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Universidade Federal de São Carlos
Centro de Educação e Ciências Humanas
Programa de Pós-Graduação em Filosofia
A Ética skinneriana e a tensão
entre descrição e prescrição no
Behaviorismo Radical
Marina S. L. B. de Castro
São Carlos
2007
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Marina S. L. B. de Castro
A Ética skinneriana e a tensão
entre descrição e prescrição no Behaviorismo Radical
Tese apresentada junto ao
Programa de Pós-Graduação em
Filosofia da Universidade Federal
de São Carlos, como parte dos
requisitos para a obtenção do título
de Mestre em Filosofia.
Área de Concentração:
Epistemologia e Filosofia da
Mente
Orientador: Prof. Dr. Júlio César
Coelho de Rose
São Carlos
2007
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Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da
Biblioteca Comunitária da UFSCar
C355es
Castro, Marina Souto Lopes Bezerra de.
A ética skinneriana e a tensão entre descrição e
prescrição no Behaviorismo Radical / Marina Souto Lopes
Bezerra de Castro. -- São Carlos : UFSCar, 2007.
148 f.
Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São
Carlos, 2007.
1. Behaviorismo (Psicologia). 2. Skinner, Burrhus
Frederick, 1904-1990. 3. Ética. 4. Valores. I. Título.
CDD: 150.1943 (20
a
)
"Ó, senhor cidadão, eu quero saber
com quantos quilos de medo
se faz uma tradição".
Tom Zé
Dedico este trabalho aos meus dois amores:
Elton e Francisco
Agradeço a meus pais
a confiança e o longo financiamento;
a Carmen, Camila e Cristina,
o material e as dicas.
Resumo
A partir da descrição da teoria skinneriana desde seus primórdios, podemos entender o
percurso que desemboca em questões éticas. Skinner afirma que a ciência do comportamento
também pode ser uma ciência dos valores, isto é, pode explicar, pode descrever, o que
significam os valores e o que é ser ético, agir de um modo considerado ético. Além disso, o
autor argumenta que, a partir do Behaviorismo Radical e de sua teoria da seleção por
conseqüência nos três níveis, é possível eleger um valor primordial que possa ser o guia para
alguém que se ponha a elaborar práticas culturais de forma deliberada. Nesse sentido, Skinner
assume uma postura prescritiva, ao mesmo tempo em que tenta reduzi-la ao âmbito descritivo.
Aí reside uma certa tensão no texto skinneriano, pois, ao mesmo tempo em que descreve o
bem da cultura, o autor elege esse bem como o valor primordial. Tenta justificar essa eleição
utilizando argumentos descritivos, mas, ao fim, não encontra nenhuma "boa razão".
Assumimos que é possível derivar preceitos éticos a partir do Behaviorismo Radical,
entretanto, o Behaviorismo Radical não é suficiente para justificar a escolha de um ou outro
preceito. Não podemos, a partir apenas de seus pressupostos, escolher o bem da cultura, ou o
bem dos outros, ou os bens pessoais como o principal valor, pois não há argumentos
suficientes dentro da própria teoria. Se quisermos explicar por que escolhemos este ou aquele
preceito, sob o ponto de vista da própria análise do comportamento, devemos olhar para a
história de contingências de quem faz a escolha.
Palavras-chave: Behaviorismo Radical, ética, valores - bens.
Abstract
From the description of Skinner's theory since its beginning, we can understand the course
which falls into ethical questions. Skinner asserts that the science of behavior can also be the
science of values, that is, it can explain, it can describe, what we mean by values and what is
being ethical, act in a way called ethical. Furthermore, the author argues that, from the radical
behaviorism and its selection by consequences theory in the three levels, it is possible to elect
a primary value, which can be the guide for somebody who engages in the project of cultural
practices in a deliberated fashion. In this way, Skinner assumes a prescriptive attitude, as well
as tries to reduce it to a descriptive scope. There it is a kind of tension in the Skinner's texts,
because, besides describing the good of the culture, the author elects this value as the primary
value. He tries to justify this election appeling to descriptive arguments, but, finally, he cannot
find any "good reason". We assume that it is possible to originate ethical precepts from
radical behaviorism, nevertheless radical behaviorism is not suficient to justify the choice of
one or another precept. We cannot choose, only from its premises, the good of the culture, or
the good of others, or the personal goods as the main value, since there are not enough
arguments within the theory itself. If we want to explain why we choose this or that precept,
on the point of view of the behavior analysis, we must look at the who-makes-the-choice
history of contingencies.
Key-words: radical behaviorism, ethics, values - goods.
SUMÁRIO
PREFÁCIO............................................................................................................................................................ 5
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................................... 9
PARTE I : DESCREVER................................................................................................................................... 14
CAPÍTULO 1 - PRECEDENTES HISTÓRICOS E TEÓRICOS DO BEHAVIORISMO RADICAL ......................................... 14
O problema das interpretações tradicionais ................................................................................................. 20
CAPÍTULO 2 - DO RESPONDENTE AO OPERANTE.................................................................................................. 23
CAPÍTULO 3 - A CULTURA .................................................................................................................................. 38
Paralelo entre evolução da espécie e evolução da cultura ........................................................................... 44
PARTE II : PRESCREVER............................................................................................................................... 53
CAPÍTULO 4 - O PLANEJAMENTO DA CULTURA ................................................................................................... 53
As Utopias ..................................................................................................................................................... 59
Críticas comuns à aplicação da ciência do comportamento no planejamento de uma cultura .................... 64
CAPÍTULO 5 - A ÉTICA ....................................................................................................................................... 73
A Ética skinneriana ....................................................................................................................................... 76
O conflito ético .............................................................................................................................................. 91
Epílogo .......................................................................................................................................................... 95
CAPÍTULO 6 - TENSÃO ENTRE DESCRIÇÃO E PRESCRIÇÃO ................................................................................... 97
A falácia naturalista...................................................................................................................................... 99
A questão da Indução.................................................................................................................................. 104
CONCLUSÃO ................................................................................................................................................... 107
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................................ 110
ANEXO 1 ........................................................................................................................................................... 114
CRÍTICAS A TEORIAS ANTERIORES .................................................................................................................... 114
Mentalismo.................................................................................................................................................. 114
Filosofia democrática.................................................................................................................................. 120
Ciências humanas........................................................................................................................................ 125
ANEXO 2 ........................................................................................................................................................... 127
PRÁTICAS DE CONTROLE PESSOAL E DE GRUPO ................................................................................................ 127
ANEXO 3 ........................................................................................................................................................... 144
PROPOSTAS POLÍTICAS ..................................................................................................................................... 144
5
PREFÁCIO
Este trabalho é produto de uma longa, mas não suficiente, reflexão a respeito do
comportamento humano no nível cultural, mais especificamente de acordo com a visão de um
autor da Psicologia, Skinner. Meu estudo sobre o tema começou em 2001, sob orientação do
professor Abib, no então chamado Departamento de Filosofia e Metodologia das Ciências da
UFSCar, hoje apenas Departamento de Filosofia. Foram dois anos sob sua orientação e o
resultado daquele trabalho está na monografia intitulada Questões preliminares sobre política
em B. F. Skinner, a qual deixou várias idéias em estado de latência a serem postas em prática
em um estudo mais longo e aprofundado. De fato, não se pode dizer que foi um estudo mais
longo, como eu queria, mas apenas mais aprofundado, que deu origem ao presente trabalho.
Foram dois anos de um processo efetivo de análise de textos e de produção escrita, 2005 e
2006. O caminho que me trouxe até aqui, escolhendo arbitrariamente um marco inicial, teve
seu começo em uma disciplina optativa - que cursei no ano de 2000, ministrada pelo professor
Antônio Zuin, psicólogo freudiano e professor do Departamento de Educação - chamada
Indústria Cultural, Semicultura e Educação. Tive curiosidade de saber se o behaviorismo
também analisava a cultura e procurei o professor Abib. Nos dois primeiros anos de
graduação, 1999 e 2000, havíamos estudado, sob a ótica do behaviorismo, apenas a análise do
comportamento individual, por isso achava que Skinner se havia restrito ao estudo do
indivíduo, todavia, o que percebi foi a falta de conhecimento que os cientistas
comportamentais tinham a respeito da análise da cultura realizada por Skinner.
O que pode atrapalhar o trabalho de alguns cientistas comportamentais é a falta de
diálogo com outras teorias e a ausência de crítica ao próprio behaviorismo, condição que
acredito ser fundamental para o progresso da ciência do comportamento e de qualquer ciência.
Às vezes me perguntei se isso acontecia porque os cientistas não tinham tempo para
questionamentos filosóficos – porque isso requer tempo e o que se vê nos laboratórios é mais
6
um campo abrangido pela pressa em se produzir mais em menos tempo – ou porque receavam
que seus experimentos, fruto de um trabalho árduo, viessem a ter seus pressupostos
contestados e, por isso, tivessem sido em vão. A primeira hipótese parece mais coerente, pois
o que vemos é a tecnologia se sobrepor à filosofia e ser vista como independente dela, o que
pode, ao final, levar à construção de uma tecnologia inadequada. De alguma forma plagiando
Skinner, precisamos, de fato, não apenas desenhar e construir uma ponte, mas nos perguntar
por que ela deve ser construída; não apenas desenvolver a bomba atômica, mas analisar por
que ela está sendo desenvolvida. Alguns questionam a pouca produção científica brasileira;
questiono, porém, a pouca reflexão na pouca produção científica brasileira, a separação entre
filosofia, ciência básica e ciência aplicada. Isso parece ser alimentado ou gerado, talvez, pelas
agências de fomento de pesquisa, que priorizam financiar pesquisas em tecnologia e, mais
longe ainda, priorizam a tecnologia física. Tive o privilégio de poder realizar este trabalho
apesar de não ter sido financiado; são poucas as bolsas de mestrado no Programa de Pós-
Graduação em Filosofia.
Apesar da falta de financiamento (certamente os resultados teriam sido melhores se
tivesse havido financiamento), o que me levou a optar por este trabalho neste programa
(Filosofia) foi a vontade de analisar de modo aprofundado o Behaviorismo Radical, analisar
as explicações de Skinner para o comportamento do homem na cultura e aproveitar para
desenvolver as idéias que surgiram com a monografia já citada. Acredito que sofri uma forte
influência de trabalhos recentes que vêm sendo feitos sobre temas relacionados à cultura no
behaviorismo. Ultimamente a discussão a respeito vem se ampliando e acalorando. Abib,
Maria Amália, Téia e Alexandre são pessoas de cujos trabalhos sofri influência direta.
O interesse de Skinner, que pode ser inferido, ou até lido quase textualmente em seus
primeiros textos, da primeira metade do século, era elaborar uma ciência cujo instrumental
teórico e metodológico pudesse abranger o comportamento humano como um todo. Se assim
7
fosse, não seria mais necessário dividir as ciências humanas em pedagogia, economia,
antropologia, psicologia, sociologia, política e assim por diante. Afirmações como essa
aparecem nos seus textos sobre agências de controle, de 1953. A questão da Ética surgiu ao
final de minha monografia como um ponto de encontro entre suscetibilidades genéticas e
necessidades culturais. O início daquele texto tratava das agências de controle e de como
Skinner nos leva a concluir que o Governo é a agência com mais poder. Também havia uma
referência às preocupações de Skinner – preocupações estas presente em textos pós-segunda
guerra, na época da Guerra Fria – quanto ao futuro do planeta, que o levaram a propor que à
ciência do comportamento coubesse a implementação de uma tecnologia comportamental que
garantisse o futuro do planeta da melhor forma possível. E então surge o problema ético.
Garantir o futuro é uma questão ética, pois trata de resolver problemas resultantes da
incompatibilidade entre o que eu quero e o que eu posso, ou entre o que eu quero e o que os
outros querem, ou entre o que eu quero e o que eu devo fazer, entre as minhas vontades
individuais e as necessidades culturais. E essa solução advém da previsão das conseqüências
que cada escolha pode ter. As agências de controle, de acordo com o autor, já sabem como
garantir o próprio futuro, contudo o futuro de uma nem sempre é compatível com o de outra
ou com o da humanidade como um todo. Caberia à ciência do comportamento desenvolver
uma tecnologia que garantisse o futuro, que tornasse possível que as conseqüências de longo
prazo, remotas, controlassem o comportamento do indivíduo. Essas são algumas das
conclusões a que chego no texto da monografia.
A proposta inicial e que apresentei como projeto de mestrado no programa de pós-
graduação em filosofia se originou da monografia e foi ampliada. De fato, o projeto consistia
em estudar o que dois grandes autores da Psicologia discutiam a respeito da questão da Ética,
desse encontro entre biologia e cultura no indivíduo, que, em algum momento, pode gerar a
bifurcação entre o que eu quero e o que eu devo fazer. Os dois autores escolhidos eram
8
Sigmund Freud e Burrhus F. Skinner. Numa primeira leitura, realizada para a elaboração do
projeto de mestrado, foi possível concluir que os dois autores concordam com esse encontro,
que esse encontro é um conflito, que gera um mal-estar no indivíduo e que, por questão de
sobrevivência, optamos pela cultura. Poderíamos supor que Freud aparentemente diria o
seguinte: a cultura, a sociedade, faz muito mal ao indivíduo, mas ele precisa dela para
sobreviver. Ele enfatiza o mal-estar individual causado pela cultura e não tanto a
sobrevivência. Já Skinner diz, rapidamente, desse mal-estar, contudo enfatiza o lado da
sobrevivência. Comecei a elaborar a tese analisando inicialmente os textos skinnerianos e,
como acontece na maioria das vezes, não houve tempo para estudar a obra freudiana. Então a
dissertação de mestrado a ser apresentada a seguir diz respeito apenas à análise que Skinner
faz da questão Ética.
Ao escolher os textos para estudo, selecionei capítulos de livros do autor a partir de
1953 até as últimas décadas do século. O critério de seleção dos capítulos foi a presença de
termos como “sociedade”, “cultura”, “grupo”, “ética” e outros relacionados à análise do
comportamento social. Minha intenção era, não apenas analisar as explicações skinnerianas a
respeito da cultura e da Ética, mas perceber as características da evolução do pensamento de
Skinner sobre o tema, as modificações que ele poderia ter sofrido ao longo das décadas,
considerando-se, a priori, que o século XX foi uma época de grandes, profundas e rápidas
mudanças sociais. Não propunha fazer uma análise cronológica dos conceitos, mas não podia
perder de vista o contexto histórico em que um indivíduo chamado Skinner se comportou,
escrevendo livros a respeito de um tema que agora era meu objeto de estudo. As
circunstâncias nas quais ele escreveu ajudam a entender o que está escrito.
Este prefácio conta, resumidamente, a gestação das idéias do presente trabalho. Deisy,
Júlio e Jesus são os professores a quem devo minha iniciação no behaviorismo. Bento, em
suas aulas de Filosofia e Ética nas tardes de quarta-feira, me fez pensar, pela primeira vez, na
9
relação entre determinismo e liberdade. O professor Abib me mostrou um Skinner mais
fenomenológico, por isso mesmo, mais interessante. Maria Amália e Téia, em suas didáticas,
e às vezes emocionantes, palestras em encontros anuais ou em palestras na Federal, me
ensinaram a ver Skinner como membro de uma cultura e com uma história pessoal. Hélio
Guilhardi e a Jesus me mostraram, de forma genial, como fazer uma análise funcional do
comportamento do indivíduo. E o Júlio, meu orientador, me provou que existem cientistas
críticos. Tudo isso se mistura, se junta às minhas leituras, resultando no texto a seguir. Espero
que gostem e que lhes seja útil.
INTRODUÇÃO
Burrhus Frederick Skinner (1904 - 1990) pode ser considerado o pai da Ciência do
Comportamento como ela é entendida nos dias atuais. Ao se inserir no contexto de
naturalização das ciências humanas, Skinner buscou fazer o mesmo com a Psicologia, isto é,
utilizar métodos das ciências físicas no estudo de fenômenos humanos. Esse objetivo não era
novidade entre os cientistas da época - início do século XX -, tal caminho já vinha sendo
trilhado por eles havia algum tempo; pode-se dizer até que essa nova possibilidade de estudo
do comportamento humano foi visualizada e aberta há alguns séculos. Então, qual seria a
importância do trabalho realizado por Skinner? O que ele trouxe de novo?
O objetivo do presente texto é, de início, expor de um modo detalhado as idéias do
autor a respeito do comportamento humano individual e em grupo para que, a partir de seu
modo de descrição do mundo, especialmente do ambiente social, possamos explicar de que
modo essas idéias podem gestar uma Ética. Ou seja, buscaremos entender se o modelo
explicativo skinneriano do comportamento humano pode originar um modelo ético e como o
autor propôs que isso fosse feito. É uma empreitada ambiciosa. Veremos até onde ela nos
10
leva. Na primeira parte será explicitado o lado descritivo da teoria comportamental
skinneriana e, na segunda parte, veremos a sua face prescritiva e sua relação, por vezes tensa,
com a parte descritiva.
A partir da leitura dos textos skinnerianos, percebemos que sua teoria a respeito do
comportamento humano foi-se modificando até meados do século, quando sua base se
solidificou e não sofreu mais alterações. Já tendo o alicerce coeso, em seu livro de 1974
(considerado pela autora do presente trabalho sua obra-prima por causa de sua coerência,
concisão e clareza), Skinner estabelece o behaviorismo como a filosofia da ciência do
comportamento: “Behaviorismo não é a ciência do comportamento humano; ele é a filosofia
daquela ciência” (Skinner, 1974/1976, p. 3).
Skinner deixou claro, desde o início de sua obra, a possibilidade e a necessidade de se
encontrar um conjunto de leis básicas aplicáveis ao comportamento humano como um todo,
que fosse capaz de explicar o indivíduo se comportando em vários contextos diferentes. Esse
conjunto de leis deve ser suficientemente explicativo para as interações entre o indivíduo e o
meio.
Esse objetivo final do autor, o qual acaba sendo seu ponto de partida, já se mostra na
década de 30 do século passado, em seu artigo fruto da sua tese de doutorado. Nele, o autor
apresenta um programa e uma formulação geral de uma análise científica do comportamento.
Em 1953, no texto inicial sobre agências de controle, Skinner defende a necessidade de uma
explicação que abranja o comportamento humano como um todo, pois, com isso, não seria
mais preciso dividir as ciências humanas em campos com ontologias e métodos diferentes –
economia, psicologia, antropologia, ciência política, sociologia e assim por diante. Além
disso, ele propõe que a responsabilidade por elaborar tais leis gerais sobre o comportamento
humano as quais fossem aplicáveis a todos esses diferentes contextos seja do behaviorismo.
De acordo com o autor, se o indivíduo que se comporta na igreja, na loja, na escola, no banco,
11
no palanque, no divã ou em qualquer outro lugar do mundo é o mesmo - no sentido de
pertencer a uma mesma espécie e viver em ambientes sociais semelhantes -, a solução mais
adequada é que haja uma única ciência do comportamento.
Skinner, no Capítulo 6 da coletânea Questões Recentes na Análise Comportamental, já
do final dos anos 80, se pergunta por que nem a análise experimental do comportamento nem
sua aplicação se tornaram a psicologia. De fato, para o autor, é necessário que a psicologia se
limite ao seu objeto de estudo acessível e deixe “o resto da história para a fisiologia”. Com
isso, ele defende que o comportamento do organismo como um todo pode ser plenamente
explicado se recorrendo apenas à ciência do comportamento e à fisiologia. O que não couber à
primeira, caberá à segunda. Essa é a proposta skinneriana para a explicação do
comportamento humano, que permaneceu praticamente sem alterações através de toda sua
obra.
Na opinião da presente autora, Skinner deixou duas grandes obras que esquematizam o
programa para uma análise científica do comportamento: o Ciência e Comportamento
Humano, de 1953, e o About Behaviorism, de 1974. Ambos os livros possuem estruturas
semelhantes, pois explicam de forma didática a teoria skinneriana: partem dos pressupostos
do behaviorismo, elaboram a análise do comportamento individual a partir daqueles
pressupostos e chegam, ao final, à explicação do comportamento do indivíduo que age no
grupo, numa sociedade, numa cultura. Aí também se chega, nas duas obras, à proposta do
autor para uma tecnologia em nível cultural. Embora o esquema geral dos livros seja
extremamente semelhante, o segundo é elaborado de um modo mais filosófico que o primeiro,
o qual apresenta uma rigidez científica capaz de levar o leitor desavisado a supor um realismo
ingênuo inerente ao behaviorismo.
De qualquer forma, podemos perceber, nas obras citadas, que a função da psicologia
para Skinner era explicar o comportamento humano a partir de onde paravam as explicações
12
fisiológicas e ir até, inclusive, a explicação do comportamento de grupo, passando pelo
comportamento individual. As separações entre as ciências humanas desaparecem quando
supomos que a ciência do comportamento é capaz de abranger os campos que
tradicionalmente pertenciam à antropologia, à sociologia, à educação, à ciência política e
assim por diante. Nesse sentido, concordamos com a tese (Laurenti, 2004) de que o modelo
explicativo do behaviorismo pode ser visto como uma versão do instrumentalismo científico,
no sentido de ser um princípio regulador da pesquisa e, ao mesmo tempo, auxiliar a interpretar
fenômenos que não são passíveis de manipulação experimental, incluindo aqueles que estão
além das fronteiras tradicionais da psicologia.
Além de unir as tradicionais ciências humanas em uma só, a ciência do
comportamento não deve ser incompatível com as ciências físicas, muito pelo contrário. Foi
no modelo de previsão e controle das ciências naturais que Skinner se inspirou para elaborar
suas propostas. Skinner não mudou de opinião quanto a isso; ele continuava, mesmo em seus
últimos escritos, a levantar a bandeira de que a Psicologia é uma ciência natural: "ainda estou
certo de que, se um dia o conseguirmos [planejar e colocar para funcionar contingências sob
as quais as pessoas se comportarão como se o futuro fosse hoje], será com a ajuda de uma
psicologia que, conforme afirmou Watson, é 'um ramo puramente objetivo-experimental da
ciência natural'" (Skinner, 1989/1995, p. 181).
Considerando-se tudo isso, o presente trabalho se propõe a analisar como o autor
chegou, a partir de seus pressupostos, à análise da cultura, mais especificamente à explicação
sobre a Ética. Buscaremos entender e descrever o que é o bem para Skinner, o que são os
valores e o que é a Ética, ou quais os diferentes usos que o autor faz do termo. Talvez
possamos estabelecer, ao fim, os lugares da ciência, da verdade e do bem para o
behaviorismo skinneriano.
13
A hipótese inicial que nos guiará é que a questão da Ética envolve necessariamente
um conflito, que se dá no indivíduo, entre filogênese e ontogênese e que a resolução para esse
conflito que pode ser classificada como solução ética é a opção pelas necessidades culturais.
Isto é, o meio ambiente no qual a espécie evoluiu selecionou alguns comportamentos ou
algumas suscetibilidades que podem, algumas vezes, não ser os mais adequados para a cultura
em sua própria evolução, ou seja, nem sempre os comportamentos que contribuíram para a
sobrevivência da espécie poderão contribuir para a sobrevivência da cultura. Supomos que, na
visão de Skinner, o adjetivo "ético" se refere a pessoas ou comportamentos controlados pelas
conseqüências remotas que garantirão a sobrevivência da cultura; ser ético, então, é agir pelo
bem da cultura.
Uma hipótese secundária é que a Ética proposta pelo autor - fica claro que já
assumimos a existência de uma Ética skinneriana - não decorre necessariamente dos
pressupostos do behaviorismo, quais sejam, os mecanismos de variação e seleção que
ocorrem nos três níveis: espécie, indivíduo e cultura, que explicam o comportamento humano.
Supomos, inicialmente, que isso procede pelo simples fato de que uma Ética, de acordo com o
argumento a ser mais elaborado ao final, não pode decorrer suficientemente de uma ciência.
Queremos dizer com isso que a prescrição de um mundo melhor não pode decorrer
exclusivamente da descrição do mundo tal como ele é. Como instrumento argumentativo, será
utilizado o conceito de falácia naturalista para embasar esta hipótese.
Para descrever o percurso que desemboca nas questões culturais e, por conseqüência,
éticas, partiremos do princípio, dos pressupostos do behaviorismo, analisaremos o
comportamento do indivíduo e do grupo sob o ponto de vista do behaviorismo e, por fim,
chegaremos à inferência a respeito da Ética que o autor elabora a partir de sua teoria
comportamental.
14
PARTE I : DESCREVER
Capítulo 1 - Precedentes históricos e teóricos do Behaviorismo Radical
Skinner se graduou em língua e literatura inglesa. A obra Philosophy de Bertrand
Russell (1927) e o manifesto behaviorista de Watson (1913) fizeram dele, instantaneamente,
segundo suas próprias palavras, um behaviorista (Skinner, 1989/1995, p. 164). Skinner queria
estudar o comportamento de um organismo sem qualquer referência à vida mental ou ao
sistema nervoso. Quanto a isto, ele sofreu influência do biólogo Jacques Loeb, autor de livros
entre os quais The Organism as a Whole (1916) - "O Organismo como um Todo". Skinner foi
estudar em Harvard nos laboratórios de biologia de um discípulo de Loeb.
Skinner parte do princípio de que a psicologia, enquanto ciência, deve ser capaz de
prever e controlar o comportamento. Entretanto, se, para grande parte da psicologia anterior a
Skinner, a mente determina comportamentos, surge um grande problema: o controle do
comportamento se torna impossível por causa da impossibilidade de acesso à vida mental.
Havia, porém, uma outra ciência que se mostrava promissora quanto à previsão e controle de
comportamentos: a Biologia. Com constantes descobertas, a Biologia já era capaz de prever e
/ ou de controlar, como, por exemplo, nos tropismos, nos reflexos e no condicionamento
respondente. O grau de controle que a Biologia já conseguia ter sobre alguns comportamentos
animava Skinner, porém o interesse do autor era pelo comportamento do organismo como um
todo.
Então, a psicologia, de acordo com Skinner, deveria ser a ciência do comportamento
do organismo como um todo e, enquanto ciência, deveria se preocupar com previsão e
controle do comportamento. Para isso, deveria se desvincular do mentalismo. A filosofia
dessa ciência seria o behaviorismo, o qual Skinner classifica como radical. O Behaviorismo
15
Radical “é a filosofia de uma ciência do comportamento tratado como objeto de estudo em si
mesmo, separado das explicações internas, mental ou fisiológica” (Skinner, 1989/1995, p.
164).
Com o advento do comportamento verbal, as pessoas começaram a falar sobre o que
elas estavam fazendo e por quê; ou seja, elas começaram a descrever seu próprio
comportamento, o ambiente em que ele ocorria e suas conseqüências. Isso significa que, a
partir da possibilidade do comportamento verbal, as pessoas, além de serem afetadas pelas
contingências, começaram a analisá-las (Skinner, 1974/1976, p. 132). No sentido de que são
comportamento verbal, as descrições das razões ou causas do comportamento variam de
acordo com o tempo histórico e com a cultura. Ainda hoje, muitos estudam causas metafísicas
para os comportamentos, como o espírito da própria pessoa ou até mesmo outros espíritos, a
mente, a consciência e assim por diante. Skinner, todavia, se interessa pelas leis que uma
ciência do comportamento pode descrever.
A diferença entre as leis da religião ou do governo, por exemplo, e as leis da ciência
não está na afirmação de que umas são feitas e outras, descobertas, mas sim nas contingências
descritas nas leis, pois a religião e o governo possuem leis que descrevem contingências
mantidas por ambientes sociais, enquanto que as leis da ciência descrevem contingências que
prevalecem no ambiente de modo independente da ação humana deliberada (Skinner,
1974/1976, p. 138).
Quanto à posição filosófica de Skinner, ele próprio descreve, no Capítulo 12 de seu
Questões Recentes na Análise Comportamental, de1989, ter tido mais influência de Ernst
Mach que do positivismo lógico. Em seu artigo derivado de sua tese de doutorado, ele afirma
seguir Mach e Henri Poincaré.
Com relação ao que existe, Mach discorda do dualismo cartesiano segundo o qual há o
mundo do extenso e o do inextenso, o da matéria e o do espírito, substancialmente diferentes
16
um do outro. Skinner parece concordar com Mach em relação à utilidade da análise histórica
do surgimento de leis científicas e também quanto à negação do dualismo de substância. Nas
palavras do próprio Skinner, ele seguiu "uma linha estritamente machiana, na qual o
comportamento era analisado como objeto de estudo em si mesmo e como função de variáveis
ambientais, sem referência à mente ou ao sistema nervoso" (Skinner, 1989/1995, p. 150).
Skinner diz que os positivistas lógicos, bem como alguns behavioristas metodológicos,
admitiam a existência de uma mente, mas a deixaram fora do domínio da ciência, pelo fato de
ela não poder ser confirmada por uma segunda pessoa. Skinner, por outro lado, admitia a
existência de eventos internos, os quais seriam estados corporais e cujo estudo ficaria a cargo
da fisiologia. Dados introspectivos seriam insuficientes para a ciência, pois sua privacidade
impede que aprendamos a observá-los de maneira precisa (Skinner, 1989/1995, p. 149).
Nesse sentido, Skinner é herdeiro de uma tradição que já contestava as ontologias
tradicionais, o dualismo de substâncias, que se preocupava com questões práticas, observáveis
e que descartava doutrinas transcendentais - o próprio Freud, como James, pregava a
necessidade de a psicologia ser uma ciência natural e ele próprio buscou naturalizar a
consciência, reduzindo-a a processos corticais no seu Projeto de uma Psicologia, de 1895.
Dessa forma, é lícito afirmar que Skinner, de fato, se apoiou no ombro de gigantes.
Porém não se pode negar a singularidade de sua teoria. Ao atentar para o Behaviorismo
Radical enquanto filosofia da ciência do comportamento humano, pode-se perceber que o
autor elabora um modelo de explicação do comportamento o qual difere de qualquer outro
visto até então. Uma análise interessante a respeito desse modelo explicativo pode ser
apreciada na obra de Carolina Laurenti (2004).
Talvez pudéssemos inferir de uma primeira leitura superficial de Skinner -
principalmente de seus primeiros textos, até 1953 - que sua teoria sobre o comportamento
humano revela um modelo explicativo causal mecânico, que ela pressupõe um mundo real
17
verdadeiro por trás de nossas experiências, isto é, um mundo essencialmente físico por trás do
mundo aparente da experiência, governado por leis físicas as quais apenas precisariam ser
descobertas. É possível apreender tais conclusões a partir de alguns trechos da obra de
Skinner, todavia isso não seria coerente com o restante da obra do autor nem com as
tendências filosóficas da época.
De uma segunda leitura, um pouco mais ampla e mais aprofundada dos textos
skinnerianos, pode-se inferir que o autor oscila entre um realismo ingênuo, de um lado, e uma
fenomenologia, de outro. Por exemplo, ele assume “linhas naturais de divisão pelas quais
comportamento e ambiente realmente se partem" - "natural lines of fracture along which
behavior and environment actually break” (Skinner, 1935/1972) -, afirma que as partes dessa
divisão retêm sua identidade de um experimento para o outro e que, se isso não se justificasse
de algum modo, não seria possível uma ciência do comportamento. Por outro lado, a recusa
de Skinner em discutir a natureza última da realidade pode ser comparada com a tese
fenomenalista da doutrina naturalista (Abib, 1985). Segundo Willard Day (1977), o
pensamento de Skinner tem, claramente, seu lugar dentro da tradição naturalista (p. 20).
Nesse sentido, Skinner não elabora uma diferença real entre o fenômeno e a essência,
entre a experiência e o mundo real. Podemos afirmar que, para o autor, "o que é" é "o que nos
aparece". De acordo com a terceira definição de Naturalismo em Abbagnano (2000), a teoria
comportamental parece poder levar esse rótulo. Ele diz que o Naturalismo pode ser entendido
como a "negação de qualquer distinção entre natureza e supranatureza e tese de que o homem
pode e deve ser compreendido, em todas as suas manifestações, mesmo nas consideradas
superiores (direito, moral, religião, etc.), apenas em relação com as coisas e os seres do
mundo natural, com base nos mesmos conceitos que as ciências utilizam para explicá-los" (p.
698). Abbagnano também descreve uma das noções de fenômeno: "neste sentido a noção de
fenômeno não se opõe mais à de coisa em si: o fenômeno é o em si da coisa em sua
18
manifestação, não constituindo, pois, uma aparência da coisa, mas identificando-se com seu
ser" (p. 437). Dessa forma, ratificando o que dissemos no parágrafo anterior, é possível
afirmar que a recusa de Skinner em discutir a natureza última da realidade pode ser
comparada com a tese fenomenalista da doutrina naturalista.
Em seu texto de 1969 (p. 202), Skinner, de certo modo, tece uma crítica à divisão entre
ambientes "naturais" e ambientes "humanizados", afirmando que não há nada essencialmente
humano, social ou sintético que seja diferente do que é natural; isto é, para Skinner, tudo é
natural, tudo é produto de processos naturais. O ambiente natural estudado pelos etologistas é
geralmente apenas um dos ambientes no qual a espécie está vivendo. Diferenciamos as
ciências naturais das ciências sociais, embora saibamos que a sociedade é natural.
Outra característica do Behaviorismo Radical, vinculada àquelas já discutidas, é que a
observação é o seu fundamento. Isso traz importantes implicações para a teoria. Uma delas é
que a metafísica pode ser construída concomitantemente ao método. Ou seja, a epistemologia
e a ontologia do Behaviorismo Radical não são necessariamente anteriores ao método. A
análise experimental do comportamento, enquanto método, ajudou a construir a filosofia
desse método. Isto quer dizer que a ciência do comportamento e o Behaviorismo Radical
nasceram juntos e se desenvolveram por meio do apoio mútuo (Dittrich, 2004).
Dessa forma, os pressupostos sobre o objeto de investigação da ciência do
comportamento - isto é, sua ontologia - e os pressupostos sobre o método adequado de estudo
de seu objeto - isto é, sua epistemologia - foram sendo construídos paralelamente à própria
ciência, quer dizer, ao próprio método. A função da ontologia e da epistemologia é, enquanto
parte de uma metafísica, justificar e sustentar um método. Na construção da ciência do
comportamento, o papel principal é o da observação e, a partir disso, é possível falar de uma
epistemologia empírica (Dittrich, 2004), numa justificação do método que se baseia na
própria experiência observada, até mesmo da própria aplicação do método.
19
Enquanto ciência natural, a ciência do comportamento deveria descrever suas
observações em linguagem das ciências físicas e isso implica um fisicalismo epistemológico:
a análise experimental estuda o comportamento como se ele fosse um processo de natureza
física (Dittrich, 2004). Contudo, pelo fato de Skinner não discutir explicitamente sua
ontologia, não significa que devamos supor que, a partir de seu fisicalismo epistemológico -
ou seja, a necessidade de os eventos que afetam um organismo serem descritos na linguagem
da ciência física - podemos concluir um fisicalismo ontológico, isto é, supor que todo
fenômeno psicológico é físico. Isto quer dizer que não podemos identificar método e
fenômeno. Há, porém, algumas pistas de sua ontologia:
É um erro, como apontei no capítulo 5, dizer que o mundo descrito pela ciência é, de
algum modo, mais próximo ao "que realmente existe", mas também é um erro dizer
que a experiência pessoal de um artista, compositor ou poeta é mais próxima do "que
realmente existe". Todo comportamento é determinado, direta ou indiretamente, pelas
conseqüências, e os comportamentos do cientista e do não cientista são modelados
pelo que realmente existe, mas de maneiras diferentes (Skinner, 1974/1976, p. 140 -
141).
De certa forma, como conseqüência do descarte do que "realmente existe" enquanto
referência ou meta do cientista, Skinner também descarta a possibilidade de se elaborar uma
afirmação de fato absolutamente verdadeira. Não há como uma descrição verbal de um
ambiente ser absolutamente verdadeira. Uma lei científica é limitada pelos repertórios dos
cientistas envolvidos. A verdade absoluta só pode ocorrer quando se derivam leis de outras
leis, o que não passa de tautologia (Skinner, 1974/1976, p. 150). O par verdade / falsidade
no Behaviorismo Radical é equivalente ao par efetivo / inefetivo. A lei científica é
verdadeira apenas enquanto estiver sendo efetiva, estiver funcionando, na descrição do
comportamento do cientista com relação a determinado ambiente.
20
Assumimos, no presente trabalho - por se mostrar coerente com a parte da obra do
autor aqui estudada, principalmente seus textos da segunda metade do século, mais coerente
com as tendências filosóficas da época e por parecer mais adequada à pós-modernidade - a
posição de que Skinner elabora um modelo funcional, instrumental e probabilista de
explicação do comportamento, conforme defende Laurenti (2004). Isto é, o modelo
explicativo do Behaviorismo Radical descreve relações funcionais, interpreta fenômenos na
ciência psicológica e além dela, assume um compromisso social e produz conhecimento com
um grau de certeza alto, mas nunca total. Tais asserções se tornarão mais claras quando
discutirmos a teoria skinneriana do comportamento humano. Antes, porém, vejamos contra o
que lutava tal teoria, na contramão de qual tendência ou tradição Skinner caminhava.
O problema das interpretações tradicionais
É geralmente presente nos textos skinnerianos um conjunto de críticas a teorias que
explicam o comportamento por outra filosofia que não o behaviorismo. E então seu ataque
ocorre tanto no nível ontológico, que trata do que é o ser, que tenta responder a pergunta: “o
que existe?”, quanto no nível epistemológico, cujo objetivo é analisar os métodos da ciência.
A partir das críticas a outras teorias, Skinner constrói e assume um arcabouço teórico próprio.
A fim de esclarecer esse primeiro passo de "desconstrução" que dará base ao behaviorismo,
estão elencadas, no ANEXO 1, várias das críticas do autor às teorias psicológicas e
comportamentais tradicionais.
É preciso deixar claro, porém, que essas teorias têm respaldo na linguagem cotidiana
do senso comum. Nesse sentido, as pessoas crescem numa comunidade verbal que as ensina a
dar nomes a eventos internos aos quais a própria comunidade não tem acesso. As pessoas da
comunidade inferem eventos internos por meio de eventos públicos, como o choro, a mão na
cabeça, ou no dente e assim por diante. Assim, as palavras que designam sentimentos não são
21
ensinadas com a mesma exatidão que as palavras que designam objetos. Skinner supõe que
seja por essa razão que filósofos e psicólogos pouco concordam quando falam de sentimentos
e de estados mentais. Talvez também seja por isso que não há uma ciência aceitável do
sentimento (Skinner, 1989/1995, p. 15). Não se sabe ainda como a ansiedade causa a intenção,
como as memórias alteram as decisões, como a inteligência altera a emoção. E, acima de tudo,
não há consenso sobre a forma como a mente age sobre o corpo ou como o corpo age sobre a
mente. De acordo com o autor, a psicologia tem muito a ganhar se restringir seu objeto de
estudo ao acessível e deixar o resto da história para a fisiologia (p. 98 - 99).
Para Skinner, a mente é o que o corpo faz e o que a pessoa faz, ou seja, é o
comportamento. Focalizar o organismo, como os psicólogos cognitivistas parecem fazer, é
retornar aos gregos homéricos (Skinner, 1989/1995, p. 94). Nesse sentido, o autor diferencia o
que chamamos de organismo, o que chamamos de pessoa e o que chamamos de eu. O
organismo, diz Skinner (p. 44), é produto da seleção natural; enquanto que o condicionamento
operante dá origem à pessoa; e a evolução da cultura permite a existência do eu. E, "na
qualidade de palavra utilizada para referenciar sentimentos ou estados observados
introspectivamente, eu é obviamente próximo a mente" (p. 50) - a diferença é que a mente é
mais interior que o eu, por isso tende a ser muito mais confundida com um originador -, mas
também é possível utilizá-la para substituir organismo ou pessoa. Skinner dá o exemplo dos
"vastos recursos da mente humana", que significam os vastos recursos da espécie humana.
No ANEXO 1 estão analisadas, sucintamente, as críticas do autor ao mentalismo, à
filosofia democrática e às ciências humanas. Se fôssemos resumir tais críticas, diríamos que o
foco delas está na pouca utilidade das teorias tradicionais, porque elas tornam difícil alguma
intervenção. Dar explicações mentais ao comportamento de um indivíduo leva a um impasse:
se for preciso alterar o comportamento, é necessário mudar a mente. Mas a mente é
inacessível. O mesmo impasse epistemológico ocorre quando explicamos características,
22
comportamentos do grupo, a partir de termos como “forças sociais”, porque essas forças são
intangíveis, portanto inacessíveis. Então, pode-se afirmar que o critério principal utilizado
pelo autor ao elaborar suas críticas a teorias anteriores é pragmático. Ele não nega
completamente a efetividade de outras teorias a respeito do comportamento humano, mas ele
não concorda com que elas sejam as mais simples ou as mais úteis. Na verdade, dos textos
skinnerianos utilizados na elaboração do presente trabalho, apenas em um deles - e
considerando que em grande parte deles encontramos críticas a teorias anteriores - o autor
nega explicitamente a utilidade de teorias fundamentais da Psicologia, como a de Wundt, de
James e de Freud (Skinner, 1978, p. 51).
Em seu texto Seleção por Conseqüências, publicado na Science em 1981, Skinner
elenca quatro grupos de esquemas explicativos de grande prestígio e fortemente defendidos,
mas que precisam ser descartados quando elegemos o modelo de seleção por conseqüências
como modelo causal nos três níveis de seleção. São eles: um ato criador inicial; propósito e
intenção; certas essências e certas definições de bem e de valor. O modelo de seleção por
conseqüências será detalhado mais adiante no texto.
Grande parte dos termos aos quais se endereça a crítica skinneriana não é, de fato,
descartada pelo autor. O que Skinner faz, algumas vezes, é interpretar os mesmos termos,
analisar as mesmas palavras, à luz do Behaviorismo Radical, pois, na verdade, se os termos
existem e são utilizados, são produtos de comportamentos e, portanto, descritíveis por uma
ciência do comportamento. Isto é, Skinner não elabora uma psicologia que explique o que é a
entidade chamada mente; ele analisa o comportamento de quem utiliza termos mentalistas. Ou
seja, ele implementa uma análise funcional dos termos mentais e de outros nomes
considerados referências de entidades metafísicas, como os valores. Com relação à intenção,
por exemplo, pode-se dizer que uma pessoa age intencionalmente no sentido de que seu
23
comportamento foi fortalecido pelas conseqüências e não no sentido de que a pessoa possui
uma intenção a qual ela realiza (Skinner, 1971, p. 103).
Podemos perceber que Skinner considera sua teoria melhor que as anteriores porque
ela pode se mostrar mais útil na manipulação do comportamento. Além disso, a preocupação
de Skinner quanto ao futuro da humanidade em seus textos pós-guerra enfatiza a necessidade
de uma ciência do comportamento que venha a ser útil para a sobrevivência da humanidade e
para a construção de um mundo melhor, o que inclui, necessariamente, manipulação de
comportamentos. Para o autor, a ciência do comportamento está em vantagem quando
queremos fazer algo em relação a comportamentos (Skinner, 1971, p. 96).
Capítulo 2 - Do respondente ao operante
O objeto da ciência do comportamento é o comportamento em si mesmo, sem
referência a explicações internas, mentais ou fisiológicas (Skinner, 1989/1995, p. 164). O
processo comportamental pode ser previsto e controlado e o autor é categórico ao afirmar que
podemos modificar o comportamento ao modificarmos as condições das quais ele é função
(Skinner, 1968/2003, p. 141). Em seu artigo de 1930, o autor busca delimitar seu objeto de
estudo, afirmando que o comportamento inclui a atividade total de um organismo, o
funcionamento de todas as suas partes. Essa definição é bastante ampla, mas o interesse do
cientista vai delimitar o objeto da ciência. Então, Skinner determina:
Estamos interessados primeiramente no movimento de um organismo em alguma
estrutura de referência. Estamos interessados em qualquer mudança interna que
tenha um efeito observável e significante sobre esse movimento. Em casos especiais
estamos diretamente interessados em atividades glandulares, mas isso, geralmente
nos preocupará apenas secundariamente no seu efeito sobre o comportamento. A
24
unidade e a consistência interna desse objeto é histórica: estamos interessados, isto
quer dizer, naquilo que o organismo faz. (Skinner, 1959/1972, p. 448).
No início de sua filosofia a respeito do comportamento, Skinner herdou a idéia de
reflexo e tentou generalizá-la para a explicação de todo e qualquer comportamento.
Considerando que um dos pressupostos da ciência é a parcimônia, ou seja, a busca por
explicação mais simples possível, o autor sempre buscou uma teoria simples e fundamental
que funcionasse para a explicação do comportamento humano como um todo. E foi isso que
ele começou a fazer a partir de sua tese de doutorado, a qual gerou um artigo em 1930, que é
comentado e reproduzido no Cumulative Record
1
, editado décadas depois.
Apesar de, posteriormente, Skinner considerar que o termo reflexo era muito rígido e,
então, criar o conceito de operante para remediar alguns defeitos, no texto de 1930 ainda ele
insiste que o conceito de reflexo é adequado na descrição do comportamento; mais do que
isso, a descrição do comportamento é adequadamente abrangida pelo princípio do reflexo. Em
seu comentário no Cumulative Record, o autor afirma que o artigo de 1930 foi um exemplo
inicial da análise experimental dos termos que descrevem o comportamento. Já nesse texto,
Skinner se posicionava contra o uso de inferências do comportamento para explicar o próprio
comportamento.
Em sua tese de doutorado, ele inicialmente examinou o conceito de reflexo, tentando
avaliar sua definição histórica, para, ao final, elaborar uma definição alternativa que não se
desvinculasse totalmente do uso histórico do termo. É um trabalho interessante, pois elabora
um recorte histórico de séculos. De acordo com o autor, a história do reflexo se faz como uma
ocupação progressiva do estímulo sobre noções metafísicas.
1
De 1959, é uma coletânea de artigos de Skinner publicados durante um período de aproximadamente 40 anos.
Foram publicadas outras quatro coletâneas de artigos do autor: Contingencies of Reinforcement, a theoretical
analysis (1969), Reflections on Behaviorism and Society (1978), Upon Further Reflection (1987) e Recent Issues
in the Analysis of Behavior (1989).
25
Sempre houve a tentativa de resolver o conflito, por meio de um acordo, entre uma
necessidade observada e os preconceitos sobre liberdade no comportamento dos organismos.
Este acordo explica quase todos os aspectos da definição histórica do reflexo que Skinner
tentou reconsiderar no artigo de 1930.
De Descartes a Skinner, a história do conceito de reflexo se fez no sentido da
substituição progressiva de explicações baseadas em atos de vontade por explicações baseadas
em causas físicas externas ao indivíduo à medida que se descobriam os estímulos causadores
das ações. Portanto, a distinção entre ação reflexa e ação voluntária estava na possibilidade ou
impossibilidade de demonstração experimental de estímulos. Isso permitiria que, à medida
que a ciência progredisse e demonstrasse os estímulos causadores de ações antes consideradas
voluntárias, elas deixariam seu posto e passariam ao âmbito das ações reflexas (Skinner,
1959/1972, p. 439).
Então, ao se opor volição e ação reflexa como termos mutuamente exclusivos,
identificou-se reflexo com necessidade científica e volição com a impossibilidade de
predição. A mesma justificação experimental que se deu para volição, também foi dada para
mente, ou seja, impossibilidade de predição das ações mentais, ações causadas pela mente.
Percebe-se que a função de conceitos não físicos era explicar a variabilidade, a ausência de
necessidade demonstrável. Nesse sentido, Skinner afirma:
Dada uma determinada parte do comportamento de um organismo até então
considerada como imprevisível (e provavelmente, como conseqüência, relacionada a
fatores não físicos), o investigador procura pelas mudanças antecedentes com as
quais a atividade está relacionada e estabelece as condições da correlação. Ele então
estabelece, como dizemos, a natureza reflexa do comportamento. Na prática
tradicional, com a demonstração de tal correlação, conceitos não físicos que tratavam
da mesma questão - subject matter - são descartados (Skinner, 1959/1972, p. 430).
26
Skinner sugere, então, a definição do reflexo como uma correlação observada entre
estímulo e resposta. O reflexo não se refere ao estímulo ou à resposta, mas à relação
necessária entre esses dois eventos. A investigação dos fatos fisiológicos que fazem a
mediação entre eles será um suplemento da definição de reflexo, mas não afetará o status do
reflexo como uma correlação. Até então, o autor não faz distinção entre o comportamento
reflexo, respondente, e o comportamento operante. Porém, quando a fizer, o operante também
será entendido, desde o início, como uma correlação.
A afirmação de qualquer reflexo implica a possibilidade de uma descrição quantitativa
do estímulo e da resposta. O autor observa, porém, que, num reflexo, o estímulo e sua
resposta podem variar quanto à duração, forma, energia devida a eventos intervenientes, mas
há características constantes do reflexo.
Skinner resume, continuando o raciocínio no texto de 1930: um reflexo é definido
como uma correlação observada de dois eventos, um estímulo e uma resposta.
Historicamente, esta é a única definição legítima de reflexo. E a investigação fisiológica não
questiona a natureza correlacional do reflexo, porque seus dados e seus conceitos lidam
essencialmente com as condições da correlação.
Para o autor, que se baseia em Ernst Mach para elaborar sua filosofia da ciência do
comportamento – que, anos depois, ele chamará de "behaviorism" -, descrever e explicar o
comportamento são atividades idênticas e a noção de função substitui a noção de causação. A
descrição completa de um evento deve incluir a descrição de suas relações funcionais com os
eventos antecedentes. A descrição do comportamento se preocupa, principalmente, com a
relação entre os dois termos que se referem a eventos observáveis em um organismo intacto e
que limitam uma série de acontecimentos: o estímulo de um lado e a resposta de outro. O
reflexo é importante na descrição do comportamento porque ele é, por definição, uma
afirmação da necessidade dessa relação.
27
Ao estender o princípio do reflexo para o comportamento total do organismo, temos a
hipótese seguinte: o comportamento de um organismo é uma função exata das forças que
agem sobre o organismo (Skinner, 1930/1972, p. 449). Se não conseguimos lidar diretamente
com esta correlação entre o comportamento como um todo e todas as forças que agem sobre o
organismo, é por causa de imperfeições do método, e não dessa teoria, acreditava Skinner.
Então a proposta de Skinner, no início dos anos trinta, em sua tese de doutorado, é que
a descrição do comportamento é adequadamente abrangida pelo princípio do reflexo, cujo
estudo levou a dois tipos de lei: o primeiro tipo descreve as correlações entre estímulo e
resposta e o segundo descreve as condições exatas de uma correlação, como
condicionamento, emoção e impulso.
No artigo, presente no Cumulative Record, sobre a natureza genérica do estímulo e da
resposta, Skinner busca delimitar o uso desses dois termos e também do termo reflexo. Em
sua análise, o autor procurou uma definição que fosse coerente com os dados empíricos e com
sua filosofia. E chega à conclusão de que reflexo é um termo genérico; isto quer dizer que o
estímulo e a resposta de uma correlação não são instâncias particulares que aparecem em uma
dada ocasião, mas são classes de tais instâncias, sendo que o reflexo é, ao mesmo tempo, uma
classe de correlações e uma correlação de classes. O autor define: “Um estímulo ou uma
resposta é um evento, isto quer dizer que não é uma propriedade; devemos nos voltar,
portanto, para uma definição sustentada no princípio de classes" (Skinner, 1959/1972, p. 460).
De tais propostas skinnerianas iniciais para o estudo do comportamento humano, a
principal modificação em textos posteriores se refere ao comportamento operante. A noção de
generalidade do estímulo, da resposta e do reflexo permanecem, mesmo quando o estímulo e
a resposta estão no operante. Porém, a tese de que o princípio do reflexo abrangeria toda
explicação do comportamento cai por terra, dando lugar a uma nova causalidade: a ação
seletiva do ambiente. O comportamento respondente, reflexo, não deixa de existir na teoria
28
skinneriana, contudo é possível afirmar que parte daquelas leis do segundo tipo
2
se referiam,
de fato, a fenômenos que agora passam a ser entendidos como comportamentos operantes.
Então, em textos posteriores, Skinner modifica sua teoria de que o reflexo poderia
explicar qualquer comportamento, elaborando, assim, o conceito de operante, que é o
comportamento emitido, e não eliciado. Ele tem uma relação diferente com o ambiente. No
caso do comportamento respondente, no reflexo, o organismo reage a um estímulo e, no caso
do operante, o organismo age e tem um estímulo como conseqüência. De acordo com a
conseqüência, o comportamento pode se repetir mais vezes no futuro, isto é, ele pode ser
selecionado por suas conseqüências. Se uma espécie que adquire rapidamente
comportamentos apropriados a um determinado ambiente tem menos necessidade de um
repertório inato, o condicionamento operante poderia não apenas suplementar a seleção
natural do comportamento, ele poderia substituí-la (Skinner, 1981, p. 501). O operante veio,
de certa forma, abranger aqueles comportamentos chamados de voluntários, em oposição aos
reflexos, considerados involuntários. Nesse sentido, cada vez mais se reduz o espaço para as
explicações mentalistas, pois os determinantes das ações humanas passam a ser encontrados
no ambiente.
Na verdade, o ambiente determina tanto a carga genética (neste caso, durante a
evolução da espécie) quanto a história de vida do indivíduo. A combinação desses dois fatores
determina os comportamentos. Portanto, se tivermos informações sobre parte dessas histórias,
isso pode ser útil na previsão e no controle do comportamento humano e na interpretação da
vida cotidiana. Na medida em que uma dessas histórias pode ser modificada, o
comportamento também pode ser modificado. O conhecimento crescente do controle exercido
2
O autor propusera que o estudo do reflexo nos leva a dois tipos de lei; as leis do primeiro tipo descrevem as
correlações de estímulo e resposta. O reflexo em si é uma lei deste tipo e pode ser suplementado por outras leis
que descrevam as condições exatas de uma correlação. Já essas leis do segundo tipo descrevem mudanças em
qualquer aspecto dessas relações como função de variáveis terceiras, em que elas sejam condição do
experimento. Condicionamento, emoção e impulso, enquanto referência a comportamento, são essencialmente
considerados como mudanças na força do reflexo e espera-se que sua investigação quantitativa lide com a
determinação de leis que descrevam o curso de tais mudanças, isto é, leis do segundo tipo.
29
pelo meio torna possível examinar o efeito do mundo sobre os eventos privados -“the effect of
the world within the skin”- e a natureza do autoconhecimento. Também torna possível
interpretar várias expressões mentalistas, sendo que algumas delas são traduzidas para uma
linguagem comportamental enquanto outras são descartadas por serem desnecessárias ou sem
muito significado.
Sem desconsiderar a existência do reflexo enquanto comportamento, Skinner
considera que foi necessária uma ciência experimental para se descobrir a importância das
contingências
3
de reforço; até então a ação seletiva do meio era obscura, porque essa ação está
praticamente fora do alcance de uma observação casual. O organismo opera sobre o meio; ele
emite uma resposta, a qual produz conseqüências que determinarão a probabilidade de futuras
ocorrências de respostas da mesma classe.
Então, bem como a espécie, em seu processo de evolução ao longo dos tempos, teve
suas características biológicas mais adaptativas - ou seja, que contribuíram para a
sobrevivência da espécie - selecionadas pelo ambiente, assim também o indivíduo tem, ao
3
Contingências são abrangentes, incluindo campos clássicos da intenção e do propósito, mas de um modo mais
útil e possibilitando formulações alternativas para os chamados “processos mentais”. Contingências são
acessíveis e, ao entender as relações entre comportamento e meio, podemos descobrir modos de modificar o
comportamento.
O termo contingências pode ser entendido como as relações entre o indivíduo e o meio ambiente, em que o
indivíduo altera o mundo e é, por sua vez, alterado por ele: ocorre uma ação do organismo nesse ambiente;
conseqüentemente, essa ação modifica características do ambiente. Essa modificação estabelecerá se essa ação
ocorrerá novamente no futuro, quando o organismo estiver num ambiente que tenha algumas características
semelhantes àquelas que estavam presentes quando o organismo emitiu aquela ação, se não ocorrerá, ou se essas
características são indiferentes à ação.
Se tais características não forem indiferentes à probabilidade de ocorrência futura dessa ação, essas
características ambientais são chamadas de estímulos discriminativos. De outro modo, e estabelecendo os três
termos S – R – C que correspondem a um estímulo anterior, uma ação e uma conseqüência dessa ação, podemos
supor que a contingência é o amálgama desses três termos, o que estabelece a relação entre o indivíduo e o
ambiente. Um termo só pode ser definido com referência ao outro; não há estímulo fora da contingência, nem
resposta, nem comportamento; um depende do outro para existir. As respostas são os eventos do corpo e os
estímulos são os eventos do mundo.
Nesse sentido, pode-se pensar numa ontologia relacional e não fisicalista no operante de Skinner. A contingência
não é a resposta, não é o estímulo antecedente e não é a conseqüência, mas o amálgama desses três termos em
relação. A contingência não está no organismo nem no mundo, mas se forma a partir da relação entre eles. Se
não estiver em relação com um organismo e afetá-lo de algum modo, nenhuma parte do mundo é estímulo. Se o
organismo não estiver em relação com o mundo e afetá-lo de algum modo, não é possível dizer, sob a ótica do
Behaviorismo Radical, que existe alguma resposta.
30
longo de sua vida, seus comportamentos selecionados pelo meio. Ambos os processos
consistem no mecanismo de variação e seleção: a filogênese e a ontogênese respectivamente.
No caso da ontogênese, as respostas reforçadas são selecionadas. Tal afirmação parece
soar como tautológica, pois, na verdade, o conceito de reforço é dado apenas a posteriori, isto
é, a partir da observação, podemos dizer se determinado evento foi reforçador em relação a
determinada classe de respostas. O reforçamento pode ser positivo ou negativo. No primeiro
caso, ele pode ser entendido como operação por meio da qual a apresentação de um estímulo
reforçador positivo ocorre de maneira contingente a uma resposta; como processo, é o
aumento conseqüente da freqüência de respostas da mesma classe daquela resposta que foi
reforçada. No segundo caso, o reforçamento negativo, pode ser entendido como operação por
meio da qual a retirada ou a evitação de um reforçador negativo ocorre de maneira
contingente a uma resposta; como processo, é o aumento conseqüente da freqüência de
respostas da mesma classe daquela resposta que foi reforçada, ou seja, daquela resposta que
retirou (fuga) ou evitou (esquiva) o estímulo reforçador negativo (Skinner, 1953).
Os reforçadores incondicionados são produto da seleção natural. O surgimento dos
reforçadores possibilitou a modelagem de novas formas de comportamentos ao longo da vida
de um indivíduo. Quando comer ocorre apenas porque comer tem valor de sobrevivência, a
comida não precisa ser um reforçador. Quando fazer sexo ocorre apenas porque fazer sexo
tem valor de sobrevivência, o sexo não precisa ser reforçador. "Porém, quando, por meio da
evolução de suscetibilidades especiais, comida e contato sexual se tornaram reforçadores,
novas formas de comportamento puderam ser modeladas" (Skinner, 1981, p. 501).
O ambiente pode, ao invés de fortalecer, reduzir a probabilidade de emissão de
determinados comportamentos. A punição pode ser responsável por essa redução
4
. Ela é uma
4
O efeito da punição não é simplesmente o inverso do efeito do reforço (Skinner, 1953). Quando o
comportamento é punido, vários estímulos gerados pelo comportamento ou pela ocasião são condicionados de
modo respondente, adquirindo, portanto, propriedades aversivas; o comportamento punido é, então, substituído
por um comportamento incompatível condicionado, como fuga ou esquiva. A pessoa punida permanece
31
técnica de controle aversivo que consiste em retirar estímulos reforçadores positivos ou
apresentar estímulos aversivos de modo contingente à emissão da resposta que se pretende
suprimir (Skinner, 1953). Tal prática é bastante utilizada, apesar de apresentar muitas
desvantagens. A tendência a punir parece ser herdada filogeneticamente, mas a topografia da
punição parece ser produto da história ontogenética. A punição gera disposições emocionais
que podem ser perigosas para o controlado e para o controlador. Muitos problemas são
gerados por controle aversivo, isto é, reforçamento negativo e punição.
Então, até o momento, podemos concluir da filosofia de Skinner que a relação entre
corpo e mundo, resposta e estímulo, pode ocorrer por meio do comportamento respondente ou
do operante. O comportamento respondente, ou reflexo, pode ser descrito como aquele em
que a relação entre estímulo e respostas é de linearidade causal mecânica
5
: o organismo reage
ao estímulo ambiental; isto é, o estímulo ambiental elicia uma resposta. Os reflexos são
relações estímulo-resposta em que um estímulo de uma certa classe de estímulos elicia uma
resposta de certa classe de respostas. Reflexos incondicionados são filogeneticamente
determinados, isto é, o organismo nasce com uma carga genética herdada da evolução da
espécie, na qual já estão determinados alguns comportamentos reflexos, como, por exemplo, a
contração pupilar por estímulo luminoso. Provavelmente, esses reflexos herdados tiveram
importância para a sobrevivência dos organismos que, por acaso, tinham esses reflexos. Esses
organismos teriam mais chance de sobreviver e, portanto, de transmitir essas características
para seus descendentes. Por esse processo, todos os indivíduos da mesma espécie passam a ter
esses reflexos enquanto característica de seu material genético; são comportamentos
selecionados na filogênese. Podemos dizer que a sobrevivência era contingente a certos tipos
de comportamento.
inclinada a se comportar do modo que foi punido, porém evita a punição ao agir de outra forma, possivelmente
até permanecendo inativa (Skinner, 1974/1976, p. 69).
5
Essa classificação é discutível (Laurenti, 2004).
32
Reflexos e comportamentos instintivos, como o cortejo, o acasalamento, a construção
de ninhos e os cuidados com ao mais jovens, são inatos. Existe, ao longo da ontogênese, o
processo de substituição de estímulos, por meio do condicionamento respondente, mas esse
condicionamento ocorre inicialmente sobre uma base inata, sobre um reflexo incondicionado,
inato ao organismo. Apesar disso, Skinner discorda de autores clássicos da Filosofia e da
Psicologia que consideram os instintos como forças motoras, como causas e explicação para
comportamentos. Um comportamento agressivo pode ser tão determinado geneticamente
quanto a respiração e a digestão. Porém, “não temos razão em dizer que um organismo ataca
porque possui um instinto agressivo. O ataque é a única evidência que nós temos da tendência
de atacar” (Skinner, 1976, p. 40). A tendência a agir agressivamente, como outros
comportamentos instintivos herdados da filogênese, tende a adquirir propriedades não
justificadas pelas evidências e começa a servir como causa ao invés de representar o efeito
atual da seleção natural.
A teoria da seleção natural de Darwin apareceu muito tarde na história do pensamento.
Darwin descobriu o papel da seleção, um tipo de causalidade muito diferente do modelo linear
mecânico presente na ciência de até então. Novos fatores de origem aleatória, que surgiam ao
acaso poderiam contribuir para a sobrevivência e serem, por isso, selecionados, e isso explica
a variabilidade dos organismos vivos. De acordo com Skinner, a seleção enquanto princípio
causal foi uma descoberta revolucionária para o pensamento científico. Então, pode-se falar
em contingências de sobrevivência, que são aquelas que selecionaram comportamentos ao
longo da filogênese, os quais nos aparecem hoje como comportamentos inatos, os reflexos e
os instintos.
As contingências de sobrevivência preparam o organismo para um futuro semelhante
ao passado selecionador. Ocorre, contudo, que o ambiente pode se modificar ao longo da vida
do indivíduo. Logo, esse indivíduo precisa, como a espécie o fez durante milhares de anos, se
33
adaptar ao meio. A própria filogênese dotou o organismo dessa capacidade, que é
representada pela suscetibilidade ao condicionamento reflexo e a suscetibilidade ao
condicionamento operante. Coisas que provavelmente contribuíram para a evolução da
espécie passaram a ter efeito reforçador ao longo da filogênese. Os reforçadores têm dois
efeitos: um efeito prazeroso e um efeito fortalecedor (Skinner, 1986, p. 568). Na distinção
entre o que a filogênese determinou e o que a ontogênese determina está a clássica divisão
entre inato e aprendido
6
. Há um outro tipo de comportamento, o instintivo
7
, que também é
produto da filogênese, embora não seja considerado um reflexo, pois sua relação com o meio
não é de eliciação. O comportamento operante, por sua vez, é aquele em que a relação entre
estímulo e resposta não é mecânica nem teleológica, mas probabilisticamente determinada,
pois o estímulo discriminativo apenas altera a probabilidade de ocorrência da resposta
8
. Não é
mecânica porque não é possível afirmar que um estímulo discriminativo elicia, dispara, ou
leva necessariamente a uma resposta
9
. E não é teleológica porque não é lícito dizer que o
organismo emitiu determinada resposta para obter determinada conseqüência, com o fim de,
com o objetivo de obter determinada conseqüência. Também não é uma relação linear, mas
6
Ao estabelecer o modelo de seleção por conseqüência, Skinner redireciona a discussão entre inato versus
aprendido, pois, em última instância, tudo é aprendido. Isto quer dizer que tudo ocorre em função de uma
história, pois a diferença não é estrutural de cada comportamento, mas das variáveis relevantes em cada caso,
filogenéticas ou ontogenéticas. Dittrich (2004) supõe que o principal mérito do modelo de seleção por
conseqüências é seu caráter necessariamente histórico.
7
Skinner pouco fala do comportamento instintivo, talvez por ser muito complexo, por termos poucos fatos
relevantes e podermos apenas especular sobre os tipos de sistemas que evoluíram. O autor afirma que os
instintos não são forças motoras, iniciadoras de comportamentos (Skinner, 1974/1976, p.39). Instintos são
comportamentos herdados da filogênese, mas que, ao contrário dos reflexos, não são eliciados, mas sim
"liberados" pelo ambiente. De forma semelhante ao estímulo discriminativo, o estímulo antecedente, no
comportamento instintivo, apenas estabelece uma ocasião em que é mais provável que a resposta ocorra. A
principal diferença entre um comportamento reflexo e um instinto não é a complexidade da resposta, mas a ação
do estímulo: no reflexo, ela é eliciadora e, no instinto, ela é liberadora (Skinner, 1969, p. 175).
8
A aparente falta de uma causa imediata no comportamento operante levou à invenção de eventos iniciadores
(Skinner, 1974/1976, p. 59).
9
Para distinguir um operante de um reflexo, dizemos que a resposta operante é "emitida", como a luz é emitida
do filamento aquecido da lâmpada (Skinner, 1974/1976, p. 58).
34
uma relação que poderíamos chamar de retroativa, pois um estímulo produzido, retirado ou
diminuído por uma resposta que foi emitida por um organismo pode determinar o aumento ou
a diminuição da probabilidade de ocorrência futura de respostas da mesma classe em
situações ambientais futuras semelhantes.
A ontogênese, o processo de variação e seleção que ocorre no nível individual,
depende, é função, de alterações no lado ambiental nas contingências. Há muitas coisas que
são importantes para a sobrevivência do indivíduo e da espécie, como comida, água, sexo,
fuga de perigos. Qualquer comportamento que produza esse tipo de conseqüência tem valor
de sobrevivência. Dizemos que o comportamento foi fortalecido por suas conseqüências e
que, por isso, tais conseqüências são os reforçadores. Por meio de condicionamento clássico,
respondente, esses reforçadores podem gerar reforçadores condicionados, como o dinheiro.
Um comportamento de “fazer birra” de uma criança pode talvez ser selecionado pelo
ambiente social caso ela tenha atenção das pessoas como conseqüência de “fazer birra”. Por
outro lado, se o ambiente for modificado de modo a não haver mais essa conseqüência para
esse comportamento, ele pode ser extinto, desaparecer, como uma espécie em cujo ambiente
natural não se encontrem mais recursos.
Há certas similaridades entre as contingências de sobrevivência na evolução da espécie
e as contingências de reforçamento na ontogênese: ambas representam um tipo de causalidade
tardiamente descoberta na história do pensamento humano; ambas explicam o propósito ao
colocá-lo depois do fato; ambas são importantes na explicação do planejamento criativo.
Apesar de semelhantes, são processos distintos, mas que muitas vezes se misturam, como no
caso do “imprinting
10
.
10
Esse é o nome dado ao processo pelo qual um patinho recém-nascido pode seguir sua mãe. Há um período
crítico após o nascimento em que ele seguirá qualquer objeto que se mova - o qual, na maioria das vezes, é a
própria mãe - de modo que este objeto será sempre seguido, e não outro que possa aparecer depois. Tal
comportamento tem claramente um valor de sobrevivência, pois um patinho tem mais chances de sobreviver se
estiver sob a proteção da mãe. O que o patinho herdou da filogênese é a capacidade de ser reforçado por manter
ou reduzir a distância entre ele e um objeto que se mova. Caso sejam arranjadas contingências que estabeleçam
que o movimento do pato em direção ao objeto faz este objeto se mover rapidamente para longe e que o
35
As diferenças entre inato e aprendido devem ser inferidas a partir das variáveis
controladoras, e não da forma ou estrutura do comportamento. Por exemplo, definir imitação
simplesmente como comportar-se como o outro significa mencionar estímulos e respostas,
mas negligenciar as conseqüências, que podem ser filogenéticas ou ontogenéticas. A
questão principal é empírica: quais são as variáveis relevantes pela origem e manutenção atual
do comportamento? E não se o comportamento é instintivo ou aprendido no sentido de estes
termos descreverem essências (Skinner, 1969, p. 199). Comportamento é sempre
comportamento, nas palavras de Skinner, seja inato ou aprendido. O que faz a diferença são as
variáveis controladoras, porém a diferença nem sempre é importante. Por outro lado, se nos
propusermos a controlar o comportamento, essa distinção se mostra necessária, pois a origem
do comportamento nos explica como o manter ou como o modificar (p. 189). É mais provável
que a possibilidade de modificação de comportamentos se dê, na maioria dos casos, no nível
da ontogênese. Em outras palavras, as contingências de reforço levam vantagem quando se
pretende predizer e controlar o comportamento, pois são mais acessíveis que as contingências
de sobrevivência (Skinner, 1974/1976, p. 49).
Há muitos casos em que há inter-relação entre variáveis filogenéticas e variáveis
ontogenéticas. Um exemplo simples se refere ao sexo. Se o comportamento reforçado por
contato sexual tem valor de sobrevivência, é coerente a hipótese de que um aumento no poder
do reforçador teve valor de sobrevivência. O processo de condicionamento operante
provavelmente surgiu por causa de suas conseqüências filogenéticas. Outro exemplo de
interação entre filogênese e ontogênese está no comportamento verbal vocal, pois houve um
incrível avanço quando a musculatura vocal ficou sob controle operante, porque, a partir daí,
as contingências sociais poderiam agir. Skinner cita também a importância da herança
movimento em direção contrária ao objeto faz este objeto se aproximar, o patinho aprenderá a se mover para
longe do objeto ao invés de o seguir. Só podemos ter certeza a respeito dos comportamentos inatos do patinho
quando soubermos o que e como ele aprende ao longo de sua vida.
36
filogenética que consiste em determinados padrões de suscetibilidade ao reforçamento, pois
alguns desses padrões podem ter tido valor de sobrevivência para a espécie.
É possível que, ao nos referirmos a sentimentos, estamos nos referindo a respostas
reflexas geralmente mediadas pelo sistema nervoso autônomo, ou seja, o comportamento
respondente, que podem ser condicionadas de acordo com os princípios de Pavlov
11
. Quase
sempre os dois sistemas – condicionamento respondente e operante – estão conectados por
meio das contingências.
Skinner parece eleger, como causa última do comportamento, o ambiente externo, ou
seja, o mundo (mesmo quando este originalmente determina a carga genética, portanto, o
corpo), pois, em ambas as evoluções – tanto na ontogênese quanto na filogênese -, é o
ambiente que seleciona as variações mais adequadas. O autor se pergunta quais as origens
últimas da solução pessoal, interior (inner solution) e conclui que as causas estão inicialmente
no ambiente
12
(Skinner, 1953, p. 439). Portanto, a filogênese e a ontogênese ocorrem por
mecanismos de variação e seleção, que determinam um novo tipo de causalidade. As
variações são aleatórias, acidentais, ocorrem por acaso. Podemos concordar com Glenn
11
Conforme já dito, o condicionamento operante se refere à seleção do comportamento pelas suas
conseqüências; neste caso, ocorre o estabelecimento de uma nova resposta. No condicionamento respondente ou
pavloviano, ocorre o estabelecimento de um novo estímulo. Um estímulo neutro que é apresentado ao organismo
ao mesmo tempo (ou pouco tempo antes) em que lhe é apresentado um estímulo eliciador de alguma resposta
passa, depois de algumas eliciações sucessivas, a eliciar a mesma resposta. Em outras palavras, o estímulo neutro
se tornou condicionado por meio do pareamento com o estímulo incondicionado, que originalmente causava a
resposta. Desse modo, se formou uma nova relação, um reflexo condicionado.
Estímulos têm mais de uma função. Um estímulo pode se tornar aversivo por meio de condicionamento
respondente e, desse modo, se tornar um estímulo discriminativo aversivo condicionado, no operante de fuga ou
esquiva. Um sujeito pode se sentir ansioso (comportamento respondente, respostas orgânicas) e evitar uma
situação (comportamento operante), mas ele não a evita por causa da ansiedade que sente. De fato, há um
conjunto de contingências que explica ambos os comportamentos: a ansiedade e a esquiva. Um não é causa do
outro.
12
Por outro lado, o autor afirma (p. 449) que filosofias democráticas pensam o indivíduo como ponto de partida,
mas que não temos razão em eleger nada nem ninguém como iniciador e, embora seja necessário que a ciência se
restrinja a selecionar segmentos na série contínua de eventos, é à série inteira que qualquer interpretação deve ser
aplicada. E aí parece contraditório que, ao mesmo tempo em que critica filosofias democráticas por elegerem
uma causa inicial para explicar o comportamento (neste caso, o próprio indivíduo), o autor eleja também uma
causa inicial, o ambiente externo.
37
(1988) quando ela afirma que existe um caráter "cego" na evolução biológica - do mesmo
modo como há um caráter "cego" na evolução comportamental e na evolução cultural, como
veremos adiante. No processo de evolução, aquelas variações que se adaptam mais ao
ambiente tendem a permanecer.
Laurenti (2004) defende que o modelo de seleção por conseqüências não se apresenta
como um modo causal, mas como um modo funcional, instrumental e probabilista de
explicação do comportamento. Por se ocupar da descoberta das relações funcionais entre os
eventos comportamentais, a teoria comportamental no Behaviorismo Radical é representante
do descritivismo científico. O conceito de função se refere a uma concepção relacional: os
eventos não têm significado neles mesmos, a priori, mas apenas na relação com outros
eventos. A noção de contingência no Behaviorismo Radical, pelo fato de estabelecer os
conceitos apenas quando inseridos na relação, esvazia o sentido do dualismo experiência /
realidade. Dessa forma, não se alinha nem com o realismo, nem com o idealismo.
Então, a ciência do comportamento explica por meio de descrição das relações
funcionais e, além disso, se apresenta como uma versão do instrumentalismo científico, pois
1- trata a verdade em termos de eficácia da teoria em orientar o cientista na pesquisa
experimental [nesse sentido, se rompe o elo ciência - verdade - realidade] e 2- é uma
ferramenta intelectual efetiva para interpretar, em termos relacionais, outros fenômenos que
não podem ser manipulados experimentalmente. Desse modo, também, o instrumentalismo
propicia à teoria do comportamento uma espécie de completude explicativa, tendo em vista
que o modelo de seleção compõe um "olhar" para as ciências naturais e sociais conduzirem
seus estudos (Laurenti, 2004). O instrumentalismo se alinha ao pragmatismo por substituir a
dicotomia verdade / falsidade pela dicotomia efetivo / inefetivo.
Além do descritivismo e do instrumentalismo, Laurenti vê o modelo explicativo do
Behaviorismo Radical como probabilista. Não apenas um probabilismo metodológico, mas
38
defende, com coerência, um probabilismo metafísico no modelo explicativo do Behaviorismo
Radical. Sem excluir a possibilidade de previsão e controle, o modelo de seleção por
conseqüências sempre traz um elemento de incerteza em sua explicação.
Capítulo 3 - A cultura
O estudo da cultura se mostra essencial para uma ciência que visa a explicar o
comportamento humano, pois, segundo o próprio Skinner, o que diferencia a espécie humana
é o desenvolvimento de uma cultura, um ambiente social que contém as contingências
responsáveis pelo autoconhecimento e pelo autocontrole (Skinner, 1978, p. 52).
A inferência fundamental de Skinner, a qual foi determinante para o presente trabalho,
é sua afirmação de que a análise das contingências pode também ser utilizada na explicação
de fenômenos sociais. A questão de interesse para o autor são os métodos das ciências
naturais, como os utilizados na análise do comportamento do indivíduo e até que ponto eles
podem ser utilizados no estudo do comportamento de grupo. Se isso for possível, haverá
enorme simplificação dos dados. Ciências sociais como a economia, a sociologia e a
antropologia explicam muitos fenômenos de grupo sem a necessária referência aos
indivíduos. Porém, uma lei social deve ser gerada pelo comportamento de indivíduos; é
sempre um indivíduo que se comporta e ele o faz com o mesmo corpo e de acordo com os
mesmos processos de uma situação não social. De acordo com o autor, o comportamento do
indivíduo explica o fenômeno de grupo (Skinner, 1953). Sem pressupor nenhum novo
processo ou princípio, tendo como objetivo uma ciência parcimoniosa, Skinner se propõe a
testar a adequabilidade dos conceitos da análise do comportamento para a análise de
fenômenos de grupo.
39
O comportamento social não exige a formulação de leis para existir - da mesma forma
como o mundo não precisa de leis para funcionar, embora os cientistas as formulem para
facilitar sua interação com o meio -, isto é, as contingências que geram o comportamento
social nem sempre estão formuladas em leis. Porém, mesmo que haja leis sociais, as pessoas
não precisam conhecê-las para se comportar socialmente. As contingências presentes na
cultura modelam o comportamento e criam condições corporais nomeadas como sentimentos
(Skinner, 1974/1976, p. 212). Como Skinner enfatiza com freqüência, não podemos perder de
vista que sentimentos e comportamentos são produtos de contingências.
O autor define comportamento social como comportamento de duas ou mais pessoas
em relação a uma outra ou de duas ou mais pessoas em um grupo articulado. Nos dois casos,
ele se dá em um ambiente comum. Muitas vezes, se diz que o comportamento social difere do
comportamento individual e que há “situações sociais” e “forças sociais” que não podem ser
estudadas pela ciência natural, sendo necessária uma ciência social, com métodos diferentes
daqueles das ciências físicas, para que se possa estudar o comportamento social e isso
representaria um corte na natureza
13
. Skinner, todavia, e apesar de assumir que existem
fenômenos que ocorrem apenas quando as pessoas agem em grupo, se questiona se os dados
são fundamentalmente diferentes, ou seja, se há diferença ontológica nesses dois níveis (o
comportamento do indivíduo e o comportamento do indivíduo em sociedade) que possa
justificar epistemologias tão distintas.
A questão do controle pessoal, isto é, o controle recíproco de um indivíduo sobre o
outro – necessariamente presente numa sociedade, numa cultura - é freqüentemente
minimizada ou negada por algumas ciências humanas. Skinner afirma que isso parece se
dever ao fato de que o controle é geralmente aversivo ao controlado, pois grande parte das
técnicas se baseia na punição ou ameaça de punição ou recorre a outros processos cuja
13
"Corte na natureza", conforme dito aqui, significa a suposição de uma nova ontologia.
40
vantagem para o controlador é oposta ao interesse do controlado. Um possível efeito disso é
que o controlado estabeleça contracontrole. Como resultado da principal técnica empregada
no contracontrole, o controlador automaticamente gera auto-estimulação aversiva
condicionada: ele se sente culpado por exercer controle e é assim reforçado por fazer algo a
mais, por desistir de tentar controlar e por se declarar oposto ao controle pessoal de modo
geral. O contracontrole exercido pelo grupo e por certas agências pode explicar nossa
hesitação em discutir o tema do controle pessoal francamente e de lidar com os fatos de um
modo objetivo.
Geralmente se faz referência a grupos como se eles fossem indivíduos e termos como
“mente do grupo” ou “caráter nacional” sustentam essa idéia. Contudo, é sempre o indivíduo
que se comporta, e não o grupo, e o problema está em explicar por que ele se junta a um
grupo (Skinner, 1953). É preciso, de acordo com a ciência do comportamento, analisar as
variáveis geradas pelo grupo que levam o indivíduo a se juntar e a se conformar a ele
14
.
Então, o argumento de Skinner que leva a ciência do comportamento ao campo
antropológico é o seguinte: a cultura também pode ser tomada como objeto da ciência do
comportamento, pois é entendida como as contingências às quais o indivíduo é exposto e que
são arranjadas por outras pessoas (Skinner, 1971, p. 121). A cultura é o ambiente social; ele
modela e mantém o comportamento daqueles que vivem nele. Retomando a citação presente
no Questões Recentes na Análise Comportamental, a ciência do comportamento tem como
objeto o comportamento e o trata como objeto de estudo em si mesmo, sem referências
internas, mentais ou fisiológicas (Skinner, 1989/1995, p. 164). Nesse sentido, a cultura como
objeto de estudo da ciência do comportamento deve também ser definida em termos
14
A análise do comportamento imitativo pode ajudar na explicação, pois se observa que é mais provável ser
reforçado quando se age como os outros. Além da imitação, outro aspecto pode ser útil: ao se juntar a um grupo,
o indivíduo aumenta seu poder de conseguir reforço, pois as conseqüências reforçadoras geradas pelo grupo
facilmente são maiores do que a soma das conseqüências geradas por cada membro individualmente. As trocas
em um grupo e o efeito aumentado do grupo sobre o ambiente podem ser estudados no arcabouço de uma ciência
natural. Para Skinner, isso precisa ser mais explorado antes de se aceitar a proposição de que leis, forças ou
unidades sociais precisam de métodos científicos fundamentalmente diferentes para seu estudo.
41
comportamentais. São as práticas dos membros da cultura que, ao mesmo tempo, estabelecem
as contingências sociais e são por elas estabelecidas.
Em sua análise da cultura, o autor estabelece um conceito fundamental para o
entendimento de fenômenos de grupos na ótica do Behaviorismo Radical, o de agências de
controle: "Dentro do grupo, entretanto, certas agências controladoras manipulam certos
conjuntos de variáveis. Essas agências são, habitualmente, mais bem organizadas que o grupo
como um todo e geralmente operam com maior sucesso" (Skinner, 1953, p. 333). Isto é, as
agências de controle são grupos de pessoas organizados de modo a manipular determinadas
variáveis que agem sobre o comportamento de outras pessoas ou mesmo das pessoas da
própria agência. As agências analisadas pelo autor no Ciência e Comportamento Humano são:
o governo, a educação, a religião, a psicoterapia e a economia (ver ANEXO 2).
Elas operam por meio de práticas de controle, que podem ser entendidas como a
manipulação de estímulos de modo a se estabelecerem contingências. Dessa forma, os
controladores lançam mão de técnicas de reforço e de punição, o que é fundamental para o
entendimento da crítica de Skinner às agências de controle. A punição geralmente provoca
uma condição aversiva da qual se foge com os comportamentos esperados pela agência. Ou
seja, a condição aversiva gerada pela punição a comportamentos inadequados é evitada com
comportamentos adequados, sendo estes reforçados por isso mesmo. Isso se torna bem claro
na análise da economia, da religião, da educação e do governo. E, com relação à psicoterapia,
o terapeuta se apresenta como audiência não-punitiva. Desse modo, os comportamentos
anteriormente punidos e, por isso, reprimidos, aparecem. Como eles não serão mais punidos,
alguns efeitos da punição podem ser extintos.
Freqüentemente uma agência opera em consonância com o controle exercido por
outras agências ou pelo grupo ético, utilizando suas práticas. A classificação dada pelo grupo
ético a alguns comportamentos pode ser utilizada de maneira semelhante pelo governo, pela
42
religião ou pela educação. O que a Ética chama de bom e ruim, o governo classifica como
legal e ilegal, a religião denomina virtuoso e pecaminoso e a educação usa termos como certo
e errado.
As agências organizadas induzem as pessoas a se comportarem pelo "bem dos outros”
- expressão utilizada por Skinner em sua análise dos valores e que será discutida na seção
sobre Ética do presente trabalho - mais efetivamente. Nesse sentido, o cidadão que apóia o
governo assim o faz por causa de contingências estabelecidas pelo governo e não porque o
cidadão é leal, ou tem lealdade. Dizemos que ele é leal e o ensinamos a chamar a si mesmo de
leal e a relatar quaisquer condições especiais que ele possa sentir como lealdade (Skinner,
1971, p. 111).
A interação entre as agências é comum, sendo que os membros de uma podem fazer
parte de outras. A agência religiosa, por exemplo, pode ficar rica e agir por meio de controle
econômico, pode formar e dar apoio a professores para conseguir controle educacional, pode
utilizar técnicas éticas e governamentais juntas às suas próprias. O autor enfatiza a relação
controle / contracontrole nas agências, pois eles podem se equilibrar. O contracontrole em
cada uma das agências se estabelece, ou por outras agências, ou pelos controlados. Ao mesmo
tempo que limita, o contracontrole perpetua, por isso mesmo, o poder da agência. São
inegáveis os prejuízos decorrentes do controle abusivo, o qual, pelo próprio "esgotamento" do
controlado, tenderia a se findar. Conseqüentemente, um certo controle sobre o agente
controlador tem como função impedir esse "esgotamento" do controlado, possibilitando, dessa
forma, a perpetuação da agência.
De certa forma, algumas agências justificam seu poder, o controle que elas exercem,
recorrendo a entidades associadas a hierarquias de valores: diz-se que os governos promovem
justiça, segurança e paz; que a religião promove piedade e salvação; que a economia gera
riqueza; que a educação gera conhecimentos e habilidades e que a psicoterapia promove a
43
saúde mental (Skinner em Tobach, 1971, p. 546). De fato, o indivíduo se beneficia, de algum
modo, do controle estabelecido pelas agências, pois essas organizações induzem o indivíduo a
agir pelo "bem dos outros" e esse indivíduo pode ser um dos "outros" que exercem controle e
que o fazem para seu benefício próprio (Skinner, 1971, p. 117).
A descrição das agências de controle ocorre, portanto, no sentido da implementação da
análise do comportamento no nível das práticas culturais e busca demonstrar que não há
necessidade de recurso a outros pressupostos senão aqueles apresentados pelo Behaviorismo
Radical para esse patamar de análise.
Cronologicamente, então, poderíamos resumir, da seguinte forma, a descrição das
causas do comportamento de uma pessoa, de acordo com a teoria skinneriana: uma criança
nasce como membro da espécie humana, com uma carga genética que apresenta muitas
características particulares - que são produto da ação de variáveis filogenéticas - e começa a
adquirir um repertório de comportamentos sob as contingências às quais ela é exposta, tanto
com relação ao meio físico como com relação ao meio social, ou seja, sob a ação das variáveis
ontogenéticas e culturais. Isso resume a influência dos três níveis de seleção, que explicam o
comportamento do indivíduo - os dois primeiros já foram analisados; nos resta o terceiro, que
se refere à seleção das práticas culturais.
De outro modo, podemos considerar, então, ser lícito afirmar que o modelo explicativo
skinneriano se fundamenta no papel seletivo do ambiente. Ou seja, a tese fundamental de
Skinner é que todo e qualquer comportamento pode ser explicado por meio do recurso a três
histórias de variação aleatória e seleção ambiental: a da espécie, a do indivíduo e a da cultura
na qual está o indivíduo. O primeiro nível de seleção se refere às contingências de
sobrevivência, que atuam na evolução da espécie. Os indivíduos possuem características
genéticas que se manifestam fenotipicamente. As características ambientais determinam a
sobrevivência de alguns indivíduos, que transmitirão seus genes a gerações futuras. O
44
segundo nível de seleção se refere às contingências de reforçamento, que atuam ao longo da
vida do indivíduo, modificando seu repertório comportamental. De acordo com as
conseqüências, os comportamentos são fortalecidos ou enfraquecidos. O terceiro nível de
seleção, a ser discutido com mais detalhes a seguir, ocorre nas práticas culturais, que também
podem ser fortalecidas ou enfraquecidas
15
.
A maioria das contingências de reforçamento é arranjada por outras pessoas e compõe
o que se chama de cultura. A cultura são os costumes, ou seja, os comportamentos
costumeiros de um povo. Para explicá-los, devemos nos voltar para as contingências que os
geraram. Algumas contingências são parte do meio físico, mas geralmente estão em
combinação com contingências sociais. A descrição que Skinner dá para algumas práticas
culturais pode ser encontrada em várias de suas obras. Nos capítulos 19, 20, 21, 27 e na seção
sobre Agências de Controle do Ciência e Comportamento Humano; nos capítulos 2, 4 e 29 do
Cumulative Record, no capítulo 7 do Beyond Freedom and Dignity e no capítulo 9 do
Technology of Teaching se baseia o texto do ANEXO 2, o qual explicita práticas de controle
pessoal e de grupo sob o ponto de vista do Behaviorismo Radical.
Paralelo entre evolução da espécie e evolução da cultura
O ambiente responsável pela modificação do repertório comportamental do indivíduo
é, em sua maior parte, formado por outras pessoas ou por ambientes já modificados por outras
pessoas. O comportamento verbal vocal, que se tornou possível quando a musculatura vocal
veio a ficar sob controle operante, ampliou enormemente a determinação do ambiente social
15
A analogia entre os três níveis de seleção, apesar de suas limitações, é plausível. O núcleo desta comparação é
a idéia de seleção por conseqüências e, nesse sentido, é perfeitamente coerente (Dittrich, 2004, p. 200), pois cada
um dos três níveis se baseia na seleção por conseqüências - para a espécie no primeiro nível; para o indivíduo no
segundo nível e para a cultura no terceiro nível. Esse modelo causal, "além de afastar o Behaviorismo Radical de
concepções mecanicistas, delimita com precisão o escopo da ciência do comportamento entre a etologia e a
antropologia - além de balizar o discurso de Skinner sobre fenômenos culturais" (p. 121).
45
sobre o indivíduo. É possível que o que é singular na espécie humana seja apenas a extensão
do controle operante sobre a musculatura vocal (Skinner, 1981, p. 502). Ou, seja, para
Skinner, não há nenhum salto entre a natureza e a cultura, senão um continuum
16
.
O comportamento verbal vocal possibilitou a construção de repertórios individuais
extremamente complexos e, por isso, tornou possíveis formas complexas de organização dos
membros da espécie humana. É a cultura o ambiente composto por contingências
estabelecidas por outras pessoas. As práticas culturais, porém, não se dão em um ambiente
estável. Por isso, à medida que o ambiente natural ou mesmo social sofre modificações, as
práticas culturais podem sofrer alterações. Nesse sentido, falamos de uma evolução da cultura.
E, da mesma forma com relação à filogênese e à ontogênese, o termo evolução não pressupõe
ir em direção a algo melhor, pois, conforme argumenta Skinner, os processos de evolução
contêm falhas. Eles não levam a algo melhor ou pior - se quisermos afirmar uma direção,
talvez pudéssemos afirmar que a direção ocorre no sentido de tornar os indivíduos mais
flexíveis ao controle dos ambientes atual e futuro -, mas sim a algo mais adaptado ao
ambiente selecionador. "O comportamento verbal aumentou enormemente a importância do
terceiro tipo de seleção por conseqüências, a evolução dos ambientes sociais ou culturas"
(Skinner, 1981, p. 502). O autor descreve:
Vimos que, em certos aspectos, o reforçamento operante se assemelha à seleção
natural da teoria evolucionária. Assim como características genéticas provenientes de
mutações são selecionadas ou descartadas por suas conseqüências, novas formas de
comportamento são selecionadas ou descartadas por meio de reforçamento. Há ainda
um terceiro tipo de seleção, que se aplica a práticas culturais. O grupo adota uma
prática (...) Como uma característica do ambiente social, esta prática modifica o
comportamento dos membros do grupo. O comportamento resultante pode afetar o
sucesso do grupo em competição com outros grupos ou com o ambiente não social.
16
Na verdade, Skinner afirma (1981, p. 502) que, em último caso, é tudo uma questão de seleção natural, pois foi
ela que tornou possível o condicionamento operante, do qual práticas culturais são aplicações especiais.
46
Práticas culturais que são vantajosas tenderão a ser características de grupos que
sobrevivem e que perpetuam aquelas práticas. Pode-se dizer, portanto, que algumas
práticas culturais têm valor de sobrevivência, enquanto outras são letais no sentido
genético (Skinner, 1953, p. 430).
Então, dizemos que uma cultura evolui quando novas práticas contribuem para que o
grupo que a pratica consiga resolver seus problemas (Skinner, 1981, p. 502). Desse modo, a
cultura se fortalece e tem mais chances de sobreviver, ou seja, existe um efeito das práticas
sobre o grupo. O fato de que uma cultura pode sobreviver ou desaparecer sugere um tipo de
evolução e, conseqüentemente, um paralelo com a evolução da espécie. É o que Skinner se
propõe a descrever (Skinner, 1971).
Nessa comparação, segundo o autor, a cultura corresponde à espécie. As práticas
descrevem uma cultura, enquanto que fatores anatômicos descrevem uma espécie. Uma
prática pode ser compartilhada por mais de uma cultura e uma característica anatômica pode
ser compartilhada por mais de uma espécie e tanto as práticas culturais quanto as
características anatômicas são carregadas pelos indivíduos e transmitidas a outros indivíduos.
Como a espécie, a cultura é selecionada por sua adaptação ao meio ambiente: à medida que
ela ajuda seus membros a conseguir o que eles precisam e a evitar o que é perigoso, ela os
ajuda a sobreviver e a transmitir a cultura. Para Skinner, os dois tipos de evolução estão
bastante interconectados: as mesmas pessoas transmitem características anatômicas e práticas
culturais; a capacidade de haver mudanças no comportamento que tornam a cultura possível
foi adquirida na evolução da espécie; a cultura determina muitas das características biológicas
transmitidas, pois pode, por exemplo, ter práticas que levam à sobrevivência de indivíduos
que, sem tais práticas, morreriam e, conseqüentemente, não transmitiriam sua carga genética.
Outros paralelos possíveis, de acordo com o autor: nem toda prática cultural - bem como nem
todo traço anatômico - é adaptativa, pois práticas e traços adaptativos podem carregar os não
adaptativos. Novas práticas culturais correspondem a mutações genéticas (Skinner, 1971, p.
47
123), ou seja, podem surgir por acaso, e podem enfraquecer ou fortalecer a cultura; não há
relação direta, portanto, com seu valor de sobrevivência.
Entretanto, o paralelo acaba no ponto de transmissão (p. 124). Na evolução cultural, as
práticas adquiridas são transmitidas. Uma nova prática pode ser transmitida não somente para
novos membros, mas também a contemporâneos e até mesmo para sobreviventes de gerações
anteriores. Além disso, outra diferença está no fato de que as espécies não podem transmitir
umas às outras seus traços genéticos, mas não há tal isolamento no nível cultural. Muitos tipos
de isolamento podem produzir uma cultura bem definida ao delimitá-la, mas não podem
impedir as possibilidades de transmissão das práticas (p. 125). Essa delimitação entre uma
cultura e outra pode ocorrer no caso do isolamento geográfico, no caso de culturas formadas
por povos com características raciais diferentes ou no caso de existir uma agência de controle
forte e dominante.
Apesar de sua limitação, o paralelo entre evolução biológica e evolução cultural é útil
(p. 126). Novas práticas surgem e tendem a ser transmitidas se contribuírem para a
sobrevivência daqueles que as praticam
17
. Podemos traçar a evolução de uma cultura mais
17
Como forma de enriquecer a discussão a respeito da unidade de seleção do terceiro nível, isto é, a prática
cultural, poderíamos utilizar o conceito de metacontingências, cunhado por Sigrid Glenn, em 1986. Segundo
Glenn (1988), está claro que práticas culturais podem ser reduzidas a contingências de reforço que operam em
cada indivíduo e que compõem a prática cultural. Entretanto, tal redução não explica completamente a evolução
e a manutenção da prática como tal (p. 162). Ela argumenta que uma análise científica das culturas não pode ser
reduzida ao comportamento dos indivíduos porque as práticas culturais, apesar de serem compostas pelo
comportamento dos indivíduos, têm resultados próprios, que afetam a sobrevivência da cultura. Para Glenn, é
preciso diferenciar entre as contingências que são a base da mudança comportamental e as contingências que são
a base do desenvolvimento cultural (p. 163), ou seja, entre contingências do segundo nível de seleção e do
terceiro nível de seleção (p. 167).
A prática cultural pode ser descrita como um conjunto de contingências entrelaçadas, ou seja, como uma
metacontingência (Andery e Sério, 2005, p. 149). É interessante notar que uma metacontingência tem uma
conseqüência, um produto agregado, que atua sobre o próprio entrelaçamento, mantendo ou não a prática
cultural. Isso não impede que cada contingência dentro da metacontingência tenha sua própria conseqüência para
o indivíduo que se comporta. A conseqüência individual mantém o comportamento do indivíduo enquanto que o
produto agregado mantém a metacontingência, a prática cultural.
Glenn (1988) afirma que "uma prática cultural é um conjunto de contingências de reforçamento entrelaçadas no
qual o comportamento e os produtos comportamentais de cada participante funcionam como eventos ambientais
com os quais interage o comportamento de outros indivíduos" (p. 167). E a metacontingência é a unidade de
análise que inclui uma prática cultural, em todas as suas variações e o produto agregado de todas as variações
atuais (p. 168).
48
claramente que a evolução de uma espécie, pois as condições essenciais são observadas, e não
inferidas, e muitas vezes podem ser diretamente manipuladas. Porém o papel do meio
ambiente apenas começou a ser entendido e o meio social, que é a cultura, é difícil de
identificar: está em constante mudança, lhe falta substância e é facilmente confundido com as
pessoas que mantêm esse meio e que são afetadas por ele. Essa confusão pode servir de
justificativa para o “Darwinismo social” (p. 126) - contra o qual Skinner buscou argumentar
diversas vezes -, estimulando a competição entre as culturas. É preciso enfatizar, que, na
verdade, o que evolui são as práticas. Tanto a espécie quanto a cultura “competem”
primeiramente com o meio físico. Uma cultura evolui quando novas práticas promovem a
sobrevivência daqueles que as praticam.
Ao expor o processo de evolução das culturas, Skinner descreve a cultura como um
conjunto de práticas, em que algumas delas são selecionadas e outras, não. Entretanto,
também se referiu à cultura como os costumes de um grupo, seus comportamentos
costumeiros, ou como as contingências que são arranjadas pelas pessoas que compõem o
grupo, ou como o ambiente social (Skinner, 1974/1976, p. 223), como já citado, no texto e no
ANEXO 2. Embora não completamente equivalentes, todas essas quatro definições assumem
a análise do comportamento humano, também no nível cultural, como objeto de estudo em si
mesmo, de acordo com o pressuposto mais fundamental do Behaviorismo Radical. No About
Behaviorism, de 1974, Skinner resume de modo interessante como a cultura é vista pelo
Behaviorismo Radical:
Tudo isso parece ser coerente com o processo de seleção por conseqüências; o que há de novidade é a explicação
dada para as práticas culturais. Skinner já havia afirmado que eram conjunto de contingências estabelecidas pelas
pessoas, porém, o autor não buscou detalhar como se constitui uma prática cultural.
Então, um melhor delineamento e descrição da unidade de análise do terceiro nível possibilitaria uma
intervenção mais efetiva em fenômenos culturais e sua melhor interpretação sem necessariamente ir além dos
pressupostos do Behaviorismo Radical. Todavia, é preciso cautela para que não se criem conceitos novos já
abrangidos pelos antigos e não se perca de vista a parcimônia, tão cara à ciência. A noção de contingências
entrelaçadas como unidade de análise (Andery, Micheletto e Sério, 2005, p. 132) pode se mostrar útil nesse
sentido.
49
Como um conjunto de contingências de reforçamento mantido por um grupo,
possivelmente formulado em regras ou leis, ela [a cultura] possui um status físico
nítido, uma existência que continua além das vidas dos membros do grupo, um modelo
que se modifica [changing pattern] à medida que práticas são adicionadas,
descartadas ou modificadas e, acima de tudo, [possui] poder. Ela não é uma coisa
monolítica e não temos razão para explicá-la apelando para mente, idéia ou vontade
de um grupo (Skinner, 1974/1976, p. 223).
Pelo que podemos concluir, a cultura, sob o ponto de vista da evolução, é algo
dinâmico, pois algumas características suas são selecionadas e permanecem, enquanto que
outras somem com o passar do tempo. Sob esse ponto de vista, a cultura está em constante
modificação, ao mesmo tempo em que algo "essencial" dela permanece para que ela continue
a ter um nome próprio que a identifique. A cultura indígena, por exemplo, possui
características que nos levam a caracterizá-la como cultura indígena, apesar de ter sido tão
variada, tão diferente nos vários povos, quando os europeus aqui chegaram e apesar de tanta
modificação sofrida até o presente. Ainda assim, é possível falar da cultura indígena
sobrevivente em algumas comunidades brasileiras. Mas o que é esse algo "essencial" que
sobrevive?
O processo de variação e seleção, que caracteriza a evolução cultural, pressupõe
fenômenos concomitantes e aparentemente antitéticos: a cultura sobrevive, apesar de nunca
permanecer a mesma. De certo modo, sobrevivência e evolução parecem incompatíveis. Se
quisermos que a cultura sobreviva, ela precisa se adaptar ao meio, se modificar e, portanto,
não será mais a mesma que sobreviverá, a não ser que seja possível determinar o que
caracteriza determinada cultura e que não pode ser modificado, sob a pena de já não se ter
mais a mesma cultura.
50
A cultura evolui quando suas práticas variam e são selecionadas pelo ambiente social
ou natural. Portanto, se a sobrevivência de uma cultura significar a sua manutenção inalterada,
ou seja, a manutenção daquele conjunto de práticas ao qual chamamos de cultura,
sobrevivência e evolução se tornam processos mutuamente exclusivos, pois o primeiro
significa manutenção, enquanto que o segundo caracteriza modificação. Uma alternativa é
assumir que, dentro daquele amplo conjunto de práticas formadoras da cultura, existe um
subconjunto próprio, exclusivo, único, o qual a caracteriza como diferente de qualquer outra.
Seria ele o sobrevivente quando falamos que a cultura sobrevive.
O processo de variação e seleção ocorreria nas práticas marginais que se modificariam
de modo a adaptar o núcleo de práticas essenciais característico e exclusivo daquela cultura.
Se tal hipótese for coerente e encontrar respaldo nos pressupostos do Behaviorismo Radical,
conseqüentemente poderíamos dizer que uma cultura evolui quando o núcleo de práticas
característico dela se adaptou melhor ao ambiente por causa do processo de variação e seleção
ocorrido nas práticas marginais. Então, o núcleo sobrevive quando as práticas marginais
evoluem. O que parece evidente é que uma cultura só é capaz de sobreviver se ela se
modificar de modo a se adaptar ao meio.
Nesse sentido, parece ter faltado, com relação à definição de cultura, na obra
skinneriana, uma discussão semelhante à implementada pelo autor quando discute a natureza
genérica do estímulo e da resposta nos primórdios de sua psicologia (Skinner, 1959/1972,
Capítulo 31). Naquela discussão, um dos pontos principais era a relevância ou irrelevância das
propriedades não definidoras. O mesmo tipo de empreitada filosófica poderia ser útil para
lapidar o conceito de cultura, de modo que não fosse possível supor incompatibilidade entre
evolução e sobrevivência. Isto é, se não formos capazes de afirmar o que define uma cultura,
não poderemos dizer por que uma cultura permaneceu, sobreviveu, tem o mesmo nome,
depois de sofrer modificações no processo de evolução. Ou seja, se Skinner não definiu tão
51
minuciosamente o que caracteriza uma cultura - como o fez com o reflexo - há espaço para
que se suponha uma incompatibilidade entre evolução e sobrevivência, o que, na verdade, não
era seu objetivo, pois, para ele, a cultura deveria evoluir para poder sobreviver e, obviamente,
sobreviver para poder evoluir. Logo, os conceitos são, para o autor, interdependentes e não
excludentes.
Tal fato está muito claro na seguinte passagem. Quando propõe o planejamento de
uma cultura, Skinner assim especifica uma cultura bem planejada:
Uma cultura bem planejada é um conjunto de contingências de reforçamento sob as
quais seus membros se comportam de modo que mantêm a cultura, a preparam para
encontrar emergências e a modificam de tal modo que ela fará essas coisas ainda
mais efetivamente no futuro (Skinner, 1969, p. 41).
Se uma cultura consegue se modificar de maneira a se fortalecer - no sentido de lidar
melhor com o ambiente natural e com o ambiente social - ela terá mais chances de sobreviver.
Uma ciência do comportamento, ao ser capaz de analisar contingências culturais, poderá
ajudar a prever se uma cultura sobreviverá. A partir disso, Skinner propõe considerar a
sobrevivência da cultura como um novo tipo de valor. Segundo ele, as contingências
sociais, culturais, ou os comportamentos que elas geram são as “idéias” de uma cultura e os
estímulos reforçadores que aparecem nas contingências são os “valores” de uma cultura
(Skinner, 1971, p. 121). Como cada grupo de pessoas tem sua própria carga genética e suas
próprias contingências naturais e sociais, o que é bem, valor, para um grupo pode não ser para
outro (p. 122). Cada cultura tem seu próprio conjunto de valores. Um certo conjunto de
valores pode explicar por que uma cultura funciona, possivelmente sem muita mudança por
um longo tempo. Mas nenhuma cultura fica em equilíbrio permanentemente, pois as
contingências mudam, levando a cultura a se fortalecer ou a se enfraquecer, e podemos,
52
assim, prever se ela irá sobreviver ou perecer. A sobrevivência da cultura nos aparece como
um novo valor a ser considerado além dos bens pessoais e sociais (p. 123).
Fazendo referência aos três níveis de seleção, Skinner (1974/1976) considera que
existem semelhanças importantes entre a seleção natural, o condicionamento operante e a
evolução dos ambientes sociais. Os três não precisam de um planejamento ou um propósito
prévio e, além disso, eles invocam a noção de sobrevivência como um valor. "O que é bom
para a espécie é o que contribui para sua sobrevivência. O que é bom para o indivíduo é o que
promove o seu bem-estar. O que é bom para uma cultura é o que lhe permite resolver seus
problemas" (p. 224). Nos três níveis, uma mudança repentina e possivelmente ampla pode ser
explicada por novas variações selecionadas pelas contingências já presentes ou por novas
contingências (Skinner, 1981, p. 502).
Então, do ponto de vista do Behaviorismo Radical, é possível explicar o
comportamento humano recorrendo-se apenas à história filogenética na qual a espécie
evoluiu, à história de contingências de reforço sociais e não sociais pela qual passou o
indivíduo. Isso porque o comportamento humano é o produto combinado: das contingências
de sobrevivência responsáveis pela seleção natural das características da espécie e das
contingências de reforço responsáveis pelos repertórios adquiridos, as quais incluem
contingências especiais mantidas pelo ambiente social. As contingências modificam o
indivíduo, que se comporta de determinada maneira porque foi modificado pelas
contingências
18
(Skinner, 1981, p. 502 - 503).
18
Contudo, há duas falhas em qualquer ponto de vista comportamental: "um entre a ação estimuladora do
ambiente e a resposta do organismo e outro entre as conseqüências e a mudança resultante no comportamento.
Apenas a ciência do cérebro pode suprir essas deficiências. Ao fazê-lo, completa a descrição; não fornece uma
explicação diferente. O comportamento humano eventualmente será explicado, e só poderá ser explicado através
da ação conjunta da etologia, da ciência do cérebro e da análise do comportamento" (Skinner, 1989/1995, p. 41).
53
PARTE II : PRESCREVER
Capítulo 4 - O planejamento da cultura
Precisamos esclarecer, de início, que Skinner não menciona uma divisão, em sua
teoria, entre aspectos descritivos e aspectos prescritivos. Filosoficamente, aí está a distinção
entre fatos e valores, entre o "como é" e o "como deve ser". Para Skinner, essa diferença
poderia estar entre tactos e mandos (Dittrich e Abib, 2004), o que não implicaria uma
diferença ontológica, como tradicionalmente se vê na filosofia. Algumas vezes, Skinner tenta
traduzir enunciados prescritivos em enunciados descritivos e estabelece, em alguns deles, que,
em frases do tipo "você deve levar o guarda-chuva", a diferença em relação a um enunciado
obviamente descritivo é apenas temporal e probabilística, pois uma sentença como essa pode
ser enunciada em forma de descrição de contingências. Portanto, é muito provável que
Skinner não concordasse com a divisão defendida no presente texto. O viés pragmático da
teoria comportamental alicerça o vínculo entre teoria e prática; porém, qual é o limite - se é
que ele existe? Até onde a primeira pode ditar a segunda?
Como já pudemos perceber, Skinner elaborou uma ciência do comportamento e a
filosofia dessa ciência. Nesse sentido, método e metafísica foram construídos de modo não-
linear, dinâmico e com constantes interações na fronteira entre um e outro (Dittrich, 2004). A
prática ajudou a elaborar a teoria, a qual, por sua vez, estabeleceu guias para a prática da
ciência do comportamento. Talvez o pragmatismo inerente ao Behaviorismo Radical implique
uma Ética e um compromisso social; há quem assim argumente (Laurenti, 2004).
De fato, não é inicial a preocupação de Skinner com um projeto para a cultura, para
uma sociedade melhor. Em suas obras iniciais, se ateve a questões científico-filosóficas do
comportamento. Contudo, mesmo aí, já era possível perceber um tom pragmático em seu
54
discurso. A partir de meados do século, o autor começou a buscar, em sua ciência, a
possibilidade de elaboração de uma tecnologia para a cultura, que garantisse o futuro da
humanidade, na época, à beira de uma hecatombe nuclear. De certa forma, sua preocupação
muda um pouco de conteúdo de 1953 até o final dos anos 80, porém os fundamentos da
proposta skinneriana permanecem os mesmos: como uma ciência do comportamento pode ser
útil para a humanidade. Ele se mantém na defesa da tese de que é necessária a implementação
de uma tecnologia do comportamento em nível cultural.
O fato de o Behaviorismo Radical negar a existência de um agente iniciador,
substituindo esse conceito pelo modelo de seleção por conseqüência poderia levar à conclusão
equivocada de que, já que não somos agentes, vamos esperar a seleção agir e resolver nossos
problemas. Porém, nosso comportamento não perde sua capacidade de intervir e modificar
contingências por ser, ele próprio, produto de contingências seletivas. Segundo Skinner,
devemos tomar passos explícitos para tornar nosso futuro mais seguro. Podemos alterar genes,
introduzir novas formas de comportamentos individuais ou criar novas práticas culturais.
Mesmo assim, devemos esperar a seleção agir. De acordo com o autor, o grande problema de
considerar o indivíduo como agente iniciador é não identificarmos as condições que devem
ser modificadas de modo a resolvermos nossos problemas (Skinner, 1981, p. 504). Então, se
alguém defende que o determinismo presente no Behaviorismo Radical faz do homem um ser
passivo, temos o mote para uma bela discussão, pois, em vários momentos, Skinner defende a
ação deliberada do homem para modificar seu meio.
Em 1974, no About Behaviorism, o autor afirma a necessidade de se planejar
explicitamente a cultura porque o processo de evolução, em qualquer dos níveis, pode
conter erros. Isso ocorre porque, além de o processo de seleção preservar características
incidentais, as quais não possuem relação com a função de sobrevivência, a evolução prepara
o organismo para funcionar bem sob condições semelhantes àquelas presentes no ambiente
55
passado responsável pela seleção. Entretanto, no nível da filogênese, o próprio processo de
seleção dotou o organismo de capacidade para se adaptar a um meio não estável, diferente
daquele no qual ocorreu a seleção filogenética. Estamos nos referindo à possibilidade de
condicionamento respondente, no qual as respostas preparadas na filogênese poderiam ficar
sob controle de novos estímulos, e à possibilidade de condicionamento operante, no qual
novas respostas podem ser fortalecidas por eventos que as seguem (Skinner, 1981, p. 501). A
suscetibilidade ao reforçamento positivo, por sua vez, pode causar problemas para uma
cultura, conforme veremos adiante. O bem representado pela sobrevivência não
necessariamente dá certo por si só. A evolução pode fracassar, por isso o autor defende
uma tecnologia do comportamento que corrija esses fracassos e afirma que é possível
intervir nos três níveis, sendo que o segundo e o terceiro caberiam à ciência do
comportamento.
Em seu texto de 1971 - sobre a análise dos juízos de valor -, no artigo de 1981 e no de
1987, o autor descreve a evolução da humanidade: tudo começara com os átomos, que um dia
se uniram e formaram moléculas. Da união de moléculas surgiram as células, as quais
adquiriram a capacidade de se reproduzir, gerando descendentes diferentes, dentre os quais o
ambiente selecionava os mais aptos a sobreviver; ou seja, conseguiram sobreviver apenas
aqueles cujas características eram mais adaptadas ao meio ambiente onde viviam. E estes
passaram suas características aos seus próprios descendentes. Assim, as células evoluíram, e
daí surgiram tecidos, órgãos e organismos. As espécies surgiram. Uma delas, a Homo sapiens,
desenvolveu a musculatura vocal e, através do controle operante, a fala. Por meio da fala,
desenvolveram-se práticas culturais, entre elas, a ciência e a tecnologia, que, infelizmente,
foram utilizadas para apoiar disposições genéticas que haviam evoluído num estágio anterior:
porque comida era reforçador, os humanos passaram a cultivar a Terra em vastas áreas;
porque os outros poderiam roubar suas coisas boas, eles inventaram armas; para evitar
56
doenças e mortes, praticaram medicina e saneamento. Seu número aumentou e eles passaram
a viver mais e mais. Por isso, precisavam de mais recursos naturais, que poderiam se esgotar.
Alguns países guerrearam com outros por recursos, matando milhões de pessoas. Algumas
poucas pessoas perceberam o perigo, afirma o autor em 1987, mas seus propósitos (por
apresentarem conseqüências remotas, distantes) entraram em conflito com práticas que eram
apoiadas por conseqüências imediatas e por princípios morais e éticos ultrapassados. Então,
aqueles que puderam, continuaram a procriar à vontade, a consumir inconseqüentemente, a
preparar-se para se defender a qualquer preço. Isso pode levar a uma situação em que a
espécie humana seja extinta.
Os modos como as pessoas reagem ao reforçamento positivo e ao negativo levaram ao
estabelecimento dos direitos a vida e liberdade e à busca da felicidade, respectivamente.
Levaram também a problemas, pois os processos por meio dos quais os organismos aprendem
a escapar ou evitar vários tipos de dano físico tiveram um evidente valor de sobrevivência;
porém, num ambiente civilizado, eles se tornam menos importantes e podem até mesmo
funcionar contra a sobrevivência. Isto ocorre quando, por nos protegermos demais de danos
físicos ou de trabalhos exaustivos, nos tornamos vulneráveis a qualquer demanda ambiental
mais forte. Ou quando a luta histórica pela liberdade, por meio da qual as pessoas têm
escapado de e enfraquecido ou destruído aqueles que as tratam aversivamente, leva ao
extremo de todos fazerem o que tiverem vontade de fazer, a um laissez faire econômico e a
um individualismo extremado.
Além disso, levaram a problemas como resultado da busca da felicidade, pois a luta
excessiva por bens reforçadores pode vir a esgotar os recursos do planeta e porque as pessoas
diferem quanto à habilidade de conseguir tais bens e, logo, quanto à quantidade de bens
possuídos. Ademais, como maiores posses facilitam mais aquisição de bens, as diferenças se
57
tornam muito grandes. Desse modo, o reforçamento positivo tem levado a grande riqueza e a
extrema pobreza.
Estas são as possíveis conseqüências das ações atuais. Porém, apontar conseqüências
não é suficiente; devem-se arranjar contingências nas quais as conseqüências tenham efeito. A
questão com que Skinner se preocupa é: como as culturas poderiam fazer o comportamento de
seus membros ficar sob controle dessas terríveis possibilidades?
Esses "terríveis problemas" são conseqüências muito remotas para servirem de
punição que suprima os comportamentos causadores dos distúrbios ou de reforço negativo
que fortaleça comportamentos que corrijam tais distúrbios (Skinner, 1989/1995, p. 157). É
nesse contexto de possibilidades catastróficas que Skinner propõe utilizar a ciência do
comportamento no planejamento deliberado de práticas culturais. E esse planejamento deveria
propor um mundo no qual todos vivessem bem
19
; entretanto, antes disso, precisamos, diz
Skinner, parar de construir um mundo no qual será totalmente impossível viver (Skinner,
1989/1995, p. 116).
Como vimos, o autor define o ambiente social de qualquer grupo como sendo o
produto de uma série complexa de eventos, na qual o acidental às vezes predomina. Algumas
maneiras e costumes podem se estabelecer no grupo sem nenhuma relação com seu efeito
final sobre o grupo. O padrão pessoal de controle de um forte líder pode resultar numa
classificação governamental do comportamento legal e ilegal e pode estabelecer o padrão de
uma agência altamente organizada. A preocupação de Skinner é, todavia, com a possibilidade
de se modificar o ambiente social de modo deliberado, planejado, a fim de que o resultado
19
Mesmo nesse nível de análise, o cultural, a crítica do autor ao mentalismo resiste. Afirma Skinner que uma das
mais trágicas conseqüências do mentalismo é dramaticamente ilustrada por aqueles que concordam a respeito
dos problemas do mundo atual e que vêem como única saída para essa situação o retorno à moralidade, à ética, à
decência, entendidas como possessões pessoais. O que é necessário, para o autor, é uma restauração do ambiente
social em que as pessoas se comportam de maneiras classificadas como morais (Skinner, 1974/1976, p. 215).
58
seja mais adequado. Isso já acontece em muitas culturas. Leis governamentais, religiosas e
escolares são exemplos.
O grupo possui instituições que arranjam conseqüências atuais que têm o efeito que
conseqüências remotas não podem ter no presente, garantindo, desse modo, o futuro da
própria instituição. A religião, por exemplo, leva seus membros a sentirem vergonha por
comportamentos que ela classifica como pecaminoso, ou ilegal, no caso do governo. É o
autocontrole dos controlados que garante o futuro da agência, porque, mesmo em sua
ausência, os controlados se comportam de acordo com ela (Skinner, 1953). As práticas que
levam a isso são, geralmente, punitivas. Apesar de tudo, essas agências se fazem sentir
necessárias, e são assim justificadas, por causa de suas conseqüências positivas, como paz
interior dada pela religião e segurança e ordem promovidas pelo governo. Ou seja, a agência
garante seu próprio futuro por meio do estabelecimento de autocontrole dos controlados.
Se há instituições que garantem o futuro, deve haver um motivo de o futuro da espécie
parecer ruim: ele não é o mesmo das instituições. Os futuros dos governos, das religiões e
dos sistemas capitalistas não são congruentes com o futuro da espécie. Cada um garante o
seu, de modo conflitante ao necessário para a sobrevivência do grupo como um todo. Ou seja,
governos, religiões e empreendimentos econômicos estão sob controle de conseqüências que
afetam sua própria sobrevivência, as quais são muito menos remotas e, portanto, mais
poderosas do que a sobrevivência da espécie. Afirma Skinner: "Sobretudo, os efeitos dessas
conseqüências estão usualmente em conflito com ela [a sobrevivência da espécie]" (Skinner,
1989/1995, p. 159).
Em nosso contexto, poderíamos citar alguns exemplos de conseqüências das práticas
das agências que podem estar em conflito com outras agências ou mesmo com a
sobrevivência da espécie: 1) oficialmente a igreja católica é contra o uso de preservativos em
relações sexuais, o que pode facilitar a transmissão do vírus da AIDS; 2) a indústria busca
59
produzir mais em menos tempo, com o menor custo e com maior escoamento da produção e
todos esses quatro pontos geram problemas: produtos de baixa qualidade, alimentos com
baixo valor nutricional, produtos descartáveis, exploração da mão-de-obra, exploração
excessiva de recursos naturais, incentivo ao consumo desenfreado; 3) os capitalistas
financeiros nunca ganharam tanto dinheiro como nessa última década no Brasil por causa da
alta taxa de juros, pagos pelas classes média e baixa, que fazem compras a prazo, que pedem
empréstimos nos bancos e em financeiras; 4) os governos brasileiros estão tradicionalmente
ligados às agências econômicas e religiosas e, com relação à política interna, geralmente são
tomadas decisões que fortalecem esses grupos.
Poderíamos dizer que o “erro”, se fosse possível definir apenas um, está nas práticas
culturais selecionadas pelas agências, pois elas selecionam apenas aquelas que garantirão seu
próprio futuro, de modo incongruente ao que seria necessário para garantir o futuro do grupo
como um todo. A luta pela liberdade não diminuiu ou eliminou o controle, ela apenas o
corrigiu por meio de práticas de contracontrole. Entretanto, o contracontrole leva a um
equilíbrio instável. Então a proposta de Skinner é um projeto explícito de cultura que vá além
dos interesses imediatos do controlador e do controlado (Skinner, 1978, p. 197).
"Necessitamos construir conseqüências relativamente imediatas para o comportamento
humano, as quais devem atuar como atuariam conseqüências mais remotas se estivessem
disponíveis aqui hoje" (Skinner, 1989/1995, p. 116).
As Utopias
Planejar a estrutura de uma grande indústria ou uma agência governamental é um
experimento de planejamento cultural. Entretanto, são planejamentos culturais parciais; um
planejamento total pode ser exemplificado pelas Utopias.
60
Um conjunto de planejamentos culturais pode ser encontrado na literatura utópica
(Skinner, 1971, p. 146). Uma comunidade utópica é geralmente composta de poucas pessoas
vivendo juntas em contato estável. O controle informal minimiza o papel das agências
organizadas. Geralmente se propõe que a comunidade fique isolada geograficamente, o que
previne contatos problemáticos com outras culturas. Todas as partes trabalham juntas. O
pequeno tamanho, o isolamento geográfico e a coerência interna dão à comunidade uma
identidade que torna a sua sobrevivência importante para seus membros. A questão
fundamental de qualquer utopia é se ela funcionará. Há muitas razões para que não se tenha
conseguido realizar qualquer utopia. Em primeiro lugar, é difícil colocar um grande número
de pessoas sob controle informal; o controle ético pode sobreviver em grupos pequenos, mas
em grupos grandes, o controle precisa ser delegado a agências com seus especialistas.
Geralmente, o controle de uma agência entra em conflito com outra agência. O insucesso de
uma utopia não é um erro; para o autor, o erro está em deixar de tentar (p. 147 - 148).
Skinner considera que a manipulação deliberada da cultura é questão que cabe a uma
ciência do comportamento, tanto no que se refere à proposta de mudança, quanto à efetivação
e aceitação da mudança. Os processos comportamentais cotidianos são iguais àqueles de uma
comunidade utópica e as práticas têm o mesmo efeito pelas mesmas razões (Skinner, 1971, p.
148). O princípio fundamental nos parece claro: as condições ambientais devem ser
modificadas para que se modifiquem os comportamentos. Para o autor, é impossível ditar o
que é o melhor absoluto para uma cultura, mas é possível propor caminhos melhores que os
atuais. E, para isso, uma análise científica do comportamento humano é relevante, pois ela
define o que deve ser feito e como fazê-lo.
Skinner defende uma utopia enquanto um experimento piloto de planejamento
cultural. Desse modo, ele não entende utopia como algo bom e inexistente, pelo contrário, é
61
um projeto experimental de comunidade que pode e deve ser posto em prática
20
. O problema
geral das utopias, segundo o autor, é a falta de possibilidade de implementação, isto quer dizer
que elas geralmente descrevem a "Vida Boa" - "Good Life"
21
, mas não dizem como chegar até
ela, como construí-la. Isso, de fato, não era possível, pois ainda não se havia desenvolvido
uma ciência do comportamento que desse conta dessa construção. Skinner descreve a sua
"Good Life":
Eles desfrutam de um ambiente rural agradável e trabalham somente poucas horas
por dia, sem serem forçados a isso. Suas crianças são cuidadas e educadas por
especialistas que levam em consideração a vida que elas vão levar. A comida é boa, e
a saúde pública e os cuidados médicos são excelentes. Há muito lazer e muitas formas
de aproveitá-lo. Arte, música e literatura florescem e a pesquisa científica é
encorajada (Skinner, 1969, p. 29).
Segundo o autor, a Good Life está ao alcance de "homens inteligentes de boa vontade"
que aplicarão os princípios da ciência do comportamento no planejamento da cultura. Um
deles, pode-se dizer, o mais fundamental, é aquele segundo o qual o importante com relação
às "coisas boas" na Good Life é o que as pessoas estão fazendo quando as conseguem. Então,
uma utopia de acordo com a ciência do comportamento não daria simplesmente a cada um de
acordo com sua necessidade, porque as pessoas permaneceriam inativas (Skinner, 1969, p. 36
- 37). Nesse sentido, a crítica skinneriana se dá tanto ao welfare state quanto ao comunismo,
pois ambos dão a cada pessoa de acordo com sua necessidade e sem levar em consideração o
20
É importante salientar que as propostas utópicas de Skinner estão mais restritas às décadas de 60 e 70.
21
Talvez possamos supor aqui uma relação entre "vida boa" e "vida feliz". Felicidade é entendida por Skinner
como um sentimento, subproduto de condicionamento operante. O que nos faz feliz é o que nos reforça, porém,
de acordo com o autor, são as coisas que nos reforçam e não os sentimentos que devem ser identificados e
usados na predição, controle e interpretação. O condicionamento operante é efetivo independentemente de
qualquer ganho final, como pode ser demonstrado nos jogos de azar (Skinner, 1974/1976, p. 78 - 79), pois o
esquema de reforçamento intermitente produz um padrão resistente de comportamento, mesmo que, ao final das
contas, o jogador acabe perdendo mais do que ganhando.
62
que ela está fazendo. Essa é uma importante crítica que o autor elabora contra os direitos
incondicionais (ver ANEXO 3, sobre as propostas políticas do autor).
Os bens - goods - de uma cultura são os reforçadores e o modo de vida é um conjunto
de contingências de reforço (Skinner, 1969, p. 37). Na literatura utópica em geral, raramente
se explicitam as contingências. O que comumente está presente nas utopias é a descrição de
um mundo em que a vida seria boa, porque ele estaria repleto de coisas boas. Nesse sentido,
não há descrição de como um mundo como esse poderia existir e sobreviver. Para tal, seria
necessário considerar o papel das contingências de reforço, que possibilitariam um
planejamento cultural, a construção de uma comunidade utópica enquanto um experimento
piloto
22
.
Numa comunidade utópica, reforçadores condicionados podem ser usados para
preencher a lacuna entre o comportamento e suas conseqüências remotas e reforçadores
suplementares podem servir até que os reforçadores remotos funcionem. E, de acordo com o
autor, aqueles que alcançarem as contingências terminais serão produtivos, criativos e felizes,
em uma palavra, maximamente efetivos. Alguém que seja confrontado, pela primeira vez,
com as contingências terminais pode não gostar delas e nem sequer se imaginar gostando
delas (Skinner, 1969, p. 40).
Skinner afirma que os autores da literatura utópica clássica propõem alcançar a Good
Life de maneiras que hoje parecem inadequadas, mas enfatiza que o valor do pensamento
22
O Behaviorismo Radical explica que tanto a espécie quanto o comportamento de um indivíduo se
desenvolvem ao serem modelados e mantidos por seus efeitos sobre o mundo que os cerca. Este é o único papel
do futuro. Contudo, isso não significa que não haja direção na evolução. Entende-se, muitas vezes, que esta
direção se dá no sentido de um aumento da complexidade das estruturas, da sensibilidade à estimulação ou da
efetiva utilização da energia. Uma possibilidade, levantada por Skinner, é que ambos os processos de evolução
tornam os organismos mais sensíveis às conseqüências de suas ações. Organismos que têm mais probabilidade
de serem modificados por certos tipos de conseqüência provavelmente levaram vantagem; e uma cultura leva o
indivíduo a ficar sob controle de conseqüências remotas que podem não ter tido função nenhuma na evolução da
espécie. Um bem pessoal remoto se torna efetivo quando uma pessoa é controlada pelo bem dos outros e uma
cultura que induz alguns de seus membros a trabalhar pela sobrevivência dela torna efetivas conseqüências ainda
mais remotas. A tarefa de quem projeta uma cultura é acelerar o desenvolvimento de práticas que tornem
efetivas conseqüências remotas do comportamento. O que antes parecia mais arbitrário, agora parece mais claro:
se o desenvolvimento é isso, o papel do projetista é trabalhar pelo desenvolvimento.
63
utópico não pode ser subestimado. A longo prazo, devemos dispensar simplificações utópicas,
porque o teste real de uma cultura é o mundo como um todo (p. 47).
Uma escola treinamento é um exemplo de uma cultura em miniatura. Se ela pode ser
planejada e obter sucesso, a cultura como um todo também pode (Skinner, 1959/1972, p.
426). Contudo, Skinner crê que a maioria dos cientistas sociais ainda não entendeu a
importância da posição comportamental. A maioria deles procura soluções para seus
problemas dentro das pessoas que eles estudam. Isso obscurece o fato de que é preciso
modificar a cultura e não o interior ou a mente das pessoas.
De acordo com Skinner, as ciências do comportamento não dão este passo por várias
razões. Uma delas está no fato de que, ao se constatar a possibilidade de uma tecnologia do
comportamento muito poderosa, se pergunta: quem exercerá o controle? (Skinner, 1974/1976,
p. 226; 1953, p. 445) Quem faz essa pergunta comete novamente o erro de procurar estados
mentais ou sentimentos nos potenciais controladores: eles serão benevolentes, quais serão
suas intenções? Para o autor, a pergunta correta seria: que tipo de contingências culturais
induzem as pessoas a se engajar no controle de outras pessoas? Sob quais contingências as
pessoas agem como tiranos ou como homens de boa vontade? Ou ainda: sob quais condições
os que detêm o poder para controlar o comportamento humano usarão esse poder de modo
que garanta um futuro melhor? (Skinner, 1989/1995, p. 160). Devemos desejar que surja uma
cultura na qual aqueles que têm poder o utilizarão para o bem geral. Tal cultura
provavelmente teria mais chances de sobreviver. À medida que entendemos a cultura,
podemos fazer planejamentos melhores.
64
Críticas comuns à aplicação da ciência do comportamento no planejamento de uma cultura
A ciência vem aumentando nosso poder de modificar o comportamento. Ao ampliar
nosso entendimento sobre ele, nos habilita a lidar melhor com as pessoas no dia-a-dia e nos
habilita também a construir uma rigorosa tecnologia do comportamento, pois explicita
variáveis que controlam o comportamento e que são manipuláveis. Ou seja, explica o que é
externo no comportamento e que o controla, sem o auxílio de visões tradicionais que atribuem
causas mentais, portanto inacessíveis, ao comportamento. Há quem argumente que o homem é
um agente livre e, portanto, de acordo com Skinner, uma ciência rigorosa do comportamento
humano é impossível. Ele diz que, geralmente, o controle sobre o comportamento não é visto
com bons olhos. Qualquer tentativa de controle normalmente gera reações emocionais. Por
medo de críticas, nos recusamos a admitir que controlamos e nos recusamos a controlar
mesmo que por um fim útil. O problema é que o controle mais utilizado se baseia na punição
ou em sua ameaça ou então é exercido com propósitos egoístas, que, indiretamente, têm
efeitos aversivos. Nesses casos, a literatura da democracia e a arte (Skinner, 1953, p. 447) e a
literatura da liberdade e da dignidade, segundo denominação do próprio autor, foram bem
utilizadas, pois levaram os indivíduos a se mobilizarem contra o uso da força bruta e os
governos despóticos. Entretanto, a onipresença de termos relacionados a essas literaturas não
científicas gera problemas para qualquer ciência que queira implementar uma tecnologia do
comportamento.
A liberdade enquanto valor parece estar ameaçada por uma ciência que se propõe a
controlar o comportamento humano. Porém, liberdade, responsabilidade, ética e justiça são
termos extremamente relacionados e Skinner não se furta a analisá-los à luz do Behaviorismo
Radical. Acima de tudo - diz Skinner em 1953, no texto sobre as agências de controle - os
governos devem ser capazes de promover os direitos humanos como justiça, liberdade e
65
segurança, os quais funcionam como contracontrole dos governados, limitação do poder da
agência e que, ao mesmo tempo, justificam - e este ponto é de extrema relevância - a sua
existência. Um governo que zela pelos direitos humanos tem maior probabilidade de reforçar
o comportamento de apoio a ele por parte dos governados. Abaixo estão elencadas algumas
explicações que o autor elabora para os termos: liberdade, responsabilidade, justiça e ética.
1: LIBERDADE: A crença na liberdade humana pode contribuir para formas de tirania
(Skinner, 1978, p. 54), pois os controlados não buscam analisar de que modo estão sendo
controlados e, portanto, têm menos chances de estabelecer contracontrole. Uma das formas de
liberdade analisadas por Skinner é a ausência de controle aversivo, é estar sob controle de
reforçamento positivo, o qual se torna explícito quando a pessoa diz que se sente livre e que
faz o que quer e o que gosta. Apesar de ser chamado de voluntário, o comportamento operante
é causado, é determinado, embora tais causas, por estarem na história, talvez sejam
dificilmente identificáveis (Skinner, 1974/1976, p. 60). Skinner deixa claro que não podemos
escolher por um modo de vida sem controles, porém podemos modificar as condições de
controle e o autor enfatiza essa possibilidade. O fato de nos sentirmos livres sob controle por
reforçamento positivo e lutarmos por essa liberdade nos impede, algumas vezes de perceber
que esse controle pode acarretar conseqüências aversivas atrasadas e, nesse sentido, tornar
menos prováveis ações de contracontrole. O sentimento de liberdade é uma marca importante
de um tipo de controle caracterizado pelo fato de que ele não gera contracontrole. Por causa
disso os possíveis controladores podem, apenas, mudar o tipo de controle para um controle
positivo (Skinner, 1974/1976, p. 213, 217, 218), mesmo que existam conseqüências aversivas
postergadas. Atualmente, um exemplo disso pode ser visto na facilidade com que se faz um
empréstimo nas inúmeras financeiras que surgiram no Brasil por causa dos juros altos. Nesse
sentido, podemos falar de um outro tipo de liberdade, a liberdade das conseqüências aversivas
posteriores do reforçamento positivo (Skinner, 1968/2003, p. 172). Um outro tipo de
66
liberdade provém da autoconfiança, isto é, quando o indivíduo age menos por regras
estabelecidas por outras pessoas e mais por contingências com relação às coisas (p. 173-174).
Um exemplo da ausência desse terceiro tipo de liberdade pode ser visto quando mulheres e
homens elegantemente vestidos se sentem desconfortáveis com suas roupas e sapatos caros e
elegantes
23
. Então, com relação à liberdade, o argumento skinneriano não se põe a discutir
uma entidade filosófica chamada liberdade e sim o comportamento daqueles que lutam para
serem livres. Nesse sentido, o Behaviorismo Radical não suprime nenhum tipo de liberdade;
ao contrário, sugere que há outros modos de nos sentirmos mais livres ainda (Skinner, 1978,
p. 195 - 196).
2: JUSTIÇA: no Ciência e Comportamento Humano, ao analisar o governo, Skinner
explica o que é justiça sob o viés da análise do comportamento. Dentre os direitos humanos, a
justiça é entendida, por Skinner, como o ótimo balanceamento de conseqüências aversivas e
reforçadoras. É a punição que é administrada com justiça. Um governo maximiza a justiça
quando tem sucesso no balanceamento de conseqüências aversivas. A segurança consiste no
ajuste do meio ambiente para se impedir a ocorrência de eventos aversivos.
3: RESPONSABILIDADE: é uma propriedade das contingências, principalmente das
contingências legais, a que um indivíduo é exposto (Skinner, 1974/1976, p. 220). Mais uma
vez, Skinner se recusa a assumir a existência de uma entidade imaterial causadora de
comportamentos. No texto de 1953, sobre as agências de controle, Skinner afirma que a
responsabilidade é uma questão de controlabilidade. Se não há possibilidade de estar sob
controle, não há responsabilidade pelos próprios atos. Nesse sentido, não pode ser utilizada a
punição; quem não é responsável não pode ser punido. Se for atestada, por exemplo,
insanidade mental em um réu, ele pode ser absolvido, pois, como é louco, não poderia ser
23
Aqui caberia uma discussão a respeito do comportamento controlado por contingências em contraposição ao
comportamento governado por regras. Esse tema certamente traria observações interessantes em relação às
proposições éticas skinnerianas. Infelizmente, porém, não nos resta tempo e nem há mais espaço para elaborar
tamanha discussão.
67
controlável e, portanto, não pode ser responsável pelos próprios atos. Dessa forma, o conceito
de responsabilidade e os conceitos de previsão e escolha, relacionados a ele, são usados para
justificar técnicas de controle que usam a punição (Skinner, 1959/1972, p. 28). Então a noção
de responsabilidade está nos fundamentos do Direito e, portanto, de uma das mais poderosas
agências de controle: o Governo.
4: ÉTICA: como este tema será mais detalhadamente descrito a seguir, podemos
considerar, por ora, que chamamos os controladores de éticos, compassivos, benevolentes,
bons e assim por diante, em geral, quando estabelecemos contracontrole sobre eles. Por outro
lado, a Ética, enquanto área de estudo, se refere, segundo o autor, ao campo de conflito entre
conseqüências imediatas e conseqüências futuras.
Skinner diz que devemos olhar para as contingências que induzem as pessoas a agir
para aumentar as chances de sobrevivência de sua cultura. Porém, há muitas críticas com
relação à aplicação da ciência do comportamento ao planejamento da cultura (Skinner, 1971,
p. 150). Uma delas se refere ao fato de que a vida real é muito diferente das situações
arranjadas em laboratório: aí, as coisas são simples, artificiais e ordenadas, enquanto que, no
mundo real, as coisas são complexas, naturais e confusas. Para responder a isso, Skinner
afirma que, apesar de ser uma situação arranjada em laboratório, os esquemas de acordo com
os quais o comportamento é reforçado podem ser mantidos idênticos aos do mundo real, o
comportamento é afetado da mesma forma em ambas as situações se o esquema for o mesmo.
Quanto à crítica da simplificação, o autor retruca: ela é apenas o estágio inicial da
investigação experimental e é necessária para a especificação de fatores relevantes e
irrelevantes para o problema estudado. A ciência do comportamento pode não saber resolver
os problemas culturais ainda, mas sabe onde procurar por uma solução. “Uma cultura evolui
quando novas práticas aparecem e são selecionadas, e não podemos esperar para que elas
apareçam por acaso” (Skinner, 1971, p. 155).
68
Há quem veja, porém, conseqüências desastrosas caso sejam utilizadas tecnologias
comportamentais no planejamento da cultura. Skinner cita o senhor Joseph Wood Krutch
(Skinner, 1959/1972, p. 11), que diz que o homem nunca mais teria capacidade de pensar e
que a cultura perderia alguma virtude herdada na desordem, os felizes acidentes. Todavia,
numa tecnologia do comportamento, uma cultura planejada multiplicaria os acidentes de
modo sistemático e, além disso, o problema não é a desordem que poderíamos perder numa
cultura planejada, mas sim algumas qualidades admiráveis que, acredita-se, florescem apenas
na presença da desordem. Skinner exemplifica com o fato de que, nos Estados Unidos,
admira-se Lincoln por ter sido quem foi apesar de ter sido educado em um sistema escolar
deficiente; atribui-se seu sucesso a alguma faculdade especial inerente a ele. A Roosevelt,
apesar de ser admirado, não é dado tanto mérito, porque, embora tenha sido quem foi, ele
estudou em Harvard e, portanto, seu sucesso não é atribuído completamente a uma faculdade
interna.
Outra conseqüência desastrosa prevista em uma cultura planejada é a excessiva
uniformidade. Para Skinner, isso seria conseqüência de um planejamento ruim. Numa escola
bem planejada, por exemplo, todos os alunos terminariam o ano sabendo toda a matéria, o que
pode ser visto como ruim porque então não haveria nenhuma faculdade humana especial à
qual atribuir o sucesso de um aluno que se saísse bem apesar da educação ruim.
O ponto em questão é que o planejado deixa pouco espaço para a admiração
24
, porque
se tornam explícitos os determinantes da ação, logo, o mérito pelos resultados não é mais
dado ao indivíduo. A tendência é que admiremos o que não podemos explicar (Skinner,
1968/2003, p. 141). Então é a própria prática da admiração que deve ser examinada e talvez
extinta. O automático não é admirado. Ser automaticamente bom não é digno de mérito. Há
24
A contraparte da admiração é a culpa, pois, se existe a responsabilidade pelo sucesso, também existe a
responsabilidade pelo fracasso. Logo, se o indivíduo é livre, ele é responsável por seus atos, os quais, de acordo
com o resultado, podem levar o indivíduo a ser admirado ou culpado.
69
uma grande diferença entre ter que fazer algo e querer fazer algo. No primeiro caso, há o
controle por contingências punitivas e, no segundo, por contingências reforçadoras. Na visão
de Skinner, caminhamos para uma cultura em que não teríamos que fazer nada, porque os
subprodutos do controle punitivo levam o homem a procurar alternativas. Numa cultura desse
tipo, não haveria espaço para a prática da admiração ou da censura.
Sob sistemas de controle melhores, o comportamento que hoje é admirado também
ocorreria, mas não sob condições que o tornam admirável - condições complexas à análise e /
ou adversas -; logo, não teríamos razão para admirá-lo porque a cultura teria sido planejada
para a manutenção desse comportamento. Rejeitar um mundo como esse, onde não haveria
motivo para o heroísmo moral ou intelectual, apenas demonstra nosso próprio
condicionamento cultural (Skinner, 1959/1972, p. 15). A noção de crédito pessoal é
incompatível com a hipótese de que o comportamento humano é totalmente determinado pela
genética e pelas forças ambientais.
Com relação à hipótese de que o comportamento humano é determinado por fatores
genéticos e ambientais, de acordo com o autor, os dois grandes perigos do pensamento
democrático são estes: a noção de que as pessoas seguem os princípios democráticos porque
querem, porque eles são da natureza humana, e que o conhecimento científico aplicado ao ser
humano é ruim para a democracia (Skinner, 1959/1972, p. 16 - 17). No primeiro caso, se
negligenciamos as condições que produzem o comportamento democrático, é inútil tentar
manter uma forma de governo democrática. Quanto ao segundo, Skinner afirma que a ciência
é parte da democracia e que, ao questionar qualidades e faculdades internas e se voltar para
condições externas para explicar o comportamento humano, torna os processos observáveis e
manipuláveis. E isso não ameaça a singularidade humana e suas conquistas na ciência, na arte,
na literatura, na música e na moral. É preciso contextualizar historicamente a filosofia
70
democrática e não rejeitar a ciência que ela originou, pois, se isso acontecer, a ciência poderá
cair na mão de déspotas (p. 18).
Nesse sentido, não se pode esquecer que o homem controla as coisas que o controlam:
Ele modificou o mundo físico para minimizar as propriedades aversivas e maximizar
os reforçamentos positivos e ele construiu sistemas governamentais, religiosos,
educacionais, econômicos e psicoterapêuticos que promovem contatos pessoais
satisfatórios e o tornam mais habilidoso, informado, produtivo e feliz (Skinner, 1969,
p. 45).
Produzimos “mutações” culturais com as novas práticas culturais e mudamos as
condições nas quais elas são selecionadas quando modificamos o ambiente em que o homem
vive. Se recusar a fazer isso é deixar a cultura aos eventos acidentais e, para Skinner, o
acidente é o verdadeiro tirano que devemos temer. Além disso, o controle que um estímulo
exerce no condicionamento operante é apenas provável, pois ele não determina absolutamente
uma resposta, mas apenas altera a probabilidade de emissão de uma resposta (Skinner, 1978,
p. 198).
Outro tipo de oposição a um novo planejamento cultural é o argumento de que “eu não
iria gostar” (Skinner, 1969, p. 38). De fato, uma reforma cultural significa necessariamente
uma mudança nos reforçadores. O problema, para Skinner, é planejar um mundo de que as
pessoas, não de agora, mas as que viverão nele, irão gostar
25
. Segundo o autor, dizer que não
iria gostar é queixa de um individualista que põe suas próprias suscetibilidade ao
reforçamento como valores estabelecidos. As pessoas gostarão do mundo em que vivem
porque este mundo foi planejado com a preocupação de o que é mais reforçador. Numa
cultura bem planejada, as pessoas seriam felizes, teriam uma vida boa, gostariam da vida que
levassem.
25
E aqui nos perguntamos por que Skinner põe as pessoas do futuro como mais importantes que as pessoas de
hoje.
71
Um outro argumento contrário ao planejamento deliberado da cultura está na
afirmação de que um projeto científico da cultura é impossível porque o homem não aceitará
o fato de que pode ser controlado. Para Skinner, o grande responsável por isso é a literatura da
liberdade.
Há, entretanto, boas razões para a resistência ao controle do comportamento humano.
As práticas mais comuns são aversivas e, portanto, algum tipo de contracontrole é esperado.
Assim, os membros do grupo estabelecem que é errado o uso da força e punem quem o faz.
Mesmo o controle baseado em conseqüências aversivas atrasadas é punido. As literaturas da
liberdade e dignidade estenderam essas medidas de contracontrole num esforço para suprimir
todas as práticas de controle, mesmo quando há conseqüências reforçadoras. O projetista da
cultura fica numa situação difícil, porque planejamento implica controle.
A questão é freqüentemente formulada desta forma: quem deve controlar? (Skinner,
1953, p. 445; 1971, p. 96 - 97). Mas Skinner observa que a pergunta é geralmente feita como
se a resposta fosse necessariamente ameaçadora. De acordo com o autor (Skinner, 1974/1976,
p. 222), a resposta a essa pergunta pode ser encontrada no fato de que os interesses das
instituições algumas vezes coincidem com os interesses dos indivíduos e, além disso, as
instituições podem fortalecer comportamentos com conseqüências futuras muito remotas. Por
si só, o indivíduo pode adquirir muito pouco comportamento com relação ao futuro ao longo
de sua vida, mas, como membro de um grupo, ele se beneficia do ambiente social mantido
pelo grupo.
Para prevenir o mau uso do poder, entretanto, devemos olhar para as contingências
sob as quais o controlador exerce o controle. É fácil perceber as práticas de controle mais
óbvias, mas precisamos perceber também as menos óbvias. A relação entre o controlador e o
controlado, segundo o autor, é recíproca (Skinner, 1959/1972, p. 47). Não é apenas o
experimentador que controla o pombo: o desenho de uma caixa experimental e o
72
procedimento experimental são determinados pelo comportamento do pombo. É verdade que
o cientista planeja a caixa e os procedimentos para controlar o comportamento do pombo.
Mas o pombo não se comporta de certa maneira para que o cientista faça isso. A diferença
está na intenção ou propósito, que é, na verdade, a medida em que as conseqüências são
efetivas na alteração do comportamento e, assim, a medida em que elas são tomadas para
explicá-lo. O controle recíproco não é necessariamente intencional em nenhuma das direções,
a menos que as conseqüências se façam sentir.
O grande problema, na visão do autor, é arranjar um contracontrole efetivo. Controle e
contracontrole podem se desequilibrar, por exemplo, quando o controle é estabelecido por
agências organizadas. Isso acontece porque contingências informais estão sujeitas a rápidos
ajustes quando seus efeitos mudam, mas contingências que agências organizadas deixam para
especialistas podem ficar protegidas de muitas de suas conseqüências. Autogoverno
geralmente resolve o problema ao identificar controlador e controlado. Numa democracia, por
exemplo, o controlador está entre os controlados, ou deveria estar. A democracia é um esforço
de resolver o problema, pois permite que as pessoas planejem as contingências sob as quais
elas vivem ou, de outro modo, pelo fato de que o planejador vive sob as contingências que ele
planeja. Porém, na prática, é difícil manter controlador e controlado na mesma pessoa.
Skinner supõe que um modo de evitar a exploração é assegurar que o planejador nunca
controla.
Uma dificuldade presente na sociedade atual é que há prática geral de controle
aversivo. Se for implementada uma tecnologia do comportamento, provavelmente não haverá
mais controle aversivo. Sem ele, não há mérito, nem responsabilidade, nem justiça, nem
escolha. Com controle positivo, não haveria mais muito esforço, portanto, não haveria mérito.
Esse vínculo entre controle aversivo e mérito explica em parte, segundo Skinner, a resistência
à utilização da tecnologia do comportamento.
73
O planejamento intencional de uma cultura, com a implicação de que o
comportamento deve ser controlado, é, às vezes considerado ética ou moralmente errado. Para
Skinner, Ética e moral se preocupam particularmente com tornar efetivas conseqüências
remotas do comportamento (Skinner, 1971, p. 164). Essa é a preocupação prática do autor
com relação ao planejamento da cultura.
Capítulo 5 - A Ética
Credita-se a Sócrates a inauguração da filosofia ética, pois ele colocou, pela primeira
vez de que se tem notícia, o problema de encontrar fundamentos racionais adequados para
justificar os juízos éticos. E essa justificação racional dos valores foi tomada como o centro
do que se tornaria a filosofia ética tradicional. Desse modo, todas as teorias éticas ocidentais a
partir de Sócrates podem ser consideradas tentativas de explicação da relação entre fatos e
valores (Willard Day, 1977, p. 8).
O rápido desenvolvimento das ciências naturais no século XX deixou as discussões
éticas em uma posição de relativo isolamento, pois as ciências são consideradas eticamente
neutras. Então, como encontrar o lugar dos valores num mundo de fatos? (Michael, 1977, p.
293).
Quando surge a discussão sobre o controle do comportamento humano, a primeira
pergunta que surge é: qual o lugar da Ética em uma proposta desse tipo? Já que a ciência é
capaz de planejar ambientes, como se decide qual é o melhor ambiente? Se a ciência tem os
meios, qual é o fim? Se a ciência tem ferramentas, como decidir o que vai ser feito com elas?
Skinner afirma que, erroneamente, se diz que a ciência pode nos dizer como fazer coisas,
embora não possa nos dizer o que fazer (Skinner em Tobach, 1971). Essa discussão se dá no
campo da Ética, a qual pode estabelecer critérios para julgamento. Nesse sentido, a discussão
74
ética tem lugar numa ciência do comportamento, pois questões sobre valores são questões
sobre comportamento humano, sobre aqueles que se põe a fazer algo por sua cultura (p. 544).
Tratamos, na Parte I do presente texto, das explicações que Skinner dá para o
comportamento humano até o nível cultural, isto é, explicitamos, de forma breve e um tanto
incompleta, como Skinner descreve o comportamento humano, qual sua explicação para o
comportamento. Dessa maneira, a ciência do comportamento pode descrever tanto o passado
como prever o futuro, o que também é uma descrição, do tipo: se acontecer isto, aquilo tem
grandes chances de acontecer no futuro. Do mesmo modo que um engenheiro civil pode
planejar uma casa, Skinner diz que o cientista comportamental pode planejar uma cultura,
pois ele tem, ou terá em breve, um entendimento completo acerca do comportamento humano
e, como cultura pode ser definida como um conjunto de práticas, ela também é objeto da
ciência do comportamento. Então um cientista pode dizer como a casa pode ser construída ou
como uma nova prática cultural pode ser arranjada, mas a questão que buscaremos tratar neste
capítulo é se ele pode dizer, com base apenas na ciência, se a casa deve ser construída ou se a
prática deve ser arranjada, ou qual casa deve ser construída, ou qual prática deve ser
arranjada. A diferença está entre o é/será/foi e o deve ser/seja, entre o modo indicativo e o
imperativo, entre a descrição e a prescrição. Até onde pode ir o cientista do comportamento?
A resposta de Skinner nós já temos. Veremos se é possível concordar com ela.
Seria interessante, nesse momento, uma discussão a respeito dos vários sentidos
históricos e filosóficos da Ética. No entanto, correríamos o risco de pecar pelo excesso de
palavras ou pela falta de conteúdo. Então, decidimos por não implementar tamanha digressão
e estabeleceremos apenas o que entendemos, neste texto, por Ética. De certa forma, isso já foi
feito. Retomemos: a Ética é entendida aqui por um valor ou um conjunto de valores em
relação ao qual justificamos determinadas ações, norteamos nossa conduta, decidimos o que é
o melhor a ser feito dentre os vários caminhos possíveis.
75
No senso comum, a Ética se vincula necessariamente à liberdade. Vejamos: a pessoa é
considerada livre, portanto, pode fazer escolhas livres, logo é responsável por elas e,
conseqüentemente, pode ser julgada por ter feito esta ou aquela escolha. E aqui está a Ética,
no campo dos julgamentos do que é certo e do que é errado e esse julgamento ético ultrapassa
as barreiras morais, pois a Ética pode relativizar a moral. Por isso, liberdade, responsabilidade
e Ética são termos tradicionalmente relacionados. Tais afirmações não nos causam estranheza,
pois nosso ambiente cultural, institucional - das agências de controle - ou não, se fundamenta
na filosofia do livre arbítrio.
Todavia, se, para Skinner, o comportamento humano é controlado, não pode existir
liberdade, responsabilidade ou Ética nos sentidos tradicionais. Como afirma o autor:
O que queremos dizer com Bom? Como podemos encorajar as pessoas a praticar a
Boa Vida? E assim por diante. Nossa explicação não responde a questões desse tipo
no modo como elas são geralmente formuladas (Skinner, 1953, p. 328).
O autor assume uma posição determinista e considera o determinismo útil porque ele
encoraja a busca pelas causas. No seu Tecnologia do Ensino, ele dá o exemplo de um
professor que acredita que um estudante cria um trabalho de arte apenas exercendo alguma
faculdade interna dele próprio. Esse professor não buscará as condições sob as quais seu aluno
elabora trabalhos de maneira criativa; logo ele não será capaz de explicar o trabalho quando
ocorrer novamente nem induzir outros estudantes a fazerem trabalhos criativos (Skinner,
1968/2003, p. 171).
Segundo Willard Day (1977), se considerarmos a análise experimental do
comportamento como um avanço na Psicologia, temos fundamentos para considerar a visão
de Skinner um avanço na filosofia ética naturalista e, neste sentido, vai além do
evolucionismo social de Spencer
26
. A base desse avanço está no conceito de reforçamento,
26
Comentaremos sobre Spencer quando discutirmos a "falácia naturalista", mais à frente.
76
com sua concepção não intencional e não teleológica (p. 20). Não podemos encontrar um
modo de vida em que não haja controle, mas é possível modificar as condições do controle.
A Ética skinneriana
Já vimos que Skinner analisa o controle ético já presente na cultura, que é aquele no
qual se utilizam termos como "certo" e "errado", "bom" e "ruim" como reforçadores
condicionados ou aversivos condicionados. Vimos também que as agências de controle
classificam o comportamento como pecaminoso ou virtuoso, legal ou ilegal, correto ou
incorreto e reforçam ou punem de acordo. Além disso, há sistemas de valores que são
utilizados para justificar o controle exercido pelas agências. É necessário que exista um
contracontrole com relação aos membros da agência, pois o desequilíbrio na relação de
controle pode levar ao fim da agência. O contracontrole exercido sobre a agência leva seus
membros a se comportarem como um legislador benevolente, um professor devotado, um
terapeuta compassivo, e assim por diante; ou seja, o contracontrole sobre a agência leva seus
membros a se comportarem com compaixão, com ética
27
(Skinner, 1974/1976, p. 210 - 211).
Ao descrever os valores, Skinner é categórico:
O que um dado grupo de pessoas chama de bom é um fato: é o que os membros do
grupo acham reforçador como resultado de sua carga genética e das contingências
naturais e sociais às quais eles foram expostos (Skinner, 1971, p. 122).
Não precisamos gastar muito tempo com a palavra "melhor"; ela é simplesmente o
comparativo de "bom" - good - e bens - goods - são reforçadores (Skinner, 1971, p.
138).
27
Entretanto, não é apenas o contracontrole que leva uma pessoa a tratar a outra bem; isso pode acontecer
também porque: 1) ao tratar bem o outro, fomos reforçados por ele; 2) ferir os membros da mesma espécie
reduziu as chances de sobrevivência da espécie e 3) quando ferimos os outros, fomos feridos por eles (Skinner,
1974/1976, p. 211).
77
Ou seja, a questão principal, também na discussão sobre valores, no Behaviorismo
Radical, é a mudança de foco de determinantes internos para contingências ambientais, de
entidades hipotéticas intangíveis para fenômenos observáveis. Dessa forma, Skinner desfaz a
dicotomia fato versus valor.
Os valores que afetam aqueles que lidam com outras pessoas nos fornecem bons
exemplos da importância dessa mudança de paradigma. Skinner cita aqueles que lidam com
pessoas mais jovens ou com idosos, prisioneiros, psicóticos ou pessoas com necessidades
especiais (Skinner, 1978). Por que essas pessoas muitas vezes são maltratadas? Porque seus
cuidadores não têm compaixão, benevolência, simpatia ou nenhuma consciência? Segundo o
autor, a resposta é não. Skinner afirma que o fato importante é que essas pessoas são
incapazes de estabelecer contracontrole (p. 53).
Procuraremos discutir aqui a Ética skinneriana, no sentido de que Skinner parece ter
elaborado uma reflexão sobre o "dever", sobre o que deve ser feito e sobre valores, sobre o
referencial, o critério, a partir do qual se devem fazer os julgamentos e os planejamentos
culturais. De acordo com Willard Day (1977), Skinner responde afirmativamente à pergunta
sobre se a ciência do comportamento, além de nos dizer como mudar o comportamento, pode
nos dizer quais mudanças devem ser feitas. E essa resposta coloca a teoria skinneriana numa
posição de enorme interesse para a filosofia contemporânea (p. 12).
Já vimos que o fato de o Behaviorismo Radical mudar o foco de um agente interno
para os determinantes ambientais não significa que a teoria negligencia a questão dos valores
(Skinner, 1978, p. 52). Vimos que existe uma "utopia skinneriana", isto é, uma proposta sobre
o que poderia ser feito para tornar o mundo melhor. Entretanto, essa proposta possui um
fundamento ético, um porquê. Por que um Walden II seria melhor para a humanidade? Em
que valor Skinner se baseia para argumentar em defesa da tecnologia do comportamento
como um bom caminho para a humanidade, para a cultura como um todo? "Se uma análise
78
científica pode nos dizer como mudar o comportamento, ela pode nos dizer quais as mudanças
a serem feitas?" (Skinner, 1971, p. 97). Analisaremos, a seguir, como o autor inferiu sua
Ética a partir dos fundamentos do Behaviorismo Radical.
Inicialmente, podemos partir da afirmação de Skinner: "Não há nenhuma verdade
absoluta em juízos de valor" (Skinner em Tobach, 1971, p. 545). Por tudo o que foi visto
sobre a teoria skinneriana até o momento, essa afirmação parece ser bastante coerente. Em seu
texto de 1971 sobre juízos de valor, o autor afirma que queremos utilizar a ciência do
comportamento para "melhorar a condição humana, melhorar nosso modo de vida, avançar
em direção a um mundo melhor. Mas o que significa melhor? O que é bom em uma vida boa?
O que é progresso? Diz-se que essas são questões sobre 'juízos de valor'. Não são questões
sobre fatos, mas sobre como nos sentimos sobre fatos" (Skinner em Tobach, 1971, p. 544).
Então, fazer um juízo de valor é classificar algo em função de seus efeitos reforçadores.
Uma análise ambiental, ao contrário de uma análise que se baseia em determinantes
intrínsecos ao ser humano, tem uma vantagem especial na promoção de um tipo de valor que
se preocupa com o bem da cultura (Skinner, 1978, p. 53). O projeto deliberado, intencional,
de uma cultura significa a introdução de uma prática cultural por causa de suas
conseqüências. Todavia, afirma o autor, tais conseqüências efetivas se encontram no passado,
pois uma mudança na prática é feita porque mudanças similares tiveram certas conseqüências
no passado. Por outro lado, o planejamento da cultura diz respeito ao futuro; logo, o projetista,
o planejador cultural, prescreve o futuro por causa do passado
28
.
É possível entender melhor o projetista cultural estudando eventos anteriores em seu
ambiente que o levaram a defender uma mudança cultural. Tal interpretação do
comportamento do projetista desemboca em questões clássicas a respeito de juízo de valor,
28
No sentido de garantir o futuro, as instituições têm papel importante, pois podem estabelecer contingências
que fortalecem comportamentos com conseqüências remotas (mesmo além da vida do indivíduo que se
comporta). O problema apontado por Skinner é que nem sempre o futuro das instituições é coerente com o futuro
da humanidade.
79
pois a questão é: uma ciência do comportamento pode dizer ao projetista qual mudança
cultural produziria um dado resultado, mas ela pode ditar que tipo de resultado ele deveria
(should) produzir? A expressão “should” nos levaria ao âmbito dos juízos de valor - "gerar
questões não sobre fatos, mas sobre como os homens se sentem sobre os fatos, não sobre o
que o homem pode fazer, mas sobre o que ele deve fazer" (Skinner, 1971, p. 97) -, que é
geralmente entendido como um tipo de conhecimento paralelo ao conhecimento de fato, ao
qual se restringiria a ciência. Skinner se pergunta se o planejamento de uma cultura precisaria
ir além da ciência, até o campo dos juízos.
Sua resposta é afirmativa, mas, como fez em relação à mente, ele dá outra definição
para os bens, os valores e, portanto, para os juízos de valor. Desse modo, a ciência do
comportamento pode ir também ao campo dos juízos, mas, neste caso, eles não se referem
mais a algo transcendental, metafísico, mental ou a qualquer outro tipo de objeto imaterial,
com uma ontologia diferente das coisas do mundo. Da mesma forma como a mente, com sua
definição funcional dada pelo Behaviorismo Radical, pode ser objeto de estudo da ciência do
comportamento, assim também os valores, com sua definição funcional estabelecida pelo
Behaviorismo Radical, podem ser objeto da ciência do comportamento. A ciência do
comportamento é, afirma Skinner, uma ciência dos valores (Skinner, 1971, p. 99), pois: os
juízos de valor se referem ao que uma pessoa sente sobre determinado fato; esse sentimento é
um dos efeitos do reforçamento e o reforçamento operante é objeto da ciência do
comportamento.
Segundo o autor (Skinner, 1978, p. 52), há um erro na expressão "juízo de valor", pois
ela pressupõe que um agente interno iniciador deve julgar as coisas como boas ou ruins. De
forma coerente com o Behaviorismo Radical, uma origem muito mais efetiva dos valores
deve ser encontrada nas contingências ambientais. O que é considerado bom são reforçadores
positivos, que reforçam por causa das contingências de sobrevivência sob as quais uma
80
espécie evoluiu. O que chamamos de ruim são reforçadores negativos (Skinner, 1971, p. 98).
Desse modo, a filogênese estabeleceu reforçadores que, paralelamente, fortalecem o
comportamento e nos fazem sentir bem
29
. Então, valores são reforçadores - e, nesse sentido,
são fatos - enquanto que os juízos de valor são respostas verbais a respeito do que uma
pessoa sente sobre determinados fatos. Todos os reforçadores derivam seu poder, direta ou
indiretamente - por condicionamento - da seleção natural. Fazer um juízo de valor chamando
algo de bom ou de ruim é fazer uma classificação em termos dos efeitos reforçadores. A
classificação é importante quando os reforçadores começam a ser usados por outras pessoas
(p. 99) e por grupos organizados.
Dessa forma, é possível afirmar que o Behaviorismo Radical pode também sustentar
uma ciência dos valores. Para tornar isso possível, ao menos teoricamente, Skinner
implementou uma modificação ontológica em modelos filosóficos tradicionais que, ao mesmo
tempo em que consideravam mente e corpo como coisas substancialmente diferentes, também
entendiam que fatos pertenciam ao mundo material e valores pertenciam ao mundo imaterial,
composto por algum outro tipo de substância. Ou seja, de modo coerente com o fim do
problema mente / corpo, Skinner põe fim ao problema fato / valor ao considerar que os
valores podem ser objeto de uma ciência do comportamento. O autor entende como
necessariamente mentalista qualquer busca por fundamentos racionais adequados para
justificar juízos éticos (Willard Day, 1977, p. 8). E, considerando que a busca das relações
lógicas entre fato e valor é a questão central da filosofia ética (p. 9), poderíamos concluir, da
argumentação de Skinner, que, por causa da sua ciência dos valores, a filosofia ética perderia
grande parte de sua utilidade, senão totalmente.
29
Há casos em que essa conexão não ocorre: pode haver um evento que fortaleça determinada resposta, mas que,
por outro lado, não provoque sentimentos considerados bons. Este caso demonstra a posição privilegiada do
analista do comportamento, pois, mesmo com relação à análise dos valores, ele está em melhor posição que o
próprio indivíduo que sente: o que é bom é o que fortalece, mas não necessariamente o que gera sentimentos
bons. Isso aponta para o fato de que "um falante nem sempre descreve acuradamente seus bens pessoais"
(Dittrich, 2004, p. 223).
81
De fato, a ciência dos valores de Skinner pode ir além da simples descrição dos
valores e dos juízos de valor. Ela pode ditar o que é o melhor a ser feito para a cultura, pois o
projetista cultural, ao dizer o que deveria ser feito, elabora nada mais do que uma descrição e
predição de conseqüências. Por isso, segundo Skinner, não é verdade que proposições
contendo expressões do tipo "deveria" - should” - não tenham lugar no discurso científico
(Skinner, 1953). Há, de acordo com o autor, ao menos um uso para o qual uma tradução
aceitável pode ser feita. Por exemplo, a sentença “Você deveria levar o guarda-chuva” pode
significar: “Você será reforçado se levar o guarda-chuva”. No sentido de que implica que
levar o guarda-chuva será reforçador, uma sentença como "você deve levar o guarda-chuva" é
um juízo de valor. Ou, mais detalhadamente: manter-se seco é reforçador para você, levar o
guarda-chuva mantém você seco na chuva e vai chover (p. 429).
Todas estas proposições, segundo Skinner, estão no campo da ciência. Além disso, a
expressão “deveria” é bastante utilizada no controle exercido pelo grupo ético, governamental
e religioso. Então, a frase “Você deveria levar o guarda-chuva” pode ser aversiva, logo o
indivíduo pode se sentir culpado se não obedecer e, conseqüentemente, ele obedecerá. Isso,
segundo Skinner, não é mais que um comando implícito e não possui mais conexão com um
juízo de valor do que com uma proposição científica de fato. A proposta de um projetista
cultural pode ser uma descrição de contingências e predição de conseqüências. Às vezes, elas
são facilmente especificáveis, como quando se diz que o grupo deveria desaprovar o roubo
porque seus membros evitarão a perda de propriedade. Outras vezes, as conseqüências são
menos óbvias, como quando se propõe evitar o controle aversivo na educação (Skinner, 1953,
p. 430). De acordo com Willard Day (1977, p. 10), o ponto é que não há nenhuma grande
diferença entre falar sobre valores e falar sobre fatos, pois ambos dizem respeito a respostas
discriminativas. O mundo dos valores, para Skinner, é o mesmo do mundo dos fatos.
82
Sentenças com should em contingências nas quais uma pessoa é induzida a se
comportar pelo bem dos outros trazem questões mais difíceis:
"Você deve contar a verdade" é um juízo de valor na medida em que se refere a
contingências reforçadoras. Poderíamos traduzir da seguinte forma: "Se você é
reforçado pela aprovação de seus companheiros, você será reforçado quando contar
a verdade". O valor deve ser encontrado nas contingências sociais mantidas com
propósitos de controle. (Skinner, 1971, p. 107).
De acordo com o autor, a questão crucial com relação a valor refere-se a outro
significado da palavra “deveria”, no qual conseqüências mais remotas estão implicadas.
Haveria um paralelo científico para este tipo de valor? Para Skinner, esse valor se refere à
sobrevivência da cultura. Há um terceiro tipo de seleção, conforme vimos no Capítulo 3 do
presente trabalho, que se refere às práticas culturais, cujo processo é o seguinte: o grupo adota
determinada prática que, como parte do meio social, modifica o comportamento dos membros
do grupo. O comportamento resultante pode afetar o sucesso do grupo em competição com
outros grupos ou com o meio não social. Práticas vantajosas para esse sucesso tendem a ser
características de grupos que sobrevivem e, por isso, perpetuam essas práticas. Assim, diz-se
que elas têm valor de sobrevivência.
Então, Skinner propõe: a sobrevivência poderia ser o critério de acordo com o qual
uma dada prática cultural pode ser avaliada. O critério é relativo, porque uma cultura boa em
uma época pode não o ser em outra. Como sobrevivência pressupõe competição, mesmo que
com o ambiente não social, parece não ser possível definir uma cultura como boa na ausência
de competição (Skinner, 1953, p. 431).
No texto de 1971, Skinner afirma que, ao se tornar claro que uma cultura pode
sobreviver ou perecer, alguns de seus membros podem começar a agir para promover a
sobrevivência dela; surge, então, um terceiro valor que pode afetar aqueles que estão em
83
posição de fazer uso de uma tecnologia do comportamento; esse valor é o bem da
cultura. As linhas gerais de uma tecnologia já estão quase esclarecidas. Fala-se, então, em
modificação do comportamento: o comportamento pode ser modificado ao se modificarem as
condições das quais ele é função. O autor considera (Skinner, 1971) que tal tecnologia é
eticamente neutra, pois não há nada numa metodologia que determine os valores que
governam seu uso. Contudo, afirma que “nós nos preocupamos aqui, entretanto, não
meramente com práticas, mas com o planejamento da cultura como um todo, e o valor de
sobrevivência de uma cultura então emerge como um tipo especial de valor” (p. 143).
Portanto, uma tecnologia do comportamento é eticamente neutra, porém o uso que se faz dela
no planejamento da cultura como um todo deve se basear em algum tipo de valor; então,
Skinner elege seu valor: a sobrevivência da cultura.
Os outros dois são os bens pessoais, que são reforçadores por causa da carga genética
humana, e os bens dos outros, que são derivados dos reforçadores pessoais
30
. Os bens dos
outros têm sua origem nos bens pessoais que são usados no controle do comportamento de
outras pessoas. "Os bens dos outros se tornam particularmente poderosos quando os 'outros'
são organizados" (Skinner em Tobach, 1971, p. 545), isto é, o controle intencional “pelo bem
dos outros” se torna mais poderoso quando é exercido por organizações religiosas,
governamentais, econômicas e educacionais (Skinner, 1971, p. 110). O indivíduo pode até
mesmo morrer por seu país ou em defesa de sua religião.
Considerando-se que não é possível derivar reforçadores atuais de algo tão remoto
quanto a sobrevivência da cultura, por que alguém deveria considerar a sobrevivência de sua
cultura como um bem? Skinner afirma que o que uma pessoa sente sobre a sobrevivência de
30
Com relação aos reforçadores primários, produtos da filogênese, Skinner esclarece: "O homem desenvolveu
uma estrutura, uma natureza humana, se preferir, em relação à qual certas coisas são boas, no sentido de que elas
aumentam a probabilidade de ele se comportar de determinadas maneiras quando [o comportamento é] seguido
de tais coisas. Essas coisas também são agradáveis [feel good], mas não é por isso que são reforçadoras"
(Skinner em Tobach, 1971, p. 545).
84
sua cultura dependerá das medidas usadas pela cultura para induzir seus membros a trabalhar
pela sobrevivência dela. As medidas explicam o apoio e os sentimentos são subprodutos.
O ponto filosoficamente interessante é que, ao considerar a sobrevivência da cultura
como um valor, Skinner deriva o valor de sobrevivência, não no nível psicológico, mas num
nível semelhante a um evolucionismo social não-teleológico (Willard Day, 1977, p. 16), ou
seja, numa teoria sobre a evolução da cultura baseada em conceitos não finalistas.
No Capítulo 4, discutimos a preocupação de Skinner com o futuro da humanidade:
poluição, guerra, esgotamento de recursos naturais. Vimos que, segundo o autor, essa situação
não pode ser resolvida pelo controle de agências cujo futuro é garantido às custas do futuro do
planeta. Tanto os bens pessoais como os bens dos outros parecem, na opinião do autor, não
ter muito a oferecer enquanto guias para aqueles que fazem algo pelas práticas culturais
(Skinner em Tobach, 1971, p. 548). Esse papel caberia ao terceiro tipo de valor e se refere ao
bem da cultura.
Em seu texto de 1969, o autor afirma que a cultura é uma “coisa” que tem vida própria
e que pode, portanto, sobreviver ou perecer. Ao mesmo tempo, essa "coisa" é um sistema
dinâmico - ongoing system (Skinner em Tobach, 1971, p. 548). Skinner considera que a
sobrevivência de uma cultura considerada apenas como um conjunto de práticas, consideradas
à parte daqueles (quite apart from those) que as praticam, pode ser tomada como base para
um planejamento.
E, na defesa da sobrevivência enquanto bem da cultura, o autor tenta argumentar
perguntando-se por que alguém deveria se preocupar se seu modo de vida sobrevive ou
contribui para o modo de vida do futuro. E responde que “não há nenhuma boa razão, mas se
sua cultura não o convenceu de que há, pior para ela” (Skinner, 1969, p. 40; em Tobach, 1971,
p. 549). Gostemos ou não, sobrevivência é o valor pelo qual seremos julgados. A cultura que
85
leva a sobrevivência em consideração tem mais chances de sobreviver (p. 46). O principal
problema, segundo Skinner, é que é difícil prever futuras conseqüências de novas práticas.
Muito do que uma pessoa faz para promover a sobrevivência de uma cultura não é
intencional, ou seja, não é feito porque aumenta o valor de sobrevivência. Uma cultura
sobrevive se aqueles que a sustentam sobrevivem, e isso depende em parte de certas
suscetibilidades genéticas ao reforçamento. Práticas que induzem o indivíduo a trabalhar pelo
bem dos outros provavelmente promoverão a sobrevivência dos outros e, assim, a
sobrevivência da cultura que os outros sustentam. Instituições podem derivar reforçadores
efetivos de eventos que ocorrerão somente após a morte do indivíduo. O indivíduo não é
diretamente afetado por esses eventos, ele simplesmente ganha reforçadores condicionados
usados pelos outros membros de sua cultura. Para Skinner, não é necessário explicar a origem
das práticas culturais para explicar a sua contribuição para a sobrevivência da cultura. O fato é
que uma cultura que, por qualquer razão, induz seus membros a trabalhar pela sobrevivência
dela ou de algumas de suas práticas mais provavelmente sobreviverá. “Sobrevivência é o
único valor de acordo com o qual uma cultura pode ser eventualmente julgada e
qualquer prática que promova sobrevivência tem valor de sobrevivência por definição”
(Skinner, 1971, p. 130) [grifo nosso].
Uma cultura deve permanecer relativamente estável, mas ela precisa se modificar para
aumentar seu valor de sobrevivência. Ao falar sobre criatividade, Skinner afirma que as
mudanças que explicam a evolução da cultura são as novidades, as inovações, as
idiossincrasias provenientes do comportamento dos indivíduos, embora algumas delas sejam
prejudiciais. "Podemos, portanto, aceitar a suposição geral daqueles que defendem a
liberdade, a pesquisa e as ações criativas segundo a qual assim como as variações obviamente
perigosas ou prejudiciais podem ser evitadas ou corrigidas, qualquer coisa que encoraje a
86
individualidade é provavelmente um movimento na direção correta" (Skinner, 1968/2003, p.
171 - 172)
31
.
Na opinião do autor, a cultura que não convence seus membros a trabalhar para a
sobrevivência dela está em desvantagem. Apesar de ser difícil explicar qualquer ação que seja
projetada para fortalecer uma única cultura para toda a humanidade, é possível apontar muitas
razões pelas quais as pessoas deveriam atualmente se preocupar com o bem de toda a
humanidade: os grandes problemas do mundo de hoje são globais, como a superpopulação, a
poluição, a escassez de recursos, um possível desastre nuclear. Nesse sentido, por se
preocupar com o futuro da humanidade, Skinner se definiria como um humanista (Skinner,
1978, p. 54).
Os mesmos três tipos de valor estão presentes no planejamento de práticas culturais,
da cultura como um todo. Se o projetista for um individualista, ele vai planejar um mundo em
que ele esteja sob o mínimo controle aversivo e considerará seus próprios valores como
valores últimos. Se ele tiver sido exposto a um ambiente social apropriado, ele planejará pelo
bem dos outros, possivelmente com a perda de bens pessoais. Mas, se ele se preocupa
primeiramente com o valor de sobrevivência, ele planejará uma cultura tendo em vista se ela
funcionará (Skinner, 1971, p. 144).
Quando uma cultura induz alguns de seus membros a trabalhar por sua sobrevivência,
eles deverão prever, a partir de sinais atuais, algumas dificuldades que a cultura poderá
enfrentar para que seja possível modificar algumas práticas. Às vezes, não é necessário prever
o futuro para perceber alguns caminhos pelos quais a força de uma cultura depende do
comportamento de seus membros: por exemplo, se eles conservam seus recursos naturais, se
31
É importante observar que essa defesa da individualidade é elaborada pelo autor para rebater críticas de acordo
com as quais um ensino baseado na análise do comportamento ameaçaria a criatividade e a individualidade dos
alunos. Por definição, segundo Skinner, um comportamento original não pode ser ensinado, porém é possível
ensinar o estudante a organizar o ambiente de forma a aumentar a probabilidade de ocorrerem respostas originais
(Skinner, 1968/2003, p. 180). Da mesma forma como um estudante criativo deve ser capaz de variar seu
repertório, uma cultura deve variar suas práticas para aumentar suas chances de sobrevivência.
87
eles mantém um ambiente seguro e saudável, se eles transmitem a cultura para as gerações
seguintes e se eles examinam as próprias práticas culturais e experimentam práticas novas,
pois a cultura é muito semelhante ao ambiente experimental utilizado na análise do
comportamento. Ambos são conjuntos de contingências de reforço, portanto, planejar uma
cultura é como planejar um experimento. Porém, num experimento, nos preocupamos com o
que acontece; na cultura, preocupamo-nos se ela funcionará. Esta, de acordo com o autor, é a
diferença entre a ciência e a tecnologia (Skinner, 1971, p. 145 - 146).
Para se aceitar sobrevivência como critério de juízo de uma cultura, parece ser
necessário abandonar princípios como felicidade, liberdade e virtude (Skinner, 1953, p. 432).
Houve épocas em que uma cultura sobreviveu apenas porque submetia parte de seus membros
à escravidão. Sobrevivência aparece tarde entre os então chamados valores porque o efeito da
cultura sobre o comportamento humano e conseqüentemente sobre a perpetuação da própria
cultura pôde ser demonstrado somente quando uma ciência do comportamento humano se
desenvolveu (p. 433).
Há, todavia, segundo Skinner, uma grande dificuldade com relação ao valor de
sobrevivência. Ele não terá um efeito útil no comportamento do projetista cultural a
menos que ele possa realmente calcular o valor de sobrevivência e isso não parece ser
sempre possível. É possível mudar o padrão familiar para deixar as pessoas mais felizes, mas
não temos certeza de que pessoas felizes têm mais chance de sobreviver no mundo atual. As
situações práticas se mostram mais complexas que aquelas controladas em laboratório, por
conterem mais variáveis, sendo algumas delas desconhecidas. Mesmo assim, garante o autor,
a ciência pode contribuir, pois pode chegar a conclusões a partir de processos simples. Além
disso, a demonstração de princípios básicos nos possibilita ver tais processos funcionando em
situações complexas. Outra contribuição de uma ciência rigorosa do comportamento é tornar
efetivo um tipo diferente de conseqüência remota, a longo prazo, quando nos leva a
88
reconhecer sobrevivência como critério para avaliar uma prática de controle. Segundo
Skinner, talvez a maior contribuição de uma ciência do comportamento para a avaliação de
práticas culturais seja a insistência na experimentação. Apesar de a ciência não poder ditar um
curso de ação, ela pode tornar mais provável que o caminho mais adequado seja seguido
(Skinner, 1953, p. 434 - 436).
Mostrando como as práticas governamentais modelam o comportamento dos
governados, a ciência pode nos levar mais rapidamente ao projeto de um governo que
promova o bem-estar dos governados. Geralmente se usam termos como liberdade, segurança,
felicidade e conhecimento para descrever as condições requeridas para tal estado. O critério
de sobrevivência também funciona para o interesse dos governantes e governados. Mas é
possível prever que esse critério poderá tomar primeiro lugar nas considerações daqueles que
se engajam num projeto de cultura. Governo em benefício dos governados é facilmente
classificado como uma questão ética ou moral. Isso não significa que o projeto de governo é
baseado em princípios absolutos de certo e errado, mas que está sob controle de
conseqüências de longo prazo (Skinner, 1953, p. 444). Neste sentido, embora seja possível
condenar a escravidão porque o controle aversivo de um indivíduo é aversivo para outros,
porque é “errado” ou porque é “incompatível com a nossa concepção de dignidade humana”,
uma consideração alternativa no projeto de uma cultura pode ser que a escravidão reduz a
efetividade dos escravizados e tem sérios efeitos sobre os outros membros do grupo.
Para o autor, não há dúvida de que os princípios éticos e morais têm sido valiosos no
projeto de práticas culturais e, provavelmente, os princípios que estão conosco hoje se
mostraram mais valiosos nesse sentido, pois foram selecionados. Mas o valor último de
sobrevivência de nenhum conjunto de princípios está garantido. A ciência pode nos levar mais
rapidamente a reconhecer a força última do governo, ao nos descrever o efeito de uma dada
prática sobre o comportamento e o efeito que aquele comportamento tem para a sobrevivência
89
do grupo. Segundo Skinner, se uma ciência do comportamento puder descobrir as condições
de vida que levam à força última dos homens, ela poderá estabelecer “um conjunto de valores
morais que, por serem independentes da história e da cultura de qualquer grupo, poderá ser
amplamente aceito” (Skinner, 1953, p. 444).
Embora a ciência possa contribuir para o projeto de uma cultura, a pergunta sobre
quem deve se engajar em tal projeto permanece sem resposta. Se olharmos para as
conseqüências de longo prazo para o grupo, a questão é: “Quem deve controlar para que a
cultura sobreviva?”, ou “Quem controlará no grupo que consegue sobreviver?”. O controle
mais efetivo, do ponto de vista da sobrevivência, provavelmente será baseado nas estimativas
mais confiáveis do valor de sobrevivência das práticas culturais. Como a ciência do
comportamento busca demonstrar as conseqüências das práticas culturais, é coerente acreditar
que tal ciência será uma marca essencial nas culturas que sobrevivem.
Isso não significa que os cientistas vão se autoproclamar governantes, nem que alguém
com os métodos e resultados da ciência possa se colocar fora do fluxo da história e tomar a
evolução do governo em suas mãos (Skinner, 1953, p. 446), porque a ciência não é livre, ela
faz parte do curso da história. Se a cultura se fortalece com o fato de sua ciência do
comportamento progredir, pode-se prever que a ciência continuará a evoluir e que a nossa
cultura fará uma contribuição essencial ao ambiente social do futuro.
Em seu texto de 1969, Skinner se pergunta se será a nossa - nesse sentido, acreditamos
que o autor se refere à cultura estadunidense da época - cultura que sobreviverá e contribuirá
mais para a cultura do futuro. Ele acha que sim e dá seus motivos: as pessoas dessa cultura
gostam das vantagens da própria prática de mudar práticas; consideram as conseqüências; são
pragmáticas, isto é, se preocupam com bons resultados; mudam práticas prontamente porque
não são muito presas a revelações ou leis imutáveis e, por razões semelhantes, são livres para
90
seguir uma ciência do comportamento. Acima de tudo, segundo o autor, reconhecem a
necessidade do planejamento explícito de um modo de vida
32
.
Torna-se claro, então, que Skinner nega os valores tradicionais e elege a
sobrevivência da cultura como o referencial, o valor supremo, no qual devem se basear os
planejamentos culturais:
Uma análise científica do comportamento humano e da evolução genética e cultural
não pode fazer da liberdade individual o objetivo do planejamento cultural. O
indivíduo não é uma origem ou fonte. Ele não inicia nada. Nem é ele que sobrevive
(...) O que sobrevive são a espécie e a cultura. Elas vão ‘além do indivíduo’ no
sentido de que elas são responsáveis por ele e sobrevivem a ele [outlive him].
Porém, uma espécie não tem existência alguma sem seus membros ou uma cultura
sem as pessoas que a praticam. É apenas através dos efeitos sobre os indivíduos que
as práticas são selecionadas ou planejadas (Skinner, 1969, p. 48).
Já que a liberdade - e os conceitos relacionados a ela - não pode ser o objetivo do
planejamento cultural sob a ótica do Behaviorismo Radical, esse planejamento deve, então, se
basear no valor de sobrevivência, que passa a ser uma diretriz, uma referência, um ponto de
comparação, uma medida, um critério para o planejador cultural. Portanto, quando Skinner
estabelece esse valor, ele não especifica o que deve ser feito pela sobrevivência da cultura,
mas afirma por que deve ser feito. "O que" será feito com base no mesmo valor pode variar
enormemente de uma cultura para outra.
Todavia, há textos em que o autor explicita "o que" ele acredita ter maior valor de
sobrevivência, ou seja, ele propõe práticas para a cultura. No romance Walden II, ele descreve
a sua utopia, uma comunidade cujas práticas foram planejadas por meio de técnicas
32
Em 1986, a previsão de Skinner está, de certa forma, se cumprindo: o "modo de vida americano" está sendo
espalhado pelo mundo, porém, o autor percebe que a sobrevivência e a supremacia de sua cultura não se deram
da melhor forma possível, pois as pessoas são infelizes, apesar de abastadas.
91
comportamentais. Outras obras não literárias do autor apresentam propostas políticas que se
baseiam em sua Ética, ou seja, no valor de sobrevivência: o governo para o bem-estar dos
governados, o controle face-a-face e os direitos condicionais (ver ANEXO 3). Falamos em
"propostas políticas" porque Skinner se refere a modificações as quais deveriam ser
implementadas no nível da agência de controle chamada Governo. Em todas as suas
propostas, o critério utilizado é o da sobrevivência. E Skinner é categórico: "Sobrevivência é
o único valor de acordo com o qual uma cultura pode eventualmente ser julgada, e qualquer
prática que promova a sobrevivência tem valor de sobrevivência por definição" (Skinner,
1971, p. 130)
33
.
Um fator importante e decisivo é que, embora possamos planejar novas mutações
inventando novas práticas culturais, não sabemos de onde virão outras mutações nem
podemos prever com certeza seu valor de sobrevivência. Não há como alguém prever estágios
mais avançados na história da evolução. "Não está na natureza da evolução que isso seja
possível" (Skinner em Tobach, 1971, p. 551).
O conflito ético
Um grande problema em relação à sobrevivência enquanto valor é que ela é
promovida, muitas vezes, por comportamentos que podem, além de não ter conseqüências
reforçadoras, ter conseqüências punitivas. De certa forma, a cultura corrige disposições inatas
que não estejam de acordo com a cultura. Ao discutir planejamento deliberado da cultura,
Skinner afirma que os reforçadores que as culturas usam para induzir seus membros a
33
Surgem duas questões quanto a práticas culturais e seu valor de sobrevivência. Uma é comentada por Skinner
em 1986 e diz respeito a medidas culturais que tornaram a espécie humana mais suscetível a doenças que antes
não existiam. Outra questão é sobre cuidados com pessoas incapacitadas, que nascem com deficiências físicas ou
mentais. Algumas culturas indígenas têm a prática de matar crianças com necessidades especiais. A nossa cultura
adota a prática oficial de cuidar dessas pessoas. Sob o ponto de vista da ética skinneriana, qual das duas práticas
fortalece mais a cultura, qual das duas teria maior valor de sobrevivência e, deveria, portanto, ser adotada?
92
trabalharem pela sobrevivência da cultura estão geralmente em conflito com os reforçadores
pessoais (Skinner, 1971, p. 168 - 169).
É possível que contingências ontogenéticas determinadas por práticas culturais sejam
incompatíveis com algumas suscetibilidades filogenéticas. Isso é, de certa forma, descrito por
Skinner no relato de um experimento em que um pombo faminto estava sendo treinado para
guiar mísseis. O reforçamento era feito com comida e em um esquema que gerava uma alta
taxa de respostas, as quais consistiam em bicar um alvo projetado num disco plástico. O
pombo começou a bicar a comida na mesma freqüência com que bicava o alvo. A taxa de
respostas era tão alta que ele não conseguia mais comer e começou a ficar faminto. Pode-se
conclui então que contingências ontogenéticas suprimiram uma das mais poderosas atividades
filogenética: se alimentar. Daí é possível inferir que o comportamento de homens civilizados
mostra o quanto as variáveis ambientais podem esconder um repertório herdado da filogênese
(Skinner, 1969, p. 192 - 193).
Segundo Skinner, a Ética é uma referência ao bem geral do grupo como um todo agora
e, principalmente, no futuro. É o princípio que mantém o grupo a longo prazo. “A Ética é
principalmente uma questão do conflito entre conseqüências imediatas e remotas” (Skinner,
1987, p. 6). Importantes processos de auto manejo estão nos campos da Ética e da moral, onde
os conflitos entre conseqüências imediatas e remotas são considerados (Skinner, 1978, p. 52).
A espécie humana criou um mundo em que algumas de suas suscetibilidades genéticas a
reforçamento, ou seja, produtos de sua filogênese, estão ultrapassadas. Por exemplo, fazer
sexo é extremamente reforçador, mas em um mundo em que há o perigo da superpopulação, a
procriação pode trazer conseqüências aversivas a longo prazo e prejudiciais ao grupo. É papel
da cultura selecionar práticas que favoreçam a sobrevivência do grupo. Aqui está o principal
problema da Ética: o conflito entre conseqüências imediatas e conseqüências futuras.
93
O que é bom para um nível de seleção pode ser ruim para um outro nível. E não há
nada de inconsistente ou contraditório nesses usos de "bom" e "ruim", ou em qualquer outro
juízo de valor, desde que seja especificado o nível de seleção (Skinner, 1981, p. 504). As
contingências estabelecidas pelas agências de controle as quais induzem os indivíduos a
agirem pelo "bem dos outros" podem se tornar muito poderosas, a ponto de encobrir
contingências envolvendo reforçadores pessoais. Então o indivíduo pode ficar sob um
controle excessivo ou conflitante (Skinner, 1971, p. 111). Isso ocorre quando as regras
religiosas impedem o sexo antes do casamento, ou quando um morador de rua faminto
observa os clientes de um elegante restaurante se esbaldando com pratos caros, ou quando a
criança não pode brincar porque precisa estudar, ou quando consumidores passam horas nas
filas dos shoppings em época de Natal, ou quando um militar vai à guerra para defender seu
país. Poucos exemplos dentre tantos possíveis nos quais os "bens pessoais" e os "bens dos
outros" estão em conflito.
Skinner nega que defenda o sacrifício de liberdades pessoais pelo bem da cultura
(Skinner, 1978, p. 197). Ele defende o bem da cultura. Entretanto, diz que o sacrifício
dependerá de como as pessoas são induzidas a trabalhar por esse valor. Se o controle for
aversivo, haverá sacrifício, mas, se o controle ocorrer por reforçamento positivo, não haverá
sacrifício e as pessoas se sentirão mais livres (p. 197 - 198), sentirão que lutam pelo bem da
cultura porque querem, por vontade própria. Isso pode ser confirmado desde a Grécia antiga.
Dodds, segundo Skinner (1971, p. 104 - 105), diz que os gregos homéricos lutaram com
grande entusiasmo para atingir não a felicidade, mas a estima de seus companheiros. Nesse
sentido, a felicidade, afirma Skinner, pode ser tomada como representante dos reforçadores
pessoais que podem ser atribuídos ao valor de sobrevivência e a estima pode representar
alguns dos reforçadores condicionados utilizados para induzir uma pessoa a se comportar pelo
bem dos outros. Porém, observa ele, todos os reforçadores condicionados derivam seu poder,
94
em última instância, dos reforçadores pessoais e, dessa forma, da história evolutiva da
espécie.
Uma cultura pode induzir um herói a morrer por seu país ou por sua religião. Porém
Skinner esclarece que o sacrifício pessoal pode ser um exemplo dramático de conflito de
interesses entre o grupo e seus membros, contudo isso seria produto de um mau planejamento.
Sob contingências melhores, o comportamento que fortalece a cultura pode ser altamente
reforçador (Skinner, 1969, p. 41). Então, a preocupação ética fundamental de Skinner é que
devemos analisar as condições ambientais das quais o comportamento do indivíduo é função
para que possamos planejar práticas culturais melhores, que promovam o bem individual, o
bem maior para o maior número de pessoas [the greatest good of the greatest number] e o
bem da cultura ou da humanidade como um todo (Skinner, 1978, p. 55).
É preciso deixar claro que, numa discussão sobre o que é melhor, existe pouco espaço
para afirmações categóricas, que sejam absolutamente verdadeiras. A Ética skinneriana, ao
tomar parte nessa discussão, propõe seu valor, seu bem supremo. Contudo, apesar da
insistência na promoção do valor de sobrevivência, Skinner reconhece a impossibilidade de
haver critérios absolutos que justifiquem a eleição de seu valor, ou de qualquer outro. Ele
afirma: “Não me pergunte por que eu quero que a humanidade sobreviva. Eu posso lhe dizer
por que apenas no sentido em que o fisiologista pode dizer por que eu quero respirar”
(Skinner, 1972, p. 36). Ou seja, o autor não pode lançar mão de critérios absolutos para
justificar por que ele elegeu a sobrevivência como valor supremo de uma cultura. Ele pode,
isso sim, explicar (aqui, entenda-se explicar como descrever) por que elegeu o bem da cultura
baseando-se em pressupostos científicos - e certamente ele se referia à ciência do
comportamento -, assim como faria um fisiologista se fosse chamado a explicar por que ele
quer respirar.
95
De acordo com o autor, é possível - e já vem sendo feito de várias maneiras diferentes
- induzir o homem a trabalhar pelo fortalecimento da humanidade como um todo. Contudo,
seria um erro tentar justificar isso em algum sentido absoluto. "Não há nada
fundamentalmente certo em relação à sobrevivência de uma cultura, não mais do que existe de
fundamentalmente correto sobre o conjunto de traços que define uma espécie" (Skinner em
Tobach, 1971, p. 550).
Epílogo
Em 1986, em um de seus últimos textos, Skinner se refere a uma parte do mundo, à
qual ele dá o nome de Mundo Ocidental. O autor afirma que a população que vive sob as
democracias ocidentais atingiram um grau razoável de afluência, liberdade e segurança;
porém, essas pessoas não são felizes. Então há algo de errado no modo de vida ocidental e que
não deveria ser copiado pelo restante da população do planeta. Talvez seja estranha essa
preocupação recente de Skinner com a felicidade. O que importava não era a sobrevivência da
cultura? Não é esse o valor supremo? No entanto, ele se vê numa sociedade cujo futuro parece
estar garantido, onde parece haver uma estabilidade e cujo modo de vida se espalha por todo o
mundo; todavia, mesmo com tudo isso, as pessoas estão infelizes. Então, o que o autor havia
prescrito em 1969 - que o problema não é planejar um modo de vida do qual os homens de
hoje vão gostar, mas um modo de vida do qual aqueles que viverão nele irão gostar - parece
negligenciar algo de fundamental.
Skinner afirma que a felicidade não é o problema mais sério no mundo, mas - para
nossa surpresa - pode-se dizer que seja o problema final (Skinner, 1986, p. 568). Nesse
sentido o autor parece pender para uma nova Ética que talvez pudesse ser adicionada à
primeira, cujo valor fundamental era a sobrevivência da cultura. Nessa nova Ética, além da
96
pergunta: de que modo essa prática promoverá a sobrevivência da cultura?, poderíamos
supor uma pergunta do tipo: de que modo essa prática promoverá a felicidade dos
indivíduos? Essa modificação já se delineava no texto de 1969, quando ele afirma que, numa
cultura bem planejada, o comportamento que fortalece a cultura poderia ser altamente
reforçador (Skinner, 1969, p. 41). Logo, os sentimentos, como a felicidade, continuam sendo
subprodutos das contingências estabelecidas numa cultura. Todavia, sob o ponto de vista
ético, isto é, sob o ponto de vista do referencial para planejamentos futuros, Skinner passa a
dar maior ênfase à felicidade.
O autor busca, então, explicar, por meio de seu arcabouço teórico, o que há de errado
nesse modo de vida em que as pessoas são abastadas, porém infelizes. E conclui que o
problema está em práticas culturais que evoluíram por causa dos efeitos prazerosos do
reforçamento e deixaram de lado boa parte de seu efeito fortalecedor. Para Skinner, a solução,
e não apenas a análise do problema, pode, como desde sempre defendeu o autor, ser
encontrada na ciência do comportamento (Skinner, 1986, p. 574).
Aqui caberia uma longa discussão a respeito dos dois efeitos do reforçamento. Vamos
apontá-la apenas: conforme afirmou o autor, um efeito do reforço pode ser observado
externamente e o outro efeito só pode ser observado introspectivamente. O primeiro é
fortalecedor e o segundo é prazeroso. Ele afirma, ademais, que as pessoas estão infelizes em
sua sociedade porque, apesar de viverem numa cultura abastada, as práticas culturais
evoluíram por causa daquele efeito que só pode ser observado introspectivamente e não por
causa do efeito fortalecedor. Se, para o autor, felicidade e prazer forem termos equivalentes, o
que não parece ser o caso, sua argumentação é falha. Então, qual a relação entre felicidade e
prazer
34
, já que os dois termos se referem a sentimentos, a efeitos do reforço que só podem ser
34
As pessoas não agem para evitar a dor ou aumentar o prazer, mas sim para evitar coisas dolorosas ou conseguir
coisas prazerosas. O importante não é o sentimento, mas a coisa sentida. As únicas coisas boas são reforçadores
positivos e as únicas coisas ruins são reforçadores negativos (Skinner, 1971, p. 102).
97
introspectivamente observados? Se as práticas evoluíram por causa dos efeitos
introspectivamente observados como bons, prazerosos, e não por causa do efeito fortalecedor,
por que as pessoas não se sentem bem, não são felizes?
Capítulo 6 - Tensão entre descrição e prescrição
Skinner defende, de maneira veemente, a sobrevivência da cultura como o valor
primordial, principal, superior e afirma que essa eleição decorre da análise do processo de
seleção por conseqüências. O autor entende que o bem da cultura deve controlar o
comportamento do planejador cultural e tenta argumentar que esse bem decorre de sua ciência
dos valores. Afirmamos que aí está a tensão citada no título deste capítulo, pois Skinner não
apenas explica, não apenas descreve esse valor sob o viés do Behaviorismo Radical; ele elege
esse bem como o mais adequado entre os três - bens pessoais, bens dos outros e bem da
cultura - para controlar o comportamento de quem projeta práticas culturais.
Desse modo, entre explicação do bem da cultura e eleição do bem da cultura - e
considerando que a eleição não decorre necessariamente da explicação, como tentaremos
argumentar a seguir - Skinner não estabelece uma divisão categórica. Então, somos levados
pelo autor a entender que a eleição pertence ao campo descritivo da ciência, ou seja, que a
prescrição está incluída na descrição - já que Skinner entende que a ciência substitui a noção
da causa pela de função e a noção de explicação pela de descrição. Com isso, queremos dizer
que a tensão está na ausência de uma separação, no texto skinneriano, entre suas afirmações
controladas apenas pelas pressupostos do Behaviorismo Radical - o que chamamos de aspecto
descritivo - e suas afirmações controladas por outros fatores além daqueles que podem ser
encontrados no Behaviorismo Radical - o que chamamos de aspecto prescritivo.
98
Até onde Skinner explica que não existe algo imaterial, transcendental, ou mentalista
com relação aos valores e descreve o que são os valores e quais são os três valores de certa
forma derivados dos três níveis de seleção, ele cumpre o papel descritivo do cientista e chega,
de forma coerente, a desfazer o problema fato versus valor, do mesmo modo como desfez o
problema mente versus corpo: 1) o que existe é o comportamento; 2) os comportamentos são
controlados pelo ambiente; 3) para explicar comportamentos, devemos recorrer à história de
seleção por conseqüências nos três níveis: da espécie, do indivíduo e da cultura; 4) portanto,
considerando respostas verbais do tipo: "isso é bom", "não deve fazer isso", "aquilo é o
melhor a fazer", geralmente interpretadas como juízos de valor, podemos explicá-las
recorrendo apenas às histórias de seleção por conseqüências. Dessa forma, a ciência do
comportamento pode ser, de modo coerente, considerada uma ciência dos valores, como
queria Skinner.
Por outro lado, Skinner considera o bem da cultura como o principal valor. Para
explicar essa eleição, ele afirma, algumas vezes, que não há nenhuma boa razão para ela e que
apenas pode explicar por que quer a sobrevivência da humanidade no mesmo sentido em que
um fisiólogo pode explicar por que ele quer respirar. Supomos que Skinner consideraria uma
boa razão aquela que pudesse ser fundamentada apenas no próprio Behaviorismo Radical.
Isso, de fato, não ocorre, pois poderíamos, sob o mesmo arcabouço teórico, eleger os bens
pessoais ou os bens dos outros. Então, quais seriam as razões de Skinner? Poderíamos tentar
explicar por que Skinner elegeu o bem da cultura recorrendo à sua história pessoal de
contingências. Obviamente, este não é o local mais apropriado para tamanha empreitada,
porém, pretendemos apontar apenas que, em seu aspecto prescritivo, que o autor não cita
como tal, a teoria skinneriana tem seus determinantes para além da própria teoria, da própria
ciência - o que não implica que não possa ser explicado por ela.
99
Queremos dizer, com tudo isso, que o Behaviorismo Radical fundamenta uma ciência
dos valores e uma Ética. Todavia, a Ética originada do Behaviorismo Radical não pode ser
defendida de maneira coerente quando recorremos apenas ao Behaviorismo Radical, pois, a
"boa razão" que Skinner não tinha deve estar em outro lugar. Se ela estivesse na própria
teoria, o autor certamente a haveria encontrado e a consideraria "boa".
A falácia naturalista
Skinner pode, a partir da tensão entre descrição e prescrição presente em seus textos,
ser acusado de cometer a falácia naturalista. Conforme Dittrich (2004):
Se valores estão nas contingências, valores são objeto de estudo da ciência. A
tradicional objeção a esse posicionamento faz referência às diferenças entre "é" e
"deve", descrição e prescrição, fato e valor: não poderíamos transitar de um ao outro
(e, se o fizéssemos, cometeríamos a "falácia naturalista"). Logicamente, isso é correto
(...) Mas, como vimos, o apelo à lógica não é comum na obra de Skinner.
Segundo Abbagnano (2000), falácia é o termo com que os indicaram o silogismo
sofístico de Aristóteles e, segundo Pedro Hispano, a falácia é a idoneidade fazendo crer que é
aquilo que não é, mediante alguma visão fantástica, isto é aparência sem existência. Vejamos
o que significa o termo falácia naturalista e se a acusação procede.
No início do século XX, houve um movimento na filosofia que ficou conhecido como
"virada lingüística", a qual transformou efetivamente a linguagem em objeto de reflexão
filosófica. Nesse contexto, a Ética passou a questionar a distinção entre sentenças declarativas
e normativas. Segundo Lunardi (2003), a partir da "virada lingüística", a filosofia que tratou
principalmente do esclarecimento dos conceitos e definições passou a ser chamada de
"filosofia analítica", a qual foi dividida historicamente em duas vertentes metodológicas
principais. A primeira vertente foi chamada de "filosofia da linguagem ideal" e tem como
100
modelo as ciências exatas, principalmente a lógica matemática, desenvolvida principalmente
por Russel e Frege. O jovem Wittgenstein, Carnap e Quine também eram adeptos da idéia.
A segunda vertente da "filosofia analítica", chamada de "filosofia da linguagem
ordinária" tem suas origens nos trabalhos escritos pelo filósofo inglês G. E. Moore, no início
do século passado, tendo sido desenvolvida por Wittgenstein, a partir da década de 30 e, em
seguida, pelos filósofos da chamada Escola de Oxford: Ryle, Austin, Strawson e Hare. Os
filósofos da linguagem ordinária consideram que a filosofia não deve, de maneira alguma,
modificar o uso natural ou ordinário de nossas expressões, forçando-o a se adaptar a
pressupostos metafísicos sugeridos pela lógica matemática. O filósofo analítico não deve
deixar-se orientar excessivamente pelos métodos formais da lógica, pois isso cega para o
significado ou uso efetivo de nossas expressões, o único em que elas fazem verdadeiramente
sentido. Ele deve orientar-se essencialmente por uma investigação esclarecedora dos modos
de uso, dos significados concretos das expressões em nossa linguagem ordinária, a qual serve
como instância última de decisão (Lunardi, 2003).
Essa breve contextualização foi feita para que seja introduzido o conceito de falácia
naturalista. Este termo foi cunhado por George Edward Moore, em cujos trabalhos se
originou a segunda vertente da "filosofia analítica", como dito anteriormente. Em 1903,
Moore abre o seu Principia Ethica, afirmando que as dificuldades e a falta de consenso no
campo da Ética se devem principalmente à tentativa de se responder a questões sem antes se
descobrir precisamente a qual pergunta se quer responder.
Segundo Moore (1903/2004, p. 35), todas as questões éticas pertencem a uma das três
classes. A primeira classe contém apenas uma questão, que se refere ao significado do
predicado bom, em relação ao qual a Ética deve ser definida. O que significa bom? Qual a
natureza desse predicado? Quanto a essa primeira classe, Moore dá a resposta: esse predicado
é simples, não analisável e indefinível. No prefácio do Principia Ethica, Moore afirma que
101
proposições referentes à primeira classe são intuições, no sentido de que não podem ser
provadas.
As outras duas classes de questões éticas se referem à relação do predicado bom com
as coisas. Quais coisas são boas em si mesmas? Qual a relação causal entre as coisas boas em
si mesmas e as outras coisas, ou seja, como é possível tornar as outras coisas melhores? Essas
duas questões definem as duas outras classes possíveis de questionamentos éticos. A falácia
naturalista é cometida por aqueles que confundem perguntas do primeiro tipo com perguntas
do segundo tipo, isto é, confundem o significado de bom com o que é bom em si mesmo, pois,
ao tentar encontrar o que é bom em si mesmo, assumem que isso define o que significa bom.
A falácia naturalista implica que, quando pensamos que algo é bom, estamos pensando
que essa coisa a qual damos o predicado de bom possui uma relação com uma outra coisa, um
objeto natural, em referência a qual o bom é definido. A falácia consiste em identificar a
noção simples que entendemos por bom com alguma outra noção (Moore, 1903/2004, p. 58).
Ou seja, a crítica de Moore está endereçada a teorias que supõem que o bom pode ser definido
com referência a um objeto natural. Ele nega que bom seja uma propriedade de certos objetos
naturais, embora alguns deles possam ser bons; porém o "bom" em si mesmo não é uma
propriedade natural. Bom não significa, por definição, nada que seja natural. Se algo natural é
bom sempre será uma questão em aberto.
Tais teorias, ele define como pertencentes à Ética Naturalista
35
. Essas teorias declaram
que apenas podemos encontrar um valor intrínseco na presença de determinada propriedade
natural; ser bom significa a posse dessa propriedade. O método da Ética Naturalista consiste
em substituir por "bom" alguma propriedade de um objeto natural ou de um conjunto de
objetos naturais - como amarelo ou verde, doce ou amargo, que gera vida ou que gera prazer,
desejado ou sentido - e, assim, substituir a Ética por alguma das ciências naturais, geralmente
35
Moore observa que uma Ética Metafísica se baseia no mesmo tipo de falácia (Moore, 1903/2004, p. 39).
102
por aquelas cujo objeto de estudo é a conduta humana, como a psicologia ou a sociologia.
Para Moore, é um erro considerar que a Ética está restrita à conduta humana.
O autor de Principia Ethica analisa, entre outras coisas, em seu capítulo Ética
Naturalista (Naturalistic Ethics), a doutrina ética de Herbert Spencer, semelhante a outras
teorias éticas da época que se baseavam na teoria da seleção natural, apesar de cometerem
falhas. De acordo com Moore, a doutrina ética de Spencer mantém que o curso da evolução
nos mostra a direção em que estamos nos desenvolvendo, ao mesmo tempo em que sustenta
que, por essa razão, o curso da evolução nos mostra a direção para a qual devemos no
desenvolver (Moore, 1903/2004, p. 46). Essa inferência é falaciosa, segundo Moore, pois a
teoria da evolução nos mostra apenas quais são as causas que produzem certos efeitos
biológicos, sem julgar se esses efeitos são bons ou ruins. Se enunciamos que o mais apto
sobrevive, com base na teoria da evolução, significa apenas a tendência do mais apto a
sobreviver. Isso não implica que "mais evoluído" significa "melhor".
Segundo Moore, Spencer afirma que certos tipos de conduta são mais evoluídas e, por
isso, ganham sanção ética. Esse raciocínio apresenta falhas, pois negligencia um passo
essencial e representa o tipo de falácia cometida por aqueles que buscam basear a Ética
na Evolução. Por outro lado, Spencer dá outro critério ético: que a vida seja agradável. Então,
a vida é considerada boa se ela traz sentimentos agradáveis. Ele considera que o objetivo
moral último é um estado de sentimentos agradáveis, que pode ter nomes diferentes:
felicidade, alegria, gratificação e assim por diante. Spencer esclarece que a conduta mais
evoluída é melhor porque: 1) tende a produzir mais vida e 2) vale a pena ser vivida - is "worth
living" - ou contém um saldo de prazer. Essas são as duas condições que, juntas, são
suficientes para provar que a conduta mais evoluída é melhor.
Então Moore afirma que, na verdade, Spencer nos deixa na dúvida sobre se ele
sustenta uma posição evolucionista e defende que a conduta mais evoluída é melhor
103
simplesmente porque é mais evoluída e se, ao mesmo tempo, sustenta uma posição hedonista
e defende que a conduta mais agradável é melhor apenas porque é mais agradável. Nesse
sentido, Spencer comete a falácia naturalista, pois imagina que agradável ou que produz
prazer são o próprio significado da palavra bom. Moore diz que isso é absurdo.
O ponto principal da crítica de Moore a teoria éticas fundamentadas na teoria da
evolução é a visão, presente em tais teorias, de que precisamos apenas considerar a tendência
da evolução para descobrir a qual direção devemos ir, como devemos agir no futuro. Isto, de
acordo com o autor, é falacioso. Mesmo a afirmação de que a evolução foi um progresso é um
julgamento ético independente (Moore, 1903/2004, p. 55).
Então, nos perguntamos se Skinner, ao elaborar sua Ética, cometeu o tipo de falácia
descrita por Moore. De fato, em última análise, os fundamentos de sua teoria estão no
processo de seleção por conseqüências, na teoria da Evolução de Darwin. Porém, o início de
suas propostas políticas, balizadas por sua ciência dos valores, está na afirmação de que a
evolução pode conter erros. Contudo, não é coerente dizer que, nesse sentido, Skinner tenha
cometido a falácia naturalista. Ele não afirma que o processo de evolução deve ser
considerado um modelo do que é bom; muito pelo contrário, sua Ética propõe a correção
deliberada dos erros evolutivos.
Por outro lado, Skinner pode ser acusado de utilizar argumentos falaciosos - tendo
como referência a falácia naturalista - ao estabelecer que o que é bom é o que reforça - goods
are reinforcers. Reforçadores pertencem ao mundo natural - como tudo na teoria skinneriana -
e, como vimos, Moore afirma que bom não significa, por definição, nada que seja natural.
Quem defende argumentos desse tipo comete a falácia naturalista; é o caso de Skinner.
104
A questão da Indução
Conforme comentado no Capítulo 1 deste trabalho, afirmamos que o Behaviorismo
Radical tem fundamentos empíricos. Não há provas lógicas para os enunciados da filosofia de
Skinner, pois seus pressupostos se baseiam em acontecimentos e as regras derivadas de tais
pressupostos se baseiam na idéia de que os eventos ocorrerão no futuro de forma semelhante à
qual ocorreram no passado. A afirmação fundamental do behaviorismo segundo a qual o
comportamento humano é controlado - "Nós devemos certamente começar com o fato de que
o comportamento humano é sempre controlado" (Skinner, 1974/1976, p. 21) - não pode ser
provada. "Não podemos provar, é claro, que o comportamento humano como um todo é
completamente determinado; porém, a proposição se torna mais plausível à medida que os
fatos se acumulam" (Skinner, 1974/1976, p. 208). Na medida em que são identificados os
controles do comportamento humano, a proposição inicial ganha força, é ratificada.
Ou seja, os princípios da ciência do comportamento provêm da observação e eles são
constantemente confirmados - ou não - por ela. Dessa forma, as leis indutivas podem ser
altamente prováveis, mas não podem ser afirmadas com um grau absoluto de certeza. O
passado é certo, mas o futuro é, no máximo, provável. O fato de os processos
comportamentais funcionarem de determinada maneira não garante que continuarão
funcionando da mesma maneira. Isto é, a certeza, na indução, está no passado, no observado.
Um bom exemplo, já comentado no presente trabalho, diz respeito ao comportamento
reflexo. À medida que se descobriam novos estímulos que causavam determinadas respostas
antes consideradas voluntárias, o reflexo surgiu, para Skinner, como possibilidade para
explicar qualquer comportamento humano. O autor partiu de pressupostos observacionais.
Quando se descobriu o papel causal dos estímulos que vinham depois, e não antes da resposta
- isto é, quando novas e diferentes observações foram feitas - a conclusão anterior de Skinner,
105
que dizia que todo comportamento poderia ser explicado por meio do reflexo, caiu por terra,
embora os pressupostos observacionais nos quais se havia baseado tenham permanecido
verdadeiros.
Desse modo podemos concluir que a verdade, no Behaviorismo Radical não é
imanente, não é transcendente, não é uma essência por trás das aparências, mas se prende à
observação; a verdade está naquilo que nos aparece, naquilo que observamos. Nesse sentido,
uma lei do comportamento, enquanto descrição de contingências, pode ser considerada
verdadeira se ela for efetiva, ou seja, se ela funcionar, tanto em ambientes científicos como no
mundo em geral. Por isso, à medida que as observações se acumulam, as leis podem ser
confirmadas, ou podem ser elaboradas novas leis ou descartadas antigas leis. Então, podemos
dizer que a definição de verdade no Behaviorismo Radical é uma definição funcional.
Considerando-se que a ciência do comportamento é indutiva, podemos afirmar que ela
sobrevive por causa das evidências, isto é, as afirmações da ciência do comportamento não
são verdadeiras; elas permanecem verdadeiras enquanto as evidências assim demonstrarem.
Apesar disso, Skinner afirma (1971) que é da natureza da investigação científica que as
evidências fiquem a favor do argumento de que o comportamento do indivíduo é determinado
pela filogênese e pela ontogênese (p. 96).
Precisamos, portanto, para concordar com a Ética promovida por Skinner - a qual
afirma que o bem supremo no qual devemos nos basear para planejar o futuro é o valor de
sobrevivência da cultura -, precisamos afirmar os seguintes rumos: 1) o raciocínio científico é
melhor que o não científico; 2) a ciência do comportamento é melhor que as outras
psicologias enquanto ciência; 3) cabe à ciência do comportamento eleger um valor supremo;
4) dentre os bens pessoais, dos outros e da cultura, devemos eleger o último. Cada uma das
quatro afirmações é digna de discussão, para cada uma é possível travar um debate ético, pois,
além de não serem verdades absolutas, a aceitação de uma não leva necessariamente à
106
aceitação de outra. Se concordo com a primeira afirmação, não necessariamente concordarei
com a segunda; se concordo com a segunda, não necessariamente concordarei com a terceira
e, se concordo com a terceira, não necessariamente concordarei com a quarta. Neste sentido,
mesmo afirmando os três primeiros pontos, posso eleger os bens pessoais como o valor
supremo, mesmo num planejamento cultural.
107
CONCLUSÃO
Jack Michael (1977) elabora um resumo do que seria o Behaviorismo Radical
enquanto modo de vida. De acordo com ele, o Behaviorismo Radical enquanto modo de vida
poderia ser composto de três orientações gerais, quais sejam: o ataque à noção de homem
como ser autônomo capaz de escolha livre; a ênfase na mudança do comportamento
diretamente através da manipulação das contingências ambientais (ao invés da ênfase na
mudança de sentimentos e estados mentais) e a identificação da sobrevivência da cultura
como o principal valor, enquanto que os outros valores têm status secundário.
Seguindo as divisões de Michael, podemos dizer que Skinner elaborou uma filosofia,
uma ciência e uma Ética. Skinner elaborou não apenas uma ciência do comportamento, mas
também a filosofia dessa ciência – de acordo com a qual o cientista deve analisar os fatos –, à
qual deu o nome de Behaviorismo Radical, e uma Ética que governasse o uso da tecnologia
surgida a partir da ciência comportamental. Ou seja, ele criou umtodo, uma metafísica e
uma Ética.
O behaviorismo tem seus pressupostos. Ao invés de penso, logo existo: me comporto,
logo existo. O que existe a priori é o comportamento. Todo o resto é acessado por meio do
comportamento aberto ou encoberto. O que explica o comportamento são os três níveis do
processo de variação e seleção. A seleção, enquanto explicação causal, determina
comportamentos adaptados ao ambiente passado, no qual algumas variações foram
selecionadas. Nesse sentido, podemos afirmar que o segundo nível atualiza o primeiro e que o
terceiro atualiza o segundo. A ciência, por sua vez, também tem pressupostos: previsão e
controle do comportamento. Por último, a Ética se baseia em um valor supremo: o bem da
108
cultura, apesar de Skinner se referir à sobrevivência da espécie humana e à felicidade dos
indivíduos
36
.
Nesse sentido, de modo a fundamentar suas propostas de aplicação da ciência do
comportamento no planejamento de uma cultura, Skinner elabora sua Ética a partir dos
pressupostos do Behaviorismo Radical. Ele infere três tipos de bens - pessoais, dos outros e da
cultura - e elege o último como o critério para um planejador cultural. Se, por um lado, essa
eleição parece tautológica, por outro, parece um tanto arbitrária e é nessa arbitrariedade que
reside a tensão entre descrição e prescrição no Behaviorismo Radical.
Concluímos que a Ética skinneriana não decorre necessariamente dos pressupostos de
sua filosofia, apesar de o autor tentar reduzir o aspecto prescritivo ao aspecto descritivo. Isso
não procede e não é possível, pois o que determina a eleição do bem da cultura não pode ser
encontrado apenas no Behaviorismo Radical. O autor não pode nos dar uma boa razão para
essa eleição. Em suas palavras: “Não me pergunte por que eu quero que a humanidade
sobreviva. Eu posso lhe dizer por que apenas no sentido em que o fisiologista pode dizer por
que eu quero respirar” (Skinner, 1972, p. 36). Também afirma que “não há nenhuma boa
razão, mas se sua cultura não o convenceu de que há, pior para ela” (Skinner, 1969, p. 40; em
Tobach, 1971, p. 549).
Dessa forma, concordamos com a afirmação de Dittrich (2004) segundo a qual
podemos dizer que o valor de sobrevivência não é absoluto, mas sim contextualizado histórica
e culturalmente (p. 260). A ciência do comportamento, capaz de analisar os valores, pode
explicar porque adotamos a sobrevivência enquanto valor; todavia, ela não pode justificar a
adoção desse valor em meio a tantos possíveis, mesmo dentro do próprio arcabouço teórico da
filosofia do comportamento.
36
Poderíamos talvez resumir o que Skinner prescreve da seguinte maneira: a ciência do comportamento deve
elaborar propostas de práticas que tenham como conseqüência a sobrevivência da cultura e, portanto, a
sobrevivência da espécie humana. Essa sobrevivência deve se basear na "good life". Numa cultura bem
planejada, não haveria conflito entre o que é bom para a cultura e o que é bom para o indivíduo.
109
Podemos concluir, como pretendíamos de início, os lugares da ciência, da verdade e
do bem na teoria skinneriana. A ciência do comportamento é também ciência dos valores. As
verdades, no Behaviorismo Radical, são funcionais: não há certo e errado, mas o que é efetivo
e o que é inefetivo. E o bem, por sua vez, também é funcional, portanto, relativo, da mesma
forma como o é o conceito de reforçador.
Com relação às hipóteses iniciais, podemos dizer que, por um lado, foram
confirmadas. Supúnhamos que a questão da Ética envolvia necessariamente um conflito, que
se dava no indivíduo, entre filogênese e ontogênese e que a resolução para esse conflito que
poderia ser classificada como solução ética seria a opção pelas necessidades culturais.
Podemos afirmar que não há necessariamente um conflito, pois a cultura pode lançar mão de
reforçamento positivo para induzir seus membros a trabalharem pela sobrevivência da cultura.
Então, ele faz o que gosta e promove o bem da cultura. Quanto à hipótese de a solução ética
para um possível conflito ser a opção pelas necessidades culturais, podemos dizer que ela foi
confirmada, pois a Ética de Skinner se fundamenta no bem da cultura.
A outra hipótese que tínhamos inicialmente era a de que Ética proposta pelo autor não
decorreria necessariamente dos pressupostos do behaviorismo, quais sejam, os mecanismos de
variação e seleção que ocorrem nos três níveis: espécie, indivíduo e cultura, que explicam o
comportamento humano. Essa suposição foi confirmada, até mesmo nas palavras do próprio
Skinner.
110
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114
ANEXO 1
Críticas a teorias anteriores
Mentalismo
De acordo com Skinner, geralmente falhamos em lidar adequadamente com os
problemas culturais por duas razões principais: o comportamento problema não é de fato
descrito e nenhuma proposta de solução é mencionada. Isso ocorre freqüentemente quando há
referência a causas mentais na explicação dos comportamentos humanos. O que alguém nos
diz sobre seus sentimentos ou estados mentais pode nos dar dicas sobre o que há de errado
com as contingências, mas devemos ir diretamente às contingências para ter certeza e são elas
que devem ser mudadas para que o comportamento se modifique.
A velha e crucial confusão, segundo Skinner, ocorre quando imaginamos que existe
algo mais - no sentido de uma outra substância -, ou que aquilo que sentimos quando nos
comportamos é a causa de nosso comportamento (Skinner, 1989/1995, p. 39 - 40).
Ao darmos causas mentais aos comportamentos, seguimos o antigo princípio que diz:
post hoc, ergo propter hoc: depois disso, logo, por causa disso. Por exemplo, muitas das
coisas que observamos imediatamente antes de nos comportarmos acontecem dentro de nosso
próprio organismo; são estados corporais os quais denominamos de sentimentos. A partir
dessa observação, concluímos que o sentimento causou o comportamento e inferimos essa
conclusão para outros comportamentos nossos e de outras pessoas. Infere-se que alguém se
comporta como eu me comporto, portanto alguém sente como eu sinto. Digo que comi porque
estava com fome – e não porque faz quatro horas que não como. Digo que chorei porque
estava triste – e não porque briguei com meu amigo. Sentimentos ocorrem no tempo certo
para servir de causa aos comportamentos.
Skinner critica não apenas afirmações segundo as quais os fenômenos mentais
possuem status causal. Ele critica também opiniões como a de Marx, que diz que não é a
115
consciência do homem que determina sua existência, mas é a sua existência social que
determina sua consciência. Skinner também não concorda com James quando ele diz que não
choramos porque estamos tristes, mas sim que estamos tristes porque choramos. Nesse
sentido, Skinner é categórico: a explicação está no ambiente (Skinner, 1974/1976, p. 213).
Alguém chora e está triste porque algo aconteceu (Skinner, 1989/1995, p. 15).
Então a divergência do autor com relação ao mentalismo ocorre em dois níveis: 1) ele
discorda do papel causal dado dos fenômenos mentais e, além disso, 2) ele discorda da própria
existência de entidades mentais enquanto coisas formadas por alguma substância diferente do
nosso corpo. Skinner se pergunta: onde estão esses sentimentos e estados mentais? Do que
eles são feitos? O que é o mundo não físico da mente?
Skinner critica explicações causais quando fundamentadas em eventos internos, sejam
eles físicos ou metafísicos, porque o que acontece dentro do corpo não é um início (Skinner,
1989/1995, p. 40). Devem-se procurar causas nas contingências de seleção nos três níveis: da
espécie, do indivíduo e da cultura.
A explicação dada por Gilbert Ryle para enunciados disposicionais pode nos auxiliar
a desfazer as armadilhas do vocabulário mental do senso comum (Lopes e Abib, 2003).
Apresentar explicações mentalistas ao comportamento ocorre, por exemplo, quando dizemos
que um vidro se quebra quando atingido por uma pedra porque ele tem fragilidade. Como se
chegou a uma explicação como essa? O que ocorreu foi a transformação de um adjetivo –
“frágil”, que servia para qualificar, ajudando na descrição do comportamento do vidro ao ser
atingido por uma pedra – em um substantivo – “fragilidade” – que passou a ser considerado
uma propriedade do vidro e, tautologicamente, considerado como causa do comportamento do
vidro. Poderíamos esquematizar assim:
1. atiraram uma pedra no vidro e ele se quebrou;
2. por isso, o vidro é frágil;
116
3. logo, o vidro tem fragilidade;
4. então, o vidro se quebrou porque ele tem fragilidade.
Pode-se perceber que há um erro lógico aí. Na verdade, o vidro é frágil porque ele se
quebrou quando atiraram uma pedra nele - a causa de ter-se quebrado foi a pedra e não uma
propriedade (fragilidade); propriedade esta inferida a partir do fato de ter-se quebrado. Além
do problema lógico das explicações mentalistas, há um problema epistemológico: como um
evento mental pode causar ou ser causado por um evento físico? Como podemos prever e
controlar comportamentos, sentimentos e estados mentais se não sabemos como se dá a
relação causal entre a dimensão física e a dimensão mental? Aqui, portanto, reaparece o
antigo, conhecido e variadamente respondido problema mente / corpo na filosofia. Skinner, ao
contrário da maioria dos filósofos, que tenta relacionar as duas instâncias, torna a própria
pergunta sem sentido. Ele não responde ao problema; ele o desfaz, não assumindo nenhum
dos pontos de vista mais comuns: nem o fisicalismo, que se refugia na fisiologia e diz que a
mente são os processos cerebrais; nem o behaviorismo metodológico, nem o estruturalismo. O
autor constrói uma outra opção: o Behaviorismo Radical - “radical behaviorism”.
Para o autor, o problema do Fisicalismo é que, para prever ou alterar o que uma pessoa
faz, seria preciso observar ou alterar o cérebro ou outras partes do sistema nervoso. Já o
Estruturalismo - de acordo com o que Skinner entende por Estruturalismo - se exime de
procurar causas e apenas descreve os comportamentos das pessoas. É possível fazer algum
tipo de predição por meio desse esquema seguindo o princípio de que as pessoas tendem a
fazer de novo o que fazem freqüentemente. Aí se enquadram os hábitos e costumes de um
povo. A descoberta de princípios organizadores na estrutura do comportamento (bem como os
padrões da cultura, da literatura e os tipos psicológicos) pode tornar possível prever
comportamentos novos. A estrutura ou organização do comportamento pode também ser
estudada em função da idade, como o fazem as teorias do desenvolvimento humano, que
117
explicam que a criança passa por fases até chegar à idade adulta. Também há linhas de estudo
que tratam a cultura dessa mesma forma, como uma seqüência de estágios de
desenvolvimento. De acordo com elas, padrões de desenvolvimento podem ajudar a prever
eventos futuros.
Um dos problemas desse tipo de explicação para os comportamentos humanos é que o
estruturalismo ou desenvolvimentalismo não explicam os porquês, mas apenas os processos.
Por que os costumes são seguidos? Além disso, ao estabelecer estágios, conclui que a
manipulação do comportamento não tem efeito, pois podemos apenas esperar para que uma
pessoa ou uma cultura passe para um outro período do desenvolvimento.
Quanto ao behaviorismo metodológico, Skinner diz que ele também apresenta
problemas. O behaviorismo metodológico tenta predizer e controlar o comportamento
observando e manipulando eventos públicos antecedentes. Na verdade, não há novidade nisso,
pois, na prática, as pessoas sempre usaram técnicas para controlar comportamentos dos outros
sem recorrer a estados mentais. Entretanto, pouca teoria se fez sobre o papel do ambiente
físico sobre o comportamento, enquanto que muito se disse sobre o papel da mente. Um
programa de behaviorismo metodológico só se tornou plausível quando começou a progredir
a observação científica do comportamento, porque aí se percebeu a importância do meio
ambiente.
“O behaviorismo metodológico pode ser pensado como uma versão psicológica do
operacionismo ou positivismo lógico, mas eles tratam de questões diferentes” (Skinner,
1974/1976, p. 16). Para o positivismo lógico ou operacionismo, como dois observadores não
podem concordar sobre o que acontece no mundo mental, devemos abandonar o exame de
eventos mentais e nos voltar para o modo como eles são ou podem ser estudados. Não se pode
medir sensação ou percepção, mas é possível medir discriminação de estímulos. Então, o
conceito de sensação ou percepção pode ser reduzido à operação de discriminação. Um robô
118
que fizesse tudo o que um ser humano faz e apesar de não ter idéias, sensações ou
sentimentos, provaria que não há necessidade de explicações mentalistas para as supostas
manifestações da vida mental. Então, o que o positivismo lógico faz é propor modificações no
método e não na ontologia; a vida mental existe, mas, como é subjetiva, inacessível a outros
observadores, não pode ser objeto de estudo da ciência. E não é necessário recorrer a ela para
explicar os comportamentos humanos.
O ponto em questão é que o behaviorismo metodológico assumia a existência de
eventos mentais, embora não os considerasse em suas análises. Skinner se questiona se isso
levaria à conclusão de que, para o behaviorismo metodológico, a vida mental era apenas
epifenômeno, dado que existia, mas não tinha importância causal. O mundo físico seria auto-
suficiente e o mental estaria para o comportamento assim como a fumaça que sai pela sua
chaminé está para o trem em movimento, conforme a doutrina secular do paralelismo
psicofísico, que sustentava a existência de dois mundos: um da mente e outro da matéria e que
um não teria efeito sobre o outro. Skinner também critica a psicanálise freudiana pelo fato de
ela ratificar o paralelismo
37
.
Skinner propõe, então, um outro tipo de psicologia e a filosofia dessa psicologia, o
Behaviorismo Radical, que também não afirma o paralelismo psicofísico. Para isso, ele
propõe outra filosofia sobre o ser, sobre o que existe, sobre o que são os sentimentos e os
estados mentais e sobre as causas do comportamento humano. Nesse sentido, ele une os dois
mundos em um só, assumindo uma única substância existente, um único material (stuff) que
compõe o mundo mental e o mundo físico. Não há diferença ontológica entre a mente e o
corpo. O que sentimos são estados corporais. Ao contrário dos behavioristas metodológicos,
37
Entretanto, já há estudos analisando e defendendo o ponto de vista segundo o qual Freud desvinculou mente e
consciência ao propor o inconsciente, que também era mental, desfazendo, assim, o paralelismo entre mente e
corpo; propôs o mental que estava no corpo, de modo inconsciente: eram os processos corticais cujas funções
podiam ou não se tornar conscientes. Ele desfez a identidade entre psíquico e consciente, isto é, nem todo
mental, psíquico é consciente. Então, em Freud, pareceu surgir um novo tipo de paralelismo; ao invés de opor
mente e corpo, ele opôs uma mente consciente a uma mente inconsciente.
119
Skinner nega a existência de uma mente enquanto coisa e composta de algum tipo de
matéria intangível. A interpretação que Skinner dá para a mente - ou seja, o que ele diz que a
mente é - é funcional. Isto é, a mente se diferencia funcionalmente do corpo e não
ontologicamente. Ele não nega a existência de sentimentos, emoções, idéias ou outras
características da vida mental.
O que o behaviorismo metodológico afirmava era a existência de eventos mentais
enquanto coisa formada por um material especial, de acordo com o entendido desde
Descartes, ou mesmo desde Platão, porém que esses eventos não podiam ser estudados pela
ciência, dado que a introspecção não era um método válido por não haver acordo público
sobre sua validade.
O Behaviorismo Radical, entretanto, toma uma linha diferente. Ele não nega a
possibilidade de auto-observação ou de autoconhecimento ou sua possível utilidade,
mas ele questiona a natureza do que é sentido ou observado e, portanto, conhecido
(Skinner, 1974/1976, p. 18).
Skinner afirma que cada um de nós possui uma pequena parte do universo sob nossa
pele; é uma possessão privada, pois temos modos de conhecê-las que os outros não têm, mas
isso não quer dizer que seja um tipo especial de conhecimento (Skinner, 1978, p. 50).
Parece que Skinner utiliza o termo “radical” no sentido de fundamental, pois ele
propõe uma psicologia renovada em seus princípios básicos, desde sua raiz, sua ontologia. Na
opinião do autor, o Behaviorismo Radical encontra um equilíbrio entre o mentalismo de um
lado - o qual ignorava eventos externos antecedentes que poderiam explicar o comportamento
- e o behaviorismo metodológico do outro – que lidava exclusivamente com eventos
antecedentes externos e ignorava auto-observação e autoconhecimento. O Behaviorismo
Radical não insiste na verdade por concordância (aquela defendida pelo behaviorismo
metodológico, influência do positivismo lógico, e que se referia a dois ou mais observadores
120
concordarem com o mesmo tipo de observação, observarem a mesma coisa) e pode,
portanto, considerar eventos privados. Além disso, não considera esses eventos não
observáveis nem subjetivos, apenas questiona a natureza do objeto observado e a
confiabilidade das observações.
O que é sentido ou observado introspectivamente não é algum tipo de mundo não
físico da consciência, da mente ou da vida mental, e sim o próprio corpo do observador. Mas
isso não significa que a introspecção é algum tipo de pesquisa fisiológica ou que o que se
sente ou se observa na introspecção são as causas do comportamento. Muito do que um
organismo faz se deve à sua estrutura atual, que, em sua maior parte, porém, é inacessível à
introspecção. Para o autor, precisamos nos contentar com a história genética e ambiental do
indivíduo. O que se observa na introspecção são alguns efeitos colaterais dessas histórias
(Skinner, 1974/1976, p. 18 - 19).
Filosofia democrática
O pensamento ocidental enfatiza a importância da dignidade do indivíduo, a igualdade
perante a lei, os direitos humanos e o bem-estar do indivíduo como objetivo do governo. A
religião, a educação, a arte e a psicoterapia enfatizam o indivíduo como senhor de seu destino.
A efetividade desse ponto de vista, segundo Skinner, não pode ser negada, pois as práticas aí
associadas fortalecem o indivíduo como um membro produtivo do grupo. O ambiente que tem
caracterizado o pensamento democrático ocidental teve esse efeito. Este ponto de vista é
particularmente importante em oposição ao controle despótico e pode ser entendido apenas
em relação a esse controle, pois, para contracontrolar uma poderosa agência, o primeiro passo
é fortalecer o controlado. A efetividade da técnica é evidente no fato de que governos
despóticos têm sido eventualmente contracontrolados por indivíduos que se unem para
121
construir um mundo que eles acham mais reforçador e no fato de que agências
governamentais que reconhecem a importância do indivíduo freqüentemente se tornam mais
poderosas.
Entretanto, com relação aos conceitos de liberdade individual, iniciativa e
responsabilidade, tradicionalmente presentes nesse ponto de vista ocidental, a ciência não
pode apoiá-los, porque a hipótese de que o homem não é livre é essencial para a aplicação
do método científico ao estudo do comportamento humano. Teorias mentalistas de
automanejo ético se referem a forças internas, entidades acessíveis à introspecção, que levam
o homem a agir de determinada maneira. Essas entidades são os sentimentos: homens têm
atos de coragem porque eles se sentem corajosos, ou ajudam as pessoas porque sentem
compaixão. Por essa linha de raciocínio, para ensinar os alunos a serem corajosos ou
compassivos, o professor deveria ensiná-los a sentir, o que torna a questão ainda mais
complicada.
Skinner tece uma forte e contundente crítica à filosofia democrática no sentido de que
ela apóia práticas que impedem que a humanidade se modifique e garanta um futuro melhor.
"A filosofia democrática da natureza humana é determinada por certas exigências e técnicas
políticas, e não pelos objetivos da democracia" (Skinner, 1959/1972, p. 8). Conceitos
inerentes à democracia, como liberdade, dignidade, responsabilidade e justiça, conforme
entendidos tradicionalmente, impedem, de certa forma, que os indivíduos encontrem as causas
ambientais de seus comportamentos. Com isso - e considerando que muitos comportamentos
são prejudiciais para o indivíduo e/ou para o grupo e que precisam, portanto, ser alterados -,
sem conhecimento do papel causal do ambiente, às vezes se torna difícil a modificação
deliberada dos comportamentos. Ou seja, Skinner acredita que a implementação de uma
tecnologia do comportamento é essencial para a construção de um futuro melhor para a
cultura como um todo; todavia, conceitos presentes na filosofia democrática dificultam esse
122
processo. Assumir - conforme o Behaviorismo Radical sustenta - que o problema do homem
não é se ele deve ser controlado, mas como ele deve ser controlado é ferir um pressuposto
democrático básico, qual seja, da liberdade do indivíduo.
A questão, para o autor é que o eu interno livre não pode ser sustentado, já que as
causas do comportamento estão fora do indivíduo. O que faz o indivíduo se comportar de
determinada maneira é seu substrato biológico - determinado por eventos anteriores, no
processo filogenético - a cultura e o ambiente não social em que está inserido. O ambiente
determina o indivíduo mesmo quando o indivíduo altera o ambiente. Não se pode esquecer,
entretanto, que a cultura só é criada e sobrevive por causa da ação de indivíduos. Ou seja, há
uma cadeia causal complexa - à qual pertence o próprio cientista (Skinner, 1959/1972, p. 46) -
da qual a ciência pode escolher um ponto de partida para sua análise, o que não significa que
este ponto ganhe o status de iniciador (Skinner, 1953, p. 449). Se a ciência não confirmar
valores como liberdade, iniciativa e responsabilidade no comportamento do indivíduo, talvez
esses valores não sobreviverão (idem).
O autor analisa três áreas em que preconceitos não científicos (Skinner, 1959/1972, p.
27) afetam nosso entendimento sobre comportamento humano: controle pessoal, governo e
educação. Nesses contextos, a noção fundamentalmente democrática de liberdade individual -
e, em conseqüência, de responsabilidade, culpa, justiça e admiração - dificulta a aplicação
de uma tecnologia do comportamento e, portanto, na opinião do autor, dificulta a resolução de
muitos problemas.
Dentro de grupos, o controle é chamado de ético. Quando o indivíduo se comporta de
modo aceitável para o grupo, ele recebe admiração, afeição, aprovação e outros reforçadores
que aumentam as chances de o comportamento ocorrer novamente; além disso, é classificado
como “bom”. Quando o comportamento não é aceitável, ele é criticado, censurado, culpado
ou punido e é rotulado de “mau” (Skinner, 1959/1972, p. 27 - 28).
123
A prática da admiração é parte importante de nossa cultura e merece análise. O
comportamento que tende a ser fraco pode ser modelado e mantido por meio da admiração.
Esforços prolongados, martírios, sacrifícios, comportamentos independentes e originais são
reforçados com essa prática. Se não conseguimos entender essa técnica, não podemos julgar
um ambiente que não precise de heróis, de esforços ou de ações independentes. Só podemos
avaliar a produtividade de qualquer conjunto de condições quando nos libertamos de atitudes
geradas por sermos membros de um grupo ético.
Outra dificuldade provém do uso da punição na forma de censura ou culpa. Essa
prática é justificada pelos conceitos de responsabilidade, previsão e escolha. Por exemplo, se
o réu não teve responsabilidade pelo que é culpado, se foi um acidente, se ele não tinha
consciência das conseqüências de sua ação, se ele “não teve escolha”, ou se ele estava fora de
si, não pode ser punido. Parece ser uma questão de eficácia das relações de contingência entre
o comportamento e as conseqüências punidoras, pois não há utilidade em punir um
comportamento que não foi intencional, ou que se enquadre em qualquer dos casos acima. Se
não é justo punir nesses casos, também não é justo recompensar alguém por um
comportamento pelo qual ele não é responsável. Termos como justiça, responsabilidade e
escolha obscurecem a análise do controle e não nos preparam para técnicas baseadas em
controle não aversivo, como utilizado em propagandas, mas que podem ser poderosas e
perigosas.
Passando à análise da educação, Skinner afirma que suas práticas já foram
explicitamente aversivas, de modo que o aluno podia escapar de punição e de ameaças de
punição somente quando conseguia aprender. Mas raramente o professor ensinava como
aprender. A educação progressiva substituiu técnicas aversivas por reforçamento positivo,
mas continua relativamente ineficiente porque atribui o processo de aprendizagem ou o
124
próprio conhecimento a algo interno ao aluno. Ele é admirado pelo conhecimento ou culpado
e punido por sua ignorância, mas nunca é ensinado.
Resistimos a qualquer análise do processo educacional que ameace a noção de
sabedoria interna ou que questione a idéia de que a culpa ou a ignorância estão dentro do
estudante. Técnicas eficientes que manipulem variáveis externas são descritas como “lavagem
cerebral”. Não estamos preparados para uma educação efetiva, porque o aluno não precisaria
se esforçar, logo, não seria digno de mérito nem de admiração. Com relação ao governo, o
autor afirma que esta sempre foi uma área de controle aversivo. O estado é geralmente
definido em termos do poder de punir e a jurisprudência se embasa na noção de
responsabilidade pessoal. Quando o governo utiliza outras técnicas que não a punição, o
conceito de responsabilidade não é mais relevante e a teoria do governo não é mais aplicável.
Propostas de governo que não se baseiem na punição são mal vistas, como aquela
presente no romance Walden II, uma sociedade planejada comportamentalmente, e não
resultado de um processo natural e acidental de evolução cultural. Skinner acredita que se
voltam contra sua proposta pelo fato de que, apesar de se tratar de uma sociedade em que
haveria comida, roupa, arte e todos viveriam bem, o problema é que tudo isso foi planejado
por alguém. São reais os perigos do controle do comportamento humano, mas isso não se
resolve impedindo o desenvolvimento da ciência do comportamento ou negando seu poder.
As técnicas precisam ser submetidas a um contracontrole explícito, como já ocorreu com
outras formas de controle, como o uso da força. Provavelmente, um padrão cultural de
controle e contracontrole emergirá e permanecerá por ser mais reforçador. Talvez o
desenvolvimento da ciência agora aplicada a assuntos humanos possa significar uma
importante fase da história humana à qual analogias históricas e slogans políticos antigos não
sejam aplicáveis. É necessária uma nova concepção do comportamento humano que seja
compatível com as implicações de uma análise científica. Todos controlam e são controlados;
125
a questão não é como estabelecer a liberdade, mas quais controles devem ser utilizados para
quais fins.
Ciências humanas
Skinner considera que, se a humanidade continuar com o mesmo estilo de vida e a
população continuar aumentando, os recursos naturais se esgotarão e a poluição destruirá o
planeta; isso sem contar o risco de um desastre nuclear. Esta visão pode ser inferida dos fatos
e a salvação pode vir espontaneamente, mas é mais provável que nos salvaremos somente se
resolvermos nossos problemas de modo deliberado. Para isso, precisamos de um maior
entendimento sobre por que as pessoas se comportam de determinadas maneiras. A partir
disso, podemos modificar ambientes, contingências, de modo a modificar os comportamentos
os quais, por sua vez, modificarão o mundo. Isto é, precisamos de uma ciência e uma
tecnologia do comportamento que nos permitam lidar com os aspectos comportamentais dos
nossos problemas tão efetivamente quanto as outras tecnologias lidam com seus aspectos
físicos e biológicos.
Todavia, de acordo com o autor, ainda não temos disponível nada deste tipo, porque as
ciências sociais e comportamentais não são adequadas aos usos que gostaríamos de fazer
delas. Em geral, os cientistas das áreas de psicologia, sociologia, antropologia, economia e
ciência política argumentam que há algo sobre o comportamento humano que vai além do
âmbito da ciência. Isso significa que há algo sobre o comportamento humano que torna difícil
uma análise científica e atrasa o desenvolvimento de uma tecnologia. Para Skinner, o que há
de especial é que nós somos membros da espécie que estamos estudando. Ele argumenta que
isso não deveria representar problema, muito pelo contrário, pois temos acesso privilegiado a
alguns dados, aqueles provenientes do interior do organismo.
126
O problema é que tais informações tradicionalmente são envolvidas em explicações
mentalistas, ou seja, que atribuem o que uma pessoa faz a seus estados mentais, seus
sentimentos, pensamentos, propósitos, expectativas e assim por diante. A dificuldade aí
presente está no fato de que não é possível intervir em instâncias intangíveis como essas. As
ciências sociais, segundo Skinner, não são mais efetivas justamente porque não são
plenamente comportamentais; logo, não são realmente científicas e, portanto, não se adequam
aos problemas que são chamadas a resolver.
O psicólogo, ou o educador, ou o cientista social não têm acesso direto à mente, aos
sentimentos, aos valores, às atitudes, às opiniões ou aos propósitos. O que, de fato, se faz é
alterar o comportamento do qual inferimos coisas desse tipo. Para isso, modificamos o
ambiente verbal e não verbal em que a pessoa vive; isso leva a uma mudança no
comportamento que nos leva a inferir que seus estados mentais foram alterados. A visão
tradicional, porém, interpreta o fenômeno de um modo diferente: ao invés de concluir que o
ambiente modificado alterou comportamentos e também sentimentos ou outras instâncias
mentais, diz que, primeiro, são modificados os sentimentos ou estados mentais e que isso
determina o comportamento da pessoa.
Portanto, para se realizar uma ciência do comportamento humano que se preocupe
com a elaboração de uma tecnologia para a construção de um mundo melhor, como propõe
Skinner, é necessário, a priori, descartar a noção de homem livre e a idéia de vida mental
enquanto algo imaterial utilizado na explicação do comportamento. Com isso, perderiam
sentido termos como responsabilidade, escolha livre, dignidade, admiração e outros conceitos
que, do mesmo modo, são os fundamentos da filosofia democrática e das ciências humanas
ocidentais atuais. Isto é, deve-se pressupor que o comportamento é controlado pelo ambiente
externo.
127
ANEXO 2
Práticas de controle pessoal e de grupo
O controle pessoal é aquele em que um indivíduo, o controlador, manipula variáveis
de modo a determinar algumas respostas de outro indivíduo, o controlado. Entretanto, esta
relação é dinâmica e pode se inverter, tendo o controlado o poder de contracontrolar.
No que se refere às variáveis envolvidas, chamamos de controlador aquele que as
manipula e de controlado aquele que tem seu comportamento controlado por elas. O poder de
manipular condições que afetam outras pessoas pode ser delegado ao indivíduo por uma das
agências de controle, cujo poder é mais forte e que são formadas por grupos organizados que
manipulam variáveis as quais controlam outras pessoas e/ou pessoas da própria agência. Os
exemplos analisados por Skinner são: governo e lei, educação, religião, psicoterapia e
economia. (Skinner, 1953). Mas quase todos controlamos importantes variáveis que podem
ser empregadas para vantagem própria. Isso é o controle pessoal, um tanto limitado se
comparado ao controle das agências. Por esta limitação, há a prática padrão de primeiramente
manipular variáveis com o objetivo de estabelecer e manter contato entre controlador e
controlado.
Com relação às técnicas de controle pessoal, Skinner cita a força física, que pode
impedir o controlado de emitir resposta e, em última instância, leva à morte, o extremo da
restrição física. O uso da força tem desvantagens óbvias, pois geralmente requer atenção
constante do controlador; serve quase exclusivamente para prevenção e não para instalação de
comportamentos; gera forte disposição emocional para o contra-ataque e, além de tudo, não
pode ser utilizada para todos os tipos de comportamento, como os do nível privado. O
controlador, ao invés de usar a força física para alterar o comportamento do controlado, pode
fazê-lo alterando o ambiente, alterando estímulos ambientais.
128
Podem-se manipular estímulos de várias maneiras. Por exemplo, eliciando respostas
reflexas, ou estabelecendo ocasiões discriminativas, ou oferecendo estímulos suplementares.
O controlador também pode utilizar estímulos que ele possui como reforçadores de algum
comportamento do controlado; dinheiro, sexo, elogios e agradecimentos são algumas
possibilidades. Existe também o controle aversivo, que ocorre quando o reforçamento
negativo ou a punição é empregado. Como exemplo, a criança que chorava fica em silêncio
porque a mãe disse que, se ela chorasse, iria apanhar. O controle é exercido através da retirada
de estímulos aversivos de maneira contingente à emissão da resposta que se quer fortalecer.
Punição é outra técnica de controle aversivo. Quando não é possível para o controlador
utilizar reforço ou punição, ele pode apenas indicar, para o controlado, a relação entre seu
comportamento e as conseqüências dele. É o que faz um treinador de time de futebol, que não
pode marcar um gol pelo seu jogador durante uma partida, mas pode apenas indicar, ensinar,
como ele deve se comportar para que a bola entre no gol, quais são as topografias de
comportamento dentro de campo - de chute, de passe, de cobrança de pênalti, de falta e até
mesmo de verbais encobertos como “eu posso”, “eu sou capaz”, “eu vou conseguir” - que têm
como conseqüência o gol.
Privação e saciação são técnicas relacionadas ao reforço e à punição. Se o indivíduo
não tem acesso freqüente a determinado estímulo reforçador, ou seja, fica privado do reforço,
é provável que o poder desse estímulo seja maior do que se o acesso fosse mais freqüente.
Uma criança pararia de chorar por causa de doces se tivesse todos os doces que quisesse. Isto
é, a saciação diminui o poder reforçador de um estímulo, sendo que ele pode até mesmo se
tornar aversivo.
Outra técnica é o controle de respostas reflexas características da emoção, importante
no estabelecimento de predisposições emocionais. Essas predisposições favorecem algumas
respostas. Tal prática é fundamental para a construção da moral.
129
O que uma pessoa sente quando está numa situação em que fora punida ou quando se
engajou em comportamento previamente punido depende do tipo de punição e isso, em geral,
depende do tipo do agente ou da instituição punidora. Se a pessoa foi punida por seus pares,
dizemos que ele sentiu vergonha. Se a punição fora dada por uma agência religiosa,
chamamos o sentimento de pecado. Se a punição fora dada pelo governo, o sentimento é a
culpa. Então, a pessoa pode passar a agir de modo a evitar a culpa o pecado e a vergonha
evitando se comportar da maneira como o fez quando ocorreu a punição.
Algumas drogas são usadas no controle pessoal, como o álcool para a redução da
ansiedade. Há drogas legais utilizadas para o controle de comportamentos considerados como
transtornos ou distúrbios, como ansiedade, psicose, depressão, déficit de atenção e
hiperatividade.
Para testar a adequabilidade dos conceitos da análise do comportamento para a análise
de fenômenos de grupo, o autor descreve vários conceitos, como reforçamento social,
estímulo social, episódio social e oferece alguns exemplos de como explicar acontecimentos
sociais recorrendo apenas a conceitos da análise do comportamento. Ele define o
reforçamento social como aquele que exige a presença de outras pessoas como mediação para
se conseguir o reforço. Nesse sentido, o comportamento verbal sempre envolve reforçamento
social. Comportamento reforçado pela mediação de outras pessoas difere muito daquele
reforçado por um ambiente mecânico por vários motivos: o reforçamento social varia muito
de acordo com a condição do agente reforçador; uma mesma resposta pode ter diferentes
conseqüências e diferentes respostas podem ter a mesma conseqüência.
Assim, o comportamento social é mais flexível e mais extensivo. Geralmente o reforço
é intermitente e o tipo de resultado varia de acordo com o esquema utilizado. Ocorrem,
freqüentemente, combinações de esquema por intervalo e por razão. No esquema de
reforçamento por intervalo, a conseqüência é dada quando o organismo emite uma resposta
130
após algum intervalo de tempo pré-determinado. No esquema de reforçamento por razão, a
conseqüência é dada após o organismo emitir um certo número de respostas pré-determinado.
Além disso, a complexidade do comportamento social também tem como motivo o fato de
que o agente reforçador pode modificar a escala de reforço em função do comportamento
reforçado.
Num episódio verbal, que se dá num dado tempo, num mesmo ambiente, uma pessoa é
fonte de estimulação para outra, sendo que as propriedades físicas dos estímulos sociais
variam entre as culturas e entre os indivíduos da mesma cultura. Skinner diz que as
expressões faciais que agrupamos sob o nome de “sorrisos” são importantes porque são
ocasiões nas quais certas formas de comportamento social recebem certos tipos de
reforçamento, ou seja, são estímulos discriminativos. Qualquer unidade da classe de estímulos
provém dessas contingências, que são determinadas por uma cultura e por uma história
particular.
Para Skinner, o que menos parece variar entre as culturas é o estímulo que controla o
comportamento imitativo. Alguns estímulos verbais são extremamente sutis e isso levou a
suposições de propriedades não físicas; segundo Skinner, essas suposições decorrem de uma
leitura equivocada ou ausente das contingências do episódio. O comportamento de liderança,
por exemplo, pode ser analisado da seguinte maneira: há uma dupla contingência agindo
sobre o grupo. O líder é controlado por variáveis externas e o seguidor é controlado pelo líder.
Episódios verbais, quando postos sob análise de contingências, mesmo que durem
poucos segundos, se mostram extremamente complexos; mas isso, segundo o autor, não nos
tira a responsabilidade de identificar e observar todos os seus fatores. A complexidade se
mostra também na instabilidade de sistemas sociais. Por exemplo, uma placa de “Silêncio, por
favor” pode controlar, inicialmente, um grupo que já está em silêncio. Porém, se dois deles
131
começam a falar em voz baixa, isso altera a situação e outros dois começam a conversar
também, o que altera a situação para os outros e, ao final, todos estão conversando.
A análise de contingências pode partir para o nível das leis, tendo em vista que o
grupo pode manipular variáveis para gerar tendências de comportamentos que serão
reforçados pelos outros. Essas práticas são essenciais para a sobrevivência de alguns grupos.
Apesar disso, os sistemas sociais não são inteiramente auto-sustentados, pois há possibilidade
de que alguém não controlado adequadamente pela cultura ganhe vantagem por explorar o
sistema, o que pode levar à deterioração desse sistema.
Para uma análise mais didática do controle pelo grupo, podemos dizer, inicialmente,
que é um tipo de controle mais poderoso que o controle pessoal, pois duas ou mais pessoas
manipulam variáveis que têm o mesmo efeito sobre o comportamento do indivíduo. O grupo
que controla age como uma unidade porque seus membros são afetados pelo indivíduo do
mesmo modo. Este grupo apresenta algum nível de organização. As práticas de controle
adquirem certa uniformidade por causa das forças coesivas que levam os indivíduos a
participar da ação em grupo e por causa de seu modo de transmissão de uma geração para
outra.
A principal técnica empregada é aquela que rotula alguns comportamentos como
“bons” e “certos” e outros como “ruins” e “errados”. A origem da classificação geralmente
está no fato de que o que é reforçador para os membros do grupo é bom e correto e o que lhes
é aversivo é ruim e errado. Mas as práticas do grupo podem não ser completamente
consistentes com a classificação, pois a classificação inicial pode ter sido acidental: uma parte
do comportamento pode ter sido acidentalmente relacionada a eventos aversivos ou
reforçadores e, portanto, classificada de acordo. Ou então a classificação pode estar
desatualizada, sendo o comportamento ainda classificado como bom ou ruim apesar de, por
causa de mudanças nas condições, eles não serem mais reforçadores ou aversivos. Também
132
ocorre, muitas vezes, de não existir o consenso de todos os membros do grupo a respeito da
definição dos comportamentos em bons e ruins. Em sociedades hierarquizadas em classes ou
extratos, geralmente o que é bom para um nível, não o é para outro. Além disso, raramente há
uma classificação formal do comportamento como bom ou ruim.
Inferimos a classificação de nossas observações das práticas de controle. Entretanto,
um tipo de codificação informal acontece quando os próprios termos passam a ser usados no
reforçamento. Talvez os reforçadores generalizados mais comuns sejam os estímulos verbais
“bom”, “ruim”, “certo” e “errado”, que são usados juntamente com reforçadores
incondicionados e outros condicionados, como agradecimento, censura ou crítica, para
modelar o comportamento do indivíduo. A prática de controle comum é reforçar o bom
comportamento e punir o mau. A punição gera estímulos aversivos condicionados - evento
ambiental que, por meio de pareamentos sucessivos com algum estímulo aversivo, passou a
ter essa propriedade, passou a ser aversivo - ao mau comportamento; então, quando o
indivíduo emite um comportamento que foi punido anteriormente, ele gera essa estimulação
aversiva que é associada a um padrão emocional chamado de “vergonha”. Logo, o indivíduo
passa a emitir respostas que reduzem, interrompem ou evitam a probabilidade da resposta
punida. O melhor exemplo de tal comportamento é o autocontrole. O grupo também reforça
diretamente práticas de autocontrole.
Apesar de serem efetivas, contingências punitivas são mal entendidas. Por exemplo,
quando uma criança se queima ao tocar a chama de uma vela e, conseqüentemente, não se
aproxima mais da vela. Em algum sentido, ela foi ensinada a não tocar a chama, porque esse
comportamento foi punido, a punição foi a queimadura. Pode-se dizer que a criança queimada
tem medo do fogo. Respostas autonômicas de glândulas e músculos lisos foram condicionadas
e a criança pode chorar, ficar pálida ou ter a pulsação acelerada ao ver uma vela novamente.
Como parte dessa síndrome, seu comportamento exploratório pode ser enfraquecido na
133
presença de qualquer vela acesa. Também pode ocorrer de a criança “evitar velas acesas”,
pois estímulos presentes logo antes de ela se queimar se tornam aversivos e qualquer
comportamento de escapar deles ou evitá-los será reforçado negativamente. Segundo Skinner,
respostas emocionais podem não estar necessariamente envolvidas; uma criança pode evitar
uma vela que ela não teme. Pode haver extinção, mas se a criança se queimar de novo, o ciclo
se repete. É possível também que ocorra generalização para outros estímulos. Por exemplo,
num mundo em que muitas formas de comportamento são punidas, uma criança pode se
tornar hesitante, tímida ou não responsiva.
A punição não necessariamente reduz a probabilidade de ocorrência do ato punido. Ao
gerar estímulos aversivos condicionados, ela pode reforçar automaticamente comportamentos
incompatíveis com o ato punido. Entretanto, tais contingências não especificam a forma
última do comportamento; punir o mau comportamento não especifica o bom comportamento.
Punir unidades menores gera melhores resultados, pois a topografia correta pode ser
modelada. Se usada, a punição deve ser usada de modo efetivo. Tentativas de reduzir seu
escopo podem, ao contrário, ampliá-lo. O professor que avisa ao estudante para não fazer algo
novamente, senão será punido, e que só pune após o aviso, leva o estudante a discriminar
entre ocasiões em que pode e que não pode ser punido e a se comportar apenas quando
receber o aviso. Outros erros são: punir amplas instâncias do comportamento e punir apenas
ocasionalmente.
Mesmo se efetiva, a punição sempre gera subprodutos. É preciso, então, considerar
técnicas que suprimem o comportamento de outras maneiras. Uma delas é eliminar condições
que tornam possível o comportamento indesejado, isto é, construir um mundo em que é
menos provável que este comportamento ocorra. O problema é que, nesse mundo, o
comportamento desejado geralmente falta, pois também tem sua probabilidade diminuída.
134
Punições podem às vezes ser substituídas por extinção. Muitos problemas disciplinares
estão relacionados às contingências aversivas da situação de ensino, pois o controle aversivo
(reforçamento negativo ou punição) leva à fuga e à esquiva. Uma alternativa é reforçar o
comportamento de permanecer em sala. Também se podem alterar contingências que levam à
competição e, conseqüentemente, ao comportamento anti-social. O professor precisa estar
consciente de quais efeitos reforçadores ou punitivos seu próprio comportamento tem sobre o
comportamento do aluno. Uma outra alternativa ao uso de punição é fortalecer
comportamentos incompatíveis com aquele a ser suprimido.
Para explicar por que o grupo exerce controle, o autor levanta vários processos
possíveis. A explicação de que o bom comportamento de A pode ser positivamente reforçado
por B porque ele gera uma disposição emocional da parte de B de fazer o bem a A não é
satisfatória, pois apela para uma tendência constante a fazer o bem. Mas parece claro que o
comportamento de favorecer o outro é modificado por certas circunstâncias emocionais e que
o bom comportamento por parte do outro é um ponto em questão. Outra possibilidade é que o
grupo reforça bom comportamento porque a probabilidade de comportamento similar no
futuro é aumentada. A comunidade ensina cada membro a aprovar e agradecer ao indivíduo
que se comporta bem mesmo que o membro da comunidade em questão não tenha sido
diretamente afetado. As disposições emocionais que levam os membros de um grupo a punir
mau comportamento são mais óbvias. Quem calunia outros, os priva da sua propriedade ou
interfere em seu comportamento gera um aumento da inclinação ao contra-ataque. Uma outra
explicação fora do âmbito da emoção: se a agressão de A é momentaneamente reduzida por
meio da contra-agressão de B, B será reforçado. Agências educacionais podem utilizar
variáveis emocionais, gerando, por exemplo, ressentimento e indignação com relação à
desonestidade, ao roubo, ao assassinato, ou podem utilizar o condicionamento operante.
135
O efeito do controle do grupo sobre o indivíduo é, ao menos temporariamente,
desvantajoso para o indivíduo, pois os comportamentos reforçados pelo grupo podem criar
fortes condições aversivas para o indivíduo. Entre as formas de bom comportamento
fortalecidas pela comunidade, estão as práticas de autocontrole nas quais o comportamento
que poderia resultar em fortes reforçadores para o indivíduo é enfraquecido. Quando o grupo
utiliza a punição como controle, o sofrimento para o indivíduo é mais claro, pois já é uma
técnica em si aversiva e, além disso, o comportamento que gera vantagem para o indivíduo e
desvantagem para outros é punido pelo grupo. O comportamento egoísta é restringido e o
altruísta é incentivado. Contudo, o indivíduo também ganha com essas práticas, pois ele é
parte do grupo que controla com relação a todos os outros indivíduos. Esse sistema pode
atingir um “estado estável”, em que as vantagens e desvantagens para o indivíduo se
equilibram. Se seu egoísmo é controlado pelo grupo, ele também faz parte deste grupo que
controla o egoísmo dos outros.
Instâncias de comportamento relacionadas ao automanejo ético, como justiça, bravura
e temperança, podem ser modelados por meio de técnicas comportamentais, apesar da
dificuldade de se arranjarem as contingências necessárias. Uma solução comum é ensinar
preceitos. Ao invés de aprender a se comportar bem, a criança aprende regras que deve seguir
para se comportar bem. Os problemas éticos a serem enfrentados pelo indivíduo não podem
ser todos previstos. Então a cultura precisa ensinar um tipo de resolução de problema ético
que permita ao indivíduo chegar aos seus próprios preceitos quando necessário. Isso pode ser
feito ensinado-se preceitos de segunda ordem ou métodos heurísticos éticos. A questão do
mérito pessoal é importante no automanejo ético. Dá-se pouco mérito ao estudante que se
comporta bem se ele não poderia, de qualquer forma, se comportar mal. Quando o aluno se
comporta bem porque o professor lhe ensinou passo a passo, o mérito é do professor. Apenas
quando seu bom comportamento é resultado do automanejo ético é que o mérito é dado
136
totalmente a ele. Porém, se formos analisar, as origens do automanejo ético estão na cultura.
O mérito pessoal é dado quando a cultura pune o mau comportamento sem especificar o bom,
mas as técnicas que ensinam diretamente o automanejo ético não deixam lugar para um “self
ser admirado.
Freqüentemente, ensinar comportamentos emocionais é interpretado equivocadamente
como ensinar sentimentos que levem a certos comportamentos emocionais. É possível ensinar
soldados a odiarem o inimigo tornando aversivos os estímulos associados ao inimigo, mas o
objetivo é aumentar os operantes agressivos modelados pelos estímulos aversivos que foram
condicionados. O comportamento não é necessariamente sentido como ódio. Tanto na clínica
quanto no laboratório, o que é alterado é geralmente mais o comportamento operante que as
respostas emocionais sentidas.
Para levar estudantes a deixar de fumar, por exemplo, Skinner propõe que sejam
apresentados vídeos de pessoas com câncer de pulmão causado pelo cigarro sendo submetidas
a cirurgia. Isso eliciaria respostas emocionais aversivas que, pareadas com o nome de cigarro,
ou a sua imagem, levariam estes a se tornarem estímulos aversivos condicionados. Logo, ao
fumar, o indivíduo pode sentir respostas emocionais aversivas condicionadas chamadas de
culpa ou medo. Esses estímulos se tornam também reforçadores negativos -, que o estudante
evita ao parar de fumar. Tanto o professor como o terapeuta se interessam pelo
condicionamento e pela extinção do comportamento respondente, muito freqüentemente
relacionado ao comportamento operante.
Essa possibilidade levantada por Skinner é tratada de modo semelhante no filme de
Stanley Kubrick, A Clockwork Orange (Laranja Mecânica, na versão em português)
38
. Nele,
um rapaz violento passa por um longo processo de condicionamento clássico em que
estímulos visuais relacionados à violência (cenas de sexo ou de agressão física) lhe são
38
Segundo Skinner, o filme apontou algo que o ele próprio não havia apontado até então: que sob práticas
punitivas, justificamos o mau comportamento (Skinner, 1978, p. 196).
137
apresentados ao mesmo tempo em que ele toma uma droga que elicia respostas fisiológicas,
como náusea e enjôo. Desse modo, esses estímulos visuais passam a eliciar as mesmas
respostas, levando à modificação de alguns operantes, porque o que antes funcionava como
um estímulo discriminativo para um ato violento como um estupro – por exemplo, a imagem
de uma mulher nua –, depois do condicionamento, passa a funcionar como estímulo
discriminativo para fuga ou esquiva, pois a imagem da mulher nua passa a ser um sinal de que
a aproximação dela terá como conseqüência náuseas e vômitos.
No Brasil, há um exemplo de técnica semelhante: as carteiras de cigarro devem trazer
fotos de alguma situação aversiva causada pelo cigarro, como fetos abortados ou pulmões
com câncer ou enfisema. Entretanto, tal norma não parece ter diminuído o consumo de
cigarro.
Além do comportamento ético - aquele comportamento classificado como “bom” ou
“correto” pelo grupo -, o indivíduo adquire, do grupo, um extenso repertório de modos e
costumes. O comportamento se adapta aos padrões de uma dada comunidade quando certas
respostas são reforçadas e outras não são reforçadas ou são punidas. Essas conseqüências são
freqüentemente relacionadas e intercaladas com aquelas do ambiente não social. Por exemplo,
as vestimentas características de uma comunidade têm, como um dos fatores determinantes, o
tipo de clima do lugar onde vive aquele grupo.
Para o autor, as contingências a serem observadas no ambiente social facilmente
explicam o comportamento do conforming individual, ou seja, daquele indivíduo que está
adequado às normas daquele grupo. O problema seria explicar as contingências. Algumas
delas não possuem nenhuma relação com o efeito dos modos e costumes sobre o grupo.
Entretanto, quando um costume é mantido por agências de controle, ele é mantido pelas
conseqüências usuais para o grupo. A comunidade como um todo freqüentemente estabelece o
138
conforming behavior – comportamento de acordo com as normas - essencialmente por meio
de técnicas educacionais.
As classificações de “certo” e “errado” se estendem para outros níveis além do
comportamento ético. Uma resposta em desacordo com a gramática de uma língua é
considerada “errada” e punida de acordo. Modos não convencionais de se vestir ou de se
portar à mesa são igualmente classificados e punidos. O autor se pergunta por que
comportamentos desviantes podem ser aversivos se realmente não apresentam perigo para o
grupo. Uma resposta clássica é que esse tipo de comportamento pode ter sido aversivo para o
grupo por uma boa razão em épocas anteriores desse grupo. É possível, também, demonstrar
que pode haver conseqüências indiretas, mas não menos efetivas. Quando um indivíduo usa
roupas elegantes, utiliza uma linguagem rebuscada, ele tem como conseqüência a aceitação
por parte do grupo e prestígio por controlar aqueles que não se comportam da mesma
maneira.
Talvez a explicação mais simples do reforço diferencial do conforming behavior seja o
processo de indução. O grupo começa suprimir a mentira, o roubo, e assim por diante, por
causa das conseqüências imediatas para seus membros. O grupo faz isso eventualmente em
função de certas características dos comportamentos “bons” ou “ruins” do indivíduo
controlado. Entre tais características está a falta de conformidade ao comportamento geral do
grupo e ela é freqüentemente associada a propriedades aversivas do comportamento. Se esse
pareamento ocorrer de modo suficiente, a propriedade de não conformidade se torna aversiva.
“Certo” e “errado” passam a ter eventualmente a força de “conforming” e “nonconforming”.
Cada indivíduo que se conforma aos padrões do grupo passa a sustentar aquele padrão
aplicando uma classificação similar ao comportamento dos outros.
O ambiente social é geralmente chamado de cultura de um grupo. Num sentido mais
amplo, uma cultura é composta de todas as variáveis que afetam o indivíduo e que são
139
manipuladas pelas pessoas. O meio social é em parte resultado das práticas do grupo que
geram comportamento ético e da extensão dessas práticas aos modos e costumes. E é, em
parte, resultado das práticas das agências e das subagências com as quais o indivíduo entra em
contato. Nesse sentido, a cultura é extremamente complexa e poderosa. Entretanto, não é
unitária, pois práticas de diferentes agências de controle podem entrar em conflito e pode
haver divergências nos modos e costumes. O meio social também pode sofrer alterações ao
longo da vida de um mesmo indivíduo, levando-o a culturas conflitantes.
Ao analisar as práticas de controle nas cinco agências - religião, economia,
psicoterapia, governo e educação -, no Ciência e Comportamento Humano, Skinner levanta as
seguintes características presentes nas práticas utilizadas por elas.
No controle religioso, o comportamento verbal estabelece a ligação entre eventos
acidentais e certas respostas, propiciando o comportamento supersticioso, básico para esse
tipo de controle. Por meio de processos verbais, relaciona-se uma conseqüência (que não é
necessariamente relacionada) punitiva ou reforçadora a determinada resposta do indivíduo.
Essa conexão é estabelecida pela agência, afirmando-se sua conexão com o sobrenatural. Os
comportamentos são classificados em virtuosos ou pecaminosos e punidos de acordo.
Estímulos aversivos condicionados (relacionados, em geral, com a descrição do Inferno) são
evitados pelo comportamento virtuoso. Comportamento pecaminoso é punido com ameaça do
Inferno e da perda do Paraíso.
O pecado é punido de modo a gerar uma condição aversiva da qual se foge com
expiação e absolvição. São manipuladas condições ambientais com a finalidade de evitar o
pecado e favorecer comportamentos virtuosos. Além disso, por meio de condicionamento
respondente, respostas emocionais dos rituais são transferidas para outros estímulos a serem
usados com propósito de controle pela agência.
140
As práticas usadas pelo governo são, em sua maioria, coercitivas. O que mantém
grande parte dos governos é seu poder de punição - definida como a apresentação de um
reforçador negativo (aquele cuja retirada aumenta a probabilidade de ocorrência da classe de
resposta que o cancelou) ou a retirada de um reforçador positivo (aquele cuja apresentação
aumenta a probabilidade de ocorrência da classe de respostas que o produziu). O
consentimento do governado provém da congruência entre o controle governamental e o
controle ético, o qual consiste na classificação de determinados comportamentos como "bons"
ou "ruins" e a punição ou reforçamento de acordo. O reforçamento positivo é raramente
utilizado pelo governo.
As leis estabelecidas por eles descrevem certas ações como "certas" e outras como
"erradas". As erradas têm tal classificação por serem aversivas para a agência ou para outra
pessoa. Além de classificar, as leis estabelecem conseqüências para certos comportamentos,
de modo a controlá-los. As leis também servem para que os governados exerçam
contracontrole sobre a agência; entretanto, o contracontrole perpetua a agência por estabilizá-
la, por impedir o abuso do poder.
Normalmente, a ênfase é dada ao comportamento ilegal por meio de punição, a qual
gera estímulos aversivos condicionados ("sentimento de culpa") que propiciam reforçamento
negativo de respostas incompatíveis com o comportamento ilegal.
Na educação, a punição não é mais tão deliberadamente usada como já o foi. Buscam-
se reforçadores artificiais (promoções, medalhas, boas notas, diplomas, todos associados ao
reforço generalizado da aprovação) para respostas que serão vantajosas para o indivíduo ou
para os outros no futuro. A instituição educacional faz mais do que simplesmente comunicar
conhecimento, ela ensina o aluno a pensar, estabelece um repertório especial que tem como
efeito a manipulação de variáveis as quais encorajam o surgimento de soluções para
problemas. Tal prática é essencial para preparar o indivíduo para ocasiões futuras.
141
O reforço educacional faz certas respostas se tornarem mais prováveis sob certas
circunstâncias. Para isso, operantes são postos sob controle de estímulos que provavelmente
ocorrerão nessas circunstâncias. Apesar de tudo, o controle aversivo permanece sob forma de
ameaça de retirada de aprovação ou afeição. O repertório a ser estabelecido não pode se opor
aos interesses das agências a que a educação está vinculada. Tal repertório é predeterminado
por um currículo.
A respeito das práticas estabelecidas pela agência econômica, essa agência é formada
por um ou por vários indivíduos que possuem bens e dinheiro e utilizam seu poder para os
manter. O reforçamento positivo está bastante presente no tipo de controle aí estabelecido, ao
contrário de outras agências. O dinheiro é um reforçador positivo generalizado, um estímulo
reforçador condicionado o qual foi relacionado a mais de um reforçador primário, que
estabelece uma escala única e unidimensional de comparação para as transações financeiras,
as quais são efetuadas pesando-se as conseqüências positivas e negativas que cada um dos
lados da transação irá ter.
As remunerações são efetuadas em esquema de razão fixa (o estímulo reforçador é
apresentado depois de um determinado número fixo de respostas do indivíduo), ou intervalo
fixo (o estímulo reforçador é contingente a uma resposta emitida pelo indivíduo depois de
determinado intervalo fixo de tempo), ou esquemas combinados ou variáveis (neste último
caso, o reforço não é contingente a um intervalo fixo de tempo ou a uma razão fixa; no
intervalo variável e na razão variável, a média de tempo, no primeiro caso, e a média de
número de respostas, no segundo caso, é que são “fixas”).
Podem ser dados reforçadores financeiros adicionais (como bônus para manter a taxa
de resposta alta ou como gratificação por desempenho superior ao mínimo esperado). Existem
também fatores extra-econômicos que podem servir como reforçadores, como o
reconhecimento do próprio trabalho por outros profissionais ou pela comunidade. Na relação
142
de compra e venda, há vários determinantes para a transação se efetuar ou não: nível de
privação do consumidor, história de reforçamento, propaganda, comportamento imitativo,
história de certos esquemas de reforçamento e contingências temporárias que governam a
transação.
O controle utilizado na psicoterapia é, inicialmente, a promessa de melhora para a
condição aversiva em que está o paciente. Tal condição aversiva é efeito prejudicial de outros
controles, principalmente dos excessivos e inconsistentes. Terapia também significa controle,
pois o terapeuta tenta manipular algumas variáveis independentes da história do paciente
relacionadas ao problema dele de modo a interferir nas variáveis dependentes
(suplementando, assim, a história pessoal do paciente) e modificá-las para afastar a condição
aversiva na qual se encontra. À medida que o tratamento progride, o terapeuta se torna fonte
de reforçamento para o paciente. O comportamento do paciente de voltar a ele para pedir
ajuda é reforçado com o progresso eficiente da terapia.
Apesar das diferenças, diz-se que “a natureza humana é a mesma em qualquer lugar do
mundo”. Isso pode significar que os processos comportamentais básicos têm propriedades
relativamente constantes. Mesmo assim, as cargas genéticas variam enormemente de um
indivíduo para o outro e os ambientes em que eles estão inseridos provavelmente têm mais
diferenças do que semelhanças. Sendo assim, há um alto grau de individualidade. O efeito do
meio ambiente social sobre o indivíduo pode ser inferido ponto por ponto da análise daquele
ambiente. O nível de trabalho, o interesse e o entusiasmo são resultados do histórico de
reforçamento. Clima favorável, comida suficiente e outros recursos também são variáveis
determinantes. Motivação para os comportamentos de comer e de fazer sexo dependem de
características culturais como a acessibilidade de comida e de outras pessoas com quem fazer
sexo e dos horários estabelecidos para tais respostas. O meio social também é o maior
responsável pelo fato de o sujeito crescer num ambiente de amor, raiva, ressentimento ou
143
qualquer outro padrão emocional. Vários repertórios individuais, como resolução de
problemas e habilidades sociais são criados culturalmente, inclusive pelas diferentes agências
de controle.
Todas as agências de controle são em parte responsáveis pela criação de
comportamentos desse tipo, embora seja assunto especial da educação. Grande parte do
comportamento de autocontrole é culturalmente determinada, principalmente pelas agências
éticas, religiosas e governamentais. Vários outros efeitos da cultura dependerão de se o
indivíduo apresenta autocontrole. Com relação ao autoconhecimento - ou seja, às respostas
discriminativas do próprio comportamento e das variáveis das quais ele é função - ele parece
ser produto exclusivo do meio ambiente social; depende de quanto o grupo insiste em
questões do tipo: “O que você está fazendo?” ou “Por que você fez isso?”. O comportamento
neurótico também é, em grande medida, determinado pelo meio social.
144
ANEXO 3
Propostas políticas
Skinner afirma a possibilidade de se estabelecer um governo próximo ao ideal (qual
seja, o governo "das pessoas pelas pessoas") através da modificação do comportamento, neste
contexto interpretada como mudança comportamental por meio de reforçamento positivo. O
controle aversivo, geralmente utilizado, seria substituído por alternativas não punitivas, por
um governo igualitário, com o controle face-a-face, onde todos possuíssem essencialmente o
mesmo poder e não houvesse agências de controle. Tendo em vista a abrangência da cultura,
tal proposta somente poderia ser efetivada nesse nível, o nível cultural. Um meio social pode
funcionar sem a ajuda de legisladores ou empresários e é mais claramente um governo "das
pessoas pelas pessoas" quando isso ocorre.
"Utopias" desse tipo estão presentes na filosofia política do anarquismo, por exemplo.
De tempos em tempos, são propostas filosofias semelhantes. Hoje, entretanto, estamos numa
posição melhor para propor uma filosofia política, pois começamos a entender como o meio
ambiente, particularmente o ambiente social, funciona, e já temos algumas orientações de
como fazê-lo funcionar melhor. Muito disso é produto da aplicação da análise experimental
do comportamento, que veio a ser chamada de modificação do comportamento. Assim, o
behaviorismo representa papel fundamental no estabelecimento de um governo "das pessoas
pelas pessoas".
Há princípios comportamentais no estabelecimento do controle das pessoas pelas
pessoas. O primeiro é a substituição do controle aversivo por reforçamento positivo. Um
segundo é evitar reforçadores artificiais, pois os reforçadores naturais são mais eficientes na
modelação e manutenção do comportamento. Um terceiro princípio estabelece que
comportamento que consiste em seguir regras é inferior ao comportamento modelado pelas
145
contingências descritas nas regras. Dessa forma, nosso comportamento é mais sensível às
contingências mantidas pelas pessoas quando somos diretamente censurados ou aprovados.
Outro princípio diz que o controle das pessoas pelas pessoas é provavelmente
prejudicado por reforçadores não-contingentes (já utilizados por governos comunistas e
estados de bem-estar social), pois eles restringem o desenvolvimento das capacidades de seus
membros e ameaçam a força da cultura e, talvez, suas chances de sobrevivência. Isso está
presente quando existem direitos incondicionais. Em última análise, é a cultura em evolução
que controla o controlador. Uma cultura prepara seus membros para suas contingências. As
pessoas agem para aperfeiçoar práticas culturais quando o ambiente social induz a isso.
Culturas com esse efeito e que apóiam ciências relevantes têm mais probabilidade de resolver
seus problemas e sobreviver.
O uso mais amplo de reforçamento positivo é uma alternativa para se estabelecer um
governo "para as pessoas", pois o "sentimento de liberdade", o gostar do que faz, o sentimento
de felicidade são produtos do reforçamento positivo e estão entre os objetivos de tal tipo de
governo.
O governo "das pessoas pelas pessoas" seria aquele em que não se comporta como se
deve, mas como se quer. Este sentimento de liberdade é produto do reforçamento positivo. No
governo "das pessoas pelas pessoas", os indivíduos teriam autocontrole, apresentariam senso
moral e ético, ou seja, seguiriam as regras da cultura, do meio social sem necessidade de
supervisão. Tal fenômeno é possível somente quando todos possuem essencialmente o mesmo
poder. Se houver alguma agência de controle, mesmo que haja contracontrole, não é possível
uma sociedade verdadeiramente igualitária. O controle face-a-face de um governo justo,
eqüitativo, é perdido com as agências de controle, devido à destruição dos contatos
interpessoais.
146
É necessário não confundir as idéias acima defendidas pelo autor com algo semelhante
a um liberalismo, no qual ocorre o predomínio da agência econômica. Tal conclusão seria
bastante incoerente, pois o predomínio da Economia, o laissez faire econômico, levaria a uma
involução da participação dos indivíduos nas decisões coletivas, algo que já existe em algum
sentido nos governos atuais. Se fôssemos aproximar a proposta do controle face-a-face de
alguma ideologia conhecida, seria a do anarquismo, pois nele não haveria agências de
controle.
Outra proposta de Skinner, agora referente ao comportamento de ajuda, mas também
relacionada às agências de controle, é que a análise aplicada do comportamento é exatamente
o que é necessário para se resolver a questão dos princípios éticos de se ajudar as pessoas. Da
análise experimental do comportamento surgiram técnicas as quais podem ajudar a construir
uma “Ética da ajuda”.
Nesse sentido, a proposta da modificação do comportamento é ajudar as pessoas
manipulando contingências sob as quais elas conseguem as coisas e não dando tais coisas.
Está aí o conflito com as visões tradicionais da ajuda, especialmente com os princípios do que
é justo ou defendido como direitos do indivíduo, em que há incondicionalidade dos direitos.
Os bens dados podem servir como estímulos reforçadores e, por isso mesmo, podem e
devem ser utilizados em relações contingentes benéficas para o futuro do grupo. Pessoas
institucionalizadas, por exemplo, podem assumir interesse ativo na vida e começar a fazer
para si próprios o que antes a instituição fazia por eles, garantia como direito.
Desse modo, a Ética da ajuda defendida por Skinner não é aquela que dá coisas, mas a
que ensina (com a manipulação de contingências de reforçamento - exclusivamente positivo)
a conseguir tais coisas, de modo que cada um se torne mais “senhor de si”, menos dependente
de instituições de controle e se engaje em comportamentos mais produtivos para que o futuro
do grupo não seja comprometido. A Ética de Skinner aponta a sobrevivência da cultura do
147
grupo. A proposta é de uma cultura cooperativa a longo prazo, na qual uma “vida boa” não é
ter o que se precisa, mas onde o que se precisa figura como reforçador em contingências
efetivas. Isso seria uma “cultura auto-sustentável”, em que seria possível o controle face-a-
face.
Talvez a única esperança seja construir uma nova cultura desde o início. Mais do que
esperar por variações e seleções das práticas culturais que resolvessem nossos problemas,
poderíamos planejar um modo de vida o qual nos desse mais chances para um futuro; planejar
comportamentos individuais benéficos para o futuro do grupo.
A análise experimental do comportamento, na visão do autor, é a ciência necessária
para se planejar um mundo no qual os fracassos da evolução seriam corrigidos. Seria um
mundo em que as pessoas se tratassem bem, não devido a sanções de governos ou religiões,
mas por causa das conseqüências imediatas face-a-face. Em que não houvesse consumo
excessivo, ou outros comportamentos ruins para o futuro da humanidade. Segundo Skinner,
esse seria um mundo em que os cientistas, como queria Louis Pasteur, dessem mais valor, não
aos aplausos recebidos amanhã, mas aos aplausos a serem recebidos daqui a anos.
Certamente, tal proposta encontraria objeções das instituições que ela pretende
substituir. Neste momento, o autor interpreta essas objeções como verdadeiros obstáculos à
sua proposta, que é extremamente radical. Sim, radical, pois se não houvesse alterações nas
“raízes” das instituições sociais, nas agências de controle (diria, aliás, se não fossem
arrancadas pelas raízes), sua proposta não seria implementada. Além do mais, seu modo de
implementação seria impossível por meio de reformas, pois encontrariam forte resistência
tanto dos controladores como dos controlados. Construir uma nova cultura do começo parece
ser a única esperança. Mas isso é menos viável ainda. Reforma não resolve muito e revolução
não é possível.
148
Então, embora Skinner pareça um tanto pessimista, no final de sua vida, quanto ao
nosso futuro, ainda restava a esperança de que a análise aplicada do comportamento fosse a
redenção para a humanidade; acabasse com as agências de controle, as quais, com suas
práticas, nos condenam a um fim não muito distante. A única agência cuja existência suas
propostas permitiriam é a educação, mas ela não seria do modo como é hoje, pois apoiaria
práticas culturais que garantissem o futuro da espécie humana.
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