorre no intuito de se tornarem cada vez mais enxutas e, ao
mesmo tempo, mais competitivas.
Mascarada pelo discurso da racionalidade e da sobrevivência das
organizações, desenvolve-se a gestão através do medo. A ameaça de exclusão
obriga quem está dentro do processo produtivo a dar o máximo de si, para não ser
eliminado. Nessa perspectiva, o sofrimento no trabalho é explorado como a única
forma de manutenção no sistema. O sofrimento é ainda agravado pelas relações
individualistas e competitivas que se estabelecem no ambiente organizacional.
Como efeitos da precarização do trabalho, Dejours (2003) aponta: a
intensificação das atividades e o aumento do sofrimento subjetivo; a neutralização
da mobilização coletiva; as estratégias defensivas do silêncio, da cegueira e da
52
surdez (diante do próprio sofrimento e do sofrimento alheio) e o individualismo.
Diante desse cenário, o medo impera, sendo usado como meio de manipulação,
para conseguir a obediência e submissão do trabalhador.
Cunha e Mazzili (2005), em estudo sobre a gestão do medo, realizado com
servidores públicos em uma empresa que implantou o Plano de Demissão
Voluntária, observaram que, em função do grande número de demissões, além da
sobrecarga de trabalho para quem permaneceu na instituição, os trabalhadores
começaram a investir em sua qualificação profissional como forma de se sentirem
um pouco menos inseguros. Ou seja, objetivando suprir as deficiências dos técnicos
que saíram da empresa, esses trabalhadores buscaram ampliar sua qualificação
técnica por conta própria, para responderem com rapidez e qualidade às demandas
da organização, naquele novo momento. Com isso, minimizavam o sentimento de
insegurança, que passou a fazer parte do seu trabalho. Como forma de defesa
coletiva, eles se engajaram na intensificação do ritmo de trabalho, buscando obter
reconhecimento por seu desempenho e, com isso, não serem demitidos. Além disso,
começaram a criticar os colegas de trabalho que buscavam saídas individuais para
enfrentarem esse medo. O estudo dos autores mostra que o medo a que esses
servidores públicos foram submetidos corresponde ao medo da competição de quem
está na empresa privada. “Estar no mercado de trabalho, competindo com outros
profissionais, ter que demonstrar habilidade e qualificação, sem o respaldo
institucional, significa, para eles, estar sozinhos. O medo é estar fora, solitário”
(CUNHA e MAZZILI, 2005, p. 16).
Ferreira e Mendes (2001) destacam que o sofrimento no trabalho decorre não
da mecanização das tarefas e das pressões e imposições da organização do
trabalho, mas também da necessidade de adaptação à cultura organizacional e das
pressões do mercado e do cliente. Ressaltam os autores que, hoje, o trabalhador
tem que fazer o que não fazia antes, o que o torna mais suscetível de erros, os quais
costumam advir também da falta de informações, muitas vezes retidas pelos colegas
de trabalho, pois o ambiente competitivo e individualista das organizações
atualmente destrói a cooperação.
53
3 ESTRATÉGIA METODOLÓGICA
Neste capítulo, objetiva-se detalhar a estratégia metodológica utilizada na
investigação do tema deste estudo: como as mulheres lidam com a tripla jornada de
trabalho.
3.1 Classificação da pesquisa quanto à abordagem
Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa. Segundo Alves-Mazzotti e
Gewandsznajder (1999), esse tipo de abordagem caracteriza-se por seu aspecto
compreensivo e interpretativo, além de sua visão holística. Observam os autores que
“a compreensão do significado de um comportamento ou evento é possível em
função da compreensão das inter-relações que emergem de um dado contexto”
(ALVES-MAZZOTTI e GEWANDSZNAJDER, 1999, p. 131). Essa foi uma das
preocupações no estudo em questão, uma vez que, com o objetivo de compreender
como as mulheres lidam com as pressões do mundo do trabalho, incluindo a
necessidade de atualização profissional, concomitante com as pressões relativas
aos cuidados com a família, não se restringiu o estudo a causas pré-definidas. Esta
pesquisa teve como foco a compreensão das inter-relações dessas pressões, em
função da forma como as mulheres lidam com elas.
3.2 Classificação da pesquisa quanto aos fins
O presente trabalho caracteriza-se como uma pesquisa descritiva quanto a
seus fins. Para tal classificação, tomou-se por base a taxonomia apresentada por
Vergara (1998), que conceitua a pesquisa descritiva como aquela que expõe
características de determinada população ou fenômeno, ou que estabelece relações
entre variáveis, para esclarecer o fenômeno estudado. Esta pesquisa pretendeu
54
verificar como as mulheres lidam com as pressões da tripla jornada de trabalho,
procurando estabelecer relações entre essas variáveis.
3.3 Classificação da pesquisa quanto aos meios
Com relação aos meios, a coleta de dados deste trabalho se deu a partir da
aplicação da metodologia de história oral temática. O problema “como as mulheres
lidam com as pressões da tripla jornada de trabalhofoi estudado a partir da análise
do conteúdo da história oral de mulheres com tripla jornada de trabalho, ou seja,
mães de família com pelo menos um filho, inseridas no mercado de trabalho e
cursando o Mestrado Profissional de Administração da FEAD.
Segundo Meihy (1996), a história oral temática, diferentemente da história oral
de vida, por ter um caráter bem específico, interessa-se apenas por detalhes
pessoais da vida do narrador, que tenham relação direta com a temática central da
pesquisa. Buscou-se, portanto, revelar o contexto de trabalho na vida da mulher:
como se deu sua inserção no mercado; quando e por que sentiu necessidade de se
dedicar à educação continuada através do Mestrado Profissional; como concilia
trabalho, família e estudo; qual é o papel que desempenha nas atividades do lar.
Por se tratar de um tema subjetivo, as entrevistas realizadas foram do tipo
indutivo, de acordo com o conceito de Meihy (1996), segundo o qual o assunto deve
ser introduzido aos poucos, ao longo da entrevista, oferecendo-se estímulos
gradativos ao depoente, de modo que as questões sejam contextualizadas e sigam
uma determinada ordem de importância.
A conceituação de sujeito no âmbito da Psicopatologia do Trabalho norteou a
escolha dessa metodologia de coleta de dados. Segundo essa abordagem, o sentido
que o sujeito constrói sobre sua vivência com o trabalho é fortemente singularizado,
na medida em que as experiências passadas têm ressonância na situação atual de
trabalho. Esse fato justifica o interesse do psicopatologista pela história passada do
indivíduo, pois as primeiras relações que ele teve em sua constituição como sujeito
influenciam a forma como ele interpreta sua vivência atual em relação ao trabalho. O
trabalho desempenha papel fundamental no processo de construção da identidade e
da história do sujeito, pois ele é um espaço de construção de sentidos (DEJOURS e
55
ABDOUCHELI, 1994). Essa percepção é compatível com o entendimento de Meihy
(1996, p. 10): “A história oral implica uma percepção de passado como algo que tem
continuidade hoje e cujo processo histórico não está encerrado. A presença do
passado no presente é razão de ser da história oral”.
3.4 Caracterização dos sujeitos da pesquisa
Os sujeitos da pesquisa foram mulheres trabalhadoras, que dividem seu
tempo entre as obrigações profissionais (independentemente do cargo ocupado), as
exigências do Mestrado Profissional e os cuidados com a família e os filhos.
A amostragem caracteriza-se como não-probabilística, pois não foi baseada
em procedimentos estatísticos, e sua escolha foi definida pelos critérios de
acessibilidade (facilidade de acesso às entrevistadas) e tipicidade (VERGARA,
1998). Por ser um estudo analítico, a amostragem englobou cinco mulheres,
escolhidas dentre as participantes do Mestrado Profissional de Administração da
FEAD, uma vez que a pesquisadora faz parte desse contexto. Todas estão na faixa
etária de 42 a 55 anos e têm pelo menos um filho, independentemente do fato de
estarem ou não casadas.
Para a seleção da amostragem da pesquisa, foi adotada a estratégia
metodológica denominada de “bola de neve” por Lincoln e Guba
12
(1985, apud
ALVES-MAZZOTTI e GEWANDSZNAJDER, 1999, p. 163), através da qual, a partir
da identificação de alguns poucos sujeitos, lhes foi pedido que indicassem outras
mulheres com o perfil indicado, e assim sucessivamente, até que se alcançou o
ponto de redundância.
No contato telefônico mantido com cada possível participante, para verificar a
disponibilidade em participar deste estudo, a pesquisadora, após apresentar-se
como mestranda do curso de Administração da FEAD e sintetizar, em linhas gerais,
os objetivos do estudo e as características necessárias aos sujeitos da pesquisa,
buscou confirmar se a convidada pertencia a esse universo de pesquisa e se havia
interesse e disponibilidade em participar da entrevista. Pelo fato de a pesquisadora
ter tido um prévio contato com todas, como colega do curso de mestrado, não
12
LINCOLN, Y.S. e GUBA, E. G. Naturalistic inquirity. Londres: Sage Publications, 1985.
56
houve qualquer resistência à participação. Algumas demonstraram entusiasmo e
satisfação por poderem contribuir com uma colega de mestrado, por estarem, elas
próprias, vivenciando a difícil etapa de obtenção dos sujeitos de pesquisa.
Para preservar o caráter confidencial das informações prestadas, as
entrevistadas serão identificados na análise dos dados pela letra M (Mestrandas),
seguida por uma seqüência numérica (de 1 a 5), conforme a ordem cronológica das
entrevistas. A TAB. 1, a seguir, sintetiza os dados referentes à caracterização dos
sujeitos selecionados.
TABELA 1
Caracterização dos sujeitos da pesquisa
Mestranda Idade Profissão Idade dos filhos
Tempo de
Mestrado
*
M1 55 anos
Gerente de
projetos
25 e 26 anos 2 anos
M2 44 anos
Empresária e
professora
16 e 19 anos 2 anos
M3 52 anos
Gerente de
projetos
22 e 26 anos 2 anos
M4 42 anos
Autônoma
(Clínica e
consultoria)
15 anos 1 ano e meio
M5 43 anos
Gerente de
assistência à
saúde
13 e 18 anos 2 anos
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
* Tempo contabilizado na época de realização das entrevistas.
57
3.5 Coleta de dados
A coleta de dados nas entrevistas ocorreu em consonância com a proposta de
Machado (2002) de interação entre entrevistador e entrevistado, sendo objeto de
análise as trocas lingüísticas registradas. Segundo a citada autora, a qualidade de
relação que se estabelece entre ambos é que vai determinar a qualidade da
pesquisa; portanto, o essencial é a situação intersubjetiva: “Neste enfoque, cada
entrevistado é tratado como único, central, porta-voz de uma determinada formação
sócio-histórica” (MACHADO, 2002, p. 48).
No entendimento de Dejours e Abdoucheli (1994), a enunciação tem papel
fundamental para a Psicopatologia do Trabalho, que objetiva ser uma abordagem
compreensiva, voltada para o enfoque do sujeito em sua intersubjetividade,
considerando o processo de formação de sentido do trabalho por ele. Portanto, a
palavra constitui a via de acesso à vivência subjetiva e intersubjetiva do sujeito
trabalhador, às quais é impossível ter acesso apenas por meio da observação dos
fatos, por mais minuciosa que seja. Para esses autores, é a partir da troca
interlocutória e da discussão entre pesquisadores e trabalhadores que emerge uma
parte importante do iceberg da realidade, que, muitas vezes, encontra-se mascarada
pelas estratégias defensivas construídas no embate com a organização do trabalho.
Ao adotar esse tipo de abordagem, foi possível perceber que as entrevistas
transcorreram em um clima amistoso e de confiança. As participantes parecem ter-
se sentido à vontade para falar do significado da tripla jornada de trabalho em sua
vida, reportando-se, inclusive, a vivências difíceis que marcaram sua trajetória
profissional e pessoal.
De acordo com Machado (2002), busca-se, na aplicação desse tipo de
entrevista, apreender os processos, funcionamentos e fenômenos sócio-históricos
presentes no discurso; portanto, a coleta de dados é não-diretiva. Cada sujeito do
discurso (entrevistador e entrevistado) tem seu papel definido, mas a entrevista deve
transcorrer com pouca interferência do entrevistador. Nesse tipo de entrevista, a
comunicação não-verbal também assume fundamental importância, e o pesquisador
deve estar atento a todos os aspectos observados. Na análise dos dados, são
buscados os significados ocultos em todo o discurso; portanto, o objeto de análise
extrapola as respostas das entrevistadas, abrangendo também sua comunicação
58
não-verbal e o processo de interação entre elas e a entrevistadora, considerando,
inclusive, o lugar de onde fala cada um dos sujeitos envolvidos nessa interação.
Portanto, a transferência e a contra-transferência também constituem elementos a
serem avaliados.
Nas entrevistas realizadas, foi possível observar reações como entusiasmo,
emoção, desânimo, medo, etc, as quais foram analisadas de forma associada ao
discurso, em cada categoria temática.
O prazo de coleta de dados, previsto para dois meses, transcorreu no período
compreendido entre 6 de dezembro de 2006 e 03 de fevereiro de 2007.
Cabe ressaltar que houve certa dificuldade para conciliar os horários das
entrevistas, em decorrência da restrita disponibilidade de tempo, tanto por parte da
pesquisadora como das entrevistadas, em função do trabalho. Além disso, dezembro
é um mês bastante atípico, pois, normalmente, um acúmulo de atividades
provenientes no final de ano, seguido de férias e, geralmente, período de viagens.
O tempo médio de duração de cada entrevista foi de 1 hora e 10 minutos,
variando entre 58 minutos e 1 hora e 28 minutos. As entrevistas foram gravadas,
com o consentimento dos sujeitos da pesquisa, totalizando 5 horas e 50 minutos de
gravação. As reações e expressões corporais observadas foram paralelamente
registradas pela pesquisadora. Posteriormente, as entrevistas foram transcritas,
totalizando 178 páginas de texto, que foram submetidas ao processo de análise do
conteúdo.
3.6 Análise dos dados
Para a análise dos dados coletados, recorreu-se ao método de análise de
conteúdo. Segundo Triviños (1987), esse método permite ir além da descrição dos
relatos dos sujeitos, mediante a análise do seu conteúdo, fazendo inferências
fundamentadas no referencial teórico. Complementando essa idéia, Franco (1986)
destaca como objetivo da análise de conteúdo a busca do sentido explícito e
implícito de um texto. Por isso, faz parte dessa análise não o conteúdo manifesto.
Ele é o ponto de partida, mas, no aprofundamento da análise, o conteúdo latente é
levado em consideração, por abrir, segundo Triviños (1987), perspectivas no sentido
de descobrir ideologias, tendências e características dos fenômenos sociais. Franco
59
(1986) destaca a análise do conteúdo latente como essencial ao método de análise
de conteúdo, pois é ele que permite a interpretação e a contextualização do tema
em estudo, garantindo relevância.
Bardin (1977, p.42) definiu a análise de conteúdo como:
“um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando a
obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos, a descrição do
conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que
permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de
produção/recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens”.
Portanto, o objetivo final da análise de conteúdo é produzir inferências
válidas. Como se trata de uma pesquisa qualitativa, a realização de inferências será
embasada na da presença do índice (um tema ou uma palavra) e não na freqüência
de aparição desse elemento, pois a análise baseada na freqüência de um elemento
da fala é própria de pesquisas de caráter quantitativo. Nesse sentido, Goulart (2006)
alerta para o risco, em estudos qualitativos, de se fazerem generalizações
precipitadas e baseadas em seu subjetivismo, sugerindo, para evitar esse tipo de
erro, que se releia o material cuidadosamente, alternando releituras e interpretações
e desconfiando de evidências. O rigor metodológico deve buscar evitar a
manifestação do ponto de vista do pesquisador e ressaltar a perspectiva do sujeito
pesquisado.
No presente trabalho, a análise dos dados segue as etapas de análise de
conteúdo propostas por Bardin (1977):
Pré-análise - é uma etapa de organização em que as idéias iniciais começam a
ser sistematizadas de forma a facilitar o desenvolvimento das operações que se
seguirão. Nesse momento, as respostas dos sujeitos, coletadas nas entrevistas,
passam por uma análise flutuante. Depois de se deixar levar pelas impressões
iniciais, o pesquisador deve iniciar o processo de elaboração de algumas
hipóteses, começando a delimitar o corpus da investigação, ou seja, definindo o
campo onde se fixará a atenção. Essa delimitação, apesar de precisa, deve ser
flexível.
Exploração do material é a etapa em que os dados obtidos passam passa por
um estudo aprofundado, baseado no referencial teórico. Nesse momento, é feita
a codificação dos dados, para que os resultados brutos, tratados segundo regras
precisas, passem a ser significativos. Pela codificação, os dados brutos são
60
agregados em unidades básicas, ou seja, são classificados em núcleos de
sentido da comunicação, cuja presença ou freqüência de aparição, revela algo de
significativo sobre o objetivo analítico. Dentre as unidades de registro, destaca-se
o tema, que pode ser definido como uma afirmação acerca de um assunto. A
codificação, segundo determinados temas, oferece subsídios para a criação de
quadros referenciais, através da análise dos assuntos convergentes e
divergentes em cada unidade, fornecendo base para inferências (BARDIN, 1977
e GOULART, 2006).
Tratamento e interpretação dos resultados é a etapa em que os resultados
devem se tornar válidos e significativos, o que ocorre através das possíveis
inferências (no caso das pesquisas qualitativas) baseadas nas conexões
realizadas na etapa anterior e no referencial teórico. Trata-se da síntese e
seleção dos resultados, quando são selecionadas as falas mais significativas dos
entrevistados, segundo os critérios da fase anterior. Do material analisado,
emergem inferências, ou seja, através da visão crítica do pesquisador, obtêm-se
informações suplementares, que também podem ser definidas como induções a
partir de fatos. Segue-se, então, a interpretação, em que se procura estabelecer
uma relação entre a análise dos resultados do pesquisador, com base em sua
leitura da realidade, e a teoria que fundamenta sua pesquisa. Nesse momento, o
pesquisador verifica em que medida os resultados encontrados confirmam a
teoria estudada e cita autores mencionados no marco teórico, para fundamentar
suas análises, seja confirmando o que eles afirmam, seja questionando a teoria
apresentada (BARDIN, 1977 e GOULART, 2006).
Na presente pesquisa, a análise dos dados foi realizada através da
identificação de cinco categorias de análise: trabalho; atividades do lar; mestrado;
conciliação da tripla jornada de trabalho; significado da vida profissional na
percepção das entrevistadas.
Essas categorias de análise, embora interligadas no discurso das mulheres,
foram tratadas separadamente, com vistas a perceber com maior clareza a forma
como elas lidam com cada uma das esferas da tripla jornada de trabalho, e, por fim,
identificar as estratégias utilizadas na conciliação dessas atividades e o significado
da vida profissional na percepção das entrevistadas.
61
4 HISRIAS ORAIS TEMÁTICAS
4.1 Mestranda 1
A Mestranda 1 (M1) tem 55 anos, é casada e tem duas filhas, uma com 26 e
outra com 25 anos. É graduada em Engenharia Civil e iniciou o curso de Mestrado
Profissional de Administração na FEAD em fevereiro de 2005.
O trabalho, segundo a entrevistada, tem um significado importante em sua
vida, cujos aspectos fundamentais são o trabalho e a família. Declarou preferir não
pensar em aposentadoria, por gostar de se sentir produtiva, ressaltando que,
quando se aposentar, quer continuar realizando algum trabalho, até mesmo de
natureza voluntária. O gosto pelo trabalho, de acordo com o relato de M1, remonta à
sua adolescência: durante o Ensino Médio, dava aulas particulares e gostava de
ter seu ganho próprio. Seu pai era engenheiro, e ela sempre teve vontade de se
dedicar a uma profissão na área das Ciências Exatas, razões pelas quais decidiu
fazer Engenharia Civil, enfatizando sua intenção de trabalhar efetivamente na área.
Prosseguindo em seu relato, acrescentou que, logo no início do seu curso
superior, participou de processo seletivo para atuar em monitoria e, desde então,
nunca parou de trabalhar em sua área de atuação. Antes de se formar, ingressou,
via concurso, numa empresa multinacional do ramo de siderurgia, onde trabalhou
por dez anos, apesar de não se sentir adaptada, por não concordar com algumas
situações na forma de atuação da empresa. A isso somou-se motivo de ordem
pessoal, que a fez optar por buscar outra empresa. Indicada para participar de uma
seleção para uma empresa de construção civil pesada, integrou seu quadro de
funcionários por nove anos, quando decidiu sair, em função de uma época de crise
vivenciada pela organização. Novamente, foi indicada para participar de um
processo seletivo numa outra empresa do ramo de engenharia e construção, onde
trabalha onze anos. Hoje ocupa o cargo de Gerente de Projetos, na área de
análise de investimentos. Relatou gostar muito do que faz, ressaltando que o
trabalho absorve uma grande parte de sua vida, por ser uma prioridade para ela.
Avalia que a posição que tem na empresa hoje é resultado do que conseguiu
62
produzir e não considera que o fato de ser mulher em uma empresa eminentemente
masculina, tenha tido interferência significativa em sua carreira.
Decidiu fazer o Mestrado Profissional em Administração na FEAD pela
vontade de adquirir novos conhecimentos e aprender algo que transcendesse sua
rotina de trabalho. Além disso, foi movida pelo intuito de lecionar, que, em sua
área de atuação, acredita haver bastante espaço para a realização dessa meta,
mesmo porque, em função de seu amplo conhecimento prático, considera que a
docência seria uma boa experiência futuramente. Por ocasião da entrevista, havia
concluído a carga horária das disciplinas, estando em fase de desenvolvimento do
projeto de dissertação.
Em face de sua decisão por fazer o mestrado, sua família reagiu com
surpresa, por perceber a dificuldade de conciliação entre os compromissos
assumidos e mais essa jornada, mas soube compreendê-la e apoiá-la. Acrescentou
que o marido tem sido grande fonte de apoio e compreensivo com sua falta de
tempo e menor disponibilidade para participar de algumas atividades de lazer com a
família. Em relação às suas filhas, M1 acredita que não sentiram muito a ausência
da mãe, pois elas têm suas atividades independentes. Em casa, M1 considera ser
seu principal papel o de apoio emocional e afetivo, no sentido de estar presente nos
momentos de alegria, de tristeza e de dificuldades e nas decisões da vida das filhas
e do marido. O fato de ter uma boa empregada doméstica, que trabalha com ela
muito tempo, faz com que M1 não precise se envolver nas atividades do lar de
forma significativa.
Com relação ao âmbito profissional, M1 revelou não ter tido qualquer tipo de
apoio, pois, para a empresa, essa é uma decisão pessoal do profissional; não
valorização em relação à teoria, somente à prática. Quando ao aspecto acadêmico,
considerou haver uma discrepância entre as exigências da academia e a vida
profissional dos alunos, que, ao longo do mestrado, muitas vezes, os professores
exigem que os alunos entrem no ritmo acadêmico, dificultando a conciliação do
curso com a vida profissional.
Em relação à administração das atividades da tripla jornada de trabalho, M1
ressaltou a dificuldade da conciliação do trabalho com o mestrado. Em função das
exigências profissionais, inclusive disponibilidade freqüente para viagens, M1 tem
tido pouco tempo para se dedicar à finalização do curso, declarando-se defasada em
termos de prazo, o que lhe tem causado grande ansiedade, a ponto de ter algumas
63
noites de sono interrompidas pela preocupação com seu projeto, ou perturbadas por
pesadelos envolvendo situações relativas a falhas na defesa de sua dissertação.
Relatou a seguir que, há poucos meses, um de seus irmãos sofreu um
enfarte, o que a fez refletir sobre o ritmo de vida que estava levando. Desde então,
tem tentado se convencer de que, como tem o trabalho como prioridade, terá que se
dedicar ao projeto de dissertação, na medida em que for possível conciliá-lo com o
trabalho. Em outras palavras, decidiu não passar dos seus limites, para não viver a
angústia da ansiedade pela cobrança do tempo. Isso não significa que vai desistir do
mestrado, mas, sim, que quer concluí-lo com maior tranqüilidade. Ainda assim,
confessa que as interrupções do sono e os sonhos relacionados ao medo de não dar
conta continuam.
Quando questionada sobre as dificuldades enfrentadas com o mestrado, M1
ressaltou os prejuízos que teve em relação à sua qualidade de vida. Precisou abrir
mão de algumas atividades das quais sente falta: fazer ginástica, dedicar às suas
leituras, estar mais disponível para a relação com sua mãe, para o lazer e a
realização de alguns projetos de vida, como planejar a compra de um sítio e viajar
com a família. Ao longo do curso, teve que tirar férias duas vezes, para se dedicar às
atividades do mestrado. Tem sentido falta da liberdade de ter tempo e poder sair da
rotina, pois tem se sentido muito cansada, em função da correria do dia-a-dia.
Dentre os fatores que facilitam a conciliação das atividades da tripla jornada
de trabalho, M1 citou a ajuda da empregada doméstica, que a libera de grande parte
das atividades da casa; a compreensão do marido em relação à sua menor
disponibilidade, que a faz não se sentir cobrada; e o fato de suas filhas serem
adultas.
Em síntese, na avaliação final de sua tripla jornada de trabalho, M1 o a
considera um peso. Em sua percepção, cada fase da vida apresenta algumas
dificuldades a serem enfrentadas. Hoje, por exemplo, ela não tem mais a
responsabilidade da formação da família; por outro lado, o trabalho lhe tem exigido
mais. Confessa que tem tentado manter um nível possível de qualidade de vida,
ainda que não seja o ideal, mas mantém o que considera como premissas básicas
de vida: o respeito a si mesma e um espaço para a dedicação à sua família, fatores
que não podem ser esquecidos, a despeito das exigências do mundo do trabalho.
64
4.2 Mestranda 2
A Mestranda 2 (M2) tem 44 anos, é casada, tem um filho de 19 anos e uma
filha de 16. É graduada em Pedagogia e s-graduada em Pedagogia Empresarial e
em Educação Tecnológica. Está finalizando o quarto semestre do curso de mestrado
na FEAD.
O trabalho sempre fez parte da vida de M2, por pertencer a uma família de
classe baixa, razão pela qual teve que trabalhar desde muito nova. Seus pais vieram
para Belo Horizonte atrás de melhores condições de vida, e a história da família foi
marcada por algumas conquistas, todas alcançadas em função de muito trabalho e
esforço. Portanto, o trabalho, para ela, está muito ligado à idéia de evolução.
Ainda adolescente, M2 já fazia algumas vendas, até que, com a separação de
seus pais, ela e sua mãe se uniram na atividade de vendas de roupas, para
garantirem seu sustento. Como tinha vontade de estudar e sabia que teria que
custear os próprios estudos, fez Curso Técnico de Contabilidade, como forma de
conseguir algum emprego que lhe desse condições de fazer um curso superior. Ao
longo do curso técnico, fez estágio na Prefeitura e, logo que se formou, começou a
trabalhar no Banco X, como recepcionista. Conseguiu galgar algumas oportunidades
de crescimento naquela instituição e passou a ser caixa, gerente de posto de
serviço, aque obteve uma posição na área de recursos humanos. Nessa época,
pôde fazer o Curso Superior de Pedagogia e chegou a ser gerente de Recursos
Humanos. Atuou durante 20 anos nesse Banco, que, segundo seu relato, tem uma
cultura totalmente voltada para o trabalho, com a qual M2 se identifica muito.
Com o objetivo de diversificar sua área de atuação, resolveu sair do Banco
para montar sua própria empresa, na área de treinamento e consultoria, onde atua
doze anos. M2 também dá aula em um curso de graduação e em um Master in
Business Administration - MBI. Considera que ambas as atividades que exerce
(como consultora e como professora) lhe exigem constante atualização, mesclada
com sua experiência prática, além de grande habilidade de relacionamento. Em
busca desse aperfeiçoamento constante, M2 decidiu aprofundar seus
conhecimentos em sua área de atuação (Administração), o que a levou a fazer o
mestrado na FEAD. Inicialmente, cursou algumas disciplinas isoladas e, dois anos
depois, engajou-se no curso como aluna efetiva. Por ocasião desta entrevista,
65
havia concluído a carga horária das disciplinas e estava se dedicando às correções
propostas pela banca da qualificação em seu projeto de dissertação, procedendo
aos ajustes finais, para começar a pesquisa em campo.
Considera que a discrepância existente entre o mundo acadêmico do
mestrado e a realidade do mercado de trabalho seja um fator que dificulta a
conciliação de suas atividades profissionais com o curso. De qualquer forma, avalia
o mestrado de forma muito positiva, pois ampliou sua visão de mundo e aguçou sua
forma crítica de se posicionar diante dos fatos. Além disso, a rede de
relacionamentos que formou com alunos e professores ampliou suas possibilidades
profissionais.
Em sua decisão por fazer o mestrado, teve grande apoio do marido, que
sempre a incentivou a realizar atividades extras, passíveis de agregar valor a seu
trabalho. Quanto aos filhos, por já estarem acostumados a vê-la trabalhando e
estudando, não se manifestaram negativamente em relação à sua opção. Há,
contudo, reclamações quando ela tem que se ausentar por muito tempo de casa em
função de viagens de trabalho. M2 relatou ainda que tem observado que, nos finais
de semana em que ela fica muito absorvida com os estudos, seu filho se distancia
dela, razão pela qual tem procurado ficar atenta para evitar perder o contato com
ele.
Quanto às atividades domésticas sob sua responsabilidade, M2 citou as
seguintes: acompanhamento das necessidades de compras de supermercado e de
sacolão; realização das compras juntamente com a empregada doméstica; controle
do pagamento das contas e acompanhamento dos filhos (conversar, levar e buscar
em festas, fazer passeios com eles). Além disso, declarou não abrir mão de almoçar
em casa com os filhos e, quando pode, também gosta de fazer o lanche da tarde
com eles. M2 também procura manter estreita convivência com sua mãe e com suas
amigas.
Em relação à conciliação das atividades profissionais, do mestrado e do lar,
relatou que, por ser autônoma, consegue, ao longo do dia, intercalar algumas
atividades acadêmicas no espaço de trabalho, mas, nos finais de semana é que
conta com mais tempo disponível para estudar. Nesse sentido, declarou sentir-se
desconfortável em ter que adequar o ritmo da casa ao de seus estudos.
Quanto às estratégias práticas que adotou para facilitar a conciliação entre as
atividades de sua tripla jornada, M2 citou as seguintes: mandar entregar as compras
66
em casa; morar perto do seu escritório; deixar a empregada fazer as compras de
sacolão e pagar contas através do malote do banco. O planejamento prévio de seu
dia é, segundo seu entendimento, de fundamental importância para que consiga ter
tempo para realizar todas atividades diárias. Outro facilitador citado por M2 é o fato
de ser uma pessoa muito ativa, o que lhe condições de fazer várias coisas ao
mesmo tempo e de manter um ritmo acelerado. O apoio do marido e da família e o
fato de gozar de boa saúde também se constituem em facilitadores. Além disso, M2
cursou disciplinas do mestrado ao longo de dois anos antes de se matricular como
aluna regular. Segundo ela, essa estratégia está sendo essencial para conseguir
concluir o mestrado dentro o prazo permitido.
Um fator que M2 considerou fundamental para propiciar-lhe energia para
realizar suas atividades são os exercícios físicos (ginástica, musculação e
caminhada). Por ser sua necessidade biológica de dormir relativamente restrita,
consegue realizar seus exercícios físicos antes de iniciar suas atividades de trabalho
diárias. Além disso, não abre mão de seu processo terapêutico de análise e de
freqüentar a missa. Considera que tudo isso lhe força e energia física, psíquica e
espiritual para que consiga dedicar-se com tranqüilidade às suas atividades.
Em resumo, M2 avalia sua tripla jornada de forma muito positiva, ressaltando
que gosta de trabalhar, de estudar e de ter uma vida ativa, não desejando nada
diferente do que vive hoje. o considera suas atividades um peso; pelo contrário,
hoje consegue fazer tudo com prazer e leveza.
4.3 Mestranda 3
A Mestranda 3 (M3) tem 52 anos, é casada. Tem uma filha de 26 anos e outra
de 22. É graduada em Biblioteconomia e está finalizando o curso de mestrado na
FEAD.
O trabalho tem igualmente um significado importante na vida de M3, pois teve
uma criação familiar voltada para a valorização do trabalho e da independência.
Segundo M3, numa época em que, normalmente, as mulheres eram educadas para
o casamento, ela e suas irmãs foram incentivadas a trabalhar.
Sua história profissional, conforme relatou, começou antes de completar 18
anos. M3 já estava em busca de seu primeiro emprego quando viu, sendo anunciado
67
em um jornal, a abertura de vagas de trabalho noturno para estudantes numa loja
varejista. Nesse primeiro emprego, ficou sete meses, tendo saído para fazer estágio
em sua área (Biblioteconomia), no segundo período do curso, na Biblioteca do
Instituto de Ciências Exatas da UFMG. O estágio tinha a duração de seis meses,
mas, como a bibliotecária-chefe gostou muito do seu trabalho, prorrogou-o por mais
seis meses. Segundo M3, esse foi o primeiro reconhecimento de sua carreira
profissional. Estagiou em seguida na Biblioteca Pública e depois no SESI, onde,
quando de sua formatura, atuava como auxiliar de biblioteca, tendo, em seguida,
participado de uma seleção para bibliotecária, assumindo a vaga. Logo depois, foi
chamada para trabalhar numa Fundação coordenadora de curso. Conciliou ambos
os empregos até ser chamada para ser Chefe de Divisão em uma escola de
negócios, quando abriu mão do trabalho no SESI. Ficou nessa escola por quatro
anos e meio e, recebendo um convite para trabalhar em um instituto de mineração,
resolveu aceitar a nova proposta, pela possibilidade de atuar em área diferente.
Nessa instituição, permaneceu por nove anos, tendo saído quando o instituto foi
centralizado em Brasília, sendo desativada sua sede em Minas Gerais. Foi então
chamada para fazer um trabalho em uma empresa de eventos, onde ficou por um
ano, depois atuou em uma empresa especializada em arquivos e em uma
organização de cartões de crédito. Com o fechamento da unidade mineira dessa
empresa , foi demitida e, pela primeira e única vez em sua vida profissional, ficou
desempregada, situação que durou apenas um mês. Foi chamada para fazer um
trabalho temporário e, logo depois, foi aprovada em seleção para a escola de
negócios onde trabalhou anteriormente; está desde 1999, atuando hoje como
Gerente de Projetos.
Nessa função, é responsável pela estruturação e pelo acompanhamento dos
programas abertos dos cursos. Considera que sua atividade lhe exige muita
maturidade e experiência profissional, além de um conhecimento sempre atualizado
do mercado e do contexto de atuação executiva. Assim, sua decisão por fazer o
Mestrado Profissional de Administração na FEAD se deu em função dessa
necessidade de atualização constante. M3 acrescentou que precisava ter mais
segurança teórica para tratar com os professores e com os executivos; portanto,
precisava ter um conhecimento mais aprofundado, que ultrapassasse o adquirido
através de revistas da área. Relatou que a escola lhe deu especial apoio, inclusive
financeiro, além de tê-la liberado dois dias por mês, para que pudesse se dedicar
68
aos estudos. Comentou que a instituição valoriza muito o fato de seus profissionais
estarem se especializando, por se tratar de condição para o aprimoramento de seus
trabalhos.
M3 observou ainda que, em sua decisão por fazer o mestrado, também teve o
apoio da família, para a qual é muito natural vê-la estudar, que, em sua vida
profissional, sempre teve que se dedicar aos estudos concomitantemente. Fez sua
primeira pós-graduação em 1990, quando suas filhas estavam com 10 e 6 anos.
Sete anos depois, fez outro curso em nível s-universitário e, em 2000, outro.
Declarou que, em sua vida, sempre teve o trabalho em primeiro lugar, o estudo em
segundo, e a família como parte integrante desse todo, nem mais nem menos
importante. Acredita ser uma necessidade do mercado a continuidade dos estudos,
independente de se tratar de um profissional do sexo masculino ou feminino.
Iniciou o curso de mestrado em fevereiro de 2005 e já concluiu a carga
horária das disciplinas. Fez a qualificação e, na data de realização da entrevista,
estava na fase dos ajustes finais do projeto de dissertação para começar a pesquisa
de campo. Dedicou-se ao curso de forma muito ria, pois se considera
perfeccionista e faz questão de fazer tudo muito bem feito. Relatou que se dedicou
todos os finais de semana dos últimos dois anos ao mestrado, deixando de realizar
algumas atividades como ir ao clube ou ao cinema com freqüência; fazer exercícios
físicos e leituras de assuntos não relacionados ao curso; contudo, considera que
ganhou em termos de aproveitamento do tempo. Declarou enfaticamente que está
valendo a pena fazer o mestrado, pois está aprendendo o que queria, o que lhe
possibilitou ter uma visão maior do universo em que atua, facilitando a busca por
alternativas em suas atividades de trabalho. Além disso, considera o ambiente do
mestrado um grande motivador, pois se entusiasma com as aulas, com as
discussões levantadas pelos alunos e pelos professores e pelo fato de estar entre
pessoas com um elevado nível intelectual. Esse contexto reforça seu desejo de
aprendizagem e faz com que se sinta estimulada, sentimentos que a ajudam a
superar o cansaço gerado pela conciliação das atividades da tripla jornada de
trabalho.
Quanto às atividades domésticas, M3 reportou-se às seguintes: acompanhar
o trabalho realizado pela empregada; fazer compras de supermercado e de sacolão,
atividade que durante seu mestrado, foi realizada principalmente por seu marido;
executar as atividades domésticas durante as férias da empregada; levar roupas e
69
sapatos da família para consertar; realizar pequenos consertos de roupas; lavar
louças nos finais de semana; cuidar das peças de roupas mais delicadas da família;
cuidar da decoração da casa; comprar presentes para os familiares; acompanhar as
filhas em compras e outras situações; enfim, manter o funcionamento da casa, de
forma que seja um ambiente agradável e arrumado.
Em relação à conciliação das atividades profissionais, acadêmicas e
domésticas, M3 relatou dedicar seus finais de semana aos estudos. Levanta-se mais
cedo aos bados e domingos e, ao longo desses dias, vai intercalando estudo com
atividades do lar. Apesar da falta de tempo e do cansaço acumulado ao longo de
toda a semana, M3 ressaltou sentir-se bem e realizada.
Quanto aos fatores que facilitam a conciliação dessas atividades, destacou o
fato de ter uma estrutura que lhe possibilita dedicar-se com tranqüilidade às
atividades profissionais e aos estudos: marido compreensivo, que assume de forma
compartilhada as responsabilidades do lar; ajuda e apoio da família (pais, sogros,
irmãos), principalmente relevante quando suas filhas eram pequenas; uma boa
empregada doméstica. Além disso, considera que essa está sendo uma fase muito
tranqüila da sua vida, pois, como as filhas estão relativamente independentes não
demandando maiores cuidados e ela própria mais madura, M3 sente-se mais leve
em relação aos seus papéis de mãe, dona-de-casa e esposa. Portanto, a tripla
jornada de trabalho é, para M3, motivo de alegria e de realização. Hoje, avaliando
sua estrutura familiar, sente que, ao longo de sua vida, conseguiu articular todas as
suas atividades de forma tão equilibrada que, lhe é possível, em determinado
momento, concentrar seu foco de atenção em uma esfera da sua vida, sem,
contudo, preterir os demais aspectos. Atribuiu, em seguida, tal equilíbrio à sua
maneira cuidadosa, organizada e atenta de administrar seu cotidiano.
4.4 Mestranda 4
A Mestranda 4 (M4) tem 42 anos, é divorciada, mas tem atualmente uma
união estável. Tem uma filha de quase 15 anos. É graduada em Pedagogia e em
Psicologia e, na ocasião da realização dessa entrevista, estava iniciando o quarto
semestre do curso de mestrado na FEAD.
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O trabalho ocupa um espaço importante na vida de M4, que começou a
trabalhar aos 15 anos, por vontade própria. Era monitora de algumas disciplinas,
atividade que realizou do ao 3º ano do Ensino Médio. Também atuou como
catequista. Desde cedo realizava atividades remuneradas, não por necessidade,
mas pelo prazer de fazê-lo.
Ingressou no Ensino Superior, cursando, concomitantemente, duas
faculdades: Psicologia e Pedagogia. Logo no período, engajou-se em projetos
de pesquisa; portanto, além das aulas, sempre esteve envolvida em outras
atividades relacionadas aos seus cursos. Na iniciação científica, ora auxiliava nas
pesquisas, ora realizava pesquisas. Também fazia estágios. Ressalta que todas as
atividades que realizou em sua carreira profissional estão voltadas para suas áreas
de atuação: educação ou psicologia.
Ao se formar, fez parte de uma clínica psicológica onde, apesar de não ter
vínculo empregatício formal, tinha uma relação profissional: atendia a clientes
encaminhados pela clínica e recebia um percentual referente a seus atendimentos.
Logo depois, concomitante ao trabalho na clínica, começou a atuar em uma escola
como coordenadora pedagógica. Ressaltou que a maior parte de sua vida
profissional foi constituída pela conciliação entre o trabalho clínico (como autônoma)
e a relação empregatícia em instituição escolar (com vínculo formal), onde atuou em
funções desde a coordenação pedagógica até a diretoria. Segundo sua avaliação, a
ascensão em sua carreira profissional ocorreu de forma bastante rápida.
um ano e meio, foi desligada da função de Diretora de uma instituição
escolar, situação que considera perda tão relevante, que chegou a levá-la à
depressão, tamanha a importância do trabalho em sua vida. Tentou se recolocar no
mercado, mas, como as oportunidades para a o cargo de Direção são escassas, não
obteve êxito, o que a levou à decisão de voltar a investir em sua clínica. Conseguiu
aumentar significativamente o número de clientes e também foi convidada a apoiar
uma pesquisa, mediante contrato por módulos. Além disso, faz um trabalho
voluntário em uma ONG, participando da formação de educadores.
Como forma de dar um novo significado ao seu novo momento de vida,
decidiu fazer o Mestrado Profissional em Administração na FEAD, iniciado em
agosto de 2005. Na ocasião da entrevista, havia concluído a carga horária das
disciplinas e estava se dedicando ao desenvolvimento do seu projeto de dissertação.
Considera que o mestrado tornou-a emocionalmente realizada e lhe abriu novas
71
oportunidades: foi chamada para dar aulas e para participar de projeto de
pesquisa, constituindo, em sua avaliação, um investimento que está valendo a pena.
Dedicou-se com seriedade ao curso, buscando fazê-lo com qualidade e
ressaltou que jamais deixou de ler um texto indicado pelos professores. Quando
questionada sobre as dificuldades enfrentadas com o mestrado, declarou que
eventualmente fica ansiosa em relação ao modo como será avaliada pelos
professores como, por exemplo, na situação de qualificação do projeto ou de
elaboração de um artigo; contudo, observou tratar-se de uma ansiedade passageira,
não chegando a interferir em seu crédito na própria capacidade de concluir o
mestrado.
Observou a seguir que, em sua decisão por fazer o mestrado, pôde contar
com o apoio do marido, que sempre a incentivou e se ofereceu, inclusive, para
ajudar a custear o curso. A filha, por sua vez, revela o sentimento de orgulho em ter
uma mãe mestranda, mas, ao mesmo tempo, lhe cobra mais atenção, pedindo-lhe
inclusive que pare de estudar para ficar com ela.
Quanto às atribuições que lhe cabem em casa, M4 declarou realizar as
seguintes atividades: acompanhamento das atividades da filha (principalmente
relacionadas ao estudo); gerenciamento financeiro; pagamento das contas;
coordenação (não muito rígida) das tarefas realizadas pela empregada doméstica;
realização das compras de supermercado e de sacolão; preparação para receber o
marido, que passa a semana toda em outra cidade; programação cultural realizada
pela família nos finais de semana; preparação das refeições dos fins de semana
(atividade que realiza por prazer e não por obrigação) e cuidados pessoais. No
momento, declarou estar ocupando grande parte do seu tempo com os preparativos
da festa de 15 anos que pretende realizar para sua filha.
Em relação à conciliação das atividades profissionais com as do mestrado e
do lar, M4 observou que procura deixar suas noites e finais de semana livres. Para
tanto, reserva alguns horários de seus dias, ao longo da semana, para estudar e
preparar as atividades profissionais. À noite, gosta de conversar com sua filha,
assistir televisão e descansar. Se precisar estudar ou realizar alguma atividade do
mestrado, prefere acordar às 5:00h da manhã a fazê-lo à noite. Observou que o fato
de sua clínica ter demorado algum tempo a ser reativada com um número maior de
clientes facilitou a conciliação das atividades de sua tripla jornada, mas declarou
72
acreditar que este ano, pelo fato de estar com muito tempo ocupado na clínica e com
o trabalho do projeto de pesquisa, vai ser mais difícil manter esse ritmo.
Dentre os fatores que facilitam a conciliação de suas atividades, ressaltou ser
essencial o fato de ter uma empregada doméstica que trabalha para ela desde o
primeiro casamento. Trata-se de uma pessoa que não precisa de muita orientação.
Também a ajuda dos cunhados foi um facilitador, pois, nas ocasiões em que
precisou viajar a trabalho, foram eles quem cuidaram de sua filha.
Em sua auto-avaliação, M4 considera-se uma pessoa com muita energia.
Gosta de estar em movimento, fazendo muita coisa ao mesmo tempo, e essa
característica constitui um grande facilitador na conciliação das atividades de sua
tripla jornada de trabalho. Além disso, o fato de estar com o tempo todo ocupado
com várias atividades é uma grande fonte de energia para M4 e lhe ânimo.
Ressaltou também que dispõe de boa saúde e raramente adoece, fator essencial à
viabilização de seus compromissos. O fato de ter apenas uma filha, com quinze
anos, também é considerado por ela como uma facilitador, por não ter tantas
demandas como as de uma criança, além de ter boa saúde e não apresentar
problemas na escola, o que a M4 certa tranqüilidade em relação à filha. Também
o fato de M4 sentir-se apoiada e valorizada pela família é relatado por ela como um
facilitador, principalmente o marido, seu grande incentivador e incondicional suporte.
Ainda assim, M4 confessou que gostaria de dispor de mais tempo, para poder
centrar mais sua atenção nas atividades e demais situações de sua vida. Relatou
que gostaria de poder “sair da escravidão do tempo cronológico”, para aproveitar
mais sua filha, dedicar-se mais a seus estudos e a seu trabalho no consultório. Da
forma como faz hoje, tem o sentimento de prejuízo de qualidade.
Em síntese, M4 avalia esse contexto de atividades de forma muito positiva,
ressaltando que ela faz tudo por amor e encontra significado em tudo o que faz.
Para ela, não é um sacrifício ou peso ter que fazer tantas coisas ao mesmo tempo,
mas uma opção pessoal. Trabalho, estudo e família constituem uma necessidade
para M4, são valores, escolhas que lhe proporcionam auto-realização.
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4.5 Mestranda 5
A Mestranda 5 (M5) tem 43 anos, é casada e tem uma filha de 18 anos e um
filho de 13. É graduada em Odontologia e está finalizando o Mestrado Profissional
em Administração na FEAD.
M5 destaca que o trabalho tem, para ela, um significado ligado à questão da
sobrevivência. Ela é do interior de Minas Gerais, de uma família de classe média,
que cultiva o trabalho como um significativo valor. Seus pais sempre trabalharam e
ensinaram aos filhos que tudo o que eles quisessem ter na vida seria oriundo do
trabalho, fruto de uma boa formação acadêmica. Embasada nesses ensinamentos,
M5 saiu de casa aos 16 anos para vir para Belo Horizonte estudar.
Ingressou no Curso Superior de Odontologia e, durante todo o curso, realizou
estágios não-remunerados na Universidade. No último ano do curso, conseguiu
ingressar em um estágio remunerado, o que representou para ela uma grande
vitória, pois, pela primeira vez, pôde ter o próprio dinheiro, advindo do seu trabalho.
Formou-se aos 21 anos e se deparou com uma situação difícil, pois se sentia
despreparada para lidar com o mercado de trabalho. Começou a perceber o quão
discrepante era a realidade do mercado, em relação ao que aprendera na Academia.
Em sua área de atuação, muitos profissionais começam a carreira trabalhando em
clínicas gerenciadas por empresários, na maioria das vezes sem formação em
Odontologia, que contratam recém-formados para atenderem à clientela. Foi assim
que M5 iniciou suas atividades, atuando em duas clínicas com esse perfil. Segundo
seu relato, trata-se de uma situação que oferece condições de trabalho muito
distantes daquelas apresentadas na Faculdade, além de baixos salários, mas é uma
forma de o profissional começar a se estruturar sua carreira. Algum tempo depois,
M5 conseguiu abrir seu consultório e enfrentou um novo desafio: dificuldade para
conquistar os clientes. Ela então conciliava o trabalho nas duas clínicas com o do
próprio consultório e, assim, foi construindo seu espaço profissional.
A aprovação em um concurso para a Prefeitura de Contagem significou um
momento importante em sua carreira. Tinha um salário significativamente bom,
conseguia conciliar o trabalho da Prefeitura com seu consultório particular e, aos
poucos, foi deixando as duas clínicas. Em 1986, foi aprovada em um outro concurso,
desta vez para a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Nesta época, estava
casada, grávida de sua primeira filha e conciliava o trabalho nas duas Prefeituras e
74
em seu consultório. Após o nascimento da filha, saiu da Prefeitura de Contagem.
Cinco anos depois, com o segundo filho, decidiu vender seu consultório e se
associou a uma cooperativa odontológica como acionista. Permaneceu, então, com
o trabalho na Prefeitura de Belo Horizonte e o exercício de função administrativa na
Cooperativa, situação que mantém até os dias atuais.
A Cooperativa cresceu e se estruturou e M5 conta hoje com uma irmã que a
auxilia em suas funções, não lhe absorvendo, portanto, muito do seu tempo, sendo
suficiente sua presença no local uma ou duas vezes por semana. Na Prefeitura,
assumiu um cargo de gestão, atuando, hoje como Gerente de Assistência à Saúde,
com a carga horária ampliada para 8 horas diárias. Sua função consiste em
gerenciar as equipes de Assistência à Saúde e fazer o intercâmbio do trabalho
dessas equipes com a instituição pública, o que lhe exige, além do conhecimento
técnico, capacidade para resolver problemas, flexibilidade para articular interesses
diferentes, habilidade de ouvir e lidar com as demandas da população e das
equipes.
Em ambos os trabalhos, começou a lidar com questões administrativas na
área de gestão, razão pela qual, após finalizar sua pós-graduação em Saúde
Coletiva, decidiu fazer o mestrado em Administração, para obter o aporte teórico que
lhe é necessário no cumprimento das atividades de natureza gerencial. Acrescentou
que a necessidade de fazer o mestrado também decorre da questão da
sobrevivência no mercado de trabalho.
M5 iniciou o curso de mestrado em fevereiro de 2005 e, na ocasião da
entrevista, havia concluído a carga horária referente às disciplinas, estando em
fase de ajustes finais em sua dissertação. Em sua decisão por fazer o mestrado,
teve grande apoio do marido, que considera sua âncora durante as dificuldades
enfrentadas ao longo do curso. Em relação aos filhos, houve algumas manifestações
quanto à falta de tempo e à impaciência da mãe, o que fez com que ficassem
ansiosos pelo fim do curso da mãe.
No trabalho, M5 revelou que teve como um grande facilitador o direito de
reservar 8 horas semanais aos estudos, ao longo do primeiro ano do curso,
declarando acreditar que, se não fosse esse apoio da instituição, o teria tido
condições de fazer o mestrado. Passado o primeiro ano, às vezes, ela precisou sair
mais cedo do trabalho para se dedicar aos estudos, mas teve dificuldades, pois, de
75
um lado, sabia de suas responsabilidades e da cobrança que teria pelos resultados
do sua atuação; por outro, sentia que isso, às vezes, era mal visto na instituição.
Considera que o mestrado está valendo a pena, em função do conhecimento
adquirido, que tem facilitado sua atuação profissional. Além disso, houve a
oportunidade de dar aula em um módulo do curso de Especialização em Saúde
Coletiva da UFMG, situação que lhe foi muito gratificante, pelo reconhecimento
obtido. Por outro lado, M5 observou que esperava mais do curso, principalmente em
relação ao apoio dos professores.
Quando questionada sobre as dificuldades enfrentadas com a conciliação das
atividades da tripla jornada de trabalho, M5 ressaltou a falta de tempo para o lazer e
para os cuidados pessoais. Externou o entendimento de que sua pouca
disponibilidade de tempo acabou comprometendo a vida familiar, pois não tem tido
como fazer os habituais passeios em família; conseqüentemente, tem a percepção
de que cada membro da família tem-se entretido com atividades diferentes, em
detrimento das atividades em conjunto. Além disso, declarou sentir-se incomodada
por ter engordado desde que abandonou os exercícios físicos que praticava.
Também tem sentido falta de tempo para se dedicar aos cuidados com a pele, o
cabelo, as roupas. Deixou de ir ao cinema, de fazer leituras que não tenham ligação
com o mestrado, de sair despreocupadamente para barzinhos. Confessa também
que acabou comprometendo um pouco seu trabalho, em função de alguns atrasos e
de atividades que considera que deveria ter feito, mas não teve como realizá-las.
Em casa, M5 relatou realizar as seguintes atividades: compras de
supermercado e de sacolão, gerenciamento do funcionamento da casa, pagamento
das contas, e, principalmente, acompanhamento dos filhos. É ela quem os leva para
a escola e faz questão de almoçar todos os dias em casa com eles, apesar da
distância entre o trabalho e sua residência, por se tratar de um momento de suma
importância, pela oportunidade de ouvi-los em suas necessidades, tristezas e
alegrias, de avaliar como estão, como chegaram da escola, o que estão comendo,
etc. Um outro foco de atenção de M5 é sua relação com o marido, com quem
procura estar sempre em harmonia, ouvindo-o e ajudando-o.
O fato de ter uma empregada doméstica que trabalha há muitos anos para ela
é um grande facilitador, pois M5 não precisa dar orientações diárias sobre o que
fazer e como. Mesmo assim, gosta de acompanhar tudo o que está acontecendo em
sua casa, razão pela qual reserva os dias de sábado para realizar essas atividades
76
domésticas de acompanhamento e de compras, de forma que possa colocar a casa
funcionando bem ao longo da semana.
Quanto à forma como concilia as atividades profissionais com as do mestrado
e as do lar, M5 se limitou a ressaltar seu esforço e sua força de vontade interior
como aspectos essenciais para atingir seus objetivos. Segundo ela, não
explicação lógica, racional, pois, cronologicamente, seria inviável realizar tantas
atividades.
Em resumo, apesar de toda a luta de M5 para conseguir vencer, apesar dos
sentimentos de cansaço, de angústia, de tensão e de estresse, ela avalia tudo isso
de forma muito positiva, pois gosta do que faz e se sente gratificada pelas
conquistas obtidas em sua vida e pelo resultado do seu trabalho, principalmente
quando percebe o alívio que proporciona à angústia e às dores físicas das pessoas.
Ao mesmo tempo em que a tripla jornada de trabalho tem conotação de luta e de
esforço para M5, está associada também a sensação de prazer, de conquista e de
vitória.
77
5 ANÁLISE DO CONTEÚDO
5.1 Trabalho
Quanto a esta categoria de análise, foi possível perceber que o trabalho
começou a delimitar-se na vida das mulheres entrevistadas através das influências
familiares.
[...] em casa mesmo a gente vai começando com aquela vontade de
trabalhar. [...] O meu pai era engenheiro, e eu sempre tive uma
tendência muito forte para Ciências Exatas. Então, quando eu decidi
que eu queria Exatas, eu optei pela Engenharia. Eu não iria estudar
Engenharia à toa, não é? Eu ia estudar para trabalhar. (M1)
Minha mãe é vendedora. Ela, assim, vende coisas até hoje. A gente
vendia roupas, a gente trabalhava juntas vendendo Natura, sabe?
Ela está sempre com algum tipo de atividade, também não pára não.
(M2)
A pesquisa evidenciou que, ainda que os pais das mulheres entrevistadas
fizessem parte de uma geração em que os papéis tradicionais de gênero eram bem
delimitados, a educação familiar recebida reforçava a importância de romperem com
essa divisão. O trabalho feminino era incentivado pela família como fator de
construção da própria independência e de reconhecimento social:
[...] eu fui criada por um pai [...] que criou as filhas para trabalhar.
Meu pai não nos criou para casar, criou para trabalhar. Então,
assim, desde pequenas, nós, eu e minha outra irmã [...] a gente
ouvia isso: que mulher tem que trabalhar. Mesmo naquela época em
que boa parte dos pais pensavam nas filhas fazendo bons
casamentos, meu pai pensava na gente era trabalhando, cada
uma dona do seu dinheiro, dona do seu nariz, independente. (M3)
Eu venho de uma família do interior [...] uma família de nível médio,
onde meu pai e minha mãe sempre trabalharam e colocavam pra
gente essa questão do valor: o trabalho como um valor a ser
incorporado. [...] enfim, tudo que a gente tinha, e tudo que eu
quisesse vir a ter, dependia do trabalho. E a partir daí seriam feitas
as escolhas na minha vida, não é? (M5)
Os dados coletados nas entrevistas revelaram que os pilares principais na
vida das entrevistadas são o trabalho, como parte integrante de seu ser, e a família:
78
[...] pelo menos na minha vida é importantíssimo o trabalho. É a
família e o trabalho, sabe? Eu acho que essas duas coisas são
fundamentais. Eu não abriria mão de nenhuma das duas coisas,
sabe? [...] Mas hoje ele [o trabalho] tem um espaço muito grande,
segundo, a família, e terceiro, os mestrados, os estudos. (M1)
O trabalho para mim começou desde muito cedo... eu venho de uma
família de classe baixa. Então, a gente sempre teve que trabalhar.
[...] Desde que eu me entendo por gente eu sempre vendia
cebolinha, vendia Avon, vendia pra casa, né? Se eu quisesse fazer
um curso superior, eu tinha que estar trabalhando necessariamente.
[...] Então quer dizer, para eu me sentir bem eu tenho que estar
trabalhando. [...] Eu sou mulher do trabalho. (M2)
Eu comecei a trabalhar aos 18 anos e eu trabalho até hoje e fiquei
sem trabalho um único mês na vida, nesse período todo. [...] Então o
trabalho sempre foi parte constante da minha vida. [...] minha vida
sempre foi: trabalhar primeiro lugar, estudar para poder trabalhar
melhor, em segundo lugar, e a família junto, não está nem em
primeiro e nem em último lugar, está junto. (M3)
O trabalho é uma parte muito importante da minha vida, sempre foi,
[...], a ponto de, um ano e meio atrás, antes de fazer o meu
mestrado, eu fui demitida do trabalho onde eu estava. [...] Isso para
mim foi um tombo violento na minha vida, um baque, porque eu
fiquei muito tempo ociosa, para mim, né? [...] Cheguei a ficar
deprimida mesmo... meio sem chão, custei para me reerguer, me
reorganizar. (M4)
Considerando a relevância do trabalho para essas mulheres, é possível
entender como a perspectiva de sua perda gera sentimentos de sofrimento e medo,
ressaltados por algumas entrevistadas. M1, por exemplo, sofre antecipadamente
com a visão da aposentadoria e das limitações decorrentes da idade:
Eu não quero aposentar. Assim, eu posso até aposentar
formalmente, mas vou estar procurando alguma coisa para fazer,
algum tipo de trabalho... até o fim dos meus dias. [...] Para mim é
importante ser produtiva, para mim é muito importante. Eu acho que
a cabeça da gente tem que ter sempre ocupação. (M1)
[...] essa maturidade tem os dois lados, o lado ruim, que você está
ficando velha mesmo, você pega um trainee lá, eles têm uma
agilidade fantástica. Dão de dez a zero em mim, né? Mas tem o
outro lado também, até o de lidar com as pessoas, o que você tem
que fazer, que horas tem que acionar isso, que horas você tem que
buscar aquilo... E exige o conhecimento de uma pessoa passou
por aquilo. (M1)
79
No caso de M4, a importância do trabalho em sua vida também ajuda a
entender como foi difícil para ela lidar com um processo de demissão no passado.
Em seu relato, foi possível perceber a tentativa de explicar racionalmente a
dificuldade de recolocação profissional, aspecto de curta duração, mas de tamanho
impacto em sua vida, que constituiu um dos motivos de sua inserção no mestrado e
objeto da elaboração teórica em sua dissertação, cujo problema de pesquisa refere-
se ao que ela viveu na instituição de que foi demitida.
Como eu saí de um trabalho que eu era diretora de uma escola, foi
muito difícil eu me recolocar [...] Porque em minha carreira, a
ascensão muito depressa, muito rápida. Como diretora era muito
difícil de arrumar, até porque tem um mercado muito fechado, muito
poucas oportunidades. (M4)
[...] Então eu acho que eu quis na verdade foi compreender um
pouco a minha história, o que eu tinha vivido lá, naquele lugar. É...
porque que eu tinha sido demitida, tinha que elaborar... E acho que
foi uma vontade de abrir novas portas [...] e eu acho que preencher
minha vida com alguma coisa que tem significado, que deve ter
sentido para mim. Então, acho que foi por isso, quis assim, não
ocupar o meu tempo, mas preencher de significado. (M4)
Nos depoimentos de M1, é pertinente ressaltar uma enfática manifestação de
identificação de interesses e fidelidade do empregado à empresa como se se
tratasse do próprio negócio:
[...] depois que essas empresas são adquiridas, que o negócio é
fechado, cada uma dessas empresas vira uma, realmente uma
entidade à parte, uma empresa à parte, e nós somos os acionistas
dessas empresas, nós somos os donos dessas empresas, tá?
Então, debaixo da nossa empresa, há vários negócios que nós
fomos adquirindo ao longo dos tempos. Eu faço parte dessa equipe.
(M1)
[...] E eu sempre pensei isso: eu acho que é um empregado é um
bem, o maior bem talvez que a empresa tem. (M1)
O significado do trabalho na construção da própria história de vida, associado
à idéia de evolução pessoal, foi um dos aspectos ressaltados por M2:
Eu sempre fui uma pessoa inquieta. Se você pensar numa gerente
de recursos humanos, 12 anos atrás, no Banco X, sair, né? Eu
saí porque eu falei assim: ‘gente, não posso ficar dependente de um
banco, ser funcionária de banco’. [...] Eu quero conhecer outras
áreas. (M2)
80
[...] Eu acho que esse processo de buscar uma evolução, isso
sempre fez parte da minha vida. Meus pais vieram do interior para
Belo Horizonte. Meu pai, no início dele aqui em Belo Horizonte, ele
foi catador de papel. Então, ele tem uma trajetória de catador de
papel, até trabalhar no Ministério da Agricultura. Tem um histórico
assim, de evolução, né? Isso faz parte dos valores familiares de
trabalho, de crescimento, de sair de uma situação e ir pra frente. [...]
Você tem que evoluir. Eu vim pra para evoluir, eu não posso ficar
no mesmo estágio. (M2)
M3, por sua vez, destacou reiteradamente sua ânsia por novas experiências e
sua satisfação e sentimento de realização em face do reconhecimento social e das
novas oportunidades profissionais surgidas, destacando o lado positivo de cada
vivência:
[...] Foi o reconhecimento pelo bom trabalho que eu fiz, né? [...] E fui
trabalhar no Instituto X, e eu fiquei 9 anos. Foi um tempo
excelente, foi um tempo de informações, muito legal porque a gente
atendia [...] grandes empresas. (M3)
[...] vinha de uma empresa super organizada, super estruturada...
entrei numa que não tinha nada bem estruturado. E foi ótimo porque
ajudei essa empresa a se estruturar. (M3)
[...] Foi minha primeira experiência com congresso de grande porte,
foi ótimo! Foi uma experiência bacana, [...] excelente! (M3)
[...] uma empresa assim totalmente diferente, administração de
cartão de crédito, muita tecnologia da informação, salário muito
bom, muito homem, até então, meus empregos todos se
caracterizam por um universo mais feminino. [...] foi muito legal ter
trabalhado lá. (M3)
De um modo geral, pôde-se constatar consensualmente a ampla dedicação
das mulheres entrevistadas às atividades profissionais, seu total envolvimento e
investimento de energia e tempo no trabalho, extrapolando, muitas vezes, a carga
horária da jornada formal, em detrimento da própria família
:
Eu tenho menos tempo para a família do que para o trabalho. Hoje o
trabalho me ocupa a maior parte do tempo, e ele é prioridade, a não
ser numa emergência, de alguma coisa assim. (M1)
O trabalho me exige tempo, estudo, investimento emocional
também, investimento energético mesmo. O trabalho no consultório,
[...] não tem jeito de não levar essas pessoas que eu atendo para
casa. Eu estou sempre conectada, sempre lembrando, [...]
envolvida, psicologicamente conectada, não durante o tempo em
que eu estou aqui. (M4)
81
Então, o que é exigido de mim? É exigido um conhecimento, é
exigida a habilidade, e me é exigida atitude, ? [...] Além disso, me
é exigida uma carga horária que, na verdade, não se restringe a 8
horas de jeito nenhum. Ela ultrapassa e muito, não é? Enfim, não é
que seja exigido, mas me é cobrado, por exemplo, que eu tenha
aparência física, que eu esteja sempre arrumada, entendeu? Coisas
que nem tempo para isso eu estou tendo mais, né? (M5)
Lima (2002), ao abordar o sentido genérico do trabalho, trata-o em seu
caráter fundante do ser social. Nessa perspectiva, o trabalho é considerado como
algo inseparável do homem, pois é ele que intermedia a relação do homem com a
natureza. Assim, o homem, diferente do animal, age sobre a natureza de forma
consciente, proposital, no intuito de satisfazer suas necessidades e efetivar suas
finalidades. É através da intermediação do homem com o meio que ele se constitui
enquanto sujeito, adaptando-se ativamente ao ambiente e modificando-o de acordo
com suas necessidades.
Jacques (1996) aponta a articulação inseparável entre identidade e trabalho,
na medida em que o papel social torna-se essencial na constituição da identidade. A
autora destaca, então, a expressividade que o papel de trabalhador assume na
constituição da identidade do homem ocidental a partir da consolidação do sistema
capitalista, na medida em que se exalta o trabalho. Portanto, a compreensão da
constituição do ser humano passa pela compreensão do seu contexto sócio-
histórico, em que, no caso da sociedade ocidental capitalista, ressalta-se a
importância do trabalho e, conseqüentemente, do papel do trabalhador como
representante do eu. Portanto, o trabalho pode ser visto não como fonte de
reconhecimento social, mas como elemento constitutivo do ser. Nessa perspectiva, é
possível analisar a importância que o trabalho tem para as mulheres integrantes da
amostra, uma vez que elas se sentem realizadas e reconhecidas pelo que fazem.
Reconhecidas não só pelo outro, mas pelo sentido de auto-realização que o trabalho
tem para elas, como fonte de prazer. Sentem-se intimamente gratificadas por
estarem trabalhando e estudando; livres, por poderem realizar, através do trabalho,
suas escolhas; satisfeitas, por verem o resultado do seu trabalho. Ao mesmo tempo,
revelam medo de não serem capazes, de não serem reconhecidas como gostariam;
de se tornarem improdutivas ao se aposentarem; sofrem certo sentimento de culpa,
por não alcançarem padrões auto-impostos de desempenho, em seus papéis
sociais.
82
5.2 Atividades do lar
5.2.1 Esfera familiar versus espaço de produção
A participação feminina no mercado de trabalho representa para a mulher um
grande desafio, em função de, em seu papel, na esfera privada, continuar sendo
referência no âmbito afetivo emocional. Quanto às responsabilidades que as
entrevistadas se atribuem, observou-se consensual preocupação com o
acompanhamento dos filhos:
Eu sou mãe de uma adolescente de 15 anos. Então, faço questão
de acompanhar sempre que precisa. Não sento para fazer o para-
casa, mas sempre estudo com ela. (M4)
Principalmente agora que elas [referindo-se às filhas] estão moças,
vão cobrar as coisas da mãe: ‘mãe, vamos comigo, me ajudar a
olhar uma roupa’. Então tem que ser mãe mesmo. (M3)
Aqui em casa eu faço questão de acompanhar meus filhos [...] muito
de perto, indo a reuniões, vendo a evolução dos trabalhos deles,
ouvindo os meninos [...] participando das conquistas, das vitórias
deles. (M5)
Faço questão de estar aqui quase sempre na hora do almoço com
eles. Isso para mim é loucura, mas eu faço questão. Eu vejo a
carinha deles, entendeu? Vejo como é que eles saíram da escola,
escuto as necessidades deles, porque, às vezes, querem me falar
alguma coisa, querem que eu ajude em alguma coisa, e isso eu faço
questão, de estar ao lado, e sempre estive, graças a Deus. (M5)
É o apoio emocional, afetivo, né? De conversar, de querer fazer as
coisas juntas, daquele companheirismo mesmo. (M1)
Você tem que sentar, você tem que conversar, tem todo esse
processo com os filhos, né? Agora, [...] uma coisa que eu procuro
fazer todos os dias, é almoçar com eles. (M2)
Dentre as atribuições consideradas como importantes como seu papel, quatro
entrevistadas citaram a responsabilidade pela administração e funcionamento da
casa:
[...] todo o planejamento do dia, da casa, né? (M2)
83
[...] a organização, o funcionamento da casa [...] para se dar bem,
tem que ser a gente, né? (M3)
[...] todas as atividades, desde gerenciar a parte de orçamento, fazer
compras... Eu não tenho que cozinhar, lavar, eu não tenho essas
responsabilidades, mas eu tenho que coordenar essas atividades
(M4)
Eu gosto também de ver o que está acontecendo na minha casa,
sabe? Ver que está tudo organizado, sabe? Enfim, ver o fluxo da
casa, deixar a casa funcionando. (M5)
Pôde-se perceber um certo alinhamento entre o discurso das entrevistadas e
as considerações de Girão (2001), no que diz respeito à atribuição da maioria das
responsabilidades do lar à mulher, a despeito das possíveis rupturas em relação ao
modelo tradicional, que coloca o homem como responsável pela esfera pública, e a
mulher como responsável pelo espaço privado. A constatação de Girão (2001) de
que a representação da mulher como base do lar é tão forte, que se sobrepõe à
queixa em relação ao acúmulo de tarefas, igualmente se confirmou no presente
estudo.
Outro aspecto consensualmente apontado pelas entrevistadas como um
grande facilitador na conciliação de sua tripla jornada de trabalho foi o apoio do
marido, tanto na divisão das atividades de casa, como em termos emocionais.
Do apoio nos reveses da vida, o apoio nas alegrias, né? [...] As
meninas recorrem, às vezes a mim, às vezes a ele. (M1)
Em casa, cabe a nós dois uma coisa que é grande, a questão das
contas. (M2)
[...] a parte de compras da casa, de supermercado, isso e aquilo, ora
eu faço, ora meu marido. Nunca foi meu, nunca foi dele, é de
quem está mais folgado. Agora, na época que eu estava fazendo as
disciplinas propriamente ditas, 80% do supermercado foi meu
marido quem fez, sacolão, supermercado, tudo foi ele quem fez.
(M3)
Ele me incentivou muito, não acha ruim de nada, pelo contrário, ele
acha ótimo. (M4)
Meu marido me deu todo estímulo. Ele, na verdade, foi minha
âncora. (M5)
É possível notar, nessas falas, o início de uma reformulação da organização
familiar, como proposta por Bruschini (1994). Segundo essa autora, o
incremento da
84
participação feminina no mercado de trabalho, trazendo para o mundo produtivo um
número significativo de mulheres maduras, casadas e com filhos, a partir da década
de 1980, gerou um outro grande desafio: a reformulação da organização familiar.
Ressalta essa autora a redivisão mais igualitária de tarefas, na estrutura familiar,
como condição para a conquista da cidadania pelas mulheres.
Girão (2001), por sua vez, considera que continua recaindo sobre as
mulheres o ônus dessa reestruturação, pois, mesmo assumindo funções técnicas no
mercado de trabalho, elas continuam se sentindo responsáveis pelas funções do lar
e muitas delas resistem à idéia de delegação das tarefas domésticas, o que dificulta
o estabelecimento de novas formas de relação. Segundo o estudo dessa autora,
mesmo quando algumas conseguem fazer essa divisão com o cônjuge, a
representação de responsabilidade sobre o lar o se rompe. Nos relatos abaixo, é
possível perceber como as mulheres entrevistadas ainda se cobram algumas
atividades e responsabilidades tradicionalmente consideradas atribuições femininas:
[...] ‘Quero comprar uma roupa, você vai comigo?’; ‘Estou
precisando de ir num dentista, mãe, em qual eu vou?’ Tem umas
coisas que são muito mãe, né? ‘Oh mãe, quero ir na dermatologista,
acha uma dermatologista legal para mim’. Então, tem umas coisas
assim que são mesmo mais mãe. (M1)
Comprar uniforme, comprar material escolar sempre foi comigo,
levar no médico, sempre. À medida que elas foram crescendo, mais
coisas de mãe, né? [...] E até hoje, ‘mãe, vamos comigo no
médico?’; ‘mãe, vamos comigo me ajudar olhar uma roupa?’. Então
tem que ser mãe mesmo. [...] ‘Mãe furou isso aqui’. [...] Então essas
coisas que a gente tem que fazer. (M3)
Quando [a empregada doméstica] está de férias a gente que faz. [...]
Eu sou exigente comigo mesma, como dona-de-casa. Nunca ficou
largado não. [...] Então, essas são as exigências que eu faço comigo
mesma, ter uma casa agradável. Não ficar aquela casa assim: ‘a
mãe não tem tempo de cuidar de casa’. (M3)
Tem a minha filha que me cobra muito, me requisita muito. Eu não
consigo estudar em casa. É muito difícil quando ela está lá, eu não
dou conta. (M4)
Eu tenho a minha jornada de trabalho, tanto na Prefeitura, quanto na
cooperativa e na escola, e... a da minha casa e a dos meus filhos. E
uma outra coisa que está por trás disso tudo que é de ser mulher,
entendeu? Eu tenho um marido, não é? ‘Nossa estou toda
descabelada, eu estou toda feia, eu estou engordando’. Acabou meu
tempo, cadê meu tempo? Eu não tenho tempo de nada. [...] Porque
você tem que dar conta disso. [...] Eu tinha colocar aquela casa
funcionando, eu tinha que fazer supermercado, sacolão, a geladeira
tinha que está ali com as coisas, não é? (M5)
85
É também pertinente ressaltar o depoimento de M5, cujas atividades
profissionais precisou restringir em função da maternidade, situação em que foi
possível observar uma relação desigual de gênero, que foi ela, e não o marido,
quem fez alguma renúncia profissional em função do nascimento da filha.
Eu estava na Prefeitura de Contagem e na Prefeitura de Belo
Horizonte, no meu consultório, ainda com essa jornada grande.
que, nessa época, nasceu a minha primeira filha. [...] Eu bem me
lembro de que, grávida, passando mal às vezes, com uma jornada
de trabalho assim estúpida, grande, enorme. Eu tinha o meu
consultório, eu comecei a restringir o horário da noite... Mas aí, com
o nascimento dela, tive que pedir a exoneração da Prefeitura de
Contagem, por causa da distância. [...] Na gravidez do “B” eu passei
muito mal, muito mal mesmo, [...] eu não conseguia. Nessa época,
eu vendi meu consultório e me associei a uma clínica, como
acionista. E aí, aquele pouco que eu consegui juntar durante a
minha vida inteira de trabalho, eu empreguei nessa clínica mais no
sentido de administrar a clínica, junto com outros colegas. (M5)
Em outro momento de seu relato, M5 relembra uma situação em que, mais
uma vez, recaiu sobre ela a responsabilidade por uma questão do lar, neste caso,
referindo-se à finalização da construção da casa, que seu marido estava muito
envolvido com projetos profissionais. Nota-se que essa divisão de tarefas entre ela e
o marido, nessa ocasião, foi percebida por ela como natural, podendo ser observada
a permanência da divisão sexual do trabalho tradicional.
Eu não tenho tempo de nada. E nesse finalmente da história,
coincidiu com a construção dessa casa, que também coincidiu com
um momento do meu marido de estar fazendo um projeto no
trabalho dele. [...] Eu fiz 3 disciplinas ao mesmo tempo... coincidiu
com a finalização aqui da casa, do acabamento da obra, e na
prefeitura, eu tive que assumir mesmo a área da gestão. Eu pensei
que eu ia enlouquecer, de fato eu não sei como que eu atravessei
aquilo, entendeu? Nesse momento eu tive vontade de parar, de
desistir, mas aí, é onde eu falo que meu marido foi minha âncora.
Ele me sustentou. (M5)
É possível notar que, apesar das rupturas em relação aos modos tradicionais
de divisão sexual do trabalho, também permanências. O conceito de
desmapeamento de Nicolaci-da-Costa (1985, p. 159), que se “refere à convivência,
no sujeito, em níveis diferentes, de dois ou mais conjuntos de valores (ou mapas)
internalizados em algum momento de sua formação” pode ser observado no
discurso das mulheres entrevistadas. Ao mesmo tempo em que elas vivem, na
prática, o ideal de independência feminina, ainda existe uma crença, mesmo que
86
implícita, de que, cabe a elas, o exercício de papéis ligados ao lar e à família. É
possível que formas tradicionais e modernas de práticas e expectativas relacionadas
à divisão sexual das tarefas convivam simultaneamente.
No relato abaixo de M3, também se nota essa convivência de conceitos. Ela
destaca o fato de seu marido não lhe cobrar o cumprimento do papel tradicional
atribuído à mulher como um aspecto facilitador para que ela pudesse conciliar sua
dedicação ao trabalho e à família ao longo de sua carreira, ou seja, ao mesmo
tempo em que ela vive seu trabalho extra-lar de forma intensa e emancipada, ainda
existe, implícita, a crença de que seu marido precisa compreendê-la e aceitá-la
como tal:
[...] minha vida nunca foi um inferno, nesse sentido, porque eu
sempre tive um marido compreensivo, não é do tipo que ficava
pegando no meu : Ah... vai ter que viajar? Tem menino pequeno,
não pode’. (M3)
Coelho (2005), tratando das representações de gênero nas relações
familiares, observa como existem contradições e ambivalências entre os casais no
que diz respeito à divisão sexual das tarefas. Com a entrada da mulher no mercado
de trabalho, passou a existir maior flexibilidade quanto ao papel de provedor familiar,
mas ainda há dificuldade de redivisão das atividades domésticas, e esta continua
sendo uma área sob domínio feminino. Segundo a autora, isso acontece,
principalmente, pelas relações de poder presentes nas relações de gênero; assim,
dividir tarefas pode ser visto como perda de espaço e, conseqüentemente, perda de
poder. Portanto, na relação conjugal, com algumas exceções, o âmbito econômico
ainda permanece sob controle do homem, e o cuidado da casa e dos filhos sob
controle da mulher. Porém, Coelho (2005) aponta para a existência de algum
movimento em direção a mudanças nas relações de gênero, que muitos casais
questionam a ordem existente e tentam integrar as semelhanças e diferenças entre
homem e mulher, flexibilizando algumas definições de papéis. Ao mesmo tempo,
esse ideal de reciprocidade nem sempre é conseguido: “O ideal igualitário encontra
um contexto sócio-histórico em que até então prevaleceu o ideal hierárquico, tendo
de se travar uma luta pela auto-afirmação do indivíduo e por sua maior participação
nas formas de poder.” (COELHO, 2005, p. 177). A autora também ressalta que a
redivisão das atividades domésticas ocorrida em função da inserção feminina no
87
mercado de trabalho ainda ocorre muito lentamente, podendo, muitas vezes, levar à
insatisfação da mulher no casamento.
Outra situação que merece destaque foi a percepção, por parte das
entrevistadas, de um certo sentimento de distanciamento e exclusão da família, por
estarem tão envolvidas com a tripla jornada de trabalho:
Ah... isso é uma loucura né? Quando eu fiz o projeto, era nos finais-
de-semana. Então, em casa, você parece um alienígena, né?
Porque você quer silêncio, e o computador toca música alta, e as
portas batem, a televisão está ligada, então é uma briga de foice
assim. Você estudar dentro de casa, com dois meninos
adolescentes... Nossa! Não é fácil... não é fácil. (M2)
[...] mesmo às vezes, quando tem maiores feriados, assim, e aí a
gente tem o sítio, né? E aí eu vou, mas desse jeito: eu vou e vai um
pouquinho de coisa para fazer junto, né? (M5)
Outro aspecto consensualmente revelado nas entrevistas é o fato de que
todas as entrevistadas, para conciliarem os novos papéis que vêem assumindo na
atualidade com as exigências do tradicional modelo familiar, adotam o mecanismo
de buscar o apoio de uma empregada doméstica na realização de grande parte das
atividades do lar. Nas entrevistas, foi possível perceber a importância dessa figura,
tratada como uma pessoa amiga, até mesmo como membro da família, de inteira
confiança, além de ser uma profissional já treinada para a realização das tarefas que
lhe são delegadas. Nesse sentido, é possível observar que a emancipação dessas
mulheres está atrelada à questão da posição social, que o fato de hoje
pertencerem a uma classe social privilegiada é um dos fatores essenciais para que
possam se dedicar à educação continuada e, ao mesmo tempo, realizar suas
atividades profissionais normalmente.
Eu tenho uma pessoa maravilhosa, [...] que eu amo de paixão,
porque ela é quem me ajuda, lógico, porque eu tenho que ter
alguém. (M2)
E graças a Deus tenho uma empregada boa, que já conhece as
tarefas dela. (M3)
[...] ela está comigo desde que eu casei, a mesma empregada. Eu já
casei, já separei, já casei de novo... (M4)
A minha empregada não é mais uma empregada, mas é uma amiga
que eu tenho, é meu braço direito, sabe? [...] Ela trabalha comigo
muitos anos, ela não precisa muito dessas determinações não, a
coisa já flui mais fácil. (M5)
88
Bittencourt (1980) defende o ponto de vista de que esse recurso, adotado por
muitas mulheres para conseguirem lidar com a necessidade de cuidar dos filhos e se
manterem no mercado de trabalho perpetua a precarização do trabalho feminino, ou
seja, a emancipação de algumas mulheres acontece às custas da precarização do
trabalho de outras.
5.2.2 Ressignificação do sentimento de culpa
A questão da culpa por não exercerem o papel tradicionalmente atribuído às
mulheres, como mães e donas-de-casa, apareceu nas entrevistas de formas
diferentes. Uma das entrevistadas não revelou sentir culpa por sua ausência
decorrente de sua atual jornada tripla de trabalho, pois suas duas filhas estão
independentes, inclusive estudando no exterior, não necessitando muito da
presença da mãe:
[...] hoje, o trabalho é o que me exige tudo, sabe? Eu já estou com a
família criada. Tem as exigências normais, mas, graças a Deus,
para administrar numa boa. As minhas filhas já estão trabalhando. A
gente fica mais em falta é com a primeira geração, né? Com mãe, o
pai e tal... E aí você não tem tanto tempo, né?” (M1)
Nesse relato, é possível perceber que, diante da atual independência das
filhas, M1 volta sua atenção para o passado, para a primeira geração e seu
sentimento de culpa se revela em termos de ausência com seus pais. Nessa
colocação, é possível perceber que M1 utiliza, num primeiro momento, o mecanismo
defensivo da negação, explicitando, depois, sua culpa.
Outra entrevistada (M2) relatou o próprio sentimento de culpa, utilizando-se
do mecanismo de defesa de racionalização para tratar o assunto:
[...] a gente vai ajustando essas dificuldades é que [...] alguma
coisa fica faltando nessa história... É um acompanhamento maior de
estudo, né? Isso falta... Isso falta sim. [...] não para fazer tudo,
né? Uma questão que assim... eu não gostaria de parar de
trabalhar, porque meu histórico, eu estaria totalmente infeliz, e nem
posso, né? (M2)
89
M3, por sua vez, apesar do reconhecimento de que está fazendo o mestrado
em um período tranqüilo de sua vida, pois suas filhas são relativamente
independentes, e a família está bem estruturada, confessa ter vivenciado o
sentimento de culpa no passado, o qual é, contudo, amenizado pelo balanço que faz
da condição de suas filhas e de sua família hoje. Em seu relato, é possível perceber
a utilização do mecanismo de defesa de racionalização, em que, através de
explicações racionais, M3 alivia seu sentimento de culpa:
Minhas filhas exigiram muito de mim, e, às vezes, eu não tinha
condição de dar na medida que eu achava que devia dar. [...]
Apesar de ter tido essa experiência na minha vida, que eu achei que
não ia dar certo, que tinha que dar mais companhia e tal, hoje eu
vejo que elas estão bem criadas, não são problemáticas, né? Por
mais que eu tenha dedicado muito pouco tempo ao meu marido, ao
casamento e tal. Eu acho que, mesmo tento passado por isso tudo,
essa dupla jornada de trabalho, consegui conciliar de tal forma, que
hoje eu tenho um marido que gosta de mim, minhas filhas estão
equilibradas, cuidando da vida delas, estou com uma casa
arrumada, como eu sempre gostei de ter [...] (M3)
M3 também revelou sua necessidade de ser percebida pelas filhas como uma
boa mãe, que, apesar da ausência decorrente da longa grande jornada profissional,
preocupa-se com elas e com a casa. A entrevistada relembrou momentos em que se
considerou muito ausente com as filhas, deixando transparecer o peso que tal
situação significou:
Então [as filhas] viram a mãe trabalhando, a mãe estudando e
cuidando delas. Eu sempre cuidei muito bem da casa, das filhas,
nunca foi aquela coisa jogada e elas percebiam. [...] Essas
empresas assim com alto nível de exigência... eu lembro, quando
“B” era pequenininha, [...] uma noite eu trabalhei até 3 horas manhã
[...] As meninas já ficaram em porta da escola, não com freqüência,
mas já aconteceu, de ficar na porta da escola até 9 horas da noite, 7
horas da noite, muitas vezes...[...] eu conheci o pediatra da ”A” ela já
estava com 1 ano. (M3)
[...] Eu me sentia culpada por não dar a atenção que eu achava que
elas precisavam. Embora eu tivesse dado atenção, mas ainda não
era o suficiente. [...] Então eu já me senti muito assim, sabe...
cansada, muito... uma mãe que não era aquela mãe que a gente
acha que tem que ser... Fiquei cansada mesmo. (M3)
No caso de M5, a sensação de culpa se revelou de forma bem mais explícita
durante a entrevista, ressaltando o sentimento de que se considera em falta com sua
90
família, em termos de atenção, e se julga responsável pelo prejuízo causado à
dinâmica familiar.
[Os filhos] reclamaram: você não tem mais tempo para nós’. Ficam
horas falando da minha impaciência, reclamando e perguntando;
‘Quando é que isso acaba?’; ‘quando é que isso vai acabar?’
Reclamando... [...] É duro demais, é duro, porque você que você
está falhando mesmo. Mas você não consegue reverter o quadro,
pelo menos imediatamente. (M5)
[...] Agora, por eu não ter esse final de semana, automaticamente,
eu prendo a minha casa inteira. O menino fica em frente a um vídeo-
game. O meu marido vai fazer algumas coisas dele e não conta
muito comigo. Então, enfim, a vida familiar fica bastante
comprometida. Então eu diria que, com o mestrado, acho que
principalmente o lado pessoal é que fica mais comprometido. (M5)
Foi possível constatar, em diversos momentos, a presença do sentimento de
culpa no íntimo de cada entrevistada, em consonância com os resultados de estudos
realizados por por Bittencourt (1980), envolvendo mulheres que tentam conciliar as
lidas do lar e a educação dos filhos com o trabalho extra-lar. Segundo essa autora, é
recorrente a percepção de que estão abandonando o papel tradicional de mães e
educadoras. Girão (2001) explica esse sentimento de culpa como derivado dos
condicionamentos sociais a que as mulheres nessas condições o submetidas. Em
síntese, foi possível perceber, durante as entrevistas, alguns rearranjos psíquicos
por parte das mulheres participantes da presente pesquisa, para amenizarem essa
culpa, principalmente porque, para elas, é muito importante estarem trabalhando e
estudando.
5.3 O mestrado
5.3.1 Mestrado: necessidade de atualização
Para quatro das cinco mulheres entrevistadas, a opção pela realização do
mestrado decorreu de uma necessidade profissional, em função da posição
alcançada na carreira. Todas haviam feito anteriormente pelo menos um curso de
91
pós-graduação latu senso; portanto, o mestrado seria o passo seguinte em seu
processo de educação continuada, com vistas à atualização profissional. Nenhuma
delas mencionou a ligação entre a necessidade de atualização e questões atinentes
ao gênero.
[...] via que alguma coisa estava faltando na minha formação, para
aquilo que efetivamente eu estava fazendo. Então,
necessariamente, eu tinha que buscar mais conhecimento. Aí veio o
mestrado na área de organização, estratégia [...] para justamente
equilibrar aquilo que eu estou fazendo com as necessidades do meu
trabalho. (M5)
As empresas hoje estão cada vez mais complexas;
conseqüentemente, os modelos de gestão estão cada vez mais
complexos, porque a gente tem que acompanhar isso tudo, né? Até
por isso é que eu estou fazendo mestrado, porque exige da gente
um conhecimento grande na área de gestão. A gente tem que estar
por dentro de tudo o que está acontecendo nas empresas. (M3)
Eu nunca parei de estudar durante esses anos todos... sempre
fazendo cursos ou pós-graduação. Sempre foi nesse sentido de
estar me atualizando, porque eu acho isso fundamental. Então isso
é exigência também do mercado. (M2)
A primeira coisa que me levou a fazer mestrado, uma vontade de
adquirir novos conhecimentos, sabe? Eu queria aprender uma coisa
nova. Isso foi a primeira coisa... Eu acho assim, você precisa sair da
cadeira ali. (M1)
A pesquisa evidenciou, no relato de duas das entrevistadas, a necessidade do
mestrado, não apenas pela importância que essa formação é capaz de lhes
proporcionar em seu processo de atualização profissional, mas também por permitir-
lhes a sobrevivência no mercado de trabalho, ou seja, garantir sua empregabilidade:
Faço porque eu quero continuar no mercado de trabalho. E, para
continuar no mercado, eu tenho que fazer aquilo que eu percebo
que é um desejo da empresa, uma necessidade da empresa,. (M3)
E outra vez é a questão da sobrevivência, da sobrevivência no
mercado de trabalho. (M5)
Para M1, ainda é possível perceber que o mestrado também se apresenta
como uma alternativa que pode amenizar o medo implícito de não ser mais
necessária para a empresa em função da sua idade mais avançada.
Eu tenho muita vontade de dar aula, porque essa área que eu estou
[...] é propícia, ela é fértil, sabe? Então eu tenho uma bagagem de
92
conhecimento prático muito grande. E futuramente, para eu viver
essa qualidade de vida que um dia eu quero ter, e às vezes não
estar nesse ritmo de hoje de 8 horas rigorosamente por dia, no
mínimo, eu acho que dar aula, me daria um prazer enorme, sabe? O
mestrado seria mais uma ferramenta para isso. (M1)
[...] Eu até dei aula e tal, e achei uma delícia. Mas, assim, eu
preferia que fosse mais tarde, que não fosse agora, que o tempo
está todo sugado, sabe? Eu preferia que fosse uma hora em que eu
estivesse mais tranqüila, e que aquilo ali fosse realmente um prazer
total. (M1)
Para M4, o mestrado tem o sentido de preencher de significado uma parte de
sua vida, no momento em que a demissão a desestabilizou e lhe trouxe a sensação
de vazio.
Na verdade, eu não entrei assim para eu construir uma empresa. Eu
queria um significado na minha vida. Entrei para isso: ‘opa, deixa eu
me realizar... revolucionar, levantar a poeira.’. E é isso que está
acontecendo, e acho que vai acontecer mais... (M4)
No caso de M4, não foram relatadas renúncias significativas em função de
sua dedicação ao mestrado; o curso lhe preencheu um tempo que estava ocioso,
por sido demitida e ainda não ter tido a oportunidade de reestruturar-se
profissionalmente, de forma a preenchê-lo completamente:
[...] Então, na verdade, não teve nada que [...] tive que deixar de
fazer. Por enquanto, não sei como é que vai ficar na hora da
pesquisa. Na verdade, foi até o contrário, né? Que bom que ficou
cheio o meu tempo! (M4)
Quando solicitadas a fazer uma avaliação sobre os benefícios que o mestrado
lhes trouxe, as cinco entrevistas apresentaram, em seus depoimentos, um ponto em
comum: a importância do curso como ampliação de sua visão e de suas alternativas
de trabalho. Duas delas (M2 e M4) relataram ter tido a oportunidade de desenvolver
outras atividades profissionais, em função de estarem cursando mestrado:
É claro que o mestrado dá uma outra visão de empresa [...] de visão
de mundo, de questionamentos, inclusive que eu fiz a meu respeito
com as pessoas. [...] ele foi muito bom para mim, por esse motivo
também, de conhecer pessoas diferentes também, sabe? [...] foi
possível eu aceitar aquele trabalho porque eu estava fazendo o
mestrado, porque eu conheci uma pessoa que poderia me ajudar a
fazer essa pesquisa, através do mestrado; eu comecei a dar aulas
no MBA, né? Se eu não tivesse mestrado, eles nunca iam saber
quem é a M2. É claro que eu devo muito ao mestrado. (M2)
93
[...] não é porque fez mestrado, então vai ganhar uma promoção.
Não é nada disso não. Eu estou fazendo para eu aprender. E, se eu
não aprender tudo, pelo menos hoje, eu tenho uma visão maior e sei
onde buscar os caminhos. E aprender a fazer com paciência, por
exemplo, pesquisa, analisar os resultados e tal. (M3)
Eu gostei muito, gostei de todas as matérias que fiz, gostei muito de
estudar, de descobrir novas coisas, de conhecer outras coisas,
sabe? [...] Acho que eu tenho facilidade de dar aula. Vejo as portas
abertas, sim. Já inclusive me abriu, eu fui convidada a dar aula. (M4)
Eu acho que sempre vale a pena o conhecimento [...] porque é seu,
é pra você, no sentido de que está te incorporando e me facilitou, e
muito, no meu trabalho, em algumas coisas que eu busquei. (M5)
M3 declarou seu orgulho por fazer parte de um grupo seleto como o de
mestrandos, ressaltando o alto nível intelectual, não só do corpo docente, mas
também do corpo discente:
Então eu acho que o ambiente do mestrado também facilita. As
aulas são sempre interessantes, ou os colegas transformam em
aulas interessantes. [...] Você fala assim: ‘Meu Deus, como tem
gente que pode passar a vida lendo Caras, com tanta coisa boa pra
aprender?’ eu penso: ‘Que bom que eu faço parte do time que
não fica satisfeito com a revista Caras!’ (M3)
5.3.2 Dificultadores da conciliação ente o trabalho e o mestrado: teoria versus
prática
Três das cinco mulheres entrevistadas declararam estar empregadas, com
contrato formal de trabalho, em regime de 40 horas semanais (duas delas no setor
privado e uma no setor público).
Foi possível perceber, através dos relatos das entrevistadas M1 e M5, que
existe, para algumas empresas, uma separação clara entre teoria e prática, como se
ambas o fossem complementares, mas, sim, excludentes. Dessa forma, as
mulheres que trabalham em empresas com tal orientação em relação à educação
continuada de seus profissionais, foram as que relataram maiores dificuldades de
conciliação entre o mestrado e o trabalho.
M1 está numa organização que não valoriza o fato de seus funcionários se
dedicarem à educação continuada. Segundo declarou, existe a cultura implícita na
94
empresa de que não necessidade de pessoas teóricas, mas, sim, de pessoas
práticas, sendo valorizadas a experiência e a maturidade profissionais, sem que isso
esteja atrelado aos anos de estudo. Para M1, existe o receio implícito de que
pessoas que se dedicam ao estudo teórico questionem o conhecimento tácito,
constituindo-se, implicitamente, em um instrumento de disputa de poder. Portanto,
M1 não teve qualquer tipo de apoio da empresa em seus estudos, sendo pessoal e
individual sua decisão por fazer o mestrado. Ela continua trabalhando no mesmo
ritmo e com as mesmas exigências, inclusive de viagens, cabendo-lhe total
responsabilidade pela conciliação do trabalho com o mestrado:
A empresa, em si, ela não valoriza muito, sabe? Por exemplo, eu
estou fazendo o mestrado, mas eles não dão o menor valor. Tanto é
que, se eu falasse assim: ‘eu preciso de um tempo para fazer meu
projeto’, a resposta seria: ‘você se vira!’ [...] ‘Nós não precisamos de
teóricos aqui, não, precisamos de gente prática, gente que sabe
trabalhar, que sabe produzir, é o que a gente precisa’. Então, nesse
ponto, não tem muito valor assim para eles não, sabe? (M1)
[...] Existe uma imagem contra essa teoria acadêmica, sabe? Assim,
eles ficam com medo da gente estudar para dar neles. Sei lá,
sabe, eu acho que é alguma coisa assim... ‘você ficar criando
caraminholas ao invés de fazer as coisas?’ (M1)
Prosseguindo em seu relato sobre as próprias dificuldades em se dedicar ao
mestrado e sua rotina diária, com o trabalho em plano prioritário, foi possível
perceber, no discurso de M1, um certo sentimento de culpa. É interessante que M1
chegou a projetar na pesquisadora essa dificuldade, como forma de amenizar sua
culpa, ao ser perguntada sobre seu sentimento quando percebe que não está dando
conta de desenvolver o projeto de dissertação no prazo previsto.
Nossa! É horrível, é horrível, é um sentimento horrível. Tem noite
assim, em que eu acordo e falo: ‘Meu Deus, vou levantar e vou
começar a pegar’. É... assim... você fica doido para ter a coisa
resolvida, e... e você sabe que você não está caminhando. Então
isso é muito ruim, você ficar adiando. [...] Eu até pretendo agora no
início do ano, tirar umas férias só para me dedicar ao projeto porque
as duas coisas juntas não arrancam. Eu não sei como é que você
está fazendo...” (M1)
M5, por sua vez, reporta-se a uma posição ambígua da instituição em que
trabalha em relação ao fato de estar fazendo um mestrado. Ao mesmo tempo em
que ela lhe oferece a liberação semanal de 8 horas de trabalho por mês para
estudar, durante o primeiro ano de curso, cobra-lhe a presença e total
95
disponibilidade para a instituição. Essa posição ambígua faz com que M5 se sinta
culpada pela falta do cumprimento total de suas responsabilidades e pelo não-
atendimento às expectativas da empresa. De qualquer forma, M5 relatou que, sem
esse apoio, talvez ela não tivesse tido condições de realizar o curso de mestrado.
No trabalho, eles ficam meio assim, né, porque sabem que vão ter
que me liberar um pouquinho. No caso da Prefeitura eu tive uma
liberação inicial de 8 horas semanais, para eu me dedicar ao
mestrado, mas não tenho mais; foi primeiro ano. [...] então eu
estou ficando assim assustada, porque tem uma série de atividades
programadas agora para março, no trabalho, e que eu não sei como
é que eu vou fazer, porque as pessoas [...] sabem que isso é
importante, mas dão muita importância à sua presença ali no
trabalho também. (M5)
Eu tive o apoio da instituição, sim. Talvez, se não tivesse, nem teria
condições de fazer, mas, falar que eles me deram assim numa boa,
não me deram. E você fica muito assim, em cima de uma corda,
se equilibrando entre satisfazer a organização em que você está e
também as suas necessidades de finalização do trabalho de
mestrado. [...] porque algumas pessoas esperavam que você tivesse
feito e que você não fez, e não dá tempo. (M5)
M3 trabalha em uma instituição voltada para o oferecimento de cursos na
área de Administração para empresários e profissionais; portanto, a constante
atualização de seus funcionários constitui um fator fundamental para a sobrevivência
da própria empresa, razão pela qual lhe oferece não só apoio financeiro para custear
o mestrado, como também condições que facilitam a conciliação do trabalho com os
estudos, como, por exemplo, o direito de tirar dois dias mensais de trabalho para se
dedicar ao estudo. M3 considera esse apoio fundamental para conseguir conciliar
sua tripla jornada de atividades:
A Empresa X estimula. Ela exige muito, mas muito em
contrapartida. Então, ela quer que os seus profissionais sejam
altamente competentes, atualizados, acompanha, mas ela todas
as condições para isso... você não fica, se você não quer. Então,
ela não te esse apoio no sentido do estímulo que ela desperta
no profissional que está lá, e essa vontade de saber mais. [...] Além
disso, ela te apoio financeiro. [...] E eu tenho direito, embora não
use, a dois dias por mês para eu estudar no mestrado. [...] Então ela
te dá tudo que você precisa. (M3)
Como fatores dificutadores da conciliação do trabalho com o mestrado, além
das exigências profissionais, três das cinco entrevistadas também apontaram a
96
distância sentida por elas entre o curso e a realidade do mundo do trabalho: M1
citou a cobrança dos professores por detalhes nos trabalhos e na própria
dissertação, que acabam dificultando a conclusão do curso no tempo previsto de 24
meses, principalmente para quem trabalha. Em seu caso específico, como sua
decisão é de não deixar de fazer nada em relação ao seu trabalho, a conclusão do
mestrado será adiada. Essa foi a forma que ela encontrou para “sofrer menos” e
amenizar a sensação de culpa que estava sentindo por não estar conseguindo
conciliar suas atividades como deveria. Esse sentimento lhe tem feito acordar
sobressaltada durante algumas noites, sonhando que está na hora da defesa da
dissertação e só então se dá conta de que há uma parte em branco em seu trabalho,
gerando uma enorme culpa, por ter deixado de concluir algo tão importante. O fato
de um irmão seu, uma pessoa saudável e aparentemente tranqüila, ter tido
recentemente um infarto repentino, fez com que M1 se sentisse na obrigação de
levar o mestrado com maior leveza e menos auto-cobrança. É possível perceber, em
sua fala, uma tentativa de racionalização, que, inconscientemente, sentimentos
como medo de não dar conta, culpa e ansiedade aparecem. Ao ser indagada sobre
as maiores dificuldades que sente em relação à conciliação do mestrado com suas
outras atividades, a entrevistada respondeu:
A maior dificuldade é a burocracia do mestrado. Eu acho assim...
parece que o mestrado é meio distante da realidade de quem está
trabalhando. Isso eu acho que dificulta. (M1)
Eu vou fazer, mas vou fazer dentro do meu limite. Com isso, eu
realmente consegui diminuir a minha ansiedade, sabe? [...] Agora,
você vai me perguntar assim: você está conseguindo? Em parte eu
estou, mas esse negócio de noite sem dormir, de sonhar essas
coisas, continua. Está fora do meu domínio. (M1)
De qualquer forma, M1 decidiu finalizar sua dissertação dentro de sua
disponibilidade de tempo, mesmo que para isso ela tenha que cumprir exigências
adicionais da instituição.
M2 também citou essa dificuldade em relação à distância entre o mestrado e
a realidade do mundo do trabalho. No momento da entrevista, demonstrou grande
ansiedade, pela forma como havia sido questionada no momento da qualificação do
seu projeto. Esse fato fê-la sentir que as exigências do mundo acadêmico dificultam
a conciliação do curso com o trabalho, pois avalia que uma série de detalhes
burocráticos que são exigidos e de problemas que são colocados
97
desnecessariamente. As críticas recebidas em sua qualificação fizeram-na
interromper o processo durante um mês, até que conseguisse entender o ocorrido e
buscar soluções. Ela já havia feito contato com as empresas em que faria sua
pesquisa de campo e havia obtido autorização para iniciar; porém, não estava
autorizada pela academia, pois teria outras etapas a percorrer antes disso. Em face
dessas dificuldades, M2 concluiu que detalhes dessa natureza acabam atrapalhando
a conciliação do mestrado com o trabalho. Acrescentou que, se ela não tivesse
iniciado o curso informalmente, através das disciplinas isoladas que cursou ao longo
de dois anos antes de iniciar o mestrado como aluna regular, teria sido impossível
finalizá-lo dentro do prazo previsto; mesmo assim, observou que, vai defender sua
dissertação com atraso:
Eu usei uma estratégia que me ajudou muito. O que eu fiz? Eu fiquei
um tempão sem entrar; quando eu entrei (era uma época que
podia), eu tinha eliminado muitas matérias. E por isso eu pude ir
para São Paulo e ficar um mês e meio... foi por isso. Então, antes
de entrar, eu fiz muitas matérias isoladas. [...] Quase a metade.
Deus me livre, se eu não tivesse feito isso! Sem chance, por
exemplo, de fazer o mestrado em 4 anos. Assim, provavelmente
deve ser em 4 anos e meio. [...] Enfim, vamos lá, vamos no ritmo
deles, porque é o ritmo que eles querem, mas também não me exigir
que eu termine em fevereiro, porque nesse ritmo aí não vai dar. (M2)
No discurso de M2, é possível perceber certo sentimento de raiva, expresso
pela forma como ela fala da lentidão da instituição de ensino de pós-graduação
como prejudicial à conclusão do curso de mestrado no tempo determinado. Por outro
lado, ela projeta na instituição sua dificuldade de conclusão do curso, estratégia que
pode ser vista como uma forma de esconder sua dificuldade pessoal.
M3 também ressalta a questão da inviabilidade de conclusão do curso em 24
meses. Apesar de seu objetivo de ser bem pontual na finalização, relata:
A gente, a princípio, acha que vai ser em 2 anos, mas em 2 anos
realmente é inviável. Quer dizer, 24 meses certinho, acabar em
fevereiro. Eu queria muito, sabe? No meio do ano passado, eu
estava nessa esperança. Eu queria entrar em 2007 sem mestrado
na minha frente, sem preocupação, [...] mas, infelizmente, acho que
não dá (M3).
Outro aspecto que merece consideração é a análise de M2 quanto à
importância da teoria para a prática profissional. A dicotomia entre teoria e prática
inexiste em seu discurso, pois, como ela trabalha como professora e como
98
consultora, entende que ambos devem estar unidos para um bom desempenho
profissional.
Eu acho que o que eles demandam mais, o que eu tenho de maior
valor para passar pra eles é essa minha experiência profissional.
Porque lá, na Escola Y é MBA, então as pessoas estão muito
focados na coisa como profissional. Eu tenho essa experiência para
passar pra eles desse conhecimento. Na Escola X, o curso é
técnico, então também há essa demanda do meu conhecimento
prático. É teoria e prática [...] de desenvolver as atividades com
vivência, com prática, e trabalhar prática com eles, e aliar teoria à
prática. Isso é uma coisa que eu faço muito bem, que exigem de
mim. Tanto na Escola X, quanto na Escola Y, é que eu gosto de
fazer. De uma certa forma, também como consultora é exigido isso
de mim, esse conhecimento e essa prática que eu tenho... e a
constante atualização, né? (M2).
5.3.3 Cobrança pessoal
Uma característica encontrada em três das cinco entrevistadas foi o alto vel
de cobrança pessoal, no que diz respeito a seu desempenho no mestrado:
Minhas notas são todas muito boas. Eu não tive nenhuma nota que
não fosse A e B, e tirei uma menor que 90, eu tirei um 87.
Fora isso, foi 98, 97... porque eu sou muito dedicada e, para fazer,
[...], eu tenho que fazer direito. (M3)
Quando eu estava fazendo as disciplinas, eu não deixava de ler
nenhum texto, nenhum. Eu lia todos. Eu me cobro muito. Eu não
dou conta de ir de cara dura para a aula sem ter lido. [...] Se eu não
dei conta de ler alguma coisa que não deu tempo, tipo assim,
entregar trabalho atrasado, nada disso eu gosto, eu fico muito
incomodada. [...] Fico com medo da reprovação, da qualificação do
meu trabalho, [...] de ser mal considerada. Isso me um pouco de
ansiedade. Na época da qualificação, fiquei bastante receosa, [...]
mas eu sei que, na hora de encarar, eu vou fazer. (M4)
O medo da reprovação e o de desânimo diante de uma avaliação negativa,
são aspectos ressaltados no relato de M2, que se utiliza de palavras de impacto ao
contar sobre sua experiência na qualificação do projeto de dissertação:
Quando eu cheguei na qualificação, e a minha expectativa que eu
tinha de que estava tudo ótimo foi por água abaixo, que eu tinha que
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mudar muita coisa, me deprimi... Eu não podia nem olhar aquilo ali...
Sem chance, eu não vou dar conta disso... Um inferno, sabe? [...]
Me deu muita vontade de parar, de não ir adiante.[...] Me deu
vontade de parar com tudo, eu falei: ‘eu não vou dar conta, não ’.
(M2)
5.4 Conciliação da tripla jornada de trabalho
Os dados da pesquisa evidenciaram que, para conseguirem conciliar as
atividades da tripla jornada de trabalho, foi inevitável que as mulheres entrevistadas
fizessem algumas renúncias. Uma situação comum à maioria delas foi o sacrifício de
seu lazer, que o puderam parar ou diminuir as atividades profissionais para se
dedicarem ao curso:
O preenchimento da minha vida é o trabalho. O mestrado tirou
um pouco do meu lazer, não do trabalho. É como se eu substituísse
uma noite livre por uma aula; não foi um peso. (M1)
[...] eu fazia ginástica todos os dias, ao longo de vários anos, e o
mestrado me tirou isso. [...] e leitura, porque a minha leitura sempre
foi muito densa, sempre li muito. Parei totalmente de ler [...] no clube
eu parei de ir. (M3)
Nossa, muita coisa... de cara, minhas atividades físicas todas.
Assim, nem caminhar, eu consigo mais, nem uma caminhadinha de
meia hora, de jeito nenhum, sabe? Engordei, engordei, sim, e cuido
muito pouco no sentido de cuidar da minha pele, ir num shopping,
por exemplo, para ver roupas bonitas, moda... isso pra mim virou
artigo de luxo, sabe? (M5).
Eu não tenho tempo de [...] ir a um cinema, [...] ler uma coisa
qualquer, que não seja exatamente as coisas que dizem respeito à
dissertação, sentar nos botecos da vida [...] tomar de vez em
quando, mas sem aquela de sempre: ‘Eu tenho que fazer isso, fazer
aquilo, eu tenho que ir embora’. [...] Não tenho tido muito finais de
semana assim, em termos de lazer, não sobra muito tempo. (M5)
Além disso, para conciliarem as atividades da tripla jornada de trabalho, as
mulheres entrevistadas relataram, dentre outras estratégias, ajustes práticos que
têm efetivado para facilitar sua rotina. M2, por exemplo, citou o planejamento do dia
seguinte como um dos itens facilitadores. Também o fato de ter sua empresa e sua
casa próximas uma da outra e das escolas em que aula facilita seu
100
deslocamento. A delegação da atribuição das compras da casa é outro aspecto que
economiza bastante seu tempo: o sacolão é realizado pela empregada doméstica,
que também colabora nas compras do supermercado, cuja entrega solicita que seja
feita em domicílio.
O apoio da família foi um outro fator ressaltado por algumas entrevistadas
como facilitador importante na conciliação das atividades da tripla jornada de
trabalho:
Eu tenho uma família que me apóia, valoriza o que eu faço, que
acha bacana, entendeu? [...] não me critica, me põe para cima. E
também tenho um namorido agora que me incentiva. (M4)
Duas entrevistadas (M2 e M4) destacaram sua saúde física e a natural
energia como facilitadores pessoais que as ajudam a manter o ritmo de trabalho.
[...] não para você fazer isso tudo sozinha, apesar da gente ser
uma mulher polvo, né? [...] é uma coisa que é minha, que sou
hiperativa. Então, eu tenho essa facilidade de lidar com muitas
coisas ao mesmo tempo. [...] Eu não fico doente, [...] isso é um
facilitador, eu nunca fiquei gripada. (M2)
Eu acho que eu tenho muita energia física. [...] Eu tenho boa saúde,
eu não adoeço [...] isso me ajuda muito (M4).
M5 reportou-se à sua força de vontade, como um fator determinante para
alavancar o processo. Ao ser indagada sobre como consegue conciliar todas as
suas atividades respondeu:
Como eu consigo conciliar isso? Acho que pela minha vontade [...]
de estar finalizando essas coisas todas que eu comecei e de não
deixar nada pelo meio do caminho. Mas a gente consegue
articular as coisas, ajuntar, quando você se esforça pra isso [...]
muito esforço, boa vontade, sabe? Mas te explicar como [...] não me
pergunte. É muito esforço, não tem muita explicação não... uma
coisa que vem de dentro, porque a dedicação vem de dentro, é
espontânea. (M5)
As duas entrevistadas que realizam trabalho autônomo (M2 e M4) apontaram
a flexibilidade de horário como um aspecto significativamente facilitador da
conciliação da tripla jornada de trabalho:
Como a gente é autônoma [...] tem uma flexibilidade um pouco
maior aí com essa agenda, né? (M2)
101
Eu prefiro trabalhar de dia; então, eu arrumo um jeito. Como
atualmente sou autônoma, [...] deixo de ficar uma tarde no
consultório, para estudar. Eu não funciono à noite, funciono muito
mal. (M4)
Foi também possível perceber, em algumas entrevistas, a utilização da
negação como mecanismo de defesa para não assumir as dificuldades de
conciliação da tripla jornada de trabalho:
A reclamação maior deles [filhos] não foi nem em relação ao
mestrado. [...] Não é uma reclamação assim, explícita. No caso do
menino, ele fica mais distante. Então eu tenho que tomar um
cuidado com isso, né? (M2)
Pesquisadora: - O que você teve que deixar, você teve que deixar
de fazer alguma coisa por causa do mestrado?
M2: - Não, nada.
Pesquisadora: - Nada, nada?
M2: - Ah sei lá... eu não agüento, não para você sair, eu não
consigo, por exemplo, ir para uma balada numa quinta-feira, eu não
agüento. [...] no início do mestrado, eu ia toda quinta-feira, eu
comecei a sentir assim, que eu não agüentava mais. [...] Minha
ginástica eu faço do mesmo jeito. Ah, eu nunca pensei em
dificuldades... (M2)
Basicamente assim, eu deixei de fazer... nada. [...] não vou colocar
um peso nisso assim, de sofrimento, não. Deixei de ficar à toa,
deixei de acordar 10 horas da manhã para acordar às 7:00. Deixei
de ir no clube, entendeu? Deixei de ir ao cinema às vezes. Fiquei
mais cansada, com certeza. [...] Então, assim, deixei de fazer um
punhado de coisas que a gente faz, mas, em compensação eu
ganhei, assim, como a gente aproveita o tempo! (M3)
Cabe observar que duas das mulheres entrevistadas (M1 e M4) declaram
sentir a necessidade pessoal de maior qualidade de vida:
Eu cobro mais de mim mesma... Eu queria ter mais tempo, tem dia
que eu fico morrendo de vontade de ficar um dia em casa, sabe?
Tirar férias e ficar na minha casa, [...] porque eu tenho tão pouco
tempo para curtir a minha casa. [...] Então, as cobranças são mais
minhas mesmo, por exemplo, de qualidade de vida. [...] Ah... tem
tanta coisa que eu tinha vontade de fazer, sabe? Que eu não faço,
porque eu não tenho tempo. [...] eu fico tentando é achar mais o
que eu chamo de qualidade de vida. [...] mais lazer e menos, um
pouquinho menos de trabalho, sabe? Mas, ao mesmo tempo, você
fala assim: e por que você não abre mão? Não, não quero abrir
mão, por exemplo, de um emprego para fazer isso. Então, eu vou
vivendo assim mesmo, vou comendo pelas beiradas. (M1)
102
Este ano é um ano que eu gostaria de diminuir um pouco esse ritmo
frenético, sabe? Eu tenho mania de preencher meu tempo todo, [...]
querer fazer tanta coisa... eu desfoco muito, isso é um dificultador.
[...] Esse negócio de querer fazer tantas coisas, talvez eu perco um
pouco em qualidade. Não é qualidade de sair perfeito, bacana, não;
é de aproveitar mesmo. É de aproveitar mais o tempo com a minha
filha, [...] no consultório, [...] estudando, entendeu? Não é com
resultados. Eu tenho um perfil de querer dar conta, e acaba que
não consigo aproveitar tudo, como eu acho que eu poderia
aproveitar. (M4)
5.5 O significado da vida profissional na percepção das entrevistadas
Para todas as mulheres entrevistadas, o trabalho, conforme se comprovou,
tem um significado muito importante, constituindo-se em um dos valores essenciais
de sua vida. Na história de cada uma, foi possível perceber que essa configuração
do trabalho foi-se moldando desde a infância ou adolescência.
Na história de M1, o trabalho começou a fazer parte de sua vida, quando
cursava o Ensino Médio. Membro de uma família de classe média, ela começou a
trabalhar por interesse pessoal; não por necessidade financeira. A opção pelo curso
superior de Engenharia decorreu do desejo de trabalhar, de fato, como engenheira,
e não só pelo curso em si. M1 trabalha 30 anos e, para ela, trabalhar significa ser
produtiva. O fato de estar se aproximando da aposentadoria tem-lhe suscitado
reflexões sobre como irá preencher seu tempo, pois deseja continuar se sentindo
produtiva.
Outro fato que demonstra a importância do trabalho em sua vida é a forma
como ela se apega às empresas em que atua: até hoje foram apenas três
organizações, tendo saído das duas primeiras com dificuldade: “Você adota o lugar”.
Para M1 o trabalho e a família constituem os valores mais importantes da sua vida; o
mestrado apresenta-se como um complemento. Para realizá-lo, não deixou de
atender em nada a seu trabalho, optando por abrir mão do lazer, para viabilizar o
cumprimento do cronograma. Quando solicitada a dizer o que a tripla jornada de
trabalho significava para ela, tratou-a como algo natural, um desafio cujas
dificuldades fazem parte da vida:
103
A gente conta. É difícil? É, mas não é uma missão impossível.
Em todo momento da minha vida, sempre tem uma dificuldade.
Hoje, eu tenho a família criada, mas, por outro lado, o trabalho
tem-me exigido mais. Eu acho assim: disso tudo, a gente não pode
esquecer de duas coisas: da família e da gente mesma. São duas
coisas fundamentais. Se você conseguir respeitar a si mesmo e abrir
um espaço para as cobranças normais da família, você conta.
(M1)
Já M2 tem uma história bem diferente em relação ao trabalho. Por ser oriunda
de uma família de classe baixa, o trabalho, em sua vida, constituía uma necessidade
de sobrevivência, desde quando ainda era muito nova. Com as dificuldades
familiares, teve que trabalhar para ajudar a sustentar a casa. Além disso, o trabalho
representava condição indispensável a seus estudos, pois tinha que trabalhar para
poder estudar (seu sonho). O estudo, por sua vez, constituía condição para que
tivesse melhores condições de trabalho. Desde então, sua trajetória tem sido
construída mesclando trabalho e estudo. Constituiu sua família nesse contexto: fez o
curso superior e cursos de pós-graduação depois de casada, razão pela qual
observou ser comum para seus filhos verem-na trabalhando e estudando. Mesmo
com as dificuldades de conciliação da tripla jornada, M2 declarou que não gostaria
de ter uma vida diferente, ressaltando durante a entrevista: “Para eu me sentir bem,
eu tenho que estar trabalhando”.
O trabalho, para M2 tem seu significado ligado à idéia de evolução, pois,
vinda de uma família de classe baixa, acompanhou a evolução de seu pai através do
trabalho, instrumento pelo qual quer continuar traçando sua trajetória. Durante a
entrevista, M2 também falou com orgulho de sua mãe, que mesmo aposentada,
trabalha até hoje e sempre busca estar ocupada com algum tipo de atividade. Na
entrevista, foi possível perceber o quanto M2 se identifica com a necessidade de ser
sempre ativa, para viabilizar sua tripla jornada de trabalho:
Pesquisadora: - O que você sente no final de uma semana, na
sexta-feira, no final do expediente? Qual é a sensação?
M2: -De alegria... (risos)
Pesquisadora: - Alegria de quê?
M2: -Ah, sei lá... de estar trabalhando.Eu gosto de trabalhar, gosto
de estudar, gosto dessa vida ativa. Eu não quero nada diferente
disso. Então, eu gosto de chegar no final de semana e ter
trabalhado e ter estudado. Gosto de estar ativa. Eu tenho que
agradecer a Deus. O sentimento é este: às vezes, cansada, né?
Lógico! Mas, se cansar, você deita, dorme e descansa. Você tem
que estar é com saúde. Isso é que é importante. É claro que [...] eu
tive crises assim, de achar que não ia dar conta do mestrado, mas,
isso é fase. Isso não é a M2. (M2)
104
M3, por sua vez, veio de uma família de classe média e teve igualmente uma
criação voltada para a importância do trabalho. Relatou que seu pai sempre falava
com as filhas que elas o deveriam ficar esperando ter um marido que fosse
sustentá-las; precisavam trabalhar e construir sua independência. Com esse ideal,
M3 buscou seu primeiro emprego aos 18 anos, não por necessidade, mas pela
vontade de ter seu próprio dinheiro. Desde então, sempre trabalhou. Durante a
entrevista, ela demonstrou orgulho de falar de seus 34 anos de trabalho. Em seu
relato sobre sua trajetória profissional, foi possível perceber a satisfação em tudo o
que fez no que se refere ao trabalho, pois ressaltou o lado positivo de cada
experiência. O estudo também sempre fez parte de sua história. M3 fala com
entusiasmo de seus estudos, como forma de complementar o trabalho, deixando
transparecer em seu discurso a sede por aprendizado. Em sua percepção, os
sentimentos de alegria e de satisfação por estar trabalhando e estudando
ultrapassam o cansaço e a sensação de peso; portanto, não se sente pressionada,
mas, sim, estimulada. “[...] Vamos dizer assim, 80% de alegria, de realização e 20 %
de peso.” (M3)
M4 iniciou a entrevista com a frase “o trabalho é uma parte muito importante
da minha vida, sempre foi” e a repetiu algumas vezes durante seus depoimentos.
Começou a trabalhar aos 15 anos, por vontade própria e não por necessidade. O
valor subjetivo do trabalho e a busca de seu significado em sua vida foi
reiteradamente enfatizada, declarando que sempre procurou realizar atividades que
fizessem sentido para ela, de alguma forma, ligadas às suas áreas de atuação
(Psicologia e Pedagogia). O mestrado também teve esse significado: sua decisão
por realizá-lo foi motivada pela necessidade de preencher sua vida com algo que lhe
fosse significativo, depois de um período complicado, em que chegou à depressão,
em função de uma demissão. M4 ressaltou a importância do amor em tudo o que
faz, como uma forma de tornar agradável e possível a realização de tantas
atividades que lhe são exigidas ao longo da sua da tripla jornada de trabalho: como
ela as faz por amor, tudo o que realiza é impregnado de sentido. São escolhas suas,
e, portanto, não lhes atribui o peso de uma obrigação.
M5 teve uma criação familiar que ressaltava o trabalho como a única forma de
se alcançar qualquer mérito na vida. Educada dentro desse preceito, aos 16 anos de
idade, veio do interior para a capital mineira para estudar, pois o curso superior lhe
daria melhores condições de trabalho e, conseqüentemente, de vida. Quando se
105
formou, sentiu-se perdida, em face da distância muito grande percebida entre a
Faculdade e a realidade do mundo do trabalho. O início de sua carreira profissional
foi marcado por algumas dificuldades que fizeram com que tivesse que se submeter
ao que ela chama de “subempregos”, em clínicas de terceiros, até que pudesse
construir seu próprio consultório particular, captar clientes e obter aprovação em
concursos públicos. Segundo seu relato, foi construindo seu espaço profissional aos
poucos, às custas de muito sacrifício. Hoje, considera que seu trabalho tem um
significado associado à luta para conseguir chegar onde queria e, ao mesmo tempo,
à realização, pelo prazer e pela alegria da vitória. Segundo suas palavras, “tem um
significado profundo, que vem da alma”.
As histórias dessas mulheres em relação ao trabalho alinham-se com alguns
aspectos ressaltados por Bittencourt (1980) sobre a inserção feminina no mercado
de trabalho: a participação da mulher no espaço produtivo pode ser vista como uma
“salvação” para ela, por permitir-lhe a sua saída do ambiente doméstico e a
possibilidade de se colocar ao lado do homem, na produção social. Nos casos
enfocados nesta pesquisa, porém, o termo “salvação”, utilizado pela referida autora,
não se aplica, que as mulheres entrevistadas não manifestaram o sentimento de
que estavam em uma condição tão precária que precisassem ser salvas. Igualmente
não-aplicáveis nesta pesquisa são as observações da autora de que a inserção no
contexto produtivo não significa a liberação feminina em relação às tarefas
domésticas, tampouco sua libertação e emancipação das condições de exploração,
não só no âmbito familiar, mas também no profissional. No caso das mulheres
participantes desta pesquisa, evidenciou-se que elas não se sentem exploradas nem
em casa nem no trabalho; ao contrário, sentem-se realizadas.
De fato, embora historicamente a inserção da mulher no mercado de trabalho
esteja ligada às características de precarização e exploração, a mulher
contemporânea tem conquistado um espaço cada vez mais amplo em diversos
ramos do mercado, inclusive em posições privilegiadas, algumas vezes chegando a
ocupar postos gerenciais, tendo condições de desenvolver um trabalho digno. Em
função desse contexto, sentem a necessidade e têm condições de investir em seu
aprimoramento profissional, através da educação continuada. Estar nessa condição
é, para as mulheres participantes desta pesquisa, motivo de orgulho e satisfação.
Relatam que esse sentimento de prazer, ligado às suas conquistas profissionais, faz
106
com que a tripla jornada de trabalho não seja encarada como um peso ou uma
obrigação, mas, sim, como uma escolha.
Como citado, alguns autores enfocam a questão do acúmulo de atividades
provenientes da conciliação entre as atividades do trabalho e do lar, como um fator
de sofrimento psíquico e físico. Neste estudo, confirmou-se o fato de que, de modo
geral, as mulheres, mesmo que possam dividir com o marido as tarefas domésticas,
continuam se sentindo responsáveis pelas questões do lar, principalmente no que se
refere à manutenção do funcionamento da casa e aos cuidados com os filhos. Essa
responsabilidade, aliada à longa jornada de trabalho a que são submetidas as
entrevistadas, acrescida da realização do mestrado, realmente significa um grande
acúmulo de atividades, mas, em momento algum, essa tripla jornada foi referida
como um fator de adoecimento físico; apenas como limitador do lazer, que
lamentaram ter tido que abandonar os exercícios físicos que realizavam antes de
iniciarem o mestrado e demonstrarem a necessidade de maior qualidade de vida
(M1, M3 M5). As demais (M2 e M4) citaram, inclusive, o fato de gozarem de boa
saúde como um facilitador na conciliação dessas atividades, ou seja, até onde foi
possível perceber, o cansaço físico acontece, mas não a ponto de provocar o
adoecimento dessas mulheres.
Laufer (2003), ao abordar a questão das desigualdades entre o trabalho
masculino e feminino, ressalta a conquista masculina do direito a tempo livre,
através da redução da jornada de trabalho e das férias pagas, possibilitando-lhes
existir fora da esfera do trabalho. Quanto ao segmento feminino, a situação é outra:
apesar de o trabalho assalariado lhe dar acesso à cidadania plena, o direito ao
tempo livre fica-lhes restrito. Entre as cinco mulheres participantes da pesquisa,
quatro relataram que uma das formas que encontraram para conseguirem conciliar
as atividades da tripla jornada de trabalho foi a abdicação de seu tempo livre,
deixando de praticar exercícios físicos, diminuindo a freqüência de saídas com os
filhos, marido ou amigos, enfim, preenchendo o tempo de descanso, das férias e dos
finais de semana com os estudos. Em resumo, ainda que tenha sido confirmada pela
pesquisa a sobrecarga de atividades das mulheres, advinda da realização de tarefas
além do trabalho formal, não pôde ser observada uma correlação entre o acúmulo
de trabalho e o adoecimento físico ou psíquico, no conjunto das mulheres
entrevistadas.
107
Quanto à questão do sofrimento psíquico, Dejours (1991) observa que a
relação do trabalho com o prazer ou com o sofrimento não é pré-determinada.
Portanto, o fato de ser a tripla jornada de trabalho exaustiva, em termos de tempo e
dedicação exigidos da mulher, não significa, isoladamente, tratar-se de uma fonte de
sofrimento. Segundo relatos das mulheres entrevistadas, pode-se concluir que o
trabalho, para elas, é equilibrante (considerando aqui o trabalho da tripla jornada),
no sentido de que permite vias adequadas de descarga da tensão, na medida em
que elas se sentem livres para fazer as adaptações necessárias em seu trabalho e
encontrar sentido no que fazem.
É pertinente retomar aqui os conceitos de Dejours e Abdoucheli (1994),
abordados na teoria referenciada, os quais diferenciam dois tipos de sofrimento
oriundos da organização do trabalho: o criativo e o patogênico. O segundo ocorre
quando não margem de liberdade que o sujeito possa explorar, para transformar
ou aperfeiçoar a organização do trabalho, sofrendo pressões rígidas e
incontornáveis; o sofrimento criativo acontece quando o trabalho pode ser
transformado criativamente, contribuindo para a resistência do sujeito à
desestabilização. Nesse caso, o trabalho funciona como um mediador para a saúde.
O grande salto da Psicodinâmica do Trabalho, nos anos 1980, foi a evidência de
que, entre as pressões do trabalho e a doença mental, interpõe-se um indivíduo
capaz de dar sentido à situação que está vivenciando, defender-se e reagir em face
das pressões sofridas no âmbito profissional.
Dejours (1992) explora em seus estudos situações em que o trabalho
favorece o equilíbrio mental e a saúde do corpo, podendo acontribuir para que o
organismo desenvolva maior resistência à fadiga e às doenças, nos casos em que a
organização do trabalho é favorável e as exigências (intelectuais, motoras e
psicossensoriais) da tarefa estão de acordo com as necessidades do trabalhador.
Quando isso ocorre, o trabalho é exercido com prazer, pois a organização do
trabalho vai ao encontro dos desejos psicológicos e das necessidades fisiológicas do
sujeito. Outra possibilidade de trabalho favorável ao equilíbrio mental ocorre quando
seu conteúdo é fonte de satisfação sublimatória. Em ambos os casos, as
dificuldades advindas do trabalho são facilmente aceitas, pois, mesmo que gere
algum sofrimento, o prazer de sua realização permite ao sujeito uma melhor
adaptação:
108
Eu estou usando essa imagem do beija-flor, como uma coisa que eu
sempre busquei para mim. [...] alguns anos atrás, eu fazia isso
tudo de uma forma muito pesada. Então eu fui buscando durante
muitos anos da minha vida esse beija-flor. Se eu pudesse, seria o
beija-flor. Ele é rápido, vai nas flores e tudo rapidinho, mas ele é
leve, né? [...] Então, assim, eu tenho essa velocidade que é minha.
Mas procurar fazer isso tudo com leveza... não fazer de uma forma
pesada, como obrigação, sabe? Procurar fazer com prazer, de uma
coisa leve, o mais leve possível. (M2)
Eu acho que, em relação a essa história da tripla jornada, sem
dúvida, para mim, isso é um sinal de um novo tempo. E é um
desafio que a própria mulher está construindo para ela, entendeu?
Então, assim, isso pode vir a ser um peso, mas pode se transformar
num valor, numa escolha, entende? [...] acho que o trabalho é uma
necessidade, sim; preciso empenhar até para fazer isso tudo que eu
possa fazer, para comprar as coisas, porque eu gosto de conforto,
eu não gosto de luxo, mas eu gosto de conforto. [...] Mas eu não
trabalho por isso. Eu trabalho porque eu amo trabalhar, eu adoro
o que eu faço. Então isso, para mim, é uma escolha, assim como ter
filho não foi assim ‘ah, tem que ter filho’, eu escolhi isso. Eu decidi
ser feliz... [...] Para mim, eu tenho certeza absoluta de que é
escolha, mesmo reconhecendo que uma necessidade. Mas não
um peso, é um valor; [...] isso não é uma obrigação , é valor, mesmo
eu sabendo que é necessidade. (M4)
A história de vida do meu trabalho é isso... Ele esteve sempre
associado realmente a algumas coisas que eu queria ter na minha
vida, coisas que eu gostava de fazer, gosto de fazer, e de realização
também, né? Por exemplo, seria muito infeliz se eu fosse aquela
Dona Maria, sabe, que cuidasse de casa, entendeu? Então,
assim, ele tem essa configuração de luta, mas, ao mesmo tempo, de
prazer. É uma coisa impressionante. (M5)
Em síntese, pôde-se concluir que todas as mulheres entrevistadas
perceberam a questão da tripla jornada de trabalho como uma escolha, ou seja, não
existe o peso da obrigatoriedade em estar estudando, trabalhando ou cuidando da
família. Nos casos de M3 e M5, que tiveram o apoio da empresa para poderem
estudar, o fato de serem liberadas algumas horas de sua jornada de trabalho para
se dedicarem ao estudo foi ressaltado como essencial, para que pudessem conciliar
o curso de mestrado com o trabalho. Isso demonstra a importância da flexibilidade
da empresa empregadora como fator facilitador não apenas da tripla jornada de
trabalho, mas como fator propiciador de um maior equilíbrio. M2 e M4, por sua vez,
pelo fato de serem autônomas, têm ainda maior liberdade de administração do seu
tempo, aspecto altamente facilitador da conciliação das atividades de sua tripla
jornada de trabalho e à manutenção de um maior equilíbrio nos outros âmbitos da
109
vida. Assim, M2 consegue ter tempo para fazer ginástica, análise, ir à missa e sair
com as amigas e o marido, ainda que com menor freqüência, comparada ao período
anterior ao mestrado. M4 igualmente relatou conseguir manter quase todos os seus
finais de semana livres para a realização de atividades com a família e com o
marido. Por outro lado, no caso de M1, que trabalha em uma empresa que não
valoriza a educação continuada de seus funcionários, não qualquer flexibilidade
em relação à jornada de trabalho. Esse fato, citado como fator dificultador, tem
concorrido para a perspectiva de paralisação de suas atividades do mestrado,
solução cogitada na época em que foi realizada a entrevista.
Quanto aos mecanismos de defesa que puderam ser percebidos nas
entrevistas, a negação e a racionalização foram utilizadas em alguns momentos em
que foram abordadas as dificuldades relativas ao trabalho e à conciliação da tripla
jornada de trabalho, conforme citado ao longo dessa análise; porém, a análise final
do conteúdo das entrevistas revelou que a sublimação (canalização de energia para
atividades socialmente aprovadas / produtivas, sendo considerada, portanto, uma
estratégia defensiva bem sucedida), pôde ser observada como uma forma de defesa
das mulheres participantes deste estudo ao lidarem com as pressões da tripla
jornada de trabalho. Segundo Tallaferro (1989), quando o trabalho assume o sentido
de sublimação da energia, passa representar uma atividade prazerosa.
110
6
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho desenvolvido pretendeu analisar como as mulheres lidam com as
pressões advindas da necessidade de conciliação das responsabilidades
decorrentes de sua tripla jornada de trabalho, entendida aqui como atividades
profissionais, do lar e da educação continuada (Mestrado Profissional em
Administração da FEAD). Para isso, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas,
durante as quais foram obtidos depoimentos de cinco mulheres quanto às suas
atribuições no trabalho, no lar e no curso de mestrado. Foram também identificados
os motivos pelos quais elas buscaram a educação continuada, as principais
dificuldades enfrentadas e as estratégias defensivas elaboradas para lidar com tais
demandas.
No que se refere à descrição das atividades profissionais, constatou-se que,
apesar de exercerem funções diversificadas, todas estão vivenciando um momento
profissional mais maduro, cabendo-lhes responsabilidades de alto grau de
complexidade. Assim, a maioria delas precisa disponibilizar tempo extra, além do
horário formal, para atender às exigências do trabalho. Além disso, é necessário que
estejam atualizadas, para que possam agregar novos conhecimentos à sua prática
profissional.
Em relação às atividades do lar, as responsabilidades dessas mulheres são,
em parte, divididas com a empregada doméstica e com o marido. Essa delegação de
atribuições é um fator fundamental para a conciliação da tripla jornada de trabalho,
possível por se tratar de pessoas pertencentes a uma classe social mais privilegiada,
capazes de arcar com o ônus dos serviços prestados por uma empregada
doméstica. Algumas declararam que seria impossível se dedicarem à educação
continuada, ou mesmo ao trabalho, se não pudessem contar com essa prestação de
serviços. Nas entrevistas também foi reiteradamente ressaltada a questão da divisão
das tarefas domésticas com o marido como um fator altamente facilitador. Pode-se
inferir, portanto, que tem acontecido uma revisão da organização familiar, em termos
de papéis tradicionalmente atribuídos a cada um dos sexos; contudo, as mulheres
ainda se sentem culpadas por sua ausência em relação aos filhos e aos cuidados
com o lar. Além disso, sentem-se responsáveis pela administração e funcionamento
111
da casa. Portanto, ainda um longo caminho a percorrer, no que diz respeito à
igualdade na divisão sexual do trabalho doméstico.
Quanto às atividades do mestrado, a maioria das mulheres teve que abdicar
do tempo de lazer (noites, fins de semana e férias) para se dedicar aos estudos. A
pesquisa evidenciou que a busca pelo mestrado teve, como motivo principal, a
necessidade de atualização, com vistas a garantir a empregabilidade ou a
manutenção da posição profissional alcançada. Uma das entrevistadas declarou ter
sido sua opção pelo mestrado uma forma de se envolver em alguma atividade que
pudesse preencher sua vida de significado, que estava desempregada e
buscando empreender um outro rumo em sua carreira profissional.
No que diz respeito à forma como essas mulheres lidam com a tripla jornada
de trabalho, de uma certa forma, foi surpreendente observar que, mesmo
pressionadas pelo acúmulo de atividades e pelas exigências delas advindas, têm
uma percepção positiva a esse respeito, fazendo questão de não falar de suas
atribuições como peso, mas, sim, como realização e satisfação. Os dados revelaram
que, a história do trabalho, na vida dessas mulheres, foi construída passo a passo,
como meio de obterem realização pessoal e profissional. A influência familiar foi
marcante nesse sentido.
Dejours (1994) observa em seus estudos que a história do trabalhador tem
reflexos no delineamento de seus desejos, interesses, aspirações e motivações.
Nessa perspectiva, o trabalho pode ser equilibrante para o sujeito, na medida em
que permite vias de descarga tensional adequadas às suas necessidades. Para isso,
ele necessita ter liberdade para fazer adaptações em seu trabalho, de maneira a
rearranjar o modo operatório e encontrar formas prazerosas de ação. Pode-se
apontar como situações em que a organização do trabalho é favorável à
manutenção da saúde do trabalhador aquelas em que as exigências intelectuais,
motoras e psicossensoriais da atividade vão ao encontro de suas necessidades;
sendo assim, o trabalho é exercido com prazer. Outra possibilidade de o trabalho
favorecer o equilíbrio mental é quando seu conteúdo é fonte de satisfação
sublimatória. Em ambos os casos, as dificuldades são facilmente aceitas, pois,
mesmo que o trabalho gere algum sofrimento, o prazer de sua realização permite ao
sujeito uma melhor defesa (DEJOURS, 1992).
Analisando os depoimentos das mulheres pesquisadas, foi possível perceber
que a tripla jornada de trabalho constitui-se em uma escolha pessoal, sendo
112
ressaltado, consensualmente, que não gostariam de ter uma vida menos atribulada,
em termos de atividades, nem abririam mão do trabalho, do mestrado e, muito
menos, da família. Sua profissão, assim como o mestrado e a família, são, para elas,
motivos de muito orgulho e satisfação. Nesse sentido, foi possível avaliar que a tripla
jornada de trabalho tem, para elas, um caráter de auto-realização, sendo não
fonte de reconhecimento social, mas de satisfação consigo mesmas, trazendo-lhes
uma motivação interna que se constitui em fonte de energia para conseguirem
conciliar as atividades da tripla jornada de trabalho. Cabe observar ter sido esse
aspecto o citado com mais ênfase nas entrevistas. Dessa forma, percebe-se o
acúmulo das funções sociais dessas mulheres como fonte de satisfação
sublimatória, na medida em que, vendo sentido no que fazem, conseguem canalizar
sua energia de forma a obter prazer em suas atividades, a despeito do sofrimento
pela sobrecarga de trabalho.
Ao mesmo tempo, elas utilizam estratégias práticas que facilitam essa
conciliação. Além da delegação de atribuições domésticas para a empregada,
procuram dedicar todo o tempo livre aos estudos, dilatam o prazo do mestrado,
cursando-o em período superior ao previsto (24 meses), utilizam-se de serviços
como débito automático para o pagamento de contas, e entrega domiciliar das
compras de supermercado. Além disso, a divisão de tarefas domésticas com o
marido e seu apoio emocional foram aspectos bastante focados nas entrevistas
como grandes facilitadores nessa jornada de trabalho. O apoio de familiares também
foi outro aspecto facilitador citado por algumas mulheres.
Por outro lado, foi também possível evidenciar uma série de elementos
dificultadores, especialmente quando elas não têm como interferir na organização do
trabalho, como, por exemplo, o prazo para a defesa da dissertação, o cumprimento
dos horários, a necessidade das viagens profissionais e outros aspectos que não
permitem os rearranjos mencionados por Dejours.
Outro fator apontado como dificultador da conciliação da tripla jornada de
trabalho dessas mulheres foi a dicotomia entre teoria e prática no ambiente
profissional e no mestrado. Por um lado, algumas citaram a falta de apoio da
instituição em que trabalham, o que as leva a ter que adiar os estudos ou a buscar
formas de estudar sem atrapalhar o trabalho. Em alguns momentos, verificou-se que
o mestrado chega a ser visto como um empecilho à dedicação xima exigida no
trabalho, quando, na verdade, por ser voltado para a área de atuação de todas as
113
entrevistadas, poderia contribuir para uma melhor prática profissional. Esse fato
mostra o quanto teoria e prática o divergentes. Igual distanciamento foi relatado
quanto ao mestrado, em relação à realidade profissional que elas vivem, tendo sido
ressaltados como aspectos dificultadores: excesso de burocracia acadêmica, prazo
inviável para a defesa da dissertação, pouca infra-estrutura da biblioteca da FEAD,
gerando a necessidade de deslocamentos em busca de material teórico, além da
falta de apoio de alguns professores.
De uma forma geral, o balanço feito pelas entrevistadas sobre o significado de
sua tripla jornada de trabalho foi positivo. o cansaço, a impaciência, a culpa, a
abdicação do lazer, dos cuidados pessoais e do convívio com familiares e amigos,
mas nada disso não foi relatado como motivo de peso em suas vidas, nem como
fator de adoecimento físico ou psíquico. Ao contrário, elas se sentem realizadas e
reconhecidas por seu trabalho, não apenas no âmbito externo, mas, principalmente,
no interno, pois vêem sentido no que fazem e sentem-se satisfeitas não como
reconhecimento social, mas por perceberem o trabalho como elemento constitutivo
do seu ser.
Ainda assim, talvez pela necessidade de ressaltarem o lado positivo de sua
jornada de trabalho, a negação foi um mecanismo de defesa utilizado algumas
vezes pelas mulheres participantes da pesquisa, principalmente nos momentos em
que foram solicitadas a falar das dificuldades de conciliação da tripla jornada de
trabalho e quando questionadas sobre o sentimento de culpa que, eventualmente,
possam ter tido.
Pode-se considerar que a estratégia metodológica utilizada na coleta de
dados (história oral temática) e na análise dos resultados (análise do conteúdo) foi
de fundamental importância para que se alcançasse o objetivo proposto, porque,
através da história oral temática, puderam ser evidenciadas algumas nuances
significativas do trabalho na história de vida dessas mulheres e na constituição de
sua identidade, dada a importância do sentido do trabalho para sua auto-realização.
A análise do conteúdo permitiu entender que a conciliação da tripla jornada de
trabalho está mais ligada à satisfação das mulheres. Sentem-se gratificadas, por
terem a oportunidade de trabalhar com atividades que lhes são prazerosas e por
poderem fazer um curso de mestrado, viável apenas a uma pequena parcela
privilegiada da população brasileira. Sentem-se livres, por poderem realizar suas
escolhas; assim, a tripla jornada de trabalho, mesmo que seja geradora de cansaço
114
pelo acúmulo de atividades, é para essas mulheres motivo de satisfação e de
realização pessoal e profissional.
Outro fator que pode ser considerado relevante para o êxito desta pesquisa
foi a forma como se deu a interação entrevistadora entrevistadas. Através da
entrevista semi-estruturada, os temas puderam ser abordados de forma fluida e
seguindo o ritmo próprio de cada sujeito da pesquisa, permitindo, assim, a
explicitação de sentimentos e de conteúdos subjetivos. O fato de terem sido
entrevistadas por uma mulher também pode ser considerado um facilitador desse
processo interacional, que a identificação favoreceu a receptividade e a abertura
para o tratamento de temas tão íntimos para elas. Além disso, por se tratar de
colegas do Mestrado Profissional em Administração da FEAD, houve maior liberdade
para a discussão dos aspectos referentes à educação continuada. Tal fato
favoreceu, ainda, o clima receptivo e amistoso em que se deram as entrevistas.
É importante ressaltar que os achados desta pesquisa revelaram a
necessidade de aprofundamento da questão do significado do trabalho para as
mulheres e como elas têm-se sentido em relação às suas conquistas, pois, ao
contrário do que é ressaltado na teoria sobre a precariedade da condição de
trabalho feminino, o que se verificou foi o fato de a mulher estar conquistando um
espaço na sociedade e no mercado de trabalho que lhe é fonte de reconhecimento e
de satisfação, apesar de ser inegável que ela ainda é vítima de preconceitos e de
desvantagens em relação ao homem, no contexto do trabalho. Outras variáveis
como classes sociais, idade das mulheres e idade dos filhos poderão ser estudadas
em outras pesquisas sobre a tripla jornada de trabalho feminina, já que essas
variáveis fugiriam ao escopo deste trabalho.
Finalmente, cabe lembrar o alerta de Dejours e Abdoucheli (1994) no que diz
respeito aos estudos que tratam de dimensões subjetivas do trabalhador. Segundo
esses autores, o pesquisador deve estar sempre ciente de que uma parte importante
da realidade pode escapar à sua percepção, pois os próprios trabalhadores
esforçam-se por reprimir ou ocultar aquilo que lhes é insuportável. A utilização de
técnicas metodológicas reconhecidas, tanto na coleta quanto na análise dos dados,
foi uma forma de amenizar essa limitação, mas é importante deixar claro que não se
teve a pretensão de esgotar todo o material subjetivo dos sujeitos de pesquisa
quanto à sua tripla jornada de trabalho.
115
De qualquer forma, pode-se considerar que esta pesquisa trouxe
contribuições para os estudos em Administração, por ter evidenciado a importância
de as organizações valorizarem a educação continuada de seus funcionários e lhes
oferecerem algumas facilidades, para que tal atividade reverta em benefício para a
própria empresa. Além disso, pôde-se observar que o trabalho com relevância
subjetiva para o sujeito é essencial para que o trabalhador resultados positivos e
se sinta estimulado a vencer os desafios. Portanto, as práticas de gestão de pessoas
nas organizações devem considerar a motivação do trabalhador como um fator de
sucesso tanto para a empresa como para o sujeito. Pode-se também considerar que
este trabalho revelou uma visão muito positiva do segmento feminino no contexto do
trabalho, ao constatar que a mulher, muitas vezes tratada como uma mera vítima da
dupla ou tripla jornada de trabalho, na verdade, tem capacidade de conciliar seus
papéis sociais com competência, êxito e satisfação, razão pela qual cabe à
sociedade dar-lhe o devido valor e reconhecimento.
116
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122
APÊNDICE
APÊNDICE A: ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
TRABALHO
1. Conte-me sobre a história do trabalho em sua vida.
2. Descreva a(s) atividade(s) profissional(ais) que você realiza hoje.
3. O que o trabalho exige de você, em termos de capacitação, disponibilidade de
tempo, exigências emocionais e comportamentais?
ATIVIDADES DO LAR
4. Quais são suas atividades / responsabilidades no lar?
5. O que é exigido de você em casa? O que você se exige?
MESTRADO
6. Quais são as atividades do mestrado realizadas por você hoje?
7. O que a levou a fazer mestrado?
8. Como você acredita que o mestrado vai contribuir para a sua carreira ou
crescimento profissional?
9. Como sua empresa e sua família reagiram diante de sua decisão por fazer o
mestrado?
10. O que o mestrado exige de você?
11. Quais atividades você deixou de realizar depois que iniciou o mestrado?
12. Você acha que vai dar conta de concluí-lo?
13. Você já teve vontade de desistir?
14. O que faz você permanecer no mestrado? De quem você recebe apoio?
15. Está valendo a pena?
CONCILIAÇÃO DAS ATIVIDADES DA TRIPLA JORNADA DE TRABALHO
16. Descreva como é sua rotina diária: durante a semana e aos finais de semana.
17.
Como você concilia as atividades profissionais com as do mestrado e as do lar?
123
18. Quais estratégias você utiliza para conciliá-las?
19. A conciliação é difícil? Você sente ou se sentiu pressionada? Em quê? Por
quem? Como?
20. Você sente dores? Dorme bem? Tem sonhos relacionados com o que está
vivendo?
21. Você toma medicamentos?
22. Você já sentiu saudade, nostalgia de períodos anteriores, em que se sentia
melhor?
23. Você realiza outras atividades de natureza física ou espiritual?
24. Como você se sente em relação à sua tripla jornada de trabalho? Descreva
situações que ilustrem tais sentimentos.
25. Como você se sente no final do dia ou da semana? Ilustre, se possível.
26. Dados pessoais:
Nome:
Idade:
Estado civil:
mero de filhos / idade:
Formação:
Profissão:
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Milhares de Livros para Download:
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